<<

DESVELANDO OS PIORES FILMES

UNVEILING THE WORST MOVIES

Roselia Cristina de Oliveira1

RESUMO ABSTRACT

O presente trabalho trata da análise crítica de The present work deals with the critical três filmes que foram por mim considerados analysis of three films that have been consi- enquanto produções cinematográficas infe- dered by me as inferior and film productions riores e que satisfazem apenas a massificação that satisfy only the massification of cinema, do cinema, e que não agregam elementos and that don’t add significant elements and significativos e que possibilitem enxergarmos to see While works of reference. The films enquanto obras de referência. Foram analisa- were analyzed, ; Mr. & Mrs. Smith dos os filmes, Norbit; Sr. & Srª Smith e Uma and A trip to Italy. The three films deal with viagem para a Itália. Os três filmes abordam different themes; we can consider them as temáticas diferentes, podemos considerá- major media productions, but which have -los como grandes produções midiáticas, dubious quality, including scripts that offer mas que apresentam qualidade duvidosa, derogatory content and even violent. In my inclusive com roteiros que ofertam conte- opinion are unnecessary for a film produc- údos depreciativos e até mesmo violentos. tion. To substantiate my criticism turn to Na minha opinião, são desnecessários para authors such as Deleuze, Ecléa Bosi and Pierre uma produção cinematográfica. Para funda- Bourdieu that define some relevant issues mentar a minha crítica recorro a autores about culture and relations of power that como Deleuze, Ecléa Bosi e Pierre Bourdieu permeate the groups who insist on building que definem algumas questões pertinentes, proposals that promote profit before quality acerca da cultura e das relações de poder que and without depth. perpassam os grupos que insistem em cons- truir propostas que promovam lucro sem Keywords: Cultural Industry. Power field. qualidade e sem profundidade. Geographic location.

Palavras-chave: Indústria Cultural. Campo de poder. Localização geográfica

1 Roselia Cristina de Oliveira, Potiguar. Doutoranda (PPGED/UFRN) Professora. Graduação: História (Licenciatura e Bacharelado) – UFRN / Pós-graduação: Mestrado em Educação (PPGED-UFRN). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4853704836448136 Email: [email protected] DESVELANDO OS PIORES FILMES

NORBIT2 102 min. Classifi cação: 12 anos; Diretor de Fotografi a: ; Produção: John Norbit () foi criado pelo Davis, Eddie Murphy, ; Roteiro: Sr. Wong (Eddie Murphy), que o encontrou Charles Q. Murphy e Eddie Murphy, David ainda bebê no Restaurante e Orfanato Worton Rohn, Jay Scherick; Maquiador: ; Dourado. Foi neste local que ele conheceu Trilha Sonora: . ELENCO: Eddie sua alma gêmea Kate (Thandie Newton). Eles Murphy = Norbit, Sr. Wong, Rasputia; Thandie se tornam amigos inseparáveis. Até ela ser Newton = Kate; Terry Crews = Big Jack; Clifton adotada e deixar o local. Aos 9 anos, Norbit Powell = Earl; Lester Speight = Blue; Cuba é ameaçado por três garotos da escola, mas Goolding Jr = Delon Hughes; Katt Williams é salvo por Rasputia (Eddie Murphy), uma = Lord Have Mercy; Mighty Rasta = Azulão; robusta garota de 10 anos. Os dois crescem, Anthony Russell = Giovanni; Marlon Wayans namoram e se casam. Juntamente com seus = Buster; Mrs. Ling Ling = Alexis Rhee; Norbit irmãos Jack Grandão (Terry Lewis), Azulão Age 5 = Khamani Griffi n; Preacher = Richard (Mighty Rasta) e Earl (Clifton Powell), Rasputia, Gant; Event Organizer = Kristen Schaal administra a construtora Latimore. Norbit é empregado da empresa, sendo sempre ridi- cularizado pelos cunhados. A vida de Norbit não anda nada bem, mas ela muda após reen- SR. & SRª SMITH3 contrar Kate, que decide comprar o antigo orfanato do Sr. Wong, porém o que Kate não John (Brad Pitt) e Jane Smith (Angelina sabe é que o seu noivo, Deion (Cuba Gooding Jolie) são um casal suburbano com um casa- Jr.), planeja transformar o local em um bar de mento normal e sem vida. Ele é engenheiro strip-tease, contando com a ajuda dos irmãos de sucesso, e Jane uma empresária do ramo de Rasputia. Reanimado por ter reencontrado de sistema de informática. Cada um tem um Kate, Norbit ganha confi ança e aos poucos, segredo que o outro desconhece: são lendá- passa a enfrentar a esposa e sua família. rios assassinos. Recebem a mesma missão INFORMAÇÕES E FICHA TÉCNICA: e essencialmente cancelam a missão um do Estreia: 09/03/2007; indicado ao Oscar outro, acabam trocando tiros entre si quando de Melhor Maquiagem, perdendo para o recebem a missão de matar um ao outro. fi lme, Piaf – Hino ao amor. O ator Eddie Finalmente enquanto guerreavam em casa eles Murphy interpreta 3 personagens (Norbit, se reconciliam e descobrem que suas agências Rasputia e Mr. Wong). O fi lme ganhou 3 teriam armado a mesma missão para ambos, Prêmios Framboesa de Ouro: pior ator: afi m de eliminassem o problema. Por fi mas Eddie Murphy; pior ator coadjuvante: Eddie agências enviam assassinos para eliminá-los. Murphy; pior atriz coadjuvante: Eddie INFORMAÇÕES E FICHA TÉCNICA: Murphy. Foram indicados nas categorias de Foi adaptado de uma série de TV pior fi lme; pior diretor; pior roteiro; pior Americana de 1996. Teve um orçamento de dupla; pior ator: Cuba Gooding Jr. Gênero: 100 US$ Milhões de Dólares. Gênero: Ação, Comédia; Direção: ; Duração: Comédia, Romance, Suspense; duração: 120

