Gudbem Castanheira, Esta Entrevista Faz Parte De Um Trabalho Que Tem Por Finalidade Recuperar a Memória Da Campanha Da Legalidade
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Gudbem Borges Castanheira Transcrição da íntegra de depoimento 13 maio de 2011 Este trabalho é parte às comemorações relativas ao Cinquentenário do Movimento da Legalidade Entrevistadores: PROFA. CARLA BRANDALISE PROF. LUIZ ALBERTO GRIJÓ Local: Memorial do Legislativo 2 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Entrevista com o Sr. Gudbem Borges Castanheira ASSUNTO: Legalidade Porto Alegre - 13-05-2011 A SRA. CARLA BRANDALISE – Dr. Gudbem Castanheira, esta entrevista faz parte de um trabalho que tem por finalidade recuperar a memória da campanha da Legalidade. Para tanto, gostaríamos de saber, por exemplo, qual foi sua participação na Assembleia naquele momento. Qual foi sua posição na Assembleia em relação à posse do Jango? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Eu era deputado estadual pela bancada do Partido Libertador, que fazia oposição ao governador Brizola na época. No entanto, por ocasião da Legalidade, a sigla partidária ficou de lado, porque nós, como bacharéis de Direito, tínhamos de pugnar, lutar pela norma legal, pelo princípio jurídico. Então, quando o governador Brizola lançou a campanha da Legalidade, nós deixamos de fora as legendas e ficamos ao lado da lei. A SRA. CARLA BRANDALISE – No começo da manifestação, da movimentação pela Legalidade, algum deputado demonstrou resistência a apoiar a campanha, a posse do Jango? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Uns 10 ou 15 deputados ficaram neutros, mas a maioria se manifestou pela posse do Jango, porque ele era uma pessoa excepcional. Embora adversário político, era um tipo cavalheiro, um gaúcho autêntico, um homem que dava valor não tanto à sigla partidária, mas, sim, à personalidade do indivíduo com o qual dialogava. A SRA. CARLA BRANDALISE – E como se dava, antes da Legalidade, a relação do seu partido com o Brizola? Como eram as relações? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Antes da Legalidade, o nosso partido fazia oposição ao governo Brizola, mas não uma oposição ferrenha, e sim moderada. A SRA. CARLA BRANDALISE – O senhor recorda algumas políticas adotadas pelo Brizola às quais o partido era contrário? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Eu participei de várias comissões parlamentares de inquérito, representando a bancada do meu partido, o glorioso Partido Libertador, e, nessas comissões parlamentares de inquérito, nós investigávamos, do início ao fim, o dinamismo, o lado positivo do governador Brizola. 3 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Entrevista com o Sr. Gudbem Borges Castanheira ASSUNTO: Legalidade Porto Alegre - 13-05-2011 A SRA. CARLA BRANDALISE – Quando a Legalidade começou, vocês não ficaram com medo de que pudesse haver o bombardeio que se pensava, na época... O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Na realidade, correu a notícia de que o palácio seria bombardeado, e, portanto, acorremos, fomos todos ao Palácio Piratini prestar solidariedade. Lembro-me de que o Brizola começou a distribuir armas da Taurus. Chegou a mim e me disse: Castanheira, pega esse revólver Taurus que está carregado. Eu disse a ele: Obrigado, governador, eu costumo usar um Smith & Wesson que vem de família, que recebi de herança do meu pai e que está aqui na cintura. A SRA. CARLA BRANDALISE – Apresento-lhe o professor Grijó, da universidade federal. O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Muito prazer. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – Muito prazer. A SRA. CARLA BRANDALISE – Mas vocês ficaram com medo de que fosse bombardeado de verdade? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Realmente correu a notícia. Ficamos entre o sim e o não, aguardando os acontecimentos. Sei que houve uma correria na vizinhança. Muitos que tinham apartamento aqui perto se retiraram, inclusive o deputado Poty Medeiros. Consegui falar com ele. Ele saiu com a mala na mão para ir a um hotel, com medo de que o edifício dele, que fica logo ali – é o Vista Alegre –, fosse bombardeado. A SRA. CARLA BRANDALISE – Sabemos que a Assembleia ficou reunida de forma permanente. Como vocês se organizavam no cotidiano? Ficavam o tempo todo na Assembleia? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Esteve aqui o comandante do 3º Exército na época – se não me engano, era o marechal Lopes –, que garantiu solidariedade ao Brizola. Aí ficamos mais calmos, mais confiantes de que não viria o bombardeio. A SRA. CARLA BRANDALISE – Essa distribuição de armas também foi feita à população, às pessoas que ficavam aqui na frente? 4 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Entrevista com o Sr. Gudbem Borges Castanheira ASSUNTO: Legalidade Porto Alegre - 13-05-2011 O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – O Brizola distribuiu mais ou menos 100 revólveres da marca Taurus, com munição. A SRA. CARLA BRANDALISE – E depois esses revólveres foram devolvidos? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – A maioria dos deputados ficou com as armas. A SRA. CARLA BRANDALISE – O senhor acha que a mudança de opinião do general do 3º Exército que veio apoiar o Brizola deveu-se a quê? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Tenho a impressão de que era um general legalista – considerou que o Brizola estava certo, alicerçado nos princípios da Constituição. A SRA. CARLA BRANDALISE – Os deputados que ficaram neutros acabaram mudando de opinião depois ou permaneceram neutros? