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Opiniões Número: Depoimentos ornalornal Novos Lançamentos 232 dede Mês: Abril Entrevista JJ Ano: 2018 LetrasLetras Literatura Infantil Preço: R$ 5,00 JL ACESSE: digital www.folhadirigida.com.br/ edicoes-digitais/ jornal-de-letras

Antonio Cicero Imortal Em concorrida solenidade no Petit Trianon, o poeta, filósofo e compositor Antonio Cicero (Antonio Cicero Correia Lima) tomou posse na Cadeira 27 da Academia Brasileira de Letras. O novo acadêmico foi eleito no dia 10 de agosto do ano passado, na sucessão do Acadêmico e professor , falecido no dia 3 de maio de 2017. (Por Manoela Ferrari – págs. 10 e 11 - Fotos de Guilherme Gonçalves) ornalde 2 JLetras Opinião JL Editorial JL

acervo JL Senac RJ e o ensino à distância É claro que o Brasil precisa de um número maior de livrarias em todo o seu vasto território. A produção literária continua a ser uma reali- dade, interna e externamente, o que é um dado saudável. Há elementos O Senac é um dos pioneiros no Ensino distintos que devem ser considerados, na análise do fenômeno, como o à Distância (EAD) no Brasil. Em novembro que foi contado pelo livreiro Pedro Herz, proprietário da Rede Cultura, de 1947, o Senac SP, em parceria com o das maiores do país. Fazendo um balanço do ano de 2017, referiu-se à Sesc SP, lançou o programa que propagava redução de 20% das vendas em seu negócio e atribuiu o fato ao desa- o conhecimento por meio do rádio – a Unar parecimento do CD e do DVD, que deixaram de existir. Ele adquiriu (Universidade do Ar). a FNAC, mas só esse fato não foi bastante para equilibrar as vendas. A partir de 2013, com o lançamento do Portal Senac EAD para todo Precisa de mais inovações em seu cartel de ofertas, o que provavelmen- o território nacional, a instituição ampliou sua atuação, tornando-se a te levará a Cultura a vender eletrônicos com mais intensidade, ao lado maior rede de educação à distância em alcance no país. dos livros de sempre. Ela está presente em pontos essenciais na cidade Com mais de 250 cursos à distância – entre livres, técnicos, gra- de São Paulo, especialmente na Avenida Paulista, e também no Rio de duação e pós-graduação e extensão à distância – em diversas áreas de Janeiro em livrarias muito bem situadas e também com uma gama conhecimento, a Rede Senac EAD conta com 327 polos presenciais no variada de ofertas. Nossa tese é de que precisamos prestigiar as livrarias Brasil – além de dois no Japão. Em 2013, registrava cerca de 7.500 alunos. brasileiras. Atualmente, ultrapassa 92 mil alunos e a expectativa para este ano é que O Editor. o Senac EAD bata a marca de 120 mil matriculados. Entre os diferenciais que oferece, está uma rede de polos – todos em unidades educacionais próprias. As aulas são ministradas pela inter- net, com duas avaliações presenciais por semestre no polo escolhido. No ambiente virtual, o Senac dispõe de uma interface moderna, dinâmica e acessível, garantindo, inclusive, o acesso a pessoas com deficiência visu- al e/ou auditiva. Os cursos são autorizados pelo MEC, com qualificação do corpo docente e material didático apropriado. O Senac RJ acabou de somar forças a essa rede de aprendizado, com a abertura, em janeiro, de quatro polos na capital para cursos de graduação e técnicos à distância: Centro Politécnico (Riachuelo), Faculdade de Tecnologia Senac Rio (Centro), Senac Campo Grande e Senac Marapendi (Barra da Tijuca). A meta é aumentar esse número em curto prazo, segundo a nova gestão do Senac RJ, que tem à frente Luiz Gastão Bittencourt, do Senac RJ e do Sesc RJ, e Ana Claudia Martins, Diretora regional do Senac RJ. Os estudantes já podem se inscrever em um dos 13 cursos de graduação e 11 técnicos oferecidos pelo Senac RJ no Portal Senac EAD. O material educativo oferecido pode ser acessado de qualquer ponto com internet e baixado no computador dos alunos sem custo adicional. Uma biblioteca virtual, com mais de 20 mil títulos, está à disposição, com obras das mais variadas editoras. Entre elas, as da Editora Senac RJ, a segunda maior da rede editorial da instituição. Pelo potencial que o Estado fluminense representa, é indiscutível a relevância da entrada do Senac RJ na Rede EAD nacional. Segundo o coordenador da oferta de cursos técnicos do Brasil, José Paulo da Rosa, Diretor do Senac Rio Grade do Sul, “Vamos unir forças para incrementar o modelo que representa o futuro da educação no país”. Deonísio da Silva e Amós Coêlho da Silva, respectivamente Vice-Presidente e Presidente da Academia Brasileira de Filologia, ladeando o escritor brasiliense José Carlos Gentili, ao outorgar-lhe o Prêmio Nacional Antenor Nascentes, alusivo à obra A Infernização do Hífen.

JL Expediente Diretor responsável: Arnaldo Niskier “A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, Editora-adjunta: Beth Almeida nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que Colaboradora: Manoela Ferrari Secretária executiva: Andréia N. Ghelman vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você.” Redação: R. Visconde de Pirajá N0 142, sala 1206 — Tel.: (21) 2523.2064 – Ipanema – Rio de Janeiro – CEP: 22.410-002 – e-mail: [email protected] Emerson Distribuidores: Distribuidora Dirigida - RJ (21) 2232.5048 Correspondentes: António Valdemar (Lisboa). Programação Visual: CLS Programação Visual Ltda. Fotolitos e impressão: Folha Dirigida – Rua do Riachuelo, N0 114 Versão digital: www.folhadirigida.com.br/edicoes-digitais/jornal-de-letras O Jornal de Letras é uma publicação mensal do Instituto Antares de Cultura / Edições Consultor. ornalde JLetras 3 Arnaldo Niskier é membro da Academia Brasileira de Letras desde 1984, tendo sido presidente da ABL em dois mandatos. Professor apo- sentado de História e Filosofia da Educação da Universidade do Estado Mérito Educativo do Rio de Janeiro, doutor em Educação pela UERJ, professor Emérito da Universidade Cândido Mendes, Doutor Honoris Causa da Unicarioca, Por Maria Cabral da UNIRIO, da Universidade da Amazônia (UNAMA), foi membro do Conselho Federal de Educação, do Conselho Estadual de Educação e do Conselho Nacional de Educação, secretário de Estado do Rio de Janeiro O diretor responsável do JORNAL DE LETRAS, acadêmico Arnaldo por quatro vezes. Sócio-correspondente da Academia das Ciências de Niskier, recebeu a insígnia da Ordem Nacional do Mérito Educativo, Lisboa, é autor de mais de 100 livros, especialmente sobre educação. no grau de Grande Oficial. Entregue pelo ministro da Educação, José Presidente do CIEE/RJ e do Instituto Antares de Cultura, é colaborador Mendonça Filho, a condecoração aconteceu em Brasília, em cerimônia com artigos publicados em vários jornais do país. que contou com a presença do presidente Michel Temer. O evento, rea- lizado no Salão Nobre do Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo Federal, contou com 110 agraciados. Criada sob o Decreto nº 38.162 de 28 de outubro de 1955 e modi- Entre as condecorações recebidas, estão: ficada pelo Decreto nº 4.797 de 31 de julho de 2003, a honraria tem por finalidade reconhecer personalidades, nacionais e estrangeiras, que se Legião de Honra da França – 1983. destacaram por serviços excepcionais prestados à Educação. A distinção Ordem do Mérito Naval – 1985. existe desde 1955. É um reconhecimento a personalidades, nacionais ou Ordem do Mérito Aeronáutico – 1986. estrangeiras, que tenham contribuído de maneira excepcional para o Ordem do Mérito de – 1987. desenvolvimento da educação. Na mesma cerimônia, foi entregue a insígnia da Ordem Nacional Ordem do Leão da Finlândia – 2001. do Mérito em memória à professora Heley de Abreu Silva Batista, Doutor Honoris Causa Universidade Constatin Brancusi (Romênia) – morta ao salvar crianças em incêndio provocado na creche Gente 2001. Inocente, no município de Janaúba (MG), no ano passado. O viúvo da Colar do Mérito Judiciário – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – professora, Luiz Carlos Batista, recebeu a condecoração. Entre os agra- 2004. ciados, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung; o ministro do Medalha Visconde de Mauá – Associação Comercial do Rio de Janeiro Desenvolvimento Social, Osmar Terra; o diretor-geral do IMPA, Marcelo – 2006. Viana; o deputado federal Alex Canziani (PTB-PR), autor do projeto de Ordem do Mérito Cívico – Liga da Defesa Nacional – 2006. lei que instituiu o Biênio da Matemática 2017-2018; a biomédica e pro- Ordem do Mérito Cultural da Magistratura – 2007. fessora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Helena Nader, Ordem do Mérito Militar Grande-Oficial – 2008. que presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) Medalha Osório Duque Estrada – Academia Paulista de História – 2009. até julho de 2017; Viviane Senna, que preside uma das maiores orga- Medalha JK (Governo Aécio Neves) – 2009. nizações não governamentais do país (o Instituto Ayrton Senna), entre outras personalidades. Ordem do Mérito Cultural – Grau Comendador – Sociedade Brasileira de Heraldica e Humanística – 2013. Medalha do Mérito Social Celso Suckowda Fonseca – CEFET/RJ – 2013. Professor Arnaldo Niskier rece- Professor Emérito da Universidade Cândido Mendes – 2015. be a Ordem Nacional do Mérito Medalha do Mérito – 2015. Educativo, entregue pelo ministro da Educação, José Mendonça Filho. Professor Emérito da UniCarioca – 2016. Medalhada Ordem do Mérito Naval – 2017. Doutor Honoris Causa da UniRio – 2017. Doutor Honoris Causa da UNAMA – 2017. Medalha da Ordem Nacional do Mérito Educativo – 2018.

O acadêmico Arnaldo Niskier recebe os cumprimentos do presidente da República Michel Temer. Viviane Senna, que preside uma das maiores organizações não governamentais do país (o Instituto Ayrton Senna) recebe os cum- primentos de Ruth Niskier. O reitor da UNICARIOCA, Celso Niskier, com o casal Niskier, Ruth e Arnaldo, na solenidade de entrega da Ordem Nacional do Mérito Educativo. ornalde 4 JLetras

JL Breves JL Humor Por Manoela Ferrari [email protected] por Jonas Rabinovitch [email protected]

