Saudades De 1964 Leandro Fortes
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Saudades de 1964 Leandro Fortes Instituto Millenium: A verdadeira face que a direita oculta Débora Prado Nº76 | JANEIRO | 2013 1 Apresentação A formação dos Estados constitucionais modernos consagraram os regimes representativos atra- vés dos partidos políticos. Não foi um processo automático e simultâneo. Os primeiros regimes constitucionais liberais eram pouco democráticos. O direito à organização partidária, assim como o sufrágio universal e a igualdade de gênero, só foram atingidos plenamente no século XX, após décadas de luta popular. Ao longo do século passado, os partidos firmaram-se como os grandes canais de expressão e da vontade política coletiva de milhões de pessoas. Apesar das diferenças históricas entre os vários países, consolidou-se um sistema de represen- tação proporcional ou majoritário através dos partidos, que se apresentam na sociedade como portadores de um ideário, de uma visão de mundo, de um programa de governo. Os partidos apresentam-se aos eleitores com seu projeto próprio e, a princípio, são identificados em seu conteúdo ideológico no próprio nome. Daí chamam-se de liberais, conservadores, socia- listas, comunistas, social-democráticos, trabalhistas, etc. Nos processos eleitorais e na adesão a um partido, o eleitor já teria uma identificação prévia para o voto e/ou filiação partidária, de acordo com sua vontade e identificação social. A complexidade do processo democrático é que nem sempre a identificação teórica e ideológica combina com a prática e o comportamento dos eleitos e até dos partidos. Estes deveriam observar coerência entre a intenção e o gesto e na sua função clássica, não só aglutinar cidadãos, selecionar e apresentar candidatos, elegê-los, mas, principalmente, controlar os eleitos. Mantê-los na orientação coletiva, garantir a coerência, formá-los doutrinariamente e fazer do próprio comportamento, pedagogicamente, o instrumento para se apresentar aos elei- tores, crescer e construir maioria. Ou seja, a consecução de sua razão de ser: a disputa do poder. A realidade, a vida política, não é tão simples. Os sistemas eleitorais, o voto individual ou coletivo, o poder econômico e o financiamento das campanhas, o acesso aos meios de comunicação, as vantagens ou benefícios nos cargos públicos, enfim, tudo isso altera radicalmente aquilo que poderia parecer simples. A identificação partidária, assim como o conhecimento científico de como funciona a sociedade, sofrem permanentemente do fenômeno ideológico, alienador e mistificador, inerente à própria ação política. No Brasil, a grande maioria dos partidos identifica-se como partidos de ordem, do status quo capitalista, mas não se chamam “partido capitalista”. Ao contrário, adotam nomes mais palatá- veis, como social democracia, popular e socialista, democratas, apesar de todos serem partidos 2 capitalistas neoliberais. Essa é a questão ideológica inerente à disputa política. A mistificação começa pela própria identificação do partido que não será cumprida na ação política, na vida real e nas políticas governamentais desenvolvidas. Além disso, quando a história e a cultura democrática e partidária é débil ou recente, os meca- nismos de dominação expressam-se através de outras instituições que não se constituem dire- tamente como partidos. Grandes organizações de representação empresarial ou seus Fóruns nacionais e internacionais, os grandes meios de comunicação, grandes centros de difusão de ideias (universidades, igrejas, etc) cumprem papéis partidários na propaganda e organização de determinados pensamentos que se transformam em ação governamental. O Fórum Econômico Mundial é um exemplo disso. Reunindo-se em Davos (Suiça), durante décadas foi, e é, o grande mentor do projeto neoliberal e se constitui na expressão dos grandes grupos econômicos inter- nacionais, em especial o setor financeiro, que, junto com as lideranças dos grandes partidos conservadores dos centros do capitalismo mundial, difundiram e puseram em prática o modelo neoliberal a partir de Ronald Reagan (Estados Unidos) e Margareth Tatcher (Reino Unido) nos anos 1980. Esse é o sentido do Instituto Millenium no Brasil. Sem disputar eleições, sem se apresentar como um partido político, sem ter que enfrentar a opinião pública ou ter a transparência exigida aos partidos ou aos sindicatos, é a instituição organizadora do pensamento da direita brasileira que se reproduz no conjunto dos partidos da ordem onde encontram seguidores e aderentes em graus variados de cumplicidade e adesão. Sua força é multiplicada pelo poder econômico dos grupos empresariais que os organizam e sustentam, pelos grandes meios de comunicação oligopolistas que filtram e manipulam as infor- mações no país e por um exército de articulistas, colunistas, formadores de opinião, âncoras de rádio e TV que reproduzem a “voz do dono”. A publicação dos artigos de Leandro Fortes (Carta Capital) e Débora Prado (Caros Amigos) objeti- va dar conhecimento de como se forma e qual o centro pensante que se multiplica, diariamente, nos partidos, nos legislativos e chega na opinião pública através das