TRAVESSIA DA SERRA FINA E OS DESAFIOS PARA O USO PÚBLICO

Rodrigo Macedo Moreira de Paiva(a), Monika Richter(b)

(a) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGGEO/UFRRJ, [email protected] (b) Departamento de Geografia e Políticas Públicas/IEAR, UFF, e Docente do PPGGEO/UFRRJ, [email protected]

Eixo: Unidades de conservação: usos, riscos, gestão e adaptação às mudanças globais.

Resumo/

A presente pesquisa se preocupa em verificar e analisar um cenário desafiador para o uso público da APA da Serra da Mantiqueira, onde os possíveis impactos ambientais decorrentes da visitação sem planejamento e controle na Travessia da Serra Fina e na trilha da via do Paiolinho, ameaça uma área de relevante interesse geoecológico. Está sendo feita a sistematização das pesquisas relacionadas ao uso público em ambientes semelhantes ao encontrado na Serra Fina, pois, cabe ressaltar, que se trata de uma área com pouca pesquisa, principalmente nesta temática. Através da utilização de técnicas já conhecidas para determinação de capacidade de carga e com o auxílio das geotecnologias, pretende-se apresentar um estudo final que caracterize o estado da vulnerabilidade turística e ambiental neste setor da unidade. Entretanto, o que está sendo apresentado neste trabalho, é o andamento da pesquisa em sua primeira etapa e seus resultados preliminares.

Palavras chave: Unidade de Conservação - Trilhas e travessias - Serra Fina - Geotecnologias - Vulnerabilidade.

1. Introdução O presente trabalho apresenta um cenário desafiador para o uso público na Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira - APASM, mais precisamente no setor da travessia da Serra Fina e na trilha da via Paiolinho. Ambas as trilhas dão acesso para a , ponto culminante da serra da Mantiqueira e quarto do país, com 2.798m de altitude. De acordo

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com o zoneamento proposto pelo Plano de Manejo (2018), o trajeto dessas duas trilhas encontra-se inserido na zona mais restritiva, sendo a serra Fina declarada um dos alvos para conservação da unidade.

A pesquisa está se desenvolvendo dentro de uma ótica da geoecologia da paisagem que foi proposta pelo geógrafo alemão Carl Troll (1939), onde os geofatores, componentes da paisagem, se relacionam com as ciências naturais, humanas, econômicas e sociais. Para Maria de Bolós (1981), o objetivo do estudo da Geografia e da Paisagem deve ser visto como uma realidade integrada, onde os elementos abióticos, bióticos e antrópicos aparecem associados de tal maneira, que os conjuntos podem ser trabalhados como um modelo de sistema (geossistema) que pode ser delimitado na superfície terrestre de uma maneira mais ou menos precisa. O geossistema pode ser entendido como um “sistema aberto, hierarquicamente organizado, formado pela combinação dinâmica e dialética, portanto instável, de fatores físicos, biológicos e antrópicos” (BERTRAND, 1968).

Assim, a Geoecologia das Paisagens se ocupa da análise da relação sociedade com a natureza através de uma metodologia sistêmica, a partir da investigação e interpretação das inter-relações e interações entre o homem e meio ambiente. Segundo Rodriguez e Silva (2013), essa metodologia propicia as bases teóricas e metodológicas para a análise ambiental, servindo como aporte conceitual e procedimental ao planejamento e gestão ambiental.

Através do conceito de vulnerabilidade, a pesquisa está decompondo os alvos, elementos do sistema sob ameaça, elaborando para cada um deles, uma verificação dos danos nos variados níveis da álea ou hazard. Métodos quantitativos complexos ajudam calcular o prejuízo imediato e a longo prazo, o custo da recuperação ou da redução da vulnerabilidade (VEYRET, 2007, p. 39 e 40).

De acordo com o Ministério do Turismo (2010) em consulta a diversas instituições e operadores de turismo especializados, o ecoturismo vem apresentando um crescimento

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contínuo no mundo e, o Brasil, com suas belezas naturais, possui grande potencial para ser um destino competitivo internacionalmente. Conjuntamente o trade turístico expandem as ações pró-ativas, como das agências de turismo e hospedagem que atuam em áreas naturais, operando atividades de Ecoturismo, e suas correspondentes de outros segmentos, como Turismo de Aventura, Turismo Cultural, Turismo Rural, entre outros.