ELZA MARIA DA COSTA lan- PUBLICADO no Brasil pela Ed. çou, pela Topbooks, o guia Vá Record, Sonata em Auschwitz, CRÍTICA CONSTRUTIVISTA a Lisboa e me leve com você. romance de Luize Valente, chega Casada com o embaixador do aos portugueses através da Brasil na Nigéria, João André Editora Saída de Emergência. Lima, Elza é filha de um ex-em- C baixador em Lisboa, o acadêmi- ERCA DE R$ 29,3 milhões, eis co Alberto Costa e Silva. o total liberado através da Lei Rouanet pelo MINC para atual A ACADEMIA Pernambucana temporada (2018) de concertos de Letras festejou 117 anos de da Orquestra Sinfônica Brasileira. atuação cultural em noite festi- E va, quando homenageou, entre M MAIO, no Porto do Rio, outros, a acadêmica Marly Mota, acontece o Ler – Salão Carioca colaboradora do JORNAL DE LETRAS. do Livro. São esperadas 100 mil pessoas, para exposições, deba- 50 VOLUMES da coleção Bi- tes, oficinas e venda de livros. blioteca Básica Brasileira da Fun- ATÉ JUNHO dação Darcy Ribeiro foram doa- , a Ed. Todavia faz che- dos à Biblioteca da ACL, durante a gar à praça o romance A matemáti- sessão de transmissão do cargo de ca da vida, assinado por Cristovão presidente da Academia Carioca Tezza, integrante, durante a última de Letras, de Ricardo Cravo Albin década, do quadro da Ed. Record, a Cláudio Murilo Leal. onde, por sinal, permaneceram os direitos relativos a todas as suas PRESIDENTE do Instituto obras anteriores. — Você não acha a arte desse Mondrian meio quadrada? Identidades do Brasil, Luana SAIU O PRIMEIRO Génot lança, em maio, durante o título da Editora Congresso Nacional de Liderança Pedra Papel Tesoura, criado pelo Feminina, no Rio, o livro Sim à poeta mineiro Bruno Brum junto igualdade racial, fazendo, tam- com a artista Tatiana Perdigão. bém conferência sobre o tema. Trata-se de Álbum Duplo, mar- cando a estreia da cantora O MIS DE SÃO PAULO recebe mos- Fabiana Cozzi na poesia. por exemplo, estão em exposição Almeida, e Dom Casmurro, de tra de fotografia de José Oiticica desde 11 de fevereiro. Almeida de Assis. DE 26 DE MAIO Filho, pai de Hélio Oiticica, bem a 25 de novem- como trabalhos do cineasta Walter bro, a 16ª Bienal de Arquitetura CATE BLANCHETT, famosa atriz ATUALMENTE em mãos da Globo Carvalho e do fotógrafo americano de Veneza exibirá trabalhos de australiana, é a presidente esco- Livros, ano que vem (2019) os Sandro Miller. brasileiros selecionados pela lhida do júri do 71º Festival de direitos sobre a obra de Monteiro fundação Bienal de São Paulo. Cannes, na França, a realizar-se Lobato entrarão em domínio FESTEJANDO os 200 anos de entre 8 a 19 de maio. Com isso, público. A Cia das Letras já se APÓS OITO décadas, a empresa nascimento de Karl Marx, entre torna-se a 12ª mulher a presidir prepara para o primeiro momen- “Brinquedos Estrelas” resolveu outros lançamentos, a Ed. o enclave. to, com quatro livros previamen- diversificar operações também no Boitempo preparou uma biogra- te selecionados, incluída uma mercado de livros. Inicialmente F fia em quadrinhos do filósofo IGURANDO entre as jornalistas biografia do famoso autor vol- voltado para o público infantil, germânico, especialmente feita mais premiadas do Brasil, Elvira tada para o público infanto-ju- seu alvo principal, por intermé- por Corine Maier e Anne Simon. Lobato mostra, nas 392 páginas venil. dio da Editora Estrela cultural, de Antenas da floresta, a existên- BASEADO NO LIVRO Deixa o começa com obras pedagógicas. cia de cerca de 1737 pequenas DE ACORDO com a Associação samba me levar, dos jornalistas TVs na Amazônia Legal, distri- Brasileira de Emissoras de Rádio ESCRITO PELO jornalista Álvaro Leonardo Bruno e Jane Barbosa, buídas entre os Estados que a e Televisão, estão oficialmente Costa e Silva, a Editora Autêntica inspirado na vida do cantor e compõem. Desse montante, 400 ativas no país 9.776 rádios (entre prepara o lançamento de Os Três compositor , a produzem conteúdo local. comerciais, educativas e comu- Andrades, sobre o relaciona- Paris Filmes roda um longa com nitárias) e 542 estações de tevês. o mesmo título, a fim de ser exi- mento entre os autores Mario de DADOS DA ANCINE exibem que, bido a partir de fevereiro de 2019, Andrade, Oswald de Andrade e ao todo, 90% dos municípios não PRÊMIO Oceanos 2017, a escri- quando o popular artista com- Carlos Drummond de Andrade, possuem salas de cinema. No tora portuguesa Ana Teresa pleta 60 anos. ases das letras nacionais em país inteiro existem apenas 3.167 Pereira, 59 anos, tem o roman- meados do século passado. delas, enquanto no México são ce Karen lançado no Brasil pela SERÁ MONTADA em terreno do mais de 6 mil e nos EUA esse Editora Todavia. APESAR DOS problemas enfren- Centro Acadêmico 11 de Agosto, total é superior a 44 mil. Apesar tados, o Instituto Inhotim segue C VALÉRIO da Faculdade de Direito da USP, disso, a produção de filmes bra- ÓSIMO , responsável recebendo cada vez mais inte- na região do Parque Ibirapuera, sileiros segue batendo recordes. pelo filme : O Velho roda gigante idêntica à célebre ressados, esperando, até junho, Guerreiro, com a produtora Media London Eye. atingir a marca de 3 milhões de EM PARCERIA com a Edusp, a Bridge, deseja fazer o mesmo, pessoas, desde a sua abertura, Ed. Ouro Sobre Azul está levando ainda este ano, com a história SOMENTE NO segundo semestre em 2006. às prateleiras uma coleção de da dupla sertaneja Leandro & o público verá o filme O pacien- clássicos da literatura brasileira Leonardo, tendo Mauro Lima na ATÉ 3 DE JUNHO, os brasilei- te, narrando os últimos dias de do século XIX. Saem na fren- direção. Pretende, também, levar ros podem apreciar obras de Tancredo Neves, produzido por te Iracema, de José de Alencar, às telas as vidas do jogador de Tarsila do Amaral no célebre Sérgio Rezende, baseado no livro Memórias de um Sargento de futebol Casagrande e do jorna- Moma, de Nova Iorque. Obras homônimo. Milícias, de Manuel Antonio de lista e escritor . como Abaporu e Antropologia, ornalde JLetras 5

Período correto: Desde menino aquele senhor queria ir à Roma dos Césares, para conhecer a parte antiga da capital da Itália. Na ponta Tucuxi Ao anunciar mais um número da revista Galileu, a locutora citou Língua o nascimento dos botos “tucúxi”. Não existe esse boto. A pronúncia da correta é tucuxi, pois é uma palavra oxítona. Lembre-se: as oxítonas Por Arnaldo Niskier – Ilustrações de Zé Roberto terminadas em i e u não são acentuadas, salvo se formarem hiato com a vogal anterior (Itaboraí, Jaú). Flor amarela O perdedor “A senhora se encantou com a beleza do gira-sol.” “O jogador de pólo perdeu o campeonato para o segundo colocado.” Imagina se estivesse escrito certo... Sei o porquê. Não se usa mais o acento diferencial do par pólo(s)/polo(s). Ela se extasiaria ao ver o girassol sem hífen. Algumas palavras perderam a noção Frase correta: O jogador de polo perdeu o campeonato para o segundo colocado. de composição. Sempre foi assim, mesmo antes do novo acordo ortográfico. Frase corre- ta: A senhora se encantou com a beleza do girassol. Redundância I Um conhecido apresentador de televisão entusiasmou-se tanto com a alegria da Educação rigorosa pessoa sorteada que disse: “Observem o sorriso no rosto dela...” “A família queria colocar o menino semiinterno na mesma escola que seu pai Sorriso poderia ser em outro lugar? estudara.” Coitada da criança! Os tempos são outros... “Semiinterno?” Quando o prefixo ter- Redundância II mina em vogal (semi) e a palavra seguinte começa com a mesma vogal (interno), usa-se Uma televisão, fazendo uma chamada para a programação de domingo: “O assas- hífen – semi-interno. Período correto: A família queria colocar o menino semi-interno sinato de Ana Carolina há um ano atrás.” na mesma escola que seu pai estudara. Por que o exagero? Usa-se há ou atrás. Os dois termos juntos é uma redundância desnecessária. Frases corretas: “O assassinato de Ana Carolina há um ano” ou “O assassi- Confusão nato de Ana Carolina um ano atrás”. “O rapaz criou um enorme quiprocó na entrada do cinema.” Vai ver que ele tinha razão, na certa o aborreceram. Atenção: ao pronunciar a Perda total I palavra quiprocó, lembre-se que o u é pronunciado, mesmo não havendo mais o trema. Ninguém pôde ajudá-lo na hora do temporal. Perdeu tudo. Lamentável! Não merecia passar por tal desdita. O período está Sonho impossível perfeito. Observe: na forma verbal pôde (pretérito perfeito do indi- “Desde menino aquele senhor queria ir a Roma dos Césares, para conhecer a parte cativo – 3a pessoa do singular) permanece o acento para diferenciar antiga da capital da Itália.” de pode (presente do indicativo – 3a pessoa do singular). Exemplo: Lamentavelmente não vai conseguir. Ninguém pode lutar contra as forças da natureza. Quem quer ir a Roma (sem crase) conseguirá, mas quando especifica à Roma dos Césares, o acento grave indicativo de crase é imprescindível. Relembrando Atenção: “Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o Se você vai a Roma e volta de Roma (não há preposição + artigo) – sem crase. que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra Você vai à Roma dos Césares e volta da Roma dos Césares (há preposição + artigo) da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É – com crase. o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, Dica: use sempre esse recurso quando tiver dúvida se coloca ou não acento grave uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de res- indicador de crase antes de nome de lugar (topônimos). saca.” Dom Casmurro ornalde 6 JLetras

interessante registrar aqui que o que me deu empre- go lá com meu tio foi o curso de datilografia, aquele J Entrevista de Arnaldo Niskier curso ASDF que eu fiz. Eu datilografava muito rápi- L do e, quando cheguei lá, ele perguntou: “Você sabe fazer alguma coisa?” Eu falei: “Eu sei datilografar.” Janguiê Bezerra Enquanto tinha aquelas meninas dedógrafas, ele me deu uma petição e eu, muito rápido, ele me disse: “Você datilografa muito rápido!” Aí me deu emprego para ganhar um salário mínimo e come- çou a minha vida. Eu me formei em Direito lá, me Um ensino de formei em Letras em Recife. Arnaldo Niskier: E como é que o senhor veio parar na Justiça do Trabalho? qualidade Janguiê Bezerra: Foi quando eu me formei em Direito. Montei um escritório de advocacia, come- cei a ganhar dinheiro, só que os empreendimentos têm altos e baixos. Foi aí que eu decidi. Fui convida- Doutor em Direito pela UFPE, graduado em feitas pelo INEP, que os alunos do ensino à distância do por uma faculdade particular na época para Letras pela UNICAP, pós-graduado em Direito do têm tanta qualidade quanto os alunos do ensino ensinar Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Trabalho pela UNICAP, pós-graduado em Direito presencial. Não há diferença. porque aprendi com meu tio desde que eu estava na Coletivo pela OIT (Turim, Itália), entre outros títu- faculdade, desde o ensino médio, porque, quando los, Janguiê Bezerra Diniz é fundador e presiden- Arnaldo Niskier: A Espanha tem a UNED, Universidade Nacional à Distância, que é uma realidade eu comecei a trabalhar com ele, fazer o ensino te do Conselho de Administração do Grupo SER esplendorosa. médio, já comecei a aprender na prática. Eu tinha Educacional e presidente da ABMES – Associação Janguiê Bezerra: E aqui no Brasil já temos 15 anos. Antes de me formar, eu já era expert em Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior. quase 20% das matrículas do ensino superior no Direito do Trabalho, Processo do Trabalho. Aí fui JORNAL DE LETRAS Diniz conversou com o sobre a ensino à distância. A previsão é que nos próximos convidado por uma faculdade para ensinar o importância do ensino de qualidade. cinco anos a gente chegue a 40%. Tem a cultura, Processo e o escritório começou a ter dificuldades, e eu decidi fazer o concurso para Juiz do Trabalho. Arnaldo Niskier: O grupo SER tem quantos alunos que é uma barreira, mas essa cultura já está sendo Tracei metas. Em Recife. Tracei um plano, tive um hoje? ultrapassada, e com as tecnologias modernas, tec- sonho e quando a gente tem um sonho tem que Janguiê Bezerra: O grupo SER Educacional nologias digitais, os currículos modernos, essa cul- buscar transformar o sonho em realidade, tem que hoje é uma realidade muito forte no Brasil. Foi fun- tura está sendo ultrapassada. E os jovens, que são transformar um sonho num projeto de vida, traçar dado no Nordeste, em Recife, com a Maurício de uma geração on-line, parte dos jovens já está deci- metas e, com métodos e disciplinas, trabalhar muito Nassau, e tem mais de 70 instituições de ensino pelo dindo estudar à distância, principalmente porque para atingir a meta. Foi aí que tracei a meta de estu- Brasil. Nós temos a Uninassau, Uninabuco, a UNAM o jovem é conectado, não é? O ensino à distância dar seis horas por dia. Estudei durante quase dois – Universidade da Amazônia, UNG – Universidade você faz através de computador, através de tablet, anos seis horas por dia, sábados, domingos e feria- de Guarulhos, e já contamos com mais de 150 mil através de celular. No nosso grupo, por exemplo, a dos. alunos e 11.500 colaboradores. É o quinto grupo gente selecionou os melhores professores, porque do Brasil e estamos ajudando o país a se desenvol- vai ensinar para um grande número de estudantes. Arnaldo Niskier: E ABMES, o que é isso? ver, haja vista que um país para sair de um estágio Você pega os melhores e otimiza tempo, espaço, Janguiê Bezerra: ABMES, Associação Brasileira de subdesenvolvimento para desenvolvimento só tudo. Em lugar de dar aula para 50, 60 alunos, o pro- de Mantenedoras do Ensino Superior. É a maior através da educação. Mas a gente sabe: o governo fessor bom, de renome, de qualidade, vai ensinar a associação que congrega os mantenedores do ensino não pode fazer tudo, não é? Setenta e seis por cento milhares. superior privado no Brasil. Nós temos mais de 2.400 dos números de matrícula no ensino superior estão Arnaldo Niskier: O Dr. Janguiê tem uma biografia instituições de ensino superior no Brasil. E privadas, nas instituições privadas, daí a importância para o exemplar, bem brasileira. Foi engraxate, foi vendedor de mais de 2.100. Temos 1.200 mantidas associadas, eu Brasil das instituições particulares de ensino supe- laranja, é natural da Paraíba, mas viveu durante bons sou o atual presidente, e tenho como vice-presiden- rior. A gente está fazendo a nossa parte. O nosso anos em Recife, Pernambuco. Como é que foi isso? Teve te o Dr. Celso Niskier, que o senhor deve conhecer. plano é muito arrojado. Temos mais de 70 institui- ajuda dos pais? Está fazendo um excelente trabalho conosco lá, ções, mais de 500 polos de ensino à distância, mas Janguiê Bezerra: Eu sou um sertanejo. Nasci no tem nos ajudado bastante, exatamente para defen- o planejamento estratégico do grupo nos próximos interior da Paraíba numa pequena cidade que, na der o ensino superior privado do Brasil, lutar pelo cinco anos é termos uma unidade presencial em época, não tinha nem no mapa. Três mil habitantes, ensino superior privado e pelo ensino superior de toda cidade com 300 mil habitantes e um polo ou Santana dos Garrotes. Meus pais, fugindo da seca, uma forma geral. A gente tem trabalhado de forma mais de ensino à distância em toda cidade com 50 analfabetos, foram morar no Mato Grosso, trabalhar árdua e extenuante junto ao Parlamento. Agora mil habitantes. Vamos ter, em torno dos próximos como peão de fazenda. E lá no Mato Grosso, aos 8 mesmo temos trabalhado para defender o ensino cinco anos, 150 unidades presenciais no Brasil, em anos de idade, eu montei meu primeiro empreen- à distância, porque tem alguns projetos esdrúxulos todas as regiões, cerca de 1.500 a 2.000 polos nos dimento: foi uma caixa de engraxate. É que eu via que tentam acabar com o ensino à distância no próximos cinco anos de ensino à distância. Esse é meus amigos irem à matinê e eu não tinha dinheiro Brasil. Temos trabalhado também na consolidação o planejamento estratégico do grupo. Estimamos para ir ao cinema, então eu construí uma caixa de da legislação educacional, que é uma legislação com nos próximos cinco anos ter, no mínimo, de 300 a engraxate, comecei a engraxar, comecei a ganhar diversas portarias, diversos decretos. 500 mil alunos, parte à distância. Estimamos 40% dinheiro e, aos sábados, eu podia ir à matinê. Aos de ensino à distância e 60% de ensino presencial. 9 anos, comecei a vender laranja, porque eu vi os Arnaldo Niskier: O senhor é otimista em relação Ensino à distância no Brasil hoje é uma realidade meninos de rua ganhando mais dinheiro. Só que na ao futuro da educação brasileira? muito forte. Não é futuro, é presente já. época não sabia que a laranja era sazonal, só tinha Janguiê Bezerra: Sou, sou muito otimista. Um uma temporada, só dava na época da safra. E aí eu país só sai de um estágio de subdesenvolvimento Arnaldo Niskier: O amigo é um educador, é um vi que o negócio ia por água abaixo e comecei a para desenvolvimento através da educação. A edu- bacharel, foi juiz do trabalho e sempre fez as coisas com vender picolé. Mas minha vida foi sempre cheia de cação é o motor que move um país, é um instrumen- muito capricho, sobretudo por causa da sua origem sacrifício. Meus pais se mudaram para Rondônia, e to transformador de vidas; transformou minha vida, humilde. Como é que se pode assegurar qualidade à pode transformar a vida de todo mundo. Os gover- educação à distância? até os 14 anos trabalhei em diversas atividades. Fui nantes futuros têm que ter essa visão de que a edu- Janguiê Bezerra: A educação à distância tem até locutor de rádio. Aos 14 anos, terminei o primei- cação pode mudar o mundo e pode mudar o Brasil. tanta qualidade quanto o ensino presencial, porque ro grau, e lá não tinha o segundo grau. Foi aí que E sou otimista, acho que o próximo governante, e na educação à distância o aluno tem que ser proati- eu me transferi para o Recife. Peguei minha mala que virá no ano que vem, vai ter essa visão ampla vo, ele tem que estudar sozinho. Claro que há o uso e me mandei para o Recife com 14 anos. Sozinho. e vai investir maciçamente na educação para que a de tecnologia moderna, tecnologia digital, como Procurei um tio lá, que foi meu segundo pai, me deu gente saia desse marasmo e desse estágio. Só temos são as tecnologias que a gente está oferecendo na um emprego como office boy. no ensino superior apenas 17% da população com transmissão do ensino à distância do grupo SER Arnaldo Niskier: Qual é o nome dele? idade universitária na universidade. Oitenta e três Educacional. Mas a qualidade inclusive é compro- Janguiê Bezerra: Ivan Bezerra da Costa. Agora é por cento da população de 18 a 24 anos está fora. vada pelo Ministério da Educação nas avaliações ornalde JLetras 7

