Anacclima Tese De Doutorado A5
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Ana Cristina Costa Lima NORMALIDADE E PATOLOGIA NA PSIQUIATRIA E NA PSICANÁLISE: O PAPEL DOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS BRASILEIROS Tese submetida ao Programa de Pós- Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Doutor em Ciências Humanas. Orientadora: Profª. Dra. Sandra Noemi Cucurullo de Caponi Coorientadora: Profª. Dra. Luzinete Simões Minella Florianópolis 2012 1 Dedico este trabalho a Bettina Katzenstein 1 e Uberto Schoenfeldt, parentes por afeição, fizeram parte da minha formação, desde a gestação. 1 Betti Katzenstein, uma psicóloga do século XX . v.3. (Pioneiros da Psicologia). Disponível em: http://www.crpsp.org.br/memoria/betti/. Acesso em 21 mar. 2012. AGRADECIMENTOS Aos meus mestres distantes, entre muitos, Bateson, Foucault, Freud, Jung, Laing, Reich, por deixarem seus livros, e ao meu mestre Roberto Freire (Bigode), que me ensinou o ofício de terapeuta. À orientadora, profª. Sandra Caponi, pelo apoio e pelas oportunidades que me apresentou. À coorientadora, profª. Luzinete Minella, e ao coorientador no exterior, prof. Guillaume Le Blanc. Ao Jerônimo Ayala pelos livros que me apresentou. As minhas amigas Deise Maria do Nascimento e Gissele Pinto pelas leituras e discussões ao longo desses anos. A minha amiga Fabíola Stolf Brzozowski pelo auxílio na revisão do texto e pela versão do resumo para o inglês. A todas as pessoas que me ajudaram nesse trajeto, especialmente aos meus amigos de Floripa pelo carinho e pelos livros emprestados e sugeridos. Aos meus pais, pelo legado artístico e de pensamento. Ao meu filho, pelas discussões e comentários do texto. O código, como não crê na feitiçaria, faz dela um crime, mas quem diz ao código que a feiticeira não é sincera, não crê realmente nas drogas que aplica e nos bens que espalha? A psicologia do código é curiosa. Para ele, os homens só creem aquilo que ele mesmo crê; fora dele, não havendo verdade, não há quem creia outras verdades – como se a verdade fosse uma só e tivesse trocos miúdos para a circulação moral dos homens. Machado de Assis Rio de Janeiro, 10 de março de 1895. RESUMO Esta tese de doutoramento, realizada no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas, aborda a complexidade do campo psi, analisando o modo como a psiquiatria clínica e a psicanálise se constituem como saberes situados na fronteira entre as ciências humanas e as ciências biomédicas. O objetivo é analisar as práticas discursivas da psicanálise e da psiquiatria clínica no Brasil, em seus contextos epistemológicos, históricos e institucionais, a partir dos seguintes periódicos: Revista Brasileira de Psicanálise e Revista de Psiquiatria Clínica . Foram escolhidas duas revistas científicas, sendo uma de cada área. Essas revistas são as mais antigas em seu domínio e mantém regularmente suas publicações de modo continuado até os dias atuais (2012), possibilitando uma maior compreensão dos contextos institucionais nos quais surgiram, consolidam-se e se transformam esses saberes no Brasil. Ambas nasceram no período histórico de contestação aos valores estabelecidos no Ocidente, um período que coincide com o da ditadura militar no Brasil. Assim, serão analisadas essas revistas desde a primeira edição, que corresponde ao ano de 1967, no caso da Revista Brasileira de Psicanálise , e ao ano de 1972, no caso da Revista de Psiquiatria Clínica , até as edições publicadas em 2009. O pressuposto inicial sobre os conteúdos da Revista Brasileira de Psiquiatria Clínica é que o discurso da clínica psiquiátrica está construído sobre o binômio normal- patológico, portanto, centrado no biológico. A clínica é de observação do paciente, com o objetivo de diagnose, remissão de sintomas e cura, tendo como principal terapêutica a prescrição de medicamentos e de condutas adequadas. O pressuposto inicial sobre os conteúdos da Revista Brasileira de Psicanálise é que o discurso da clínica psicanalítica está centrado no psicológico e construído sobre o binômio consciente- inconsciente. A clínica é focada na relação de transferência e contratransferência, em que o terapeuta integra a terapêutica, que potencialmente proporciona ao paciente o olhar sobre si mesmo, por meio de uma terapia pela palavra. Uma leitura crítica dessas revistas pode nos auxiliar a entender como ocorreu esse processo de obscurecimento de um saber (a psicanálise) e da hegemonia de outro (a psiquiatria), no Brasil, a partir da década de 1980, e apontar os limites e as dificuldades implícitas nessa visão reducionista da subjetividade, que hoje se transformou em majoritária. O trabalho trata de contextualizar os documentos escritos no marco dos processos históricos do país e das mudanças ocorridas nas duas áreas de estudo. Propõe-se a