UNIVERSIDADE DE SXO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
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ARTES PLÁSTICAS» PARTICIPAÇÃO E DISTINÇÃO
BRASIL ANOS 60/70
Autora: Maria Amélia Bulhões Garcia
S3o Paulo, 1990 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
ARTES PLÁSTICAS» PARTICIPAÇÃO E DISTINÇÃO
BRASIL ANOS 60/70
Autora: Maria Amélia Bulhões Garcia
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Nogueira
Tese de Doutorado apresentada ao curso de Pós- Grasduação em História Social da Universidade de São Paulo, para obtenção do Título de Doutor.
São Paulo, 1990 III
Dedicatória
A Néstor Garcia Canclini que me auxilou a chegar até aqui e a todos a quem este trabalho possa ser útil em uma caminhada que é de muitos. AGRADECIMENTOS
Foram muitas as descobertas ao longo desta trajetória.
Como agradecer a todos se a grande descoberta foi a de quanto
* coletivo qualquer tipo de trabalho. Alguns estão aqui referenciados, talvez outros tenham sido omitidos. Não deveria agradecer a todos os estudados? Que fazer? Agradecimentos oficiais e afetivos aqui estãos
- Ao Departamento de História da UFRGS, pela liberação
dos encargos docentes, mas antes de mais nada pelos
desafios colocados.
Ao CNPq e FUNARTE pelo apoio à pesquisa possibilitando
a sua realização.
À CAPES pela bolsa que custeou meus estudos e pela
viagem ao México, fonte de inesgotáveis conhecimentos.
- À PROPESP, pelo apoio permanente.
Ao Prof. Dr. Carlos Guilherme Mota, que acreditou neste
projeto quando ele era ainda uma semente. V
- Ao Prof. Dr. Carlos Roberto Nogueira, um orientador
amigo-
- À Rosana e Meg, companheiras na pesquisa e nos
questionamentos.
- À Blanca e Mônica, as amigas de todos os momentos-
- À Loiva, por seu estímulo e exemplo.
- À M. L. Bueno Coelho de Paula, pelas valiosas informações.
- Ao Avancini pela leitura atenta.
- À Dione, pela amizade de sempre e a revisão ciudadosa.
- À Helena e Pancho, pela infraestrutura tão necessária.
- À Graça, pela orientação e questionamento permanentes e
principalmente pelo apoio em todos os momentos.
- Ao Irineu por partilhar dúvidas, por sucitar que eu
tentasse compreender a "falsa magia", pelo apoio e por
tantas coisas mais.
- Ao Thiago e Thiana por quem desejo construir um mundo VI
melhor, por compreenderem minhas ausências.
- Aos meus pais, na origem de tudo.
— Aos amigos a quem deixei de dar atenção e a tudo que
abandonei para me dedicar a esta tarefa que agora
ParBce tão pouco, mas que foi tanto, durante longo
tempo. SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS 09 resumo 10 abstract,
INTRODUÇÃO 01
1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS 11
1.1 - Sistema das Artes Plásticas, conceito e ori-
gens ,
1.2 - As contribições de Pierre Bourdieu e Howard
S.Becker 24
1.3 — Uma proposta de abordagem do sistema das
artes plásticas
AS PRÁTICAS ARTÍSTICAS NO BRASIL NOS ANOS 60/70 51
2.1 - Tendência das práticas artísticas no Brasil.... 51
2.2 - Os Anos 60: Tempo de Projetos Democratizan-
2.3 Os Anos 70: O Estado Autoritário e a Indústria
Cul tura 1 82
0 SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 94
O SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NA CRISE DO DESENVOL-
VI MENTI SMO POPULISTA 120 VIII
A consolidação da Modernização; primeira metade
da década de 60
- Disputas Sociais e Mobilizações no Sistema das
Artes Plásticas
As Vanguardas: disputas estéticas e disputas
poli ticas
5 - SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO ESTADO AUTORITÁRIO
5-1 - Atuação do Estado: Repressão e Censura/Apoio
e Estímulo
5-2 - Fortalecimento das instâncias de difusão e
supremacia do mercado empresarial
5.3 - Avanços Democráticos e Estratégias de Sub-
versão
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS lista de anexos ABREVIATURAS UTILIZADAS
MAM/SP= Museu de Arte Moderna de São Paulo.
MAC/USP= Museu de Arte contemporânea - Universidade de
São Paulo.
MAM/RJ= Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
MAP= Museu de Arte de São Paulo.
MNBA/RJ= Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
FUNARTE= Fundação Nacional da Arte.
CPCs= Centro Popular de Cultura.
DIP= Departamento de Imprensa e Propaganda.
MCP/RECIFE= Movimento de Cultura Popular.
FAAP= Fundação Armando Alvares Penteado.
SESC= Serviço Social do Comércio. RESUMO
O objetivo do presente trabalho é compreender o papel social das artes plásticas, no Brasil, nas décadas de 60 e 70.
Para tal foi ultilizado o conceito- chave Sistema das Artes
Plásticas, a partir das contribuições de Pierre Bourdieu e
Howard Becker. Abordou-se este sistema como o conjunto de indivíduos e instituições que, interagindo, produzem eventos e objetos por eles mesmos considerados artísticos e estabelecem os critérios e valores da arte para toda uma sociedade.
Evidencia-se com este conceito, o caráter coletivo destas atividades, suas relações com o meio em que se encontram e sua função de distinção social.
Partindo destas considerações teóricas, foram analisadas a configuração e a dinâmica do Sistema das Artes Plásticas no
Pr<3sil, nos anos 60 e 70. Esta análise restringiu—se aos pólos hegemônicos Rio de Janeiro e São Paulo, tratando, nos anos 60 ha atuação do Sistema das Artes Plásticas naquele período de lutas democráticas e, nos anos 70, do papel deste sistema na consolidação da hegemonia dos grupos sociais no poder.
Enfatizou-se que o sistema, ainda que tendo uma e5trutura própria. responde a demandas oriundas dos processos XI históricos om que está inserido. tranformando—se neste «"nov irnen to, ABSTRACT
The main objective of the present paper is to understand
the social role of plastic arts in Brazil during the 1960s and
the 19705. With this intention, the key concept Sistema das
Artes Plásticas (The Plastic Arts System) has been used,
taking as a basis the contributions of Pierre Bourdieu and
Howard Becker. This system has been approached as the complex
^hole of individuais and instituions, which - as they interact
produce events and objects, regarded as artistic by
themselves, and also establish the criteria and values of art
for a whole society. This concept clearly shows the collective
aspect of these activities, their relations with the
environment where they are, and their function of social
tfistmc ion.
Taking these theoretical considerations as a basis, the
configuration and the dynamics of the plastic arts system in
Brazil tn the 19íj0s and the 1970s have been analysed. This
^nalysis has been restricted to the leading poles Rio de
Janeiro and São Paulo, dealing with the action of the plastic
ãrt5 system in the i960s, period of democratic struggles, and with the role of this system in the consolidation of the
leadership of the social groups in power in the i970s. XIII
The present paper emphasizes that even though the system has its own private structure it responde to demands which are originated from the historical processes in which it is inserted, this way changing into the movement itself. INTRODUÇÃO
"Para que Ias reflex iones estéticas no se extravien en el subjetivismo y el irracionalis- fnof debem ter em cuenta que el valor de Ias obras se producem en un campo complexo que
incluye el artista f los intermediários y el publico, que Ias relaciones entre ei los estan condicionadas por la historia social
Néstor Garcia Canclini
O objetivo do presente trabalho é compreender o papel social das artes plásticas, no Brasil, nas décadas de 60 e 70.
A maior parte dos estudos sobre artes plásticas centra sua análise na figura do artista, considerado como responsável individualmente pelas características e repercussão social de seu trabalho.
Parte-se aqui, ao contrário da idéia de que o trabalho artístico não é um fenômeno puramente individual, que se possa isolar do conjunto da sociedade. Para compreender as artes plásticas é preciso ir além do artista, investigando indivíduos e instituições que com ele interagem: críticos. 02 marchands, museus, galerias, revistas de arte, etc.. Este conjunto de indivíduos e instituições, por sua vez, não agem de forma autônoma; obras e eventos artísticos, bem como sua difusão, estão intimamnte relacionados com as relações econômicas, sociais, políticas e culturais do meio em que se encontram, isto ô, com o processo histórico do qual participam de maneira específica e na qual se transformam.
Para compreender as artes plásticas no Brasil hoje, como
Uma prática coletiva, inserida socialmente, e fruto de um
Processo histórico, é indispensável voltar às décadas de 60 e
70, nas quais, profundas modificações se realizaram no pais.
Estas duas décadas foram de fundamental importância para a história brasileira contemporânea, pois nelas o pais avançou
seu processo de modernização, integrando, sob a hegemonia do capital monopolista, os diversos setores da produção. A
Modernização oferecida pela expansão das indústrias de bens de
Consumo duráveis atingiu principalmente as grandes disputas
Sociais. Neste período ocorreram alterações na posição do
Erasil dentro da ordem capitalista internacional e
transformações profundas na estrutura sócio-econômica e
dolítica.
Já a partir de 1955 o pais sofrerá uma série de
transformações em sua estrutura produtiva, sendo estabelecidos
C*5 pressupostos do modelo de desenvolvimento que permanece até
Cs nossos dias. No início dos anos 60, o processo de 03
industrialização era já um dado irreversível na formação
social brasileira. As formas de exploração da força de
trabalho tornaram-se progressivamente incompatíveis com a
Política de integração dos trabalhadores desenvolvida pelos
governos populistas. O golpe de 64 redimensionou a atuação do
Estado no sentido de uma política econômica voltada para o
ostabelecimento das condições institucionais capazes de garantir a aceleração da acumulação do capital nesta nova etapa monopolista de seu processo. Assim, nos anos 60 se evidenciaram, pela radicalização dos conflitos sociais, as
implicações políticas existentes em todas as áreas culturais, sendo possível constatar a atuação de alguns setores das artes
Piásticas nas lutas pela democratização no país. Os anos 70,
Por seu turno, presenciaram a consolidação da modernização do
Psís, através de um regime político autoritário, durante o gual expandiu-se a indústria cultural e as artes plásticas, mantendo o tradicional elitismo, passaram a ocupar.
Progressivamente, maior espaço no cenário cultural, servindo à legitimação do modelo de desenvolvimento implantado no pais.
No processo histórico acima delineado, registra-se o fato
0,6 que as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo tornaram-se
Pólos das transformações ocorridas no período, concentrando apitai, trabalho e mercado e, em função disto, o desenvolvimento cultural. Nestas duas cidades se localizavam lmportantes espaços culturais, entre os quais a maioria das instituições do setor das artes plásticas, como por exemplo a 04
Bienal Internacional de São Paulo e o Salão Nacional de Arte
Moderna. Estavam também aí os mais atuantes museus de arte
(MAM, MAC) que, além de serem responsáveis pela conservação de produtos artísticos, interferiam na dinamização do setor. A importância destas duas cidades é demonstrada ainda pelo fato de que praticamente todas as publicações importantes sobre artes plásticas neste período (livros e periódicos) foram aí editadas. A circulação das publicações documenta a circulação do produto. Foi para este eixo que imigrou grande número de artistas e críticos, oriundos das mais diversas regiões do país. Focos de efervescência, estas duas cidades foram o cenário das principais transformações por que passou o país nestas duas décadas.
«Justifica—se, assim, a escolha destas duas capitais como espaço de observação da presente pesquisa.
Não se pode esquecer, no entanto, que ao longo da década de 70 emergiram, no setor das artes plásticas, produções regionais de grande significado, fazendo frente à hegemonia destas duas capitais. São exemplo destas produções regionais o grupo do Mato Grosso (com Aline Figueiredo e Humberto
Espíndola), o grupo do Rio Grande do Sul (Nervo ótico), o núcleo da Paraíba (com Raul Córdula), Siron Franco e em Goiás e as produções de Minas Gerais e Paraná ativadas por salões de repercussão nacional. A amplitude e o significado cultural destas produções, principalmente por representarem uma reação 05
à hegemonia do Rio de Janeiro e São Paulo, merecem um eetudo mais aprofundado. Fica aqui uma sugestão para futuros pesquisadores, uma vez que dentro da proposta de análise do presente trabalho, o privilegiamento dos pólos Rio e São Paulo se impõe.
Para compreender o papel social das artes plásticas, no
Brasil, nestas duas décadas, é preciso determinar com clareza sua especificidade. Assim considera-se para os objetivos do presente trabalho, como artes plásticas, o conjunto de
indivíduos e instituições que se articulam em torno da
produção e difusão de objetos e acontecimentos plásticos.
Para análise das relações que se estabelecem neste
conjunto de indivíduos e instituições, adotou-se o conceito
Sistema das /Qrtes Plásticas, que permite a apreensão da
global idade e do dinamismo destas relações. Vários autores
utilizam este conceito (inclusive em textos da época), mas o
fazem de maneira geral, sem preocupação em defini-lo. Usam-no
como um termo que evidencia determinada realidade explícita e
consensuaImen te aceita: a existência de um conjunto de
relações. A idéia de que existe um sistema das artes
plásticas, assim como existe um sistema social ou político,
está, no entanto, distante do uso que se pretende com este
marco conceituai. O presente trabalho partiu, portanto, ao
nível teórico, de uma discussão e definição do conceito
Sistema das Artes Plásticas, apresentados no primeiro 06
Capí tulo .
A adoção deste conceito permitiu uma visão sincrônica do
Conjunto de variáveis que interferem na produção e difusão das
artes plásticas e do papel destas artes nos processos sociais
econômicos e políticos- Permitiu, ainda, uma visão diacrônica
^ interferência desta prática social nos processos históricos
e de sua transformação nesta atuação-
Partindo, portanto, da consideração das artes plásticas
^mo um sistema inserido no processo histórico, buscou-se com
0 Presente trabalho responder, em relação ao período em
e^tudo, as seguintes questões:
- Como se estrutura o Sistema das Artes Plásticas? Quais seus componentes e articulações?
- Considerando a importância do Estado neste período,
Çual suas relações com o Sistema das Artes Plásticas?
Tendo em vista a existência de redefinições, neste
Período, das relações do Brasil a nível internacional, como
o Sistema das Artes Plásticas nestas redefinições?
- Como o Sistema das Artes Plásticas participa das
Questões populares e democráticas dos anos 60? 07
- Como o Sistema das Artes Plásticas se articula ao
modelo econômico e político consolidado nos anos 70?
- Qual o principal papel desempenhado pelo Sistema das
A^tes Plásticas ao longo de todo o período estudado?
As respostas a estas questões exigiram o levantamento de
informações em diferentes fontes. Considerou-se como
documentos básicos as matérias sobre artes plásticas
Publicadas em jornais e revistas de grande circulação e também
e(I> publicações especializadas. Outras fontes de pesquisa foram
05 relatórios de instituições e os catálogos de exposições,
decursos da história oral também foram utilizados, através de
ontrevistas, sempre tendo o cuidado de considerá-los como
r®sultados de posturas atuais e não da época do estudo. Como
fontes secundárias, utilizou-se os poucos livros e artigos
Publicados sobre as artes plásticas no período de nosso
estudo. Seu número limitado permitiu uma revisão exaustiva e
completa.
Os artigos em revistas e jornais de grande circulação
^tingiam o grande público, divulgando uma imagem de sistema
Pas artes plásticas, motivo pelo qual considermaos um canal
iviiegiado de informações. Mostrou-se tão útil na iclentificação dos eventos em destaque, quanto no levantamento dQs valores e da imagem que se divulgava das artes plásticas,
análise destas matérias permitiu detectar algumas das 08 transformações por que passou o sistema ao longo do período de estudo, ao ser feita de forma seqüenciada. Trabalhou-se com as revistas: Manchete, Vis^o, O Cruzeirof Senhor, Veja e Isto E.
Em termos de jornais utilizou-se O Globo, Jornal do Brasil 9
Estado de São Paulo e Folha de São Paulo,
Da mesma forma que as publicações anteriores, artigos em revistas e jornais de cultura ajudavam a traçar um perfil dos eventos mais significativos e destacados- Por outro lado, eles evidenciaram também o debate intelectual existente no período.
Utilizou-se, neste sentido, as revistas Vozes, Civilização
Brasileira, Cultura/MEC e Módulo, e os jornais Pasquim,
Opinião e Versas -
Revistas específicas de artes revestiram—se de
fundamental importância para este estudo, pois expunham as diferentes correntes artísticas existentes. Em linhas gerais estas publicações davam também informações gráficas.
Praticamente todas as revistas de artes editadas no período
foram revisadas: GAM, artes: Mirante das Artes, Vida das
Artes, Malasartes e Vogue Arte~ Infelizmente, apareceram ocasionalmente e tiveram vida curta, tendo sido peças-chave
no jogo do poder dentro do sistema das artes plásticas. Elas
permitiram observar os mecanismos que garantiam as posições
hegemônicas, desde o favorecimento na divulgação de
determinado tipo de produto ou acontecimnto até o uso da crítica na imposição de determinadas correntes. 09
Considerando-se os relatórios de instituições como
decisivos no conhecimento interno do poder e força das
instituições. Neles pode-se levantar todos os eventos
promovidos pela instituição individualmente, tendo-se assim
uma idéia ampla de sua atuação. Estes relatórios permitiram
também identificar redes de relações entre indivíduos e
instituições, e o tipo de vinculação com o Estado. Analisou-se
relatórios das seguintes instituições: MAM/RJ, MAM/SP, MASP,
MAC/USP, Pinacoteca Municipal de São Paulo, MPJBA/RJ, FUNARTE,
F. BIENAL. Catálogos de Exposição forneceram o discurso da crítica de arte, a ordem de valores que movimentava o sistema e também as relações entre artistas, críticos e instituições.
Utilizou-se catálogos de exposições coletivas e também de
Bienais e Salões. Nestes últimos buscou-se maiores dados sobre estes eventos, cuja evolução foi importante no período em estudo.
Realizaram-se, ainda, diversas entrevistas com críticos, artistas, marchands, colecionadores e diretores de instituições, buscando obter informações para melhor
:ompreensão do período e preenchimento de possíveis lacunas jeixadas pela pesquisa documental.
Levou-se em conta que, sobre este tema e período, a listória oral pode constituir-se numa contribuição significativa. 10
Ordenou-se a exposição dos resultados em cinco capítulos.
No primeiro capitulo, foi discutido o conceito de sistema das
Artes Plást icas, a partir das contribuições de Pierre Bourdieu e Howard Becker. No segundo capítulo se indicou o processo histórico em desenvolvimento no Brasil nos anos 60 e 70, observando como diferentes setores artísticos se comportaram, ho maneira geral, frente aos conflitos sociais que ocorriam.
No terceiro capitulo analisou-se o Sistema das Artes Plásticas no Brasil, com suas especificidades em relação às demais
Práticas artísticas. No capítulo quarto foi analisado o
Sistema das Artes Plásticas, na década de 60, no que diz respeito à consolidação da modernização e às disputas sociais e estéticas. Por último tratou-se do Sistema das Artes
S^sticas nos anos 70, considerando a ação do Estado autoritário, o fortalecimento das instâncias de difusão e s upremacia do mercado empresarial e as estratégias de
Questionamento desta realidade.
Com esta estrutura de análise, procura-se evidenciar as
âr^iculações entre o Sistema das Artes Plásticas e a realidade
^cio-política e econômica que o País viveu nestas duas
^Cadas fundamentais da história brasileira. 1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS
"O indivíduo não é apenas aquilo que ele próprio crê nem o que o mundo crê; é também algo mais: é parte de uma conexão em que ele
desempenha um papel objetivow supra-individualf do qual não dá conta necessariamente".
Karel KosiK
1.1 - Sistema das Artes Plásticas, conceito e origens
A análise do Sistema das Artes Plásticas, no Brasil, nos
anos 60 e 70, torna-se viável hoje, em função do desenvolvi-
mento alcançado pelos estudos históricos e sociológicos que, nas últimas décadas, tém abordado as artes plásticas de forma
mais integrada ao meio social, superando os enfoques
idealistas com que foi tratado este tema até bem recentemente.
Na historiografia da arte, soberana por longo tempo, em geral, a arte é tratada de maneira idealizada, como produto de 12 uma genialidade individual venerada pelo público1. No mais das vezes, as análises se voltam para os elementos formais e signicos das obras e sua classificação estilística, sendo mínimas as contextualizações. Esta história das artes manteve—se tradicionalmente dedicada a identificar e consagrar os artistas e obras clássicas, incorporando, progressivamente como tais as manifestações contemporâneas já absorvidas pelo público especializado. A sociologia tradicional da arte2, por sua vez, se ateve mais a demonstrar a congruência entre formas de organização social e estilos ou temas artísticos do que a analisar a inserção social da produção plástica. Sem considerar a produção e circulação da obra de arte no meio social, de forma a percebê-las em sua dinâmica, esta
sociologia da arte trabalhou predominantemente com os
resultados (as obras) e não com os processos. Mais
A/esta historiografia se enquadram: Upjohn, Everard. História Mundial da Arte. São Paulo, Difel, s.d.; Bazim, Germain. História da Arte. São Paulo, Difusão Européia do Livro, s.d.; Leicht, Herrmann. História Universal da Arte.Rio de Janeiro, Melhoramentos, s.d.; Colombier, Pierre. História da Arte. Porto (Portugal),Tavares Martins, 1958; Rafols, J.V. História Universal dei Arte. Barcelona, Ramon Sopena, 1970; Ribeiro, Flexa. História Crítica da Arte. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1965; Cavalcanti, Carlos. História das Artes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, 2 v.; Grombrich, E.H. História da Arte. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
2 Fischer, Ernest - A necessidade da arte - Rio de Janeiro, Zahar, 1973., Nico Hadjnicolaus. Hauser, Arnold - História Social da Literatura e da Arte. São Paulo, Mestre Jov. 1972, vols - I e II. Francastel, PIERRE - Peiture et Societó Pariz, Danoel Gauttier, 1977. Bastide, Roger - Arte e Sociedade. São Paulo - Editora Nacional/EDUSP - 1971. Hadjnicolaus, Nicos - História da Arte e Movimentos Sociais, São Paulo, Martins Fontes s/d. 1 3
3 recentemente, no entanto, importantes estudos introduziram em relação às artes plásticas, novas abordagens mais amplas e científicas apresentando dois traços básicos comuns: progressivo abandono da perspectiva de análise que prioriza o caráter individual das atividades plásticas e a crítica aos aspectos elitistas da produção, circulação e consumo da obra de arte.
Uma série de tendências, no que diz respeito à prática da produção plástica, contribuíram para a formação desta nova abordagem social das artes plásticas. Dentre estas tendências, se destaca, em primeiro lugar, a generalização do processo de mercantilização dos objetos e eventos artísticos. Como afirma Orlando Suarez " Ia consciência de su importância
(do artista) no es más que Ia expressión de su valor de cottización. Y algo muy importante, con ei cambio dei status dei artista: de protegidos de un mecenas al de productor de uma mercancia — como es usual en el sistema capitalista — Ias obras de arte, como todos los bienes, son mercanciasr por lo cual su valor de cambio prevalece sobre su valor de uso. El
êxito en el mercado hace de los artistas, con talento
9 Bourdieu, Pierre — La distincion — critique sociale du jugement. Paris, liinuit, 1979. Becker, Haward - Les Mondes de'L'Art - Paris, Flamorion. 1988. Canclini, Néstor Garcia — La produccion simbólica. México Siglo XXI, 1979. Lauer, Mirko - La crítica do Artesanato. São Paulo, Nobel, 1983. Durand, José Carlos - Artesf Privilégios e Distinções — São Paulo, Perspectiva 1989. Suarez, Orlando Suarez - La jaula invisible. Habana, Ciências Sociales 1986. 14 reconacida, grandes sefíores"*.
A mercantilização atinge todo espaço das artes plásticas, desde a produção das obras em si até sua circulação em revistas e livros, também mercadorias. As atividades artísticas ficam assim diretamente decorrentes da sociedade de consumo, resultando paradoxalmente tanto mais alienada de sua realxdade social quanto mais proclama sua autonomia e liberdade expressiva.
A absorção das artes plásticas dentro da sociedade de consumo e sua sujeição às leis de oferta e demanda conduzem de certa forma a uma segunda tendência que é a complexidade crescente dos mecanismos de legitimação destas práticas e dos seus produtores - os artistas. Todo um marketing de comercialização tem sido realizado por galerias e marchands, nacionais e internacionais, a fim de que o mercado consiga articular harmoniosamente quadros e esculturas com hapenings e body art (estes últimos comercializados sob forma de fotos, filmes, vídeos...). Absorvidas pelas relações capitalistas, as artes plásticas tornaram-se progressivamente mercadorias de luxo em um circuito muito particular. No âmago de uma comercialização intensa, um fato se manifesta em relação à legitimação desta produção: o reconhecimento de um objeto ou evento como artístico e sua inserção no circuito comercial com várias etapas nesta legitimação, dificultando a definição
4 SUAREZ, Orlando Suarez. La jaula invisible. Habana Ciências Sociales, 1986. p. 40. 15 consensual daquilo que é ou não é arte. Somente o diálogo constante entre artistas, críticos e outros participantes do ambiente artístico tem conseguido ratificar regularmente critérios de julgamento e sua aplicação. A qualidade e valor das obras são, assim, definidos através das estruturas institucionais dentro das quais se insere a produção, distribuição e consumo da arte. Observa-se, ainda, uma complexidade crescente nos mecanismos para obtenção de consenso no processo de legitimação da obra de arte. A partir desta dificuldade, se fortalece a posição enunciada por Mareei
Duchamp9 de que o critério para definição do valor artístico
é a própria qualidade de artista reconhecida em determinado produtor. A crítica fica sujeita a encontrar formas de abarcar sob a designação "artes plásticas" objetos tão dispares quanto um quadro a óleo pintado por Salvador Dali e uma lata de cerveja assinada por Andy Warhol. Com isto, se evidencia que não há valores ou critérios de legitimação permanentes e universalmente reconhecidos, estabelecendo—se os mesmos a partir de um sistema de relações entre indivíduos e instituições.
Outra tendência que se destaca, no que se refere à prática da produção plástica, é a ênfase na afirmação do caráter não político das artes plásticas. Esta despolitização, que procura se apresentar como estrutural e essencial á arte
5 Esta postura de Mareei Duchamp está expressa em suas ações, sendo referidos pelos mais diversos autores que analisam seu trabalho. 16
^ na verdade, bastante circunstancial. Confirma esta afirmação a lembrança de como eram politizadas as práticas artísticas em geral na década de 60, e, dentro deste processo, também as artes plásticas. A abordagem, hoje predominante, que privilegia como mais legítimas as manifestações da "arte pela
arte", coloca a necessidade de revisão do papel poli tico desta aparente despolitização. Para isto, é preciso considerar por um lado, as desilusões com respeito às possibilidades revolucionárias da arte no pós-68 e, por outro, o encobrimento da função política de "distinção das elites" que a arte tem cumprido. A afirmação da despolitização tornou-se, assim, uma
forma de ocultação do papel político das práticas artísticas nas lutas pelo domínio simbólico dentro da sociedade.
Estes três fatores - mercanti1ização da obra de arte, complexidade dos critérios de valor artístico e afirmação do caráter despolitizado da arte - articulados entre si, concorrem para que se venha construindo, nos últimos anos, uma nova concepção da história social da arte. Concepção que não
aborda o artista individual e seu papel social ou obras em suas tendências e estilos ou tampouco grupos sociais como mentores de determinadas práticas plásticas, mas aborda o sistema de relações que é responsável pelas atividades de
produção, circulação e consumo artísticos. A história social da arte passa, assim, a ter como objeto específico de estudo este conjunto de relações dentro de uma determinada sociedade em um momento específico. 0 trabalho de Nestor Garcia 17
Canclini, (La produccion Simbólica) e o de J. Carlos Durand
(Arte privilégio e distinção) se encontram dentro desta nova concepção, na qual também se enauadra o presente estudo.
Este novo objeto de estudo coloca a problemática da adoção de um conceito chave para sua apreensão. Utilizar os conceitos "campo artístico" ou "Mundos da arte" é remeter—se diretamente às concepções de Pierre Bourdieu e Howard Becker respectivamente. Na busca de um conceito novo, encontra-se um mais antigo e já do senso comum: O "Sistema das artes plásti- cas". Ele é utilizado por vários autores que não se preocupam em defini-lo, Mirko Lauer, porém, o faz com as seguintes palavras: "Soma de mecanismos sócio-intelectuaisr através dos quais um grupo humano determina quais traços particulares e concretos de um objeto ou de um processo participam efetivamente de uma existência artística" (Lauer, 19 , p.
155)".
Pode-se ainda especificar e aprofundar melhor este conceito, incorporando nele as contribuições dos estudos de
Pierre Bourdieu e Howard Becker. Seu enunciado será então:
- Conjunto de indivíduos e instituições responsáveis pela produção, difusão e consumo de objetos e eventos por eles mesmos rotulados como artísticos e responsáveis também pela definição dos padrões e limites da "arte" de toda uma sociedade, ao longo de um período histórico.
" Lauer, Mirko. Crítica do Artesanatoj São Paulo, Nobel, 1983. 18
Assim enunciado, este conceito apresenta um caráter dinâmico e totalizante. Dinâmico, porque concebe seu objeto
como um conjunto em movimento; totalizante, pois o vê como
resultado de um conjunto de articulações internas e externas à
obra de arte.
Cumpre lembrar que a "arte" , assim, é um segmento
específico de todas as práticas plásticas, que em uma socieda-
de se realizam. Uma parte destas práticas administradas e
controladas pelo sistema das artes plásticas constituem,
portanto, as "artes plásticas" reconhecidas como tal em um
determinado espaço e tempo. Não se pode esquecer que existe
todo um amplo conjunto de produções plásticas que estão à
margem destas manifestações denominadas artísticas. A
incorporação ou não de elementos destas práticas marginais ao
conjunto administrado pelo sistema das artes varia amplamente
ao sabor de determinantes internas ao sistema, mas também de 7 demandas impostas pela evolução da própria sociedade .
Deve—se observar ainda que a existência deste sistema de
relações especí fico da "arte" não é um fenômeno permanente na
história da humanidade. Suas origens podem ser localizadas na
Europa Renascentista, no bojo de um processo histórico-cultu-
ral, em que o desenvolvimento da sociedade propiciou um
aprofundamento da separação entre trabalho manual e trabalho
7 A discussão filosófica sobre a categoria "arte" não é tema do presente estudo; demandaria um aprofundamento que não é exigido pelo enfoque escolhido. Não se discute aqui os aspectos de criação ou qualidades desta criação, mas sim a maneira como se dÀ sua legitimação social e reconhecimento. No caso do presente estudo, o conceito "arte" está em íntima relação com o sistema que o legitima como tal. 19 intelectual, com evidente supremacia do segundo sobre o primeiro. A figura do "artista" sobrepôs-se gradativamente à figura do artesão, dentro da mencionada supremacia do trabalho intelectual sobre o manual. Os pintores medievais, artesãos anônimos que podiam tanto pintar afrescos como decorar arcas, foram sendo suplantados pelo "artista", pintor de renome com um status que o colocava dentro das Cortes em posições privilegiadas. Esta mudança processou-se através da constituição do que se pode denominar "sistema das artes", na medida em que, para legitimação da produção de determinados
"artistas" e definição das diferenças entre "arte" e
"artesanato", estabeleceu-se um circuito de relações que envolvia artistas, mecenas e filósofos humanistas. A categoria
"arte" surgiu, assim, definida por um conjunto de relações, defendendo valores dos setores sociais com os quais se identificava naquele momento: nobreza e burguesia. A "arte" se estabeleceu, então, a partir de uma ruptura com as demais atividades plásticas (tecelagem, cerâmica, joalheria, etc.) que podem ser classificadas, portanto, como suas ancestrais.
Esta ruptura operou-se progressivamente e foi correlata à constituição do sistema das artes plásticas, dotado de regras próprias, onde se exige uma competência específica para as atividades, separando o profissional do leigo e o sagrado do profano e referendando a distinção social das elites.
É preciso destacar, portanto, que o sistema das artes plásticas surgiu também como um sistema de dominação, na medi- 20 da em que seus integrantes impuseram ao conjunto da sociedade
padrões que eram de uma minoria. No caso do mundo colonial, ocorreu também uma imposição sobre os povos colonizados dos
padrões plásticos de seus colonizadores. Ao apresentar os seus
critérios particulares como definidores dos produtos e
práticas a serem considerados "artísticos" e dando a estes um
status superior aos demais considerados "artesanato" ou
"artes menores", o "sistema das artes" impôs uma
hierarquização que legitimava seu poder e a superioridade de
seus integrantes. A ordem resultante da interação daqueles que
têm acesso ao sistema das artes passou a impôr uma dominação
simbólica sobre os demais, excluídos desta participação.
Marginalizava-se, assim, a elaboração simbólica dos extratos
sociais não integrados do sistema, estabelecendo-se mecanismos
de distinção que legitimavam a dominação social pré-existente,
da qual o sistema era também resultante. Esta distinção passou
a funcionar, desde então, como estratégia de poder político
dentro da sociedade: uma estratégia que se torna mais
eficiente, na medida em que é mais mascarada, aparecendo como
legi tima.
Esta forma de poder mascara-se através da crença na magia
do criador e na individualidade autônoma das produções; crença
na sabedoria despolitizada dos cri ticos e na devoção abnegada
dos consumidores. O que faz com que o sistema funcione é a
crença coletiva nos valores por ele estabelecidos. O que cria
a magia e o valor "artístico" dos objetos é a trama de todos 21 os agentes que participam do sistema das artes plásticas e sua crença nas tradições e na estrutura já estabelecida deste
^stema. O valor da obra de arte se estabelece nesta trama e nela se constrói também o próprio conceito de "arte". Valor de objeto e valor da própria arte estão intimamente ligados,
Senclo maior o poder do sistema das artes e o valor de seus
Produtos na medida em que a trama que o legitima encontra-se mais oculta, tanto aos que nele estão envolvidos quanto aos
PPe dele estão excluídos. A magia do sistema das artes é garantida pela convicção em seu valor principalmente por parte baqueies que nele atuam. A força do sistema das artes está
^Qada a sua própria estruturação; suas instituições, ao peso de sua história. A institucionalização mantém e renova os rituais, estabelecendo discriminações e hierarquizações dentro do variado universo das atividades plásticas.
A história deste sistema de relações é fundamental para a Ponipreensão de seu funcionamento atual, pois estabelece as
POs sibiiicjade5 e os limites do pensar e do realizar no
Ca mpo das arte5 plásticas. A autonomia relativa da arte é, pQrtanto, o resultado desta elaboração que o sistema das artes
COm° um todo faz das demandas e pressões externas. Este
Si5tema, com o peso da tradição de suas instituições, e stabelece o substrato que mantém a aura da "arte". As definiç(5es de critérios e valores, bem como os mecanismos para estas definições, se estabelecem a partir da história deste
Sistema que reforça a crença em sua sacralidade. 22
Em sua evolução, no entanto, este sistema tem apresentado
uma série de alterações que correspondem, em última análise,
d adaptações em sua dinâmica interna face às grandes
mudanças por que passou o capitalismo em sua evolução mundial.
^ sistema acadêmico do século XIX foi um ápice neste
processo. Articulado e justificado por um corpo filosófico
(estética), ele pode impor, sem reservas, todo um conjunto de
normas e padrões, onde "o belo" constituia o valor básico8.
Com a evolução da sociedade de consumo e a ampliação do
"público", o sistema tendeu a se abrir, incorporando produções
que representavam valores mais instáveis e visões
diversificadas da arte enquanto processo simbólico. O
modernismo das duas primeiras décadas do século XX introduziu
profundas alterações, não somente nas concepções estéticas,
como nas formas de circulação e consumo dos bens artísticos.
Na década de 60, pode-se observar novas transformações; este
momento, a própria arte, enquanto categoria filosófica e
social, foi questionada. No entanto, todos estes questionamentos não conseguiram anular o sistema, enquanto
instrumento de distinção. Ao sistema acadêmico do sec. XIX, novas instituições foram agregadas (museus e galerias...), outras desapareceram (academias de Belas Artes), outras se modernizaram (salões) e o sistema permaneceu, articulado em sua função primordial: distinção social das elites. A
0 ^r^s^e^er 1 in: "El pensàmi&nto renascentista y Ias artes"- Madrid, Taurus, 1986 realiza um estudo bastante aprofundado da evolução do sistema filosófico que se estabelece paralelamente à evolução das práticas artísticas no mundo moderno, servindo de ponto de partida para o presente estudo. 23
Par"ticipaçâo no sistema das artes, como forma de distinção
social * deve ser observada não só em termos de produção como
também de consumo. O interesse por esta distinção é um
elemento fundamental na determinação do caráter elitista das
artes plásticas. Este elitismo interessa a diferentes setores
de classes dominantes na sociedade, porque lhes justifica o
Poder através do reconhecimento de sua suposta superioridade,
Pcie sg expressa simbolicamente na participação. como
Produtores e/ou consumidores em um círculo artístico restrito,
que exige uma formação e informação que não estão ao alcance
de todos os indivíduos. Neste círculo restrito, as classes
dominantes se distinguem e as classes subalternas reconhecem como legítima a superioridade das primeiras. O consumo de od ras dg ar^e tornou-se um símbolo de distribuição, uma marca d® Poder, de hierarquia social, de bom gosto, de formação
Altura! erudita enfim de capital cultural que por sua vez é
Poder. Segundo Orlando Suarez "Hay dia. Ias famílias de la ul-íçargtjia financiera no sólo son coleccionistas como a Ias ar>teriores. el coleccionismo Ias coloca en una jerarquia
So ciai cfe élite - sino porque de esa manera crean una imagem
P^Izcas de su classe, como la classe salvaguardadora de los
Piores espirituales de Ia humanidade, simbolizados en el arte"0.
^ distinção social funciona portanto também como fórmula de loqitimação de poder das classes dominantes. A dominação
Qp cit. p. 42. 24
simbólica que se estabelece através do sistema das artes
plásticas é específica ao capitalismo, com ele surgindo e a ele servindo. Assim, o conceito "sistema das artes pláticas" e
a realidade por ele explicada devem ser pensados como
historicamente datados, negando, portanto orientações que
pretendem considerar a "arte" como um fenômeno universal e
permanen te.
Esta afirmação não deve levar a interpretações a respeito da capacidade humana criativa nem das necessidades de realiza-
ção plástica do ser humano, estas sim realidades permanentes ao longo da história da humanidade e presentes na sociedade contemporânea independente de condição social. O fenômeno da criação plástica enquanto realização humano é universal e
Permanente como o próprio homem. A apropriação pelas elites, has mais eficientes e adequadas produções plásticas, sob a designaçã o de "arte". este sim é um processo recente na história da humanidade e se realiza, na sociedade contemporâ- nea. dentro de um conjunto de relações denominado Sistema das
Artes Plásticas.
*•* ~ As contribuições de Pierre Bourdieu e Howard 8. Becker
Para discutir melhor o conceito "sistema das artes" e a realidade que ele abarca, podem ser utilizadas as contribuições de Pierre Bourdieu e Howard Becker. Estes dois autores analisam o mesmo objeto - as relações dos conjuntos 26 que envolvem tanto as etapas de produção como de circulação e consumo. Desta forma, desmistifica o trabalho artístico como uma unidade, fruto da atividade individual do artista e enfatiza a importância daqueles que chama genericamente de
Pessoal de apoio. Com isto, coloca no horizonte da pesquisa, permanentemente, a busca dos atores sociais envolvidos nos
Processos artísticos, redimensionando sua caracterização
tradicionalmente individualizada. Superando a visão mistificadora do artista como gênio individual e único, Howard
Becker percebe e destaca as redes de cooperação que
Possibilitam a existência de determinados objetos e eventos, befn como sua legitimidade artística em determinada sociedade.
Este tipo de encaminhamento aporta muitas contribuições, pois, e,ir* seu trabalho de levantamento e análise dos mundos da arte11, ele apresenta uma grande quantidade de referências concretas ao funcionamento das cadeias de cooperação no âmbito das artes plásticas.
Esta forma de encarar o objeto privilegia a cooperação como elemento integrador das relações e desarticula o todo, na mGdicia em que cada mundo pode ser tratado isoladamente. No er>tanto, a idéia de que se possa dividir todos os processos
PUg em uma sociedade se denominam "arte" em mundos, conforme as cadeias de coordenação que envolvam (fotografia, design, cerâmica, arte oficial...) se afasta da concepção globalizante
Pue o conceito "sistema das artes plásticas" propõe.
11~~ ^ " ~ B®cker, Howard Les Mondes de L'art, Flamarion, Paris 1988. 27
Pierre Bourdieu apresenta uma abordagem diferenciada do
mesmo fenômeno, trabalhando com um conceito mais amplo e
generalizado, que define nas seguintes palavras: "Chamo de
campo um espaço de jogo, um campo de relações objetivas entre
indivíduos ou instituições que competem por um mesmo obje- 2 to' ■ Ele aplica o conceito "campo" na análise de vários se-
tores da atividade social, quais sejam: o campo religioso,
Político, cultural... Dentro do campo cultural, Bourdieu fala
do campo de produção erudita ou campo artístico. Ê importante
destacar que Pierre Bourdieu não descreve o funcionamento dos
campos, mas busca descobrir e evidenciar as estruturas
invisíveis, responsáveis por este funcionamento, levantando
seus princípios básicos de existência. Segundo Pierre
Bourdieu, "Os campos se apresentam à apreensão sincrônica como
espaços estruturados de posições (ou postas) cujas
Propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser
<3na2iSt3das independentemente das características de seus ocupantes em parte determinados por elas"13. Assim, o campo
uma estrutura que pode ser analisada independentemente das características dos indivíduos nela atuantes e que até mesmo interfere sobre eles, sendo, portanto, fundamental o estudo do campo e não dos indivíduos, como tradicionalmente se faz em artes plásticas. O estudo destas posições, destes postos e dos
Princípios de funcionamento desta estrutura apresenta uma
^tica desmascaradora e dessacralizante.
— Bourdieu, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro. Marco Zero, 1983 p. 55. 13 Bourdieu, Pierre. op. cit. p. 155. 28
As observações de Bourdieu sobre as regras e princl pios
de funcionamento dos campos permitem afirmar que para ele os
elementos estruturadores do campo artístico são a luta pelo
poder e a crença no universo mágico da arte. Para ele não há
nenhum sistema que não funcione, pelo menos em parte, devido à
crenças, sejam elas quais forem. O universo da arte é para
ele, no mundo contemporâneo, o universo da crença. O autor
chega mesmo a afirmar que a sociologia da cultura é a
sociologia da religião de nossa época. A eficácia do trabalho
de Bourdieu está em desvendar as crenças que sustentam os
mecanismos que fundam o mundo social e, dentro deste, o campo
artí stico.
Cabe apontar, aqui, a grande diferença de sua posição em
relação a Howard S' Becker, uma vez que, para Bourdieu, o
elemento fundador do mundo social é a luta pelo poder e não a
cooperação. Para Pirre Bourdieu, em cada campo se encontra uma
luta entre o novo que está forçando sua entrada e promovendo,
para tal, alterações tanto na distribuição de posições, quanto
nas Próprias regras de atribuições destas posições, e aqueles
clUe, mais antigos no sistema estabelecido, nele são dominantes
e tentam defender suas posições, seu monopólio, excluindo as
Possibi1 idades de entrada do novo e de estabelecimento de
concorrência. Bourdieu apresenta, assim, como principia de e>,istência de qualquer campo (do campo artístico também) as es^ra*:^<3iâs de conservação desenvolvidas pelos dominantes para
Psrmanecer e as estratégias de subversão tentadas por aqueles 29 que, pretendendo entrar no jogo, querem a alteração das regras a seu favor. O elemento básico de toda relação na sociedade capitalista á, portanto, a dominação e a luta pelo poder, é a sua forma de dinamismo. Neste sentido, Bourdieu opõe—se frontalmente a Howard Becker, que destaca a cooperação como elemento fundador dos diferentes mundos da arte e forma de manutenção dos mesmos.
Considerando os mundos da arte como elementos norteadores das atividades "artísticas", Howard S'Becker analisa as condições de sua existência aplicando sua teoria da rotulação (criada a partir do estudo dos comportamentos marginais) aos mundos artísticos. O ponto central desta teoria
ê a constatação de que a rotulação dos desvios se organiza a partir da criação de regras por um determinado grupo. O desviante ê aquele a quem um rótulo foi aplicado, baseado em um conjunto de regras e comportamentos, aceitos pelo grupo e pelo próprio desviante. Em termos de arte, "artista" é aquele a quem este rótulo foi aplicado com sucesso (rotulação aceita socialmente) e "comportamento artístico" em uma sociedade, é
aquele rotulado como tal, a partir de um corpo de convenções.
