Por Uma Poética Da Voz Africana: Transculturações Em Romances E Contos Africanos E Em Cantos Afro-Brasileiros

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Por Uma Poética Da Voz Africana: Transculturações Em Romances E Contos Africanos E Em Cantos Afro-Brasileiros Neide Aparecida de Freitas Sampaio Por uma poética da voz africana: Transculturações em romances e contos africanos e em cantos afro-brasileiros Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras: Estudos Literários, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras – Teoria da Literatura. Área de Concentração: Teoria da Literatura Linha de Pesquisa: Literatura, História e Memória Cultural Orientadora: Profa. Sônia Queiroz Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2008 Aquele que soube me dar o carinho necessário nos momentos de tristeza e, conseguiu, com muita paciência, cobrar atitudes quando a angústia ameaçava se tornar mais forte. Muito obrigada pelo amor constante e firme, porque ele me tornou mais forte para enfrentar a escrita de corpo e peito abertos. Serei eternamente grata Aos meus pais: apesar da distância, vocês sempre conseguiram demonstrar o apoio na caminhada, o carinho e orgulho que sentiam pelo caminho escolhido. E aos meus irmãos, Samir, Rose, Marcos, Neire, e Roni, porque souberam, na maior parte das vezes, entender o distanciamento necessário e me apoiar, apesar de tudo. Aos meus amigos, que souberam entender meu isolamento e, apesar disso, continuaram ao meu lado. Ao Andrette, que me ajudou muito no momento de maior desespero. Ao mestres Ivo Silvério da Rocha e Antônio Crispim Veríssimo ( in memoriam ) porque souberam, apesar dos poucos encontros que tivemos, mostrar-me a força da cultura africana que herdaram e por se disponibilizarem a dividi-la comigo. A minha orientadora: principalmente por confiar na minha escrita – confiança que muitas vezes nem mesmo eu tinha. Obrigada por, mais uma vez, impulsionar-me a ir além dos medos e superar as angústias. Hoje eu sei, África rouba-nos o ser, e nos vaza de maneira inversa, enchendo-nos de alma. Mia Couto Resumo A partir da leitura comparada de cantos brasileiros e contos e romances africanos escritos em língua portuguesa, propõe-se uma poética da voz africana, fundada nas relações entre experiência, voz, oralidade, hibridismo lingüístico e tradução. A África está representada pela obra dos escritores Luandino Vieira e Mia Couto, de Angola e de Moçambique, respectivamente, e o Brasil, pelos vissungos – cantos afro-brasileiros registrados pelos pesquisadores Aires da Mata Machado Filho e Lúcia Nascimento, em Minas Gerais, nos povoados de Quartel do Indaiá e São João da Chapada, município de Diamantina, e Milho Verde e Ausente, município do Serro. As teorias utilizadas inscrevem-se nos campos dos estudos da voz e da oralidade, priorizando-se textos de Paul Zumthor e Henri Meschonnic, e ainda o conceito de experiência elaborado por Walter Benjamin, e da tradução, com destaque para o conceito de transcriação, elaborado por Haroldo de Campos. Os estudos lingüísticos, no que se refere às línguas africanas do grupo banto, e as recolhas de literatura oral nos três países também foram relevantes para a pesquisa. Os textos africanos e brasileiros são analisados sob uma perspectiva comparativa, identificando-se neles alguns índices de oralidade que permitem afirmar um fazer poético ligado à visão de mundo banto e ressaltam a articulação entre a experiência, a oralidade e a voz. Palavras-chave: Luandino Vieira, Mia Couto, vissungos, Oralidade, Voz, Experiência. Résumé À partir de la lecture comparée de chants brésiliens et contes et romans africains écrits en portugais, on propose une poétique de la voix africaine, fondée sur les relations entre l’expérience, la voix, l’oralité, l’hibridisme linguistique et la traduction. L’Afrique est representée par l’œuvre des écrivains Luandino Vieira et Mia Couto, d’Angola et de Moçambique, respectivement, et le Brésil, par les Vissungos – des chants afro-brésiliens recueillis par les chercheurs Aires da Mata Machado Filho et Lúcia Nascimento, au Minas Gerais, dans les villages Quartel do Indaiá et São João da Chapada, dans la région de Diamantina, et Milho Verde et Ausente, dans la région de Serro. Les théories adoptées s’incrivent dans les domaines des études de la voix et de l’oralité, appuyées prioritairement sur les textes de Paul Zumthor et Henri Meschonnic. On a utilisé aussi le concept d’expérience, élaboré par Walter Benjamin, et de traduction, en mettant en relief le concept de transcriation, élaboré par Haroldo de Campos. Les études linguistiques, en ce qui concerne les langues africaines de la famille Bantu, et les recueils de littérature orale dans les trois pays ont été importants pour la recherche. Les textes africains et brésiliens sont analysés à l’égard d’une perspective comparative, car on a pu identifier dans quelques-uns de ces textes des indices d’oralité qui nous permettent d’affirmer un savoir-faire poétique lié à la vision de monde bantu. En plus, ils mettent en évidence l’articulation entre l’expérience, l’oralité et la voix. Sumário Resumo................................................................................................................ 