A Representação Da Mulher Nas Telenovelas Brasileiras Nos Anos 90
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A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NAS TELENOVELAS BRASILEIRAS NOS ANOS 90 Apresentação e Introdução A partir das reflexões sobre o papel da mulher na história dos tempos, justifica-se a minha preocupação em relação ao tema. Primeiro pelo fato de ser mulher; segundo pelo fato de não se aceitar discriminação tão gritante num mundo que se coloca como moderno ou pós-moderno. Acrescenta-se a tudo isso o meu desenvolvimento profissional no campo da educação e da comunicação: a preocupação com os valores humanos, com a ética e a cidadania, faz-me debruçar sobre os aspectos da realidade em que vivemos e discuti-los, buscando intervir no processo histórico e possibilitar mudança de comportamento e de valores. Portanto, traçar um perfil da mulher, a partir das intersecções História e Telenovela, é intento dessa pesquisa, bem como a denúncia das máscaras sociais ao lado da desmitificação da mulher ou a percepção do universo feminino sob forma de estereótipos. Em síntese, a pesquisa poderá - desejo nosso - contribuir para a análise das inter-relações entre a realidade e a ficção no que se relaciona ao tema MULHER e a sua representação, ver as suas circularidades e em que medida uma realidade colabora com a outra, apesar das especificidades de cada uma. Este trabalho parte do resultado parcial do trabalho coordenado pela Profa. Dra. Maria Aparecida Baccega 1 A Mulher e a Realidade Brasileira - Aspectos Gerais Às portas do século XXI, quando se acentua o processo de globalização, e a Internet torna os países vizinhos entre si - a desterritorialização - questões substanciais não são e nem foram resolvidas, ratificando a intolerância das pessoas, seus preconceitos, suas discriminações, uma vez que o cenário mundial ainda mantém como atores os 1O projeto de pesquisa é desenvolvido na ECA/USP e é um dos dez subtemas do grande tema Ficção e realidade: o Brasil na telenovela, a telenovela no Brasil .Intitula-se O Campo da Comunicação: Os valores dos Receptores da Telenovela. Visa conhecer como se dá a produção, a emissão e a recepção de valores sobre o tema família e os subtemas relacionados a ele. Foram analisados discursos da população e telenovelas no período de 86-97. excluídos: os pobres, os negros, os judeus e também a mulher, que luta também por condições dignas de vida. Em 1995, foi realizada a IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, com representantes de 185 países, sob o amparo das Nações Unidas (ONU), historiando um pouco mais esse quadro no que tange à desigualdade nos mais diferenciados aspectos: o problema da igualdade jurídica, condições de trabalho e discriminação salarial, educação, acesso ao poder, autodeterminação dos direitos reprodutivos, violência e vida familiar. Todos esses desníveis atentam para os tão proclamados direitos iguais já efetivados (e de forma perfeita) pela Carta Brasileira de 1988. Sendo assim, lê-se no artigo 1 que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa de ambos os sexos. Confirma-se a igualdade genérica de todos perante a lei, no caput do art.5, inciso primeiro: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Tudo isso se estende para o trabalho, para a família entre outros. Em termos de panorama mundial, a mulher é o retrato fiel da discriminação; segregação esta minimizada em alguns países, agravada em outros, mas se ratificam situações de intolerância. Preocupante é também saber que há, no planeta, 2,8 bilhões de mulheres, a maioria delas distribuídas pelos países da Ásia e da África. metade está em idade reprodutiva, ou seja, entre 15 e 49 anos de idade. Conforme as projeções demográficas, este grupo tende a aumentar cerca de 400 milhões, ou 14%, nos próximos trinta anos. Só houve, em relação à mulher, permanência de um quadro que confirma a sua estagnação apesar de lutar pelo contrário? Não, não se podem negar as evoluções ocorridas, mesmo que débeis se considerarmos o momento em que vivemos. Em termos de Brasil, podemos perceber determinados avanços nesse sentido. As profissões liberais passaram, nos últimos quarenta anos, por transformação significativa. A advocacia e a medicina, em especial, receberam profissionais qualificadas, chegando, em alguns casos, a superar o número de homens. Contudo, ressalta-se o domínio masculino na docência universitária, embora seja crescente a presença feminina. No ensino de primeiro e segundo graus, as mulheres predominam. Um crescimento auspicioso da participação feminina nos cursos de pós- graduação. Há segmentos nos quais a participação das profissionais de nível universitário encontra resistência. Exemplo disso, no Estado de São Paulo, o Poder Judiciário, uma vez que, no Tribunal de Justiça, não há uma só desembargadora. Na carreira militar, a mulher também não pode galgar altos postos, os de general por exemplo e nem mesmo na vida religiosa a discriminação da mulher deixa de