0 fato, então, de ser artista depende muito mais de como as
demais pessoas reagem a esta rotulação do que a uma qualidade
intrínseca ao indivíduo rotulado. Assim como um comportamento
pode ser uma infração de regras em um contexto e não em outro
também um mesmo abjeto ou evento pode ser artístico em um
contexto e não em outro. Pode haver uma infração, quando 30
determinado ato é cometido por um indivíduo e não quando come-
tido por outro, um ato pode ser astístico, quando produzido
Por alguém e não quando produzido por outro. Generalizando no
nivel da arte, em resumo, se poderia dizer que determinada
ação é artística ou não, em parte, pela natureza do ato, mas
ero parte por aquilo que as pessoas pensam em relação a ela.
Assim, a arte não é uma qualidade que existe no próprio
comportamento, mas resulta da interação entre a pessoa que
comete o ato e aqueles que respondem a ele. Considerando-se a
teoria do desvio, pode-se afirmar que as convenções definem a
Poa1 idade artística e a condição de artista. Nos mundos da
arte, segundo Howard Becker, são portanto, as convenções que determinam as possibilidades e os limites na produção, circulação e consumo dos objetos e eventos considerados artísticos. 0 autor não deixa, porém, de considerar a transgressão destas regras nos processos de mudança e,
-lnc lusive, a possibilidade de serem criadas novas regras
(transgredindo, portanto, as existentes) e articuladas em torno delas um conjunto de colaboradores: dá-se, assim a
Ç^nese de um novo mundo.
A imposição de regras, conforme Howard Becker corresponde
Poterminados valores vigentes para um grupo social.
r*ta-se, portanto, de uma questão de poder. Quando em uma
c:iedade existem vários mundos em disputa, a imposição de
e9ras vai corresponder à força poli tica e econômica que cada 31
um destes grupos possa ter14. A diferença na capacidade de
"fazer regras e aplicá-las expressa, essencialmente, diferentes
Qcaus de forças. Agueles grupos cujas posições sociais lhes
conferem armas e poder, são mais capazes de impor suas regras.
Ele afirma, ainda, que as regras criadas e mantidas pela
r°tulação não são universalmente aceitas; em vez disso, elas
constituem objeto de conflito e discordância, sendo parte dos Processos políticos da sociedade.
Pierre Bourdieu, por sua vez, ao tratar da questão do
Poder, afirma: "é preciso que haja objetos de disputa e
Pessoas prontas para disputar o joçor dotadas de habitus' que
Apliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis
inanentes do jogo, dos objetos de disputa etc..."**. Nesta
^irmação, além da idéia de disputa dentro do sistema, aparece
0 conceito "habitus" que é, de certa forma, fundamental à
compreensão de seu pensamento. Este conceito permite observar
05 comportamentos sociais não como imposições, uma vez que
^âbitus" é uma interiorização de regras sociais, estabelecen— c'0 uroa orquestração da sociedade sem regente. Trata-se de uma manifestação individual inconsciente das regras sociais
lntrojetadas. Isto se dá devido ao fato de que as mesmas são aclquiridas desde a mais tenra idade, envolvendo, além da
fQrmação escolar. a formação familiar. As condições de 14 — — Howard Becker não aborda a questão do poder político e econômico em seu livro "Les mondes de Lart", onde trata e specificamente a questão artística a não ser em relação âos poderes dentro dos próprios mundos (dos críticos), por exemplo. Mas se refere, embora de forma superficial, a esta Pciestão no livro "Uma Teoria da ação coletiva", Rio de 15 Janeiro, Zahar, 1977. 0d- Clt. p.89. 32
existência dos indivíduos fazem com que ele absorva
normas e valores. Pode-se entender, assim, porque não há
necessidade, muitas vezes, de determinações evidentes, já que
elas são passadas de forma subliminar. Os indivíduos
Participantes de um campo artístico (quer como produtores,
difusores ou consumidores) trazem "habitus" decorrentes de sua
condição social, que lhes possibilitam o acesso ao campo e,
inclusive, determinam as posições que poderão ter dentro
deste. como o "habitus" é uma condição interna do indivíduo,
9^® se forma já no seio de sua família e prossegue através de
seus estudos escolares e outras experiências de vida, ele
está na base de toda diferenciação social; não é, portanto,
adquirido intencionalmente. A teoria do "habitus" possibilita
a constituição de uma ciência das práticas sociais em que se
escapa a alternativas de tipo finalista e mecanicista. Esta
teoria permite a compreensão das práticas humanas como
resultado de um funcionamento social regido por condições não
evidenciadas imediatamente.
Para Bourdieu, o "habitus" atua como forma de
1 ncorp0ração capital, uma vez que o indivíduo recebe, por
SUâ Posição familiar, não só o capital econômico, sob forma de
recursas materiais, como também o capital social, na forma de
Um circulo de relações e o capital cultural, sob suas duas
emasj incorporado e objetivado. O capital cultural ln Corporado é todo o conjunto de conhecimentos, informações e
iores que lhe permite, por exemplo, participar tanto como 33
produtor, quanto como consumidor artístico. Este capital
incorporado está embutido nas disposições inconscientes dos
indivíduos em relação às artes plásticas. O capital cultural
objetivado, por sua vez, se manifesta sob a forma de
propriedade de objetos, como livros, quadros, revistas e
também diplomas.
Assim para Pierre Bourdieu, na sociedade capitalista, existem trés diferenciadas categorias de capitais: o capital econômico, o social e o cultural. A propriedade destes diferentes capitais é fundamental na luta pelo poder político.
As diferentes frações da classe dominante detém diferentes
Proporções de diferentes espécies de capital. A propriedade de cada tipo específico de capital vai determinar uma disposição particular em relação ao sistema das artes
Plásticas.
Considerando o capital econômico, suficiente e
^rretamente estudado por diferentes autores, principalmente
0s clássicos do materialismo histórico, Bourdieu dirige sua atenção, com mais ênfase, aos espaços ainda a descoberto que são o capital social e cultural. Em sua teoria, no entanto, a importância do capital econômico como determinante dentro do mundo capitalista não é descuidada, ao mesmo tempo em que apresenta a possibilidade de conversão destes capitais entre
O capital econômico se converte em capital social que, por sua vez, pode se converter em capital cultural e este ainda 34
pode se tornar também capital econômico. Aplicada ao sistema
das artes plásticas, esta teoria pode evidenciar o espaço de
c:irculação como a "bolsa de valores" destas conversões. Em uma
mostra inaugural, por exemplo, o capital cultural do artista
se converte em capital social (notas em jornais,
entrevistas...) e o capital econômico do comprador em capital
cultural (a obra adquirida). Além destas, muitas outras
conversões podem ser realizadas na circulação das obras e
acontecimentos artísticos.
A afirmação de Bourdieu de que a propriedade de
^^ferentes tipos de capital, bem como de diferentes proporções destes capitais, estabelece um acesso hierarquizado aos esquemas de pensamento da sociedade, pode ser relacionada com a classificação que Howard Becker faz dos tipos básicos de
Pcodutores (artistas). Os quatro tipos de artistas por ele enunciados correspondem a quatro possíveis origens sociais e
Poemas de relacionamento com o sistema das artes. A primeira tipologia é formada pelos profissionais integrados, aqueles due seguem corretamente as convenções já estabelecidas em fiação ao fazer artístico, permanecendo restritos aos limites c®0 seu público potencial e às situações consideradas re5peitáveis. A segunda tipologia é a dos franco atiradores ou marginais, aqueles que, transgredindo as convenções artísticas
^dentes, enfrentam sérias dificuldades para verem seu tcabalho realizado e difundido. Estes, em geral, são ligados
âc> sistema das artes estabelecido (cursaram escola de artes ou 35
ateliers, freqüentam museus e galeria ...) foram treinados nele e continuam de certa forma voltados para ele. Estes artistas ou aspirantes não recusam todas as convenções, mas se concentram na mudança de algumas destas. Seus trabalhos inovadores, muitas vezes, acabam incorporados promovendo a modernização das convensões. A terceira tipologia engloba os artistas ingênuos ou naifs; estes, em geral, nunca tiveram celações com o sistema das artes, (não fazem escola de arte nem freqüentam o circuito artístico) sua habilidade foi obtida
P0r" outros meios (formação técnica ou autodidata experimentalista) e são absorvidos pelo sistema a partir da
0rigina1 idade e expressividade de sua produção. O último tipo
^ o dos artistas populares; aqueles inseridos dentro de uma
Pcodução mais coletiva, despreocupados de sua condição artística, seus trabalhos são considerados, pelo sistema, como artesanato, sendo menos valorizados que os anteriores.
Nas duas primeiras tipologias, têm-se indivíduos com
Vasto capital cultural que lhes facilita, de certa forma, sua integração no sistema, sendo que os marginais ou franco
Viradores, em geral, necessitam de um capital cultural excedente que lhes permita questionar as normas e5tabelecidas. Jã os dois tipos seguintes, (ingênuo ou naifs e
Populares) possuem um capital cultural mínimo, o suficiente
Pára a execução de seu trabalho, mas insuficiente para a
^-ntegraçâo no sistema das artes.
Dal, se conclui que esta abordagem pode explicar as 36
condições individuais a partir de suas origens sociais.
Torna-se, porém, necessário ir além, analisar as estruturas do
sistema das artes plásticas paralelamente às condições
individuais. Essas estruturas constituem uma ordem
institucional derivada da própria história das lutas travadas
para a sua permanência ou transformação. São heranças do
Passado que impõem aos indivíduos que têm acesso ao campo, à
movimentação e à luta dentro das condições dadas naquele
momento, ê preciso, portanto, conhecer a história do sistema,
e> para tal, abordar sua estrutura e funcionamento como
resultado e parte da história social em que está se
desenvolvendo, pois o sistema das artes faz parte dos
Processos de legitimação que se estabelecem dentro da
sociedade permanentemente.
Howard Becker, contribui para esta linha de análise com
seus estudos sobre os processos de formação dos diversos
mundos da arte; observa como a história do sistema é
utilizada na legitimação de novos mundos "... um mundo da arte
adata uma história tendente a demonstrar que, desde o seu
*-ní cio, ele produziu obras de valor e que uma evoluçõío lógica
induziu á sua filosofia atual que o coloca sem contestação
nnma posição de grande arte. Não esqueçamos que nos primeiras
Pompas de qualquer mundo da arte, uma multidão de pioneiros
^^^balhando a escala local realizaram obras extremamente diversas. Os historiadores podem fazer uma triagem dentro do d*-1® resta desta enorme acumulação para escrever uma história 37
que sustente a posição atuai do mundo da arte,/1<5-
Nesta afirmação, Howard Becker procura mostrar o peso da
história da arte sobre a evolução de um determinado mundo da arte- No entanto, para compreender o sistema das artes como uma globalidade, em que diversas tendências ou agrupamentos participam de forma interligada na dinâmica de cooperação e, fundamentalmente, de luta, é preciso pensar que esta história não ê apenas de um mundo específico- Existe uma história da arte já consagrada, na qual qualquer grupo para se legitimar precisa se inserir e encontrar sua fundamentação. Se não observarmos o processo histórico mais amplo, (história da sociedade em que esta produção se insere) caimos na tradicional história da arte que se presta a apresentar a produção contemporânea como fruto da evolução de todas as práticas artísticas da história da humanidade. Numa seleção arbitrária, são escolhidas aquelas obras que podem servir de ponto de apoio para a construção da identidade desta ou daquela produção contemporânea- Neste processo de construir uma história legitimadora, são deixadas de lado diversas práticas plásticas, que poderão no entanto, ser incorporadas nesta história, à medida em que as novas tendências artísticas assim exigirem. Um exemplo típico é o trabalho de Jeronimus
Bosch, ao qual não era dada grande importância no período acadêmico, e que foi retomado e revalorizado dentro do movimento surrealista. Os integrantes do sistema das artes
ic> Becker, Howard S'. Les mondes de i art. p. 343. 38
plásticas lançam mão, portanto, como afirma Howard Becker, de
algumas obras que, produzidas ao longo da história da
humanidade, podem servir para a legitimação de sua produção
atual. É preciso lembrar que, paralelamente a todas estas
obras que se encontram tradicionalmente nos livros de história
das artes, houve uma ampla produção plástica que ficou
esquecida ou relegada na triagem feita pelos historiadores da
arte. O fato de serem ou não retomados tem mais a ver com o
papel que podem cumprir em relação ao sistema das artes em um
novo momento do que com seus méritos em seu tempo.
No que diz respeito às mudanças no sistema das artes,
ambos os autores, aqui considerados, percebem as estruturas
responsáveis pela "arte" não como uma determinação estática e
permanente, mas como resultado de constantes renovações.
Porém, a mudança é compreendida de forma diferenciada por
Pierre Bourdieu e Howard Becker.
Howard Becker destaca como elemento básico de seus mundos
arte a cooperação, e, mesmo reconhecendo em determinado
momento, a existência de vários mundos, trabalha com o
surgimento e desaparecimento de diferentes mundos isoladamen-
te. Rara ele, estas cadeias de cooperação (mundos) podem
surgir e desaparecer ao longo de um determinado tempo, segundo
«s circunstâncias de sua evolução e do desenvolvimento da sociedade. Em seu livro, ele relata alguns casos, com o objetivo específico de comprovar esta possibilidade, mas a 39 forma como ele compreende a mudança é insuficiente- Ele afirma e busca comprovar com inúmeros exemplos, que a mudança é a regra e a permanência da exceção, resultando daí apenas uma troca de nomes. A mudança passa a ser a permanência, tão contínua como fora até então considerada a permanência. Falta a Howard Becker uma visão mais ampla, que permita perceber o que desaparece e o que surge dentro de um mesmo processo articuladamente e dentro do contexto social no qual este processo está intimamente inserido. Quando analisa o percurso do surgimento e desaparecimento de determinado mundo da arte,
Howard Becker trata este percurso isoladamente de todos os demais percursos de outros mundos que lhe são contemporâneos.
Assim, ele enfatiza o trabalho coletivo em cada mundo da arte, não tendo como preocupação o papel deste mundo dentro da sociedade global em que está inserido. Sua orientação metodológica é centralmente voltada para a mudança em cada mundo, independentemente das relações deste mundo com outros mundos e com a sociedade em geral, o que lhe impede de explicar coerentemente os processos de mudança que ele observa ocorrerem permanentemente no mundo das artes.
Pierre Bourdieu pelo contrário, apesar de abordar diferentes campos, concebe um único campo das artes eruditas, em um determinado momento; as disputas para ele não se dão
©ntre os campos, dentro do campo. Ele aponta a existência de
0bjetos de disputa e pessoas dispostas a disputar o jogo como
Principio básico de existência de um campo específico. De 40 certa forma, ele coloca como antagônicos os campos de produção para produtores (arte erudita) e o campo de produção para consumidores (indústria cultural). A este respeito, ele não
considera duas questões que são fundamentais em termos de
Brasil: o papel da arte popular e as interligações entre arte
erudita e cultura de massa.
Para Pierre Bourdieu a luta, ccmo base de toda relação
social, é o elemento que permite a atualização de cada campo.
Neste sentido, considera em sua análise as condições dadas: os
"habitus" dos indivíduos atuantes e a estrutura do campo,
resultado de sua história específica. A luta pela
transformação que promovem aqueles que querem se introduzir no
campo é o motor de renovação deste. A oposição entre o novo e
o consagrado, muda constantemente os conteúdos e objetos de
disputa, permanecendo o princípio de existência do campo. No
caso das artes plásticas este princípio é a distinção. A
mudança é, portanto, resultado da luta pelo monopólio da
distinção. E,a estrutura do campo á o resultado do conjunto de
forças dos agentes engajados nesta luta, ao mesmo tempo em que
é sempre ponto de partida para os comportamentos destinados a
transformá-la, estando assim, sempre em jogo.
Assim, a idéia de Howard Becker de que diferentes mundos
da arte, cada um deles constituído por uma cadeia de
cooperação, coexistem em um determinado período de tempo em
uma mesma sociedade, se completa com o princípio de luta por 41
hegemonia apontado por Pierre Bourdieu. Pode—se afirmar que
determinados grupos lutam por ser dominantes, hierarquizando
subalternamente os demais e, inclusive, muitas vezes, o
surgimento de uma nova cadeia de relações pode impulsionar o
desaparecimento de outra. Neste sentido, as lutas não são
individuais, mas de grupos (mundos ou cadeias de relações),
disputando a hegemonia de posições e controle das atribuições.
É preciso retomar esta questão observando que a luta, encaminhada dentro dos limites colocados pelo próprio sistema, garante sua renovação e conseqüente permanência. Podem ocorrer mudanças que ultrapassem os limites suportados pelo sistema, desarticulando—o. Este foi, por exemplo, o caso da passagem do academicismo para o modernismo. No entanto, esta
luta não colocou em questão os elementos da própria dominação cu1tura1.
Apesar das diferenças de abordagens, uma idéia básica comum se evidencia nos estudos de Howard S' Becker e Pierre
Bourdieu: existe um conjunto de indivíduos e instituições em interação na produção de bens culturais "artísticos"; esta interação deve ser o objeto da História Social da Arte, e não simplesmente das obras artísticas ou de outros elementos nela integrados. A ênfase no sistema de relações ê um elemento determinante no pensamento destes autores. No presente trabalho, esta abordagem privilegia o sistema de relações responsável pelas artes plásticas. 42
1.3 Uida pr*opo&tA d® abordagem do sistema das artes plásticas
Analisar as artes plásticas em determinado contexto, utilizando o conceito de sistema das artes plásticas, exige que se leve em consideração os limites do conceito, enquanto metáfora das redes concretas de relações que constituem a realidade estudada. No entanto, este conceito pode auxiliar a compreensão do real, ao colocar em evidência suas estruturas não aparentes. Não se pode, porém, descuidar de que o conceito
"sistema das artes plásticas" é somente um instrumento teórico, sendo o objeto por ele abordado muito mais complexo e contraditório.
Ao abordar as artes plásticas no Brasil, nos anos 60 e
70, deve-se considerá-las dentro de uma realidade
Internacional, buscando captar sua dinâmica e articulações, já que o sistema das artes plásticas no Brasil está intimamente re1 acionado com este sistema em outras nações.
Deve-se lembrar também que este sistema é uma estrutura dinâmica que, como elemento de distinção das elites, se formou e evoluiu dentro de um complexo mais amplo. Surgindo com o desenvolvimento da burguesia, o sistema das artes plásticas evoluiu ao longo da consolidação do capitalismo, estruturando-se definitivamente no século XIX, quando esta classe assumiu o nível internacional, o poder político. As m'-«danças que se estabeleceram, portanto, no sistema das artes 43
Plásticas tem estreita relação com as mudanças da própria
sociedade. No mundo moderno e contemporâneo (ocidental), o que
se tem são mudanças parciais, que constituíram, pouco a pouco,
formas de renovação. Nesta situação, o novo passou a ser, na
sociedade de consumo, a garantia de permanência e da
continuidade da estrutura social capitalista. Esta
continuidade interessa aos grupos dominantes, que assim
garantem seus privilégios, também através da renovação
constante dos signos de distinção, entre eles o sistema das
artes plásticas. Isto determina a necessidade de constante
renovação do sistema evitando a apropriação dos códigos pelo
grosso da população o que determinaria sua dessacralização e
Perda de status. A renovação permanente responde portanto às
exiqências da sociedade de consumo em seu constante atualizar—
~se mas também às necessidades de renovação para manter—se
fora do consumo generalizado.
Este processo, porém, não é uma farsa premeditada como
Poderia parecer. Ele se realiza a partir de um referencial dos
integrantes do sistema das artes plásticas, que agem segundo
seus "habitus", decorrentes das suas posições sociais e também
das posições que detêm na estrutura do sistema. 0 processo de
construção de uma história da arte legitimadora, é todo ele
Permeado pela introjeção que os integrantes do sistema fazem de seu papel. Eles acreditam que realmente a arte moderna resulta de uma evolução histórica da humanidade, sentindo-se herdeiros e continuadores desta produção especializada. 44
A classe dominante, em seus diversos segmentos, conside-
rã-se a detentora de todos os bens produzidos pela humanidade
em sua evolução, e, assim também, herdeira legítima desta
herança artística. A fração institucionalizada das práticas
Plásticas tem, portanto, sua existência determinada e
garantida pelo sistema das artes do qual participam
fundamentalmente indivíduos das classes dominantes ou a esta
servindo.
Este sistema tem uma estrutura que é resultado da
história de suas lutas internas, sendo também princípio e
condição das novas lutas que se estabelecerem. Pode-se
compreender o funcionamento deste sistema como resultado dos
habitus" introjetados de seus participantes e das
Possibilidades destes dentro da evolução de uma estrutura pré—
ostabelecida, na qual poderão ocupar determinadas posições.
Este processo ocorre de acordo com um mecanismo pré- estabelecido socialmente; os elementos que dele participam oele se reconhecem, sem que se possa identificar um plano oonsciente e previamente combinado ou planejado. Assim, os integrantes do sistema das artes, mesmo articulados dominante- mente em um mercado de arte, possuem uma representação muito
Particular de suas práticas. Consideram-nas irredutíveis ao s impies estatuto de mercadoria, defendendo uma a singularidade
SuPerior da condição artística. Uma dupla condição que é garantida por um sistema das artes plásticas organizado, e
^Paz de garantir a distinção deste círculo restrito de 45
©spec ia1istas.
o sistema das artes plásticas é formado, no caso
específico do presente trabalho, identifica-se com o seguinte
eonjunto de indivíduos e instituições em interação: artistas,
crlticos, marchands, professores de arte e administradores
atuando em instituições como museus, galerias, bienais,
salões, escolas de arte, e espaços específicos nos meios de
comunicação de massa.
Neste conjunto destaca-se a figura do artista que, no
mundo contemporâneo, expressa de certa forma a aspiração
generaliza da de sair do anonimato, a busca de
nclividual ização dentro da sociedade de massas. O fenômeno do
tista como "ser" original e único, que caracteriza tão
octemente nossa sociedade, é correlato à despersonalização e
mâ ssificação da maioria dos indivíduos. A individualidade
levada ao extremo sob a rotulação de "artista" é o contraponto
à Massificação que corresponde à maior parte da população. O
ârtista passou a ser aquele que torna algo "arte", dando-lhe
Uma esPécie de selo de autenticidade com uma assinatura.
Dentro do sistema, se definem os atributos e elegem as pessoas
Pazes de desempenhar as atividades especiais que se classificam c orno "ar tísticas". Assim, dentro do sistema das â f" es plásticas, se estabelece, de determinada maneira, os
^utos que correspondem aos artistas e os mecanismos que
PQssibi1itarão estas escolhas. 0 que é preciso ter claro é que i 46
alguns atos marcarão pessoas como artistas dentro de um grupo
em um determinado momento; portanto, esta "rotulação" é certo
tipo de consenso e corresponde a valores sociais. Compreender
como se dá esta rotulação a nível das artes plásticas exige j que se tome o conceito sistema das artes na sociedade i capitalista contemporânea como referente a um "espaço da
arte", sujeito à demandas sociais políticas e econômicas, mas
dotado de uma história, de uma lógica e, principalmente, de
uma estrutura própria.
A estrutura responsável por esta rotulação-legitimação dá
especial relévo ao papel do crítico, como difusor de
determinadas correntes artísticas ou produções. Sua atuação
nos meios de comunicação especializados e de massa
(principalmente revistas e jornais) garante a realização desta
tarefa, além de lhes possibilitar estabelecer distinções entre
o que é e o que não é arte, para o grosso da população. A
■análise dos discursos estéticos publicados evidencia os
valores e os interesses defendidos e a adaptação que realizam
das teorias estéticas á realidade da produção artística. A
importância de sua atuação aumenta nos momentos de disputa
entre tendências estéticas diferenciadas dentro do sistema das
artes. No caso das disputas entre as vanguardas e as produções
Já consagradas o apoio de críticos e sua defesa em jornais e
revistas além da própria promoções de eventos (Como o caso dos
Domingos da Criação" de Frederico de Morais) foram decisivas
Para a disseminação dos movimentos. Os administradores culturais (diretores de
museus,secretários culturais, membros de conselhos consultivos
etc..), em relação à legitimação, têm atuação paralela à do
crítico. Sua representatividade não está na ligação com os
meios de comunicação social, mas com as instituições que
administram. Seus poderes no sistema são proporcionais ao da
instituição a que estão ligados; no entanto, pelas suas
atuações, podem ter influências transformadoras nas
tuições que administram. Indivíduos ligados a
determinadas tendências, quando colocados em instituições
importantes do sistema, podem influenciar na legitimação
destas tendências.
Já os marchands são indivíduos ligados preponderantemente ao mercado de arte, sendo muito mais administradores econômicos do que culturais; no entanto, quando é fraca atuação da crítica e das instituições especializadas, o marchand também atua como administrador cultural, promovendo eventos e difundindo movimentos e produtores. Sua ação cultural, no entanto, sofre reflexos de interesses econômicos, uma vez que as galerias são, antes de mais nada, empreendimen- tos destinados ao lucro.
Quanto ás instituições, é importante verificar o peso de
Cada uma dentro da sociedade, considerando, inclusive, sua história específica. Esta história determina as estruturas internas das instituições e os limites de sua atuação. A 48
relação das instituições com os indivíduos (artistas,
críticos, marchands etc.) é fundamental, na medida em que é
Pela atuação destes que as instituições evoluem. Muitas vezes,
determinada instituição altera sua orientação pela ação de um
novo administrador, que representa novos interesses sociais.
Mas deve-se considerar que estas instituições são, antes de
mais nada, espaços de poder e, portanto, objetos de disputas
dentro do sistema.
Concluindo estas considerações, cabe indicar que a
existência de um sistema das artes plásticas torna-se eviden-
te, na medida em que se pode constatar a eficiência com que um
conjunto de indivíduos e instituições em interação "rotulam"
determinados objetos e eventos como artísticos e obtêm para
eles o reconhecimento consensual da sociedade em que estão
inseridos. É fundamental, portanto, identificar os mecanismos
responsáveis pela eficiência desta rotulação, bem como seu
significado social.
Para a compreensão de seu significado social deve-se
lembrar as palavras de Antonio Gramsci "Uma. das mais marcantes
características de todo grupo social que se desenvolve no
sentido do domínio é sua luta pela assimilação e pela conquista ideológica' dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão elaborar simultaneamente seus 49
i Próprios intelectuais orgânicos"1'7 .
; Nesta perspectiva, os integrantes de um sistema das artes
plástic as, como intelectuais têm suas ligações com os setores
sociais em luta pelo poder na sociedade. Portanto, a análise
do sistema das artes plásticas exige compreensão do papel dos
indivíduos nele integrados enquanto intelectuais dentro da ) sociedade e a compreensão deste sistema como instrumento de
dominação, simbólica, sendo, assim, objeto de disputa entre j diferentes classes e segmentos de classe. A condição de j intelectuais (com privilégios em relação aos produtores
^anuais, na sociedade contemporânea) de que desfrutam os
integrantes do sistema das artes plásticas é garantida por seu
capital cultural. Este capital que, ainda que subordinado ao
capital econômico no mundo capitalista, é, por si só, um
elemento de poder. As relações e disputas que se estabelecem
entre indivíduos portadores dominantemente de capitais
culturais, econômicos e sociais podem ser observadas no
funcionamento do sistema das artes plásticas.
Como o sistema tem uma estrutura já herdada, de momentos
históricos anteriores, com um corpo de indivíduos atuantes,
estes podem ser pensados como intelectuais tradicionais, e os
intelectuais em luta, para penetrar no sistema e modificá-lo,
podem ser considerados intelectuais orgânicos dos novos grupos
Gramsci, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p. 50 sociais que buscam o poder político. A disputa pelo poder dentro do sistema das artes plásticas pode ser tratada, assim, como parte da estratégia de construção de hegemonia dos grupos dominantes mas também dos que buscam ser dominantes em uma sociedade. Os capitais de que dipSem aqueles que disputam espaços no sistema das artes plásticas define suas posições e possibilidades de atuação.
A problemática que se coloca ao presente trabalho é comprovar, em nível da realidade empírica a existência do sistema das artes plásticas. Identificar as lutas no seu interior e a relação destas com o processo histórico porque passa o pais nas décadas de 60 e 70. 2 - AS PRATICAS ARTÍSTICAS NO BRASIL NOS ANOS 60/70
"Existe u/na cultura brasileira porque existe uma histórià aue se desenrola dentro dos limites geográficos do país, sob condições econômicas, políticas, administrativas e culturais específicas. Ela tanto é produzida pelo povo analfabeto como pelas camadas alfabetizadas e pelas elites intelectuais, é um produto ideologicamente confuso e contraditório, marcado na maioria dos casos pela alienarão cultural e política em que vivem as grandes massas populares, e não só elas"
Ferreira Gullar
2.1 - Tendências das práticas artísticas no Brasil
Na realidade empírica, o sistema das artes plásticas,
mesmo apresentando especificidade, encontra-se integrado ao
conjunto das práticas artísticas. As práticas artísticas constituem um universo particular das práticas simbólicas, no qoal a ree1aboração e representação da realidade se faz através do uso de um coniuntn rte sinnos oroanizados em uma
linguagem, pressupondo o conhecimento por parte do grupo de produtores e consumidores de signos e códigos que lhe são próprios. Práticas estas controladas socialmente por uma 52
elite, através de determinadas estruturas historicamente
articuladas. Em princípio, cada modalidade de prática
artística (teatro, cinema, música, literatura-..) constitui um
sistema específico, assim como as artes plásticas. No presente
estudo, não há possibilidade de abordar cada um destes
sistemas individualmente. Assim, o que se pretende neste
capítulo é destacar algumas considerações básicas, em relação
^s práticas artísticas no Brasil, em qeral, e analisar como ao
longo dos anos 60 e 70 se configurou o panorama das práticas
artísticas. Desta forma, tendo-se uma visão geral dos
diferentes setores artísticos. entre os quais constatam—se
tendências comuns, se poderá observar com maior clareza as
especifieidades do sistema das artes plásticas.
A primeira consideração em relação às práticas artísticas
à a constatação da existência de intelectuais que produzem
eventos e objetos. De uma maneira ou de outra, o "artístico"
(considerado aqui como categoria definida historicamente por
uma sociedade) é sempre resultado da administração da cultura
exercida por um grupo de intelectuais especializados. Os
intelectuais constituem, segundo Pierre Bourdieu, uma fração
dominada da classe dominante. Isto porque o capital que detêm
basicamente,o cultural e, na sociedade capitalista,o capital econômico subordina os demais. No Brasil, a origem dos
intelectuais foi tradicionalmente de extratos da classe dominante. No entanto, a evolução das possibilidades do m©rcada de trabalho na área artística, através de três 53
alternativas: das instituições culturais dependentes de grupos
de elite; do mercado oferecido pela indústria cultural e do
serviço artístico público ou subvencionado pelo Estado,
favoreceu a formação de um contingente de profissionais das
artes, oriundos de diferentes classes sociais1.
Considerando que as práticas artísticas em sua evolução
contemporânea envolvem um staf considerável de especialistas
em funções articuladas e hierarquizadas, tende a se
estabelecer dentro do próprio setor artístico uma
diferenciação social. Esta diferenciação favorece a
representação de diferentes interesses de classe social nesse
fazer específico. Ainda que, na maioria das vezes, os
indivíduos originários dos extratos sociais mais pobres
encontrem no trabalho artístico um meio de ascensão social, em momentos de avanço dos movimentos populares, estas origens, muitas vezes, são retomadas, principalmente porque dentro do
Próprio ambiente mantêm-se as diferenças sociais e os
Privilégios das elites, o que gera contradições. Isto leva os indivíduos a lutarem por seus interesses dentro do seu setor
Profissional, identificando-se com os interesses de determinada classe. Assim, o papel ideológico que as práticas
Miceli Sérgio em Intelectuais e Classe Dirigente na Brasil. Rio de Jeneiro, Difel, 1979. Analisa a formação destas alternativas de mercado de trabalho no período de 20 a 45 considerando os intelectuais em geral e não especificamente os das áreas artísticas. Suas conclusões sobre as Possibilidades que se abrem nestas três direções apontam Para a expansão progressiva que vem até os dias atuais, com variações somente quanto ao peso que cada uma destas Possibilidades terá de acordo com as variações econômicas e políticas da sociedade brasileira. 54
artísticas desempenham na sociedade depende primordialmente da
expectativa de classe dos indivíduos que participam na
produção e difusão dos produtos artísticos a partir dos
conflitos sociais do meio em que se encontram, nos quais os
setores populares lutam por maior participação. Na sociedade
brasileira, onde a maioria dos indivíduos está à margem de
quase todas as decisões políticas e onde suas chances de
acesso aos bens produzidos socialmente são mínimas, as
possibilidades de alteração, na dinâmica elitista de produção,
difusão e consumo das artes, também são bastante restritas. Ao
mesmo tempo, porém, as práticas artísticas têm intensa
penetração na população de baixo nível cultural, (música,
teatro, cinema são linguagens de fácil absorção que envolvem audição, recursos visuais, mobilização espacial e outros efeitos já bastante conhecidos das elites em termos de manipulação social). Por isto, a indústria cultural no Brasil incorpora, principalmente através da TV, a maioria das
Práticas artísticas, tornando a análise de Bourdieu, que separa o campo cultural erudito do campo da cultura de massas, bastante impróprio para a análise das questões culturais no
Pai s.
Ainda que possam ser identificadas práticas artísticas mais eruditas (em geral as consideradas "verdadeiramente artísticas"), mais herméticas, intelectualizadas e exigindo um c:onjunto de conhecimentos para sua apropriação que não estão ao alcance do grosso da população, muitas destas práticas das 55
elites são difundidas através dos meios de comunicação de
massa. Na cultura de massa, então, é possível encontrar, por
um lado, muito das artes de elite (o melhor do teatro
brasileiro está nas telenovelas, o melhor da música se
apresenta em shows para grandes públicos) e também, por outro
lado, muito da chamada arte popular (música sertaneja é
apresentada em programação de rádio e TV e o carnaval é o
grande show dos meios de comunicação de massa ao longo do més
de fevereiro).
É preciso considerar ainda, como faz Néstor Garcia
Canclini, que "o capitalismo, sobretudo o capitalismo
dependente... não precisa eliminar as culturas populares/ ao
contráriof ele inclusive se apropria delas Com a finalidade
de integrar as nnnulares ao desenvolvimento
capitalista... reorganizando-as num sistema unificado de
Produção simbál ica"2 .
As práticas artísticas evidenciam, por um lado, as
disputas entre os diferentes segmentos de classe dominante
Pelo controle das estruturas de produção, difusão e consumo
destas práticas; por outro, evidenciam a utilização, por parte desta elites de elementos dos universos simbólicos populares.
Utilização que é feita descontextualizando e ressignificando os elementos destes universos, reordenando-os em um sistema simbólico abrangente de toda a sociedade. No caso brasileiro, a indústria cultural é a maior responsável por este processo. 56
Uma boa parte destes universos populares, no entanto, ficam à
margem desta cooptação, uma vez que não se desenvolvem só sob
o domínio da burguesia, mas em muitos casos em oposição à
este.Mesmo que muitas práticas populares não cheguem atingir o
rol das práticas artísticas, elas permanecem vivas, ainda que
restritas aos pequenos grupos de seus produtores e
consumidores. Se não desaparecem, também não se expandem para
outros grupos, porque os setores subalternos não dispõem de
roeios de difusão que lhes permitam ampliar o consumo de seus
Produtos. Algumas destas práticas são muitas vezes apropriadas
por segmentos de elite e incorporadas às práticas artísticas.
^ criatividade e a espontaneidade destas atividades populares
s3o alguns dos motivos que estimulam esta apropriação, assim
como a necessidade da indústria cultural de permanente
renovação e seu interesse de penetração popular para domínio
ideológico.
As práticas artísticas desempenham, portanto, dois
importantes papéis em termos de lutas pelo poder dentro da
sociedade brasileira. Primeiro o de legitimarem a
superioridade das elites face à maioria da população. Segundo o de servirem de instrumento para manipulações ideológicas que visam manter as estruturas de dominação, quando incorporadas
Pela indústria cultural.
Canclini, Néstor Gárcia. (As Culturas Populares Capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 13. 57
Segundo Antonio Gramsci, "Uma das mais marcantes caracte—
ri-sticas de todo grupo social que se desenvolve no sentido do
domínio é sua luta pela assimilação e pela conquista
ideológica' dos intelectuais tradicionaisr assimilação e
conquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o
grupo em questão elaborar simultâneamente seus próprios
intelectuais orgânicos"3.
Esta afirmação que se estende aos intelectuais em geral,
pode ser observada de maneira mais especifica em relação
aos intelectuais dos setores artísticos. Estes, articulados
através de uma linguagem de seu uso comum, aparentemente à
fnargem das disputas sociais e políticas, também se incorporam
na construção das novas hegemonias. Pensar nestes
Participantes das atividades artísticas como intelectuais
tradicionais, é uma primeira possibilidade de descobrir como
elaboram os novos intelectuais orgânicos, referidas por
Gramsci. Como as práticas artísticas, para sua realização
(produção e difusão), contam com uma estrutura já herdada, que
Se transforma para responder às demandas externas, os
individuos atuantes nesta estrutura pré existente podem ser
considerados intelectuais tradicionais (ou profissionais
integrados como observa Howard Becker). Eles respondem às
e>:igéncias das classes dominantes, anteriormente hegemônicas, apresentando como fórmulas de sua linguagem os valores aceitos
~ Gramsci, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro,Civi1ização Brasileira, 1978,p.9. e aprovados em momentos anteriores. A disputa de poder dentro
destas estruturas podem, portanto, ser pensados como ação de
intelectuais orgânicos dos novos grupos em ascensão,
penetrando nas práticas artísticas e modificando suas formas
de produção, difusão e os valores nelas implícitos. Isto
porque o próprio campo das práticas artísticas é um
instrumento de dominação simbólica. Ê um espaço de disputas
sociais não só por posiçSes dentro dele, mas por influência da
sua ação dentro da sociedade. Estes dois níveis de disputa
torna complexo os processos de legitimação que são, no fundo,
os objetos destas disputas. Legitimação das competências em
termos de representação simbólica que referenda o poder
Político de classes sociais. Estas disputas que aparentemente
poderiam ser analisada como estratégias de subversão e
estratégias de conservação referidas a indivíduos, na verdade,
são manifestações sociais embutidas em ações particularizadas.
Fazem parte das estratégias de hegemonia dos grupos sociais
dominantes na sociedade e daqueles que buscam construir uma
nova hegemonia.
Um dos aspectos que mais se destaca no campo das artes é
o empenho em ocultar ou pelo menos negar as disputas sociais nele envolvidas. Um dos maiores problemas para o pesquisador social nesta área é superar as barreiras deste aparente caráter supra-social das práticas artísticas. No Brasil, um dos raros momentos em que se apresenta bastante evidente esta
Problemática são nos anos 60, quando ações como a do CPC, dos 59
grupos Arena e Oficina, da música de protesto, inauguram uma
nova forma de pensar e atuar na área artística, que leva em
consideração sua ação na luta de classes. Por isto, o presente
trabalho elegeu este período como um momento privilegiado para
o estudo desta problemática.
A segunda consideração básica a fazer para a compreensão
das práticas artísticas no Brasil e a identificação da
condição do país como região periférica em que a elite,
responsável pela administração deste conjunto específico de
práticas simbólicas, é um segmento, não hegemônico, da
burguesia internacional. A compreensão das práticas artísticas
no Brasil passa, portanto, pela consideração do caráter
internacional dependente de sua classe dominante.
Nesse sentido, cumpre lembrar que o próprio conceito
"arte" surgiu no bojo da evolução do mundo moderno, na transição do feudalismo para o capitalismo, dentro de um processo de expansão de que o Brasil participou na condição de colonizado. O sistema das artes das elites européias, no mundo moderno, se organizou paralelamente, e em íntima relação, com a construção das identidades nacionais. As classes dominantes utilizaram as artes literárias, músicais, plásticas, etc., nas suas formações nacionalistas. Foram estes Estados Nacionais que empreenderam a expansão colonial, realizando seu bomínio nesta expansão também através de seus sistemas artlsticos. Além da dominação econômica imposta ao mundo 60
colonial, os colonizadores impuseram sua identidade artística,
como forma de dominação simbólica.
A estética barroca (tendo nela inseridos elementos do
pensamento e da estética renascentista), foi a primeira forma
de hegemonia artística internacional no mundo moderno. A
igreja e o estado, juntas, realizaram um trabalho de violência
simbólica em relação a todos os povos colonizados, impondo seus valores e padrões. Este foi um dos recursos utilizados na ordenação do mundo, segundo a ótica das classes dominantes européias, imposta a partir da expansão colonialista. No entanto, se por um lado, houve uma imposição de auto-negação das práticas locais e tradicionais, por outro se desenvolveu uma reação subterrânea que pode ser observada nos inúmeros sincretismos da cultura latino americana.
No caso do Brasil, a obra do Aleijadinho evidencia um pouco deste sincretismo, também presente de forma bem mais forte na santeria popular.
Nos países periféricos, a arte foi introduzida, portanto, como um instrumento de dominação, uma imposição dos colonizadores sobre os colonizados. Esta situação sofre alterações ao longo do processo histórico em que, de colonizados, estes países passam a estados nacionais.
Observa-se, no entanto, uma continuada ordem internacional em que se estabelecem cadeias de dependência, sempre com 61
profundas repercussões nas práticas artísticas. Isto porque os
diversos circuitos artísticos são controlados por elites
*oc:ais, associadas à burguesia internacional.
O capitalismo em sua fase atual, monopolista, não mais se
restringe a um ou outro país, mas caracteriza-se por uma
articulação internacional. Nesta, estão inseridos todos os
Países do mundo capitalista, alguns como pólos hegemônicos e
outros, como o Brasil, em condições de periféricos. A partir
desta ordenação econômica, as práticas artísticas também se
encontram sob influência estética dos grandes centros
internacionais. No entanto, certa absorção de elementos
simbólicos das regiões periféricas nestes modelos
internacionais, se faz necessária, como forma de renovação e
como meio para melhor atuar, permitindo a articulação com os
segmentos regionais, gerando a legitimação desta ordem
internacional, na qual estão engajados os setores dominantes
locais.
A terceira consideração básica para o estudo das artes no
Brasil refere—se à atuação do Estado. Para compreender melhor
0 Papel do Estado no Brasil, podemos recorrer a Alain Rouquier
Poe afirma:
"Podemos, desta forma, precisar determinadas particularidades do desenvolvimento do Estado
da América Latina... O Estado é primeiramente, pode ri amos inclusive dizer, desde o período colonial em que ainda não se havia formado o 62
Estada, a lugar das transações, das negociações entre as grupos de proprietárias locais e as burguesias estrangeiras. Nesse sentido, podemos afirmar, paradoxalmente, que o Estado das sociedades dependentes é um Estado relativamente independente dos interesses setoriais internos... o Estado, além de outras funções, procura em todos os casos, mas em graus e modos diversas, harmonizar os interesses divergentes das várias classes privilegiadas. Nestes países é raro - ou pelo menos mais raro que em outros lugares - que o Estado seja o instrumento de uma fração das classes dominantes. E sua margem de manobras é relativamente ampla... O equilíbrio dinâmico entre as burguesias internas e externas no seio do Estado continua não apenas conflitante mas eminentemente precário... o aparelho do Estado é o único em condições de arbitrar, ou seja, de assumir a direção da soeiedade e de proceder ás modif icações que nenhuma força social pode assegurar
Em decorrência desta condição, o Estado, no Brasil, tem atuado em relação às práticas artísticas, como em relação a
0,-itras práticas, como árbitro de interesses divergentes dos
^ánios segmentos de classe em disputa.
0 aparelho de Estado, através de seus segmentos especia 1izados na área artística, arbitra as mais diversas disputas, com uma autoridade que nenhum grupo social pode
Rouquier Alain - O Estado Militar na América Latina. São Paulo, Alfa - Omega 1984, p.51-2. 63
deter isoladamente. Com relativa independência dos interesses
setoriais internos, tem uma interferência permanente em
relação às práticas artísticas, apoiando ou reprimindo esta ou
aquela tendência de acordo com os interesses dos grupos mais
"fortemente representados no poder. Na medida em que detém as
condições de arbítrio em nível econômico e social, exerce esta
função também na área artística. O que explica a existência de
várias instituições públicas destinadas ao gerenciamento e
apoio às práticas artísticas, em interrelação, e muitas vezes
se sobrepondo em sua atuação, como é o caso das secretarias de
cultura estadual e municipal, ministérios de cultura e
conselho cultural do Itamaraty. Além disto, várias
instituições artísticas, embora gerenciadas como sociedades
Particulares, contam basicamente com o apoio estatal para sua
sobrevivência. É, portanto, a função de harmonizar interesses
divergentes das várias elites que concorre para que a ação do
Estado no que diz respeito às práticas artísticas tenha muitas
vezes um caráter oscilante aparentemente contraditório.
