Universidade Federal do

A POLÊMICA HIPÓTESE DA GLACIAÇÃO DO MACIÇO DO ITATIAIA

Roberto Pasquale C. Trotta

2018

MUSEU NACIONAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO RO DE JANEIRO

A POLÊMICA HIPÓTESE DA GLACIAÇÃO DO MACIÇO DO ITATIAIA

Roberto Pasquale C. Trotta

Monografia apresentada ao Programa de Especialização em Geologia do Quaternário, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em Geologia do Quaternário.

Orientador: Renato Rodriguez Cabral Ramos

Rio de Janeiro Maio de 2018

A POLÊMICA HIPÓTESE DA GLACIAÇÃO DO MACIÇO DO ITATIAIA

Roberto Pasquale C. Trotta

Orientador: Renato Rodriguez Cabral Ramos

Monografia submetida ao Programa de Especialização em Geologia do Quaternário, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, apresentado como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Especialista em Geologia do Quaternário.

Aprovada em 23 de maio de 2018. Por:

______Presidente, Prof. Dr. Renato Rodriguez Cabral Ramos (Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro)

______Prof. Dr. Claudio Limeira Mello (IGEO/ Universidade Federal do Rio de Janeiro)

______M.Sc. Felipe Rodrigues Waldherr (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Rio de Janeiro Maio de 2018

FICHA CATALOGRÁFICA

CIP – Catalogação na Publicação

TROTTA, ROBERTO PASQUALE CRUZ T858p A POLÊMICA HIPÓTESE DA GLACIAÇÃO DO MACIÇO DO ITATIAIA / ROBERTO PASQUALE CRUZ TROTTA. -- Rio de Janeiro, 2018. 107 f.

Orientador: RENATO RODRIGUEZ CABRAL RAMOS. Trabalho de conclusão de curso (especialização) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências, Geologia do Quaternário, 2018.

1. ITATIAIA. 2. GLACIAÇÃO. 3. QUATERNÁRIO. 4. PLEISTOCENO. 5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA. I. RODRIGUEZ CABRAL RAMOS, RENATO, orient. II. Título.

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Dedico este trabalho à memória dos geólogos Jules Desnoyers, que cunhou o termo ‘Quaternário’ ao estudar a Bacia de Paris; Louis Agassiz, criador da teoria das Glaciações; Orville Derby, que dedicou sua carreira à geologia do Brasil e aos cientistas “quaternaristas” que, de alguma forma, contribuíram para a evolução do conhecimento relativo à última grande divisão do tempo geológico – o Quaternário – no Brasil e no mundo.

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Agradecimentos

Desejo expressar aqui os mais sinceros agradecimentos a todas as pessoas e instituições envolvidas, direta ou indiretamente, na realização deste trabalho, principalmente à Universidade Federal do Rio de Janeiro, que abraça seus estudantes e mais uma vez é motivo de orgulho para minha formação acadêmica, profissional e pessoal. Agradeço ao Museu Nacional - RJ que, como mais antiga instituição científica do Brasil, continua servindo para atender os interesses de promoção do progresso cultural e acadêmico no estado do Rio de Janeiro. Agradeço especialmente à Biblioteca do Museu Nacional e seus funcionários. Sem todos eles este trabalho jamais teria sido desenvolvido. Agradeço aos professores que fizeram parte dessa jornada de aprendizados e conquistas na Quinta da Boa Vista e na Ilha do Fundão, principalmente ao professor, orientador e amigo Renato Ramos, o eterno Casquinha. Agradeço aos meus pais Roberto Trotta e Maria Cristina Trotta que sempre respeitaram as minhas decisões e escolhas, por mais incoerentes que elas parecessem. À minha noiva Mariana Meirelles que é meu braço direito a mais de oito anos e ao meu irmão Rodrigo Trotta por sempre torcer pela minha alegria. E, finalmente, agradeço a todos os meus colegas que, mesmo da forma mais sutil possível fizeram parte dessa curta, porém intensa, empreitada de novas descobertas chamada Geologia do Quaternário.

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“A minha pena é incapaz de descrever o que alma sente. Já fiz uma ascensão aos Apeninos italianos; transpuz os montes de Valletri; esse céo tão lindo da Itália, e o bello panorama do mar Mediterraneo não me causaram tanta sensação como no Itatiaia!” (Franklin Massena)

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RESUMO

A POLÊMICA HIPÓTESE DA GLACIAÇÃO DO MACIÇO DO ITATIAIA. Roberto Pasquale da Cruz Trotta Orientador: Renato Rodriguez Cabral Ramos

Resumo da Monografia submetida ao Programa de Especialização em Geologia do Quaternário, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em Geologia do Quaternário.

São indiscutíveis as peculiaridades e beleza cênica das feições de relevo observadas no Maciço do Itatiaia, na Serra da Mantiqueira. Este famoso “promontório ciclopeano” no qual o pico das Agulhas Negras reina como o ponto culminante do Rio de Janeiro (2791,5 m.) foi, durante décadas (de 1940 até meados da década de 70), alvo de discussões acirradas no que tange sua gênese geomorfológica e a Hipótese da Glaciação Pleistocênica. Tal ideia está relacionada a uma possível ocorrência de geleiras de altitude durante períodos glaciais pleistocênicos no alto do maciço. De um lado, apoiados pela ideia do renomado geógrafo francês Emanuel De Martonne, defensores de que o planalto do Itatiaia foi moldado por geleiras tais quais ocorrem nos Andes e Himalaias e, do outro, cientistas, em sua maioria geólogos, que tentavam refutar tal hipótese baseados em um conjunto de contra- argumentos cuja base eram as características geológico-estruturais intrínsecas do maciço submetidas ao intemperismo. Este trabalho, de cunho principalmente histórico e bibliográfico, visa revisar, atualizar e esclarecer os aspectos que permeiam a polêmica hipótese da glaciação pleistocênica no Maciço do Itatiaia. Para tal, foram feitos profundos estudos bibliográficos em revistas nacionais e internacionais que, de alguma forma, discutissem ou apresentassem informações pertinentes ao assunto. Posteriormente, todo o material foi compilado visando o entendimento da evolução da hipótese, no qual os argumentos e contra-argumentos foram cuidadosamente avaliados em campo e comparados com a bibliografia. Os resultados mostraram que o francês Emanuel de Martonne não foi o primeiro autor a sugerir a ação de geleiras no Itatiaia em 1940 como citado por todos os trabalhos nacionais e internacionais que abordam o assunto, e sim o brasileiro Dr. José Franklin Massena que, em 1867 (um ano antes de Loius Agassiz publicar sobre a glaciação no Brasil) escreveu o primeiro folheto ao então imperador D. Pedro II, trabalho cujo único exemplar se encontra em posse do Arquivo do Museu Nacional da UFRJ. Foi observado que basicamente duas hipóteses foram propostas para a explicação da geomorfologia do Itatiaia até o presente, a que apoia a glaciação e a que apoia a morfologia controlada pela geologia e estrutura do maciço. Para os cientistas que refutam a hipótese da glaciação, entretanto, há um grupo de autores que apoiam o intemperismo físico como predominante no qual a decomposição química é incipiente; os que acreditam no oposto; e os que acreditam que o modelado do Itatiaia se deu através da combinação de ambos, incluindo os processos geocriogênicos, no qual o gelo tem papel fundamental na desagregação das rochas alcalinas do Itaitiaia. Por fim, toda a polêmica ao redor da possível glaciação no Itatiaia contribuiu e muito nos últimos anos para a Geoconservação e Turismo no Parque Nacional homônimo (PNI).

Palavras-chave: GLACIAÇÃO; PLEISTOCENO; ITATIAIA; REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

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ABSTRACT

THE POLEMIC GLACIATION HYPOTHESIS OF THE ITATIAIA MASSIF Roberto Pasquale da Cruz Trotta Orientador: Renato Rodriguez Cabral Ramos

Abstract da Monografia submetida ao Programa de Especialização em Geologia do Quaternário, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em Geologia do Quaternário.

The peculiarities and the scenic beauty of the relief features observed in the Itatiaia Massif in the Serra da Mantiqueira are indisputable. This famous "cyclopean promontory", in which the Agulhas Negras peak (2791.5 m.) rules as the highest point of Rio de Janeiro, for decades (from the 1940s to the mid-70s) was target of a fierce discussion about its geomorphological genesis and the Pleistocene Glaciation hypothesis. This idea is related to the possible occurrence of altitude glaciers during Pleistocene glacial periods in the upper part of the massif. On the one hand, supported by the idea of the renowned French geographer Emanuel De Martonne, defenders that the Itatiaia plateau was shaped by glaciers such as those in the Andes and Himalayas and, on the other side, scientists, mostly geologists, who tried to refute such a hypothesis based on a set of counter-arguments based on the intrinsic geological-structural characteristics of the massif subjected to weathering. This work, mainly historical and bibliographical, aims to review, update and clarify the aspects that permeate the controversial hypothesis of the Itatiaia Massif Pleistocene glaciation. To achieve this, we have made deep bibliographical studies in national and international journals that somehow discussed or presented information pertinent to the subject. Subsequently, all the material was compiled aiming understanding the hypothesis evolution, in which the arguments and counter-arguments were carefully evaluated in the field and compared with the bibliography. The results showed that the Frenchman Emanuel de Martonne was not the first author to suggest the action of glaciers in Itatiaia in 1940 as cited by all the national and international papers that deal with the subject, instead it was first suggested by the Brazilian Dr. José Franklin Massena who wrote the first pamphlet to the emperor D. Pedro II in 1867 a year before Loius Agassiz published on the glaciation in . This paper has only one copy which is in possession of the Museu Nacional of UFRJ. Ultimately, two hypotheses were proposed for the explanation of the morphology observed in Itatiaia up to the present: the first supports the glaciation and the second supports the morphology controlled by the geology and structure of the massif. For scientists who refute the glaciogenic hypothesis, however, there are a group of authors who support physical weathering as predominant in which chemical decomposition is incipient, those who believe the opposite and those who believe that the Itatiaia modeling took place through a combination of both, including cryogenic processes in which ice plays a key role in the breakdown of the alkaline rocks. Finally, all the controversy around the possible glaciation in Itatiaia has contributed a lot in recent years to Geoconservation and Tourism in the Itatiaia (PNI).

Key-Words: GLACIATION; PLEISTOCENE; ITATIAIA; BIBLIOGRAPHIC REVIEW

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Lista de figuras

Figura 1 - Pico das Agulhas Negras ao fundo representando as terras altas do mais antigo e famoso 4 Parque Nacional do país. A imponência do pico é reconhecida e registrada desde o século XIX.

Figura 2 - Localização geográfica do Maciço do Itatiaia (MI em amarelo) há aproximadamente 200 km 5 do Rio de Janeiro e cerca de 250 km de São Paulo

Figura 3 - Mapa com a distribuição das ocorrências da Província Alcalina da Serra do Mar, o Rift 7 Continental do Sudeste do Brasil, as principais unidades tectônicas do embasamento e os granitos sin, tardi e pós colisionais. Ocorrências alcalinas: associadas ao sistema de riftes continental (RCSB) – 1) Poços de Caldas, 2) Bom Repouso, 3) Caxambú, 4) Passa Quatro, 5) Itatiaia, 6) Morro Redondo, 7) Serra dos Tomazes, 8) Tinguá, 9) Mendanha-Mapicuru, 10) Itaúna, 11) Tanguá, 12) Soarinho, 13) Rio Bonito, 14) Morro de São João, 15) Cabo Frio; ao longo da costa paralelas à falha de Santos - 16) Ponte Nova; 17) Monte de Trigo, 18) São Sebastião, 19) Serraria, 20) Mirante, 21) Búzios, 22) Vitória; 23) Ipanema. Rifts: grábens do Paraíba do Sul: SP- São Paulo, Tb- Taubaté, Qz- Queluz, RVR- Resende-Volta Redonda, BPS- Baixo Paraíba do Sul; grábens do Litorâneo: SB- Sete Barras, RI- Ribeira de Iguape, St- Santos, Ub- Ubatuba, Gb- Guanabara, BSJ- Barra do São João. Domínios e terrenos Brasilianos: SGN- Nappe Socorro-Guaxupé, SBB- Cinturão Brasília Sul, SRD- Domínio São Roque, APD- Domínio Apiaí, ET- Terreno Embu, OcT- Terreno Ocidental, OrT- Terreno Oriental, CFT - Terreno Cabo Frio. (Rosa, 2017).

Figura 4 - Feições geomorfológicas mais importantes do RCSB, entre as bacias de São Paulo e 8 Macacu. No modelo de elevação do terreno é possível notar-se as bacias sedimentares de São Paulo (SP), Taubaté (TB), Resende (RE), Volta Redonda (VR) e Macacu, os planaltos da Bocaina (PB), na Serra do Mar, e de Campos do Jordão (CJ), na Serra da Mantiqueira, além dos maciços alcalinos de Poços de Caldas (PC), Passa Quatro (PQ), Itatiaia (IT), São Sebastião (SB), Tinguá (TI) e Mendanha (MD). Atentar para a marcante estruturação do embasamento, segundo a direção geral ENE a NE, com as zonas de cisalhamento proterozoicas reativadas no Mesozoico e Cenozoico. (Riccomini et al., 2004 apud Hasui, 2012). Figura 5 - Mapa geológico do Maciço do Itatiaia (MI) ilustrando as 21 litologias observadas pelo 11 autor, bem como as estruturas do maciço. Extraído

Figura 6 - Aspecto geral das rochas no MI. Em a) rocha de textura mais fina, pouco alterada 12 quimicamente, embora mostre sinal de desgaste pela ação provável de água através das caneluras. Em b) textura mais grossa com visíveis cristais de feldspatóides ressaltados após a dissolução aparentemente química dos mineira menos resistentes. Em c) rocha sã coletada na Garganta do Registro mostrando aspecto da rocha inalterada e em d) dique afanítico com textura localmente porfirítica de rochas alcalinas. Imagens do autor.

Figura 7 - Padrão de diáclases do MI cujas atitudes variam localmente. Pode ter relação com os 12 processos de crioclastia. São caracterizadas, entretanto, tanto por rumo N-S e mergulho para oeste como aproximadamente NE-SW com mergulho forte para sul. Em a) base das Agulhas Negras e b) na trilha para o Morro do Couto (bloco de aproximadamente 15 metros de altura). Imagens do autor.

13 Figura 8 - Mapa geológico simplificado com os 5 grupos petrológicos e os 3 setores do MI, bem como duas localidades no qual a idade U-Pb foi obtida para ilustrar o trend de idade e evolução do maciço. Extraído e modificado de Rosa (2017).

Figura 9 - Estrutura anelar, cristas e escarpas interpretada a partir de imagem do Google Earth. Em 15 amarelo, o contorno estrutural externo do planalto, em branco, as cristas e escarpas. Todos os números apresentam altitudes aproximadas baseadas na compilação de dados de Teixeira (1961) e Rosa (2017). Os pontos culminantes em amarelo representam as porções mais altas do planalto. M.C. – Morro do Couto, A.N. – Agulhas Negras, P.P. – Prateleiras, P.A. – Pedra do Altar. Em letras azuis nomeiam os x

principais rios que cortam a estrutura externa que limita a “bacia interna” abatida do Planalto do Itatiaia, ou “anfiteatro montanhoso” (MASSENA, 1867). A linha pontilhada cinza limita os estados do RJ, meridional, e MG, setentrional.

Figura 10 - Feições erosivas características do MI. Em a) Marmitas no Morro do Couto formando 17 depressões em calota preenchidas por água e matéria orgânica. Algumas delas apresentam, inclusive pequenas larvas de organismos aquáticos; em b) Caneluras que dão nome ao pico das Agulhas Negras observadas em sua face SW, como escala, as caneluras podem chegar à quase 1 metro de diâmetro de abertura; em c) caneluras e marmitas de menor porte estruturalmente associadas em blocos no Vale dos Lírios mostrando associação biológica de briófitas e vegetais inferiores no interior das diaclases e caneluras. O bloco tem cerva de 2,5m. de altura; em d) marmitas alinhadas segunda a direção principal de diaclasamento. Fotos: R. Trotta

Figura 11 - Esfoliação esferoidal observável principalmente em direção ao Morro do Couto devido 17 provavelmente a uma mudança claramente textural e litológica das alcalinas do Itatiaia. Com uma textura mais granítica o fenômeno da esfoliação parece muito mais comum. Em a) bloco no vale do Rio Campo Belo bem abaixo do Morro da Antena. Em b) nítida influência biológica sobre o processo de esfoliação e possivelmente de desagregação. Morro do Couto. Em c) e d) blocos com nítida esfoliação em 3 dimensões. Fotos: R. Trotta

Figura 12 - Acunhamento vegetal gerado pela concentração de água nas descontinuidades da rocha. 18 Provavelmente, durante o inverno, o congelamento aumenta o volume de água desses vegetais e cunha a rocha de forma a individualizar os blocos. A primeira imagem mostra a “sombra” (delimitada em amarelo) do que era um fragmento de bloco que foi recentemente individualizado pelo processo acunhamento vegetal. Foto: R.Trotta Foto: R. Trotta

Figura 13 - Aspecto caótico observado na paisagem geral do MI, no alto do planalto. Imagem voltada 18 para SW no qual o pico mais alto, no canto superior direito, é o Morro do Couto (2680m.) e o espigão alongado de direção NW-SE leva às Prateleiras, que não está na foto. Observa-se também os Campos de Altitude marcando a flora predominante das Terras Altas do Itatiaia. Foto: R. Trotta

Figura 14 - Seção transversal em “V” típica dos vales adjacentes ao vale do Rio Campo Belo 18 mostrando vertentes pedregosas e sãs. Ao fundo (voltado para NE), a imponente Pedra do Altar a cerca de 2.665 m de altitude. Foto: R. Trotta.

Figura 15 - Configuração meteorológica sob a qual estão submetidos o vale do Rio Campo Belo e os 20 cumes do alto do Planalto do Itatiaia, mostrando a razão das baixas temperaturas do vale (Modificado de Azevedo, 2017).

Figura 16 - Ciclos de Milancovitch: excentricidade, inclinação (obliquidade) e precessão. Assume-se 22 hoje que estes ciclos são os responsáveis pelas variações climáticas globais em escala tal que gera registros de períodos glaciais e interglaciais relativamente bem marcados na história da Terra.

Figura 17 - A linha de neve é o limite acima do qual o gelo glacial persiste através dos anos (John, 24 1979). Representa adicionalmente o equilíbrio entre deposição com posterior compactação e ablação.

Figura 18 - Distribuição de geleiras de acordo com a representação da linha de neve (snowline) em 25 diferentes porções do planeta. A seta vermelha representa nos três diagramas a latitude correspondente a do MI (cerca de 22°). A linha cheia vermelha representa a linha de neve nos dias atuais, e a linha azul a linha de neve no último glacial pleistocênico. Note a posição sempre abaixo da linha de neve em que se encontra o Itatiaia. Modificado de Flint (1957).

Figura 19 - Estrias glaciais associadas ao lascamento do leito rochoso (crescentic markings) nos Alpes 27 italianos e o característico polimento das rochas sobre as quais passam as geleiras.

Figura 20 - Rochas acarneiradas (Rôche moutonneé - sheepback) na Escócia e em Nova York, 27 respectivamente. A face montante é suave e estriada, polida, enquanto a face jusante é irregular e blocada, caótica. xi

Figura 21 - Vales glaciais típicos. As imagens a) e b) do próprio autor ilustram o Tenaya Canyon em 27 Yosemite, com destaque para a suavidade do fundo do vale seu grande comprimento alongado limitados por paredões graníticos polidos e extremamente íngremes. Na foto a) é possível observar ainda um vale suspenso do lado direito tributário ao vale principal. Em c) Vale Romanche, na França. Em d) Leh valley no Himalaia. Em e) Tongass, Arkansas.

Figura 22 - Circos glaciais gerados pelo poder erosivo das geleiras. A primeira imagem mostra um 28 deles no Parque Nacional de Snowdonia, no país de Gales e a segunda imagem em Svlabard, na Suíça.

Figura 23 - Bloco diagrama destacando as principais feições erosivas de ambientes glaciais alpinos. 29 Glacial through = vale principal em 'U'; Hanging valley = vale suspenso; Cirques = circos; Horn = Picos; Tarn = lago glacial; Arête = Crista; Paternoster lakes = lagos glaciais conectados por riachos individuais.

30 Figura 24 - Blocos erráticos localizados no Parque Nacional de Yellowstone, Wyoming. Foto: National Park Service (https://www.nps.gov/articles/erratics.htm)

30 Figura 25 – Morainas no Elias National Park, no Alaska, USA. Destaque para a falta de seleção da antiga moraina lateral na qual o alpinista caminha sobre. Foto: James W. Frank, National Park Service (https://www.nps.gov/articles/lateralmedialmoraines.htm)

Figura 26 - Imagens de algumas feições de caráter geocriogênico. Em a) lobos de solifluxão nos Andes 32 relacionados ao movimento da massa de solo e blocos de rocha em vertentes de ambientes periglaciais. Em b) típico Felsenmeer (sea of rocks) localizado na Bavária, Alemanha. Em c) rochas fragmentadas por processo de crioclastia no Maciço do Itatiaia. Em d) típica “organização” superficial de blocos gerados por crioclastia em Piata Lazin, Itália.

Figura 27 - Fluxograma simplificada ilustrando o processo de obtenção e organização de dados 33 bibliográficos para a realização deste estudo.

Figura 28 - Organização sistemática do levantamento bibliográfico. A – Resumos organizados em 34 ordem alfabética segundo o autor principal. B – Trabalhos organizados segundo a ordem cronológica de publicação visando o entendimento temporal da evolução da Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia.

Figura 29 - O suíço Louis Agassiz, autor da teoria das glaciações e o canadense-americano Charles F. 36 Hart, aluno de Agassiz e ex diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Figura 30 - José Franklin Massena, primeiro autor a sugerir uma glaciação no Itatiaia ainda em meados 39 do século XIX, apoiado por D. Pedro II. Apesar da originalidade, o autor praticamente não foi reconhecido pelo feito.

Figura 31 - Faustino Penalva como professor da Universidade de São Paulo. Como principal opositor, 43 seu trabalho foi um divisor de águas na evolução da Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia no qual praticamente todos os trabalhos posteriores admitiram o equívoco da Hipótese da Glaciação.

Figura 32 - Contextualização do MI no domínio climático e geográfico das manifestações 54 geocriogênicos. A imagem (gráfico) mostra a relação entre a temperatura média anual, dos meses de janeiro e julho e a atividade geocriogênica com a latitude e altitude nos Andes. O ponto vermelho representa, portanto, uma extrapolação da condição geográfica e climática ao qual está submetido o alto do MI informando a nítida posição dentro do limite da atividade geocriogênica durante os máximos glaciais pleistocênicos.

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Figura 33 - Blocos que estariam in situ segundo Odman (1955) e representariam um processo intenso 56 de intemperismo químico no qual a erosão diferencial se encarregaria de isolar blocos de grandes proporções

Figura 34 - Depósito de origem supostamente periglacial descrito por Raynal (1957) evidenciando 61 processos como solifluxão, gelificação e crioturbação.

Figura 35 - Suposto vale glacial em forma de 'U' observado por Rich (1953) na porção norte das 64 Agulhas Negras.

Figura 36 - Para o renomado King (1956), esta imagem mostraria a borda de um suposto circo glacial 65 com um lago (Tarn) no alto do Itatiaia.

Figura 37 - Vales e feições em megaescala observadas e descritas por Maack (1957), com destaque 66 para o vale do Rio Campo Belo e para a Pedra do Camelo. Modificado de Maack (1957).

Figura 38 - Evolução de um vale em 'U' para um vale em 'V' segundo Ebert (1960). Este exemplo em 66 particular se trata do vale do Rio Preto na vertente norte do Maciço do Itatiaia que, segundo o autor, guarda muito mais feições e evidências glaciais do que a vertente sul.

Figura 39 - Sistema de diaclasamento vertical e horizontal gerando matacões com arredondamento in 74 situ (Penalva, 1974).

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Lista de Tabelas

Tabela 1 - Características físicas intrínsecas ao material de acordo com a alteração gradual de neve 23 para gelo glacial (Compilado de Flint, 1957, John, 1979 e Clapperton, 1993).

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Lista de Quadros

Quadro 1 - Evolução da Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia (HGMI) de 1867 (sua origem) 45 até os dias atuais. Para facilitar a compreensão visual, os trabalhos em verde apoiam a HGMI, os vermelhos, refutam, e os amarelos são imparciais ou não comentam sobre a discussão abordada.

Quadro 2 – Compilação final da evolução da HGMI com os dados de localização de estudos e 92 argumentos dados pelos autores que apoiaram ou refutaram o escopo da discussão. Em verde, os autores que suportaram a HGMI, em vermelho, os que se opuseram, e em amarelo, os autores que não opinaram ou tiveram posição imparcial.

