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A AUTORA Maria Immacolata Vassallo de Lopes Professora Livre-Docente no Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP.

TELENOVELA BRASILEIRA: UMA NARRAmA SOBRE A NAÇÃO

Construção de sentidos sobre os discursos da vida pública e da vida privada brasileira passam pela

uase quarenta anos após a sua A outra face desse processo foi o pro- introdução, é possível afirmar gressivo reconhecimento acadêmico da que a telenovela1 no Brasil importância da telenovela como objeto conquistou reconhecimento privilegiado de estudo sobre a cultura e a público como produto artístico e cultural sociedade contemporânea brasileira2. Esta e ganhou visibilidade como agente cen- situação peculiar alcançada pela teleno- tral do debate sobre a cultura brasileira e vela brasileira é responsável pelo caráter, a identidade do pais. Ela também pode ser senão único, pelo menos muito peculiar, considerada um dos fenômenos mais re- de uma narrativa nacional, popular e ar- presentativos da modemidade brasileira, tística, além de se tomar tema de estudo por combinar o arcaico e o moderno, por consolidado. Este último aspecto não será fundir dispositivos narrativos anacrônicos objeto deste artigo, o qual se propõe a dar e imaginários modernos e por ter a sua his- uma visão abrangente da importância tória fortemente marcada pela dialética alcançada pela telenovela na sociedade e nacionalização-massmediação. na cultura do Brasil.

1. Telenovela é o nome genárico dado ii narrativa ficcional televisiva no Brasil, independente de seu formato ser telenovela srricto sensu, minissérie, caso especial, ou outro. Neste artigo, também me referirei a ela como novela que é seu nome mais conhecido. 2. Os dados mostram um crescente interesse pela telenovela através de dissertações de mestrado e teses de doutorado, que passam de 6 na década de 70, para 76 na de 90, com média de aproximadamente 8 trabalhostano.As tendências principais nos estudos são: análise do discurso (abordagem semiótica, estética, intertextualidade, dramaturgia), estu- dos de recepção (abordagem sociológica, etnográfica), estudos de produção (som, cenografia, autores). O método de pesquisa mais frequente tem sido o estudo de caso qualitativo de uma determinada telenovela ou uma determinada unidade de recepção (famílias, empregadas domésticas, metaliirgicos, jovens). Todo o levantamento de dados relati- vos A telenovela para o presente artigo foi feito no centro de documentação do Núcleo de Pesquisa de Telenovela, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação

TELENOVELA NO CENARTO imaginada que a TV capta, expressa e TELEVISIVO BRASILEIRO constantemente atualiza3. A televisão oferece a difusão de in- A presença maciça da televisão em formações acessíveis a todos sem dis- um país situado na periferia do mundo tinção de pertencimento social, classe ocidental poderia ser descrita como ou região. Ao fazê-lo, ela torna dispo- mais um paradoxo de uma nação que, níveis repertórios anteriormente da ao longo de sua história, foi represen- alçada privilegiada de certas institui- tada, reiteradamente, como uma socie- ções socializadoras tradicionais como dade de contrastes acentuados, entre a escola, a família, a igreja, o partido riqueza e pobreza, modernidade e ar- político, a agência estatal. A televisão caísmo, Sul e Norte, Litoral e Interior, dissemina a propaganda e orienta o campo e cidade. E, de fato, a televisão consumo que inspira a formação de está implicada na reprodução de repre- identidades. Nesse sentido, a televi- sentações que perpetuam diversos ma- são, e a telenovela em particular, é tizes de desigualdade e discriminação. emblemática do surgimento de um Mas, também é verdade que ela possui novo espaço público, no qual o con- uma penetração intensa na sociedade trole da formação e dos repertórios brasileira, devido a uma capacidade disponíveis mudou de mãos, deixou de peculiar de alimentar um repertório ser monopólio dos intelectuais, poli- comum por meio do qual pessoas de ticos e governantes, dos titulares dos classes sociais, gerações, sexo, raça e postos de comando da sociedade4. regiões diferentes se posicionam e se Duplamente contraditório é o fato reconhecem umas As outras. Longe de de este espaço público surgir sob a promover interpretações consensuais égide do setor privado, onde, não por mas, antes, produzir lutas pela interpre- coincidência, o produto de maior po- tação de sentido, esse repertório com- pularidade e lucratividade da televi- partilhado está na base das representa- são brasileira é a telenovela; e sob a ções de uma comunidade nacional égide da vida privada, uma vez que a

3. B. Anderson cunhou a noção "comunidade imaginada" para descrever a emergência dos Estados Nacionais na Europa do século XIX e associa a consolidação do sentimento de pertencimento a uma comunidade imaginhria ao sur~imentoda imorensa escrita e das lineuas nacionais. O ritual de leitura do iornal é aoontado como exemolo de ritual quecontribui a consolidação desse sentimento de comunidade nacional.Ánoção k "til para entender ;significado das no Brasil, na medida em que o ato de assistir a esses programas num determinado horário, diariamente. ao longo de quase 40 anos, constitui um &tua1compartilhado por pêsso& em todo o território nacional, que dominam as convenções narrativas consolidadas pela telenovela e que tomam os padrões nela mostrados como referenciais de acordo com os quais definem "tipos ideais" (no sentido weberiano) de familia brasileira, mulher brasileira, homem brasileiro e também de compção brasileira, violência brasileira, etc. Parece-me adequado usar a noção de comunidade nacional imaginada para indicar as representações sobre o Brasil, veiculadas pelas novelas e as maneiras como elas produzem referenciais importantes para a reatualização do conceito de nação e de identidade nacional. No caso brasi- leiro, trata-se, como veremos adiante, do fato paradoxal de a telenovela, uma narrativa ficcional, ter se convertido em um espaço público de debate nacional. C.f. ANDERSON, Benedict. Imagined communities (Comunidades imaginá- rias). Londres: Verso, 199 1. 4. J. Meyerowitz sugere o deslocamento de repertórios de esferas restritas a homens ou mulheres, jovens ou adultos, como uma caractenstica importante da televisão. C.f. MEYEROWITZ, Joshua. No sense of place. Oxford: University Press, 1994. Comunicação & Educação, São Paulo, (26): 17 a 34, jan./abr. 2003

