RevistaResgates futebol: ciência, cultura e sociedade

2014 RevistaResgates futebol: ciência, cultura e sociedade

2014 Revista Resgates / Colégio Stockler. nº 4 (dezembro de 2014). São Paulo - SP. Ensaio acadêmico.

Conselho editorial: Eduardo Montechi Valladares e Isa da Silva Sorrentino

Design: Júlia Blumenschein

Revisão: Isabel Menezes RevistaResgates futebol: ciência, cultura e sociedade 2014

Editorial 7 A evolução da tecnologia nas camisas de futebol 9 Amanda Marcondes Duarte - 3a série B Como melhorar o condicionamento físico dos jogadores de futebol 23 e seu desempenho durante o jogo por meio da alimentação Bianca Solitto Siqueira e Silva - 3a série D Direito e futebol: exploração de crianças e adolescentes 31 Catarina Eugenia Otero Fernandez - 3a série D Futebol e sociedade: inclusão X exclusão social 47 Celina Frias de Oliveira Schutt - 3a série B A física nas inovações tecnológicas de transmissão de jogos de futebol 63 Fernanda Parodi de Almeida - 3a série B A mulher no futebol 75 Flora Ainá Rossi de Araújo - 3a série A Aplicação dos conhecimentos de fsiologia muscular no esporte: em busca de um melhor desempenho no futebol 85 Giulia Costa D’Errico - 3a série D Como os fatores psicológicos podem se dar na atuação dos jogadores em campo e quais suas consequências 97 Isabella Prandato Ribas Daud - 3a série B Futebol sob as asas do Condor 107 Júlia Costa Marques - 3a série B Medicina esportiva: cada vez um desafo maior 119 Júlia Pedroni - 3a série D Futebol e marketing: o esporte como ferramenta da indústria cultural 133 Letícia Vazquez Valverde - 3a série C Futebol: a psicologia do estresse 141 Luiza Rossi Mora Brusco - 3a série A O rádio, a televisão e o futebol 151 Mariana Gelain de Andrade Garcia - 3a série D Os patrocinadores do futebol 163 Mayara Jancis Rigolo - 3a série C Coração do atleta: especifcidades e problemas relacionados 173 Rebeca Meireles - 3a série C Psicologia do esporte no futebol 183 Renata Oliveira de Almeida - 3a série C A cobrança de falta perfeita em frente ao gol 195 Yuri Elias Quental Casseb - 3a série C Turma de 2014

6 Apresentação

“A velhice ranzinza e a juventude não podem viver juntas; A juventude é cheia de alegria, a velhice cheia de cuidados; A juventude é como uma manhã veranil, a velhice como o inverno; A juventude é como um verão aberto, a velhice como um inverno nu; A juventude é cheia de alegria, à velhice falta fôlego; A juventude é ágil, a velhice é manca; A juventude é intrépida e forte, a velhice é fria e fraca; A juventude é selvagem, a velhice é mansa; Velhice, eu te abomino; juventude, eu te adoro.”

Shakespeare

Revista Resgates é um tributo à tados em uma linguagem muito acessível. Foi o que arte da escrita. O que a torna rele- aconteceu com quase todos os alunos das terceiras vante é o fato de reunir o trabalho de séries do Ensino Médio na elaboração da monografa. jovens escritores, para quase todos é Como todo neófto, eles tiveram que enfrentar as di- o primeiro texto publicado. fculdades com todas as suas faculdades, mesmo sa- ATodo texto original é uma produção singular, uma bendo que se não pudessem compreender tudo o que criação, um acontecimento. E isso se sobressai quando se estavam lendo, podiam tirar sempre algum proveito. trata de jovens escritores. Esse fato, por si só, merece ser Uma das funções centrais da escola é incentivar o comemorado. E é justamente solenizar o esforço desses aluno, desde os primeiros anos escolares, a encarar o de- moços e moças o principal objetivo da nossa Revista. safio de penetrar no reino da leitura e da escrita, mesmo Os artigos – apesar da temática geral ser “Fute- que ele ainda não tenha todas as chaves. Jamais as tere- bol: ciência, cultura e sociedade” – falam da vida, das mos. Mas é essencial acreditar na necessidade de procu- expectativas e dos sonhos, ao mesmo tempo pareci- rar sempre alcançar algum refinamento linguístico, que dos e distintos, de cada um desses jovens escritores. não se confunde com uma escrita rebuscada, quase sem- Eles são portadores de suas esperanças, mas, acima pre redundante e confusa. Entender que o aprendizado de tudo, do seu labor. da norma culta é extremamente útil e que nas infinitas Sabemos o quanto é árduo o processo de apren- possibilidades que a língua generosamente nos oferece é dizagem da leitura e da escrita. Não se trata da mera preciso saber escolher qual é o gênero textual mais ade- junção de letras, de sílabas e de palavras. É fundamen- quado para cada ocasião. Trata-se de assegurar a todos os tal que se conheça o que está por trás do que está sendo estudantes a possibilidade do pleno desfrute das novas lido e do que está sendo escrito. É necessário compre- modalidades que foram sendo apoderadas ao longo dos ender os diálogos que o texto produzido estabelece com anos da escolaridade básica que agora se encerra. outros textos já escritos e lidos. Enfim, reconhecer que Cada texto refete as idiossincrasias de quem o isso demanda, inegavelmente, um grande esforço. escreveu. Por outro lado, o ler de cada um envolve Essa difculdade é ainda maior quando se trata um grande número de jogos de sentidos, muitos de- de um contato inicial com textos acadêmicos, nor- les inapreensíveis, quase que intocáveis. Cada pessoa, malmente mais complexos e nem sempre apresen- com suas próprias referências, é por si um universo

7 Revista Resgates 2013 – SUSTE NTABILIDADE

único. Mas o escritor pode facilitar a vida do seu própria conta. E isso não tem nenhuma relação com leitor, elaborando um texto inteligível. Só é possível a maioridade no sentido penal. Adolescentes com afirmar que se conhece um assunto quando temos bem menos de 18 anos podem já ter atingido a maio- condições de transmitir de forma clara e coerente es- ridade e adultos com idade bastante avançada ainda se conhecimento a outras pessoas. Acreditamos que viverem, por covardia ou preguiça, na menoridade. esse objetivo foi alcançado nos artigos apresentados Para exemplificar o que foi dito acima, queremos nesta edição da Revista Resgates. fazer uma homenagem a uma estudante da USP, alu- Torcemos para que outras escutas e réplicas na do Colégio Stockler entre 2010 e 2012. Em um Cine atravessem o texto de cada um dos artigos desta Re- Debate, após a apresentação de três professores, todos vista, que as falas provoquem novos embates, concor- com grande experiência e sólida formação acadêmica, dâncias e, é claro, discordâncias. Questionamentos uma pequena garota levantou decididamente o braço, que divergem, mas, ao mesmo tempo, reconhecem pedindo a palavra. Era a Ana Paula Muche Schiavo, a fala do Outro como válida e merecedora de respeito. uma aluna da 1ª série do Ensino Médio. Ela, com a voz Acreditamos que é pela fricção dos diferentes dis- ainda infantil, proclama com firmeza discordar dos ar- cursos, das distintas formas de ver o mundo e dos múlti- gumentos apresentados e elabora um discurso coerente plos projetos, que é possível contribuir para a emancipa- indicando os seus pontos de vista. Não se trata aqui de ção de cada indivíduo e da sociedade. Afinal, nada pode discutir quem estava com a razão, mas sim de ressal- ser mais ameaçador à liberdade do que o pensamento tar que aquela aluna percebeu claramente o significado único. A expressão final dos regimes totalitários. do termo debate. A riqueza do livre enfrentamento das O aperfeiçoamento da escrita deve ser visto ideias. A palavra como forma de apontar as diferentes como uma instigante experiência de autotransfor- interpretações do mundo. A resolução dos conflitos não mação. Afnal, a linguagem vai além de sua função pela força dos punhos e das armas, mas pelo discurso. comunicacional. Ela, ao possibilitar o desenvolvi- É isso que, de fato, realmente importa. No final do seu mento do pensamento crítico e abstrato, é um meio último ano no colégio, a sua monografia que falava so- essencial para compreender e modifcar o mundo. O bre “A retomada do objetivo original: (in)felicidade em seu domínio e uso constante podem contribuir para foco” foi publicada na Revista Resgates. que cada um vislumbre a importância de um saber O Projeto Político-Pedagógico do Colégio Stockler transgressivo, que rompa com a normalidade “cheia tem como um de seus pilares a crença que uma edu- de cuidados” e a pasmaceira que apenas nos entedia. cação realmente libertária é aquela que assegura as A ampliação do repertório que a escrita e a leitura condições para o desenvolvimento dos pensamentos propiciam também é decisiva no processo gradativo de e das ações autônomas de cada jovem. É que ser livre, substituição da dependência do adolescente em relação abandonar a menoridade, significa que somos os úni- ao mundo adulto por um saudável senso de sua própria cos responsáveis pela escolha de nossos objetivos e dos autonomia e, principalmente, responsabilidade. Em caminhos para atingi-los. Por isso, a Ana Paula, assim suma, da sua passagem para o mundo da maioridade. como todos os “alegres”, “ágeis” e “selvagens” alunos Maioridade aqui entendida no sentido dado por aqui presentes, merecem o nosso absoluto respeito. Kant em seu célebre artigo “O que é o esclarecimen- Somos eternamente gratos a vocês por nos lem- to?”, de 1784. Para o grande filósofo alemão a “me- brarem de algo que já adultos, às vezes, esquecemos: noridade é autoimposta se sua causa assenta-se não que a diferença entre jovens e velhos não está no nú- na falta de entendimento, mas na indecisão e falta mero de anos acumulados, mas na possibilidade de de coragem de usar seu próprio pensamento sem juntos, independente de nossas idades, vivermos com qualquer guia”. Portanto, a maioridade é alcançada intrepidez o verão. quando ousamos conhecer, quando usamos o nosso Parabéns, formandos de 2014. próprio entendimento, sem a necessidade de pasto- Eduardo Montechi Valladares res, tutores ou guias. Em suma, quando não precisa- Almir Bunduki mos de guardiães e somos capazes de andar por nossa Isa da Silva Sorrentino

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AMANDA MARCONDES DUARTE 3 a série B Resumo O objetivo deste trabalho é analisar e descre- métodos de produção, devido ao surgimento de ver o processo de evolução e desenvolvimento recursos tecnológicos, como as máquinas. O tecnológico da produção de tecidos. Focando enfoque desse processo visa o conforto dos jo- na área esportiva, especificamente o futebol, gadores de futebol, os quais dependem também é discutido o processo histórico das substitui- de seus uniformes para terem bom rendimento ções de tecidos de acordo com cada necessidade físico e, consequentemente, um satisfatório de- e premência humana, assim como o avanço dos sempenho em campo.

Palavras-chave: futebol, tecidos, indústria têxtil, tecnologia, camisas de futebol, jogadores, produ- ção, desenvolvimento, máquinas têxteis.

Abstract The goal of this report is to analyze and descri- duction methods, and the appearance of techno- be the process and technologic development of logical resources such as machines. The focus of woven fabrics production. The focus is in sports, this process is for soccer players’ comfort, which specifcally soccer, and is discusses the histori- depends on their uniforms’ performance, which cal process of textile replacement based on each should help lead to a satisfactory performance human need. Additionally, the evolution of pro- on the soccer pitch.

Keywords: football, fabrics, textiles, technology, football jerseys, players, production, development, textile machinery. A evolução da tecnologia nas camisas de futebol

Introdução

om o passar das décadas, surgiu a A empresa americana DuPont se destaca por necessidade de uma melhora nas uma série de descobertas de materiais sintéticos com camisas que seriam utilizadas por aplicações em diversos ramos de produção – desde o jogadores de futebol. Essa evolução setor eletrônico até o alimentício – e que são consi- se baseou principalmente no mate- deradas grandes saltos para a melhoria na vida das rialC de confecção dessa peça de roupa. A grande res- pessoas. Em função dessa capacidade, ela teve impor- ponsável por essa mudança é a indústria têxtil que, tante participação na evolução do setor têxtil. Por vol- por meio da implantação de novas técnicas e novos ta dos anos 1960, foi responsável pelo lançamento do materiais, trouxe melhorias, e consequentemente, fo elastano Lycra e as fbras aramidas Nomex Kevlar, a modernização dos tecidos. utilizadas, entre outras coisas, em roupas resistentes Até pouco tempo atrás, as camisas usadas por ao fogo e a perfurações. Além disso, são muito usa- jogadores de futebol eram feitas somente de algodão. dos pela particularidade de se ajustarem ao modelo Esse era um material resistente, no entanto, era pe- do corpo, seguindo cada curva e movimento. sado e nada maleável. O tecido era produzido por Em 1986 são criadas as primeiras mesclas de fbras grossas de algodão, o que causava um aumen- algodão e poliéster que são, por sua vez, mais leves to na absorção de suor do corpo, por isso o aumento e não encharcavam tanto quanto o algodão. Já em de peso do uniforme. Segundo o engenheiro têxtil 1994, as camisas das seleções que jogaram a Copa Eduardo Arrabaça1, a celulose, que compõe esse do Mundo eram feitas completamente de poliéster, material, retém cerca de 50% do líquido perdido pe- e o peso delas deixou de ser um problema. Contudo, lo atleta durante a atividade física, prejudicando seu esse ainda era um material desconfortável, além de desempenho em campo. reter parte do suor. Esse problema some no final Devido ao aprimoramento do uso de novas tec- dos anos 90, período em que surge o chamado dry nologias, foram criados materiais para a fabricação ft. A nova tecnologia trouxe uma novidade, a qual dos tecidos, agora com a grande preocupação em be- era caracterizada por eliminar o líquido por meio nefciar a performance do jogador, fator que não era do meio ambiente. No caso dos jogadores, esse lí- discutido anteriormente. Na década de 1930 surgiu quido seria o suor. Apesar das difculdades terem a malha de algodão, a qual se diferencia do algodão sido superadas com êxito, as modernizações e evo- em si por apresentar quantidade, espessura e formas luções não se encerraram. de fos diferentes. Também nessa época, foi criada A partir do ano de 2002, surgem várias inova- a poliamida. Ela é composta por fbras sintéticas e ções e diferentes invenções, como os uniformes do tem como propriedades características a resistência Brasil com as camisas de camada dupla, na qual a à fricção e à tração. Essas fbras não se deformam, camada interna evapora o suor e a externa mantém são imunes à umidade e à ação dos ácidos diluídos, a temperatura do corpo. A marca Penalty, como pro- bolores e fungos, e secam rapidamente. tótipo, lançou nesse período os primeiros uniformes

1. Disponível em: Acesso em: 20 de setembro de 2013.

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térmicos sem costura, os quais diminuem o atrito pela indústria têxtil. Com o intuito de especifcar os com a pele e facilitam a movimentação do esportista. temas, ele será composto por alguns capítulos: No momento presente, os uniformes de fute- O capítulo um tem como proposta apresentar bol aplicam tecnologias como a TechFit. Essa é a a evolução da indústria têxtil, abrangendo aspectos motivadora na melhora da velocidade, resistência e como a tecnologia têxtil, a nanotecnologia e as ma- capacidade de atenção dos atletas. Conjuntamente, térias primas. contam-se com técnicas como Climalite e a Clima- No segundo capítulo, será explicado o processo Cool. A primeira é responsável por afastar o suor da modernização das roupas, o qual teve um longo da pele, mantendo o corpo seco e confortável, e a e trabalhado caminho até resultar no que temos segunda por estimular a evaporação mais rápida do nos dias de hoje. Também tratará de assuntos como suor, propiciando uma sensação de frescor e fazendo a costura, que engloba a costura sem fo e a compo- com que o atleta tenha leveza e seguridade em rela- sição dos fios e o tecido, e consequentemente sua ção aos seus movimentos. composição. Além disso, abordará os processos do Por consequência, várias dessas mudanças tear e de tecelagem que evoluíram continuamente e resultaram em alternativas propícias ao melhor de- trouxeram praticidades nas produções atuais. sempenho do jogador de futebol em campo, como O terceiro e último capítulo tratará sobre a a longa transformação dos tecidos das camisetas evolução das camisas de futebol resultante da desse esporte. Está presente, fundamentalmente, a colaboração entre a ciência química e o setor têx- relação da química com o esporte e seu auxílio nesse til. Reunirá tópicos como a química no futebol, a período de inúmeras evoluções. Quando se presume engenharia química a serviço do futebol, a dissi- que já foi alcançada a forma mais tecnológica pos- pação de calor e umidade e a redução de peso das sível, as indústrias, com a contribuição dos conhe- camisas. Como fnalização, uma conclusão dos im- cimentos científcos, surpreendem a cada década. pactos na vida cotidiana dos atletas e na vida dos Este trabalho irá apresentar como ocorreu essa esportistas, visando uma melhora signifcativa na alternância de modelos, os quais são compostos pelos repercussão dos jogos em campo, visando assim a mais diversos recursos explorados, principalmente facilitar seu desempenho.

1. A evolução da indústria têxtil

Nos primórdios das civilizações ao redor do na Revolução Industrial. mundo, na período Mesolítico, fnal da Pré-Histó- No cenário brasileiro, a indústria têxtil se des- ria, as relações entre o homem e o tecido passaram tacou no início da Primeira República, fase com fa- a se sobressair, principalmente em relação aos atos tores históricos que colaboraram para sua evolução. de far e produzir tecidos. Isso se deu a partir do mo- Alguns deles são: a chegada de técnicas europeias mento em que surge a necessidade do homem em se ainda no período colonial, e as guerras mundiais, cobrir, principalmente para proteger-se das intem- que levaram o Brasil a desenvolver novos produtos péries, como a chuva, o vento e o sol. em decorrência da crise do café. Nessa ocasião, pas- A quantidade de diferentes produtos de teci- sa a existir uma congregação entre grandes ataca- dos foi crescendo gradualmente ao longo dos anos distas, o que leva ao surgimento das primeiras em- em virtude das necessidades que surgiam em ca- presas. Havia também a tarifa efcaz contra o tecido da momento da história. Dessa forma, houve uma importado e empréstimos estrangeiros, que era um signifcativa evolução da produção dos tecidos, até importante fator econômico que favoreceu o anda- o surgimento da indústria têxtil, entre o fnal do sé- mento dessas empresas no Brasil. culo XVIII e as primeiras décadas do século XIX, A ampliação do mercado consumidor foi outro

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signifcativo processo que favoreceu a evolução da que classifica o setor como “dominado por forne- indústria têxtil. Essa se sucedeu por pretextos co- cedores”, uma vez que esses mantêm contato com mo a propagação do trabalho assalariado, a oferta os consumidores e, ao mesmo tempo, com os traba- interna de energia elétrica, a facilidade de importa- lhadores, visando assim, melhorias na produção. As ção dos teares ingleses e, principalmente, a grande pesquisas e desenvolvimento feitos pelas empresas relação de oferta e procura. são voltados para o acompanhamento das tendên- No período da Primeira Guerra Mundial, gran- cias de mercado e criação de novos artigos têxteis. de parte do consumo brasileiro foi satisfeita interna- Inovações tecnológicas são encontradas em mente devido à oferta de tecidos importados. Já no máquinas, produtos químicos e fbras têxteis devido momento da Segunda Guerra Mundial, a indústria à grande busca pela modernização. Os subsetores do Brasil passa a fornecer produtos têxteis para toda são responsáveis pelos níveis de desenvolvimento a América Latina. das maquinarias. Como exemplo, no subsetor de Além disso, como toda base econômica de pro- fiação e tecelagem as inovações tecnológicas são dução, a indústria têxtil também passou por alguns resultados do aumento de velocidade de produção e episódios de crise. Em meados da década de 1970, do desenvolvimento dos sistemas de transporte entre por exemplo, o setor brasileiro passou por um pe- as diversas etapas do sistema de produção têxtil. ríodo de superprodução e excessiva importação de Outro índice tecnológico na indústria de teci- teares, tendo assim a aplicação de demandas prote- dos é o desenvolvimento de produtos químicos de cionistas de produção. alta qualidade. Esses produtos buscam atender às O setor têxtil no Brasil foi um recurso que necessidades de redução de tempo nos processos de contribuiu signifcativamente para o crescimento produção, bem como fornecer características espe- da economia nacional, gerando lucros, empregos ciais que atendam às exigências do mercado. e grandes acordos comerciais, incluindo importa- A evolução e aperfeiçoamento de novas fbras ções e exportações. é um grande fator para a criação de novos produtos têxteis, que são criados em decorrência das neces- sidades do mercado. O mercado busca diversifcar 1.1 Tecnologia têxtil esses tecidos de acordo com suas respectivas fnali- O setor industrial têxtil é considerado um dos dades, fato que agrega mais valor aos produtos. mais antigos setores do mundo e era continuamente Na época atual, houve uma signifcativa dimi- caracterizado como intensivo em mão de obra. En- nuição do tempo de produção e aumento da efciên- tretanto, esse campo passou a ser intensivo em ca- cia, além da menor agressividade ao meio ambiente. pital, devido ao desenvolvimento e uso de sistemas Esses são resultados do maior aprofundamento do de produção automatizados. Esta mudança só não uso da nano e biotecnologia e do desenvolvimento é mais rápida devido à grande heterogeneidade das de sistemas de controle. empresas que compõem o setor no Brasil (Braga Jr. & Hemais, 2002). 1.2 Nanotecnologia na produção de tecidos Com a existência de uma segmentação de A nanotecnologia, que é o estudo de partícu- grandes, médias e pequenas empresas, o setor apre- las minúsculas medidas na escala de nanômetros2, senta uma grande diversidade tecnológica, o que é vem desenvolvendo diversos setores da economia do resultado, muitas vezes, da competição entre mer- mundo, desde a área de saúde até a produção de teci- cados de países ainda em desenvolvimento, como no dos. Essa tecnologia se destaca e é muito valorizada caso do Brasil. pelas diversas possibilidades inovadoras que permi- O desenvolvimento tecnológico das indústrias te, o que traz benefícios e o efciente desenvolvimen- têxteis é feito basicamente pelos fornecedores, o to, no caso do setor têxtil.

2. Um nanômetro equivale a um bilionésimo de metro.

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As vantagens do uso da nanotecnologia na pro- las que são vinculadas à estrutura molecular das dução de produtos têxteis são várias, dentre elas se fbras e liberados em condições pré-determinadas, destacam as peças de roupas que possuem o diferen- como temperatura. cial de combater bactérias, sujeira e suor, o que as Dentre as inúmeras possibilidades da utiliza- caracterizam como autolimpantes do ponto de vista ção da nanotecnologia, já existem materiais mais conceitual. Esse recurso faz com que não sejam ne- leves e de altíssima resistência mecânica, fexíveis, cessárias as trocas diárias dessas peças, como é feito resistentes à corrosão e à fadiga, materiais condu- com peças íntimas normalmente. tores e ao mesmo tempo transparentes, materiais A nanotecnologia atua modifcando o arranjo de baixíssima condutividade térmica, materiais de átomos e moléculas dos tecidos, visando um pro- antichama, capazes de atuar como fltros e purif- duto fnal mais resistente, mais leve, mais preciso e cadores de ar (capacidade catalítica). mais adequado. Tal tecnologia está presente nas áre- O grande benefício que se destaca em relação as da física, química, biologia, ciência dos materiais, ao uso desse recurso tecnológico na fabricação de simulação e modelagem computacional. Envolve roupas é a aptidão de associar elementos bacterici- não só a miniaturização do que já foi inventado, das, antimicróbicos, fungicidas, repelentes de in- mas também o aproveitamento e emprego de todas setos, hidratantes, antitranspirantes, entre outros, as alternativas que surgiram a partir de quando a sem alteração das propriedades táteis do tecido, por ciência desenvolveu conhecimentos para chegar à exemplo, sem perder maciez e suavidade. Esse re- habilidade de visualizar e manipular os átomos e curso ainda está em processo de desenvolvimento moléculas presentes em um corpo material. e, por isso, não é acessível a grande parte da popu- Segundo o professor da USP (Universidade lação mundial devido ao encarecimento dos tecidos de São Paulo), Henrique Eisi Toma: “Com ela (na- nanotecnológicos. notecnologia) é possível alcançar um limite de re- Futuramente, há uma previsão de maior di- dução de escala que fará com que os produtos que versidade dos produtos, peças de roupas e tecidos conhecemos hoje sofram alterações nas formas, que apresentem maiores vantagens de acordo com fórmulas e funções”. Valendo-se da nanotecnolo- suas fnalidades. Além disso, há uma expectativa gia, também há a possibilidade da produção de fos de crescimento no índice de desenvolvimento de capazes de liberar no corpo produtos como cremes setores econômicos, principalmente têxtil e de saú- hidratantes, perfumes, protetores solares e medi- de, devido às suas funções na sociedade, o que trará camentos. Esses são rearranjados em micro cápsu- maiores benefícios ao desenvolvimento do Brasil.

2 . Modernização das roupas

A grande modernização das roupas ao longo das cessos de tecelagem. décadas refete diretamente a evolução da indústria têxtil, discutida no capítulo 1 desta monografa. 2.1 Matérias primas na Os teares de baixa produção foram substituídos composição do fo e de tecidos por teares modernos, que, por possibilitarem maior Os primeiros tecidos criados na história são de produtividade, menor custo e maior lucro, permiti- origem vegetal (linho, rami, cânhamo e algodão) e ram às grandes indústrias garantir a qualidade dos animal (lã e seda), ou seja, são todas fbras naturais. tecidos vendidos e distribuídos ao mercado. Há vestígios das descobertas de alguns desses mate- O progresso do setor têxtil culminou com o de- riais, como: linho, 5000 a.C. no Egito; lã, 4000 a.C. senvolvimento dos tecidos, o que envolve a evolução na Mesopotâmia; algodão, 3000 a.C. na Índia; seda, dos tecidos, das costuras, dos materiais e dos pro- 2640 a.C. na China.

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O linho é uma fbra nobre pelo toque, brilho e são desenvolvidas a partir de uma substância pre- conforto, era tecido e fado desde a Idade da Pedra. sente na celulose extraída da madeira, do algodão Uma técnica utilizada nesse período era o uso das ou a partir da petroquímica. fbras do caule que posteriormente eram fadas. Algumas fbras artifciais são a viscose e o ace- A lã é uma fbra natural e era extraída a partir tato. A primeira é misturada em proporções diver- da tosa de ovelhas. Tecidos feitos de lã eram muito fa- sas, o que resulta em melhor caimento, brilho, cor mosos na Mesopotâmia e no Egito Antigo. A lã podia e textura do tecido. Já a segunda é menos utilizada ser tingida com pigmentos animais e vegetais. Além nas produções têxteis pelo fato de não ser muito dela, o pêlo de outros animais, como o do coelho e o efciente em relação ao tingimento dos flamentos, da lhama, era muito utilizado na produção dos fos. porém é aplicada na fabricação de rendas, cetins e O algodão, uma fbra natural, vegetal, consti- materiais de estofamento. tuído de celulose, é originado de uma planta. His- Já as fibras sintéticas, derivadas do petróleo, toricamente, o algodão foi conhecido como Sindhu podem ser a poliamida, o poliéster ou a fibra acrí- ou Sindon, e mais tarde passou a ser chamado de lica. São compostas de macromoléculas lineares algodón ou cotton. No Peru, os povos Incas eram os sintéticas e têm baixa absorção de umidade e densi- maiores dominadores de técnicas do cultivo, fação, dade, alta resistência à raspagem e alta elasticidade. tecelagem e tingimento do algodão. Esse tecido tem A poliamida, mais conhecida como nylon, possibi- como principais características físicas a alta absor- lita a produção de fio com resistência cerca de 3,5 ção de umidade e densidade, baixa elasticidade e vezes superior à dos fios de algodão. Sua mistura, baixa resistência à raspagem. juntamente com elastano, é muito utilizada na pro- A seda, matéria prima de origem animal, é dução de roupas esportivas. produzida pelo bicho-da-seda, o qual produz um O poliéster, composto de macromoléculas line- filamento único e contínuo. Esse filamento é ca- ares, é uma fbra que possui várias funções, princi- racterizado por ser muito longo, chegando a cerca palmente nas linhas de costura. Apresenta Possui de 1500 metros, muito fino e delicado e pode ser baixa absorção de umidade e densidade, valores produzidos em diversas colorações, como tons de medianos de elasticidade e resistência superior de branco e amarelo. abrasão e de resiliência. Há ainda a fbra Polietileno Essas fibras naturais são algumas matérias Tereftalato (PET), que é uma forma ecologicamente primas básicas da produção de fos e tecidos. Atual- correta do poliéster, pelo fato de no momento de sua mente, há a utilização de algumas fbras artifciais, reciclagem para fabricação não haver perdas, ou se- sintéticas ou elastanos, os quais atendem necessi- ja, há um aproveitamento total. dades específcas do mundo moderno. Essas fbras Adicionalmente, há a fbra acrílica, que compe- não naturais foram produtos de pesquisas cientí- te com a lã nos mercados atuais em relação a artigos ficas realizadas por volta do século XVIII, quando de inverno. Suas vantagens sobre a lã são o preço foi inventado o filamento de vidro. Esse filamento mais barato, a solidez, o brilho das cores, a resistên- é produzido por máquinas, as quais utilizam vidro cia a lavagens e por ser hipoalergênica. Além disso, fundido de carbonato de sódio e cal, derramados em apresenta como propriedades físicas a baixa absor- um disco rotativo ou por meio de uma corrente de ar. ção de umidade, e alta densidade e elasticidade. A Rhodia, grupo internacional baseado na O último modelo de fibras é o elastano. Ela é e presente no Brasil desde 1919, foi pioneira segmentada e apresenta como novidade a alta elas- na descoberta e lançamento dessas fbras. Algumas ticidade. Essas características possibilitam a produ- delas eram o acetato, a viscose e o nylon. Mais tar- ção de tecidos que aderem ao corpo, acompanhando de, a DuPont, empresa americana e segunda maior as formas sem prejudicar os movimentos. O modelo empresa química do mundo, faz o lançamento do fo mais conhecido de elastano é a Lycra. elastano, mais conhecido como Lycra, do poliéster e Ainda, os fios podem ser classificados como do acrílico. Sendo assim, algumas fbras artifciais mistos, texturados ou microfibras. Os fios mistos,

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fibras químicas e naturais são aptos a agrupar as tando verticalmente ou horizontalmente os fos de propriedades das fibras naturais às necessidades urdume, em sequência ou ao mesmo tempo, com de manutenção das químicas modernas. Os posicionamentos já estabelecidos, dependendo da denominados texturados são formados por sequência de passamento ao longo dos diferentes filamentos deformados, em forma de alças, liços (elemento formador de cala), espalhados ao ondulações ou helicoidais. Essa técnica tem como longo das tramas na base de entrelaçamento. Esse vantagem a oferta de maior conforto e maciez ao procedimento é ilustrado na fgura 1. tecido. Já as microfbras são fos multiflamentos que portam flamentos individuais, o que o caracteriza como um fo resistente, uniforme e baixo peso.

2.2 Tecelagem e o tear A tecelagem, como ato de produzir tecidos, ca- minhou juntamente à evolução da indústria têxtil, vi- sando novas e mais práticas efcientes nas produções de roupas. Posto isso, foram criadas, evolutivamente, diversas técnicas em relação aos teares e à tecelagem. Os primeiros teares já criados na história eram Figura 1: Imagem disponível em: . Acesso em: 16 basicamente estruturas verticais constituídas de ga- de março de 2014. lhos, os quais eram pendurados e tensionados. Feito isso, outros frios eram então entrelaçados artesa- Na ilustração: (a) Urdume; (b) Trama, fios nalmente, ou seja, por trabalho manual. No lugar que estão sendo entrelaçados pelo urdume, em de fos, também eram utilizados pelos de animais. movimentos longitudinais ou latitudinais; (c) Fios A tecelagem é a produção de tecidos por meio esticados no tear, pelo comprimento do tecido; (d) do entrelaçamento de fos de tramas (transversais) Pente, o que separa os fos permitindo a passagem com fos de teia ou urdume (longitudinais). Tecidos da trama, baseado do produto que será tecido; (e) denominados planos ou de cala são aqueles produzi- Cala, espaços onde os fos serão trançados; (f) Te- dos no processo de tecelagem, que são diferentes dos cido com a trama já pronta. tecidos de malha. Os diversos produtos da tecelagem A principal diferença entre os teares manuais são fabricados de acordo com suas posições na trama, e automáticos são as técnicas de inserção das tra- passando por baixo ou por cima dos fos de urdume. mas. Os modelos mais antigos eram realizados por As formas de tecelagem são artesanais (ma- lançadeiras. No momento atual, os tipos de inserção nuais) ou industriais (automáticas). No geral, esse dos fos de trama são por meio de projéteis, pinças, processo é baseado em três passos: Abertura da ca- jatos de ar ou jatos de água. No modelo industrial, o la (operação para selecionar os fos de urdume); in- processo de abertura da cala pode ser por meio de serção da trama; batida do pente. A seleção dos fos excêntricos ou maquinetas. de urdume se mantém superiores ou inferiores em relação à formação da cala. Essa ação determina os 2.3 Costura tipos de entrelaçamento dos fos, o que é chamado A costura é um trabalho manual que esteve de debuxo ou padronagem. sempre presente na história da humanidade, daí a Atualmente, as máquinas de preparação da difculdade para determinar sua invenção ao fnal tecelagem utilizam algumas técnicas específcas. dos tempos pré-históricos. Há registros dos primei- Estas estão relacionadas aos movimentos e posi- ros instrumentos utilizados com a função de uma ções dos flamentos. É necessária, na tecelagem de agulha, que eram de ossos e marfm, há mais de 30 planos convencionais, a capacidade de formação mil anos atrás. da cala (primeira etapa de produção) movimen- Com a necessidade do uso de tecidos, já men-

16 A evolução da tecnologia nas camisas de futebol

cionada no capítulo 1, a necessidade do ato de cos- cava a costura de roupas em nível industrial. Com turar também se tornou essencial. Consequente- o surgimento desses equipamentos, veio uma in- mente, a profissão do costureiro, ou do alfaiate, satisfação dos antigos profssionais dessa área que também se tornou mais presente. Essa profissão além de perderem seus empregos, não conseguiam era de caráter totalmente artesanal até o período acompanhar o ritmo das empresas, o que causou da Revolução Industrial. Com a substituição do várias revoltas dos artesãos. Uma delas foi o ludis- trabalho manual por máquinas, também surge a mo, a qual estourou em 1811 no Brasil, em que houve costura em escala industrial. Foi nesse momento, revoltas dos operários contrários aos avanços tecno- então, que são criadas maquinarias e utensílios lógicos, que substituíam homens por máquinas. As- mais efcazes e práticos que o trabalho artesanal sim como essa, eram revoltas consideradas radicais, do costureiro. onde as fábricas eram invadidas e todos os equipa- O grande inventor da primeira máquina de mentos modernos destruídos. costura foi Thomas Saint, em 1790, porém essa ti- Apesar do grande número de revoltas, a pro- nha a finalidade de costura de couros de sapatos. dução têxtil cresceu em larga escala. Além disso, a Mais tarde, em 1830, o alfaiate francês Barthelemy costura industrial evoluiu e se desenvolveu continu- Thimmonier cria a primeira máquina que se dedi- amente ao longo dos anos.

3. Evolução das camisas de futebol

Todo esse andamento evolutivo dos proces- a censura, o preconceito e a proibição, em momentos sos de produção e modernizações dos tecidos e da ditatoriais no cenário brasileiro, para sua manuten- indústria têxtil, não só no Brasil, mas no mundo ção como um esporte fxo e profssional no Brasil. todo, impactou vários setores comerciais e sociais No período da Guerra Fria, quando o mundo na humanidade. Será tratada essa mudança, em estava baseado na disputa entre dois grandes pólos específico, no mundo esportivo, no caso, nas ca- de influência, a noção de “jogo justo” foi esqueci- misas de futebol. da. Por exemplo, os jogadores deixaram de lado as Primeiramente, surgiu a relação mais direta normas e regras éticas do esporte, visando exclu- entre o mundo da química e o do futebol. Passaram sivamente a vitória de seus times. Isso se deu pela a ser relacionados aspectos desses dois lados que ambição das potências a estarem tecnologicamente jamais foram pensados ou mesmo feitos em tem- frente às outras, o que, consequentemente, aumen- pos remotos. Tem-se hoje, a associação da química tou o ar de competição. Juntamente com isso, sur- com o gramado do campo de futebol, a bola, a rede, gem as substâncias dopantes para melhor efciên- as travas da chuteira e a chuteira em si, o uniforme, cia dos profssionais e os objetos e trajes esportivos que será tratado nos próximos itens, ou até mesmo mais tecnológicos. os hormônios da euforia do mundo do futebol. Por essa nova necessidade de ganhar e compe- O processo tomou partida na produção desde tir, cada vez mais aparece a criação de equipamen- os flamentos até as camisas com polímeros nano- tos específcos para a prática do esporte, inicialmen- tecnológicos, e ainda não para por aqui. Devido a to- te em regiões inglesas, no século XX. Visto isso, da essa evolução da ciência na sociedade do século houve o efetivo crescimento das grandes indústrias XXI, essas correlações se tornaram muitas. de materiais esportivos, o que fez do futebol uma atividade lucrativa e gerou uma junção da química 3.1 A química a serviço do futebol com o mundo esportivo. O futebol é um esporte que sofreu grandes de- Visando promover e criar muitos produtos safos, como o enfrentamento dos problemas, como efcientes para o auxílio na prática do futebol, in-

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vestiu-se na ciência química e na tecnologia nas trata principalmente de hormônios. Esses sistemas, grandes indústrias. O início dessa transformação os quais devem ser bem regulados ao exercício físi- se deu no momento da implantação de sandálias e co, são especialmente cuidados também com o pro- botas de couro como proteção dos pés, em meados pósito de auxílio aos jogadores. do século XVI, o que em momento anterior não se Fator destacado na evolução química no mun- usava objeto algum. do esportivo foram as signifcativas transformações Com o passar do tempo e a chegada da Revo- nos tecidos das camisas de futebol. Esses sofreram lução Industrial, os sapatos foram desenvolvidos por muitas experiências e mudanças em indústrias em várias etapas, com solados estilizados, cadarços químicas e foram sendo selecionadas pela sociedade mais resistentes e maior proteção aos pés dos joga- e pela prática dos atletas de várias modalidades es- dores. Não somente isso, mas as tradicionais cami- portivas, mas principalmente, do futebol. sas de algodão, que tinham grande peso devido ao suor do atleta, foram trocadas por camisetas que es- 3.2 Novidades nas camisas de futebol timulam a evaporação da transpiração. Além disso, Visando a melhora e a eficiência dos atletas as bolas, com trocas de materiais em sua produção, nos jogos de futebol, surgiram novidades evolutivas se tornaram mais rápidas. nos tecidos e no modo de produção das camisas de A Química, além da grande infuência nos ob- esporte. Estas se tornaram muito famosas e usadas jetos do esporte, também se envolveu em relação por atletas de todo o mundo. à saúde dos jogadores. A combinação de muitos Eram utilizadas roupas de tecidos de algodão átomos, presentes no mundo químico e na famosa ou de fbras vegetais, que ao longo do jogo fcavam tabela periódica, são produtos de substâncias essen- muito pesadas em relação ao início devido ao acú- ciais na vida humana, como proteínas, gorduras, mulo de suor dos jogadores, o que dificultava sua carboidratos e até mesmo a água. Essas substâncias movimentação. Até que a empresa Dupont, já citada são estudadas com cautela, principalmente quando no início, concluiu o desafo de substituir a malha de relacionadas ao esporte. A relação desses compostos algodão pela nova fbra, o nylon. com o corpo do atleta deve ser controlada e admi- O nylon é um polímero termoplástico formado nistrada de maneira a ajudá-lo em seu desempenho. pela reação química de polimerização de monôme- Além disso, o envolvimento com os sistemas psico- ros de amida unidos por ligações peptídicas, como lógico, neurológico e endócrino humano, quando se está representado na fórmula na fgura 2.

Figura 2: Fonte: Disponível em: http://www.mundovestibular.com.br/articles/777/1/POLIMEROS-DE-CONDENSACAO/Paacutegina1.html>. Acesso em: 26 de agosto de 2014.

Nos últimos anos, a lycra ou elastano misturados riais mais utilizados na confecção de roupas esporti- às microfbras de poliamidase se tornaram os mate- vas, que contém sua fórmula ilustrada na fgura 3.

Figura 3: Imagem disponível em: . Acesso em: 26 de agosto de 2014.

18 A evolução da tecnologia nas camisas de futebol

A Doutex, umas das principais empresas brasi- leiras que produzem tecidos mais tecnológicos, criou, em 2011, a famosa tecnologia dos tecidos CoolMax que funcionam de acordo com o esquema da fgura 4.

Coolmax® Comfort System Figura 5: Imagem disponível em: . Acesso em: 26 de agosto de 2014. Pele

Tecido Outra novidade é a costura sem fio, em que é Coolmax® usada uma cola específca no lugar de flamentos.

Ar Essa técnica torna a camisa mais leve, pesando aproximadamente 160 gramas, cerca de 15% a me- nos que as camisas com costura. Umidade Nessa proximidade com a química e com a na- notecnologia, também foi descoberta a junção do

dióxido de titânio (TiO2) ao fo das camisetas, o que Figura 4: Imagem disponível em: . Acesso em: 16 de março de 2014. Essas citadas, como muitas outras invenções de polímeros e flamentos misturados a elementos São escaladas também as microfibras de po- químicos, foram alvo de grande sucesso no mundo liéster, que são mais resistentes a puxões, mais contemporâneo. Ainda assim, as indústrias quí- leves e mais confortáveis. Esses tecidos sintéticos, micas juntamente com todos os cientistas e enge- que vestem a maioria dos esportistas hoje, são nheiros químicos estão continuamente aumentan- bons condutores de suor, e tem presentes efeito do essas descobertas e pesquisas, o que irá trazer bacteriostático e proteção UV. A fórmula estrutural muitos benefícios a sociedade, e principalmente, dessas microfbras está representada na fgura 5. aos atletas.

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Conclusão

O estudo das propriedades dos flamentos e de cessidades fsiológicas dos atletas em campo. cada tecido do setor têxtil é essencial para o enten- Com o avanço de toda tecnologia e das técnicas dimento da funcionalidade de cada peça de roupa. empregadas ao longo da evolução da indústria têxtil, Os fos, tecidos e polímeros que compões essas es- foi facilitada a melhora nas condições das roupas e truturas fazem essa junção da tecnologia científca vestimentas utilizadas por jogadores de futebol. Es- com as fbras moleculares. se desenvolvimento favoreceu a descoberta de novas Por estar em contato direto com a pele de ca- matérias primas que visam aumentar a efciência da indivíduo, há uma grande insatisfação pelo uso do jogador em casa, como a velocidade e o conforto. de camisas de algodão, por exemplo, na prática de Por fim, toda essa evolução crescente da as- esportes como o futebol, que exige grande esforço sociação da química ao futebol atinge cada vez físico e desempenho. O desconforto causado pela mais as expectativas das grandes empresas. Desse umidade, peso, atrito, temperatura, difculdade de modo, supre uma série de exigências da sociedade locomoção e bem estar do jogador em campo era moderna, o que satisfaz e conforta os indivíduos, uma fator problemático no mundo do esporte. A uma vez que resolve problemas até então não solu- química, por sua vez, auxilia na atenção dessas ne- cionados pela população.

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22 Como melhorar o condicionamento físico dos jogadores de futebol e seu desempenho durante o jogo por meio da alimentação

BIANCA SOLLITTO SIQUEIRA E SILVA 3 a série D Resumo O objetivo deste trabalho é analisar formas de apresentará como as reações químicas desenca- alimentação adequadas para a melhora do condi- deadas pela ingestão de carboidratos e lipídeos cionamento físico dos jogadores de futebol e seu interferem nos sistemas humanos para, assim, desempenho durante o jogo. O presente trabalho aprimorar a capacidade física do esportista.

Palavras-chave: alimentação, condicionamento físico, reações químicas, capacidade física.