analisar criticamente esses discursos a partir dos aportes teóricos de Michel Foucault e Georges Canguilhem, e da leitura de especialistas atuais nesses autores, para mostrar de que modo os processos de subjetivação e normalização do sofrimento psíquico e dos comportamentos são desenvolvidos pela psiquiatria clínica e a psicanálise no período estudado. A leitura das revistas evidencia que o discurso psiquiátrico construído em torno de uma visão biológica do normal e patológico limitou a complexidade epistêmica inserida no campo psi pela psicanálise. Palavras-chave: humanidades; psiquiatria; psicanálise; neurose; conduta. ABSTRACT This PhD dissertation, held at the Interdisciplinary Program in Human Sciences, is about the complexity of the psy field. It examines how clinical psychiatry and psychoanalysis are pieces of knowledge situated at the borderline between human and biomedical sciences. Our main objective is to examine psychoanalytical and clinical psychiatric discursive practices in Brazil, in their epistemological, historical and institutional contexts, through the following journals: Revista Brasileira de Psicanálise (Brazilian Journal of Psychoanalysis) and Revista de Psiquiatria Clínica (Journal of the Clinical Psychiatry). We have chosen two scientific journals, one of each area. These journals are the oldest in their disciplines and maintain a regular frequency of publication as of 2012, and that allows for a better understanding of the institutional contexts where these domains have arisen, reinforced and transformed themselves in Brazil. Both journals emerged in a historical period of challenge to the established values in the West, the same period of military dictatorship in Brazil. Thus, we analyze these journals since their first edition, which corresponds to 1967, in the case of Revista Brasileira de Psicanálise, and to 1972 in the case of Revista Brasileira de Psiquiatria Clínica, up to 2009. The initial assumption about the contents of Revista Brasileira de Psiquiatria Clínica is that the clinical psychiatry discourse is made upon the binomial normal-pathologic, thus centered on the biological characteristics. In clinical practice, the patient is observed, with the aim to diagnose, to treat the symptoms and to cure, and the main treatment is to prescribe drugs and appropriate behaviors. About the Revista Brasileira de Psicanálise, the initial assumption is that psychoanalytical clinic is centered in the psychological features and constructed upon the binomial conscious-unconscious. The clinic is grounded in transference and countertransference relations, where the therapist integrates the therapeutics. This integration provides to the patient a look at himself, through a therapy by word. A critical view of these journals can help us to understand how the eclipse of a knowledge (psychoanalysis), and another's (psychiatry) rise to hegemony, has occurred, in Brazil, from the 1980s, and to point out the implicit limits and difficulties in this reductionist view – that nowadays is majoritarian – about subjectivity. This research contextualizes the documents that were written during historical processes in our country and changes occurred in the two areas in study. It analyzes critically these discourses from theoretical background of Michel Foucault and Georges Canguilhem, and from current scholars of these authors. The authors help us to show how the process of constituting subjectivity and normalization of the psychic suffering and behaviors are developed by clinical psychiatry and by the psychoanalysis during the studied period. The reading of the journals suggests that the psychiatric discourse, constructed around a biological view of normal and pathological, has limited the epistemic complexity inserted in psy field by psychoanalysis. Keywords: humanities; psychiatry; psychoanalysis; neurosis; behavior. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLA S ABP – Associação Brasileira de Psicanálise ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria AMB – Associação Médica Brasileira APA - American Psychiatric Association (Associação Americana de Psiquiatria) APA - American Psychological Association (Associação Americana de Psicologia) APERJ-Rio4 – Associação Psicanalítica do Estado do Rio de Janeiro CFM – Conselho Federal de Medicina COPAL - Organizações Psicanalíticas da América Latina (até 1978) DSM - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), nas edições: DSM- III (1980), DSM-IV (1994) e DSM-IV-TR (2000). FEBRAPSI – Federação Brasileira de Psicanálise FEPAL – Federação Psicanalítica da América Latina (desde 1979) FMUSP – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo IPA – International Psychoanalytical Association (Associação Internacional de Psicanálise) IPq – Instituto de Psiquiatria