2 2007, Brian Robbins, EUA. 3 2005, Doug Liman, EUA.

UMA ANTROPO-SOCIOLOGIA DE FILMES "NÃO RECOMENDÁVEIS"- PARTE II 22 Cronos: Revista da Pós-Grad. em Ciências Sociais, UFRN, Natal, v. 19, n. 2, jul./dez. 2018, ISSN 1982-5560 DESVELANDO OS PIORES FILMES min; distribuidor: FOX Filmes; direção: Doug COMENTÁRIO Liman; produção: Arnon Milchan et. ali; rotei- rista: Simon Kinberg; diretor de Fotografi a: Considero o cinema uma das mais Bojan Bazelli; música: John Powel; dublê = Scott importantes criações da humanidade. Uma Waugh e Chad Stanelski; elenco: Brad Pitt = máquina de sonhos que alimenta as inúmeras John Smith, Angelina Jolie = Jane Smith, Vince engrenagens de nossa imaginação. Deleuze Vaugh = Eddie, Adam Brody = Benjamin Danz, (1985, p. 20) nos instiga a relacionar o cinema, Kerry Washington = Jasmine, Keith David = como sendo “fi lho da Ciência Moderna, Pai,Chris Weitz = Martin Coleman, Michelle último rebento de uma linhagem que abriga Monaghan = Gwen, Jerry T. Adams = Guard- nomes importantes como Kepler, Galileu, Bull, Melanie Tolbert = Jamie, Stephanie March Descartes, Leibniz e tantos outros”. Sem = Julie, Perrey Reeves = Jessie, Theresa Barrera dúvida, a Sétima Arte tem uma descendên- = Janet,Jennifer Morrison = Jade, Rachael cia nobre, que pode ser explicada pelo fato Huntley = Suzy Coleman, William Fichther = de se integrar à concepção inovadora que a Dr. Wexler (Terapeuta), Angela Basset = Chefe ciência moderna vem trazer do movimento e de Sr. Smith. que marca a Revolução Científi ca do Período Moderno da nossa história. Eu concordo plenamente com ele, se pensarmos o quanto as novas tecnologias transformaram a indús- UMA VIAGEM À ITÁLIA4 tria cinematográfi ca nos últimos tempos. Entretanto, vejo com cautela a festa midiática Steve Coogan e Rob Brydon são convi- de grandes empreendimentos e observo o dados pelo jornal The Observer para realizar quanto persiste a invisibilidade de grupos que uma viagem pela Itália, onde deverão avaliar fazem cinema fora do eixo Hollywoodiano, seis diferentes restaurantes. Entre as cidades que tentam abrir espaço para sua arte, a de Ligúria, Toscana, Roma, Amalfi e Capri, os contrapelo, por perceber que os espaços e amigos se envolvem em confusões e propõem suas representações não são democráticos. novas imitações de atores. A política das grandes empresas, ditam as INFORMAÇÕES E FICHA TÉCNICA: regras de como devem ser produzidos os Gênero: Comédia dramática; estreia: melhores fi lmes, os que dão mais bilheteria, 25/04/2014; duração: 1h 48 min.; produção: os que promovem a beleza e o poder de deter- British Broadcasting Corporation – BBC; minados setores. Efeitos especiais, patrocínio distribuidor brasileiro: Califórnia Filmes; dire- e marketing alimentam a máquina de fazer ção: Michael Winterbottom; produção: Melissa sonhos e mantém um processo desigual de Parmenter, Andrew Eaton; roteirista: Michael oportunidades para artistas e demais profi s- Winterbottom; elenco: Rob Brydon = Rob, sionais que tentam a carreira no cinema. Steve Coogan = Steve, Rosie Fellner = Lucy, Fiquei bastante motivada para falar Marta Barrio = Yolanda, Claire Keelan = Emma. sobre os meus critérios de escolha dos piores fi lmes, porque considero pertinente falar de como atribuo sentido ao mundo fantástico do 4 The trip to Italy (2014). Direção: Michael cinema. Concordo com Marilena Chauí, que Winterbottom, Reino Unido.