JL Livros e Autores Por Manoela Ferrari [email protected]

Imigração O maranhense Josué Montello (1917-2006) é autor de uma obra que chega aos 160 títulos, entre romances, novelas, crônicas, diá- rios, ensaios e peças de teatro. O autor da obra-prima Os tambores Imigração: A moderna ocupação e povoamento do Brasil e do de São Luís também brindou o público infanto-juvenil com o seu Espírito Santo (2017), de Gabriel de Mello Bittencourt, vem talento, produzindo textos deliciosos como o desse livro. se somar a outras obras pioneiras da carreira do historiador O jornalista Wilson Marques, natural de Caxias, no Maranhão, é capixaba. Dividida em doze capítulos, o autor trata da história autor, entre outras obras, dos infantis O tambor do Mestre Zizinho (Mercuryo Jovem), Arte da imigração no país e em terras capixabas, permitindo uma e manhas do Jabuti (Ed. Autêntica) e Criações – mitos Tenetehara (Ed. Paulus). A ilustradora macrovisão da história deste microterritório brasileiro e de sua paulista Paola Brunelli nasceu em 1974. Arquiteta de formação, viveu mais de dez anos na formação social, cultural e econômica. Segundo o presidente da Itália e, atualmente, trabalha em comunicação. Academia Espírito-santense de letras, professor Francisco Aurelio Ribeiro, autor do prefácio, “As letras e a historiografia capixabas ser-lhe-ão eternamente gratas” pela autoria do livro. Solo Fértil Nascido em Cachoeiro de Itapemirim (ES), em 21 de dezembro de 1942, Gabriel Augusto de Mello Bittencourt é livre docente em Solo Fértil (Ed. Costelas Felinas, 2014), do poeta Vieira Vivo, História do Brasil pela Universidade Gama Filho-RJ (1994); diplo- trata-se de um projeto artesanal muito bem elaborado, de capa mado em Études Approfondies – DEA, pelo IHEAL da Université de la Sorbonne Nouvelle- dura, com 58 páginas, a desdobrar-se em um tríptico literário em Paris, em 1982, e em Altos Estudos de Política e Estratégia-CAEPE (Escola Superior de louvor aos lados “de fora, de cima e de dentro” da teia emocional Guerra EMFA-Presidência da República (1993). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais e sensitiva em que o poeta se movimenta. (UMSA-Buenos Aires – 2000) e mestre em Direito (UNESA), é doutorando (Universidade Através de uma linguagem vigorosa, às vezes, obscura, repleta em de São Paulo), mestre e especialista (Universidade Federal Fluminense) em História abrangências e significados, sonoramente convidativa, os poe- do Brasil. Títulos que complementam as graduações em Direito (Bacharelado-UNESC- mas apresentam nomes como: Neruda, Rimbaud, Caravaggio, FGA), História e em Técnicas Agrícolas de Nível Superior (Licenciaturas realizadas na Cláudio Manoel da Costa, o arcadismo, o poema visual, o soneto Universidade Federal do Espírito Santo). clássico, o neo-barroco, a mitologia grega e uma variada gama de Autor de mais de quinze livros de estudos históricos e jurídicos (com mais vários inéditos), técnicas poéticas a encorpar e a enriquecer o teor da obra. professor de Pós-graduação de Direito Constitucional e fundador da Escola de Ciências O livro se complementa com o adendo “lado de dentro expan- Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-UNIRIO, é ex-professor dido” composto por nove poemas dedicados à poeta Cláudia Brino. O santista Vieira Vivo dos cursos de Direito, Administração e Ciências Contábeis do Centro Superior de Ciências nasceu em 1954. Poeta da geração mimeógrafo participou do Grupo Picaré. Atualmente é Sociais de Vila Velha-ES (UVV) e do Departamento de História da Universidade Federal editor da Revista temática Cabeça Ativa e coeditor e encadernador da Ed. Costelas Felinas do Espírito Santo, entre outros. Ex-coordenador de Patrimônio e de Humanidades da (livros artesanais). Doze livros publicados entre poesias, crônicas e humor. Obteve, com Secretaria de Estado da Cultura e Esportes do Espírito Santo e do Curso de Direito da Centelha Insana, o prêmio de melhor livro de poesias de 2014 pela IWA – International Faculdade Estácio de Sá de Vitória, sócio-titular (atualmente correspondente) do Instituto Writers Association. Histórico e Geográfico Brasileiro, integra várias instituições, tendo sido presidente honorá- rio do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia Espírito-santense A Chave de Letras. Na apresentação da obra A Chave – A Origem do Antissemitismo reinventado (Ed. Biblioteca 24 horas, 2017), o autor Valberto Alves de Azevedo adianta que o objetivo primordial do livro é mostrar que a supre- O livro 101 Reinvenções – Um estudo sobre a influência da macia do povo judeu sobre as outras nações não representa um linguagem do poeta Manoel de Barros sobre a criação literária direito, mas uma responsabilidade: “Sua consagração como povo do Mato Grosso do Sul (Ed. Life, 2017) traz 101 diferentes relei- escolhido.” turas e pontos de vistas de consagrados e jovens autores sobre O preconceito contra o povo judeu e sua cultura é o tema do o poeta que mais vende livro no Brasil e tornou MS conhecido livro. A questão é analisada por um prisma mais voltado para a no Brasil e fora dele através da Literatura. razão do que para a fé. Dividido em 15 partes, com 403 páginas, Organizado por Fábio Gondim e Ana Maria Bernardelli, a obra fruto de aprofundadas pesquisas, a obra tem capítulos que vão é composta por textos de escritores e poetas: “Parafrasear o desde A aliança do eterno com Abrahão, passando por Ciência e estilo manoelino de escrever é uma tarefa impossível, mas fé, Formação espiritual e científica do homem, O legado científi- orientamos os autores a se reinventarem para homenagear co de Adão, O dilúvio, Sodoma e Gomorra, Jesus de Nazaré, O inocente útil, até chegar ao Manoel de Barros. Essa antologia vai surpreender, pois, como Testamento e o Epílogo. o poeta prima pela simplicidade, pela originalidade e por O paraibano Valberto Alves de Azevedo nasceu em João Pessoa, em 1953. Graduado em possíveis empregos de neologismos, enfim, pela herança da força mágica de suas palavras, Engenharia Civil e Administração de Empresas, o autor pesquisa o assunto há quase duas essas que atraíam o nosso grande poeta irresistivelmente, porque nos enriquece”, explica décadas, analisando alguns paradoxos que se encontram nos textos bíblicos, entre eles, a o poeta e professor Fabio Gondim. questão entre o bem e mal, ciência e fé, vida e ressurreição, além de explicar o “porquê” Com textos em poesia e prosa, a primeira edição da obra tem 1.500 exemplares, e foi da existência de algumas passagens bíblicas utilizando-se das contribuições de autores publicada em sistema cooperativado com recursos dos próprios autores selecionados com consagrados como Abrahão, David, Salomão, Maimônides, Maquiavel, Hobbes, Locke, edição e produção final da Editora LIFE, de Campo Grande (MS). Graduada em Letras Rousseau e Einstein, entre outros. pela UNESP, a professora Ana Maria Bernardelli é especialista em Literatura Brasileira e Portuguesa. Formada em Língua Francesa pela Université de Nancy, na França, há 40 anos Acontecências atua como professora de produção textual. Publicou, em 2014, a coletânea de poemas Emoções gota a gota. Fábio Fernandes Gondim trabalhou com Educação de trânsito por Lançado pela primeira vez em 1967, em sua quinta edição, 20 anos. Entre outras publicações, organizou e participou da Antologia Cápsula Tarja Preta Acontecências (Ed. Nova Fronteira, 2016) foi o primeiro livro (2016) e lançou, em 2017, Versos para lamber. da escritora Vilma Guimarães Rosa. Com algumas pequenas alterações e revisões nos 14 contos da primeira edição, a obra O Tesouro de Josué não altera a paisagem onde, em cada história, figura como tema central o mar, “balançando sobre o abismo entre tantos misté- No livro O tesouro de D. José e outros contos (Ed. Mercuryo rios do existir”. Jovem, 2017), o organizador Wilson Marques reúne sete con- Aqui toda a alma do mar se condensa nas palavras da escri- tos escritos pelo acadêmico maranhense Josué Montello, tora, herdeira também do melhor da tradição literária de João escrito especialmente para jovens leitores. Guimarães Rosa. Segundo a autora afirma na introdução, Com belas ilustrações de Paola Brunelli, a obra reúne peque- “Acontecências aconteceu sempre. Emergiu do mar, fazendo nas histórias, muito bem escritas, envolvendo lendas que se minha Minas Gerais sentir saudades. Mineiro, quando descobre referem à terra maranhense. Com maestria, Josué Montello a imensidão de água que engole céu e matas usando suas cores, primeiro se assusta, não resgata “causos” de sua região, para que não caiam no esque- acredita. Depois escreve, pinta, faz canção”. cimento. São narrativas que contam a história da ambição Nascida em Itaguara (MG), em 1931,Vilma Guimarães Rosa é filha de um dos maiores escri- dourada de D. José no rio Itapecuru, do macaco que ficou sem tores da nossa literatura. Estudou no Rio de Janeiro e completou seus estudos superiores o rabo, da rainha das águas (Yara), da princesa Julieta e a festa na Universidade Sorbonne, em Paris. Recebeu vários prêmios e condecorações, entre eles, dos seus 18 anos, entre outros “encantos”. os Prêmios e , da Academia Brasileira de Letras, e a Medalha No prefácio, o acadêmico Arnaldo Niskier descreve o que de Chevalier de L’Ordre des Arts et des Lettres de France, do governo francês. Benemérita o leitor vai encontrar ao longo das 64 páginas: “Um conjunto maravilhoso de histórias do PEN Clube do Brasil, é membro correspondente da Academia Feminina Mineira de encantadoras, desenvolvidas por um primoroso especialista. Vale a pena a leitura do livro, Letras (MG) e da Academia de Ciencias y Artes de San Isidro, Buenos Aires, entre outras. que resgata a memória literária de um dos nossos maiores escritores, membro destacado Autora de vários livros, está escrevendo seu primeiro romance: Verdades provisórias, na da Academia Brasileira de Letras.” magia da borboleta. ornalde 8 JLetras viam, em sua aquisição, uma alternativa de renda no futuro. Mas se a preparação do golpe teve a participação de banqueiros, empresários, industriais, latifundiários, comerciantes, políticos, magistrados e classe Anos de chumbo & média, em março de 1964, sobressaíram-se os militares. Apesar de diferenças na orientação política ou das queixas quanto à situação econômica, historiadores veem três razões con- anos de ouro: sensuais para sua participação e liderança: o caos administrativo e a desordem política; o perigo comunista; os ataques à hierarquia militar. Em sua maioria, os militares não tiveram liderança destacada nos pre- parativos. Porém, foram essenciais na implementação e manutenção economia e polítca do regime. O que historiadores conceituam como “golpe civil e militar” foi empreendido sob a bandeira defensiva. Não para construir um novo regime, mas para salvar a democracia, a família, o direto, a lei, a cons- durante o governo tituição, enfim, os fundamentos do que se considerava uma civilização ocidental e cristã. Somava-se a isso, a ideia do combate à corrupção, crescente desde o governo JK. A classe média que votara em Jânio, para eliminá-la, depois, se decepcionou, e recebeu os militares, portadores militar da ordem, de braços abertos. Por Mary del Priore* A facilidade em derrubar Jango pode passar a ideia de militares como grupo coeso e disciplinado. Na verdade, foi o oposto. Quando as tropas do general Olympio Mourão partiram de Juiz de Fora em direção É consenso entre historiadores que os raciocínios simplificados ao Rio, os próprios conspiradores foram pegos de surpresa. As forças que separam quem estava do lado da resistência dos que estavam do armadas estavam divididas. Por um lado, Jango contava com oficiais lado da repressão, durante o regime militar que presidiu o país de 1964 fiéis, soldados e suboficiais esquerdistas que vinham ameaçando a a 1985, não se sustentam. Desde o livro bem-humorado de Fernando hierarquia militar. Do outro lado, no campo conservador, a elite saída Gabeira, O que é isso, companheiro?, com a descrição das atrocidades da Escola Superior de Guerra juntava-se ao IPES para conspirar contra repertoriadas no Brasil, nunca mais, inúmeras publicações, no pas- Jango. Já os oficiais de média e baixa patentes se preocupavam em sado, alimentaram o debate, fazendo crer que houve resistência da lutar contra o comunismo. Eram considerados como “a linha dura”. O sociedade. Essa dimensão, porém, oculta outra igualmente importante. plano dos generais Castelo Branco, Golbery do Couto e Silva e Ernesto A de que, embora os militares tenham sido protagonistas da ditadura, Geisel era coordenar uma rede de militares golpistas. Tropas de MG e ela não foi obra exclusivamente sua. É um equívoco histórico torná-los SP marchariam para o Rio e lá tomariam o ministério da guerra. Só que bodes expiatórios e dizer que eles foram únicos responsáveis pelos o núcleo mineiro se exaltou antes da hora. O General Mourão não quis “anos de chumbo”. ficar fora da história e, com o apoio do governador Magalhães Pinto, Poder-se-ia falar, sim, em relações complexas com a situação marchou para o Rio no dia 31 de março, mais de uma semana antes do em que se vivia. Se houve tendência a aceitar a versão de que a socie- combinado. dade brasileira apenas suportara a ditadura, como alguém que tolera A falta de reação do governo de Jango e dos grupos que lhe condições ruins tornadas de algum modo inevitáveis, hoje, inúmeras davam apoio foi notável. Não se conseguiu, por exemplo, articular pesquisas sobre o muro de silêncio que pairava sobre milhares de civis uma reação dos militares legalistas. Também fracassou uma greve geral que sustentaram o golpe, começam a ser reveladas. Impossível não ver proposta pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao as multidões que apoiaram a revolução que se instaurou em nome da governo. Em busca de segurança, Goulart viajou no dia 1º de abril, democracia e contra a corrupção que a vassoura de Jânio Quadros não do Rio de Janeiro, onde se encontrava, para Brasília, e, em seguida, conseguiu limpar. Ou não ver que as “esquerdas revolucionárias” não para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência. eram, de modo algum, apaixonadas pela democracia, francamente des- Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto mili- prezada em seus textos. Tinham, pelo contrário, um projeto de assalto tar e seguiu para o exílio no Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil ao poder, embora, numa “reconstrução histórica”, se queiram como para ser sepultado, em 1976. Antes mesmo de Jango deixar o país, o parte da “resistência democrática”!. presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga “Para mim houve uma REVOLUÇÃO. Os brasileiros estavam a presidência da República. O presidente da Câmara dos Deputados, pedindo mudanças. Também chamaria Revolução Civil-Militar”, defi- Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência, conforme niu a dona de casa Cleusa Arantes. E ela completa: “O apoio ao golpe previsto na Constituição de 1946 e como já ocorrera em 1961, após a militar em Minas foi quase total pelas classes mais pobres, estudantes renúncia de Jânio Quadros. O poder real, no entanto, encontrava-se em e professores e os grandes políticos da época. [...] No interior de Minas mãos militares. também a maioria apoiava o golpe militar.” As palavras da dona de casa refletem a tese da presença de uma frente social e política ampla, reunida para depor Goulart. Para essa gente, não houve “golpe”, mas, *Mary del Priore é historiadora “revolução”. Luis Inácio Lula da Silva, então com 18 anos e emprega- e escritora. As informações contidas do da Metalúrgica Independência, em São Paulo, também achou que neste texto fazem parte do livro Histórias “o golpe era uma coisa boa”, pois “trabalhava com várias pessoas de da gente brasileira, República Nova – Testemunhos, no prelo da editora Leya. idade”. E, para elas, o Exército era uma instituição de muita credibili- dade. Eu via os velhinhos comentarem: “Agora vão consertar o Brasil, agora vão acabar com o comunismo. Essa era minha visão na época”, contou ao historiador Ronaldo Costa Couto. O cineasta Sívio Tendler nunca esqueceu: “carros buzinando e as pessoas comemorando como se fosse a Copa do Mundo. Eles celebravam a partida de Jango para Brasília.” Um processo radical na condução da economia, tal como pro- posto nas Reformas de Base, afetaria os privilégios recém-conquistados da classe média, numa sociedade já muito desigual, onde a lembrança da pobreza era fresca. Por que deixar para trás as conquistas econômi- cas ou distribuí-las com quem não se conhecia? A reforma urbana, por exemplo, implicaria na desapropriação de imóveis, assustando os que ornalde JLetras 9 de muita qualidade da obra do sogro, e grande sujeito. Que também está encantado. Mas a amizade persiste no contato com os três netos do poeta, filhos da única filha, Maria Julieta, cronista admirável, que Carlos Drummond de voou também para o céu dos passarinhos doze dias antes do pai. Os netos, herdeiros do nome e da obra do avô, principalmente o caçula, Pedro Augusto, responsável pelo espólio cultural, com discrição e sim- Andrade não morreu plicidade, têm o amigo Caminha como fiel escudeiro do avô, Carlos. E Caminha virou o quarto neto. Com seu amplo conhecimento da obra Por Vera Lúcia de Oliveira* de Drummond, motivo de várias publicações feitas até agora, ganhou o afeto e a confiança inabalável dos três e tem sido também o quarto mosqueteiro, o D’Artagnan, com capa e espada, na luta pela divulgação e manutenção da obra do poeta no lugar que lhe é devido. Disseram que Carlos Drummond de Andrade morreu. Não é verda- E nesse trabalho incansável, Caminha já palmilhou muita terra. de: Drummond está encantado! Se pudesse, talvez assim se expressasse Foi Sherlock Holmes atrás de parentes, ou supostos parentes, na Guimarães Rosa sobre o conterrâneo e amigo, ambos gigantes da nossa Inglaterra, Escócia, e vários outros lugares, buscando o DNA do gauche, literatura, aliás, de qualquer literatura... que nunca se impressionou por ser descendente de quem quer que Nesses trinta anos de seu encantamento, desde que voou para o fosse, pois tinha os pés no chão de Itabira, a pequena cidade mineira céu dos passarinhos, a vida e a obra de Drummond, cada vez mais, têm que o viu nascer. Aquela que virou apenas uma fotografia na parede. E sido lembradas e divulgadas. As homenagens são muitas, de norte a sul que doía tanto! Caminha nesse livro nos dá farta informação que só um do país, em palestras, encontros, discussões e todo tipo de evento. Não pesquisador apaixonado, sério e dedicado, incansável mosqueteiro a poderia ser diferente, pois, afinal, estamos falando do maior poeta do serviço do rei, pode dar. É obra para deleite, pelas curiosidades dos rela- Brasil, do gauche que se sentia estranho, sem pertencimento ao que tos, pela graça, bom humor e pelo tom intimista de quem participa da quer que fosse, alheio a prêmios, grupos e academias, e crítico do título vida da família; e, por sua documentação inédita, rica e preciosa, é obra de poeta oficial que sempre quiseram lhe atribuir. para pesquisadores que queiram fazer trabalho acadêmico. Como parte dessas homenagens, temos a publicação de O poeta Assim, Caminha nos conforta e consola com histórias em que sua Carlos & outros Drummonds, de Edmílson Carminha (Brasília: Thesaurus, poesia se faz presente em nossos corações e mentes, mostrando que o 2017), autor especialista na vida e obra do poeta. Caminha nos oferece poeta triste, orgulhoso e de ferro está mais vivo do que nunca! seus textos, artigos e depoimentos da família sobre Drummond, fruto de longa convivência com o próprio poeta de quem se tornou amigo graças a um doce de caju, que só uma tia cearense sabe fazer, isca infalível que pescou o poeta pelo paladar e garantiu, com essa astúcia, que Caminha *Vera Lúcia de Oliveira é escritora, publica seus artigos no Correio desfrutasse (com trocadilho) de sua amizade. Além dos depoimentos Braziliense e no Jornal da ANE, Associação Nacional de Escritores, com sede que o poeta lhe deu, Caminha tem muito mais a dizer, pois foi amigo em Brasília. também do poeta argentino Manolo, genro de Drummond, tradutor