Abstract The goal of this report is to analyze ways of reactions triggered by the ingestion of sub- appropriate alimentation in order to improve stances such as carbohydrates and lipids inter- football players’ physical conditioning and fere with humans’ organisms, so as to improve their performance during the game. Therefore, the physical capacity of the sportsman. the report will demonstrate how the chemical

Keywords: diet, ftness, chemical reactions, physical capacity. Como melhorar o condicionamento físico dos jogadores de futebol e seu desempenho durante o jogo por meio da alimentação

Introdução

futebol brasileiro está em constante elas a alimentação mais adequada e a suplemen- crescimento desde, principalmente, tação recomendada. o início do século XX, destacando- Esta monografia abordará, mais especifi- se o Brasil como uma das maiores camente, como as reações desencadeadas pelos potências futebolísticas mundiais e, alimentos ingeridos interferem, positiva ou nega- Oem especial, como o país que mais exporta atletas. tivamente, nos sistemas humanos e de que forma Devido à grande popularidade do futebol em podem benefciar o esportista para, assim, aprimo- nosso país, e à generosa remuneração desses atletas, rar a capacidade física do mesmo. a procura por esse esporte como meio profssional Os capítulos que compõem a monografia são é inestimavelmente grande. Muitos jogadores ca- cinco. Cada capítulo irá abordar um fator específ- racterizam-se como capazes de desenvolver uma co da alimentação, além de apresentar a partir de carreira promissora no esporte, entretanto, não é quais alimentos os nutrientes podem ser obtidos. O simples se destacar e ser reconhecido no ramo. primeiro tratará do glicogênio muscular. O segundo, O jogador ganha visibilidade quando apresenta dos carboidratos. O terceiro, das proteínas. O quar- condições físicas superiores às dos outros, que per- to, das gorduras e, por fm, o quinto capítulo irá dis- mitem ter melhor desempenho e disposição duran- correr sobre os micronutrientes. te o jogo. Para isso, é necessário ter uma alimenta- Foi utilizado como metodologia o levantamen- ção regrada e balanceada. to de dados por pesquisa, tanto em livros quanto na Dessa forma, o presente trabalho tem por internet e entrevistas com profssionais que traba- objetivo tratar sobre formas de melhorar o condi- lham na área, como, por exemplo, nutricionistas e cionamento físico dos jogadores de futebol, entre personal trainers.

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1. Nutrição e futebol

O futebol envolve exercícios constantes e, na dratos, é essencial para que os atletas tenham a de- maior parte das vezes, diários, e a intensidade do manda energética necessária para realizar uma boa esforço físico do atleta varia devido, por exemplo, à partida do jogo. importância do jogo, qualidade do adversário, posi- cionamento do jogador, entre outros. 1.1 Glicogênio muscular A nutrição, particularmente rica em carboi-

Fórmula estrutural do glicogênio muscular Fonte:

O glicogênio é uma combinação de moléculas de são 5% menores comparadas com o primeiro tempo) e glicose, que serve como forma de armazenamento de as distâncias percorridas, é direta. Ou seja, o desempe- açúcares em células animais. Essa associação de mo- nho do esportista pode ser influenciado pela ausência léculas desempenha um papel essencial na produção do glicogênio, o que o faz manter o trabalho muscular a de energia durante o exercício físico. A fadiga está for- partir da energia fornecida pela gordura corporal, que temente associada à redução drástica da mesma, sen- é 50% mais lenta (abaixo do normal). do o esgotamento físico do jogador evitado com a pre- A principal razão para que as reservas de gli- sença de concentrações adequadas dessa substância. cogênio sejam essenciais é que os atletas convertem Dietas que apresentam um valor elevado de suas reservas lipídicas lentamente durante o exer- carboidratos (glicogênio e glicose), são essenciais cício. Entretanto, quando as reservas de glicogênio para a manutenção das reservas de glicogênio em são diminuídas, ou seja, o glicogênio muscular e a números elevados durante as sessões de exercício glicose sanguínea estão baixos, a intensidade dos intenso. Além disso, pode-se dizer também que tais exercícios fica reduzida aos níveis que podem ser dietas são, aparentemente, fortemente recomenda- suportados, devido à limitação da habilidade do or- das para a promoção de uma melhoria no desempe- ganismo em converter gorduras corporais em ener- nho induzido pelo treinamento (SIMONSEN et al. gia (COYLE, 1997, p.1). 1991 in COYLE, 1997, p.1). Durante a primeira metade do jogo de futebol, Durante o jogo de futebol, a relação entre a quan- os níveis de glicogênio não se caracterizam como tidade de glicogênio muscular, o nível de esforço dos fatores determinantes para o bom desempenho do jogadores (as atividades do segundo tempo de partida atleta. Entretanto, se o jogador iniciar a segunda

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metade com níveis diminuídos, seu desempenho se baixos. Dessa forma, é evitada a fadiga muscular. físico será comprometido. Em 1989, foi verifcado por Leatt e Jacobs2 que Portanto, atletas que iniciarem o jogo com con- jogadores que ingeriram bebidas contendo glicose centrações mais baixas de glicogênio muscular con- 10 minutos antes do jogo, percorreram distâncias sequentemente apresentarão um desempenho físico 25% maiores do que jogadores que ingeriram bebi- mais baixo. Ou seja, irão, particularmente na segun- das neutras (como, por exemplo, água). Dessa for- da metade do jogo, percorrer distâncias menores em ma, a ingestão de carboidratos não apenas antes, velocidades mais baixas que os demais jogadores. como durante os jogos, traz como resultado a me- OComo citado anteriormente, o glicogênio é lhora do desempenho físico dos atletas praticando uma combinação de moléculas de glicose. Dessa exercícios físicos longos. forma, o mesmo pode ser obtido em alimentos como Além disso, a ingestão de carboidratos é impor- mel, além de diversas frutas (como morango, aba- tante para a recuperação dos atletas após o jogo. Nes- caxi, melancia, entre outras) que são constituídas se contexto, entendem-se como recuperação, tanto principalmente por frutose, que pode ser facilmente processos nutricionais, como a restauração de esto- transformada em glicose. ques hepáticos e musculares de glicogênio, e também o reparo de lesões causadas durante o exercício. 1.2 Carboidratos Para que a reposição de glicogênio ocorra de Os carboidratos são moléculas orgânicas, forma- forma mais rápida, os carboidratos devem ser in- das por carbono, hidrogênio e oxigênio. São caracteri- geridos logo após a realização do exercício físico, zados como as principais fontes de energia para célu- devido às taxas de glicose sanguínea e insulina las animais, já que, durante o processo de fosforilação estarem elevadas. Caso o carboidrato seja ingerido oxidativa, são responsáveis por carregar as moléculas após um período do término do exercício, a taxa de de energia, denominadas ATP, liberando-as em seu reposição do glicogênio não será ágil. decorrer devido à contração muscular. Podem ser Os carboidratos, principalmente os complexos, denominados como monossacarídeos (constituição são assimilados mais lentamente, o que faz com que mais simples), dissacarídeos (resultantes da união de se prolongue a sensação de saciedade, além de serem dois monossacarídeos) e polissacarídeos (resultantes mais nutritivos. Podem ser encontrados em alimen- da união de diversos monossacarídeos). tos integrais, como arroz integral, e também em ali- A ingestão de 312 gramas de carboidratos, nas mentos como grão de bico, lentilhas, entre outros. quatro horas precedentes ao início do exercício, re- sulta em aumento de 15% no desempenho físico. A 1.3 Proteínas ingestão de carboidratos 10 minutos antes do iní- As proteínas são compostos orgânicos, de es- cio de um jogo diminui a utilização de glicogênio trutura complexa, que provêm do encadeamento de muscular em 39%, aumenta a velocidade de corri- inúmeros aminoácidos. São formadas por segmen- da e a distância percorrida na segunda metade da tos de RNA e DNA do próprio indivíduo. Participam partida em 30%. Os jogadores que ingerem bebidas de forma versátil no corpo humano, tendo parte na contendo carboidratos mantêm intensidade maior formação da estrutura de tecidos, além de agirem de exercício durante o jogo comparados com os que como agentes reguladores de atividades biológicas, consomem somente água.1 como funções enzimáticas, e servirem como fonte Antes que a fadiga muscular ocorra, o jogador de- nutritiva a partir dos aminoácidos. ve ingerir carboidrato, de modo a garantir sua disponi- Devido à necessidade de reparos de lesões cau- bilidade quando os níveis de glicogênio encontrarem- sadas pelo exercício em suas fibras musculares,

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além de as proteínas serem usadas como forma de deos compostos8 e lipídeos derivados.9 obter energia, atletas apresentam necessidades pro- Juntamente com os carboidratos, as gordu- teicas maiores do que um indivíduo sedentário. ras, em especial as boas,10 são a principal fonte de A partir de medidas laboratoriais, com base em energia durante o exercício. São denominadas li- fatores como disponibilidade de carboidratos, dura- pídeos, e grande parte de seu substrato provém de ção, intensidade e tipo de exercício realizado, além ácidos graxos livres mobilizados do tecido adiposo.11 de ingestão energética, sexo e idade, a recomenda- Essa mobilização se torna mais acentuada durante ção proteica aumenta em até 100% para pessoas que exercícios mais longos, de intensidade moderada. praticam esportes regularmente.3 Um grande problema entre os atletas é manter A proteína contribui para o pool4 energético o consumo adequado de lipídeos. Devido à ingestão durante o repouso e o exercício, sendo que durante elevada dos mesmos, torna-se difícil consumir as a atividade sua oxidação contribui com cerca de 5 quantidades recomendadas de carboidratos. Entre- a 10% do fornecimento total de energia. Assim, os tanto, a redução drástica de gorduras na dieta dos aminoácidos servem como fonte auxiliar de com- atletas é altamente desaconselhável, já que estas bustível durante exercícios intensos e de longa du- não apenas participam do processo de obtenção de ração e, após sua oxidação, são irreversivelmente energia, como também do transporte de vitaminas perdidos. Caso não sejam repostos, via alimenta- lipossolúveis,12 além de serem componentes essen- ção, haverá comprometimento do processo normal ciais das membranas celulares. de síntese proteica. Isso pode levar à perda da força É necessário o consumo adequado e balance- muscular, diminuindo, então, o desempenho du- ado de gorduras boas, as quais podem ser encon- rante uma partida de futebol.5 tradas em alimentos como peixes (salmão, truta, Alimentos ricos em proteínas podem ser deno- atum), óleos vegetais (azeite, óleo de canola, óleo de minados como alimentos ricos em valor biológico.6 linhaça), frutas (abacate), nozes (avelã, amêndoa, Os que apresentam o maior valor biológico são, entre castanha de caju) e sementes (semente de abóbora, outros, frango, peixe e carnes vermelhas (os citados pistache, gergelim, semente de girassol). apresentam 7 g de proteína a cada 30 g do produto). 1.5 Micronutrientes 1.4 Gorduras Os micronutrientes são nutrientes essenciais, As gorduras são substâncias orgânicas, de ori- necessários para a manutenção do organismo. Em- gem animal ou vegetal, formadas principalmente bora sejam requeridos em pequenas quantidades, pela condensação entre glicerol e ácidos graxos. seu défcit pode causar doenças e disfunções, e seu Além de serem a forma mais efciente de armaze- excesso pode levar a intoxicações. Fazem parte des- namento de energia, são veículos importantes de se grupo as vitaminas e os sais minerais. nutrientes, como vitaminas e ácidos graxos essen- As vitaminas são essenciais para o funciona- ciais. Podem ser divididas em lipídeo simples,7 lipí- mento adequado de processos fsiológicos do corpo

3. Lemon PW. Beyond the zone:protein needs of active individuals. J Am Coll Nutr. 2000;19:513S-21S. 4. O pool energético pode ser caracterizado como o armazenamento de energia adquirida a partir de alimentos consumidos, após sua di- gestão e absorção no trato gastrointestinal. Pode fornecer energia de forma imediata (denominado pool energético disponível) ou armazenar energia para uso posterior. 5. Explicação retirada do site < http://www.scielo.br/pdf/rbme/v7n6/v7n6a03.pdf> 6. O valor biológico mede a efciência com a qual o corpo humano usa uma fonte específca de proteína. Logo, quanto maior o valor biológico, mais aminoácidos o corpo retém. 7. Lipídeos simples são triglicerídeos que, quando decompostos, originam ácidos graxos e glicerol. 8. Lipídeos compostos são combinações de gorduras com componentes como fósforo e glicídios. 9. Lipídeos derivados são substâncias produzidas na hidrólise ou decomposição dos lipídeos. 10. As “gorduras boas” são denominadas ácidos graxos e são essenciais em qualquer tipo de dieta. 11 O tecido adiposo é também conhecido como tecido gordo. Localizado principalmente na região subcutânea, é um tecido cujas células possuem óleos e gordura. Atua no corpo como uma reserva de energia, além de ser isolante térmico. 12. Vitaminas lipossolúveis são vitaminas encontradas em óleos e gorduras de alimentos. São absorvidas com assistência da bile e armaze- nadas no fígado e no tecido adiposo.

28 Como melhorar o condicionamento físico dos jogadores de futebol e seu desempenho durante o jogo por meio da alimentação

humano. São compostos orgânicos, que não podem de alimentos, não é provável terem qualquer tipo de ser sintetizados pelo organismo, encontrados em problema relacionado à falta de micronutrientes. pequenas quantidades na maior parte dos alimen- A inadequação de determinadas vitaminas e tos. Têm como principais funções a de coenzima13 sais minerais pode comprometer a capacidade aeró- e de antioxidante.14 bia e anaeróbia do atleta, devido ao importante pa- Os sais minerais são compostos inorgânicos, pel que desempenham no metabolismo energético. concentrados principalmente nos ossos. Atuam co- Para garantir que não haja problemas com as mo componentes importantes na formação e ma- quantidades de micronutrientes, a suplementação nutenção dos mesmos, além de regularem ações tanto de vitaminas, quanto de minerais, é altamen- enzimáticas e comporem certas moléculas orgâni- te recomendada. Pode ser útil em casos de dietas cas. Como não são produzidos pelo corpo humano, que apresentam défcit das mesmas, devido a diver- devem ser adquiridos através de uma alimentação sos fatores, tais como estilo de vida, além de assegu- que os forneça em quantidades adequadas. Se hou- rar o nível adequado de consumo de nutrientes, em ver excesso, serão eliminados através da urina e virtude de exercícios extremos. das fezes. O cálcio, o fósforo e o potássio são exem- Entretanto, indivíduos que apresentam uma plos de sais minerais. dieta balanceada, com valores bioquímicos nor- Por se exercitarem por longos períodos e em alta mais desses nutrientes, que consomem altas doses intensidade, os jogadores de futebol são propensos a de suplementação dos micronutrientes citados ingerir quantidades inadequadas de micronutrientes. anteriormente, não apresentam melhora em seu Pessoas fisicamente ativas perdem grandes condicionamento físico. quantidades de sais minerais devido ao suor exces- Os micronutrientes, ou seja, as vitaminas e os sivo.15 Entretanto, se os atletas consumirem, dentro sais minerais, podem ser encontrados em alimen- de uma dieta adequada, elevados níveis de carboidra- tos de origem animal (vitamina A e B1), em carnes tos, moderados níveis de proteínas e uma equilibrada magras, peixes e amendoins (vitamina B3), além de quantidade de lipídeos, dentre uma grande variedade feijão, vegetais e batata (ácido fólico).

Conclusão

A disciplina nutricional dos jogadores de fute- nutrientes, é imprescindível frente às necessidades bol é de extrema importância, considerando o fato de um bom condicionamento físico, resistência e de que tudo o que ingerirem refetirá em seu desem- velocidade durante os jogos. penho durante o jogo. Juntamente com uma suplementação adequa- Uma dieta balanceada, que atenda as necessi- da, a boa desenvoltura do atleta durante o jogo será dades energéticas de carboidratos, lipídeos e prote- refexo de dedicação tanto na alimentação, quanto ínas, além de fornecer as recomendações de micro- em seus treinos.

13. Coenzima é a substância necessária para o funcionamento de determinadas enzimas, as quais catalisam certas reaçes no organismo humano. 14. Ser um antioxidante é ter a capacidade de neutralizar radicais livres. 15. Fogelholm M. Vitamins, minerals and supplementation in soccer. J Sports Sci. 1994;12:S23-7

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30 Direito e futebol: exploração de crianças e adolescentes

CATARINA EUGENIA OTERO FERNANDEZ 3 a série D Resumo O objetivo deste trabalho consiste em abordar o (ECA), além de outros mecanismos que envolvem tema da exploração de crianças e adolescentes os direitos dos menores. Esse ato ilegal surge da no futebol, tendo em vista compreender como contratação de bons atletas mirins, mas que não isso afeta a vida dos menores, a razão pela qual possuem recursos sufcientes para investir no fu- as famílias e as crianças aceitam se submeter a turo. A exploração infantojuvenil é um crime que, essa situação, e, fnalmente, quais são as ações do se descoberto, pode acabar com a reputação dos Ministério Público, dos Tribunais de Justiça e dos clubes envolvidos, que sofrerão punições severas, grandes clubes que condenam essa prática para como o pagamento de altas indenizações. Todos combater essa ilegalidade. A exploração de me- os menores de idade possuem direitos que devem nores fere o Estatuto da Criança e do Adolescente ser respeitados e cumpridos, sem que haja falhas.

Palavras-chave: Crianças, adolescentes, futebol, exploração de menores, contratações infantoju- venis, intervenção jurídica.

Abstract The objective of this work is to address the issue tuto da Criança e do Adolescente (ECA - The Child of the exploitation of children and teenagers in and Adolescent’s Statute), as well as other mecha- soccer, considering how it affects children’s lives, nisms dealing with the rights of children. This why families and children accept undergoing this illegal act arises from hiring good junior athletes situation, and what is being done to combat this that do not have sufficient resources to invest in lawlessness, taking into consideration legal inter- their own future. The exploitation is a crime that, vention as characterized by the action of the Pu- if discovered, could destroy a club’s reputation and blic Ministry and the Courts and the initiative of result in severe punishment, such as paying high important soccer clubs that condemn this practice. compensations. Children have rights that must be The exploitation of children goes against the Esta- respected and enforced, without corner-cutting.

Keywords: Children, teenagers, soccer, exploitation of underage, underage labor, juridical intervention. Direito e futebol: exploração de crianças e adolescentes

Introdução

que uma criança não faz para con- sa situação. Além disso, a intervenção jurídica, que seguir realizar o seu maior sonho? consiste na manifestação do Ministério Público e do Um sonho que para muitas delas, Poder Judiciário e a aplicação das leis voltadas para principalmente para os meninos, o caso da exploração, é objetivo imprescindível a ser é de tornar-se um grande jogador pautado neste projeto, já que são essas instituições deO futebol. Mas, muitas vezes, todo esse esforço fei- que buscam combater e solucionar o caso da explo- to pelos menores em busca de realizar o seu sonho ração de menores. acaba se transformando em um terrível pesadelo, Este trabalho foi desenvolvido em cinco capítu- uma vez que eles acabam aceitando práticas que los. O primeiro trata principalmente sobre os direitos lhes são propostas e que exigem muito do físico e do das crianças e dos adolescentes e sobre os mecanis- psicológico de uma pessoa. Desse modo, surge a tão mos e as instituições que garantem tais direitos, sen- polêmica exploração de crianças e adolescentes que do elas a UNICEF e o ECA, já citadas anteriormente. pode gerar ou incentivar o tráfco de pessoas. O segundo capítulo consiste em retratar os in- A exploração de crianças e adolescentes no fu- teresses dos clubes na formação de jogadores, discu- tebol é o principal tema a ser tratado neste estudo, tindo-se o processo das seleções dos futuros atletas tendo como apoio os direitos dos menores, assegura- e as vantagens e desvantagens das contratações dos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância infantojuvenis. No terceiro capítulo será abordado (UNICEF) e pelo Estatuto da Criança e do Adoles- o caso da exploração de crianças e adolescentes no cente (ECA) e o interesse dos clubes na formação de futebol, algo que já não é mais uma raridade no es- jogadores, ao considerar o processo de seleção dos porte e que corriqueiramente está nos noticiários, futuros atletas e as vantagens e desvantagens das já que os clubes usam essa situação para buscarem contratações de menores. Ainda neste trabalho, se- jovens talentosos que apresentam algum potencial rá abordado o tema da exploração em si, tendo em para se tornarem um grande atleta, porém não pos- vista os tipos de exploração, onde ocorrem, como suem renda para investir no futuro. ocorrem e o que está sendo feito para combater tal Relacionando-se ao capítulo anterior, o quarto ca- ilegalidade: iniciativa dos clubes e a esfera jurídica pítulo refere-se unicamente aos métodos de combate à brasileira, ou seja, as leis que envolvem o caso da exploração, considerando as iniciativas dos clubes para exploração, a atuação do Ministério Público e a de- evitar tal ilegalidade e o ordenamento jurídico brasi- cisão dos tribunais. leiro envolvido na situação, como as leis que cercam o Este trabalho tem como objetivo a abordagem caso e a decisão judicial em par com a atuação do Mi- da exploração de menores no mundo futebolístico, nistério Público. Finalizando, a conclusão do trabalho levando em consideração o modo como tal ilegalida- abordará os impactos da exploração sobre a sociedade, de afeta a vida das crianças e dos adolescentes (tan- principalmente, sobre as crianças e os adolescentes e a to no que diz respeito aos seus direitos como fsica- intervenção jurídica no caso, considerando a sua atua- mente e psicologicamente), e os motivos que levam ção, quais são as decisões tomadas e o fim que leva esse as famílias e até mesmo as crianças a aceitarem es- caso na maioria das vezes.

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Utilizar-se-á como metodologia a leitura de direitos aos menores e a presença de entrevista com artigos, dissertações, teses, livros e reportagens re- jurista da área do trabalho, a fim de aprofundar a centes sobre o tema. Além disso, pesquisas sobre o compreensão sobre o ato da exploração de menores, direito das crianças e dos adolescentes, tendo como o tráfco de pessoas e as medidas a serem tomadas base as leis e as instituições que asseguram esses frente a essa situação.

1. Direito das crianças e dos adolescentes

Até os dezoito anos, idade em que os jovens atin- Diante do Estatuto, as crianças e os ado- gem a maioridade civil brasileira, todas as crianças lescentes, sem distinção de raça, cor ou classe e adolescentes possuem direitos dentro da socieda- social, passaram a ser reconhecidos como pessoas de em que vivem, os quais são proporcionados por em desenvolvimento a quem se deve prioridade certas entidades e estatutos que se preocupam em absoluta do Estado. salvaguardar a segurança desses menores frente a Essa lei garante a todos os menores de idade di- diversos problemas encontrados na região em que versos direitos dentro da sociedade brasileira, como passam a maior parte da sua vida. Entre as entidades direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, e estatutos que têm como foco os menores de idade, ao lazer, à profssionalização, à cultura, à dignidade, destacam-se o Estatuto da Criança e do Adolescente ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNI- comunitária para meninos e meninas. Além disso CEF), órgão pertencente à Organização das Nações trata de questões socioeducativas e de medidas pro- Unidas (ONU). Os próximos itens deste capítulo tra- tetivas. É dever da família, da comunidade, da so- tarão sobre esses núcleos, em que o direito das crian- ciedade em geral e do poder público assegurar esses ças e dos adolescentes é o ponto principal. direitos aos menores de idade.3 O ECA classifca como criança o indivíduo que 1.1 Estatuto da Criança e do Adolescente possui até doze anos de idade incompletos, e são O Estatuto da Criança e do Adolescente1 (ECA) consideradas adolescentes as pessoas que compre- é uma lei, promulgada em julho de 1990, que tem endem uma idade de doze à dezoito anos. como foco principal a abordagem dos direitos das Nenhuma criança ou adolescente deve ser ex- crianças e dos adolescentes em todo o Brasil. Tem posto a qualquer forma de negligência, descrimi- como objetivo a proteção dos menores de 18 anos a nação, exploração, violência, crueldade e opressão, fm de prepará-los para a vida adulta, pode-se perce- sendo punido aquele que proporcionar aos menores ber isso no Artigo 3º da lei: tais atos4. Todo indivíduo possui seus direitos pro- tegidos desde sua concepção, logo, é dever do poder A criança e o adolescente gozam de todos os direitos público garantir que estes se desenvolvam em um fundamentais inerentes à pessoa humana, sem pre- juízo da proteção integral de que trata esta Lei, asse- ambiente saudável e harmonioso, em boas condi- gurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas ções de existência, em que não haja falta de recursos as oportunidades e facilidades, a fm de lhes facultar necessários a vida. o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual A legislação brasileira confere a todas as crian- e social, em condições de liberdade e de dignidade.2 ças e adolescentes, acesso à saúde pública e ao en-

1. O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 30 de agosto de 2014. 2. Lei nº 8.069/13 de julho de 1990, Art. 3º. Disponível em . Acesso em: 30 de agosto de 2014 3. Lei nº 8.069/13 de julho de 1990, Art. 4º. Disponível em Acesso em: 30 de agosto de 2014. 4 Lei nº 8.069/13 de julho de 1990, Art. 5º. Disponível em Acesso em: 30 de agosto de 2014.

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sino obrigatório e gratuito, visando o desenvolvi- 1.2 Fundo das Nações Unidas para a Infância mento do menor, preparando-o assim para o futuro O Fundo das Nações Unidas para a Infância como um bom cidadão saudável, e com alta qualif- (UNICEF) tem como principal objetivo garantir que cação para o trabalho. toda criança e todo adolescente tenham seus direi- Em caso de maus-tratos contra criança ou ado- tos humanos integralmente cumpridos, protegidos lescente há a intervenção do Conselho Tutelar, uma e respeitados. vez que é dever de todos zelar pela dignidade dos Surgiu em 1946, logo após a Segunda Guer- menores de idade, obstando qualquer tratamento ra Mundial, como uma ajuda para reconstruir os pa- desumano, violento, aterrorizante e constrangedor. íses afetados. Atualmente atua em mais de 191 paí- Toda criança tem direito de ser criada e educada no ses, entre os quais se encontra o Brasil. O UNICEF núcleo familiar, em que não haja a presença de más iniciou sua atuação no território brasileiro em 1950, infuências, no que diz respeito ao consumo de dro- e desde então trabalha em parceria com governos gas e estimulo à violência. municipais, estaduais e federais, com a sociedade O Conselho Tutelar é uma entidade pública en- civil, grupos religiosos, mídia, setor privado e ou- carregada de efetivar os direitos das crianças e dos tras organizações internacionais, como a UNESCO adolescentes, estando estes previstos na legislação (Organização das Nações Unidas para a Educação, do ECA e da Constituição. É dever do Conselho Tu- a Ciência e a Cultura), para defender os direitos de telar atender os menores de idade, oferecer medidas crianças e adolescentes brasileiros. de proteção, nas hipóteses em que seus direitos es- Seguindo os parâmetros estabelecidos pela tejam sendo infringidos, ou mesmo ameaçados, in- UNICEF, juntamente com o apoio da sociedade clusive com relação a seus pais e responsáveis. Além brasileira, o poder legislativo redigiu o artigo 2275 disso, levar ao conhecimento do Ministério Público da Constituição Federal, que trata dos direitos da acontecimentos que contrariem as preposições ex- criança e do adolescente e o Estatuto da Criança e plícitas no Estatuto. do Adolescente, marcos importantes que mudaram O fato de que as crianças e os adolescentes não os direitos da infância no Brasil. Além disso, liderou permanecem exclusivamente inseridos na entida- e apoiou o movimento pelo acesso universal à edu- de familiar, faz com que estes possam vir a perder cação, os programas de combate à exploração e ao seus valores sociais que interferem diretamente no trabalho infantil e as ações por melhores condições desenvolvimento dos menores. É por isso que todos de vida das crianças brasileiras. os cidadãos e o poder público devem prevenir a ocor- As equipes do UNICEF trabalham de forma a rência de ameaça ou violação dos direitos das crian- causar um impacto imediato e benefciador na vida ças e dos adolescentes. das crianças, dos adolescentes e de suas famílias, de Sendo assim, é dever do Estado garantir que modo que elas busquem investir em uma boa educa- crianças e adolescentes cresçam e se desenvolvam ção, saúde, alimentação e segurança para os meno- em um ambiente que favoreça, em condições so- res, garantindo assim a sobrevivência, o desenvolvi- ciais, a integridade física, a liberdade e a dignidade mento, a participação e a proteção das crianças. No destes. Porém, não se pode atribuir total responsa- que diz respeito à questão da exploração e do traba- bilidade ao ECA, tendo em vista que este é apenas lho infantil, o UNICEF demonstra tal preocupação um indicativo judicial, e o fato de que as crianças a ponto de proporcionar a criação de centros de re- são frutos de uma família e da sociedade, as quais ferência especializados no atendimento de crianças possuem fundamental importância no comporta- vítimas de violência física e sexual. mento e desenvolvimento dos menores de idade. O Fundo das Nações Unidas para a Infância

5. Brasil. Constituicão Federal, art 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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realiza pesquisas de modo a cumprir seu papel na mover a participação cidadã dos adolescentes, por- sociedade com responsabilidade, reconhecendo a tanto, ajudá-los no enfrentamento da discriminação realidade das crianças e dos adolescentes no país. racial e étnica e a efetuarem uma boa convivência Este já publicou dados objetivos sobre como a de- em suas famílias, comunidades e espaços públicos sigualdade racial e étnica no Brasil afeta extrema- ou privados. mente as crianças e os adolescentes, de maneira que Por meio de ações em parceria com a sociedade e buscam contribuir com a construção de políticas com o governo, o UNICEF atua de maneira determi- públicas que reduzam tais diferenças. nada e comprometida em busca de garantir uma vida O UNICEF tem também como prioridade pro- melhor para todos os meninos e meninas brasileiros.

2. Interesse dos clubes na formação de jogadores

No país do futebol, tornar-se um jogador pro- processo de avaliação em que não deve haver preo- fssional requer muito conhecimento, prática, ha- cupação exclusiva em atribuir uma função aos ado- bilidade e determinação. O nível de exigência das lescentes dentro do futebol, mas sim em analisar comissões técnicas futebolísticas cresce na medida as habilidades do jogador, levando em consideração em que a disputa entre os clubes aumenta. Os joga- o potencial, as aptidões de cada um durante uma dores de hoje são treinados para serem considerados partida de futebol, o que posteriormente facilitará a os melhores, se destacarem na sociedade brasileira e defnição de sua posição dentro do jogo. Além disso, atribuir certa popularidade ao clube que o promoveu deve ser analisada ainda nessa etapa, a efciência do e apostou no seu talento. Tornar-se um grande joga- passe dos jogadores em situação de jogo, uma vez que dor de futebol é o sonho da maioria das crianças e este tem um fundamento predominante no futebol. dos jovens brasileiros, mas para isso, precisam pas- A segunda categoria reúne jovens com idade en- sar por um processo de seleção muito disputado e tre 13 e 14 anos de idade. Nesse processo de avaliação, que é composto por crianças e adolescente de 11 a 17 deve haver uma preocupação do jogador com a ocupa- anos de idade. Atualmente, os clubes preferem pro- ção de uma posição específica, apesar de ser analisa- mover contratações infantojuvenis, as quais, teori- do pelo clube o potencial de realização de mais de uma camente, mostram-se mais vantajosas para ambas posição, identificando sua flexibilidade durante o jogo. as partes: os jovens e os clubes. Caso contrário, deve ser observado o potencial do ado- lescente de se tornar especialista na posição em que 2.1 Processo de seleção dos futuros atletas possui um melhor desenvolvimento e desempenho. O sonho de se tornar um grande jogador de Na terceira e última categoria são reunidos futebol está presente na vida de grande parte das jovens de 15, 16 e 17 anos de idade, e definidas as crianças e adolescentes brasileiros. Para conseguir posições que cada um ocupará, aprovando, assim, realizar esse sonho, o primeiro passo é ser aprovado a sua inserção no elenco do time. Quando aprovado, no processo de seleção realizado pelos clubes de fu- é realizado um questionário com o intuito de desco- tebol, processo este conhecido popularmente como brir o conhecimento do jovem em relação às regras “peneira”, o qual possui algumas especifcações de atribuídas a sua posição. acordo com as faixas etárias correspondentes a ca- Tratando-se do processo de seleção de futuros da categoria, contando sempre com a intervenção do atletas, as peneiras não devem fugir à lógica do jogo de treinador, que deve elevar a compreensão dos ado- futebol, devem ter uma relação direta com a realidade lescentes em relação ao jogo praticado. que os atletas profissionais enfrentam no dia a dia. As A primeira categoria é composta por garotos peneiras são processos longos e repetitivos: na maioria de 11 a 12 anos de idade, e caracteriza-se como um das vezes equipes de 11 jogadores são reunidas e divi-

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didas em times para simular uma partida de futebol, anos. Desse modo, o futebol deve ser considerado pelo em que cada garoto ocupará uma posição. A partida clube como uma forma de lazer e desenvolvimento do dura em torno de meia hora, tempo suficiente para a menor, tendo ainda que garantir a ele educação, saú- comissão técnica identificar os que possuem um me- de e convivência familiar, direitos assegurados pela lhor desenvolvimento, habilidade e facilidade com o Lei nº 8.069/13 de julho de 1990 (ECA). futebol. Em uma peneira, a maioria dos jovens nun- O que tem acontecido atualmente é o descum- ca se viu antes, o que acaba tornando o jogo confuso, primento da lei por parte dos clubes, visto que “há desordenado e sem o destaque de um jogador, e exige contratos de atletas com menos de 12 anos, inclusi- muito do olhar crítico e atencioso do treinador. ve, mas frmados de forma escamoteada”7. É necessário que haja certeza nas melhores es- Essas contratações – no caso, ilegais – de crian- colhas por parte dos clubes envolvidos no processo ças e adolescentes são vistas pelos clubes e pelos em- de seleção, uma vez que estas, aliadas a uma boa for- presários como uma forma de lucro no futuro, ou mação, serão responsáveis e fundamentais para a seja, investir agora para no futuro vender o passe do sustentabilidade das categorias de base do clube em menor a um outro clube, e assim gerar altos benefí- questão. Sendo assim, no que diz respeito ao futebol, cios aquisitivos para o estabelecimento. um jogador vale mais pelos seus passes e pela sua Dessa forma, pode-se dizer que os clubes não capacidade de entender o jogo, do que pelo seu físico. estão preocupados com as crianças que veem a sua infância passar sem poder aproveitá-la (longe das 2.2 As contratações infantojuvenis brincadeiras, longe da família), mas sim com os O processo de seleção de jovens no futebol serve atletas que podem vir a proporcionar lucros. como uma maneira dos treinadores e empresários re- Os clubes utilizam cada vez mais o trabalho conhecerem grandes talentos, a fm de proporcionar infantil, até mesmo com crianças de 12 anos, sob aos clubes benefícios frente às disputas com outros o argumento de que os menores estão apenas na times, garantindo o sucesso de ambos no futuro. “escolhinha de futebol”, quando na verdade, está Para os clubes, é mais oportuno formar bons sendo formado mais um atleta para recompensar atletas do que adquiri-los. Sendo assim, é mais van- o clube por todo o investimento. Em entrevista tajoso para estes promoverem contratações infanto- feita com o professor da USP, jurista da área do juvenis, pois desenvolver habilidades em crianças e Direito Trabalhista, Jorge Luís Souto Maior8, adolescentes que ainda estão em processo de cresci- é possível perceber que muitas vezes todo esse mento e aprendizagem traz mais benefícios do que investimento dos clubes pode acabar por gerar contratar um adulto que já tem a sua vida formada. prejuízos, visto que “a maioria dos jovens não se A prática de esportes por menores deve ser vista tornam profssionais, então o período que passam apenas como uma ferramenta pedagógica, destina- dentro do clube, acaba tendo apenas um caráter da ao desenvolvimento físico e social da criança e do de formação, e não trabalhista”. adolescente, sem que haja um caráter trabalhista, até Essa questão da infração à lei em relação os porque, segundo a Constituição Federal6, a idade mí- direitos do menor será tratada no capítulo seguinte nima de ingresso ao mercado de trabalho é 16 anos, deste trabalho, que abordará o tema da exploração salvo na condição de menor aprendiz a partir dos 14 de crianças e adolescentes no futebol.

6. Brasil. Constituição Federal, Art. 7º, inciso XXXIII, proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. 7. MIGUEL, Ricardo Georges Affonso. A possibilidade de contratação do atleta menor de futebol e a utilização do instituto da antecipação de tutela para a transferência do atleta de futebol. Revista do Tribunal Regional do Trabalho 1ª Região. V.21. n.47. Jan/Jun 2010. Pg. 109. 8. Entrevista concedida por MAIOR, Jorge Luís Souto. Entrevista I. [mar. 2014]. Entrevistador: Catarina Eugenia Otero Fernandez. São Paulo, 2014. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta monografa.

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3. A exploração da criança e do adolescente no futebol

Conforme já citado anteriormente, tornar-se pelo fato de que os clubes veem esse recurso como um grande jogador de futebol é o sonho de muitas uma maneira de ir em busca de jovens talentos que crianças e adolescentes, porém, muitas vezes esse apresentam algum potencial para se tornar um desejo não acaba como o esperado, mas sim como a grande atleta. Esses menores, na maioria dos casos, pior experiência de vida de um garoto. não possuem uma capacidade fnanceira favorável Por tratar-se do “país do futebol”, considerável para ir atrás do seu sonho, e é por esse motivo que parte da população brasileira idealiza a profssão de tal ato ilegal ocorre. É possível perceber isso na fala ser um atleta famoso e bem sucedido, de forma que da Desembargadora Doutora Alice Monteiro Bar- muitas famílias desejam que seus flhos façam parte ros10: “A dificuldade econômica das famílias tem do universo futebolístico. O sonho idealizado não traz sido a principal responsável pela exploração de que consigo as difculdades e os problemas que os meno- são vítimas os menores, desde a primeira infância e res enfrentarão na tentativa de se tornar um craque. nas mais variadas épocas da humanidade.”. Os atletas mirins demonstram suas habilida- A possibilidade dos adolescentes se tornarem des e aptidões antes mesmo do direito promover sua grandes jogadores de futebol, faz com que eles bus- efetiva proteção, o que acaba dando margem à explo- quem, diante dessa oportunidade, dinheiro para ração desses menores, uma vez que os clubes estão auxiliar a sua família e para garantir uma boa vida interessados em serem os pioneiros na descoberta de no futuro. É a partir de então que as famílias acei- um atleta. Sendo assim, a exploração de crianças e tam o fato do seu flho fazer parte da categoria de adolescentes no futebol, no sentido de torná-los joga- base do clube que o recrutou. O problema envolvido dores profssionais, acaba transformando os menores na autorização das famílias é que estas não sabem em um objeto de consumo do mundo esportivo, tiran- em que situações encontram-se as categorias de do deles os direitos que lhes são atribuídos por lei, de base: grande parte delas se apresentam em um es- maneira que as crianças são vistas como mercadoria tado precário, submetendo o jovem a uma rotina e um possível investimento para os times. intensa de treinos, com atividades físicas que exi- Para conseguir uma aproximação com as gem muito do físico de uma pessoa, inadmissíveis crianças e sua consequente exploração, os empre- para atletas menores de idade. sários desenvolvem técnicas que chamem a aten- Os jovens acabam se expondo a diferentes tipos ção dos menores: começa com um invocado par de de comportamento, tais como, treinos excessivos, tênis, talvez um celular. Passa por uma mesada, falta de tempo para lazer, educação e saúde, para aliada a presentes esporádicos. Alcança até uma conseguir realizar o seu maior sonho, a ponto de oportunidade de trabalho para toda a família, com colocar a sua vida em uma situação de risco e vul- casa confortável e escola na Europa.9 nerabilidade. A maioria dos atletas fcam longe de Diante disso, a família pode vir a aceitar um suas famílias, e assim, acabam vivendo do futebol e acordo pensando que vai ser bom, mas na verdade para o futebol, muitas vezes sem saber que não vão não para a formação da criança. Conforme as leis, conseguir realizar seu sonho, ajudar a família, ser a partir do momento em que a família é enganada e rico, famoso e reconhecido em todo o Brasil, que é o acaba tendo seu flho menor de idade explorado em que acontece na maioria das vezes: o clube e o jovem outro lugar, a situação caracteriza-se como tráfco são prejudicados, o primeiro por acreditar no talen- de pessoas ou análoga ao tráfco. to do jovem e o segundo por acreditar na palavra do O tráfco de pessoas e a exploração de crianças clube, mas são prejudicados em níveis muito dife- e adolescentes não são raros no mundo do futebol, rentes, tendo em vista que os jovens não possuem

9. ROSEGUINI, Guilherme. Tênis e celular servem para fsgar garotos. Folha de São Paulo, pagina D6. 18 de setembro de 2005. 10. BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 3a ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 304.

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garantia de nada mas mesmo assim acreditam no dos jogadores. Essa questão abre caminho para cer- que lhes é prometido pelos clubes e muitas vezes tos alojamentos não se apresentarem de modo coe- acabam sem nenhuma oportunidade. Já os clubes, rente a um local em que irão morar pessoas, sendo apesar de também serem prejudicados, sempre ar- estes, na maioria das vezes, os encontrados em ca- ranjam uma nova saída, uma nova oportunidade de sos de exploração de menores. recomeçar o processo de recrutamento infantil. Apesar disso, existem clubes corretos que pro- Quando selecionados, os jovens buscam dar o porcionam aos jogadores alojamentos adequados. máximo de si, assumindo responsabilidades incon- Um exemplo é o alojamento do Grêmio, inaugura- ciliáveis com a idade, ou seja, ao invés de brincar, do em 2008: estudar, se desenvolver, crescer com saúde, estão Possui aparelhos de televisão e computadores co- recrutados em clubes de futebol, treinando exage- nectados à internet. Para convívio geral, os garotos radamente, tentando sustentar a família e ainda possuem um salão de jogos, lavanderia, refeitório tendo que lidar com ferimentos e críticas por parte e uma praça onde o jogador poderá receber a famí- do clubes, que acabam tirando das crianças os direi- lia e amigos. Além de toda essa estrutura física, os atletas possuem o apoio de assistente social, psicó- tos que lhes são assegurados por lei. loga, nutricionistas, entre outros profssionais. Mo- É dever do clube garantir um ambiente adequa- nitores e seguranças foram contratados e estarão à do para os adolescentes, principalmente no que diz disposição às 4 horas por dia.12 respeito a alimentação, saúde, higiene, educação e segurança. Porém, as irregularidades em relação a A partir do momento em que as crianças são essa questão são mais do que frequentes, principal- submetidas à pressão de tornar-se um grande joga- mente tratando-se da exploração de crianças, em dor de futebol, tendo que compartilhar deste sonho que os jogadores mirins são maltratados, de ma- com muitas outras que se encontram com o mesmo neira simplória, sem muitos cuidados e com uma objetivo, fca claro que esses menores estão subme- alimentação precária. tendo-se aos piores tratamentos possíveis. Esse cenário é encontrado constantemente No Rio de Janeiro foi descoberto o caso de um nos pequenos clubes de futebol, mais afastados, que suposto alojamento, mas que na verdade era uma costumam fxar-se no interior das cidades, os quais clínica, em que um homem, que se dizia agente de possuem alojamentos direcionados aos menores, futebol, aliciava menores de diversas idades e regi- que não contêm o menor cuidado: há falta de higiene, ões do Brasil que sonhavam em ser grandes jogado- ventilação inadequada, escassez na limpeza do local, res de futebol, colocando-os em um ambiente mal o que acaba fazendo com que os próprios jovens sejam cuidado, aguardando apenas a solicitação de algum obrigados a realizar os serviços para que seja possível clube para que os adolescentes fossem transferidos: conviver em um ambiente no mínimo suportável, Os meninos viviam em condições precárias. Be- ambiente este que muitas vezes é dividido por mais biam água direto da bica, bem ao lado da lixeira, e de dez meninos, em que não há mobílias necessárias, faziam apenas uma refeição por dia, em um restau- como camas, janelas, colocando os jovens frente a um rante popular.13 tratamento completamente desumano. A Lei nº 9615/24 de março de 1998 (Lei Pelé)11, Os jovens acabam sendo retirados de seus sequer outra legislação infraconstitucional, não núcleos familiares e colocados em alojamentos, apresenta uma regulamentação que envolva a ques- muitas vezes sem a autorização dos pais devida- tão dos alojamentos, sendo assim, fca a critério dos mente formalizada, como ocorreu no caso apre- clubes de futebol a maneira de como será a vivência sentado, em que de trinta e cinco jovens, vinte e

11. A Lei Pele, lei nº 9615 de 24 de março de 1998, institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências ao jogador. 12. CLICRBS. Clube inaugura alojamento para as categorias de base. Porto Alegre. 04 de agosto de 2008. Disponível em< http://globoesporte.globo. com/Esportes/Noticias/Times/Gremio/0,,MUL711418-9868,00.html>. Acesso em: 30 de agosto de 2014. 13. AGENCIA GLOBO. Denúncias revelam maus tratos em quem sonha se tornar jogador de futebol. Disponível em: < http://www.fnpeti.org.br/desta- que/denuncias-revelam-maus-tratos-em-quem-sonha-se-tornar-jogador-de-futebol/>. Acesso em 12 de fevereiro de 2014.