narrativa televisiva já foi definida CONSOL~DAÇAODA INDÚSTR~A como uma narrativa por excelência TELEVISIVABRASlLEIRA sobre a família5. Desde os anos 70, pelo menos uma característica da indústria cultural bra- A novela dá visibilidade a certos sileira resulta surpreendente por des- mentir prognósticos feitos acerca de assuntos, comportamentos, sua inescapável situação de dependên- produtos e não a outros; ela cia da produção cultural dos países define uma certa pauta que mais industrializados. A produção de bens culturais tem apresentado crescen- as interseções entre a te índice de nacionalização ?imedida pública e a vida privada6. que o mercado interno se expande. No início da década de 80, cerca de 314 da programação da TV já era nacional e Vendo a telenovela a partir dessas ca- hoje chega a quase 80%'. A nacionali- tegorias, podemos dizer que, durante o zação da produção se dá também no período de 70 e 80, ela se estruturou em setor publicitário discográfico, editorial torno de representações que compunham e de quadrinhos, sendo o cinema a gran- uma matriz capaz de sintetizar a for- de exceção. Na produção de telenove- mação social brasileira em seu movi- la, dos 13 programas de ficção que es- mento rnodernizante. Isto pode ser tra- tão atualmente no ar, nove (56%) são duzido por um quase monopólio da nacionais e quatro (44%) são importa- representação social, calcada a partir doss. Salientamos que a legislação bra- das angústias privadas das famílias de sileira sobre a comunicação de massa classe média do Rio de Janeiro e São ainda proíbe o controle acionário de Paulo. Com a diversificação da estru- grupos econômicos estrangeiros nos tura da televisão (TV a cabo, vídeo, meios de radiodifusão e imprensa9. maior concorrência) e as modificações A televisão foi introduzida no Brasil sociais e políticas em curso nos anos em 1950 e, ao longo de seus cinqüenta 90 (redemocratização política, novos anos de história, o Estado influiu de di- movimentos sociais, processo de glo- ferentes maneiras nessa indústria. De- balização), essa força de síntese do gê- tém até hoje o poder de conceder e can- nero desloca-se para novas representa- celar concessões de TV, embora sua ções que questionam as representações política sempre tenha sido a de estimu- modernizantes anteriores. lar o modelo comercial de TV, não ten-

5. Evocando o intelectual mexicano Carlos Monsiváis, a telenovela seria uma narrativa familiar sobre a nação, em que uma guerra 6 vista como um fato a partir do qual morreu um tio e uma cidade como um lugar onde mora um parente. 6. A telenovela aplica-se tanto o conceito de agenda setting como o de fomcultural. C.f. NEWCOMB, Horace. La televisione da forum a biblioteca. Milano: Sansoni, 1999. 7. Pelas últimas estimativas, 79% da produção da TV Globo é de origem nacional. 8. Observação feita na Semana de 5 a 10 de novembro de 2001. 9. Foi aprovado na Câmara dos Deputados a Emenda Constitucional 203195 que permite a entrada de at6 30% de capital estrangeiro em empresas jornalisticas e de radiodifusão brasileiras. (N.E.d.) Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação do havido, a rigor, até hoje, nenhuma ex- ta, expressa e alimenta as angústias e periência de televisão pública no país. ambivalências que caracterizaram es- Além de se apresentar como um grande sas mudanças. anunciante dos meios de comunicação de massa, o Estado, particularmente a vartir de 1964. durante o regime- mili- A novela constitui-se em tar, tomou as telecomunicações um ele- veículo privilegiado do - mento estratégico na política de desen- imaginário nacional, capaz de volvimento, integração e de segurança nacional do regime. Além de aumentar propiciar a expressão de o seu poder de ingerência na programa- dramas privados em termos ção por meio de novas regulamentações, públicos e dramas públicos em forte censura e políticas normativas, o governo militar investiu maciçamente na termos privados. infra-estrutura, o que possibilitou a for- mação de redes nacionais (sistema mi- É recorrente a mobilização da opinião croondas, satélite). pública em tomo da curiosidade sobre as É sabido que a Rede Globo foi a maior verdadeiras identidades dos personagens, beneficiária dessas políticas. Criada em traço característico da estrutura melodra- 1965, essa rede cresceu rapidamente, mática da novela (nascimento, caráter, movida por uma combinação de diver- desvios etc) com dramas públicos em ter- sos fatores, como relações amistosas com mos privados (drogas, aids, trabalho o regime, sintonia com o incremento do infantil, movimento dos trabalhadores ru- mercado de consumo, uma equipe de pro- rais, corrupção política etc.). dução e administração preocupada em Utilizando uma estrutura narrativa per- otimizar o marketing e a propaganda, um sonalizada e pouco definida em termos grupo de criadores de esquerda vindos ideológicos ou políticos para tratar de as- do cinema e do teatro. suntos relativos ao espaço público, as no- Tendo crescido em consonância com velas levantaram e talvez tenham mes- outros processos estruturais de mudan- mo ajudado a dar o tom dos debates ça ocorridos no período - a intensa mi- públicos. Tornaram-se dois exemplos his- gração do campo para as cidades (já tóricos a associação da novela Vale tudo em 1970, a população urbana superou (1988)1° à eleição de Femando Collor de a do campo), a industrialização e a Melo, que calcou a sua imagem eleitoral proletarização do trabalho no campo, como "o caçador de marajás", isto é, de o desenvolvimento de um amplo mer- banimento da corrupção econômica e cado de consumo (se bem que política do pais, bem como a influência vastamente concentrado nas classes da minissérie Anos rebeldes (1992) no médias e altas) -, a televisão, princi- processo de impeachment desse mesmo palmente por meio das novelas, cap- presidente, três anos depois.

10. Para economia de notação, todas as telenovelas citadas sem a emissora produtora são da TV Globo. Comunicação & Educação, São Paulo, (26): 17 a 34, jan./abr. 2003

As relações entre o Estado e as emis- ra, pois ela pode ser vista através de um soras de televisão se modificam na déca- expressivo movimento pendular, tanto da de 90, quando o fim do regime militar como uma vitrina de consumo (roupas, e a redemocratização do país levam i sus- utensílios, casas, carros, estilos de vida, pensão das medidas de cerceamento de enfim) quanto um painel de temas sociais. expressão e o mercado televisivo se seg- menta com a introdução da TV a cabo e ESTRUTURA DE PRODUÇÃO E o acirramento da competição entre as re- PALIMPSESTO DA TELENOVELA des de TV aberta". A postura das emis- soras é a de crescente independência de A Rede Globo de Televisão é parte das governos e partidos políticos, progres- Organizações Globo, principal conglomera- sivamente baseada em mecanismos de do multimídia do país. Ela possui cerca de 8 mercado regidos pelas medidas das pes- mil funcionários, cobre 99,8% das cidades quisas de opinião e audiência, levadas a brasileiras, através de 113 estações afiliadas. cabo por institutos como o IBOPE (Ins- Ao longo de sua história, a Globo criou um tituto Brasileiro de Opinião Pública e Es- modelo empresarial de televisão que conse- tatística). Através delas, os profissionais guiu vincular organicamente a administração, de marketing, propaganda e de televisão a produção e a comercialização dos seus pro- constroem imagens da audiência e sinto- dutos. Também conseguiu consolidar um cmt nizam emissores e receptores, garantin- (elenco) profissional e um star system (con- do uma dinâmica constante de captação junto de estrelas) sob contrato exclusivo que, e transformação das representações des- aliados a uma permanente atualização ses agentes. tecnológica, são responsáveis pelo padrão de qualidade de suas novelas e o conseqüente reconhecimento e fidelidade da parte do pú- Telespectadores que se blico. A partir de 1995, unificou toda a sua formaram consumidores produção de teleficção na Central Globo de antes mesmo de cidadãos Produção, mais conhecida como PROJAC (Projeto Jacarepaguá, bairro do Rio de Janei- passam a constituir a ro). Aí trabalham 3 mil e 600 pessoas entre unidade de referência desse produtores, autores, diretores, atores, fotógra- fos, editores, cenógrafos, iluminadores, sono- mercado televisivoi2. plastas, estilistas e modelistas. Concentram- se ali os estúdios de gravação de todos os Neste interessante aspecto a telenovela programas de ficção, a cidade cenográfica, também parece funcionar como mediado- os departamentos de constmção de cenários

