São Paulo 2016 2

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São Paulo 2016 2 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA EMMANUEL SANTIAGO A MUSA DE ESPARTILHO O erotismo na poesia parnasiana brasileira São Paulo 2016 2 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA A MUSA DE ESPARTILHO O erotismo na poesia parnasiana brasileira Emmanuel Santiago Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Vagner Camilo São Paulo 2016 3 A Tatiane Aoke Toumouchi, pelo amor diligente. 4 AGRADECIMENTOS A Vagner Camilo, referência de rigor analítico e elegância estilística, pela orientação, generosidade, gentileza e confiança. Aos professores Jefferson Agostini Mello e Ricardo Souza de Carvalho, pela arguição competente e pelas sugestões preciosas no exame de qualificação. Aos funcionários do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Júlio, Rosely e Vera, pela prontidão e pelo auxílio. À querida Tati A. Toumouchi, companheira infalível, por todo o amor, atenção, cuidado e paciência durante o processo de confecção desta tese. Obrigado por deixar a vida mais leve, sempre! A Dalila, Frida, Jimmy, Pagu, Peter e Tulipa, pela companhia felina. À irmã Clara Matera, que chegou de surpresa e se tornou essencial. Aos amigos Aldair Carlos Rodrigues, Aline Paiva e Bruno Gianez, às vezes distantes, mas nunca ausentes. Aos comparsas Ana Paula Carvalho, Fabiana Legnaro, Isabella Esteves, Juliana Bolanhos, Marcelo Ricci, Mário Bolpoto, Murilo Cruz, Ricardo Arte, Rodolfo Oliveira e Simone Estácio, pelas tardes/noites regadas à cerveja, vinho, fábulas e confabulações. Ao CNPq, pelo apoio financeiro à pesquisa. 5 Le gôut de la statuaire rend mastubateur: la realité nos semble ignoble. GUSTAVE FLAUBERT, correspondência com Ernest Chevalier. 6 Resumo As últimas décadas do século XIX foram marcadas por grandes transformações na sociedade brasileira. Além do fim da escravidão e da instauração do regime republicano, assistiu-se a um significativo crescimento das cidades, o que impactou o estilo de vida das classes instruídas e os valores herdados do sistema patriarcal. Em A musa de espartilho, o erotismo na poesia parnasiana brasileira é investigado em suas possíveis relações com seu contexto histórico- social, levando-se em conta as continuidades e descontinuidades com a sensibilidade romântica. Quatro poetas são estudados: Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Francisca Júlia e Luiz Delfino. Palavras-chave: Poesia brasileira do século XIX; Parnasianismo brasileiro; Erotismo; Literatura e Sociedade. Abstract The last decades of the nineteenth century were marked by major changes in Brazilian society. In addition to the end of slavery and the establishment of the Republican regime, there has been a significant growth of cities, which impacted the lifestyle of the educated classes and the inherited values from the patriarchal system. In A musa de espartilho (The muse wearing a corset), the eroticism in Brazilian Parnassian poetry is investigated in its possible relations to its historical and social contexts, taking into account the continuities and discontinuities with the romantic sensitivity. Four poets are studied: Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Francisca Julia and Luiz Delfino. Keywords: Brazilian poetry of the nineteenth century; Brazilian Parnassianism; Eroticism; Literature and Society. 7 ÍNDICE Introdução Um olhar ávido sobre o parnasianismo brasileiro ........................................................... 8 A função do olhar Fundamentos retóricos de uma poética voyeuse ............................................................. 30 Sob o alvor do imaculado véu O “o medo do amor” na poesia romântica de Raimundo Correia ................................... 55 Da devoção à devoração O realismo pornográfico da poesia pós-romântica ......................................................... 89 Raimundo Correia O voyeur tímido .............................................................................................................. 122 Alberto de Oliveira O perverso sonso ............................................................................................................. 171 Francisca Júlia O travesti masoquista ...................................................................................................... 220 Luiz Delfino O fetichista siderado ....................................................................................................... 246 Referências bibliográficas ............................................................................................ 