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três não possuíam autorização dos pais, caracte- be que o incentivam a investir em seu sonho, o que rizando-se assim como tráfico de pessoas, uma acaba prejudicando a sua formação por causa da vez que os pais não possuíam o conhecimento do profssionalização imatura. Segundo o ex-jogador paradeiro de seus flhos. Além de serem levados José Ferreira Neto, atualmente comentarista da Re- para alojamentos de caráter detestável, não rece- de Bandeirantes de Televisão: “É comum os jovens bem o mínimo de cuidado. chegarem aos clubes com 12 anos e fcarem até os A falta de convívio com a família, de saúde, 20 para se tornarem jogadores profssionais. Mas de educação, de lazer, de alimentação e de outros acabam não sendo utilizados no profissional, e fatores importantes para a vida de uma criança, vão fazer o que da vida? Não estudaram, não têm acabam ferindo o que é assegurado pelo Estatuto diploma, não têm absolutamente nada.”14 da Criança e do Adolescente e pelo artigo 227 da Toda criança e todo adolescente têm o direito Constituição Federal, uma vez que é dever de todo de realizar os seus sonhos, mas também têm que ar- cidadão garantir os direitos das crianças e dos ado- car com as suas obrigações, porém, não é necessário lescentes. Em uma situação dessas, os jovens são tomar medidas tão drásticas para que uma criança banidos de qualquer tipEm relação aos estudos, os seja feliz e se sinta bem e, por causa disso, acabar jovens sofrem certa infuência da família e do clu- tirando dela os seus direitos.

4. Ações para combater a exploração

Atualmente são diversos os casos de explora- cisão de que fm terá o caso da exploração, e quais as ção de menores no futebol brasileiro que vêm sendo medidas que devem ser tomadas para evitar que tal apresentados à nossa sociedade, situação esta que ato ocorra novamente. colide frontalmente com as leis que protegem as Além do combate à exploração envolver os po- crianças e os adolescentes (Estatuto da Criança e deres Legislativo e Executivo do Estado brasileiro, do Adolescente e o artigo 227 da Constituição Fede- há também a iniciativa dos clubes que se preocupam ral), além de irem contra aquela que está relaciona- em evitar a exploração de crianças e adolescentes no da à questão da proteção ao jogador de futebol, Lei futebol, propondo certas medidas de proteção aos nº 9615/24 de março de 1998 (Lei Pelé)15, e o que é menores que são submetidos a esse tipo de relação. atribuído pelo poder legislativo brasileiro em rela- ção ao trabalho de Junto dessas leis, existe outra de 4.1 Iniciativas dos clubes grande importância no combate ao tráfco, o Proto- para evitar essa ilegalidade colo de Palermo16, servindo como referência e base Os casos de exploração de menores no futebol para uma possível punição ao clube que cometeu tal têm chamado a atenção de grandes clubes brasilei- ilegalidade e proteção às crianças que foram vítimas ros, como Corinthians, Flamengo, Cruzeiro, São dessa situação. Contando ainda com a atuação de Paulo17, no que diz respeito à adoção de medidas órgãos jurídicos brasileiros, entre eles o Ministério para evitar essa ilegalidade. Na maioria dos casos, Público e os tribunais de justiça, a quem cabe a de- a exploração de menores acontece em clubes pe-

14. AGENCIA PÚBLICA. Justiça condena exploração de crianças no . Disponível em: < http://www.apublica.org/2012/05/justica- condena-exploracao-de-criancas-campeonato-paulista/>. Acesso em 10 de novembro 2013. 15. A Lei Pele, lei nº 9615 de 24 de março de 1998, institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências ao jogador. 16. O Protocolo de Palermo, documento legislativo internacional que tem como foco o tráfco de pessoal, principalmente, mulheres e crianças, foi elaborado em 2000, porém só entrou em vigor em 2003 e foi ratifcado pelo Brasil por meio do Decreto nº 5.017, de 12/03/2004, que promulgou esse Protocolo, ofcialmente conhecido como “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfco de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças” 17.FERREIRA, Juliana. Times são fscalizados para evitar exploração do trabalho infantil. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2014.

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quenos que não exercem uma infuência direta na No dia 25 de abril de 2014, o Santos Futebol sociedade e que se localizam mais afastados, no Clube e o UNICEF firmaram uma união que tem interior das cidades. Porém, os grandes clubes pre- como objetivo “trabalhar juntos pelo respeito e a ocupam-se em mostrar que não possuem ligação promoção dos direitos ao esporte seguro e inclusivo, com essa situação e que estão dispostos a cumprir e à saúde, à educação e à proteção das crianças e dos promover medidas de segurança aos menores para adolescentes”19. Essa parceria demonstra a preocu- que estes não tenham seus sonhos destruídos. pação do clube com crianças e adolescentes, pode-se Diante desse cenário, os clubes aceitam fazer perceber isso na fala de Odílio Rodrigues, presiden- parte de campanhas públicas voltadas ao comba- te do Santos FC: te do trabalho infantil e do tráfico de crianças e “Estamos muito felizes e honrados em poder fechar adolescentes, com o propósito de conscientizar a essa parceria com o UNICEF. Esperamos que os fru- população e mostrar que possuem certa preocu- tos desse trabalho sejam refetidos na formação de pação com o que ocorre no meio de atuação deles, nossos atletas como cidadãos. Nós estamos unidos o mundo futebolístico, e não têm nenhuma relação para que os direitos das crianças e dos adolescentes sejam protegidos, respeitados e promovidos.”20 com esse tipo de situação. O Brasil, considerado “o país do futebol”, traz consigo grande admiração por Os times que se preocupam em tomar iniciati- esse esporte, de maneira que tudo que acontece na vas para evitar e combater a exploração de crianças sociedade e está inserido no universo futebolístico e adolescentes no futebol têm o apoio do Ministério acaba gerando um grande impacto na vida de gran- Público, órgão político constituído por agentes do po- de parte dos brasileiros. der executivo, que tem como função zelar pelo cum- Além de promover campanhas contra a explo- primento da Constituição Federal, de outras leis e ração de menores, os times de futebol buscam agir demais atos emitidos pelos poderes públicos. No sub- de forma politicamente correta para não perderem capítulo a seguir, será abordada mais especifcamente seus patrocinadores, os quais garantem certo reco- a atuação do Ministério Público diante dessa situação. nhecimento dos clubes no país e geram grandes lu- cros para ambas as partes: tanto para o clube como 4.2 Esfera Jurídica: Atuação do Ministério para a empresa patrocinadora. Não é vantajoso para Público e a decisão dos tribunais um time de futebol perder patrocínios, pelo fato de Diante de tantos casos de exploração de crian- que terá sua imagem manchada diante da sociedade, ças e adolescentes no futebol, é necessária a interfe- podendo acarretar na perda de outros patrocínios e rência de um órgão público, sendo este o Ministério também na provável queda nos lucros do time. Público, já citado anteriormente, que tem como uma Existem clubes que protegem os menores dos de suas funções básicas, garantir o cumprimento empresários que promovem a exploração infantil e do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei nº condenam a ação destes: 9615/24 de março de 1998 (Lei Pelé) e do artigo 227 da Constituição Federal. Em algumas agremiações, o empresário virou per- Sendo assim, quando os agentes públicos são sona non grata. Em outras, rusgas entre cartolas e agentes foram parar na Justiça. “Está cheio de notificados de um caso de exploração infantojuve- gente que não vale nada nesse meio. Por isso, ten- nil, é dever deles tomar providências protetivas aos tamos proibir o ingresso desses olheiros nos treinos menores. Após analisar o caso em questão e, depen- da molecada. Mas não adianta muito. Eles estão em todos os lugares”, diz Luis Lucas, coordenador das dendo da gravidade deste, devem encaminhá-lo para categorias de base da Portuguesa.18 um julgamento nos tribunais de justiça, a quem cabe

18. Assédio crescente a garotos de 10 a 16 anos determina intervenção da FIFA para controlar a ira dos clubes. Disponível em < http://direito- desportivo.jusbrasil.com.br/noticias/2137551/assedio-crescente-a-garotos-de-10-a-16-anos-determina-intervencao-da-ffa-para-controlar-a- ira-dos-clubes>. Acesso em: 30 de agosto de 2014. 19. Santos Futebol Clube e UNICEF. Disponível em < http://santosfc.com.br/unicef/>. Acesso em: 30 de agosto de 2014. 20. Santos Futebol Clube e UNICEF. Disponível em < http://santosfc.com.br/unicef/>. Acesso em: 30 de agosto de 2014.

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a decisão do fm que o clube infrator deverá ter, po- do Adolescente, a Lei nº 9615/24 de março de 1998 dendo ser punido de diversas maneiras: desde o pa- (Lei Pelé) e o artigo 227 da Constituição Federal. gamento de indenização às famílias envolvidas, até a Os clubes possuem um prazo para realizar as prisão de representantes do clube de futebol. Segundo adequações necessárias ao seu funcionamento, que o juiz entrevistado, Jorge Luís Souto Maior: deve agora atender as novas medidas propostas pelo Ministério Público. Se após esse prazo, os clubes ainda A exploração de menores é um crime. O clube pode apresentarem irregularidades, estes serão intimados ser indiciado por aliciamento de menores e acabar tendo seus representantes presos. Além disso tem para assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, a atuação do Ministério Público que leva a questão estando sob pena de multas e punições jurídicas24. da exploração à justiça, tendo em vista que o caso se O cenário de exploração de menores apresen- trata claramente de uma infração penal, podendo assim o ato ser considerado como um crime e o clu- tado neste trabalho, fere o Estatuto da Criança e do be arcar com punições que variam de acordo com o Adolescente, a Lei nº 9615/24 de março de 1998 (Lei cenário apresentado.21 Pelé) e o artigo 227 da Constituição Federal, como já Como forma de evitar a exploração do trabalho foi dito anteriormente, mas também, contraria as infantil no futebol, o Ministério Público tem notif- leis internacionais que condenam o tráfco de pes- cado novos parâmetros de contratações de crianças soas, mais especifcamente, o Protocolo de Palermo, para a categoria de base dos clubes, e os times de- que defne em seu 3º artigo como tráfco de pessoas: vem se adaptar a elas. o recrutamento, o transporte, a transferência, o A proposta de novos parâmetros assegura que alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorren- os clubes só devem contratar jovens acima de 14 do à ameaça ou uso da força ou a outras formas de anos, com o consentimento dos pais, e que não te- coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de nham que pagar para participar do processo de sele- autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios ção. Além disso, os clubes devem promover um con- para obter o consentimento de uma pessoa que te- trato com aqueles que são aprovados nas peneiras, nha autoridade sobre outra para fns de exploração. garantindo o pagamento de uma bolsa com valor A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da igual ou maior que o valor do salário mínimo brasi- prostituição de outrem ou outras formas de ex- ploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, 22 leiro (atualmente R$ 724,00) . No que diz respeito escravatura ou práticas similares à escravatura, a à saúde dos menores, os clubes devem realizar um servidão ou a remoção de órgãos.25 exame clínico, garantindo seguro de vida e assistên- cia médica, e com relação à educação, deve haver a Casos de exploração de crianças e adolescentes comprovação de frequência e matrícula na escola, no futebol vêm sendo apresentados à nossa sociedade de modo que os clubes devem garantir transporte com certa frequência, o que acaba gerando certa pre- até as instituições de ensino e acompanhar o ocupação das famílias, dos clubes de futebol não en- aproveitamento escolar do menor23. volvidos e de órgãos públicos, que, frente a essa situ- Esses novos parâmetros instituídos pelo Minis- ação, buscam criar medidas de combate e meios que tério Público têm como base o Estatuto da Criança e possam evitar que aconteça novamente esse crime.

21.Entrevista concedida por MAIOR, Jorge Luís Souto. Entrevista I. [mar. 2014]. Entrevistador: Catarina Eugenia Otero Fernandez. São Paulo, 2014. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta monografa. 22. G1 Economia. Saiba o valor do salário mínimo em 2014. Disponível em: < http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/01/saiba-o-valor-do- salario-minimo-em-2014.html>. Acesso em 21 de março de 2014. 23. FERREIRA, Juliana. Times são fscalizados para evitar exploração do trabalho infantil. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/ treinamento/2013/06/1294844-times-sao-fscalizados-para-evitar-exploracao-do-trabalho-infantil.shtml>. Acesso em: 15 de maio de 2014 24. O Termo de Ajustamento de Conduta é um acordo frmado entre o Ministério Público e a parte interessada, de modo que esta se comprometa a agir de acordo com as leis trabalhistas, sob pena de multa. 25. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004 (Protocolo de Palermo), Artigo 3º. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso em: 30 de agosto de 2014.

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Considerações Finais

Ao se tratar do caso de exploração de crianças objetivo de preparar o jovem para o futuro, não so- e adolescentes no futebol, é possível dizer que existe mente como um jogador profssional, mas também uma carência no que diz respeito à fscalização da como um bom cidadão brasileiro. Entretanto, casos regulamentação que envolve o trabalho de menores, de clubes que agem de forma legal não passam de de maneira que se todos os direitos que são propor- meras exceções. cionados aos menores fossem cumpridos, não have- As crianças têm o sonho de tornarem-se gran- ria casos de exploração destes. des jogadoras de futebol, poder ajudar a família f- O fato é que a realidade brasileira está longe de nanceiramente e garantir uma boa vida no futuro, ter uma solução ideal, mesmo sabendo que há uma repleta de realizações. A partir do momento em que preocupação do Ministério Público e até mesmo chegam aos clubes sofrem uma eterna decepção, de de grandes clubes frente a esse problema. Porém, modo que retornam aos seus lares mais miseráveis no Brasil, é atribuída ao futebol uma importância do que já eram, sentindo-se fracassadas, vendo o seu maior do que aos estudos, da mesma maneira que sonho ir por água abaixo. se tornar um atleta profssional é mais importante O Ministério Público, através de iniciativas do que garantir a convivência familiar. Todo o esfor- de proteção aos menores, tem tentado fscalizar os ço para conseguir ser famoso, rico, reconhecido em clubes e propor mudanças no processo de seleção e todo o país, possui um valor maior do que assegurar contratação de futuros jogadores, de forma que se uma vida digna a si próprio, uma vez que os jovens não houver o cumprimento dessas novas medidas, o nunca sabem o rumo que a sua vida vai ter depois clube deverá sofrer uma punição. Além da proposta que entrarem para a categoria de base de um time de mudanças, deve haver uma melhor atenção de qualquer, e a única certeza é que estão no caminho todos na sociedade ao desejo dos menores se pro- para realizar seu maior sonho – mas a maioria dos fssionalizarem como jogadores de futebol, a fm de casos termina em uma terrível decepção. impedir os clubes de destruírem os direitos assegu- No momento em que o jovem é levado a um rados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e estabelecimento, com a promessa de que farão dele pelo artigo 227 da Constituição Federal, uma vez um grande craque futebolístico, fca claro que está que estes só agem dessa maneira em prol de bene- sendo tirada dele a sua infância, a convivência em fícios fnanceiros. seu núcleo familiar, os estudos, a saúde, o lazer e É necessário que se concilie a formação das todos os direitos que as crianças e os adolescentes crianças e dos adolescentes com o esporte, de modo possuem dentro da sociedade em que vivem. a transformar cidadãos em atletas e atletas em bons Não se pode generalizar, até mesmo porque cidadãos, sem que haja o comprometimento do valor existem clubes que se preocupam em fornecer aos que o futebol possui no nosso país e sem retirar das jovens todo o tratamento necessário ao desenvol- crianças e dos adolescentes os direitos que lhes são vimento de um menor, como a permanência das atribuídos por lei e que é dever de todos na socieda- crianças na escola, a garantia da convivência fami- de assegurar-lhes, garantindo assim uma infância liar, assistência médica, tudo isso tendo em vista o digna, em que possam ter seus sonhos realizados.

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Referências

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45 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

Apêndice A: Entrevista com o professor do Largo São Francisco (Faculdade de Direito da USP), Juiz Jorge Luís Souto Maior

Catarina: De fato, existe uma pressão dos clubes sobre os jovens Professor: Bom, se a gente partir do pressuposto que a contra- em fcar perguntando e incentivando: “Você quer ser um jogador tação é ilegal, aí já tá respondida a pergunta. A gente tem que de futebol?”, “Você quer jogar no São Paulo ou no Corinthians?” pensar se há uma ilegalidade nessa relação e se fruto dessa ile- e o jovem acaba aceitando e a família com certeza apoia, de mo- galidade seria o efeito da declaração do reconhecimento dessa do a demonstrar que é a oportunidade de realizar um sonho e ilegalidade seria a declaração da existência de uma relação de que é uma porta que está se abrindo para o futuro. Mas até então trabalho, ou seja, a ilegalidade estaria em fngir que não é uma a criança não tem noção de que pode estar prejudicando sua vi- relação de trabalho, mas que na verdade é. Mas aí voltamos da, até porque ela estaria no caminho para se tornar um grande àquela questão: em que medida é efetivamente uma relação de jogador de futebol. Como que o Direito pode agir nesse cenário, trabalho numa perspectiva de uma relação de emprego onerosa, de modo a evitar essa situação? sinalagmática ou não. Professor: É difícil de evitar uma situação dessas. Catarina: Em alguns casos de exploração os jovens que se sub- Catarina: Imaginando a situação de que o jovem tem que estar metem a esse tipo de relação, acabam aceitando porque seria lá no centro de treinamento três vezes por semana no período da como uma melhora na vida deles. E se as famílias e os jovens es- tarde e que ele ganha uma bolsa auxílio para isso, tendo ainda um tão cientes dessa relação que eles estão dispostos a se submeter, horário a cumprir e, principalmente, um objetivo em vista, diante talvez seja um pouco contraditório no sentido de dizer que eles disso, esse caso acaba entrando na esfera do Direito do Trabalho? estão sendo explorados, mesmo com os adolescentes aceitando o Professor: Bom, aí teríamos que analisar até que ponto essa ativi- tipo de relação que está sendo imposta sobre eles. Então eu que- dade exercida pelo adolescente gera um benefcio econômico pro ria saber a opinião do senhor frente a isso. clube. O clube até projeta um interesse econômico que vai ter no Professor: Bom, aí já é outra questão, que aí a gente pode pensar futuro, mas naquele instante não há uma troca onerosa, ainda do ponto de vista da formação de um valor mais genérico, que é o que haja um pagamento de uma bolsa, essa situação não tem um de que o fato de uma pessoa concordar com a situação, qualquer caráter sinalagmático: o outro recebe algo em troca. Aí você pode que seja ela, não elimina o fato de que aquela concordância pode visualizar: ele não recebe nada em troca naquele momento, mas estar viciada por algum fator que faz com que aquela vontade seja é uma relação diferida, o pagamento vai acontecer mais adiante. viciada, não seja juridicamente considerada válida, então a neces- E então, se analisarmos assim, e não é proibido que se analise, vai sidade econômica, o próprio sonho de melhorar a vida, a esperança confgurar a situação como trabalho, trabalho mesmo, e aí tem de voltar porque prometeu que vai casar e depois não casa, essas ilu- que pensar em que medida a configuração diz como trabalho sões, essas situações que são fantasiadas geram até a concordância mesmo, não afasta ainda mais a ideia do esporte como um fator da pessoa dentro dessas circunstâncias, não eliminam sua atitude. educacional. Porque se alguns se tornam profssionais, a maioria dos jovens não se torna profssional, então o período que passam Catarina: Quais são as medidas cabíveis para solucionar o caso dentro do clube, acaba tendo apenas um caráter de formação, e da exploração? não trabalhista, ao passo que se você já muda essa característi- Professor: A exploração de menores é um crime. O clube pode ca desde já, aí já passa a ser trabalho, e passando a ser trabalho ser indiciado por aliciamento de menores e acabar tendo seus começa ver a questão de, digamos assim, uma relação um tanto representantes presos. Além disso tem a atuação do Ministério quanto mais obrigacional, embora tenha que cumprir horários, Público que leva a questão da exploração à justiça, tendo em vis- embora o treinador “brigue”, ainda há um clima amador. ta que o caso se trata claramente de uma infração penal, poden- do assim o ato ser considerado como um crime e o clube arcar Catarina: São uma relação de emprego, as contratações ilegais? com punições que variam de acordo com o cenário apresentado.

46 Futebol e sociedade: inclusão X exclusão social

CELINA FRIAS DE OLIVEIRA SCHUTT 3 a série B Resumo Muitos descreveram e analisaram o futebol como o es- e no próprio esporte. Mesmo necessária para que o Bra- porte mais popular do mundo, que desperta interesses, sil atingisse seus anos de glória no cenário do futebol move populações e, especialmente no nosso país, casa mundial, a inserção dos negros não se deu de maneira tão harmoniosamente com a cultura do povo, alegre fácil, em tempos nos quais as marcas da escravidão e comemorativa. Narrativas otimistas e idealizado- eram ainda muito fortes. Chegando aos dias de hoje, ras mostram um lado positivo do futebol, um lado de e sendo o futebol, ao mesmo tempo, fator de inclusão inclusão, no qual indivíduos diferentes se unem ao e de exclusão na sociedade, concluímos que ambos os torcerem juntos por um ideal comum. Muitas dessas, aspectos não foram ainda plenamente resolvidos. A no entanto, acabam por suprimir um âmbito mais segregação do negro era – e ainda é – um mal da so- aprofundado – não menos importante – do esporte ciedade a ser resolvido e o futebol foi, ao mesmo tempo em questão, que compreende pontos sérios a serem em que um indicador desse mal, remédio importante considerados. Assim, a presente monografia busca para tal. Hoje vemos que a humanidade muito evoluiu uma análise questionadora e de visão crítica cujo foco no combate à discriminação, ainda que haja muito a é o desenvolvimento do futebol no país, paralelamente caminhar. Os avanços devem servir de impulso para ao processo de inserção dos negros na nossa sociedade que tal evolução se complete nos tempos futuros.

Palavras-chave: Futebol, Brasil, inclusão, exclusão, união, preconceito, negro, política, sociedade.

Abstract Many people have described and analyzed football as people in our society and in the football itself. Even the most popular sport in the world, one that arouses though it was necessary for Brazil to reach its days of interest, moves populations and, especially in our ho- glory, the latter did not occur easily, as the marks of me country, integrates so harmoniously the culture slavery were still present. With the present situation of the joyful Brazilian people. Optimistic and ideali- in view, and having put football as a sport that both zing narratives show a positive side of football, a side includes and excludes society ate the same time, we of inclusion, in which diferent individuals become can wind upconclude by realizingadmitting that the united when rooting together for a common ideal. twoboth aspects still exist. The segregation of the bla- Many of these narratives, however, end up taking no cks was - and still is - an evil of society which had to notice of a deeper – but not less important – side of be solved, and the football worked as an indicator of the sport in question, which includes serious matters thesaid evil, while asthough an important medicine that should be considered. Therefore, this monogra- forto it as well. Nowadays, we see that humanity has ph tends to be a questioning and critical analysis, the evolved inon the issue of prejudice, and this observa- focus of which is the development of football in our tion should serve as an impetus so that this develop- country, with the process of inclusion of the black ment is completed in futures timesthe future.

Keywords: Football, Brazil, inclusion, exclusion, union, prejudice, black people, politics, society. Futebol e sociedade: inclusão X exclusão social

Introdução

“Algumas pessoas pensam que o futebol é tão im- portante quanto a vida e a morte. Elas estão muito enganadas. Eu asseguro que ele é muito mais sério que isso.” (BILL SHANKLY).

omemos por exemplo um ser humano infuência no sentimento forte e antigo que é o pre- qualquer. A partir de seu aspecto físi- conceito, que acaba sendo incluído no cenário fute- co, geralmente podemos determinar bolístico quando a presença negra no esporte passa seu sexo. Do aspecto psicológico, sua a desempenhar importante papel. Sob uma ótica personalidade. No entanto, mesmo mais positiva, o racismo poderia evidenciar um mal sendoT um indivíduo (da própria palavra, individu- da sociedade a ser resolvido, mesmo que, sob uma al, único), não há sentido em analisá-lo de forma ótica negativa, esse racismo não passe de um mero separada, deixando de lado o fato de que, uma vez indicador do problema, e não remédio para tal. inserido no mundo, tem relações diretas com tudo A pergunta que proponho a partir de tais cons- e todos que o rodeiam, isto é, com a sociedade na tatações é a seguinte: qual dos dois aspectos prepon- qual vive. Sendo assim, na análise de uma pessoa dera mais nos dias de hoje: a inclusão, como aspecto qualquer, não poderíamos deixar de estudar os seus positivo, ou a exclusão, como negativo? entornos, com os quais tanto se relaciona. Não é possível posicionar-se sobre esse tema Proponho, então, relacionarmos esse ser hu- sem um prévio estudo histórico não só do precon- mano com o futebol. No aspecto mais aparente, ceito, como também do poder do futebol sobre po- temos um esporte, composto de 22 jogadores, dois pulações ou do interesse da política sobre esse poder. times, duas traves e uma bola. No entanto as bar- Tomando o Brasil como pano de fundo desse reiras que o defnem como um simples esporte são estudo, esta monografa apresenta uma síntese da ultrapassadas no momento em que o futebol passa história do futebol brasileiro, associada ao contex- a ser capaz de mover populações e, por causa disso, to social, econômico e político da época tratada, torna-se alvo de interesses políticos. bem como refexões sobre o infuente papel que o A grande amplitude do futebol pode ser tam- futebol tem sobre a nossa sociedade desde que che- bém percebida pelo seu poder de interferência ou gou ao Brasil.

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I. ASPECTOS HISTÓRICOS

I. 1 – Da Inglaterra para o Brasil do Brasil, assim como sugeriu o nome do primeiro O futebol moderno surgiu na Inglaterra. Mo- presidente do Sport Club Corinthians Paulista. derno no sentido de uma atividade dotada de uma Nascido no bairro paulista do Brás, flho de mãe lógica e de regras predeterminadas, que organizam inglesa e pai escocês, Charles viajou para a Inglaterra práticas antigas de movimentos desordenados e er- a estudos, onde aprendeu o futebol e no qual logo se rôneos com uma bola. O esporte teve rápida difusão destacou. Retornou ao Brasil no ano de 1894, trazen- nesse país, mesmo entre as diferentes classes so- do em sua bagagem um par de chuteiras, dois unifor- ciais, e dele para o mundo. mes, duas bolas e um livro de regras. Tornou-se sócio Na Inglaterra o futebol começou a ser organiza- do São Paulo Athletic Club, e promoveu os primeiros do em escolas burguesas, no seio da classe dominan- jogos entre seus membros. (CERRANO, 2000, p.20) te. Em 1863, foram criadas as primeiras regras do Um passo importante para a disseminação do jogo e, devido ao alto nível de aceitação, já em 1871 a futebol pelo país foi o seu desenvolvimento no Rio de Inglaterra disputava sua primeira partida interna- Janeiro, cidade na qual, segundo Paulo Cesar R. Car- cional, contra o time da Escócia. rano (2000, p. 22), foram criadas as chamadas “ligas Primeiramente, a prática objetivava controlar barbante”, primeiras ligas populares (o que chamarí- os impulsos dos jovens, os futuros líderes do Impé- amos hoje de federações estaduais, organizações entre rio Britânico, propagando, através do esporte, ideias os respectivos grupos futebolísticos de cada região). de honestidade, noção de trabalho em grupo e cava- Na época (primeiras décadas do século XX), lheirismo, entre outros. (CERRANO, 2000, p.14-15) o esporte já havia se difundido entre as classes Quando se fala da chegada do futebol às terras sociais, por isso o nome popular, segundo o autor, brasileiras, que, verdadeiramente, se deu nas escolas “em referência às tampas de cerveja de baixa qua- jesuítas do Rio de Janeiro e de São Paulo (no Colégio lidade, produzidas no fundo dos quintais de resi- São Luiz, em 1880) ou, ainda, por meio de funcionários dências cariocas”. ingleses que moravam no Brasil e trabalhavam em em- O pequeno hiato de tempo para que o jogo che- presas de seu país de origem, tem-se sempre em mente gasse de São Paulo para à então capital federal havia o nome de Charles William Miller (1874 – 1953).1 sido logo superado, verificando-se um crescimento Assim como os britânicos não criaram o fu- igualmente rápido nas duas maiores cidades do Brasil. tebol mas, sim, foram os responsáveis pela sua moderna organização, no Brasil a participação de I. 2 – Dos Ricos para os Pobres Miller, mesmo que precedida em alguns anos por Esporte de origem aristocrática em seu país uma prática desregrada e incipiente, foi de extrema de origem, o futebol veio ao Brasil para ser pratica- relevância. Por exemplo, na difusão do esporte a do também pela elite num país marcado por uma partir de 1895, ano em que foram realizadas as pri- enorme disparidade social. Difundido inicialmente meiras partidas nacionais. Nosso país já conhecia entre brancos, deparou-se com uma sociedade cujas as bases do futebol moderno, sem que ele tivesse se marcas da escravidão estavam muito presentes. A desenvolvido por completo, e, como diz Paulo Cesar história do seu desenvolvimento em nossas terras Rodrigues Carrano (2000, p.20), o futebol necessi- registrou, paulatinamente, um movimento dos tava ganhar espaço em meio aos outros esportes já ricos para os pobres, tanto entre seus praticantes praticados. Miller deu um grande impulso e promo- quanto entre seus espectadores. veu a organização necessária para o aprimoramento O historiador Hilário Franco Júnior (2007, da prática. Entre outros feitos, foi fundamental na p.62) observa que a proliferação do futebol pelo país montagem da Liga Paulista de Futebol – a primeira obedeceu a duas tendências, a primeira delas den-

1. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2014.

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tro dos grupos dominantes, “orientada pelos valores Não demorou muito, então, para que o esporte, de cavalheirismo, do fair-play e do amadorismo”, que viera dos ricos para os pobres, iniciasse um mo- que possuíam “tanto os instrumentos necessários vimento de sentido contrário, quando jovens talento- (e dispendiosos) para a prática do futebol – bolas, sos das classes populares passaram a ser aceitos e até chuteiras, uniformes, campos gramados – quanto requisitados como jogadores em times ofciais. Era a os saberes, regras, técnicas e terminologia inglesa”. competitividade entre os clubes tradicionais que fala- No futebol da elite era explícita a segregação so- va mais alto e permitia certo afrouxamento das bar- cial, que imperou desde a chegada do esporte ao nos- reiras sociais, fazendo valer, cada vez mais, o talento so país. Assim como muitos dos modismos importa- de jogadores pobres, geralmente negros e mulatos. dos da Europa pela elite brasileira, não se concebia No entanto, essa passagem não se fez de for- nem se considerava a possibilidade de sua prática ma leviana. por pessoas de condição social inferior. Tempos em Quando o time carioca Fluminense ultrapas- que o povo brasileiro encontrava-se ainda longe de sou, pela primeira vez entre os clubes aristocráticos uma noção de cidadania universal. Parecia ser inad- do Brasil, a barreira do preconceito contratando missível que jogadores vindos das classes baixas f- jogadores afrodescendentes, obrigou os novos inte- cassem em condição de igualdade com membros da grantes a “disfarçarem sua negritude” – daí surgiu o elite dentro de uma prática esportiva. Pode-se cre- apelido de “pó de arroz” do time. Ficou famoso o ca- ditar esse comportamento a um refexo da própria so do jogador Carlos Alberto, que em partida contra estrutura política da Primeira República, na qual o o América em 1914, deixou transparecer o disfar- poder estava nas mãos de grupos oligárquicos, sem ce devido ao suor durante o jogo. O acontecimento a menor possibilidade de participação do povo. acarretou não só o até hoje famoso apelido do Flumi- Mas iniciou-se uma segunda tendência como nense, como ainda o costume por parte da torcida de observou Franco Júnior (2007, p.63): “As frontei- jogar talco e fazer festa no início das partidas.2 ras sociais do futebol começaram a ser transpostas Logo, outros times também passaram a contratar desde cedo com a formação de times improvisados jogadores afrodescendentes, sem, no entanto, livrarem- pelos setores populares, que passavam da curiosi- se da dificuldade que isso acarretava. Segundo Paulo dade ao mimetismo.” Cesar R. Carrano: “O Vasco da Gama, também do Rio A grande popularização do futebol deveu-se à de Janeiro, sofreu sérios preconceitos e discriminações sua simplicidade, um esporte de fácil acesso e de re- quando resolveu aceitar negros em suas equipes.” gras de fácil entendimento, bem como à perenidade Quando o jogo envolvia clubes da burguesia, a das mesmas: “(...) qualquer várzea, em que se colo- questão da cor e demais características físicas que dife- cassem pedaços de pau como traves, e o improviso renciam negros e brancos se tornavam um problema. de bolas, que poderiam ser de material barato (como Na primeira fase dos campeonatos estaduais, a bexigas de boi), adequavam-se perfeitamente à sua primeira divisão era composta basicamente por clubes prática.” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 21) da elite. Isso não impedia que ocorressem reuniões da Liga com representantes dos clubes da segunda divi- I. 3 – Dos Brancos para os Negros são, propiciando um desagradável encontro de classes. Em que pese o amadorismo ter sido um dos tra- Mesmo dentro da própria segunda divisão, clubes mais ços do futebol importado da Inglaterra, a sua evo- abastados recusavam-se a jogar contra adversários de lução para o profssionalismo passou por uma fase origem popular, como o São Cristóvão e o Andaraí. intermediária que envolvia prêmios em dinheiro. Mas a partir da década de 1920, o futebol já Ingressos para os jogos passaram a ser cobrados em se tornara o esporte mais difundido no Brasil em 1913, época em que o futebol passou a ser uma pro- todos os segmentos sociais, contemporizando-se os fssão, e os jogadores passaram a ser remunerados. confitos iniciais.

2. PÓ de Arroz. Netfu, Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2014.

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II. PRECONCEITO

Apesar da presença do negro no futebol – de Era o que dava, segundo os racistas que apareciam início velada e camuflada – ter se consolidado até aos montes, botar mais mulatos e pretos do que chegar à profssionalização e efetiva ofcialização da brancos num escrete brasileiro. Mas ao mesmo tempo em que se observa esse recrudescimento do participação dos jogadores negros, de forma alguma racismo, o brasileiro escolhia um ídolo às avessas: podemos dizer que o brasileiro superou seu precon- Obdúlio Varela, mulato uruguaio de cabelo ruim. ceito, seja em relação a negros ou a pobres. Nem mes- (FRANCO JUNIOR, 2007, p. 290) mo o reconhecimento de ídolos mulatos ou negros, como Friedenreich (1892 – 1969, um dos primeiros O que o povo brasileiro não compreendia era craques do futebol brasileiro) ou Leônidas da Silva que, acusando o negro, ele acusava a si próprio. Af- (1913 – 2004, importante atacante de sua época), pro- nal, a mistura de raças é o que caracteriza o nosso vocou uma alteração signifcativa desse panorama. povo, ao mesmo tempo em que é o nosso maior mo- A derrota do Brasil na fnal da Copa do Mundo tivo de orgulho. de 1950, em pleno Maracanã, fez aparecer de forma A vida (e o futebol), contudo, tinham de con- aguda a questão racial. Para muitos discursos racis- tinuar. Não foram poucos os que juraram nunca tas, a composição étnica havia definido a sorte da mais pôr os pés num estádio, depois da grande nossa seleção, assim como defnia a sorte da própria desilusão da derrota perante os uruguaios. Mas, sociedade. Sobre os três jogadores negros é que foram terminada a Copa do Mundo de 1958, veio mais lançadas as críticas mais pesadas: o goleiro Barbosa, um campeonato estadual no Rio de Janeiro, e os o zagueiro Juvenal e o lateral esquerdo Bigode. brasileiros vibravam outra vez.

III. “COMPLEXO DE VIRA-LATAS”

Nos anos que antecederam as primeiras vitó- emoção que sentia, e suas descrições emocionantes rias do Brasil nos Mundiais, conviveram juntos dois ninguém jamais soube reproduzir. Sua narrativa se tipos de preconceito, aos quais chamarei de precon- iniciou em 1950, quando a derrota do Brasil para o ceito interno e externo. Uruguai no recém-construído estádio do Maracanã Por preconceito interno, entendo a discrimina- silenciou 200 mil vozes que torciam pela seleção ção de pobres, negros e mulatos, considerados cida- nacional. Nas palavras do escritor, (1993, p.51), a dãos de classes inferiores. derrota “foi uma humilhação nacional que nada, O preconceito externo, ou autopreconceito, absolutamente nada, pode curar”. E, de fato, ela re- refere-se ao fato de o brasileiro (e, nesse sentido, o forçou a imagem negativa que o brasileiro fazia de si Brasil como um todo), se autoconsiderar um povo mesmo, provocando o fenômeno do “Complexo de menor, fraco e incapaz, quando colocado em esca- Vira-Latas”. la global. A expressão “Complexo de Vira–Latas”, Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferio- criada pelo escritor Nelson Rodrigues (1993) ilustra ridade em que o brasileiro se coloca, voluntaria- bem essa autoimagem pejorativa. mente, em face do resto do mundo. Isto em todos Ao longo de 20 anos, o jornalista Nelson Ro- os setores e, sobretudo, no futebol. (RODRIGUES, drigues escreveu crônicas nas quais narrou toda a 1993, p.53) ascensão e trajetória do futebol brasileiro, desde seu A expressão nomeia a talvez mais famosa início até os seus dias de glória. Seu olhar apaixona- crônica do dramaturgo, na qual Nelson Rodrigues do percorria o campo todo e ele recriava cada passe indaga se o pessimismo do brasileiro referente à se- e cada gol em seus textos, de forma a compartilhar a leção não estaria encobrindo um “otimismo incon-

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te. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro fesso e envergonhado”. Segundo ele (1993, p.50): precisa se convencer de que não é um vira-latas e “Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que tem o futebol para dar e vender, lá na Suécia. (RODRIGUES, 1993, p.52) que nos trava é o seguinte: - o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mes- A vitória veio como um sopro de vida sobre o mos, qualquer esperança.” povo brasileiro. De volta ao país, a seleção foi re- A última parte da crônica é escrita de forma a cebida com festa pela multidão enlouquecida, que salientar a capacidade do futebol brasileiro, e Nelson cantava a marchinha “A Taça do Mundo É Nossa”3, Rodrigues, fanático que era, o faz como ninguém. enquanto o time desflava em um veículo do corpo de bombeiros pelas ruas do Rio de Janeiro. Os joga- Eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: - sou dores eram os heróis nacionais, e o futebol tornara- de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de se a marca da sociedade brasileira. outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, Ao meio-dia o comércio do Rio fechou as portas. A que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado do cidade toda foi para a rua. Parecia terça-feira de Flamengo. Pois bem: não vi ninguém que se compa- um Carnaval de outros tempos, quando as casas se rasse aos nossos. (RODRIGUES, 1993, p.52) esvaziavam e todos marcavam encontro na Aveni- da Rio Branco. Só que para saudar os campeões do No último parágrafo, Rodrigues cita a Copa se- mundo a Avenida Rio Branco não bastava. A multi- diada na Suécia, em 1958, na qual o Brasil estrearia dão começava a engrossar diante do Palácio do Ca- tete onde se armara o palanque presidencial. Era lá seus anos de sucesso. que os campeões do mundo iam receber as medalhas de ouro mandadas cunhar, especialmente, pelo Pre- Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de fu- sidente Juscelino Kubitschek. (FILHO, 2010, p.326) tebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamen-

IV. 1958

IV.1- Anos de Glória conceito e, por outro, do brasileiro como um todo, O sucesso de 1958 permaneceu nos anos que que carecia de uma autoafrmação. E a vitória se fez se seguiram: vitórias da década de 1960 assegura- nossa mais uma vez. ram à seleção brasileira a fama de ser a melhor do No entanto, a euforia com a qual o povo recep- mundo. Segundo o historiador Hilário Franco Jú- cionou os vencedores que retornavam à pátria não nior (2007, p.135): “O clima de euforia política e fu- aliviava o clima político, que permanecia tenso. Na tebolística alimentava o otimismo com relação aos época, o jornal francês Le Figaro 4 opinou que aquela destinos do país.” vitória fora “vital para os brasileiros, um povo que O Mundial seguinte, em 1962, sucedia a eleição não dispõe de outro meio, além do esporte, para se do presidente Jânio Quadros, cujo rápido governo impor no cenário internacional”. (apenas sete meses, no ano de 1961) ateou fogo ao Quanto à questão do preconceito, o inimigo co- cenário político nacional. No Chile, a seleção lutou mum (Chile) havia feito com que os brasileiros esque- pela taça, enquanto no Brasil a crise econômica se cessem por certo tempo suas diferenças, mas não fora acentuava e, com ela, avançavam as pressões do po- capaz de curá-las de modo mais perene. Aqui se revela vo brasileiro. Por um lado, era uma luta dos negros mais uma das muitas manifestações do racismo no e mulatos que tentavam dar a volta por cima do pre- futebol. Havia algo como a suspensão temporária do

3. A Taça do Mundo é Nossa é uma marchinha carnavalesca (autoria de Wagner Maugeri, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Victor Dagô) com- posta para as comemorações após a vitória da Seleção Brasileira de Futebol na Copa de 1958, sediada na Suécia. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/A_Ta%C3%A7a_do_Mundo_%C3%89_Nossa >. Acesso em: 17 ago. 2014. 4. Ver FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Dança dos Deuses – Futebol, Sociedade, Cultura. 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 177.