11. Esses fenômenos estão na base da queda de audiência da Rede Globo, mas não a ponto de perder a sua posição de "campeã absoluta de audiência". C.f. BORELLI, Silvia, PRIOLLI, Gabriel (cwrds.) A deusa fenda. São Paulo: Summus, 2000. Apesar da acirrada competição e mesmo perda de audiência em certos horários, a situação que ainda prevalece no panorama televisivo brasileiro é o do monop6lio de audiência da Rede Globo, tal ainda é a distância em relação i segunda rede, o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão).A média de share da Globo é de 40% e a do SBT C de 25%. 12. A relação entre consumo e cidadania em nova chave de abordagem pode ser encontrada em CANCLMI, Garcia. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação e figurinos, de realização dos efeitos espe- (principal horário) da televisão brasileira ciais e do centro de documentação e de regis- foi padronizado pela Globo já na década tro de imagem. O sistema de produção do de 70, e pode ser resumido à seqüência: PROJAC é normalmente constituído pela telejornal-telenovela-variedades(programa gravação simultânea de quatro novelas, uma de auditório, humorístico ou game show). série (rninissérie ou seriado) e um especial O espaço atual da ficção televisiva é (produção episódica). ocupado por 13 programas, sendo 10 te- O custo médio de uma novela de 180 ca- lenovelas diárias e três séries semanais. pítulos é de 15 milhões de dólares, o que Cada capitulo de novela possui em média significa cerca de 80 mil dólares por capítu- 40 minutos brutos e cada episódio de sé- lo. O capitulo diário possui, em média, 34 rie tem 30 minutos, o que dá uma média cenas gravadas, o que corresponde a 112 fil- de sete horas diárias de ficção. Desses 13 me de cinema. São 20 horas de gravação e programas, a Globo participa com oito, 27 horas de edição para um capítulo de 45 sendo sete produções novas e apenas uma minutos no ar. Normalmente, uma novela reprise (no horário vespertino). A Globo tem 60 a 70% de gravações em estúdio e de não veicula telenovela estrangeira e todas 30 a 40% de gravações externas. A produ- as suas novelas são nacionais. Ao contrá- ção envolve uma média de 200 pessoas e rio, sua concorrente SBT participa apenas uma novela de sucesso alcança por volta de com uma produção nacional e quatro im- 45 pontos, representando uma média de 32 portadas (atualmente todas mexicanas). milhões de telespectadorese um share (por- O horário da novela foi uma criação ção de público total) de 58%". da Globo, desde os anos 70, quando ela passou a produzir três novelas diárias. PALIMPSESTO DA FICÇÃO NA Esse horário se estende por uma faixa TELEVISÃO BRASILETRA ATUAL que vai das 17h30 às 22 h, sincronizou o horário de cada novela e acabou por Na televisão aberta existem hoje seis determinar hábitos de assistência espe- redes nacionaisL4,sendo que a disputa de cíficos16. A primeira faixa, das 17h30, audiência fica restrita entre a Globo e o é ocupada por Malhação, única soap SBTI5,que são também as únicas que pro- opera da TV brasileira dirigida para o duzem ficção doméstica. O prime time público infanto-juvenil. Segue-se a no-

13. Entre as últimas novelas com maior share estão: Laços de familia (2000) 56%; (2001) 58%, Terra nostra (1998) 59% e também com 59%. 14. Essas redes são: Gobo, SBT, Record, Rede TV!, Bandeirantes e Cultura. Todas são privadas i exceção da TV Cultura que é piiblica. 15. Ver nota 9. 16. O telespectador adquiriu o hábito de todo dia, numa determinada hora, assistir ao mesmo programa. O horário da novela é uma instituição na TV brasileira e costuma determinar a hora do jantar e até de dormir. As classes populares têm o hábito de dormir "depois da novela das oito", que continua a ser assim chamada apesar de atualmente ir ao ar das 21h às 22h. Outro hábito criado é o de assistir ao principal telejomal do pais (Jornal Nacional, Globo, 20h15 - 20h55) que está ensanduichado entre duas novelas. Também é comum as pessoas marcarem seus compromissos noturnos para depois da novela. Finalmente, esse horário acabou conformando também a programação das demais emissoras que, no horário da novela, têm baixa audiência e acabam colocando no ar programas para serem sacrificados, mais do que verdadeiras alternativas às novelas. A disputa de audiência A faixa das novelas da Globo é movida, em primeiro lugar, pelo SBT, unica concorrente da Globo que adotou a mesma lógica de programação exibindo no mesmo hodrio teleno- velas, quase todas mexicanas. A segunda concorrência às novelas é movida pela TV paga. Comunicação & Educação, São Paulo, (26): 17 a 34, jan./abr. 2003 vela das seis, de temática geralmente lodrama, ficção e realidade, cuja con- histórica ou romântica; a novela das tigüidade tem sido objeto de análises e sete, de tema atual, em chave jovem e estudos recorrentes. de comédia e a novela das oito, a prin- Falar de telenovela brasileira é falar cipal, de tema social e adulto". Entre das novelas da Globo. São elas, sem dú- a novela das 18h e das 19h vai ao ar vida, as principais responsáveis pela um telejornal regional de 20 minutos e especificidade da teleficção brasileira. entre a novela das 19h e a principal, há Essa especificidade é resultado de um o mais assistido telejornal do país, com conjunto de fatores que vão desde o ca- 40 minutos de duração. A lógica que ráter técnico e industrial da produção, preside a esse palimpsesto tornou-se passam pelo nível estético e artístico e clássica por combinar noticiário e me- pela preocupação com o texto e con-

Grade de Programação da ficção televisiva brasileira *

Emissora Horário Telenovela - 45' " Origem Globo 14h20 - 2" a 6" A Gata Comeu nacional Globo 17h35 - 2" a 6" Malhação nacional Globo 18h05 - 2" a sab nacional Globo 19h15 - 2"a sab As Filhas da Mãe nacional Globo 20h55 - 2" a sab O Clone nacional Série - 35' Globo 22h45 - 3" feira Brava Gente nacional Globo 23h15 - 5" feira A Grande Família nacional Globo 23h05 - 6" feira Os Normais nacional Telenovela - 40' SBT 17h15 - 2' a 6. Preciosa mexicana SBT 171135 - 2" a Rosalinda mexicana SBT 17h35 - 2" a 6" Abraça-me Forte mexicana