O ecoturismo e o turismo de aventura são os segmentos que mais se destacam no interior das Unidades de Conservação - UC. Porém, aqui no Brasil, "essas atividades recreativas ocorrem na maioria das vezes sem um planejamento detalhado e eficaz, tanto para o controle e mitigação dos impactos ambientais quanto ao incentivo a outras atividades" (COSTA, 2008, p. 147). Os principais e clássicos destinos do montanhismo brasileiro acorrem nas altas montanhas da serra da Mantiqueira, principalmente no planalto do Itatiaia, localizado na parte alta do PARNA do Itatiaia, a Serra Fina e as região do e do Itaguaré, localizados na APA da Serra da Mantiqueira, todos no entorno da tríplice fronteira estadual entre , São Paulo e .

Até o momento foi encontrada apenas uma pesquisa sobre avaliação de impactos na trilha e algumas poucas em outras temáticas. Trata-se de uma pesquisa ocorrida em 2006 na via do Paiolinho. Mesmo estando localizada estrategicamente este setor da UC encontra-se carente de pesquisas científica com esta abordagem. Acredita-se que as dificuldades impostas pelo relevo, a necessidade de equipamentos apropriados para a atividade do montanhismo e certa experiência em trilhas e travessias para realizar uma pesquisa sobre impactos em trilhas nesta que é considerada a travessia mais difícil do país.

O aumento da visitação é constatado pelos guias da região, por montanhistas mais assíduos e a cada vez mais constate troca dos livros de cume. O excesso de visitantes nas trilhas, principalmente nos feriados e na temporada de montanha, junto a eventos de corridas de aventura que ocorrem com cada vez mais freqüência, podem estar gerando um quadro de vulnerabilidade através da pressão exercida sobre os frágeis campos de altitudes, ameaçando a

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flora endêmica e em risco de extinção, a fauna, as nascentes e córregos, os solos, os serviços ambientais prestados pela serra, a viabilidade futura da travessia, que desdobrará em problemas sócio-econômicos para a região, pois trata-se de uma dos principais atrativos da serra da Mantiqueira.

A presente pesquisa tem se preocupado em verificar e analisar os possíveis impactos ambientais decorrentes do uso público sem planejamento e controle na Travessia da Serra Fina e na trilha da via do Paiolinho, a partir do levantamento bibliográfico, utilização das técnicas já conhecidas para determinação de capacidade de carga e do suporte das geotecnologias no estudo. Com todos os dados coletados e organizados em um SIG, serão elaborados e analisados mapas sobre a vulnerabilidade turística-ambiental das duas trilhas.

2. Materiais e Métodos A Serra Fina está inserida dentro dos limites da APA da Serra da Mantiqueira (Figura 01). Uma unidade de conservação de uso sustentável inserida no bioma da Mata Atlântica, com uma área de 421.804,460 hectares, criada através do decreto 91.304 em 03 de junho de 1985 e que teve seu plano de manejo concluído em 2018, trinta e três anos após sua criação.

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Figura 01: Localização das trilhas Fonte: O autor (2019).

A travessia é realizada em 3 ou 4 dias e possui 32km de extensão. Seu trajeto passa pelos municípios de , Itaiandu e em MG, Queluz e em SP e de Resende no RJ. A enorme beleza cênica e seus atributos geoecológicos (Figura 02), aliados aos desafios imposto pela trilha, também recentemente incluída na rota da TransMantiqueira, projeto do ICMBio para de longo curso, refletem sua importância e conseqüentemente fama, no cenário turístico nacional. As primeiras expedições ocorreram em meados da década de 50 e 60, e até o final da década de 90, poucos se aventuravam nessas montanhas. Em 2000, foi confirmada a altitude da Pedra da Mina, com 2.798m, superando o como o ponto culminante da serra da Mantiqueira e quarto do país. Isso gerou enorme repercussão na mídia e conseqüentemente um grande entusiasmo entre os montanhistas.

Figura 2 - Vale do Ruah, travessia da Serra Fina Fonte: O autor (2012).

Primeiramente como parte essencial da pesquisa, está sendo realizado o levantamento bibliográfico dos conceitos, metodologias, estudos, documentos e mapas da área. Recentemente a APA da serra da Mantiqueira colocou no ar um site sobre o SIG da unidade, o

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http://www.geoapamantiqueira.com.br/ onde os arquivos e metadados são disponibilizados para os usuários, mas não são manipuláveis. O recorte da área de estudo será com base nos dados espaciais, imagens/rasters e vetores adquiridas em órgãos públicos.