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Sumário

Agradecimentos ...... vi Resumo ...... viii Abstract ...... ix Lista de figuras ...... x Lista de tabelas ...... xiv Lista de Quadros ...... xv 1. INTRODUÇÃO ...... 1 1.1. Objetivos e justificativas ...... 2 2. O MACIÇO DO ITATIAIA (MI) ...... 4 2.1. Localização e acessos à área de estudo ...... 4 2.2. Contexto geológico regional ...... 4 2.3. Geologia ...... 7 2.4. Geomorfologia e aspectos fisiográficos ...... 12 2.5. Clima ...... 18 3. QUATERNÁRIO: GLACIAÇÕES E SEUS ASPECTOS GERAIS...... 20 3.1. Geleiras ...... 21 3.2. PRINCIPAIS PRODUTOS DAS GLACIAÇÕES AO REDOR DO MUNDO...... 24 3.2.1. Feições erosivas ...... 25 3.2.2. Feições deposicionais ...... 28 3.3. Geocriogênese...... 29 4. METODOLOGIA ...... 32 5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...... 34 5.1. A origem histórica da equivocada “Hipótese Glacial” no Brasil ...... 34 5.2. Origem e evolução da Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia ...... 38 5.3. EVIDÊNCIAS RELATIVAS À GLACIAÇÃO (PRÓS E CONTRAS) ... 43 5.3.1. Clima x altitude x latitude ...... 45 5.3.2. DEPÓSITOS ...... 53 5.3.2.1. Blocos erráticos ...... 53

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5.3.2.2. Cones de dejeção ...... 55 5.3.2.3. Morainas ...... 57 5.3.2.4. Processos e depósitos geocriogênicos ...... 58 5.3.3. Forma dos vales e vertentes ...... 62 5.3.4. Padrão de drenagem ...... 66 5.3.5. Feições erosivas em mesoescala ...... 67 5.3.6. Mosaico estrutural e diaclasamento ...... 71 5.3.7. Tempestades elétricas ...... 73 5.3.8. Intemperismo químico vs. intemperismo físico ...... 74 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 81 7. CONCLUSÕES ...... 84 Referências bibliográficas ...... 85 Apêndice A ...... 92

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1. INTRODUÇÃO

Desde o reconhecimento e comprovação – em meados do século XIX – de que os glaciares foram consideravelmente mais extensos do que os atuais, o Período Quaternário (últimos ~2,6M.a.) tem sido relacionado à ocorrência de glaciações globalmente abrangentes, até latitudes médias no nosso planeta. Nos dias de hoje, evidências sedimentares continentais e de fundo marinho demonstram que as glaciações ocorreram repetidamente sobre as atuais regiões temperadas de altas latitudes. Entretanto, no Brasil, um grupo de autores (Massena, 1867; De Martonne, 1943; Ebert, 1960 e muitos outros) sugeriu que as glaciações pleistocênicas strictu sensu podem também ter gerado produtos geológicos e geomorfológicos, embora mais discretos, nas atuais regiões tropicais de altitude submetidas a condições climáticas especiais, como é o caso dos picos do Sudeste brasileiro, particularmente no Maciço do Itatiaia, na Serra da Mantiqueira. O histórico climático da Serra da Mantiqueira foi estudado e destacado por muitos autores e, de fato, compreende um clima atípico quando comparado às regiões adjacentes. No histórico inverno de 1985, a temperatura chegou a impressionantes -15°C no Maciço do Itatiaia, tingindo de branco os cumes do planalto e formando uma camada de neve fofa de quase 1 m em alguns pontos (Santos, 2016). São incontáveis os registros de ocorrência de neve, geadas e sincelo1 no alto do Itatiaia, fato que provavelmente influenciou muito no surgimento de ideias relacionadas à possível ocorrência de geleiras locais na região. O famoso suíço Loius Agassiz, autor da Teoria da Glaciação, em 1865, foi o primeiro cientista a considerar a possibilidade de ocorrência de geleiras através da identificação de supostos depósitos de drift 2no litoral do Brasil, particularmente nos estados do Rio de Janeiro, Bahia e Amazonas. Foi, com isso, duramente criticado e tal fato passou a ser o maior equívoco de sua carreira. Mesmo assim, Agassiz foi o pioneiro quanto à hipótese da glaciogênese no território brasileiro e, embora nunca tenha visitado a Serra da Mantiqueira, o autor foi fundamental para o início de uma histórica e polêmica ideia. Dois anos depois, em 1867, o engenheiro Franklin Massena foi o responsável pelo primeiro estudo quantitativo sobre aspectos físico-climáticos no alto da Serra da

1 Fenômeno meteorológico que acontece em situações de nevoeiro aliado a baixas temperaturas, resultando no congelamento das gotas de água em suspensão quando estas entram em contato com a superfície. Quando sob um nevoeiro muito denso, pode produzir o mesmo efeito que uma nevada e ocorrer a precipitação de cristais de gelo em pleno nevoeiro, sem haver nuvens no céu. 2 Depósito de material detrítico de origem glacial, sem restrição de seleção, granulometria e litologia. 1

Mantiqueira. O autor sugeriu uma glaciação no Maciço do Itatiaia e nunca foi reconhecido devidamente por tal fato. Foi no século seguinte que as especulações sobre as glaciações se tornaram polêmicas. Por cerca de quase trinta anos – de 1940 até meados da década de 70 – os altiplanos do Maciço do Itatiaia foram alvo de discussões paleoclimáticas e geomorfológicas acaloradas entre cientistas, em sua maioria geógrafos e geólogos, de diversas nacionalidades, que tentavam explicar a originalidade geomorfológica de uma das paisagens mais sui generis do Brasil. A temática central que sustentou as divergências supracitadas consistia basicamente no questionamento da possível ocorrência de geleiras de altitude no alto do maciço durante a Época Pleistocênica (2,5880 – 0,0117 M.a.). Enquanto alguns autores defendiam que o planalto do Itatiaia foi moldado pela ação erosiva de geleiras tal como ocorreu nos Andes e no Himalaia, outros, entretanto, atribuíam o modelado observado à ação exclusiva de processos intempéricos condicionados pelo mosaico litoestrutural intrínseco do maciço alcalino, incluindo processos (geo)criogênicos, relacionados à ciclicidade de congelamento e degelo sobre os solos e as rochas submetidos ao clima de altitude. Historicamente, o entendimento da origem e evolução da Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia é mais do que pertinente no contexto da geologia do Quaternário brasileiro, visto sua representatividade na história mais recente dos altos cumes do Sudeste. Desta forma, este trabalho é dedicado à compreensão da evolução do conhecimento sobre o contexto supostamente glacial registrado no alto do Maciço do Itatiaia segundo a visão dos mais renomados estudiosos brasileiros e estrangeiros que se aventuraram pelas gélidas terras altas nas cercanias do famoso Pico das Agulhas Negras.

1.1 Objetivos e justificativas

Sabe-se que o Maciço do Itatiaia representa uma das maiores ocorrências de rochas alcalinas no Brasil, com cerca de 215 km2, e a maior parte de sua área pertence ao primeiro parque nacional brasileiro, fundado no ano de 1937, o Parque Nacional do Itatiaia (PNI). Além disso, nenhum outro ponto do país é tão frio de forma constante nos 12 meses do ano (Azevedo, 2017), fato que, pela originalidade climática, faz com que o parque seja um importante marco geográfico, científico e turístico no estado do Rio de Janeiro.

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Todos os estudos que, de alguma forma, abordam o tema da suposta Glaciação do Itatiaia, apontam o renomado geógrafo francês Emanuel De Martonne como o primeiro autor a atribuir, em 1940, o modelado dos cumes do Itatiaia à ação de geleiras de altitude. Esta afirmativa se mostrou, entretanto, equivocada como será explicitado nos próximos capítulos. Além disso, famosos geólogos e geógrafos brasileiros com credibilidade internacional apoiaram a hipótese da glaciação, cuja veracidade, nos dias atuais, foi refutada a partir de argumentos embasados nas condições do clima e aspectos litoestruturais do Itatiaia. Nesse contexto, uma revisão bibliográfica aprofundada faz-se necessária para abordar os “novos” pontos de vista e o estágio de conhecimento que se tem diante do problema. Este trabalho, de cunho principalmente histórico e bibliográfico, visa, portanto, revisar, atualizar e esclarecer os aspectos que permeiam a polêmica hipótese da glaciação pleistocênica no Maciço do Itatiaia. Desta forma, os objetivos específicos são: • revisar a bibliografia relacionada aos aspectos geomorfológcos e climáticos do Maciço do Itatiaia, de modo a encontrar divergências de autores e argumentos relativos à suposta glaciação; • elaborar uma tabela de evolução temporal da hipótese e avaliação das posições dos autores frente à mesma; • apresentar e especular sobre as explicações e hipóteses alternativas à gênese do modelado do Maciço do Itatiaia baseadas em evidências de campo.

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2. O MACIÇO DO ITATIAIA (MI)

O Maciço do Itatiaia (Figura 1), doravante mencionado pelo acrônimo MI, é uma das maiores ocorrências de natureza alcalina do Brasil, com cerca de 215 km2, entre os estados de e Rio de Janeiro. O maciço ocorre como um corpo irregular e alongado segundo a direção NW-SE (Penalva, 1964, Rosa, 2017), atingindo cerca de 30 km de comprimento e variando de cerca de 4,5 a 11,5 km de largura.

Figura 1 - Pico das Agulhas Negras ao fundo representando as terras altas do mais antigo e famoso Parque Nacional do país o PNI. A imponência do pico é reconhecida e registrada desde o século XIX.

2.1 Localização e acessos à área de estudo

Geograficamente, o Maciço do Itatiaia (MI) está situado há cerca de 160 km da cidade do Rio de Janeiro e 250 km da cidade de São Paulo (Figura 2). Compreende parte dos municípios de Bocaina de Minas e , no sudoeste de Minas Gerais, e parte dos municípios de Itatiaia e Resende, no extremo oeste do estado do Rio de Janeiro. Suas coordenadas de latitude e longitude médias de referência permeiam por valores de 22°20’S e 44°40’W, respectivamente. O MI coincide em grande parte com a porção central e sul do Parque Nacional homônimo (PNI), cuja área ultrapassa os 280 km2.

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É possível acessar o MI de diversas formas, a mais comum, entretanto, é a partir da (BR 116) que segue ao longo do vale do Paraíba e bifurca em direção ao MI em três localidades distintas: em Resende (sudeste do MI), através da RJ- 163 e RJ-151; em Itatiaia, através da Rua Wanderbilt Duarte de Barros ou RJ-485 (sul do MI); e a Estrada Rio-Caxambu ou BR-354, que, no distrito de Engenheiro Passos (sudoeste do MI) inicia rumo a NNW um trajeto que segue praticamente através de todo o limite oeste do Parque Nacional do Itatiaia. É através dessa última rodovia que se chega à famosa Garganta do Registro que, a cerca de 1.700 m de altitude, é o ponto de acesso à estrada que leva à entrada da parte alta do PNI, o “posto Marcão”.

Figura 2 – Localização geográfica do Maciço do Itatiaia (MI em amarelo) a aproximadamente 200 km do Rio de Janeiro e cerca de 250 km de São Paulo. Extraído do Google Earth.

2.2 Contexto geológico regional

A região onde se insere o MI (Figura 3) pertence ao Sistema Orogênico ou Província Mantiqueira, entre os cinturões Brasília meridional e Ribeira, de idade neoproterozoico-cambriana, sobre o qual foi gerado um sistema de riftes cenozoicos desenvolvidos a partir da reativação tectônica de antigas zonas de cisalhamento cuja origem está diretamente relacionada à abertura da porção sul do oceano Atlântico. A distensão crustal

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intrínseca ao mecanismo tafrogenético gerou magmatismo fissural e consequente intrusão de rochas alcalinas, principalmente na região costeira do Sudeste do Brasil. (Hasui et al., 2012). A Província Mantiqueira, segundo Heilbron et al. (2014), é uma faixa de direção NE, paralela à costa atlântica Sudeste e Sul do Brasil, na qual estão inseridas, entre outras, as faixas Brasília meridional e Ribeira. Ainda segundo os autores, a porção sul do Orógeno Brasília é basicamente subdividida em nappes com trend estrutural NNW e vergência para E-ESSE, gerado a partir da colisão de duas paleoplacas. Enquanto as nappes inferiores alcançaram metamorfismo de alto grau e relacionam-se ao Cráton São Francisco, as nappes superiores apresentam mais baixo grau metamórfico e corpos graníticos intrusivos. Por outro lado, a Faixa ou Orógeno Ribeira foi interpretada como resultado da interação direta entre os crátons São Francisco e Congo, no qual o trend estrutural persiste para NE, com empurrões que possuem mergulhos – maiores que 30° – mais acentuados do que os apresentados pela Faixa Brasília meridional, bem como zonas de cisalhamento oblíquas. Há uma associação genética entre os corpos magmáticos alcalinos e as áreas estáveis pré-cambrianas (Penalva, 1964), de forma tal que é destacado o caráter intrusivo do maciço. Neste contexto, Rosa (2017) destaca que, resumidamente, o MI intrude as seguintes unidades litoestratigráficas do embasamento cristalino: granada-sillimanita-muscovita xistos do Grupo Embu (Terreno Paraíba do Sul), (granada)-biotita gnaisses bandados e anfibolitos do Grupo Raposo (Terreno Ocidental), pertencentes à Faixa Ribeira; e paragnaisses metatexíticos, hornblenda-biotita ortognaisses migmatíticos e leucogranitos neoproterozoicos da Nappe Socorro-Guaxupé, pertencentes à Faixa Brasília. O autor frisa também que o limite geotectônico entre as faixas Ribeira e Brasília meridional é marcado pela zona de cisalhamento do Rio Jaguari, que coincide com os limites do Rift Continental do Sudeste do Brasil (Figura 3). A partir do Jurássico Tardio, teve início a abertura da porção sul do Atlântico, marcada principalmente pela reativação tectônica de antigas zonas de cisalhamento e processo de subsidência da Bacia do Paraná, em cujas bordas ocorreu marcante manifestação de magmatismo alcalino associado à reativação de estruturas antigas (Zalán, 2004; Rosa, 2017) entre Neotriássico/Eojurássico e o Eoceno. Riccomini et al (2004) sugere que o evento de abertura do Atlântico Sul teve relação direta com a instalação e desenvolvimento do chamado Rift Continental do Sudeste do Brasil – RCSB, feição tectônica de idade cenozoica morfologicamente representada por uma

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faixa estreita e deprimida alongada segundo a direção ENE entre o Paraná e o norte do Rio de Janeiro, no qual dentre outras bacias, inclui-se a de Resende, limitada em parte ao norte pela escarpa do Maciço do Itatiaia (Figura 4).

Figura 3 - Mapa com a distribuição das ocorrências da Província Alcalina da Serra do Mar, o Rift Continental do Sudeste do Brasil, as principais unidades tectônicas do embasamento e os granitos sin, tardi e pós colisionais. Ocorrências alcalinas: associadas ao sistema de riftes continental (RCSB) – 1) Poços de Caldas, 2) Bom Repouso, 3) Caxambú, 4) Passa Quatro, 5) Itatiaia, 6) Morro Redondo, 7) Serra dos Tomazes, 8) Tinguá, 9) Mendanha-Mapicuru, 10) Itaúna, 11) Tanguá, 12) Soarinho, 13) Rio Bonito, 14) Morro de São João, 15) Cabo Frio; ao longo da costa paralelas à falha de Santos - 16) Ponte Nova; 17) Monte de Trigo, 18) São Sebastião, 19) Serraria, 20) Mirante, 21) Búzios, 22) Vitória; 23) Ipanema. Rifts: grábens do Paraíba do Sul: SP- São Paulo, Tb- Taubaté, Qz- Queluz, RVR- Resende-Volta Redonda, BPS- Baixo Paraíba do Sul; grábens do Litorâneo: SB- Sete Barras, RI- Ribeira de Iguape, St- Santos, Ub- Ubatuba, Gb- Guanabara, BSJ- Barra do São João. Domínios e terrenos Brasilianos: SGN- Nappe Socorro-Guaxupé, SBB- Cinturão Brasília Sul, SRD- Domínio São Roque, APD- Domínio Apiaí, ET- Terreno Embu, OcT- Terreno Ocidental, OrT- Terreno Oriental, CFT - Terreno Cabo Frio. (Rosa, 2017).

No contexto do supracitado RCSB, as rochas do magmatismo alcalino integram as províncias do Arco de Ponta Grossa, Serra do Mar e do Alinhamento Magmático de Cabo Frio (Riccomini et al., 2004), ao qual pertence o MI. O Alinhamento Magmático de Cabo Frio (Figura 3) representa uma feição magmático-estrutural de orientação WNW-ESE desenvolvida desde Jaboticabal, no interior do Estado de São Paulo, até a região do limite entre as crostas continental e oceânica, no Banco Almirante Saldanha, no Estado do Rio de Janeiro. Consiste em uma faixa curva de 60 km de largura por 1.150 km de comprimento que inclui, pelo menos, 26 corpos alcalinos 7

(Almeida, 1991). Segundo Riccomini et al. (2004), esta inclui centros alcalinos intrusivos, sob forma de stocks, maciços maiores, corpos efusivos e um número expressivo de diques que se desenvolveram ao longo de uma extensa zona de fratura transcorrente sinistral com, pelo menos, duas fases de reativação e magmatismo associado, no Neocretáceo ao Paleoceno e durante o Eoceno. Rosa (2017) afirma que as ocorrências alcalinas são essencialmente de nefelina sienitos, sienitos, fonolitos e traquitos, bem como rochas máficas que ocorrem apenas como diques, sills e lavas. O autor explicita ainda que, além de Poços de Caldas, o maior complexo alcalino do Brasil e um dos maiores do mundo, com 800 km2, outras intrusões importantes são, de oeste para leste, Passa Quatro, Itatiaia, Morro Redondo, Tinguá, Mendanha, Itaúna, Tanguá, Soarinho, Rio Bonito, Morro de São João e Cabo Frio (Figura 3).

Figura 4 - Feições geomorfológicas mais importantes do RCSB, entre as bacias de São Paulo e Macacu. No modelo de elevação do terreno é possível notar-se as bacias sedimentares de São Paulo (SP), Taubaté (TB), Resende (RE), Volta Redonda (VR) e Macacu, os planaltos da Bocaina (PB), na Serra do Mar, e de Campos do Jordão (CJ), na Serra da Mantiqueira, além dos maciços alcalinos de Poços de Caldas (PC), Passa Quatro (PQ), Itatiaia (IT), São Sebastião (SB), Tinguá (TI) e Mendanha (MD). Atentar para a marcante estruturação do embasamento, segundo a direção geral ENE a NE, com as zonas de cisalhamento proterozoicas reativadas no Mesozoico e Cenozoico. (Riccomini et al., 2004 apud Hasui, 2012).

2.3 Geologia do Maciço do Itatiaia

Embora Derby (1887), Lamego (1936), Penalva (1964) e Ribeiro Filho (1964) já tenham estudado, ainda que com focos diferentes, as rochas alcalinas do Itatiaia, é o trabalho de Rosa (2017) que mais detalhadamente descreve a geologia e a gênese do maciço, além de utilizar técnicas e metodologias mais modernas para determinações quantitativas e

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análises qualitativas. Segundo o autor, o MI é composto por 21 unidades petrográficas (além de variações faciológicas internas) de nefelina sienitos a quartzo sienitos, traquitos, granito, monzonito, melagabro, traquibasalto, além de diques de nefelinitos, fonolitos, traquitos e riolitos (Figura 5). Estas rochas foram divididas em cinco grupos: 1) Nefelina sienitos sem plagioclásio; 2) Nefelina sienitos/pulaskitos com plagioclásio; 3) Série nordmarkito/granito; 4) Quartzo sienito anti-rapakivi; e 5) Rochas básicas. De acordo com as interpretações de Rosa (2017), o complexo alcalino do Itatiaia foi possivelmente originado a partir de dois magmas mantélicos parentais que evoluíram a partir de cristalização fracionada com alguma contribuição de processos de contaminação. A evolução do MI, ainda segundo Rosa (2017), está relacionada à migração de um centro magmático cuja manifestação se dá através de um complexo anelar com sucessivas intrusões em forma de meia lua, cujas idades variam 71,3 a 67,3 Ma (idade maastrichtiana – Cretáceo Final), gradualmente de sudeste para noroeste (Figura 6). Desta forma, o MI foi dividido em três setores (SE, C, NW), e suas diferenças se refletem diretamente nas características geológicas e geomorfológicas do maciço. O presente trabalho se atém ao setor central (C-S) do MI, visto que, é neste setor que abrange o “Planalto do Itatiaia” e as porções mais altas do maciço. Quanto à estruturação do MI, são muito nítidas pelo menos três famílias de diáclases com variações locais de direção e mergulho (Figura 7). A primeira delas tem atitude que varia entre 250-290/35-50 (dip/dip), ou seja, grosseiramente com rumo N-S e mergulho para oeste. O segundo padrão tem atitude 125-150o/60-75o, com rumo aproximadamente NE- SW e um forte mergulho para sul. O terceiro é praticamente sub-horizontal no qual medidas apresentam valores sem um significado aparente. Estas medidas são compatíveis com as direções destacadas por Penalva (1964) e Modenesi (1992). Para o primeiro autor, as diáclases horizontais e sub-horizontais observadas com ubiquidade em todo o planalto, são resultado da contração do magma em resfriamento, bem como ao alívio de carga das rochas sobrejacentes. O aspecto geral observado nas rochas do MI é de uma superfície comumente alterada, por vezes sã, no qual há predominância de cristais claros de feldspatoides, foscos e opacos, de hábito principalmente cúbico variando de submilimétricos até cerca de 0,5 cm (Figura 8b). É evidente, entretanto, o desgaste causado provavelmente pela água, materializado pelas caneluras da Figura 8a. A textura das rochas varia segundo a litologia observada no mapa da Figura 5. É comum ainda a ocorrência de diques de textura afanítica à

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porfirítica, orientados aproximadamente segundo as direções principais de diaclasamento do maciço (Figura 8c, d).

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Figura 5 - Mapa geológico do Maciço do Itatiaia (MI) ilustrando as 21 litologias observadas pelo autor, bem como as estruturas do maciço. Extraído de Rosa (2017). 11

Figura 6 - Mapa geológico simplificado com os cinco grupos petrológicos e os três setores do MI, bem como duas localidades no qual a idade U-Pb foi obtida para ilustrar o trend de idade e evolução do maciço. Extraído e modificado de Rosa (2017).

Figura 7 - Padrão de diáclases do MI cujas atitudes variam localmente. Podem ter relação com os processos de crioclastia. São caracterizadas, entretanto, tanto por rumo N-S e mergulho para oeste, como aproximadamente NE-SW com mergulho forte para sul. Em a) base das Agulhas Negras e b) na trilha para o Morro do Couto (bloco de aproximadamente 15 m de altura). Fotos: R. Trotta

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Figura 8 – Aspecto geral das rochas no MI. Em a) rocha de textura mais fina, pouco alterada quimicamente, embora mostre sinal de desgaste pela ação provável de água através das caneluras. Em b) textura mais grossa com visíveis cristais de feldspatoides ressaltados após a dissolução aparentemente química dos mineirais menos resistentes. Em c) rocha sã coletada próximo à Garganta do Registro, mostrando aspecto da rocha inalterada, e em d) dique afanítico com textura localmente porfirítica do nefelina sienito. Fotos: R. Trotta

2.4 Geomorfologia e aspectos fisiográficos

Num contexto regional, o MI se manifesta como relevo residual de até quase 700 m acima da Superfície de Aplainamento Japi (SAJ) – equivalente à “superfície de cristas médias” (De Martonne, 1943), na região tectonicamente elevada da Serra da Mantiqueira. Isso se deve, em parte, à alta resistência das rochas alcalinas do maciço, que pertence ao contexto de montanhas com escarpas meridionais íngremes e encostas setentrionais suaves, separadas por vales intervenientes, com tendência retilínea e paralelos à costa, que decrescem de altura do interior para o litoral, sendo resultado de uma tectônica distensional (de natureza gravitacional) cenozoica que agiu sobre um megaplanalto epirogenético (de natureza termal) neocretácico (Zalán, 2012). Individualmente, o MI destaca-se topograficamente na região da Mantiqueira, possuindo uma altitude média de 1.780 m e atingindo impressionantes 2.792 m de altitude no

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Pico das Agulhas Negras, 5° pico mais alto do Brasil, na região central do maciço. Além disso, o MI possui cerca de 40% de sua área acima de 2.000 m de altitude e 13 dos 35 pontos mais altos do país (Rosa, 2017). Sua parte central, e mais importante para o escopo deste estudo, visto suas maiores altitudes, compreende o chamado “Planalto do Itatiaia”, região topograficamente deprimida na parte alta do maciço, cercada por uma muralha de forma anelar – sustentada por nefelina sienitos e fonolitos agpaíticos e miaskíticos (Rosa, 2017) – que reflete a forte influência estrutural da região (Teixeira, 1961; Penalva, 1964, Modenesi, 1992), formando uma extensa “bacia interna” (Figura 9). Massena (1867), ao alcançar o pico das Agulhas Negras, descreve tal feição como que chama de “anfiteatro montanhoso”. Segundo Teixeira (1961), os falhamentos gerados como consequência da formação do Vale do Paraíba fizeram com que a porção sul dessa grande estrutura fosse rebaixada, isso porque a garganta do rio Itatiaia encontra-se a 1.350 m de altitude, enquanto que, no setor norte, as dos rios Aiuruoca e Maromba atingem cerca de 1.900 m de altitude (Figura 9). Assim como Ab’Saber & Bernardes (1956), Teixeira (1961) descreveu os sistemas de drenagem do planalto e os atribuiu um padrão radial formado por rios que divergem da parte central elevada da serra rumo às direções NE (Rio Maromba), SE (Rio Campo Belo), SW (Rio Itatiaia) e NW (Rio Aiuruoca). O segundo deles é o principal curso d’água que drena o alto do planalto e cruza praticamente 8 km de NW para SE, quando finalmente desce a escarpa da Serra da Mantiqueira em direção ao Vale do Paraíba. Desta forma, o MI representa um divisor de águas das bacias do Rio Grande e do Rio Paraíba do Sul. As características observadas em maior escala, tais quais as feições menores do relevo, ocorrem aparentemente controladas pelo mosaico estrutural do maciço. Segundo Modenesi (1992), direções de diaclasamento e mergulhos determinam forma e declividade das vertentes. Encostas escarpadas correspondem a mergulhos acentuados (entre 60 e 80°), relacionados à direção N-NNW. Vertentes menos íngremes, em rampas e patamares, ajustam- se com freqüência aos mergulhos menores (entre 40 e 45°), associados às direções N-NNE. É muito comum a presença de alvéolos e caneluras se formando sobre as rochas alcalinas de maior competência, os quartzo-sienitos e nordmarkitos, que sustentam a grande estrutura anelar e os picos mais altos – Agulhas Negras, Morro do Couto, Pedra do Altar e as Prateleiras (Figura 10). Nas vertentes rochosas e sobre os blocos in situ ou não, alvéolos (ou

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marmitas), caneluras e canais pluviais das cabeceiras de drenagem aparentam por vezes seguir a orientação dos sistemas de fraturas das rochas alcalinas (Figura 10b, c e d).

Figura 9 – Estrutura anelar, cristas e escarpas no Planalto do Itatiaia interpretada a partir de imagem do Google Earth. Em amarelo, o contorno estrutural externo do planalto; em branco, as cristas e escarpas. Todos os números apresentam altitudes aproximadas baseadas na compilação de dados de Teixeira (1961) e Rosa (2017). Os pontos culminantes, em amarelo, representam as porções mais altas do planalto. M.C. – Morro do Couto, A.N. – Agulhas Negras, P.P. – Prateleiras, P.A. – Pedra do Altar. Em letras azuis nomeiam os principais rios que cortam a estrutura externa que limita a “bacia interna” abatida do Planalto do Itatiaia, ou “anfiteatro montanhoso” (Massena, 1867). A linha pontilhada cinza limita os estados do RJ, meridional, e MG, setentrional.

A presença de blocos com esfoliação esferoidal é bastante marcante, principalmente em direção ao Morro do Couto (Figura 11). Parece que a ocorrência destas feições tem alguma relação direta com os litotipos do MI. Enquanto nas Agulhas Negras e adjacências as caneluras e alvéolos são muito mais comuns, no Morro do Couto, cuja textura dos sienitos é mais granítica, a esfoliação esferoidal é muito mais recorrente. Nos blocos e afloramentos, é possível notar a relação dos vegetais inferiores (briófitas) no processo de desagregação. Estes vegetais estão quase sempre associados às fraturas e descontinuidades,

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locais de maior concentração de fluxo de água já que dependem diretamente da umidade para sua reprodução (Figuras 11b e 12). Desta forma, estes vegetais devem permanecer alojados nas fraturas mesmo durante o inverno. Quando as temperaturas ultrapassam o ponto de congelamento, a água retida nestes vegetais aumenta de volume e, como uma cunha, separa deliberadamente os dois lados das descontinuidades, de fora para dentro, fato que desagrega e individualiza completamente os blocos. Segadas-Vianna (1965) divide o Planalto do Itatiaia em três regiões: Vargem do Aiuruoca, Terras altas inferiores e Terras altas superiores (cumes). Segundo o autor, a região das Terras altas superiores constitui-se de um conjunto de altos de aspecto caótico, remetendo-se aos incontáveis blocos de tamanhos variados que se distribuem por todos os lados (Figura 13). Para o autor, as Agulhas Negras e as Prateleiras são os pontos mais marcantes, no qual os altos mostram considerável ação do intemperismo químico ao redor de seus contornos polidos através dos sulcos (caneluras) regularmente distribuídos e da desagregação de enormes blocos rochosos. Quanto à vegetação, é notável o rareamento e diminuição do porte das árvores com a elevação da altitude, onde os campos de altitude começam a tomar importância entre as cotas 1.800 m e 1.900 m, tornando-se plenos a partir de 2.100 m (Rosa, 2017). Segundo Brade (1956) a maioria das espécies campestres no Itatiaia têm adaptação xerófita para resistir aos ventos frios, insolação e temperaturas extremas abaixo do ponto de congelamento. O Itatiaia possui, ainda, o “elemento antártico” representado os “Pinheiros do Paraná” que ocorrem de várias formas acima de 1600 m de altitude, que teriam supostamente procurado lugares frios ao norte da Antártica após mudanças paleoambientais. O mesmo princípio ocorre com o “elemento andino” representado por outras pteridófitas variadas que ocorrem endemicamente no planalto do Itatiaia. Esta serra comporta, portanto, elementos florísticos de várias origens: subtropical das matas hidrófilas, xerófilo do Brasil Central, antártico, austral-andino e andino. Quanto aos vales, estes se mostram comumente em forma de “V” com vertentes ligeiramente convexas (Figura 14). Não foram observados os supostos vales em forma de “U”, como o descrito por Rich (1953), que são conhecidos por fazerem parte das seletas feições geomorfológicas geradas por abrasão de geleiras em ambientes glaciais. Tampouco foram observadas feições que sugerem a presença de circos glaciais.