* Semana de 22 a 2711 01200 1

17. Seria necessário outro trabalho para analisar a novela do ponto de vista de sua realização como gênero e mostrar como ela veio se constituindo como um gênero hibrido, capaz de fundir no melodrama outros subgêneros como O cômico, o realismo fantástico, o drama, o romântico. Identificamos nesse gênero hibrido a base da teledramaturgia brasileira e um dos fortes motivos da preferência nacional de que 6 alvo a novela. Os outros motivos são a verossimi- lhança e as temáticas polêmicas. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a naçao vergem no chamado padrão Globo de tos contemporâneos, também se rege qualidade. É possível atribuir às nove- fortemente pelas origens folhetinescas las da Globo o papel de protagonistas do gênero. na construção de uma teledramaturgia A partir do final dos anos 60 e se- nacional18. guindo o modelo proposto pela Rede A atual grade de programação da fic- TupiZ0,as novelas da Rede Globo se ção televisiva acima ilustra o que acaba- contrapuseram ao estilofantasioso que mos de descrever. dominava a produção anterior, propon- do uma alternativa realista2'. É a rup- TELEDRAMATURGIA NACIONAL tura com o modelo representado pela OU EU VEJO O BRASIL .WA NOVELA novela Sheik de Agadir (Globo, 1966) -, com seus personagens com nomes es- A consolidação da novela como o gê- trangeiros, vivendo dramas pesados, nero mais popular e lucrativo da televi- diálogos formais e figurinos pomposos, são está vinculada a uma mudança de ambientados em tempos e lugares re- linguagem, saudada pelos autores brasi- motos -, para o paradigma da novela leiros com trabalho acumulado no rádio brasileira que foi sendo construido a e no cinema. A oposição entre novelas partir da novela Beto Rockfeller (Tupi, realistas, críticas da realidade social, cul- 1968). Este paradigma trouxe a trama tural e política brasileira, e novelas para o universo contemporâneo das ci- fantasiosas, ou dramalhões feitos para dades grandes brasileiras, o uso de gra- fazer chorar, marcou o debate entre os vações externas, introduziu a lingua- profissionais de novela, assim como a gem coloquial, o humor inteligente, literatura sobre o tema e a opinião da uma certa ambigüidade dos persona- audiêncialg. Para além dessa oposição, gens e, principalmente, referências interessa marcar que, embora a versão compartilhadas pelos brasileiros. Sin- fantasiosa, também conhecida como tonizou as ansiedades liberalizantes de mexicana, procure se manter distante do um público jovem, tanto masculino comentário social e político e não ad- quanto feminino, recém-chegado à mita o humor, a versão nacional, apesar metrópole, em busca de instrução e de incorporar comentários sobre assun- integração aos pólos de modernização.

18. A história da telenovela começou na primeira emissora de TV, a extinta Tupi, responskvel pela novela que foi o marco do abrasileiramento do gênero, Beto Roc~eller(1968). Em anos mais recentes, a Rede Manchete (que faliu em 1999) chegou a construir estúdios próprios e produziu algumas novelas que se equipararam às da Globo em qualidade de produção. Foram marcos de sua produção: Dona Beija (1986), Pantanal (1990) e Xica da Silva (1 996), novelas que provocaram polêmica pelas cenas de nudez em suas tramas. Atualmente, é o SBT que constitui a segunda emissora em produção de telenovela. Construiu em São Paulo o Projeto Anhangüera, uma enorme área com estúdios e locações, mas que devido i sua produção irregular e descontínua, ainda não se constituiu em segundo pólo de produção teleficcional no pais. 19. Segundo pesquisa recente, 68% dos telespectadores nunca assistem a novelas produzidas em países latino-america- nos, como México e Colômbia. (pesquisa TGI - Target Group Index, outubro 2001). 20. A Rede Tupi foi a primeira rede de televisão do Brasil, marcou época como pioneira nos caminhos de uma dramaturgia própria da televisão com base em temas e personagens brasileiros. Com a sua falência, nos anos 70, inicia-se a hegemonia da Globo. 21. ORTIZ, Renato et al. Telenovela: história e produção. São Paulo: Brasiliense, 1989. MATTELART, Armand, MATTELART, Michèle. O carnaval das imagens. São Paulo: Brasiliense, 1989. Comunicação & Educação, São Paulo, (26): 17 a 34, jan./abr. 2003

As convenções que passaram a ser vidos pelos personagens, os quais acenam adotadas daí em diante baseiam-se na para a população de espectadores com a máxima de que cada novela deveria tra- possibilidade concreta de integração so- zer uma novidade, um assunto que a cial por meio do consumo. Essa quase diferenciasse de suas antecessoras e obsessão pela conjuntura e a moda é aco- fosse capaz de provocar o interesse, o modada à estrutura seriada e interativa do comentário, o debate de telespectadores folhetim e mobiliza repetidamente o gê- e de outras midias, assim como o con- nero melodramático como matriz cultural sumo de produtos a ela relacionados: e dispositivo de com~nicabilidade~~.As livros, discos, roupas etc. Essa ênfase tramas das novelas são, em geral, movi- na representação de uma contem- dasporoposiçõesentrehomensemulhe- poraneidade sucessivamente atualizada res; entre gerações; entre classes sociais; é visível na moda, nas tecnologias, nas entre localidades rurais e urbanas; arcai- referências a acontecimentos correntes. cas e modernas, representadas como ten- Mas é visível também na evolução da dências intrínsecas e simultâneas da con- maneira como o amor, o sentimento, o temporaneidade brasileira. Outros romance e a relação homem-mulher fo- recursos dramáticos típicos como identi- ram representados nas novelas dos anos dades falsas, trocas de filhos, pais desco- 70 em diante. nhecidos, heranças repentinas, ascensão social via casamento estão presentes de ma- neira recorrente e convivem bem com re- Essa opção por uma definição ferências a temáticas e reoertórios nacio- clara no tempo e no espaço - nais e atuais na época em que vão ao ar. quase sempre a conjuntura Alçada à posição de principal produto de uma indústria televisiva de grandes contemporânea situada proporções, a novela passou a ser um dos âmbito da nação - mais importantes e amplos espaços de potencializa a vocação da problematização do Brasil, das intimida- des privadas às políticas públicas. Essa novela de mimetizar e de capacidade sui generis de sintetizar o pú- constantemente renovar as blico e o privado, o político e o domésti- co, a noticia e a ficção, o masculino e o imagens do cotidiano de um feminino esta inscrita no texto das nove- Brasil que se moderniza. las que combinam convenções formais do documentário e do melodrama tele- Isso pode ser identificado através dos visivo. É isso que mais tipifica a teleno- dois planos estruturais de toda novela: o vela brasileira e constitui o paradoxo de renovado senso de exploração de temas se identificar o Brasil mais na narrativa contemporâneos e o verdadeiro efeito-de- ficcional do que no telejornal. São recor- monstração dos padrões de consumo vi- rentes nas novelas a identificação entre