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preconceito, enquanto o jogador negro ou mulato esta- protestos por todo o país, que não fez mais do que va defendendo as cores de seu time. No entanto, uma resultar em novas e mais severas censuras. vez penduradas suas chuteiras, caía no anonimato. No ano de 1969, o general Emílio Garrastazu Tal suspensão se dava não como uma aceitação da Médici fora indicado para a presidência da Repúbli- negritude, mas como uma negação ou sublimação da ca e, no período que se seguiu, contava com a vitória cor. Quem conseguiu traduzir aquilo que sentira na do Brasil na Copa do ano seguinte, para a legitima- própria pele foi Robson, um jogador negro do Flumi- ção do regime diante do povo. E, de fato, a taça do nense que, segundo Mario Filho (2010, p. 308), disse mundo foi novamente nossa. certa vez a um amigo, que ofendia um casal de negros: Foi João Saldanha o técnico eleito em 1969 para “Não faz, Orlando. Eu já fui preto e sei o que é isso.” preparar a seleção brasileira para o campeonato que Uma vez integrante do time de futebol, Robson pen- se encerraria com o terceiro título conquistado pelo sava ter superado o “mal” de sua cor. país. Sua permanência no comando do time foi pou- co duradoura devido a um desentendimento entre o IV.2- Anos de Prisão técnico e o presidente Médici, que, dizia-se, queria ver Os anos de glória do futebol brasileiro foram no time o jogador Dario, conhecido como Dadá Mara- os mesmos anos da ditadura militar, que existiu vilha. O ocorrido desagradou Saldanha, que proferiu no nosso país de 1964 a 1985. Nessa época, o regi- aos jornais, referindo-se ao presidente, uma frase me militar utilizava o sucesso da seleção de futebol conhecida até os dias de hoje, que fez com que ele ti- a seu favor, de modo a encobrir a realidade do go- vesse de deixar o cargo: “Ele escala o ministério, e eu verno autoritário, cuja oposição ganhava crescente escalo a seleção 5.” No entanto, não se pode dizer que força. No entanto, o título da Copa de 1966 não foi o técnico foi demitido exclusivamente devido ao seu conquistado pelo Brasil e, daquela vez, a seleção não comentário infeliz. O governo suspeitava que ele sim- foi recebida em festa. patizasse com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) A grande insatisfação do povo culminou com a e que, eventualmente, pudesse vir a denunciar ao aprovação da Lei de Segurança Nacional, que proi- mundo o regime abusivo que reinava no Brasil, com a bia greves e manifestações contrárias ao regime. prática de torturas e de violação de direitos humanos. Como reação, a população organizou uma onda de (FRANCO JÚNIOR, 2007, p.141)

V. A POLÍTICA

V.1 – Futebol como um Instrumento Copa é tempo de festa, na qual, de fato, toca-se o hino Como explicar a popularidade do futebol? Qual nacional, hasteiam-se bandeiras, tanto em edifícios o motivo do fascínio de tantas populações por um de luxo quanto em barracos de favela. Vê-se um povo jogo que, visto de forma racional, trata-se de 22 pes- heterogêneo unido por uma causa comum: o amor à soas competindo para chutar primeiro uma bola no pátria. São tempos de glória, nos quais, como diria espaço delimitado por dois suportes, que chamamos Nelson Rodrigues, a pátria encontra-se “de chuteiras”. de gol? E essa atividade tem um poder transforma- Tudo isso não explica de todo o motivo de tal dor sobre milhões e milhões de pessoas. sucesso. Como afrma Hilário Franco Júnior (2007, O futebol move e comove, há quem chore por p. 158), há quem defenda que o futebol seja o “ópio ele, seja de felicidade, seja de tristeza. E que melhor do povo”. De fato, não se pode negar que esse esporte exemplo senão o próprio povo brasileiro! Época de funcione como uma rota alternativa para muitas

5. Ver FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Dança dos Deuses – Futebol, Sociedade, Cultura. 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 142.

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pessoas, uma válvula de escape dos problemas do outro lado, sob um ponto de vista socialista, isto é, cotidiano. Como afrmou certa vez a revista France pensando no caráter grupal e homogêneo do fute- Football, 6 somente o futebol pode provocar a “doce bol, o destaque individual perde força quando inse- loucura capaz de fazer esquecer a dureza da vida”. rido em um time, em um grupo, como aponta Hilá- Do sucesso decorre a exaltação, nuvem conta- rio Franco Junior (2007, p. 100): “Todo jogador, por giante de otimismo que, assim como uma droga, tem maior que seja, é menor que o jogo, e todo jogo, por o poder alienante sobre uma população e a afasta de mais popular que seja, é menor que a sociedade na seu compromisso com a sociedade na qual se insere, qual se desenvolve.” da refexão e da reivindicação por seus direitos. A Copa de 1954, sediada na Suíça, transferiu Ao longo da história da humanidade, não fo- a política para o campo em meio às demonstrações ram poucos os governantes que utilizaram tais do poderio esportivo nacional de cada nação. A es- comoções a seu próprio favor. O futebol é hoje, o trela do bloco soviético era, então, a Hungria, e su- que foi, por exemplo, a “Política do Pão e Circo”, na as 32 vitórias entre as 36 partidas jogadas naquele antiga Roma. Mundial justifcaram o título. O Brasil não deixou Com a difusão do futebol, que surgira em am- de se manifestar, mesmo sendo peça secundária no bientes restritos da Inglaterra, para a grande mas- jogo político internacional de então. Inconformado sa de população rumo à escala global, teve início a com a derrota para a Hungria nas quartas de fnal, prática de utilização do esporte como arma política. o chefe da seleção brasileira protestou contra a FI- FA (do inglês, International Federation of Football De início, a política informal, com indústrias de Association - Federação Internacional de Futebol), pequenas cidades inglesas que apoiavam finan- ceiramente o time de sua fábrica para reforçar seu declarando que a arbitragem “teria atuado a servi- prestígio pessoal e ganhar o reconhecimento de ço do comunismo internacional, contra a civiliza- seus trabalhadores. Depois, cada vez mais, a polí- ção ocidental e cristã.” 7 tica institucional penetrou no mundo do futebol. E vice-versa. Qualquer que seja o sistema em vigor na No caso da Alemanha, na mesma Copa de sociedade. Políticos de todos os matizes perceberam 1954, se fez de forma nítida a utilização do futebol a imensa capacidade que ele tem de mobilizar senti- para apoiar o governo e resgatar o nacionalismo e mentos coletivos, sejam eles grupais, regionais, ou o orgulho pela pátria perdidos. A vitória alemã so- nacionais. Desde 1914, toda fnal da Copa da Ingla- terra conta com a presença do rei, que entrega o tro- bre a Hungria e a consequente conquista do título féu ao vencedor. (FRANCO JUNIOR, 2007, p. 168) do Mundial tiveram importância e influência di- reta sobre a situação política do país. No contexto Nos tempos da Guerra Fria, após a II Guerra pós-Segunda Guerra Mundial, a vitória encobria Mundial, a utilização do esporte com fins políticos a imagem de vilão que se atribuía ao povo alemão, também se viu presente. Os dois grandes regimes dando-lhe caráter heroico, de superação do passado opositores, representados pelos Estados Unidos (capi- sombrio. O historiador Manfred Oldenburg decla- talista) e pela URSS (socialista), utilizavam as vitórias rou, em entrevista (L’ E x p re s s , 17/5/2 0 0 4), sobre a obtidas com o esporte e o forte nacionalismo que acen- vitória alemã na capital suíça: dia nelas para justificar e dar força a seus governos. Muito mais que um simples confronto espor- De certa forma, não seria errado dizer que o tivo, a partida disputada em Berna e acompanhada futebol e o capitalismo estão diretamente relacio- pelo rádio por toda a nação permitiu à Alemanha nados, uma vez que ambos permitem a ascensão levantar a cabeça. Evento considerável, aqueles no- social e o destaque de indivíduos esforçados e ta- venta minutos mudaram a face do país. Naquele dia, lentosos, e o regime capitalista buscava exemplos pela primeira vez desde o fm da guerra, os alemães que comprovassem essa ideia de promoção. Por reencontraram a honra perdida. 8

6. Ver FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Dança dos Deuses – Futebol, Sociedade, Cultura. 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 177. 7. Ver FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Dança dos Deuses – Futebol, Sociedade, Cultura. 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 97.

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A conquista foi signifcativa para o país de modo e anseios. Segundo o historiador Hilário Franco a ser comemorada, em 2004, pelo seu cinquentenário. Júnior (2007, p. 13): “No fundo projetamos nossas aspirações coletivas mais nos campos de futebol que V.2 – Futebol e o Povo Brasileiro nos campos sociais.” No esporte, muitos identifcam Falamos muito do futebol como instrumento características nacionais, como a falta de planeja- de meros fns políticos. Essa constatação não deixa mento e a improvisação, o que confere extrema re- de ser válida. No entanto, de nada valeria o esporte levância ao futebol no cenário político do país, uma ao governo se, em primeiro lugar, não existisse, en- vez que as conquistas nos estádios preenchem o tre a tal prática e o povo, a fortíssima conexão que os espaço vazio dos avanços do Brasil. Sabendo disso, une até os dias de hoje, e que identifca o Brasil como o governo soube usufruir dos sucessos da seleção, o país do futebol. convertendo-os em propaganda nacionalista, que Sendo assim, a vitória na Copa de 1970 não era mascarava a obscuridade do regime. vista apenas como o triunfo dos interesses do governo De volta às terras brasileiras, o escrete foi re- e, sim, de um povo que vivia reprimido pelo regime. cebido pelo próprio presidente Emílio Garrastazu O Brasil vibrou com cada conquista da seleção, Médici. Triunfante, o general ergueu a taça Jules cada passe de Rivelino, cada tática de Tostão, cada Rimet, de forma a relacionar a alegria proveniente gol ou quase gol de Pelé, transmitidos ao vivo pela do futebol com a sua imagem, a fm de compartilhar televisão e, pela primeira vez no país, em cores. E da grande popularidade proveniente do troféu. foram os pequenos gestos, feições de esperança, A campanha patriótica era difundida, entre ou- alegria, sorrisos e comemorações de todo brasileiro, tros meios, através da música, da televisão, das esco- que imortalizaram aquele Mundial na consciência las, dos desfles militares e dos cartazes espalhados de pessoas do mundo inteiro. A torcida pelo time pelo país, nos quais se liam slogans como “Ontem, brasileiro ultrapassava os contornos do nosso país, hoje, sempre, Brasil”, “Ninguém Segura Este País”, pois o mundo vibrava junto conosco. Pelé alcançara ou “Brasil, Ame-o ou Deixe-o” entre outros. Trans- a marca dos mil gols e, com ela, o prestígio gigantes- mitia-se a imagem de um país isento de confitos, co, com o título de Rei do Futebol. E que rei! feliz e próspero, inclusive na economia, uma vez que Podemos observar, no nosso país, um povo que passava pelo chamado “Milagre Econômico” (perí- espelha a sua relação com o governo na seleção de odo de grande crescimento econômico no Brasil, futebol, na qual deposita suas expectativas, críticas entre 1969 e 1973).

Figura 1: Propaganda nacionalista dos anos 1970. Disponível em: . Acesso em: 26 de agosto de 2014.

8. Ver RANCO JÚNIOR, Hilário. A Dança dos Deuses – Futebol, Sociedade, Cultura. 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 99.

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Figura 3: Propaganda nacionalista dos anos 1970 – O presidente Médici ergue a taça Jules Rimet conquistada pela seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970. Disponível em: Acesso em: 26 de agosto de 2014

Figura 2: Propaganda nacionalista dos anos 1970. Disponível em: . Acesso em: 26 de agosto de 2014.

Figura 4: Propaganda Nacionalista – exaltação do futebol. Disponível em: http://1.bp.blogspot.com/eehvKLkK8LM/UtCgHDmxrQI/ AAAAAAAAMVA/wgIuQDi21jo/s1600/anuncio+Hercules+-+1970.jpg >. Acesso em: 26 de agosto de 2014. Figura 5: Propaganda nacionalista dos anos 1970. Disponível em: Acesso em: 26 de agosto de 2014.

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Enquanto os rádios tocavam o hino nacional a posição correta de um verdadeiro revolucionário. e, juntos, 90 milhões de brasileiros cantavam a Como todo regime totalitário, a ditadura marchinha Pra frente Brasil!, celas eram ocupadas brasileira teve sua ascensão, seu tempo de glória com revolucionários que lutavam pelos direitos de e sua queda. expressão e pela mudança de regime e que eram No ano de 1974, o futebol nacional já não era torturados, mortos e, muitas vezes, tinham seus mais o mesmo que fora na Copa Mundial de qua- corpos desaparecidos. tro anos anteriores. O time perdera seu brilho, sua O partido esquerdista de oposição não sabia se motivação e sua organização. A população decepcio- torcia pela seleção brasileira, tão vinculada ao re- nada projetou suas insatisfações no governo, que foi gime ditatorial, o que foi foco de muitas discussões duramente criticado. A economia já não ia bem e o nos aparelhos guerrilheiros, em busca de encontrar país parecia não conseguir reverter a situação.

VI. A SUPERAÇÃO DO AUTOPRECONCEITO

A população pobre, negra e mulata é dotada a família de Pelé era mais bem estruturada, e o cra- – assim como o conjunto do povo brasileiro tem o que tinha grande admiração pelo pai Dondinho (ex- “Complexo de Vira-Latas” diante do mundo – de um jogador), a pedido do qual não bebia e não fumava. autopreconceito sobre sua cor e posição social diante Tais características certamente refletiam num do resto do Brasil. O futebol foi um dos setores da diferente comportamento em campo, não somente ao vida onde esse mal se fez evidente, ao mesmo tempo ser caçado, mas também quando iam para o ataque. em que foi nesse esporte que se encontraram solu- Enquanto Garrincha dava sempre um drible a mais, ções para tal. enfeitando desnecessariamente suas jogadas, Pelé, O craque Pelé foi o remédio para ambos os pre- não por falta de habilidade, fazia apenas o essencial. conceitos acima elencados, visto que levou o Brasil às Craque inigualável dentro de campo, Pelé tam- vitórias que levantaram seu orgulho e ainda mudou ra- bém conquistou fama inigualável como o maior ído- dicalmente a visão que o negro tinha sobre si mesmo. lo que o futebol já teve. Tudo isso acompanhado de Pelé foi contemporâneo de Garrincha, novo um ingrediente, até então inédito: a afrmação outro craque fabuloso que, com seus dribles da própria cor. desconcertantes, fazia rir a plateia. No entanto, o O escritor Mario Filho (2010, p. 341), observa rei possuía algo além da destreza com a bola. que Pelé fazia questão de ser negro, deixava de lado Zagueiros de todo o mundo só tinham um re- a mania que o molequinho Robson, assim como tan- curso para parar Garrincha e Pelé: a falta. Faltas e tos outros, tinham de ver em sua cor um problema, mais faltas. Faltas feias e duras. Faltas muitas vezes uma doença, um motivo de inferioridade. violentas e desleais. Assim como na atitude com a Pelé não libertou somente a si da sina da pró- bola, Garrincha e Pelé provocavam reações dife- pria cor. Libertou todos os seus colegas de profssão rentes no público, ambos também reagiam diversa- negros ou mulatos e, por tabela, isso se irradiou, e mente ao serem caçados e derrubados em campo: continua irradiando progressivamente até os dias enquanto Garrincha se deixava ser abatido pelos de hoje, para toda a sociedade. Se a Lei Áurea liber- socos e pontapés dos outros, Pelé reagia. Erguia-se tara o negro do trabalho escravo, a sociedade bra- e encarava o adversário com olhos frmes, quando sileira o manteve escravo do preconceito, tanto de não revidava fsicamente. brancos contra negros quanto dos negros com rela- Vinham de estruturas familiares diametral- ção a si mesmos. mente opostas. Garrincha tinha um pai alcoólatra, Pelé tornou-se um espelho para todos os outros destino do qual também não conseguiu escapar. Já que passaram a exaltar sua cor, era o exemplo de

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sucesso que, como cita Mario Filho (2010, p. 341), gros de vestir a sua própria cor, passo essencial para faltava para completar a obra da Princesa Isabel. o combate ao preconceito. No entanto, jamais decre- Ele passou a ser chamado “o Preto”, ou “Criou- tou que tal superação já teria se concretizado após 50 lo”, pelos companheiros de cor e de profssão. Isso anos. Nesse sentido, o livro foi como uma profecia do porque Pelé – que inclusive não era seu nome, nem que se passaria nas cinco décadas que se seguiriam, Rei Pelé, que era um personagem – era mais forte ao mesmo tempo em que previu a difculdade que se- do que a assunção da própria cor. Tudo isso era en- ria exterminar um sentimento forte e antigo como o dossado pelo seu comportamento de craque não só preconceito, seja este de qualquer forma. como jogador, mas como homem também. Além Cabe destacar, mais uma vez, até que ponto disso, ele nunca empunhou a bandeira do revanchis- vai a importância do futebol. O esporte é, ao mesmo mo. Sua posição não era a de ser contra os brancos e tempo, uma manifestação cultural, um refexo da em nenhum momento afrmou a superioridade dos sociedade e um fator transformador da sociedade. negros. Isso seria inverter um preconceito, mas não Isso foi captado por Mario Filho e reverenciado por extirpá-lo. Sua atitude foi construtiva no sentido de não menos que Gilberto Freyre no prefácio à 1ª edi- ajudar a romper barreiras raciais. Tal foi a dimensão ção da obra Casa Grande e Senzala: e o alcance de sua fgura, que repercutiu muito além Sublimado tanto do que é mais primitivo, mais jo- das fronteiras do nosso país. Foram várias as ofertas vem, mais elementar, em nossa cultura, era natural recebidas por Pelé de times do exterior, sempre re- que o futebol, no Brasil, ao engrandecer-se em insti- cusadas em favor de sua permanência no Santos e, tuição nacional, engrandecesse também o negro, o assim, no Brasil. descendente de negro, o mulato, o cafuzo, o mestiço. E entre os meios mais recentes – isto é, dos últimos Mario Filho escreveu o livro O Negro no Futebol vinte ou trinta anos – de ascensão social do negro ou Brasileiro há mais de 50 anos. Foi capaz de antever, do mulato ou do cafuzo no Brasil, nenhum excede, na fgura de Pelé, a possibilidade que tinham os ne- em importância, ao futebol. (FREYRE, p. 25)

VII. SÉCULO XXI

Feita a análise de diferentes aspectos do fute- mentos, que talvez, não deixassem transparecer em bol, chegamos, por fm, aos dias de hoje. Voltemos outros ambientes. então para o questionamento central do estudo: de Para fcar só entre os brasileiros, os jogadores que forma se manifesta a questão da inclusão ver- Roberto Carlos, na Rússia, Daniel Alves, na Espa- sus a exclusão. nha, Vágner Love, no Equador, e Tinga, no Peru, Por um lado, foram criadas leis para punir foram alvos de ofensas preconceituosas em campos quem comete atos racistas e há, de fato, a dissemi- de futebol. nação da ideia de que o preconceito contra negros é Quando eu cheguei à beira do campo já começou o som de imitação de macaco. (...) Quando eu to- repulsivo, vergonhoso e politicamente incorreto. cava na bola o som vinha direto, e quando a bola Por outro lado, manifestações ofensivas persis- saía parava”, disse Tunga em entrevista à Folha tem com inexplicável resiliência, e nos fazem lem- de S. Paulo (LIMA, Diego Folha de S. Paulo, 13 de brar como é difícil e lenta a mudança de uma men- fevereiro de 2014). O jogador declarou, perturba- do: “Passei a noite toda praticamente sem dormir talidade antiga e, portanto, forte em uma população. tentando entender o movimento todo que aconte- Recentemente, o futebol voltou a ser palco da ceu (...) A preocupação maior era com o meu flho intolerância. que estava chorando. Por facilitar o anonimato, as arquibancadas Tinga usou o ato de racismo dos torcedores favorecem a expressão covarde daqueles que, mes- peruanos para reforçar os valores que passa à sua clados à multidão, aproveitam para externar senti- família. E disse ao filho mais velho, de apenas 11

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anos: “Que isso sirva de lição (...) em qualquer ou- vindos de sua torcida. No Brasil, um time gaúcho tro preconceito, seja racial, social, opção sexual, e perdeu nove pontos e foi rebaixado depois de seus qualquer outra situação (...) que você se lembre do fãs terem atirado bananas contra um árbitro. que aconteceu com o seu pai. Isso vai ser muito im- Como se vê, além de abomináveis, as mani- portante para o seu crescimento.” O jogador revelou festações racistas são pouco originais e se repetem o questionamento de seu flho: “Pai, por que as pes- cansativamente. soas brancas estavam chamando você de macaco?” Depois do ocorrido com Alves, o Ministério Confessou que não soube bem como responder. do Interior da Espanha informou ter contabilizado Concluiu o atacante: oito casos de racismo em estádios do país na atual temporada, que começou em agosto de 2013. Eu sei que não vamos mudar o mundo. Mas se cada Ao todo, 23 pessoas foram punidas com multas um começasse a tentar mudar dentro de casa, já seria um ganho. Eu faço isso com os meus flhos pra que vão de € 3.000 (cerca de R$ 9.000) a € 4.000 caramba. Foi possível notar que se tratava de uma (R$ 12 mil aproximadamente). Elas foram ainda população sem acesso a cultura. O pior mesmo é proibidas de ir a jogos. quando isso acontece em países mais desenvolvidos, como na Europa e até mesmo no Brasil. O Villarreal, time que jogou contra o Barcelo- na de Daniel, por sua vez, divulgou ter localizado o A triste experiência vivida pelo jogador do Cru- torcedor que arremessou a banana e que o proibiu de zeiro, no interior do Peru, bem que poderia ter sido entrar em seu estádio para sempre. um marco para uma mudança de posição. São medidas louváveis, ainda que as multas pu- Pouco tempo depois, porém, outro jogador bra- dessem ser mais elevadas. A questão é saber se puni- sileiro sofreu com insultos semelhantes. ções como essas cumprem um papel determinante, O curioso, para não dizer irracional, é que os pedagógico e civilizatório. Seriam elas sufcientes mesmos torcedores que ofendem profssionais afro- para alterar a mentalidade do torcedor racista? descendentes se mostram prontos a aplaudir os jo- Reprimir um sentimento, por mais odioso que gadores negros ou mulatos quando fazem gols para seja, no entanto, não extingue a capacidade explo- seus times prediletos. siva deste. Talvez a melhor forma de luta para extir- Apenas dois meses depois da ofensa a Tinga, par o mal do preconceito e sua destrutividade seja Daniel Alves também foi vítima de racismo quando a elegância e superioridade bem-humorada de que se preparava para cobrar um escanteio. Alguém da Tinga e Daniel lançaram mão. arquibancada atirou-lhe uma banana. Poderiam ter sido mais educativas e nobres suas Com elegância e bom-humor, o atleta abaixou- reações? Como comparar a atitude vil de torcedores se, pegou e comeu a fruta. O ato gerou reação de com a nobreza dos gestos dos jogadores brasileiros? apoio ao atleta e de combate ao racismo no mundo É uma guerra lenta, e, quem sabe, infndável. todo. A primeira reação veio de , que já so- Mas é bom que o lado da razão esteja conseguindo frera discriminação. responder sem perder a cabeça. O craque brasileiro que joga no Barcelona en- No Brasil, apesar de tantos casos lamentáveis comendou uma campanha a uma agência de pu- de preconceito, a população tende a ter uma con- blicidade. Publicou nas redes sociais uma foto com vivência mais harmônica com a diferença, dada a uma banana, no que foi seguido por outros atletas, variedade de origens e raças que convivem no país, políticos e artistas de vários países. o que nos difere de demais países do mundo. Que Diversas iniciativas foram tomadas para punir tal característica nos deixe à frente dos outros, em responsáveis por atos preconceituosos. A equipe se tratando do extermínio da prática que signifca a peruana foi condenada a pagar multa (US$ 12 mil) maior mancha da nossa sociedade e da humanidade pela emissão de sons de macacos ofensivos a Tinga, como um todo: o preconceito.

60 Futebol e sociedade: inclusão X exclusão social

CONCLUSÃO

Nos capítulos anteriores, procurei fazer uma único grupo ou indivíduo, ao mesmo tempo em que refexão abrangente o sufciente para abarcar o es- segrega negros e pobres (muitas vezes quando não é sencial de cada um dos aspectos propostos. Afnal, evidente a contribuição destes para os clubes de fu- qual a melhor forma de responder a questões acerca tebol), idolatra afrodescendentes como Pelé quando do futebol nos dias de hoje, senão por meio de um estes craques fazem verdadeiros milagres em cam- embasamento histórico? po, vencendo as seleções adversárias. Assim como a formação do Brasil e de sua iden- No Brasil, apesar de tantos casos lamentáveis tidade nacional, também o futebol teve sua trajetó- de preconceito, ouve-se dizer que a população tem ria de desenvolvimento. Chegou ao país como uma uma convivência muito mais harmônica com a prática segregacionista e exclusiva a ricos e brancos, diferença, dada a variedade de origens e raças que passou por um momento de inclusão, quando afro- convive no país, em comparação com outras nações. descendentes eram admitidos nos times oficiais Que o Brasil e a humanidade como um todo disfarçando sua negritude, o que embutia um pre- ainda têm longo caminho a trilhar até alcançar conceito ainda forte por parte de quem os culpava um real amadurecimento e a completa superação pelas derrotas do início da década de 1950. do grande mal que é o preconceito, não se pode ne- Em 1958 o futebol atingiu os tempos de glória, gar. No entanto, após uma análise histórica do de- dos sucessos da seleção e, paralelamente a isso, a su- senrolar de uma sociedade, podemos concluir, com peração do autopreconceito, na qual muitos negros segurança, que já caminhamos grande parte dessa passaram a ter orgulho da sua cor e respeito para trilha, e que, nos anos que se seguirão, andaremos consigo mesmos. ainda muito mais. Chegamos, por fm, aos dias de hoje. Podemos Que o Brasil, que hoje é sede da Copa do Mun- observar que os dois antagônicos lados, isto é, a in- dial, possa representar um papel marcante nessa clusão e a exclusão fazem-se, ainda, ambas presen- luta contra o racismo e tantos outros campos neces- tes e, muitas vezes, de forma paradoxal, quando um sários, para além do futebol.

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62 A física nas inovações tecnológicas de transmissão de jogos de futebol

FERNANDA PARODI DE ALMEIDA 3 a série B Resumo O trabalho visa a esclarecer os mais simples aplicam na vida cotidiana, expõe a cronologia processos químicos e físicos na transmissão das invenções relacionadas ao sistema de tele- de atividades relacionadas ao futebol; com comunicação. As informações foram retiradas enfoque na Física. Além de apresentar vários de livros, trabalhos acadêmicos, documentá- conceitos estudados no Ensino Médio que se rios, artigos e livros didáticos.

Palavras-chave: Telecomunicação, futebol, rádio, televisão, internet, satélites, Física

Abstract The report aims to understand the simplest displays the chronology of telecommunication chemical and physics processes related to the systems inventions. The information was ex- transmission of soccer-related activities, with tracted from books, academic papers, docu- a focus on physics. Besides propounding many mentaries, articles and schoolbooks. practical concepts studied in High School, this

Keywords: Telecommunications, soccer, radio, television, internet, satellite, Physics A física nas inovações tecnológicas de transmissão de jogos de futebol

Introdução

presente trabalho visa ao esclareci- essas pessoas entender o funcionamento do eletro- mento da forma como foram cria- doméstico. O mesmo aconteceu com a televisão. dos meios de comunicação como o (MODERN Marvels: Radio – Out Of Thin Air) rádio, a televisão e a Internet, seu A popularidade desses aparelhos, no Brasil, desenvolvimento e aceitação no com certeza estevea envolvida com a paixão nacio- mercado,O além de sua atual tecnologia. nal pelo futebol. Como ainda hoje está. No passado, o conhecimento tecnológico era O pouco entendimento sobre aparelhos - tão restrito que um indivíduo era capaz de entender municadores se dá pela superespecialização do co- o funcionamento de todos os aparelhos presentes na nhecimento ou pela carência de estudos, já que mui- vida comum. Entretanto, a educação levou cada vez tos dos conceitos envolvidos não são extremamente mais às especializações. Isso signifca que o conhe- complexos, até sendo ensinados no Ensino Médio. cimento responsável pela tecnologia atual não é am- O trabalho esclarecerá o trajeto feito na trans- plamente compreendido. Um exemplo é a Internet. missão de imagens de partidas de futebol; além de Segundo o Instituto Brasileiro de Geografa e apresentar propriedades da Física, tais como ondas Estatísticas (IBGE, 2005), eletromagnéticas e mecânicas essenciais para que assistir a um programa esportivo – ou qualquer ou- No total da população de 10 anos ou mais de idade, tro – seja possível. Outro maquinário importante verifcou-se que 21,0% das pessoas acessaram a In- ternet em algum local (domicílio, local de trabalho, para a transmissão de jogos futebolísticos a ser estabelecimento de ensino, centro público de aces- elucidado será o sistema de satélites artifciais na so gratuito ou pago, domicílio de outras pessoas ou órbita terrestre. qualquer outro local), por meio de microcomputa- dor, pelo menos uma vez, no período de referência Para tanto, o conteúdo foi dividido em seis ca- dos últimos três meses, em 2005. (...) Considerando pítulos. Do primeiro ao terceiro são apresentados a população por faixas de idade, verifcou-se que a o surgimento do telégrafo, do rádio e da televisão e utilização da Internet estava mais concentrada nos sua relação com o futebol. O quarto e o quinto capí- grupos etários mais jovens. tulos têm como tema o desenvolvimento dos satéli- Ainda que nem todos os jovens citados conhe- tes artifciais e a internet, respectivamente. Por fm, çam o processo que leva informações, músicas e ví- o sexto apresenta a conclusão. deos a seus computadores, são capazes de aproveitar Foram coletadas informações através de pes- os serviços mais simples desse sistema. quisa em diversas mídias, tais como livros, traba- Gerações anteriores também passaram por lhos universitários e de pós-graduação, além de jor- essa experiência menos consciente de utilizar a nais e revistas. Outras fontes utilizadas foram, por tecnologia. Na década de 1940, o rádio era o centro exemplo, documentários, pesquisas estatísticas e da vida familiar americana; e não era necessário a livros didáticos.

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A sociedade europeia do fnal do século 18 e início do 19 havia amadurecido a tal ponto que necessita- va de grande troca de comunicação. Durante a Re- volução Francesa, e mesmo depois com Napoleão Bonaparte, havia um grande interesse em enviar mensagens militares a grandes distâncias o mais rapidamente possível. A época era propícia para todos os tipos de propostas e invenções e tudo que fosse mais rápido e confável do que a troca de men- sagens por meio de um portador, seja ele a cavalo ou de trem, valia a pena tentar. Uma dessas tentativas foi o telégrafo óptico de Claude Chappe (1763-1805) que funcionava por meio de um sistema de torres com painéis representando símbolos e com opera- dores nessas torres se comunicando entre si, per- Figura 2: Estação transmissora mitindo a comunicação a longa distância. (DORIA e MARINHO, 2006, p. 71) A estação receptora possui baterias, as quais fo- ram criadas por Alessandro Volta. Tendo estabelecido Os telégrafos ópticos consistiam em faróis e uma diferença de potencial com as pilhas elétricas era bandeiras que poderiam ser avistados por bases possível aplicar as leis de Ohm e criar uma corrente militares. Possuíam as mesmas desvantagens que elétrica; propriedades da eletrodinâmica estudadas qualquer outro método de comunicação óptico, tal por Georg Simon Ohm e André-Marie Ampère. como sinais de fumaça, pois dependia das condições As pilhas dependem de reações de oxidorredu- ambientais. Era necessário que fossem dispostos em ção; em outras palavras, reações em que ocorrem per- locais altos a fm de aumentar a visibilidade; mesmo da e ganho de elétrons. Alessandro Volta, em 1800, assim, não podiam transmitir mensagem alguma construiu a primeira pilha intercalando placas de para grandes distâncias. cobre (que oxida, perdendo elétrons) e zinco (que re- O telégrafo com fios foi apresentado por Sa- duz, ganhando elétrons) e, entre elas, algodão embe- muel Morse, em 1843. Morse e Alfred Vail fzeram bido em uma solução que permitisse a passagem de uma conexão entre e Baltimore, nos cargas. (SALVADOR e USBECO, 2011, p. 182 e p. 213) Estados Unidos. Em 1836, John Frederick Daniell mostrou Os avanços científcos responsáveis pela tele- ser possível a criação de uma corrente elétrica co- grafa a longa distância também foram essenciais locando um condutor externo que ligasse as placas para a vida cotidiana como é conhecida hoje. Para da pilha de Volta. (SALVADOR e USBECO, p. 214) entender como, é preciso observar os componentes Nos eletrodos há uma certa quantidade de energia da máquina (veja as fguras 1 e 2). potencial para cada carga elétrica, porém com si- nais inversos. Unindo-os por um material condutor, cria-se uma diferença de potencial. Tal tensão entre o ânodo e o cátodo cria uma força responsável pela movimentação de elétrons no material condutor, o que fcou conhecido como corrente. (FRATTEZI e MATIAS, 2011, p. 574 a 576) Os estudos de Ohm relacionam-se com a resis- tência a conduzir elétrons que diferentes materiais possuem. Experimentalmente, o físico verifcou a existência de uma constante na divisão da diferença Figura 1: Estação receptora de potencial pela intensidade da corrente elétrica, se a temperatura também se mantiver constante. Sua

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primeira lei, portanto, foi U/i = R – sendo U a tensão Quando se coloca um metal no centro desses fos en- elétrica, em Volts; i a intensidade da corrente, em rolados e diminui-se o diâmetro da área de secção Ampères; e R a resistência, em Ohms. Atualmente, dos cabos, há uma ampliação maior ainda. Apenas sabe-se que essa lei é válida apenas dentro de um após esses ajustes, feitos por Joseph Henry, o campo limite de voltagem e temperatura. Sua segunda lei magnético produzido pelo telégrafo conseguiu ser avalia com maior minúcia o que seria a resistência maior do que o campo magnético da Terra e forçar elétrica; chegando à conclusão de que ela é depen- a descida da agulha. (DORIA e MARINHO, 2006) dente de um coefciente específco do material uti- No Brasil, o primeiro telégrafo óptico foi ins- lizado, do comprimento e da área de secção do fo. talado em 1809. Já o telégrafo elétrico só passou a (FRATTEZI e MATIAS, 2011, p. 624 a 629) funcionar em 1864. Podia-se notar que o objetivo A princípio, os fos que ligavam as estações re- do telégrafo era principalmente administrativo, ceptoras eram deixados em contato com o chão. Con- policial e militar pois foi utilizado na manutenção tudo, a capacidade da Terra de absorver elétrons e a da Lei Eusébio de Queiroz e na Guerra do Para- precariedade do isolamento elétrico da época favore- guai. Dois anos depois, com a instalação de cabos ciam a perda de sinais, atrapalhando a transmissão. transatlânticos entre a América e a Europa, jornais A solução obtida por Morse pode ser vista em qual- começaram a usar a telegrafa como fonte de infor- quer cidade: cabos elétricos pendurados em postes. mação. (MATHEUS,) Para que a mensagem vinda em sinais elétricos Alexander Graham Bell uniu os conceitos físi- se torne compreensível ao homem, ela é mandada cos ligados à acústica, à eletricidade e ao magnetis- à estação transmissora. A ponta livre da estação mo e suas próprias ideias, criando o telefone. (WU, sofre deflexão e bate contra a base; a partir desse 2012, p. 27) As ondas transmitidas pela corrente movimento defnem-se pontos e traços (linguagem elétrica possuem uma frequência determinada por desenvolvida também por Morse). Tal defexão ocor- um pulso. No telégrafo, o pulso consistia no contado re graças ao campo magnético ampliado que um da agulha com a base do equipamento. No telefone, eletroímã produz quando há passagem de corrente o contado não era direto. Foi descoberto que ligando elétrica pela máquina. carbono a um circuito elétrico e criando ondas me- O eletroímã foi o desenvolvimento do chama- cânicas (som) que comprimissem as moléculas de do solenoide. O solenoide é capaz de amplificar o carbono, a corrente do circuito passaria pelas mes- campo magnético que passa em um fo ao enrolá-lo. mas oscilações. (GREF, 1998)

1. Rádio

Guglielmo Marconi fcou conhecido como o pai de Heinrich Hertz. Ambos chegaram à conclusão do rádio. Não obstante, ele não foi o responsável pelo de que há ondas eletromagnéticas no espaço que que se conhece atualmente de rádio, mas pela radio- são transmitidas por circuitos elétricos em fun- telegrafa. “O telégrafo e o telefone foram invenções cionamento. Ou seja, a transmissão de informa- críticas na história americana da comunicação ele- ção feita pelas ondas dentro de cabos poderia ser trônica. Mas o verdadeiro desafo era desenvolver feita fora deles. (MODERN Marvels: Radio – Out um método de mandar mensagens de código e vozes of Thin Air) sem cabos.” (GODFREY e LEIGH, 1998, p. 9) Apenas em 1901, obtendo apoio econômico do Em 1856, o físico James Clerk Maxwell publi- governo inglês, Marconi pôde criar um aparelho cou a teoria que explicava por que objetos metáli- que transmitisse mensagens codifcadas em Morse, cos eram magnetizados nas proximidades de fos sem o uso de fos entre os receptores. (GODFREY e telegráfcos; contudo, os dados empíricos vieram LEIGH, 1998, p. 10)

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Figura 3: Marconi (à esquerda) e seu primeiro rádio (Fonte: www.kingsacademy.com)

Marconi foi responsável por outro objeto co- Fessenden usou um alternador Alexanderson (um mum em cidades: as antenas. Ele percebeu que en- gerador de energia capaz de girar tão rapidamente viando os sinais elétricos para o alto, as ondas eram que, além de eletricidade, produzia ondas eletro- capazes de atingir maiores distâncias. magnéticas) e o microfone de um telefone para im- Sabe-se, atualmente, que em escala micros- primir os sons emitidos por sua voz e seu violino em cópica, no nível atômico, a matéria se comporta ondas que fossem captadas por rádios de Marconi. semelhantemente a ondas. O que permite enten- A transmissão feita por Fessenden foi classi- der como estações de rádio e televisões funcionam fcada como de amplitude modulada pois a ampli- a partir da oscilação de elétrons com movimento tude da onda sonora foi modulada pelo alternador harmônico simples (MHS) em volta das antenas, Alexanderson. Ondas de amplitude modulada ainda mandando e recebendo sinais, respectivamente. são usadas em rádios. (MODERN Marvels: Radio – (KINGHT, 2009, p. 608) Out of Thin Air) Da mesma forma que o telégrafo, o rádio ser- Os aparelhos receptores de ondas de amplitude viu para fns administrativos e militares. Marconi modulada não eram caros, mas também não eram patenteou sua invenção e criou uma companhia potentes. (GODFREY e LEIGH, 1998, p. 10) A am- bem-sucedida. Foi outro cientista quem buscou apri- plitude da onda interfere diretamente na quantida- morar a capacidade do rádio. Em 1906, Reginald de de energia. A intensidade sonora é defnida pela

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potência (energia em razão do tempo) de uma onda rádio ofcial brasileira, em 1922. No entanto, apenas dividida pela área da superfície perpendicular que no ano seguinte o rádio começou a ter notoriedade ela atravessa. (FRATTEZI e MATIAS, 2011, p. 515) no país. O esporte só se tornou parte integrante da Durante a transformação das ondas eletromagné- radiofonia brasileira em 1931, quando um jogo de ticas em ondas sonoras muita energia era perdida e futebol foi narrado pela primeira vez pela Rádio o som saía com menor intensidade, exigindo o uso Educadora Paulista. (CAPINUSSÚ, José Maurício) de fones. Mas em 1908, Lee de Forest inventou um A persistência em realizar narrações esportivas amplifcador sonoro que tornava os fones desneces- diretas provocou a busca de melhoria nos equipa- sários. (GODFREY e LEIGH, 1998, p. 10) mentos e o gênero acabou infuenciando o desen- A difculdade do Titanic em chamar ajuda, em volvimento do jornalismo radiofônico brasileiro. 1912, mostrou ao mundo como a comunicação sem Essa contribuição se deu principalmente com as co- berturas externas. Prova disso é a primeira trans- fo era importante. A partir de então, o rádio virou missão de um jogo da Europa, feita pelo locutor Ga- um negócio de alto rendimento. Com a Primeira gliano Neto, em 5 de junho de 1938: Brasil 6 contra Guerra Mundial, ocorreu a disseminação desse pro- Polônia 5 (anteriormente, os locutores esportivos já duto nas casas norte-americanas. Assim começa- haviam se aventurado a transmitir de países sul-a- mericanos). (SOARES, 1994, p. 33) ram a ser transmitidas notícias, músicas e esportes diretamente, em tempo real. (MODERN Marvels: Patrícia Rangel afrma que durante a Copa do Radio – Out of Thin Air) Mundo de 1938, na França, “o futebol crescia como O clima tenso nos anos anteriores à Segunda cultura popular e o rádio era o veículo de comunica- Guerra Mundial trouxe mais inovações tecnológicas ção de massa mais poderoso”. Ela também afrma ao rádio. “No fm dos anos de 1920, Armstrong esta- que a Copa de 1950 foi responsável por um aumento va convencido que seria impossível eliminar a estática de 93% no número de emissoras de rádio do Brasil. sem um sistema de transmissão radicalmente novo, e A quantidade de aparelhos e de emissoras cres- depois de dois anos ele alcançou uma excelente comu- ceu imensamente, a qualidade sonora melhorou, e o nicação sem estática usando um sistema baseado na tamanho dos equipamentos diminuiu. Entretanto, modulação de frequência.”, dizem Godfrey e Leigh. em sua essência o rádio não sofreu grandes mudan- O Rio de Janeiro sitiou a primeira emissora de ças desde a primeira metade do século XX.

2. Televisão

A televisão foi consolidada no século XX, es- Em 1873, Willoughby Smith descobriu um elemen- tabelecendo-se como um grande veículo de massa, to fotocondutor denominado selênio. A fotocondução por trazer consigo um meio de entretenimento, in- seria essencial para as futuras telas de TV. Sete anos formação noticiosa e formação cultural. O império depois, Buzz Sawyer e André Le Blanc criaram um construído pela televisão é tão grande que outros sistema que passava imagens em alta velocidade, veículos comunicacionais como o cinema, rádio, jor- dando a ideia de movimento. (SANTOS e LUZ, 2013) nais e revistas acabaram por se reestruturar diante Karl Ferdinand Braun foi responsável, em 1897, do crescimento e desenvolvimento desta platafor- pelo tubo de raios catódicos. (ROSS, 2007, p. 3) O ma. O rádio foi um dos veículos mais atingidos, ten- Grupo de Ensino de Física da Universidade Federal do seu fm proclamado por uma legião de teóricos. de Santa Maria explica o CRT (Cathode Ray Tube) (SANTOS e LUZ, 2013) como: “um tubo de vidro ou quartzo fechado, conten- Embora tenha ganhado importância décadas do, no seu interior, um gás a baixa pressão, e com ele- após o rádio, as primeiras descobertas científicas trodos em suas extremidades. Com uma diferença que levaram à televisão remontam ao século XIX. de potencial de vários milhares de volts entre o ele-

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de 1950. O mesmo ano em que televisores começa- canhão bobinas para a eletrônico deflexão vertical ram a ser fabricados em território nacional. (SAN- TOS e LUZ, 2013) No ano seguinte, a CBS (Columbia Broadcas- ting System) conseguiu, pela primeira vez, uma transmissão colorida. (ROSS, 2007, p. 3) O Brasil estava tecnologicamente atrasado em relação aos EUA e a Europa. Segundo Gustavo Poli e Lédio Carmona (2006):

Se alguns países europeus já puderam acompanhar a Copa de 1954, na Suíça, pelos aparelhos de televi- são em preto e branco, os brasileiros só tiveram esse privilégio em 1962, no Mundial do Chile. Na oca- elétrons bobinas para sião, os videoteipes das partidas eram exibidos no a deflexão dia seguinte às façanhas de Garrincha & Cia. Ao vi- horizontal tela fluorescente vo, para os brasileiros, só a partir da Copa de 1970.