UMA ANTROPO-SOCIOLOGIA DE FILMES "NÃO RECOMENDÁVEIS"- PARTE II 23 Cronos: Revista da Pós-Grad. em Ciências Sociais, UFRN, Natal, v. 19, n. 2, jul./dez. 2018, ISSN 1982-5560 DESVELANDO OS PIORES FILMES analisa o poder de manipulação da indústria de um conjunto complexo de ações que se cultural e nos convida a refl etir quando defi ne, engendram na rede cruzada e infelizmente, as artes estão a serviço desta estrutura. [...] a cultura como lazer e entreteni- Nesse sentido, escolhi três fi lmes que mento, diversão e distração, de modo que tudo o que nas obras de arte e de considerei desastres cinematográfi cos de pensamento signifi ca trabalho de sensi- acordo com seus roteiros e direção. Entre bilidade, de imaginação, de refl exão e de eles, destaco Norbit. Um fi asco de produção. crítica, nesse sentido, não vende. Não há Acompanho a carreira do ator Eddie Murphy, interesse do público em geral. (CHAUÍ, 1996, p. 329). e o considero um dos representantes dessa indústria cultural dominadora que utiliza atores midiáticos para manter seu propósito Por isso vale massifi car, banalizando ideológico de manipulação e ânsia de lucro. a expressão artística e intelectual. Importa Considero esse fi lme um dos representantes gastar milhões de dólares, e isso a Indústria desse processo de manipulação, também pela cinematográfi ca Americana sabe fazer como presença de bons atores, mas infelizmente ninguém, e alimenta a criação de fi lmes neste em processo avançado de alienação acerca estilo. Atores que se destacam e que garan- de sua realidade. Lembrando da luta contra tem bilheteria são convidados a embarcar na o preconceito que a população negra viven- vibe massifi cada, e nisso vale tudo, inclusive cia nos Estados Unidos, não consigo aceitar bater em mulher e tentar assassiná-la. que atores negros se submetam a situações Encontro aporte em Pierre Bourdieu desrespeitosas quanto ridicularizar pessoas, (2015, p. 25), que analisa brilhantemente a usar de violência e banalizar relações. violência simbólica, e nos fala, E falo desse processo de alienação como fator determinante para a manutenção do [...] que ela nunca se exerce, de fato, sem estado de coisas. Não acredito que pessoas uma forma de cumplicidade daqueles que a sofrem. Sua manutenção não seria militantes, sabedoras dos seus direitos, acei- possível sem a colaboração, consciente tariam interpretar cenas em que humilham ou inconsciente, direta ou indiretamente e discriminam. Não acho que pela arte, vale interessada, não só de todos os importa- tudo. Há que se ter critérios de escolha de dores de produtos culturais americanos, mas também de todas as instâncias seus trabalhos, sabendo que alguns fi lmes culturais que organizam o processo de marcam defi nitivamente alguns atores e atri- conversão coletiva. zes. E para mim, Eddie Murphy fi cou marcado negativamente, pelos três papéis que repre- E nesse sentido, “estabelece que as senta neste fi lme. artes de viver dominadas sejam quase sempre São gritantes as atitudes preconcei- percebidas, mesmo por seus praticantes, do tuosas e discriminatórias, pelo desrespeito ponto de vista destruidor e redutor da esté- que os homens se referem a uma mulher que tica dominante”. De fato, o campo do poder foge aos padrões considerados pela sociedade é o espaço de relações de força e elas se como “normais”. Não gostei da proposta de confi guram e se comportam de acordo com roteiro para a comédia, e nem da forma como o mercado. A dominação é o efeito indireto os personagens se relacionaram na trama.