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Figura 10 – Feições erosivas características do MI. Em a) marmitas no Morro do Couto formando depressões em calota preenchidas por água e matéria orgânica. Algumas delas apresentam, inclusive pequenas larvas de organismos aquáticos; em b) caneluras que dão nome ao pico das Agulhas Negras, observadas em sua face SW, como escala, as caneluras podem chegar a quase 1 m de diâmetro de abertura; em c) caneluras e marmitas de menor porte estruturalmente associadas a fragmentos rochosos no Vale dos Lírios, mostrando associação biológica de briófitas e vegetais inferiores no interior das diaclases e caneluras. O matacão tem cerca de 2,5 m de altura; em d) marmitas alinhadas segunda a direção principal de diaclasamento. Fotos: R. Trotta

Figura 11 – Esfoliação esferoidal observável principalmente em direção ao Morro do Couto devido provavelmente a uma mudança claramente textural e litológica das alcalinas do Itatiaia. Com uma textura mais granítica, o fenômeno da esfoliação parece muito mais comum. Em a) bloco no vale do Rio Campo Belo bem abaixo do Morro da Antena. Em b) nítida influência biológica sobre o processo de esfoliação e possivelmente de desagregação. Morro do Couto. Em c) e d) blocos com nítida esfoliação em três dimensões. Fotos: R. Trotta. 17

Figura 12 – Acunhamento vegetal gerado pela concentração de água nas descontinuidades da rocha. Provavelmente, durante o inverno, o congelamento aumenta o volume de água desses vegetais e cunha a rocha de forma a individualizar os blocos. A primeira imagem mostra a “sombra” (delimitada em amarelo) do que era um fragmento de bloco que foi recentemente individualizado pelo processo acunhamento vegetal. Fotos: R. Trotta.

Figura 13 – Aspecto caótico observado na paisagem geral do MI, no alto do planalto. Imagem voltada para SW no qual o pico mais alto, no canto superior direito, é o Morro do Couto (2.680m.) e o espigão alongado de direção NW-SE leva às Prateleiras, que não está na foto. Observa-se também os Campos de Altitude marcando a flora predominante das Terras Altas do Itatiaia. Foto: R. Trotta

Figura 14 – Seção transversal em “V” típica dos vales adjacentes ao vale do Rio Campo Belo mostrando vertentes pedregosas e sãs. Ao fundo (voltado para NE), a imponente Pedra do Altar a cerca de 2.665 m de altitude. Foto: R. Trotta 18

2.5 Clima

Para o escopo deste estudo, a compreensão das condições climáticas da parte alta do MI é extremamente importante para o entendimento da evolução da “hipótese da glaciação”, visto que o clima é o condicionante para a ocorrência e permanência de água em forma de gelo em determinado ambiente. As partes altas da Serra da Mantiqueira possuem um regime climático peculiar e muito particular atribuído à altitude e sua localização geográfica nos trópicos úmidos. O fator altitude é fundamental, assim como nos Andes e Himalaias, para a redução das médias de temperatura e para a intensificação dos índices pluviométricos. Além disso, a região está submetida com frequência e intensidades variáveis ao sistema polar e aos ventos alísios do Sudeste (Modenesi & Nunes, 1998). Em seu trabalho, Zalán (2012) dá uma ideia sobre a situação climática ao qual o Itatiaia se submete quando afirma: “Pouca gente sabe que, no Planalto de Itatiaia, a cerca de 200 km em linha reta da Praia de Copacabana, nevascas ocorrem de 15 em 15 anos”. Embora acima de 2.200 m, no alto do Itatiaia, as temperaturas tenham uma média de 11,5° (Modenesi, 1992), é comum, durante os meses de inverno, que esses valores caiam drasticamente, podendo alcançar até cerca de -15°C, como no histórico ano de 1985. Isso porque a Serra da Mantiqueira seria o ponto geográfico de transição entre um clima úmido e quente intertropical, para um clima temperado frio, severo (Cailleux, 1957). Para Safford (1999), entretanto, o clima do Itatiaia corresponde a tropical marginal, embora suas características físico-climáticas convirjam para um padrão intertropical. Visando avaliar as condições climáticas no planalto do Itatiaia, Modenesi & Nunes (1998) analisaram dados meteorológicos de 1923 a 1951 de uma estação localizada no MI a 2.199 m de altitude. Resumidamente, os autores observaram que, sob média anual de 11,5°C de temperatura, a pluviosidade é cerca de 2.400 mm, podendo variar de 1.967 a 3.037mm, concentrada na primavera-verão (83%). “A média do mês mais chuvoso, janeiro, é 429mm (18% do volume), e do mês mais seco, julho, é 35mm. O maior número de dias chuvosos ocorre no verão (23,6 dias); a média mais baixa é registrada no inverno (7,5 dias). A maior variação interanual ocorre em agosto (101,8%) e a menor em dezembro. Entretanto, é importante salientar que a diminuição da pluviosidade – significativa apenas nos 3 meses mais frios (junho, julho e agosto) - não é suficiente para definir uma estação seca” (Modenesi &

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Nunes, 1998, p. 22). Baseado nos dados gerados pelos mesmos autores, a umidade relativa média alcança pouco mais do que 80%. Segundo Azevedo (2017), se o Itatiaia ficasse na região Sul do Brasil, este teria neves eternas. O vale do Rio Campo Belo, por exemplo, tem as menores temperaturas médias do país, superando inclusive a cidade de São Joaquim (SC), em média 3 graus mais quente. O autor completa que os mínimos de temperatura não ocorrem nos cumes, mas sim nos vales entre estes, como é o caso do Campo Belo (Figura 15), que registrou em 21 de agosto de 2016 a temperatura mais baixa não oficial do Brasil, -13,3 °C. É muito comum a ocorrência de geadas e de fenômenos como o sincelo durante todo o ano, exceto nos meses de janeiro e fevereiro. No inverno, cristais aciculares de gelo e crostas congeladas formam-se sobre o solo úmido visto o frequente rebaixamento da temperatura abaixo do ponto de congelamento (Modenesi & Nunes, 1998), fato provavelmente relevante no modelado do Itatiaia.

Figura 15 – Configuração meteorológica sob a qual estão submetidos o vale do Rio Campo Belo e os cumes do alto do Planalto do Itatiaia, possivelmente justificando as baixas temperaturas dos vales (modificado de Azevedo, 2017).

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3. QUATERNÁRIO: GLACIAÇÕES E SEUS ASPECTOS GERAIS

No contexto da história geológica da Terra, o Período Quaternário consiste em uma unidade geocronológica de tempo pertencente à Era Cenozoica, com início há cerca de 2.588.000 anos, estendendo-se até os dias atuais. É composto pelas Épocas Pleistoceno e Holoceno, com o primeiro terminando a 11.700 anos. O Pleistoceno compreende diversos intervalos de glaciação (as “idades do gelo”) e flutuações climáticas consideráveis, no qual massas de gelo de volume colossal avançaram sobre grande parte dos continentes a partir de centros de expansão, principalmente nas porções temperadas do planeta. O conhecimento sobre o número de glaciações pleistocênicas e suas durações tem crescido e a iniciação das condições que resultaram em glaciações provém de um trend contínuo de resfriamento do clima global que pode ter começado ainda no Paleógeno, há cerca de 35 Ma (Gibbard et al., 2017). As variações climáticas que caracterizam o clima da Terra são controladas, pelo menos em parte, por variações (ou perturbações) na órbita planetária ao redor do sol que, por conseguinte, relaciona-se diretamente à recepção da energia solar na superfície do nosso planeta. Em 1930, o sérvio Milutin Milankovitch quantificou as variações dos longos ciclos orbitais da Terra e notou que basicamente três tipos de perturbações afetam a quantidade de luz solar incidente em cada grau de latitude: (i) o círculo descrito pela Terra ao redor do Sol se torna mais elíptico em intervalos de aproximadamente 100.000 anos, o que faz com que a Terra esteja mais próxima do Sol e também mais distante durante os máximos de Excentricidade; (ii) A Inclinação (ou Obliquidade) sazonal da Terra varia aproximadamente entre 22,2° e 24,5° a cada 41.000 anos, o que faz com que, quanto maior a inclinação, maior a insolação em maiores latitudes; e a (iii) Precessão, que faz com que a Terra oscile como um pião em ciclos de 19.000 a 23.000 anos, afetando diretamente a relação entre inclinação e excentricidade (Figura 16). Desta forma, os intervalos glaciais ou “idades do gelo” ocorrem quando a configuração desse sistema se encontra com baixa excentricidade e inclinação (ou obliquidade) de forma tal que há pouco contraste sazonal. Por outro lado, os intervalos interglaciais ocorrem durante os altos valores de excentricidade e inclinação de forma que há grande contraste sazonal, com invernos muito frios e verões muito quentes (Pianka, 2009).

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Figura 16 – Ciclos de Milankovitch: excentricidade, inclinação (obliquidade) e precessão. Assume-se hoje que estes ciclos são os responsáveis pelas variações climáticas globais em escala tal que gera registros de períodos glaciais e interglaciais relativamente bem marcados na história da Terra (retirado de http://gulfcoastcommentary.blogspot.com.br)

Essas variações são responsáveis pelas mudanças climáticas cíclicas que caracterizam o Período Quaternário. Entretanto, a glaciação é apenas uma das manifestações resultantes das mudanças climáticas globais geradas pelos ciclos supracitados (Flint, 1957). O início do Pleistoceno (2.6 - 0.8 M.a.), por exemplo, foi caracterizado por flutuações climáticas dominadas por um ciclo de precessão durante o qual relativamente poucos períodos foram suficientemente frios e longos para permitir o desenvolvimento de substanciais calotas de gelo. O fato curioso é que apenas 14 de 41 períodos de glaciação apresentam-se marcados no registro geológico. É importante destacar que períodos frios (glaciais) tornaram-se regulares e longos o suficiente para permitir o desenvolvimento de calotas de gelo em escala continental quando ocorreu uma transição na ciclicidade orbital dominante de 100 mil anos, que começou em aproximadamente 1,2 M.a. e se estabeleceu ao redor de 800 mil anos (na transição do Pleistoceno médio). Entretanto, foi ao redor de 880 mil anos que ocorreu o primeiro dos maiores eventos glaciais. Desta forma, há potencialmente 20 períodos durante os quais extensivas glaciações podem ter ocorrido nos últimos 2.6 M.a., com os mais intensos estando limitados aos últimos 900 mil anos (Gibbard et al., 2017).

3.1 Geleiras

A principal manifestação das glaciações é o estabelecimento de geleiras. O gelo glacial é tanto um mineral como uma rocha metamórfica que, sob as condições atmosféricas, é relativamente instável (Droxler, 2015). Este é gerado pela recristalização de flocos de neve e 22

recongelamento de água derretida, submetido a tensões de deformação complexas durante o movimento intrínseco das massas de gelo. A neve acumulada em superfície tem altíssima porosidade e volume. Com o peso dos sucessivos pacotes de neve, os flocos são recristalizados e compactados gradualmente pelo próprio peso sobrejacente. Caso as baixas temperaturas persistam, esse gelo é conservado e, a partir de um ano, esse gelo é chamado de firn, que nada mais é do que neve compactada ou neve velha parcialmente compactada. A continuação desse processo faz com que a permeabilidade ao ar do firn atinja o valor zero, momento em que, por definição, o firn se transforma em gelo glacial, mais compacto e denso possível (Flint, 1957).

Tabela 1 – Características físicas intrínsecas ao material de acordo com a alteração gradual de neve para gelo glacial (compilado de Flint, 1957, John, 1979 e Clapperton, 1993). Neve Firn Gelo Densidade (g/cm3) 0.05 0.5 > 0.9 Porosidade (%) 95 50 < 5 Textura (mm) < 1 > 1 e < 10 >> 10 Profundidade (m) < 1 > 1 e < 30 > 30

As geleiras ou glaciares, por sua vez, são massas deste gelo formadas em camadas sucessivas de neve compactada e recristalizada de tempos pretéritos em regiões onde a acumulação superou a ablação ou derretimento e, posteriormente, esses dois parâmetros se equilibraram de forma relativa (Flint, 1957). Segundo o mesmo autor, estas são classificadas como: (i) Geleiras de vales, ou alpinas; (ii) Geleiras em piedmont, ou intermontanas; e (iii) Geleiras inlandsis, ou capas (ice sheets), que formam uma espécie de sequência gradacional que varia com o confinamento, no qual as geleiras alpinas são as mais confinadas. As geleiras podem ainda ser classificadas de acordo com sua relação termal com a atmosfera, em polares e temperadas. As temperadas ocorrem em médias e baixas latitudes e a ablação envolve sempre o processo de derretimento com presença marcante de água, enquanto as geleiras polares apresentam, em toda sua espessura, temperatura abaixo do ponto de fusão. Um importante conceito para o escopo deste estudo é o “limite do firn” que consiste na altitude mínima ao qual é formado firn numa eventual geleira. Condicionado a isto, a famosa “linha de neve” (snowline) é a extensão regional do limite de firn, de forma que

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a distribuição de geleiras está diretamente relacionada às mudanças de altitude da “linha de neve” (Flint, 1957), ou seja, a “linha de neve” representa o limite inferior da ocorrência de gelo ou neve permanente, perene. Sua altitude depende de fatores como pluviosidade e topografia, visto que a ablação é muito reduzida, por exemplo, nas faces opostas ao sol da tarde em regiões montanhosas (Figura 17) (John, 1979). Segundo Clapperton (1993), a linha de neve (ou altitude da linha de equilíbrio – ALE) tende a variar anualmente, embora em uma escala menor de tempo possa representar a isoterma de 0°C durante os verões. Desta forma, a distribuição vertical e global de geleiras pode ser visualizada graficamente através da representação da “linha de neve” nos dias atuais e aproximadamente na última idade do gelo, ao longo das latitudes de localidades reconhecidamente glaciais (Figura 18). A posição da linha de neve pode variar segundo diversos fatores físico- climáticos. Infelizmente, o clima é dinâmico e de uma complexidade grande visto a quantidade de varáveis interligadas controladoras vigentes no sistema Terra.

Figura 17 - A linha de neve (snowline) é o limite acima do qual o gelo glacial persiste através dos anos. Na figura, o pico à esquerda representa um cume generalizado abaixo da linha de neve, isento, portanto, de qualquer ocorrência de neve ou geleiras. O pico central, além de estar acima da linha de neve, possui área sufuciente para abrigar uma geleira (glacier). Já o pico a direita, apesar de estar bem acima da linha de neve, não apresenta área suficiente para abrigar uma geleira strictu sensu. A figura esquemática representa, adicionalmente, o equilíbrio entre deposição com posterior compactação e ablação (retirado de John, 1979).

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Figura 18 – Distribuição de geleiras de acordo com a representação da linha de neve (snowline) em diferentes porções do planeta. A seta vermelha representa nos três diagramas a latitude correspondente a do MI (cerca de 22°). A linha cheia vermelha representa a linha de neve nos dias atuais, e a linha azul a linha de neve no último glacial pleistocênico. Note a posição sempre abaixo da linha de neve em que se encontra o Itatiaia. Modificado de Flint (1957).

3.2 PRINCIPAIS PRODUTOS DAS GLACIAÇÕES AO REDOR DO MUNDO

O processo de glaciação (e posterior deglaciação) gera produtos muito nítidos e reconhecidamente interpretados como evidências glaciais de erosão ou deposição em ambientes gélidos. Este tópico tem fundamental importância para o escopo deste estudo visto que os autores que refutam ou apoiam a “Hipótese da Glaciação do MI” apoiam-se nestes produtos sucintamente explicitados adiante. Para maior clareza, os produtos serão divididos em feições erosivas e feições deposicionais.

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3.2.1 Feições erosivas

A mais comum e fiel das feições erosivas geradas pela abrasão de geleiras sobre o substrato rochoso são as estrias glaciais, materializadas por sulcos gerados pela abrasão dos detritos carreados em “suspensão” pelos glaciares. E quanto maior e mais volumosos são os detritos, mais espessas e profundas são as estrias, sendo claro que a relação de dureza entre ambos os materiais deve ser levada em conta. Adicionalmente, a abrasão pelo gelo faz com que as superfícies rochosas sobre as quais passa a massa congelada fiquem completamente polidas, gerando feições com texturas superficiais suaves e arredondadas (Figura 19). As feições de rochas acarneiradas, conhecidas originalmente como roches moutonnées, são formadas por esse tipo de abrasão. Consistem em pequenos montes rochosos assimetricamente formados pela erosão e polimento das geleiras. A face rochosa à montante do fluxo sofre abrasão e é polida, enquanto a face voltada para jusante do fluxo é caracterizada pela irregularidade, acumulação e desagregação da rocha com nenhum polimento (Figura 20). Em menor escala, a erosão glacial gera feições geométricas típicas no perfil dos vales. O alto poder erosivo das geleiras relacionado à competência em carrear detritos é altamente eficaz para moldar e remoldar a topografia de áreas glaciadas. Os famosos vales glaciais são longos, tem forma de ‘U’, tendem a ter fundo plano e suave e paredes retas e extremamente íngremes (Figura 21). A taxa de erosão diminui com a evolução do vale e os centros de abrasão migram das bordas para o centro geométrico. São facilmente reconhecidos visto a singularidade geométrica do perfil perpendicular ao eixo alongado e subordinadas feições erosivas. Os circos glaciais (Figura 22), assim como os vales em ‘U’, são feições erosivas em menor escala. São, entretanto, como o próprio nome diz, anfiteatros topográficos limitados por áreas altas, formando uma espécie de ‘bacia’ ou meia ‘bacia’ em menor escala. São criados por geleiras individuais e comuns em terrenos montanhosos com glaciação local, principalmente de altitude. De acordo com Bennett & Glasser (2009), os circos tendem a ocorrer em conjuntos, como rosários de circos glaciais, embora isso não seja uma regra.

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Figura 19 - Estrias glaciais associadas ao lascamento do leito rochoso (crescentic markings) nos Alpes italianos e o característico polimento das rochas sobre as quais passam as geleiras (http://www.tectonique.net/tectask/index.php?option=com_content&view=article&id=27&Itemid=73).

Figura 20 - Rochas acarneiradas (Roche moutonnée - sheepback) na Escócia e em Nova York, respectivamente. A face montante é suave e estriada, polida, enquanto a face jusante é irregular e blocada, caótica. (http://www.geograph.org.uk/photo/3014872).

Figura 21 – Vales glaciais típicos. As imagens a) e b) do próprio autor ilustram o Tenaya Canyon em Yosemite (Califórnia/USA), com destaque para a suavidade do fundo do vale seu grande comprimento alongado limitados por paredões graníticos polidos e extremamente íngremes. Na foto a) é possível observar ainda um vale suspenso do lado direito tributário ao vale principal. Em c) Vale Romanche, na França. Em d) Leh Valley no Himalaia indiano. Em e) Tongass, Alaska (USA). Imagens c, d e e extraídas de https://en.wikipedia.org/wiki/U- shaped_valley

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O processo genético de formação dos circos está diretamente ligado a um processo chamado nivação. Por definição, se trata de desgaste causado pela combinação da alternância de congelamento e degelo e perda de massa sedimentar em depressões topográficas. A relação dos circos com a nivação se deve ao fato de que, este processo de erosão acontece sob bancos de firn não espessos o bastante para caracterizar geleiras, de forma tal que, em áreas onde há acumulação de gelo, circos podem ser formados unicamente pelo processo de nivação através da percolação de água no substrato rochoso (Flint, 1957). Esta informação desvincula os circos como feições exclusivamente glaciais, ou seja, essas feições podem ser formadas independentemente da ocorrência de geleiras.

Figura 22 – Circos glaciais gerados pelo poder erosivo das geleiras. A primeira imagem mostra um deles no arquipélago de Svlabard, na Noruega (https://www.swisseduc.ch/glaciers/svalbard /midtre_lovenbreen/index- en.html) , e a segunda imagem ilustra o circo glacial na Península Keller, Ilha Rei George, Antártica (Foto: Renato Ramos).

Similar aos circos glaciais, os vales suspensos são feições erosivas associadas ao poder de entalhamento do gelo. Os vales suspensos são formados por geleiras tributárias ao vale glacial principal e, portanto, perpendiculares a estes (Figura 21a). Sua gênese está relacionada à regra de que quanto maior a geleira, mais profundo é o vale resultante de sua erosão, de modo que o vale em questão se mantém elevado em relação ao vale principal devido ao menor poder erosivo de sua geleira tributária. Portanto, a única diferença entre um vale suspenso e um vale glacial principal é a taxa de erosão que molda ambas as feições glaciais (Bennett & Glasser, 2009). Com exceção das roches moutonnées, as feições glaciais alpinas de caráter erosivo podem ser agrupadas em blocos diagramas, de modo a resumir suas relações espaciais e genéticas, como mostrado na Figura 23.

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Figura 23 - Bloco diagrama destacando as principais feições erosivas de ambientes glaciais alpinos. Glacial through = vale principal em 'U'; Hanging valley = vale suspenso; Cirques = circos; Horn = Picos; Tarn = lago glacial; Arête = Crista; Paternoster lakes = lagos glaciais conectados por riachos individuais (https://www.thinglink.com/scene).

3.2.2 Feições deposicionais

Das feições reliquiares glaciais de caráter deposicional, as mais famosas delas são os blocos erráticos e as morainas. Os blocos erráticos (Figura 24) são fragmentos de rochas de tamanhos geralmente grandes (métricos), transportados e depositados isoladamente por geleiras, no qual sua litologia difere das rochas sobre as quais estes blocos foram depositados (Flint, 1957). Já as morainas (Figura 25) representam quaisquer depósitos glaciais de geometria alinhada, granulometria variada e formados nas margens ou periferias de geleiras (Johng, 1979) que, durante o degelo, abandonam os detritos que carrega. Resumidamente, é uma acumulação de till3. Há diversos tipos de morainas espacialmente distribuídas pelas geleiras: morainas laterais, medianas, terminais e morainas de fundo (ground moraines).

3 Material sedimentar com pouca ou nenhuma seleção, depositado diretamente através do gelo glacial. Podem ser chamados de boulder-clay deposits quando material fino está presente. 29

Figura 24 - Blocos erráticos localizados no Parque Nacional de Yellowstone, Wyoming. Foto: National Park Service (https://www.nps.gov/articles/erratics.htm)

Figura 25 – Morainas no Elias National Park, no Alaska, USA. Destaque para a falta de seleção da antiga moraina lateral sobre a qual o alpinista caminha. Foto: James W. Frank, National Park Service (https://www.nps.gov/articles/lateralmedialmoraines.htm)

3.3 Geocriogênese

Segundo Trombotto (2000), o conceito original do termo periglacial – introduzido em 1909 por Waleri Lozinski – é aplicado para descrever processos climáticos e geomorfológicos em áreas adjacentes aos glaciares pleistocênicos. Entretanto, em 1960 foi complementado pelo termo russo que significa Geocriologia, termo bem mais abrangente que se refere a baixas temperaturas, com permanente ou temporários eventos de solo congelado. Atualmente, a geocriologia é a ciência que estuda o ambiente e os processos naturais, geológicos e físico-químicos de regiões frias em relação aos ciclos de congelamento e degelo, bem como as relações entre todos estes fenômenos e a vida humana (Trombotto, 2000). Em 1969, entretanto, o termo geocriogênese foi cunhado por Arturo Corte visando evitar o uso

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incorreto do termo ‘periglacial’ originalmente proposto. Desta forma, a geocriogênese compreende os processos climáticos e geomorfológicos que geram feições particulares sob condições vigentes de congelamento e degelo em ambientes frios, mesmo sem relação espacial com glaciares quaternários. O termo permafrost, refere-se apenas aos leitos – solos, rochas ou matéria orgânica – congelados pelo menos por dois anos consecutivos. Dry permafrost, livremente traduzido para permafrost seco, refere-se às áreas controladas pela altitude, como nos Andes, no qual as temperaturas alcançam facilmente valores abaixo de 0°C, mas sem a ocorrência de gelo permanente. Trombotto (2000) afirma que peculiaridades térmicas e condições secas regionais reforçam os efeitos de processos periglaciais nos Andes. Tal afirmativa, mesmo que sob condições bem distintas de altitude e condições atmosféricas, poderia funcionar como mecanismo análogo no alto do Itatiaia durante os meses mais secos do inverno. Os processos geocriogênicos mais comuns na América do Sul, são a Seleção, Nivação, Solifluxão, Crioturbação e Crioclastia. Estes processos, sucintamente, caracterizam- se por: • Seleção - separação granulométrica de materiais, no qual seixos e blocos dispõem-se sobre material detrítico mais fino. Essa movimentação sedimentar se deve aos ciclos de congelamento e degelo, que também se relacionam ao chamado frost heaving (perturbação e soerguimento da superfície do solo causada pela expansão de cristais de gelo); • Nivação – assim como explicitado na seção anterior, é o processo erosivo de desgaste mecânico causado pelo contato neve-rocha/solo nos locais em que o gelo se encontra. Tem um sentido erosivo de alargamento e aprofundamento (John, 1979) relacionado à formação de nichos topográficos; • Solifluxão – movimento gravitacional lento, de solo ou rochas, causado devido à lubrificação do plano de movimento por água. É mais representativo em regiões com gelo sazonal, tal qual ocorre no Itatiaia. É mais rápido que o creep do solo, chegando a valores de 3 a 6 cm/ano, mas podendo alcançar até 13 cm/ano (Flint, 1957). Quando o movimento ocorre em regiões permanentemente congeladas, em permafrost, o fenômeno é denominado gelifluxão. Os depósitos de solifluxão ocorrem como lobos (Figura 25a), lençóis, block tongues (rock streams - blocos

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alinhados), felsenmeer (pavimentos de blocos angulosos) (Figura 25b) e garlands (forma de rastejo restrita e interrompida pela vegetação). Todas as feições deposicionais de solifluxão podem apresentar algum tipo de seleção e verticalização dos clastos. • Crioturbação – processo de movimentação (Fig. 25d) e mistura de material de vários horizontes de solos ou rochas geradas pela alternância de congelamento e degelo; • Crioclastia – quebra mecânica por congelamento e degelo. Também chamado de frost-weathering (figuras 6, 11 e 25c) é, provavelmente, o fator mais importante de dissecação em ambientes periglaciais ou geocriogênicos. Seu mais óbvio efeito é a produção de material rochoso de diversos tamanhos, embora a fração conglomerática seja mais típica. Por desagregar material rochoso, a crioclastia gera depósitos de tálus-cones4, scree 5e “crioregolito” (Trombotto, 2000). A ação de agulhas de gelo está intimamente ligada aos efeitos da crioclastia.

Figura 26 – Imagens de algumas feições de caráter geocriogênico. Em a) lobos de solifluxão nos Andes relacionados ao movimento da massa de solo e blocos de rocha em vertentes de ambientes periglaciais http://www.wikiwand.com/en/Solifluction_lobes_and_sheets). Em b) típico felsenmeer (sea of rocks) localizado na Bavária, Alemanha (www.tripadvisor.com/LocationPhotoDirectLink-g2286861). Em c) rochas fragmentadas por processo de crioclastia no Maciço do Itatiaia. Foto: R. Trotta. Em d) típica “organização” superficial de blocos gerados por crioclastia em Piata Lazin, Itália. Foto: James W. Frank, National Park Service (https://www.nps.gov/articles/lateralmedialmoraines.htm).