A verdade é que o Estado tem desempenhado
tradicionalmente no país o papel de mecenas, inaugurado com a
vinda da família real portuguesa e a criação da Academia Real
c,e Belas Arte. Este mecenato favoreceu a manutenção de
Pcáticas artísticas de consumo restrito e a conservação de objetos e monumentos que testemunham um passado heróico de sua e^i-te. O Estado assumiu ainda o compromisso de manter viva a memória nacional (documentos que preservam glórias e poder), 64
utilizando-a na construção de uma identidade. Desempenha assim
a tarefa de unificador simbólico (idéia de nação) que os
diversos segmentos de classe dominante não conseguem realizar
isoladamente, mas que é fundamental em termos de controle
Popular na sociedade contemporânea.
No entanto, é preciso lembrar que os intelectuais
atuantes nos aparelhos culturais do Estado, por suas condições
de existência, muitas vezes se identificam com os setores
Populares. Isto possibilita que ocasionalmente se evidenciem
atuações identificadas com os interesses e as demandas dos
segmentos silenciados da sociedade. As possibilidades de
atuação destes intelectuais, valorizando as práticas
simbólicas populares e atendendo às exigências de
democratização da participação na produção e consumo de bens
culturais, estão também sujeitas ao espaço aberto pelas
disputas dos segmentos das elites entre si.
Nos momentos em que diferentes grupos das elites disputam
mais acirradamente o controle dos aparelhos do Estado, se
torna mais evidente a emergência dos segmentos populares. Nas
brechas que se abrem no elitismo cultural, pode se detectar a
evoluçâo dos grupos subalternos em busca de maior participa- rão. Exemplos disto foram vários movimentos culturais dos anos
60.
Nas últimas décadas, na área cultural e estatal, segundo 65
Sérgio Miceli, duas tendências bem definidas têm dividido as
opiniões e ações dos órgãos públicos: a concorrente
Patrimonial e a executiva. A primeira está voltada à
conservação de monumentos históricos, ou seja, à conservação e
restauração de prédios ou conjuntos arquitetônicos. A segunda
apoia a difusão de produções artísticas, executando projetos
voltados principalmente ao fomento de práticas menos aceitas
pelo mercado, mais elitistas ou de altos custos e pouca
rentabilidade.
Sobre as disputas entre estas duas tendências da ação
estatal na área cultural Miceli assim se refere:
"Os sucessivos remanejamentas dos órgãos de cúpula do MEC, incumbidos de direcionar a
intervenção na área culturalf expressam não apenas os conflitos de interesses entre as
vertentes patrimonial' e executiva't mas também prenunciam a progressiva diferenciação organizacional, política e doutrinária da
vertente cultural em seu conjuntof quer no âmbito do próprio MEC, quer ao nível dos governos estaduais e municipais ou da •5 iniciativa privada" .
Podem ser melhor compreendidas estas divergências se observadas as colocações de Alain Rouquier sobre as relações das classes dominantes com o Estado na América Latina e
Miceli Sérgio. Estado e Cultura no Brasil. São Paulo, Difel. 1984, p. 59. 66
retomadas as observações iniciais deste texto sobre a condição
de classes dos intelectuais.
A progressiva diferenciação da vertente cultural, em seu
conjunto, corresponde, ainda, à importância gue as práticas
•artísticas (pensadas dentro de um quadro da cultura) passaram
a ter para o Estado a partir da expansão da indústria
cultural; processo que no Brasil se desenvolve a partir de
, evidenciando as íntifnas ligações do Estado com os meios
de comunicação de massas, mas que apresenta preocupações
organizadas de intervenção estatal a partir da década de 70.
Em diversos momentos da cultura Brasileira, a atuação do
Estado em relação às práticas artísticas foi basicamente de
controle, o qual era exercido tanto por meio da repressão e da
censura como do apoio e subvenção. O uso destes meios variava
de acordo com o caráter mais ou menos autoritário que o Estado
tinha em determinado momento. Repressão e censura, por
exemplo, tiveram importante vigência no Estado Novo e no
PerlotjQ de 68 a 73. A censura pode se realizar diretamente com
ócgãos como o DIP e a Censura Federal ou, pode ser mais
subliminar, como através de controle do papel para a imprensa
e controle da publicidade estatal para determinados veículos
c'e comunicação não identificados com as políticas do poder estabelecido.
Os incentivos podem também ser diretos ao produtor ou 67
indiretos, através de instituições que os repassam. Encontram-
~se dentro do aparelho de Estado, portanto, uma série de
órgãos e instituições responsáveis pela administração das
Práticas artísticas, pertencentes, inclusive, a diferentes
instâncias da administração federal estatal ou municipal. O
apoio material e institucional que cada tipo de prática recebe
da administração estatal é proporcional ao poder poli tico e
social de setores das elites ligados a cada tipo específico de
Produto artístico, junto a cada instância estatal. E a
sobreposição de atividades da esfera estatal, muitas vezes,
corresponde a tratativas, visando atender a interesses
conflitantes dos diferentes setores de classe dominante ou
também à gerências diversificadas em nível municipal, estadual
Qu federa1.
Howard BecRer*5 ao tratar das relações do Estado com a
arte, fixa sua atenção em dois tipos de modelos de atuação,
segundo os quais o Estado pode encaminhar sua política cultural. Um, mais centralizado, favorecendo as produções qualificadas e atualizadas dos grandes centros identificados com os modelos internacionais avançados. Esta é a política cultural que Howard Becker denomina de "política de democratização", em que o Estado atua no sentido de estender
0 consumo destas produções a maior parte da população. Esta difusão de bens artísticos, no entanto, pode ser falsamente o Becker, Howard. op. cit. 68
democrática, uma vez que, quando a população pode
assimilá-las, a elite já não mais os qualifica como arte,
passando às novas produções mais atualizadas. Além disso, os
elementos necessários à fruição deste tipo de arte
internacionalizada, são muito mais complexos do que aqueles
que o Estado pode dispor para distribuição à população em
geral, principalmente em países como o Brasil. O discurso de
elevar o padrão cultural da produção oculta a verdadeira
atuação do estado: proteger produções vanguardistas de difícil
aceitação do público, sustentando verdadeiros laboratórios
experimentais, que poderão posteriormente ser absorvidos pelo
mercado. A segunda opção do Estado, segundo Howard Becker, é a
descentralização, apoiando pólos regionais, dentro de uma
Política que ele denomina "democracia cultural". Q Estado se
volta, neste caso, às manifestações menos elitistas, mais
tradicionais ou populares, fortalecendo pólos regionais e
valorizando os elementos locais. Não há uma preocupação do
Estado com a formação artística do público e, as produções
aPoiadas muitas vezes são de cunho conservador e retrógrado.
Esta política pode dar lugar a obscurantismos, na medida em
que enfatiza espontaneísmos e desinformações.
É importante observar que, no Brasil, o Estado apresenta
0s dois modelos de atuação, variando a ênfase em um ou em outro, de acordo com condições conjunturais. Isto pode ser expliçado pelas observações anteriores sobre o papel do Estado na coordenação dos interesses das elites locais. A explicação 69
Para cada uma destas orientações precisa ser buscada nas
correlações de força dos grupos sociais nelas engajados, em
determinado momento. O que não se pode deixar de perceber como
tendência dominante é que as artes, no Brasil, estão
tradicionalmente sujeitas à ação administradora do Estado.
Principalmente certo tipo de produção das elites (música
erudita, teatro experimental, artes de vanguarda em geral),
que, sendo no mais das vezes de alto custo de produção e com
Uín público muito restrito de consumidores, não tem condições
de sobrevivência dentro da livre iniciativa. O Estado
subvenciona estas produções, designadas como "verdadeira
ârte11, reforçando uma imagem supraclassista destas práticas
artísticas e da atuação estatal.
A quarta consideração a ser feita refere—se à situação
das culturas populares. Como já foi destacado (a partir das
considerações de Néstor Garcia Canclini), no capitalismo,
principalmente no dependente, as culturas populares não
Precisam ser eliminadas. Pelo contrário, podem ser e devem ser
incorporadas. No caso do Brasil, o Estado também cumpre um
importante papel nesta apropriação das culturas populares, administrando—as conforme os interesses das classes dominantes. Nesta tarefa de descontextualização e ressignificação das culturas populares, a FUNARTE,
(Fundação Nacional de Arte, 1973—1990) órgão federal, r^sponsável pela administração das práticas artísticas, tem em sua estrutura o Instituto Nacional de Folclore. Através dele, 70
o Estado controla, apoia e divulga produções populares como
festas, artesanato, rituais... com vistas principalmente ao
turismo. Estas produções, assim administradas, se prestam a
manter uma economia informal subordinada à hegemonia do
capital, e é utilizada também para criar uma ilusão de
Participação cultural dos segmentos populares que responde aos
interesses do Estado na manutenção de uma imagem democrática7.
A incorporação de elementos dos universos das práticas
artísticas subalternas também se dá através da indústria
cultural, que possibilita o retorno destes elementos a estes
setores, através dos meios de comunicação de massa. Este
reordenamento da cultura brasileira que se realiza através da
cádio e da televisão deve ser analisado paralelamente as
mobi1izações artísticas dos anos 60, a fim de que se possa
Perceber as potencialidades das práticas artísticas nos
Processos da luta de classes, dentro de momentos mais
democráticos e dentro de períodos autoritários. Carlos Eduardo
Lins da Silva aponta alguns estudos que estão sendo
desenvolvidos neste sentido9.
Concluindo, pode-se dizer que se constatam quatro
tendências dominantes nas práticas artísticas no Brasil no
~ Uma análise profunda e completa destas manifestações do universo das práticas artísticas populares no México pode ser encontrada ems Culturas populares no Capitalismo, de
8 Néstor Gárcia Canclini. Carlos Eduardo Lins da Silva - Ind-ústria e Cultura Brasileiras pela utilização do conceito de Hegemonia Cultural. Iní - Encontros com a Civilização Brasileira, n. 23, Rio de Janeiro, 1980. 71
período em eetudo.
A primeira refere-se à posição ambígua dos artistas: como
intelectuais, podem ser considerados setor dominado da classe dominante, mas as condições concretas de existência de muitos deles ou sua origem social se aproximam bastante das classes subalternas. Daí decorre a possível instabilidade social da sua atuação, ora identificada com as elites, ora com os setores populares.
A segunda diz respeito à situação periférica do país no panorama internacional, que determina aos integrantes dos setores artísticos seguirem as tendências dominantes no âmbito internacional. Isto, no entanto, não impede que haja a integração de elementos locais, que dinamizam estas produções e facilitam sua absorção pelo público em geral.
A terceira tendência refere-se à dependência dos setores artísticos em relação ao Estado, que, apresentando-se como supra classista, apoia a arte de elite e também as manifestações simbólicas populares. Em sua ação cultural, o
Estado subvenciona aquelas produções que correspondem aos seus padrões e censura as que lhe são mais subversivas. Censura e
âpoio constituem as duas faces da mesma moeda.
Por último, evidencia-se, como uma tendência, a relação complexa entre as práticas artísticas controladas pelas elites
íerudita e de massas) e as práticas artísticas dos setores 72
subalternos. Apesar de manterem certa identidade própria e
autonomia, elas se absorvem umas às outras num movimento de
disputa permanente, ainda que dissimulada e com evidente
predomínio da força econômica e política das elites.
2.2 - Os Anos 60i Tampo da Projatos Democratizantas
"Uma das tarefas cruciais para os modernistas dos anos 60 era enfrentar o mundo da via expressa; outro era mostrar que este mSo constituía o único mundo moderno possível... Logo eles iriam encontrar esse algo mais na vida cotidiana da rua... sua mensagem era de que muito do significado que os homens e as mulheres modernos buscam desesperados encontra- va-se, de fato, surpreendendo próximo de suas
casasf perto da superfície e nas imediações de suas vidass estava ali, bastando que soubésse— o -mos procurar .
As palavras de Marshall Berman ilustram bem o clima desta década de crise e questionamento. Q modelo de desenvolvimento americano que se expandira pós-2- guerra, baseado no consumismo e na via expressa, a que alude o autor, entrara em crise. Trata-se, principalmente, de uma época de avanços populares, no mundo inteiro, de crescimento do movimento operário na Europa, de explosão dos movimentos estudantis e lutas nacionalistas e democratizantes na América Latina e
Asia.
Berman, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo, Companhia das Letras, 1986, p 297. 73
Integrado neste panorama internacional, o Brasil sofreu
uma série de transformações em sua estrutura sõcio-econômica e
política, sendo estabelecidos os pressupostos do modelo de
desenvolvimento que permanece até os nossos dias. A partir de
1956, o processo de industrialização constituía, jâ, um dado
irreversível na formação social brasileira. A exploração da
força de trabalho tornava-se progressivamente incompatível com
3 política de integração da classe operária desenvolvida pelos governos populistas.
Segundo Gctavio lanni, "d& fatoT nos anos 61 a 64 o povo brasileira defronta— sef de modo cada vez mais premente, com a necessidade de adotar uma opção drástica. For um lado, o modelo getuliano esgotava um ciclo de realização... Impunha-se uma decisão corajosaf no sentido de aprofundar rupturas estruturais indispensáveis á construção dos alvos inerentes a sua lógica... Por outro lado, no bojo do próprio modelo
Çetuliano ou muito preso a este, constituiu-se o modelo socialista... De outro ladof ainda, no interior do modelo getulista constituíra-se o modelo internacionalista... Esse quadro de possibilidades e dilemas — particularmente nos anos
1961 - 1964 torna-se real quando encarada no plano dos acontecimentos políticos"*0 .
to lanni Octávio. - Colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1986, p. 129. 74
Num curto espaço de tempo, (1955-60) haviam ocorrido
modificações na estrutura industrial com o encadeamento das
relações intersetoriais. A modernização oferecida pela
expansão das indústrias de bens de consumo duráveis atingira
principalmente os grandes centros. Rio de Janeiro e São Paulo,
onde se desenvolveram também as mais importantes disputas
sociais. As disputas sociais tinham como princípio básico a
adoção de um dos modelos de desenvolvimento a que Octávio
lanni se refere.
Cabe destacar, no Brasil, neste período, a ampliação
numérica da pequena burguesia, no bojo do processo de
industrialização que se delineia mais claramente a partir do
governo JK. Este segmento de classe que está ligado aos
setores de serviço e à pequena indústria, fundamentalmente urbano, tem acesso, através da ampliação da rede de ensino
Público gratuito, a uma ilustração que lhe abre novas
Possibilidades como produtor e público de uma produção arfcistica própria.
Retomando as observações sobre a condição dos intelectuais, pode-se verificar que, no bojo destas alterações sociais, formou-se um quadro de intelectuais, originário desta classe média e responsável por uma série de manifestações artísticas comprometidas com a deselitização. Neste sentido, no Brasil, os anos 60, segundo também a dinâmica internacional
*0c:^lizada por Marschal Bermam, foram uma exceção dentro da 75
tradição de pouca participação popular nas práticas
artísticas. Neste período, as artes tomam novo impulso; o
cinema novo, a bossa nova, o neoconcretismo são alguns dos
movimentos resultantes desta expansão da vida urbana e da
Participação social mais diversificada. A identificação das
atividades criadoras com as realidades locais favoreceu toda
uma ampla e diversificada produção artística. Este fenômeno se
localizava principalmente no Rio de Janeiro que era já um
centro cultural importante dentro do país, inclusive devido a
sua condição de sede do governo federal. Condição que não
perdeu mesmo com a mudança da capital para Brasília. São
Paulo, pela expansão de seu parque industrial e setor
"financeiro, assumiu progressivamente a posição de sediar, junto com o Rio de Janeiro, os principais eventos artísticos d° país. Os pólos de concentração de renda, no modelo monopolista que se implantava, eram também o palco das grandes transformações artísticas no país.
O aumento do poder aquisitivo dos setores médios cepercutiu também em um fenômeno importante, em termos de arte, que foi o crescimento de público consumidor. Um setor da classe média urbana passou a ter oportunidade, através da ampliação das redes escolares e também de outras oportunidades de formação e informação, de acesso a uma produção artística que estivera até bem pouco tempo restrita aos setores de elite. Este é um fenômeno que surgiu no Brasil nos anos 60 e
^"e, sem dúvida, concorreu para o desenvolvimento vertiginoso 76
da indústria cultural nos anos 70.
As repercussões deste quadro no setor artístico fazem-se
sentirem um período de intensa fermentação, principalmente nos
setores que atingem o grande público. Ato teatro, por exemplo,
1960 foi o primeiro ano em que os originais brasileiros
despertaram maior interesse que os estrangeiros, tanto junto d
crítica, como junto ao grande públicoDestacar-se, neste
sentido, a colaboração do Teatro de Arena em São Paulo,
inaugurando um ciclo de autores locais. E mais ainda, de suas
eboliçSes internas, em 61, se ordenaram 3 importantes e
decisivos movimentos na área teatral: o próprio Arena que
seguiu atuando sob a coordenação de Augusto Booal e
Gianfrancesco Guarnieri, na linha de teatro de ação; o Centro
de Cultura Popular da União Nacional de Estudantes (UNE) sob a orientação de Oduvaldo Viana Filho (Vianinha), voltado para oma participação política; o Teatro Nacional de Comédia,
ligado ao Ministério de Educação e Cultura com participação decisiva de José Renato. As dissidências internas do Arena
Propiciaram ampliações e diversificações das ações teatrais o
Pue contribuiu, em última análise, para o crescimento desta prática neste momento.
Os Centros de Cultura Popular (CPCs da UNE) tiveram, de
61 a 64, uma intensa interferência no panorama cultural, tanto na área teatral como musical e mesmo cinematográfica.
Estiveram na sua direção Carlos Estevam Martins, Vianinha e 77
Ferreira Gullar. Num curto período de tempo, realizaram uma
obra intensa e de importante conseqüência no quadro
intelectual das esquerdas brasileiras em nível de cultura. Os
CPCs inauguraram um novo padrão de atuação dos intelectuais,
introduzindo novos debates e novas formulações teóricas que
são essenciais para o estudo da ação das esquerdas no campo
ãrtístico no Brasil. Para identificar a matriz ideológica que
se formou dentro dos CPCs, deve-se observar, antes de mais
nada, a consciência, por parte da maioria de seus integrantes,
sobre a luta política que se travava no seio da sociedade
brasileira neste momento. A identificação desta luta como luta
de classes e a busca de participação na mesma, alinhando—se
com os setores populares, foi o móvel de toda a atuação dos
CPCs. Quando se proporem a participar desta luta como um
Centro de Cultura, seus integrantes já estavam estabelecendo
novas bases de pensar e agir no campo cultural. Traziam, como
roarco, o compromisso dos intelectuais de esquerda, de atuarem,
no seio da sociedade civil, como profissionais da arte,
compromissados com as propostas de transformação social.
Na arte cinematográfica a atuação dos CPCs foi decisiva;
por seu patrocínio, produziu-se, em 1961, o filme "Cinco
Vezes Favela", reunindo Joaquim Pedro, Roberto Farias, Carlos
Diegues, Leon Hisrzman. Esta película, composta de Cinco episódios, seguia as influências do realismo italiano e do
"Nouveau realisme" Francês. Documentando a realidade das
favelas cariocas, introduziu novos objetos, novos atores 78
sociais e novos métodos de trabalho cinematográfico.
Explorando esta nova tendência, também foi deste ano, o filme
"Barravento" de Glauber Rocha. Em 63/64, Nelson Pereira dos
Santos realizou uma das mais importantes produções do cinema
brasileiro: "Vidas Secas". Ainda em 62, Anselmo Duarte
conseguiu obter a palma de Cannes para seu filme "O Pagador de
Promessas"; era a consagração do novo cinema brasileiro.
A efervescência desta época, em termos musicais também,
se fez sentir; o lançamento, em 1959, de "Chega de Saudade" de
João Gilberto, marcou o início da Bossa Nova. Numa mescla de
samba e jazz, a Bossa Nova, mais intimista, abriu novas
possibilidades de consumo musical ao vivo. Utilizando pouco
instrumental (um piano ou violão e a própria voz), muitos
shows e apresentações em boates e clubes foram realizadas,
atendendo às demandas dos novos consumidores de extratos
sociais médios urbanos. Na música, os CPCs marcaram presença,
com a atuação marcante de Carlos Lyra e Edu Lobo. Um de
seus trabalhos significativos foi a publicação dos "Violões de
Rua", resgatando um rico potencial da música popular. Rodas de
samba e violão foram espaço de contato de uma juventude
ânsiosa por debater a realidade com que se deparavam e que os
wobi1i zava.
Uma ligação intensa entre os jovens intelectuais da época
Podia ser observada no Zicartola, restaurante de Zica, mulher d© Cartola, onde se reuniam: Cartola, Zé Keti, Geraldo Neves, 79
Paulinho da Viola, João do Vale, Arnaldo Jabor, Leon Hirszman,
Paulo Sarraceni e outros. Ali se encontrava o pessoal da
música, do cinema novo, do teatro de rua. Uma preocupação os
unia: tornar seus trabalhos mais populares e atuantes
politicamente. Esta movimentação cultural politizada
expressava a crise de valores que se instalara no bojo da
crise política, analisada por Octávio lanni. Jovens buscavam
novos caminhos, apresentando novas propostas, cuja tônica era
uma modernidade, mais popular e nacional. Nesta conjuntura, as
artes plásticas, mais elitistas e de pouco alcance em nível de público, não alcançaram repercussão, ficaram um pouco alheias ao modelo de atuação do intelectual-artista difundido.
Pela ação dos Centros de Cultura Popular.
A partir de 64, os grupos que assumiram o poder redimensionaram a atuação do Estado, dirigindo uma política econômica voltada para o estabelecimento das condições
institucionais capazes de garantir a aceleração da acumulação do capital nesta nova etapa monopolista internacionalizante.
Estabeleceram a central idade dos setores industriais e financeiros na economia, determinando profundas alterações no
Perfil da sociedade brasileira, atingindo também a área artística. Estas transformações internas ocorreram no marco das alterações na posição do Brasil na divisão internacional do trabalho, tratou-se de um processo de grandes mudanças que não se realizou sem lutas. No desenrolar destas lutas, definiram—se novas hegemonias de setores de classe dominantes 80
dentro da sociedade. É necessário compreender a ação dos
intelectuais do setor artístico dentro deste processo. Entre
65 e 69 ocorreram através das práticas artísticas uma série
de denúncias e tentativas de mobilização da sociedade civil
para o questionamento do regime político que se implantava. O
golpe de 64 e seu progressivo autoritarismo desencadeou uma
reação intensa no setor artístico do país, principalmente nos
seus segmentos identificados com projetos de democratização,
gue tentaram desempenhar o papel de foco de resistência ao
modelo autoritário do governo militar.
O ano de 1965 teve como marco a montagem pelo grupo
Opinião em co-produção com o Arena, do show "Liberdade
Liberdade", uma colagem de textos e músicas que iam desde
Jesus Cristo a Brecht passando por Unamuno e Aristóteles, organizada por Millor Fernandes e Flávio Rangel. Bastante mobi1izador, este espetáculo teve seu texto editado pela
Civilização Brasileira e o disco lançado em 66. Na mesma linha de atuação foi montado o show Opinião (1965), com músicas e depoimentos pessoais de Nara Leão, Zé Keti e João do Vale. No rastro do show Opinião foi inaugurada a exposição Opinião 65, com artistas plásticos brasileiros e franceses. Esta mostra foi muito significativa em termos de novos posicionamentos; rompendo com a abstração até então dominante, apontava para uma produção mais compromissada em termos políticos e sociais.
Dentre as inúmeras mobilizações de produtores artísticos 81
identificados com as forças democráticas que ocorreram neste
período, pode-se destacar, em 68, a devolução conjunta do
prêmio "Saci", entregue pelo Jornal do Estado de São Paulo, em
represália a um editorial publicado por este periódico
que apoiava a censura.
Dando continuidade à linha de espetáculos mais
questionadores e mobi1iradores tem-se "Arena conta Zumbi" e
"Arena conta Tiradentes". O musical "Roda Viva" pode ser
considerado o fecho desta linha de produções, tendo os atores
e mesmo o público sido agredidos por grupos de combate aos
comunistas. Chico Buarque de Holanda, que se havia engajado em
uma produção mais crítica, sofreu, com este trabalho, uma
série de ações depredadores dos setores de estrema direita. A
música, aliás, vinha se evidenciando como altamente politizada
e questionadora. Desde que Geraldo Vandró explodira nas
paradas de sucesso com "Disparada", a chamada música de
protesto conquistara cada vez maior público. Disputando espaço
com o "ié lé lé", espécie de moda Beatle Nacional, a música de
protesto se firmou nos festivais Record, Tupy, destinados ao
Público universitário. Estes festivais eram, contraditóriamente, ao mesmo tempo, show room para as gravadoras e espaços de participação política para os músicos.
Foi no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record
(Í967) que se lançou a semente da tropicália, com as músicas
Alegria, Alegria" e "Domingo no Parque" de Caetano Veloso e
Gilberto Gil. Estas músicas não se apresentavam como parte de 82
nenhum movimento articulado, mas destacavam do que vinha sendo
feito em termos da moderna música popular brasileira onde a
nota dominante era a carga de participação político-social. O
movimento tropicalista pode ser compreendido dentro deste
momento em que a repressão e a censura vão progressivamente
fechando os espaços para as produções mais politizadas. A
geléia geral que a Tropicália propõe, responde aos conflitos
desta juventude. O AI 5, em 13 de dezembro de 68, limitou
violentamente as possibilidades de ação política no nível
das práticas artísticas. O vazio cultural que se estabeleceu
então foi ocupado pela indústria cultural que já se vinha
implantando maciçamente no país após o golpe de 64, através da
aliança do grande capital internacional com o capital
nacional. Muitos artistas, daquela época, saíram do país em
exílio voluntário ou forçado; perseguições e censura dificultavam ou impediam a ação dos que ficaram no país.
2.3 - os Anos 70s O Estado Autoritário e a Indústria Cultural
"Q que ocorreu na década de 70 foi quer justamente quando os gigantescos motores do crescimento e da expansão estancaram e o tráfego quase parou, as sociedades modernas perderam abruptamente sua capacidade de banir para longe o passado... eles tiveram que chegar a um acordo com o mundo que tinham e trabalhar 11 a partir dai- Z/
Berman, Marshall. Op. cit. p. 315. 83
Novamente as palavras de Berman ilustram a década. Os
anos 70, em nível mundial, representaram o estabelecimento das
possibilidades de grandes mudanças e o avanço do
neoliberalismo conservador. O capitalismo superou, através de
posições conservadoras, as crises da década anterior. A
América Latina, viveu uma época de golpes militares. No
Brasil, esta era já se inaugurara em 64, e se estabelecera
definiticamente em 69.
Fortemente instalada no poder, a burguesia nacional,
aliada à burguesia internacional procurou durante os anos 70
legitimar o seu domínio, através de um processo de moderniza-
ção que incluiu a introdução de novos modelos de consumo,
difundidos por uma indústria cultural em franca expansão. Esta
indústria cultural, compreendida como a articulação dos diversos meios de comunicação social em um sistema integrado roonopolístico, começou a ser implantada no Brasil sob controle desta burguesia, a partir da segunda metade dos anos
e se consolidou ao longo dos anos 70. Os processos
industriais de formação da opinião pública substituíram os processos artesanais, até então predominantemente utilizados.
Implicavam em uma monopolização altamente articulada ao grande capital internacional. "A primeira empresa de comunicação nos woldes de um oiigopóliaf os Pidrios Associadosf desenvolveu-se
«t par de uma concentração vertical (ocorref por exemplof quando um proprietário, além de um jornal f possui também uma
emissora de rádio ou um canal de televisãof isto éf concentra 84
em suas mãosr mídias diferentes) ou uma concentração
12 horizontal (vários canais de televisãor ou vários jornais.)" ,
A articulação mais definitiva de indústria cultural no país se
deu a partir da atuação do Estado, depois do golpe de 64,
quando se instaurou a segunda fase da TV brasileira. O acordo
Globo-Time Life Brodcasting Stations (1965) é o exemplo mais
ilustrativo desta associação de interesses, que modifica o
panorama cultural no Brasil.
O desenvolvimento de toda uma ampla produção destinada à indústria cultural, seja para a TV, gravadoras, rádios, editoras, etc., introduziu para o setor artístico nova problemática. Se inaugurou, por exemplo, uma nova relação com
0 público, mais massificada, rompendo com a tradição bastante intimista das práticas artísticas no Brasil. Tradição esta que tinha muito mais a ver com o restrito número do público consumidor do que com intenção dos produtores e difusores.
Esta relação colocava novas opções e alternativas que
■alteravam profundamente a própria essência dos objetos artísticos, suas configurações. Se alteram também os processos artesanais de produção e difusão, se incorporaram toda uma série de equipamentos e métodos de trabalho mais atualizadas e compatíveis com as exigências do grande público. Formas industrializadas, divisão de trabalho, instrumentos sofisticados e tecnologia especializada, na maioria das vezes
12 Caparei li, Sérgio. Televisão e Capitalismo no Brasil. Porto Alegre, LPM, 1982, p. 30. 85
importantes, passaram a dominar o panorama artístico. A
indústria cultural absorveu a maioria das produções, deixando
às atividades marginais, um espaço de circulação muito
restrito.
A indústria cultural, por outro lado, incorporou grande
Parte das produções artísticas disponíveis na sociedade e criou outras destinadas ao seu consumo próprio, como foi o caso da telenovela. As novelas absorveram nomes importantes e até mesmo dos mais politizados da dramaturgia, como foi o caso de Gianfrancesco Guarnieri e José Wilker, o primeiro oriundo do Arena e o segundo do MCP de Recife. 0 próprio Vianinha, um dos criadores do CPC da UNE, a partir de 73, escreve para a
Rede Globo a divertida série "A Grande Família", muito bem aceita na época. Escreveu, ainda, alguns casos especiais, baseados em clássicos, como Medéia, Dama das Camélias e
Mirando!ina. Muitos músicos populares também passaram a integrar os shows da TV, como foi o caso de Milton Nascimento,
Rita Lee, Luiz Gonzaga, todos eles abrangendo um largo espectro de tendências musicais. Alguns viam isto, na época, como um recuo nas posições críticas dos artistas; a verdade, aPorém, é que de alguma forma esta atuação contribuiu para que a TV brasileira atingisse, em sua programação, níveis de gualidade em sua maioria invejáveis dentro do panorama internacional. Isto, com todas as críticas que possam ser
*eitas, e com todos os limites impostos, de certa forma atingiu o universo simbólico de um número de brasileiros que o 86 teatro e os shows, em escala artesanal, dos anos 60 não haviam sequer imaginado.
£ interessante observar que, no Brasil, diferentemente do caso francês, analisado por Pierre Bourdieu, não se encontra um campo erudito tão separado e antagônico ao campo da indústria cultural. Isto porque já, na sua origem muitos artistas atuaram nos dois campos como atores, escritores ou mesmo produtores plásticos, tornando muitas vezes, o limite entre estes dois campos difuso e ambíguo. Este fenômeno pode ser decorrente da fragilidade do próprio campo artístico no
Brasil, que esteve sempre mais ligado a modelos externos, sem que se desenvolvesse uma relação estreita com as condições locais13. A elite brasileira, bastante restrita em termos numéricos, também mantém—se mais ligada aos movimentos internacionais do que á realidade que a cerca. De certa forma, a indústria cultural veio oferecer um substrato comum
ás classes médias urbanas e às elites. A arte erudita, para ser reconhecida a sua distinção, servindo às legitimações das elites, precisa fomentar este relacionamento ambíguo com a indústria cultural, uma vez que é aquela que atinge o grande público e serve de sustentação ideológica ao poder estabelecido. Assim, ópera e balet clássico foram apresentados na TV, sem dispertar interesse do grande público, mas
13 Uma análise intepretativa desta relação do campo erudito com a indústria cultural no Brasil pode ser encontrada em Grtiz, Renato, na obra A Maderna Tradiç&a Brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1988. 87 referendando o gosto das camadas intelectualizadas.
Ocorre com a intelectualidade mais vinculada a processos de democratização uma problemática que Renato Ortiz analisa com muita precisão o eixo do debete permanece ainda a queBtdío do nacional f sendo que a ela se agrega agoraf no final dos anos 60, uma nova dimensão: a luta contra o autoritarismo.
£ bem possível que este dado específico da vida política brasileira tenha em parte contribuído para que os intelectuais não percebessem com clareza a consolidação de mercado que se
realizava sob seus pés**. Na sua opinião, a questão específica da luta contra o Estado autoritário "desviou" a atenção dos intelectuais do fenômeno dominante no campo culturais a consolidação de um mercado de bens culturais- Consolidação esta que ocorreu no Brasil nos anos 70, atingindo praticamente todas as práticas artísticas e estabelecendo profundas modificações na maneira como elas vinham se desenvolvendo até então. A profissionalização foi uma das transformações mais determinantes, isto porque na sociedade brasileira a atividade artística teve quase sempre um caráter um tanto quanto amador, inclusive pelo número restrito de público consumidor• Os artistas, em geral, desempenhavam, paralelamente á arte, outras atividades de onde provinha sua subsistência.
Nesta década se solidificou o papel do empresário
14 Ortiz, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1988. p. 13- 88
artístico, verdadeiro executivo da cultura, cuja ação
possibilitou a edição de livros, revistas e mesmo gravuras, a
apresentação de grandes shows com cantores da música popular,
a produção de discos e filmes. A própria TV, por seu turno,
assumiu os artistas de forma profissional, obrigando atores,
diretores e autores a jornadas exaustivas e sistemáticas. O
trabalho de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni da
Rede Globo, é um exemplo deste tipo de empresário das práticas
artísticas que, neste momento, influenciou decisivamente o
panorama cultural.
Ocorreu assim a profissionalização do que Howard Becker
denomina "pessoal de apoio", estruturando—se as cadeias de
atividades que caracterizam as ações artísticas na sociedade de consumo. Em termos de música e teatro, por exemplo, aparecem as empresas de produção de espetáculos, estruturadas de maneira a fazer, destas artes, atividades lucrativas. Todo um sistema de editoração passa a coordenar o setor da
literatura, definindo inclusive os rumos da produção. Todas estas empresas, estruturadas nos mais modernos métodos administrativos, criam novas condições de difusão das artes, caracterizadas pelos estreitos laços com os meios de comunicação de massas.
O número de editoras criadas na década de 70 é surpreendente e assustador. A Editora Abril Cultural foi o maior exemplo de grande potencial empresarial no ramo, lançan- 89
do revistas destinadas ao grande público (Revista Veja) e
também as mais sofisticadas, como Artes nos Séculos e
Enciclopédia. Ela introduziu os fascículos, como uma nova
maneira de leitura especializada.
O número e o porte das gravadoras também introduzem,
nesta década, novos padrões de qualidade na indústria
fonográfica, resultado das alianças com o grande capital
internacional que introduz uma aparelhagem importada,
sofisticada. Músicos populares são integrados neste sistema
ideológico/industrial. Em 1971, por exemplo, Chico Buarque de
Holanda lança o disco "Construção" assumindo, por um lado, sua
participação na indústria cultural e, por outro, o compromisso em manter sua posição crítica e suas bandeiras de luta. A
integração de muitos nomes da década de 60 com estrelas dos anos 70, como Chico Buarque, Gil, Caetano, Betânia e outros, se deu paralelamente ao lançamento de muitos discos produzidos nos EUA. Também foram lançados cantores com falsos nomes, cantando e compondo em inglês, como, por exemplo, Christian. A
Indústria fonográfica alimentou-se também do rock brasileiro de Raul Seixas, Mutantes e Fagner. Esta variedade de produtos expressava a realidade do mercado de um país com grandes diferenças culturais, regionais e sociais.
O outro lado desta expansão da indústria cultural foi a atuação da censura sobre as produções culturais, principal- mente aquelas dedicadas ao grande público. A censura, nesta 90
década, foi o maior inimigo da produção artística, pelo menos
de uma produção mais crítica e politizada. Em 72, por exemplo,
em apenas quatro meses, 170 músicas foram proibidas.
Espetáculos como Calabar (música de Chico Buarque) foi
censurado depois de meses de preparo e ensaios, às vésperas de
sua entrada em cartaz. Isto, quando não ocorria a censura
depois do produto ser apresentado ao público, como foi o caso
dos exemplares do Pasquim apreendidos já nas bancas. A censura
atuava tão intensamente e de maneira tão arbitrária, proibindo
autores clássicos como Sófocles, que os produtores artísticos desenvolveram verdadeiras paranóias e a censura prévia (auto—
—censura) funcionava com virulência talvez maior que a censura oficial.
Nesta década ainda, jornais, rádios, revistas e redes de televisão tornam-se elementos fundamentais na difusão das práticas artísticas. Com isto, não se quer dizer que desapareceram ou diminuíram de significado os espaços tradicionais de cada arte (a galeria, o teatro, o cinema ...).
0 que ocorreu foi que a própria programação destas passou a ser divulgada pelos meios de comunicação de massa, estabele— cendo-se uma série de dependências. Foram os meios de comunicação de massa que permitiram às artes eruditas, produções específicas da elite, chegar ao reconhecimento do grande público (ainda que não o seu consumo) cumprindo seu papel de elemento de distinção. Distinção que procuram alcançar também os setores médios urbanos, beneficiados com o 91
modelo concentrador de renda, através de uma participação,
mesmo que às vezes periférica, no consumo artístico.
Estabeleceu-se, assim, dentro das práticas artísticas, uma
série de produções diferenciadas, destinadas a atender a estes
vários públicos, de diversas origens sociais. Esta
proliferação de diferentes tendências ao mesmo tempo,
estabeleceu dificuldades na classificação e valorização das
práticas artísticas, exigindo instâncias de legitimação
antagônicas ou mesmo superpostas. Alguns exemplos podem ser
observados na especialização que as rádios desenvolveram em
relação a tipos particulares de músicas, ou também nos cinemas
de arte que proliferam em oposição aos circuitos mais
comerciais.
A sociedade de consumo, interferiu na área cultural
também com a constante imposição de renovação na produção; o
novo passou a ser o valor básico. Numa sociedade como a
brasileira, em que estruturas arcaicas convivem ao lado de grandes metrópoles e regiões de moderna industrialização, as
práticas artísticas evidenciavam esta contradição. O novo, constantemente perseguido, convive com o tradicional. Não possuindo o lastro de uma arte de elite reconhecida, como por exemplo o renascimento ou o barroco na Europa, a elite brasileira tem que apresentar o novo, absorvido do âmbito internacional, como valor máximo. A questão do nacional permanece não resolvida, reaparecendo ocasionalmente nas produções regionais e sendo utilizada, por vezes, como forma 92
também de legitimação do Estado. O Estado autoritário, que se
implantou pós 64, precisou de elementos para sua legitimação
ideológica. As práticas artísticas sofreram assim influências das oscilações das políticas culturais, estatais, que expressaram as variações das frações que controlavam o Estado.
Entender esta variação de valores artísticos exige que se entenda os conflitos das frações sociais no interior do
Estado. Os setores empresariais, grandes proprietários e altos executivos de empresas estatais ou internacionais associadas
às nacionais, foram, justamente com os setores financeiros e agro—exportadores, os grandes beneficiários do novo modelo-
Seus interesses, no entanto, não eram homogêneos; coube ao
Estado harmonizá-los, inclusive no campo dos valores e interesses artí sticos.
Cumpre ainda destacar, nesta década, integrando este quadro da produção artística, o papel da chamada produção alternativa. Surgindo como reação ao fechamento político, esta geração de artistas encontrou na arte postal, nos jornais nanicos, em produções comunitárias, um espaço mais autônomo de atuação. G primeiro jornal "nanico" foi lançado em 1969, O
Pasquim; a ele seguiram, l/ersus. Beijo, Flor do Mal e muitos outros. O Pasquim foi de todos estes, o único a ter tiragens nacionais e uma vida mais duradoura. A arte postal teve sua primeira mostra em Fortaleza (1970); daí para frente, muitas outras atividades se seguiram, com a atuação de Pedro Lyra e muitos outros poetas. O grupo Nuvem Cigana cumpriu um 93 importante papel na organização e divulgação destes poetas. O teatro também esteve presente na produção alternativa, com grupos que formaram verdadeiras comunidades, atuando na linha de teatro de invenção: dentre estes, destacou-se tfsdrúbal
Trouxe o Trombone. Esta efervescência dos alternativos correspondeu também a uma tendência internacional que expressava o avanço do conservadorismo, limitando a participação social dos artistas, resultando produção hermética e restrita a um público iniciado. No entanto, a criatividade aí desenvolvida, alimentou uma geração e apontou novos valores que, se destacando, «foram absorvidos pelos circuitos mais tradicionais na década seguinte. Foi o caso de
Wally Salomão, Cildo Meireles, e outros, num processo que abrangeu diferentes práticas artísticas a partir da segunda metade da década de 70. O grande limite que se colocou para este tipo de produção alternativa foi o fortalecimento das instâncias de difusão em todos os setores artísticos. Assim, quando não foram absorvidos pelos sistemas de difusão instituídos que realmente podiam alcançar o público, se mantiveram à margem de uma atuação social mais ampla. 3-0 SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL
"A sociedade sempre paga a si mesma com a falsa moeda de seu sonho~ O que quer dizer que neste jogo é preciso fazer o jogo: os que iludem são iludidos e iludem muito melhor quanto mais iludidos forem; ele são muito mais mistificadores quando são mais mistifiçados. Para jogar este jogo, é preciso acreditar na ideologia da criação". Pierre Bourdieu
No capítulo anterior foram abordados aspectos relativos
às artes no Brasil, nas décadas de 60 e 70, com objetivo de identificar de forma geral, o panorama em que se inserem as artes plásticas, sem, no entanto, aprofundar a análise desta produção, o que será realizado detalhadamente nos capítulos quatro e cinco- Antes, porém, de passar à análise das artes plásticas no referido período, faz-se necessário tratar, dentro de uma perspectiva histórica, de algumas questões chaves: a articulação do sistema das artes plásticas no Brasil em nível internacional, sua lógica de distinção social, suas relações com o Estado e suas articulações com a questão popular - 95
Primeiramente, deve-ee observar que, no Brasil, o sistema das artes plásticas foi implantado em 1816, com a chegada da missão Francesa e a criação da Academia Real de Belas Artes.
Até então, toda a atividade de artes plásticas estivera restrita aos trabalhos religiosos, sem construir um sistema com um mínimo de autonomia. A criação da Academia Real de
Belas Artes, com um corpo de profissionais especializados, determinando padrões de produção e consumo, implementou gran- des mudanças no panorama da produção artísticas. O sistema das artes plásticas que se estabeleceu neste momento, foi bastante duradouro, chegando mesmo a se realizar, regularmente, um
Salão Nacional de Belas Artes, patrocinado pelo governo federal, até 1977.
A primeira grande alteração neste sistema se deu com a introdução do modernismo, pioneiramente em 1922, e com uma penetração lenta e progressiva, apesar de fortes oposições, até o final da década de 40. Com o modernismo, se implantou uma nova orientação no sistema das artes plásticas. A corrente moderna utilizou algumas das instituições tradicionais do sistema acadêmico, como por exemplo a Escola Nacional de Belas
Artes e o Salão Nacional de Belas Artes, alterando as composições de força dentro deles, o que possibilitou a aceitação de novos padrões e a imposição de novas formas de atuação. A corrente moderna promoveu também a criação de novas instituições, como os Museus de Arte Moderna de São Paulo
(1948), voltado á defesa do projeto modernista. No entanto, as 96
inovações do modernismo foram muito mais no sentindo de
modernizar as velhas instituções do que no de criar novas1-
A segunda reatua1ização significativa do sistema ocorreu
no início da década de 50, com a criação da Bienal
Internacional de São Paulo- Precursora em seu tempo, a Bienal
deu início a uma série de modernizações que se foram
implantando progressivamente ao longo das década de 50 e 60- O
sentido maior desta reatualização foi a articulação com as
tendências abstracionistas predominantes nos EUA pós 45- Isto, no entanto, não ocorreu sem disputas, uma vez que o modernismo dos anos 40 apresentava uma proposta básica, voltada para as questões nacionais populares (embora em termos formais utilizasse os modelos do cubismo e expressionismo europeus), enquanto a modernização deflagrada pela Bienal era de cunho mais internacionalista em termos de linguagem, com predomínio da abstração- A importância da Bienal Internacional de São
Paulo pode ser constatada nas palavras de Marta Traba-
"Pesde 1951, a Bienal de São Paulo, convocada a nível internacional, converteu-se na mais forte competidora da Bienal de Veneza. Por um lado, os artistas locais sentiram-se fortemente estimulados} por outro, viram—se obrigados a entrar na estética da destruição- A
1 Amplos dados sobre estas mudanças podem ser encontrados em Maria Amélia Bulhões Garcia- O significado da atuação social dos artistas plásticos Gswaldo Teixera e Cândido Portinari durante o Estado Novo- Dissertação de Mestrado PUC/RS. 1983- 97
Bienalf além disso, forçou um estilo destinado a chamar a atenção dentro de conjuntos quilométricos, determinado pelo terror ao desaparecimento físico, e as premiações, como ocorreu também na Bienal de Veneza, começaram a manejar-se entre pequenos cendculos, obrigações contraídas de antemão, composições, concil iações. Final/nente, a Bienal foi o primeiro e principal veículo de internacionalização da arte no continente, jã que determinou a extinção das identidades e deslocou os valores artísticos da expressão até 2 a compulsão" .