UMA ANTROPO-SOCIOLOGIA DE FILMES "NÃO RECOMENDÁVEIS"- PARTE II 24 Cronos: Revista da Pós-Grad. em Ciências Sociais, UFRN, Natal, v. 19, n. 2, jul./dez. 2018, ISSN 1982-5560 DESVELANDO OS PIORES FILMES

Penso no que ele pode me acrescentar pela comportamento subserviente e apático de mensagem que tenta passar para o público Norbit frente as atitudes de uma criança e e não encontro. Tentei me divertir com as mulher dominadora. cenas e não consegui. Não era uma comédia. Excessos de agressividade e ironias nas Passei a maior parte do tempo observando relações e cenas de tortura, extorsão e desres- falas e gestos que na verdade me trouxeram peito são constantes. Destaco uma das cenas repulsa e não consegui rir das situações que em que a Rasputia, no dia do casamento, sendo foram roteirizadas como engraçadas. tratada como objeto e com termos deprecia- É lógico que a maquiagem e algumas tivos: “vaca”, “baleia vestida de noiva”, “você expressões utilizadas para os papéis que casou com um gorila”, “você vai precisar de Eddie Murphy representa com os três perso- muita banana, para a sua gorila nova”. Não vejo nagens são signifi cativas, ele é talentoso na graça alguma na piada relacionada ao corpo, a imitação. Mas confesso que seu gestual não foi defeitos físicos, sou contra a piada que humilha. dos melhores. As piadas são de um mau gosto Não há graça no sofrimento do outro. É preciso fora do comum. Algumas cenas de absurda deixar isso claro para crianças e adolescentes. agressividade de Rasputia com Norbit, com a Desnecessário fazer um fi lme que considera vizinha e o cachorro são ruins demais e diria comédia cenas grotescas de desrespeito. Há até desnecessárias. limites que precisam ser mantidos. O fi lme tem início em 1968, como pano Numa época em que se banaliza a vida, de fundo temas interessantes que poderiam são comuns os atos de violência, não dá para ter sido melhor explorados como a situação do aceitar que esses comportamentos sejam Orfanato dividir espaço com um restaurante, a reprisados como comédia, atribuindo o riso questão da adoção e do abandono de crianças e a alegria a situações de desrespeito. É fato negras, o orfanato ser administrado por um em nossa sociedade o elevado índice de femi- Chinês, bem como o relacionamento amoroso nicídios, assassinatos, agressões e situações entre Rasputia e Norbit, mas foram pouco vexatórias que oprimem a mulher. explorados ou feitos de maneira inadequada. Eddie Murphy tentou juntar num único Algumas cenas fi caram marcadas fi lme todas as mazelas sociais, mas trouxe pelo mau gosto, como o Sr. Wong xingando uma mulher que oprimia e traia o marido Norbit de Mariquinha na frente das crianças, com o professor de ginástica na sua cama. revelando a inadequação e o desrespeito do Se vê reações passionais. A cena do desabafo responsável pelo Orfanato, bem como a estra- dele no teatro de bonecos no orfanato, “eu nha mania de caçar baleias com lanças de cansei de você mandar em mim” retratam verdade colocando em risco a vida das crian- esse momento. A tentativa de refazer a vida, ças como se fosse brincadeira, me remeteram os confl itos pela venda do orfanato, a forma aos maus tratos das instituições que recebem como acontece o casamento de Kate são partes crianças e adolescentes em nosso país. de uma proposta de fi lme que poderia ter Algo interessante de ressaltar, foi o tomado um rumo mais signifi cativo. Assim, companheirismo de Norbit e Kate fruto da considero Norbit um fi lme inadequado e que carência e do isolamento que enfrentam absolutamente não acrescenta em nada. ao serem abandonados. Chama atenção o