4 Depósitos rochosos gravitacionais comumente mal selecionados em forma de cone formados na base de encostas íngremes. 5 Tecnicamente são sinônimos de depósitos de tálus, entretanto, é geralmente associado à desagregação pelos fenômenos de crioclastia. Há quem mencione o fato de os tálus cones terem blocos maiores e os screes, menores. 32

4. METODOLOGIA

Por ser uma pesquisa de cunho histórico e bibliográfico, esse manuscrito apoia- se na profunda revisão da literatura relativa à suposta glaciação do Maciço do Itatiaia. Gradualmente, os trabalhos foram identificados e acessados a partir de bibliotecas digitais ou convencionais. Durante a leitura, foram confeccionados resumos em documentos tipo “.doc” nomeados e separados em ordem alfabética segundo o autor principal (Figura 28A) de cada um dos trabalhos publicados. As informações e dados obtidos foram compilados em tabelas organizadas temporalmente e de acordo com tópicos relevantes, segundo as categorias (i) ‘Ano’, referente ao ano em que foi publicado o trabalho; (ii) ‘Autor’; (iii) ‘Título do trabalho’; (iv) ‘Tipo de trabalho (“peso”)’, referente à importância atribuída ao trabalho, no qual artigos têm maior ‘peso’ do que resumos em congressos, por exemplo; (v) ‘Posição frente à hipótese da Glaciação do Itatiaia’, referente ao posicionamento – contra, à favor ou imparcial – do autor relativo à ocorrência de geleiras no planalto do Itatiaia; (v) ‘Argumentos’, relativo aos principais motivos que fizeram o autor apoiar ou refutar a hipótese da glaciação; e (vi) ‘Locais de observação’, referente aos locais visitados nos respectivos trabalhos de cada autor (Figura 28B). O fluxograma da Figura 27 ilustra simplificadamente como os dados foram sendo gradualmente organizados. Após a compilação dos dados bibliográficos foram realizadas duas visitas ao Maciço do Itatiaia visando comparar as feições observadas com as informações compiladas e obtidas a partir do levantamento bibliográfico sistemático. As visitas permitiram descrições sucintas de feições geomorfológicas principalmente em mesoescala. Foram obtidas imagens digitais e dados estruturais quantitativos.

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Figura 27 – Fluxograma simplificada ilustrando o processo de obtenção e organização de dados bibliográficos para a realização deste estudo.

Figura 28 – Organização sistemática do levantamento bibliográfico. A – Resumos organizados em ordem alfabética segundo o autor principal. B – Trabalhos organizados segundo a ordem cronológica de publicação visando o entendimento temporal da evolução da Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia.

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5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Haja vista as particularidades climáticas e geomorfológicas do Maciço do Itatiaia, principalmente no planalto de mesmo nome, não é surpresa a grande divergência de opiniões relativas à origem das feições observadas em suas terras altas ao longo dos anos de evolução do conhecimento. Como previamente mencionado, a região do Itatiaia foi alvo de acirradas discussões acadêmicas que argumentavam sobre a possibilidade da existência de geleiras de altitude no alto do maciço durante o Pleistoceno. Este capítulo objetiva a exposição dos dados obtidos a partir de uma revisão bibliográfica profunda no que tange a “Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia”. Os dados foram colocados em ordem cronológica e, posteriormente, compilados no Quadro 2, localizado no Anexo 1.

5.1 A origem histórica da “Hipótese Glacial” no Brasil

Durante os últimos anos do século XIX, o questionamento sobre a possibilidade de os glaciares terem avançado através das regiões tropicais da América do Sul foi um tópico de bastante discussão e controvérsias (Brice & Figueirôa, 1992). Em 1860, o famoso geólogo e naturalista Loius Agassiz (Figura 29) já havia provado à comunidade científica, através de sua obra Étude sur les glaciers (traduzido livremente para “Estudo sobre os glaciares”) de 1840, que os glaciares haviam encoberto grande parte da Europa e América do Norte no passado. Entretanto, Agassiz era um dos principais opositores das ideias do naturalista Charles Darwin, fato que o isolou da comunidade científica da época. Foi nesse período que o canadense-americano Charles Frederick Hartt (Figura 29) se tornou estudante e pupilo de Agassiz no, então estabelecido, Museu de Zoologia Comparada de Harvard. Agassiz já havia mostrado interesse no hemisfério Sul quando teve a oportunidade, aos 20 anos de idade, de descrever peixes fósseis brasileiros. Entretanto, sua famosa expedição ao Brasil em 1865, chamada Expedição Thayer, além de motivada pelo estado de saúde já precário de Agassiz, foi motivada pelo seu questionamento e oposição à Seleção Natural de Charles Darwin. Se Agassiz provasse que, assim como no hemisfério Norte, as regiões tropicais brasileiras tivessem sido glaciadas durante o Pleistoceno, tal

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“catástrofe glacial” varreria a vida na Terra, sendo um excelente argumento contra transmutação das espécies proposta por Darwin.

Figura 29 - O suíço Louis Agassiz, autor da teoria das glaciações e o canadense-americano Charles F. Hartt, aluno de Agassiz.

Desta forma, com o apoio do Imperador brasileiro Dom Pedro II, Agassiz fez sua mais importante expedição ao Brasil nos anos de 1865 e 1866, acompanhado por sua esposa e, além de outros cientistas, pelo geólogo F. Hartt, todos a bordo do navio Colorado, que partiu no dia 1° de abril de 1865 de Nova York com destino ao Rio de Janeiro. Agassiz (1868) deixa claro em seu trabalho que, embora a hipótese da glaciação ao redor do globo tenha sido inicialmente desacreditada pela comunidade científica, à época já era consagrada e apenas não se sabia sobre a extensão destas glaciações. Sua viagem ao Amazonas e ao Rio de Janeiro seria apenas mais um capítulo de evidências a serem adicionadas à sua teoria da glaciação. Desta forma, a partir do estudo e suposta presença dos depósitos de origem glacial (drift) observados no Brasil, Agassiz defende ainda a ideia de que as geleiras do hemisfério Sul cobriram todo o país. No Rio de Janeiro, por exemplo, Agassiz descreveu o “evidente” contato destes depósitos glaciais com as rochas do embasamento, principalmente no Corcovado, na estrada D. Pedro II, no Rio Piabanha e na base da escarpa da Serra do Mar. Outra suposta evidência apontada por Agassiz em sua expedição ao Brasil foi a de que os cafezais do Sudeste brasileiro assentam-se quase que perfeitamente sobre os depósitos glaciais (drifts). Isso porque, segundo o naturalista, o material trazido pelas geleiras seria mais rico em nutrientes para as plantas, tornando os depósitos glaciais mais férteis comparados ao solo de original tropical. Para Agassiz, portanto, os depósitos do litoral brasileiro eram inequivocamente de origem glacial, possivelmente gerados nos períodos de inverno cósmico. Ele conseguiu

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ainda especular sobre a vergência destes fluxos de gelo que, de acordo com suas observações, migravam de oeste para leste através dos vales amazônicos, triturando tudo por onde passavam e construindo diques que barrariam a desembocadura das bacias. Na contramão da história, em 1893, o americano John Casper Branner publicou seu trabalho intitulado The Supposed Glaciation of Brazil, no qual explicitamente é contrário à suposta glaciação quaternária no território brasileiro, idealizada erroneamente, segundo o autor, por Agassiz, Hartt e Belt quando em sua expedição ao Brasil. As informações sobre as evidências descritas por Agassiz como provas de que a glaciação quaternária ocorreu no Brasil como forma de geleiras foram naturalmente recebidas com descrença, e após o ocorrido, Agassiz era visto como o glacier-mad. Segundo Branner (1893), já em 1867, James Orton refutou a hipótese de Agassiz quando encontrou fósseis marinhos em Pebas (próximo a Foz do Amazonas). O trabalho de Branner mostra ainda a opinião de diversos autores consagrados que foram contra a glaciação no território brasileiro, entre eles, obviamente, Charles Darwin, George Gardner, Burmeister, Guilherme de Capanema, James Orton, James Mill e Orville Derby. Ainda nesse contexto, em 1992, o físico, matemático e geólogo Willian Brice e a geóloga Silvia Figueirôa publicaram um artigo relativo à importância de como evidências científicas podem ser interpretadas quando uma ideia duramente defendida cria uma preconcepção ou tendência na mente do observador mais intensamente do que ocorreria com outros cientistas, e como essas ideias preconcebidas podem interferir também na visão de terceiros. Nesse contexto, Brice & Figueirôa (1992) esclareceram como Louis Agassiz influenciou as ideias e visões do geólogo Charles Hartt durante esta famosa viagem ao Brasil. Segundo os autores, Agassiz encontrou muitas “evidências” porque em nenhum momento o cientista deu indicação de que esperava encontrar outra explicação para a morfologia tropical senão a origem glacial. Desta forma, Brice & Figueirôa (1992) interpretaram, a partir dos próprios registros de Agassiz, que seus argumentos foram claramente tendenciosos, inclusive sobre as ideias de Hartt que, apenas depois de 1867, quando fez sua viagem sozinho ao Brasil, percebeu que Agassiz estava equivocado quanto à origem glacial das feições observadas dois anos antes. Fato relevante para a discussão se deve às conclusões do brasileiro Guilherme Schüch Capanema (1824-1908) que, em 1866, publicou um trabalho sobre os mesmos

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depósitos estudados por Agassiz no Brasil e atribuiu sua origem ao intemperismo. Mas Agassiz e Hartt não deram muita atenção aos seus argumentos, o que foi um erro crucial para o renomado cientista suíço. Embora inicialmente equivocados, Agassiz e Hartt reconheceram seus erros antes de sua morte. Muito amigo e aluno de Charles Hartt, Branner (1893) afirma que, embora seu professor tivesse sido preparado por Louis Agassiz para ser convencido de que o Brasil foi de fato afetado por geleiras durante as glaciações pleistocênicas, ele estava inclinado ao oposto, e reconheceu alguns anos depois que passou muito pouco tempo no Brasil a ponto de tirar conclusões tão precisas e disse, segundo Branner (1893, p. 755): I wish I had known as much about geology when I wrote that book as I know now. Quanto à Agassiz, sua mudança de opinião sobre a glaciação no Brasil foi reconhecida por seu pupilo N.S. Shaler, que reconheceu a grandiosidade de Agassiz ao perceber a glaciação como um dos mais importantes agentes geológicos. Segundo ele, Agassiz abandonou a ideia da glaciação e seu único erro relativo ao tema, de um modo geral, foi corrigido por suas próprias reflexões sobre o assunto. Ou seja, assim como Hartt, Agassiz morreu após ter mudado completamente seu ponto de vista sobre a suposta glaciação no Brasil, e ambos, por fim, acreditavam que salvo em lugares com grande altitude, as geleiras nunca se estenderam através das regiões intertropicais. Como prova disso, em 1872 Agassiz esteve no Uruguai, e afirmou explicitamente ter abandonado a ideia da glaciação no Brasil, sendo os traços de glaciação de Montevidéo, os mais ao norte do Hemisfério Sul. Além disso, após ter analisado a fundo o Estreito de Magalhães, Agassiz tirou sua última conclusão sobre a glaciação no Hemisfério Sul: “a latitude 37° seria o limite de qualquer glaciação ininterrupta” (Branner, 1893, p.758). Embora nunca tenha ido, de fato, ao Maciço do Itatiaia, Agassiz pretendia explicitamente visitar a Serra da Mantiqueira, como os relatos de sua esposa deixam bem claros quando afirma: “[...] this week I propose to explore the Serra da Mantiqueira, which separetes the province of Rio from Minas, [...]” (AGASSIZ, 1868, p. 88), porém, por razões não conhecidas, não pôde dar continuidade ao projeto e, portanto, opinar sobre a morfologia das terras altas do Itatiaia. Uma pena, visto a relevância dos comentários e informações que Agassiz poderia ter feito relativo ao escopo deste estudo e de outros mais.

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5.2 A origem e evolução da Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia

Embora Loius Agassiz tenha visitado o Brasil em 1865 e observado evidências (embora equivocadas) de uma glaciação pleistocênica no litoral carioca e nas regiões setentrionais do país, o autor nunca chegou a analisar a Serra da Mantiqueira e, portanto, o Itatiaia propriamente dito. A ideia de invocar a presença de geleiras para explicar as feições observadas no alto do MI foi apresentada de forma oficial, pioneiramente, pelo engenheiro brasileiro José Franklin Massena (1838-1877, Figura 30) em 1867, no 1° Folheto do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro intitulado “Quadros da Natureza Tropical ou Ascensão Científica ao Itatiaya, Ponto mais culminante do Brasil”, dedicado ao então Imperador Dom Pedro II. O autor sugere que as grandes modificações no Itatiaia, assim como a grande acumulação de blocos erráticos e arquitetura das rochas é uma resposta à ação glacial, no qual afirma ser impossível que apenas a gravidade seja o fator responsável pela presença de rochas tão grandes num raio de 2 léguas (aproximadamente 8,4 km) do maciço.

Figura 30 - José Franklin Massena, natural de Aiuruoca (MG), primeiro autor a sugerir uma glaciação no Itatiaia ainda em meados do século XIX, apoiado por D. Pedro II. Apesar da originalidade, o autor praticamente não foi reconhecido pelo feito.

No trabalho de Reclus (1900), traduzido para o Barão do Rio Branco, um ano antes do início do século XX, há menção quanto algumas características não apenas do já então famoso Vale do Paraíba, mas também do imponente pico das Agulhas Negras, no alto do MI, considerado o ponto mais alto do Brasil. O autor, menciona as temperaturas abaixo do ponto de congelamento, bem como o que chama de “estrias de neve”, provavelmente fazendo menção aos sulcos verticais ou caneluras que dão nome ao cume.

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No início do século XX, em 1903, o botânico sueco Karl Hjalmar Dusén (1855-1926), ao descrever a flora dos campos de altitude, é o primeiro opositor das ideias de Massena (1867), ao reconhecer as feições geomorfológicas observadas no Itatiaia como resultado do intemperismo químico. O autor percebeu que os blocos e matacões observados nos vales eram trazidos por fluxos de massa sobre as encostas íngremes, que deixavam cicatrizes nas quais a vegetação era completamente devastada por tais eventos súbitos. Dusén (1903) refuta a hipótese da glaciação do Itatiaia afirmando categoricamente que não existe evidência alguma da ação erosiva de geleiras ou qualquer depósito de origem glacial na Mantiqueira, tais como morainas ou blocos erráticos. Portanto, para o autor, não há razão alguma para especular sobre uma suposta glaciação quaternária no alto das Agulhas Negras ou redondezas. Trinta e sete anos depois, em 1940, o renomado geógrafo francês Emanuel De Martonne (1873-1955) publicou o trabalho Problemes Morphologiques du Brésil Tropical Atlantique, traduzido e publicado no Brasil em 1944 para “Problemas Morfológicos do Brasil Tropical Atlântico”, no qual sugere a presença de geleiras pleistocênicas de altitude geradas, dentre outros fatores, pelo rebaixamento de 6 a 7 °C na temperatura média no alto do MI. Tal fato seria suficiente para rebaixar o nível de neves perenes e submeteria o alto do maciço à condições tipicamente glaciais. Nos anos 1940, mais especificamente a partir do trabalho de De Martonne, que claramente tinha muito mais visibilidade acadêmica do que aquele escrito por José Franklin Massena, se iniciou com mais força uma das maiores discussões científicas no que diz respeito à geomorfologia do Maciço do Itatiaia. A “Hipótese da Glaciação”, sugerida por Massena (1867), refutada por Dusén (1903) e reforçada por De Martonne (1940) até aquele momento, foi recebida com entusiasmo por estudiosos brasileiros e estrangeiros, que passaram a visitar a região com mais frequência para opinar sobre as supostas evidências da presença de geleiras de altitude no alto do planalto. Silveira (1942) e Ruellan (1943) reconheceram a contribuição de outros fatores na desagregação das rochas, mas sugerem que a ação de geleiras é indiscutível e indispensável na explicação das feições observadas no planalto. Silveira (1942) chega a interpretar depósitos conglomeráticos das porções mais baixas como tillitos. Domingues (1952), segundo grande opositor da “Hipótese da Glaciação”, apesar de não contestar peremptoriamente, afirma que o Planalto do Itatiaia se encontra bem

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abaixo do limite de neves permanentes, fato que para o autor exclui qualquer possibilidade de ocorrência de geleiras, mesmo que localizadas no alto do maciço. Um ano depois, Rich (1953) embasa seus argumentos a favor da glaciação em feições geomorfológicas de megaescala, dentre elas o famoso vale em forma de “U” observado pelo autor na porção oeste das Agulhas Negras. O alemão Odman (1955), assim como Domingues (1952) e Dusén (1903), foi um dos autores a contestar a suposta ocorrência de geleiras de altitude no Planalto do Itatiaia. Além de argumentar sobre a incompatibilidade altimétrica, o autor defende o intemperismo químico associado à erosão diferencial para explicar as feições topográficas e geomorfológicas presentes no maciço, e afirma que não há evidências de glaciação na região. No ano seguinte, Ab’Saber & Bernardes (1956), King (1956) e Maack (1956) apresentam uma série de aspectos morfológicos a favor da ocorrência de geleiras de altitude no maciço. Dentre as feições mais marcantes encontram-se: os vales em forma de “U”, vales suspensos, rosários de circos glaciais, drenagens desordenadas e os cones de dejeção que teriam se formado através de sistemas flúvio-glaciais nas partes periféricas da escarpa. King (1956) afirma explicitamente: “No Itatiaia apresenta-se uma paisagem modelada pelo gelo pleistocênico”. Entretanto, o seu trabalho, até que se prove o contrário, aborda o tema de forma bastante indireta e baseada apenas em observações superficiais. O ano de 1957 foi muito importante para a evolução da “Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia”, visto que um grupo de geomorfólogos estrangeiros publicou um conjunto de observações sobre o MI após uma excursão realizada um ano antes, guiada pelo professor Aziz Nacib Ab’Saber (1924-2012) durante o 18° Congresso Internacional de Geografia, realizado no Brasil. A partir da análise dos trabalhos supracitados, ficou evidente, entretanto, que nem todos os visitantes aceitaram os argumentos a favor da ocorrência de geleiras apresentados por Ab’Saber, dentre eles Birot (1957), Dresch (1957), Lefevre (1957) e Macar (1957). Estes autores basearam-se, em geral, nos processos intempéricos de origem química, pela água da chuva e física associados à desagregação pelo gelo, para explicar as feições observadas no planalto. Dos autores que foram “convencidos” por Ab’Saber, Brochu (1957), Cailleux (1957), Hamelin & Cailleux (1957), Mortensen (1957) e Raynal (1957) apoiaram-se basicamente no rebaixamento da linha de neve permanente e na presença de feições geomorfológicas associadas à configuração topográfica e a processos criogênicos.

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Em 1960, o geólogo Heinz Ebert (1907-1983) publica um trabalho muito polêmico intitulado “Novas Observações sôbre a Glaciação Pleistocênica da Serra do Itatiaia” no qual, assim como Massena (1867), defende que as geleiras pleistocênicas ocorreram não apenas no alto do Itatiaia como também ao longo dos talvegues até cerca de 8 km à jusante. Para Ebert (1960), as evidências estavam sendo até o ano de sua publicação procuradas no lado errado do maciço, isto porque as encostas meridionais seriam muito desfavoráveis a qualquer tipo de estabelecimento e preservação de fenômenos glaciais strictu sensu, mesmo durante os períodos mais frios do Quaternário. O lado nordeste, por outro lado, possui declividades bem menores, e pluviosidade muito menor do que as vertentes fluminenses. Desta forma, o autor estudou as proximidades da vila de Mauá. Adicionalmente, Ebert (1960) sugeriu um rebaixamento da linha de neve permanente a até 2100m., e introduziu o termo “barro e blocos” no contexto do Itatiaia referindo-se aos depósitos conglomeráticos glaciais de origem mista. Teixeira (1961) apresenta um clássico trabalho relativo a geomorfologia do Planalto do Itatiaia e sua megaestrutura anelar com uma detalhada descrição dos sistemas de drenagens condicionados pela estruturação do maciço. O autor é indiretamente contra a glaciação do Itatiaia, defendendo uma morfologia controlada exclusivamente pela dissecação fluvial condicionada pelo mosaico estrutural da região. Na contramão da história, Barbosa (1962) retoma as ideias de De Martonne (1940) e defende a glaciação do Itatiaia de forma sutilmente agressiva, usando dados sobre a glaciação dos Andes como argumento. O autor, entretanto, descreve de forma elegante os processos erosivos de formação das feições menores de relevo observadas nas rochas alcalinas. Em 1964, Faustino Penalva (Figura 31) aparece como um dos principais opositores da “Hipótese da Glaciação do MI” através de sua tese de doutorado, e em 1974, dez anos mais tarde, publica o trabalho intitulado “Interpretação Morfotectônica do Relevo no Planalto do Itatiaia” que, pelas evidências encontradas, praticamente pôs fim a uma das maiores discussões de cunho geomorfológico e paleoclimático sobre os cumes da Mantiqueira. Antes disso, entretanto, o biólogo Segadas-Vianna (1965) e Christofoletti (1969) descreveram feições que em sua interpretação só poderiam ser atribuídas à atividade de geleiras, tais como circos glaciais, morainas e vales suspensos e em forma de “U”. Bigarella et al. (1969) se opõe à Hipótese da Glaciação atribuindo ao intemperismo químico o modelado do Itatiaia. Para o autor, assim como Odman (1955), as

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feições peculiares foram geradas por flutuações climáticas quaternárias no qual os blocos seriam individualizados por ação profunda do intemperismo químico subordinado ao padrão de diaclasamento das rochas alcalinas do maciço. Posteriormente, sob condições de clima seco correspondente à última época glacial, o material solto teria sido removido. O trabalho de Penalva (1974), como mencionado anteriormente, foi uma espécie de divisor de águas na evolução da Hipótese da Glaciação do MI, isto porque todos os trabalhos posteriores – com exceção de Miano & Pires (1999), que foi considerado um “ponto fora da curva” pela falta de argumentação coerente – apesar de reconhecerem o importante papel da ação do gelo como desagregador das rochas alcalinas, não defendem a ocorrência de geleiras tal qual era proposto pelos autores pioneiros defensores da glaciação. A forma como os trabalhos seguintes passaram a abordar a hipótese de ocorrência de geleiras no Itatiaia se tornou mais cautelosa e ciente de que há muitos outros fatores que condicionam tanto a morfologia do planalto como a ocorrência de geleiras de altitude.

Figura 31 - Faustino Penalva como professor da Universidade de São Paulo. Como principal opositor, seu trabalho foi um divisor de águas na evolução da “Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia”, a partir do qual praticamente todos os trabalhos posteriores admitiram o equívoco da Hipótese da Glaciação.

Modenesi & Melhem (1986), apesar de seu cunho biológico relacionado à palinologia do material turfoso dos charcos do planalto, afirma que nas fases mais frias dos períodos glaciais quaternários o Itatiaia teria estado sob temperaturas mais baixas que as atuais e teria acompanhado, ainda que com menor intensidade, o ritmo da evolução morfogenética regional, comandado pela alternância de sistemas morfoclimáticos ligados a

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condições ambientais subtropicais de altitude, ora úmidas e quentes, ora relativamente mais secas e frias. Neste mesmo viés, Modenesi (1992), assim como Penalva (1964) e Penalva (1974), reconhece que os aspectos gerais do relevo do Itatiaia, inclusive as feições menores, refletem a forte influência estrutural, visto a nitidez das estruturas alinhadas presentes no planalto. Modenesi (1992) reconhece ainda que a originalidade da paisagem do Itatiaia não se deve apenas a fatores litológicos e estruturais, mas também às influências climáticas e morfodinâmicas do acentuado ressalto do planalto, tal qual os processos geocriogênicos de congelamento e degelo. Clapperton (1993) afirma que todas as feições geomorfológicas observadas no MI, tanto deposicionais quanto erosionais, claramente mostram que o maciço do Itatiaia nunca funcionou como um centro de acumulação glacial durante o Quaternário. O autor aponta os processos geocriogênicos, tais quais a solifuxão e a crioclastia, como fundamentais na modelagem do planalto do Itatiaia. O último trabalho que cita e se opõe, mesmo que implicitamente, à hipótese de ocorrência de geleiras de altitude no Itatiaia é Modenesi & Nunes (1998). Os autores reafirmam a prévia ideia relativa aos processos geocriogênicos aos quais o Itatiaia estaria submetido durante o Quaternário, principalmente nas fases mais frias do Pleistoceno. Desta forma, é discutida a hipótese de que, adicionalmente, eventos extremos teriam mediado o regime climático vigente durante tempos pretéritos, tal qual ocorre com o El Niño Oscilação Sul (ENOS) nos dias atuais. Por fim, os trabalhos de Trombotto (2000) e Neto & Filho (2014) têm cunho muito além da discussão da “Hipótese da Glaciação do MI” propriamente dita. O primeiro apenas cita o Itatiaia como local de comprovada ação geocriogênica ao falar de ambiente glaciais e periglaciais da América do Sul, enquanto o segundo verifica a sobreposição de feições morfoestruturais e morfotectônicas – vinculadas à configuração geomorfológica herdada da intrusão alcalina e uma tectônica ativa remontante ao período neotectônico – submetidas ao intemperismo químico. A posição individual característica de cada um dos autores (trabalhos) foi compilada em ordem cronológica no Quadro 1 e associada às cores verde, quando a favor, vermelho, quando contra e amarelo, quando imparcial ou sem opinião sobre a discussão abordada.

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5.3 EVIDÊNCIAS RELATIVAS À GLACIAÇÃO (PRÓ VS. CONTRA)

Foram muitos os argumentos dados pelos autores supracitados para justificar a presença ou a ausência de geleiras de altitude no Maciço do Itatiaia. Este item visa explicitar as principais evidências que sustentaram ou refutaram a “Hipótese da Glaciação” no alto do planalto, bem como as principais feições geomorfológicas supostamente glaciais relacionadas ao MI.

Quadro 1 – Evolução da “Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia” (HGMI) de 1867 (sua origem) até os dias atuais. Para facilitar a compreensão visual, os trabalhos em verde apoiam a HGMI, os vermelhos, refutam, e os amarelos são imparciais ou não comentam sobre a discussão abordada.