Como resultado desta penetração de tendências
internacionais, via Bienal, e outros mecanismos, como
revistas, livros e mesmo exposições internacionais, pode-se observar que no início da década de 60, a maior parte da
produção na área das artes plásticas brasileiras era
"totalmente abstrata, abstrata com certas formas ou figurativa
tímida". Esta observação que Marta Traba faz a respeito das artes plásticas 1atino—americanas em geral se aplica com 3 adequação à produção brasileira -
Pode—se perceber, nas mudanças dos anos 60 e 70, uma progressiva articulação com o sistema das artes norte-americano. A integração da América Latina, sob
2 TRABA, Marta. - Duas décadas vulneráveis nas artes plásticas Latino-Americanas 1950/1970. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 3 1977. p. 131. 0p. cit., p. 57. 98
a hegemonia dos EUA em termos políticos, que caracterizou o
pós segunda guerra, teve também nas artes plásticas um ponto de apoio. Assim, o sistema das artes brasileiro, que sempre foi sub sistema de um sistema mais amplo, internacional
(primeiramente com um pólo hegemônico em Paris), foi se ordenando, a partir da década de 50, como uma extensão 4 bastante articulada do sistema norte-americano .
O texto de Ronald Brito sobre uma exposição realizada no
MAM/RJ em 1973 revela bem a visão colonizadora da plástica norte-americana. As alterações que se estabeleceram na produção artística por suas ligações com as diretrizes norte—americanas, e também as alterações do sistema das artes, no sentido de incorporar e se adequar a estas novas produções, no entanto, se fizeram, sem rupturas profundas que desestruturassem o sistema ou que construíssem outro totalmente independente do anterior. Assim, o que se pode perceber é uma modernização conservadora, que, aliás, é o modelo geral dos projetos de modernização, das elites no pais.
Modernização que possibilitou ao sistema das artes acompanhar
4 O processo de integração, em termos das artes plásticas da América Latina ao EUA, foi muito bem estudado por Orlando Suarez, op. cit. "La jaula invisible" 1986. 5 Opinião 20 de junho de 1973 n- 137, p- 23. "A colonização pelas coros" Ronaldo Brito com uma grande maioria de artistas norte-maricanos ou ali radicados e um ou outro europeu, ela se apresenta de modo causai, como uma visão universal da questão da cor na arte contemporanéa. A própria colocação ampla do tema - "A cor como linguagem" — implica essa universalidade. Trata—se evidentemente de uma exposição nacionalista... pretende estabelecer um "fato": a predominância da arte americana no panorama mundial nos últimos 25 anos". 99
o desenvolvimento do capitalismo internacional, mas com o conservadorismo suficiente para garantir a permanência dos privilégios tradicionais.
Este conservadorismo tem suas origens no caráter elitista do sistema das artes plásticas e em sua tradicional articulação com os setores de classe dominante no poder-Isto porque o Estado Brasileiro teve tradicionalmente, em relação
às artes plásticas um papel de mecenas. Um mecenato que se dava inicialmente de maneira direta, como no caso de Portinari durante o Estado Novo- Ao longo dos anos 60 e 70, a atuação do Estado passou a ser gerido por um conjunto de instâncias especializadas, podendo ser caracterizada como progressivamente ampliada e estruturada.
Existiam, já no início dos anos 60, algumas participações tradicionais do Estado nos artes plásticas, como a do
Ministério das Relações Exteriores. O Itamarati era responsável pela seleção e envio das representações brasileiras nas Bienais de Veneza, Paris ou Tóquio, e também pela realização de outras grandes exposições de divulgação do
Brasil no exterior. Para organizar estes envios, não havia dentro do Ministério uma estrutura especializada. O Conselho de Cultura convidava, em geral, um crítico ou diretor de instituições, de reconhecidos méritos dentro do sistema,para fazer a seleção através de indicações. Pode-se dizer, portanto, que o Itamarati não pensava dentro do Sistema como 100 um elemento legitimador em si, mas que referendava com a escolha do crítico as legitimações já estabelecidas- E, estas escolhas envolviam todos aspectos de relações de amizade
(capital social) com bem se evidencia nas declarações de
Rietro Maria Bardi ao jornal artes: "Parque o Sr - aceitou o convite da Itamarati para fazer parte da comissão que escolheu a delegação brasileira á Bienal de Veneza7 P* M. - Bardi em atenção ao pedida de um amigo o qual não jogarei no fogo, Mas depois me retirei da comissão quando resolveram, com um estalo excluir o Agnaldo da nossa representação"*5.
Havia, por outro lado, auxílio através de verbas des- tinadas a instituições atuantes na área das artes plásticas, como por exemplo o tradicional apoio das instâncias governamentais, nos níveis federal, estadual e municipal à
Bienal Internacional de São Paulo- Também o Estado sustentava os museus públicos, como o Museu Nacional de Belas Artes do
Rio de Janeiro e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo; o primeiro ligado ao governo federal e o segundo ao governo do Estado de São Paulo- O Estado apoiava ainda instituições particulares, que praticamente viviam às suas expensas ou, pelo menos, contava com este apoio para sua sobrevivência. Era o caso do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro e do Museu de Arte de São Paulo- Ambos receberam, por doação do estado, os terrenos onde construiram suas novas sedes, e verbas para estas construções-
** Artes: São Paulo março/abril, 1966 ano 1 n- 5, p. 8, "Bardi, o veneziano"- 101
Além destas despesas com instituições, o Estado apoiava diretamente os artistas com o tradicional prêmio de viagem ao estrangeiro do Salão Nacional de Belas Artes. Outros salões
foram ainda criados, principalmente na segunda metade dos anos
60, com verbas estatais para sua organização ou premiação.
Estas vinham diretamente de órgãos governamentais, ou de empresas estatais. Algumas importantes contribuições foram para os Salões Jovem Arte Contemporânea do MAC/USP, para o
Salão Municipal de Campinas, para o Panorama de Arte
Brasileira do MAM/SP, além do já tradicional apoio financeiro
à Bienal Internacional de São Paulo. Exemplos típicos de empresas estatais que apoiaram as artes plásticas foram a
Caixa Econômica Federal e o Banco da Bahia. O Ministério dos
Transportes subvencionou ainda neste período, o Salão dos
Transportes. O Estado desempenha em relação às artes plásticas, este tipo de ação mediadora, integrando-se ao sistema através das instituições que mantinha ou apoiava.
Por outro lado o Estado desempenhou ainda um importante papel no estabelecimento de limites para o questionamento e a mobilização dentro do sistema das artes através do exercício da censura. Este mecanismo foi muito mais decisivo entre
1969-73 momento máis intenso de repressão no país. Até então a censura, que atuava em relação às artes plásticas, era incipiente, mesmo porque neste setor artístico, tradicionalmente ligado às elites, eram pouco evidentes avanços que exigissem uma atuação censurante do Estado. Os 102
limites se impunham pelo próprio sistema. As disputas sociais
que mobilizavam o sistema das artes, diziam respeito à
disputas de poder entre setores de classe dominante e à
tentativas de ampliação de participação no consumo de bens culturais de setores médios, sem praticamente nenhuma vinculação com setores populares em geral. Assim, as lutas por democratização do sistema (como ocorreram ao longo dos anos
60) encontraram resistências internas, no prórpio sistema das artes plásticas, e externas, decorrentes das condições de participação social no país.
Entre as diversas práticas artísticas, as artes plásticas são as que mais nitidamente têm preservado o distanciamento em relação ao grande público e à distinção entre arte erudita e arte popular. Uma primeira tentativa de ruptura com estes comportamentos anunciou—se dentro do Modernismo. Neste movimen to, o que ocorreu foi, preponderantemente, a absorção, por parte da arte erudita, de elementos de uma tradição plástica popular. Isto pode ser constatado na forma como temas e signos do imaginário popular aparecem nos trabalhos dos artistas modernistas sob uma roupagem que os dilui no interior de um tratamento formal, fortemente embasado nas correntes estilísticas da modernidade européia.
A questão do popular reaparece novamente nas artes plásticas nos anos 60; neste momento, com o novo enfoque das propostas de participação. Não se pode dizer que estas 103
propostas sejam de participação efetivamente popular, mas elas
trazem à tona, ao buscar uma abertura maior do sistema, a
problemática do popular ou, pelo menos, se integram a um
quadro de mobilização de setores sociais mais amplos. Esta
participação que se fomenta nas artes plásticas, basicamente
na segunda metade dos anos 60, se dá em dois níveis. O
primeiro, na participação do espectador na obra, que tem seus marcos iniciais com os trabalhos de Lygia Clark e Hélio
Oiticica ainda no neoconcretismo. Os "Bichos" de Lygia, por exemplo eram figuras bastante geometrizadas, realizadas em chapas metálicas com dobradiças que possibilitavam ao espectador alterar suas formas através da manipulação. Outro
tipo de trabalho que se incrementou, foram os ambientes em que o espectador penetrava e assim fazia, de certa forma, parte da própria obra, cuja existência só se realizava com a sua participação. Um exemplo disto foram os "Penetráveis" de Hélio
Oiticica. A idéia de que o artista não completa o trabalho, lança o de que o espectador é que o realiza, como afirma Lygia
Clark: "Oual éf então o papel do artista? Dar ao participante o objeto que .em si mesmo não tem importânciaf e só virá. a ter na medida em que o participante agir. £ como o ovo que só 7 revela sua substância quando o abrimos" 1965 Lygia Clark .
Num segundo nível, aparece ainda, a questão da participação agora no sentido de ampliação desta a segmentos
7 Clark, Lygia. - Arte Brasileira Contenporânea -RJ, FUNARTE - 1979, p. 27. sociais, tradicionalmente alheios ao sistema das artes. Isto
se deu através de mostras realizadas em espaços não
"consagrados'1 como feiras e espaços outros da cidade
(passarelas e avenidas), ou ainda, o "Supermercado de artes"
que Jacson Ribeiro inaugurou, na Zona norte da cidade do Rio
de Janeiro, fora dos espaços tradicionais e elitistas. Também
nesta linha, se colocaram as gravuras produzidas em
quantidades e variedades pelo Atelier do MAli/RJ, com a
intenção básica de ampliar o consumo de bens culturais, por
parte de setores sociais, para os quais o preço das obras
únicas cons titulam forte restrição ao consumo. "Premiada em
exposições nacionais e internacionaisf aclamadaf analisada e
ds icut ida como o gênero mais representativo da arte
brasileira, a gravura atingiu, nos anos óOf a um apogeu jamais
alcançado por nenhuma outra manifestação artística em nosso
pa is .
No entanto, estes projetos esboçados, nos anos 60,
rapidamente foram estancados e o que se pode perceber, ao
longo dos anos 70, é a retomada do caráter elitista,
distintivo e emblemático que o sistema das artes plásticas
propicia. Isto se se manifesta mesmo na vanguarda com sua
linguagem hermética e circuitos restritos. O que, no entanto,
não significa a inexistência de reações e lutas contra o
elitismo do sistema da arte. Estas podem ser detectadas em
0 Vida das Artes ano 1 n- 2 julho 72. Geraldo Edson de Andrade - "Gravura brasileira existe a crise?", p. 23. 105
muitos experimentos da chamada produção marginal que se
dissemina ao longo dos anos 70, quase que paralelamente ao
desenvolvimento do sistema das artes, ao qual fazem oposição.
Esta produção marginal, utiliza novos meios como a fotocópia
ou videoP, mas muitas vezes acabavam incorporados ao sistema
que questionavam. Pode-se também identificar, como luta contra
o elitismo, as tentativas de romper com a hegemonia dos
centros nacionais, mais integrados com as linguagens
intenacionais, através de regionalismos que se sustentam sobre
uma criatividade e uma tradição popular local. Nestes casos,
estão os trabalhos de Humberto Espíndola e seu grupo no Mato
Grosso, que teve, em Aline Figueiredo, um suporte teórico e
crítico muito importante. Também nesta linha estão as atuações
de Siron Franco, em Goiás, e do grupo da Paraíba. No entanto,
a questão do popular permanece não resolvida nas artes
plásticas brasileiras ao longo do período em estudo. Ao mesmo
tempo em que, em outras áreas das práticas artísticas como o cinema, a música, o teatro, se diluiam progressivamente a distinção entre o popular do erudito, através da integração
aos meios de comunicação massivos, as artes plásticas
preservam seu elitismo e restrito espaço de atuação.
O caráter eminentemente individual das formas de
trabalho nas artes plásticas tem preservado a idéia do artista
^ A este respeito consultar PECININI, Daysi — Arte Novos Meios Multimeios. São Paulo, FAAP, 1985. 106
como criador único, afastando-o de uma participação social
mais ampla- Isto dilui a força de suas tentativas de
intervenção junto a setores mais diversificados da sociedade.
Se, comparada com outras práticas artísticas, como o teatro ou mesmo a música, as artes plásticas são as que têm mantido mais
permanentemente as formas de trabalho individualizado, o sistema das artes plásticas reforça a figura única e especial do "artista" como um dos elementos básicos de sua dinâmica-
Isto pode ser constatado pela maneira como o nome dos artistas se destaca dentro de todas as atividades do sistema.
Através dos catálagos consultados e das referências a exposições em jornais e revistas, pode—se afirmar a total preponderância de mostras individuais sobre coletivas. Com as raras exceções do período natalino, quando então proliferam as coletivas e as mostras de acervo, de caráter comercial bastante evidente. O mesmo se verifica nos livros de artes plásticas. Em sua grande maioria se dedicam a artistas individuais, com textos laudativos e farto material visual, uma espécie de folhetos publicitários; assim também, são os catálogos de exposições. Os livros mais amplos incluem diversos artistas, mas mantém a mesma orientação. "A razõ.o disto é simples: quase sempre é o próprio mercado o responsá- vel pelas poucas iniciativas teóricas que ocorrem na arte brasileira. Praticamente desligada das outas áreas culturaisr a arte gira em torno do mercado e sua produçáo textual está em
10 geral comprometida com funções mercadológicas imediatas" m
10 Brito, Ronaldo. "Análise do Circuito", Halasarte n- 1 Setembro/outubro/ novembro, 75, Rio de Janeiro. 107
O nome do artista e seu trabalho ilustrativo formam a maior
parte de nossa história da arte- Para sustentar estas
afirmações, pode-se apontar alguns pequenos extratos destas
publicações:
"O esforço de GREGORIO é impressionante, EI& trabalhou dezenas de gravuras e desenhos numa procura de imagens e de colocar em discussão o verdadeiro objeto das artes visuais. Os trabalhos sucedem—se e o jovem apresenta como idéias e respostas aos problemas de nossa ópoca apenas o seu trabalho, Na verdade ele age como um verdadeiro artista* fala pouco e pinta muito", Jaccob Klintawtz, 1978.
"Mestre inconfundível da gravura e do desenho, senhor de cavalheiros e armaduras, animais e diabos, representante brasileiro da nobre linhagem do fantástico, MARCELO GRASSMANN tem conservado sou relato a sua presença entre nós comparecendo publicamente com desenhos e gravuras que se encontram sempre entre o que de melhor se produz no Brasil" Jacob Klintowtz, 1978".
"M3o resta dúvida, contudo, de que Krajcberg é um grande artista. E, como tal consegue aliar de maneira indissolúvel o propósito de seu trabalho aos meios que o sustentem, t/tiliza-se
11 Klintowtz, Jacob — Versus* iO anos de críticas de arte. São Paulo, Spade, 1978- Os nomes dos artistas vêm grifados no original. Neste texto se evidencia com bastante clareza o funcionamento do sistema das artes plásticas, o papel do crítico e dos salões bem como a hegemonia do Rio de Janeiro- 108
dos elementos naturais c/a mesma forma como o poeta das palavras* E da mesma maneira como na poesia, traz á luz expressões já e>;istentes, porém não percebidas. Serve como mensageiro de uma linguagem cifrada que lhe ditam o mar sobre a areia, o vento sobre as árvores, os troncos dentro da terra, revelando uma natureza apenas pressentida dentro dos cânones estéticos aos quais estamos habituados" Sheila Leirner, 1977.
"Felizmente, é verdade que desde o início a crítica brasileira soube ver com atenção a desenvoltura e a liberdade com que Maia se movia em seus estreito campo de escolha. Seu primeiro exegeta foi, provavelmente Clarival Vailadares, que o 'descobriu' num salão de Belo Horizonte, premiou-o e o convidou para expor individualmente na Galeria Goeldi, no Rio, em 19á4" Olivio Tavares de Araújo, Visão da Terra.
"Há uma sadia afobação nessa nova fase de Antonio Henrique do Amaral. Ele mistura tudo: formas objetivas da fase anterior com as formas criadas ao sabor da improvisação atual, o espaço real de antes com o espaço imaginário de agora, recursos da linguagem imitativas (sombras, sugestões de volumes) com as cores abstratas nascidas da fantasia" Ferraira Gullar 197712.
Aparece, neste último texto, uma outra tendência
42 Pontual, Roberto. - Vistes da Terra. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1977. 109
específica das artes plásticas: a mitificação do "artista
livre". Enquanto nas demais artes, devido às formas de
trabalho mais coletivas, relações mais estreitas com a
indústria cultural e maior dependência do grande público para
sua sobrevivência, o artista se dá conta,mais faci1mente,de
suas condições de dependência da realidade social e do caráter
coletivo de suas atividades. Nas artes plásticas, isto não
ocorre, o artista é iludido pela própria ilusão que cria da
genialidade individual de seu trabalho, único e pessoal, como
tendo um valor em si, não percebendo os vínculos sociais que
determinam este valor, o que facilita a manipulação da
produção por parte dos difusores.
Destinada, por suas próprias condições de produção e
consumo (produção de um artista para um número restrito de
espectadores, a um número reduzido de indivíduos), as artes
plásticas têm se prestado com bastante eficiência a servir de elemento de distinção das elites. Utilizada para demonstrações de status, têm estado fechadas em ricas e luxuosas residências, nas sedes de grandes empresas e em salas de chefias da administração estatal. Mesmo quando em museus abertos ao público, as obras de arte têm um número reduzido de espectadores. O grande público não tem formação nem estímulos publicitários pra este tipo de consumo cultural. A Bienal de
São Paulo, que usufrui de largos espaços nos meios de comunicação de massa, é ainda, o espaço de difusão das artes plásticas que conta com maior fluxo de público. Símbolo de bom no
gosto e requinte, as artes plásticas contam com pouco espaço
para questionamentos. Ou, pelo contrário, muito espaço interno
da obra (o que reforça o mito do artista livre), mas um
restrito alcance social neste questionamento, que não atinge o
grande público. Alguns exemplos de obras com intensa carga
crítica podem ser encontrados dentro do sistema das artes
plásticas. Elas foram expostas, figuram em catálogos e livros,
mas sua ação social fica restrita e o próprio elitismo do
sistema e de seus meios de difusão. Como afirma Ronaldo Brito
"E fácil compreender quef a prioridade, o circuito não tem
nada contra nenhum trabalho - na medida em que pode inclusive
recupera-lo. Recuperar um trabalho é precisamente vender e estabilizar uma leitura "recuparada" de em princípio, o circuito está pronto a abrigar toda e qualquer obra que julgue não afetar a sua condição de sistema autônomo e inatacável .
Nos chamados centros adiantados, ele vive em busca de novas experiências - o nosso, como vimos, está preso ainda aos velhos esquemas - que servem para mante-lo como espetáculo atraente, mas basicamente luta pela mesma coisa: a indevassab11 idade o caráter quase iniciático de que se reveste o aprendizado da leitura de arte, a distinção e a segurança 13 social advindos da sua freqüência
Articulado a seu circuito restrito, o caráter de emblema de distinção das artes plásticas é constantemente reforçado.
Isto pode ser observado, por exemplo, no fato de que o MASP,
19 Malasartes. n- 1 setembtro/outubro/novembro 1975, Rio de Janeiro. "Análise do Circuito", Ronaldo Brito. 111
Museu de Arte de São Paulo, contou com a presença da Rainha da
Inglaterra na cerimônia de sua inauguração (Foto anexa), o que
foi amplamente divulgado ao grande público através dos meios
de comunicação de massa. Esta tendência a utilizar as artes
plásticas como um símbolo de hierarquia distinção social e é
reforçado nas revistas especializadas como se pode ver nos
seguintes: anúncio publicitário.
"Quem presenteia com arte é visto com bons olhas, d Rainha Elizabetb veio ao Brasil e levou um quadro de Graubem. Quando o Príncipe
Herdeiro do Japcío esteve aquif o presente do governo brasileiro foi uma tela de Mercier. Pno passado o professor Marcelo Caetano nos visitou~ Ganhou um quadro primitivo de Rosina Becker do Vale. Você entra numa casa, olha logo as paredes. Q gosto da arte ê a marca do homem do século XX"14-
Com um papel social básico - o da distinção - o sistema
das artes plásticas tem procurado manter, da forma mais rígida
possível, os limites da "arte". Neste tipo de prática
artística, muito mais do que nas demais, se discriminam as
produções "não artísticas". Isto se faz basicamente por exclusão; assim, tudo que não é integrado ao sistema das artes
plásticas não é "arte". Por isto a importância, para os que desejam ser artista, de entrar no sistema, através de mecanismos mais variados que o próprio sistema oferece e que
14 GAM n- 24 Rio de Janeiro, 1970, reclame publicitário, p. 8. 112
se ampliam na segunda metade do século XX- Enquanto, no
sistema acadêmico, a academia era a entrada exclusiva, agora
se apresentam inúmeras entradas: (premiação em um salão
importante, uma exposição individual em galeria de destaque ou mesmo a citação por um crítico em uma coluna ou artigo). Todos estes caminhos se cruzam. Pode-se notar, por exemplo, na
pesquisa, que um salão, com um júri consagrado, tem também artistas reconhecidos. Um salão, com júri desconhecido, apresenta artistas igualmente desconhecidos. O círculo se
fecha em nomes e espaços consagrados. É preciso participar deles para ser rotulado, e, entrando no sistema é preciso obedecer as regras da "distinção". O depoimento de um artista ilustra este tipo de pressão.
"Em junho de 1978 fiz uma individual na Entreartes, de São Paulo. Era uma galeria
pequenaf praticamente desconhecida„ Sempre aparece alguém para dizer: Você precisa se cuidar. Afinal já foz uma individual no MAM, não vá baixar o ni vel
Tudo o mais que ocorre à margem deste conjunto de indivíduos e instituições, passará ao largo da história da arte brasileira, e, assim estão hierarquizados suba ternamen- te. Evidencia—se na pesquisa, um número restrito de nomes no
(artistas, críticos, marchands.- -) no sistema das artes
15 Streva, Sônia. "A valorização de Pi". Arte Hoje - janeiro, 1979, ano 2, n- 19, Rio de Janeiro, p. 59. 1 1 3 plásticas que se repetem constantemente ao largo de um
período. Para penetrar no sistema uma nova tendência
(geralmente sinalizada do exterior) tem que travar uma
ferrenha disputa que envolve produtores, critícos, diretores de instituições e marchands. Dividido entre tendências consagradas e novas propostas que buscam legitimação, o sistema das artes plásticas tornou-se, por excelência, um espaço de bens culturais de luxo, destinados a um público restrito e selecionado. Ter acesso a este circuito é garantia de status social e oportunidades de negócios lucrativos. Isto porque as obras de arte constituem também formas de inversão de capital que se desempenham bastante bem, mesmo em momentos de crises econômicas e inflação. As vantagens do mercado de arte são defendidas em matérias publicadas em jornais e revistas; um bom exemplo é o artigo "A valorização de Di":
"Para demos ntrar o processa de valori- COTAÇÕES DE DEPOSIÇÃO zação de uma obra de artef tomamos Ano/Preço (em Cr$) valorização como exemplo alguns trabalhos signifi- 1963 1965 ca ti vos de um pin- 3007. tor como Di e f em 10.000 30.000 especialf o quadro Depôsição reaIi zado 1965 1976 na década de 3Q, 13337. época extremamente 30.000 400.000 criativa do artista carioca 1976 1978
400.000 701.000
1963 1978 7.0007 10.000 701.000 114
C:OTAǻES DE C3RTNs
1964 1978(1) 3.1047. 10.000 310.400
(1) Até novembro Obs. - As ORTNs foram criadas em 1964. Só foi tomado por base o índice de valorização, deixando-se de compu- tar os juros e sua capitalização.
Sobre a problemática do mercado de arte e o controle da produção afirma Néstor Garcia Canclini
"(...) ei mercado cultural f a la vez que permittió algunos artistas vivir de su trabajo y estabeleció un âmbito especial para juzgarlo, sométio Ias obras a la homogeneidade de los precios y a la determinaciones estéticas de los compradores. El mismo processo soeio-económico que possibilitó el individualismo, acabó borrdndo Io, ai sujetatarlo ai intercâmbio comercial~ La experimentación individual deja de ser experimentac ión y deja de ser individual cuando la de Nueva York se parece a la de Roma, a Ia de São Pablo, a Ia de Tokio. No sólo los rasgos personales desaparecem, sino tambióm Ias diferencias entre naciones, que permitiam distinguir en los siglos passados una escuela flamenca de otra francesa o italiana (...) junto com su expansión econômica, el imperialismo norteamericano impuso un modelo cinematográfico, plástico, televisivo, gradas al monopolio de Ia produción y de la 115
distribuición"1** -
Tentando superar esta contradição, várias propostas foram
implementadas. As vanguardas, por exemplo, com sua ação
integradora (happenings e ambientes), tendem a ampliar seu espaço de atuação, utilizando recursos de linguagem mais contemporâneos. Ao abandonarem os suportes tradicionais, como as telas e materiais nobres, barateando a produção, buscam democratizá-la, facilitando, assim, a emergência de novos valores, sem a mediação do mercado tradicional. A produção de obras em série, (gravuras e múltiplos) entregues diretamente ao público pelo produtor, foi outra forma procurada como alternativa para baratear o produto e ampliar seu alcance social. Além das alterações na produção, também foram tentadas reações ao circuito tradicional das galerias e museus, utilizando, por exemplo, feiras e exposições em lugares públicos. Estas tentativas, bastante restritas em seus efeitos, tendem a ser absorvidos pela expansão de um mercado de arte que se institucionalizou no Brasil na década de 70, sob a hegemonia de marchands do tipo empresarial, com grande capital. Este mercado tipicamente capitalista de arte acrescenta ao valor das obras por ele comercializadas um valor de prestígio social. Neste processo, o artista se afasta cada vez mais do público, e cresce o poder dos meios de difusão intermediando esta relação. O poder destes difusores e suas
^ Canclini, N. Garcia. in: Suarez, Orlando - La jaula Invisible, 1986, op. cit. p. 49. 116 possibilidades de controle da produção não ocorreu unicamente no Brasil, Marta Traba analisa os aspectos nefastos de sua atuação em termos de América Latina:
", , , Por outro 1 ctdof ndio seio os artistas
norte-americanos ^ ou seus crí t icos f nem sepuer suas galerias ou seí.ts museus que têm pretendido
subj uga r-nos r mas os manipuladores de cultura que necessitam de elementos dóceis e correntes sucessoras para que nada interfira na absorção do artista como dissidente, A homoçeneização da arte latino—americana nas duas últimas
décadas (50 e óO) não éf nem sequerf uma homenagem ao grande espírito inventivo de muitos artistas do norte/ é tristemente^ um solicito cerrar fileiras em torno dos _ . ,,17 manipuladores da cultura
Sua posição, no entanto, não esclarece quem são estes
"manipuladores da cultura" e oculta a atuação de artistas, críticos, museus e galerias norte—americanas em relação ao sistema das artes latino—americanas, o papel político e econômico desta atuação- No entanto, ela deixa bem clara a homogeneização que estes "manipuladores", que se pode identificar com os difusores, controlam e estimulam. O que não se pode deixar de enfatizar é o papel que este circuito de difusão (revistas de arte, museus, galerias, críticos--.) passou a ter, ao controlar de forma preponderante a produção circulação e o consumo de artes plásticas no Brasil- Sobre a atuação do museu, por exmplo, fala Walter Zanini - "o próprio
17 Traba, Marta, op- cit-, p- 20- 1 1 7
sentindo processual que marca importantes tendências das artes
do presentef de similaridades evidentes com a pesquisa
cientifica, induz a instituição museológica a um corportamento
revolucionário, Não sendo mais apenas o órgão á espera dos
fatos, O museu deve envolver—se no próprio ato criador — sem
porém assumir atitudes protetoras. Oferecendo ao artista uma
série de recursos — espaço, instrumental adequado, assim como
uma atmosfera cmlltipla de relacionamentos - colegas, críticos
pesquisadores e o próprio çnlbl ico - er de sua parte,
usufruindo da presença ativa de todo este elemento humano, o
NAC ganhará uma nova dimensão de interesses,
descaracter izando-se como exclusivo centro receptor e de
administração contemplativa f inserindo—se portanto, no 4 0 contexto mais vivo da transformação da arte7
As artes plásticas, com seus métodos tradicionais,
bastante artesanais, pouco se atualizaram em comparação com o
avanço das midias que servem à música, ao cinema ou a TV, por exemplo. Pode-se dizer mesmo, que conservando seus métodos
individuais e artesanais, as artes plásticas têm dificuldade de atingir o grande público. Enquanto um espetáculo de teatro pode alcançar em uma temporada mais de 10 mil pessoas, uma exposição de arte poderá no mesmo espaço de tempo, ser vista por, no máximo, 100 pessoas. Nesta linha de análise, Jacob
10 "MAC - Um museu preocupado com a vanguarda visual Alberto Beuttenmüller, Cultura Brasileira, ano 5, n- 20, janeiro/ março 1976, p. 82. 118
1P Klintonitz escreveu um livro, analisando a pouca penetração
da Bienal Internacional de São Paulo, como vimos, o evento de
maior público em termos de artes plásticas. No entanto, este
tipo de limite não é o suficiente para determinar o
desaparecimento da Bienal nem do sistema das artes plásticas
ao qual se integra. Pois, como já foi colocada, a Idgica dos
sistemas das artes pldsticas é a distinção social. Atingir o
grande público se opõe a esta lógica e a sua função social
de legitimação da dominação.
Uma série de experiências com potencial de difusão, não
se consolidaram, como por exemplo os vídeos de artistas
realizados por Olivio Tavares de Araújo, as gravuras da empre-
sa Compass, as atividades da galeria Global, que contaram com
ampla cobertura dos meios de comunicação de massa. Estes
exemplos, entre outros, indicam a dificuldade do sistema de se
ampliar. Pode-se afirmar que o próprio sistema preserva seus
limites e público restrito. Assim, mesmo constantemente criticado por esta tendência, o sistema a preserva, ela é a garantia de distinção que, como afirma Pierre Bourdieu, "é a
iei implícita do campo". Um emblema de classe deixa de ter sentido de atuar como tal e perde seu poder, quando é colocado ao acesso da maioria. Assim se passa na nossa sociedade com as artes plásticas. 0 sistema das artes plásticas é o mecanismo que garante para as artes plásticas a permanência desta condição emblemática. i p Jacob Klintonitz. 50 segundos de televisão valem naus que dois meses de Bienal de São Paulo. Isto é Bom ou é Ruim? 119
Concluindo, pode-se observar que as artes plásticas, no
Brasil, têm se mantido bastante refratárias às análises de
cunho sociológico, no que não se diferenciam tanto do panorama
internacional. São mínimos e muito recentes os estudos nesta
direção. As duas contribuições mais importantes são "Art& Para
Que7" de Aracy Amaral e "Arte Privilégio e Distinção'120 de
José Carlos Durand. De maneira geral, no entanto, as artes plásticas têm sido vistas pelos sociólogos como pouco
importantes do ponto de vista de sua participação social, sendo deixada de lado. As publicações nesta área, como já foi observado, seguem a orientação centrada na figura do artista, principalmente na produção contemporânea, este enfoque é dominante. Os estudos sobre as artes plásticas expressam, assim, com lindas encadernações, inúmeras ilustrações e alto custo, o elitismo que as caracterizam. Não se analisa o seu papel social, o que contribui também para manter intacta sua função ideológica: distinção social do seu circuito restrito de especialistas e amadores. O presente trabalho aborta uma contribuição no questionamento deste papel, identificando as condições históricas que sustentam esta distinção nas décadas de 60 e 70 e analisando como o sistema das artes plásticas atua neste período e como se transforma a partir desta atuação.
20 Estas duas obras, de maneiras diferenciadas, apontam para as problemáticas sócias inseridas nas artes plásticas. Aracy Amaral procura destacar projetos de participação e crítica social por parte dos artistas plásticos. J. C. Durand aponta o elitismo e a distinção social presente no circuito das artes plásticas. 4—0 SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NA CRISE DO DESENVOLVI-
MENTISMO POPULISTA
"Em certos períodos históricos o tempo cronológico parece menor dadâ a rapidez e pro- fundidade com que as transformações econômicas e políticas ocorrem. Esta observação é válida
para a década dos anos 60f iniciada sob um governo populista e tendo seu término em pleno período presidencial de um dos governos militares mais repressivos que a memória brasileira registra".
Maria Moraes
4.1 — A consolidação da Modernização; primeira metade da
década de 60
Em termos gerais.no Brasil, pode-se considerar a década de 60, nas artes plásticas, como um período de consolidação da modernização internariolizante que se processou desde o início dos anos 50. Esta modernização expressa a incorporação do sistema das artes plásticas, orientado basicamente pela lógica de distinção social, ao projeto desenvolvimentista, no qual, segmentos da elite brasileira se empenharam. Este 121 projeto visava a superação da etapa de substituição de importações e a integração da economia brasileira a uma etapa mais avançada do capitalismo: a monopolista. Neste processo, a burguesia brasileira atua, como esclareceu Jacob Gorender , através de seu princípio básico de classe: a aceitação seletiva do capital estrangeiro.
As artes plásticas, como parte deste projeto, incorporaram—se aos movimentos internacionais, de ponta, no momento, o abstracionismo. A presença da abstração no panorama das artes plásticas brasileiras, no início dos anos 6o se evidencia no artigo publicado pela revista Visão "Veneza* abstrac ionismo foi. o denominador comum" • No panorama deste movimento, no Brasil, duas tendências se destacaram: o concretismo e o neoconcretismo. Os artistas identificados com a primeira tendência, sediados basicamente em São Paulo, em torno das figuras de Waldemar Cordeiro, Décio Pignatari e dos irmãos Campos, se identificavam com o projeto desenvolvimentista, sendo dele expressão e reforço. Voltados para os avanços da tecnologia, acreditavam na modernização internacionalizante como solução dos problemas do país. Muito atentos à implementação de medidas industrializantes e racionais, apoiavam o desenvolvimento do Design como forma
1 Gorender, Jacob. ^ burguesia brasileira. São Paulo, Brasi1iense, 1985. 2 Vis
Os artistas identificados com o neoconcretismo, sediados no
Rio de Janeiro, em torno de Ferreira Gullar, Hélio Oiticica e
Lygya Clark, tinham uma posição mais crítica em relação às vantagens da modernização da industrialização e das tecnologias de ponta. Partiram das propostas concretistas, mas tentaram romper com sua rigidez de postulados e racionalização através de uma atitude poética e participativa. A importância destes movimentos, ainda no início da década de 60, pode ser observada através das grandes mostras retrospectivas da arte concreta e neoconcreta que se realizaram no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro em 1960 e 1961 respectivamente, e a exposição neoconcreta apresentada no Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro e no Museu de Arte Moderna de São Paulo em
1961. Ainda em 1963, a corrente concretista, ligada ao design,
■foi reforçada com a criação do Departamento de Desenho
Industrial na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e da
Escola Superior de Desenho Industrial instituída pelo governo do estado da Guanabara. Em relação à FAU(São Paulo) deve-se destacar: "A marca "faunana" apareceu em quase tudo que foi
feito em São Paulo no contexto dos anos 60. Aliás, a formação da artista plástico via Escola de Arquitetura é uma constante do período"3. Cavalcanti, Portinari, Anita, com alguns
primitivos destacados (Chico da Silva, Heitor dos Prazeres) e
total dominância, entre os mais novos, do abstracionismo,
3 Catálogo "Volta a Figuração: anos 60" museu Lazar Segai. São Paulo, Maio/jul. 1979. 124
criada em 51. "A Bienal de São Paulo colocou o Brasil no
ca lendário das grandes manifestações artísticas
internacionais. Muitos valores nacionais começam desde então a
ser reconhecido fora de nossas fronteiras" - À ela, no entanto, articularam várias outras instituições criadas nestas duas décadas, formando uma rede integrada na promoção das
tendências mais avançadas do panorama internacional. Este foi o caso, por exemplo, do Museu de Arte do Rio de Janeiro, criado em 48 e que tradicionamente expunha as mostras de maior destaque da Bienal. G público carioca podia, assim, entrar em contato com os movimentos que se introduziam no pais através das Bienais. O MAM se destacou também na valorização dos artistas modernos brasileiros, tornando—os mais conhecidos e vendáveis. A revista Manchete comenta sua atuação na reportagem "MAM: cor, forma e dinheiro"'*. A importância do MAM no panorama das artes plásticas no Rio de Janeiro foi enorme, principalmente no sentido de apoiar as propostas de renovação.
Na lista de eventos de "vanguarda" (anexo) pode-se ver que a maioria deles foi ali sediado
Museu de Arte Moderna de São Paulo, criado também em 48 se integrou na modernização abstracionista, tendo, no início da década de 60, como diretor, Mário Pedrosa, crítico de arte carioca, tradicionalmente ligado ao concretismo e neoconcretismo. O Museu de Arte de São Paulo foi fechado em
5 GAM - Editorial, n- 1, Rio de Janeiro, 1966. " Manchete, n2 427, 25/06, 1961, Rio de Janeiro, Bloch, p. 52 a 60. 125
63, quando seu acervo foi entregue para a criação do Museu de
Arte Contemporânea da USP, num acordo realizado por Ciccilo
Matarazzo para receber o espaço da Bienal no Ibirapuera. Por
um empenho dos antigos associados, ele foi reaberto em 69,
passando a ter, na década de 70, uma destacada atuação. O
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo,
criado em 63, com o acervo do antigo MAM de São Paulo, recebeu
também as premiações e realizou aquisições nas Bienais. Seu
acervo, em relação âs tendências mais atuais, desde a
abstração, é o mais importante do país. Em sua direção esteve,
desde a fundação, Walter Zanini, sobrinho do pintor Mário
Zanini e irmão do cri tico de arte, responsável por uma coluna
da Folha de São Paulo, Ivo Zanini. Sob sua dinâmica direção, o
MAC destacou-se no panorama nacional e influiu decisivamente
na sustentação de tendências mais experimentais e de difícil
aceitação de mercado.
0 Museu de Arte de São Paulo, apoiado por Assis
Chateaubriand, e por toda a estrutura dos Diários Associados,
contou com a importante atuação de Pietro Maria Bardi. Com um
acervo, comprado na Europa do pós-guerra, com o predomínio da
arte clássica, ele passou a ter uma importância mais destacada depois de 68, quando se instalou em sua sede atual, em terreno doado pela Prefeitura. Também o MAM do Rio de Janeiro inaugurou em 1967 a sua nova sede, (construção em que utilizou verba do Fundo Monetário Internacional) com a presença do presidente Gen. Costa e Silva. 126
O que pode-se constatar é que dentre as diversas
instituições que constituem o corpo modernizante internaciona—
lista do sistema das Artes Plásticas, a maioria delas foi
criada na década de 50 e 60, ou, pelo menos, nestas duas
décadas consolidaram seu espaço e seu papel dentro dele. Foram
elas as responsáveis pela difusão e legitimação das novas
tendências, articulando-se entre si, o que era necessário para
fortalecer suas atuações inovadoras. Estreitas ligações e,
algumas vezes, concorrência entre si, caracterizou o
desempenho destas instituições. Também a ação do estado foi
determinante nesta modernização. Estas diversas instituições,
apesar de serem aparentemente privadas (sociedades civis sem
fins lucrativos) todas elas contavam com verbas públicas para
o seu funcionamento. Esta foi a forma como o mecenato estatal
das artes plásticas permaneceu, embora, agora, de forma
encoberta. O gerenciamento particular, inclusive muitas vezes
(conduzido com mão de ferro por alguns indivíduos, como por
exemplo Ciccilo Matarazzo na Bienal, Assis Chateasubriand, no
MASP e Terezinha Muniz Sodré no MAM), se realizava sobre
verbas públicas, que eram injetadas pelo Estado para, a construção e manutenção dos prédios, a formação de acervos e
realização de eventos. Das instituições criadas e fortalecidas neste período, somente o MAC/USP é realmente estatal, pertencendo ao governo do estado de São Paulo e, mais especificamente, à Universidade de São Paulo. Neste caso, a ação estatal é mediatizada por uma instituição cultural, a 127
Universidade. Esta forma de funcionamento e organização
evidencia a busca de autonomia que as artes plásticas
promovem, ao mesmo tempo em que, devido as restrições do meio
local, precisam contar com o apoio estatal, mas sem, no
entanto, reconhecê-lo ou evidenciá-lo. As relações do Estado
com as artes plásticas fica assim mediatizada pelo fato destas
instituições serem privadas, o que oportuniza o controle por
determinados segmentos da burguesia. Trata-se,
fundamentalmente, de um gerenciamento particular de verbas
públicas. Esta relação íntima do Estado com as artes plásticas
aparece, no entanto, na presença permanente de autoridades
públicas, como presidentes, em inaugurações de eventos, como
exposições, salões ou Bienais. Jânio Quadros, governador de
São Paulo, aparece como figura constante de mostras artísticas
assim como outros governadores, ministros etc.. E, a
inauguração da Bienal Internacional de São Paulo contou,
permanentemente com a presença do presidente da república, e
outras importantes autoridades. Se, por um lado, estas
presenças podem evidenciar a importância e o destaque destes
eventos dentro do panorama cultural, por outro, o Estado
legitima sua posição suprac1assista de defensor da cultura e
da civilização em seus mais destacados valores.
Quanto ao público, pode—se considerar a década de 60, no
Brasil, no que refere—se ás artes plásticas, como um período
voltado para ampliação do número de pessoas que tinham acesso
à produção plástica. Instituições culturais (principalmente os 128 museus e galerias) se articularam, na tentativa de implementar participação dos setores médios urbanos, até então inexistente. O sistema das artes plásticas seguiu, assim, a orientação democratizante do período, tanto em nível nacional como internacional. A ampliação do público consumidor, correspondeu ao crescimento numérico dos setores médios urbanos e de seu poder aquisitivo, dentro do processo de industrialização que se implementara a partir de 1955. O ingresso do Brasil no rol dos países de acumulação monopolista deflagrou, num primeiro momento, certa concentração de capitais nos pólos dominantes deste processo: Rio de Janeiro e
São Paulo. As galerias de arte em moldes empresariais fizeram parte deste impulso modernizador, deflagrado pelo grande capital, tanto em forma de legitimação como em termos de possibilidade de investimentos lucrativos.
Ressalta-se que, no início da década de 60, a inflação, presente ao longo do processo de industrialização, acentuou-se com bastante intensidade, o que favoreceu o mercado de artes plásticas. O valor crescente e a sua invariabi1 idade nos períodos de inflação faziam deste tipo de investimento uma atração para os capitais disponíveis, não aplicados, no período de crise política em investimentos produtivos. A dinamização do mercado de arte esta ainda ligada ao surgimento, no início da década, de um novo tipo de empreendimento que foi bastante decisivo nos rumos do sistema das artes plásticas: a galeria de arte com padrão empresarial. 129
O surgimento deste tipo da galeria, com marchand especializado, impulsionando a realização de vernissagens, como um evento cultural e social, se implementou a partir do
Rio de Janeiro no início dos anos 60. Três galerias, trabalhando com o lançamento de artistas e também com aqueles já consagrados, se rivalizavam em termos de legitimação das produções plásticas: Bonino, Relevo e Petite Galerie, no Rio de Janeiro.