22. MART~N-BARBERO,Jesús. Dos meios e das mediações. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação personagens da ficção e figuras públicas TELENOVELA COMO OBRA reais. Entre as tramas, os problemas reais ABERTA E OBRA DE AUTOR e a tendência para uma maior verossimi- lhança nas histórias contadas, está, aliás, Fruto da combinação de profissionais uma demanda forte do próprio de posições e intenções diversificadas, de Tal combinação de gêneros e informações dramaturgos e escritores de esquerda, pode ser encontrada, por exemplo, no uso passando por atores de talento a produ- de documentários de época, inseridos nas tores e publicitários com visão de indús- seqüências de novelas desde Irmãos co- tria e mercado, as novelas passaram a ragem (1970, novela de tempo atual) a constituir o principal produto da Rede Terra nostra (1998, novela de época). Ain- Globo, que a ajudaram a projetar-se como da podemos mencionar a mais recente in- o maior conglomerado brasileiro de vasão de realidade na novela Porto dos midia, e competitivo em nível interna- Milagres (2001) pelo uso, no intervalo ~ional~~.Pelo menos desde os anos 70, comercial, de clipes de campanha elei- através da Globo, veio sendo consolida- toral com os personagens da novela, pro- da uma série de mecanismos de produ- vocando o efeito de realidade de uma ção e convenções de escritura e de re- propaganda feita por partidos políticos cepção que configuram um sistema de verdadeiros. E, finalmente, a incorpo- real feedback na produção de um produ- ração do noticiário, levada às últimas to massivo. Esse sistema leva em conta a conseqüências, que passou a ser deno- participação dos telespectadores no mo- minado de merchandising em mento mesmo da produção. Nesse senti- novelas recentes como a divulgação do do, e porque vão ao ar enquanto estão trabalho das ONGs e a presença de sendo escritas, as novelas foram defini- mães de crianças desaparecidas (Ex- das como obras abertas". Elas são ca- plode coração, 1995), o Movimento pazes de colocar em sintonia os teles- dos Sem-Terra e a presença de dois se- pectadores com a interpretação e a nadores da república em velório do se- reinterpretação dos temas tratados. nador da ficção (, 1996), A novela se tornou um veículo que a doação de órgãos e a presença de mé- capta e expressa a opinião pública sobre dicos, explicando o câncer de uma jo- padrões legítimos e ilegítimos de com- vem (Laços defamília, 2000). portamento privado e público, produzin-

23. São comuns as criticas tanto da midia quanto do público a certas situações tratadas numa novela como sendo irreais e fantasiosas, cobrando mais realidade e menos ficção. Essa tendência ao realismo, ou mais precisamente, a uma naturalização das histórias contadas nas telenovelas talvez esteja na base dos mecanismos de legitimação e de credibilidade das novelas no Brasil. Sobre as relações entre ficção e realidade na telenovela brasileira, ver os trabalhos de: LOPES, Maria Immacolata Vassallo et al. Vivendo com a telenovela - recepção, mediações e ficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002. MOTTER, Maria Lourdes. A felenovela:documento histórico e lugar de memória. Revista USP, 48. São Paulo: CCSNSP, 2001. 24. SCHIAVO, Marcio. Merchandising social: uma estratégia sócio-educacional para grandes audiências. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1995. 25. O caráter de monopólio da televisão brasileira exercido pela Rede Globo é indiscutivel até hoje. Mesmo a guerra de audiência movida pela segunda rede, o SBT, e travada em alguns segmentos de horirio, e principalmente em progra- mas de auditório comandados pelo seu dono, Sílvio Santos, que tem um percurso muito peculiar de seymade man, de vendedor ambulante a empresário e dono do segundo conglomerado de midia no pais. 26. Alguns autores, como Renata Palottini, consideram a telenovela como obra em aberto. OIJ. Ed.) Comunicação & Educação, São Paulo, (26): 17 a 34, jan./abr. 2003

do uma espécie de fórum de debates so- bre o país. São inúmeros os aspectos pe- Tudo leva a dar cada vez mais los quais se manifesta a construção des- peso ao jogo da interação da sa obra aberta. Eles se dão a partir da novela e o público, a mobilização escolha do tema da novela em forma de sinopse, apresentada pelo autor (roteiris- da empatia pelos conteúdos ta), revelando uma maior ou menor sen- temáticos, formais e estéticos, sibilidade e afinidade com as demandas onde tudo conta: a abertura, a embrionárias ou explícitas no público. Este é o primeiro aspecto a ser avaliado história central, as tramas em termos de possibilidade de a novela paralelas, os atores, os cenários, pegar em forma de audiência. Os autores de novela são nacional- as músicas, os figurinos. mente conhecidos pelos temas a que se dedicam, de modo que quando a próxi- A avaliação é cotidiana, expressa-se ma novela é anunciada em campanha de quantitativamente nos indices de audiên- lançamento, o nome do autor é destaca- cia, mas, principalmente, nos circuitos da do ("novela de Benedito Ruy Barbosa") circulação das conversas, dos quais falare- de modo a proceder à identificação do mos adiante. Estas, além de evidenciar uma universo ficcional daquele autor. E o que poderosa rede de produção e circulação de pode ser esperado já passa a ser matéria sentidos, expressam a verdadeira recepção de comentários em jornais, revistas, da telenovela. Temos, portanto, uma cap- emissoras de rádio e televisão e, talvez tação quantitativa e formal da recepção mais importante, passa a ser conversa- dada através de indices de audiência e uma do antecipadamente pelas pessoasz7. captação qualitativa e informal da recep- Outro aspecto é a convenção de a nove- ção através da sua rede de circulação. la ir ao ar quando somente 25 capítulos foram gravados, o que, segundo a pro- TEMAS DA VIDA PÚRI~ICA dução, é uma média suficiente para o tra- E DA VIDA PRIVADA balho das gravações poder ser feito ao sabor das mudanças que se vão fazendo Eventos e temáticas sociais e políticas no roteiro. A produção também incor- remetem à já citada discussão sobre o ca- pora os indicadores fornecidos pela re- ráter crítico das novelas e as referências alização permanente de grupos de dis- explícitas a nação. cussão realizados pelo setor de pesquisa Avançamos a hipótese de a novela da Globo. exercer a função de agenda setting tal é