Ano Autor Posição frente à HGMI 1867 Massena A favor 1868 Agassiz A favor 1889 Derby Não comenta 1893 Branner Contra 1900 Reclus Não comenta 1903 Dunsén Contra 1936 Lamego Não comenta 1940 De Martonne (primeiro artigo) Não comenta 1940 De Martonne (segundo artigo) A favor 1942 Silveira A favor 1943 De Martonne (primeiro artigo) Não comenta 1943 Ruellan A favor 1944 De Martonne (segundo artigo) A favor 1952 Domingues Contra 1953 Rich A favor 1955 Odman Contra 1956 Ab’Sáber & Bernardes A favor 1956 King A favor 1957 Maack A favor 1956 Brade Não comenta 1957 Birot Contra 1957 Brochu A favor 1957 Dresch Contra 1957 Cailleux A favor 1957 Lefevre Contra 1957 Hamelin & Cailleux A favor 1957 Macar Contra 1957 Mortensen A favor 1957 Raynal A favor 1960 Ebert A favor 45

1961 Teixeira Contra 1962 Barbosa A favor 1964 Penalva Contra 1964 Ribeiro-Filho Imparcial 1965 Segadas-Vianna & Dau A favor 1965 Segadas-Vianna A favor 1969 Christofoletti A favor 1969 Bigarella et al. Contra 1974 Penalva Contra 1976 Climap Não comenta 1986 Modenesi & Melhem Contra 1992 Modenesi Contra 1992 Brice & Figueirôa Não comenta 1993 Clapperton Contra 1993 Modenesi & Toledo Contra 1995 Sylvestre Imparcial 1996 Modenesi & Toledo Contra 1997 Tupinambá et al. Não comenta 1998 Modenesi & Nunes Contra 1999 Miano & Pires A favor 2000 Modenesi Contra 2000 Trombotto Contra 2001 Bueno & Ebert Não comenta 2014 Neto & Filho Contra 2017 Rosa Não comenta

5.3.1 Clima x altitude x latitude

Massena (1867) é o primeiro autor a considerar aspectos físico geográficos para explicar a situação climática do Itatiaia quando presencia a névoa gelada transformar-se em neve e a água em gelo por todo o planalto, com temperaturas de cerca de 2°C nos vales do planalto e até -7°C durante a madrugada. Desta forma, questiona: “...se aqui sucedia isto, que temperatura não seria reinante lá nos altos picos?”. O autor compara inclusive as Agulhas Negras com os Alpes suíços e atribui a formação dos grandes berços d’água no Itatiaia ao resfriamento do ar, à existência de neve e gelo e à grande presença de vapores sujeitos à fraca pressão atmosférica. Além disso, ele explica que a temperatura decresce com a altitude e afastamento do Equador, sendo esta uma das prováveis razões para a presença de neve e gelo durante o inverno. Massena (1867) acrescenta que, durante a existência de gelo, os cumes ficam prateados e as planícies apresentam um tapete cristalino cuja espessura atinge cerca de

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15 cm nas várzeas, espesso o bastante para se patinar sobre o gelo. Pondera, entretanto, que o fenômeno de congelamento é variável segundo o estado atmosférico. Ainda segundo Massena (1867), a solidificação da neve no Itatiaia depende não apenas da latitude, e sim da altitude associada à exposição a certos ventos. O autor registra quantitativamente um enorme desequilíbrio atmosférico na região. Além disso, a Mantiqueira teria maior exposição para o sol do Leste, o que faz com que os ventos soprem como ondas do mar. Assim, o ar mais denso acumulado no alto das Agulhas Negras é constantemente jogado em direção às planícies baixas devido à diferença de densidade. Desta forma, o autor compara as feições observadas nas encostas do Mont Blanc, nos Alpes da França, com o que se observa nas Agulhas Negras. Em seu famoso trabalho, De Martonne (1940) sustenta que no Itatiaia é impossível o estabelecimento de um clima quente visto a diminuição de cerca de 0,67°C a cada 100 m de altitude. O autor reitera que no inverno, temperaturas negativas são muito comuns e que a altitude e os ventos aumentam a evaporação, tornando o clima relativamente seco de maio a setembro. É frequente, entretanto, que a neve cubra os declives das Agulhas Negras por mais de uma semana. O Itatiaia teria, portanto, um clima atípico das regiões tropicais brasileiras, em que não se pode falar de verão, visto que as médias de temperatura para os meses de janeiro e fevereiro não ultrapassam os 11°C. Além disso, De Martonne (1940) sustenta que pode-se contar com a ação de um clima nival, senão glacial, no Quaternário através de um rebaixamento de 6° a 7°C de temperatura, que seria suficiente para a sustentação de geleiras locais no alto do maciço. Por fim, para De Martonne (1940, 1944) a nivação seria o processo relacionado à decomposição dos antigos vales maduros e à profundidade das caneluras. Silveira (1942) reconhece que a presença de gelo é muito comum durante o inverno e que as tempestades e ventos são severos durante qualquer parte do ano. Ruellan (1943) destaca a discrepância de clima entre o planalto e o baixo Paraíba. Domingues (1952) defende que a elevação do MI constituiu uma barreira às massas de ar, carregadas de umidade, que vêm do oceano. Como resultado, a região frequentemente registra um excesso de chuva. O autor também reconhece os efeitos do gelo sobre a morfologia do planalto, afirmando que, devido à grande altitude, a temperatura anual média é baixa, comparada com a da base, caindo em muitos invernos abaixo de 0°C, o que provoca as geadas, e os pequenos lagos e riachos ficam também congelados. A matéria

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orgânica se acumula com o tempo e vai constituir os solos turfosos, próprios das zonas temperadas e frias. Segundo Domingues (1952), no alto do Itatiaia se verifica uma estação seca, bem mais nítida do que nas encostas mais baixas. Domingues (1952) afirma ainda, entretanto, que não se pode atribuir, exclusivamente nas condições atuais, para explicar a topografia com grandes blocos e caneluras, a existência de geleiras, pois, embora seja o planalto bem elevado, está localizado bem abaixo da linha de neve, como mostra a Figura 17. Odman (1955) destaca que, na mesma latitude que o Itatiaia, a linha de neve nos Andes (15° - 20°S) chega a 4.800 m de altitude nos dias atuais. E, durante o último período glacial (glaciação Llanquihue6) chegou há cerca de 4.500 - 4.600 m. Tal fato, mesmo que discutível devido às diferenças de umidade e insolação, tornaria, segundo o autor, a “Hipótese da Glaciação do Itatiaia” difícil de ser sustentada. Ab’Saber & Bernardes (1956) percebem a diversidade de aspectos apresentados não apenas pela vegetação, mas também pela notável organização morfológica, em função da altitude, que reflete as modificações nas condições climáticas, em consequência da diminuição progressiva da temperatura e umidade e acentuação da estação seca. Para Maack (1957), a Pedra do Camelo e as Prateleiras claramente apresentam feições características de ambientes glaciais cuja linha de neve, segundo suas medidas, seria ao redor de 2.350 m de altitude. Para o autor, as geleiras teriam menor alcance nos vales visto a ausência de morainas típicas, entretanto uma cobertura de gelo teria sido provavelmente confinada às áreas altas e nichos de rocha individuais da região dos cumes do alto planalto. Isto seria devido, provavelmente, ao rebaixamento da linha de neve alcançado devido ao alto índice pluviométrico vigente e pela posição frontal do maciço, voltada para o mar, estando mais subordinado às frentes frias. O autor observa ainda que a formação de gelo, mesmo sob o clima atual, é um fenômeno extremamente comum no Itatiaia. Adicionalmente, Maack (1957) reitera que as temperaturas são muito baixas durante todo o ano e as geadas são muito comuns. Assim como De Martonne (1940), especula que as temperaturas médias durante o Pleistocento devem ter sido cerca de 7°C mais baixas do que a atual. Esses valores, segundo o autor, são compatíveis com outros locais em que geleiras de altitude comprovadamente ocorreram durante o Pleistoceno.

6 Glaciação chilena, correspondente a Wurm nos Alpes e Winscosian na América do Norte. 48

Brochu (1957) faz um estudo muito relevante para o escopo deste estudo. Quanto à temperatura, o autor afirma que, na Serra do Mar e Serra da Mantiqueira, o número de passagens pelo ponto de congelamento – que é o dobro do número de geadas (início e fim do fenômeno) – é tão frequente quanto na cidade de Vacaria no RS (chegando a 60 vezes) e, provavelmente, esse valor aumenta em relação à altitude, paralelamente ao número de geadas. Desta forma, o Itatiaia deve ser palco de uma ação periglacial relativamente pronunciada, visto que muitas de suas feições resultam da fragmentação pelo gelo, dentre elas a presença abundante de blocos angulares na base das Agulhas Negras. Segundo Brochu (1957), o agente mais ativo do processo de fragmentação pelo gelo não é um frio intenso, rigoroso ou prolongado, mas a frequência das passagens de temperatura em torno de 0°, em um ambiente úmido como no alto do Itatiaia que recebe em média 2.400 mm de chuva por ano. Quanto à relação da suposta zona periglacial com a latitude, Brochu (1957) notou que esta certamente influencia o limite inferior das ações periglaciais atuais, bem como o limite superior da vegetação arbórea. No que tange à possível existência de geleiras locais no Itatiaia, o autor afirma que, se as glaciações quaternárias têm sido síncronas nos dois hemisférios, não está excluído que os pontos que estão experimentando fenômenos periglaciários no Brasil durante os grandes períodos glaciares quaternários, foram os centros de glaciação regional caracterizados por pequenas geleiras de circos. Utilizando o monte Djurdjura, na Argélia, com cerca de 1.900 m numa latitude 36°30’, cuja glaciação é comprovada, Brochu (1957) insere as seguintes assertivas como argumento a favor da “Hipótese da Glaciação do MI”: 1) a posição do “equador térmico” é deslocada em 5° em relação ao equador verdadeiro, ou seja, o Djurdjura (36° Lat.) está localizado a 31° Lat. N (térmica) e os maciços da Mantiqueira, localizados entre 22° e 23° Lat. S, situam-se entre 27° e 28° Lat. S (térmico), de modo que o Djurdjura e o Itatiaia ocupariam uma situação geograficamente equivalente, com variação de menos de 4°; 2) a abundância de precipitações, combinada com uma temperatura bastante baixa, desempenha um papel primordial no estabelecimento de sistemas glaciais. Enquanto o Djurdjura recebe anualmente de 1.000 a 2.000 mm de chuvas (em invernos), por outro lado as cadeias costeiras tropicais brasileiras recebem chuvas frequentemente superiores a 2.000 mm. É concebível, neste caso que, se o índice de precipitação do

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inverno for atualmente comparável ao do Djurdjura, é provável que o índice de chuvas tenha atingido um valor similar ou maior durante as glaciações do Quaternário e que este índice de precipitação, poderia ter rebaixado o limite da neve (snowline), tornando, portanto, possível a ocorrência de geleiras, de forma apreciável; 3) foram observados traços de geleiras há 2.950 m em 13° Lat. N (na fronteira entre Etiópia e Eritréia, recebendo apenas 500 a 1.000 mm de precipitação anual). Isso tende a provar que mesmo em latitudes bastante baixas, mas em altitudes bastante elevadas, o fator precipitação é determinante para o estabelecimento de climas glaciários. Portanto, a altitude e latitude somadas a essa temperatura (condição determinante para ocorrência glacial) nunca devem ser estudados independentemente dos valores comparativos de precipitação para as regiões supracitadas. Cailleux (1957), contradizendo os argumentos de Odman (1955), lembra que no Itatiaia a pluviosidade é extrema, de modo que a linha de neve (snowline) permanente poderia ser muito mais baixa, especialmente durante eventos de glaciação mais severos. Lefevre (1957) reconhece que, embora a situação geográfica do MI, com quase 3.000 m de altitude, não deva ser um obstáculo para a ação glaciária e que certamente este recebeu grande quantidade de neve durante os períodos glaciais mais frios, esta camada de neve não deve ter sido, entretanto, espessa o suficiente para que seu peso provocasse qualquer tipo de feição glacial típica. Desta forma, seria muito mais aceitável que se encontrasse hoje uma topografia de nivação, ao invés de um modelado glacial stricto sensu. Mortensen (1957), embora não acredite no estabelecimento de uma geleira propriamente dita no alto do Itatiaia, apoia a “Hipótese da Glaciação” pleistocênica na região, porém de forma limitada, no qual a base das Agulhas Negras (por ele chamada de Karst) seria o limite da neve permanente. Assim, o autor chega a propor que a glaciação do Itatiaia seria a consequência de uma glaciação globalmente muito mais severa, ou seja, não a Wurm, mas sim a Riss ou anterior. Tal fato se deve a uma suposta dependência da linha de neve (snowline) em face das graduações térmicas de altitude, o que segundo o autor torna o Itatiaia um lugar meteorologicamente diferenciado. Mortensen (1957) ressalta ainda que a paisagem observada na encosta oriental dos Andes, mesmo que mais alta, tem as mesmas características observadas no Itatiaia, mesmo estando cerca de 1.000 m mais baixo. Ainda comparando o Itatiaia aos Andes, o autor destaca que o limite da vegetação é excessivamente baixo no maciço brasileiro, mesmo com

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uma temperatura média do mês mais quente de fevereiro, com cerca de 14°C, atribuindo isso à resistência das plantas ao frio e ao vento. Para Flint (1957), a altitude do fundo dos circos glaciais marca aproximadamente a linha de neve (snowline) vigente durante a formação de circos glaciais. Entretanto, o autor reforça que esta regra deve ser evitada em áreas cujas feições geomorfológicas são estruturalmente e litologicamente controladas, como é o caso do Itatiaia. Tal informação implica na não relação dos supostos circos glaciais do Itatiaia com a linha de neve, visto que o planalto é intensamente controlado pela litologia e pela atividade tectônica cenozoica. Ebert (1960) sugere que os limites de neve permanente devem ter sido bem mais baixos. Além disso, o autor percebe que devem haver grandes depressões nas zonas climáticas sobre o Itatiaia durante os máximos glaciais pleistocênicos. Fato este evidenciado pela presença de quatro espécies de borboletas e um pierídeo separadas dos Andes e presentes apenas no Itatiaia e na Patagônia, o que seria análogo ao que levou à hipótese da glaciação pleistocênica no hemisfério norte. Barbosa (1962) afirma que, nos Andes, em latitude aproximada ao Itatiaia, houve duas glaciações de idade pleistocênica (Riss e Wurm) que foram responsáveis pela morte dos mamíferos quaternários devido sua intensidade e elevação comprovadamente em cerca de 1.000 m. Portanto, seria mais aceitável a explicação de uma glaciação pleistocênica moderna no Itatiaia do que a incidência de um clima tropical, sem contar o fato de que o intemperismo químico caracteristicamente tropical alcança somente altitudes de até cerca de 2.000 m. Penalva (1964) usa o regime climático do Itatiaia (baseado em dados de Brade, 1956) como argumento contra a “Hipótese da Glaciação do MI”. O autor defende que seria necessário um rebaixamento considerável da temperatura para se alcançar a linha de neve, e que isso seria inviável visto as variações estacionais bem marcadas na região. Além disso, Penalva (1964) se apoia na informação de que os invernos são muito secos e que seria necessária uma inversão no regime de precipitações para explicar qualquer abundância de neve. Quanto à altitude, Penalva (1964) afirma que apenas 80 km2 possuem altitude que se elevam acima dos 2.000 m, e tal área seria insuficiente para sustentar uma glaciação,

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como aquela defendida pelos autores já mencionados. E apenas 10 km2 da área do planalto possui altitude superior a 2.500 m, em pontos isolados. Segundo Segadas-Vianna (1965), glaciações locais não eram raras durante o Pleistoceno e o Itatiaia pode ter sido um desses centros locais, cujo rebaixamento de temperatura em poucos graus já seria suficiente para sustentar a linha de neve permanente que, segundo esta suposição, estaria abaixo da região das terras altas do Itatiaia. Para Penalva (1974), o maior opositor da “Hipótese da Glaciação do MI”, caso a altitude e o clima realmente tivessem permitido a presença de geleiras strito sensu, seus vestígios diretos foram obliterados, embora estes deveriam ter sido conservados, visto o curto período decorrido desde o Pleistoceno. Apesar do cunho biológico de seu trabalho, Modenesi & Malhem (1986) afirmam que nas fases mais frias dos períodos glaciais quaternários o Itatiaia teria estado sob temperaturas de cerca de 4 a 6°C mais baixas que as atuais. A partir de dados palinológicos, os autores verificaram que o planalto do Itatiaia teria acompanhado, ainda que com menor intensidade, o ritmo da evolução morfogenética regional, comandado pela alternância de sistemas morfoclimáticos ligados a condições ambientais subtropicais de altitude, ora úmidas e quentes, ora relativamente mais secas e frias. Posteriormente, Modenesi (1992) reconhece a ubiquidade da formação de cristais aciculares de gelo na superfície úmida do solo, saturado ou não, e crostas de gelo nas poças de água das várzeas do planalto. Segundo o autor, o gelo pode permanecer durante todo o dia quando anteparado em áreas sombrias nas vertentes, e a região registra altos valores de pluviosidade, adicionado ao fato de que a vegetação se ajusta perfeitamente à compartimentação geomorfológica do maciço. Um resfriamento em torno de 4 a 6°C, como afirmado por Climap (1976), permitiria que o planalto do Itatiaia estivesse sujeito às condições comparáveis ao que se observa na Escandinávia, Alasca e Canadá, por exemplo. Entretanto, para Modenesi (1992) esse rebaixamento seria insuficiente para caracterizar ambientes glaciais ou periglaciais com gelo permanente. Clapperton (1993) apoia-se em argumentos e considerações climáticas, dentre elas, a de que a altitude da linha de neve atual nos Andes, em latitude equivalente a do Itatiaia, é de cerca de 5.250 m (em Vilcanota-Quelccaya, Peru), que também recebe precipitação de massas de ar do Atlântico. A depressão da linha de neve média nos Andes tropicais durante o

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último Máximo Glacial não ultrapassou 1.000 m, segundo o autor. Isso significa que apenas áreas acima de 4.000 m de altitude poderiam desenvolver glaciares reais, e que o Itatiaia, com seus cerca de 2.800 m de altitude, sempre esteve abaixo da linha de neve. Como extrapolação, a sobreposição das condições de altitude e latitude do MI nas interpretações relativas aos Andes, por Clapperton (1993), coloca o Planalto do Itatiaia no domínio das atividades geocriogênicas pleistocênicas, embora abaixo do domínio geocriogênico atual, como pode ser observado na Figura 32. O autor completa que a maior parte dos intervalos mais intensos de atividade “periglacial” (geocriogênica) se deram, provavelmente, nos intervalos glaciais do Quaternário nos quais a temperatura pode ter diminuído bastante e as massas de ar vindas do Sul podem ter atingido latitudes médias com muito mais frequência. Por fim, para Modenesi & Nunes (1998), sob um regime de umidade praticamente constante, a principal modificação climática durante o Último Máximo Glacial, foi a queda de temperatura. E os processos geocriogênicos teriam ocorrido a partir da concomitância de condições de temperatura e umidade a partir de um provável limiar que, segundo Clapperton (1993), estaria próximo dos 2.000 m de altitude.

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Figura 32 - Contextualização do MI no domínio climático e geográfico das manifestações geocriogênicos. A imagem (gráfico) mostra a relação entre a temperatura média anual, dos meses de janeiro e julho e a atividade geocriogênica com a latitude e altitude nos Andes. O ponto vermelho representa, portanto, uma extrapolação da condição geográfica e climática ao qual está submetido o alto do MI informando a nítida posição dentro do limite da atividade geocriogênica durante os máximos glaciais pleistocênicos (Clapperton, 1993).

5.3.2 DEPÓSITOS

5.3.2.1 Blocos erráticos

O primeiro registro da presença de blocos erráticos no MI data do século XIX quando Massena (1867), ao descrever sua ascensão ao pico das Agulhas Negras, descreve o que chama de “montões de rochas erráticas” ao redor do Rio Campo Belo. Por outro lado, em 1903, Dusén afirma que os blocos e matacões observados nos vales eram trazidos por fluxos de massas sobre as encostas íngremes que deixavam cicatrizes no qual a vegetação era completamente devastada por tais eventos súbitos. Essas

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rochas sofriam arredondamento gerado pelo desgaste preferencial das arestas nos vales do rio Campo Belo e Aiuruoca e, segundo o autor, não apresentam relação nenhuma com blocos erráticos. Silveira (1942) atribui a presença dos boulders à decomposição. Da mesma forma, Domingues (1952) afirma que a rocha caulinizada é retirada, restando os blocos, que vão constituir o caos dos blocos, que podem ser vistos no planalto. Um dos principais opositores da “Hipótese da Glaciação do MI”, Odman (1955) percebeu que os blocos de grande tamanho (boulders) ocorrem em abundância, mas com o contato fresco em relação às rochas sobre as quais se encontram. Dessa forma, para o autor, parece que não houve nenhum tipo de transporte envolvido em sua gênese. Tal fato, exclui qualquer possibilidade de que estes sejam blocos erráticos. Além disso, o autor percebeu que os sulcos observados nos blocos sobre o fundo dos vales podiam ser observados não somente no seu topo plano, mas também ao redor de seus limites verticais, o que excluiria completamente qualquer possibilidade de origem por abrasão glacial. Ao invés disso, Odman (1955) sugere sua formação através da decomposição química das rochas alcalinas. Para o autor, os blocos e matacões teriam origem a partir da erosão diferencial (Figura 32). Para Ebert (1960), um dos maiores defensores da glaciação, a distribuição dos blocos erráticos de sienito é nitidamente restrita aos talvegues, e aos que possuem as cabeceiras dentro do alto maciço (Rio Preto), ou em suas costas (Rio Marimbondo). Além disso, nenhum bloco de sienito é autóctone, apenas os gnaisses e quartzitos pré-cambrianos. Segundo o autor, a ocorrência dos blocos não se restringe ao percurso atual da água corrente, eles ocupam toda a base dos vales até o flanco dos talvegues, ocorrendo até uma altura bem definida acima da qual não ocorrem sienitos. Essa altura diminui gradativamente ao longo da linha de maior declive da encosta, por onde seguem os cursos d’água. O autor reitera que arredondamento dos blocos erráticos aumenta com o tamanho e que é comum a presença de blocos rachados ao meio, típico de ambientes glaciais. Ebert (1960) foi o principal defensor da ideia de que os blocos isolados são remanescentes de depósitos de “barro e blocos” (boulder clay) que preencheram os vales e depois atacados por erosão que removeu os sedimentos finos. Esses depósitos não possuem estratificação e são muito mal selecionados. É importante destacar que a partir dos depósitos de “barro e blocos”, Ebert (1960) concluiu que a eventual glaciação do Itatiaia não poderia pertencer à última fase do

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glacial pleistocênico, mas sim a uma anterior, provavelmente a penúltima (Riss), muito mais forte inclusive no hemisfério norte do que a última (Wurm). A ideia de que a suposta glaciação do Itatiaia teria de fato ocorrido antes da última grande glaciação já havia sido mencionada antes por Mortensen (1957), embora utilizando a linha de neve permanente como evidência para tal conclusão. Na tentativa de refutar os argumentos inseridos por Odman (1955), Barbosa (1962) afirma que os blocos angulosos e subangulosos são muito mais abundantes do que os matacões subarrendados observados por Odman no planalto do Itatiaia. Sendo assim, a forma arredondada é possivelmente antes devida predominantemente à erosão mecânica das enxurradas, sem a exclusão do fraco intemperismo químico.

Figura 33 - Blocos que estariam in situ segundo Odman (1955) e representariam um processo intenso de intemperismo químico no qual a erosão diferencial se encarregaria de isolar blocos de grandes proporções.

Penalva (1964) critica os blocos erráticos descritos por Ebert (1960) e afirma que eles estão espalhados por todo o planalto, desde o fundo dos vales até o topo das elevações. O autor argumenta contra a glaciação dizendo que, se o "barro a bloco” de Ebert (1960), na região de Mauá, e o tillito de Silveira (1942), nas imediações da cidade de Itatiaia, fossem realmente depósitos de geleiras, o planalto inteiro e as encostas da serra mostrariam evidências indiscutíveis do trabalho erosivo do gelo. Entretanto, não é o que o autor observou no Itatiaia. Modenesi (1992) destaca que blocos e matacões ocorrem in situ (orientados segundo as direções das diáclases) ou como depósitos transportados ao longo das vertentes. Para Clapperton (1993), entretanto, os supostos blocos erráticos são claramente o resultado do intemperismo quando in situ, ou quando caídos, rolados ou ainda movimentados por solifluxão a partir das partes mais altas. Alguns depósitos ocorrem 56

alinhados, sem falar no fato de que nenhum desses blocos apresenta marcas de abrasão causada pelo movimento de geleiras. Quanto ao “barro e blocos” proposto por Ebert (1960) na área do Rio Preto, Clapperton (1993) o reescreve e afirma que o depósito de blocos certamente não é resultado da remoção do material mais fino com consequentes remanescentes sieníticos. Entretanto, o autor reconhece que o depósito contém uma mistura de blocos sieníticos e material gnáissico pré-cambriano, no qual os blocos de gnaisse são comumente menores que os de sienito e estão comumente mais alterados pelo intemperismo. Ainda segundo Clapperton (1993), todos os blocos de sienito são quimicamente frescos e sãos, formando uma população distinta na superfície, fato não observado por Ebert (1960). Desta forma, eles não derivam de um depósito intensamente intemperizado de “barro e blocos”. Para o autor, os argumentos de Ebert (1960) encaixam perfeitamente na descrição de depósitos de corridas de lama e detritos oriundos de uma área de maior precipitação à montante. Adicionalmente, Clapperton (1993) destaca as cicatrizes relativamente recentes de fluxos de massa à montante. Por último, Clapperton (1993) nota que Ebert (1960) não percebeu que os blocos de sienito não estão soterrados, nem parcialmente, pelos colúvios e alúvios, de modo que estes devem ser bem mais recentes do que o suposto por Ebert. Portanto, o autor acredita que, ao invés de uma origem glacial clássica, os depósitos conglomeráticos nos talvegues do planalto originam-se de fluxos de massa holocênicos.

5.3.2.2 Cones de Dejeção

De Martonne (1940) reconhece que a acumulação e a erosão são fenômenos conexos. Entretanto, considera escassa a presença de cones na borda das serras do Mar e da Mantiqueira, e de terraços ao longo dos rios, embora destaque o cone de dejeção do Maromba como feição deposicional marcante do desgaste do relevo do Itatiaia. “Cone de dejeção” é um termo não muito usual na literatura moderna para referência aos depósitos detríticos – em leques – de fluxos gravitacionais que ocorrem comumente em áreas com contrastes de altitude na base das escarpas (Guerra & Guerra, 2008). Por outro lado, Silveira (1942) apoia a “Hipótese da Glaciação do MI” utilizando a presença de um suposto cone de dejeção do Rio Campo Belo como principal argumento. Segundo ele, esse depósito “inteiramente em desordem” teria origem, pelo menos, flúvio-glacial. Quanto ao suposto cone de dejeção de origem flúvio-glacial encontrada no vale

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do Rio Campo Belo, Lamego (1942), da mesma forma, refuta a origem glacial do depósito visto a ausência de qualquer sinal de abrasão intrínseca aos processos glaciais. Domingues (1952) descreve os cones de dejeção atribuindo sua ocorrência à atividade tectônica, particularmente à existência de falhas. Devido a elas o MI teria sido alçado, e em seguida trabalhado violentamente pelos agentes do intemperismo, fornecendo material para a construção dos cones. Ab’Saber & Bernardes (1956) também reconheceram os cones de dejeção com material muito grosso e mal selecionado que, segundo o autor, é constantemente entalhado pelas drenagens presentes na base do MI, em direção à bacia sedimentar de Resende. Para o autor, o cone de dejeção de Itatiaia seria um depósito de piemonte pleistocênico com características flúvio-glaciais marcantes, dentre elas a presença de blocos rochosos e detritos não relacionados de tamanhos variados, inicialmente movidos pelo gelo e posteriormente retrabalhados pelas torrentes de ablação e degelo para o sopé do maciço. Birot (1957) reconhece os cones de dejeção, embora atribua sua gênese aos fluxos de massa e ao intemperismo químico. O autor afirma que o clima do Itatiaia não pode ser seco, visto a grande quantidade de blocos e material intensamente intemperizado como nos cones muito alterados, incluindo sinais de oxidação por óxidos de ferro de cor amarelada e avermelhada nas superfícies. Cailleux (1957) cita a amplitude incomum do cone de dejeção quaternário associado a blocos com pouca seleção, sugerindo depósito flúvio-glacial. Dresch (1957) explica a existência de tais depósitos heterogêneos como de maior energia do ambiente e ausência de vegetação, de modo a possibilitar os fluxos gravitacionais lamosos com energia suficiente para carrear tamanhos diversos de detritos rochosos. Ao contrário do enfatizado por Dusén (1903), Dresch afirma que, apesar das cicatrizes de movimentos de massas presentes nas vertentes, os depósitos de cones facilmente identificáveis na desembocadura dos vales não são recentes. Ao estudar as propriedades geométricas dos seixos oriundos dos cones de dejeção (parte baixa) e da parte alta do Itatiaia, Harmelin & Cailleux (1957) perceberam uma importante discrepância que mostra que os primeiros diferem por ter menor achatamento e maior grau de desgaste. Desta forma, o autor afirma que os altos valores de achatamento dos seixos da parte alta do Itatiaia só são possíveis sob a influência do gelo, refutando a hipótese de desgaste por intemperismo químico.