Figura 4: Tubo de Imagem (GREF, 1998) Em Almanaque do Futebol (POLI e CARMO- NA, 2006), os autores afrmam que apenas em 1974 trodo positivo (ânodo) e o eletrodo negativo (cátodo) houve uma transmissão ao vivo e colorida, na Copa acontece uma descarga elétrica através do gás.” da Alemanha. O CRT como mostrado na imagem acima (fgu- Nessa época, a transmissão já era feita por sa- ra 4) exigiu da Física conceitos elétricos e magnéticos. télites artificiais. O sistema de cores, assim como O canhão eletrônico dispara elétrons em alta veloci- o CRT foram largamente usados até o século XX. dade, enquanto as bobinas são responsáveis pelo des- Funcionavam da seguinte forma: a tela do tubo é vio desse feixe. Para tais fenômenos são necessários recoberta por grupos de três pontos fotocondutores um campo elétrico e um campo magnético, respecti- (vermelho, verde e azul); para cada tipo de ponto há vamente; os quais são criados quando o aparelho está um canhão diferente. Dependendo do sinal recebi- ligado a uma diferença de potencial. (GREF, 1998) do pela antena, um ou mais canhões lançarão esses Apesar do CRT ser até pouco tempo a essência elétrons, excitando os produtos fotocondutores que de uma televisão, a patente desta foi disputada pelo irão absorver e liberar luz. (GREF, 1998) inventor do iconoscópio, Vladimir Kosma Zworykin, Contudo, um CRT é grande e consome muita e o responsável pela primeira transmissão de ima- energia. Há cerca de uma década esses monitores gens estáveis no tubo de raios catódicos, Philo Taylor (tanto em televisão quanto em computadores) fo- Farnsworth, já nos anos de 1920. De qualquer forma, ram substituídos por Plasma e LCD; os quais além o projeto da televisão não foi levado a sério, pois o go- de mais econômicos em espaço e energia, são me- verno estadunidense era protecionista em relação ao nos vibrantes e, portanto, mais confortáveis aos rádio AM. (BARNOUW, 1990, p. 92) olhos humanos. Em 1939, com a Segunda Guerra Mundial, a TV O LCD e o Plasma são estados da matéria diferen- deixou de ser um protótipo. Nesse ano começaram as tes do sólido, líquido e gasoso. Ambos se tornam opa- transmissões regulares e a venda do aparelho para o cos quando atingidos por uma corrente elétrica. Lâm- público. A partir de 1941, o áudio das transmissões foi padas coloridas (também vermelhas, verdes e azuis) feito por FM. E em 1946, surgiu a primeira televisão determinam a imagem por pixels enquanto o LCD popular: o modelo 630TS. (ROSS, 2007, p. 3) e o plasma são responsáveis pela intensidade da cor. A TV Tupi, primeira emissora de televisão (FREITAS) Quanto mais lâmpadas, maior o número brasileira, foi inaugurada no Rio de Janeiro no ano de pixels e, portanto, melhor a definição das imagens.

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3. Satélites

O físico, matemático e astrônomo inglês Sir Isaac Newton (1642 – 1727), que introduziu a Lei a Gra- possuem: uma plataforma, local onde estão os com- vitação Universal, também afrmou que um objeto ponentes necessários para o funcionamento do sa- poderia se manter em órbita da Terra, assim como télite; um painel solar que recarrega sua bateria; e a os planetas se mantêm em órbita do Sol, se a veloci- carga útil, que seria o material para o cumprimento dade for sufciente para vencer a atração gravitacio- nal da Terra. Ele previu que a resistência do ar at- da missão (antenas, transmissores, etc.). (FLO- mosférico sobre o objeto reduziria sua velocidade ao RENZANO, 2008) longo do tempo. A genialidade de Newton permitiu a ele ainda supor que em altitudes mais elevadas, Para que um satélite entre em órbita é necessário onde a atmosfera é mais rarefeita e oferece menor que atinja uma velocidade de pelo menos 28.800 resistência, o objeto poderia permanecer em órbita km/h. Com essa velocidade, se posicionarmos o da Terra por longos períodos. Todavia, para chegar satélite a 36.000 km de altitude, acima do equador, até lá, seria preciso desenvolver foguetes capazes de ele fcará numa órbita geoestacionária. levar esses objetos (os atuais satélites) às altitudes A União Internacional de Telecomunicações (UIT) mais elevadas. (WINTER e PRADO, 2007, p. 13) dividiu o espaço geoestacionário em 180 posições orbitais, cada uma separada da outra de um ângulo Da mesma forma que o rádio e a televisão, os de 2°. O Brasil pleiteou 19 posições orbitais junto satélites foram frutos de conhecimento acumula- à UIT. Destas, atualmente sete se encontram de- signadas para uso dos operadores brasileiros (Star do desde o século XVIII e XIX no campo da Física. One, Loral e Hispasat). (HUGUENEY, 2003) Ainda, de forma semelhante aos aparelhos já cita- dos, as guerras foram grandes impulsionadoras de Os satélites de telecomunicação são sempre tecnologia. Apesar de explorar o espaço ser um so- geoestacionários, pois como suas posições não nho antigo, a Guerra Fria levou à corrida espacial e mudam em relação à Terra, não há necessidade de ao lançamento dos primeiros satélites. mudar a antena de lugar conforme ocorre a rotação. A NASA declarou que o lançamento do Sput- Além disso, com apenas três satélites é possível co- nik I pelos russos pegou a todos desprevenidos e brir toda a superfície da Terra e mandar rapidamen- marcou o início da corrida espacial. Sputnik I pos- te uma mensagem de um lado ao outro do planeta. suía 58 cm de diâmetro e pesava 83,6 kg; levou 98 (CHERUKU, 2009, p. 31) minutos para completar uma órbita elíptica com- Para D. I. Dalgleish (1991), a televisão foi a apli- pleta ao redor da Terra. cação doméstica com mais demanda por satélite Os objetivos desse primeiro satélite, além de na América do Norte. A primeira transmissão por mostrar ao mundo como a Rússia era tecnologica- satélite na TV paga foi em 1975 e em 1982 já havia mente avançada, eram testar como se colocar um 10.000 televisões a cabo nos EUA. satélite em órbita, calcular a densidade da atmosfera A difusão via satélite que ocorreu desde a dé- (motivo pelo qual Sputnik era redondo), determinar cada de 1970 por satélites geoestacionários de alta os efeitos de propagação das ondas de rádio do espa- potência e recepção por antenas parabólicas de pe- ço para a Terra, entre outros cálculos que poderiam queno diâmetro (ver fgura 5) tem como principais ser usados em projetos futuros. (WINTER e PRA- vantagens: a grande área de cobertura, a qualidade DO, 2007, p. 25) de transmissão, a economia em construções terres- Atualmente não há corrida espacial, mas há tres e a quase impossibilidade de acidentes. (PROT- milhares de satélites em órbita na Terra. Todos eles ZEK e DESCARDECI, 2010)

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Satélite

Outbound 256 kbps

256 kbps Estações 56 kbps* VSAT Estação Hub Inbound 56 kbps*

Nota: E.U.: equipamento do usuários * exemplo

Figura 5: Exemplo de rede (Fonte: Revista Mackenzie de Engenharia e Computação, n.3)

4. Internet

Antes da década de 1970, os computadores jornais e revistas eletrônicas, blogs e outras pági- eram máquinas imensas, caras e capazes de um nas. Contudo, mais interessante para os torcedores número muito limitado de ações simultâneas. Com assíduos é poder assistir ou mesmo ouvir a narra- o nascimento dos PCs (personal computers) essa si- ção dos jogos. tuação mudou drasticamente. Era necessário criar A transmissão de áudio e vídeo feita pela inter- uma forma de comunicação entre workstations sem net ocorre, basicamente, de duas formas de strea- que fosse necessária a conexão com um único com- ming. Quando feita pelo direcionamento direto da putador central. (BHUNIA, 2005, p. 99) mensagem para o computador, uma pequena parte Uma workstation (que pode ser um laptop, um do áudio e ou vídeo é armazenada temporariamente celular, etc.) tem o papel de traduzir protocolos. Já na máquina; dessa forma, a reprodução se mantém uma network é a conexão de workstations com um constante. Entretanto, por uma questão de seguran- aparelho que recebe informações e as distribui ça contra o download ilegal, muitas transmissoras através de ondas. Tais ondas são ondas de rádio ou adotam o streaming através de navegadores, não passam por um fo de cobre. As informações são tra- sendo necessário que o computador salve os dados. duzidas pelos protocolos e se tornam funções intera- (MARQUES, BETTENCOURT e FALCÃO, 2012) tivas. A internet é uma network de proporção global. Mídias consideradas clássicas (rádio, televisão (KUROSE e ROSS, 2004) e cinema) estão sendo deixadas de lado pelos inter- Em relação à transmissão de jogos de futebol, nautas. Presume-se que a internet se tornará a maior a internet pode fornecer o resultado de jogos em plataforma de telecomunicação nos próximos anos.

72 A física nas inovações tecnológicas de transmissão de jogos de futebol

Conclusão

O funcionamento do mundo de hoje é total- da Física. A compreensão dos efeitos físicos e de mente dependente da triangulação entre transmis- sua própria história garantem maior controle e um sores, satélites e aparelhos receptores. A economia avanço mais efcaz das tecnologias de comunicação. mundial é extremamente afetada pela competência Analisando algumas das maiores invenções da transmissão de sinal feita por esse sistema. Tran- humanas pode-se perceber que certas ideias são sações comerciais, comunicação entre líderes mun- responsáveis por mudanças radicais no cotidiano diais, controle militar, previsão de eventos meteoro- humano. E em cerca de três séculos, a Física que lógicos, sinais de GPS (Sistema de Posicionamento mudou o mundo passou a ser ensinada aos jovens Global), voos comerciais e de passageiros, internet: de catorze a dezoito anos. tudo isso seria impossibilitado se os satélites paras- Atualmente, o que é chamado de Era Virtual, é sem de funcionar. (HOLLINGHAM, 2013) caracterizado não só pela qualidade da transmissão Portanto, a transmissão dos jogos de futebol e de sinal, da defnição de imagem e som, da rapidez, diversas outras necessidades humanas dependem mas, principalmente, pela interatividade.

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74 A mulher no futebol

FLORA A INÁ R OSSI DE A RAÚJO 3 a série A Resumo O objetivo deste trabalho é analisar o papel ocu- bem como a história do futebol feminino e sua pado pela mulher no futebol, por meio do deba- trajetória. Finalmente observa-se que, com o te sobre o preconceito, a intolerância e os este- passar dos anos, as mulheres, assim como ou- reótipos e ideologias impostos pela sociedade. tras minorias, estão ganhando seus espaços A pesquisa aborda a impopularidade do futebol tanto no universo do futebol como no âmbito feminino no Brasil e seu refexo na sociedade, político e social.

Palavras-chave: mulher, futebol, preconceito, intolerância, futebol feminino.

Abstract The purpose of this report is to analyze the ro- reflexion in society, as well as women’s soccer le played by women in soccer by debating the history and its paths. Finally, it is observed that, prejudice, intolerance and stereotypes and ide- over the years, women, along with other minori- ologies set by society. The research broaches the ties, are achieving their goals not only in soccer unpopularity of women’s soccer in Brazil and its but also in political and social contexts.

Keywords: women , football , prejudice, intolerance , women’s football A mulher no futebol

Introdução

preconceito e a intolerância estão ceito, de Marcos Bagno (1999), ajudaram a compor muito presentes na sociedade con- e dar base ao trabalho, além de reportagens para temporânea e carregam consigo análise de dados. um caráter social e histórico. As Foi feita uma análise dos acontecimentos histó- mulheres, assim como algumas ricos que infuenciaram a intolerância contra a mu- minorias,O são vítimas de preconceito em vários se- lher desde os primórdios da aristocracia europeia e tores sociais devido a questões culturais impostas de como eles atingem a sociedade contemporânea, pela sociedade. a qual é carregada de ideais machistas devido à cul- No universo do futebol, o preconceito contra as tura de nossos antepassados, de modo a demonstrar mulheres é mais evidente e difculta a abertura de como esses elementos históricos infuenciam o fute- possibilidades para a prática feminina desse esporte. bol feminino. Para a elaboração deste trabalho foram reali- A monografa será dividida em três capítulos. zadas entrevistas durante o período de 3 de março O primeiro apresenta para o leitor a história do fute- de 2014 a 20 de abril de 2014 com jogadoras ama- bol feminino e o contexto histórico da sociedade em doras de futebol que jogam em diversos ambien- que estamos inseridos. tes, tais como escolas, clubes e times autônomos. O segundo trata do preconceito e do julgamen- Foram entrevistadas também jogadoras profssio- to que as mulheres sofrem por serem jogadoras de nais, destacando-se o preconceito que elas sofrem futebol, a introdução delas no esporte, seja profssio- por jogarem futebol, bem como por que o futebol nal ou amador, e por que historicamente o futebol feminino no Brasil não é tão conhecido e destaca- feminino não é tão popular quanto o masculino. do na mídia como o masculino. Foram investiga- O terceiro e último capítulo surgiu ao longo do das também as difculdades de se construir uma processo de elaboração dos outros. Foi notado que o carreira esportiva. As entrevistas foram feitas via futebol feminino não é tão difundido e comentado e-mail, redes sociais, ao vivo e por telefone. No to- pelas mídias como o masculino. Muitas pessoas não tal foram entrevistadas trinta mulheres, dez delas conhecem as principais jogadoras, que às vezes têm entre 12 e 17 anos, outras dez de 18 a 23 e as outras carreiras mais brilhantes que muitos jogadores po- dez de 24 para cima. pulares. Conta-se a história de algumas dessas joga- Livros como História das mulheres no Brasil, doras e seus feitos durante suas carreiras, algumas de Mary Del Priore (2004), e Doze faces do precon- ainda em construção.

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História do futebol e inserção da mulher

Desde a Antiguidade os povos já jogavam bola, mes de futebol feminino surgiam e tomavam um alguns como forma ritualista, outros por diversão. De pequeno espaço na sociedade, entre eles o mais co- acordo com Aquino (2002), diferentes culturas de vá- nhecido era o “Ladies’s Football Club”, que promo- rias partes do mundo já jogavam algo que se asseme- veu uma turnê pela Escócia, difundindo cada vez lha ao nosso futebol, como o ullamalitzi dos astecas mais, por toda a Europa, o futebol feminino. no México, o tsutchu na China, no Egito, o kemari no Japão, o epyskiros dos gregos, entre outros. Já no mundo moderno, o futebol era praticado em vários países e de diferentes modos: alguns o praticavam só com as mãos, outros só com os pés e outros com ambos. Porém o futebol que conhe- cemos e praticamos hoje surgiu na Inglaterra no século XVIII. A maioria dos estabelecimentos de ensino era partidária do jogo praticado apenas com os pés e a utilização das mãos era limitada à cobrança de laterais e ao goleiro. Em 1863 foi criado a Football Figura 1: O time “Ladies’s Football Club” de 1920. Disponível em: http:// Association, que determinou como seria praticado www.exploringsurreyspast.org.uk/themes/subjects/sports/football/ o esporte (que era parecido com o que jogamos até Acesso em 20 de abril de 2014. hoje), sendo estipuladas 14 regras. Com o passar dos anos novas regras foram criadas, além da inserção No entanto a “peça-chave” foi a Primeira Guerra do juiz e dos bandeirinhas. Atualmente existem 17 Mundial. Houve uma explosão do futebol feminino regras, bastante simples, o que contribui para a po- na Inglaterra já que os homens foram lutar nos cam- pularização do futebol. pos de batalha e as mulheres tiveram que recompor Os ingleses foram os primeiros a jogar bola no a força de trabalho nas fábricas. Muitas indústrias litoral brasileiro, possivelmente desde 1864. Mas criaram suas próprias equipes de futebol feminino, apenas em 1875 ou 1876 é que trabalhadores ingle- algo que era até então um privilégio para homens. ses e brasileiros pertencentes a empresas britânicas A mulher já praticava futebol no Brasil desde começaram a praticar o esporte com regularidade, o início do século XX, porém era uma participação conforme Rubim de Aquino (2002). quase insignifcante, já que esse território era tido Charles Miller foi quem divulgou a modalida- como “essencialmente masculino” devido aos de- de em nosso país a partir de 1894. Nascido em São cretos ofciais segundo os quais era proibida a inclu- Paulo, flho de pais ingleses, aos 9 anos foi estudar são de mulheres em clubes esportivos. Apenas na na Inglaterra. Frequentou escolas inglesas onde pra- década de 1970 foi revogada a deliberação do Con- ticava futebol e era um jogador destacado. Retornou selho Nacional de Desportos que impedia a prática para São Paulo em 1864, trazendo em sua bagagem de futebol feminino. duas bolas de couro, camisetas, chuteiras e calções. A partir da década de 1980 vários clubes cria- Sabendo que o esporte não era conhecido no Brasil ram times de futebol feminino, e foram instalados Miller empenhou-se em divulgá-lo. alguns campeonatos que adquiriram uma grande Ainda na virada do século XIX para o século visibilidade no cenário esportivo nacional. XX, o futebol engatinhava e ia tomando conta aos A história do futebol brasileiro é composta por poucos dos diversos estados brasileiros com a for- três importantes modalidades: futebol de campo, de mação de clubes, federações, ligas e campeonatos. salão e de areia. No futebol masculino essas práticas Enquanto isso, na Inglaterra, importantes ti- eram feitas por diferentes jogadores especializados

78 A mulher no futebol

Quantidade Segundo Terceiro em suas devidas modalidades. Já no feminino as País de Títulos Lugar Lugar mulheres que jogavam futebol de campo eram as Alemanha 2 1 – mesmas que jogavam nas outras duas modalidades, EUA 2 1 3 Noruega 1 1 1 por causa da falta de jogadoras devido ao grande pre- Japão 1 – – conceito e julgamento dessas mulheres. Essa pecu- Brasil – 1 1 liaridade é refexo do descaso à prática feminina do Suécia – 1 2 esporte, que ocorre até os dias de hoje. Atualmente China – 1 – o número de jogadoras de futebol ainda é menor do Elaboração própria a partir de dados da FIFA 2014. Fonte: Recordes do Futebol Mundial de 2014, de Keir Radnedge, Editora Ciranda Cultural. que o de jogadores, assim como muitos clubes não têm times femininos e, se têm, são impopulares comparados à prática masculina. As melhores jogadoras dos últimos dez anos, de Aos poucos o futebol feminino foi tomando seu acordo com a FIFA, são: espaço. Um dos grandes marcos foi a primeira Co- äUSSWÎSX¯'0%'20',8Ô*#+ ,& Õ° pa do Mundo feminina que aconteceu na China em äUSSYÎSZÎS[ÎS\ÎTS¯ 02 Ô0 1'*Õ° 1991: doze seleções foram divididas em três grupos äUSTTÎTU¯ -+ 0# 5 Ô .Ő-Õ° de quatro, e as duas melhores equipes de cada grupo äUSTV¯ "',#,%#0#0Ô*#+ ,& Õ­ mais as duas melhores por “índice técnico” avan- Muitas jogadoras fazem ou já fzeram história çado foram para as quartas de final. O torneio foi no cenário do futebol internacional e mesmo assim ampliado em 1999 com a participação de dezesseis não ouvimos falar de suas conquistas. Marta, joga- seleções, com as duas melhores de cada grupo indo dora brasileira, já ganhou o prêmio de melhor joga- para as quartas de fnal (formato utilizado até hoje, dora cinco vezes, o que demonstra a qualidade técni- porém com vinte e quatro seleções).As melhores se- ca da seleção brasileira, então por que mesmo assim leções atualmente, conforme a FIFA são: o futebol feminino continua impopular no Brasil?

A pouca popularidade do futebol feminino no Brasil e seu refexo na sociedade

Historicamente, a prática de esportes é mui- nino sendo tão instigante quanto uma masculina, to mais comum no universo masculino, princi- ainda existe uma barreira quando se trata de mu- palmente no futebol. A questão de gênero sempre lheres que estão inseridas num universo considera- permeou a divisão de tarefas, trabalhos e ativida- do exclusivamente masculino. des da sociedade. Cada sociedade, considerando-se O futebol se popularizou no Brasil ao longo também o contexto histórico, tem regras sociais da primeira metade do século XX. Nessa época, a que estabelecem o comportamento das pessoas em exclusão das mulheres era muito maior, principal- relação ao gênero. mente no que se refere às questões públicas. En- Culturalmente, no Brasil, as mulheres sempre quanto os negros sofriam para participar profssio- estiveram mais ligadas aos afazeres domésticos nalmente, as mulheres não viam nem uma chance enquanto o homem trabalhava fora para sustentar disso. As próprias olimpíadas só foram incluir a mo- a família. Com o tempo a sociedade foi mudando, dalidade feminina em 1996. A situação atual refete inclusive na questão de gênero: a mulher começou bastante esse processo histórico. a trabalhar, a ter os mesmos direitos que os homens Apesar do avanço feminino citado anterior- e, assim, sua posição dentro da sociedade mudou. O mente, os estádios são ambientes em que se valoriza futebol é um dos últimos redutos da “masculinidade a masculinidade estereotipada. Os xingamentos em hegemônica”. Mesmo uma partida de futebol femi- campo referem a homofobia, racismo e o próprio re-

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baixamento da mulher, como se esse local fosse um soubessem se comportar, haveria menos estupros”, reduto onde as pessoas podem ser preconceituosas o que só prova que ainda vivemos em uma sociedade sem que haja punições sociais. de valores machistas. A falta de punições para os crimes de precon- O futebol feminino passou a ser visto como algo ceito é uma questão falha no Brasil. Quantas vezes prejudicial ao desenvolvimento do corpo e do com- não ouvimos barbaridades sejam elas homofóbicas, portamento das mulheres. A feminilidade da mu- machistas, sexistas... As pessoas se sentem livres lher é medida pelo seu corpo, para o senso comum. para dizer o que pensam e têm ciência de que exis- Os homens julgavam que se ela jogasse futebol e ti- te uma chance mínima ou quase nula de que algo vesse tronco largo e pernas grossas e musculosas ela ocorra com elas, isto é, de que sejam punidas por perderia sua feminilidade e se masculinizaria. Como seus atos. As punições desse crime deixam a dese- analisou Witter (1990, p.42), “flhas de boa família jar, assim como as denúncias e investigações para não deveriam se misturar com jogadores de futebol”. que as pessoas que o cometem sejam descobertas. Na atualidade muitas garotas ainda sofrem Uma possível forma de diminuir esse crime seria preconceito por jogarem futebol, como é o caso da ensinando nas escolas as crianças a serem toleran- jogadora profissional Luiza1 (20 anos), que treina tes e respeitarem as diferenças. na Escola de Futebol Zico e já jogou em clubes co- O futebol no Brasil é algo muito masculinizado, mo Santos. Ela relata que sofreu muito preconceito a começar pela educação das crianças. Não é comum na escola, principalmente quando era mais nova. dar uma bola de futebol para uma menina, mas para Com o passar dos anos a intolerância foi diminuin- um menino de 2 anos, sim. Assim começa essa sepa- do: “Falavam que menina não jogava futebol... Mas ração entre esporte de menina e esporte de menino. mesmo assim eu me tornei profssional.” A realida- A mulher tem difculdade de inserção nas prá- de dessa jogadora é a mesma que a de diversas brasi- ticas esportivas. No passado, havia questões morais leiras como Bárbara2 (20 anos), que jogava no clube como a ideia de que com a exibição pública do corpo, Santos quando estava no colégio: pelo uso dos uniformes curtos, as mulheres perde- riam sua feminilidade. Quando eu era mais nova eu sofria preconceito, porque acho que não devia ser muito comum uma Outra questão era a de que, ao jogar futebol, as menina jogar futebol. Sempre ouvi umas brinca- mulheres fcariam mais agressivas e seriam asso- deirinhas, mas depois foi se tornando mais comum ciadas a lésbicas e “machonas”. Esse preconceito e [meninas jogarem futebol], as brincadeiras dimi- estereótipo ainda é, infelizmente, presente no mun- nuíram e a ideia de que meninas também podiam jogar futebol foi se tornando mais comum. A par- do contemporâneo. tir daí, nunca mais ouvi nada a respeito. Todos os Por outro lado há também quem diga que a times por onde passei sempre me respeitaram e os beleza das jogadoras e sua sensualidade atraem meninos também. Me lembro de um professor do o público aos estádios fazendo com que aumente colégio que uma vez me disse que não ia deixar a f- lha dele jogar futebol porque achava o esporte muito a geração da renda, ampliando os recursos, o que masculino, mas mesmo assim ele nunca falou nada também caracteriza uma visão estereotipada e ex- de mim. (2014) tremamente machista. Foi realizado um estudo pelo Ipea (Instituto de Fizemos uma pesquisa, de 3 de março de 2014 a Pesquisa Econômica Aplicada) no Brasil durante os 20 de abril de 2014, com 30 mulheres que jogam ou meses de maio e junho de 2013 com 3.810 pessoas, já jogaram futebol amador. Dez dessas meninas têm sendo 66,5% do universo de entrevistados, mulhe- de 12 a 17 anos, outras dez de 18 a 23 e as outras dez res. Do total de entrevistados, 35,3% disseram estar têm 24 ou mais. Conforme suas respostas, no pri- totalmente de acordo com a frase “se as mulheres meiro grupo apenas três dessas meninas já sofreram

1. Nome fctício, a pedido da entrevistada, para manter a privacidade dela. 2. Idem

80 A mulher no futebol

Um dos meninos que jogava me ajudou a treinar as algum tipo de discriminação por serem jogadoras, meninas e nós conseguimos. Meu pai fcou furioso na época, mas me deixou jogar. Anos depois quando no segundo sete mulheres e no terceiro todas já so- eu fui jogar no profssional ele me disse que se orgu- freram algum tipo de discriminação. Possivelmente lhava muito de mim. o preconceito contra mulheres jogadoras está dimi- nuindo nas novas gerações, porém ainda existe. Ao colocarmos as palavras mulher e futebol no Na mesma pesquisa também foi analisado o “Google Imagens” (acessado no dia 30 de março de apoio familiar às jogadoras e os números foram 2014), das 150 primeiras imagens que apareceram, quase que os mesmos, provavelmente a nova gera- apenas 26 não diziam respeito à erotização do cor- ção de pais tem a “cabeça aberta” e não preza tantos po da mulher ou transmitiam a mensagem de que a valorem machistas como as antigas. +3*�,Ő-1 #Î.-"#(-% 0$32# -*­ A ex-jogadora Fabiana3 (37 anos) passou por Entre as três mais conhecidas livrarias da cida- experiências muito comuns entre mulheres joga- de de São Paulo (Livraria Cultura, Fnac e Saraiva), doras de futebol. em pleno ano de Copa do Mundo, encontram-se pra- No colégio onde eu estudei não tinha time de futebol teleiras especiais de livros sobre futebol. O acervo feminino, somente masculino. Quando eu era mais total das lojas é maior que 422 livros sobre o tema menina eu jogava com os garotos, só que depois de uma certa idade eles começaram a disputar cam- “futebol”. Nas lojas estão disponíveis aproximada- peonatos e eu tive que sair do time. Mesmo assim eu mente 60 livros com o tema, e destes apenas um continuei jogando nos intervalos. Quanto eu tinha cita o futebol feminino, o livro Recordes do futebol uns 12 anos meu pai me proibiu de jogar futebol, porque eu era a única menina que jogava, então eu mundial 2014 da editora Ciranda Cultural que tem decidi criar um time de futebol feminino no colégio. um capítulo sobre recordes femininos.

A trajetória de craques da história

O futebol masculino é muito popular e divul- gado em vários países. Muitas pessoas conhecem as histórias e trajetórias de seus craques que são difun- didas na mídia, ao contrário do futebol feminino. No Brasil, a craque da seleção é Marta. A fu- tebolista começou a jogar no juvenil do Centro Es- portivo Alagoano e em 2000 virou profssional no Vasco da Gama. De 2004 a 2009 jogou no Santa Figura 2: A futebolista Cruz, onde fez mais de 100 gols. Marta jogando pela Em 2009 surgiu uma proposta para Marta seleção brasileira. Disponível em: . pelo Santos. Atualmente ela joga pelo time sueco Acesso em: 01 de setembro de 2014 Tyresö FF.

3. Nome fctício, a pedido da entrevistada, para manter a privacidade dela

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Marta ganhou o prêmio de melhor futebolista 1990 e 2000. Conquistou três Eurocopas (1995, 1997 do mundo por cinco vezes consecutivas, um recor- e 2001) e uma Copa do Mundo em 2003, quando se de entre homens e mulheres. E foi considerada a aposentou. Ganhou duas Olimpíadas e tem mais de melhor artilheira em diversos campeonatos. Com 150 jogos e mais de 50 gols pela seleção. a seleção brasileira conquistou medalhas de prata Além disso, é a única mulher no hall de capitães em 2004 e 2008 nos Jogos Olímpicos e de ouro em honorários da Nationalelf e uma das únicas jogado- 2003 e 2007 nos Jogos Pan-americanos. ras a marcar pelo menos dois gols em cada uma de Marta é comparada com o grande rei Pelé, fute- quatro diferentes Copas. Ocupou o cargo de técnica bolista que jogou pelo Santos FC e é conhecido inter- da seleção feminina sub-19 da Alemanha e chegou a nacionalmente por ter mudado a história do futebol disputar a semifnal do Campeonato Europeu. ao criar jogadas únicas e passes jamais vistos antes Duas norte-americanas que fizeram história (como a bicicleta). O ex-jogador não é apenas um foram Michelle Akers e Mia Hamm. A primeira ícone no esporte como também uma personagem tem em seu currículo duas Copas e duas Olimpía- brasileira conhecida mundialmente. A jogadora é das. Ganhou prêmios como a melhor artilheira da apelidada de “Pelé com saias”, ou seja, ela é conheci- primeira Copa do Mundo Feminina, em 1991, mar- da a partir de uma referência do futebol masculino. cando 10 gols em seis jogos. Além disso, foi a primeira e única mulher a entrar Michelle não foi igualada por outra jogadora na calçada da fama do Maracanã. pelos seus feitos em nenhuma edição de mundial e Outra craque é a japonesa Homare Sawa que marcou 12 gols em Copas, sendo a segunda maior joga profissionalmente pelo INAC Kobe Leonessa, goleadora. É a quarta melhor artilheira dos EUA e time da primeira divisão da Liga Japonesa de Fu- tem a segunda melhor média de gols. tebol Feminino. Foi campeã mundial em 2011, na Foi eleita pela FIFA como a maior jogadora do Copa do Mundo na Alemanha. século XX e incluída na lista de maiores futebo- Entre os principais títulos da japonesa estão listas vivos. Faz parte do National Soccer Hall of Bola de Ouro (melhor jogadora do torneio), Chuteira Fame dos EUA. de Ouro e o prêmio Fair Play. Em 2012 foi premiada A outra grande futebolista dos Estados Unidos, como melhor jogadora do mundo. Mia Hamm, foi estrela da seleção americana nos Uma das principais futebolistas do século XX anos 1990 e uma mulher de muita influência no foi Lily Parr. Ela jogava futebol no time de sua cida- mundo, principalmente no futebol feminino. de natal, o St Helens Ladies, na Inglaterra. Em 1920, Em 1991, com 19 anos, venceu sua primeira Co- com 14 anos, começou a trabalhar numa fábrica de pa do Mundo e passou a ser a mais jovem americana a locomotivas em Preston que tinha um time de ope- vencer um campeonato mundial em qualquer esporte. rárias, o Dick, Kerr’s Ladies, o qual fazia muito su- Depois venceu a Olimpíada de 1996 e a Copa de 1999. cesso na época e atraía bons públicos para exibições Ganhou dois troféus de melhor jogadora do benefcentes. Lily marcou mais de 40 gols em sua mundo, em 2001 e 2002. Fez dois gols em cada um primeira temporada. dos quatro mundiais que disputou. Durante sua úl- Parr se aposentou em 1951 e morreu de câncer tima Olimpíada, em 2004, se tornou a maior arti- de mama em 1978. Em 2002 foi a única mulher ho- lheira dos EUA com 158 gols em sua trajetória e a menageada do English Football Hall of Fame. Seu segunda jogadora com mais partidas jogadas (275). nome foi dado ao torneio amistoso anual realizado Como se pode ver, a história do futebol femi- por entidades LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, tra- nino ainda está ganhando espaço nas mídias e no vestis, transexuais e transgêneros) na Inglaterra. mundo. O número de jogadoras é bem menor que o A Alemanha é uma das maiores potências do de jogadores, mas com o passar dos anos e a infuên- futebol feminino. A jogadora germânica Bettina cia que muitas mulheres estão ganhando no mundo Wiegmann foi a maior futebolista entre as décadas talvez algum dia esse número se iguale.

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Conclusão

De acordo com o que foi apresentado, pode-se estão ganhando seus espaços na sociedade, assim concluir que o preconceito de que mulheres não como as mulheres. podem jogar futebol, o qual seria um esporte essen- Obviamente ainda existe uma carga muito cialmente masculino, ou a ideia de que mulheres grande sobre valores morais e “boas condutas” e perdem sua feminilidade ao jogarem, estão dimi- muitas pessoas ainda pensam que homens são su- nuindo aos poucos. periores a mulheres. Os estudos dizem que vive- A juventude aceita com mais facilidade o fato mos em uma sociedade em que há estereótipos e de que qualquer um que goste pode jogar futebol, ideologias machistas, principalmente no universo algo que é mais complexo para as antigas gerações do esporte. entenderem, devido ao processo histórico, como se Conclui-se, também, que provavelmente o pode analisar pelas pesquisas feitas. futebol feminino não é tão popular como o mascu- Podemos afirmar que o mundo contempo- lino porque as mídias não divulgam tanto o femi- râneo lida com fatos que há 50 anos eram tidos nino. Privilegiam o futebol masculino em detri- como assuntos “proibidos”. Aos poucos os LGBT mento do feminino.

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Referências

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84 Aplicação dos conhecimentos de fsiologia muscular no esporte: em busca de um melhor desempenho no futebol

GIULIA COSTA D’ERRICO 3 a série D Resumo O objetivo do presente estudo foi descrever de posições biológicas, a posição e função de cada que modo treinamentos musculares de força, jogador no campo e a herança genética huma- potência e resistência podem influenciar na na. Também foram abordados temas como performance em campo por parte dos atletas suplementação e doping, além das diferenças de futebol. Foram levados em consideração os físicas e endócrinas entre atletas masculinos tipos musculares do corpo humano e suas dis- e femininos.

Palavras-chave: Fisiologia, Medicina, Biologia, músculos, treinamento, desempenho, futebol, saúde, atletas

Abstract The objective of the present study is to descri- each athlete in the feld, and human genetics be how muscle strength, power and resistance were taken into account. Supplementation and training afect a soccer player’s performance. doping were also addressed, as well as the phy- Ttopics such as muscle types and their biolo- sical and hormonal diferences between male gical disposition, the position and function of and female athletes.

Keywords: Physiology, Medicine, Biology, muscles, training, performance, soccer, health, athletes Aplicação dos conhecimentos de fisiologia muscular no esporte: em busca de um melhor desempenho no futebol

Introdução

presente trabalho tem como objeti- po. Segundo o pesquisador Arthur C. Guyton (1993, vo central estudar o funcionamento p.542): “Nenhum outro estresse a que o corpo é ex- muscular, a fm de melhor entender posto sequer se aproxima dos estresses extremos do tópicos como a força, a potência, a exercício vigoroso. De fato, se fossem mantidos até resistência e os sistemas metabóli- mesmo por um período maior, alguns dos extremos cosO dos músculos e de que modo se relacionam com do exercício poderiam facilmente ser letais.” a genética de cada indivíduo, visando um melhor Por fim, o terceiro capítulo tratará de modo desempenho dos atletas, tanto femininos quanto geral sobre o treinamento atlético, as diferenças en- masculinos, especifcamente no futebol. tre os atletas femininos e masculinos, treinos para A pesquisa será apresentada em três capítulos, se obter maior agilidade e velocidade no futebol, as sendo os dois primeiros voltados para uma explica- diferenças físicas de cada jogador dependendo da ção geral sobre a estrutura e funcionamento muscu- sua posição em campo e o aquecimento preparató- lares humanos e fundamentais para o entendimen- rio para treinamentos e competições futebolísticas. to do terceiro, que discorre sobre o futebol. Será utilizado como metodologia o levantamento de O primeiro capítulo é especifcamente voltado dados por pesquisas bibliográfcas, feitas nos livros para uma explicação sobre os músculos esqueléticos “Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças” e lisos e o músculo cardíaco, a partir de citações de (Arthur C. Guyton), “Tratado de Fisiologia Médica” pesquisadores como Bayardo Baptista Torres e Anita (Guyton e Hall) e “Futebol: Treinamento despor- Marzzoco (1999), Sônia Lopes (2012) e Guyton e Hall tivo de alto rendimento” (Antonio Carlos Gomes e (2006). Haverá uma explicação mais aprofundada Juvenilson de Souza) e no trabalho que leva como em relação aos músculos esqueléticos – uma vez que título “Treinamento da Velocidade e Agilidade no esses compõem a maior parte da musculatura dos Futebol” (Prof. Ms. Fabio Aires da Cunha). vertebrados –, abordando tópicos como a obtenção de Todos os tópicos desse capítulo estarão inter- energia para o trabalho muscular, fbras musculares ligados, uma vez que a hipertrofa muscular traz rápidas e lentas e suas heranças genéticas. como consequência o aumento do diâmetro das O segundo capítulo explicará o que é e de que fbras musculares e a possível formação de novas modo se obtém força, potência e resistência mus- fbras (podendo ser fbras de contração rápida ou cular segundo a fisiologia do esporte. Essa é uma brancas e fbras de contração lenta ou vermelhas) área da saúde que tem como papel discutir até que (GUYTON, 1993, p.547). limites de estresse o corpo humano pode ser levado, A quantidade de fibras de contração rápida e mantendo-se saudável. O jogador de futebol acaba de contração lenta varia de pessoa para pessoa, por sendo auxiliado por essa área, por conta da neces- conta de diferenças hereditárias, sendo um indiví- sidade de participar de treinamentos de resistência duo diferente do outro. Porém, quando comparados máxima, para alcançar uma hipertrofa muscular, os homens com as mulheres, existem diferenças obter um bom desempenho de seus músculos esque- acentuadas em relação ao tamanho e composição léticos, assim como uma boa performance em cam- corporal e, principalmente, em relação à liberação

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de distintos hormônios. Assim, enquanto as mulheres liberam o hor- Arthur C. Guyton (1993, p.542) afrma em sua mônio estrogênio, que aumenta o acúmulo de gor- obra “Fisiologia Humana e Mecanismos das Doen- dura no corpo, os homens liberam a testosterona, ças” que: hormônio que tem efeito anabolizante e aumenta o Em geral, muitos valores quantitativos para as mu- nível de proteína em todas as partes do corpo, prin- lheres – tais como a força muscular, a ventilação cipalmente nos músculos. pulmonar e o débito cardíaco, todos relacionados principalmente à massa muscular – variarão de Desse modo, enquanto os homens possuem dois terços a três quartos dos valores registrados maior desenvolvimento muscular e um consequente em homens. Quando medido em termos da força aumento de força, as mulheres apresentam menos por centímetro quadrado de área de secção trans- versa, por outro lado, o músculo feminino pode pro- habilidade em eventos que exigem força corporal. É duzir quase exatamente a mesma força máxima de por esse motivo que no futebol existem distintos trei- contração do masculino (...). Por esta razão, grande nos para homens e para mulheres; treinos de perna parte da diferença no desempenho muscular total visando aumento de força no chute, treinos de agili- reside na porcentagem extra do corpo masculino que é constituída por músculos, produzida por di- dade e treinos de velocidade. ferenças endócrinas (...).

1. Os músculos

1.1 Os tipos musculares do corpo humano músculos viscerais, levam esse nome por conta do O corpo dos vertebrados é composto por três local no qual se localizam: nas vísceras abdominais diferentes tipos musculares: os músculos estria- (esôfago, estômago, intestino, bexiga urinária) e dos esqueléticos, o músculo estriado cardíaco e os nos vasos sanguíneos (veias, artérias e capilares). músculos lisos. Os músculos estriados esqueléti- São comandados pelo sistema nervoso autônomo cos compõem 40% da massa corpórea de pessoas – simpático e parassimpático – e apresentam sadias e são formados por fbras estriadas e pluri- contração lenta e involuntária. Suas células são nucleadas, ou seja, fbras com células que possuem uninucleadas. mais de três núcleos e, portanto, uma maior síntese A fgura 1 esquematiza os três tipos de tecido proteica. São músculos que apresentam contração muscular e em que órgãos podem ser encontrados. rápida e voluntária, sendo comandados pelo sistema nervoso central e na maioria das vezes associados disco intercalar a ossos, como os bíceps, quadríceps e glúteos. Um exemplo de músculo esquelético não associado a os- so é a língua. tecido muscular estriado cardíaco O músculo estriado cardíaco localiza-se no miocárdio, que é a musculatura responsável pela contração e relaxamento do coração. É comandado pelo sistema nervoso autônomo, ou seja, pelo siste- ma simpático – acelera a frequência cardíaca – e tecido muscular estriado esquelético pelo sistema parassimpático – diminui a frequência cardíaca. Suas contrações são rápidas e involuntá- rias e, diferenciando-se dos músculos estriados es- queléticos, suas células possuem um ou dois núcleos (uninucleadas ou binucleadas). tecido muscular não-estriado ou liso Já os músculos lisos, também conhecidos como Figura 1: Tipos Musculares . Fonte: LOPES, 2012, p. 696.

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1.2 A estrutura dos músculos energia é um processo contínuo, no qual uma das fon- estriados esqueléticos tes é acionada antes que a anterior se esgote. Os músculos estriados esqueléticos são forma- O ATP-FC (ATP e fosfocreatina) é o processo dos por numerosas células longas que se organizam mais rápido para a obtenção de energia, porém, a paralelamente, chamadas de fbras musculares, que quantidade de ATP* obtida dessa maneira é limi- percorrem o músculo de seu início ao fnal. No cito- tada pela baixa concentração de fosfocreatina no plasma dessas fbras musculares existem centenas corpo humano. Portanto, esse é um sistema que de filamentos contráteis, chamados miofibrilas. supre imediatamente a demanda de energia para Cada miofbrila corresponde a um conjunto de dois o trabalho muscular e é efciente apenas para es- tipos de mioflamentos: os grossos e os fnos. forços máximos e pouco duradouros. Segundo os Os mioflamentos grossos são compostos por di- autores Bayardo Baptista Torres e Anita Marzzoco versas moléculas da proteína miosina, que se interli- (1999, p.309): “Sua utilização é um processo estri- gam e formam bandas escuras e, posteriormente se tamente anaeróbico, fornecendo a maior parte da unem aos mioflamentos fnos. Esses mioflamentos energia para o desempenho de atividades como: fnos são compostos principalmente pela proteína ac- corrida de 100 m rasos, natação por 25 m, levan- tina e formam bandas claras. A união entre os miof- tamento de pesos, saque no tênis, salto em altura, lamentos é regular e origina um padrão bem defnido chute no futebol etc.” de estrias transversais de cores alteradas. A continuidade do trabalho muscular por mais Entre os mioflamentos grossos e fnos encon- de 30 segundos exigirá energia derivada de outras tram-se unidades denominadas sarcômeros, que fontes, que será obtida a partir da glicólise anaeró- são responsáveis pela contração muscular. Para que bica. Esse sistema energético também apresenta haja a contração e também o relaxamento muscular baixo rendimento de ATP, porém é mais duradouro é necessário que ocorra o deslizamento dos miofla- que o sistema ATP-FC. É uma boa fonte de energia mentos grossos sobre os fnos e o armazenamento para corridas de 1000 m rasos, natação com chega- de íons cálcio. É o retículo sarcoplasmático (retí- das mais longas e para o futebol. culo endoplasmático liso), localizado em torno do Após três minutos de exercício vigoroso, a carga conjunto de miofbrilas, a organela responsável por energética muscular é proveniente da oxidação aeró- esse armazenamento. bica de substratos disponíveis no corpo humano. Por ser um sistema de obtenção de energia aeróbico, ou 1.3 Fontes de energia para o trabalho seja, é necessária a presença de oxigênio para que ha- muscular e as diferentes fbras musculares ja a produção de ATP, é um sistema lento – pela escas- A energia para o trabalho muscular pode ser sez de oxigênio durante exercícios vigorosos –, porém obtida de três diferentes modos: através do sistema extremamente duradouro, suprindo as necessidades ATP-FC, da oxidação aeróbica e/ou glicólise anaeró- de maratonistas, ciclistas e jogadores de futebol. bica. Durante exercícios vigorosos cada um dos três O gráfico a seguir representa de que modo os sistemas geradores de energia apresenta certa contri- três sistemas de obtenção de energia interagem en- buição, uma vez que os três são solicitados na maioria tre si, em uma relação de porcentagem de energia das atividades físicas. Desse modo, o fornecimento de produzida pelo tempo de duração do exercício:

*ATP (Adenosina Trifosfato) serve como reserva temporária de energia, que pode ser liberada nas células nas quais o ATP se encontra.