27. Os escritores de novelas são chamados significativamente de autores e não roteiristas. Cada autor tem uma equipe de dois a três escritores para desenvolver uma novela que tem em média 180 capítulos. Cada autor é conhecido por seu universo temático e pela composição dos personagens. Alguns chegam até a autoreferenciar-se quando, numa novela, o autor remete a personagens, lugares e situações por ele desenvolvidas em outra. Assim, Benedito Ruy Barbosa é conhecido como autor que trabalha com a temática rural; com a temática feminina e racial; Gilberto Braga é o cronista da classe média carioca; Manoel Carlos retrata o cotidiano da vida das grandes cidades; Sílvio de Abreu faz novela de humor com remessas cinematográficas; Lauro César Muniz dedica-se ao tratamento social critico; Glória Perez, Bs inovações de conteudo polêmico etc. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação a agenda temática tratada. Questões de, que se expressa de maneira mais bem como a reforma agrária, o coronelismo acabada essa capacidade de aglutinar ex- (o poder das oligarquias locais), a espe- periências públicas e privadas que carac- culação imobiliária, as companhias teriza as novelas. multinacionais, a corrupção política, o ra- A primeira novela, ainda não diária, cismo, as minorias, entre outras são al- da televisão brasileira, Sua vida meper- guns exemplos dessa vocação das nove- tence (Tupi, 195I), chamou a atenção por las de incorporar temas do âmbito público um beijo ardente. No começo dos anos em suas narrativas teoricamente voltadas 70, o beijo ainda encarnava a sensuali- para o universo privado. Mas temáticas dade máxima nas novelas. Porém, ao longo como essas nas novelas são inseparáveis dessa década, o ritmo das transformações das temáticas do romance, da familia, do na maneira como as novelas representa- amor, do casamento, da separação. É a ram os tipos ideais de mulher, de rela- lógica das relações pessoais, familiares ções amorosas e de estrutura familiar que preside a narrativa dos problemas acelerou-se. O privilégio do beijo seria sociais. E aí parece residir o poder dessa rapidamente substituído por uma narrativa, traduzir o público através das liberalização crescente das novelas que relações afetivas, ao nível do vivido, adentraram os aposentos íntimos dos per- misturando-se na experiência do dia-a-dia, sonagens; cenários de quarto, casais na vivida ela mesma em múltiplas facetas, sub- cama e gestos que simbolizam o orgas- jetiva, emotiva, política, cultural, estética etc. mo passaram a ser admitidos. Jogando A fusão dos domínios do público e do com o universo proibido do incesto, da privado realizada pelas novelas lhes per- prostituição, do prazer, da nudez, do sexo mite sintetizar problemáticas amplas em antes do casamento, desvinculando-o da figuras e tramas pontuais e, ao mesmo tem- procriação, da separação como saída para po, sugerir que dramas pessoais e pontuais casamentos infelizes, com a legitimida- podem vir a ter significado amplo. Nesse de de segundas uniões. Ainda, passou-se sentido, são exemplares os casos da nove- a tratar da vida profissional e indepen- la (1990) que conta a dência financeira da mulherz8, das história de uma inseminação artificial; de tecnologias reprodutivas (Barriga de alu- transplante de coração em De corpo e alma guel. 1990; O clone, 2001), da constitui- (1992); a destruição do meio ambiente em ção de novos arranjos familiares em que (1993); a chegada da uma mulher, mesmo solteira, decide internet em Explode coração (1995); a vio- criar filhos concebidos em relações di- lência urbana em Apróxima vítima (1995) ferentes (Laços defamilia, 2000). Entram e Torre de Babel(1998 ) e O clone (2001) em cena e são cada vez mais constantes com a clonagem humana. os casamentos inter-raciais (Corpo a cor- Mas, talvez seja na trajetória das per- po, 1984; A próxima vítima, 1995; A sonagens femininas, assim como na das indomada, 1996; Por amor, 1997; Suave representações do amor e da sensualida- veneno, 1999; Laços de familia, 2000;

28. Na novela Laços defamilia (2000), este tema foi tratado em forma de comédia, em que a superioridadeprofissional e financeira da esposafoi causa da impotência sexual no marido. Comunicação & Educação, São Paulo, (26): 17 a 34, jan./abr. 2003

Porto dos Milagres, 200 1) e uniões ho- E talvez o fascínio e a repercussão pú- mossexuais, seja entre homens jovens e blica das novelas estejam relacionados adultos como entre mulheres (Vale tudo, a essas ousadias na abordagem dos dra- 1985; Apróxima vítima, 1995; Por amor, mas comuns de todo dia. Em que medi- 1997; Torre de Babel, 1998)29.Outro in- da a moral final corresponde a modelos dice da ampliação do espectro dos pa- convencionais ou liberalizantes tem a drões de comportamento modernos, le- ver com uma negociação simbólica ou gitimados pelas novelas, é a introdução dos significados em jogo. Negociação de romances entre mulheres mais velhas cheia de mediações que envolve auto- e homens mais jovens, o amor na ter- res, produtores, pesquisadores de mer- ceira idade e um modelo de mulher pro- cado, instituições como a censura, a fissional, liberada e independente, cap- igreja, os movimentos negro, feminis- tando e expressando representações que ta, gay, ONGs e os diferentes públicos quase sempre são mais avançadas em que vêem novelas. E certo que esses dra- relação à realidade vivida. A recorrência mas nas novelas já não são lineares nem com que os padrões desviantes de casa- unilaterais, mas antes, bastante nuan- mento e de sexualidade são tratados nas çados e marcados por um movimento novelas fazem com que elas passem a ambivalente entre transgressão e con- conferir enorme visibilidade pública à formismo. Com relação à questão da discussão desses temas anteriormente tra- discriminação racial e sexista, o trata- tados somente no âmbito privado. E, mais mento vem sendo crescentemente in- importante ainda, o tratamento realístico formativo, anti-dogmático e a favor da dado a esses temas não costuma escamo- tolerância e do respeito às chamadas tear os elementos de conflito e de pre- minorias. Neste aspecto, a novela pa- conceito, conferindo à novela alta rece configurar-se- como uma linha de credibilidade junto ao público. força na construção de uma sociedade multicultural no Brasil.

É através desse efeito de PACTO DE RECEPÇÃO E credibilidade das novelas que TERRIT~IUOSDE elas colocam em circulação e CIRCULAÇÃO DE SENTIDOS em debate mensagens sobre a Não resta dúvida de que a novela cons- tolerância e O direito à titui um exemplo de narrativa que ultra- passou a dimensão do lazer, que impreg- a despeito do quase na a rotina cotidiana da nacão., * construiu sempre "final feliz" dado a mecanismos de interatividade e uma essas histórias. dialética entre o tempo vivido e o tempo narrado e que se configura como uma ex-

29. Há que se mencionar que na novela Torre de Babel (1998), um casal de lésbicas foi retirado da história por provocar intensas manifestações negativas, principalmente na midia. Ficou famosa a solução dada pelo autor da novela em explodir o shopping onde elas, belas, liberadas e bem sucedidas, eram empresárias de moda. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação periência ao mesmo tempo cultural, esté- tica e social. Como experiência de socia- A novela é tão vista quanto bilidade, ela aciona mecanismos de con- falada e seus significados são o versação, de compartilhamento e de produto tanto da narrativa participação imaginária. A novela tornou- se uma forma de narrativa sobre a nação audiovisual, produzida pela e um modo de participar dessa nação ima- televisão, quanto da ginada. Os telespectadores se sentem par- interminável narrativa oral ticipantes das novelas e mobilizam infor- mações que circulam em torno deles no produzida pelas pessoas. seu cotidiano30. As relações do público com as novelas Como muitas pesquisas já mostraram, são mediadas por uma variedade de insti- a novela começa a ser comentada durante tuições, pesquisas de audiência, relações o próprio ato de sua assistência. Conver- pessoais, contatos diretos com autores, além sa-se sobre ela em casa, com o marido, a da imprensa e da mídia especializada. mãe, os filhos, a empregada, com os vizi- Tão importante quanto o ritual de as- nhos, os amigos, no trabalho. Fala-se dela sistir aos capítulos das novelas cotidiana- nas revistas especializadas em comentá- mente são a informação e os comentários rios e fofocas sobre novelas; em colunas que atingem a todos, mesmo Aqueles que dos jornais diários, tanto os de prestígio só de vez em quando ou raramente vêem quanto os populares; nas pesquisas de a novela. As pessoas, independentemente opinião feitas por institutos; nas cartas de de classe, sexo, idade ou região acabam leitores mandadas aos jornais e revistas; participando do território de circulação nos programas de televisão e rádio que dos sentidos das novelas, formado por inú- acompanham as novelas tanto em forma meros circuitos nos quais são reelaborados de reportagem e entrevistas com seus ato- e ressemantizados. res, quanto em programas de humor nos