centenas de programas de rádio, TV, jornais e das redes sociais que reproduzem à exaustão os editoriais e as posições e opiniões políticas dominantes que formam o senso comum brasileiro. As opiniões dos grandes meios se reproduzem através dos veículos regionais até a menor rádio e o menor jornal que pautam seu noticiário local pelas versões recebidas dessas redes mono- polizadas. É dessa forma que se reproduzem e mantém as ideias dominantes e o senso comum na sociedade. Os artigos devem servir para dar dimensão da força dos inimigos, da fragilidade e submissão dos partidos do campo conservador e das monumentais tarefas que a esquerda tem para se contra- por a essa dominação, sobreviver e manter a luta pela construção da democracia e na defesa dos avanços já alcançados na última década. Boa leitura! Raul Pont Deputado estadual Janeiro/2013 3 Saudades de 1964 LEANDRO FORTES* *Texto publicado originalmente em 02/01/2013 na revista Carta Capital Em 1º de março de 2010, uma reunião de milionários em luxuoso hotel de São Paulo foi festejada pela mídia nacional como o início de uma nova etapa na luta da civiliza- ção ocidental contra o ateísmo comunista e a subversão dos valores cristãos. Auto- denominado 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, o evento teve como anfitriões três dos maiores grupos de mídia nacional: Roberto Civita, dono da Editora Abril, Otávio Frias Filho, da Folha de S.Paulo, e Roberto Irineu Marinho, da Globo. O evento, que cobrou dos participantes uma taxa de 500 reais, foi uma das primeiras manifestações do Instituto Millenium, organização muito semelhante ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), um dos fomentadores do golpe de 1964 (quadro à pág. 28). Como o Ipes de quase 50 anos atrás, o Millenium funda seus princípios na liberdade dos mercados e no medo do “avanço do comunismo”, hoje personificado nos movimentos bolivarianos de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Muitos de seus integrantes atuais engrossaram as marchas da família nos anos 60 e susten- taram a ditadura. Outros tantos, mais jovens, construíram carreiras, principalmente na mídia, e ganharam dinheiro com um discurso tosco de criminalização da esquerda, dos movimentos sociais, de minorias e contra qualquer política social, do Bolsa Famí- lia às cotas nas universidades. 4 Há muitos comediantes no grupo. No seminário de 2010, o “democrata” Arnaldo Ja- bor arrancou aplausos da plateia ao bradar: “A questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo?” Isso, como? A resposta é tão clara como a pergunta: com um golpe. No mesmo evento brilhou Marcelo Madureira, do Casseta & Planeta. Como se verá ao longo deste texto, há um traço comum entre vários “especialistas” do Millenium: muitos se declaram ex-comunistas, ex-esquerdistas, em uma tentativa de provar que suas afirmações são fruto de uma experiência real e não da mais tacanha origem conservadora. Madureira não foge à regra: “Sou forjado no pior partido político que o Brasil já teve”, anunciou o “arrependido”, em referência ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o velho Partidão. Após a autoimolação, o piadista atacou, ao se referir ao governo do PT de então: “Eu conheço todos esses caras que estão no poder, eram os caras que não estudavam”. Eis o nível. O símbolo do Millenium é um círculo de sigmas, a letra grega da bandeira integralista, aquela turma no Brasil que apoiou os nazistas. Jabor e Madureira estão perfilados em uma extensa lista de colaboradores no site da entidade, quase todos assíduos frequentadores das páginas de opinião dos principais jornais e de programas na tevê e no rádio. Montado sob a tutela do suprassumo do pensamento conservador nacio- nal e financiado por grandes empresas, o instituto vende a imagem de um refinado clube do pensamento liberal, uma cidadela contra a barbárie. Mas a crítica primária e o discurso em uníssono de seus integrantes têm pouco a oferecer além de uma nar- rativa obscura da política, da economia e da cultura nacional. Replica, às vezes com contornos acadêmicos, as mesmas ideias que emanam do carcomido auditório do Clube Militar, espaço de recreação dos oficiais de pijama. Meio empresa, meio quartel, o Millenium funciona sob uma impressionante estrutura hierárquica comandada e financiada por medalhões da indústria. Baseia-se na disse- minação massiva de uma ideia central, o liberalismo econômico ortodoxo, e os con- ceitos de livre-mercado e propriedade privada. Tudo bem se fosse só isso. No fundo, o discurso liberal esconde um frequente flerte com o moralismo udenista, o discurso golpista e a desqualificação do debate público. Criado em 2005 com o curioso nome de “Instituto da Realidade”, transformou-se em Millenium em dezembro de 2009 após ser qualificado como Organização Social de Interesse Público (Oscip) pelo Ministério da Justiça. Bem a tempo de se integrar de corpo e alma à campanha de José Serra, do PSDB, nas eleições presidenciais de 2010. Em pouco tempo, aparelhado por um batalhão de “especialistas”, virou um bunker antiesquerda e principal irradiador do ódio de classe e do ressentimento eleitoral dedicado até hoje ao ex-presidente Lula.