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Finalmente, para Teixeira (1961) a presença dos cones de dejeção do Rio Campo Belo sobre a bacia de Resende são o resultado do rejuvenescimento devido ao abatimento da porção sul do Itatiaia, de forma que a área de captação deste mesmo rio aumentou significantemente, gerando assim maior competência no transporte de sedimentos mais grossos.

5.3.2.3 Morainas

Silveira (1942) interpretou depósitos conglomeráticos na base das escarpas como supostos tillitos e até menciona a presença de morainas. Da mesma forma, Ruellan (1943) destaca o entulhamento dos vales no qual a sedimentação domina sobre a erosão. Rich (1953) é um dos principais defensores da ocorrência de morainas laterais observadas após o espalhamento dos vales. Posteriormente, Maack (1957) descreveu depósitos que supostamente seriam morainas compostas por blocos de tamanhos desiguais, subcirculares, que teriam sido modeladas provavelmente pela ação do gelo glacial. Segundo Dresch (1957), entretanto, o mar de blocos depositados não apresenta característica de morainas, não há seixos estriados nem mesmo estrias nas vertentes rochosas. Ebert (1960), embora defensor da glaciação, destaca a falta de registro de morainas terminais como resultado do grande potencial erosivo dos córregos atuais nas fozes dos rios Bonito e Pavão. Para Penalva (1964), os ruditos interpretados como tillitos por Silveira (1942) seriam depósitos de tálus gerados na escarpa de falhas tectonicamente ativadas durante a reativação terciária, o mesmo evento que teria formado a Bacia de Resende e abatido o flanco sul da estrutura anelar que cerca o planalto. Segadas-Vianna (1965) observou depressões fechadas por altos, orientadas com certa inclinação e limitadas por depósitos em barras que seriam depósitos clássicos de morainas. Quanto às supostas morainas mencionadas até o fim da década de 1960, Modenesi (1992) discute e descreve a presença de depósitos de material rudítico que estariam relacionados diretamente ao reflexo de reativações tectônicas e variações climáticas quaternárias, mais especificamente pleistoceno-holocênicas. Para a autora, os depósitos suspensos (tálus), concentrações lineares de matacões, depósitos de seixos angulosos e duas

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gerações de colúvios estariam associados também ao resultado de uma diminuição da atividade denudacional nas encostas internas do planalto do Itatiaia, o que teria favorecido o preenchimento das várzeas e depressões saturadas com água, com sedimentos holocênicos relativamente finos e a formação de turfeiras. Além disso, Modenesi (1992) abre a possibilidade de que os depósitos sobre as várzeas sejam leques aluviais gerados pelo retrabalhamento em climas mais quentes de antigos depósitos de tálus.

5.3.2.4 Depósitos e feições geocriogênicas

Dresch (1957), Brochu (1957) e Hamelin & Cailleux (1957) são alguns dos primeiros autores a reconhecerem a importância dos processos geocriogênicos, como a gelificação, no modelado do Itatiaia. Para esses autores, tais processos podem acelerar a esfoliação superficial e a desagregação, também abrindo diaclases, favorecendo a alteração química. Os autores defendem, mesmo que indiretamente, os processos geocriogênicos atuantes no modelado do alto do Itatiaia, nos quais a alternância congelamento-degelo seria o principal fenômeno associado ao modelado do planalto. Segundo Macar (1957), ocorrem depósitos pouco espessos que teriam sido depositados por níveis congelados e solifluxão. O autor não acredita em uma ação periglaciária atual, apenas como registro quaternário, no qual o solo permanecia permanentemente congelado, além de gerar crioclastia. Ou seja, o autor apoiava a geocriogênese pretérita e não uma glaciação stricto sensu. Embora não seja um opositor da hipótese da glaciação, Raynal (1957) reconhece a presença de processos geocriogênicos de solifluxão periglacial relacionada à alternância de congelamento e degelo, no qual descreve seu depósito de forma bem detalhada, sendo este constituído da base para o topo de basicamente três camadas, ou horizontes (Figura 34): • nível sempre maior que 1 m de fragmentos achatados de 30-40 cm de sienito, podendo conter fragmentos maiores em meio a um material desordenadamente mais fino; • poucos decímetros de gravillion (cascalhos longos de alguns centímetros). Nível com gradação inversa e mais terroso para o topo com posição mediana de limonita (laterita);

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• no topo, solo negro de espessura variável.

Figura 34 – Depósito de origem supostamente periglacial descrito por Raynal (1957) evidenciando processos como solifluxão, gelificação e crioturbação.

Embora totalmente contrário a “Hipótese da Glaciação do MI”, Penalva (1964) reconhece a influência de processos geocriogênicos no Planalto e a ocorrência de uma paisagem sub-alpina. O autor destaca o fato de que a água, ao congelar-se durante as noites mais frias, age como um eficiente agente intempérico desagregador das rochas. Assim, não seria necessária a concepção da presença de geleiras como agentes de erosão, transporte e sedimentação para explicar as formas de relevo hoje observadas no Itatiaia. Bigarella et al. (1969) sugeriram a semelhança do mar de blocos do Itatiaia com felsenmeer que, posteriormente, foi relacionado aos processos de crioclastia. Modenesi (1992) explica que os depósitos de tálus-cones e as concentrações lineares de blocos são resultado da ação pretérita de processos de clima frio e úmido, com ciclos de congelamento e degelo mais numerosos e mais longos. Os blocos menores e mais alterados da base dos depósitos seriam o resultado da solifluxão desencadeada em condições mais frias e úmidas ou até mais quentes com corridas de lama, posteriormente expostos ao escoamento superficial. O depósito de seixos seria um scree formado em climas frios através do congelamento e degelo. Ainda para Modenesi (1992), ciclos de congelamento e degelo seriam os responsáveis pela gelivação, em que a ação direta dos cristais de gelo em superfície seria complementada pelo efeito indireto dos ciclos de congelamento e degelo da água nos poros e 61

fissuras da rocha – conhecido por hydrofracturing – importante em profundidade e capaz de separar grandes massas rochosas. Além disso, segundo a autora, o alívio de tensões e pressão de água contribuiriam significativamente para desagregação de massas maiores de rochas, somado ao fato de que as condições especiais de umidade no planalto favorecem o intemperismo químico, como já observado por diversos autores. Para Clapperton (1993), embora evidências diretas de solifluxão geocriogênica sejam nítidas, três grupos de características presentes no Planalto do Itatiaia são mais logicamente explicadas por processos geocriogênicos genuinamente mais intensos. São estes, as rochas nuas expostas, o alinhamento de blocos e depósitos geocriogênicos. Quanto à típica exposição das rochas, esta poderia ser explicada pela diferença litológica, quando comparado ao vegetado planalto de Campos do Jordão, 1000 m mais baixo a sudoeste do Itatiaia; entretanto, Clapperton (1993) especula que pode ter existido um limiar de altitude, ao redor de 2.000 m, para a intensa influência da atividade geocriogênica, o que explicaria tamanha concentração dessas feições acima de tal altitude. Com relação aos blocos alinhados, muitos deles são depósitos de tálus (scree- like deposits) formados na base das encostas, que se misturam aos afloramentos de rocha nua, tal qual ocorre nas Agulhas Negras e Prateleiras. As acumulações de grandes blocos nos talvegues, entretanto, foram interpretadas por Clapperton (1993) como uma combinação de solifluxão geocriogênica e processos coluviais que teriam ocorrido durante os intervalos glaciais do Quaternário. O último grupo de características está relacionado, segundo o autor, à presença de camadas de 1-2 m de sedimentos pedregosos na parte baixa dos vales rasos. Estes têm granulometria grossa com clastos angulosos em média de 50 cm e até maiores, mergulhado numa matriz silto-arenosa. Clapperton (1993) exalta a presença de clastos de sienito em forma de lâmina com vergência (orientação) em direção às partes baixas. O autor interpretou tais características como típicas de depósitos conglomeráticos formados por solifluxão geocriogênica, concordando com Modenesi (1992). Modenesi & Toledo (1993) reconhecem uma tendência geral laterítica nos materiais de alteração in situ e nos colúvios. As autoras afirmam que mudanças ambientais são indiscutíveis na gênese do relevo do Itatiaia. A presença de climas úmidos mais estáveis seria favorável à alteração do regolito. Por outro lado, a posterior mudança para climas com maior intensificação de chuvas possibilitaria eventuais corridas de massa que teriam formado

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depósitos mais heterogêneos. As autoras afirmam, ainda, que nos últimos 8.000 anos, condições úmidas, porém com maiores oscilações de temperatura, incluindo fases com maior intensificação de processos geocriogênicos, teriam sido responsáveis pela formação dos depósitos conglomeráticos do alto do planalto. Da mesma forma, Modenesi & Nunes (1998) afirmam que, durante as fases mais frias do Pleistoceno, temperaturas relativamente mais baixas permitiram a incidência de processos geocriogênicos no planalto, cuja manifestação foi refletida através dos depósitos de natureza conglomerática, dentre eles tálus, stone streams (concentrações lineares de blocos e matacões), depósitos de seixos achatados com matriz e acamamento incipiente, blocos soterrados e depósitos de pequenos clastos angulosos imersos em matriz coluvial. Os autores descrevem esses depósitos, de uma forma geral, e concordando com Clapperton (1993), como uma ação combinada de processos gravitacionais e processos de clima frio e úmido, particularmente eficientes na desagregação de detritos grossos. Miano & Pires (1999), de forma extemporânea e sem qualquer embasamento para especular sobre questões relativas à glaciação, atribuem a formação dos supostos depósitos de barro e blocos ao transporte por solifluxão periglacial, típico de ambientes frios onde a criogênese atua como processo relevante. Por fim, Trombotto (2000) discorre sobre a ocorrência de processos geocriogênicos no Planalto do Itatiaia destacando sua extrema importância, visto que essa região pode representar o limite paleoclimático mais setentrional dos fenômenos criogênicos fora dos Andes.

5.3.3 Forma dos vales e vertentes

De Martonne (1940, 1944) é o primeiro a sugerir a presença de vales suspensos em degraus, associados aos incontáveis blocos caoticamente distribuídos e o rosário de circos de fundo pantanoso onde nascem os rios Preto e Aiuruoca. Para o autor, o processo de nivação poderia também explicar estas feições e completa afirmando que uma geleira de alguns quilômetros quadrados seria suficiente para explicar os vales suspensos, o encarneiramento das feições residuais e os circos da vertente norte do Itatiaia. Silveira (1942), da mesma forma, é o primeiro autor a observar uma suposta dissimetria (ou assimetria) que existe na evolução topográfica do Itatiaia. Esta seria

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caracterizada pela maior presença de movimentos de massa na face norte, que está mais exposta à insolação, enquanto na face sul se observa maior decomposição in situ. Tal fato, segundo o autor, pode ser percebido através de solos arenosos e completamente secos nas baixadas adjacentes à face norte enquanto que, nas baixadas protegidas da insolação (sul), encontram-se terrenos argilosos que conservam a umidade mesmo após dias sem chuva. O mesmo autor descreve formas peculiares de supostas soleiras, vales suspensos, escarpas verticais associadas aos vales em forma de auge (vale em ‘U’) e aspectos de campos de gelo, fato duramente criticado por Lamego (1942). Da mesma forma, Ruellan (1943) e Rich (1953) descrevem as mesmas feições em megaescala (Figura 35). Ab’Saber & Bernardes (1956) reconhecem a Serra da Mantiqueira como um notável acidente dissimétrico ligado à origem do Vale do Paraíba. Na face sul do Itatiaia, que compreende grande parte da estrutura anelar descrita no Capítulo 2, os autores reconhecem a ruptura do relevo marcado pela quebra da declividade, o que corresponderia aos supostos vales suspensos. Ainda segundo Ab’Saber & Bernardes (1956), ocorre no MI um padrão de feições como circos interligados e deprimidos por erosão e intemperismo atuais, assim como ocorrem em cadeias mais altas que o Itatiaia. Esse padrão seria típico de clássicos nichos de glaciação abandonados pelas geleiras e hoje susceptíveis às mais diversas condições climáticas. Cailleux (1957), assim como Ab’Saber & Bernardes (1956), descreve o encaixe de vales em forma de “V” embutidos sobre vales em forma de “U” pretéritos.

Figura 35 - Suposto vale glacial em forma de 'U' observado por Rich (1953) na porção norte das Agulhas Negras.

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King (1956) comenta muito superficialmente sobre supostos circos glaciais no alto do Itatiaia (Figura 36). Maack (1957) reconheceu e esboçou desenhos dos supostos vales planos e íngremes em forma de “U”, além de feições em cristas circulares com baixadas profundas e pantanosas (Figura 37). Já Birot (1957) nega a já mencionada dissimetria e, no que tange a presença de vales suspensos, por outro lado, o autor atribui sua formação à tectônica e não à ação do gelo. Brochu (1957) comprova a existência de um pequeno lago orientado E-O no fundo de uma sela baixa localizada sob o cume de Agulhas Negras a altitude de cerca de 2.300 m, paralelo à cadeia da Serra da Mantiqueira, isto é, na posição ideal para uma possível acumulação de neve e, portanto, um pequeno circo glacial antigo. Lefevre (1957) discorre sobre a sucessão de cristas convexas escalonadas em degraus nas baixas altitudes e vertentes profundamente dissecadas em patamares de interflúvios nas altitudes mais elevadas. Na ausência de material cartográfico apropriado, o autor atém suas especulações às posições pretéritas mantidas por outros autores em que as superfícies de erosão estariam marcando níveis escalonados (pediplanos) com morros convexos de forma gradual. Entretanto, questiona se sua origem não poderia ser atribuída à tectônica, ao invés de uma glaciação.

Figura 36 - Para o renomado King (1956), esta imagem mostraria a borda (setas pretas) de um suposto circo glacial com um lago (tarn, seta amarela) no alto do Itatiaia.

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Figura 37 – Vales e feições em megaescala observadas e descritas por Maack (1957), com destaque para o vale do Rio Campo Belo e para a Pedra do Camelo (modificado de Maack, 1957).

Por outro lado, Lefevre (1957) questiona a “abertura” dos vales baixos como sendo o resultado de um outro clima pretérito vigente, que poderia ser glacial. O autor nega a glaciação, entretanto Macar (1957) reconheceu vales suspensos e alguns vales que lembram as formas em “U”, embora negue a glaciação do Itatiaia propriamente dita. Raynal (1957) reconhece alguns vales suspensos separados por interflúvios escalonados no relevo. No meio destes acidentes topográficos forma-se uma rede de nichos e circos, feições que o autor atribuiu a uma gênese glacial, posteriormente entalhada sob clima tropical úmido. Para Ebert (1960) as formas côncavas e picos estreitos, jamais podem ser explicadas pelo clima atual vigente. Da mesma forma, para o autor, os vales em “V” recentes recortam antigos vales em “U”, característicos de ambientes glaciais (Figura 38).

Figura 38 - Evolução de um vale em 'U' para um vale em 'V' segundo Ebert (1960). Este exemplo em particular se trata do vale do Rio Preto na vertente norte do Maciço do Itatiaia que, segundo o autor, guarda muito mais feições e evidências glaciais do que a vertente sul. Ebert explica que a evolução (1 → 4) e destruição de um vale genuinamente glacial, no Itatiaia, teria ocorrido devido ao clima tropical. 66

De acordo com Teixeira (1961), indiretamente contra a hipótese da glaciação, os supostos “circos glaciais” são apenas feições registradas como resultado da dissecação de diques anelares menores e menos espessos, paralelos ao grande dique externo, geradas pelos rios consequentes formando pequenas bacias internas, como ocorre à norte das Agulhas Negras. Dentre os defensores da glaciação, Barbosa (1962) descreve não só a presença de vales em forma de “U” como também de vales suspensos e circos glaciais associados a uma grande multiplicidade de domos, aspecto cujo autor afirma ser análogo ao observado em Yosemite e nos Pirineus. Outro aspecto observado foi a presença de “piscinas” fechadas por todos os lados por matacões e rochas in situ, formadas por processo de nivação posterior à glaciação. Desta forma, o autor consente com a “Hipótese da Glaciação do MI”, atribuindo ainda falta de experiência aos cientistas brasileiros quanto aos estudos e caracterizações de ambientes glaciais. Penalva (1964) afirma que não existem formas erosivas típicas de regiões onde geleiras atuaram como processo de denudação principal. Segundo sua observação, “sucessões de lagoas são raras e essas não se dispõem em degraus dentro de um vale em U”. Ele opina categoricamente que esse tipo de vale não existe, e só com muito boa vontade pode ser “identificado” em alguns lugares. O autor afirma ainda que, devido à inconsistência dimensional, as várzeas dos rios Aiuruoca e Preto jamais poderiam ter sido circos glaciais. Segadas-Vianna (1965) observou depressões fechadas por altos que ocorreriam em degraus alimentando um característico vale em “U”, como o vale dos Lírios e das Flores. Circos glaciais, segundo o autor, também ocorrem com frequência, tal como observado na Vargem do Aiuruoca. Para Penalva (1974), são fracos, desconexos e, por vezes, absurdos os argumentos usados pelos autores defensores da glaciação tal qual sugerem no Itatiaia, dentre eles os tillitos, circos glaciais e vales em forma de “U”. No que tange os vales, segundo Clapperton (1993), estes não são profundos o suficiente para serem considerados em forma de “U”, tais quais ocorrem na Escandinávia e Yosemite, por exemplo. Além disso, nenhum circo glacial ou áreas que tipificam áreas marginais de glaciação foram encontradas.

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Miano & Pires (1999) comentam de forma expositiva, porém sem embasamento nenhum, sobre os vales em forma de “U” e vales suspensos relacionados à supostos circos glaciais. Quanto aos circos “glaciais”, de acordo com Flint (1957), a nivação (ou processo de escavação de circos) está relacionada à desagregação física e retirada de massa por processos de solifluxão e creep sob acumulações de neve e firn que têm um papel passivo como reservatórios de água mudando repetidamente de estado físico. Entretanto, se a acumulação se torna grande o suficiente para induzir o fluxo, a camada de firn se torna uma geleira e a partir daí a erosão glacial contribui para a posterior evolução do circo previamente formado. Sendo assim, para o autor, os circos são feições erosivas não exclusivas da erosão glacial. Esta afirmação permite afirmar que a suposta presença de circos glaciais no Itatiaia não assegura a ocorrência de geleiras de altitude, como suportado e descrito pela maioria dos autores que defenderam a “Hipótese da Glaciação do MI”.

5.3.4 Padrão de drenagem

Ab’Saber & Bernardes (1956) são os primeiros autores a reconhecerem um padrão desordenado (disordered drainage pattern) das drenagens de cabeceira supostamente condicionadas pela interferência de uma glaciação de altitude, moderada e localizada, típica de ambiente pós-glacial. Cailleux (1957) segue a mesma linha de argumentação mencionando, entretanto, ambientes montanos pós-glaciais. Por outro lado, Modenesi (1992) interpreta a direção principal do córrego Ribeirão das Flores como compatível à direção W-WNW e, assim como Neto & Filho (2014), argumenta que o escoamento indeciso de algumas drenagens seriam um forte indicativo do tectonismo recente, o que seria um argumento que refutaria a hipótese da glaciação.

5.3.5 Feições erosivas em mesoescala

Segundo Dusén (1903), a evidência mais forte da ação do intemperismo e erosão no Itatiaia e, portanto, contrária à “Hipótese da Glaciação do MI”, é a presença de incontáveis sulcos que frequentemente cortam as rochas mais altas e mais íngremes, sendo estes sulcos fundos e largos o suficiente para esconder um homem. Segundo o autor, é

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impossível não atribuir a presença dessas feições à ação das chuvas, visto que, os sulcos estão sempre orientados na direção da maior inclinação de qualquer encosta onde estejam. Além disso, Dusén (1903) descreve a presença de marmites de géants ou marmitas como feições típicas da dissolução causada pelo fluxo de água da chuva quando canalizado e, posteriormente, barrado por porções mais resistentes da rocha. Para De Martonne (1940), a profundidade das caneluras poderia estar associada também aos processos de nivação no planalto. Silveira (1942) atribui a formação das “caneluras” e as “marmitas” à ação intempérica das águas da chuva e dos rios que tomam forma torrencial. Segundo o autor, a ação térmica contribui para a formação dos sulcos a partir da geração de diáclases, que são muito comuns. Entretanto, Silveira (1942) contrapõe afirmando que não são as formas fluviais que dominam o cenário regional, sendo necessária a presença de outros fatores para explicar o modelado, neste caso a glaciação. Ruelan (1943) claramente defende a glaciação no alto do Itatiaia a partir da observação e constatação de roches moutonnées e destaca as caneluras como resultado das diáclases (que foram apagadas pela erosão) associadas ao escoamento superficial da água. Segundo o autor, todas as paredes da rocha estão cortadas pelas caneluras que podem atingir 1 m de profundidade perpendicular à superfície, e no topo de cada canelura existe uma depressão cheia de água (alvéolo) no qual deu início à canelura. Para o autor, o resultado de todos os agentes erosivos formaria feições conhecidas como lapiès, que seriam basicamente o resultado da fácil desagregação do sienito através da hidratação dos feldspatos e posterior erosão. Domingues (1952) afirma que as caneluras e as pequenas depressões (alvéolos) resultam da dissolução do sienito devido a água da chuva. Segundo o autor, a superfície das rochas encontra-se quase sempre coberta de líquens e a água que escorre traz dissolvida ácidos orgânicos que contribuem muito para o intemperismo. Outra prova da forte ação da decomposição química é o grande número de alvéolos existentes na superfície das rochas, onde se dá a verdadeira dissolução das alcalinas. O mesmo se observa na formação das caneluras. Isto se verifica em função da constituição da própria rocha e com o auxílio de vegetais inferiores, ressaltando entre eles os líquens. Rich (1953) menciona a presença de matacões escavados por torrentes glaciais e ainda seleciona evidências fotográficas na tentativa de comparar feições erosivas geradas por

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intemperismo diferencial ou torrentes glaciais. O autor afirma ainda que as flutuações glaciais se dispõem essencialmente em superfícies horizontais suaves marcadas pela água correndo sobre elas, mas que não há ranhuras profundas. O autor não deixa de destacar que os supostos alvéolos se restringem aos matacões alojados na base (porções mais baixas) dos vales, o que sugere uma gênese glacial formada durante torrentes repentinas após a desobstrução de corpos d’água. Para Rich (1953), uma forte evidência da possível glaciação seria o polimento das rochas ao redor dos vales que estariam cobertas por gelo em movimento. Em contrapartida, as partes mais altas das Agulhas Negras não estão polidas, sugerindo que essa porção não estaria coberta de gelo em movimento. Odman (1955) também discute a presença de potholes. Enquanto Rich (1953) atribui sua existência à ação turbilhonar dos fluxos de degelo, De Martonne (1940) explica sua existência através da decomposição química, ponto de vista defendido por Odman (1955). Maack (1957), embora defensor da glaciação, percebeu a forte influência das chuvas na formação das caneluras verticais (chamadas pelo autor de “ravinas”) e profundas sobre a rocha nua ao longo das linhas estruturais e fissuras do nefelina-sienito. Birot (1957), opositor da hipótese da glaciação, afirma que não é observada a polidez tipicamente esperada para uma superfície glacial topograficamente confinada em bacias, como ocorre no MI. Para Hamelin & Cailleux (1957), nos cumes a amplitude térmica diária é muito maior que a variação anual e a alternância gelo-chuva contribuiria muito para a dimensão e formação das caneluras. Lefevre (1957) nega a presença de fatores-chave para a conclusão da hipótese da glaciação, ou seja, o autor não encontra testemunhos de um ataque direto pelo gelo, nem estrias glaciais, nem rochas acarneiradas (moutonnées), nem os clássicos circos. Quanto às caneluras (ou o que chama de lapiés), o autor questiona a origem dos filetes de água que desgastam a rocha nitidamente de cima para baixo e atribui sua possível origem à fusão da neve que se acumularia nos cumes. Desta forma, o autor percebe que nos topos sub- horizontais das superfícies altas existem cúpulas de decomposição química (marmitas), observadas também nos blocos caídos. Assim, o derretimento da neve seria o responsável por este microrelevo abundante nas partes altas do Itatiaia, no qual parte da água acumulada escoaria pela periferia das pequenas depressões dando início à canelura que, com o tempo, se

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acentuaria. O autor nota ainda que as vertentes orientadas para o Atlântico, que recebem maior quantidade de chuvas, apresentam maior densidade de caneluras do que as faces opostas. Macar (1957) atribui às caneluras uma origem relacionada ao intemperismo químico pela água da chuva, talvez auxiliado pela presença de líquens que “enriqueceriam” a água temporariamente retida com ácidos húmicos. O gradual escoamento dessa água através da face das rochas gera a dissolução através do caminho da água. Raynal (1957) comenta sobre a importância dos líquens que “colonizam” as “poças” (marmitas) formadas sobre as superfícies sub-horizontais dos grandes blocos de rochas nuas no alto do Maciço. E, de alguma forma, essas formas de vida podem fornecer material químico que catalisa as reações de decomposição química dos sienitos durante o inverno. Além de defender a presença de feições acarneiradas (roches moutonnées), no que tange a gênese das caneluras e alvéolos, Barbosa (1962) apresenta uma explicação alternativa para a formação destas feições, embasada na dureza dos minerais. Para o autor, sua formação deve-se exclusivamente à ação mecânica das chuvas e enxurradas dela decorrentes. O quartzo do nordmarkito, desagregado e movimentado segundo a linha de maior declividade, gasta os minerais mais moles da rocha (anortoclásio, biotita, anfibólio e titanita), os quais na superfície encontram-se levemente hidratados por incipiente meteorização química. Assim como para Ebert (1960), para Segadas-Vianna (1965) a ausência de estrias e outras feições que acabariam com a polêmica “Hipótese da Glaciação do Itatiaia” se deve à incrível susceptibilidade das rochas alcalinas ao intemperismo químico e erosão. Segadas-Vianna (1965) reconhece ainda o efeito da erosão no alto do Itatiaia sobre os blocos e a rocha nua dado através das caneluras que, segundo suas descrições podem alcançar até 25 cm de diâmetro e, quanto à natureza do intemperismo que gera tais feições, Segadas-Vianna (1968) é categórico ao afirmar que a “erosão” observada é de natureza química. As feições erosivas, tais quais caneluras e marmitas, são explicadas por Segadas-Vianna (1965) através do alto poder oxidante da água, que reage com o ferro das rochas cristalinas causando sua desagregação. A água, rica em ácidos carbônico e nítrico, penetra pelas microfissuras e diáclases das rochas dissolvendo os feldspatos e feldspatóides. Além da porção carreada em dissolução na água, outra parte é hidratada e lavada em suspensão ou em forma coloidal. Desta forma, as pequenas alvéolos e concavidades (marmitas) são gradualmente formados na rocha.

