Revista Dissertar
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Dissertar Representações da figura feminina no imaginário poético de fins do século XIX Representations of the female figure in the poetic imagination of late 19th century Representaciones de la figura femenina en la imaginación poética a fines del siglo XIX O presente artigo procura, a The present article looks for, from El actual artículo busca, de una partir de uma revisão de alguns pre- a revision of some preconceptions (GA- revisión de algunas preconcepciones (GA- conceitos (GADAMER) da crítica e DAMER) of critical and the literary DAMER) de crítico y del del historiografia da historiografia literária brasileiras historiography Brazilian on the Par- brasileña literarias en el parnasianismo y sobre o parnasianismo e o simbolismo, nassian and the symbolism, to reread in el simbolismo para releer en la producción reler na produção poética parnasiana the Parnassian poetical production the poética del parnasiana las diversas for- as diferentes formas de representar a different forms to represent the feminine mas para representar la figura femenina, figura feminina, destacando algumas figure, detaching some manifestations of separando algunas manifestaciones del manifestações da mulher fatal: a mulher the fatal woman: the woman who come la mujer seducer la mujer que viene del que vem do abismo das águas, a estátua, of the abyss of waters, the statue, the abismo de las aguas, de la estatua, del a esfinge, a mulher sonhada e a sereia. sphinx the dreamed woman and the siren. esinge, de la mujer soñada y del sereia. Busca, por outro lado, demonstrar Search, on the other hand, to demonstrate Busque, por otra parte, para demostrar que certos elementos do imaginário that certain elements of imaginary the que ciertos elementos de imaginario el poético parnasiano, como a sereia, Parnassian poetical as the ‘siren’, had parnasiano poético, como el sereia, habían lograram penetrar o imaginário da cheated to penetrate the imaginary one of engañado para penetrar el imaginario cultura popular, aparecendo em letras the popular culture, appearing in letters de la cultura popular, apareciendo de canções da MPB e de sambas-enredo, of songs of the MPB and samba-plot, en letras de las canciones del MPB y através da simbiose com as figuras da through the symbiosis with the figures of samba, con la simbiosis con los figuras Iemanjá (de origem africana) e da Iara the ‘Iemanjá’ (of African origin) and of del Iemanjá (del origen africano) y del (de origem indígena). the ‘Iara’ (of aboriginal origin). Iara (del origen aborigen). Palavras-chave: poesia, parnasianismo, representações da decisivamente para encobrir o que Péricles Eugênio da Silva Ramos figura feminina, mulher fatal, sereia. denominou “a renovação parnasiana na poesia”. Escorados em livros de história da literatura brasileira como a História concisa Autor: da Literatura Brasileira de Alfredo Bosi, os manuais didáticos Prof. Dr. Claudius Bezerra Gomes Waddington repetem, à saciedade, os slogans antiparnasianos, inscrevendo Bacharel, Licenciatura Plena, Mestre e Doutor em Letras pela no “saber compartilhado”, no “arquivo”, na “memória” ou na UFRJ; professor de Literatura Brasileira, Teoria da Literatura e “enciclopédia” dos leitores em formação o preconceito do parna- Literatura Comparada dos cursos de graduação e pós-graduação sianismo enquanto modismo de importação, estetismo irracional, em Letras da Estácio. alheado da realidade histórica e social do Brasil de fins do século E-mail: [email protected] XIX. A distorção perceptiva agrava-se no que diz respeito ao simbolismo, via de regra visto como a radicalização dos aspectos O mar, misterioso mar negativos do parnaso, o grau extremo de um processo de afas- Que vem do horizonte tamento da realidade e obsessão patológica pela forma. Somos É o reino das sereias herdeiros, e alguns de nós cúmplices, desta imagem distorcida Lendário e fascinante de ambos os movimentos, construída e reproduzida nos livros Olha o canto da sereia de história e nos manuais didáticos de literatura brasileira. De tal forma estas distorções crítico-historiográficas encontram-se (Dinoel – Vicente Matos – Veloso) entranhadas em nosso imaginário leitor e são inculcadas aos leitores em formação, que são percebidas como naturais, mas, Cristalizou-se na historiografia da literatura brasileira a na verdade, foram naturalizadas. Por conseguinte, qualquer opi- idéia de que o parnasianismo distinguir-se-ia do romantismo nião divergente, qualquer tentativa de revisão, é imediatamente essencialmente pelo aspecto formal. A sentença modernista, que desacreditada como improcedente ou ingênua. Para perceber reduziu o parnaso a uma “máquina de fazer versos”, insistindo que o parnasianismo e o simbolismo não se resumiram a esta na