A galeria Bonino criada em 1960, no Rio de Janeiro, trouxe a experiência de um marchand argentino. Segundo afirmação de Giovana Bonino "A gente tinha, todo um Know how do
Buenos /3ires, o mercado aqui era muito fraco9 quase inexisten- te. Havia algumas galerias, mas nenhuma se dedicava exclusiva- mente a isso"7. Sua primeira exposição foi com um grupo de artistas argentinos e brasileiros. Muito bem recebida pela crítica, esta mostra contou com uma apresentação de Mario
Pedrosa no catálogo. Ele destaca o mérito da iniciativa empresarial dos Bonino para as artes plásticas locais.
"£ com real oportunidade que se inaugura f agora nessa quer ida cidade do Rio de Jane iro * que mal acaba de ser despida das insígnias de Capital
do Brasilf uma galeria de arte como esta. Q fato mesmo da inauguração é outro indício de
que a nossa velha Capitalf se jd não detém o
cetro poli ticof tão cedo não perderá o cetro cultural e social do pais... Se a tentativa do
7 Entrevista de Giovana Bonino a autora em 22/julho/88, Rio de Janeiro 130
Sr, Bonina tiver êxito, tanto melhor: outras no gênero seguir-se-ão. E que seus resultados não são apenas de ordem material para os donos da
galeriaf mas, esperemos, tragam também /7>eIt>oria para a situação geral dos artistas, ajudando—os a transformar o meio em que tão precariamente
vivemr submissos que são aos caprichtos de um paternalismo já antiquado por parte de alguns poucos ricaços ou de outros tantos burocratas do Estado... Esperemos pois, que a Saieria Bonino venha trazer sua contribuição para este desideratum, a profissionalização da vida 0 artística do Rio" .
Em suas palavras, se evidenciam duas problemáticas
importantes na época: a disputa entre Rio e São Paulo pela
posição de cetro cultural do país e a contribuição do
trabalho, do "marchand1' para a profissionalização do meio
artístico. Ou seja, ele já percebe como este tipo de empreen-
dimento poderá interferir no sistema das artes plásticas, no
sentido da profissionalização de seus integrantes, A galeria
Bonino, teve importante atuação, estabelecendo inclusive
relações internacionais (tinha filiais em Buenos Aires e Nova
York) em nível de difusão e comercialização. Para evidenciar as relações desta galeria dentro do sistema das artes plásticas, basta observar que sempre expôs os nomes mais destacados, premiados na Bienal de São Paulo ou no Salão
Nacional de Belas Artes. E, entre as exposições escolhidas pelos críticos para destaque no Resumo JB, estiveram sempre
0 131 indicados pelo menos uma da Bonino, quando não várias (anexo).
Atuando com a mesma orientação modernizante e profissio- nal , o marchand Franco Terranova estabeleceu, no Rio de
Janeiro, também em 1960, a Petite Galerie. Já em 1962, inaugurou uma filial em São Paulo, dirigida por Raquel Babenco que se introduzira no ramo, trabalhando com Pietro Maria
Bardi. Para ter-se idéia da atuação desta galeria, basta ver a seguinte reportagem, notícias de arte do Jornal do Brasil, na coluna assinada pelo crítico Harry Lauss na reportagem.
"Reabertura da Petite Galerie do Rio com uma
exposição de Guinard- A Galeria f agora sob a
responsabilidade de Sérgio Bernardesr com a
colaboração do Banco Sotto Maiorf elaborou um plano de financiamento para a aquisição de
obras de artef com entrada de 20Z e em 6 prestações com juros de l'í ao més. Os idealizadores do Sistema foram José Luís de
Magalhães Linsf diretor do Banco Nacional de MG e sobrinho do novo Governador mineiro
(Magalhães Pinto); José Carvalhof diretor do DMAE; e Franco Terra nova, responsável pelo setor artístico. Guarenta artistas já assinaram contrato de financiamento com a Petite Galerie, entre eles: Manabu Mabe, Milton Dacosta, Maria Leontina, Mário Silésio, Rubem Vaientin, Loio Pérsio; o Glauco Rodrigues, Bianco e outros .
9 Visão, n2 18, v. 17, 28/10. São Paulo, 1960. p. 102-103. "Crediário para obras de arte" 1 32
A atuação do marchand Jean Boghici responsável pela
Galeria Relevo (Rio de Janeiro) foi também de grande destaque,
principalmente por seu apoio aos jovens da "vanguarda
carioca". Foi ele um dos organizadores da mostra "Opinião 65",
realizada no MAM do Rio de Janeiro, que foi considerada um
marco nas artes plásticas neste período. Jean Boghici foi
também o responsável pela articulação dos artistas locais com o grupo do nouveau realisme francês, promovendo inclusive a vinda do crítico francês Pierre Restauny, o principal teórico deste movimento, ao Brasil.
São Paulo, na década de 60, possuia um mercado de arte menos ativo, apesar de, como já foi visto, ter sido criada lá, uma filial da Petite Galerie. A atuação mais intensa neste
período inicial da década foi, em termos de leilões, nos quais se destacava Giuseppe Baccaro como organizador. De sua experiência com leilões, ele partiu para a inauguração de uma galeria em 1962, a Selearte, em sociedade com Biagio Motta.
Pelo quadro anexo observa—se o surgimento de várias galerias de arte em São Paulo, no início da década. Entre elas se destacavam a Atrium sob a direção de Emi Bonfim, Ambiente dirigida por Radha Abramo e a Seta onde atuava o marchand
Antônio Maluf.
Estas galerias apresentavam em comum o fato novo de atuarem com investimentos pesados, adquirindo obras dos artistas (não mais como meros intermediários), tendo um 133
projeto de trabalho com críticos, museus, salões, etc- e voltadas ao estabelecimento de estreitas relações com o campo cultural- Atuavam como instância de legitimação e não apenas como revendedores; interferiam na construção e determinação dos padrões de artes e na criação do valor da obra a partir de sua circulação- □ trabalho destes marchands foi de certa forma desbravador, criando um novo estilo de relações no sistema das artes plásticas, mais moderno e correspondente às transforma-
ções que ocorriam na economia brasileira que se internaciona-
lizava rapidamente- É importante destacar o surgimento, no sistema das artes no Brasil, da figura de marchand de tableaux e sua atuação nas galerias que mais se destacam.
Pode-se observar que quase todos eles (Boninos, Francos
Terranova, Jeam Boghici, Giuseppe Baccaro, Pietro liaria
Bardi) são estrangeiros, o que nos permite duas considerações.
A primeira relaciona-se com o papel que desempenham em um momento de internacionalização do sistema das artes quando seus contatos, experiências e Know how são decisivos. A segunda diz respeito ao capital cultural e social que possuem, tanto por suas formações no exterior, em centros de maior tradição cultural, quanto pelas relações sociais que aqui estabelecem, em decorrência de que, no pós-guerra, muitos estrangeiros para cá vieram, formando um certo núcleo cujas ligações com as artes favorecia estas atividades. A procedência estrangeira, principalmente italiana e francesa, era um fator que contribuía à carreira do marchand- 134
Outro elemento a considerar no processo de modernização
do sistema das artes plásticas é a atuação dos meios de
comunicação social, principalmente os jornais, que neste
período tinham uma atuação importante, com colunas de arte e
publicando ainda, ocasionalmente, artigos de críticos de
destaque. Mantendo colunas quase que diárias, a maioria deles
possuía, pelo menos, um crítico especializado, responsável por estas colunas. O Jornal do Brasil, por exemplo, tinha Harri
Laus; O Globo, Vera Pacheco Jordão; a Folha de São Paulo tinha
José Geraldo Vieira e Ivo Zanini. 0 Estado de São Paulo não
tinha colunista fixo mas apresentava artigos assinados por críticos como Aracy Amaral e Geraldo Ferraz. Nas colunas dos
jornais, eram divulgados as mostras e, principalmente, as
Bienais e salões. Como havia críticos especializados, esta coluna atuava também na formação do público, além de informar sobre os eventos de destaque. Publicavam—se, ocasionalmente, em todos os jornais, artigos de outros estudiosos, como Mário
Pedrosa, Aray Amaral, Geraldo Ferraz, Clarival Valadares10.
A ação dos meios de comunicação era dinâmica dentro do sistema, ou seja, não se tratava meramente de uma veiculação de um perfil do sistema para o público em geral, como fazem hoje, através do "colunismo de arte". Havia uma atuante crítica de arte que, de certa forma, era fundamental para a
10 Haviam ainda, na maioria dos jornais uma seção bastante regular denominada "Exposições". Elas funcionavam como roteiro das mostras abertas ao público da Folha de São Paulo foi extraído o anexo. 135
formação do público11- Alguns jornais promoviam inclusive
eventos importantes dentro do sistema das artes plásticas- O
Jornal do Brasil, por exemplo, era responsável, anualmente,
pelo Resumo JB, importante meio de sistematização do panorama
artístico, criado, em 63, por Harri Lauss colunista de artes
plásticas do jornal- Esta mostra era organizada, a partir de
indicações das melhores exposições do ano, por críticos de
reconhecidos méritos do sistema das artes plásticas. As
mostras que recebiam maior número de indicações eram
representadas, resumidamente, no MAM do Rio de Janeiro- O
Resumo JB apresentava, assim, um perfil da produção plástica e
também da crítica da época- Foram realizadas ao todo dez mostras, de 63 a 7212. A Folha de São Paulo também tinha sua premiação, que destacava anualmente artistas plásticos — o prêmio Lerner criado em 1959- Ele vigorou até 62, quando faleceu o industrial Isaias Lerner, seu financiador- A Folha mantinha, ainda, uma galeria de arte nas suas dependências, sob a direção de José Geraldo Vieira.
Em termos de revistas, na primeira metade da década não havia no país nenhuma publicação especializada em artes plásticas. As revistas de grande circulação como A Cigarra, O
11 Vários entrevistados, entre eles Carlos Zílio, Carlos Von Shimith, Aldemir Martins e também Aracy Amaral (na banca de qualificação), destacaram esta atuação dos meios comunicação mais comprometida e crítica, nos anos 60. A maioria, inclusive, lamentando as modificações que levaram as condições atuais. 12 (A lista de artistas selecionados nas 10 edições do Resumo JB estão em anexo). 136
Cruzeiro, Visão e Senhor apresentavam, ocasionalmente, artigos sobre artes plásticas. A revista Senhor tinha uma coluna especial para artes plásticas, onde noticiava exposições, salões, bienais, fazendo pequenos comentários informativos.
Centrava suas observações nos aspectos estilísticos e na
personalidade de artista. Esta coluna não era assinada. O
Cruzeiro e A Cigarra apresentavam reportagens fartamente
ilustrada, com temas da história das artes plásticas
internacionais ou reportagens sobre algum artista nacional de destaque como Portinari ou Alejadinho. A revista Senhor era a que mais se identificava com as tendências modernizadoras e com a corrente abstracionista, nas vertentes concreta e neoconcreta. Utilizava, inclusive, ilustrações e capa com obras de artistas plásticos.
Os meios de comunicação de massa, neste momento, tinham uma importante atuação dentro do sistema das artes, mas
bastante sujeita às orientações gerais dos críticos ou outros especialistas. Os meios de comunicação acompanhavam as modernizações do sistema e as divulgavam para o grande
público, apresentando uma idéia das artes plásticas como uma
importante manifestação cultural que acompanhava as grandes mudanças por que passava a sociedade brasileira. Um exemplo é o texto "Desenvolvimento muda a arte" no qual se afirma
Desenvolvimento econômico e filosófico determinaram novas 137
4 3 for/nas de expressão artística -
Ao abordar o sistema das Artes plásticas no Brasil, nos
anos 60, é preciso considerar o isolamento cultural das
diversas regiões deste extenso território, naquele momento em
que os sistemas de comunicação, via satélite, ainda não haviam
sido implantados. Este estudo, no entanto, ficará restrito às
cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, que não constituíam
um eixo, mas dois pólos que disputavam hegemonia. No início
dos anos 60 constata-se uma predominância do Rio de Janeiro,
onde se encontravam mais estruturadas as relações entre os
indivíduos atuantes nas artes plásticas. Isto porque, apesar
da transferência da sede do governo para Brasília, a antiga
capital continuava sendo um centro de poder. O Rio preservava
importantes estruturas sob forma de instituição, reconhecidas
e aceitas como legítimas e legitimadoras, tais como, o Museu
Nacional de Belas Artes, Escola Nacional de Belas Artes e o
Salão Nacional de Belas Artes. Ao longo dos anos 60, o Rio de
Janeiro permaneceu hegemônico, perdendo sua influência
gradativãmente, de maneira que, na década seguinte, São Paulo
o suplantou, em termos de importância, dentro do sistema das
arte plásticas, assim como em outros aspectos14. Esta mudança
do centro de influência fez parte da própria evolução
13 Visão* v. 16, n- 1, 01/01. São Paulo, 1960. No texto há comentários sobre a Bienal na qual Manabu Mebe ganhou o prêmio de melhor pintor nacional e houve ainda uma premiação acentuada para os valores jovens. 14 Ver anexos: "Salões e "Instituições" neles evidendia-se claramente a hegemonia carioca no início dos anos 60 e o progressivo fortalecimento de São Paulo chegando este ao 138
final da década de 70 como hegemônico.
capitalista do país, em que São Paulo se impôs como pólo de concentração de capitais no processo de transição para a etapa capitalista monopolista em que redefiniram-se as relações entre as diversas frações do capital e a própria inserção do país no sistema capitalista internacional.
As transformações, que já vinham ocorrendo desde a segunda metade da década de 50, no início de 60, acarretavam crises econômicas às quais se somavam as lutas populares e nacionais. O pacto populista se rompia, questionado pelos dois pólos nele envolvidos: dominadores e dominados. Como observa
Caio Navarro de Toledo, "Para os que vêem nos conflitos e antagonismos o sinal da desagregação socialf os de 'os tempos de Goulart' só podem ser encarados como trágicos 'tempos de caos e de anarquia' . Entre 1961 e 64, o poder político no país estava em crise, acelerando—se as disputas sociais e as mobilizações populares. A queda da taxa de lucro, decorrente da quebra de ritmo do crescimento industrial, dava mostras de fissuras no projeto desenvolvimentista. A luta política sobredeterminava a crise econômica.
Neste quadro da realidade nacional, o sistema das artes plásticas se manteve à margem das mobilizações que levaram ao amplo movimento cultural-conscientizador que tomou forma
Caio Navarro de Toledo - O governo Goulart e o Golp^ de 64. São Paulo, Brasillense 1985 p, 9. 139 através de diversos grupos, como se evidencio no segundo capítulo, relativo às práticas artísticas nos anos 60 e 70.
Neste momento dinâmico da história do país, enquanto vários setores artísticos se engajavam nas disputas democratizantes, as artes plásticas mantiveram posturas mais elitistas de orientação internacionalista. Não se introduziram alterações nos circuitos que indiquem tendências democratizantes.
Ocorreu, isto sim, algumas manifestações individualizadas como as participações de Aldemir Martins (neste momento morando na
Itália) e Marcelo Grassmann que produziam gravuras para um calendário produzido pelo Centro de Cultura Popular da União
Nacional de Estudantes. Estes artistas tinham já um renomado destaque no sistema das artes plásticas e sua participação foi importante para o sucesso das vendas. No entanto, isto não chegou a caracterizar uma atuação do sistema das artes plásticas, que permaneceu restrito a círculos elitistas, e sem questionamentos internos. Haja visto que, no início dos anos
60, não se podia entrar no MAM sem convite, terno e gravata.
No vernissage de "Opinião 65", houve um incidente com Hélio
Oiticica, que levara para o Museu seus Parangolés e também o pessoal da Escola de Samba Mangueira, da qual ele era passista. "Foi a primeira vez que o povo entrou no museu.
Ninguém sabia se o Oiticica era gênio ou louco e, de repentef eu o vi e fiquei maravilhado. Ele entrou pelo museu adentro com o pessoal da Mangueira e fomos atrds. Quiseram expulsd-los f ele respondeu com palavrões, gritando para todo mundo ouvir; é isso mesmof crioio nõ.o entra no MAM, mas isto é 140 racismo- E foi ficando exaltado. Expulso, ele foi se apresentar nos jardins, trazendo consigo a multidão que se acotovelava entre os quadros"1 **.
Evidencia-se assim, o caráter elitista do sistema das artes plásticas e as dificuldades que encontraram os intelectuais comprometidos com projetos de democratização, para atuarem dentro dele- Os momentos mais ricos e fecundos das artes plásticas no Brasil estiveram ligados aos projetos modernizadores dos setores dominantes: o modernismo, expressão do projeto de substitução de importação e o neoconcretismo, expressão do Projeto Monopolista. As elites brasileiras encontravam nas artes plásticas um espaço inestimável para a realização de sua representação simbólica. Embora utilizando, ocasionalmente, recursos do imaginário popular, as artes
plásticas expressavam, com maior eficiência, o ideário das elites, alcançando, nestes casos, maior desenvolvimento e, conseqüentemente, representatividade no âmbito nacional e
internacional. As inovações não eram bem recebidas pelo
público e colecionadores como mostra o seguinte depoimento.
"Comentava-se outro dia numa roda de jovens o sucesso financeiro de pintores a quem a crítica especializada não parece atribuir qual á altura do êxito alcançado. 'Ora acho fácil de compreender' disse uma jovem pintora, pois a pintura deles é agradável e neutra. Traz uma sugestão de mistério e, além do mais,
1<5 Catálogo "Opinião 65". Galeria de Arte do BANERJ. Rio de Janeiro, ago. 1985. 141
corresponde bem ao estila que está em moda na decoraçáo de interiores, Seus quadros nâto interferem com o sofá nem brigam com os cristais as pratas ou as opalinas * Sobretudo, não exigem atenção, Assim se o pintor
quizer seguir uma linha mais audaciosaf se abandonar as formas de arte contemporâneas já aceitas pelo público, dificilmente encontrará comprador, Os colecionadores são ainda muito tímidos e não ousam jogar com o desconhecido, Q artista que deseja inovar ou pesquisar tem que garantir seu ganha pão através de um emprego auxiliar, ou então enfrentar sérias dificuldades,,,"i7 .
Retomando a questão apresentada no primeiro capítulo,
referente a orientação básica de distinção social que
fundamenta o sistema das artes plásticas, pode-se afirmar que as elites, de maneira geral, olharam com desconfiança as mobilizações democratizantes que se desenvolviam neste momento. Delas não participavam, permanecendo as artes plásticas alheios a estas radicalizações. O sistema respondia assim aos interesses das elites em se manterem de fora e mesmo em oposição a estes "tempo de Caos". O que se observa é, pelo contrário, um fortalecimento do caráter distintivo das artes plásticas, expresso no crescimento do mercado de artes plásticas. Considerado como um investimento livre das flutuações decorrentes das políticas econômicas, o mercado de arte passou a representar a estabilidade dos investimentos. O
17 Realidade, n- 5, ed. abril. Rio de Janeiro, Ano I, ago. 66. "Esta é a arte de nosso tempo" Mario e Vera Pedrosa, p. 66. 142 artigo de capa da revista Visão "O nosso mercado de arte" demonstra a vitalidade deste setor. Nele, artistas e marchands concordam que no Rio e São Paulo há um mercado estável para a obra de arte. Enfatizam a popularização da arte através do lançamento de álbuns de gravuras e destacam a atuação das galerias Bonino, Petite Galerie, Barcinsky, Mommatre e Relevo, no Rio e Astréia e Seta em São Paulo18. Comparativamente à década seguinte, este ainda era um período de fraco movimento no mercado de arte; as exposições ainda não apresentavam a variedade e profusão, os catálogos eram simples e nem sempre contavam com a apresentação de cri ticos. Na verdade, o sistema de instituições que se consolidava, ainda não se articulara
profundamente com o setor comercial; algumas mobilizações,
disputas e questionamentos ainda se estabeleceriam na segunda
metade da década de 60, antes que o processo de
mercanti1ização do sistema se estabelecesse como dominante.
4.2 — Disputas Sociais e Mobilizações no Sistema das Artes
Plásticas
O golpe de 1964 instaurou uma nova ordem política, "A
crescente radicalização política do movimento popular e dos
trabalhadores, pressionando o Executivo a romper os limites do
pacto populista, levou o conjunto das classes dominantes e
setores das classes médias - apoiados e estimulados por
18 Vis<3o, v. 23, n2 26, 06/12. São Paulo, p. 20 a 23, 1963. "O nosso mercado de arte". 143 agências governamentais norte-americanas e empresas multinacionais - a condenar o governo Goulart, tf derrubada do governo contou com a participação decisiva das forças armadasf as guais - a partir de meados de abril do 19ó4 - impuseram ao pais uma nova ordem político institucional com características crescentemente militarifadas, tfs reformas exigidas polo capitalismo brasileiro seriam agora implementadas, Repudiando o nacional reformismo, as classes dominantes f através do Estado burguês militarizado f optariam pela chamada modernização conservadora f excluindo, assimf as classes trabalhadoras e populares da cena política e pondo fim d jip democracia populista .
As alterações que se estabeleciam na estrutura do sistema produtivo do país, com a hegemonia dos setores modernos, sob o ponto de vista da tecnologia e da orientação monopolista, introduziram diversificações na estrutura social e reorientaram novos ajustamentos entre os grupos sociais. O novo modelo de desenvolvimento que se impôs pós 64, exigiu a contenção das reivindicações das massas e a subordinação dos grupos empresariais tradicionais à crescente monopolização da indústria. Este processo atingiu os setores médios dos quais eram oriundos uma grande fatia da intelectualidade brasileira, principalmente os artistas. Desencadeava-se assim uma reação bastante localizada (centros urbanos como Rio de Janeiro e São
Paulo) que se expressava na mobilização promovida pelos ip TOLEDO, Caio Navarro. O Governo Goulart e o Golpe de 64. São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 120. 144 movimentos artísticos. O teatro de opinião, a música de
protesto, foram alguns dos exemplos destas realizações. Otilia
Arantes descreveu: "Pode-se dizer que de 65 a 69 até a
revanche da regimef boa parte dos artistas brasileiros pretendiar ao fazer arte, estar fazenda política. Passada a
hesitação do primeiro momento - provocado pelo golpe militar e pelos primeiros expurgos e prisões — os intelectuais e artistas voltam a reclamar para si um papel de resistência ao processo por que passava o pais
A mi 1itarização do aparelho de Estado, exigiu a abolição dos partidos políticos e usurpações das prerrogativas
legislativas e judiciárias, dando origem a uma série de reações dentro mesmo das classes dominantes. Este processo de reação ao autoritarismo atingiu também os setores médios dos quais era oriunda uma grande parcela da intelectualidade brasileira. A intensa mobilização que se desencadeou nos diversos setores artísticos já foi referenciada no capítulo dois. O que se fará, aqui, é observar como isto se processou no sistema das artes plásticas que, na segunda metade da década de 60, não ficou mais alheio às mobilizações sociais, mas entrou em importante processo de dinamização.
Sobre este período Frederico de Moraes comenta: "... Os primeiros anos, após uma tentativa algo frustrada de uma arte
20 Arantes, Otilia. De "Opinão 65" a 18 Bienal - São Paulo, Novos Estados CEBRAP, n- 15, julho 86, p. 69-84. 145
voltada, para o diálogo com o povo - O Movimento de Cultura
Popular, o CFC - foram de indecisão e silêncio. O esforço para
falarf discutirf opinar e sugerir alternativas só tem início em 1965 e 1966f com a realização das mostras denominadas
'Opinião' , no Rio, e 'Propostas' em São Paulo'
Em termos de artes plásticas, já o ano de 1964 foi marcado por eventos que concorreramm para grande mobilização que se desencadearia: a exposição Nova Figuração na Galeria
Relevo, no Rio de Janeiro e a vinda de Pierre Restany ao
Brasil- Pierre Restany era o criador teórico do movimento
Nouveau Realismó francês; sua vinda ao Brasil foi propícia à penetração desta tendência no meio artístico- Neste sentido, convergiam os interesses de Jean Boguichi e Pierre Restany: ao primeiro interessava o aval europeu para os artistas com que trabalhava e ao segundo, o reforço para o movimento que criara e do qual era o principal teórico- Também a mostra "Nueva
Figuración'1 dos artistas argentinos Noé, Maccio, Leira, e De
la Vega, realizada em 63, na galeria Bonino, causou repercussão, principalmente entre os jovens artistas, insatisfeitos com os excessos decorativistas a que a abstração estava levando a grande massa da produção local- Nesta perspectiva foi realizada, no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, a mostra "Opinião 65M. Organizada por Ceres Franco
(morando então em Paris) e Jean Boghici, marchand da galeria
Relevo- Esta exposição apresentou trabalhos de artistas
21 MORAES, Frederico. Catálogo "Arte Brasileira séc. XX Caminhos e Tendências" - Gal. Global, 1976. 146
Algumas de suas intenções se evidenciam no texto do catálogo, em que se destaca a relação desta mostra com as últimas tendências internacionais:
"Opinião 65 é uma exposição de ruptura, Ruptura com uma arte do passado- O exemplo vitorioso da 'pop-art' americana e as realizações do novo— -realismo europeu encontrarem eco no jovem artista de vanguarda e encoraj aram-no a contestar a famosa afirmação de Naurice Denis, sobre a qual se baseou a pintura abstrata -
Se a vanguarda artística mundial derruba assim os conceitos fixados durante tantos anos numa
estética comodaf é porque o artista hoje desem-
penhando um papel novo na sociedadey não aceita o tributo de uma tradição plástica caduca- A jovem pintura pretende ser independente,
polêmicaf inventiva, denunciadora, crítica, social, moral- Ela se inspira tanto na natureza urbana imediata como na própria vida com seu culto diário de mitos-
De minhas vindas últimas ao Brasil constatei que um número crescente de jovens artistas brasileiros trabalha com o mesmo intusiasmo e espirito de pesquisa que o jovem artista europeu- Por essa razão resolvi reuni-los nesta mostra que o museu de Arte moderna do Rio de Janeiro tem a gentileza de acolher"22 '
A retomada da figuração dentro dos moldes mais contempo-
22 Ceres Franco. Apresentação Catálogo Opinião 65. MAM - Rio de Janeiro, 1965. 147 râneos das vanguardas européias e norte americanas (Nouveau
Realisme e pop art) encontrou espaço fértil, neste momento, em que os setores jovens da intelectual idade,oriundos de classes médias urbanas, estavam tendo oportunidades de acesso
aos bens culturais e aos meios de sua produção- Estes elemen-
tos, jovens, oriundos ou ligados aos movimentos democratizan—
tes do início da década, forçavam uma abertura no sistema das
artes plásticas. E o faziam, utilizando estratégias de
subversão,que envolviam o questionamento da produção
institucionalizada nas também formas de ocupação de institui-
ções legitimadoras dentro do sistema das artes plásticas.
"Todos os entrevistados pela equipe da galeria de arte do BANERJ foram unânimes em situar a importância do Museu de Arte Moderna do Rio, como ponto de encontro da geração Opinião ó5... Costumavam se encontrar â porta da escola de Belas Artes: Dias, Gerchman, Adriano e Magalhães; freqüentavam, como alunos, o ateliê
de gravuraf primeiro com Goeldi depois com Adir Boteiho. Mas o fascínio residia mesmo no MAM - até porque sua ocupação era parte da estratégia
doz grupo 'O que queríamos era forçar a barraf abrir espaços em todos os lugares e exposições. Éramos uns brigões insuportáveis para os outros, imagino".
Conta Gerchman. E Dias confirmas
"Uma de nossas estratégias era participar em bloco de todas as exposições. E assim fizemos no Salão Esso de 1964 e no Salão Nacional, que
àquele tempo funcionava, tinha prestígio r 148
estava sempre cheio de gente, mas o pessoal jovem ainda n<3o tinha acesso a ele. Quanto ao
MAM f era de extremo interesse ocupd — Io, enehê-lo com a nossa produção, Afc5s queríamos fazer muito barulho, mudar o comportamento do
No entanto, a maneira como estas mobilizações atingiram o sistema das artes plásticas, permite retomar as colocações iniciais deste trabalho sobre a forma como as influências externas são filtradas pela estrutura do sistema. Toda mobilização dos anos 61—64, popularizantes e altamente politizados, não penetrou nas instâncias do sistema das "artes plásticas", lias, os questionamentos colocados pelas vanguardas internacionais do Nouveau Realisme Francês, e do pop americano, estes sim, penetram,legitimados pelas instituições do sistema. Opinião 65, por exemplo, foi uma exposição organizada por marchands com conexões internacionais,no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, contando com participação de artistas brasileiros e franceses. Ela foi o marco de uma série de outras manifestações que também estiveram referendadas pelos movimentos internacionais e por
instituições de reconhecido prestígio.
O ano de 1965 foi especialmente importante para estes
jovens, iniciando já em março com o primeiro Salão Esso de
Jovens Artistas, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio.
Este salão abriu espaço específico para jovens (menos de 40
^Catálogo Opinião 65, Galeria do BANERJ, RJ, 1987. 149 anos) e foi organizado pelo chefe da Divisão de Artes Visuais da União Panamericana, em colaboração com institutos de belas artes públicos e privados dos países participantes. Ele foi realizado em 18 países latinoamericanos e Gomes Sincre, diretor desta divisão, tomou parte nos 18 júris nacionais. O prêmio era de 700 dólares para pintura e escultura; os ganhadores participariam de um Salão Esso de Artistas Jovens latinoamericanos a ser realizado em Washington, concorrendo a um prêmio de 1000 dólares. Os custos do evento estiveram a cargo das Esso Standard Oil. No Brasil, os ganhadores foram:
Mauricio Salgueiro, Alberto Teixeira, Yukata Toyota e Nicolas
VIavianos. Este salão demonstrava o interesse das instituições do sistema das artes plásticas na renovação da produção plástica e na sua orientação dentro das tendências internacionais e também o apoio que empresas multinacionais davam a este tipo de atividade. Fica bem evidente, nas palavras de Gomes Sincre, as relações do capital empresarial com o sistema das artes plásticas e a legitimação social que buscam.
"En todo esoT además f se habia destacado ei
hecho de que ia industria f ei capital privado, en un mundo libre, intervenia en ei proceso de aliento ai espiritu por médio de un acto de innegable trancendencia cultural. A ese acto, ia OEA contribuía, como afirmé antes, con la experiência y con la fe de su División de Artes Visual es"24-.
24 Sincre, Gomes. In: Orlando Soares. La jauia invisitoie, 1986. op. cit. p. 99-100. 150
A criação de revistas de arte foi também resultante dos processos modernizantes por que passava a sociedade brasileira. Publicações específicas de artes e, mais ainda, dominantemente de artes plásticas ou totalmente dedicada às artes plásticas, foram uma inovação introduzida neste período.
Elas foram palco e fizeram parte, de forma bastante intensa, das mobilizações que ocorriam no sistema das artes.
Em 1965, no MASP, foi lançado o jornal, sob forma tablóide - "artes": com cuidadosa impressão e diagramação inovadora foi um empreendimento ousado- Seu Diretor Carlos Vom
Schimit era um jovem egresso do mercado publicitário que percebeu a existência de um espaço neste momento para a divulgação artística em um meio mais amplo. Sua intenção era
atingir um público o mais abrangente possível; a primeira edição foi de 1500 exemplares, o preço era acessível em
relação ao poder aquisitivo da classe média e sua distribuição
era feita em bancas de jornais. Tinha nitidamente a intenção
de divulgar as tendências internacionais mais atualizadas.
Segundo palavras de seu editor:
"No início9 publicamos muitos artigos foca 1izando o que se fazia no mundo* À modida
em que as artes cresciam no paísf o que acontecia no mundo passava a interessar menos-Como fonte de informações havia as Bienais, Museus e secções de artes plásticas na
biblioteca municipalf dirigida por Maria 151
Eugenia Franco? com excelentes revistas internacionais sempre atualizadas, Eu era um assíduo freqüentador. Publicávamos traduções de textos ou artigos elaborados a partir de leituras, cobríamos os Bienais e expôs içr^es importantes, estávamos sempre muito bem informados e nossa intenção era colocar essas informações ao alcance do público em geral, Havia muito interesse por parte das pessoas pelos temas artísticos e culturais, Hma exposição? por exemplo? era um verdadeiro evento cultural? sendo visitado por um número grande de pessoas, Para isto concorria o fato de que cada artista sd raramente expunha (algumas vezes um espaço de três anos entre uma e outra exposição) e? portanto? todos queriam ver estas exposições e mesmo a Bienal era muito mais freqüentada? ou pelo menos era freqüentada por um público muito mais interessado e participativo
Também foi editada, neste momento (1966), a primeira
revista especialmente dedicada às artes plásticas: "GAM
Galeria de Arte Moderna". Esta revista era, na época de seu
lançamento, uma coletânea de artigos sobre as artes plásticas de alto nível, assinados pelos intelectuais mais destacados do setor: Mário Pedrosa, Clarival Valadares, Geraldo Ferraz, ...
Apresentava artigos com temas variados, em linguagem erudita,
referenciando informações que exigiam do leitor certa bagagem cultural. Não tinha muitas ilustrações, mas era bastante
trabalhadora em termos de diagramação, havendo ocasionalmente
23 Entrevista concedida por Carlos Von Schimith à Autora em nov. de 1987. São Paulo. 152
gravuras de artistas encartadas e a capa, em geral, apresentava a reprodução de um trabalho artístico. Com espírito empresarial em relação ao setor, utilizava publicidade de grandes empresas (brancos, estatais e multinacionais) e ainda de galerias e lojas de móveis e decorações. Os artigos ilustrados com reproduções de obras, passavam uma idéia confiável sobre artes plásticas; as críticas eram justificadas e havia bastante informações.
Havia, além disso, secções dedicadas a informar o que estava acontecendo (Bienais, salões, exposições, concursos, etc.) com indicações de nomes locais, data, sem avaliação ou posicionamentos críticos; estes ficavam restritos aos artigos assinados. A revista deixava sempre transparecer a idéia das artes plásticas como uma atividade dinâmica e modernizadora, e da revista, com um empreendimento qualificado no setor.
Publicada no Rio de Janeiro, em seu editorial se apresenta como uma resposta a expextativas do setor.
"GAM surge com a finalidade de servir de ponte entre as artistas e o público. Uma meta que é conseqüência mais de uma imposição que de uma eleição. Porque resultado da necessidade de eliminar o descompasso flagrante entre o desenvolvimento artístico do pais e as informações sobre ele disponíveis.
(...) Cresce com a proliferação das galeriasfo mercado de arte e número de artistas profissionais^ fenômeno que não se limita ao
Rio de Janeiro e São Paulo. E no entantof não havia uma só revista de artes plásticas. Um 153
claro enorme a preencher, tarefas que n3o pode ser exclusivas de GAM* Mas a satisfação da aventura pioneira pertence—lhe integralmente-
GWM é isenta de preconceitos. G ecletismo de seu quadro de colaboradores que não se restringem aos críticos de arte que aparecem neste prime iro número, atesta-o, Es tá aberta ao debate dos problemas da arte contemporânea, com a única preocupação de ajudar a esc 1 arecé-lo. Nem sentira temor diante do novo, ainda que ás vezes isso possa parecer arriscado.
Com este propósito, apresentara, nâío raro, ao lado de artistas de mérito já indiscutível, nomes desconhecidos e sujeitos a controvérsias, £ sd"2<\
Como evidência desta dinamização e articulação de
tendências, no ano seguinte (67) foi lançada, em São Paulo, a
Revista "Mirante das Artes", dirigida por Pietro Maria Bardi-
Ela ilustra outra orientação que se delineava no sistema das
artes neste momento a articulação de diversas instituições-
Pietro Maria Bardi era Diretor do Museu de Arte de São Paulo,
dono da Galeria Mirante das Artes e também diretor da revista
de mesmo nome. Embora esta não fosse uma revista só de artes
plásticas, era dominantemente dedicada a este setor. Eram
apresentadas matérias sobre fotografia, design, moda,
arquitetura em pé de igualdade como arte moderna ou
tradicional. Havia, artigos assinados por nomes de destaque
2C* GAM. Galeria de Arte Moderna - Editorial, n~ 1 - 1966. 154
dos diferentes setores artísticos- Aracy Amaral, Mario Chamié,
Roberto Schwartz, Ulpiano Bezerra De Menezes- Havia também
secções não assinadas, que faziam alusões críticas e pequenas
ironias a pessoas e instituições do sistema das artes
plásticas, como esta por exemplo.
"Mas o fato mais brilhante foi a nomeação da novo diretor da Pinacoteca do Pstado fcargo
políticof depois da administração do Espírito
que guiava conjuntamente ao Pr - Ruy r o Adhemar de Todas as Paradas- Naturalmente oram do zonas o dezenas os aspirantes fquem n&o entende de arte quando o bilhete premiado dá emprego público?) A escolha devo ria ser feita na redação de "O ESTADO DE SÃO PAULO"z depois das
semi—finais ficaram finalistas dois nomesf do
Sr, Geraldo Ferrazf o valoroso crítico de arte do £? Estado (que acompanha o movimento da arte nacional a trinta e cinco anos como
profissionalf homem viajadof com suas idéias mas com idéias, conhecimentos, curriculum, livros publicados!, e o Sr. Del miro Gonçalves, um redator do Suplemento Feminino do Grande jornal- Todo mundo, na jogada aponta o Geraldo- O Governador Sodré nomeou o Sr, Del miro, talvez sabendo que naqueles dias, na revista "Visáo", discursando sobre arte local, o convidado fazia uma clamorosa confusão entre Anita Malfati e , «2 7 Tarsila do Amaral
Nesta revista era dado ênfase ao colecionismo, com artigos sobre colecionadores, coleções e formas de colecionar.
27 Mirante das artes, n— 4, jul./ago. 1967, São Paulo: t/ma Cobertura Society no quadro da política palaciana das artes, p. 11. 155
O que evidencia preocupações com o mercado de arte. A busca da originalidade da diagramação, utilizando inclusive desenhos de
Wesley Duke Lee especialmente criados para tal, muitas vezes
dificultava a leitura, pois não ficava claro o início e fim
dos textos. A publicidade era apresentada no início e no fim
da revista sem interferir muito no corpo central.
Estas três publicações, lançadas quase ao mesmo tempo,
(65, 66, 67) evidenciam um panorama dinâmico, dentro do qual a
divulgação das artes plásticas atingia níveis de eficiência e
profissionalismo. Seu público era constituído por elementos da
elite intelectual e econômica, identificados com a
modernização da sociedade e também das artes plásticas. Estas
revistas atuarem como estratégias de subversão, na medida em
que noticiavam as vanguardas ao lado da produção já consagrada
(como foi dito no editorial da GAM) concorrendo para a sua
legi timação.
Como as estratégia de subversão visavam basicamente abrir
espaços para a nova produção e os novos artistas nas
estruturas já estabelecidas, deve-se observar ainda neste
momento, o importante papel que os salões desempenharam na
consagração destas novas tendências. Tradicionalmente, o que
ocorria de mais importante em termos de salões, era o Salão
Nacional de Belas Artes. Remanescente do academicismo e
modernizado pelas pressões dos modernistas, na década de
trinta, este salão oferecia um cobiçado prêmio de viagem ao 156 exterior. Apesar de não ter mais a importância que tivera para os modernistas, ainda era um evento fundamental, em termos de legitimação, pois garantia a saída para o exterior. Este prêmio representava possibilidade de atualização no circuito internacional e reconhecimento local. Sediado no Rio de
Janeiro, promovido pelo governo federal, o salão envolvia na sua maioria críticos e artistas cariocas ou lá radicados, constutindo um fator determinante na manutenção da hegemonia deste pólo. Além deste, havia ainda o Salão Paulista de Belas
Artes e a Bienal Internacional de São Paulo. Sendo esta última realmente um evento fundamental na modernização que se processava. Sua importância e destaque se evidencia no próprio noticiário de arte, onde ocupava um espaço que não podia ser alcançado nem de perto por nenhum outro evento do setor. A importância destes dois salões e da Bienal, ainda no início da década de 60, pode ser comprovada por sua constante citação em catálogo de artistas da época e pelo fato de que aqueles que eram premiados praticamente tinham garantidos, espaços para exposições em galerias importantes.
No entanto, a partir da segunda metada da década de 60, é surpreendente o número de novos salões que passam a ocupar os noticiários e a serem citados em catálogos de artistas. O quadro dos mais importantes salões (anexo) mostra sua
progressiva expansão com um período de concentração entre a segunda metade da década de 60 e a primeira de 70. Pode-se observar, ainda, é a constância de nomes dos jurados e a 157 ocorrência de premiações para os mesmos artistas (anexo) o que
reforça a idéia destes salões como espaço de consagração das novas tendências e o papel do crítico na sua legitimação.
A atuação das vanguardas com as disputas em que se
empenhavam, ficaram, no entanto, de certa forma, periféricas
nas divulgações que se fazem das artes plásticas nos meios
voltados ao grande público. □ sistema permanecia realizando
exposição de abstracionistas, primitivos e modernistas, e as
mesmas instituições que, ocasionalmente sediavam os eventos
das vanguardas, sediavam também exposições mais tradicionais.
O momento comportava esta dualidade.
Marcando o reconhecimento das vanguardas brasileiras e
promovendo sua legitimação, alguns importantes eventos
internacionais contaram com a presença de representantes das
vanguardas brasileiras. Na Bienal de Tóquio em 67, na
representação brasileira foram Maurício Nogueira, Hélio
Giticica, Nelson Leiner e Rubens Guerchman e ainda, no mesmo
ano, na Bienal de Paris, estiveram presentes também Hélio
Oiticica e Rubens Guerchman, além de Avatar Moares e Regina
Vater. E, foram ainda premiados nas Bienais de Paris (65)
Antonio Dias e Roberto Magalhães e na de Tóquio (65) Wesley
Duke Lee.
As vanguardas receberam também apoios internos por parte
de críticos, entre os quais se destacam Frederico de Moraes, 1 58
Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Walter Zanini e outros. O
Salão Jovem Arte Contemporânea, promovido pelo Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo, era um dos espaços onde as vanguardas encontravam abrigo. Também o Diário de
Notícias do Rio de Janeiro patrocinou o evento "Um més de arte pública", realizado em 68 sob a coordenação de Frederico de
Moraes, crítico do jornal. Foi uma importante mobilização, realizada no aterro do Flamengo da qual participaram Hélio
Oiticica, Rubens Guerchman, Vergara e muitos outros nomes da vanguarda carioca. O quadro anexo apresenta vários eventos das vanguardas evidenciando espaços institucionais e críticos que as apoiavam.
4.3 - As Vanguardas: Disputas Estéticas e Disputas Políticas
A modernização artística, como parte do plano desenvolvimentista, esteve voltada para a ampliação do público, basicamente nos grandes centros urbanos (SP e RJ), sob a bandeira da atualização com as vanguardas internacionais. As artes plásticas eram colocadas como parte do esforço modernizador em que o país, sob a direção de suas elites, se empenhava desde a segunda metade da década de 50.
Elas se prestavam com eficiência a esta tarefa de referendar a superioridade dos elite dirigente e de seu projeto político.
Na medida em que se acirram as disputas sociais, na década de
60, alguns setores artísticos se engajaram em projetos mais democratizantes, forçando a penetração desta disputa no 159
interior do sistema das artes plásticas como estratégia
democ rati zante.
As instituições do sistema das artes plásticas foram envolvidas pela mobilização decorrente das disputas que se
travavam na sociedade brasileira. O MAM do Rio de Janeiro, por exemplo, sediou exposição "Opinião 65" e, no ano seguinte.
Opinião 66; a FAAP em São Paulo realizou a exposição Propostas
65 e a Biblioteca Municipal de São Paulo organizou, no ano seguinte, a mostra Propostas 66, acompanhado de um seminário.
Ocorreu ainda, em 66, a i~ Bienal Nacional de Artes Plásticas na Bahia, promoção do Governo do Estado e do Banco da Bahia.
Estas diferentes promoções apresentavam alguns traços em comum. Primeiramente, uma disposição para renovação do sistema a partir das vanguardas contemporâneas: Pop americano, optical art e Nouveau Realisme. Em segundo lugar, uma idéia de que o fazer artístico deveria estar integrado ao cotidiano, envolvendo o espectador, saindo dos espaços da parede e do pedestal. Com isso, se alargou a atuação no sistema; mais espaços foram articulados (espaços públicos) e os espaços tradicionais (museus) se alteraram para receber as novas manifestações. Os Parangolés de Hélio Oiticica por exemplo, foram apresentados no MAM/RJ, mas não ficaram presos nas paredes e sim desfilaram pelo prédio no seu interior e exterior. As exposições de objetos, alguns de grande porte e complexas estruturas, exigiram alterações nas montagens e no dimensionamento das exposições. As aspirações políticas não se 160
manifestavam, como até então, preponderantemente em nível de conteúdo, mas também em alterações na dinâmica do sistema das artes plásticas. Muitos destes questionamentos, inclusive, tinham como objeto o próprio sistema e seu conceito básicos a
"arte". Nesta linha de ruptura e redimensionameto estiveram os trabalhos de Lígia Clark "Caminhando" (64) e "A cara é o corpo" (68), ou de Carlos Vergara "Berço Esplêndido" (69).