Diretoria 2018: Presidente: Marco Lucchesi Secretário-Geral: 1ª Secretária: 2º Secretário: Tesoureiro: José Murilo de Carvalho

10 de abril 24 de abril

Teatro R. Magalhães Jr. 17h30min | Ciclo de Conferências 17h30min | Ciclo de Conferências AS CIDADES DOS POETAS AS CIDADES DOS POETAS Leituras dramatizadas João Cabral: Recife e Sevilha : São Luís e o Rio de Janeiro 15h | 25 de abril Coordenação Geral: Acad. Ana Maria Machado Coordenação Geral: Acad. Ana Maria Machado Não Consultes Médico - Machado de Assis Coordenação: Acad. Antonio Carlos Secchin Coordenação: Acad. Antonio Carlos Secchin Conferencista: Felipe Fortuna Conferencista: Adriano Espínola Livre para todos os públicos L 3 de abril 17 de abril Petit Trianon 17h30min | Ciclo de Conferências 17h30min | Ciclo de Conferências AS CIDADES DOS POETAS AS CIDADES DOS POETAS Visitas guiadas : Londres e São Paulo A cidade parnasiana 14h | Segundas, quartas e sextas Coordenação Geral: Acad. Ana Maria Machado Coordenação Geral: Acad. Ana Maria Machado Agendamento: (21) 3974-2526 Coordenação: Acad. Antonio Carlos Secchin Coordenação: Acad. Antonio Carlos Secchin [email protected] Conferencista: Acad. Antonio Carlos Secchin Conferencista: Emmanuel Santiago ornalde 10 JLetras AntonioAntonio CiceroCicero imortalimortal

Por Manoela Ferrari [email protected] Fotos: Guilherme Gonçalves

Em concorrida solenidade no Petit Trianon, o poeta, filósofo e compositor Antonio Cicero (Antonio Cicero Correia Lima) tomou posse na Cadeira 27 da Academia Brasileira de Letras. O novo acadêmico foi eleito no dia 10 de agosto do ano passado, na sucessão do acadêmico e professor Eduardo Portella, falecido no dia 3 de maio de 2017. Os ocupantes anteriores da cadeira 27 foram: Joaquim Nabuco (fundador) – que escolheu como patrono Maciel Monteiro –, Dantas Barreto, Gregório da Fonseca, Levi Carneiro e Otávio de Faria. Na cerimônia, Cicero (como é chamado pelos amigos) foi festejado por várias celebridades, como , , Caetano Veloso, Paula Lavigne e a irmã, a cantora Marina Lima, que – coincidentemente – lançou novo disco no mesmo dia. O carro-chefe do trabalho, intitulado “Novas famílias”, é uma nova com- posição dos dois, o funk “Só os coxinhas”. Conhecido do grande público pelo trabalho como letrista, Cicero incluiu em seu discurso de posse a defesa da existência de um cânone literário, uma resposta de segmentos da crítica que tentam relativizá-lo: “Movimentos de vanguarda, como o nosso Concretismo, afirmaram a importância de se reconhecer um ‘paideuma’, isto é, de se reconhecer um cânone. A existência do cânone não impede a valorização da Inovação.” Em seu discurso de saudação ao novo imortal, o acadêmico Arnaldo Niskier ressaltou que a força e a capacidade do pensamento de Antonio Cicero aproximam filosofia e poesia, representando um avanço cognitivo ímpar. O horizonte de seu percurso criativo se abre em pos- sibilidades ilimitadas: “Sem submeter-se a conceitos previamente esta- belecidos, numa vigorosa defesa da liberdade de criação, trata-se de um dos principais poetas hoje em atividade no Brasil, com uma repercussão que ultrapassa nossas fronteiras.”

O filósofo, poeta e compositor Antonio Cicero tomou posse na Cadeira 27 da ABL.