5 Résumé................................................................................................................ 6 Traduções, transculturações, transcriações ............................................................... 8 Experiência e oralidade .........................................................................................11 Oralidade e tradução através da escrita...................................................................29 A escrita da voz em Luandino Vieira e Mia Couto ......................................................53 Vissungos inscritos em Milho Verde e São João da Chapada .......................................77 Por uma poética da voz africana .............................................................................99 Referências........................................................................................................101 Anexo 1: Coleção Autores Africanos – Editora Ática ................................................107 Anexo 2: Contos de Luandino Vieira......................................................................108 Anexo 3: Contos Mia Couto..................................................................................174 Anexo 4: Glossário Angola ...................................................................................190 Anexo 5: Glossário Moçambique ...........................................................................253 Anexo 6: Glossário de palavras africanas nos vissungos ..........................................277 Anexo 7: Letras dos vissungos .............................................................................307 Anexo 8 - Obras de Luandino Vieira e Mia Couto.....................................................327 Anexo 9: Transcriações realizadas durante o 36º Festival de Inverno da UFMG .........329 Anexo 10 - Vissungos já gravados ........................................................................333 Traduções, transculturações, transcriações Estudar literatura africana e afro-brasileira não é atravessar fronteiras, é mover-se entre elas, reconhecê-las como lugar de encontros, desencontros, desejos, sonhos, mitos, possibilidades, impossibilidades, silêncios, riscos, incertezas, palavras… É abrir mão de conceitos fechados em si mesmos e aceitar o desafio de se surpreender com a fluência e aproximação de universos totalmente separados. Em função disso, busquei trabalhar com campos teóricos diversos, capazes de abarcar as teorias da oralidade, da experiência, da tradução e da literatura, incluindo o estudo da literatura oral e a lingüística. Evidentemente, foi necessário fazer um recorte bem específico nessas teorias, por isso concentrei o estudo da oralidade e da voz, na perspectiva de Paul Zumthor, mas utilizei também alguns textos de Roland Barthes, Henri Meschonnic, Ruth Finnegan, dentre outros. O conceito de experiência aqui utilizado foi definido por Walter Benjamin nos textos “Experiência e pobreza” e o “O narrador”. A tradução também foi estudada pela perspectiva benjaminiana presente no texto “A tarefa-renúncia do tradutor”, e o conceito principal neste estudo é o de transcriação, proposto por Haroldo de Campos. A lingüística foi extremamente relevante, no que tange ao estudo das línguas africanas no Brasil, em Angola e em Moçambique, que se restringiu a determinar as principais línguas em uso, os principais estudos sobre elas e alguns aspectos relevantes do contato lingüístico entre essas línguas e o português, que são importantes para o estudo literário. Os estudos de literatura oral foram abordados de maneira bem panorâmica, ressaltando apenas os principais autores e textos publicados. Estudei neste trabalho as relações entre a literatura africana escrita em língua portuguesa por Luandino Vieira e Mia Couto e a voz e a oralidade africanas presentes em suas escritas. No Brasil, escolhi os vissungos – cantos afro-brasileiros registrados na Zona Rural de Diamantina e Serro, Minas Gerais, sua poesia e suas relações com as culturas africanas de tradição banto trazidas para o Brasil, e usei como referência o livro O negro e o garimpo em Minas Gerais, de Aires da Mata Machado Filho e a dissertação de Lúcia Nascimento, A África no Serro-Frio: Vissungos, uma prática social em extinção, apresentada em 2003 ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Defendi a existência de uma poética da voz africana nesses textos, percebida pela relação com a oralidade, a voz, a experiência e,
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