Todas estas obras exigiram, no mínimo, uma adaptção dos espaços tradicionais de difusão do sistema das artes plásticas, e mais ainda, um rendimensiomanto do conceito de arte. O questionamento do sistema das artes plásticas
(incluindo o próprio conceito de arte) e a aspiração de mobilizar a participação do público era comum a todos os grupos de arte de vanguarda, neste momento.
Esta produção, portanto, podia se altamente questionadora, mas se encontrava dentro dos limites do sistema no circuito mais restrito da circulação de suas obras. Seu alcance ficava limitado ao sistema das artes, passando por uma legitimação que vinha do exterior, sendo, portanto, muitas vezes, contraditória em relação as questões locais mais especí f icas.
Três grandes contradições se destacam nesta produção de vanguarda. A primeira é entre uma mobilização calcada ainda na matriz populista, mais participativa e democratizante, e o elitismo do sistema das artes plásticas ainda preservado. A 161
tendência a uma atuação mobilizadora de grandes contingentes de classe média urbana que estavam sendo incorporados como novo público consumidor e mesmo como produtor, repercutiu nas artes plásticas. Fazendo eco às efervescências do teatro
Opinião, Oficina e Arena, ao cinema novo, à música de protesto, as artes plásticas também se mobi1izavaram.
Mobilização que se evidenciava tanto nas novas temáticas, que passavam a abordar aspectos do cotidiano das grandes cidades
(futebol, as massas em suas disputas por espaço, a violência urbana, etc...) como nas tentativas de novos circuitos
(feiras, exposições em espaços públicos). Estas propostas, no entanto, conf1ituavam com a tradição elitista das artes plásticas e com seu papel de distinção e legitimação da dominação, que não iniciara neste momento, mas fazia parte da própria história deste sistema. Esta contradição ficou sem um encaminhamento de superação; uma vez que, passada esta conjuntura democrática, o Estado autoritário reforçou, através dos setores dirigentes, o elitismo do sistema das artes plásticas.
A segunda grande contradição deste momento foi entre o nacionalismo, defendido pelos setores envolvidos no projeto desenvolvimentista, e o internacionalismo, para onde se orientava o panorama geral brasileiro em conseqüência da penetração dos capitais estrangeiros, pós-55, e com o apoio do
Estado, pós-64. Em termos de artes plásticas, esta ambigüidade também se manifestava. Havia um grande envolvimento com as 162
questões locais, com a identificação dos problemas da realidade a qual o artista estava circunscrito, mas por outro lado, os modelos que serviam a estes projetos eram modelos importados das vanguardas internacionais- Na verdade, travava—se de um confronto entre um ideal nacionalista, que servira anteriormente à unidade das elites e também fora utilizado pelos setores identificados com os projetos democratizantes, e a realidade internacionalista, que o desenvolvimento industrial impunha via seu capital, sua tecnologia e seus modelos de consumo. Esta contradição se expressava dentro das próprias obras, podendo ser observado no trabalhos de Carlos Vergara "Os Carajás" (1968) ou "O Futebol
- Palmeiras x Flamengo" (196b) de Rubens Gerchman. Questões bastante específicas e regionais é tratadas, nestas obras, dentro de uma linguagem internacional (pop—art), vinculada à sociedade de consumo, á problemática das grandes metrópoles e
à estética dos quadrinhos- Este tipo de contradição pode ser identificada em muitos trabalhos da época, o que demonstra sua introjeção no nível da produção artística.
A terceira contradição é que o conjunto de idéias artístico—cu1turais que, nos anos 60 se disseminaram nos países desenvolvidos, estavam ligados basicamente a nova postura de vida, expressa fundamentalmente pelo movimento underground. Expressavam, de certa maneira, uma reação ao tipo de vida das sociedades desenvolvidas, reação ao consumismo e ao mecanicismo das relações que se estabeleciam nestas 163
sociedades, principalmente nas grandes metrópoles. O movimento underground inaugurou nova forma de vida que se fez acompanhar também por novas idéias estéticas. Não se deve esquecer ainda, que este movimento introduziu novas fórmulas também em relação
à produção, circulação e consumo dos produtos artístico—cu1turais. Propondo um rompimento com as estruturas rígidas das sociedades desenvolvidas, apostavam em fórmulas artísticas mais participativas e personalizadas, em que a separação entre produtor e público se dissolvesse e se rompesse a sacralidade da arte. A análise da penetração destas idéias no Brasil evidencia a contradição em que se viam envolvidas as vanguardas artísticas locais. Pois, se internacionalmente as vanguardas neste momento criticavam de certa forma as conseqüências da "vida moderna", das sociedades desenvolvidas, no Brasil esta "vida" estava sendo ainda introduzida através de todo o processo de modernização já analisada. Assim, contraditoriamente, estas vanguardas expressavam, por um lado, esta aspiração de modernidade típica da nossa sociedade subdesenvolvida, por outro, criticavam esta modernidade através dos movimentos artísticos culturais com os quais se atualizavam. Esta ambigüidade das vanguardas brasileiras é colocada com muita pertinência por Otilia F.
Arantes: "Combinam contudo à violência predatória em relação aos valores consagrados e à. consciência do subdesenvo 1 vimentof um forte elan construtivo"29.
20 Otilia F. Arantes. Op. cit. p. 23. 164
O sistema das artes plásticas se mobilizou, a partir do
momento em que as disputas que envolviam segmentos das elites,
se expressaram também em estratégias de subversão no interior
do sistema das artes. As reações de setores das elites contra
o autoritarismo favoreceram a disseminação de tendências
estéticas mais democratizantes, o que respondeu também á
orientações internacionais. As estratégias de subversão se
articularam com as novas tendências que estavam atuando em
nível internacional, também de forma questionadora.
"Embora existisse o interesse pela linguagem, fica sempre como núcleo de preocupações a marca de posições poli ticas-participante, preocupação esta que pode ser generalizada para quase toda zp a arte jovem da década7
As mobilizações que se realizavam no sistema das artes
plásticas, nesta segunda metade da década de 60, envolviam
disputas estéticas relativas ao questionamento das tendências abstracionistas e adesão aos movimentos internacionais da nova
figuração. Mas envolviam também demandas externas ao sistema das artes plásticas que diziam respeito á denúncias do
autoritarismo que se implantava progressivamente e à
tentativas de mobilização da opinião pública. Isto porque o projeto político-social, que o Estado militar impunha, assegurava a supremacia da camada monopolista da burguesia,
2P Catálogo. Volta á figuração: a década de 60. Museu Lazar Segai. São Paulo, maio/jul. 79. 165 causando insatisfação em outros setores das classes dominantes e nos extratos médios- A contradição entre os objetivos declarados pelo poder estabelecido, de reforçar a democracia e estabelecer a legalidade e a necessidade crescente de suprimir
focos de reação, favoreceram a dissenção entre setores da eli te -
A mostra "Opinião 65", que contou com as presenças dos
franceses Roy Adzak, Aiain Jacquet, do italiano Gianni
Bertir.i e do espanhol Juan Genovés e dos brasileiros Antonio
Dias, Ivan Freitas, Pedro Escosteguy, Aquino, Ivan Serpa,
Waldemar Cordeiro, Gastão Henrique, Vergara e Wesley Duke Lee,
foi um marco no processo de penetração das novas tendências
dentro do sistema das artes plásticas, neste momento,
concorreu para tal provavelmente a participação dos artistas
franceses, o que dava certo ar "internacional" ao evento- O
fato de ser sediado no MAM do Rio de Janeiro e ser organizado
por um marchand estrangeiro também colaborou na sua afirmação
e reconhecimento. Ainda neste mesmo ano, contando com alguns
dos artistas de "Opinião 65" realizou-se em São Paulo a mostra
"Proposta 65" a mostra Propostas 65- Esta exposição foi
apresentada na Fundação Armando Alvares Penteado, sendo
organizada por Waldemar Cordeiro com a ajuda de Ângelo de
Aquino na secção carioca lustra bem o posicionamento das novas
tendências, que neste momento constituiam estratégias de
subversão dentro do sistema, concorrendo para sua
transformação - 166
'VJ pintura nova se apropria dos progressos que
estas e outras tendências (a nova figuraçãor o
reaiismo fantásticof o neo—dadaismo e todas mais em que a crítica oficial subdivide o
movimento únicof embora complexof de hostilidade em relação as atuais condições de
existência.) efetuaram f aclarando porémr a
confusa trama dos movimentos concretosf pela elaboração de um espaço capaz de refletir as aparências e descobrir os fundamentos e as razões que as geraram. Emprega os novos elementos com a consciência de seus significados e implicações,,. A pintura se torna fundamentalmente aberta como forma de
pensamento^ evita o fechamentof a auto-sufi- ciência e as configurações definitivas, inclue opacidades e incertezas mas aceita a 30 responsabilidade de uma posição"
Um elemento que se destaca na atuação das vanguardas, neste momento, ê o caráter grupai de suas movimentações e estratégias de ação Isto é importante quando se considera as disputas em curso e se retoma as colocações de Howard Becker relativas à importância do trabalho coletivo na afirmação das novas tendências.
"Em que medida Gerchmann, Magalhães, Escosteguy, Vergara e Pias compem um grupo? E Gerchmann que respondez
- Somos um grupo na medida que procuramos uma comunicação mais direta com o público. Cada um
30 Catálogo "Propostas 65" Fundação Armando Alvares Penteado. São Paulo, dez. 1965, Sérgio Ferro Pintura Nova. 167
de nos procura modificar a real idadef através da ação crítica * Não concordo quando dizem que somos seguidosres da Pop—art ou do dadaí smo, Acho que poderíamos classificar o nosso trabalho de realismo crítico -
Havia também o grupo da Faculdade de Arquitetura da USP, do qual faziam parte Sérgio Ferro, Ubirajara Ribeiro, Flávio
Império, Maurício Nogueira Lima e outros, Estes dois grupos tinham comportamentos politizados, comprometidos com a mobilização da sociedade civil e com as questões de participação, resíduos ainda dos projetos democratizantes da primeira metade da década. Também Wesley Duke Lee, atuando de forma dinâmica e ousada, rapidamente teve em torno de si um grupo de jovens. Com formação nos EUA e na Europa, ele realizou, em 63, o que talvez tenha sido um dos primeiros um happenings no João Sebastião Bar. Em 66, Wesley o grupo de artistas ligados a ele: Nasser, Resende, Fajardo, Barros e
Leiner criaram a Rex Gallery lançaram ainda o jornal "Rex
Time" do qual foram publicados 5 números entre 66 e 67. A Rex
Gallery se pautou por uma atuação bastante irreverente, com fortes influências Underground, sem preocupações relativas às questões sociais e políticas locais. Como afirmava Weslwy Duke
Lee à imprensa, em junho de 1966, p. 81
"Fazemos parte de uma tendência experimental que poderiamos dizer ser nascida nos Estados Unidos... Q espírito de nossa galeria (e o
jornalf consequentementej... é mostrar essa arte á medida que ela vai sendo processada
31 Realidade n- 5. Abril Cultural - ano I ago. 66 p. 66. 168
32. & desenvolvida ,
Promoveram dentro desta orientação, uma agitação do circuito paulista que atingiu seu climax na exposição - happening de encerramento em 67: "Rex Caputz". As obras foram arrancadas das paredes e muitas destroçadas pelo público que desejava levá-las de graça, como fora anunciado na divulgação.
Este tipo de atuação voltada à crítica do próprio sistema das artes e de seus mecanismos e valores foi uma das linhas de ação desenvolvidas neste momento. Bastante agressiva, ela apresentou eventos que questionavam o sistema. Todos estes grupos, cada um com suas formas, tentaram atuar coletivamente, abrindo espaços, tanto em termos do sitema das artes, como em termos das disputas sociais que se desenvolviam na sociedade neste momento.
'V) preocupação com a modernidade, que es ti vera presente nas teorizaç ões e trabalhos das
vanguardas dos anos 50f especialmente no movimento da poesia concreta, seria de certa forma retomada e redimensionada por alguns setores da produção artística, A tentativa de trabalhar novas linguagens dentro de projetos que levassem em conta a intervenção política marcaria a presença de novos interlocutores no debate cultural"33 -
32 Arte em Revista n- i. São Paulo, Kairós, 1979. MRex Time". Depoimento. 33 Holanda Gonçalves - Cultura e Participação nos anos 60. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 26. 169
A "Declaração de princípios da Vanguarda", em Janeiro de
67, e a mostra "Nova Objetividade", representam por seu turno coroamento de um processo de politização das vanguardas nas artes plásticas. Encontra-se na Declaração de princípios:
"nosso projeto--* caminha no sentido de integrar a atividade criadora na coletividade, opondo-se inequivocamente a todo
isolamento dúbio e misteriosof ao naturalismo ingênuo e às
insinuações de alienação cultural 7 . E, no catálogo da exposição Nova Objetividade, encontra-se as seguintes
colocações: "(---) vontade construtiva geral (---)
participação do espectador (---) abordagem e tomada de
posições coletivas"3* - Ambos os documentos evidenciam a
preocupação com a problemática social e política e a ampliação
da participação do público, marcas do engajamento político
desta corrente da vanguarda. A consagração da nova
objetividade, como projeto artístico politizado nas artes
plásticas, representa, de certa forma, uma adesão aos projetos
mobi1izadores que neste momento envolviam grande parte da
intelectualidade brasileira. No entanto, é importante observar
que este não era o panorama total do sistema das artes
plásticas, mas constituía uma tendência dentro dele. Tendência
interessada em derrubar velhas hegemonias e impor uma nova
postura, resultado não só de interesses específicos no
sistema, mas também, de interesse de segmentos sociais em
34 "Princípios da Vanguarda" in: Daisy Peccinini. O objeto na arte: Brasil anos 60 p. e p. 33 Catálogo da exposição Nova Objetividade MAM - RJ - 1966. 170
luta, em diferentes instâncias da sociedade3**.
Os grupos que procuravam atuar, através de seu trabalho, nas disputas sociais em andamento, tiveram, no entanto, uma curta existência. O Estado autoritário fechou progressivamente suas possibilidades da ação. Em 68, por exemplo, foi proibida a colocação do cartaz "Seja Marginal" de Hélio Oiticica, uma
homenagem ao bandido Cara de Cavalo, na boite Sucata no Rio de
Janeiro. Logo em seguida, Hélio partiu para Londres, fugindo
às pressòes que estavam atingindo quase todos os integrantes do movimento Tropicália. Em 69, foi fechado o Salão de
Brasília e, na Bienal Nacional da Bahia, obras foram
apreendidas. Esta atitude da censura surpreendeu alguns
setores, como se pode notar as palavras de Mário Barata.
"Como já tivemos oportunidade de publicar no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, a grande mostra fora inaugurada com expressivo discursa do Governador Luis Viana Filho, a '■espeito dos valores de liberdade e criação da arte, A II Bienal Nacional de Artes Plásticas prefigura—se como um sucesso,,, £ um fato incompreensível, o das posteriores apreensão de obras e longo fechamento temporário da Bienal, noticiado nos 3 7 jornais da Bahia"
Vários artistas se afastaram do país a partir de 68,
30 Sobre a Nova Objetividade enquanto projeto estético/políti- co ver Daisy Pecinini de Alvarado. Tese de Doutorado ECA/USP. 1988. 37 Significação da Bienal da Bahia. Mário Barata. GAM Rio de Janeiro n— 18, 1969, p. 15. 1 71 como Antônio Dias, Hélio Oiticica, Rubens Guerchman, Lygia
Clark, Sérgio Ferro, Antonio Henrique Amaral, e outros, como
Pedro Escosteguy, abandonaram as práticas artísticas. No entanto, por um curto lapso de tempo, 65 a 69, dentro do sistema das artes plásticas disputaram espaços correntes 3 0 politizadas e comprometidas com mudanças sociais . Estas ações, no entanto, influiram mais na renovação do sistema do que na sua deselitização. A ação rígida da censura, a partir de 69, restringiu muito as atuações mais politizadas e questionadoras. E, o boom do mercado de arte, na década seguinte consolidou este elitismo. Os anos de 69 e 75 é bastante elucidativo sobre a diferenciação que se estabeleceu dentro das vanguardas, fazendo com que a censura atuasse internamente contra os setores mais radicais, seja em termos políticos, seja em termos morais, e, ao mesmo tempo, fossem apoiados outros trabalhos de vanguardas. Se o Estado, através da censura, estendeu suas garras sobre as manifestações mais politizadas e mobi1izadoras em termos sociais, por outro lado, o sistema das artes plásticas utilizava a idéia de vanguarda, misturando as tendências e diluindo-as no interior de uma rotu 1ação internacionalizante. A homogeneização se processava, ocultando as disputas sociais e colocando as vanguardas como um movimento unitário. A edição especial da Revista de Cultura
Vozes "Debate Vanguarda Brasileira" é um exemplo da maneira 3P homogenizada com que foram tratadas as vanguardas
30 Sobre a diferenciação interna da vanguarda e a censura sofrida pelos setores mais politizados foi ouvido o depoimento de Pedro Escosteguy. Porto Alegre, 19S7. 3I> Revista de Cultura Vozes, n- 1, fev. 1970. 172
Ao final da década de 60, fechou—se o ciclo de uma
vanguarda politizada no país, permanecendo uma outra, herdeira
da anterior, mas que atuou de forma distinta e com distintos
objetivos. Ela consolidou a modernização internacionalista do
sistema das artes e sua integração aos circuitos do grande
capital. Esta outra vanguarda, abandonando os princípios de crítica social e de arte politicamente engajada, correspondeu a uma nova conjuntura nacional e internacional, pois, afinal,
a década de 70 foi, como já se observou, uma década de retorno
à ordem. 3 - SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO ESTADO AUTORITÁRIO
"Q ano de 196B constituiu um merco na história da acumulação capitalista no Brasil- Iniciava-
se o milagre brasileiro quef sob o escudo de um vigoroso autoritarismo militar, iria proporcionar lucros faraônicos para os monopólios nacionais e estrangeiros, A desarticulação das forças populares e o alijamento dos setores mais atrasados das classes dominantes dos centros de poder, deixava livre o caminho para consolidação dos grandes grupos econômicos e dava lugar a um dos períodos mais rendosos da acumulação capitalista no país".
Guido Mantega-
3.1 - Atuação do Estado: Repressão e Censura/Apoio e Estimulo
A atuação do Estado sob controle da burguesia monopolista teve, no Brasil, no período que se inicia com o ato institucional n- 3, um forte caráter repressivo. Esta repressão buscava conter todo o tipo de questionamento e reação à implantação de seu projeto de acumulação capitalista.
Coube ao Estado a condução deste projeto, definindo formas de regulamentação da economia, além de normas de atuação poli ticas e regulação das relações sociais. 0 direcionamento que o Estado deu a sua atuação, teve como sentido a 174
administração dos interesses dos grupos monopolistas no poder
e a construção de sua hegemonia.
Em termos de artes plásticas, neste período, tem-se como
traço marcante o do elitismo do sistema das artes plásticas,
já referido anteriormente. Se este elitismo foi, de certa
forma, abalado pelas estratégias de subversão que proliferaram
na segunda metade dos anos 60, o que se vai observar, no
início dos anos 70, é a sua retomada articulada à ação
repressiva, exercida pelo Estado. A repressão às artes
plásticas não pode ser comparada à que ocorria em relação a outros tipos de produções artísticas, como o teatro, cuia
penetração social mais ampla exigia uma ação repressiva mais
intensa. No sistema das artes plásticas, no entanto, alguns
segmentos sofreram também esta repressão que teve o objetivo de restabelecer limites e atuação para os elementos do próprio
sistema. O estabelecimento destes limites não se realizou
somente através da ação repressiva do Estado, mas através da
própria reestruturação do sistema, em moldes concentrador e elitista que respondiam às demandas dos novos grupos de elite no poder concentrador e elitista.
Muito pouco se encontra na literatura sobre artes
plásticas em relação à ação da censura na segunda metade dos
anos 60 e início de 701. A pesquisa em material da época e
1 Radha Abramo .Uma Arte Politizada- Retrato o Brasil,São Paulo, Políticas, v.l, fase. 43, p. 505-8. é o único texto com referências específicas à ação da censura em relação às artes plásticas, em outros estas aparecem ocasiona1men te. 175
entrevistas permite identificar duas diferentes orientações na ação repressiva aos artistas, críticos e diretores de instituições; a política e a moral.
É interessante observar que uma das primeiras atuações repressivas registradas no sistema das artes plásticas após
64, é em relação à administração de instituições públicas.
Logo após o golpe, em maio de 64, o Diretor da Pinacoteca do
Estado de São Paulo, Túlio Magnaine, foi chamado a depor a uma comissão encarregada de apurar questões ideológicas de funcionários. Logo em seguida, foi aposentado compu1soriamente e, em dezembro do mesmo ano, assumiu João Scantiburgo que ficou na direção da instituição até 67. Caso semelhante ocorreu no Rio de Janeiro, com José Roberto Teixeira Leite, que em 64 foi afastado da direção do Museu Nacional de Belas
Artes, cargo que ocupava desde 61, (também por motivos políticos), sendo substituído por Donato de Mello Júnior.
Evidencia-se, nestas ações, a importância que este tipo de espaço detém no Sistema das Artes Plásticas e o significado político de sua administração, que, em geral, não se evidenc ia.
Quanto a pressões diretas aos artistas, estas ocorreram já em 64, sendo, no entanto, dirigidas, em geral, às atividades poli ticas dos artistas, em movimentos e grupos de reação e não a sua ação artística. Pois, como já foi observado as artes plásticas até 65 não apresentava mobilizações politizadas e 176
críticas. Djanira, por exemplo, presa logo nos primeiros dias após o golpe, foi solta logo em seguida (este incidente nunca
foi bem esclarecido) e Di Cavalcanti, fugindo às perseguições, se exilou em Paris na mesma época. No entanto, pressões e ação da censura mais intensas e dirigidas diretamente à ação exercida nas artes plásticas, somente ocorreram a partir de
69.
A ação repressiva generalizada pós 69 atingiu um grande número de artistas plásticos, principalmente alguns setores das vanguardas, como já foi observado no capítulo quatro.
Cláudio Tozzi e Sérgio Ferro foram presos, Sérgio Ferro saiu do país como muitos outros já haviam feito, fugindo da
repressão e do vazio cultural que se estabelecera. Regina Boni que costurava as roupas do pessoal da Tropicalia declara: "O
Drom&drario acabou em ó9. Tínhamos nos dispersado, Caetano e
Gil exilados em Londres Wally sumido. Cal no Rio, Hélio
Oiticica em Nova Yorkf Torquato morreuf Ednilson desapareceu, 2 Robcío e Pericles também se foram para longo" .
G esvaziamento do panorama cultural atingiu amplos setores.
"Durante os anos óOf a Caleria Relevo, no Rio, Lançou alguns dos nomes mais expressivos das artes plásticas brasileiras, Jean Bogbici, seu proprietário, tornou-se então um dos marchands mais conhecidos e respeitados do país, vivendo o que hoje denomina o 'apogeu do mercado de
2 Tropicália 20 anos depois - SESC - São Paulo, 1987. 177
arte', Mas em 1969r com a emigração dos
artistas da nova figuraçãof a Relevo fechou suas portas e Boghici seguiu os rumos do exterior"3 ,
Também, em 1970, Raimundo Collares foi preso e espancado sob a alegação de "vagabundagem" (não havia carteira profissional para artista plástico); dois dias depois, ele recebia um grande prêmio de pintura do Salão Nacional de Arte
Moderna.
Foram também presos em 73 Radha Abramo, crítica de arte, e o artista francês, convidado da Bienal Internacional de São
Paulo, Fred Forest. A prisão ocorreu na Praça da Sé, durante a realização da atividade "arte sociológica". Radha Abramo foi presa novamente em 75, ocasião em que foi levada encapussada para o D0I/C0DI de São Paulo4.
Mário Pedrosa, o grande crítico brasileiro, reconhecido nacional e internacional. «lente, também teve que sair do País em
1970. Processado por difamar o Brasil no estrangeiro, com denúncias de perseguições,exilou-se no Chile. No Brasil, Mário
Pedrosa ocupara diversos cargos de destaque dentro do sistema das artes plásticas, como a direção artística da Bienal de São
Paulo, e a presidência da Associação Brasileira de Críticos
3 Arte Hoje n- 2 agosto 77 ano II, "A imagem das galerias em um encontro nacional", p. 52. 4 Radha Abramo in - Artistas x Críticos org. Alberto Beuttenmü1 ler. de Arte. Ferreira Gullar, figura de destaque no movimento neo-concreto, se afastou do país em 1970, por motivos políticos, exilando-se na Argentina e depois em Paris.
As próprias obras plásticas foram objeto de censura, como o trabalho de Gilberto Salvador premiado no Salão de Campinas
(68), uma boca gigantesca com bandeira americana que foi destruída pelos órgãos de segurança. Ou os desenhos de Farnese de Andrade, enviados para a Bienal Nacional da Bahia, (68) apreendidos por serem considerados eróticos; o mesmo também ocorreu com trabalhos da série "Ligas" de Wesley Duke Lee. Em
1970, a instalação realizada por Olney Krüse, no Paço das
Artes em São Paulo, foi destruída por ser considerada subversiva. Também as obras enviadas por Pedro Escosteguy para a Bienal da Bahia voltaram todas destroçadas, com sinais de machado5.
O caso mais conhecido de ação repressiva nas artes plásticas, ocorreu em 73, constituindo o único caso jurídico de ação direta contra um trabalho plástico. O pintor mineiro
Lincoln Volpini apresentou, no Salão municipal de Belo
Horizonte, um trabalho, "Penhor da Igualdade", que foi aceito e premiado. Posteriormente, foi preso e julgado por subversão pelo uso inadequado de símbolos nacionais. Os jurados do salão, alguns críticos de renome, como Frederico de Morais,
Estes foram alguns dos relatos que colhemos em entrevistas ou referências em publicações. Muitos mais ocorreram, ficando, no entanto, no esquecimento. 179
Caribê e Mário Cravo foram ouvidos no julgamento? que se
constituiu no primeiro e único do gênero.
Instituições do sitema das artes plásticas foram
igualmente alvo de ações repressivas. O Salão do Distrito
Federal, por exemplo, foi fechado por apresentar trabalhos subversivos, o mesmo ocorrendo como a Bienal Nacional de
Bahia. Este tipo de repressão visava desestimular o apoio de
instituições ás produções mais críticas e politizadas. Nesta
linha foi também fechada a mostra da representação brasileira para a Bienal Jovem de Paris, em 69, que estava sendo apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Mário
Pedrosa, através da Asssociação Brasileira de Críticos de
Arte, reagiu com intensos protestos. A repercussão deste fechamento foi grande, no âmbito internacional, dando ensejo ao movimento de boicote à Bienal de São Paulo. A mostra da
Bienal, deste ano, teve seu alcance reduzido, tanto em nível nacional como internacional, pela disposição dos artistas de reagirem à censura que estavam sofrendo, por parte do Estado autoritário. Aliás já em 65, Bruno Zevi reagira com eloqüente discurso contra este tipo de ação repressiva que impedira a apresentação de uma mostra de arte popular brasileira organizada por Lina Bo Bardi sob os auspícios do governo da
Bahia e do Itamarati.
''São argumentos muito perigosos, subversivos, porque de formas opostas referem-se ao interior faminto do continente, d real idade do Pais e a 180
sua estrutura» Face aos 1 ema da real idader da miséria e da cultura* generais e embaixadores
perdem a cabeçaf desafiam o ridículo ef por
fimr proibem insensatamente uma exposição"**.
Outro aspecto a destacar é a censura aos meios de comunicação na divulgação das arbitrariedades promovidas.
Basta lembrar que quando foi proibido o envio da representação brasileira de artes plásticas, para a Bienal de Paris, nada saiu na imprensa da época. Em uma reportagem do Jornal do
Brasil7 há amplas referências aos setores de arquitetura e design, sem nenhuma referência ao corte ocorrido na representação de artes plásticas. Outro tipo de atitude repressiva pode ser exemplificada pela demissão de Harry Lauss do Jornal do Brasil, ocasionada por críticas realizadas à
Bienal de São Paulo em Í9670. A Bienal, de certa forma, representava a oficialidade dentro do sistema das artes plásticas; apesar de ser uma instituição particular, era constitui!da por representações oficiais, ligadas ao Itamarati e mantidas com polpudas verbas públicas. Neste caso, não há uma atuação direta da censura do Estado, mas indireta, através da direção do jornal.
Observa-se é que a maioria dos dados sobre censura e repressão, ocorridas neste período no campo das artes
** Zevi, Bruno artigo publicado em 14 de março de 65 no L'Expresso de Roma e traduzido apresentado na Revista da Civilização Brasileira n- 2 maio de 65. 7 Jornal do Brasil - 10/12 - 69 MA Bienal de Paris". 8 Relato de Harry Lauss em "De Como Ser" - Porto Belo, Lunardei li, 1978. 181 plásticas, devem ser buscadas em outras vias que não a da imprensa oficial do período. A maior fonte são, realmente, os depoimentos de pessoas atuantes na época. Mesmo assim, a idéia da arte, acima das disputas políticas, impregna de tal forma o sistema das artes, que faz com que, muitas vezes, os indivíduos omitam em seus relatos, acontecimento em que estiveram envolividos ou de que tiveram notícias, envolvendo p pessoas bastante próximas .
O Estado atuou a partir de 69 de maneira dura, no sentido de conter os avanços democráticos e populares dos anos 60, eliminando qualquer tipo de foco de resistência. Em conseqüência desta ação coercitiva, estabeleceu-se um vazio cultural, assim observado por Frederico de Morais: "Como conseqüência inevitávelf a partir de todos estes acontecimentos de 69 passa a haver uma evasoío crescente de artistas brasileirosf principalmente aqueles de vanguardaf que saem do Brasil , provocando o que foi chamado de vazio ou fossa cultural"t0. A atuação do Estado, no sentido de fazer ocupar este vazio, deixado pelos artistas que saíram do país e por
^ De todas as entrevistas realizadas a única que comentou a ação da censura apontando fotos e pessoas envolvidas foi a de Gilberto Salvador. As demais referenciaram este tipo de ação sem citar fatos ou nomes específicos ou ainda passando ao largo deste tipo de comentário. 10 Morais, Frederico. In: "Ciclo de Debates Casa Grande". Rio de Janeiro, Inúbia, 1976. p. 112. 182
aqueles que se calaram, foi o fomento a uma nova produção-
Produção esta esvasiada de conteúdos políticos e restrita aos
limites impostos pela censura, predominantemente voltada para questões de "segurança nacional e bons costumes"-
A censura como observa Renato Ortiz, possuia duas faces, uma repressiva e outra discipl inadora - "a9 primeira * diz nõ.ar é puramente negativa; a outra é mais complexa, afirma e
incentiva um determinado tipo de orientação"1 . Ao mesmo tempo que agia repressivamente em relação ãqueles que ultrapassavam os limites impostos, o rígido Estado autoritário atuava com magnanimidade em relação àqueles que podia utilizar para manter uma imagem do país de progresso e desenvolvimento-
Apoio e estímulo não faltaram para as artes plásticas no
período de maior repressão- De forma direta, este apoio se
efetuava através da dotação de verbas e da criação de
organismos para atuar no sistema das artes plásticas; de forma
indireta, o apoio se dava através da ajuda a instituições
particulares do sistema das artes que, por seu turno,
garantiam a manutenção dos limites desejados pelo Estado-
Neste caso, é importante observar que não havia antagonismo
entre Estado e instituições artísticas, uma vez que em ambas,
depois dos expurgos realizados, atuavam como dirigentes
individuos da classe dominante, ou com ela identificados- O
que ocasionalmente ocorreu foram diferenças e disputas entre
11 Renato Ortiz - A moderna tradição brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1988- p- 14. 183 frações da classe dominante, manifestadas em relação ao apoio a determinadas produções- Estas diferenças, no entanto, não eram profundas ou incontornáveis. Por outro lado, o apoio e estímulo oficial, principalmente através de verbas, constituiu uma forma de dinamizar uma nova ordem social e legitimá-la.
Um dos mais tradicionais apoios estatais para as artes plásticas foi a manutenção da Bienal de São Paulo, transformada em fundação permaneceu, ao longo de toda a década cie 70, sustentada por verbas públicos mantida em sua estrutura funcional por dotações federais, estaduais e municipais. Jacob
Klitowtz analisa: "o custo de uma exposição programada pela
Bienal de São Paulof durante dois mesesf tem o seguinte custo: 2 aluguel de um prédio de 32.600m em pleno Ibirapuera, mais o
eus *~-0 de um imenso estacionamento em área de grande
circulação, mais manutenção parcial de esritórios diploma ticos
localizados no mundo inteiro (alguns meses por ano, mais verba dotada (150 mil dólares) mais custo de dezenas de delegações 4 2 estrangeiras .
O Estado mantinha também apoios tradicionais, como
manutenção de museus públicos, dotações para museus
particulares e fundações, montagens de mostras no exterior
promovidos pelo Itamarati etc., como já foi visto no capítulo
anterior. Além disto, as empresas estatais tinham dentro de
12 Klitowtz, Jacob 30 minutos de televisão valem mais do que dois meses de Bienal. Isto é bom ou ruim. São Paulo, Sumus, 1981. p. 30. 184
seus custos a promoção de eventos de artes plásticas- Casos
típicos foi o salão da Eletrobrás em 71, subvencionado pela
empresa estatal Eletrobrás- Além de bancar eventos estas
empresas, muitas vezes ofereciam prêmios em dinheiro, como nos
casos da Bienal Internacional de São Paulo, do Panorama da
arte atual brasileira, (Caixa Econômica Federal) e Bienal
Nacional da Bahia (Banco da Bahia).
Outro custo do sistema das artes plásticas que o Estado o assumiu, foi a criação da FUNARTE em 1973 e, dentro dela, do
INAP (Instituto Nacional de Artes Plásticas). Este órgão, além de manter uma equipe permanente de funcionários, equipamentos e prédios próprios, dispunha de verbas para distribuir em eventos, instituições e projetos para as artes plásticas.
Muitos salões regionais foram realizados com verbas desta fundação, além da transformação do velho Salão Nacional da
Arte Moderna no Salão Nacional, renovando assim o prestígio de uma instituição em franca decadência. A problemática dos
Salões e a ação da FUNARTE neste setor ficam claras nas palavras de Walmir Ayala:
"Num momento em que todos os salões de arte
convencionais estofo sondo quest ionados f paulatinamente reformulados em salões temdticos ou promoções autônomas sem o método da livre
concorrênciaf mas com a orientaçõo crítica do
enfoque e do convite adequadof é de se desejar 185
um novo Salão Nacional do Ar to Modo ma f com a salutar abortura a todos os possíveis
cand idatos f com uma promoção quo atinja os centros monos privilegiados pela informação o 13 subvenção artística'
A FUNARTE publicou vários livros de arte; entre eles,
destaca-se a coleção "Arte Brasileira Contemporânea"
(1973/79), que privilegiou basicamente as vanguardas: Barrio,
Waltércio Caldas, Wesley Duke Lee, Carlos Vergara, Rubens
Guerchman, Lígia Pape, Lygia Clark, Antônio Manoel, Antônio
Dias, Cildo Meireles e Ana Bela Geiger. Inauguraram-se ainda,
nas instalações da fundação, galerias de arte, que abriram
espaços para novos talentos e também realizaram retrospectivas
de nomes já consagrados como Djanira em 76 e Pancetti em 77.
Analisando a atuação específica da FUNARTE e, dentro
dela, do Instituto Nacional de Artes Plásticas, órgãos
federais responsáveis pelas artes plásticas, observar—se que os dois padrões de atuação cultural do Estado, definidos por
Howard Becker, estão presentes. Por um lado, há uma orientação para o interior do país, valorizando as produções locais menos elitistas e, menos comprometidos com as vanguardas internacionais. Exemplo disto é o apoio a uma série de salões regionais de pequena envergadura, como os salões universitários de diversos estados. Por outro lado, os órgãos
13 Salão Nacional de Arte Moderna 1976. Walmir Ayala. Cultura Brasília ano 6, n- 22, jul./set. 76. p. 104. 186
federais apoiavam também o Salão Global, promovido pela Rede
Globo, voltado para as manifestações mais vanguardistas e com padrão mais elitista, evidenciados nos júris formados por críticos e artistas de renome. O que ocorre é, portanto, uma combinação destas duas orientações, evidenciando o tipo de compromisso que o Estado tem com os diferentes setores da classe dominante, articulando os mais modernos e os mais atrasados setores da produção. Expressa também a prática de modernização conservadora que o Estado teve tradicionalmente em relação às práticas artísticas. A modernização apoiada pelo
Estado, expressava e legitimava o ingresso do Brasil na etapa internacional monopolista do capitalismo, e o conservadorismo era a forma pela qual se mantinha cs privilégios das elites e as estruturas distintivas do sistema das artes. No próprio texto do relatório de atividades do INAP (79), pode-se encontrar explicitadas estas duas orientações, na definição de seus objetivos: "... democratizar o acesso aos meios de produção e consumo do artes plástica no Brasil... propiciar meios de veiculaçcío de trabalhos representativos da vanguarda brasileira no sentido de abrir mercados internacionais para a obra de arte brasi leira//14 .
As vanguardas, tão faladas, apoiadas ou perseguidas, devem ser tratadas com mais profundidade. Retomando o que já foi visto no capítulo anterior, destaca—se, nos anos 60,
14 Relatório FUNARTE - INAP. 1978. 187
principalmente na segunda metade, uma vanguarda que propôs intensa mobilização, envolvendo o espectador. Esta mobilização tinha, na maioria das vezes, cunho claramente político com o sentido de criticar as estruturas econômicas e políticas do país como foi o caso dos trabalhos de Pedro Escosteguy, Carlos
Vergara e Rubens Guerchmann, Sérgio Ferro, Flavio Império e outros. A partir de 68, e nos primeiros anos da década de 70, esta preocupação desaparece reprimida pela censura.
A partir de 69, as vanguardas nas artes plásticas, perseguindo a temática da participação que se originara no momento democratizante e politizado da realidade nacional, expunha uma liberdade criativa levada aos seus limites, que contradizia as restrições impostas pelo regime político implantado neste momento. Esta arte, proposta então, como contra—cu1tura, experimentava intervenções as mais diversas.
No entanto, não propunha interferências e modificações, senão em nível da própria obra. Ou seja, suas propostas de transformações simbólicas, se limitavam ao espaço de distinção mantido pelas artes plásticas.
Esta vanguarda atuava portanto no sentido de dinamizar o sistema das artes plásticas (tradicionalmente sob o domínio das elites) preenchendo o vazio cultural criado pelo Estado autori tár10.
Enquanto a censura atuava severamente em diversos setores 188
da sociedade, curiosamente, as vanguardas das artes plásticas apresentavam uma dinâmica atuação, de certa forma confirmando a afirmação inicial sobre o elitismo do sistema das artes plásticas e seu compromisso com a legitimação da superioridade das elites- A vanguarda foi um espaço de
liberdade para setores das elites, dentro dos limites impostos pelo Estado- E mais ainda, com uma linguagem hermética, era uma arte para cuja apropriação se exigia uma série de informações e uma formação que não estavam ao alcance da maioria da população- Retornava, assim, o elitismo do sistema das artes plásticas, questionado pelos projetos democratizantes da década de 60- Projetos estes que envolveram tentativas de democratização, através do enfraquecimento do seu papel de distinção social.
O significado das vanguardas no autoritarismo, pode ser observado, por exemplo, nestes dois depoimentos de artistas de vanguarda:
"Devido a uma série de situações no setor artes plásticas, no sentido do uso cada vez maior de
materiais considerados carosf para nossaf minha
realidadef num aspecto sóc io-econôm ico do terceiro mundo (América Latina, inciusivej, devido aos produtos industrializados nõo
estarem ao nossof meu alcance mas sob o poder
de uma elite que contestof pois a criação não
pode estar condicionadaf tem de ser Jivre... £
claro que a simples participação dos trabalhos 189 feitos com materiais precários nos circuitos fechados da arte, provoca a contestação deste sistema em função de sua realidade estética atuai" Barrio - 1969, Rio de Janeiro.
"Manifesto: Contra as categorias de arte contra os salões contra as premiações contra os júris contra a crítica de arte" Barrio - 1970, Rio de Janeiro.
"Eu me lembro que em 1963-69-70, porque se sabia que estávamos começando a tangenciar o que interessava, já não trabalhávamos com metáforas (representações) de situações. Estava-se trabalhando com a situação mesmo, real. Por outro lado, o tipo de trabalho que se estava fazendo, tendia a volatizar-se, esta já era outra característica. Era um trabalho que, na verdade, não tinha mais aquele culto do objeto, puramente as coisas existiam em função do que poderiam provocar no corpo social. Era exatamente o que se tinha na cabeçaz trabalhar com a idéia de público. Naquele período jogava-se tudo no trabalho e este visava atingir um número grande e indefinido de pessoas: esta coisa chamada público. Hoje em dia corre—se inclusive o risco de fazer um trabalho sabendo exatamente quem é que vai se interessar por ele. A noção de público que é uma noção ampla e generosa, foi substituída
(por deformação) pela noção de consumidor, que 190
é aquela fatia de público que teria o poder aquisitivo" Cildo Meireles — 1970, Rio de Janeiro.
Fica claro nestes depoimentos15 que toda a crítica que esta arte desenvolvia, se dirigia ao sistema das artes em si mesmo e não ao seu papel social. Eles se colocavam contra as categorias de arte, contra os salões, as premiações, os júris, a crítica de arte. Não abordavam as problemáticas da sociedade, onde este sistema inseria e nem questionavam o seu papel social ou a dominação simbólica por ele exercida. O que se percebe são intenções de renovação das relações artísticas, com fortes influências das correntes internacionais de arte povera, body art e arte conceituai. O uso de materiais de baixo custo, bastante válido dentro da realidade econômica e social do país, não é relacionado com o nível mais amplo da sociedade, mas unicamente com a atividade individual do artista. A preocupação não era colocar os meios de produção e consumo artísticos ao alcance de todos, rompendo com a lógica de distinção do sistema das artes plásticas. Mas abrir espaço para que novos indivíduos ingressarem no sistema, renovando-o mas artistas, mantendo-se a idéia mágica da criação. Se todos se tornassem artistas, desapareceria a lógica de distinção do sistema, como afirmou Bourdieu:
15 O dois textos (Barrio e Cildo Meireles) são citados nos seus respectivos livros da Coleção "Arte Brasileira Contemporânea" FUNARTE, 1979.
"O que quer dizer que neste jogo é preciso 191
fazer o jogo: os que iludem s<3o iludidos e iludem muito melhor quanto mais iludidos forem; eles são muito mais mistifioadores quando são
mais mistificados, Para jogar este jogof é preciso acreditar na ideologia da criaçrdo"1 -
Gutra questão importante presente nos discursos da vanguarda, é a ênfase na liberdade individual. Isto fica claramente colocado: "a criação não pode estar condicionada,. tem que ser livre"* Que liberdade era esta, total, sem condicionamentos, dentro de um país que vivia em um regime de exceção? Na verdade, era uma grande contradição. A arte como que negava a realidade política em que o artista vivia. Como se o artista pudesse sair fora da realidade concreta do país, através de seu trabalho. Aliás, era tônica deste momento de repressão, sair fora da realidade; a arte e a droga cumpriam, 17 assim, papéis bastante semelhantes . □ empenho era sair fora da realidade política em que o artista vivia. Como se o artista pudesse sair fora da realidade sócio—econômica e política através de uma supra realidade artística. Aparece, aqui, bem evidente, a crença no poder mágico de tranformação do trabalho artístico. Este era visto como um instrumento de mudança do mundo cotidiano, com poderes que, na verdade, não detinha um poder mágico de ação em um espaço de total
1<5 Pierre Bourdieu. Questões de Sociologia. 1983. Op. cit. 17 Quanto ao uso da droga e ao escapismo da época ver Luciano Martins. Geração f)/5. Ensaios de opinião. Rio de Janeiro, VII, 1979. 192
liberdade de criação. Era reforçada assim, a mitica da arte,
ao acreditar-se que ela podia transformar sozinha uma rea1 idade estabelecida.