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ATP Fosfocreatina Glicólise anaeróbica Oxidação aeróbica 100

Gráfico 1: Fontes de Porcentagem energia. Fonte: da energia MARZZOCO produzida e BAPTISTA TORRES, 1999, p.310. 50

Duração do exercício

30 seg 60 seg 2 min 5 min

Podem-se estimar com muita precisão quais É importante ressaltar que essas formas de sistemas energéticos são utilizados nos esportes, obtenção de energia ocorrem com diferentes inten- considerando o vigor da atividade e sua duração. A sidades em cada fbra muscular. Os músculos estria- imagem seguinte representa essa relação: dos esqueléticos, no caso, são compostos por fbras lentas e rápidas, também conhecidas como fibras Sistema do fosfagênio, quase totalmente: vermelhas ou brancas, respectivamente. - Corrida, 100 metros As fbras lentas ou vermelhas devem sua cor a - Levantamento de peso uma grande vascularização, a uma grande quanti- - Salto - Mergulho dade de mitocôndrias e a uma quantidade conside- - Corrida no futebol ravelmente grande de mioglobina, que é uma pro- Sistemas do fosfagênio teína que se combina ao oxigênio, assemelhando-se e do glicogênio-ácido lático: à hemoglobina. Esse conjunto de fatores possibilita - Corrida, 200 metros - Basquete uma grande produção de ATP a partir da via aeróbi- - Corrida pelas bases do beisebol ca (oxidação aeróbica). Já as fbras rápidas ou bran- - Corridas no hóquei no gelo cas, por conterem poucas mitocôndrias e menos Sistema do glicogênio-ácido lático, mioglobinas, obtêm energia quase exclusivamente principalmente: pela glicólise anaeróbica. - Corrida, 400 metros - Nado, 100 metros Em suma, as fbras vermelhas têm contração - Tênis prolongada e duradoura, fornecendo resistência - Futebol por mais tempo, enquanto as brancas exercem mo- Sistemas do glicogênio-ácido lático vimentos bruscos e mais potentes, porém se “can- e aeróbico: sam” mais facilmente. - Corrida, de 800 a 1 000 metros - Nado, de 200 a 400 metros - Esqui, 1 500 metros 1.4 Heranças genéticas - Boxe - Remo 2 000 metros Como apresentado no subcapítulo 1.3, a mus- culatura humana é composta por uma mistura de Sistema aeróbico: fibras brancas e vermelhas, e cada pessoa possui - Patins, 10 000 metros - Esqui cross-country uma determinada e exclusiva quantidade dessas f- - Corrida de maratona bras. Embora o treinamento físico e uma adaptação psicológica e alimentícia sejam de extrema impor- Figura 2: Sistemas energéticos utilizados em diversos esportes. Fonte: GUYTON, 1991, p.545. tância para alterar a proporção e distribuição dessas fbras no corpo humano, aperfeiçoar o desempenho

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esportivo e aumentar a massa muscular, a capaci- to de rotina para o prognóstico de desempenho má- dade máxima do atleta é determinada pela herança ximo possível e para determinar que área do esporte genética. é mais adequada para atletas de elite. Os pesquisadores Bayardo Baptista Torres e O quadro a seguir demonstra a porcentagem Anita Marzzoco (1999, p.314), observam que a tipa- de fbras rápidas (brancas) e lentas (vermelhas) em gem de fbras musculares tem sido um procedimen- atletas de diferentes modalidades esportivas:

Porcentagem de fbras do quadríceps Fibras rápidas Fibras lentas Maratonistas 18 82 Nadadores 26 74 Atletas de jogos esportivos 55 45 Halteroflistas 55 45 Corredores (curta distância) 63 37 Saltadores 63 37

Figura 2: Porcentagem de fibras do quadríceps. Fonte: Adaptada de MARZZOCO e BAPTISTA TORRES, 1999, p.314.

Jogadores de futebol podem ser incluídos na pelo fato de também exercitarem o quadríceps. tabela na categoria “Atletas de jogos esportivos”,

2. Os músculos nos exercícios físicos

2.1 A força muscular semanas de treinamento regular e, junto com essa Segundo Arthur C. Guyton (1993, p.542): “A força, há o aumento percentual equivalente de mas- força de um músculo é determinada principalmen- sa muscular, denominada hipertrofa muscular. te por seu tamanho, com força contrátil máxima Pelo fato dos homens produzirem testosterona entre 3 e 4 kg/cm2 de área de secção transversa do - um hormônio considerado anabólico por conta da músculo.” Essa força pode ser determinada e de- sua capacidade de aumentar a deposição de proteína senvolvida a partir de um programa de treinamen- em todo o corpo – apresentam maior força muscular to com exercícios regulares. do que as mulheres e, consequentemente, uma dife- Um dos princípios básicos do desenvolvimen- rença no desempenho atlético. to muscular são treinamentos de resistência máxi- Levando em consideração que os responsáveis ma. Guyton (1993, p.546) ressalta que músculos que pela movimentação muscular (flexão, extensão, funcionam sem qualquer carga têm sua força pouco rotação, adução e abdução) são as articulações, aumentada, ainda que sejam exercitados por horas tendões e ligamentos, é necessário que haja cautela a fo. Por outro lado, músculos que se contraem com em relação às forças aplicadas e desenvolvidas so- sua força máxima de contração ou próximo disto bre esses. A distensão de um músculo, assim como vão desenvolver força muito rapidamente, ainda que o rompimento de ligamentos e tendões, assegura o as contrações só sejam efetuadas algumas vezes a mais alto grau de dor muscular. cada dia. Estima-se que a força muscular pode che- Os treinamentos para hipertrofia muscular gar a aumentar até 30% durante as 6 a 8 primeiras devem ser sempre orientados por profssionais que

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auxiliem na conquista da força muscular de forma trabalho executado pelo músculo, para que o desem- saudável e propícia para cada tipo de corpo. penho atlético do indivíduo não diminua signifcan- temente após a explosão inicial. 2.2 A potência muscular A potência muscular é a quantidade total de 2.3 A resistência dos músculos trabalho que o músculo pode executar em determi- A resistência muscular é essencial para o desem- nado período de tempo, e é geralmente medida em penho atlético e depende do suporte de nutrientes para quilogramas-metro por minuto (kg-m/min). Ela é o músculo e, principalmente, da reserva de glicogênio determinada pela força de contração muscular, pela armazenada no músculo antes do início dos exercícios. distância da contração muscular e o pelo número de Uma dieta balanceada, incluindo 10 a 15% de vezes que o músculo se contrai por minuto. proteína para fornecer a quantidade necessária de Segundo o pesquisador Arthur C. Guyton (1993, aminoácidos para a produção de novas células mus- p.543), a potência máxima que pode ser desenvolvida culares e uma ingestão calórica proveniente de car- por todos os músculos do corpo de um atleta muito boidratos e lipídios, é essencial. treinado, com todos os músculos atuando juntos, é Um indivíduo com uma dieta mista ou rica em aproximadamente a apresentada a seguir: gorduras armazena bem menos glicogênio nos mús- culos do que um indivíduo com uma dieta rica em kg-m/min carboidratos. Portanto, a ingestão de carboidratos antes da realização de atividades intensas e prolon- Primeiros 8 a 10 segundos 7.000 gadas garantirá mais energia e uma performance 1 minuto seguinte 4.000 mais duradoura, resistente e saudável do atleta. 30 minutos seguintes 1.700 Estima-se, segundo Bayardo Baptista Torres e Ani- ta Marzzoco (1999,p.315), que um nadador adulto Figura 3: Potência muscular. Fonte: GUYTON, 1993, p.543. que pratica de 4 a 5 horas por dia, chega a consumir 6.000 kcal/dia (calorias diárias). É evidente que a potência muscular do atle- Outro fator a ser considerado no exercício pro- ta vai diminuindo com o passar do tempo de jogo, longado é a constante perda de água do corpo em portanto, deve-se dosar e controlar a quantidade de forma de transpiração, que deve ser reposta.

3. O treinamento atlético

3.1 Os atletas femininos e masculinos testosterona, apresenta um aumento na musculatura O tamanho corporal, a composição corporal e superior ao de seus correspondentes femininos. as diferenças endócrinas são os maiores responsá- O hormônio sexual feminino, o estrogênio, é veis pelas diferenças entre os atletas femininos e responsável pela deposição de gordura nas mulhe- masculinos e, consequentemente, pelas diferenças res. Estima-se que a mulher não atleta tenha cerca no desempenho atlético. de 27% de gordura em sua composição corporal, en- Os homens secretam a testosterona, o hormônio quanto o homem não atleta, cerca de 15%. Isto pode sexual que causa um grande aumento na deposição ser considerado um importante obstáculo aos níveis de proteína em todas as partes do corpo, principal- mais altos de desempenho atlético em esportes em mente nos músculos, fazendo com que as células se que esse desempenho dependa da rapidez e da força renovem mais rápido e a massa e força musculares corporal, como é o caso do futebol. Em contraparti- aumentem facilmente. Mesmo o homem que partici- da, esse maior armazenamento de gordura pode ser pa de poucas atividades físicas, mas é bem dotado de um auxiliador em eventos que necessitem de grande

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resistência e de gorduras para fns energéticos. engrossamento da voz e cessação da menstruação. Já a cafeína, encontrada no café, quando usada Uma boa indicação da capacidade de desempenho com critério, pode aumentar o desempenho atléti- de atletas femininos versus masculino vem dos co. Segundo Guyton (1993, p.551), um experimento tempos relativos necessários para se correr a ma- ratona. Em comparação recente, a principal corre- realizado com um maratonista sob efeito de uma dora feminina tinha um tempo na corrida cerca de quantidade de cafeína encontrada em três xícaras 12% inferior ao do principal corredor masculino. de café, fez com que seu tempo de correr a maratona Para alguns eventos de resistência, por outro lado, as mulheres por vezes são as detentoras dos recor- fosse reduzido em 7%. des em relação aos homens – por exemplo, para Outras substâncias como as anfetaminas e a a travessia a nado do Canal da Mancha nos dois cocaína, podem ser consideradas as mais perigosas sentidos, onde a disponibilidade e de gordura extra à saúde. É verdade que, em curto prazo, podem ser pode ser uma vantagem. (GUYTON, 1993, p.542) benéfcas ao desempenho esportivo, no entanto, o Também se deve considerar o efeito dos hormô- uso excessivo dessas substâncias pode piorar o de- nios sexuais sobre o temperamento; enquanto a tes- sempenho por serem estimulantes psíquicos e le- tosterona é a responsável por gerar comportamentos varem o coração a um nível de excitação anormal. agressivos, o estrogênio está associado ao tempera- mento tranquilo. É certo que na maioria dos esportes 3.2 Treinamento de velocidade competitivos é o espírito agressivo que faz com que o e agilidade no futebol indivíduo se esforce ao máximo e esse espírito agres- Velocidade pode ser considerada a capacidade sivo, derivado da testosterona e presente nos homens, de executar ações motoras, em determinadas con- torna-se uma característica masculina vantajosa em dições, da maneira mais rápida possível. Ela se ma- grande parte das modalidades esportivas. nifesta de diversas formas no futebol, que segundo Essas acentuadas diferenças hormonais femi- Weineck (2000, p.356, citado por CUNHA) são: ninas e masculinas e o destaque dos homens em ä Velocidade de percepção – por meio dos sentidos esportes como o futebol, por exemplo, fazem com (visão, olfato, audição), absorver rapidamente as que diversas mulheres pratiquem o que é conhecido informações importantes para o jogo; como doping. Porém, não podemos esquecer que a ä Capacidade de antecipação – sobre a base da predisposição física não é o único fator que faz com experiência e do conhecimento do adversário que os homens se destaquem, uma vez que há pouco preverás informações importantes para o jogo; estímulo para a participação feminina nos esportes ä Velocidade de decisão – decidir-se no menor É chamado de doping o uso de qualquer tipo de tempo possível por uma ação efetiva entre vá- substância que potencialize o desempenho de atletas rias possibilidades; durante uma competição. O uso dessas substâncias, ä Velocidade de reação – reagir rápido em ações além de serem prejudiciais à saúde, desiguala as con- surpresas do adversário, da bola e dos compa- dições entre os atletas, tornando-se algo antiético. nheiros de equipe; Atualmente existe uma lista de medicamentos proi- ä Velocidade de movimento sem bola – reali- bidos, que são agrupados em diferentes classes. zar movimentos cíclicos e acíclicos em alta A testosterona, no caso, encontra-se agrupada velocidade; na classe dos agentes anabólicos, que agem aumen- ä Velocidade de ação com bola – realizar ações tando o tamanho dos músculos, em especial de mu- com bola em alta velocidade; lheres e de homens pouco dotados dessa secreção. ä Velocidade-habilidade – agir de forma rápida Infelizmente, o uso de químicos análogos à testos- e efetiva às suas possibilidades técnico-táticas terona pode causar, na pior das hipóteses, câncer e condicionais. de fígado. Além disso, nos homens, provoca à dimi- A agilidade, diferenciando-se da velocidade, “(...) nuição da função dos testículos e, nas mulheres, o se refere à capacidade do atleta de mudar de direção possível surgimento de pelos faciais, pele áspera, de forma rápida e efcaz, mover-se com facilidade no

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campo ou fingir ações que enganem o adversário a pode variar dependendo da temperatura ambiente, sua frente” (BOMPA, citado por CUNHA, 2003). dimensões do campo e condições do gramado; nor- No entanto, mesmo sendo divergente teori- malmente quando a temperatura ambiente é baixa, camente, tanto o treinamento para o desenvolvi- as dimensões do campo são maiores que as de costu- mento da velocidade quanto o treinamento para o me e a altura da grama é mais elevada, é necessário desenvolvimento da agilidade ocorrem do mesmo prolongar a preparação. modo. Portanto, desenvolvem-se a partir de trei- O aquecimento é dividido em três etapas, sen- namentos de corrida, de coordenação motora, a do a primeira voltada para uma maior concentração partir de simulações de jogos e treinamentos para e diminuição do estresse. Inicia-se com uma leve a hipertrofa muscular. corrida com ou sem bola e com a utilização de méto- dos que visam uma melhora na respiração, podendo 3.3 O físico ideal para cada atleta em campo ser ioga, meditação ou massagem. O físico dos atletas de futebol varia dependendo A segunda etapa é destinada a exercícios que da sua posição em campo. O zagueiro, por ter como possibilitem um maior fuxo sanguíneo, uma maior função cabecear a bola da defesa e proteger a equipe quantidade de estímulos nervosos e um melhora- dos adversários, necessita de um porte físico privi- mento no trabalho de contração muscular. legiado e se sobressair nos quesitos estatura e peso A etapa de número três, por sua vez, tem como perante os jogadores da linha (atacantes). É necessá- objetivo otimizar o aquecimento de forma especí- ria muita força para saltar com efciência e cabecear, fca. Nela praticam-se exercícios técnicos de jogo, exigindo o trabalho intenso dos músculos esqueléti- como exercícios de condução de bola, malabarismo, cos como glúteos e quadríceps (localiza-se na parte passe e dribles. posterior da coxa). Os especialistas Antonio Carlos Gomes e Juve- A principal característica do atacante deve ser nilson de Souza (2008, p.58) apontam que uma das a agilidade em campo, nas corridas curtas, rápidas e variantes do aquecimento antes do jogo é: de alta intensidade. Para fazer o gol são acionados os 1. Massagem e alongamento no vestiário; músculos da parte posterior da coxa: isquiotibiais e 2. Bobinho (passe de bola com extrema veloci- quadríceps. Enquanto os isquiotibiais freiam a cor- dade) 3x1, 4x2, 5x2, com um ou dois toques rida e dão direção e precisão ao chute, os quadríceps na bola; fornecem a potência necessária para o disparo. 3. Passes de curta distância, cabeceios, domí- O atleta que joga na lateral necessita em espe- nios e condução de bola em duplas ou trios; cial de resistência física e fôlego para percorrer a 4. Alongamentos (com exercícios que atinjam longa distância entre a defesa e o ataque. Seus pul- os grupamentos musculares mais específ- mões precisam captar elevada quantidade de oxi- cos para o jogo); gênio e o coração, bombear um grande volume de 5. Passes de meia e longa distância, em duplas; sangue, fornecendo energia para os músculos. 6. Quadrado 5x5 em um espaço do tamanho da grande área, objetivando a antecipação 3.4 O aquecimento muscular do adversário, procurando executar os mo- preparatório para o jogo de futebol vimentos com velocidade; O aquecimento muscular preparatório para 7. Jogadores posicionados na linha lateral da o jogo de futebol profissional é iniciado por volta grande área. Ao sinal do preparador, execu- de 30 a 40 minutos antes do início da partida. Ele tar de 4 a 5 arranques curtos (5 a 10 m).

94 Aplicação dos conhecimentos de fisiologia muscular no esporte: em busca de um melhor desempenho no futebol

Conclusão

Nenhum outro estresse a que o corpo é expos- (preparadores físicos, equipe médica e treinador). to sequer se aproxima dos estresses extremos do Assim, torna-se possível a construção, de forma exercício vigoroso, afirma o pesquisador Arthur positiva e saudável, de um programa de condiciona- C. Guyton (1993). Na prática de exercícios físicos, mento físico, sempre se lembrando das diferenças o metabolismo corporal pode chegar a aumentar do trabalho muscular por posição em campo. até 2.000% acima do normal, podendo facilmente A equipe médica, tanto quanto os jogadores, de- trazer consequências letais. Por essas razões, a f- vem estar cientes dos malefícios trazidos pelo uso de siologia do esporte, que é uma área da saúde, tem anabolizantes e de outras substâncias químicas. O como papel discutir a quais limites de estresse os acompanhamento de uma nutricionista também é de mecanismos corporais podem ser levados, visando extrema importância para a manutenção de uma saú- sempre o bem-estar do indivíduo. de equilibrada a partir de uma alimentação que forne- É fundamental ressaltar que cada indivíduo ça a energia necessária para a realização do futebol. possui um diferente biotipo, devido ao seu sexo, Apenas o correto planejamento e execução de cargas genéticas e idade. Suas características devem um programa de alimentação e treinamento físi- sempre ser levadas em consideração quando o obje- co, unidos com uma noção geral do funcionamento tivo for a hipertrofa muscular, desenvolvimento da muscular e da constante realização de exames mé- força, da resistência e da potência dos músculos. No dios, acarretarão um melhor desempenho em cam- caso do futebol, as características de cada jogador po e ganhos importantes aos atletas. Possivelmente devem ser conhecidas e estudadas a fundo por aque- esses serão os fatores determinantes do placar e do les que os acompanham em treinamentos e jogos sucesso ou fracasso de uma partida.

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Referências

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96 Como os fatores psicológicos podem se dar na atuação dos jogadores em campo e quais suas consequências

ISABELLA PRANDATO RIBAS DAUD 3 a série B Resumo O objetivo do presente trabalho é salientar e evi- afetado por diversos fatores psicológicos e como denciar a importância que a Psicologia Esporti- a Ciência estudada pode interferir benefcamen- va tem nos dias atuais. E mais do que isso, expor te nesse aspecto. A discussão sobre tal impor- sua direta e importante relação com o futebol, tância inclui explanações sobre a Psicologia Es- principalmente brasileiro, focando em como o portiva, como ela se afna no futebol e exemplos desempenho dos atletas, em campo e fora dele, é práticos no esporte considerado.

Palavras-chave: Psicologia, Psicologia Esportiva, futebol, estresse, ansiedade, nervosismo, rendimento esportivo.

Abstract The purpose of this article is to emphasize and how the science studied herein can benefcially evince Sport Psychology’s importance, as well interfere in this aspect. The following paper in- as to show its direct and important relation cludes explanations about the science and how to football -mainly that of Brazil-, focusing on it relates to football, as well as practical exam- how athletes’ fulflment, on and of the pitch, ples of psychology in said sport. is afected by several psychological factors and

Keywords: Psychology, Sports Psychology, Football, stress, anxiety, nervousness, sport performance. Como os fatores psicológicos podem se dar na atuação dos jogadores em campo e quais suas consequências

Introdução

presente trabalho trata sobre os presente na sociedade. E o Brasil, “país do futebol”, principais desafios psicológicos tem-no como principal esporte. Por esse motivo, é que um jogador de futebol enfrenta visto nessa atividade somente seu constituinte mais tanto em campo quanto fora dele, superfcial como, por exemplo, qual é o melhor ti- dando principal atenção ao estres- me e de quem foi o gol mais bonito. Todavia ela vai se,O mas mencionando também a ansiedade, a pres- muito além dessa superficialidade estética, e um são e o nervosismo. Também será apresentado como dos adjuntos mais importantes que está constante- esses desafos estão presentes na vida dos jogadores mente presente no futebol é a Psicologia Esportiva. e como é possível lidar com eles. Katia Rubio (2000, p. 35) cita Samulski (1995) para Durante o período de 1856 até 1939, viveu um explicar o papel da Psicologia Esportiva: médico em Viena considerado o pai da Psicanálise. De acordo com Samulski (1995) a Psicologia do Es- Seu nome era Sigmund Freud. Após acompanhar porte tem como funções primordiais a descrição, a alguns casos do Dr. Josef Breuer (1842-1925) de pa- explicação e o prognóstico de comportamentos com cientes histéricas1, Freud começou a lidar com esse o fm de aplicar e desenvolver programas de inter- tipo de problema psíquico. venção, buscando o melhor rendimento dos atletas e respeitando os princípios éticos. Após ter contato com esses casos, o pai da Psi- canálise desenvolveu um método que chamou de É nesse ponto que a Psicologia Esportiva e o associação livre. O método consistia na livre expres- método desenvolvido pelo pai da Psicanálise se en- são do paciente durante a sessão, para falar tudo o contram. O trabalho do psicólogo que é feito com o que lhe fosse de interesse ser falado. Após dez anos atleta é exatamente o que Freud propôs. Ambos se utilizando esse método, Freud concluiu que ele é encontram e o jogador se expressa verbalmente. muito efciente, pois conforme os pacientes iam fa- Com isso, o psicólogo esportivo tem ferramentas lando, os sintomas que apresentavam iam simples- sufcientes para ir desenvolvendo no atleta habili- mente desaparecendo. dades para que ele consiga cada vez mais lidar com Esse fato está diretamente relacionado com a os obstáculos. importância da Psicologia nos dias atuais. E princi- De acordo com Maria Regina Ferreira Brandão palmente relacionado ao futebol. Se um jogador está (2000, p.17): “Têm sucesso no futebol os atletas que passando por uma fase difícil de ser enfrentada, é a conseguem sobreviver às tremendas pressões do es- Psicologia Esportiva que vai trabalhar esse empeci- porte de alta performance, superam as incertezas, lho justamente para que seu rendimento em campo as angústias que interferem na performance espor- e sua psique não sejam afetados. tiva.” Isso signifca que o jogador está em constante O esporte, por possuir uma grande varieda- contato com dificuldades psicológicas que podem de de modalidades, está se fazendo cada vez mais interferir seriamente em sua carreira. O principal

1. A palavra “histeria” origina-se do grego hysterikos e, na época, estava contido no universo feminino porque signifca “perturbações no úte- ro”. Alguns de seus sintomas mais importantes e recorrentes eram a paralisia, o distúrbio na fala e na motricidade e a mudança de humor, todos oscilando aleatoriamente. (Freud, p. 46).

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e cuja realização ou resultado depende não apenas obstáculo a ser enfrentado é o estresse. Ferreira da própria pessoa, mas também dos outros. Brandão (2000, p. 17) se utiliza das palavras de Pat- more (1986) para explicitar o quão determinante o De acordo com Pujals e Vieira (2002), a ansie- estresse é para um atleta: “Patmore (1986) afrmou dade vem em momentos que são considerados de que o fator de natureza psicológica que distingue o alta tensão, e é causada por algum medo do que está atleta vencedor de um atleta perdedor é sua habili- por vir. Esse quadro pode se dar tanto em momentos dade para lidar com o estresse das competições.” antes de um jogo quanto depois dele. E assim como o A literatura mais moderna da Psicologia Esporti- estresse, a ansiedade também se apresenta de duas va permitiu concluir que existem dois tipos de estres- formas: a ansiedade-traço e a ansiedade-estado. A se: o distress, que é negativo. É ele que gera sintomas primeira se trata de uma característica defnitiva do negativos relacionados ao físico (como o aumento dos singular, já a segunda é: batimentos cardíacos), à mente (como a dificuldade [...] o conjunto de reações que variam nas diversas situações de acordo com as condições do próprio para se concentrar ou tomar decisões) e ao compor- organismo. O nível de ansiedade-estado não está tamento (como, por exemplo, falar muito rápido). E ligado somente ao nível de ansiedade-traço do in- existe também o eustress, que é mais positivo. É ele divíduo, também se deve considerar a importância que deixa o atleta mais concentrado, focado e o prepara da situação para o indivíduo e a incerteza do resul- tado da situação; a complexidade da tarefa é uma para situações que envolvem mais adrenalina. variável importante a ser considerada na relação No presente trabalho será discutido apenas o entre ansiedade e desempenho. (PUJALS; VIEI- distress que além de ser negativo, cria um ciclo vi- RA, 2002, p. 90) cioso. Quando ele afeta um dos três pontos citados A segunda é a que mais interessa ao presente anteriormente, o indivíduo acaba tendo lesões e con- trabalho porque a ansiedade, no caso ansiedade-tra- tusões que podem majorar algum confito existen- ço, que afeta o atleta é causada por situações de alta te entre os jogadores de um mesmo time. Se não há apreensão e dependendo do jogador, essa situação entendimento entre os jogadores, o time fca mais pode ser mais ou menos signifcativa. Tudo isso deve propenso a ser derrotado, e quando há derrota, há ser investigado e tratado por um psicólogo esportivo. mais chances de aumento do estresse nos jogadores. Aqui, nesta obra, os capítulos que compõem A partir disso, o psicólogo esportivo se utiliza do mé- o todo são quatro. No primeiro é tratado a respeito todo de Freud e começa a trabalhar com o atleta. do que é Psicologia, quais as áreas correlatas e o que Porém, apesar de ser o mais importante, o es- elas abordam. No segundo, denominado Psicologia tresse não é o único contribuinte para um possível Esportiva, é explicado o que é a Psicologia Esportiva, fracasso de um time ou para o fracasso pessoal de como ela atua no Brasil e de que modo ela pode se re- um atleta. Além dele existe a ansiedade, o nervo- lacionar com o futebol. O terceiro capítulo divide-se sismo e a pressão. O nervosismo e a pressão não são em cinco subitens2. E por fm, o quarto capítulo traz majoritários como o estresse e a ansiedade, mas nem as conclusões do trabalho proposto. por isso deixam de interferir na performance do jo- Para a realização deste trabalho, foi feito um gador. Ambos precisam ser tratados também por um levantamento bibliográfco de várias obras relacio- psicólogo esportivo e merecem uma devida atenção. nadas à Psicologia Esportiva. Dentre as várias en- Por fim, resta a ansiedade. A definição que Cons- contradas, as que tratam da ansiedade, do estresse tanza Pujals e Lenamar Fiorese Vieira (2003, p.90) e do nervosismo dos jogadores de futebol são as que utilizam para ansiedade é dada por Machado (1997): tiveram maior destaque. As ideias presentes nessas obras, inclusive as freudianas, são a base deste tra- Entende-se a ansiedade como uma resposta emo- balho, portanto, elas fundamentam as conclusões e cional determinada a um acontecimento que pode ser agradável, frustrante, ameaçador, entristecedor o desenvolvimento de todos os capítulos.

2. Esse capítulo subdivide-se em cinco itens que tratam, respectivamente, das circunstâncias de atuação da Psicologia no futebol; o porquê da Psicologia no futebol; quais são os fatores psicológicos que interferem na atuação dos jogadores; as causas e as consequências dos fatores psicológicos tanto em campo quanto fora dele; exemplos práticos da Psicologia no futebol.

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1. Psicologia e suas áreas correlatas

1.1 O que é psicologia? preparados psicologicamente para conseguirem en- O psicólogo e professor da Universidade de frentar situações como competições, por exemplo. Stanford, Philip George Zimbardo e o Ph.D e pro- Com isso, o atleta consegue aumentar seu rendimen- fessor de psicologia da Universidade Stony Brook, to no esporte e a relação entre os atletas melhora. Richard J. Gerrig (2005, p. 35) defnem Psicologia A psicologia educacional consiste no auxílio a “como o estudo científico do comportamento dos pais, professores e alunos no intuito de extinguir indivíduos e de seus processos mentais”. alguns empecilhos na aprendizagem. Também é A partir disso é possível perceber que a Psi- possível contribuir para programas educacionais cologia é a ciência que estuda processos relativos à em creches ou escolas. mente como, por exemplo, percepção, introspecção, Segundo a Associação Brasileira de Psicomotri- memória, criatividade, crença, raciocínio, volição, cidade, a psicomotricidade: entre outros. É a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação 1.2 Quais são as áreas correlatas ao seu mundo interno e externo. Está relacionada e o que elas abordam? ao processo de maturação, onde o corpo é a origem A Psicologia é uma ciência com diversas ra- das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos: o movi- mifcações, permitindo que o profssional atue em mento, o intelecto e o afeto. Psicomotricidade, por- diferentes áreas, tais como: comportamento do con- tanto, é um termo empregado para uma concepção sumidor, neuropsicologia, orientação profssional, de movimento organizado e integrado, em função psicologia clínica, psicologia esportiva, psicologia das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem educacional, psicomotricidade, psicologia do trân- e sua socialização3. sito, psicologia social, psicologia organizacional e do trabalho, psicologia jurídica, psicologia hospitalar, A psicologia do trânsito frma-se na avaliação psicologia da saúde. psicológica de condutores e de futuros condutores. A primeira consiste em estudar o comporta- Além de lidar com problemas relacionados ao trân- mento dos consumidores para, então, auxiliar e sito e de tornar capaz a realização de programas so- nortear o marketing de agências de publicidade e cioeducativos com motoristas infratores e pedestres. empresas privadas. O profissional da psicologia social exerce sua A segunda permite que o profssional trabalhe profissão em penitenciárias, asilos e centros de com o diagnóstico, tratamento, acompanhamento atendimento a crianças e adolescentes. Além de re- com a pesquisa da cognição nos aspectos das emo- alizar pesquisas e programas que tratam da saúde ções, do comportamento e da personalidade, relacio- da população. nando-os com a atividade cerebral. Na psicologia organizacional e do trabalho, a A orientação profissional consiste no auxílio função do psicólogo é a de selecionar profssionais vocacional a estudantes para que eles identifquem para empresas, formar especialistas em recursos a profssão que mais se assemelha aos seus respec- humanos e fazer com que a relação entre os traba- tivos perfs. lhadores seja harmoniosa e saudável. A psicologia clínica frma-se no atendimento O especialista em psicologia jurídica lida com em um determinado espaço, geralmente em uma a guarda de flhos, processos de adoção e violência sala, a indivíduos ou grupos de pessoas que sofrem com menores. Tem como local de atuação o presídio de distúrbios emocionais. e faz avaliações psicológicas dos detentos. Na psicologia esportiva, atletas são orientados e O profssional da psicologia hospitalar tem co-

3. Disponível em: < http://www.psicomotricidade.com.br/>.

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mo função atender pacientes que estão hospitaliza- dar suporte a pacientes e familiares na retomada da dos, bem como seus familiares. saúde mental e física. Os formados em psicologia da saúde atuam ao lado de médicos e assistentes sociais no intuito de

2. Psicologia Esportiva

2.1 O que é Psicologia Esportiva? derada emergente no Brasil. Segundo a psicóloga e Em seu trabalho “Psicologia do esporte: uma professora da EEFE-USP e pesquisadora dos Estu- área emergente da psicologia”, Vieira, Vissoci, Olivei- dos Olímpicos, Katia Rubio (2002): ra e Lopes Vieira (2010, p.392) citam diferentes auto- O marco inicial da Psicologia do Esporte brasileira ridades para explicar o que é a Psicologia Esportiva: foi dado pela atuação e estudos de João Carvalhaes, um profssional com grande experiência em psico- Quanto ao conceito, de acordo com Feltz (1992) es- metria, chamado a atuar junto ao São Paulo Fute- ta especialidade é identifcada como uma subdisci- bol Clube, equipe sediada na capital paulista, onde plina da Psicologia, enquanto outros a veem como permaneceu por cerca de 20 anos, e esteve presente uma subdisciplina das Ciências do Esporte (Gill, na comissão técnica da seleção brasileira que foi à 1986). Na concepção de Singer (1993), a Psicologia Copa do Mundo de Futebol de 1958 e conquistou o do Esporte integra a investigação, a consultoria primeiro título mundial para o país na Suécia (A. clínica, a educação e atividades práticas progra- Machado, 1997; Rubio, 1999; 2000.a). madas associadas à compreensão, à explicação e à infuência de comportamentos de indivíduos e de Porém, de acordo com a psicóloga, a profssão grupos que estejam envolvidos em esporte de alta propriamente dita só foi reconhecida em 1962. Isso competição, esporte recreativo, exercício físico e outras atividades. fez com que duas frentes de movimentassem: a aca- dêmica e a profssional. Para Weinberg e Gould (2001, p. 28), “a Psicolo- Na profssional porque alguns profssionais que gia do Esporte e do Exercício é um estudo científco exerciam cargos com características semelhantes de pessoas e seus comportamentos em atividades às da psicologia, como por exemplo, flósofos, peda- esportivas e atividades físicas, e a aplicação deste gogos e sociólogos, puderam titular-se como psicó- conhecimento”. Essas defnições são essenciais pa- logos. Por outro lado, aqueles que não exerciam tais ra entender que a Psicologia do Esporte, além de ser atividades, teriam que estudar e se formar como uma disciplina acadêmico-científca, é também um psicólogos para conseguirem o título. campo de intervenção profssional que envolve con- Já no âmbito acadêmico, apesar de na área clí- ceitos da Psicologia e das Ciências do Esporte. nica a Psicologia ter sido muito bem aceita, na edu- Outrossim, Rubio, Katia (2003, p.37) diferen- cação e em recursos humanos, principalmente, a cia Psicologia no Esporte, que diz respeito à “inser- Psicologia estava caminhando para ser considerada ção de intervenções psicológicas visando à saúde uma ciência. A partir disso, muitos testes psicológi- e à satisfação dos atletas, e demais envolvidos” da cos que visavam medir inteligência, comportamen- Psicologia do Esporte, que menciona como sendo “a tos, personalidade, entre outros, começaram a sur- utilização de práticas psicológicas que objetivam a gir. E os instrumentos criados nessa época, foram melhoria de desempenho, sem nos esquecermos do utilizados na seleção brasileira. compromisso com a saúde.” Rubio (2002) explica como se sucedeu o movi- mento ao longo dos anos: 2.2 Como ela atua no Brasil? Nos anos que se seguiram foi sendo acumulada Apesar de a Psicologia do Esporte ser uma área muita informação sobre indivíduos (atletas) e gru- existente há mais de um século, ela ainda é consi- pos (times) que praticavam esporte ou atividade

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física, sem que isso ainda representasse a cons- rendimento, é feito um programa para reverter tal tituição de um arcabouço teórico consistente (A. quadro. E conclui: Ribeiro da Silva, 1975). Passado quase meio século daquela atuação pioneira, hoje a Psicologia do Es- Assim, o interesse neste tema surge a partir da porte no Brasil segue seu próprio rumo e, ao mesmo crença que para se realizar uma atividade física, e tempo, em várias direções. obter os benefícios que esta proporciona, é neces- sário que sua execução seja de forma prazerosa. O 2.3 Como ela pode se relacionar que nem sempre ocorre, principalmente, em situ- ações de treinamento, e agravando-se mais quan- com o futebol? do há apenas o desenvolvimento do aspecto físico. Como em qualquer outro esporte, o futebol Além do mais, há fortes indícios, conforme estudos apresenta situações as quais submetem os atletas epidemiológicos no esporte, que o rendimento má- à ansiedade, ao estresse e ao nervosismo. Visando ximo esportivo é incompatível com a qualidade de vida. Nesse caso, o fundamental é achar um ponto que esses três principais fatores contribuem para de equilíbrio ao tratarmos com atletas atuantes no um mau desempenho em campo e para uma re- espetáculo esportivo. lação não saudável entre jogadores, a Psicologia Esportiva é fundamental para que os jogadores de A partir daí, sugerir uma proposta de interven- futebol consigam ter melhor rendimento em campo ção pedagógica com embasamento na Psicologia do e aprendam a trabalhar suas difculdades para não Esporte, tanto na competição como no treinamento afetarem aqueles que estão ao seu redor. de equipes profssionais, bem como a predominância Chelles (2009), em um artigo para a Universi- das lideranças, constituindo um dos temas que ulti- dade do Futebol, escreve que um atleta pode ser con- mamente tem produzido um número crescente de siderado um profssional em razão de sua disposição estudos no sentido de melhor compreender essa rela- e satisfação pelo que faz. No entanto, quando ele está ção, para consequentemente possa se otimizar a ef- sob infuência de fatores que podem prejudicar seu cácia da gestão do comportamento dos atletas. (2009)

3. Psicologia no futebol

3.1 Quais as circunstâncias de gia no futebol situações nas quais os atletas são sub- atuação da Psicologia no futebol? metidos a altos níveis de pressão e estresse, a Psico- Como dito anteriormente, um psicólogo es- logia se faz necessária para que os jogadores não se portivo é recrutado quando há necessidade de me- envolvam negativamente com tais fatores, para que lhorias no desempenho dos atletas. Sauma (2013) aprendam a lidar com tais situações e para que seu ressalta em que circunstâncias esse profssional é saldo de rendimento seja sempre positivo. necessário: Levando esses dados em consideração, Miran- da, professor da Faculdade de Educação Física da A confança do atleta, de futebol e outras modalida- UFJF, mestre e doutor em Psicologia do Esporte, des também sujeitas à pressão pelo alto rendimen- to, exige preparação psicológica, ressalta o profes- especialista em didática e psicologia do esporte na sor. O poder de decisão e a habilidade em superar Alemanha e Rússia e consultor de atletas em psico- adversidades como a tensão de uma partida decisi- fsiologia, explica por que a Psicologia Esportiva é va estão, segundo o especialista, diretamente rela- cionadas ao condicionamento mental. A tendência, necessária no futebol: projeta Zaremba, é este tipo de capacitação tornar- Especialmente no futebol, cuja modalidade mobi- se mais valorizado pela área esportiva. liza a maior parte de torcedores pelo mundo e por ter competições tradicionais e ao mesmo de curta 3.2 O porquê da Psicologia no futebol duração e por isso, quase a totalidade dos jogos é Sendo as circunstâncias de atuação da Psicolo- eliminatória, as tensões pelo medo do fracasso

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acompanham cada atleta principalmente os das grandes seleções. Os fatores psicológicos aqui tratados são nega- tivos, portanto suas consequências não poderiam ser positivas. Brandão (2000, p. 3) deixa explícito 3.3 Fatores psicológicos que interferem alguns desses produtos afrmando que com o atual na atuação dos jogadores.Como é dito nível de aprofundamento relacionado à Psicologia por Pujals (2002, p. 1): Esportiva, é possível afrmar que o estresse devido ao esforço físico e mental, principalmente, colabo- Com a evolução do esporte, conseqüentemente ra drasticamente para a manifestação de lesões e também houve uma evolução no estudo da psique do homem que pratica o esporte, juntamente com contusões e para suprimir a harmonia existente no os fatores que infuenciam o seu rendimento, isto é, relacionamento entre os atletas o comportamento dentro do esporte, o qual é mani- Sanches (2004, p. 34) afirma que como con- festado por fatores físicos, técnicos, táticos e psico- lógicos, visto que a parte emocional do ser humano sequência da ansiedade, há o mau desempenho no está presente e todos os momentos, principalmente esporte: “[...] de atletas com alta percepção debilita- numa competição onde será apresentado e medido tiva da ansiedade, espera-se um desempenho ruim seu desempenho. na tarefa.” Ela também indica algumas causas para Ou seja, em todo esporte há fatores os quais tais fatores psicológicos: podem afetar o desempenho do atleta, e no futebol [...] estar mal fsicamente, condições competitivas não poderia ser diferente. Entre esses fatores estão a desconfortáveis, ações fracassadas no começo da pressão, a ansiedade, o nervosismo e o estresse. E de competição, confitos com o treinador, problemas acordo com Brandão (2000, p. 2), o estresse é o fator com os árbitros, a crítica contínua do treinador, mais difícil de lidar: vinda do banco e as críticas negativas dos compa- nheiros de time, foram considerados como fatores prejudiciais à performance. [...] torcida violenta, Não saber lidar com o stress é a principal fonte pouca segurança no estádio, condições inadequa- geradora de maus rendimentos esportivos, de au- das do campo; fator relacionado às necessidades mento de insegurança, aumento dos sintomas de primárias representado por situações como mu- ansiedade, antes e durante o desempenho esporti- dança de fuso horário, clima e alimentação em vo, diminuição da autoestima, da autoconfança e competições em outros países; fator de performan- do autocontrole. ce representado por situações como necessidade da A especialista em Psicologia Clínica e de Espor- vitória, cobrança de um pênalti, marcação de um gol contra, entrar no jogo com a responsabilidade te, Sonia Román (2003), e a doutora em Psicologia de virar o placar; fator social representado por si- Clínica e mestre em Psicologia, Mariângela Gentil tuações como confito com o técnico, com colegas Savoia (2003), citam como principais medidores de equipe, com o clube, com familiares, problemas de estresse a percepção de dilatação das pupilas, com escola e estudo; e outras situações como mu- dança de técnico, de direção do clube e renovação aumento dos batimentos cardíacos (taquicardia ou de contrato. (2004, p. 38) palpitação), escassez de saliva, músculos tensiona- dos e a difculdade em tomar decisões. Para as duas psicólogas citadas anteriormente, 3.5 Exemplos práticos da Psicologia a motivação, a autoestima, a autoconfança, a ansie- no futebol. dade e a agressividade são os fatores que mais inter- Sauma (2013), em seu artigo, cita um exem- ferem no desempenho dos atletas, porque com isso o plo, dado pelo professor de Psicologia e Esporte da esportista tem seu rendimento alterado negativamen- PUC-Rio, Raphael Zaremba, de situação na qual os te, o que faz com que seu desempenho também seja times de futebol necessitaram da presença de um inferior já que ambos estão diretamente relacionados. psicólogo esportivo e mostra também quais foram os resultados: 3.4 Quais são as causas e as consequências [...] “Felipão foi um dos primeiros a incluir um dos fatores psicológicos tanto em profssional da psicologia na sua comissão técnica. Na Copa de 2002 ele fez questão de levar um psi- campo quanto fora dele cólogo”, lembra Zaremba. A aposta deu resultado.

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Depois de garantir a classifcação para a Copa do Mundo apenas no último jogo da Eliminatória (3 (2000) expuseram: a 1, contra Venezuela), o Brasil embarcava para Como exemplo, recordamo-nos da situação onde a Coreia e Japão desacreditado, com o fenômeno um atleta, que vinha de constantes insucessos des- Ronaldo voltando de uma séria lesão no joelho e portivos, semana após semana, se preparava para jogadores menos badalados como Edmílson, Ro- comunicar a sua desistência à Direcção e como tal a que Júnior e Kleberson. Um mês depois, a Família rescisão amigável do contrato de trabalho, quando Scolari, referência ao estilo “agregador”, voltaria com ele nós cruzámos, e lendo no seu rosto algo que ao país com o pentacampeonato mundial. Para Za- lhe adivinhávamos à já algum tempo, o interpelá- remba, o trabalho psicológico foi um dos grandes mos. Foram 2 horas de uma conversa espontânea, alicerces do título. onde se identifcaram problemas de ansiedade e de autoconfança, tendo na sua origem, uma inabili- Almeida (2004, p. 6-7), em seu trabalho, cita dade na gestão das expectativas dos que o rodea- vam. Ajudando-o a conceptualizar o seu verdadeiro um exemplo o qual as autoridades Buceta (1998), problema e a identifcar formas de agir para a sua Cogan (2000), Garcia-Mas (2002), Kolt (2000), solução, ajudámo-lo a enfrentar a situação, desen- Lavallee e Andersen (2000), Marchant (2000), volvendo-lhe uma percepção de controlo sobre a mesma. O caso terminou num grande sucesso. McCann (2000), Petipas (2000), Price e Andersen

Conclusão

Após toda a pesquisa realizada no presente tra- mensional da Ansiedade, de Martens4, constatando balho, é possível chegar à conclusão de que apesar de que o atleta com melhor desempenho é aquele que ainda ser uma área emergente no país, a Psicologia possui melhor estrutura emocional para lidar com Esportiva é tão importante quanto as outras áreas. eventuais pensamentos negativos e apresenta uma Ela consegue ajudar, por meio de avaliações e testes autoconfança elevada. psicológicos, os atletas que estão passando por mo- Portanto, com a Psicologia Esportiva, o rendi- mentos difíceis ou então por situações de estresse, mento dos atletas pode ser muito maior. Além de a pressão, ansiedade e nervosismo. relação entre os membros da equipe e com o treina- Um estudo feito no Brasil por quatro alunos dor se tornar mais harmoniosa e saudável, as pesso- da Universidade do Oeste de Santa Catarina, que as que estão ao redor dos atletas, como familiares, consistia em relacionar a performance de jogado- não são afetadas negativamente e o atleta consegue res de futebol com seu negativismo, autoconfança levar uma vida muito mais saudável e digna de um e intensidade, comprovou parte da Teoria Multidi- indivíduo que pratica o que gosta.