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Esses ficaram no recinto da Assembleia, reunidos. Os que foram a palácio apoiar o governador Brizola eram maioria. A minoria ficou aqui no plenário da Assembleia. A SRA. CARLA BRANDALISE – Nem pegaram as armas? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Não pegaram armas. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – Com respeito à cidade, à população em geral, como o senhor percebeu a mobilização fora do ambiente político? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Notávamos um movimento diferente principalmente na Praça da Matriz. Ali se encontravam centenas de pessoas que, oriundas do centro da cidade e dos bairros, vinham assistir aos acontecimentos. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – Não ocorreu quebra-quebra como, por exemplo, em 54? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Não, nada disso. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – Há outra questão que muitos referem: a possível intervenção dos sargentos na Base Aérea de Canoas. 5 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Entrevista com o Sr. Gudbem Borges Castanheira ASSUNTO: Legalidade Porto Alegre - 13-05-2011 O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Realmente houve um certo movimento. Se não me engano, até foi assassinado um sargento. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – Corre que, eventualmente, eles teriam intervindo no sentido de evitar que os aviões viessem a bombardear o palácio. Ou seja, teria havido uma ordem superior para que os aviões bombardeassem o palácio, mas os sargentos teriam, de uma forma ou outra, boicotado essa aeronaves. O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Não. Que eu saiba, não houve boicote. A SRA. CARLA BRANDALISE – O senhor se recorda de como era o relacionamento do Brizola com o Jango? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Durante certo tempo, eles quase tiveram um atrito, mas, com a Legalidade, o Brizola aderiu ao Sr. João Goulart, que era seu cunhado. A SRA. CARLA BRANDALISE – Quando o Jango chegou a Porto Alegre, as pessoas esperavam que ele fizesse um pronunciamento e tivesse uma posição mais clara no sentido de assumir a presidência sem o parlamentarismo. Houve decepção entre os deputados que apoiavam a posse pelo presidencialismo? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Apoiavam o Jango em qualquer sistema de governo, tanto o presidencialista como o parlamentarista. A SRA. CARLA BRANDALISE – E não houve decepção por ele não ter se manifestado publicamente, não ter feito um discurso? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Não, porque o Jango gozava de uma simpatia quase geral entre os deputados. A SRA. CARLA BRANDALISE – Junto à oposição também, não é? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Sim. Era um cavalheiro. A SRA. CARLA BRANDALISE – Após a posse do Jango, como continuaram as relações do Brizola com o PL, Partido Libertador? Depois da Legalidade, voltaram a fazer oposição? 6 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Entrevista com o Sr. Gudbem Borges Castanheira ASSUNTO: Legalidade Porto Alegre - 13-05-2011 O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Aí voltamos a fazer oposição. A SRA. CARLA BRANDALISE – O que o partido achou das encampações que ele fez, das companhias que ele nacionalizou? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – O partido praticamente ficou neutro. A SRA. CARLA BRANDALISE – O que o senhor lembra sobre a organização da rede? Como o Brizola acabou tomando conta das rádios? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Aquilo foi uma surpresa para os deputados. Em poucos minutos, tomamos conhecimento de que o Brizola havia encampado as estações de rádio da Capital. A SRA. CARLA BRANDALISE – Mas algumas vezes ele falou aqui da Assembleia, não foi? Onde ficava essa... O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – No palácio do governo. A SRA. CARLA BRANDALISE – Ouvimos outras pessoas dizendo que, às vezes, ele falava daqui. Isso não ocorreu? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Não. Que eu lembre, ele falava do palácio. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – O Partido Libertador era, vamos dizer assim, um pouco contra as encampações. Ou não? Posso ter uma impressão equivocada. O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – O partido realmente era contra essas encampações, mas não fazia oposição sistemática. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – Sobre esse aspecto? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – É. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – Os libertadores consideraram normal a requisição das emissoras de rádio naquele momento? Não pensaram que poderia haver maiores... 7 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Entrevista com o Sr. Gudbem Borges Castanheira ASSUNTO: Legalidade Porto Alegre - 13-05-2011 O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – Era normal. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – No sentido parlamentar, em que pontos o PL discordava da política que o Brizola estava implantando antes, fora a questão da Legalidade? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – O PL era um partido de oposição principalmente porque era eminentemente parlamentarista, e o Brizola era presidencialista. O SR. LUIZ ALBERTO GRIJÓ – Por isso, sob certo aspecto, a solução parlamentarista na posse do Jango agradou ao PL, não é? O SR. GUDBEM BORGES CASTANHEIRA – É, agradou. O SR.