Evidencia-se, assim, a ambigüidade do discurso e da ação destas vanguardas, cujo compromisso com o novo era, na verdade, um compromisso com a manutenção do status quo. E, quando questionam o culto ao "objeto artístico", presa fácil do mercado, propõem a sua substituição pelo culto da "ação artística". Negavam o valor do objeto das obras e seu fetiche, mas o substituiam pelo fetiche dos processos, mantendo todo um corpo de crenças mágicas sobre a arte, principalmente utilizando estas crenças para preservar o espaço de autonomia e distinção da arte, dentro de um panorama cultural que se via incorporado rapidamente á sociedade de massas. Esta oposição à cultura de massa, que revela também o elitismo do sistema das artes plásticas, é a responsável pela contraposição entre público e consumidor que os artistas faziam, num momento em que no Brasil se implantava uma sociedade de consumo. Alguns artistas tentavam reagir e este processo de inserção das artes plásticas, antagonizando o conceito de público com o de consumidor, o que de certa forma era tentar fugir à inserção desta problemática de consumo e desta cultura de massa que estava em pleno estabelecimento, com a qual teriam de conviver e, de certa maneira, seriam absorvidos. 193
O Estado era, neste momento, o mecenas que, sustentando o trabalho experimental, possibilitava que este ficasse, de certa forma, à margem da indústria cultural. Esta ação do
Estado, foi intensa na primeira metade da década de 70, sob a forma de salões e premiações. Pelo gráfico anexo, observar—se a concentração de salões na segunda metade de 60 e primeira de
70, e a proporção acentuada de salões oficiais neste período.
Esta foi, sem dúvida, uma das mais importantes formas de mecenato estatal para as artes plásticas. Principalmente porque os salões faziam a difusão das vanguardas, dinamizando o sistema, sem que as galerias comerciais fossem obrigadas a investir nesta produção de difícil colocação de mercado. Os salões eram responsáveis pela modernização do sistema das artes plásticas. Subvencionando—os, o Estado assumiu o ônus da modernização artística, de forma semelhante a que ocorria em setores da economia brasileira pós 64. Na economia, o Estado arcava com a infraestrutura, para que a iniciativa privada pudesse ter o retorno para seus investimentos. Assim, o dinheiro público sustentava os investimentos de maior risco, o que ocorria também nas artes plásticas.
Um pensamento claro, exposto sobre este papel do Estado, foi o de Frederico de Morais.
"/9os museus cabe promover a arte mais experimental, paralelamente à revisão dos valores do passado. A promoção da vanguarda
caberáf em primeiro lugar ao museuf com apoio 194
da crítica, O mercado virá, em seguidaf museu e mercado não devem se excluir mas se
complementar, Divididas as áreasf o sistema se completa , E progride"19 ,
"Poderá viver a arte+ e mesmo o mercado de
artef sem a atividade de laboratório de 4 p vanguarda f isto éf sem renovação de valores7
Suas queixas evidenciam uma cobrança em relação à atuação
do Estado como mecenas, sustentando um laboratório que
pesquisa a inovação para garantir a renovação do mercado- Esta
obra foi escrita em 75 e Frederico de Morais, como porta voz das vanguardas, estava a exigir mais investimentos do Estado-
Isto porque as pressões do mercado empresarial de arte estavam
já suplantando a atuação do Estado e exigindo dos artistas novos comportamentos, evidenciados na análise de Roberto
Pontual:
". ., a nossa arte mais aguerrida de agora tem preferido retornar aos seus antigos espaços
fechadosf ainda que geralmente os modificando para se adaptarem ao cara ter não ortodoxo das apresentações, Esse fenômeno da reafirmação da adequabil idade do interior dos museus e galerias para a experimentação atual e de recuperação da especificidade do artista, que antes parecia encaminhar-se rumo ao anonimato esta merecer uma análise mais detida, O que
10 Morais Frederico (O Globo 30/12/75 Artes Plásticas, 1975: Ano bom, ano decisivo. ip Frederico de Morais. Artes Plást icas: a crise da hora atual.Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975, p. 117. 195
convém adiantar por enquanto é que ele talvez derive de uma situação nova de relacionamento
da vanguarda com o mercadof a ponto de que a negação deste -último por parte da primenria se faça nos termos de um circuito prévio a que todosr mais ou menos conscientemente, acabam se sujeitando. Sujeição que, na verdade, deve ser 20 vista também como tática"
O que se destacar, como realmente específico ao longo dos anos 70, foi a maneira articulada com que o apoio estatal se estabeleceu. Várias instituições se conectavam em uma malha de estímulo e controle das práticas plásticas, envolvendo um grande número de "administradores da cultura". A figura do intelectual, funcionário estatal, com intensa atuação no sistema das artes plásticas, como Walter Zanini, Diretor do
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, reponsável pela seleção de representações brasileiras em diversas exposições no exterior. Diretor da Bienal
Internacional de São Paulo,é típico no segundo a metade dos anos 60, e primeira metade dos anos 70. A extensão de sua influência aparece no depoimento de Anna Bella:
"... começo a participar de exposições no exterior através de convites que vinham para o MAC, quando o Zanini dirigia o MAC. Este local, quando o Zanini dirigia passou a ser um ponto de contato com o exterior e com o exterior que
20 Pontual, Roberto. Jornal do Brasil, i/li/75. Rio de Janeiro. 196
compreende este trabalho no momento em que esta sendo feita//21
O Estado, representado pelas instituições que sustentava economicamente e pela ação de seus administradores, desempenhava um papel fundamental na integração que estava se consolidando, das instituições culturais com o setor empresarial. A verdade é que o Estado autoritário processou o desenvolvimento do capitalismo no Brasil não só em nível econômico e social, mas também em nível das representações simbólicas, estabelecendo uma relação mais orgânica entre os intelectuais e os setores empresariais. Os interesses globais dos empresários e do Estado, em relação ás artes plásticas, eram os mesmos: legitimação das estruturas de poder e afastamento das artes plásticas dos problemas econômicos, sociais e políticos da maioria da população.
5.2 - Fortalecimento das instâncias de difusão e supremacia do
mercado empresarial
A década de 70, no nível das artes plásticas, pode ser caracterizada como o período de consolidação do mercado de arte empresarial no país. Este processo, no entanto, já se desencadeara um pouco antes. O período de 68 a 73 é conhecido
21 Depoimento de Anna Bella Geiger a autora. 11 nov. 1987, Porto Alegre. 197
no Brasil pela denominação de "milagre brasileiro", se caracterizando como um dos mais favoráveis para a acumulação monopolista. Foi uma época das mais rendosas para o capital, aceleraram-se as taxas de acumulação, a concentração da renda, o incremento das exportações e principalmente ocorreu uma rearticulação e concentração do sistema financeiro. Tudo isto encaminhado através de uma atuação do Estado que favorecia a acumulação de capital, extorquindo das massas trabalhadoras as conquistas que haviam obtido no período populista.
"Enquanto as classes monos favorecidas da populaçdio assistiam do mdos amarradas ao enco-
lhimento de sou poder aquisitivof os segmentos mais elevados da classe média oram favorecidos
pela própria dinâmica da acumulação do capitalf norteada pelos bons do consumo duráveis Na verdade, a formação do um mercado consumidor suficiente para as necessidades de acumulação
deveu—se em parto f ao aperfeiçoamento do sistema financeiro nos anos óO o TO (quo corta — monto ampliou a capacidade de endividamento de toda a sociedade.) e, em parto à demanda automa- ticamente gerada pela dinâmica do próprio processo de acumulação, quo pagou maiores salários â mão—do—obra qualifiçada, relativa— monto escassa no país7
Neste quadro econômico se estabeleceu um novo padrão de consumo, baseado nos bens duráveis (automóveis, eletrodomésti—
22 Mantega, Guido e Moraes, Maria. Acumulação Monopolista e Crises no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. p. 62. 198
cos), destinados também aos extratos médios da população, beneficiados pela disputa de mão-de-obra mais especializadas, empreendida pelos monopólios.
O mercado de arte apresenta algumas inovações que se colocam como parte destas modificações que estavam se implantando em nível econômico. □ impulso inicial do setor empresarial nesta área, que se estabelecera na primeira metade dos anos 60, se arrefecera. A ele, no entanto, foi dado nova expansão a partir de 69, com uma série de leilões produzidos por espaços especializados, entre os quais se destacaram a
Petite Galerie (RJ), a Bolsa de Arte (RJ), a Collectio (SP).
"... os l&ilõ&s não apenas tiveram seqüência como ainda conseguiram uma projeção incomum entre os colecionadores de São Paulo. O total
de obras arrematadas foi além das espectat ivas f motivando até dúvidas/protestos de alguns setores preocupados com a alta violenta dos preços das obras. Os realizadores dos leilões, no entantoem várias oportunidades procuram demonstrar que nada mais estava acontecendo do
que a consecução do preço médio da obra e quef isso sim, o mercado crescia em função do interesse cada vez maior dos novos coleciona- dores . Verdade ou não, o certo é que em São Paulo nunca houve tanta celeuma/aquisições em torno de pinturas, desenhos, gravuras do que nos últimos dois anos. Quanto aos preços justos, irão predominar, mais tempo menos tempo, pois o 199
comprador de Arte estd aprendendo tudo sobre cotações ^.
Estes leilões mtroduzem novas práticas na comercializa-
ção das obras de arte. Primeiro, porque eles são sustentados prepoderantemente por obras de artistas brasileiros contempo- râneos, o que não ocorria até então, quando os leilões tinham como linha de trabalho, peças de antigüidades e artistas acadêmicos europeus e brasileiros. Os leilões de novo tipo eram realizados sob a orientação de marchands especializados, sendo destacada a atuação de José Paulo Domingues, dono da galeria de arte Collectio. Além da seleção das obras, na qual utilizavam seu know how de mercado e seu conhecimento da produção plástica brasileira, estes marchands eram também responsáveis pelos esclarecimentos ao público durante o pregão. Seus esclarecimentos funcionavam como forma de orientação dos compradores, mas também para a formação de um público específico. Cada peça levada ao pregão era descrita, classificada; eram fornecidos dados técnicos sobre o artista e a obra, que constituíam verdadeiras aulas de história da arte.
Estes leilões concorreram, portanto, para que, neste momento, os setores sociais enriquecidos pelo processo de acumulação, bem como os setores médios, enriquecidos pelas possibilidades de absorção do mercado de trabalho de mão—de—obra mais qualificada, pudessem adquirir um capital cultural e, assim,
23 Anuário das Artes. São Paulo, APCA, 1972, Ivo Zanini. p. 96. 200
tornarem-se público consumidor no mercado de arte local. G
papel desempenhado por estes leilões foi muito importante para
a estruturação do mercado de arte brasileiro. Eles eram
realizados em espaços sofisticados, na própria galeria, em
salões de hotéis ou outros locais de status; os convites eram
destinados a um público selecionado, as obras eram
relacionadas em catálogos sofisticados, com reprodução a cores
das obras mais importantes dos lotes e havia durante o leilão,
o oferecimento de coquetel. Estes eventos sociais distinguiam
aqueles que recebiam convites e dele participavam. Fazer
lances era fonte de distinção, principalmente porque os
destaques da noite eram, em geral, noticiados em crônicas
sociais. Esta distinção social foi importante para as relações da nova elite, enriquecido com os lucros dos monopólios, que se impunha economicamente e estava consumindo arte no Brasil.
Os novos extratos eram uma fatia importante do mercado consumidor, mas não estiveram ausentes destes leilões os setores das elites tradicionais. Nos leilões foi comercializada a maior parte das obras do modernismo brasileiro e também se abriu espaço para a produção mais atualizada. A presença predominante de modernistas e abstratos pode ser observada no anexo.
As peças de destaque, nestes leilões, eram obras da arte brasileira, já histórica (anos 20, 30 e 40). Os leilões promoveram uma grande valorização dos modernistas, uma vez que 201
estas aquisições eram consideradas como investimentos de altos
lucros. Sendo uma produção dotada e limitada (a maioria dos
artistas eram já falecidos), contava com o fator escassez, que
lhe garantia o valor. Esta retomada da arte "histórica"
expressava uma orientação do sistema das artes como meio de
legitimação das elites enriquecidas com o processo de
acumulação monopolista. Este acervo se prestava à acumulação
de um capital cultural adquirido pelas novas elites. A disputa
por estas obras históricas foi, de certa forma, a disputa por
participação em uma história cultural e artística por parte de
grupos econômicos ou de indivíduos enriquecidos neste período.
Paralelamente a sua colocação nos leilões, estas obras
históricas, neste período, foram objeto de grandes mostras
retrospectivas, como por exemplo as obras de Lasar Segai 1 no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 69.
Em conseqüência desta dinamização do mercado, a compra de
obras de arte começou a ser olhada fundamentalmente como um
investimento. Neste clima de especulação, a aquisição de um
óleo de Portinari era feita com o mesmo raciocínio despendido nas aplicações imobiliárias. Os valores da arte passaram a ser determinados pelo mercado, através de fortes e organizadas empresas especializadas em exposições e leilões responsáveis
por vendas em grande escala. Grupos financeiros estiveram
ligados aos leilões, destacando-seo Banco Real e o Nacional. 202
Eles eram responsáveis pelo financiamento das obras- Farta documentação ilustra o crescimento dos investimentos em artes plásticas.
"Antes era o mercado de imóveisf depois o de papéis- Agora é o de arte- Investir em arte
hojef é mais seguro do que aplicar em ações ou
em captaçõo imobiliária.»- aplique em artef ganhe na certa//24-
No bojo desta especulação com a arte, além dos modernistas históricos, foi comercializada uma leva de modernistas de segundo escalão. Orlando Teruz foi um exemplo típico- Seus quadros alcançaram cifras exorbitantes e, embora tivesse uma imensa produção, não conseguia dar conta das encomendas- Primitivistas também foram absorvidos neste processo, em que eram oferecidas obras de arte para combinar com a decoração das novas mansões que a especulação imobiliária produzia, atendendo às exigências daqueles que se enriqueciam com a concentração de capital promovida no país, com o apoio do Estado autoritário- O grande número de leilões neste período evidencia a dinâmica do mercado de arte.
O mercado de arte se implementava, ainda, com a criação de novas galerias de arte, a Collectio aparece como deflagadora de um novo processo. Sua breve trajetória (69-73)
24 Artes: São Paulo, 1971, ano VI n2 26 "Mercado de Arte" Carlos Von Schimidt. 203
inaugurou em São Paulo e, mesmo no país, uma forma de tratar a obra de arte semelhante a que estava ocorrendo nos grandes mercados internacionais — como investimento- Criada em fins de
69 por José Paulo Domingues, esta galeria foi responsável pelo mais dinâmico empreendimento da área neste período. Na
Collectio trabalharam Raquel Arnould Babenco e Nonica
Filgueiras. Um dos eventos mais importantes promovidos foi a mostra, acompanhada da publicação do livro "Arte Brasil Hoje -
50 anos depois", sob a coordenação de Roberto Pontual-
Destacando obras e artistas, desde a semana de 22 até 72, o crítico de arte selecionou também o acervo que foi adquirido
pela galeria- A Collectio aproveitou o momento propício da
economia, (o "milagre brasileiro") com capitais disponíveis,
envolvendo, em transações de artes plásticas, o sistema
bancário e o mundo dos negócios- Por sua intervenção, foram
abertas linhas de financiamento para aquisições, e se
deslocaram para o mercado de arte boa parte do capital
especulativo que abandonara a bolsa de valores. A derrocada da
galeria, em 73, teve mais a ver com ações especulativas de seu
proprietário do que com a recessão do mercado de arte- Prova
disto é o crescente avanço do mercado que se consolidava na
segunda metade da década de 70 o que pode ser observado no
anexo-
Os segmentos enriquecidos do empresariado constituiam uma
importante fatia do mercado de arte, mas os segmentos médios. 204
mão-de-obra mais especializada, exigida pelos novos processos
produtivos (executivos e técnicos especializados), também
foram acréscimos para o público consumidor de artes plásticas.
Para estes segmentos de poder aquisitivo mais restrito, o
mercado ofereceu uma proposta específica: a obra múltipla.
Gravuras assinadas e numeradas, pequenas esculturas em bronze,
terracota ou resina, fizeram parte dos muitos objetos de arte
disseminados no mercado, ao longo da segunda metade da década
de 70. Ainda em 71, foi criada a galeria de Arte Aplicada, em
São Paulo, voltada basicamente à comercialização de "objetos"
absorvendo uma fatia especifica de consumidores. Também nesta
linha atuou as galerias "Múltipla" (73) e Skultura (75). Este
tipo de atuação setorizada evidencia o desenvolvimento e a
amplitude que o mercado de arte vai atingindo ao longo da
década de 70. Testemunha do impulso dado a este tipo de
produção é o seguinte reclame publicitário:
"Gravuras de todas as técnicas e tendências de autores nacionais e internacionais, especializada em programação de paredes de
escritóriosf hotéis, saguões e residências, 25 edições de gravuras para brinde"
No entanto, apesar desta produção mais ampla, a circulação da obra de arte plástica manteve-se ainda bastante restrita. A introdução do múltiplo, na verdade, ampliou o
23 Vogue Arte, maio 77, n- 2, p. 21, reclame publicitário. 205
número de compradores e as possibilidades de lucro dos
revendedores, sem criar uma real alteração do elitismo deste
circuito, cujo destaque é ainda a obra única e a assinatura do
artista. O valor da obra, de certa forma, não é estabelecido
pela concorrência de mercado e aceitação do público, mas pela
sua inserção no circuito de difusão que lhe legitima. Esta
condição do consumo das artes plásticas sujeita o comprador e
artistas, às ingerências dos difusores (marchands, críticos,
diretores de instituições), uma vez que não é a aceitação do
público que define o sucesso de determinadas obras, como
acontece, por exemplo, na literatura e no cinema.
A partir de 1973, articulada com a crise internacional do
petróleo, a economia brasileira apresentava as fissuras do seu
projeto autoritário e concentrador• Neste momento, já se
anunciava no país que o ciclo de acumulação ultrapassara o
ápice e iniciava seu declínio, estimulando o crescimento de
oposição. Diversos setores soeiais desfavorecidos pe1o mode1o
de desenvolvimento, implantado pelo Estado autoritário
monopolista e mobilizaram divergências no interior do bloco de
poder. A abertura democrática que se ensaiou nesse momento
foi, por um lado, resultado destas pressões sociais e, por
outro, de uma estratégia de conservação do poder por parte dos
grupos dominantes. Esta abertura teve como conseqüência um
certo reaquecimento da produção cultural. Além disto, um
processo interno do próprio mercado de arte exigiu mudanças na 206
produção plástica. PraticaíTiente todo o acervo dos "Históricos'1
havia sido comercializado (principalmente através dos leilões
de arte), estando nas mãos de colecionadores; o mercado
necessitava de novas produções e valores, novo material para
trabalhar. Aliaram-se, assim, os interesses do mercado de
arte, que abria espaço para as novas produções, à fermentação
democrátrica que estimulava a produção artístiva com acenos de
"abertura". Retornaram à cena vários artistas da década de 6U e muitos novos se introduziram.
Carlos Vergara, que fizera sua última exposição
individual em 69, na Petite Galerie, retornou, em 73, com uma exposição individual na Galeria Luiz Buarque de Holanda; neste mesmo ano ele realizou também um painel para a sede do Jornal do Brasil no Rio de Janeiro. Rubens Guerchman, que expusera no
Brasil, em 68, na Galeria Relevo, voltou a expor individualmente em 73, na Galeria Ralph Camargo. Geraldo de
Barros, que fora ligado ao Grupo Rex retomou uma abstração que lembrava a arte concreta. Pouco a pouco encontravam—se mais fortes as expressões artísticas tradicionais (quadros, esculturas e gravuras) que pareciam esgotadas. Processo este no qual os artistas brasileiros também acompanham a tendência internacional. Segundo Olney Krüse
"A Bienal de São Paula deste ano, deixou uma lição para os artistas brasileiros. Depois de Rafael Canogar, Folon provou que para ser 207
artista atual atuante (ou contestador) não é necessário ser óbvio ou planfetário. Basta ser sutil, criativo, ter um traço simples e suave, cores delicadas, imaginação*■ Para analisarmos o compromisso social, poli tico e cínico do homem, não é preciso som, ruído, espalhafato "vanguarda"- O recado pode estar (como esta} num guache"2**.
No Brasil, o Estado, enfrentando a crise de seu modelo de desenvolvimento, buscava encontrar um equilíbrio entre a repressão seletiva e o restabelecimento de mecanismos de representação, que atraíssem, para sua sustentação, grupos de classe média e de elite até então afastados pelos excessos de repressão ou por interesses específicos não atendidos. A década de 60 havia sido caracterizada por uma orientação participativa e politizada, em termos das artes plásticas, isto é, pela preocupação temática e pela ampliação do acesso
às obras às camada mais amplas da população, os anos 70 apresentam, como tendência global, o aumento do volume e da dimensão do mercado de arte, afastado, porém, de preocupações democratizantes mais amplas e fortalecendo o elitismo típico deste tipo de produção. 0 mercado se ampliava e se especializava abrangendo diferentes produções destinadas a diversos tipos de público, capazes de se tornarem consumidores. Um levantamento dos nomes citados nas muitas
2<5 Anuário das artes. São Paulo, ARCA, 1973/4, Olney Krüse. p. 106. 208
publicações de artes desta década permite constatar esta tendência à ampliação de diversificação da produção. Estas publicações por seu turno fazem parte de dinâmica de fortalecimento das instâncias de difusão que também caracterizou este período. O grande n— destas e a qualidade do material utilizado (fotos coloridas e papel brilhoso e luxuosas encadernações) contrastam com o que se pode encontrar na década anterior (anexo).
No impulso que tomou o mercado de arte, incorporando novos artistas (na sua maioria jovens), foi fundamental a criação da "Galeria Global" em São Paulo (1974). Ainda no ano de 74, expuseram na galeria Milton Da Costa, Vanda Pimentel,
João Carlos Galvão, Guilherme Faria, Anna Maria Maiolino,
Paulo Roberto Leal, Flavio Shiró, Bruno Giorgi, Tomie Otake,
Edival Ramosa Hércules Barsotti e Júlio Pare. Atuando de
forma empresarial, responsabi1izado—se pelo convite—catálogo, coquetel e todas as despesas de divulgação, para as quais utilizavam os meios de comunicação de massa de que dispunham,
a galeria se colocava como intermediária, atuando na difusão.
Cumpria, assim, um papel básico nesta estruturação empresarial
do mercado dentro dos moldes internacionais monopolistas, onde
o controle dos meios de difusão garante aos intermediários um
poder enorme dentro do sistema das artes plásticas. Atuou como
Marchand, neste empreendimento, e como orientador artístico,
Franco Terranova (dono da Petite Galerie) e Rachel Babenco que 209
trabalhara na Collectio- Com larga experiência, eles deram à
galeria o perfil empresarial coerente com os novos tempos, contando para isto com as possibilidades de infra—estrutura da
Rede Globo. Esta aliança com grandes grupos, ligados aos meios de comunicação ou outros setores, como o capital financeiro,
se tornou uma tendência do mercado. A Galeria Global
trabalhava com nomes ja consagrados, mas seu grande papel foi
realmente abrir espaço para novos talentos, como produto que o mercado absorvia, principalmente porque, como foi observado os novos extratos sociais enriquecidos eram constituídos, em grande parte, por jovens executivos com amplos contatos
internacionais, interessados em encontrar aqui uma produção
tão moderna e arrojada quanto a dos grandes centros.
As vanguardas, que fermentaram nos laboratórios,
sustentandos pelo Estado (salões. Museu de Arte Contemporânea da USP, Espaço Experimental do MAM/RJ, etc.) foram a resposta
ao mercado em expansão. Para colocá-los em circulação, além da
Galeria Global, outros espaços foram criados. Luisa Strina abriu sua galeria em São Paulo, em 74, trabalhando exclusivamente com um grupo de artistas ela inaugurou um novo estilo que se evidencia em um anúncio publicitário onde ela
aparece pessoalmente fazendo a seguinte afirmação:
"Eu repreento os artistas, /4Ian Shields, Babinski, Baravelli, Edo Rocha, Fajardo, Hamaguchi, José Rezende, Nelson Leirner, 209
trabalhara na Collectio. Com larga experiência, eles deram à
galeria o perfil empresarial coerente com os novos tempos,
contando para isto com as possibilidades de infra—estrutura da
Rede Globo. Esta aliança com grandes grupos, ligados aos meios
de comunicação ou outros setores, como o capital financeiro,
se tornou uma tendência do mercado. A Galeria Global
trabalhava com nomes ja consagrados, mas seu grande papel foi
realmente abrir espaço para novos talentos, como produto que o mercado absorvia, principalmente porque, como foi observado os
novos extratos sociais enriquecidos eram constituídos, em
grande parte, por jovens executivos com amplos contatos
internacionais, interessados em encontrar aqui uma produção
tão moderna e arrojada quanto a dos grandes centros.
As vanguardas, que fermentaram nos laboratórios, susten tandos pelo Estado (salões. Museu de Arte Contemporânea da USP, Espaço Experimental do MAM/RJ, etc.) foram a resposta ao mercado em expansão. Para colocá-los em circulação, além da
Galeria Global, outros espaços foram criados. Luisa Strina abriu sua galeria em São Paulo, em 74, trabalhando exclusivamente com um grupo de artistas ela inaugurou um novo estilo que se evidencia em um anúncio publicitário onde ela aparece pessoalmente fazendo a seguinte afirmação:
"Eu repreento os artistas, /4Ian Shlelcfs, Babinski, Baravelli, Edo Rocha, Fajardo, Hamaguchi, José Rezende, Nelson Leirner, 210
27 Waltércio Caldasf Wesle/ Duke Lee" -
Mesmo ampliando-se numérica e diversificadamente- o mercado manteve—se restrito em comparação com o crescimento do consumo em geral que ocorria no país; nele circulavam poucos objetos, cujo valor estava em estreita relação com a exclusividade. Por isso, as reproduções eram sempre em número restrito,numeradas e assinadas, para garantir a permanência de certa aura de distinção, imprescindível à manutenção do próprio sistema.
"Todos também parecem céticos em relação ao chamado processo de democratização da arte,
pelo menos a curto prazo. Guerchmanf talvez o mais preocupado com esta questão, é o primeiro a reconhecer que o 'destino da obra, depois que 2 8 faço, é incontroldvel"
O processo de difusão tornou—se mais importante dentro do sistema das artes plásticas, fugindo praticamente das mãos do artista. As instâncias de circulação passaram a ter crescente importância. Por instâncias de circulação, entende-se o conjunto de meios de comunicação e das instituições que promovem circunstâncias capazes de fazer chegar ao consumidor os objetos e eventos artísticos. É importante constatar que estes canais de escoamento da produção, por seu turno, são
27 Vogue Arte, nov. 77, n2 2, p. 8. Anúncio publicitário. 20 Ronaldo Brito e Heliosa Buarque de Holanda. "Explosão de mercado e crise de criação" Opinião n2 54, 19, nov. 73, p. 26. 21 1
também os meios de sua legitimação- Veiculado como "arte", determinado objeto ou evento passava a ser consumido como tal; assim, um dos principais papéis que as instâncias de circulação assumiram foi o de legitimação, advindo, daí, seu fortalecimento. O fortalecimento das instâncias de circulação pressupõe o aumento do número destas e a sua diversificação, mas se caracterizou principalmente pela importância que estas adquiriram dentro do sistema das artes plásticas ao longo dos anos 70.
□s meios de comunicação social; jornais e revistas foram importantes canais de difusão, eles atuaram em dois níveis.
Primeiro, no sentido de divulgar para o grande público o que estava ocorrendo dentro do sistema das artes, reforçando a distinção deste circuito- Segundo, na difusão de idéias, valores e correntes estéticas dentro do próprio sistema, participando das disputas internas. No primeiro caso, atuavam, por exemplo, os artigos e colunas de arte em jornais e revistas dirigidos ao grande público; no segundo, os meios especializados, como as revistas de arte. Ao longo dos anos 70 aprofundou-se a separação entre a divulgação interna ao sistema aquela voltada ao grande público. Tendeu a se disseminar, nos jornais e revistas de grande circulação, o
"colunismo de arte", diferente da crítica de arte que se difundira nos anos 60. Ou seja, aumentou o número de colunistas que relatavam eventos, documentando e divulgando o 212
que estava ocorrendo em termos de arte plástica, sem um posicionamento crítico ou discussão de tendências- Na crítica de arte, que se desenvolvera nos anos 60, estivera muito mais evidente o posicionamento dos críticos, das colunas assinadas, que traziam explicitamente as posições daqueles que eram por elas responsáveis. O sumário de um exemplar da revista "Arte
Hoje" permite verificar também o enfoque homogeneizador com que os mais diversos temas de arte e as mais antagônicas tendências eram tratadas. "A rebelde primavera de Visconti",
"O Nepal" de Antônio Dias, "Barsotti,a cor em volume", "Andy
Warhol , indiferença dand1/" "A nobreza do móvel inglês"
"Pintando com fotos" "Arte como supérfluo" "Polêmica 2P concretista" "Os projetos do NAM" . A "neutralidade" do colunista e a homogeneização das tendências foi uma orientação mais genérica dos meios de comunicação na década de 70, e não uma orientação específica em relação as artes plásticas.
Outra tendência dos anos 70 foi a redução dos espaços diários dedicados ás artes plásticas e o aparecimento dos cadernos especiais de cultura, como por exemplo o Caderno 2 ou
Caderno 8, ou Folhetim onde são tratados sob forma de reportagem alguns eventos de mais destaque. Nos anos 70 observa-se um acentuado crescimento no espaço dedicado às artes plásticas nos meios de comunicação de massa, acrescendo-se a isto o aumento significativo de publicações
2Í> Sumário. Arte Hoje, out. 77, ano i, n— 4, p. 5. 213 periódicas destinadas ao grande público. A revista Realidade aparecerera como grande novidade ainda em 65, mas na década de
60 ocorreram novas inovações, no setor editorial, com "Veja"
(1973) e "Isto É" (1975). Mas dinâmicas, estas revistas apresentavam espaços específicos para divulgação de artes plásticas. Inicialmente estas colunas não eram assinadas, mas havia um crítico especializado respondendo por elas, como foi o caso de Harry Lauss na "Veja". Posteriormente passaram a ser assinadas por Glívio Tavares de Araújo (Veja) e Geraldo Edson de Andrade (Isto É). Estes espaços eram de pouco destaque, no corpo de revistas, em geral relatam eventos, com pequenos comentários do crítico e ilustrados com fotos coloridas. No entanto, mesmo não havendo uma crítica mais aprofundada, estes comentários eram importantes para a divulgação, sendo bastante disputados por galerias instituições e artistas, pois eles garantiam, uma difusão nacional o que não ocorria com os jornais. A importância dos espaços de arte nos meios de comunicação de massa pode ser observada, ainda, pelo fato de que a maioria dos críticos de destaque dentro do sistema, desde a década de 60, tiveram, pelo menos por algum tempo, atuação nos meios de comunicação. Neste caso estão: Roberto
Pontual (Jornal do Brasil) Frederico Morais (O Globo) Ivo
Zanini e José Geraldo Vieira (Folha de S. Paulo) Olivio T.
Araújo (Veja) Casimiro Xavier de Mendonça (Veja) Walmir Ayala
(Jornal do Brasil) Ronaldo Brito (Opinião) Antônio Bento
(Diário da Noite) Harry Lauss (Jornal do Brasil) Olney Krüse
(Jornal da Tarde). 214
Em termos de revistas específicas de arte., deve-se
destacar que, das revistas lançadas na década de 60,
praticamente a única a sobreviver, ao longo de 70, foi
"Artes", mesmo assim de forma irregular. Um novo surto
editiorial, no entanto, se desencadeou na segunda metade dos
anos 70, inaugurado com o lançamentos de "Malasartes" e "Vida
das Artes" (1975). A primeira era uma revista organizada e
dirigida por artistas plásticos e críticos: Vergara, Carlos
Zílio, Ciido Meireles, José Resende, Baravelli, Rubens
Guerchman, Waltércio Caldas, Bernardo Vilhena e Ronaldo Brito.
Lançada no Rio de Janeiro, ela contava com integrantes também
de São Paulo. Voltada basicamente para as artes plásticas,
veio ocupar um espaço importante, pois era bastante
aprofundada em seus artigos, atuando, assim, não só na
informação como na formação dos artistas e do pessoal de
apoio. Sua leitura exigia uma série de informações que a
colocava como destinada a produtores e especialistas.
Praticamente não tinha publicidade, destinava-se a veicular as
vanguardas; desapareceu após o terceiro número, não por
dificuldades de editoração, mas por divergência internas30.
Vida das Artes, lançado em 76, era uma revista com orientação mais abrangente, com artigos e reportagens sobre assuntos variados, privilegiando tendências diversas. Os artigos eram assinados por críticos e estudiosos como Aracy
30 Conforme depoimento de Carlos Zílio à autora. 1987, Rio de Janeiro. 215
Amaral, Frederico Morais, José Roberto Teixeira Leite e
outros. Apresentavam alguma publicidade, em geral ligada ao
setor (galerias, lojas de decoração ou distribuidores de
material de desenho...) seu papel era de qualidade e com farta
ilustração a cores. José Roberto Teicxeira Leite, crítico de
arte reconhcido dentro do sistema das artes, um de seus
editores, dando à revista uma orientaçãdo especializada,
voltada à formação e informação de produtores e consumidores.
Em 1977, foram lançadas Arte Vogue e Arte Hoje. A
primeira, sob a direção de Pietro Maria Bardi, tinha uma
orientação adequada ao jornalismo mais contemporâneo,
destinando-se a atender interesses diversos, e a estimular o
mercado. Era dinâmica em termos gráficos e de reportagens,
apresentando farta publicidade, articulada com as matérias de
arte. Pode ser considerada uma publicação de luxo, com fotos e
papel de excelente qualidade e diagramação profissional. Seus
artigos eram assinados: havia ainda secções diversas e uma
presença marcante de matérias relativas ao design e
arquitetura. Arte Hoje, cujo editor era Roberto Irineu
Marinho, abordava principalmente a arte histórica e
internacional, com pouca matéria sobre a arte brasileira do
momento. Os artigos eram mais de divulgação do que críticos,
e, em pequenas notas, eram apresentados ocasionalmente obras e eventos da atualidade local, com comentários de aspectos
formais: regularmente, apresentava, ainda, um secção de 216 leilões. Era uma das únicas revistas de arte com organização empresarial, mantendo repórteres e fotógrafos contratados e inserindo a publicidade no texto.
Em termos gerais, estas publicações tinham uma estrutura bem mais complexa e profissional do que as da década de 60.
Utilizavam meios mais sofisticados (papel de melhor qualidade, ilustrações a cores, etc.) e apresentavam mais anúncios pub 1 ic i tá.r ios e artigos de divulgação. Com exceção de fia 1 asar te, pode—se dizer que se destinavam mais ã formação e informação do público consumidor do que a dos produtores. No entanto, as revistas da década de 70, semelhantemente às da década anterior, tiveram vidas breves: Malasarte com os trés números; Vida. das de 75 a 76; Arte Hoje, de 77 a 79 e
Vague Arte, de 77, Apesar de terem uma organização bem mais empresarial e luxuosa que as de 60, não conseguiram permanecer por longo tempo. Isto evidencia o resetrito mercado de artes plásticas no país e o fato de que a circulação passava por diversos meios. O museu e a galeria faziam a difusão de maneira mais direta, indivíduo a indivíduo. Os compradores procuravam mais o apoio de marchands e outros especialistas na orientação de suas aquisições do que uma formação pessoal através da leitura de publicações especializadas. O consumo artístico se caracteriza assim como status social e não como a consolidação de um capital cultural. Colunas de artes plásticas, nos meios de comunicação voltados ao grande público, somente se destinavam a apresentar socialmente uma 21 7 fachada destas relações, bastante restritas a uma elite de in iciados.
Os museus, instituições responsáveis também pela difusão, como já foi visto, e eram, sua maioria, públicos ou mantidos com verbas públicas, o mesmo ocorrendo com salões e outras grandes mostras. O Estado, como principal financiador, foi, portanto, um dos mais importantes elementos de disfusão e legitimação, embora não aparecesse claramente como tal. Os adminisitradores, cuja escolha também levava em consideração aspectos políticos além de técnicos, detinham um poder que somente rivalizava com o dos marchands. E, mesmo neste caso, não se rivalizavam, mas se articulavam, uma vez que a legitimação dada pelas instituições era reconhecida e manipulada comercialmente pelas galerias. Além disso muitas vezes realizavam atividades conjuntas galerias e instituições oficiais, como por exemplo a ,, I Mostra do Móvel e Objeto
Inusitado", promovida pela Galeria Arte Aplicada sob o patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo,
1978. Ou ainda apresentavam mostras paralelas aos grandes eventos das instituições oficiais como a Bienal Internacional de São Paulo.
A importância das instituições culturais (no caso das artes plásticas a mais destacada é o museu) na difusão das produções vanguardistas, com maior dificuldade para serem colocados no mercado, aparece ao longo de toda a década de 70. 218
Em 75, por exemplo, foi criado o espaço experimental do MAM do
Rio de Janeiro, por influência de artistas da vanguarda, entre os quais se destacava Cildo Meireles. Aracy Amaral, que assumiu a dire ção da Pinacoteca Estadual de São Paulo em
1975, organizara em 1976, a Expo/Pro j eção, dest\riada a artistas plásticos que estivessem pesquisando meios não convencionais. E, durante sua gestão na Pinacoteca deu especial destaque aos projetos de vanguarda. Walter Zanini, na direção do MAC-USP, por seu turno, organizou o Salão Jovem
Arte Contemporânea e muitos outros eventos, favorecendo sempre propostas experimentais e suas conexões internacionais.
Deve—se destacar que muitos destes jovens "descobertos"11 em promoções de instituições culturais foram, posteriormente, assimilados pelo circuito comercial. Muitos deles, inclusive, aprsdentavam em galerias trabalhos mais adaptados ás condições de exposição e comercialização, deixando para os espaços
"culturais", as experiências mais ousadas. Assim se estabeleceu a articulação: no museu expõe às realizações exóticas e ousadas, que davam notoriedade, e na galeria a produção mais comercial, que oferecia um retorno econômico.
Este tipo de ação conjunta dos canais de difusão se articularam ao longo dos anos 70, no Brasil, evidenciando, no sistema das artes plásticas, a aliança entre Estado e a acumulação privada de capital, presente da economia em geral.
Esta orientação, no entanto, descontentava alguns setores como pode-se observar: "Durante cerca de quinze anos a arte - ou a atividade artística - passou por todo tipo de 219
exp&rim&ntos, Em quinze anos valeram todas as
reaiizaçõesf o registro do processo de procura e a idéia, mesmo de procura, (, ) Neste período em que todos os experimentos foram admitidos se atribuiu mérito ao próprio fato de fazer o
experimentof o trabalho chamado tradicional da
arte - o desenhof a pintura, em todas as suas
infinitas variedades - continuouf porémf a existir, SÓ não mereceram os prêmios de costume e o apoio dos meios de comunicação - a cri ti ca
em geral r que preferiu gastar sua munição com os artistas ligados ao que se convencionou chamar
1 de vangaurda', Muito poucosr ai iás Os
próximos tempos serão5 todo leva a crer* de valorização dos aspectos esped ficos da
Nos currículos dos artistas na década de 70 aparecem, com mais constância, atuações no exterior, não só em delegações representativas do Estado, como também em exposições de galerias. Tornou-se muito mais usual para os artistas brasileiros, na segunda metade da década de 70, expor no exterior, do que na década anterior. Isto foi também resultado de maiores conexões do Brasil com outros países. Por seu turno, o crescimento do mercado de arte brasileiro, impôs a profissionalização dos artistas, exigindo permanente atualização, da qual faziam parte um conjunto de influências internacionais. Isto ocorreu tanto em seu trabalho diretamente, quanto em seus valores e aspirações de vida,
31 Klintow2, Jacob. Os Anos 7Q."0 fim das vanguardas quef na verdade, jamais existiram". Revista Isto E, n- 156, 19 dez.1979, p.74. 220
impregnados pela internacionalização da própria sociedade
brasileira neste período, e que se evidenciava também em seus
traba1hos-
Por outro lado, a introdução no mercado brasileiro de uma série de editoras internacionais favoreceu a penetração de um conjunto de informações que garantiam uma permanente atualização dos produtores e dos demais especialistas atuantes no sistema das artes plásticas. Livros e principalmente revistas, com farta ilustração, passaram a fazer parte do cotidiano dos membros do sistema das artes plásticas das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, na década de 70, articulou-se no país uma indústria cultural nos moldes mais atualizados, calcada basicamente o sistema de telecomunicações. Imagens produzidas internacionalmente, como shows, exposições, espetáculos os mais diversos inundaram os
lares. 0 universo visual da elite brasileira se internacionalizou. Neste sentido, as artes plásticas, internacionalizadas, tornaram—se parte desta estrutura e não uma importação artificial. A moderna sociedade de massas rompeu com a tradicional oposição entre o nacional e o estrangeiro, em nível de toda a cultura brasileira.
No entanto, o mercado de artes plásticas, apesar de
trabalhar basicamente sobre matrizes internacionais, era ainda predominantemente local. Gs artistas brasileiros tinham uma cotação no mercado nacional sem correspondência no mercado 221
internacional. E o comprador brasileiro adquiria predominantemente artistas brasileiros. As empresas, mesmo as multinacionais, quando operando no Brasil selecionavam para seus imóveis obras de artistas do país. Isto que poderia oarecer contraditório, no entanto, se explica pela função social do sistema das artes plásticas - a distinção das e1i tes.
Concorrendo para esta distinção os setores de difusão acentuavam o elitismo do sistema e sua aura. Neste sentido, vermssagens sofisticadas, contando com a presença de destacadas figuras locais, quando noticiados nos meios de comunicação destinados ao grande público, reforçavam a distinção. O reconhecimento desta elite e de seus artistas, pelos demais setores sociais, era mais importante do que a aquisição de obras de artistas internacionais, desconhecidos nos meios locais. Os artistas brasileiros poderiam ser melhor aproveitados pelas instâncias de difusão, sua disponibilidade favorecia o uso de sua obra e de sua imagem.
5.3 - Avanços Democráticos e Estratégias de Subversão
As contradições de um passado de subdesenvolvimento, sociais e regionais, se acirravam pelo processo de crescimento econômico concentrado que ocorria no país. Uma arte mais politizada deveria dar conta desta problemática. Ocorre porém, que, na década de 70, se enraizou, em conseqüência, 222 principalmente, de dura repressão e censura, nos meios artísticos brasileiros, uma forte tendência aparentemente
"despolitizada". A arte pela arte, referendada como a verdadeira e a mais autêntica expressão artística passou a dominar o meio artístico principalmente nas artes plásticas.
"Será portanto num ambiente social marcado pela supremacia do principia autoritário, pela ausência de referências cri ticas, pelo desrespeito aos direitos individuais e pelo pensamento mágico que um jovem de lá ou 13 anos fará em 68 sua entrada neste universo herdado dos adultos e que ele percebe como repressivo, confusa e dominado por uma longinpua e onipotente gerontocracia marcial. Em síntese, numa situação na qual prevalece uma 'cultura autoritária' que, difusa mas penetrantemente, limita e ao mesmo tempo desorganiza comportamentos em três domínios fundamentais da interação do indivíduo com o mundoz o da sua liberdade, o da sua consciência crítica, o da sua ação política. Será nestes três domínios violados pelo autoritarismo que vão surgir pautas especí ficas de comportamento que serão 3 2 vividas como uma 'contra-cultura'"
A verdade ê que frente aos avanços populares da década de 60, as elites monopolistas se empenharam, na década seguinte, em implementar produções artísticas menos voltadas para as problemáticas sociais e políticas. Neste sentido, contribuiu também a lógica mercadológica que foi implantada no setor
32 Martins, Luciano. Geração AI 5. Op. Cit. p. 92. 223 cultural (indústria cultural), lógica que despolitizava o debate e o discurso, reconhecendo o consumo como a categoria básica para medir o valor dos produtos culturais- Este
processo, que poderia ser denominado de despolitização, no entanto, é mascarador, pois o sistema das artes plásticas permanecia politizado, na medida em que servia á manutenção das desigualdades estabelecidas-
Na segunda metade da década de 7o, o sistema das artes plásticas se apresentava, progressivamente, controlado pelos setores empresariais do grande capital- No entanto, novos ventos democráticos começaram a soprar, decorrentes das pressões sociais dos amplos setores prejudicados pelo modelo concentrador pelas disputas dos setores dominantes frente ás crises do poder autoritário-
"A extrema violência com que o Estado esmagou o dosa fio armado lançou as bases para o período de 'política formal' posterior a Í964- Este período foi marcado pela remobil ização política e pelas atividades oposicionistas cada vez mas vigorosas de setores de elite que atuavam
através de organizações. . .