Para o geoprocessamento das informações estão sendo utilizadas cartas topográficas 1:50.000 digitalizadas, imagens de satélite e produto do SRTM (figura 3), em campo, uso do aparelho Global Navegation Satellite Systems – GNSS, imagens de Sensoriamento Remoto – aerofotos e ortofotos, do Sistema de Informação Geográfica – SIG com uso do software ArcGIS/ArcMap 10.1 para armazenamento e modelagem. Está sendo sistematização um Banco Dados Geográfico – BDG específico das trilhas. As camadas (layers) estão sendo organizadas afim de compor o banco de dados de Unidades Territoriais Básicas – UTB, como: topografia, solo, geologia, geomorfologia, hidrografia, vegetação, clima, vias de acesso, trilhas, divisão política e uso e ocupação do solo.

Figura 3 - Modelo digital de elevação da Serra Fina e suas trilhas e acessos. Fonte: O autor (2019).

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Em relação ao grau de vulnerabilidade turístico-ambiental da travessia da Serra Fina e Via do Paiolinho na APASM, a modelagem leva em conta a observação e registro dos impactos detectados ao longo do trajeto, mas principalmente nos pontos de coleta d’água, mirantes e áreas de acampamento.

3. Resultados e Discussões O trabalho teve início no segundo semestre de 2018 e irá se prolongar ao longo de 2019. Nas idas a campo, os problemas foram percebidos facilmente. Vários trechos, com destaque para as áreas de camping e próximo aos córregos, foram encontras fezes e papel higiênico (Figura 04), outros trechos da trilha também estavam com forte mal cheiro. Restos de alimento, uso de sabão e uma extrema quantidade de lixo, principalmente em pequenos pedaços de plástico e papel também foram registrados.

Figura 3: Lixo no cume da Pedra da Mina.

Outros problemas identificados foram a supressão de vegetação, através do surgimento de trilhas paralelas e criação de novas áreas de camping, erosão do leito da trilha e das margens dos córregos. Estes são os reflexos negativos do turismo de massa e sem controle. Cabe

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ressaltar, o descaso do poder público. A APA conta com apenas dois servidores e poucos contratados temporariamente pelo Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), estruturado dentro do Ibama.

De acordo com zoneamento da unidade em seu plano de manejo, praticamente todo o trajeto da travessia da Serra Fina e da trilha da via do Paiolinho estão na Zona de Conservação da Vida Silvestre - ZCVS, zona mais restritiva (Figura 5).

Figura 5 - Zoneamento do setor da Serra Fina na APASM. Fonte: Plano de Manejo da APA da serra da Mantiqueira (2018). Adaptado pelo autor (2019).

Ainda com o Plano de Manejo (2018), as ZCVS estão acima de 1.800m de altitude e são as zonas de relevante interesse ecológico, científico e paisagístico, com mínima ou pequena alteração provocada pelo ser humano, não sendo admitido uso direto dos recursos naturais. Seu objetivo é conservar o ambiente e, ao mesmo tempo, propiciar um ambiente primitivo para a realização das atividades de pesquisa e visitação de baixo grau de intervenção.

Com o objetivo de alcançar sua missão e visão, para o Plano de Manejo da APASM, foi realizada a análise estratégia para a UC. Assim, o documento tem uma seção chamada análise

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estratégica e plano de ação onde foram determinados os alvos de conservação fruto de uma oficina de diagnóstico rápido participativo realizado pelos gestores. Neste contexto entram, os corpos hídricos, os campos de altitude, as florestas ombrófila densa e mista, espécies ameaçadas de extinção, endêmicas e bioindicadores, e os maciços da Serra Fina e Marins- Itaguaré.

4. Considerações Finais O uso público da travessia da Serra Fina e da via do Paiolinho no cenário atual, indica estar em inconformidade com o que se prevê em seu plano de manejo da unidade. Com base com o que está sendo observado, o cenário é preocupante para a conservação ambiental e nada agradável para a experiência da visitação.

Iniciativas voluntárias e isoladas de alguns guias locais e montanhistas mais conscientes, vem ocorrendo no que tange a colocação de equipamentos, placas de sinalização e orientação, bem como correção da erosão de alguns trechos da trilha. Uma outra atitude voluntária, está ocorrendo com o uso do shit-tube ou tubo de fezes, onde a idéia é não deixar na montanha resíduos fecais e papel higiênico usado. Outra contribuição para a identificação do fluxo de visitantes, está sendo a tabulação dos três livros de cume por alguns voluntários.

Este trabalho é fruto da dissertação de mestrado intitulada “Serra Fina - uma análise geoecológica do uso público cujo objetivo principal é contribuir para o planejamento turístico- ambiental deste setor da APASM.

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