30. A partir de meados da década de 80, diante da insatisfação com os trabalhos que se restringiam a interpretar o conteúdo ideológico de programas televisivos, ou priorizavam a análise político-institucional da indústria cultural, o foco dos estudos passou a recair sobre a recepção. A análise desses estudos extrapola os objetivos do presente texto. Limitamo-nos somente a ressaltar que o percurso desses estudos foi marcado por uma ampliação das referências teóricas e dos quadros metodológicos, em que se passou a adotar uma abordagem crescentemente complexa e interdisciplinar a ponto de a recepção não ser mais tratada como um pOlo, mesmo que ativo, do processo de comunica- ção, como aparece na grande literatura internacional sobre o tema. Nos atuais estudos latino-americanos, a recepção aparece propriamente como uma perspectiva de análise, pela qual todo o processo de comunicação é reconstituído (produção, meio, texto e público). Parece que o termo "recepção" já não alcança mais para dar conta desse tipo de pesquisa ,a que preferimos chamar de estudos de mediações. A nosso ver, são estes os que passam a ser uma marca distintiva das atuais pesquisas latino-americanas de comunicação. Esses estudos no Brasil começaram por discutir as diferenças de interpretaçãoentre segmentos determinados do público, como a classe social e a situação geográfica, até chegar aos estudos mais atuais que demonstram o caráter interativo da novela, da constmção de um repertório compar- tilhado sobre a nação, do pacto de recepção entre a produção e o piiblico, numa dinâmica que ao longo dos anos consolidou convenções formais de narrativa que são de amplo domínio do público. As diferenças de interpretação das novelas nas diferentes regiões, classes e segmentos sociais só são possíveis porque todos vêem a novela. Como disse- mos no inicio do presente texto, o significado sociocultural da telenovela no Brasil (e no restante da América Latina) para a modernidade que se vive na região, vai muito além de seus efeitos. E aqui parecem caber as férteis pistas abertas por estudos sobre as relações entre oralidade e visualidade, que vêem a televisão e, particularmente, a telenovela como dispositivosde reordenamento da cultura. C.f. MART~N-BARBERO,Jesús, REY, German. Los ejercicios de1 ver (Os exercícios do olhar). Barcelona: Gedisa, 1999. Comunicação & Educação, São Paulo, (26): 17 a 34, jan./abr. 2003 quais elas são satirizadas. Anovela também tramas das novelas provocam a discussão aparece nas músicas dos CDs de trilhas so- da necessidade de códigos de ética por noras que são especialmente compostas; parte das emissoras de TV, seja em forma em todo um circuito de merchandising que de lei ou de auto-regulamentação. vai das roupas e jóias, usadas pelos ato- E, finalmente, as novelas provocam a res, aos objetos de decoração, bebidas, torcida por personagens que se encontram carros, lojas e bancos que aparecem nas em confronto ou sobre o que elas devem histórias; e nos comerciais com os atores fazer ou sobre a mudança que deve haver das novelas que estão no ar. no seu comportamento. O mais novo es- Os autores declaram expressamente i paço ocupado por toda essa conversação imprensa que procuram pessoas na rua que a novela provoca é a internet, onde para saber as suas opiniões sobre o que cada novela tem seu site (informado ao estão escrevendo para assim ter idéias so- final da ficha técnica que encerra cada bre o desenvolvimento dos personagens. capítulo diário), e as opiniões se expres- As gírias e maneirismos usados por cer- sam em inúmeras listas de disc~ssão~~. tos personagens são incorporados rapida- mente na linguagem do dia-a-dia; nomes de personagens entram em moda e crian- A força e a repercussão da ças são batizadas com eles; nomes de no- novela mobilizam velas passam a ser nomes de padarias e cotidianamente urna verdadeira lojas; também nomes de alguns persona- gens são usados como adjetivos para de- rede de comunicação, através da signar o caráter desviante de pessoas. qual se dá a circulação dos seus Além disso, situações vividas por um sentidos e provocam a discussão personagem na novela ou as característi- cas de seu caráter podem ser objeto de e a polêmica nacional. mobilização de sindicatos, do movimento negro ou gay, de políticos, de comunida- Através desse fórum de debates capi- des étnicas que criticam ou reivindicam larmente difuso, complexo e diversifica- mudanças em situações e personagens que do, as pessoas sintetizam experiências pú- contrariam a sua imagem pública3'. As blicas e privadas, expressam divergências novelas ainda podem ser encontradas re- e convergências de opinião sobre ações de fletidas nas propostas de projetos de lei para personagens e desdobramentos de histó- o estabelecimento de quotas para atores rias. O caráter de repertório compartilha- negros e disciplinando o trabalho de atores do permite a manifestação de diferenças, infantis e adolescentes. Frequentemente, as a expressão das competências sobre o gê-

3 1. As manifestações públicas quase sempre vão no sentido de criticar as novelas por discriminação (pelo tratamento indevido a personagens negros, gays, mulheres, crianças), por difamação (por exemplo, políticos ou figuras publicas que se sentem atingidas), por realçar traços negativos de categorias profissionais (como policiais, advogados, médicos, jornalistas, empresários de multinacionais etc.). 32. Como exemplo deste fbmm recente, um jornal promoveu uma discussão baseada em uma reportagem em que se identificava o "branqueamento" dos personagens numa novela recente, Porto dos Milagres (2001), baseada em roman- ce de Jorge Amado, cujos personagens são majoritariamente negros. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação

nero, de domínio das convenções dra- co nacional composto por mulheres, ho- matúrgicas da telenovela, da sensibilida- mens e crianças em todos os grupos soci- de do olhar que cerca os detalhes, seja nos ais e locais do território nacional. A novela cenários e nos figurinos, seja nos múlti- talvez seja um exemplo único de como um plos plots (linha de ação, núcleo dramáti- sistema de mídia televisivo pode ser res- co) que se entrelaçam no emaranhado de ponsável pela emergência de um espaço pú- 200 capítulos para, ao fim, emitir seu jul- blico peculiar que nos anos atuais se diver- gamento sobre diversos finais dessas tra- sificou e se apresenta como alternativa mas. Critica-se ou aplaude-se a produção principal de realização pessoal, inclusão pela condução da obra. social e de poder, isto é, como uma nova forma de cidadania. A novela, enfim, con- seguiu permeabilizar o espaço público bra- Quando uma novela galvaniza o sileiro à atualização e à problematização país, nesse momento ela atualiza da identidade nacional em um período de seu potencial de sintetizar o profundas e aceleradas transformações. imaginário de uma nação, isto é, DO ESPAÇO AUDIOVISUAL a sua identidade, ou o que é o NACIONAL PARA O mesmo, de se expressar como TRANSNACIONAL