UMA ANTROPO-SOCIOLOGIA DE FILMES "NÃO RECOMENDÁVEIS"- PARTE II 25 Cronos: Revista da Pós-Grad. em Ciências Sociais, UFRN, Natal, v. 19, n. 2, jul./dez. 2018, ISSN 1982-5560 DESVELANDO OS PIORES FILMES

Seguindo numa proposta de exacerbada principalmente com as crianças, para que violência, trago a minha segunda escolha, o cresçam respeitando a diversidade. fi lme Sr. & Srª Smith. Considero como um dos Em termos de avaliação acerca das piores fi lmes que já vi, pela péssima proposta imagens, a tecnologia falou alto durante todo de roteiro, ofertando cenas com forte cono- o fi lme. O roteiro proposto atingiu o objetivo tação de violência doméstica, agressão física que era utilizar a tecnologia na tentativa de entre o casal, tentativas de assassinato e eliminar os atores. E para isso, demonstram agressões verbais, que em minha concepção arsenal e motivação para tanto. O fi lme peca seriam desnecessárias para compor um fi lme. pelo clichê do Sr. & Srª Smith fi carem juntos As cifras que patrocinaram essa obra mantém e construírem uma relação após tanta violên- o sistema da Indústria Cultural funcionando cia. Não recomendo o fi lme. Na vida real as a pleno vapor. E nesse sentido, representa mulheres são as que mais sofrem com a força um segmento midiático altamente rentável, física e o poder de dominação masculina. ofertando a reprodução de uma violência São recorrentes as notícias de feminicí- simbólica entranhada em nossa sociedade, dio e violência de toda a ordem. Vale tudo. reproduzida pelos espaços de entretenimento Não recomendo qualquer obra de arte que e que precisa ser combatida. A Violência de alimenta esse tipo de violência. gênero, o desrespeito, as ameaças, a tenta- Por último, e não menos ruim, conside- tivas de assassinato, o uso de armamento rei o fi lme Uma viagem à Itália, como um dos pesado e de tecnologias de guerra confi gu- piores fi lmes que já assisti, porque não conse- ram, segunda essa indústria, um atrativo de gui me divertir. Levei um tempo tentando público com bastante aceitação. encontrar sentido para os longos diálogos No fi lme, a temática a ser explorada e encadeados entre os atores, deixando o fi lme que foi banalizada era a separação do casal, bastante cansativo. E mesmo com toda a a difi culdade de convivência, a não aceitação beleza da paisagem italiana, a trama não era do outro e das mentiras que o casal ofertava envolvente e não me encantou. Na verdade, dentro de um contexto de vida a dois, que senti vontade de desligar a TV. Os trejeitos, precisa de harmonia, diálogo e cumplicidade. as brincadeiras e excessos de imitações não O tema da Violência contra a mulher tornaram o fi lme engraçado. é grave e atual, não pode em hipótese O cinema é a forma contemporânea da alguma ser estimulado pela mídia. Mas, pelo arte que envolve as inúmeras nuances de nossa contrário, vemos que todos os dias somos sociedade e, com seus efeitos especiais, pode condicionados a consumir notícias, produtos ampliar a imaginação envolvendo o público. que violam a nossa integridade, mantendo Mas nem sempre as tramas conseguem esse esse estado de coisas. Dados de pesquisas feito. E o fi lme, não conseguiu envolver seu nacionais e internacionais indicam que as público. O ator que faz comédia, consegue o riso mulheres são as maiores vítimas de violência. de sua plateia, o ator que apresenta um drama Há de fato uma banalização da vida. emociona seu público... É preciso uma sinto- É preciso que a sociedade pare de nia entre o ato e, o que este representa, para consumir e dar ibope a obras que estimulam que se consiga obter o retorno desejado. Fazer a violência. É preciso investir na educação e cinema é sem dúvida uma grande aventura vale trabalhar a temática em todos os espaços, que envolve profi ssionalismo e competência