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106 Futebol sob as asas do Condor

JÚLIA COSTA MARQUES 3 a série B Resumo Este trabalho propõe-se a analisar o período da lo medo. O período conhecido como “Anos de ditadura militar brasileira, compreendido en- Chumbo”, que abarca o governo do presidente tre os anos de 1964 e 1985, por meio do futebol. Emilio Médici, foi o mais duro e repressivo de Abrangendo seis governos distintos ao longo de todo o regime, mas também o de maior cres- 21 anos (dos presidentes: Humberto de Alencar cimento econômico e de vitória brasileira nos Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, subs- gramados (Copa do Mundo de 1970). É neste tituído por uma junta militar em 1969, Emilio cenário conturbado e contraditório que está o Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Bap- foco principal deste trabalho, que visa elucidar tista Figueiredo), a ditadura militar foi uma o uso político do esporte, como ocorreu com a época tenebrosa, marcada pela repressão e pe- Copa do Mundo de 1970.

Palavras-chave: Futebol, Ditadura Militar, Copa do Mundo.

Abstract This paper is intended to analyze the period the “Years of Lead”, which includes the ad- of Brazilian dictatorship between the years ministration of President Emilio Médici, was 1964 and 1985, through soccer. Comprising the hardest and most repressive time of the fve distinct governments over the 21 years of scheme, but it was also the period of greatest dictatorship (respectively: Humberto de Alen- economic growth and Brazilian victory on the car Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, pitch (World Cup of 1970). It is in this troubled Emílio Garrastazú Médici, Ernesto Geisel and contradictory scenario that is the main and João Baptista Figueiredo), the military focus of this paper, which seeks to elucidate dictatorship was a dark period, characterized the political use of the sports, as happened by repression and fear. The period known as with the World Cup of 1970.

Keywords: Football, Military Dictatorship, World Cup. Futebol sob as asas do Condor

Introdução

nalisando o período da ditadura mili- auge entre os anos de 1969 e 1973. tar por meio da ótica do futebol, este Os anos de prosperidade, no entanto, não fo- trabalho tem a fnalidade de mostrar ram sufcientes para mascarar o horror do regime, como mesmo um esporte que possui que através da censura e da extrema violência con- um forte viés democratizante; pode trolava com mãos de ferro a população brasileira Aacabar por se tornar uma poderosa arma de mani- para que esta não lhe fugisse às garras. pulação política. Em contraposição à violência que empregava Desde que chegou ao Brasil pelos pés de Char- como lei, o regime militar se utilizava de um modelo les Miller, o futebol cresceu astronomicamente, pas- propagandista, buscando pelo futebol e por slogans sando de um simples esporte para um importante como “Brasil: ame-o ou deixe-o” e “Pra frente Bra- elemento cultural brasileiro. sil” criar uma identidade nacional com a qual todo Antes um esporte de elite, o futebol foi conquis- e qualquer brasileiro conseguisse se identificar; e tando um por um os corações brasileiros, passando simultaneamente, transmitir para o restante do com o decorrer do tempo a vigorar como um fator mundo uma imagem fctícia de um Brasil forte e em unificador, colocando todos os brasileiros, sejam pleno desenvolvimento, que com um povo unido e eles ricos ou pobres como iguais, trazendo à tona feliz caminhava rumo ao progresso. um sentimento de união ao povo brasileiro, que, até Enquanto Emilio Médici, então presidente do a chegada desta modalidade esportiva não possuía país, se esforçava na construção desta imagem, o uma identidade nacional defnida e difundida. povo brasileiro em sua maioria permanecia ven- Décadas depois da chegada do futebol ao ter- dado diante dos horrores cometidos pelo governo, ritório brasileiro, e enquanto o esporte sofria um tendo sua visão ofuscada diante do banho de sangue rápido processo de popularização, tornando-se a que inundava as ruas e travessas do país e voltan- modalidade esportiva de maior disseminação en- do-se para o colorido verde e amarelo da bandeira tre os brasileiros, ocorreram drásticas mudanças brasileira que era empunhada pela seleção na Copa no cenário político do país; mudanças estas que in- do mundo de 1970. fuiriam não apenas no destino do Brasil enquanto O tricampeonato da seleção brasileira naque- nação, mas transformariam também a relação do le ano teve impacto majestoso para o regime, que futebol com a nossa população. atrelando a imagem do Estado à da seleção buscava Com o golpe de Estado de 1964, tiveram início difundir no povo brasileiro a ideia de um país unido aqueles que seriam os 21 anos mais duros vividos no por um ideal progressista, e enfatizar que o Brasil Brasil, uma época regida com mão de ferro pelos líde- era uma nação feliz não apenas no futebol, mas res da junta militar que acabou por dominar o país. também nas questões políticas. Uma época conturbada, marcada pela tortura Através da análise desse período, conhecido e pelos desaparecimentos; os anos da ditadura mili- pelo codinome “Anos de Chumbo” e da utilização tar trouxeram ao Brasil, em um primeiro momento, do futebol pelo Estado como um instrumento po- um desenfreado crescimento econômico, tendo seu lítico, este trabalho tem a fnalidade de mostrar ao

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leitor como um esporte democratizante pode ser o verde vibrante do campo de futebol e se esqueça de facilmente utilizado como meio de alienar e entor- enxergar e criticar o que acontece à sua volta, conf- pecer a população, fazendo com que ela se volte para gurando a milenar “Política do Pão e Circo”1.

1. História do futebol e período histórico – 1964 a 1985

1.1 A história do esporte que trabalhassem mais e aumentassem a produção. Desde a Antiguidade, há relatos de práticas es- Dos portões das fábricas, o futebol se alastrou pe- portivas semelhantes ao futebol como o conhecemos. lo país com uma rapidez astronômica, e o Brasil passou Em antigas civilizações como a China, o Japão e a Gré- a ser conhecido pelo mundo como “o país do futebol” cia, eram realizados os que são conhecidos como “jo- ao conquistar cinco títulos em Copas do Mundo (títu- gos de bola”, cada um à sua própria maneira trazendo los obtidos nos seguintes anos: 1958, 1962, 1970, 1994 uma característica do futebol. Apesar de em sua essên- e 2002), e ser a pátria de alguns dos maiores talentos cia possuírem características semelhantes a este tão futebolísticos do mundo, tais como Pelé, Garrincha, popular esporte, os antigos jogos de bola eram carac- Zico, , Romário, Ronaldo e Neymar. terizados por sua violência e falta de regulamentação. Com as regras e normas com as quais é pratica- 1.2 Período histórico do mundo do atualmente, o futebol surgiu na Inglaterra, a par- e do Brasil – 1964 a 1985 tir de um esporte proveniente da Itália, que na Bre- Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em tanha foi organizado e sistematizado. Aos poucos o 1945, o mundo se encontrava dividido entre dois esporte foi se popularizando pelo país e escapando grandes polos ideológicos: o Capitalismo e o Socia- de seus portos para o restante do mundo. lismo. Cada uma das duas ideologias tinha um país Foi na Inglaterra que surgiram as primeiras ins- como líder e defensor. O Capitalismo era defendido tituições ligadas ao futebol, sendo também o berço da pelos Estados Unidos da América (EUA), e o Socia- maior instância futebolística mundial: a Federacion lismo pela hoje extinta União das Repúblicas Socia- Internacionale Football Association (Federação In- listas Soviéticas (URSS). ternacional de Futebol, em português), responsável Esse período bipolar passou para a história como pelos maiores campeonatos de futebol, tais como a a chamada “Guerra Fria”, já que era palpável a tensão Copa das Confederações e a Copa do Mundo. existente entre os Estados Unidos e a URSS, e paira- No Brasil, o futebol foi introduzido por Charles va na atmosfera global o medo de que esta tensão pu- Miller, que na época de sua primeira infância viajou desse vir a se transformar em um confito armado. para a Inglaterra para estudar, e ao retornar trouxe As disputas entre capitalistas e socialistas não em sua bagagem a primeira bola de futebol ao país. se restringiam apenas às duas potências mundiais Inicialmente, o futebol era um esporte pratica- geradoras do confito ideológico, mas transpassavam do pela elite branca, e o ingresso de negros nos ti- para todo o mundo, dividindo-o em dois grandes blo- mes era expressamente proibido. Sua popularização cos e fazendo com que EUA e URSS buscassem res- começou nas fábricas inglesas instaladas no Brasil, guardar para si zonas de infuência, os outros países onde o esporte era utilizado pelos donos das fábricas do mundo, visando evitar que estes passassem do como forma de estimular a disciplina de seus operá- capitalismo para o socialismo e vice-versa. rios, e também como uma forma de motivá-los para Na porção capitalista do mundo, os EUA exer-

1. Política do Pão e Circo: Política empregada na antiga Roma Imperial; consiste em um conjunto de medidas implementadas por Imperadores romanos, com a fnalidade de ludibriar a população, por meio de distribuição de pão e verdadeiros shows em magnífcos anfteatros (como por exemplo o Coliseu romano). Nesses locais a população se divertia com as lutas de gladiadores e, extasiada com o banho de sangue a que assistia esquecia-se da miséria em que vivia.

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ciam um controle diplomático sobre sua zona de agravou-se ainda mais a instabilidade politica. Com infuência, utilizando-se de acordos secretos, ope- medo do tipo de reformas que poderiam ser implan- rações sigilosas e acordos fnanceiros para manter tadas pelo novo presidente, começou-se a tramar a o capitalismo e acabar com qualquer foco comunista saída de João Goulart, primeiro com a implantação que surgisse; sendo a única exceção a esta política do parlamentarismo, que limitava seus poderes de americana a Cuba de Fidel Castro, que acabou por se presidente, e no ano de 1964 com o golpe militar. transformar no foco socialista nas Américas. Considerado um líder fraco, sem pulso para Durante o período contemplado entre a década de conduzir um país à beira do colapso como era o Bra- 1960 até meados da década de 1980, o mundo viveu o sil da época, Jango acabou se tornando vítima das período de maior tensão de toda a Guerra Fria, um pe- circunstâncias caóticas que reinavam no país, sua ríodo marcado por deposições de governos, uma corri- permanência no governo se tornando insustentável. da armamentista desenfreada entre EUA e URSS, na Apesar de o golpe ter se efetivado contra o pre- qual os dois lados produziam o máximo de armamen- sidente João Goulart, o mesmo já havia sido arquite- tos e bombas nucleares, buscando superar a produção tado anos antes, contra seu predecessor e padrinho de seu antagonista e preparar-se para um possível con- político, Getúlio Vargas. Pouco antes do suicídio flito; e a conquista do espaço pelos homens. daquele conhecido por todos como “Pai dos pobres”, O ápice desta tensão se deu no ano de 1962, alguns integrantes do alto escalão do exército tra- com um acontecimento que fcou conhecido como mavam um golpe para tirá-lo do poder, por acredi- “A Crise dos Mísseis”. Este conflito teve início no tarem que as medidas tomadas por Vargas eram de ano anterior, por ocasião da instalação de bases cunho nacionalista e que poderiam levar o Brasil a americanas em território turco, geograficamente se tornar uma nova Cuba. A despeito das pretensões muito próximo ao território soviético, o que gerou dos conspiradores contrários ao getulismo, o golpe preocupação por parte dos soviéticos de que pode- acaba não acontecendo, por conta do inesperado ria vir a ocorrer um ataque americano. Esta possível suicídio de Getúlio. ameaça levou a URSS a instalar bases em Cuba, ilha Anos mais tarde, com a renúncia de Jânio caribenha muito próxima aos EUA e único territó- Quadros, e a subida de João Goulart ao poder, as rio socialista do continente americano. reservas de alguns setores da sociedade, principal- A crise dos mísseis teve um fm pacífco, com a mente da elite brasileira e do segmento militar da assinatura de um acordo entre o presidente ameri- população se reacenderam, e o velho fantasma do cano John Kennedy e o primeiro-ministro soviético comunismo voltou a assombrar o Brasil. O medo Nikita Kruschev, e a retirada dos mísseis tanto sovi- de que a afinação de Jango com as ideias socialis- éticos quanto americanos. tas pudesse de fato tornar o país comunista, levou, A despeito de seu fm pacífco, a crise dos mís- primeiramente, à tomada de medidas restritivas ao seis serviu para abrir os olhos do mundo para a pos- poder do novo presidente, com a instituição do Par- sibilidade de uma nova Guerra Mundial, que pode- lamentarismo, em 1961, que limitava os poderes de ria resultar na aniquilação das duas potências e do João Goulart às determinações do Congresso. resto do planeta, já que ambas detinham tecnologia Posteriormente, com o plebiscito que devolveu nuclear sufciente para tanto. o Presidencialismo ao Brasil, a agitação conspirató- Enquanto os EUA e a URSS travavam um comba- ria para derrubar o governante voltou a fervilhar, te implícito, no Brasil a situação política e econômica tendo seu epicentro nas Forças Armadas brasileiras. se agravava cada vez mais. Sofrendo com uma inflação Apesar do grande carisma com o qual Jango altíssima e um governo instável, o país se encontrava contava, o grande caos financeiro no qual o país dividido entre as duas ideologias que regiam o mundo. estava imerso e o apoio dos Estados Unidos para a Com a renúncia do presidente democraticamen- derrubada da “ameaça comunista” foram decisivos te eleito Jânio Quadros, ocorrida em agosto de 1961, para a efetivação do golpe, ocorrido na madrugada e a subida de seu vice, o esquerdista João Goulart, de 31 de março de 1964; tendo seu início com ações

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militares que partiam de quartéis do Rio de Janeiro foi marcado pela censura e pela extrema violência, e e de Minas Gerais. também pela intensa promoção do regime vigente. Com a recusa de Goulart em defender-se, ele Aproveitando o milagre econômico vivido pe- acaba destituído do poder, e instaura-se assim, um lo país, e a vitória da seleção brasileira na Copa do período negro de 21 anos de ditadura, que deixou Mundo de 1970, o governo Médici buscou criar a como legado um país em uma situação econômica imagem de um país unido pelo progresso, um país ainda mais grave que aquela em que se encontrava de vencedores; tendo como objetivo construir uma na época anterior ao golpe, e um rastro de morte e identidade nacional para o povo brasileiro, até o mo- desaparecimentos, que ainda hoje, 50 anos depois, mento inexistente por falta de um elemento unif- não foram completamente esclarecidos. cador, e mascarar para o mundo e para os próprios brasileiros a extrema violência em cima da qual o 1.2.1 - Anos de Chumbo – Governo Médici Estado se sustentava. Com a deposição de João Goulart, o governo Durante a gestão de Médici, apesar do cres- da nação foi assumido pelos militares, que em sua cimento econômico, a concentração de renda concepção realizavam uma intervenção salvacio- aumentou ainda mais e o índice de miseráveis nista no país para assegurar a democracia. Inicial- cresceu drasticamente. Foram realizados investi- mente, algumas lideranças militares afrmaram mentos na infraestrutura do país, como no caso do que restabeleceriam a ordem política e devolve- acordo com o governo paraguaio para a construção riam o poder ao povo. Mas o que seria uma curta da Usina Hidrelétrica de Itaipu intervenção acabou por se transformar em 21 anos A despeito do crescimento econômico que era de um horrendo governo ditatorial. constantemente exaltado, o maior trunfo do go- Durante os primeiros anos da ditadura, o país verno Médici foi a propaganda. Utilizando-se de foi governado pelo militar legalista Humberto de slogans como “Brasil: ame-o ou deixe-o”, e “Pra Alencar Castelo Branco (1964-1967), que reformulou Frente Brasil”, e da ajuda da mídia para incitar o regras que regiam as Forças Armadas brasileiras e nacionalismo e o desenvolvimentismo, o governo manteve um relativo equilíbrio entre o radicalismo militar criava uma névoa de euforia, que camufa- defendido pela parcela conhecida como linha dura va as atrocidades cometidas por órgãos como o SNI do exército e os direitos e deveres assegurados pela (Serviço Nacional de Informações); mostrando ao Constituição vigente na época. mundo um país que caminhava para o progresso O equilíbrio conquistado por Castelo Branco sem a sombra do comunismo em seu encalço. não foi mantido por seus sucessores, e após a subida Foi durante esses anos de duplicidade (de um do marechal Artur da Costa e Silva, no ano de 1967, lado o Brasil forte e progressista, anunciado pelas iniciou-se o verdadeiro horror da ditadura, com a mídias; e do outro o país real, que sofria com a con- implantação dos mais duros Atos Institucionais (de- centração de renda e com a opressão do governo), cretos promulgados durante os anos que sucederam que medidas como o Ato Institucional nº 5, decre- o Golpe Militar de 1964, que serviram como base de tado em 13 de dezembro de 1968 (ainda na gestão legitimação para as ações dos militares, e que perdu- de Costa e Silva), e que autorizava a perseguição a raram durante praticamente todo o período da dita- todos aqueles considerados como “inimigos do re- dura), a tortura e os desaparecimentos de inimigos gime”, vigoraram com mais força, privando-os dos políticos. Embora Costa e Silva tenha inaugurado a direitos assegurados pela Constituição que até o mo- era dos horrores, sua administração seria superada mento regia o país. em barbárie pelo governo que ainda estava por vir. O maior trunfo publicitário obtido pelo gover- Os piores tempos da ditadura são conhecidos no, como dito anteriormente, foi a vitória da seleção na história como “Os Anos de Chumbo”, e contem- brasileira na Copa de 1970. Apoiando-se na paixão plam o período no qual o país esteve sob o julgo de brasileira pelo futebol, Emilio Médici criou a ilusão Emilio Garrastazu Médici (1969-1974), cujo governo de uma nação unida, não apenas no amor pelo fute-

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bol, mas também pelo progresso; uma nação que as- problemas que a cercam. sim como se mostra unida por sua seleção, também Extasiada pela vitória e pelo milagre econômi- se mostra unida pelo progresso de seu país. co vivido pelo Brasil, a população brasileira era ma- Com a ajuda do futebol e da mídia, instaurou- nobrada pelo alto comando militar, sendo levada a se no governo ditatorial a velha política do “Pão e acreditar que o regime instaurado era o melhor que Circo”, na qual a população, embriagada com a vi- poderia ter acontecido para o Brasil, e que era neces- tória nos gramados, parece se tornar insensível aos sário expurgar do país a ameaça comunista.

2. Exemplos da utilização política do esporte

Assim como ocorreu no caso da ditadura mili- fzeram dos Jogos Olímpicos um teatro, no qual re- tar brasileira, existem na história outros exemplos presentavam para o mundo uma Alemanha pacífca da utilização política do esporte, sendo analisadas e tolerante, que não fazia nenhum tipo de diferencia- neste trabalho duas ocorrências em particular: o ção étnica; e para o povo alemão, buscava mostrar a nazismo alemão e a ditadura argentina. superioridade ariana, a força de seus atletas represen- tando a força do povo alemão, na ideologia nazista o 2.1 Nazismo povo mais forte e puro que existia no planeta. Iniciado no ano de 1933, com a subida de Adolf Investindo altas somas no planejamento e na Hitler ao poder, o regime Nazista foi um dos primei- construção da estrutura dos Jogos Olímpicos, a Ale- ros regimes autoritários a se utilizar da propaganda manha nazista ofereceu às delegações internacionais e da mídia para difundir sua ideologia. um verdadeiro espetáculo, escondendo por trás do bri- Esta, consistindo principalmente na ideia da lhantismo dos jogos o verdadeiro circo dos horrores no superioridade étnica da raça ariana, povo antigo que qual rapidamente a Alemanha se transformava. supostamente eram os antepassados do povo alemão, era extremamente racista e preconceituosa, tendo co- 2.2 Ditadura argentina mo principal foco de seu preconceito o povo judeu e a Assim como ocorreu no Brasil, o medo de que comunidade cigana que vivia na Alemanha. o comunismo se alastrasse atingiu também outros É certo que, durante os doze anos em que esteve países da América Latina, entre eles o Chile e a Ar- no controle da Alemanha, Hitler se utilizou ampla- gentina. No caso desta última, o medo de que o co- mente da propaganda para incutir no povo alemão o munismo pudesse irromper por seus portões acabou preconceito e a confiança cega no nazismo, criando por resultar em sete anos de uma ditadura militar uma aura de falsa felicidade e ultranacionalismo e, das mais sangrentas já vistas no continente ameri- com isso, fazendo com que os alemães não enxergas- cano, que teve duração entre os anos de 1976 e 1983. sem as atrocidades cometidas por seu adorado Fhürer. De cunho muito mais violento que a ditadura Um dos maiores trunfos publicitários obtidos brasileira, a ditadura militar instaurada na Argen- pelo regime Nazista foram as Olimpíadas de Berlim, tina, em 1976, derrubou o governo vigente à época, que ocorreram no ano de 1936. Nessa época, o mun- da presidenta Isabelita Perón (1974-1976). Diferen- do ocidental já começava a perceber a ameaça que temente do que ocorreu no Brasil, não apenas a a Alemanha nazista representava, e as Olimpíadas ameaça comunista foi utilizada como pretexto para serviram como um grande palco de teatro, no qual a instauração da ditadura, e para a implantação de os nazistas deveriam representar o papel principal. um projeto de extermínio em massa das oposições Compondo a maior delegação de atletas, todos consideradas mais radicais. eles a pura representação do ideal ariano (brancos Para os militares que assumiram o poder ar- e, de preferência, loiros de olhos claros), os nazistas gentino, os comunistas que viviam no país eram

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pessoas que não podiam ser reeducadas para rein- mais horripilantes formas de tortura e por extermí- tegrar a sociedade argentina, tratava-se de pessoas nios em massa de pessoas que eram consideradas que deveriam ser eliminadas da forma mais rápida perigosas e subversivas. possível, sem deixar resquícios ou lembranças de Assim como ocorreu no caso da ditadura militar suas ideias subversivas. brasileira, o governo ditatorial argentino se aproveitou À época do golpe, uma signifcativa parcela dos de sua vitória no Copa do Mundo de 1978 para criar militares temia que o peronismo2 pudesse ameaçar uma imagem positiva do regime, buscando apagar da os interesses das elites e mergulhar o país no caos, mente dos argentinos o horror vivenciado nas ruas, e ou o que era considerado ainda pior, que a Argentina substituí-lo pelo ouro lustroso da taça de campeão. pudesse ganhar um governo comunista. A vitória do time argentino em território na- Visando acabar com esta possibilidade, os mi- cional propiciou que o governo a utilizasse como um litares iniciam uma ditadura sangrenta, que apesar trunfo político, exatamente da mesma forma como de ter durado pouco tempo em comparação com ocorreu com o Brasil: visando mostrar a Argentina outros regimes ditatoriais existentes pelo mundo, como um país forte, não apenas nos gramados, mas mostrou-se uma das piores já vistas, marcada pelas também em todos os outros campos.

3. A Copa do Mundo de Futebol de 1970

No ano de 1970, o Brasil já estava há seis anos brasileira, conduzida pelo técnico João Saldanha, sob o julgo do regime militar, e há um ano, o país classifcou-se para o torneio mundial sem tropeços, era governado pelo general Emílio Garrastazu Mé- e a partir deste momento, iniciou-se uma intensa dici, comandante dos anos mais duros do período campanha publicitária idealizada pelo governo: utili- ditatorial brasileiro. zando-se do futebol, um esporte adorado pela maioria Na época da Copa do México, a ditadura bra- esmagadora dos brasileiros, o governo Médici buscou sileira vivia uma de suas melhores fases. A econo- transferir esta unidade do povo brasileiro em torno mia vivia um crescimento astronômico, chegando do futebol para criar uma identidade nacional, até a crescer 10% ao ano, não pela boa administração aquele momento inexistente; pintando o brasileiro militar, como gostavam de ostentar os lideres polí- como um apaixonado pelo futebol, que luta e briga ticos, mas sim por conta da economia internacional. por sua seleção e faz o mesmo por seu país. Extremamente dependente do mercado inter- Com a identidade nacional, havia o intuito de nacional, a economia brasileira foi benefciada com criar um sentimento patriótico nacionalista na po- o bom andamento da economia de países europeus e pulação brasileira, organizando-a em torno do fute- dos Estados Unidos, principais parceiros comerciais bol para que, embriagada pelo verde e amarelo dos do Brasil; e acabou por se tornar uma área muito vi- gramados, não enxergasse o negrume da opressão e sada para investimentos estrangeiros, o que levou à do medo que se estendia por seu território. elevada taxa de crescimento do país. Pouco antes do início do torneio, a seleção brasi- Aliada à boa fase econômica havia uma intensa leira trocou de técnico, muito provavelmente por con- propaganda governista, que buscava criar a imagem ta de uma intervenção governamental, já que a fgura de um Brasil forte e unido, que caminhava a passos de João Saldanha não era apreciada pelos militares. largos para a modernização e para o progresso. Esta mudança, no entanto, não afetou o de- Com um elenco de primeira linha, a seleção sempenho dos jogadores, que apresentaram uma

2. Movimento criado e liderado por Juan Domingo Péron, estadista e militar argentino que presidiu o país por três mandatos, respectivamente 1946- 1951, 1952-1955, 1973-1974

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extraordinária atuação nos gramados mexicanos e trouxeram a taça para os brasileiros. Apoiando-se nesta vitória, o governo Médici in- tensifcou ainda mais a propaganda, colocando o ge- neral com um “homem do povo” e “apaixonado por futebol”; buscando aproximar a fgura autoritária e temível de Emilio Médici da de todos os demais bra- sileiros e, portanto, obter a legitimidade do governo. Slogans como “Brasil: ame-o ou deixe-o” e “Pra frente Brasil” (ver imagens abaixo) se tornaram co- muns, e a euforia alienante era extremamente esti- mulada. Felizes pela vitória da seleção, os brasileiros eram levados a deixar de lado o pensamento crítico, fechando os olhos para denúncias de desapareci- mentos, torturas e crimes contra a humanidade; e vendo apenas a melhoria na situação econômica e o brilho da taça de futebol.

Foto 2: Capa da revista O Cruzeiro, 1970

Médici, expressando sua insatisfação por meio de manifestações populares que foram intensamente reprimidas pelos militares. Em todo o contexto da ditadura militar brasi- leira, os anos do governo Médici foram os mais con- traditórios e perigosos. De um lado, um crescimento econômico altíssimo e a vitória em um torneio es- Foto 1: ASCOM – Publicado no jornal Grande Bahia portivo mostravam um país que parecia caminhar para mudanças positivas, um país que se unia em Apesar de uma grande parte da população bra- prol de melhoras para sua pátria (a imagem de um sileira ter aderido a esta campanha e acompanhado Brasil forte e indestrutível, exatamente a imagem com euforia a excelente atuação da seleção brasilei- que o regime militar procurava mostrar); e de outro, ra de futebol, houve uma parcela composta basica- um país onde a desigualdade social e a concentra- mente por intelectuais e estudantes, que se mostrou ção de renda eram mais graves a cada mês, e onde a contrária às ideias propagandeadas pelo governo repressão e a censura eram as moedas mais fortes.

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Conclusão

Após a análise do contexto no qual o Brasil es- tores, aliados ao fato de que, desde a sua época colo- tava inserido durante os chamados “Anos de Chum- nial, o Brasil não possuía uma identidade nacional, bo” e das circunstâncias nas quais obtivemos a nos- o povo sendo quase sempre um espectador de sua sa terceira vitória em Copas do Mundo, não é difícil própria história. perceber como o esporte pode se transformar em Neste interim, o futebol foi apenas um elemen- um instrumento político de alienação. to unifcador, uma espécie de cola capaz de juntar Não se trata de julgar o futebol como o “ópio do a população brasileira encontrada pelo regime, que povo”, mas sim de mostrar como informações com- pôde assim, manobrar grande parte da população binadas de maneiras erradas, em tempos e locais de acordo única e exclusivamente com os mandos e errados podem acabar transformando um simples desmandos do poder militar. jogo de bola em um ato de manipulação política. Observando também as outras duas experiên- Não é o futebol que aliena as pessoas, mas são cias da utilização política do esporte, a experiência elas mesmas que se deixam envolver pelo jogo de Nazista nos Jogos Olímpicos de Berlim, realizados poder, é a própria população que é levada a acredi- em 1936, e a utilização feita pelo governo ditatorial tar em meias-verdades ou em mentiras completas, argentino da Copa do Mundo de 1978; é possível simplesmente porque em determinados momentos, observarmos que não importa a época ou a nacio- preferem se esconder por debaixo de bandeiras e nalidade, bastando apenas uma oportunidade para cornetas do que enfrentar sua realidade. que o esporte sirva de moeda de valorização do país, A experiência da ditadura militar brasileira como se os eventos esportivos se tornassem perigo- não foi apenas o resultado de uma grave crise políti- sas peças publicitárias, que como todas as demais ca e econômica, nem mesmo de uma bipolarização invenções da publicidade, podem ser manipuladas mundial; mas sim a combinação de todos estes fa- para atender aos interesses de quem as cria.

116 Futebol sob as asas do Condor

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117 118 Medicina esportiva: cada vez um desafo maior

JÚLIA PEDRONI 3 a série D Resumo O futebol é o esporte mais popular no mundo e a incidência de lesões e promovendo aos lesio- suas exigências físicas, táticas e técnicas são a nados uma recuperação eficiente tanto à sua causa de um grande número de lesões naqueles saúde física e mental, quanto à sua carreira. que o praticam (COHEN e ABDALLA, 2003). O intuito do presente trabalho é identifcar as A Medicina Esportiva, junto com a Psicologia lesões mais incidentes no futebol, destacando e a Fisioterapia, trabalham para a melhora da aquelas que ocorrem no joelho, e como é possí- qualidade de vida dos jogadores, prevenindo vel preveni-las e curá-las.

Palavras-chave: futebol, lesões, joelho, Medicina Esportiva

Abstract Soccer is the most popular sport in the world the incidence of injuries and promoting to the and its physics demands, tactics and techni- injured an efective treatment of their physic ques are cause of a huge number of injuries in and mental health all long the career. This their practitioners (COHEN and ABDALLA, work intention is identify the injuries more 2003). The Sport Medicine, next to Psycholo- incidents in the soccer players, with empha- gy and Physiotherapy, work together to make sis at the knee, and how it’s possible to prevent the soccer players life more health, preventing and heal them.

Keywords: soccer, injury, knee, Sport Medicine Medicina esportiva: cada vez um desafio maior

Introdução

presente trabalho visa tratar especi- atividade; fcamente da Medicina do Esporte 3) Investigação médica e fsiológica do rendi- relacionada às lesões sofridas pelos mento para avaliar a capacidade funcional jogadores de futebol, fazendo um dos sistemas cardiocirculatório, respirató- aprofundamento especialmente rio e musculoesquelético e do metabolismo nosO pilares de sustentação dos atletas: os joelhos. O energético; joelho é uma das principais articulações do corpo 4) Avaliação funcional específca para o tipo de humano, responsável por nos manter em pé e em prática desportiva; movimento, e por isso uma lesão que afete essa arti- 5) Aconselhamento e orientação médica sobre culação é muito preocupante. 1 o estilo de vida e nutrição em relação à ativi- O objetivo é mostrar como as lesões no corpo dade físico-desportiva; podem afetar a carreira de um jogador ou mesmo sua 6) Assistência médica para o desenvolvimento saúde física e mental, e como a Medicina Esportiva de métodos ótimos de treinamento; pode contribuir para prolongar a vida ativa dos atletas. 7) Controle científco do treinamento. Segundo o Instituto de Cardiologia e Medicina De acordo com a FIFA (Federação Interna- do Esporte de Colônia, Alemanha (1958), a Medici- cional de Futebol), o número de atletas lesionados na do Esporte inclui as áreas práticas e teóricas da aumentou muito nos últimos anos devido às exigên- Medicina que investigam a infuência do exercício, cias físicas, táticas e técnicas do futebol, e é aí que a do treinamento e do esporte nas pessoas sadias ou Medicina Esportiva entra com o tratamento médi- doentes, e no esportista, assim como estuda a falta co, por meio de: reabilitação e prevenção de lesões. do exercício, com a fnalidade de proporcionar resul- As quais ocorrem geralmente como consequência tados úteis para prevenir, tratar e reabilitar. de mudanças rápidas de direção, saltos, excesso Essa área da Medicina está diretamente ligada de treinamento ou até mesmo por conta de condi- à qualidade de vida das pessoas. É a especialidade ções inadequadas do campo. Para Merk (2008) os que estuda como o exercício físico infuencia nossa incrementos em número de horas de treinamentos saúde. De acordo com W. Hollmann (1990) as aplica- e competições são vistos como um dos principais ções mais importantes desse ramo da Medicina são: fatores que contribuem para o surgimento de lesões 1) Tratamento médico e reabilitação das le- nos jogadores de futebol. sões e doenças relacionadas com a atividade É evidente que a Medicina tem uma relação física e o esporte; direta com o futebol. Afinal, quando tratamos 2) Exploração médica antes de se iniciar uma de qualquer esporte, devemos levar em conta o atividade física ou desportiva para tentar condicionamento físico e a saúde do atleta, em se detectar qualquer alteração que poderia todos os sentidos. se manifestar ou piorar com a prática desta Para tratar de todos os assuntos citados, o tra-

1. Informações disponibilizadas pela Dra. Alexandra Passos Gaspar em entrevista feita por mim no dia 23/08/2014

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balho está dividido em cinco capítulos: chances do jogador se lesionar e também difculta a O primeiro capítulo apresenta as mais frequen- recuperação daqueles que já sofreram a lesão. tes lesões sofridas pelos jogadores de futebol, dando O quarto capítulo apresenta os métodos que po- ênfase aos joelhos desses atletas. dem ser utilizados para prevenir as lesões, ou seja, Tão importante quanto falar das várias lesões que evitar que estas ocorram. podem ser sofridas é falar de como elas podem afetar Por último, o quinto capítulo, aborda os trata- a carreira do atleta. Este é o tema do segundo capítulo. mentos existentes para atletas lesionados que a Me- Em seguida, o terceiro capítulo trata da Psico- dicina Esportiva vem encontrando ao longo do tem- logia Esportiva. Quando pensamos no rendimento po, além do período que a recuperação pode levar. esportivo e na prontidão competitiva, é necessário A base metodológica do presente trabalho con- que os atletas apresentem ótimas condições psicoló- ta com a leitura de livros, artigos acadêmicos, entre- gicas. Qualquer desvio emocional pode aumentar as vistas e pesquisas.

1. As mais frequentes lesões sofridas pelos jogadores de futebol

O futebol é o esporte mais popular no mundo e, zem dele um esporte com grande número de lesões. segundo a Federação Internacional de Futebol2, que Segundo notícia publicada em O Globo por Marcelo tem realizado censos periódicos sobre a modalidade no Alves, em junho de 2014, a Copa do Mundo de 2014 planeta, existem hoje 265 milhões de futebolistas ati- perdeu 55 jogadores antes mesmo de seu início e vos. A Federação contabilizou 270 milhões de pessoas apenas oito seleções não tiveram desfalques. Se- envolvidas diretamente com o esporte (4% da popula- gundo COHEN e ABDALLA (2003), a incidência ção mundial). A partir desses dados podemos concluir de lesões varia de 10 a 35 por cada 1.000 horas de que o tema é de extrema importância considerando a jogo. Acreditando-se que um jogador pratica, em quantidade de pessoas envolvidas nessa atividade no média, 100 horas de atividade no esporte por ano, mundo (FOLHA DE SÃO PAULO, 2007). estima-se que cada atleta tenha pelo menos uma Suas exigências físicas, táticas e técnicas fa- lesão no período.

Figura 1: Jogador sendo retirado do campo após grave lesão no joelho. Fonte: LEONG, Francisco. Danilo deixa o campo chorando após lesão grave no joelho. UOL Esportes. Disponível em: . Acesso em: 16/04/2014

2. Instituição internacional que dirige as associações de futsal, futebol de areia ou de praia e futebol associado, reconhecida pela sigla FIFA.

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Segundo Fernandes (1994), o objetivo de qual- golpe direto, uma torção brusca quando se muda de quer atleta é atingir o máximo de rendimento indi- direção ou uma queda (GRISOGONO, 1989). vidual possível durante as competições e o treinador, Em uma análise dos prontuários médicos de embasado em seu conhecimento teórico, prepara o oito times profssionais brasileiros, ortopedistas da trajeto que o jogador e sua equipe devem traçar para Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) cons- atingir as suas metas por meio do desenvolvimento tataram que as lesões por choque entre jogadores de do rendimento. A ocorrência de lesões então pode futebol (contusões) representaram apenas 24,1%, estar diretamente relacionada a esta busca de ren- contra 39,2% de lesões musculares, 17,9% de torções dimento máximo, e também às falhas que poderão e 13,4% de tendinites. As contusões e torções são ocorrer durante este processo: o aumento da carga de classifcadas como lesões traumáticas. As tendini- treinamentos e da frequência de jogos, a utilização de tes e as lesões musculares podem ser tanto traumá- materiais inadequados, a falta de preparo físico e o ticas quanto por excesso de uso. retorno ao treinamento antes da cura total de uma Em todos os esportes, existem lesões típicas que eventual lesão são exemplos de fatores que podem estão diretamente relacionadas aos movimentos en- contribuir para a ocorrência de lesões. Para Caraz- volvidos em sua prática. Segundo Rodrigues (1994), zato (1993), o anseio pelo destaque e pelo sucesso dos em média, 80% a 90% das lesões em atletas de futebol jogadores de futebol os submete a um esforço físico localizam-se nos membros inferiores. Dentre elas, e psicológico muito próximo dos seus limites fsioló- podemos destacar as lesões no tornozelo e no joelho gicos, o que pode aumentar o risco de se lesionarem. como, o rompimento do ligamento cruzado anterior, Segundo Buceta (1996), as lesões oriundas do que ocorre graças aos movimentos de rotação e as le- esporte devem ser consideradas como eventos pre- sões nos isquiotibiais, que são os músculos da região judiciais por alguns motivos: posterior da coxa, frequentemente lesionados duran- 1) Supõem uma disfunção do organismo que te corridas ou movimentos bruscos. produz dor, restringe as possibilidades de O joelho é uma articulação complexa e res- funcionamento e pode aumentar o risco de ponsável por suportar e carregar boa parte do peso disfunções maiores; do corpo – função que o deixa vulnerável a diver- 2) Levam a interrupção ou limitação da ativi- sas lesões. Ele é uma das estruturas corporais que dade esportiva durante algum tempo ou até mais sofre com lesões frequentes, que podem atin- permanentemente; gir qualquer faixa etária, principalmente durante 3) Implicam, em geral, mudanças na vida pesso- atividades físicas esportivas (GARRETT, SPEER e al e familiar como consequência das restrições KIRKENDALL, 2000).

que a lesão impõe sobre a pessoa e as novas ne- Tubérculo adutor cessidades que derivam da própria lesão; (epicôndio Ligamento cruzado posterior medial do Ligamento cruzado anterior 4) A reabilitação requer tempo, esforço, dedica- fêmur) Ligamento ção e, em algumas ocasiões, resistência à dor meniscofemoral e também à frustração; Côndilo medial posterior do fêmur Côndulo lateral do 5) Podem ser acompanhadas de experiências (superfície fêmur (superfície articular) articular) Tendão do poplíteo psicológicas que afetam o bem-estar da pes- Menisco medial Ligamento soa lesionada e de todos que estão a sua volta. colateral fibular Ligamento As lesões são divididas em duas categorias bá- colateral tibial sicas: traumáticas e por excesso de uso. As lesões Côndilo medial Menisco lateral da tíbia por excesso de uso são mais sutis, pois se apresen- Cabeça da fíbula tam como uma dor que tende a aumentar gradati- vamente, associada diretamente a certa atividade repetitiva. Já as lesões traumáticas são associadas Figura 2: Joelho. Fonte: NETTER, Frank H.. Atlas de Anatomia Humana. a acontecimentos súbitos, como, por exemplo, um 2ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

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Ele é formado pela articulação do fêmur com palmente envolvendo o ligamento cruzado anterior a tíbia e do fêmur com a patela, sendo composto de (LCA), que é um dos principais estabilizadores na quatro principais ligamentos (cruzado anterior, cru- articulação do joelho. Uma lesão envolvendo o LCA zado posterior, colateral medial e colateral lateral), pode afastar o atleta por um período de seis a nove dois meniscos (medial e lateral), da cartilagem arti- meses. Além disso, rompimentos completos neste cular e da membrana sinovial, que produz o líquido ligamento podem acarretar problemas de longo pra- normal que lubrifca e nutre as estruturas do joelho. zo, como instabilidade e sintomas precoces de artro- As lesões mais frequentes no joelho são liga- se no joelho. Lesões do tipo são causadas geralmente mentares, meniscais e condrais (cartilagem). Se- por uma desaceleração muito brusca, uma mudança gundo a FIFA, em artigo publicado em seu site, no repentina de direção ou uma aterrissagem com o jo- futebol as mais comuns são as ligamentares, princi- elho e o quadril estendidos.

Meniscos: são estruturas em forma de disco, cuja função é absorver impactos para permitir que os ossos se articulem adequadamente, alimentando a estabilidade da articulação

Ligamentos: estruturas que funcionam para dar estabilidade a articulações. eles limitam alguns movimentos e impedem o deslocamento dos ossos

Figura 3: O joelho: meniscos e ligamentos. Fonte: MENDES, Sueli. Vida longa aos joelhos. Viva Saúde. Disponível em: . Acesso em: 20/08/2014

Em entrevista realizada pelo Portal da Edu- zer consequências ao joelho. Há a sobrecarga das cação Física, o Dr. Paulo Henrique Araujo afrma articulações dos membros inferiores, especialmen- que, no Brasil, o futebol é o campeão absoluto como te os joelhos, o que leva ao desgaste mais rápido das fonte de lesões no joelho. Segundo ele, os homens estruturas da articulação. superam as mulheres em lesões nessa estrutura, Verificou-se em estudo feito por Torres em decorrência de traumas esportivos já que o pú- (2004), com times de futebol brasileiros, a preva- blico masculino costuma utilizar mais a força físi- lência das lesões nos atletas que ocupam as posi- ca nas competições do que o feminino. Porém, elas ções de atacante e meio de campo, pois estes se apresentam risco de lesão no ligamento cruzado utilizam de arranque, potência e força física, es- anterior maior que eles. Segundo o Dr. Araujo, isso tando, consequentemente, mais sujeitos às lesões. se deve a fatores biomecânicos e anatômicos. Já os goleiros são os jogadores estatisticamente O excesso de peso do atleta também pode tra- menos lesionados.

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Outro aspecto que aponta a incidência das le- 10% sões nesse esporte é idade do jogador. É estimado Goleiros que ocorram quatro lesões por 1.000 horas de jogo 11% (incluindo treino e competição) nos atletas jovens Laterais 38% do sexo masculino durante um ano, e 16 lesões por Atacantes 17% 1.000 horas de jogo entre os adultos veteranos du- Zagueiros rante o mesmo período.