Questionado se sua eleição significa um reconhecimento maior da can- ção popular como gênero literário, ele afirmou: “Tomara que sim. Afinal, a verdade é que, já há algum tempo, os poemas de alguns dos nossos maiores poetas, como Caetano Veloso e , têm a forma de canções.” Apesar de próximo dos tropicalistas, em seu último livro – A poesia e a crítica – Cicero não se define como contracultural: “Desde cedo, conheci e admirei os amigos acadêmicos do meu pai, como e Helio Jaguaribe. É importante que haja uma instituição que tenha por fim primeiro cultivar a língua e a literatura no Brasil.” Segundo o poeta e crítico Antonio Carlos Secchin, os poemas O Acadêmico Arnaldo Niskier fez o discurso de saudação ao novo de Antonio Cicero incorporam duas tendências quase antagônicas da imortal Antonio Cicero. recente poesia brasileira: de um lado, o discurso da geração marginal, com seu verso mais despojado e pouco “literário; de outro, a vertente Antônio Cicero nasceu no Rio de Janeiro em 1945 e formou-se culta, oriunda dos desdobramentos concretistas, que prima por sofisti- em filosofia na Universidade de Londres. Poeta, letrista e professor de cados jogos metafóricos e intrincada rede de alusões: “Cicero não trata, filosofia, é autor dos livros de ensaios: O mundo desde o fim (1995), apenas, de modernizar a herança antiga, mas também de tentar expres- Finalidades sem fim (2005), Poesia e Filosofia (2012) e A poesia e a crí- sá-la na singularidade de sua força irredutível, por meio de um gesto de tica (2017). Os livros de poemas são: Guardar (1996, Prêmio Nestlé de acolhida avesso a facilitações de qualquer espécie. Relatos helênicos, Literatura Brasileira); A cidade e os livros (2002) e Porventura (Prêmio de referências e alusões gregas atravessam a sua obra. É notável, do mesmo Poesia da Academia Brasileira de Letras). modo, o recurso esporádico a um léxico ‘nobre, que não soa obsoleto ou O novo imortal escreveu a letra de grandes hits da MPB, como pomposo; ao contrário, é de todo necessário para flagrar o matiz preciso “O último romântico”, gravada por Lulu Santos, e “Fullgás”, em parceria que o poeta pretende exprimir.” com sua irmã Marina. Trata-se do segundo intelectual que também tem Atualmente, Cicero trabalha em um novo livro de filosofia, no carreira como compositor a ser eleito recentemente para a Academia qual pretende desenvolver a teoria da modernidade já exposta em O – em outubro de 2016, a Casa de Machado elegeu Geraldo Carneiro. mundo desde o fim, lançado em 1995. ornalde JLetras 11

A solenidade de posse de Antonio Cicero, no Petit Trianon.

O presidente da ABL, Marco Lucchesi, entre os acadêmicos Alberto da Costa e Silva e Merval Pereira.

Antonio Cicero recebe os cumprimentos dos acadêmicos Arnaldo Niskier, Os acadêmicos reunidos na posse do novo imortal Antonio Cicero. Antônio Torres, Geraldo Carneiro, e familiares. ornalde 12 JLetras mentes deturpadas. Andrea usa a lin- J Literatura Infantil guagem da criança, o seu linguajar e L Por Anna Maria de Oliveira Rennhack a sua realidade para motivar os Visite a nossa página na internet: annarennhack.wix.com/amor pequenos a expor as dificulda- des. Thais, com sensibilidade, transforma a dureza do tema em lindos desenhos. Falar é InclusãoInclusão ee preciso, preparar as crianças é necessário e o livro preenche essa difícil lacuna. sensibilidade!sensibilidade! Cadê o juízo do menino? (Brinque-Book na mochila) – Texto rimado de Tino Freitas e ilustrações Mestre em educação, pedagoga, editora de livros infantis e didáticos — e-mail: [email protected] divertidas de Mariana Massarani – Quem conhece o autor e já participou da A Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e apresentação dos seus livros conhece a magia Juvenil – AEILIJ tem se destacado em iniciativas inovadoras que aproxi- com que ele fascina os pequenos leitores com mam autores e leitores; multiplicam as atividades de leitura em encon- suas histórias – ele mesmo bem próximo do tros, cursos e debates; promovem o trabalho de seus associados em menino do livro! A hiperatividade, o déficit coletâneas e anuários. Agora, uma boa surpresa: o 1º Prêmio AEILIJ 2017, de atenção, a criatividade incomum muitas com destaque para obras de autores vezes são consideradas deficiências psicológicas e até mesmo tratadas infantis e juvenis, e ilustradores. com remédios. Diversificação de atividades, apresentação de opções O vencedor de cada categoria variadas, preenchimento de horas ociosas, planejamento de atividades será conhecido no dia 18 de abril e o e responsabilidades devem fazer parte desse mundo interior que parece Livro do Ano, escolhido entre os três que está de cabeça para baixo. Tino nos alerta de forma divertida para a premiados, será selecionado por vota- questão e, ao propor uma atividade ao final, direciona o olhar do leitor ção dos associados. para um momento de atenção dirigida. Um bom exemplo! Os selos incríveis foram criados pelo artista Maurício Veneza. O namorado da mamãe (Gaudi) – Texto Para saber mais, visite a página. de Anke Wagner, ilustrações de Heike Herold e Veja os livros finalistas em aeilij. tradução de Hedi Gnädinger – O que acontece blogspot.com e conheça as sinopses quando o namorado da mamãe não é nada dos livros selecionados. parecido com o que Caio imaginou? Os pais separados são hoje uma realidade e novas famí- lias vão se formando, envolvendo as crianças de Nossa seleção de títulos está bem rica e diversificada e a sensibili- uniões anteriores. Assim, ao conhecer o namo- dade, a tolerância e a inclusão fazem parte de cada história. rado da mãe, Caio faz uma série de suposições, baseado nas experiências de alguns amigos. O touro Ferdinando (Intrínseca) – Texto Porém, Marcos não corresponde a nada do de Munro Leaf, ilustrações de Robert Lawson que Caio imaginou. E agora? Mais uma história e tradução de Flora Pinheiro – Publicado origi- que requer sensibilidade para os pequenos que nalmente em 1936, a história, ambientada na estejam vivenciando a mesma situação. Espanha, apresenta um bezerrinho de tempe- ramento tranquilo que adora deitar-se à som- A verdade segundo Arthur (Brinque-Book) bra das árvores e admirar suas flores preferidas. – Texto de Tim Hopgood, ilustrações de David Quando cresce, se transforma num touro muito Tazzyman e tradução de Gilda de Aquino. “Uma forte e, por um incrível acidente, é selecionado história de humor para falar sobre a mentira para as touradas. Ferdinando não aceita a vio- – com muita cor, imaginação e referências.” lência e logo regressa à sombra da sua árvore Arthur desobedeceu a mãe e deu tudo errado. predileta. O brasileiro Carlos Saldanha dirigiu o filme de animação que O menino sabe que a mãe vai ficar zangada. E, concorreu ao Oscar 2018, numa feliz adaptação do livro. agora, ele vai contar o que realmente aconteceu ou inventar uma outra história? Às vezes a men- Luz dos meus olhos (Editora do Brasil) – tira toma proporções tão grandes que acaba virando uma fantasia sem Celso Sisto nos comove com esse lindo texto fim e difícil de terminar. A mentira tem pernas curtas, diz o dito popu- de inclusão, revelando a importância de olhar- lar, mostrando que a verdade sempre aparece. Conhecer as vantagens mos com o coração. Com texto e ilustrações do de dizer a verdade é o objetivo final dessa divertida história e que pode autor, os desenhos acompanham a história e de ajudar muita gente a “cair na real”! forma singela mostram a relação de pai e filha, intermediada pela mãe, para entender por que Isso, qualquer criança faz (Semente) – o pai diz que ela é a luz dos seus olhos. Texto e ilustrações de Denise Rochael. Brincar, ver o mundo com olhar diferente, ter amigos Não me toca, seu boboca! (Aletria) – Andrea imaginários, ser super-herói, gostar dos ani- Viviana Taubman escreveu e Thais Linhares mais, dar asas à imaginação, ter muito amor ilustrou. Quando as crianças apresentam algu- no coração... Isso qualquer criança faz... Até ma alteração de comportamento e não conseguem expressar o que sen- mesmo é capaz de fazer diferentes desenhos tem, os contos infantis surgem como importante elo da fantasia à reali- como os que ilustram o livro, inspirados no dade. Conhecemos a triste vivência de meninos e meninas abusados por grande artista espanhol Joan Miró (1893-1983). pessoas próximas e que, coagidos, sentem-se culpados e indefesos dessas ornalde JLetras 13

JL Biblioteca Básica Brasileira BBBO Jornal de Letras apresenta mais três autores cujas obras não podem faltar numa Biblioteca Básica Brasileira. acervo JL acervo JL acervo JL Austregésilo de Abgar Renault Josué de Sousa

Athayde Professor, educador, políti- Montello co, poeta, ensaísta e tradutor, nas- Belarmino Maria A. ceu em Barbacena, MG, em 15 de Nasceu em São Luís do Augusto de A., professor, jorna- abril de 1901, e faleceu no Rio de Maranhão, MA, em 21 de agos- lista, cronista, ensaísta e orador, Janeiro, RJ, em 31 de dezembro de to de 1917, e faleceu no Rio de nasceu em Caruaru, PE, em 25 1995. Realizou os estudos primá- Janeiro em 15 de março de 2006. de setembro de 1898, e faleceu rios, secundários e superiores em Iniciou seus estudos em São Luís no Rio de Janeiro, RJ, em 13 de Belo Horizonte, onde começou a do Maranhão, publicando os seus setembro de 1993. Em 1922, exercer o magistério. Foi profes- primeiros trabalhos literários em formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade sor do Ginásio Mineiro de Belo Horizonte, da Universidade A Mocidade, periódico do Liceu Maranhense, onde cursou de Direito do Distrito Federal. Adversário da Revolução Federal de Minas Gerais e, no Rio de Janeiro, do Colégio Pedro o ginásio. Em 1932, passou a integrar a Sociedade Literária de 1930, participou, ao lado de , do II e da Universidade do Distrito Federal. Eleito deputado Cenáculo Graça Aranha, na qual se congregaram os escrito- Movimento Constitucionalista. Foi preso e exilado. Residiu estadual por Minas Gerais, nomeado diretor da Secretaria do res do Maranhão de filiação modernista. Até 1936, colaborou em Buenos Aires em 1933 a 1934. Escreveu semanalmente Interior e Justiça do mesmo Estado; secretário do Ministério nos principais jornais maranhenses. Mudou-se, a seguir, na revista O Cruzeiro e recebeu, em 1952, o Prêmio Maria da Educação e Saúde Pública por Francisco Campos e seu para Belém do Pará, onde foi eleito, aos 18 anos, membro Moors Cabot. Em 1948, tomou parte como delegado do assistente na Secretaria da Educação e Cultura do Distrito efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. No fim de Brasil na III Assembleia da ONU, em Paris, tendo sido Federal; diretor e organizador do Colégio Universitário da 1936, transferiu-se para o Rio de Janeiro. No mesmo período, membro da comissão que redigiu a Declaração Universal Universidade do Brasil; diretor do Departamento Nacional da colaborou em outras publicações, como Careta, O Malho dos Direitos do Homem. Em 1978, no 30º aniversário desse Educação, secretário da Educação do Estado de Minas Gerais e Ilustração Brasileira, além de jornais diários. Publicou o documento, o presidente Jimmy Carter, dos EUA, reconhe- em dois governos; ministro da Educação e Cultura; minis- primeiro romance, Janelas fechadas, em 1941. Em 1953, a ceu a “vital liderança” por ele exercida na elaboração da tro do Tribunal de Contas da União; membro da Comissão convite do Itamaraty, inaugurou e regeu por dois anos a cáte- Declaração Universal dos Direitos do Homem. Em 1959, Internacional do Curriculum Secundário da Unesco (1956 a dra de Estudos Brasileiros da Universidade Nacional Mayor tornou-se presidente da Casa de Machado de Assis, tendo 1959); consultor da Unesco na Conferência sobre Necessidades de San Marcos, em Lima, no Peru. A partir de 1954, tornou-se sido reeleito para dirigi-la por longos 35 anos. Austregésilo Educacionais da África, em Addis Abeba (1961); membro da colaborador permanente do Jornal do Brasil, no qual mante- construiu o prédio de 29 andares do Centro Cultural do Comissão Consultiva Internacional sobre Educação de Adultos, ve uma coluna semanal até 1990. Regeu, em 1957, a cátedra Brasil, anexo à Academia. Autorizou a criação do Banco de também da Unesco (1968-1972); membro do Conselho Federal de Estudos Brasileiros na Universidade de Lisboa, e, em 1958, Dados. Sempre relembrava com prazer e vaidade os acon- de Educação e do Conselho Federal de Cultura; professor na Universidade de Madri. Entre 1969 e 1970, ocupou o cargo tecimentos de sua longa existência, durante a qual recebeu Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Pertenceu à de conselheiro cultural da Embaixada do Brasil em Paris, e cento e setenta medalhas, placas e condecorações. Dizia Academia Brasiliense de Letras; ao Instituto de Estudos Latino- de 1985 a 1989 foi embaixador do Brasil junto à Unesco. De ele que o ato mais importante de sua vida fora ter escrito Americanos da Universidade de Stanford, Califórnia, EUA. janeiro de 1994 a dezembro de 1995, ocupou a presidência a Declaração Universal dos Direitos do Homem, obra que Além disso, foi um grande poeta. Contemporâneo de Carlos da Academia Brasileira de Letras. Foi membro de incontáveis o projetara no mundo inteiro e era o seu grande motivo de Drummond de Andrade, juntou-se ao grupo surrealista moder- academias e instituições culturais no Brasil e no Exterior. orgulho. no e participou do movimento modernista de Minas Gerais. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1994 e 1995. ornalde 14 JLetras