riação inzaginnda. Como vimos, o que tem tomado a tele- novela um enclave estratégico para a pro- Esta representação, ainda que estrutu- dução audiovisual brasileira é o seu peso no ralmente melodramática e sujeita à varie- mercado televisivo tanto quanto o papel que dade de interpretações, é aceita como ela joga na produção e reprodução das irna- verossímil, vista e apropriada como le- gens que os brasileiros fazem de si mesmos gítima e objeto de credibilidade. Há um e através das quais, se reconhecem. Só este consenso na literatura em denominar esse fato é suficiente para tomar indispensável a imaginário como moderno, uma vez que reflexão sobre os diferentes sentidos da te- as novelas movimentam os imaginários lenovela no plano nacional. É este o objeti- modernos da nação sobre alguns eixos vo que moveu o presente artigo. Porém, não temáticos recorrentes e que, em síntese, queremos concluí-10 sem deixar de, pelo são: a mobilidade social, a nova família, a menos, apontar e reconhecer também a sua diversidade sexual, étnica, racial, a afir- importância regional e transnacional. mação feminina, a renovação ética. Estruturada no Brasil, e também na Amé- No mínimo é irônico que um programa rica Latina, nos anos 60 e 70, a telenovela foi inicialmente classificado pela indústria um fator determinante na criação de uma ca- como entretenimento dirigido às mulheres pacidade televisiva nacional que se projetou de nível socioeconômico C tenha domina- não só numa extensiva produção como tam- do o horário nobre da televisão brasileira e bém numa particular apropriaçãodo gênero, se transformado numfómm de debates so- isto é, sua nacionalização. Entretanto, isso bre a nação, compartilhado por um públi- vai além de modelar o caráter nacional da te- Comunicação & Educação. São Paulo, (26): 17 a 34, jan./abr. 2003 lenovela. Duas dinâmicas diferentes, mas in- momento de sua produção. As co-produ- timamente conectadas, estão envolvidas: uma ções são recentes na América Latina. En- delas empurra para a integração do espaço quanto a Globo se associa à Telemundo, latino-americano e outro mobiliza o merca- segunda rede hispânica dos Estados Uni- do mundial. Dentro da América Latina, a te- dos e braço da Sony Pictures Entertainrnent lenovela conta com a vantagem de um longo para fazer co-produções destinadas exclu- processo de identificação massiva e popular, sivamente ao mercado externo, o SBT tam- colocada em movimento desde os anos 40 e bém está tratando de co-produzir com a 50, resultando no que se poderia chamar de Univisión dos Estados Unidos, associada um processo de integração sentimental dos da mexicana Televisa. Neste aspecto, o países latino-americanos - uma estandar- Brasil fez história com a exportação de te- dização de modos de sentir e de expressar, de lenovelas da Globo que alcançaram índi- gestos e sons, ritmos de dança e de cadências ces notáveis de audiência em inúmeros narrativas - tomada possível pelas indústrias países da Europa e da Ásia - caso de A es- culturais do rádio e do cinema33.Isto quer crava Isaura, Dancing days, Roque San- dizer que, enquanto marco nesta dinâmica de teiro e até a recente Terra nostra. Por outro integração - os países em sua pluralidade lado, a Televisa, do México, concentrada nacional e diversidade cultural - a telenovela mais na América Latina e na audiência his- é também o lugar de intervenção da dinâmi- pânica dos Estados Unidos, também alcan- ca da globalização do mercado mundial. çou enorme êxito com Os ricos também choram e Simplesmente Maria. A intemacionalização da Na Europa, em anos recentes, o reor- denamento dos sistemas nacionais de te- telenovela responde ao levisão européia, a privatização e expan- movimento de ativação e são de canais e a introdução do sistema é por cabo e satélite ampliaram enormemen- reconhecimento do que te a programação e abriram o mercado à especificamente latino- intemacionalização de telenovelas de ou- americano num gênero tros países latino-americanos como a Venezuela, Argentina e Peru. A entrada das televisivo que começa a telenovelas latino-americanas no merca- exportar sucessos nacionais. do audiovisual mundial certamente mos- tra o nível de desenvolvimento atingido Contraditoriamente, sua intemaciona- pela indústria da televisão nesses países e lização tambémresponde ao movimento de também significa, em alguma medida, o progressiva neutralização das característi- rompimento da linha demarcatória entre cas de uma latino-americanidade em um o Norte e o Sul enquanto países conside- gênero que a lógica do mercado mundial rados a ser produtores e os considerados a pretende converter em transnacional no ser exclusivamente c~nsurnidores~~.

33. MART~N-BARBERO,Jesús, REY, German. Los ejercicios ... op. cir. 34. BUONANNO, Milly. E1 drama televisivo. Barcelona: Gedisa, 1999.

-33 Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação

São desafios que se colocam num mer- cessos ambivalentescomo a tendência a dis- cado televisivo hegemonizado, mas também solver as diferenças culturais e a indi- fragmentado e segmentado em seu consu- ferenciação das audiências, por um lado, e, mo e complexificado pelo aparecimento de por outro, a tendência à migração e à afir- novos atores sociais e novas identidades mação em outros temtórios de gêneros na- coletivas. Desafios em que convivem pro- cionais, como a telenavela brasileira

Resuma: O artigo destaca a telenovela bra- (The Brazilian telenovela: A narrative about sileira como produto cultural televisivo que the Nation) ganhou expressão própria ao constituir-se Róstract The article highlights the Brazilian tele- como uma narrativa sobre as temáticas do novela as a television cultural product that gained cotidiano urbano e as questões sociais emer- its own expression by constituting itself as a gentes no Brasil. Destacando-se, desta ma- narrative on daily life urban themes and about neira, das demais produções ficcionais e emergent social issues in Brazil. In this manner, 1 constituindo-se inclusive em produto de ex- differentiates itself from the other fictional portação. Como obra aberta, dá espaço a productions and is constituted as a product for participação dos telespectadores, fazendo exp0rt.A~open work, this production opens space do autorfdramaturgo um profissional em to viewer participation, transforming the authorl constante interação com seu público. A infra- dramaturge into a professionalwho is in constant estrutura de produção exigida faz da Rede interaction with his or her public. The production Globo de Televisão a maior produtora de fic- infrastructure that is required tums Rede Globo ção televisiva do Brasil e uma das maiores de Televisão into the biggest fiction television do mundo. A autora dá números da signifi- producer in Brazil and into one of the biggest in cativa produção, fala sobre a formação de the world. The author provides numbers regarding uma grade de programação que acabou por this signiiicant production, talks about the fomation cristalizar um certo hábito de assistir a tele- of a major programmingthat ended up crystallizing visão, formando uma rede de circulação e a certain television watching habit, concretizing a constituição de sentidos sobre as temáticas network that circulates and constitutes senses da vida pública e privada brasileira. regarding the themes that surround Brazilian public and private lives. Pa/avras-cbav.telenovela brasileira, narra- tiva, nação, Rede Globo, ficção, teledra- Key words Brazilian telenovela, narrative, maturgia nation, Rede Globo, fiction, tele-dramaturgy