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Ainda segundo Segadas-Vianna (1965), durante as estações frias e secas, as depressões das rochas são “colonizadas” por líquens que se estabelecem sobre o fino solo formado por partículas desagregadas de rochas que não foram carreadas pela água, ou outro agente de erosão. De acordo com esse autor, “Os ácidos orgânicos então produzidos pelos líquens têm papel fundamental no aprofundamento e alargamento dessas depressões formadas sobre as rochas. Com os seguintes ciclos de estações secas e úmidas, as depressões se alargam até que sua borda se rompa, como o dreno de uma barragem”. A partir de então, a água passa a escoar sempre por este caminho de mais fácil transposição, fato que consolida gradualmente a formação das caneluras. Como prova disso, Segadas-Vianna (1965) observa que, acima de cada uma das caneluras há uma depressão ao qual o autor prefere chamar “alvéolo”, ao invés de pothole, termo que, segundo ele, sugere apenas o resultado de desgaste mecânico, usado por outros autores. Para Modenesi (1992), as caneluras distribuem-se sobre os sistemas de diaclases. Sobre rochas pouco diaclasadas, as cristas têm aspecto maciço com bordas arredondadas e seção convexa, caso contrário, tem aspecto caótico. Clapperton (1993) explicita que, embora a superfície do planalto seja caracterizada por rocha nua cujas feições lembrem superfícies mamilonares previamente glaciadas, não há qualquer evidência de processos glacias que atuaram no passado. Não há estrias glaciais ou superfícies de abrasão que, assim como na Escandinávia e Escócia, sobrevivem a processos intempéricos posteriores. Quanto às rochas que lembram supostos rochês moutonnées do Itatiaia, estas feições coincidem com a estrutura anelar que limita o planalto (Teixeira, 1961; Penalva 1964); entretanto, ocorrem na vertente voltada para o dentro da bacia interna, fato que não ocorre com verdadeiras roches moutonées, que são formados pelas geleiras que descem pela face voltada para a vertente externa do maciço (Clapperton, 1993).

5.3.6 Mosaico estrutural e diaclasamento

Já em 1905, o botânico Dusén notou que paredões de rocha alcalina apresentavam muitas rachaduras e estavam em ruínas, fato que gerava vulnerabilidade ao maciço, principalmente na sua parte superior, mais exposta à ação do clima.

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De Martonne (1940) propõe que as marmitas e caneluras muitas vezes parecem seguir as diaclases normais da megaestrutura. Silveira (1942) afirma que a ação fluvial associada às estruturas mais antigas é em grande parte responsável pelo modelado observado, e que sua violência pode ser explicada pelo estado de juventude e pela posição próxima, mas muito baixa, do nível de base. Domingues (1952) defende que nos cortes da estrada de rodagem pode-se ver o papel ativo que têm as juntas que cortam as rochas alcalinas. A desagregação mais rápida das rochas é facilitada pelo grande número de fendas. Ab’Saber & Bernardes (1956) reconhecem que as caneluras parecem frequentemente orientadas por diaclases. Birot (1957) deixa clara sua posição diante da “Hipótese da Glaciação do Itatiaia” ao comentar sobre a alta sensibilidade dos contornos do relevo residual ao diaclasamento, que por sua vez relaciona-se às caneluras formadas por dissolução química segundo os planos de maior declive. Para o autor, o intemperismo químico atuando sobre um sistema complexo de diaclases com vergência para SW é o principal fator modelador do relevo do MI. Macar (1957) reconhece a importância do padrão de diaclasamento das rochas no MI quando associado ao intemperismo químico, no qual funcionam como caminho para a água. São descritas duas famílias de fraturas quase perpendiculares, uma pouco inclinada e outra quase vertical. A rocha apresenta-se muitas vezes completamente decomposta entre duas paredes subverticais adjacentes. Diferentemente do defendido por muitos autores, Barbosa (1962) afirma ser independente a relação entre as caneluras e as diaclases, fato que exclui completamente a intervenção do intemperismo químico em sua formação. Quanto às marmitas, estas ocorrem às vezes no cruzamento de duas diaclases, outras não. Penalva (1964) usa, com convicção, a importância dos fenômenos tectônicos para explicar as características geomorfológicas e fisiográficas da região do Itatiaia. Assim, a erosão, auxiliada pelo intemperismo físico e químico, teria modelado o relevo, seguindo as condições impostas pelos elementos estruturais. O autor explica que o diaclasamento característico das rochas alcalinas favorece o aparecimento dos incontáveis blocos de dimensões variadas espalhados por todo o planalto. E que as direções preferenciais das diaclases interferem na formação de feições em menor escala, como acamamentos, degraus e soleiras.

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Assim como Bigarella et al. (1969), para Penalva (1974) os elementos da geologia estrutural, dentre estes os múltiplos falhamentos e diáclases, explicam com muito mais propriedade a topografia, drenagem e outras feições observadas no planalto, quando associados ao intemperismo físico e químico (Figura 39).

Figura 39 - Sistema de diaclasamento vertical e horizontal gerando matacões com arredondamento in situ (Penalva, 1974).

Assim como Penalva (1964, 1974), Modenesi (1992) reconhece que os aspectos gerais do relevo do Itatiaia, inclusive as feições menores, refletem forte influência estrutural visto que seriam particularmente nítidas as direções preferenciais e persistentes dos elementos morfoestruturais. Como evidências, o autor afirma que as vertentes, afloramentos, caneluras e canais pluviais de cabeceira de drenagem seguem a orientação dos sistemas de fraturas das rochas alcalinas. Modenesi (1992) afirma que sucessivas reativações tectônicas podem ser possíveis desestabilizadores das encostas, o que geraria os depósitos descritos pela autora. Em 1999, Miano & Pires destacaram o diaclasamento das rochas alcalinas como facilitador do intemperismo, produzindo outros aspectos morfológicos marcantes, como as intrigantes caneluras originadas por dissolução das fissuras orientadas E-W. Neto & Filho (2014) destacam, por último, o desnivelamento de superfícies associado aos soerguimentos diferenciais ao longo de zonas de cisalhamento, ao abatimento de blocos e desalinhamento de cristas, à presença de vales altimontanos com formação de

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planícies alveolares e à exposição de materiais residuais de canal fluvial acima do talvegue atual. Desta forma, os autores verificaram a sobreposição de feições morfoestruturais e morfotectônicas vinculadas a uma configuração geomorfológica herdada da intrusão cretáceo- paleocênica e uma tectônica ativa que remete ao período neotectônico evidente na paisagem do Itatiaia, submetida ao intemperismo químico.

5.3.7 Tempestades elétricas

Embora não estabeleça relação entre as tempestades elétricas e a dissolução das rochas alcalinas do MI, Massena (1867) reconhece que a eletricidade atmosférica na região do planalto tem uma ação poderosa no clima. O autor comenta sobre as nuvens negras que frequentemente descarregam sua energia sobre os cumes altos da Mantiqueira e traça relações destas com os electrômetros e magnetômetros utilizados em suas mensurações. Ao mesmo tempo que claramente defende a glaciação quaternária do Itatiaia, Massena (1867) fornece evidências para a ideia apoiada por Segadas-Viana (1965), na qual o Itatiaia atrai fortemente as tempestades elétricas que, por sua vez, contribuem para a decomposição e alteração mineral das rochas, ou seja, o autor reconhece, mesmo que indiretamente, o intemperismo químico como importante influência na geomorfologia do Itatiaia. Para alguns grupos de rochas estudadas no alto do Itatiaia, Hamelin & Cailleux (1957) perceberam superfícies vítreas que encobrem a rocha sã. Tal fato foi atribuído a uma provável fusão superficial repentina. Atribuiu-se o aspecto e fendilhamento à ação direta de descargas elétricas atmosféricas. Segundo estes, em 1956, o Sr. Wanderbilt de Barros, então diretor do Parque Nacional do Itatiaia, mostrou um bloco de cerca de 3 m partido ao meio por um raio diante dos olhos dos operários que lá trabalhavam. Entretanto, os autores não atribuíram esta causa como relevante e larga escala. Segundo Segadas-Vianna & Dau (1965), a região das terras altas superiores do Itatiaia é caracterizada pela violência e grande intensidade das tempestades elétricas, principalmente durante o verão; consequentemente, a água da chuva deve ser rica em ácido nítrico no alto do Itatiaia. O autor completa afirmando que o enriquecimento em ácido nítrico, cuja formação se deve à ação de descargas elétricas (raios), produz ozônio, possibilitando a combinação deste com o nitrogênio livre na atmosfera. Como referência quantitativa, Freise

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(1933 apud Segadas-Vianna, 1965) verificou que na Serra dos Orgãos, em Teresópolis, o ar continha aproximadamente 18mg de ácido carbônico e 19mg de ácido nítrico por litro de água.

5.3.8 Intemperismo químico vs. intemperismo físico

De Martonne (1940) defende que, a partir de um regime de temperaturas frequentemente maiores que 20°C, com precipitações mensais ultrapassando sempre 100 mm, índices de aridez maiores que 20 e umidade sempre acima de 75%, o intemperismo químico é preponderante sobre o físico, o que explica a raridade de terraços, cascalhos nos leitos e cones de dejeção. O autor reconhece ainda o poder do intemperismo físico através do vento e da água e a eficiência da dissolução química na formação das caneluras e marmitas. O autor afirma também que, durante a maior parte do ano, a decomposição química deve ser menos ativa e a desagregação mecânica mais eficaz do que nas baixas altitudes. Na discussão dos possíveis processos geradores das feições observadas, tais como as caneluras, Silveira (1942) ressalta que a altitude seria um fator limitante da decomposição exclusivamente química. Desta forma, para o autor, embora a decomposição química seja um fato, o intemperismo físico, particularmente de origem eólica, tem grande papel na formação das estruturas observadas. O autor defende que nas faces noroeste e sudeste das Prateleiras, Pedra do Altar e Agulhas Negras, é comum a presença de marmitas eólicas oriundas da corrosão pelo vento. Segundo ele, os sulcos orientados segundo os ventos dominantes, encontrados nas rochas e no terreno são encontrados com frequência. Outra evidência da ação abrasiva do vento seria a aspereza das rochas e a formação da pequena barragem – orientada de NO para SE – por deflação eólica que formou a Lagoa do Coração. Lamego (1942) desconsidera completamente a argumentação sobre a ação eólica do intemperismo no Itatiaia com o argumento de que, frente à elevada altitude dos picos isolados, seria impossível partículas serem alçadas de modo a atingir as porções elevadas para atuarem com tamanho vulto na erosão. Segundo Ruellan (1943), os foiaítos são decompostos com relativa facilidade. Tal fato se deve a hidratação dos feldspatos que, através do aumento de volume, exercem grande esforço interno na rocha, o que causa sua desagregação. O autor reconhece ainda a

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importância do gelo como agente intempérico relevante na desagregação das rochas alcalinas do Itatiaia. Completa ainda que as rochas não possuem superfície lisa com cristais relativamente soltos, resultado do intemperismo químico que, foi precedido por intemperismo físico. A hidratação dos feldspatos causaria a principal desagregação dos sienitos. Outro agente, segundo Ruellan (1943), seria o vento que causa deflação e denuda constantemente as rochas, deixando-as mais susceptíveis ao desgaste. A chuva seria outro agente importante para o intemperismo, principalmente nos meses de verão. Domingues (1952) observou que na superfície rochosa, os líquens e musgos permitem conservar a água caída por mais alguns dias sobre a crosta vegetal que reveste as rochas após a chuva, permitindo a penetração da água. Segundo o autor, é muito evidente a supremacia da decomposição química sobre a desagregação mecânica, única responsável por todo o modelado. Ele afirma ainda que a própria formação das depressões é facilmente explicada pela ação química. Com a hidratação dos feldspatos e feldspatoides, estes podem ser evacuados em suspensão ou sob a forma coloidal. Além disso, outra parte é levada em dissolução. Forma-se, assim, a primeira cavidade e, a partir daí a evolução torna-se mais eficaz, tendo os ácidos orgânicos um papel ativo na dissolução, ampliando-se assim a depressão. Rich (1953) defende que as rochas alcalinas do MI são frescas e sãs, revelando pouquíssima ação do intemperismo químico, e quase não se encontra solo residual, completamente contrário ao que afirmam Dusén (1903) e Domingues (1952). Odman (1955) atribui a formação das feições morfológicas do planalto a diferentes composições mais ou menos resistentes ao intemperismo químico, no qual o material residual foi removido pela água das chuvas. Segundo ele, esse fenômeno de intemperismo químico profundo ocorreu num período pré-Quaternário ou talvez durante o Quaternário Recente e pode estar associado a períodos pluviais intensos. Para Ab’Saber & Bernardes (1956), a nudez das massas culminantes poderia ser explicada pela sensibilidade das rochas granulares – compostas essencialmente por feldspatos alcalinos – à hidratação, às violentas chuvas de tempestades e à ação constante do vento. Mencionando o trabalho de Ruellan (1943), Ab’Saber (1956) parafraseia o primeiro autor: “Nos modelados das serras do Mar e da Mantiqueira há quem veja apenas falhas ou apenas a ação da erosão. O melhor é ficar entre essas duas hipóteses no qual grandes falhas

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ocorrem na parte oriental do planalto brasileiro e, depois, a erosão se adaptando a estes movimentos”. Birot (1957) destaca o intemperismo químico como peça chave para o desenvolvimento da paisagem no MI, exaltando a profunda ação da erosão diferencial como modelador do relevo. O autor compara ainda a morfologia do Itatiaia com a do maciço granítico de Ransa (Escócia) que está além dos limites de atuação dos processos glaciais referentes a última idade do gelo e, portanto, não foi moldado por geleiras. Birot (1957) ressalta que a decomposição química das rochas parece ocorrer de duas etapas distintas, na qual a primeira gera a argila comum como subproduto, e a segunda gera a migração de ferro redepositado no limite das juntas e das esfoliações alteradas ao redor da rocha sã, podendo esta migração estar relacionada diretamente com o clima atual e a abundância de ácido húmico. Para Dresch (1957), a morfologia do alto do Itatiaia explica-se satisfatoriamente pela alteração química diferencial no maciço sienítico, no qual a exumação ocorre durante os períodos secos e a alteração química profunda durante os períodos excessivamente úmidos. Nos dias atuais a alteração química seria o processo dominante. De acordo com o autor, o alto das vertentes do Itatiaia foi denunado em um ou dois períodos de chuvas torrenciais no qual os blocos e detritos carregados para os vales são agora atacados pelo intemperismo químico. Hamelin & Cailleux (1957) descrevem que a 2.200 m não são encontrados grãos alterados de feldspatos, estando estes sempre frescos, angulosos e intactos estruturalmente, formando cerca de 50% da composição amostral. Essa abundância, segundo os autores, deve-se ao predomínio do desgaste mecânico sobre a alteração química diante do clima seco, razão pela qual não se encontra argila no alto do Itatiaia. Os autores afirmam ainda que a esfoliação percebida nos blocos não é causa da alteração química, visto que a parte inferior das escamas (ou placas que se soltam) é tão sã quanto o resto da rocha em suas porções superiores, fato percebido pela clivagem intacta e angularidade dos feldspatos e outros minerais. Hamelin & Cailleux (1957) especulam que nos cortes das estradas a alteração química apenas segue os contatos das esfoliações pré-formadas devido a maior facilidade de passagem de água. Portanto, a esfoliação é, pelo menos em superfície, um fenômeno físico ou que não alterou a sanidade das rochas. Os autores sugerem adicionalmente a ação do fogo como possível agente gerador de esfoliação.

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Outro aspecto discutido por Hamelin & Cailleux (1957) é a completa ausência de argila na parte alta do Itatiaia, mesmo no interior das fendas e barragens de água. Adicionalmente, no fundo das caneluras, a rocha é completamente sã e inalterada. Este é outro argumento usado contra o intemperismo químico, visto que, este, teoricamente, deveria gerar argila ou fragmentos frágeis. Assim, os autores embasam a hipótese de predomínio discrepante do intemperismo físico em detrimento da alteração química acentuada. Lefevre (1957) refuta a hipótese da glaciação e defende que as rochas arredondadas e outras feições podem ser perfeitamente explicados pela natureza litológica do material subordinado à decomposição química. Adicionalmente, a ação térmica, segundo o autor, poderia ser a responsável pela desagregação da rocha nua, e a hidratação seria o processo responsável pelo arredondamento dos blocos entulhados nas vertentes e vales. Contrariamente ao exposto por Levefre (1957), Macar (1957) defende uma ação predominantemente do intemperismo químico em detrimento do físico. Para ele, a influência das diaclases aparece de maneira nítida quando associadas ao desgaste químico esferoidal. A penetração da alteração estaria associada a blocos gradualmente mais arredondados. Macar (1957), entretanto, contradiz seus próprios argumentos quando afirma que nas Agulhas Negras predomina a desagregação mecânica principalmente pelo gelo. O autor faz ainda menção aos mesmos fragmentos inalterados de feldspato angulosos estudados por Lefevre (1957) e afirma: “a intensa desagregação química parece não coexistir com tal processo”. Raynal (1957) não exclui a ação do gelo relacionado às diaclases para explicar o modelado formado pelos blocos na base das Agulha Negras. O autor reconhece tanto a ação do frio como a atuação do intemperismo químico no modelado do alto Itatiaia a partir das depressões e caneluras formadas pelo escoamento superficial e, no inverno essas depressões formam filmes avermelhados sobre a rocha. O autor estipula ainda, a partir da comparação de feições observadas no Itatiaia e em Campos do Jordão, duas fases principais de evolução climático-morfológicas: 1. a primeira fase corresponde a um sistema de erosão cujo intemperismo físico predomina, permitindo a supracitada solifluxão periglaciária nas zonas mais altas e maior carregamento de material para formação de depósitos heterogêneos nas porções mais baixas;

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2. posteriormente, os processos químicos retornam provocando, inicialmente, o soterramento dos depósitos cascalhosos sob um manto de siltes variados. Hoje ainda se insere a fase química a partir da observação de esfoliação dos sienitos e dissolução local da rocha. Diferentemente do sugerido por Maack (1956), o autor deste trabalho não notou ou identificou qualquer feição geomorfológica que sugerisse a presença de geleiras na Pedra do Camelo. Esta seria apenas, assim como as Agulhas Negras e os outros picos mais pronunciados na paisagem, um relicto de maior resistência aos processos intempéricos vigentes no Planalto do Itatiaia. Ebert (1960) defende que análises microscópicas indicam forte decomposição e textura de material interpretado como flúvio-glacial ou de fluxo de água de degelo. Para Barbosa (1962), a ação mecânica das chuvas e enxurradas é muito mais relevante do que a desagregação química. Para Segadas-Vianna (1965) a única explicação para a intensa erosão observada nas rochas do Itatiaia é o intemperismo químico controlado pela concentração de ácidos nítrico e carbônico na água da chuva e ácido carbônico dos líquens. E a variedade de formas observadas no planalto seria o resultado das diferentes resistências de tipos de rochas distintos frente aos processos químicos de intemperismo atuando sobre um relevo previamente moldado pela ação glacial de geleiras. Bigarella el al. (1969) defendem que os depósitos seriam individualizados por ação profunda do intemperismo químico subordinado ao padrão de diaclasamento das rochas alcalinas do maciço. Posteriormente, sob condições de clima seco correspondente à última época glacial, o material solto teria sido facilmente removido. Diferentemente do que foi observado por Hamelin & Cailleux (1957), que afirmam que a 2.200 m de altitude não são encontrados nem grãos de feldspato alterados e tampouco argila, Modenesi (1992) encontrou não apenas ambos, mas também duas gerações de colúvios com características distintas, refletindo as condições climáticas e consequentemente de intemperismo vigentes durante sua formação. A autora afirma que a esfoliação é um fenômeno muito comum nas rochas do Itatiaia. Apesar de não ser explicitamente contra a hipótese da glaciação pleistocênica no Itatiaia, Modenesi & Toledo (1993,1998) convergem para a ideia da gênese em que

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intemperismo químico e o desgaste mecânico causado pelo conjunto de processos geocriogênicos seriam os responsáveis pelo modelado do planalto. Por fim, da mesma forma que Penalva (1974) e tantos outros, embora não mencione sua posição diante da hipótese da glaciação do Itatiaia, Neto & Filho (2014) citam a discussão e defendem que a morfologia do planalto é o resultado conjunto das condicionantes estrutura, tectônica, litologia e intemperismo químico, de forma tal que é possível inferir sua posição contrária à glaciogênese do planalto.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos a partir do estudo bibliográfico e das análises feitas através das observações das feições geomorfológicas em campo permitem estabelecer algumas considerações pertinentes. A primeira delas refere-se à originalidade da hipótese glacial no Brasil. Esta pode ser claramente atribuída ao glaciologista suíço Louis Agassiz que, embora equivocado, foi o primeiro cientista a, de fato, sugerir a ação de geleiras em terras tropicais brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro, Bahia e Amazonas em 1865. Por outro lado, a contribuição de Agassiz foi muito limitada quando o assunto é a Serra da Mantiqueira, já que o cientista nunca chegou a visitar os seus domínios, restringindo suas observações até as cercanias da cidade de Visconde Mauá e, desta forma, não presenciando as peculiaridades da paisagem do Maciço do Itatiaia. A reflexão das informações apresentadas por Brice & Figueirôa (1992) permite que seja traçada uma plausível analogia no que tange a influência das ideias defendidas duramente por cientistas com credibilidade impecável. Assim como Agassiz influenciou cientistas que acreditaram na ocorrência de glaciações nas áreas tropicais brasileiras, como Rio de Janeiro, Salvador e Amazonas, o francês De Martonne exerceu enorme influência ao apontar a glaciação do Itatiaia como hipótese plausível em 1940. Portanto, da mesma forma que Hartt foi “persuadido” – em sentido amplo – na observação do “drift glacial”, parece que Silveira (1942), Ruellan (1943), Rich (1953), Ab’Saber & Bernardes (1956), King (1956), Brochu, Cailleux, Hamelin, Maack, Mortensen e Raynal [1957], Ebert (1960), Barbosa (1962) e Segadas-Vianna (1965) foram influenciados na observação das feições originais do Itatiaia. Muitos destes autores encontraram e descreveram vales em forma de “U”, circos glaciais, morainas e outros aspectos da geomorfologia de uma região tipicamente glacial, o que os estudos mais recentes apontam não ser. É importante destacar que o presente estudo não atribui o possível equívoco dos autores supracitados à falta de perícia ou conhecimento. É discutido aqui, entretanto, como uma possível ideia preconcebida introduzida por um autor de renome internacional e com vasta experiência acadêmica pode influenciar autores e estudos posteriores, fato já percebido por Penalva (1964, 1974). Ficou implícito o não reconhecimento da contribuição do engenheiro José Franklin Massena como pioneiro da “Hipótese da Glaciação no MI” em 1867, talvez por falta

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de acesso a sua obra, cujo único exemplar se encontra nos arquivos do Museu Nacional/UFRJ. Os créditos para tal pioneirismo caíram sobre o então famoso geógrafo francês Emanuel De Martonne que, em 1940, publicou seu trabalho sugerindo a glaciação no Itatiaia. Desta forma, exceto o presente estudo, todos os trabalhos posteriores ao início da década de 1940 desconhecem o pioneirismo de Massena no que tange a “Hipótese da Glaciação do MI”. Quanto às particularidades climáticas favoráveis à ocorrência de geleiras de altitude no MI, a linha de neve (snowline) associada aos parâmetros físicos de pluviosidade, altitude e latitude se mostraram fundamentais para o embasamento das discussões acerca da chance de preservação de firn e, posteriormente, gelo glacial. Desta forma, Clapperton (1993) e Brochu (1957) mesmo de lados opostos, foram os autores que mais se aprofundaram na variabilidade regional intrínseca da linha de neve. Da mesma forma, a linha limite da atividade geocriogênica parece definir a zona na qual esse conjunto de processos típicos de regiões frias acontece, de forma tal que, de acordo com os estudos de Clapperton (1993) o MI está nitidamente inserido. Parece haver, além da discussão relativa à glaciação no Itatiaia, um questionamento relativo ao tipo de intemperismo causador do nítido desgaste das rochas sieníticas do alto do planalto. Enquanto um grupo de autores defende a predominância de processos intempéricos de origem mecânica causada pela turbulência intrínseca dos cursos d’água, pela ação praticamente intermitente do vento, pela amplitude térmica e pela ação arrebatadora dos vegetais inferiores associada ao processo de frost-weathering, outros defendem a ação praticamente exclusiva da dissolução química das rochas. Entretanto, a interação constante entre os fatores modeladores do relevo no Planalto do Itatiaia salta indiscriminadamente aos olhos do observador. A análise das feições geomorfológicas observadas sugere uma similaridade morfológica do MI com produtos típicos de regiões de geleiras ao redor do mundo. Fato que, como visto anteriormente, influenciou a interpretação de renomados geocientistas. Todavia, essa similaridade não é suficiente para garantir uma origem genuinamente glacial, já que nichos topográficos e outras feições do Itatiaia podem ser explicadas através de fatores alternativos. Ao contrário, ficou evidente através da bibliografia e de uma percepção mais cuidadosa das feições observadas em campo que o intemperismo atua de forma dinâmica e constante no alto do maciço, independentemente da predominância de seu caráter químico ou físico. Adicionalmente, é de senso comum admitir uma ação constante do intemperismo, principalmente a julgar pela

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altitude discrepante do MI quando comparado às regiões adjacentes como o Vale do Paraíba. Adicionalmente, dada a comprovada atividade tectônica durante grande parte da evolução quaternária do MI, é razoável considerar a ação intempérica – física, química e biológica – associada à estruturação do maciço como explicação das feições de relevo observadas. É evidente que a interação dinâmica e constante dos fatores químicos, físicos e biológicos atua em conjunto na modelagem do maciço. Todos, entretanto, subordinados pelo mosaico estrutural herdado durante a gênese mesozoica do MI. Concordando com Lefevre (1957), a litologia das rochas subordinada à influência do clima sub-glacial e a ação secundária do intemperismo durante os períodos pós-glaciais seriam os responsáveis pelo que é observado hoje no Itatiaia. Desta forma, Modenesi (1992, 1998) é pioneira ao unificar coerentemente todas as ideias de formação ora apresentadas por outros autores que tentaram refutar a hipótese da glaciação no maciço do Itatiaia. Ou seja, de forma muito coerente e com evidências embasadas em experimentação, a autora consegue explicar grande parte da morfologia do planalto baseado na ação contínua do intemperismo interligado ao mosaico estrutural intrínseco do planalto e, ainda assim, perceber a importância da geocriogênese como processo modelador importante no alto do maciço. Embora seja razoavelmente certo que as mudanças climáticas do Quaternário não causaram uma glaciação local stricto sensu no Maciço do Itatiaia, é consideravelmente coerente admitir a atuação de processos geocriogênicos como agentes modeladores fundamentais de sua paisagem.

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7. CONCLUSÕES

A revisão bibliográfica aprofundada associada à análise dos dados obtidos em campo permitiu as seguintes conclusões sobre a “Hipótese da Glaciação do Maciço do Itatiaia”: I. embora o glaciologista suíço Louis Agassiz tenha sido o primeiro autor a sugerir a ocorrência de glaciações pleistocênicas no Sudeste do Brasil, em especial no Rio de Janeiro, o autor nunca chegou a visitar a Serra da Mantiqueira e, portanto, o Maciço do Itatiaia; II. diferentemente da afirmação de todos os trabalhos encontrados a respeito da suposta glaciação, foi o engenheiro brasileiro José Franklin Massena o autor pioneiro a sugerir, em 1867, a presença de geleiras no alto do Itatiaia, e não o geógrafo francês Emanuel De Martonne em 1940; III. a polêmica envolvendo a “Hipótese da Glaciação do MI” perdurou, de fato, até 1974, quando Faustino Penalva praticamente pôs fim à discussão usando argumentos muito bem embasados nas condições lito-estruturais intrínsecas do maciço alcalino; IV. as feições supostamente glaciais observadas no Planalto do Itatiaia podem ser explicadas alternativamente pela interação de processos intempéricos químicos físicos e biológicos, condicionados pelo mosaico estrutural herdado do maciço alcalino; V. a discussão relativa ao tipo de intemperismo predominante no modelado encontrado no alto do planalto permanece dúbia e aberta, embora as evidências de campo e estudos mais recentes apontem para um equilíbrio dinâmico entre a atuação do intemperismo químico, físico e biológico no alto do maciço; VI. embora a negação da “Hipótese da Glaciação Pleistocênica do MI” seja hoje um consenso acadêmico, a comprovada atuação de processos geocriogênicos no modelado do maciço a todo tempo remete a uma possível ação glacial aos olhos desatentos.