Por Zé Roberto [email protected] Arte de Andréia Stelling Nair de Teffé, a Rian

Durante o mês de março passado, em Niterói, apro- veitando o Dia Internacional da Mulher, a Sala de Cultura exibiu a exposi- ção “Nair de Teffé, a Primeira Dama da Caricatura”. A mos- tra contou com as par- ticipações das artis- tas Aline Rodrigues, AP Stelling, Barbara Franco, Cláudia Kfouri, Deborah Trindade, Fani Loss, Gisele Henriques, Greice Silva, Iara Turte, Nair de Teffé por Barbara Franco Liliana Ostrovsky, Lionisia Goyá, Lívia Alonso, Liz França, Maria Rita, Mariana Erthal, Mika, Rebeca Amorim, Shirlei Fontoura, Susana Rian e o Marechal por Rodrigues, Synnöve, Tâmara Desenho de Liliana Ostrovsky Mariana Erthal Téssya, Very Saiki e Rosana Amorim, que desenharam caricaturas, retratos e ilustrações sobre a grande cari- caturista brasileira. As desenhistas fazem parte do coletivo Elas por Elas – As Desenhistas Brasileiras, que pode ser encontrado no Facebook (elasporelasdesenhistasbrasileiras/). Além das artes das meninas em homenagem à Nair de Teffé, a exposição mostrou uma série de lâminas com detalhes sobre a vida da artista que foi casada com o presidente Marechal Rian por Greice Silva Hermes da Fonseca. O evento contou também com o lan- çamento do livro Nair de Teffé, artis- ta do lápis e do riso, de Fátima Hanaque Campos, que veio da Bahia especialmente para o evento. Para o leitor do JORNAL DE LETRAS ter uma ideia das artes expostas na Sala de Cultura Leila Diniz, deixamos a seguir algumas imagens que fizeram parte da exposição. ornalde JLetras 15 indissociável a todas as sociedades desenvolvidas. É um indicador do grau de desenvolvimento de um povo. Estudos da Unesco, a partir dos dados de consumo de edições do A importância da universo bibliográfico e periodista, mostram que as nações do chamado 3º mundo, que viabilizaram mais cedo o domínio da leitura para seus cida- dãos, permitiram o acesso mais rápido aos bens e a seu maior proveito. O Brasil, por conta do impacto da televisão, nas décadas de 1960 e 1970, leitura esse processo sofreu ligeiro retrocesso. Para muitos, o hábito da leitura foi substituído pelo hábito de ver televisão. Caíram as edições. Livrarias fecha- Por Terezinha Saraiva* ram suas portas. O brasileiro passou a ler menos e a escrever pior, uma vez que sabemos que escreve bem quem lê muito. A partir das décadas de 1980 e 1990, verificou-se o crescimento na tiragem de livros, no número A Comissão de Educação aprovou o projeto de lei 7752/2017, que de novos títulos de boa qualidade. Várias campanhas foram desenvolvidas teve origem no Senado e cria a Política Nacional de Leitura e Escrita com para ampliar o número de leitores, sobretudo na infância, quando começa o principal objetivo de promover o livro, a leitura, a escrita, a literatura e a se formar o hábito, e na adolescência, quando o hábito se sedimenta. as bibliotecas públicas. Para tanto, ela deverá ser implementada de forma Neste esforço, destaca-se a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. conjunta pelos Ministérios da Educação e da Cultura, em parceria com Entretanto, o panorama nacional da leitura é ainda precário. A escola deve- estados e municípios. ria ser o lugar ideal para desenvolver o gosto e o hábito de ler. De acordo com o projeto, a Política Nacional de Leitura e Escrita res- Grande número de escolas públicas do ensino fundamental não peitará os princípios e diretrizes do Plano Nacional de Educação, do Plano possui biblioteca e as que possuem nem sempre são bem utilizadas por Nacional de Cultura e do Plano Plurianual da União. professores e alunos. O ensino da leitura e da escrita, no ensino funda- São diretrizes da Política Nacional da Leitura e Escrita: a universa- mental, em muitas escolas, fica abaixo do desejável. Avaliações nacionais lização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às e a do PISA mostram, lamentavelmente, o desempenho precário de nossos bibliotecas; o reconhecimento da leitura e da escrita como um direito; o alunos em relação à leitura e à escrita. Em grande parte das casas brasilei- fortalecimento do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas; a articulação ras também não há bibliotecas, embora haja televisão e, agora, celulares. com as demais políticas de estímulo à leitura, à escrita, à literatura e às É imperioso que as famílias despertem em seus filhos o gosto pela leitura, bibliotecas como integrantes fundamentais e dinamizadoras da cultura. que as escolas coloquem livros nas mãos de seus alunos para que eles Finalmente, uma boa notícia oriunda do Congresso. sintam o prazer de segurar um livro, sintam a textura do papel e o cheiro Esperemos que os trâmites não sejam demorados para que pos- da tinta, encantem-se com o prazer da leitura, tornando-se pelo hábito, samos ter em breve a Política Nacional de Leitura e Escrita aprovada e leitores assíduos. implementada. O hábito da leitura, seja na linha de formação ou infor- mação, seja na linha da recreação, é um padrão comportamental cultural *Terezinha Saraiva é educadora.

mais valsas vienenses, nunca mais Chopin. Dafne, a que começou a morrer de paixão em 1880, ali estava ainda, tantos e tantos anos depois, de costas para mim, na penumbra, enquanto ardiam os círios em seu oratório bar- Dafne roco. Dafne era agora Sinhá Nicota, doente, praticamente entrevada, des- pojada de todo o esplendor da juventude, esperando, na cadeira, a visita da Por Danilo Gomes* Descarnada com sua foice. Só, no seu silêncio e melancolia. O menino nunca lhe veria o rosto. Seria para sempre uma miragem, a mulher proibida, quase uma lenda, quase um fantasma do passado. O Abro a porta. É de noite. É uma porta antiga, com chavão do sécu- oratório, o silêncio, o tempo escoado em que fora Dafne, a graciosa, uma lo XIX, do tempo em que o frufru dos vestidos das sinhás e sinhazinhas senhorita de Renoir, o bonito nariz, o ventre para sempre intocado, a moça recendia na noite o perfume de suas águas de cheiro. É um quarto escuro, dos minuetos, das polcas, das valsas, a finada esperança. Agora espera a penumbroso. É um quarto vedado, um aposento defeso aos olhares de Indesejada, no claro-escuro daquele quarto. Em breve, a Velha Dama virá estranhos. buscar a velha senhora. Eu não devia abrir essa porta. Mas abro essa porta, devasso esse Ela contempla o vazio, já sem nenhum desejo. Quer partir, numa espaço onde o tempo se congelou. Que mistério cerca esse aposento? cavalgada como as da juventude. Encontro uma penumbra, um leve aroma de alfazema e resedá. O que ali Quem é essa mulher, Dafne? Jamais saberia, nunca lhe veria o rosto. se esconde aos olhos do menino? Penetro apenas dois passos, levemente, O menino no pórtico do quarto secreto, onde se sente, em certos dias, nesse sacrário familiar. Sou um menino curioso, na fazenda, em férias. um olor de incenso aos santos e aos mortos da família, um delicioso olor Viemos de trem de ferro, apeamos na estação de Gesteira, seguimos a cava- de resinas, carvão, arruda, cânfora. Esse quarto, nave perdida no tempo. lo, em trote manso, até à fazenda. Dafne, Sinhá Nicota, sentada numa mansuetude trágica e comovente Há uma mulher sentada numa cadeira, de costas para mim. Tenho como um desesperado amor perdido, no seu perpétuo silêncio, na sua medo, é um território proibido. Há tanto lugar para percorrer, vadiando: a escondida, apagada solidão, a moça linda de 1880, na sua charrete pelos grande cozinha, a fábrica de queijos, doces e linguiças, o monjolo, o curral, campos e pradarias ensolaradas, com seu florido chapéu de palha. o terreiro com seus carros de boi e galinhas e patos, o paiol, o engenho, o O lampião de querosene lhe lançava, sobre os cabelos brancos, luzes pasto. de prata que, os olhos do menino, encantavam e assustavam. A velha dama O menino não devia andar por ali, naqueles umbrais de mistério. lhe dava um medo mesclado com o maravilhamento do desconhecido, do Tenho medo. Meninos não podem entrar ali, é quase um reino dos mortos. que vem de um tempo antigo e para sempre morto, naquela velha fazen- Massou curioso: o mistério e a aventura me atraem. da. A velha senhora era um enigma, um espectro do século anterior, uma Ela tem cabelos brancos, um toque de dama antiga. A cadeira é gran- miragem proibida, mas ao mesmo tempo Dafne, a moça. de e tem braços. Um xale negro cobre os ombros da velha senhora. Nesse Vozes agudas vinham do corredor. Com receio de que alguém o visse quarto da Fazenda São José, no município de Mariana, só entram os do ali, naquela cela leiga, não sacramental, o menino saiu e foi fechando a mais estrito grupo familiar e as empregadas antigas, de confiança. porta, devagar. Lançou-lhe um último olhar. Nunca mais a veria. Dela não A velha senhora é uma mulher reclusa, não vai às salas, às rodas de mais restou notícia ou registro. Não sei quando a Descarnada apagou, visitantes, ao teatro dos vivos. No seu oratório, ardem velas aos santos, aos finalmente, a baça luz daquele lampião de querosene, o lume daquelas mortos da família em suas amareladas fotos, ao passado a cada dia mais velas, o braseiro daquele incenso de capela antiga. Deve ter sido com um distante. Dafne. Quando tinha esse nome era moça e bela – uns braços de leve sopro, na maior delicadeza, no silêncio, na penumbra. alabastro, o rosto delicado, de uma beleza etérea, apaixonante. Dafne com Dafne, para sempre adeus. seus olhos de mel, de caramelo claro. Seu grande amor casou-se com outra mulher, sua prima, em 1880. Seu piano emudeceu para sempre. Nunca *Danilo Gomes é jornalista e membro da Academia Mineira de Letras. ornalde 16 JLetras

JL Novos Lançamentos

Rachel Imortal Estar só

Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher e Em Sair da Sólidão – O tempo da Consolação (Nossa Casa aos 45 anos da Universidade de Fortaleza (Unifor), Editora), Margalida Reus defende que a ideia de que a a Fundação Edson Queiroz promoveu o lançamen- consolação precisa ser retomada em seu sentido origi- to da segunda edição do livro No Alpendre com nal. O termo, tão associado hoje a uma ideia pejorativa, Rachel – Ensaio Biográfico sobre , representaria na verdade um “estar com” na solidão. de autoria do professor José Luís Lira, com selo edi- Estar junto a alguém que está só. E, em muitos casos, esse torial da Universidade. A apresentação do autor e da alguém que está só é ninguém menos que aquela criança obra ficou a cargo da vice-presidente da Fundação que fomos no passado. Meninos e meninas muito peque- Edson Queiroz, advogada e escritora Manoela nos, que experimentaram grandes sofrimentos – e que, Queiroz Bacelar, da Academia Cearense de Cultura, por isso, ainda vivem solitários, em silêncio, nesse lugar no Auditório da Biblioteca da Unifor. Assinando a secreto do qual tanto fugimos. Penetrar nossos recantos apresentação do livro, a reitora da Unifor, professora mais sombrios, reencontrando e acolhendo a criança que Fátima Veras, lembra a doação de parte do acervo fomos, pode ser uma das vias para traçar uma vida mais bibliográfico da escritora cearense pelo Instituto plena e solidária. Com uma linguagem límpida e obje- Moreira Salles à Fundação Edson Queiroz. “Num tiva, sem rodeios, Margalida Reus elabora uma reflexão misto de orgulho e satisfação vivemos esta experiên- cativante sobre o peso da angústia interior em nossos cia de trazer a biblioteca de Rachel de Queiroz para tempos, mostrando como o sofrimento vai deixando os cearenses. Na Unifor, ela se une a outros grandes e suas marcas sobre o corpo, mesmo desde antes do nasci- importantes acervos, mas certamente essa biblioteca receberá carinho especial de alunos, mento. Usando o relato de casos verídicos – a história de professores e colaboradores da universidade e do público em geral por toda sua relação pessoas que acompanhou em sua trajetória de acolhimento –, ilustra como as pequenas com a história de todos, nós, cearenses”, afirma. Sobre o livro, a reitora salienta que, ao violências do dia a dia erigem o campo de sombras que trama o desencanto e a insegu- publicar a 2ª edição de No Alpendre com Rachel, a Unifor “oferece mais essa contribuição rança, forjando pessoas infelizes. Com isso, a autora tece também um chamado: torna-se à história desta cearense notável que agora fica mais perto de seus conterrâneos, Rachel cada vez mais urgente buscar o exercício da consolação, já que a maioria de homens e de de Queiroz”. mulheres de nosso século experimenta um sentimento agudo de sólidão.