UMA ANTROPO-SOCIOLOGIA DE FILMES "NÃO RECOMENDÁVEIS"- PARTE II 26 Cronos: Revista da Pós-Grad. em Ciências Sociais, UFRN, Natal, v. 19, n. 2, jul./dez. 2018, ISSN 1982-5560 DESVELANDO OS PIORES FILMES de todos os envolvidos e, nesse caso, direção e irrelevantes. Cada um deles carregava uma roteiro não estavam em sintonia. história de vida com peculiaridades (fi lha Sou encantada pela história e a cultura pequena, a relação com o fi lho adolescente, desse país e, esperava que o fi lme me levasse separação, romance, expectativa de ser para o universo italiano, atribuindo signifi - chamado para participar de um fi lme, a cado a proposta inicial, que era viajar pela péssima relação conjugal, o caso com a fotó- Itália avaliando os restaurantes. Achava que grafa...). Estavam utilizando a viagem como a arte da boa mesa, e todas as suas nuances, pretexto para saírem de suas rotinas e, sem estariam representadas. Vendo a sinopse do dúvida, esse seria o ponto interessante do fi lme, acreditei que havia um propósito inte- fi lme, que não foi explorado. ressante, e criei uma expectativa. Obviamente Aqui faço uma relação com a importân- me frustrei. Acredito que para avaliar algo, cia das narrativas que Walter Benjamin (1987, precisamos conhecer minimamente. E nesse p. 10) - de suas referencias e de seu sentido nas caso, pensei que a cultura do lugar seria composições das nossas histórias -, onde ele evidenciada. Inclusive, gostaria de ressaltar nos fala que: “o narrador conta o que ele extrai que não considero a classifi cação do fi lme uma da experiência – sua própria ou aquela contada comédia, porque não ri em nenhum momento. por outros, e, de volta, ele a torna experiência Não há uma história que sustente o daqueles que ouvem a sua história”. Para ele, o fi lme, porque a viagem para avaliar os restau- que distingue o narrador do romancista “é que rantes foi banalizada. As longas narrativas que o último se isolou a si mesmo, dando exemplos falavam de suas atuações se perdiam e ente- de suas mais importantes preocupações, ele diavam. E até o encontro com a moça do barco, próprio sem conselhos e não podendo aconse- a visita a Casa de Byron, bem como a vinda do lhar os outros”. fi lho, são trechos signifi cativos, mas que, na Em se tratando de uma viagem com trama, aparentavam estarem desconectados objetivo defi nido, senti falta de um narrador com o roteiro. Apesar do enredo provocar um na trama e de um melhor encadeamento do encadeamento de relações com as histórias de roteiro. Penso que os atores pecaram por não vida e a memória formativa dos dois atores, o utilizarem recursos de cena mais criativos, excesso de brincadeiras durante esses diálogos, para compor uma história mais saborosa. As na minha concepção, invalidam o propósito do cenas em que falam acerca da memória de fi lme. Em vários momentos, percebemos que suas narrativas, quase sempre referendando tanto Steve quanto Rob sentiam a necessi- papéis relevantes de suas carreiras ou de dade de falar sobre suas vidas, suas atuações, atores consagrados como Al Pacino, Robert suas frustrações, os papéis relevantes de suas de Niro, Marlon Brando... seriam enrique- carreiras e de como estão vivendo. Ademais cidas pela exibição de trechos em que eles refl etiam acerca do futuro, de suas carreiras e estariam contracenando. Dessa forma os do envelhecimento. diálogos fariam sentido. Mas, durante esses momentos, faziam Percebi que do começo ao fi m do fi lme, referências a representações de atores havia uma mudança brusca nas cenas, como famosos, trechos de poesia ou exemplos de por exemplo, no início do fi lme o ator, quando como vivia Byron tornando suas refl exões recebe a ligação com o convite para a viagem,