gratuidade e na repetição de fórmulas desgastadas, contribuiu contrafação da crítica e da historiografia literárias, é necessário 20 Representações da figura feminina no imaginário poético de fins do século XIX Prof. Dr. Claudius Bezerra Gomes Waddington Dissertar esforçarmo-nos por desentranhá-los desta perspectiva reducio- Verdade e Método, para a qual conflui a hermenêutica literária nista, para enxergar as múltiplas rupturas por eles empreendidas desenvolvida por um dos pioneiros da Estética da Recepção, no ideário poético romântico e realista. Mas para tanto, é mister Hans Robert Jauss, conhecido por insistir na reconstrução da ler efetivamente a poesia parnasiana e simbolista ― o que hoje história literária a partir da crítica de seus fundamentos teóricos se faz cada vez menos ― , não substituindo a leitura dos textos e metodológicos. literários pelo que disse e diz a crítica e a historiografia literária, Partindo do ensino de Gadamer, percebemos que são dar-lhes uma segunda chance, o direito de defesa da condenação pressupostos e “preconceitos” não auto-realizados e não expli- sumária e sem apelação de que foram alvo. citados pela crítica e pela historiografia literárias que levaram à Os movimentos parnasiano e simbolista foram e perma- depreciação e à condenação do parnasianismo e do simbolismo. necem sendo analisados, avaliados e condenados pela crítica e Esta tradição crítica e historiográfica debate-se dentro da incom- pela historiografia literárias a partir de pontos de vista e em pers- preensão do que investiga, pois considera natural cobrar origina- pectivas estranhos às propostas específicas e próprias de cada um lidade, comprometimento social e ruptura com a tradição, de dois dos movimentos. O parnasianismo e o simbolismo são explícita movimentos que não os incluíram em seus programas e nem em ou implicitamente, e de forma mais ou menos consciente, con- seus ideários. Os pressupostos e “preconceitos” que moveram frontados ao romantismo, ao realismo e ao modernismo. Mesmo parnasianismo e simbolismo não devem ser mecanicamente hoje, parnasianismo e simbolismo continuam sendo investigados, procurados no romantismo, no realismo e no modernismo. Uma não pelos seus méritos intrínsecos, pela realização estética que crítica e uma historiografia literárias mais lúcidas e perspicazes lograram alcançar ou pelo projeto estético que os animou, mas os demandariam − no caso do parnasianismo − , ao horizonte contrapondo-os ao ideário estético, ético e político romântico, de expectativas e à forma como as relações entre autor, texto, à arte comprometida com a análise e a crítica da sociedade do comunidades-leitoras, intertexto e contexto foram pensadas e realismo e ao programa de experimentação destrutiva da tradição funcionaram dentro dos padrões e da época do classicismo e/ou defendido pelas vanguardas e endossado pelo modernismo. Do do neoclassicismo, pois é o princípio clássico da imitação que romantismo herdou a crítica e a historiografia literárias certos rege o parnasianismo. Da imitatio da antiguidade clássica, como “preconceitos”: da arte criada pelo gênio como gesto de liberdade, imitação da natureza, e da imitatio renascentista, como imitação da arte como expressão da subjetividade, comprometida com o dos modelos, derivam, em parte, a tendência descritiva, que se outro por um ideal de fraternidade, pressupondo a igualdade na desenvolverá na poesia plástica e na poesia filosófica (enquanto comunidade leitora e imbuída de um caráter missionário, porque pintura da natureza humana), e a tendência à citação da tradição partidária da arte engajada. Do realismo herdou o compromisso e a reverenciar os autores modelares. Pretender que a imitação se com uma representação que desmascara a sociedade, desnuda o reduz ao retrato do real e pretender que a reverência aos mestres real, apelando para a razão e a reflexão do leitor. Das vanguardas não passa de cópia mal disfarçada é ignorar, simultaneamente, e da fase heróica do modernismo herdaram o pressuposto de que os protocolos de escrita que norteavam a produção do texto a arte é, antes de mais nada, ruptura, inovação, produção do novo, literário e os protocolos de leitura que dirigiam sua recepção no do inesperado, do inusitado, produto de uma experiência pessoal classicismo e no neoclassicismo, os quais dispunham um espaço que enfrenta e desafia as expectativas do público leitor, desarru- de reiteração de autores, textos, personagens e enredos reconhe- ma o sistema literário e invalida ou demole a tradição literária. cidos como modelos. A fonte de inspiração maior passa a ser, Acresce e aprofunda a incompreensão crítico-historiográfica do nos momentos da evolução estética ocidental em que predomina parnasianismo e do simbolismo a idéia − cara à nossa segunda ou vigora o classicismo ou o neoclassicismo,