Recolta da Sociedade Centros e periferias

Raymundo Faoro foi um dos maiores intérpretes da socie- Luiz Ruffato adentra o labirinto das formas breves dade brasileira e colaborou durante anos com artigos neste A cidade dorme (Cia das Letras). O volume reúne para a imprensa. Entre os anos de 1982 a 1988, o autor vinte narrativas escritas nos últimos quinze anos pelo tornou-se colunista fixo da extinta revista Isto É Senhor. autor. Juntas, compõem um painel poderoso sobre Selecionados por Joaquim Falcão e Paulo Augusto Franco, a passagem do tempo e as dinâmicas da família e da 61 textos pinçados do arquivo da revista compõem o memória. A partir de um ponto de vista pouco pre- livro A República em transição (Record Editora). Os textos sente na literatura brasileira, o do trabalhador urbano, foram agrupados por anos e temas identificados pelos Ruffato tece uma reflexão contundente sobre o Brasil organizadores. Na Parte I (anos 1982 a 1984) predominam dos grandes centros e periferias. O percurso é claro: da reflexões sobre a relação da crise econômica do país, infância à idade adulta, da margem ao miolo nervoso atingido pela inflação, o desemprego, a dívida externa das metrópoles e da linguagem. A meninice nos anos e recessão, e a política da transição. Na parte II (anos 1960; histórias sobre futebol e a ditadura; questões liga- 1983-1985), segundo Falcão e Franco, “fica evidente a das à violência urbana; o universo das drogas, tudo vai vitalidade da tese construída em ‘Os donos do poder’ se mesclando neste livro, que confirma o lugar único (1958) na qual Faoro descreve e relaciona a permanência de Luiz Ruffato na literatura contemporânea brasileira. – e insistência – de estruturas autoritárias e patronais nos Luiz Ruffato (Cataguases, 1961) trabalhou em diversos domínios sociais e políticos brasileiros”. Na parte III (anos jornais até que, em 2003, abandonou a carreira de jor- 1985-1987), o colunista se concentra na avaliação sobre a nalista para se tornar escritor em tempo integral. Tem Assembleia Constituinte. Na parte final (anos 1986-1988), Faoro procura mostrar as contra- mais de dez livros publicados, entre romances, ensaios e coletâneas de poemas. Seus livros dições de nossa democracia. Para Joaquim Falcão, os textos de Faoro revelam não apenas a já receberam traduções para o alemão, o finlandês, o inglês, o espanhol, o francês e o ita- contingência da transição da ditadura militar para a democracia, mas também característi- liano. Escreve semanalmente para o El Pais Brasil. Seu romance Eles eram muitos cavalos, cas do Brasil que permanecem até hoje, no que ele chama de neopatrimonialismo. “Ao ler de 2001, ganhou o Troféu APCA oferecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e estes artigos e ao trazê-los para o presente, é inevitável constatar certo grau de permanência o Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional. Também publicou livros da interpretação patrimonialista de Faoro”, diz ele no prefácio da obra. infantis: A história verdadeira do sapo Luiz e De mim já nem se lembra.

Queda fatal La Gioconda

Com uma trama envolvente, personagens inteligentes e O rosto mais famoso do mundo das artes é também um vislumbre do que pode ser o futuro, O milésimo andar o mais rodeado de mistérios. Especialistas discordam (Editora Rocco), livro de estreia de Katharine McGee já sobre datas e documentos, aficionados debatem sem conquistou milhares de leitores nos Estados Unidos e teve parar, “detetives por conta própria correm atrás de os direitos de adaptação comprados pela ABC. Imagine pistas e teorias surgem e desaparecem. Porém, a maior um mundo onde é possível ir de Nova York a Paris em um parte dos visitantes do Louvre admira a obra sem pen- trem transatlântico e retornar ainda no mesmo dia, e em sar muito sobre a pessoa ali retratada. Foi assim com a que pais milionários possam modificar geneticamente jornalista americana Diane Hales, até que um jantar em seus filhos para que nasçam perfeitos. Sejam bem-vindos Florença resultou num surto de curiosidade. A anfitriã, à Manhattan do século XXII, onde o andar em que você uma historiadora de arte, lhe contou que a mãe de “La vive indica a que classe social pertence. No andar mais Gioconda” vivera naquele mesmo prédio. “Para mim, alto da torre, vive Avery Fuller, cujas características geneti- a Mona Lisa sempre me pareceu nada mais do que a camente selecionadas por seus pais não impedem que ela pintura exposta no Museu do Louvre ou a onipresente sofra por um amor proibido. O irmão, Atlas, desaparece imagem que aparece desde camisetas a xícaras de chá, por meses e retorna sem deixar claros os motivos de sua nunca uma garota que tinha uma mãe e uma vida toda partida. Quem também está de retorno é Leda Cole, que sua”, conta a jornalista no livro. Enquanto as interro- esconde um vício e contrata os serviços do hacker Watt gações se multiplicavam, ela foi se aventurando em Bakradi para descobrir os segredos de Atlas. Já Eris Dodd-Radson tem que lidar com a celas repletas de musgos, capelas abandonadas, antigos separação dos pais e com a mudança para o 103º andar, onde ruas estreitas e um aparta- moinhos de seda e bibliotecas particulares. O resultado é um livro que conta a história de mento apertado não poderiam ser mais diferentes do que estava acostumada nos andares Lisa Gheradini abordando as tramas políticas que moldaram a vida das italianas durante o mais altos da Torre. A órfã Rylin Myers, por sua vez, tenta cuidar da irmã com um trabalho Renascimento e o papel da mulher na sociedade daquela época. Mona Lisa: a mulher por de faxineira em um dos andares superiores, no apartamento do rico e igualmente órfão trás do quadro de Dianne Hales, com tradução de de Martim Vasques da Cunha e Tiago Cord Anderton. O mundo de personagens tão distintos, que em comum só têm o prédio Starling de Mendonça, sai sob a égide da Editora José Olympio. onde vivem, só pode acabar em tragédia – anunciada logo nas primeiras linhas do livro. ornalde JLetras 17 refletiu com sinceridade que somos misto de alma e matéria e que essa se extingue, como um vapor que aparece por pouco tempo e depois se desvanece. Chapéu Muitos homens ficaram marcados por seus chapéus: o de duas pontas de Napoleão Bonaparte; o chapéu coco de Chaplin; o de couro Por Raquel Naveira do cangaceiro Lampião; o de abas caídas de Santos Dummont. Chapéus mágicos são os dos cozinheiros. Os quepes azuis dos capitães no convés A foto do poeta Mário de Andrade, considerado o papa do do navio. E os reis, como um dom vindo de cima, exaltam os valores Modernismo, com seu queixo largo, óculos de aros redondos e chapéu da cabeça com coroas de pontas, de raios, de pedras preciosas. Jesus panamá branco com fita de gorgorão preta, me fez lembrar do meu pai. foi coroado de espinhos que o feriram com setas de maldade. Virgílio, Ele tinha um chapéu igual, que usava com terno de linho claro. Imagino poeta da Antiguidade latina, afirmava que os deuses voltavam as costas que os dois, naquela distante São Paulo dos anos 1940, poderiam ter aos que se apresentassem diante deles sem coroas de louros, espigas ou pego juntos um bonde elétrico, as fagulhas se soltando pelos fios e cabos mirtos. e percorrido a cidade da Barra Funda até o Teatro Municipal, onde salta- As damas também se ornamentavam com chapéus. Matisse, o ram em frente às escadarias. artista francês, de temperamento nervoso, que atingiu cumes de beleza, É apenas um devaneio. Uma licença poética. O certo é que os pintou “Mulher com chapéu”, retratando sua mulher, Amélie, ela mesma cavalheiros daquela época traziam as cabeças, as visões de mundo uma confeccionadora de chapéus, com um chapéu inusitado, que pare- e os pensamentos cobertos. Assumiam com elegância as suas ce ter sido feito de flores, tules, manchas, pinceladas azuis, róseas e arro- responsabilidades. Havia um caráter transcendente, uma realização xeadas. Chiquinha Gonzaga andava pelas ruas do Rio de Janeiro com bem-sucedida no simples ato de pôr e tirar o chapéu. A liberdade de um casquete enfeitado de camélias brancas, símbolo da luta pela liber- mudar de ideias. tação dos escravos. A rainha Elizabeth, do alto de décadas de reinado, Outro poeta, , o João Batista do Modernismo, porta chapéus graciosos, que aumentam sua dignidade firme e serena. amigo e correspondente de Mário, com quem trocava cartas sobre amarrava turbantes dourados com frutas e balangan- folclore, viagens, descobertas estéticas, escreveu um poema intitulado dãs tropicais. As fadas aparecem nos sonhos com cones encimados por “Momento num café”. Trata-se de um instantâneo do cotidiano captado estrelas. Cleópatra usava uma tiara com duas cobras simbolizando o pela lente do poeta que flagra o ser humano diante da inexorável reali- Alto e o Baixo Egito. dade da morte. Um enterro passava pelos homens que se achavam num Mário de Andrade ficava mesmo distinto de chapéu panamá. E eu, café. Eles tiram o chapéu maquinalmente, saudando o morto, distraídos, quando entrava no antigo sobrado e via o chapéu pendurado no gancho absortos, confiantes no borburinho da vida. Um deles, porém, se desco- da chapeleira, sentia-me feliz. Era sinal de que meu pai estava ali. (São bre com um gesto mais largo, mais demorado. Aperta o chapéu contra o tristes as casas sem pai.) peito. Olha o esquife longamente. A expressão de funda melancolia. Este sabia que a vida é uma agitação sem fim, feroz e fugaz. Somente esse Publicado no Correio do Estado, em 27/12/2017.

dê-lo: “Não tenha essa impressão, ele é das pessoas mais generosas que encontrei em toda a minha vida.” Chamado, a primeira vez, para dar assistência ao romancista infar- O amigo do coração tado, Jadelson ganhou-lhe a confiança e a amizade, logo aceito, com sua Tânia, pelos membros da afável confraria em torno de Zélia e Jorge: os filhos Paloma e João Jorge; Luíza e James Amado; Auta Rosa e Calasans de Jorge Neto; Nancy e Carybé, o argentino de nascimento que, na opinião de quem criara Dona Flor, “em matéria de bunda de mulher, é autoridade Por Edmílson Caminha máxima e absoluta”. De bem com a vida, cantaram, comeram, beberam, navegaram por rios e mares, foram a Paris, a Lisboa, certos de que nada A 12 mil metros de altura, 900 quilômetros por hora, sobrevoo de mal aconteceria a quem já sofrera um infarto, pois, no sábio dizer do o Atlântico rumo a Portugal, e leio Crônicas do coração (Salvador, cardiologista do grupo, “o coração gosta de emoções felizes”. Caramurê, 2017), em que Jadelson Andrade conta histórias que viveu Entre uma e outra viagem, conversas com revelações que o escritor com o cliente e amigo . Gosto de livros assim, modestos, não faria a qualquer um, como o projeto do romance Apostasia universal sem pretensões literárias, que nem só de Proust vive o bom leitor. Das de Água Brusca, história medieval e mística ambientada no médio São minhas leituras mais recentes, duas foram dessa área, por coincidência Francisco, em 1922. Doente dos olhos, sem poder ler nem inventar suas sobre o romancista baiano: Memorial do amor & vacina de sapo (2004), histórias, o romancista mergulhou na cava depressão que o levaria à de Zélia Gattai, e Com o mar por meio (2017), correspondência do portu- morte, acompanhado pelo médico com zelo de amigo e dedicação de guês Saramago com o colega brasileiro. “É a sua porção comadre, o gosto filho. de bisbilhotar a vida alheia...”, costumava dizer meu amigo Fernando Ao escrever sobre o paciente famoso, Jadelson Andrade também Dídimo da satisfação com que leio cartas, memórias e biografias. E esta- diz muito de si mesmo, como exemplar de uma espécie em extinção: va certo, pois toda vida, por mais despojada que aparente, merece ser os médicos humanistas, que cruzam as fronteiras da ciência, transcen- contada, ouvida, lida. Reconheço, até, que as despojadas me interessam dem a medicina, superam as especialidades e vão da arte à filosofia, da mais, pelo que nelas há de luta, de sofrimento, de sonho. Entre conversar literatura à história para compreender o homem na plenitude, ser que com o inquilino do Palácio do Planalto e com a senhora que lhe serve o ama e sonha, indivíduo que goza e sofre. Linhagem brilhante a que per- cafezinho, fico com a segunda, sem a menor dúvida. tenceram médicos com a nobreza de Jorge de Lima, Guimarães Rosa, Como quem proseia à beira-mar de Itapuã, Jadelson narra como Dyonélio Machado, Pedro Nava e , não por coincidência Jorge passou de cliente a amigo, na contramão do que geralmente sefaz: autores de admiráveis obras que honrariam qualquer literatura. dos três anos em que estudei medicina na Universidade Federal do Crônicas do coração é, pois, uma celebração da vida, um canto Ceará, ficou-me o preceito de que se deve guardar distância da clientela, de amor aos verdadeiros amigos, aqueles que o são por causa de tudo pelo desserviço que o envolvimento emocional pode trazer. Esforço vão e apesar de nada, homens e mulheres que fazemos irmãos pelas afini- se o paciente fosse Jorge Amado, modelo de amigo, exemplo de amor dades eletivas que nos unem. A luminosa declaração com que se encer- ao próximo e de solidariedade fraterna, pela grandeza humana e pela ra, escrita por Jorge Amado, pode ser também assinada por Jadelson doçura espiritual com que se fazia querido por quem o conhecesse. Andrade e pelos que com ele nos identificamos, pelo sentimento de que Quando comentei com que o escritor baiano me pare- nos recusaríamos a viver em um mundo sem amigos: “Eu acredito na cia antipático, de difícil convivência, o cronista apressou-se em defen- amizade! E a exerço!” ornalde 18 JLetras