UMA ANTROPO-SOCIOLOGIA DE FILMES "NÃO RECOMENDÁVEIS"- PARTE II 27 Cronos: Revista da Pós-Grad. em Ciências Sociais, UFRN, Natal, v. 19, n. 2, jul./dez. 2018, ISSN 1982-5560 DESVELANDO OS PIORES FILMES há um breve diálogo e, em seguida, os dois traziam, pela fala de seus funcionários, rela- já estão num carro Mini Cooper conversível, tos de eventos envolvendo celebridades. numa estrada da Itália. E esta mudança de cená- Os Aspectos históricos dos lugares se rio acontece ao longo de todo o fi lme. Outro ressaltam, como por exemplo, a visita à casa momento em que se confi gura uma mudança de Lord Byron, as Catacumbas, o Coliseu, á casa brusca de cena está vinculado ao restaurante na Ilha de Capri onde Brigite Bardo se hospe- e ao instante de degustação. Víamos o garçom dou, o cemitério onde Byron estava enterrado, ou a garçonete trazer o prato bem servido, as ruas de Roma, mas não são explorados falar sobre o que estava sendo servido e, de adequadamente, pelo contrário, são situações repente, apareciam os cozinheiros montando que deveriam ter um contexto e na verdade os pratos que seriam servidos numa veloci- são realizadas como se houvesse um cronô- dade que perdia o sentido da exibição. Essas metro marcando o tempo em que as cenas imagens se perderam na história, por não aconteciam e isto me irritava profundamente. serem contextualizadas. Senti falta de um cuidado maior com Não havia diálogo entre os atores acerca o posicionamento das câmeras e de como os do alimento que estavam consumindo, a não atores se relacionaram em cena, tanto em ser breves elogios, sem muito detalhe. Os atores ambientes fechados, quanto nos espaços em foram contratados pelo Jornal The Observer. que havia uma interlocução com a paisagem. Havia também uma fotógrafa profi ssional para Há uma difi culdade em manter os ângulos registrar o momento dessa “avaliação gastro- entre os atores nas cenas externas, isso fi ca nômica dos restaurantes”, mas que não estava mais evidente nas cenas do barco e na praia. ao longo da viagem cobrindo todas as visitas Se tivesse cuidado melhor das fi nalizações das aos restaurantes. Nesse caso, percebo um erro imagens as cenas seriam mais harmoniosas. de continuidade. Afi nal havia um propósito de Algo que também deixou a desejar, refere-se registrar a viagem. à trilha sonora, que merecia a participação de Os momentos mais signifi cativos do artistas italianos para dar o tom do lugar. fi lme estavam relacionados a deslumbrante Pensar sobre o que estas três obras tem, paisagem italiana. Tivemos a oportunidade de pior, me fez compreender quais os crité- de ver um recorte geográfi co da Itália, com rios que costumo optar para fazer minhas mudanças signifi cativas na paisagem, com escolhas. Percebi um traço peculiar acerca do estradas sinuosas, recortadas por túneis, que atribuo signifi cado e isso tem a ver com pelo mar, por vilas e por trechos urbanos ou o meu capital cultural, bem como pela minha rurais. A fotografi a de cada paisagem, com trajetória de historiadora, que me fi zeram suas especifi cidades, é simplesmente espeta- enxergar, para além das convenções sociais, cular. A escolha de restaurantes, localizados que somos obrigados a integrar e consumir. na região da Ligúria, da Toscana, de Roma, da Costa Amalfi e da Ilha de Capri, ofertou uma beleza rara. Os hotéis e os restaurantes de cada lugar em que se hospedaram, também foram um deslumbre a parte. Alguns deles

UMA ANTROPO-SOCIOLOGIA DE FILMES "NÃO RECOMENDÁVEIS"- PARTE II 28 Cronos: Revista da Pós-Grad. em Ciências Sociais, UFRN, Natal, v. 19, n. 2, jul./dez. 2018, ISSN 1982-5560 DESVELANDO OS PIORES FILMES

REFERÊNCIA

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. v.1, São Paulo, Brasiliense.1985.

BOSI, Ecléa. Memórias e sociedade: lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. In: Nogueira Maria Alice, Catani, Afrânio (org.). 16. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. p. 25-26.

CHAUÍ, Marilena. Convite à fi losofi a. São Paulo: Ática, 1996.

DELEUZE, Gilles. Cinema I: a imagem-Movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.

UMA ANTROPO-SOCIOLOGIA DE FILMES "NÃO RECOMENDÁVEIS"- PARTE II 29 Cronos: Revista da Pós-Grad. em Ciências Sociais, UFRN, Natal, v. 19, n. 2, jul./dez. 2018, ISSN 1982-5560