284 8 INTRODUÇÃO Um olhar ávido sobre o parnasianismo brasileiro Lá se vão 95 anos desde que Mário de Andrade, numa série de sete artigos para o Jornal de Comércio — intitulada “Mestres do passado” —, declarava a morte do parnasianismo no Brasil, passando em revista a obra de cinco de seus maiores expoentes: Francisca Júlia, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho. Ironicamente, o necrológio colhia o terceiro deles, Oliveira, ainda vivo e ativo (ele morreria apenas em 1937). No primeiro artigo da série, “Glorificação”, assim escreveu Mário: Ó Mestres do Passado, eu vos saúdo! Venho depor a minha coroa de gratidões votivas e de entusiasmo varonil sobre a tumba onde dormis o sono merecido! Sim: sobre a vossa tumba, porque vós todos estais mortos! E se, infelizmente para a evolução da poesia, a sombra fantasmal dalguns de vós, trêmula, se levanta ainda sobre a terra, em noites foscas de sabat, é que esses não souberam cumprir com magnificência e bizarria todo o calvário de seu dever! Deveriam morrer! (...) Fostes grandes, guardando a Língua ou cantando a Pátria, embora fosseis mesquinhos na macaqueação do almofadismo francês, monótono e gelado! Fostes nababos da loquacidade e perdulários da grandeza, quando a sapiência imota do modelo se tornava inatingível para vós, não porque vos faltasse o famigerado beneditismo, mas porque vos faltava cultura! Não acredito fosse a ardência das vossas veias tropicais que vos proibiu a construção de troféus e poemas antigos — essa impossibilidade proveio muito mais da falta duma larga instrução anterior e da incerteza com que entráveis no panteão das línguas mortas e enterradas! ([...] — grifo do autor)1 Os mestres parnasianos estavam mortos, mas, para o bem da “evolução da poesia”, era preciso exorcizar o espectro deles, que continuava assombrando as letras nacionais. Tal evolução significava uma nova literatura, ao mesmo tempo moderna e genuinamente nacional, cujo caminho estava obstruído pelo parnasianismo. Mário acusa o patriotismo oficialesco dos versos de nossos parnasianos de não dimanar de um verdadeiro sentimento nacionalista, mas da carência de uma erudição mais apurada que permitisse o tratamento dos temas históricos e exóticos que caracterizavam o parnasianismo francês. Insistindo nesta nota (a ausência de um legítimo sentimento nacional), o autor de Macunaíma publicou, na revista Estética de abril- 1 ANDRADE, Mario de. “Mestres do passado”. In: BRITO, Mário da Silva. Antecedentes da Semana de Arte Moderna. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974, pp. 257-8. 9 junho de 1925, uma carta aberta a Alberto de Oliveira, na qual se lê um ambíguo desagravo ao parnasiano, reafirmando e estendendo as acusações anteriormente feitas: O Romantismo agiu errado mas porém agiu. Si tivesse uma evolução natural das tendências espirituais do Romantismo pra cá nós hoje podíamos já estar seguindo e pondo prá frente uma arte nacional. E não estar assim sem tapejara, enroscado na serrapilheira da mata-virgem, correcorrendo, se ferindo, se sacrificando, errando, abrindo picada, quem sabe? morrendo antes de deitar os olhos nas praias nacionais de nossa Vupabussú. Nunca teve arte desinteressada e formal nos povos que principiavam. E os senhores agora se preocupando com rimas e hemistíquios sem Brasil! E sem amor! E muitas vezes sem nada!2 O parnasianismo é considerado um desvio de percurso na “evolução natural” da arte brasileira, interrompendo os esforços iniciados no romantismo de dotar o país de uma cultura autônoma — esforços dos quais os modernistas, na visão de Mário, seriam os herdeiros. À “arte interessada” do romantismo, voltada à construção da identidade nacional por meio da atividade literária (nos dizeres de Antonio Candido, uma “literatura empenhada”), sobrepôs-se uma “arte desinteressada e formal” e “sem Brasil”. Tais sentenças de Mário de Andrade, somadas a outras críticas de seus colegas de modernismo, ecoaram por muito tempo e ecoam até hoje, dando a tônica por meio da qual os poetas parnasianos são geralmente lidos. Para exemplificar, vejamos o que diz a esse respeito Antonio Candido, que parece oferecer um complemento teórico à retórica inflamada de Mário, mais voltada à polêmica. Segundo Candido, a cultura brasileira se desenvolve tendo como princípio uma dialética do localismo e do cosmopolitismo, que ocorre do seguinte modo: “Ora a afirmação premeditada e por vezes violenta do nacionalismo literário, com veleidades de criar até uma língua diversa; ora o declarado conformismo, a imitação consciente dos padrões europeus”3. Tal oscilação resulta dialeticamente numa “integração progressiva de experiência literária
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