No quarteto feminino, formado por mulheres completamente diferentes umas das outras, todas contrariavam a visão predominante na época, que achava que o lugar delas era na cozinha. Não por acaso, os produtos de limpeza reinavam absolutos na publicidade dirigida ao público feminino. Lucia Miguel Pereira Lucia Miguel Pereira era uma morena atraente e a encarnação da intelectual sofisticada. Despertou, logo, a atenção de Octavio Tarquínio de Sousa, historiador e Por Fabio de Sousa Coutinho* Ministro (depois, Presidente) do TCU. Octavio era um dos melhores amigos de José Olympio e um dos seus mais importantes colaboradores. A apresentação da solteira Lucia ao quarentão desquitado Octavio coube a Augusto Frederico Schmidt, outro fre- Miguel Pereira, o grande médico brasileiro das duas primeiras décadas do século quentador do 110 da Rua do Ouvidor e amigo dos dois escritores. passado, teve uma vasta prole. Lucia Vera, ou apenas Lucia, como ela mesma se encarre- Quem pode desvendar os mistérios do coração? O fato é que o namoro de duas gou de simplificar, foi a segunda de seus seis filhos, precedida apenas pela irmã Helena. pessoas tão sensíveis e cultas logo se tornou união permanente, indo o casal viver numa Nascida em 12 de dezembro de 1901, era mineira por acaso. Sua mãe, para fugir do calor casa no n° 160 da Rua Inglez de Souza, no alto do tranquilo bairro carioca do Jardim do verão do Rio de Janeiro, passava uma temporada em Barbacena, quando deu à luz, Botânico. Ali ficaram até 1948, quando se mudaram para uma bela cobertura no recém- sem tempo de voltar ao Rio para fazê-lo, como era seu desejo. -inaugurado e moderníssimo conjunto do Parque Guinle, projetado por Lúcio Costa. “Carioca de Minas”, Lucia Miguel Pereira nasceu no mesmo 1901 em que vie- O casal gostava de receber e transformou suas residências do Jardim Botânico ram ao mundo o romancista paraibano José Lins do Rego, os mineiros João Alphonsus e de Laranjeiras em democráticos pontos de encontro da intelectualidade da então (contista), Abgar Renault e Murilo Mendes (poetas), o escritor paulista Antônio de capital da República. Entre os frequentadores estavam desde expoentes do pensamento Alcântara Machado e a maior voz feminina da poesia de língua portuguesa, a carioca católico, como , até o comunista Astrojildo Pereira, que colaborava Cecília Meireles. Se se tratasse de vinhos, poder-se-ia dizer que 1901 foi o ano de uma na Revista do Brasil, dirigida por Octavio, e que em diversas ocasiões refugiou- se na bela safra. Como se cuida de criaturas humanas, é lícito afirmar que, ao lado de Zé Lins, cobertura do Parque Guinle para não ser preso. João Alphonsus, Abgar Renault, Murilo Mendes, Alcântara Machado e Cecília, Lúcia Lucia e Octavio foram, também, na prática, os pais de Antônio Gabriel de Paula compõe uma verdadeira geração, das melhores e mais vigorosas de que se tem notícia Fonseca Junior, filho de outra Lucia, a filha do primeiro casamento de Octavio. Muito na Literatura Brasileira. mais que avó postiça, Lucia Miguel Pereira foi a verdadeira e devotada mãe de Gabriel, O primeiro trabalho literário de Lucia Miguel Pereira foi publicado numa revis- que soube cultuar sua memória pela vida afora. Na Fazenda Monte Alegre, em que vive ta que as antigas alunas do Colégio Sion fundaram no Rio de Janeiro, chamada Elo. e trabalha há muitos anos, no município fluminense de Paty do Alferes, ele criou um Lucia tinha 25 anos e começou a escrever sobretudo artigos em que procura transmitir parque de esculturas que batizou com o nome de Lucia Miguel Pereira. Fez justiça com o impressões de leitura. O ensaio sobre , sob o título de Um bandei- coração e a cabeça, síntese perfeita que caracteriza os espíritos bem formados, dotados rante, foi publicado no número 3 da Elo, em setembro de 1927. Antes, saíra outro, sobre de grandeza moral e vocação para dar à vida um sentido pleno de realização. Isabel, a redentora. A paixão e o amor por Octavio, intensamente correspondidos, coincidiram, na Foram ao todo vinte números, aparecidos de julho de 1927 a maio de 1929. vida de Lucia, naqueles primeiros anos da década de 1930, com uma verdadeira explo- Elo não era uma publicação fútil. Ao contrário, as colaborações, além de traduzirem são cultural. genuína preocupação estética e cultural, debatiam, frequentemente, relevantes temas Assim é que, após período de um lustro dedicado a incansável pesquisa de fon- brasileiros. Prova disso é o já citado estudo de Lucia sobre Euclides. Além desse, a futura tes, saiu, em setembro de 1936, pela Companhia Editora Nacional, Machado de Assis biógrafa de Machado de Assis e Gonçalves Dias publicou ali vários artigos, já denun- (estudo crítico e biográfico). Sua autora tinha, então, precoces, juveníssimos e incomple- ciadores da notável ensaísta que viria a ser mais tarde. No número 4, por exemplo, tos trinta e cinco anos de idade e se tornava, com o livro pioneiro, uma legítima estrela de outubro de 1927, o artigo O problema feminino aborda um assunto que a ocupou da constelação das letras nacionais. durante toda a vida. Lucia Miguel Pereira fixou, para a eternidade, a vida de um mestiço de origem Datam, porém, da fundação do Boletim de Ariel, a excelente revista literária diri- humilde – filho de um mulato carioca, pintor de paredes, e de uma imigrante açoriana gida, em sua fase inaugural, a partir de 1931, por Gastão Cruls e Agrippino Grieco, os – que, tendo frequentado apenas a escola primária e sido obrigado a trabalhar desde primeiros artigos de Lucia para uma publicação especializada. Foi aí que ela começou a infância, alcançou alta posição na burocracia e obteve a consideração social numa a tomar a sério o que fosse escrever, a ganhar consciência de que estava se tornando época em que o Brasil era ainda uma monarquia escravocrata. escritora de verdade. Resolveu, então, aparecer também em livro, aventura a que muito Lucia é, também, autora de quatro primorosos livros de literatura infantil (A fada a animaram outros tantos bons amigos, entre os quais Manuel Bandeira e Augusto menina, A floresta mágica, Maria e seus bonecos e A Filha do Rio Verde), de uma inigua- Frederico Schmidt, que foi por sinal o editor do primeiro romance de Lucia Miguel lável biografia de Gonçalves Dias e de um longo e definitivo ensaio, Prosa de Ficção (de Pereira, intitulado Maria Luisa. 1870 a 1920), que integrou, como volume XII, a História da Literatura Brasileira, dirigida A estreia de Lucia como romancista, com Maria Luisa e Em Surdina, ambos de por Álvaro Lins. 1933, e a consolidação de sua atuação como crítica literária nas páginas do Boletim Filha exemplar, companheira perfeita, mãe e avó incomparável, amiga atenta e de Ariel deram a ela um prestígio e uma visibilidade que marcaram seu ingresso na presente, intelectual e escritora como poucas o Brasil conheceu, a vida de Lucia Miguel etapa balzaquiana da vida. O ano de 1934 assinala a inauguração de uma loja Art Déco Pereira, encerrada tragicamente, ao lado de seu amado, em 22 de dezembro de 1959, na Rua do Ouvidor, 110, em pleno coração do Rio de Janeiro: a recém-criada Livraria encontrou sua melhor definição na síntese irretocável que sobre ela produziu seu primo José Olympio Editora. Nessa livraria, que Lucia passou a frequentar desde a instalação, e discípulo Antônio Candido de Mello e Souza: “Lucia foi um ser de exceção.” ela encontrou outras duas mulheres talentosas e à frente de seu tempo: a linda viúva Adalgisa Nery e a jovem Dinah Silveira de Queiroz. Alguns anos mais tarde, em 1939, *Fabio de Sousa Coutinho é Membro Titular do Pen Clube do Brasil e da Academia juntou-se a elas uma escritora cearense de 30 anos incompletos, Rachel de Queiroz, já Brasiliense de Letras, e Presidente da Associação Nacional de Escritores – ANE. consagrada pelo romance regionalista O quinze, publicado em 1930, no mesmo ano em que Rachel completou 20 anos de idade.

A Academia Pernambucana de Letras sempre esteve de portas abertas. Houve tempo que nem porte havia. Com o empenho dos acadêmicos da APL e dos conselhei- rosmembros do IAHAG de Pernambucano, onde tenho amigos, toma corpo numa sala do térreo, do belo palacete colonial à Rua do Hospício. Rua tranquila, por onde circula- Os festejados 117 vam os bondes elétricos do Recife. Instalada a nova sede em sessão presidida pelo escritor Célio Meira, Mauro Mota foi eleito em 1957 à cadeira de Nº 20. A posse aconteceu no mesmo ano, amigos compa- receram ao belo salão com mobiliário pernambucano do século XIX. Em outra ocasião, anos da Academia na mesma sala, ocupando a presidência, o nosso amigo professor Luiz Delgado recebe a visita do Alceu Amoroso Lima, pseudônimo de Tristão de Atayde, da Academia Brasileira de Letras, líder católico, Conde Romano. A visita teve repercussão. Luiz Delgado e a querida Lola homenagearam o casal Teresa e Alceu Amoroso Lima, com almoço em sua Pernambucana de Letras casa de Olinda. Entre amigos, o escritor, grande cronista do Jornal do Comércio, Nilo Pereira, e sua amada Lila. Nossos vizinhos, da Rua Amélia, médico e escritor, Francisco Por Marly Mota* Montenegro, com Dolores. Lá estávamos nós, eu e Mauro Mota. No Recife, uma época de grandes acontecimentos artísticos sob a batuta do pre- sidente da APL, Waldemar de Oliveira, diretor do Teatro de Amadores de Pernambuco, Final de tarde, dia 2 deste mês de fevereiro, ao lado do meu filho Sergio, em meio com o elenco de grandes intérpretes: Reinaldo de Oliveira, hoje, meu confrade, na APL, ao intenso trânsito, que me fez ficar fora do retrato oficial dos acadêmicos de 2017, a as incomparáveis Dinah Oliveira, Geninha Rosa Borges, minha querida amiga de quan- casa iluminada da Academia Pernambucana de Letras recebia os convidados, e fanta- do morávamos no bairro da Madalena, Dulcinéa, Vicentina, entre outros. No Teatro siados, atrás do estandarte dos Blocos: “Eu quero é mais” de Olinda e de Bom Jardim: de Santa Isabel nessa época, assisti à Miriam Anderson, uma das maiores cantoras do “Um bloco para Marly Mota”, música e letra dos compositores Bráulio e Fátima Castro. mundo, de cantatas de Bach, e o jovem violonista Isaac Stern. Tempos depois, em Nova Emocionada, acompanhei o canto e o passo, com os que estavam ao redor. Em seguida, York, diante dos atraentes passeios, fui ao famoso Carnegie Hall, onde estava em cartaz, fomos todos à sessão em comemoração aos 117 anos da nossa Academia Pernambucana concerto com o violinista Isaac Stern. Motivada por sua magistral apresentação, curio- de Letras. No auditório, me sentei ao lado do sempre prestigiado amigo e compadre sidade de tê-lo visto jovem, há tantos anos, assisti ao velho Isaac em magistral interpre- Marcos Vilaça. Houve distribuição de prêmios literários e posse da louvável presidente e tação, empolgando a plateia. vice Margarida Cantarelli, Luzilá Gonçalves e demais componentes da diretoria. *Marly Mota é membro da Academia Pernambucana de Letras. ornalde JLetras 19 PrêmioPrêmio CesgranrioCesgranrio dede TeatroTeatro Por Manoela Ferrari

Os espetáculos Suassuna - o auto do reino do sol e Tom na fazenda foram os destaques da 5ª edição do Prêmio Cesgranrio de Teatro deste ano. O Prêmio Cesgranrio, idealizado pelo presidente da instituição, pro- fessor Carlos Alberto Serpa, é o de maior remuneração aos artistas: cada vencedor levou R$ 25 mil para casa, totalizando R$ 300 mil em prêmios. A prestigiada cerimônia de entrega foi realizada no Golden Room do O casal Beth e Carlos Alberto Serpa, presidente da Fundação Cesgranrio, na concorrida cerimônia Copacabana Palace. de entrega do 5º Prêmio Cesgranrio de Teatro, no Copacabana Palace.

O presidente de Fundação Cesgranrio, Carlos Alberto Serpa, e o ator Antônio Fagundes, homenageado por sua contribuição ao teatro brasileiro.

Suassuna venceu nas categorias melhor espetáculo; melhor ator Apresentado pelos atores Christiane Torloni e Du Moscovis, o em musical, para Adrén Alves; e melhor direção de teatro musical, para prêmio homenageou o ator Antônio Fagundes, por sua contribuição ao Chico César; e figurino, para Kika Lopes e Heloisa Stockler. Já Tom na teatro brasileiro. fazenda ganhou nas categorias melhor cenografia, para Aurora dos Os vencedores das 12 categorias foram escolhidos pelo júri for- Campos; melhor ator, para Armando Babaiof e Gustavo Vaz; e melhor mado por Carolina Virgüez, Daniel Schenker, Jacqueline Laurence, direção, para Rodrigo . Lionel Fischer, Macksen Luiz (crítico de teatro do jornal O globo), Rafael Teixeira e Tânia Brandão.

O 5º prêmio Cesgranrio de Teatro foi apresentado pelos atores Christiane Torloni e Du Plateia lotada na entrega do concorrido Prêmio Cesgranrio de Teatro, no Copacabana Palace. Moscovis.