existir; uma mulher não pode ser papisa, por exemplo, ou mesmo ser madre que possa rezar uma missa. Assim, Lígia Amâncio (1994), ao discutir as relações de gênero, mostra que, por muito tempo, considerou-se que a diferença biológica entre os sexos implicava diferenças psicofisiológicas, idéias essas presentes tanto em Durkheim quanto em Freud. Contudo a autora avança nas discussões e mostra que muita coisa mudou desde o início do século. Hoje, as diferenças entre os sexos são atribuídas não mais aos fatos da natureza mas sim aos fatos sociais; sua identidade se constrói na natureza do tecido das relações principalmente. Claramente, coloca-se em discussão a idéia de que às mulheres se deve atribuir um maior interesse pela esfera das relações e dos afetos e aos homens uma maior preocupação pela autonomia e eficiência. Muito mais que questão biológica o problema parece residir no universo cultural. Realidade e Ficção - A Mulher em Movimento na Vida Social e na Telenovela: Reflexão e Refração da Realidade Por que telenovela? Porque, de um lado, ela opera um verdadeiro campo de comunicação a interação entre o pólo da emissão - os autores ou mesmo a própria televisão - e o pólo da recepção - os telespectadores - uma vez que a sua abrangência é significativa; diferentes níveis socio-econômicos e diferentes faixas etárias e de sexo consomem o produto cultural, que é a telenovela com um objetivo determinado - o entretenimento. De outro, não se pode entender o fenômeno telenovela sem considerarmos o seu significado econômico2 ou na concepção de Adorno e Horkheimer “divertimento administrado” ou estandartização da cultura cujo perigo está na padronização das consciências. Se não é exatamente assim como falaram os frankfurtianos, também não é tão descomprometida essa relação, apesar da ambigüidade e da individuação da obra ou da tão discutida “zona de criação e talento no seio do conformismo estandartizado” de Edgar Morin em O espírito dos tempos. Um não elimina o outro: a grande audiência faz com que ela tenha que ser média, mediana, ou seja, faça com que uma grande maioria se identifique com os valores e situações que estão sendo veiculados. O total vanguardismo não pode predominar. Apesar do predomínio do entretenimento, não se anula a idéia de crítica ainda que velada. Partimos do pressuposto de que a Telenovela não cria as situações que são colocadas em seu enredo, elas são extraídas da vida social. No entanto, queremos saber até que ponto ela apenas reproduz o social (as permanências), até que ponto ela inova (as mudanças) ou mesmo até que ponto ela já aponta certa tendência social ainda que não acentuada quantitativamente. Ou como diz Artur da Távola (1996-13): “A tevê incorpora tendências emergentes em estado de aceitação ou já aceitas, operando com o código conservador. Mas como precisa avançar na relação como o mercado, conduz o código conservador ao limite do permitido. E o máximo que se concede é a transgressão, imediatamente calada para que o código volte a imperar. Os sistemas permitem a infração, jamais a revogação ou a substituição do código pelo que asseguram os conteúdos da ideologia dominante.” Para entender melhor essa relação entre ficção e realidade descartando a idéia de superficialidade do texto da telenovela e a sua relação com os telespectadores, Artur da Távola afirma que a telenovela é um produto peculiar e nela coincidem cinco vias (os cursos da comunicação): o discurso, o excurso, o recurso, o incurso e o transcurso. Amor e Família no Brasil O amor romântico e a família burguesa são ingredientes significativos da telenovela brasileira. Assim, a família urbana é o traço predominante. O casamento é ainda uma escolha conveniente e também intencionalmente usado como degrau de ascensão social, ainda hoje. 2Ortiz, Renato e Ramos, José Maria Ortiz. A produção industrial e cultural da telenovela. In: Ortiz, Renato et alli.Telenovela. 2a.ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. p.111-182. Nesse sentido, Maria Ângela D’Incao (1989-10) centra a discussão sobre o tema falando, principalmente, do amor romântico e da família burguesa: “Por família burguesa estamos entendendo aquela que nasceu com a burguesia e que vai em seguida, com o tempo, caracterizar-se por um certo conjunto de valores, que são o amor entre os cônjuges, a maternidade, o cultivo da mãe como um ser especial e do pai como responsável pelo bem-estar e educação dos filhos, a presença do amor pelas crianças e a compreensão delas como seres em formação e necessitados, nas suas dificuldades de crescimento, de amor e de compreensão dos pais”. Substitui-se, então, o casamento por aliança política e econômica pelo casamento por amor. Pelo menos é este o princípio. E é este tipo de família (a nuclear, moderna) e de casamento que a telenovela vai abordar em essência, embora já surjam outros elementos que transgridem esta estrutura. Hoje, os padrões de comportamento não são os mesmos do século XIX. As suas marcas é que se definem neste século.