Neste quadra de mobilização de segmentos das elites surgiram algumas propostas dentro do sistema das artes plásticas que se caracterizam como questionamentos ao poder
33 Alves, Maria Helena . Estado e Oposição no Brasil. pós-64. Petrópolis, Vozes, 1985. p. 317. 224
estabelecido. A Bienal Latino Americana de São Paulo, realizada em 73, bem como as duas Bienais Nacionais em 74 e
76, foram exemplos de atividades que evidenciaram as pressões democratizar» tes e as demandas de distensão política que estavam ocorrendo na sociedade brasileira. Ao voltar seus interesses para pólos não hegemônicos, alguns setores, dentro do sistema das artes plásticas, abriam questionamentos, ou pelo menos evidenciavam formas diversificadas de pensar as artes plásticas. Em termos de Brasil, as diversas regiões periféricas, contavam com uma presença marcante de elementos mais populares em suas produções plásticas, mesmo quando produzidas pelos artistas das elites. Além disto, as produções regionais apresentavam ainda rupturas e defasagens com as linguagens internacionais de ponta, utilizadas nas produções de São Paulo e Rio de Janeiro. Por este motivo, as Bienais
Nacionais, foram abertos espaços menos elitistas e monopolizados dentro do sistema das artes plásticas em nível nac iona1.
Quanto à Bienal Latino-Americana, evidencia-se uma nítida intenção de deslocar o eixo do debate artístico para as tradições mágicas destas culturas, retomando talvez o boom da literatura latino-americana na década de 70. O próprio tema da
Bienal, "Mitos e Magia", indica preocupações com as tradições regionais. O texto do catálogo ilustra suas orientações:
"Essa Bienal Lat ino-americana é nosso primeiro 225
momento de reflexãof primeiro obstáculo a ser
transposto para uma programação culturalf cada
vez mais atuantef atual e ativa* E para que
essa reflexão seja documentadaf discutida e decisiva para um caminho autóctone será necessária a presença e a ajuda de todos que
constituem este terceiro mundor tão desigual em suas formas de manifestações artísticas e cultural, tão semelhante diante de seus problemas históricos e sociais. O debate está aberto* Sejam bem-v indos" (Conselho de Arte e Cul tura )34.
Neste momento, voltar-se para o interior do Brasil ou mesmo para a América Latina era uma estratégia de subversão, no sentido de romper com as hegemonias internacionalizantes estabelecidas. Neste sentido, também a mostra promovida por
Roberto Pontual "Visões de Terra", em 1977, acompanhada de um
Catálogo-livre, insere-se nesta orientação. Ela trata de obras de 12 artistas plásticos dos quais somente um, Antônio
Henrique Amaral, é paulista, os demais são de diversas regiões do país, como por exemplo Francisco Brennand no Recife,
Humberto Espíndola em Cuiabá e Rubem Valentim em Salvador. A produção plástica apresentada na exposição é basicamente regional, no sentido de temáticas e materiais. E, sobre o trabalho de Antônio Henrique do Amaral, escrevia Ferreira
Gullar, que retornara do exílio. É bom lembrar que esta mostra e publicação foram realizadas sobre os auspícios do Jornal do
34 Texto do Catálogo "Mitos e Magias" da I Bienal Latino-ame- ricana de São Paulo, 1978. 226
Brasil, o que evidencia que estas estratégias de subverão contam também com apoio de alguns setores das elites.
A emergência dos pólos regionais neste período foi outro indicador desta tendência questionadora em relação ao domínio detido por São Paulo e Rio de Janeiro, dentro do sistema das artes plásticas no Brasil e sua orientação internaciona1izan- te. Humberto Espíndola e Aline Figueiredo, atuando junto ao
Museu de Arte e Cultura Popular da Universidade Federal do
Mato Grosso, a partir de 74, estabeleceram, por exemplo, uma dinâmica dessa produção, em nível local, que merece destaque.
Também o grupo "Nervo ótico", no RS, teve, nesta segunda metade da década de 70, uma atuação destacada, introduzindo propostas reflexivas, qu®? não tendo uma intenção regiona1izante, tinha a preocupação com o cotidiano e o meio circundante do artista. Nesta linha de olhar também atuou o
Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, sob a coordenação de
Raul Córdula, desenvolvendo trabalhos de pesquisas e experimentação ligados a Uuniversidade Federal da Paraíba e com apoio da FUNARTE, eles publicaram o "Almanac", uma espécie de relatório ilustrado de suas atividades.
Como já foi dito na introdução, esse tipo de efervescência regional na década de 70 mereceria um estudo aprofundado que o presente trabalho não possibilita. De qualquer maneira, cabe salientar que a maioria destas 227
produções regionais se mantinha como núcleos um pouco isolados, mesmo em relação ao resto da produção de sua região, ainda que considerados como reações à hegemonia do centro do país eles não quetionam o sistema das artes plásticas em seu elitismo e em seu papel de distinção social. Atuaram mais como elementos de dinamização e atualização contemporâneas das produções regionais.
Um tipo de atuação que se evidencia como reação ao crescimento do poder das instâncias de difusão e ao controle do mercado sobre os produtores que caracterizam a segunda metade dos anos 70, é a criação da Cooperativa de Artistas
Plásticos de São Paulo35. A idéia deste tipo de organização surgiu em decorrência do êxito da mostra dos Artistas
Plásticos na campanha de Fernando Henrique Cardoso ao Senado.
Dando continuidade ao trabalho em conjunto, para benefício da
35 Boletin n- 182. Pinacoteca do Estado, julho 1979. "S&gundo
os estudos dos artistas participantes do grupof a Coope ra t i va de ve rá: !, Promover eventos culturaisf com participação total ou parcial de seus associadosr a partir do planejamento básico aprovado em assembléia, 2, Participar de eventos ou exposições organizados por outras áreas, instituições, etc.
J. Desenvolver atividades didáticas através de cursosr conferências, e publicações. 4. Promover intercâmbio cultural com grupos de artistas e instituições de outros Estados e países. 5. Conseguir melhores condições de qualidade e preço na contratação de serviços de terceiros. 6. Ampliar o mercado de trabalho de seus associados, de acordo com suas qualificações e potencial operativo. 7. Fornecer assessoria jurídica e seus associados. 8. Adquirir todo o material necessário para a produção de trabalho de seus associados. 9. Fornecer aos associados os serviços de outras cooperat ivas". 228
classe, realizaram a exposição "Papéis e Cia", em dezembro de
78, no Paço das Artes. Esta estratégia de atuação
"independente" dos produtores contou com uma atitude de represália por parte de alguns marchands que no dia da
inauguração anunciaram uma liquidação de gravuras em suas galerias. A Cooperativa realizou ainda, no ano seguinte, na
Pinacoteca do Estado, a mostra intitulada "Desenho como
Instrumento".
A exposição "Matrizes e Filiais", realizada no SESC São
Paulo, em dez de 79, com a participação de Flavio Motta,
Flávio Império, Cláudio Tozzi e Renina Katz, se apresentava ainda como uma proposta de deselitização dentro do sistema.
Esta mostra, coletiva, de trabalhos em litografia e serigrafia em papel e pano, desenhos e objetos, projetos de painéis e cartazes de rua, se unia pela possibilidade de convivência das pessoas com a obra de arte. Durante a exposição foram
impressos, ao vivo, litografias vendidas no local a preço de custo. Com a intenção evidente de aproximar o público do artista e dos processos de trabalho, a inauguração contou com a participação de Paulo Boca de Cantor. Estas palavras, de
Flavio Império, no catálogo, reforçam a intenção partic ipativa:
"Re-versos re-inv&nções re lembranças das festas da praça Gen Osório do
Jpanema quandof nos anos 60f Flavio Motta era o 229
porta-estandarte' dos artistas plásticos sonhadores e de suas bandeiras ma ra vi 1 hosas //3<5.
A década de 70 se encerra, por um lado com a consolidação
do poder das instâncias de difusão e da separação entre o
artista e o público, pelo elitismo do sistema; por outro lado,
com a consciência desta situação por parte de alguns
participantes e de tentativas para a sua superação.
37 "O círculo se fechour e nós ficamos presos dentro dele"
mas a reação é a marca do ser humano e as tentativas de
rompê-lo se sucederão.
3<5 Catálogo "Matrizes e Filiais". Flávio Império, dez. 79. 37 Bourdieu, Pierre. Questões de Sociologia, 1983. p. 172. CONCLUSÕES
Ao longo deste trabalho foi oossível analisar a estrutura do Sistema das Artes Plásticas no Brasil, no período em estudo, através da identificação de indivíduos e instituições que o constituem- Quanto às instituições, tem—se os museus, as escolas de arte, as galerias e os espaços específicos nos meios de comunicação social. Dentro destas instituições, indivíduos desempenham funções que determinam sua posição dentro do sistema. Este conjunto de funções constitue um espaço comum em que os indivíduos interatuam. Artistas como
Carlos Fajardo ou Fayga Gstrower e outros são professores de arte em Universidades e outros cursos públicos ou privados e atuam também como produtores. Por outro lado, tém sua obra comentada por críticos como Olívio Tavares, Frederico de
Morais ou Aracy Amaral que, por sua vez, desempenham, além das atividades cri ticas, a docência sobre teoria e história da arte e atuam também como administradores, na direção de museus e instituições de ensino. A atividade do marchand, que é basicamente a comercialização, também pode se estender à administração, como ocorre com Jean Boghici em relação à importante mostra "Opinião 65" ou à direção da galeria
Collectio, que promoveu a publicação do 1ivro-catá 1ogo "Arte 231
Brasil* 50 anos depois"*
Como pode-se observar, os indivíduos que atuam no
Sistema das Artes Plásticas, o fazem dentro das instituições
que compõem o sistema. Observa-se ainda que os mesmos
indivíduos realizam várias atividades, o que restringe
bastante as possibilidades de participação de outros
indivíduos no sistema.
As instituições interagem e alternam seus papéis. O Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro, por exemplo, além da
atividade específica, de sediar mostras, manteve, durante
longo período,cursos de gravura em atelier próprio, além de
outros cursos, inclusive sob a coordenação do crítico
Frederico de Morais. Museus, como o MAM de São Paulo, foram
responsáveis pela produção de eventos como o Panorama da Arte
Atual Brasileira, premiando artistas numa espécie de seleção
nacional dos melhores em cada área (pintura, desenho, gravura
e escultura) anualmente. Estes museus, públicos ou privados,
indistintamente, se articulavam e interagiam com o circuito
comercial de galerias. Uma mesma mostra, como a do grupo de
artistas argentinos da Nova Figuração, foi exposta no MAM do
Rio de Janeiro e na Galeria Bonino. O Museu de Arte de São
Paulo promoveu, conjuntamente com a galeria Arte Aplicada, a exposição do Móvel e Objeto Inusitado.
Cabe, portanto, apontar o fato de que as instituições por 232
^eu turno, se articulam em uma rede de relações interagindo e
alternando seus papéis.
Pode-se, assim, afirmar que a estrutura do sistema das
artes plásticas é responsável pela produção circulação e
consumo de objetos e eventos plásticos, garantindo-os com sua
legitimidade e se fortalecendo com o sucesso destas
realizações. Em torno desta estrutura, se articula tudo que
pode ou aspira ser considerado arte dentro da sociedade. Os
indivíduos nela inseridos são responsáveis por um processo de
legitimação (a rotularão a que se refere Howard Becker).
Participar deste sistema de relações significa poder rotular
como "arte" determinadas produções e como a "artistas"
determinadas pessoas.
O Sistema das Artes Plásticas é apresentado à população
em geral através dos meios de comunicação de massa. Pode-se
perceber que a existência deste sistema se complementa, à
medida que se fortalece a indústria cultural no país, com a
atuação dos meios de comunicação social. Um espaço específico
de divulgação das artes plásticas dentro dos meios de comunicação de massa dá a seu responsável uma posição garantida dentro do sistema das artes. Assim, por exemplo, vários periodistas, jornalistas que se especializavam no tema, como Olívio Tavares,Glney Cruse, ou Harry Lauss, se integravam ao sistema das artes e passavam a dispor dentro dele um poder de rotulação que foi proporcional ao poder de penetração dos 233
periódicos em que atuavam. Os meios de comunica— ção, como um
todo, não faziam parte do sistema das artes, mas este sistema
deteve espaços dentro dos meios de comunicação, os quais se
tornaram, assim, segmentos dos sistemas das artes, como, por
exemplo, as colunas de arte em jornais e revistas de grande
circulação e destinadas ao grande público. A importância destes meios de comunicação de massa estava ligado ao fato de que eles divulgavam uma imagem do sistema das artes ao grande
público, reforçando o elitismo e o signo de distinção deste
sistema. As matérias sobre artes plásticas ocupavam um espaço dentro das páginas de cultura, o que já as colocava no espaço mágico a que se refere Pierre Bourdieu. Em geral, utilizavam uma quantidade de adjetivos superior á utilizada em outras matérias. Referenciavam a presença de personalidades nos eventos e as cifras astronômicas que as peças alcançavam. Além disto, estas matérias estabeleciam sempre uma relação da arte com a distinção e sofisticação de gosto, utilizada inclusive como chamada em anúncios publicitários.
À primeira constatação básica sobre a estrutura complexa e articulada do sistema das artes plásticas e de sua lógica de distinção social, podem ser acrescentadas algumas conclusões relativas a sua inserção no processo histórico por que o
Brasil passava ao longo destes 20 anos a que o estudo se ateve: .
A primeira metade dos anos 60 foi um período de crescente 234
mobilização popular que ativava uma dinâmica cultural,
bastante politizada e voltada para os interesses das classes
trabalhadoras. Alguns setores da intelectualidade brasileira,
neste momento, inauguraram um novo modelo de atuação artística
comprometendo seu fazer com as lutas sociais que estavamse
desenvolvendo. Algumas práticas artísticas, como o teatro, a
música e o cinema, tenderam a se democratizar, alterando sua
produção e suas formas de difusão. Neste momento, as artes
pláticas mantiveram-se praticamente à margem destas
mobilizações. 0 sistema seguia o seu curso de atualização
internacionalizante, com predomínio das tendências abstracionistas, que vinham se impondo desde a década de 50.
Estas tendências alcançaram seu ponto máximo no início dos anos 60, com o concretismo e neoconcretismo. As renovações se desenvolveram sem maiores alterações na estrutura do sistema, e, principalmente, sem que as disputas sociais, que conflituavam a sociedade, os atingissem. Pelo contrário, as artes plásticas foram apresentadas como sincnimo de estabilidade e valor garantido. Neste período, o mercado de arte apresentou um crescimento significativo, com a criação de galerias empresariais, demonstrando que a crise que envolvia alguns setores da sociedade brasileira não o atingia.
Pode-se observar, em matérias publicadas em jornais e revistas, que as artes plásticas eram vistas como um investimento seguro e em ascensão, portanto digno de confiança, um espaço para as elites depositarem seus ganhos e auferirem, um status significativo. Módulos publicitários 235 destacavam o nível e a classe da arte brasileira e seu internacionalismo. A arte era vista também como um signo da modernidade que as elites implantavam desde a década de 50, com o fortalecimento de um parque industrial de bens de consumo duráveis.
Desenvo1vimentismo e modernidade artística foram signos dos novos tempos que estas elites propunham-se construir. Na crise deste modelo (61—64), os questionamentos sociais náo atingiram as artes plásticas, cujo público, restrito e sofisticado, permaneceu identificado com o projeto de modernização que os setorese médios questionavam no sentido de sua democratização. As artes plásticas mantiveram, neste momento de crise, seu espaço permanente dentro dos meios de comunicação social-, nestes não se percebe questionamentos mais profundos ou grandes antagonismos; pelo contrário, uma arte mais tradicional, figurativa, de inspiração modernista, seguia ao lado da abstração que se dividia em duas vertentes: uma mais informal e intimista e outra mais geométrica e racional.
Eram tendências estilísticas diferenciadas, que, inclusive, se identificavam com projetos e visão de mundo conflitantes, mas que se harmonizavam na manutenção da lógica de distinção do sistema das artes plásticas.
A partir de 64 esta harmonia no Sistema das Artes
Plásticas, foi rompida por demandas externas que introduziram mudanças no sistema. Neste estudo, evidencia-se que as 236 mudanças foram resultado de estratégias de subversão, empreendidas por setores sociais insatisfeitos com o projeto que os setores dirigentes das elites implantavam através do
Estado autoritário. Uma nova dinâmica se estabeleceu dentro da sociedade brasileira: o modelo político e social implantado após o golpe gerou resistências dos setores sociais discordantes e disputas entre os diferentes segmentos de classe dominante. Setores insatisfeitos com o modelo que se estava implementando, principalmente com seu caráter autoritário, tentavam reagir de diversas maneiras. Neste momento, em que a mobilização cultural estava diretamente influenciada por setores de classe média urbana e mesmo por setores descontentes da classe dominante no Sistema das Artes
Plásticas se disseminou uma série de estratégias de subversão que visavam alterar este sistema, favorecendo a maior participação do público nos processos de produção, circulação e consumo destes bens culturais. Esta orientação buscou desestabi1izar o sistema das artes em sua função de distinção social (seguindo um padrão generalizado na cultura brasileira neste momento), com o objetivo básico de mobilização da sociedade civil, numa tentativa de questionar e mesmo frear os avanços do autoritarismo.
Preocupados em encontrar formas de atuação, seguimentos do Sistema das Artes Plásticas questionaram o elitismo, usando como referencial as vanguardas internacionais mais críticas, como o Pop e a Nova Figuração. Com uma produção bastante 237
politizada, por exemplo, atuou o grupo Nova Objetiv idador que
incluía artistas iniciantes, como Antônio Dias, Rubens
Guerschmam, Pedro Escosteguy e outros, já consagrados, como
Hélio Oiticica e mesmo críticos de renome como Mário Pedrosa.
As estratégias de subversão internas ao sistema responderam às demandas da sociedade, sendo também ações políticas. Esta segunda metade da década de 60 foi, portanto, um momento
fértil, em termos de mudanças, dentro da estrutura do Sistema das Artes Plásticas, nele se implementaram experiências formais e sígnicas que foram retomadas posteriormente.
A fermentação que se pode observar de 64 a 69, dentro da cultura brasileira, introduziu alterações no Sistema das Artes Plásticas. 0 papel que os salões, por exemplo, passaram a desempenhar foi muito importante. Diferenciando-se do tradicional salão acadêmico e modernista, cuja função maior era legitimar artistas e difundir um estilo de vida, surgiram então, uma variedade e quantidade de salões financiados com verbas públicas ou privadas, cujo traço comum foi o caráter democratizante. Neles pode vir à tona uma produção mais questionadora, abrindo—se possibilidades de apresentação de obras que, por suas características de execução, não teriam possibilidades de serem exibidas em museus ou galerias. Os Salões foram espécies de Feiras de exposições daquilo que de mais novo e ousado se pensava e executava em artes plásticas. Era uma nova dinâmica, atraindo um público maior e mais diversificado. 238
À partir de 69, na medida em que o Estado autoritário se aprofundou,através do Ato Institucional n- 5, sustou—se o
processo mohilizador de resistência que se desenvolvia dentro do panorama artístico- Nos momentos mais fechados do autoritarismo, alguns segmentos do Sistema das Artes Plásticas se viram fortalecidos, com forte apoio estatal, através da criação de salões, como os dos Transportes e o da Eletrobrás, ou mesmo, pela transferência e concentração de renda, abrindo novas possibilidades de consumo de bens de luxo. Investir em artes plásticas, como fonte de legitimação e de status econômico, se tornou um padrão das novas elites. No novo modelo econômico, sob a pressão de rígida censura, o mercado de artes plásticas pode alcançar um desenvolvimento significativo. Assim, à ampliação de público proposta ao longo dos anos 60, sucedeu um mercado consumidor restrito e elitizante. Na primeira metade da década de 70, o Sistema das
Artes Plásticas retomou seu elitismo com o apoio seguro e permanente do Estado, servindo ao mesmo tempo á consolidação da hegemonia dos segmentos de classe dominante que assumiram o poder através do Estado autoritário.
□ Sistema das Artes Plásticas, como legitimador da distinção, de determinados grupos sociais reforçou a separação entre "arte" e "não arte", utilizando estratégias de conservação que foram desde a desarticulação de iniciativas democratizantes como feiras e outras propostas do mesmo gênero, até a implementação e favorecimento de processos de 239
exoerimentação intelectualizados e herméticos de difícil
apropriação pelo público. O controle do Estado, em relação aos
limites políticos que as práticas artísticas podiam desempenhar, ofereceu ao sistema um reforço externo de
repressão e censura. 0 sistema, assim, não aparecia como
repressor ou limitador, mas antes como um espaço de liberdade.
Neste período (69 a 73 mais especificamente) o Estado que deteve o controle do que podia ser dito ou feito em termos gerais na sociedade brasileira, e, assim também, nas artes plásticas.
Foi, portanto, no período que se estendeu entre 69 e 75, que o sistema das artes plásticas no Brasil consolidou a forma elitista e aparentemente despo1itizada que seguiu posteriormente. E o fez com o apoio do Estado autoritário; censura e financiamento foram as estratégias utilizadas. Este papel do Estado, no entanto, foi bastante encoberto e paralelamente, o sistema das artes plásticas procurou passar uma imagem de descompromisso e autonomia, irreal em um país como o Brasil, em que o mercado de bens culturais de luxo era restrito ou irrisório, se comparado a países desenvolvidos. Mesmo na etapa seguinte, quando os setores empresariais responsáveis pela comercialização, tenderam a assumir o controle do sistema, retirando das mãos do estado um maior compromisso com a manutenção destas práticas artísticas, na medida em que elas obtinham uma estabilidade de mercado, o
Estado permaneceu ainda como um grande cliente desta 240
comercialização.
À partir de 1975, o sistema das artes plásticas
evidenciava já uma estrutura compatível com o avanço das
relações capitalistas monopolistas dominantes no país. A empresa privada, através de seus segmentos especializados
(marchand) assumia o comando do sistema, estimulando a progressiva setorização da produção e comercialização.
Galerias se especializaram em gravuras, outras em objetos ou arte conceituai e, outras ainda, em uma produção mais acadêmica e conservadora. 0 setor da comercialização tendeu a absorver e controlar a difusão e a produção, articu1ando-se de forma setorizada, por tendências, como o sistema internacional. Não ocorria mais a simples absorção de modelos e estilos, mas um entrosamento estrutural, na medida em gue os mesmos procedimentos de produção, consumo e difusão internacionais foram utilizados dentro do sistema local. O espaço de despolitização se fez, então, não mais por uma censura direta, mas pela prõpria ideologia de uma arte pura, ideologia da arte autônoma, oairando acima das condições de produção.
G setor empresarial, consolidado, a partir da segunda metade da década de 70, atuou basicamente nos setores de comercialização e difusão, favorecendo a troca entre os capitais cultural, econômico e social. Nesta troca, as empresas de comercialização participavam também na 241
constituição do valor simbólico que acrescentavam à obra,
através de suas relaçóes com a estrutura do sistema das artes
plásticas, estabelecendo legitimidade dos produtos e processos
artísticos. O setor empresarial teve forte participação
quando, por exemplo, organizou a mostra "Art& Brasileira
Hojez 5O anos depoiseditando um catá1ago-1ivro. O prestígio
que determinadas empresas obtiveram com sua atuação, as
legitimava como rotuladoras. Expor um artista, com a
apresentação de um crítico (muitas vezes por ela contratado),
divulgar o evento nos meios de comunicação e referendá-lo com
sua tradição acrescentavam à obra um valor simbólico que se constituía também em valor de mercado.
A análise da atuação de Sistemas das Artes Plásticas nas décadas de 60 e 70 nos permite algumas considerações gerais. A primeira delas é a de que, no Brasil, neste período o Estado ampliou progressivamente sua ação junto ao Sistema das Artes
Plásticas, cumprindo três tarefas básicas: estancar as propostas democratizantes e participativas que se formularam na segunda metade dos anos 60; de forma indireta, através do processo de concentração de renda, favorecer o fortalecimento do mercado das artes; instaurar, por meio de várias formas de apoio, o laboratório experimental de uma arte formalista e conceituai que este mercado absorveu.
□bserva-se assim que o Estado interferiu decisivamente, de forma direta ou indireta, na adequação do Sistema das Artes 242
Plásticas à lógica de mercado, garantindo, assim, a
manutenção do elitismo que por sua vez, era útil à legitimação
de um regime político autoritário, portanto também elitista.
A segunda consideração geral é de que, durante o período
em estudo, o Sistema das Artes Plásticas, assumiu
progressivamente um tendência internacionalizante no contexto
do processo global da economia brasileira. A
internacionalização do Sistema das Artes Plásticas se deu em
função de dois fatos principais: a expansão da indústria
cultural que atingiu amplas camadas da população, divulgando e
inundando seu cotidiano de padrões culturais, internacionais e a identificação das elites brasileiras com os valores das elites internacionais com que se aliaram. Na produção local, o
Sistema das Artes Plásticas incorporou modelos e padrões estéticos dos pólos hegemônicos a nível internacional, seguindo suas correntes estilísticas. Além disso, ampliou—se os intercâmbios entre as instituições locais e suas congêneres in ternac ionais.
Finalmente, cabe apontar uma consideração geral fundamental para a compreensão do Sistema das Artes Plásticas, neste período: apesar das tentativas da modificações democratizant.es em determinado momento, este sistema manteve sempre um papel elitista no conjunto das práticas artísticas no pais, servindo à distinção daqueles grupos restritos que a ele podiam ter acesso. 243
Se, no entanto, o Sistema das Artes Plásticas, mantendo sua especificidade, está relacionado como meio social em que se encontra, dele recebendo, como se viu, influências fundamentais, considera—se que a manutenção do elitismo ou democratização deste sistema dependerão, em grande parte, do próprio curso seguido pela história brasileira. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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"OPINIÃO 65" - Ciclo de Exposições sobre arte no Rio de Janerio - Galeria de Arte, BANERJ - Rio de Janeiro, 1986.
WALDEMAR CORDEIRO: Uma aventura da razão. Apres. Aracy Amaral. MAC/USP, São Paulo, ago. set.1986.
LVGIA CLARKE E HÉLIO OITICICA - Sala especial do 9? Salão Nacional de Artes Plásticas Rio de Janeiro. Paço Imperial, nov.dez.86. MAC/USP, São Paulo, nov.dez.1987.
NOVA FIGURAÇÃO - Rio/Buenos Aires. Apres. Paulo Herkonhoff, MAM/Rio de Janeiro, dez. 1987.
BIENAL INTERNACIONAL DE SAO PAULO - Fundação Bienal de São Paulo, São Paulo, 1961, 1963, 1965, 1969, 1970, 1971, 1973, 1975,1979,
BIENAL NACIONAL - Fundação Bienal de São Paulo, São Paulo,
1964-1966.
BIENAL LATINO AMERICANA DE SAO PAULO - Fundação Bienal de São Paulo - São Paulo, 1978. 262
PANORAMA DA ARTE ATAUL BRASILEIRA - MAM - São
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1978, 1979, 1980.
BIENAL INTERNACIONAL DE VENEZA - Veneza, Itália, 1960-1964. 263
- Entrevistas Realizadas
Carlos Zillio - 06 nov. 1987, Rio de Janeiro. Vera Chaves Barcelos - 23 set. 1987, Porto Aleqre Gilberto Salvador - 02 dez. 1987, São Paulo. Arma Bella Geiger - 11 out. 1987, Porto Alegre. Roberto floriconi - 05 nov. 1987, Rio de Janeiro. Aldemir Martins - 10 nov. 1987, São Paulo. Carlos Von Schimt - julho 1987, São Paulo. Frederico Morais - 26 jul. 1988, Rio de Janeiro. Carlos Fajardo - 11 nov. 1987, São Paulo. Giovana Bonino - 22 jul. 1988, Rio de Janeiro. Renato Rosa - agosto 1987, Porto Alegre. Yokata Toyota - 12 out. 1987, São Paulo. Pedro Escosteguy - dezembro 1987, Porto Alegre.
Arquivos Consultados
Museu de Arte Contemporânea - USP, São Paulo. Museu de Arte Moderna - São Paulo. Museu de Arte Moderna - Rio de Janeiro. Museu de Arte de São Paulo - São Paulo. Museu Nacional de Belas Artes — Rio de Janeiro. Museu de Arte Brasileira - FAAP. São Paulo (não dispõe de material para consulta). Museu Lazar Segai - São Paulo. Fundação Bienal de São Paulo - São Pauloa. Pinacoteca Estadual de São Paulo - São Paulo. LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 - INSTITUIÇÕES > • LJ i_l
ANEXO 2 - SALÕES i ■ jc_'PAA OO
ANEXO ■j» — RESUMO JB - década de 60 - MAM - Jornal
do Brasil - Rio de Janeiro 267
ANEXO 4 - Livros de Artes Plásticas Publicados,
no Brasil nas décadas de 60 e 70 269
ANEXO 5 - Atuações das vanguardas 1965-1975 .--271
ANEXO 6 - Lista de Artigos Citados em Catálogo
de Leilões (1975) m X~274 / *T
ANEXO 7 - Relação das Galerias 275
ANEXO 8 - Lista de Galerias com Exposições, apre-
sentadas pela Folha de São Paulo - se-
ção "Exposições" » JC-277 / /
ANEXO 9 - Júris do Salão Nacional de Arte Moderna . ...281
ANEXO 10 - - Juri Jovem Arte Contemporânea/MAC-USP . 283 6 77 8 79 Maria Edson j Maria Maj ar£ flotta Luiza Gastei o Carragom Branco
Mdurlcxo Pedro Heloísa Carlos Rober to Pereira Aleixo Junqueira Filho Custosa Avres
Wolfang Pteiffer Alfredo Clóvis Gomes Walter Aracy Graciano Wey Amaral
Roberto Parreira
RJ - Fede tec^ do Es E - RJ - F «iu Art-& 0 4 n CO o: t CL a o (/) L0 aO a: V» a *40 i n £ iT ^ 0.l/l • T3 • cn Dd u.Oi * CL u. v, Ui01 • I w i -ad oi uioi * u. «L I UJ v». .0o ^ H 01 V. * *43 C1 Wd Çd a:i/i a. i ♦oi> • l/l H<1 Qü. Ui ?Jf.1 01 LL 01 CD ^ 01 UO I UJ - UJ01 c« if&i 267 ANEXO 3 RESUMO JB - década de 60 - MAM - Jornal do Brasil Rio de Janeiro Obs: As exposições marcadas com asterisco foram realiza- das na Galeria Bonino. 63. Volpi 64. Maria Leontina Dj anira Flávio Shiró Iberê Camargo * Emeric Mercier Milton Dacosta Ivan Freitas Frans Kracjberg Lygia Clark * Antonio Bandeira Darei Valença Manabu Mabe Augusto Rodrigues Bruno Giorgi Isabel Pons M. Grassmann Newton Cavalcanti * Fayga Ostrover 65. Di Cavalcanti 66. Abrâo Palatinik Ivan Serpa Tomie OtaKe Rubens Guerchman Yolanda Mohalyi * Raimundo de Oliveira Gastão Manuel Henrique Franz Krackjberg Benjamm Silva Sérgio Camargo Frank Scaeffer Farnese de Andrade Maurí cio Sa1gueiro Arthur L. Pizza Antonio Dias Ana Letycia Ivan Serpa 67. * Iberé Camargo Roberto Magalhães João Amaglia Maciel Babinski Carlos Scliar 268 Geza Hei ler Gastão M. Henrique Dora Basilio Farnese de Andrade Fayga Ostrower 68. Ana Bella Geiger M. Bonomi Antonio Dias Mario Cravo Jr. Carlos Vergara Roberto Magalhães Milton Dacosta % Aldemir Martins * Rubem Valentim * Arthur L. Pizza 70. Tarcila do Amaral Marcelo Grassmann * Emanuel Araújo Newton Cavalcanti Ascanio MMM Vilma Martins Humberto Espindola * Sônia Ebling Toyota Rubens Guerchman Vanda Pimentel Dileni Campos Vicente Rego Monteiro Ubi Bava 69- * lone Saldanha Antonio Maia Ivan Freitas * Abelardo Zaluar % Ivan Serpa * Amélia Toledo Sanson Flexor * Raimundo Colores Ana Letycia Carlos Vergara Fayga Ostrower Tomie Otake Franz Krajcberg Tomoshige Kosuno José Lima Darcilio Lima Darei Valença Fornese de Andrade Lygia Clark * Hélio Eichbauer 269 ANEXO 4 Livros de Artes Plásticas publicados, no Brasil nas décadas de 60 e 70. Década de 60 - AYALA. Walmir. A Criação Plástica em Questão. Petrópolis, Vozes, 1970. - BARDI, Pietro M- Profile of the new Brazi1ian art. São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Kosmos, 1970. Quem e Quem nas letras e nas artes no Brasi1. Ministério de Relações Exteriores - Departamento Cultural e de Informa- ções. Rio de Janeiro, 1966. - PONTUAL, Roberto. Dicionário de Artes Plásticas no Brasi1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1969. Obs: Estas publicações tém poucas ilustrações e em branco e preto, o papel utilizado é tipo sulfite e a encadernação é brochura, com exceção do "Profile of the new Brazilian art" que apresenta já o padrão das publicações da década seguinte. Década do 70 - CAVALCANTI, Carlos (org. ) . Dic ionário de Artistas Plásticos. MEC/Instituto Nacional do Livro, Brasília, 1973. 270 - PONTUAL, Roberto. Arte/Brasi1/Hoie - 50, anos depois. SSo Paulo, Collectio, 1973. (Livro—Catálogo). ~ - Arte Brasileira Contemporânea. Assis Chateaubriand, Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1976. ~ (orq.). Visões da Terra. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1977. (Livro—Catálogo). - AYALA, Walmir. O Brasi1 e seus Artistas. Brasília, MEC, 1979. - KLINTOWITZ, Jacob. Versus: 10 anos de critica de arte. São Paulo, Spade, 197S. - FUNARTE - COL. Arte Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro, 1978/79. - LEITE, José Roberto Teixeira e MANOEL, Pedro. Arte no Brasi1. São Paulo, Abril, 1979. Obs: Estas publicações são fartamente ilustradas (algumas delas basicamente com fotos coloridas) papel tipo couchete encadernações com capa dura, aparência sofisticada em termos de capa e diagramação. Obs: estes livros eram aqueles organizados a partir da citação de nomes de artistas plásticos contemporâ- neos. 271 ANEXO 5 ATUAÇÕES DAS VANGUARDAS 65-75 65 - "Opinião 65" - MAM Rio de Janeiro- Org Ceres Franco e Jean Boguichi - "Propostas 65" - FAAP- São Paulo. Org Wa1demar Cordeiro. 66 - "Pare" - Galeria G4 Rio de Janeiro- Grupo ligado a Antonio Dias. - Inauguração galeria Rex. São Paulo. Grupo ligado a Wesey Duke Lee - "Opinião 66" - MAM- Rio de Janeiro. - "Propostas 66" Biblioteca Municipal. São Paulo. - "Vanguarda brasileira" UFMG. Belo Horizonte. Org. Fre- derico Morais. - "Do corpo a Terra" Hidrominas. Belo Horizonte. Org. Frederico Morais. - "Agnus Dei" Petite Galerie. Rio de Janeiro. 67 - Declaração de Princípios da vanguarda Brasileira- Org- Pedro Escosteguy. - "Nova Objetividade" MAM. Rio de Janeiro- - "6 pintores da Nova Objetividade" galeria IBEU- São 272 Paulo. - "Rex Caputz" - Rex Galerie. Sâo Paulo. - "Salão das Caixas" - Petite Galerie. Rio de Janeiro. Org. Franco Terranova. - "Bandeiras e Estandartes" Galeria Atrium. São Paulo. 68 - "Domingo das Bandeiras" - Rio de Janeiro. - "I Feira de Arte" XX AIAP. Secção Guanabara. Rio de J anei ro. - Criação da Unidade experimental do MAM. Rio de Janeiro. - Cildo Meireles Luiz Alphonsus, Frederico Morais. - "O artista Brasileiro e a Iconografia de massas". MAM. Rio de Janeiro. F Morais. - "Arte no Aterro". Parque do Flamengo. Rio de Janeiro, ürg. Frederico Morais. 69- "Supermercado de Artes". Rio de Janeiro. Org. Jaksom Ribeiro. - "Salão da Bússola. Sala quente. MAM Rio de Janeiro. 70 a 74 - Grupo Escola Brasil - São Paulo. Nasser, Fajardo, Resende, Baraveli. 71 - "Domingos de criação" MAM. Rio de Janeiro. Org. Frederico Morais. — "Arteônica" — FAAP. São Paulo. Org. Maldemar Cordeiro. 273 72 - "Acontecimentos" - MAC/USP. São Paulo. Org. Walter Za— nini . 73 - "Significado, natureza e função da obra de arte". IBEU, Rio de Janeiro. Org. Frederico Morais. - "Expo-projeção" - GRIFFE. São Paulo. Org. Aracy Amaral. 74 - "Prospectiva 74" - MAC/USP. São Paulo. Org. Walter Zani- 75 - Criação do Espaço Experimental do MAM. Rio de Janeiro. Org. Cildo Meireles. - "I Exposição Internacional de Arte Postal" - Recife. Org. Paulo Brusky. 274 ANEXO 6 Lista de Artistas Citados em Catálogos de Leilões (1975) Gbs.. foram relacionados somente aqueles que aparecem pelo menos em 3 dos 5 catálogos analisados. 9J. lectio Uirapuru Da Praça Bolsa de Arte Arte em Leilão Idemir Martins Aldemir Aldemir Aldemir ^nelli * Aldemir Martins lanei 1i lanei 1i Snadei + Bonadei Bonadei Bonadei ^ b i n s k i Babinsk i Babinski ^ndeira % Bandeira Bandeira ^ico da Silva □ Chico Silva i Cavalcanti # Chico da Silva Di Cavalcanti Di Cavalcanti ^ Costa Di Cavalcanti Da Costa Da Costa Da Costa ^ávio Carvalho Da Costa F. Carvalho F. Carvalho ^mide F. Carvalho Gomide Gomide ^assman Gomide olassman G1assman G1assman llignard # G1assman Guignard Guignard Guignard ^ilherme Faria G. Faria ^Qres Ingres • Leontina * M. Leontina ^mael Nery • I. Nery I . Nery I . Nerv ^ávio Araújo O. Araújo O. Araújo iosola O. Araújo Odriosola Odriosola ^ncetti # Pancetti Pancetti Pancetti Pancetti ^nacchi + Penacchi Penacchi ^rtmari # Portinari Portinari Portinari ^imundo Portinari 'iveira a R. Oliveira R- Oliveira R. Oliveira ^bolo # R. Oliveira Rebolo Rebolo ^gaud Rebolo Sigaud Sigaud ^sila + Tarsila Tarsi1 a Tarsila Tarsila Tuneu Vol pi Vol pi Vol pi Viscon ti Visconti Visconti Zanini Zanini Zanini R. Monteiro R. Monteiro Carybe Carybe Carybe Pizza Pizza ^ 1 d i Goe1d i Goeldi Abstratos Modernistas ^rimi tivos 275 ANEXO 7 Relação das Galerias. São Paulo, Data de Inauguração DATA GALERIA 1957 OCA 1959 ANDRÉ 1959 ASTREIA 1964 AZULÃO 1966 COSME E VELHO 1966 MIRANTE DAS ARTES 1966 COSEME VELHO 1967 A GALERIA 1968 AUGOSTO AUGUSTA 1968 PORTAL 1969 OPUS 1969 DOCUMENTA 1971 EUCATEXPO 1971 ARTE APLICADA 1971 ESPADE 1973 MÚLTIPLA DAS ARTES 1973 RENATO M. GOUVEIA 1973 SARUTAIA 1973 VANGUARDA 1973 ACADEMUS 277 ANEXO 8 LISTA DE GALERIAS COM EXPOSIÇÕES, APRESENTADAS PELA FOLHA DE SXQ PAULO - SEÇXO "EXPOSIÇÕES" Dezembro 61 - Galeria de Arte da Folha - De Cont, Regina Silveira, An Kenda1. - MAM - VI Bienal de São PaLilo. - Casa do Artista Plástico - R. Nestor Pestano 115. - Esmeia Coarcci e Anésia Teles. - Gal. São Luiz - Av. São Luiz 130 * Antonio Bandeira. - Gal. Vila Rica - R. Barão do Itapetininga 275 * - Pintura nacional (vários) - Gal. Ambiente - Martins Fontes 205 * — Fernando Odriozola - Gal. Astréia - Praça Ramos de Azevedo 209 * - Douglas Marques de Sá - Gal. Sistino - Augusto 1791 * - Heitor dos Prazeres - Clubinho - Bento Farias s/n - Marcelo Gross mom e Mario Truber - Gal. I tá 278 — Acervo - Gal. Prestes Maia - exposição de solidariedade com exilados políticos de Port. e Esp. - ACM — Cerâmica de Rancho Laterno- - Petite Galerie - Paulista 1731 # - Mario Cravo - Gal. Studio Toya. Augusta 464 # - Acervo - Loja do Livro Italiano — Baro Itapetining 140 # - Arte Grafica Chinesa - Museu Arte Brasileira - FAAP - Alagoas 903 - Arte infantil Legenda: * Centro <& Jardins 279 LISTA DE GALERIAS COM EXPOSIÇÕES, APRESENTADAS PELA FOLHA DE SÃO PAULO - SEÇÃO "EXPOSIÇÕES" Dezembro 7b - Gal. Espade - Planpono 929 ^ — Yolanda iiotta e Steval Forte - Gal. Chelsea - Augusto 1931 # - Sanson Flexor - Gal. Global - Hadok Lobo 1397 # - Nelson Leirner - Gal. Sarabataiá - Al. Franca 63 # - Domingos Ugo Face - Biblioteca Mário de Andrade - Livro Israelense - Gal. Quarto crescente. Palmeiras 73 - Philip Hallawell - Gal. Guimar - Hadok Lobo 356 - João Porisi Filho - MASP - Shoko Suzuki - Gal. Astréia - Padre João Manoel 1253. - Gravuras nacionais e estrangeiras. - Gal. Paulo Prado - Eng. Alcides Barbosa 47 - Carlos Magno 280 - Gal . Pátio - Av - Angélica 2016 - Aldemir Martins ~ MAC - Acervo - Gal. Contorno — Hadok Lobo 1544 # - Agislous - Gabinete de Artes Gráficas - Hadok Lobo 1568 - Júlio Plazzo - Gal. Domus - Padre Manoel 861 - Renzo Gori - Gal. Dofan ~ Itambé 4 - Exposição conjunta - Gal. Prequeté - (Embu) - Joel Camara - Museu Lazar Segai - Faria Lima 1760 - MAM - Panorama da Arte Atual Brasileira - Gal. Bonfigliolli — Augusto 2995 - Odeto Guersoni - Gal. Cangás - Augusto 1600 # - Tão Siguldo - Gal. Modular - (Perdizes) - Maurício Nogueira Lima ANEXO 9 JÚRIS DO PALCO NACIONAL DA ARTE MODERNA 60 - Lorival Tomé Machado, Milton Dacosta, Marco Pedrosa. 61 - Geraldo Ferraz, Carlos Cavalcanti, Rubem Bustamonte Sá., 62 - Yolanda Mohalyi, Fayga Ostrower, Antonio Bento. 63 — Ernani Vasconcelos, Joaquim Tenreiro, Edson Mota. 64 - Flavio de Aquino, Carlos Magno, Sigoud. 65 - Carlos Cavalcanti, Rubem Bustamonte Sá, De Figueiredo. 66 - Abelardo Zaluar, darei Valenço, Quirino Campoflorito. 67 - Walter Zanini, Aloisio Carvão, Antonio Bento- 69 - Marcelo Grassmann, Antonio Bento, Walmir Ayala- 71 - Carmem Portinho, Aloisio Carvão, Waldyr Mattos- 72 - Aluisio magalhães, darei valenço, Carmem Portinho. 282 74 - Walmyr Ayala, Alfredo Vitter, darei Valenço. 75 - Onofre Penteado, Roberto Marinho de Azevedo. — ^ Nacional de APL. Cl^rido Geada, Edy carollo, Walmir Ayala, Fernando Bolonha, Reis Júnior, Wolfang Pfeiffer - indicados para FUNARTE. 1979 - Sala Nacional de Arte Plástica - Walmyr Ayala, Clérido Geada, Vicente de Pérsia, Geraldo Edson de Andrade, Carmem Portinho, Quirino Campofiorito, José Cândido de Carvalho. 283 ANEXO 10 JURI JOVEM ARTE CONTEMPORÃNEA/MAC-USP 67 Seleção - José Geraldo Vieira, Caciporé Torres (eleito) Walter Zanini. Premiação - Ryszard, Stanislawski, Eduardo Wilde (diretor Museu Amsterdan, Walter Zanini. 68 - Maria Eugênia Franco, Nelson Leirner, Walter Zanini. 69 - Wolfang Pfeiffer, Nelson Leiner, Walter Zanini. - Liseta Levy, Dova Ludis, Walter Zanini. 71 — Walter Zanini, Theon Sapadanius, Frederico Nasser, Anésia Pacheco Chaves, José Geraldo Vieira. 7^ — Eliminou o juri e não concedeu prêmios. Houve uma escolha final dos trabalhos ou de sua documentação que se destinou à coleção do museu.