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Apêndice A

Quadro 2 – Compilação final da evolução da HGMI com os dados de localização dos estudos e argumentos dados pelos autores que apoiaram ou refutaram o escopo da discussão. Em verde, os autores que suportaram a HGMI, em vermelho, os que se opuseram, e em amarelo, os autores que não opinaram ou tiveram posição imparcial.

Posição frente a hipótese da Glaciação Ano Autor Título do trabalho Tipo de trabalho ("peso") Argumentos Locais de observação do Itatiaia À favor, embora reconheça o Rochas erráticas ao redor do rio Campo Belo e material arrastado por ação de geleiras há mais de 8km até quase o Vale do Quadros da Natureza Tropical ou Ascenção Científica Rio Campo Belo, Agulhas Negras, Vale dos 1867 Massena Livro (Folheto para o Imperador) intemperismo como forte modelador Paraíba; Comparação Mont Blanc - Itatiaia. Gelo atinge 15 cm de espessura nas várzeas. Desequilíbrio atmosférico. Ação ao Itatiaya Lírios do relevo glacial marcante através das feições de relevo. Corcovado, Tijuca, Paquetá, Mauá, Depósitos glaciais (drift) no Rio de Janeiro e em toda a costa brasileira até o Amazonas. Plantações de café sobre os 1868 Agassiz A Journey in Brazil Livro (Narrativa científica) Indiretamente à favor Petrópolis, Juiz de Fora, Ceará, Bahia, depósitos glaciais, supostamente mais férteis. Blocos erráticos no Rio de Janeiro e costa brasileira. Pernambuco, Amazonas, Etc. 1889 Derby Os picos altos do Brazil Artigo Não comenta Não comenta sobre possíveis agentes geomorfológicos de formação do Itatiaia. Sem especificação 1893 Branner The Supposed Glaciation of Brazil Artigo Indiretamente Contra Evidências indiretas Não foi ao Itatiaia Estados Unidos do Brasil, Geographia, Ethnographia, 1900 Reclus Livro Cita porém não discute Apenas chama de estrias de neve as caneluras observadas nas Agulhas Negras Agulhas Negras e Vale do Paraíba Estatística Cicatrizes de movimentos de massa mostravam a origem dos blocos nos vales; Arredondamento das arestas dos blocos Pico das Agulhas Negras, vales dos rios 1903 Dusén Sur La Flore de la Serra do Itatiaya Livro (Descritivo) Contra causado por intemperismo químico; Sulcos erosivos orientados sempre na direção da maior inclinação das escarpas e Campo Belo, Preto Aiuruoca. Todo o alvéolos; Rachaduras e vulnerabilidade dos paredões de rocha alcalina. planalto. Relatório (Serviço Geológico e 1936 Lamego O Massiço do Itatiaya e Regiões Circundantes Não Comenta Apenas comenta sobre a situação altitudinal do Itatiaia Todo o planalto Mineralógico) Problemes morphologiques du Brésil tropical Toda a Serra da Mantiqueira, sem 1940 De Martonne (1° artigo) Artigo Não comenta Defende a erosão diferencial; erosão seletiva como resposta à diferente resistência das rochas. atlantique. especificação Um rebaixamento de 6° a 7°C de temperatura seria suficiente para a sustentação de geleiras locais no Itatiaia; vales Problemes morphologiques du Brésil tropical 1940 De Martonne (2° artigo)* Artigo À favor suspensos, encarneiramento das feições residuais e circos da vertente norte do Itatiaia explicados por nivação e ação de Planalto atlantique. geleiras; rebaixamento da linha de neve (snowline) associado ao alto índice pluviométrico da região. Vale do Rio Maromba (marmitas), Planalto, À favor, embora reconheça o Sulcos orientados segundo os ventos dominantes, formados pela ação mecânica eólica. Marmitas eólicas nas faces voltadas Prateleiras, Várzeas das ;Flores e Aiuruoca, 1942 Silveira Itatiaia Artigo (Congresso) intemperismo como forte modelador para os ventos predominantes. Ação térmica com geração de diáclases, movimentos de massa como origem dos boulders. . Lagoa do Coração; Vila do Rio do relevo Vales supensos, Escarpas verticais em forma de "auge", soleiras e cone de ejeção flúvio-glacial. Campo Belo (depósito flúvio-glacial) Toda a Serra da Mantiqueira, sem 1943 De Martonne (2° artigo) Problemas morfológicos do Brasil tropical Artigo Não comenta Defende a erosão diferencial; erosão seletiva como resposta à diferente resistência das rochas. especificação À favor, embora reconheça o Comunicação sôbre a excursão a Campo Belo Posto Marcão, Base Agulhas Negras, 1943 Ruellan Boletim (Tertúlia) intemperismo como forte modelador Vales em "U", rochê moutoneés, vales supensos e blocos abruptos e circos glaciais. e Itatiaia Prateleiras, Rio Preto, do relevo Um rebaixamento de 6° a 7°C de temperatura seria suficiente para a sustentação de geleiras locais no Itatiaia; vales 1944 De Martonne (2° artigo) Problemas morfológicos do Brasil tropical Artigo À favor suspensos, encarneiramento das feições residuais e circos da vertente norte do Itatiaia explicados por nivação e ação de Planalto geleiras; rebaixamento do nível de neves perenes, associado ao alto índice pluviométrico da região. Caneluras e depressões resultam da dissolução em água dos sienitos - superfície das rochas quase sempre coberta por líquens - ácidos orgânicos gerados; O maciço é uma barreira que gera excesso de chuvas (800mm.); Grande número de Entrada não especificada do parque e o Contra, embora não rechace alvéolos existentes na superfície das rochas onde se dá uma verdadeira dissolução do foiaíto; Nas partes deprimidas a 1952 Domingues Maciço do Itatiaia Artigo planalto em geral, Prateleiras, várzea das completamente. decomposição química é mais ativa, por causa do solo rico em m.o., pois esta tem a propriedade de reter uma quantidade Flores e Aiuruoca. grande de água, que desce ao longo das fissuras das rochas, e decompõe profundamente os feldspatos e feldspatóides; Localização bem abaixo da linha de neve (snowline). Oeste e Noroeste do Pico das Agulhas Problems in brazilian geology and geomorphology Polimento das rochas ao redor dos vales; Vale em "U" com morainas laterais; Vales separados por barreiras alinhadas de 1953 Rich Artigo (Narrativa) À favor Negras; Porção Oeste das Agulhas Negras. suggested by reconnaissance in summer of 1951. rochas (supostas morainas); Supostos potholes concentrados na base dos vales. Alto. On the presumed glaciation in the Itatiaia Snowline na mesma latitude nos Andes em cerca de 4800m, boulders in situ, Ausência de estrias coerentes à abrasão 1955 Odman Artigo Contra Prateleiras, Pedra da Tartaruga. moutain, Brazil supostamente glacial, Tors ao invés de blocos erráticos. Padrão de feições como circos interligados e deprimidos por erosão e intemperismo atuais, nítido encaixe de um vale em V Vale do Paraíba, serra da Mantiqueira e arredores de embutido sobre um vale em U pretérito, padrão desordenado (disordered drainage pattern ) das drenagens de cabeceira 1956 Ab’Sáber & Bernardes Artigo À favor Prateleira e Agulhas Negras São Paulo visivelmente condicionadas pela interferência de uma glaciação de altitude, moderada e localizada, típica de ambiente pós- glacial, Cone de Dejeção de Itatiaia que seria um depósito de piemonte pleistocênico. 1956 King Geomorfologia do Brasil oriental Artigo À favor (i) Vales em U; (ii) Depósitos de morainas; (iii) superfícies rochosas com mamilonamento uniforme Não especificado Vales planos e íngremes em forma de “U”; Cristas circulares com baixadas profundas e pantanosas; Morainas; Pedra do Pedra do Camelo, Vale do rio dos Lírios, Uber Bereisungsperiodem Und Vereisungsspuren in Camelo e as Prateleiras como apresentando feições características de ambientes glaciais; provável rebaixamento da linha de Vale do Rio Campo Belo, Agulhas Negras e 1956 Maack Artigo À favor Brasilien neve permanente devido ao alto índice pluviométrico vigente e da posição frontal do maciço, voltada para o mar, estando Pedra do Altar, Aiuruoca e Rio Preto, subordinado às frentes fria; Prateleiras. 1956 Brade A Flora do Parque Nacional do Itatiaia Artigo (Boletim PNI) Imparcial expositiva Não comenta sobre possíveis agentes geomorfológicos de formação do Itatiaia. Sem especificação

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Semelhança com o batólito granitico de Ransa, que está fora dos limites da última idade do gelo; Formação de argila e migração de óxidos de ferro, esfoliação e alteração da juntas; Falta de simetria e polidez das vertentes laterais dos vales; Não especificado, porém há indícios de que 1957 Birot Observations à l'Itatiáia Artigo Contra Feições de blocos empilhados que seriam facilmente varridos por geleiras caso elas tivessem ocorrido; Sinais de intensa seja nos vales da parte alta. oxidação pro óxidos de Ferro de cor amarelada e avermelhada; Grande quantidade de material intemperizado em cones de detritos. Ação periglacial pronunciada, visto que muitas feições resultam da fragmentação pelo gelo, dentre elas a presença abundante de blocos angulares; alta freqüência de passagens de temperatura em torno de 0 ° em um ambiente úmido que recebe em média 2400 mm de chuva por ano; pequeno circo na base das Agulhas Negras; Djurdjura e o Itatiaia ocupariam Occurrence possible de glaciations locales pléistocene uma situação geograficamente equivalente em relação ao Equador Térmico; Abundância de precipitações combinada com 1957 Brochu Artigo À favor Agulhas Negras, Alto do Planalto et de phénomenes periglaciaires au BrésiI. uma temperatura bastante baixa desempenha um papel primordial no estabelecimento de sistemas glaciais; Rebaixamento da linha de neves permanentes (snowline) devido aos altos índices pluviométricos; Traços de geleiras há 2950m em 13° Lat. N (mesmo em latitudes bastante baixas, mas em altitudes bastante elevadas, o fator precipitação é determinante para o estabelecimento de climas glaciários). Citação de Odman (1955): devido a maior pluviosidade no Itatiaia, a linha de neve permanente pode ser muito mais baixa do que os 4500 metros idealizados para os Andes; degradação química predominante entre 800 e 400 metros; Serra da 1957 Cailleux Observations Et Études à L'Itatiáia Artigo Expositivo, quase imparcial Não especificado Mantiqueira seria um ponto georáfico de transição de climas intertropical quente e úmido para temperado frio, severo; Reconhece a importância do intemperismo químico Mar de blocos depositados não apresenta característica de morainas; Não há seixos estriados nem mesmo estrias nas vertentes rochosas; As depressões são interrompidas por soleiras rochosas e barragens de blocos arredondados pelo 1957 Dresch Remarques Géomorphologiques sur l'Itatiáia Artigo Contra Planalto e adjacências desgaste químico; movimentos de massas presentes nas vertentes; Processos geocriogênicos como a gelificação no modelado. Predomínio do desgaste mecânico sobre a alteração química diante do clima periglacial; Altos valores de achatamento dos seixos da parte alta do Itatiaia só são possíveis sob a influência do gelo; Alta sanidade das rochas, independente da sua Agulhas Negras, estrada do PNI, Base do 1957 Hamelin & Cailleux Sables, cailloux et cannelures de l'Itatiaia Artigo À favor localização; A exfoliação é, pelo menos em superfície, um fenômeno físico; Completa ausência de argila na parte alta do Itatiaia Itatiaia, mesmo no interior das fendas e barragens de água. Não são encontrados testemunhos de um ataque direto pelo gelo, nem estrias glaciais, nem rochas acarneiradas (montonnées), nem os clássicos circos. Embora possa ter ocorrido muita neve, esta não deve ter sido, portanto, espessa o Observations de morphologie dans les massifs de Serra Agulhas Negras e partes altas, Resende, 1957 Lefevre Artigo Contra suficiente para que seu peso provocasse qualquer tipo de feição glacial típica; topografia de nivação; A ação térmica seria a do Mar et de l'Itatiáia Baixos vales no sopé responsável pela desagregação da rocha nua, e a hidratação seria o processo responsável pelo arredondamento dos blocos entulhados nas vertentes e vales; cúpulas de decomposição química e caneluras associadas. Ação predominantemente do intemperismo químico em detrimento do físico; Influência das diaclases; Rocha apresenta-se Estrada RJ-SP km28; Corte em Campo Belo; 1957 Macar Note sur I'excursion a l'Itatiaia (Brésil, 1956). Artigo Contra muitas vezes completamente decomposta entre duas paredes subverticais; Crioclastia. Topo da estrada do Itatiaia; A base das Agulhas Negras (por ele chamada de Karst) seria a linha de neve; Posição climática excepcional do Itatiaia; A Uber einige Oberflachenformen nordlich Rio de 1957 Mortensen Artigo À favor paisagem observada na encosta oriental dos Andes, mesmo que mais alta, tem as mesmas características vistas no Itatiaia, Base das Agulhas Negras Janeiro, in der Serra do Mar und im Itatiáia-Gebirge mesmo estando este cerca de 1000 metros mais baixo.

Formations de Pentes et Évolution Climatique dans la Vales suspensos separados por interflúvios escalonados no relevo; rede de nichos e circos; processos geocriogÊnicos, 1957 Raynal Artigo À favor Vale do Campo Belo; Garganta do Registro; Serra da Mantiqueira solifluxão.

Esbôço Morfológico da Região Litorânea do Estado do Alto grau de alteração química das rochas alcalinas (decomposição em bolas); Blocos oriundos de movimentos de massa; 1959 Birot, P. Artigo Contra Estrada do PNI, Agulhas Negras RJ vales suspensos formados gradualmente pela tectônica; caneluras formadas por dissolução química; erosão diferencial. Extensão de grandes "blocos erráticos" de sienito, alóctones ao longo dos talvegues, até 8km do limite do maciço alcalino; Declive suave dos talvegues (5%); O material original, no qual os blocos eram incluídos anteriormente, é um barro Porção Nordeste do maciço do Itatiaia; constituído de fragmentos de todas as classes granulométricas, de gnaisses e quartzitos pré-cambrianos ("barro a blocos"); O "Corrente de blocos" no vale das Cruzes Novas observações sôbre a glaciação pleistocênica na "barro a blocos" constitui terraços ao longo dos vales, que escondem sua forma de U e foram cortados pela erosão recente (Ribeirão Bonito); Cabeceira do Rio Preto, 1960 Ebert Nota preliminar (Revista) À favor serra do Itatiaia. em forma de V; sua altura diminui de 50 metros (nas cabeceiras dos vales) gradativamente até 10 metros, na base destes; A Ribeirão do Monte Cavado e Ribeirão do necessária grande depressão do limite da neve permanente em relação à posição atual, e com ela a correlata depressão de Pavão; Ribeirão Bonito e Vale das pensões; todas as zonas climáticas num valor que deve atingir aproximadamente 1 500 metros, é comprovada também por Rio Marimbondo. observações biogeográficas; OcorrÊncia de depósitos de lago glacial e “roche mountonnée”; Toda a Serra do Itatiaia, Agulhas Negras, Os supostos "circos glaciais" são o resultado da dissecação de diques anelares menores e menos espessos, paralelos ao Relêvo e padrões de drenagem na chaminé Morro do Couto, Prateleiras, Serra Negra, 1961 Teixeira Artigo Contra grande dique externo, geradas pelos rios consequentes formando pequenas bacias internas, tal como ocorre à norte das vulcânica do Itatiaia Maromba, rios Campo Belo, Aiuruoca e Agulhas Negras; Morfologia controlada exclusivamente pela dissecação fluvial associada à estrutura do planalto. Maromba Presença de Vales em “U” e a ocorrência de “roche mountonnée” como também de vales suspensos e circos glaciais associados a uma grande multiplicidade de domos, aspecto cujo autor afirma ser análogo ao observado em Yosemite e nos Considerações sobre alguns Aspectos Geomorfológicos Pirineus; “piscinas” fechadas por todos os lados por matacões e rochas “in situ”, formadas por processo de nivação posterior 1962 Barbosa Artigo À favor Todo o Planalto do Itatiaia à glaciação; Morte dos mamíferos nos Andes devido à glaciação Riss-Wurm atingindo até 1000 metros de altitude na mesma latitude do Itatiaia; O intemperismo químico caracteristicamente tropical alcança somente altitudes de até cerca de 2000 metros. caso a altitude e o clima tivessem permitido o fenômeno, ; "blocos erráticos" estão presentes em todo o planalto. Várzeas dos rios não tem dimensões de circos glaciais; Condições de temperatura e umidade insuficientes para sustentar o nível de Tálus a norte do Country Clube; Várzeas neve perene; A água por si só é um agente desagregador, a geleira não é necessária para explicar as feições do relevo; Área dos rios Aiuruóca e Preto; Lagoa Bonita e Geologia da Região do Itatiaia (Sudeste do Brasil): 1964 Penalva Tese Contra com altitude média maior que 2000 m (80Km2) insuficiente para sustentar a glaciação; A erosão, auxiliada pelo Lagoa Dourada (duas das 4 do conjunto); Morfología e Tectónica. intemperismo físico e químico modelou o relevo, seguindo as condições impostas pelos elementos estruturais; Os ruditos Vista do depósito de tálus (sul do Km-158 interpretados como tilitos seriam depósitos de tálus gerados na escarpa de falhas tectonicamente ativadas durante a Via Dutra. SW do Country Clube. reativação terciária. Geologia e petrología dos maciços alcalinos do Itatiaia Cita porém não discute sobre 1964 Ribeiro Filho Tese Não comenta sobre possíveis agentes geomorfológicos de formação do Itatiaia. Maciços do Itatiaia e Passa Quatro e Passa Quatro (Sudeste do Brasil) Glaciaçaõ no Itatiaia Ecology of the Itatiaia Range, 1965 Segadas-Vianna & Dau Artigo À favor Sem argumentos diretos para a conclusão Todo o maciço Southeastern Brazil. Cones de dejeção; depressões fechadas por altos, orientadas com certa inclinação e limitadas por depósitos em barras; depressões ocorreriam em degraus alimentando um característico vale em “U”, como o vale dos Lírios e das Flores; Circos 1968 Segadas-Vianna Ecology of the Itatiaia Range Southeastern Brazil Artigo À favor glaciais; blocos entulhados seriam depósitos clássicos de morainas; ausência de estrias e outras feições que acabariam com a Vale dos Líriso e Vale das Flores; Aiuruoca discussão levantada se deve à incrível susceptibilidade das rochas alcalinas ao intemperismo químico e erosão. 93 Intemperismo químico posterior à glaciação. 1969 Christofoletti O Maciço do Itatiaia Artigo À favor Argumentos contrários aos apresentados por Penalva (1964) Planalto

Feições geradas por flutuações climáticas quaternárias no qual os blocos seriam individualizados por ação profunda do 1969 Bigarella et al. Processes and Environmets of the Brazilian Quaternary Artigo Contra intemperismo químico subordinado ao padrão de diaclasamento das rochas alcalinas do maciço. Posteriormente, sob Não especificado condições de clima seco correspondente à última época glacial, o material solto teria sido facilmente removido. Os elementos da geologia estrutural, dentre eles os múltiplos falhamentos e diaclases, explicam com muito mais propriedade a topografia, drenagem e outras feições observadas no planalto, quando associados ao intemperismo físico e químico. ;caso a altitude e o clima tivessem permitido o fenômeno, ; "blocos erráticos" estão presentes em todo o planalto. Várzeas dos rios não tem dimensões de circos glaciais; Condições de temperatura e umidade insuficientes para sustentar o Interpretação Morfotectônica do Relevo no Planato do 1974 Penalva Artigo Contra nível de neve perene; A água por si só é um agente desagregador, a geleira não é necessária para explicar as feições do Todo o planalto Itatiaia relevo; Área com altitude média maior que 2000 m (80Km2) insuficiente para sustentar a glaciação; A erosão, auxiliada pelo intemperismo físico e químico modelou o relevo, seguindo as condições impostas pelos elementos estruturais; Os ruditos interpretados como tilitos seriam depósitos de tálus gerados na escarpa de falhas tectonicamente ativadas durante a reativação terciária. 1976 CLIMAP The surface of the Ice-Age Artigo Não comenta Não comenta sobre possíveis agentes geomorfológicos de formação do Itatiaia. Global Primeiros Resultados da Palinologia dos Sedimentos Ao invés de circo glacial, a bacia interna que constitui o planalto é provavelmente relacionada ao abatimento da parte 1986 Modenesi & Melhem Turfosos da Várzea o Ribeirão das Flores - Itatiaia - Rio Artigo Contra Planalto, Ribeirão das Flores superiro da intrusão que originou a grande muralha externa do planalto. de Janeiro. 1992 Brice & Figueirôa Hartt, Agassiz, and Pleistocene Glaciation in Brazil Resumo expandido Não comenta Não comenta sobre possíveis agentes geomorfológicos de formação do Itatiaia. Não foi ao Itatiaia Os aspectos gerais do relevo do Itatiaia, inclusive as feições menores, refletem forte influência estrutural; direção principal do córrego Ribeirão das Flores como compatível à direção W-WNW; as vertentes, afloramentos, caneluras e canais pluviais Pedra do Altar, Aiuruoca, Várzea do Depósitos de vertente e evolução quaternária do de cabeceira de drenagem seguem a orientação dos sistemas de fraturas das rochas alcalinas; escoamento indeciso de 1992 Modenesi Artigo Contra Riobeirão das Flores, Prateleiras, Abrigo Planalto do Itatiaia. algumas drenagens; a vegetação ajusta-se perfeitamente à compartimentação geomorfológica do maciço; caneluras Rebouças e Massena distribuem-se sobre os sistemas de diaclases; presença de argila e felfdpatos alterados; geocriogênese: depósitos de solifluxão, scree, gelificação. A depressão da linha de neve média nos Andes tropicais durante o último Máximo Glacial não ultrapassou 1000 m, segundo Clapperton. Isso significa que apenas áreas acima de 4000 m de altitude poderiam desenvolver glaciares reais, já que o Itatiaia, com seus cerca de 2800 m de altitude, sempre esteve abaixo da linha de neve; Os falsos roches mountonées ocorrem na vertente voltada para o dentro da bacia interna, os verdadeiros ocorrem apenas nas faces externas; vales não Quatemary of the são profundos o suficiente para serem considerados em forma de “U”; nenhum circo glacial ou áreas que tipificam áreas Rio Preto; Planalto, Agulhas Negras, 1993 Clapperton Livro (expositivo) Contra South American Highlands marginais de glaciação foram encontradas; cicatrizes relativamente recentes de fluxos de massa à montante do rio Preto; prateleiras. todos os blocos de sienito são quimicamente frescos e sãos formando uma população distinta na superfície; blocos de sienito não estão soterrados, nem parcialmente, pelos colívios e alúvios, de modo que estes devem ser bem mais recentes do que o suposto por Ebert; "scree-like” deposits; solifluxão geocriogênica e processos coluviais que teriam ocorrido durante os intervalos glaciais do Quaternário; depósitos conclomeráticos formados por solifluxão geocriogênica. Morfogênese Quaternário e Intemperismo: Colúvios do 1993 Modenesi & Toledo Artigo Contra Intemperismo químico e desgaste mecÂnico causado por gelificação e eoutros processos geocriogênicos Várzea do Ribeirão das Flores Planato do Itatiaia Palinologia das Polypodiaceae sensu lato do Planalto Simpson (1971) “estudou as modificações da flora e fauna do Pleistoceno da América do Sul baseando-se na teoria que 1995 Sylvestre Imparcial expositiva Planalto de Itatiaia, Rio de Janeiro, Brasil propõe um desnivelamento da vegetação das montanhas durante as épocas mais frias e úmidas, o que permitiria um Depósitos de Movimento de Massa da vertente Leste 1997 Tupinambá do Maciço do Itatiaia e Processos Quaternários Resumo de congresso Não comenta Não comenta sobre possíveis agentes geomorfológicos de formação do Itatiaia. Vertente leste do Itatiaia Superpostos. Geocriogênese: depósitos conglomeráticos das médias vertentes do planalto; tálus, stone streams, depósitos de seixos PROCESSOS GEOCRIOGÊNICOS QUATERNÁRIOS NAS achatados com matriz e acamamento incipiente, blocos soterrados, e depósitos de pequenos clastos angulosos imersos em Várzea do Ribeirão das Flores; Borda 1998 Modenesi & Nunes CIMEIRAS DA MANTIQUEIRA, COM CONSIDERAÇÕES Artigo Contra matriz coluvial; ação combinada de processos gravitacionais e processos de clima frio e úmido, particularmente eficientes na noroeste do planalto CLIMÁTICAS desagregação de detritos grossos.

Vales em "U", circos glaciais e vales suspensos, solifluxão periglacial, depósito de "barro e blocos" (boulder-clay ); Evolução Geomorfológica do Complexo do Itatiaia, Rio 1999 Miano & Pires Resumo de congresso À favor Intemperismo é controlado por fatores climáticos, predominantes desde a exposição à erosão das rochas; diaclasamento Zona Este e Sudeste do Complexo de Janeiro favorece o intemperismo; geração de caneluras originadas por dissolução das fissuras orientadas E-W.

Hillslope Deposits and the Quaternary Evolution of the Ausência de evidências de glaciação de altitude; processos geocriogênicos; solifluxão; rock streams; Relevo resultado da 2000 Modenesi Altos Campos - Serra da Mantiqueira, from Campos do Artigo Contra interação Neotectônica e das oscilações climáticas; temperaturas mias baixas e permanência de clima úmido explicam a Planalto; Ribeirão das Flores Jordão to the Itatiaia Massif intensidade dos processos geocriogênicos no Itatiaia.

O Itatiaia pode representar o limite paleoclimático mais setentrional dos fenômenos criogênicos fora dos Andes; atuação de Survey of Cryogenic Processes, Periglacial Forms and 2000 Trombotto Artigo Implicitamente contra processos criogênicos no Brasil (Itatiaia) participando diretamente na evolução do relevo e deixando como relictos depósitos Não foi ao Itatiaia Permafrost Conditions in South América de tálus e também sinais de solifluxão e congelamento e degelo. Morfotectônica dos Maciços alcalinos do Itatiaia e 2001 Bueno & Ebert Resumo Não comenta Não comenta sobre possíveis agentes geomorfológicos de formação do Itatiaia. Planalto Passa-Quatro relação direta da neotectônica com a morfologia do planalto do Itatiaia; desnivelamento de superfícies associado aos Evidências de atividade neotectônica nos maciços soerguimentos diferenciais ao longo de zonas de cisalhamento; ao abatimento de blocos e desalinhamento de cristas; 2014 Neto & Filho alcalinos de Itatiaia e Passa Quatro, sul de Minas Artigo Implicitamente contra drenagens se configuram de acordo com as atividades tectônicas recentes e atuais; sobreposição de feições morfoestruturais Estudo remoto Gerais e morfotectônicas vinculadas a uma configuração geomorfológica herdada da intrusão cretáceo-paleocênica e uma tectônica ativa. Geologia e Evolução Petrogenética do Maciço do 2017 Rosa Tese Não comenta Não comenta sobre possíveis agentes geomorfológicos de formação do Itatiaia. Planalto e adjacências Itatiaia - MG, RJ

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