24% Meio-campistas

Figura 4: Relação entre a incidência de lesões e a posição do atleta em campo. Fonte: SILVA, D. SOUTO, M. OLIVEIRA, A. Lesões em atletas profissionais de futebol e fatores associados. EFDeportes.com. Disponível em: . Acesso: 26/08/2014

2. Como as lesões afetam a carreira de um jogador de futebol

Como já foi visto no capítulo anterior, os índices esporte é algo muito preocupante. Além disso, im- de lesões decorrentes da prática do futebol vêm se tor- plicam, em geral, mudanças na vida pessoal como nando signifcativamente maiores devido a uma série consequência das restrições que a lesão impõe sobre de fatores já citados. Essas lesões devem ser conside- o jogador e as novas necessidades que derivam dessa radas como eventos prejudiciais por diversas razões. condição. Não podemos descartar o fato que a reabili- Primeiramente, elas levam à interrupção ou li- tação exige tempo, esforço, dedicação e, em algumas mitação da atividade esportiva durante algum tem- ocasiões, resistência à dor e também à frustração. po ou até permanente. Para alguém que vive desse Segundo Fernando Marcos Silva, conselheiro do Santos Esporte Clube, as lesões são responsá- veis por encurtar a carreira do jogador. Se as visi- tas ao Departamento Médico se tornam frequentes e os períodos de afastamento longos, há uma forte tendência de a aposentadoria ser antecipada. Silva também afrmou que um atleta lesionado pode vir a perder o seu valor, e por isso os jogadores que nunca sofreram lesões graves são de mais interesse para os clubes de modo geral. 3 O meia Deco, que defendia o Fluminense, anunciou sua aposentadoria do futebol em agosto de 2013 alegando que as seguidas lesões sofridas foram o principal motivo da decisão tomada. Além dele Figura 5: Carrinho. Fonte: Carrinho de brasileiro pode deixar Barcelona sem Messi no Mundial de Clubes. R7 Esportes. Disponível podemos destacar algumas estrelas como Ronaldo em: . Acesso: 21/04/2014 do a recuperação total foi questionada (UOL, 2013).

3. Entrevista realizada por mim no dia 22/08/2014

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Michael Simoni, ex-coordenador médico encerrou a carreira muito cedo em razão de seu do Fluminense, afrmou, em entrevista dada ao joelho. Simoni aponta que a evolução da Medicina Blog do Victor Melo, que o principal responsável Esportiva ajuda a diminuir o tempo de recupera- pelo precoce fm da carreira futebolística é o jo- ção do atleta, mas chama a atenção para o fato elho. Ele lembra que o jogador Reinaldo, um dos de que a carga de esforço físico do futebol atual é grandes ídolos do Atlético-MG, na década de 80, muito elevada.

3. Psicologia Esportiva na prevenção e recuperação de lesões

A Psicologia do Esporte começou a ganhar perda de concentração, medo, entre outros. O pro- destaque na década de 90, quando começou a fissional da área da Psicologia Esportiva tratará e crescer e se expor. Nos últimos anos vem ganhan- trabalhará justamente estes pontos com o atleta. do importância, consolidando sua atuação no Por trás das lesões esportivas existem fatores meio esportivo junto com a Medicina Esportiva psicológicos que podem ser associados às mesmas. e absorvendo muitos profissionais da Psicologia Para Weinberg e Gould (2007), as pessoas com alto (RUBIO, 2007). Consiste no estudo das pessoas e nível de estresse tendem a sofrer mais lesões ao pra- seus comportamentos em contextos esportivos, ticar esportes do que as menos estressadas. Apesar visando promover a melhoria da qualidade de vi- dos fatores físicos serem a principal causa das lesões da e do desempenho do atleta (GILL, 2000 apud. no futebol, os psicológicos também contribuem. Em WEINBERG e GOULD, 2007). entrevista4, o conselheiro do Santos Esporte Clube, Segundo Weinberg e Gould (2007), existem Fernando Marcos Silva, afrmou que todos os atletas vários aspectos psicológicos que podem afetar o do time, lesionados ou não, recebem acompanha- desempenho do jogador: nervosismo, ansiedade, mento psicológico, psiquiátrico e assistência social.

Fatores de História de Recursos de personalidade estressores enfrentamento

Resposta de estresse Atenção/distrações Situação potencialmente Lesão estressante Percepção Ansiedade-estado de ameaça aumentada Tensão muscular

Figura6: Um modelo de estresse e Intervenções lesão esportiva. Fonte: WEINBERG, R. de habilidade GOULD, D. Fundamentos da Psicologia psicológica do Esporte e do Exercício. Porto Alegre: Artmed Editora S.A., 2008

De acordo com Weinberg e Gould (2007), atletas pe a atenção do jogador aumentando suas com alto índice de estresse são mais propensos chances de se lesionar. Quando o nível de es- a sofrer lesões, como mostra a fgura 6. Existem tresse é mais baixo, o atleta tem um campo diversas teorias que tentam explicar essa relação. de atenção periférica mais amplo diminuin- Entre elas, podemos destacar: do seu risco de sofrer alguma lesão. 1) Interrupção da atenção: o estresse interrom- 2) Aumento da tensão muscular: um elevado

4. Entrevista realizada por mim no dia 22/08/2014

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nível de estresse pode ser acompanhado por ção, depressão, aceitação e reorganização (HARDY e uma considerável tensão muscular, que in- GRACE, 1990 apud WEINBERG e GOULD, 2007). terfere na coordenação normal do jogador, Crossman (1997) afrma que uma das estraté- tornando-o mais propenso a sofrer uma lesão. gias fundamentais de intervenção psicológica, pa- O papel do psicólogo nesses casos é ensinar téc- ra o auxílio na reabilitação e recuperação do atleta nicas de enfrentamento do estresse. lesionado, é o apoio social. A participação do grupo Além do estresse, existem outras explicações de jogadores e da comissão técnica para incentivar para a predisposição dos atletas a sofrer uma lesão. o lesionado em sua fase confituosa. O apoio tam- A atitude de alguns técnicos de pressionar excessi- bém precisa vir da família e dos amigos para que vamente os jogadores – tal como “Lesionado você ele se sinta acolhido. não vale nada” – pode aumentar a probabilidade Além do apoio social, é necessário que o atle- destes se lesionarem (ROTELLA e HEYMAN, 1986 ta entenda o processo que levou à lesão e também apud. WEINBERG e GOULD, 2007). o trajeto que será feito junto com o Departamento Os profissionais que acompanham os atletas Médico durante seu processo de recuperação. devem compreender tanto as reações psicológicas Para Ucha (1997), o planejamento do apoio psi- às lesões quanto as estratégias mentais que podem cológico que será feito ao atleta precisa ser estudado vir a auxiliar e facilitar a recuperação. com base em alguns aspectos que podem interferir Quando o atleta sofre uma lesão que necessita na recuperação: “As circunstâncias em que ocorreu de uma intervenção cirúrgica ou uma recuperação a lesão, se ocorreu dentro do processo de treina- lenta, este pode vir a se deparar com confitos e an- mento ou de competição; a experiência esportiva gústias. Com isso, o período de recuperação se tor- do atleta; seu conhecimento e vivências de lesões na cansativo tanto física quanto emocionalmente anteriores; a intensidade do dano causado pela le- (MARKUNAS, 2007). A lesão esportiva pode expor são; os grupos musculares envolvidos e, sobretudo a o jogador às seguintes fases: negação, raiva, negocia- personalidade do atleta.”

4. Como prevenir as lesões

Segundo a FIFA algumas lesões sofridas no Os exercícios trabalham com o equilíbrio central e futebol assim como qualquer outro tipo de acidente dinâmico, o treinamento proprioceptivo e excêntri- são imprevisíveis e inevitáveis. Entretanto, a maio- co dos músculos. Seus benefícios incluem melhora ria delas pode ser evitada. Prevenir as lesões acaba no desempenho do atleta e prevenção contra lesões. sendo tão importante quanto o próprio treino, afnal Lesões mal curadas só fazem aumentar os ris- existem atletas que depois de lesionados não conse- cos de novos casos. Por isso, é importante aguardar guem mais voltar ao futebol profssional, como já foi a recuperação total de uma lesão, evitando, desse visto no capítulo 2. No capítulo 3 foi visto como a modo, possíveis problemas futuros. Psicologia do Esporte pode ajudar na prevenção de Além disso, é extremamente necessário que lesões. Neste capítulo serão abordados outros méto- o jogador se proteja com equipamento adequado. dos existentes que podem prevenir as lesões. Segundo artigo publicado pela FIFA em seu site, “Os 11” (“The 11”) é um programa de preven- os mais usados são a caneleira, a tornozeleira e a ção desenvolvido pelo Centro de Pesquisa Médica bermuda térmica (ou “coxeira”). As caneleiras pro- da FIFA, muito conhecido mundialmente e que tegem a parte inferior da perna de fraturas ósseas ganhou por boa parte dos clubes. Consiste em um durante treinos e jogos. Elas devem ser ajustadas programa preventivo simples e efciente por exerci- de acordo com cada pessoa, de forma a cobrir toda a tar simultaneamente vários segmentos corporais. região abaixo do joelho, tanto em largura quanto em

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comprimento. Já a tornozeleira tem a função de evi- ternativa para a prevenção dessas lesões. A fsiote- tar lesões na região do tornozelo. A coxeira, por sua rapeuta Bárbara Freiberger Schaefer afirma, em vez, ajuda a deixar a musculatura da coxa aquecida artigo publicado pela Federação Brasileira de Pila- e produz pressão sobre as fbras para evitar que elas tes, que o método apresenta diversos benefícios que escorreguem demais. visam à prevenção, bem como à redução de riscos Outra forma de prevenção é realizar um estudo de lesões. De modo geral, os benefícios do programa rigoroso da sessão programada do treino e também para o condicionamento no futebol, são: aumento uma análise dos riscos de cada exercício. É impor- da flexibilidade do atleta, restauração da postura tante avaliar clínica, física e psicologicamente cada natural e do alinhamento corporal, melhora na es- atleta. Os jogadores não podem deixar de fazer alon- tabilidade e no equilíbrio, aumento da resistência, gamento antes e depois de qualquer atividade física, fortalecimento dos músculos e da parte superior do seja um simples treino ou um jogo. corpo sem acrescentar volume. É essencial para todo atleta conhecer as regras Em entrevista feita ao Portal da Educação Fí- do jogo, para assim jogar sem ignorar os princípios sica, José Luiz Runco, médico da Seleção Brasilei- do Fair Play5. As regras velam pela saúde dos joga- ra, afrma que cabe muito ao jogador se cuidar para dores, dado que proíbem ações perigosas capazes prevenir as lesões. Isso inclui ter uma boa alimenta- de causar lesões graves, como, por exemplo, o uso ção e não estar acima do peso. Como já foi apresen- do cotovelo em disputas pelo alto. tado no capítulo 1, o excesso de peso compromete o O método conhecido como Pilates é uma al- rendimento do atleta e pode contribuir para lesões, pois o futebolista perde agilidade e condicionamen- to físico, de modo a sobrecarregar as articulações. Em suma, é essencial fazer o máximo possível para evitar qualquer tipo de lesão, principalmente quando você é um jogador profssional que depende de uma boa saúde e resistência corporal para obter sucesso na sua ocupação. Temos que lembrar que o atleta profssional vive do esporte. Se ele está impos-

Figura 7: Pilates no futebol. Fonte: ALAOR, A. Pilates e Futebol. Álvaro sibilitado de jogar ou treinar, não prejudica somente Alaor Pilates. Disponível em: . Acesso: 28/08/2014 sua saúde física e mental, mas também sua carreira.

5. Tratamento das lesões

Como já foi citado na introdução do presente avanço da Medicina, sendo possível atingir o trata- trabalho, a ausência de um jogador no time pode mento dos jogadores em um tempo cada vez menor. trazer consequências financeiras. Considerando Segundo o artigo “Primeiros socorros em cam- isso, torna-se necessário que os jogadores atinjam a po”, publicado pela FIFA, como tratamento imediato, conclusão do tratamento das lesões cada vez mais deve ser instituído o protocolo “PRICE” ou “RICE” rápido, para que assim possam voltar a jogar. A evo- (Protection: proteção; Rest: repouso; Ice: gelo; Com- lução da tecnologia e da automatização promoveu o pression: compressão local; Elevation: elevação).

5. Os princípios do Fair Play fazem parte do programa preventivo elaborado pela FIFA (“Os 11”)

128 Medicina esportiva: cada vez um desafio maior

corporal global. Isso porque, um músculo interage com várias articulações e também com outros gru- pamentos musculares. Considerando a individualidade biológica de cada atleta, percebe-se que diferentes músculos de um mesmo jogador tendem a se recuperar em maior ou menor tempo, conforme o tipo de trata- mento. Logo, diferentes lesões exigem tratamentos diferenciados, e, portanto o período de recuperação pode variar muito.

Figura 8: Protocolo RICE. Fonte: LLARREGUI, Raúl Valencia. Fisioterapia y Salud. Disponível em: . Acesso: 21/04/2014 Pilates no futebol. Fonte: ALAOR, A. Pilates e Futebol. Álvaro Alaor Pilates. Disponível em: . Acesso: 28/08/2014 Figura 9: Tecnologia da NASA acelera a reabilitação de atletas lesionados. Fonte: Tecnologia da NASA acelera a reabilitação de Além do que se deve fazer é preciso estar atento atletas lesionados. Discovery Esportes. Disponível em:

129 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

trando resultados satisfatórios no tratamento de A fsioterapeuta Marcelle Pinheiro afrma que várias lesões. Tem como diferencias os princípios entre os benefícios da hidroterapia se destacam: o físicos da água como, a densidade, a flutuação e a fortalecimento dos músculos, aumento da amplitu- turbulência, que desempenham papel fundamen- de das articulações, melhora do funcionamento car- tal para fns terapêuticos. A futuação, por exemplo, diorrespiratório, melhora da circulação sanguínea, atua no suporte às articulações reduzindo a descar- assim como diminuição da dor e do estresse. ga de peso corporal (DORTA, 2011). Segundo o Dr. Adriano Leonardi, em artigo publicado em seu site, lesões mal curadas só fa- zem aumentar os riscos de novas lesões. Por isso, o retorno ao esporte após uma lesão deve ser sem- pre individualizado e bem estudado pelo Departa- mento Médico. Voltar a jogar cedo demais pode ser perigoso caso o corpo do jogador ainda não esteja pronto para suportar o estresse. Mesmo com todos os avanços tecnológicos al- guns jogadores não tem tanta sorte quanto outros. Figura 10: Hidroterapia. Fonte: Fortalecer a musculatura ajuda a prevenir a ocorrência das lesões. Globo Esporte. Disponível em: Como já foi visto no capítulo 2, dependendo da gra- http://globoesporte.globo.com/eu-atleta/saude/noticia/2012/12/ vidade da lesão e da idade do jogador este não con- fortalecer-musculatura-ajuda-prevenir-ocorrencia-das-lesoes.html Acesso: 30/08/2014 segue voltar a jogar depois de lesionado.

Conclusão

Conclui-se a partir do presente trabalho que o o uso de equipamentos de proteção, como a cane- futebol é um esporte que, por apresentar movimen- leira, é extremamente necessário, já que ajuda no tos bruscos e rápidos, acaba por gerar um risco ele- combate às lesões. vado dos atletas sofrerem lesões. As lesões podem As lesões e seu processo de recuperação não apresentar diferentes graus de complexidade, e seu são associados somente à parte física do futebolis- tratamento varia conforme a sua gravidade. Mas, ta, mas ao seu emocional. Por isso, a Medicina Es- seja como for, todas são muito prejudiciais tanto à portiva vem trabalhando com a Psicologia, tentando saúde física e mental do atleta quanto à sua carreira. encontrar diferentes métodos que podem prevenir Considerando isso, os jogadores devem procu- lesões e ajudar no processo de reabilitação. rar se prevenir contra tais lesões. Para isso, enu- A recuperação do jogador lesionado pode du- meramos diversos procedimentos que devem ser rar de poucas semanas a muitos meses. Fato é que feitos por eles, como seguir as regras do jogo ou se cada vez mais, com o avanço da Medicina, da Fisio- aquecer antes de qualquer prática de atividade fí- terapia e da Psicologia, se torna mais fácil e rápido sica, seja uma partida ou um treino. Além disso, o tratamento do atleta.

130 Medicina esportiva: cada vez um desafio maior

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132 Futebol e marketing: o esporte como ferramenta da indústria cultural

LETÍCIA VAZQUEZ VALVERDE 3 a série C Resumo O objetivo deste trabalho é analisar a aplicação do tas utilizadas. Esses métodos têm como intuito marketing esportivo no futebol brasileiro, discu- uma maior ligação entre o torcedor e as marcas tindo sua relação com a indústria cultural, além patrocinadoras, gerando a ampliação do mercado de apresentar e avaliar as estratégias e ferramen- consumidor e maior visibilidade da marca.

Palavras-chave: marketing, esporte, futebol, indústria cultural, torcedor, patrocinador.

Abstract The goal of this report is to analyze the applica- providing a greater connection between the soc- tion of sports marketing in Brazilian soccer, dis- cer fan and the sponsoring brands, creating the cussing its relation to the culture industry and expansion of the consumer market and greater presenting and evaluating the strategies and visibility for the brand. tools used. These methods have the intention of

Keywords: marketing, sport, soccer, culture industry, fan, sponsor. Futebol e marketing: o esporte como ferramenta da indústria cultural

Introdução

ste trabalho visa mostrar a impor- O marketing esportivo é uma ferramenta da tante relação entre o marketing e o publicidade e propaganda que traz grande impacto futebol, destacando a utilização, pe- à divulgação de marcas. A aplicação desses recursos la indústria cultural, do diferencial garante uma ligação entre a marca e o cliente, utili- existente no marketing esportivo: a zando o esporte como uma via para essa conexão. Eemoção e a paixão dos torcedores. Além disso, serão Além disso, proporciona a valorização da empresa e apresentadas algumas ferramentas do marketing infuencia no aumento de vendas e na sua imagem. esportivo e suas estratégias, mostrando o poder des- O retorno desse investimento é observado nos no- sa área de comunicação e a maneira como ela pode vos níveis de exposição da marca e na quantidade afetar o futebol. de consumidores que ela alcança. O futebol não é apenas uma prática esportiva Este trabalho tem como objetivo apontar e ou uma forma de recreação, é um negócio mundial analisar as relações entre o futebol, os clubes, os que proporciona lucro em diversas áreas do merca- torcedores e as empresas patrocinadoras. Para is- do. Um dos principais componentes desse esporte so, são detalhados alguns pontos, como a defnição, profssional é o marketing, que está sempre presente atuação e importância do marketing esportivo, a em eventos esportivos, tanto grandes como peque- indústria cultural e suas ferramentas relacionadas nos. Os clubes não estão mais apenas interessados ao futebol, e a paixão e emoção presentes na relação nos títulos e nos jogadores, mas também na ima- entre o torcedor e o clube. gem do time e o que ela transmite para a população. A metodologia utilizada foi a análise qualitati- O time virou uma marca que precisa ser divulgada va de ações de marketing utilizadas no futebol, bus- corretamente, atribuindo, portanto, a importância cando comprovar que o marketing esportivo é um ao marketing esportivo. ótimo investimento no futebol.

135 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

1. Marketing esportivo e sua importância

1.1 O que é marketing uma área que compreende, principalmente, os sen- A publicidade e propaganda são importantes timentos do consumidor em relação ao seu time e o fatores para todas as empresas. Divulgar o seu tra- produto, sua principal função é de conciliar a paixão balho de uma maneira positiva e alcançar o público pelo esporte com as demandas do mercado e obje- -alvo são objetivos aspirados por elas, podendo ser tivos da empresa, proporcionando prazer e emoção alcançados pelo marketing. em troca de resultados de venda. Segundo Kotler (1997, p.19) “o marketing pode De acordo com Morgan e Summers (2008), o ser interpretado como sendo a utilização dos recur- esporte consegue atingir uma grande área de consu- sos de uma empresa com o propósito de satisfazer midores, de diferentes idades, culturas, classes so- aos desejos e às necessidades do consumidor”, por- ciais e sexos, podendo assim integrar grande parte tanto, para esse autor, o marketing é uma ferramen- da vida da população. ta que procura relacionar de forma positiva o cliente Para o autor Bechara (2001, p.5), as formas de com a empresa, além de satisfazê-lo e criar novas atuação presentes no marketing por intermédio do comunicações com o mesmo. esporte são: patrocínio e apoio de eventos, patrocí- Para a AMA (American Marketing Associa- nio de equipes e atletas, compra de espaço na mí- tion) o marketing é um conjunto de processos que dia em que são transmitidos os eventos esportivos, começa com a criação de um produto, passa pela entre outros. O marketing esportivo é importante divulgação para o público-alvo e chega a uma en- para empresas já que ele proporciona o aumento do trega de valor que possa benefciar tanto a empresa reconhecimento público, a exposição constante da quanto o seu público. Entretanto, para que o produ- marca na imprensa e na mídia, reforça a imagem to ou a marca seja conhecido, é necessário, segundo corporativa (devido ao investimento no setor espor- Sant’Anna (2007, p.75), “implantar na mente da tivo) e concede um maior envolvimento da empresa massa uma ideia sobre o produto (...) uma crença na com os fãs do esporte. mente alheia”. Neto (2000, p.26) afrma que o marketing es- portivo torna-se um elemento decisivo na valori- 1.2 Marketing esportivo zação da marca ao associar a imagem da empresa O esporte é uma modalidade sociocultural ca- patrocinadora com o produto patrocinado (clubes, paz de estimular sentimentos e emoções de grandes atletas, eventos esportivos e objetos relacionados a massas. Edgett e Parkinson (1994) afirmam que determinado esporte). As empresas patrocinadoras poucos produtos estão abertos a tal gama de inter- de modalidades esportivas recebem um olhar posi- pretações pelos consumidores como o esporte. tivo da população em geral, devido ao fato de esta- Segundo Shank (2002, p.2) o marketing es- rem fazendo um “bem social” ao investir na cultura portivo é “a aplicação específica dos princípios e e no lazer, e de transmitirem um sinal de aproxima- processos de marketing aos produtos esportivos e ção em relação ao esporte e aos torcedores. ao marketing de produtos não-esportivos por meio Infelizmente o marketing esportivo no Brasil da associação com o esporte”. Entretanto, com um ainda é precário. As estratégias de marketing no olhar mais psicológico da relação entre a mercado- país limitam-se, principalmente, à promoção de ria e o consumidor torcedor, Pitts e Stotlar (2002) vendas de ingressos, busca por novos sócios e resga- afrmam que o marketing esportivo é um processo te dos antigos, e o lançamento de produtos ofciais em que são elaboradas e implementadas atividades do clube, sem que haja um trabalho preventivo ou que têm como objetivo produzir, promover e vender de combate à pirataria. Em uma entrevista concedi- um produto esportivo que satisfaça o consumidor e da ao jornal O Estado de São Paulo, Jorge Avancini, os objetivos da marca e da empresa. diretor executivo de marketing do time brasileiro Como o marketing esportivo está envolvido em Sport Club Internacional, afrma que o marketing

136 Futebol e marketing: o esporte como ferramenta da indústria cultural

praticado por clubes brasileiros ainda é extrema- deve identifcar os bens ou serviços de um fornecedor mente diferente do realizado em países europeus. ou grupo de fornecedores e diferenciá-los dos da con- Segundo ele, “muitos clubes ainda não têm o marke- corrência”. Portanto, uma marca serve como forma ting como uma ferramenta consagrada”. de diferenciação entre empresas, transmitindo sua imagem e facilitando a referência aos seus produtos. 1.3 Marca Para Martins (2005, p.17) uma boa marca con- Segundo Martins (2005, p.13), uma marca segue atrair e reter o consumidor para o seu produ- pode ser defnida como um produto ou serviço que to ou serviço. De acordo com Semenik e Bamossy possui uma identidade, nome e valor. Essa imagem (1996, p.314), quanto maior for a associação positiva dada à marca é desenvolvida pela publicidade e pro- com a marca, maior será o potencial de venda e de paganda. Com os avanços tecnológicos e a globaliza- crescimento do valor dessa marca. ção, consumidores são infuenciados a comprarem Martins (1999, p.27) afirma que o consumo um produto não apenas por suas características, apresenta valores sentimentais em que a natureza mas também pela propaganda e mensagem que essa humana e seus desejos buscam produtos e serviços marca transmite. que tragam bem-estar e prazer, além de saciar suas A AMA (American Marketing Association) uti- aspirações. Portanto é de vital importância preser- liza como defnição para marca “um nome, símbolo, var a reputação da marca da empresa, promovendo desenho ou uma combinação desses elementos que -a de maneira equilibrada e positiva.

2. O torcedor

A grande diferença entre o marketing tradi- Segundo Cardia (2004, p. 113) os principais cional e o marketing esportivo é o envolvimento da fatores do marketing esportivo são a emoção dos emoção por parte dos fãs do esporte. O torcedor é o torcedores em relação ao esporte e ao clube e a fde- foco do marketing esportivo, pois ele exerce um pa- lidade existente nesse fanatismo, pois raramente pel fundamental na obtenção de lucro. Para Nicolini uma pessoa muda de time de futebol. São esses fa- (2008, p. 18), “um evento de vértice (alto rendimen- tores que dão uma importância de inestimável valor to, nível internacional) visa principalmente o espec- à relação dos fãs com o time. tador. A cena proporcionada pelos competidores de O futebol está ligado a um momento de lazer alto nível é o seu principal atrativo”. dos torcedores em que são experimentadas diferen- Segundo Plastina (2007), o esporte mais fa- tes emoções intensas durante a partida, transitando moso entre os brasileiros é o futebol. Uma pesqui- da felicidade extrema para a raiva e decepção. Essa sa realizada pelo diretor de marketing da empresa ligação emocional favorece o marketing esportivo, Informídia constatou que o futebol é a modalidade pois durante esse momento, os torcedores ficam esportiva que os brasileiros mais acompanham pela mais receptivos a mensagens transmitidas durante mídia, com 81% do total de pesquisados e primeira o jogo, consciente ou inconscientemente, podendo, colocação em ambos os sexos. por exemplo, ligar a marca com a vitória de seu time A indústria cultural utiliza a paixão e o fana- (Morgan e Summers, 2008, p.5). tismo desses indivíduos pelo futebol e pelo clube Segundo Mullin, Hardy e Sutton (2004), o en- para vender seus produtos, sendo eles relacionados volvimento do torcedor se dá por três formas bási- ao esporte ou não. A “fssura” por um time virou cas: a comportamental, que são atividades dos fãs um produto, e os torcedores são cada vez mais ma- ao torcer; a cognitiva, que se refere à busca de infor- nipulados, inconscientemente, para a obtenção da mações pelos torcedores sobre o clube e os jogadores mercadoria oferecida. através de meios de comunicação; e a afetiva, que se

137 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

refere a atitudes, sentimentos e emoções que um tornando como seu segmento-alvo o sócio. Dentro consumidor tem em relação ao esporte. dessa tática incluíam-se promoções de camisas e Em eventos de grande magnitude como a Copa autógrafos de jogadores, realização de eventos gra- do Mundo FIFA de Futebol e os Jogos Olímpicos, o tuitos e exclusivos para os sócios, criação de um site público atingido possui escalas mundiais, associan- com informações e notícias sobre o time que apenas do as marcas patrocinadoras a momentos de euforia sócios podem acessar, e preferência inicial na ven- e conquistas. Uma pesquisa realizada no Reino Uni- da de ingressos na internet. Essas ações visam sa- do mostra que o patrocínio tem mais impacto em tisfazer os torcedores não apenas com as vitórias do pessoas de 15 a 24 anos, e que 40% dessas pessoas time, mas também com o tratamento especial que afrmam sentir uma confança maior em produtos eles recebem do clube. Isso estimula mais pessoas de marcas patrocinadoras desses eventos esportivos a associarem-se ao time, e quem já é sócio a conti- (Morgan e Summers, 2008, p.4). nuar. Com a utilização dessas ferramentas e outras Segundo o estudo de caso realizado por Ander- relacionadas ao marketing esportivo, o Sport Club son Leandro de Oliveira, o Sport Club Internacio- Internacional conseguiu atingir no ano de 2009 sua nal utilizou a tática da aproximação com o torcedor, meta de cem mil sócios.

3. A indústria cultural e suas ferramentas

Com a Revolução Industrial em meados do marcas e produtos através da propaganda. Em século XVII, surgiu a “indústria cultural” que se- um esporte como o futebol, que possui milhares gundo Adorno (1986) é uma padronização artifcial de torcedores fanáticos os quais acompanham e manipulada em relação aos gostos, pensamentos, cada passo, tanto dentro como fora de campo, de costumes e atitudes da população, que visa o lucro. seus jogadores favoritos, um atleta que faz sucesso As plataformas de comunicação utilizam e aplicam com o público consegue faturar valores altos com os ideais da indústria cultural, construindo, portan- o marketing. to, um sistema em que as pessoas são “bombardea- Sabendo que o torcedor desempenha um pa- das” por padrões artifciais. pel essencial no processo de aumento de lucro dos O atleta é um ótimo produto no esporte. Sendo clubes, algumas equipes enxergam numa eventual um atleta de elite, várias vezes campeão em sua mo- queda para a Série B do Campeonato Brasileiro uma dalidade e famoso na mídia e nas redes sociais, seus possibilidade de gerar lucros maiores, uma vez que a gestos, atitudes e comportamentos são copiados por paixão da torcida acaba aumentando nessa situação milhões de torcedores. Com isso, muitas empresas já que os torcedores sentem que precisam dar mais procuram colocar em suas propagandas jogadores suporte ao time nessa fase. de futebol bem-sucedidos, relacionando a aquisição Entretanto, segundo Chaves (2008), assim co- do produto com o sucesso na vida e status adquirido mo o marketing esportivo pode aumentar os ganhos pelo esportista, técnica típica da indústria cultural. de um jogador e promover a imagem da empresa, o O marketing esportivo faz com que grandes marketing negativo faz com que o atleta perca infu- jogadores faturem não apenas com o dinheiro que ência na mídia e patrocínio, arruinando por conse- recebem nos jogos, mas também ao promoverem quência a imagem da marca.

138 Futebol e marketing: o esporte como ferramenta da indústria cultural

Conclusão

O futebol adquiriu nas últimas décadas propor- para a empresa que quer mostrar sua marca com essa ções muito grandes, e não pode ser apenas considerado estratégia, como os preços excessivos cobrados por clu- uma forma de entretenimento ou atividade, mas tam- bes e jogadores, custo de produção elevado e a instabili- bém uma fonte de negócios de alto lucro. A indústria dade presente no esporte, em que num momento certo do futebol se desenvolve em todo o mundo devido a fa- time de futebol pode estar muito bem e noutro extrema- tores como a crescente profissionalização, a globaliza- mente mal. Além disso, para que o marketing esportivo ção, as novas formas de comunicação e a publicidade. realmente funcione, é necessário planejar e analisar o Os benefícios concedidos pelo marketing esportivo retorno financeiro e da imagem obtidos com o patrocí- são inúmeros, como as interações emocionais dos tor- nio. Portanto cabe às empresas analisarem os objetivos cedores e consumidores, a fidelidade existente entre os e metas esperados com os investimentos relacionados torcedores e seus clubes, a ampliação do mercado con- com o esporte, criando um plano de marketing cons- sumidor e a grande visibilidade da marca. Entretanto, ciente, principalmente em relação às influências da o marketing esportivo também apresenta desvantagens indústria cultural em sua propaganda.

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140 Futebol: a psicologia do estresse

LUIZA ROSSI MOR A BR USCO 3 a série A Resumo O presente trabalho apresenta uma análise psi- das considerações feitas, estabeleceu-se de que cológica sobre o futebol e os problemas que este maneira a Psicologia pode auxiliar nos proble- causa na vida dos jogadores profssionais, prin- mas psicológicos dos jogadores. cipalmente o estresse e a ansiedade. A partir

Palavras-chave: Futebol; estresse; ansiedade; Psicologia do Futebol

Abstract This article presents a psychological analysis of Based on the considerations made, it establishes football and the problems that it causes in foo- a way in which Psychology can help football tball players’ lives, especially stress and anxiety. players with their psychological problems.

Keywords: Soccer; stress; anxiety; Sport Psychology Futebol: a psicologia do estresse

Introdução

“Algumas pessoas pensam que o futebol é tão im- portante quanto a vida e a morte. Elas estão muito enganadas. Eu asseguro que ele é muito mais sério que isso.” (BILL SHANKLY).

presente trabalho trata sobre a Psi- O problema sem importância cologia aplicada ao futebol, mais No Brasil, o futebol é um esporte de caráter concretamente as consequências importante. Apresentado ao país por volta de 1890, psicológicas da atividade no joga- inicialmente era praticado apenas pela elite, mas, no dor profssional, principalmente a século seguinte, se popularizou atingindo todas as ansiedadeO e o estresse, analisando de que forma tais camadas sociais e se tornando um esporte de massa. fatores podem infuenciar a vida pessoal e o rendi- Com o fato de o futebol ter destaque na socie- mento em campo. dade brasileira e ser considerado um elemento da O objetivo deste trabalho é demonstrar as pres- identidade do país, a ansiedade e o estresse do joga- sões pessoais e profssionais a que o atleta é submeti- dor dentro e fora de campo, cada vez mais, têm sido do e o que elas causam na vida dele, apontando como discutidos na Psicologia, uma vez que a cobrança fator principal distúrbios psicológicos. para alcançar o sucesso, feita tanto pelos torcedores quanto pelo próprio jogador, vem aumentando sig- Metodologia nifcativamente. A metodologia adotada foi o levantamento de A ansiedade e o estresse são causados pelas dados por meio de artigos científcos e pesquisas que diversas situações-problema que um jogador pro- apontam o nível de estresse dos jogadores antes de fssional pode enfrentar, como por exemplo: ter um disputas de futebol importantes. mau desempenho, errar um pênalti, as cobranças O corpo do trabalho é composto de quatro ca- familiares, perder um contrato, sofrer alguma lesão, pítulos, sendo o primeiro, a História do Futebol no entre outros. Brasil, no qual se demonstra a importância do es- Sentir ansiedade é algo normal no ser huma- porte no país; o segundo, o Surgimento da Psicolo- no, e muitas vezes impulsiona a atividade cerebral, gia, que contextualiza a aparição dessa ciência; o portanto, sendo algo positivo para seu desempenho. terceiro, os Problemas Psíquicos Comuns aos Joga- Nos atletas, os sintomas positivos desse nervosismo dores, dando ênfase ao estresse e à ansiedade, e por são a vontade de praticar o esporte, de competir, de fm, a conclusão, que discorre sobre a necessidade entrar ao campo, entre outros. Entretanto, muitos do acompanhamento psicológico do atleta e de que jogadores que não sabem lidar com a ansiedade aca- maneira a Psicologia pode auxiliar o jogador na sua bam por ter distúrbios, o que interfere em seu rendi- carreira e vida pessoal. mento profssional.

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Com isso, embora tais fatores possam ser estresse e da ansiedade gerados no atleta e explo- benéfcos, em grandes quantidades e quando mal rando tais características biológicas, o trabalho tem desenvolvidos, podem causar nos atletas sensa- como foco analisar os sintomas físicos e psíquicos ções desconfortáveis e chegar a ser prejudiciais prejudiciais ao rendimento em campo, concluindo às suas atividades. que é importante o acompanhamento psicológico Tendo em vista as causas e consequências do para o alívio de tais transtornos.

1. A história do futebol no Brasil

A introdução do futebol no Brasil teve início miam papéis de maior privilégio diante dos demais, por volta do ano de 1890 quando um brasileiro, f- uma vez que deveriam fazer menor esforço físico no lho de ingleses, Charles W. Miller, ao retornar de trabalho para que seu desempenho em campo fosse Londres trouxe uma bola de futebol, uma vez que a satisfatório. A função desses trabalhadores deixou prática do football na Inglaterra já existia. de ser apenas a participação nos times e tornou-se uma forma de propaganda das fábricas, como uma Aqui só tomaríamos contato com o football em atração e passando uma boa imagem para o público. 1894. Charles W. Miller, brasileiro flho de ingleses, estudava em Londres. Ao voltar para o Brasil (São Os operários tornaram-se assim uma espécie Paulo), em sua bagagem trouxe uma bola de futebol. de massa de manobra, e começou a existir uma ri- Praticante e entusiasta desse esporte, Charles Mil- validade entre eles para que pudessem ser inseridos ler tratou de difundi-lo entre os ingleses residentes de São Paulo. (CALDAS, 1994, p.42) no time empresarial e, portanto, conquistar privilé- gios, o que foi benéfco para os donos das indústrias, Foi a partir de então que começou a prática já que estimulava o desempenho profissional. Foi desse esporte na sociedade brasileira. Aos poucos, então que, por volta do início do século XX, ocorreu outros grupos começaram a praticá-lo, como altos certa democratização do futebol em algumas em- funcionários de empresas. O futebol no Brasil, por- presas, uma vez que a prática de tal esporte deixou tanto, nasceu entre a elite e, com isso, os colégios de ser direcionada a uma minoria dos trabalhadores burgueses passaram a adotá-lo como forma de lazer e tornou-se acessível a todos. para os alunos, tornando-se assim um esporte de prestígio social. 1.1 O futebol atualmente A partir disso, começaram a surgir jogadores O futebol tem um papel de suma importância hábeis que se incorporaram a clubes, havendo uma atualmente, em especial no Brasil, uma vez que se forte difusão do esporte, principalmente entre o Rio tornou um elemento cultural do país. Desde a época de Janeiro e São Paulo. O futebol começou a se popu- da ditadura militar, que durou de 1964 até 1985, ele larizar e assim, surgiram não só times de elite, mas teve grande consideração no âmbito político e social, também de operários. sendo utilizado para manipular as massas. Dessa forma, o futebol assumiu outro papel na sociedade, deixando de ser um esporte de apenas Assim como o Estado autoritário pode usar o fu- tebol para corroborar ainda mais o seu poder, no uma classe social. Os donos de empresas usaram Estado democrático esse mesmo futebol pode dar deste como forma de estimular a produção e o bom verdadeiras demonstrações de amor à liberdade e comportamento dos trabalhadores, oferecendo co- à democracia. (CALDAS, 1986, p.2) mo recompensa a participação nos times da frma. Como poucos trabalhadores eram escolhidos Atualmente, é considerado por alguns au- para participar do time, surgiu uma nova categoria tores como parte da identidade do país e uma das de operários, os “operários-jogadores”, que assu- atividades mais importantes da população, uma vez

144 Futebol: a psicologia do estresse

a sociedade de seus problemas prioritários como, que une e socializa as pessoas, fazendo assim com por exemplo, o desemprego, a má distribuição de que até as diferenças sociais sejam deixadas de lado renda, a injustiça social, as precárias condições de e que a discussão sobre as partidas, times, entre ou- vida de determinados segmentos da sociedade e até dos debates acerca da revisão constitucional e tros, seja para todos. da corrupção que veio à tona recentemente. (CAL- Utilizado na época do período militar como DAS, 1994, p.45) forma de popularizar o poder do Estado e difundir o amor à pátria, o futebol no Brasil até hoje em dia Assim, o futebol tem o objetivo de promover pode ser considerado uma maneira de criar na po- um sentimento de identidade coletiva entre a popu- pulação um nacionalismo e distrair a atenção dos lação, reforçando valores culturais e sociais, apro- problemas que o país enfrenta. ximando as classes sociais e criando laços sociais e, além disso, encobre os problemas e angústias da Visto como uma atividade lúdica, alguns analistas população, podendo ser considerado uma forma de atribuem ao futebol a perigosa função de desviar anestesiar as péssimas condições do povo brasileiro.

2. O surgimento da Psicologia

A Psicologia surgiu na Antiguidade, filósofos 2.1 Conceito de Psicologia gregos clássicos já se interessavam por tal área do A Psicologia é um campo da ciência que tem conhecimento, estudando a alma dos seres huma- como objetivo estudar as ações humanas e seu pro- nos de uma forma abstrata. Entretanto, tal ciência cesso mental, analisando as motivações do compor- começou a se difundir a partir das mudanças no tamento dos indivíduos. Ela busca conhecimentos âmbito ideológico que substituíram o teocentrismo lógicos a partir do método científco. pelo antropocentrismo. A partir do século XVIII e Definições de Psicologia têm variado no tempo e XIX, ocorreram mudanças no campo do saber, o de acordo com as características de seus autores. que facilitou o desenvolvimento da Psicologia. Problemas surgidos no âmbito da Filosofia ou da ciência refetem-se em várias dessas defnições. Por A mais antiga das ciências é a flosofa. Os flóso- exemplo, é muito conhecida a defnição de Psicologia fos de todos os tempos observam que os homens como o estudo da mente. (TODOROV, 2007, p. 52) conhecem a natureza, mas o fazem de maneira imperfeita e variável. Como é possível, pergun- Observando comportamentos individuais, a tam-se, chegar a conhecimentos verdadeiros e Psicologia tem como finalidade relacionar o com- indiscutíveis? A tarefa da filosofia consistiu, du- rante séculos, em estabelecer o melhor método do portamento dos indivíduos a fatores biológicos e conhecimento verdadeiro, e depois aplicá-lo para sociais, desenvolvendo hipóteses a partir do incons- o entendimento do mundo, da religião e da moral. ciente humano, explorando tanto o comportamento (SIMON, 1984, p.54) racional quanto o processo mental e fantasioso. Com a constante busca pela razão e a insatisfa- A “ciência” não é uma coisa simples, que se pos- ção pela falta de respostas que fossem além do cam- sa definir com facilidade recorrendo a uma boa po místico, a presença da racionalidade na ciência enciclopédia. Trata-se de um fenômeno social e transformou a construção da ideia de indivíduo na humano bastante complexo e variado, sufciente- sociedade. Principalmente na época da Revolução mente importante para gerar todo um esforço para compreendê-lo e poder em seguida agir sobre ele. Científica, que ocorreu do século XVI ao XVIII, (SIMON, 1984, p.54) houve forte descontentamento com os conheci- mentos religiosos, resultando numa racionalidade 2.2 A Psicologia aplicada ao futebol na investigação da realidade e, portanto, numa pre- A Psicologia do Esporte tem como objetivo en- ocupação maior com o conhecimento racional das tender a atuação e melhorar o desempenho do atle- características individuais dos seres humanos. ta, analisando de que forma o estresse e a ansieda-

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de gerados por meio da pressão social e individual as públicas e a fama pode fazer com que eles tenham podem atingir a atividade do jogador profssional. problemas em suas vidas pessoais o que pode alterar Podemos abordar o tema da Psicologia do Esporte sua performance nos jogos. de dois pontos de vista: o do psicólogo que se espe- Existem dois tipos de estresse, sendo um con- cializa no trabalho com indivíduos que praticam es- siderado fundamental para estimular a execução portes, e analisando o desenvolvimento da Psicolo- de algum dever, conhecido como eustress, e o outro, gia Esportiva como uma área de estudo acadêmica. chamado de distress, que ocorre quando o corpo, de- vido ao excesso de estresse, acaba respondendo de A Psicologia do Esporte é a identifcação e compre- forma negativa aos estímulos, podendo afetar a ca- ensão de teorias e técnicas psicológicas que podem ser aplicadas ao esporte com o objetivo de maximi- pacidade de concentração e raciocínio do indivíduo zar o rendimento e o desenvolvimento pessoal do e prejudicando o atleta. atleta. (WILLIAMS, 1991, p.30) O estresse no esporte pode ser gerado por muitos fatores como: a competição em si, características Aplicada ao futebol, a Psicologia ajuda a admi- pessoais do jogador, requisitos físicos, entre outros, nistrar a relação corpo e mente, procurando en- ou seja, por cobranças não só sociais quanto pesso- tender as perturbações sofridas pelos atletas e di- ais. A vida do atleta muda drasticamente quando ele torna-se um profssional, uma vez que na práti- minuí-las para que sua atividade corporal não seja ca do esporte é necessário abdicar de muitas coisas prejudicada. A função dos psicólogos nessa área está de sua vida por conta dos treinos, viagens e jogos. voltada para dois objetivos: auxiliar os jogadores a (APITZSCH, 1994, p.31) fazerem uso de princípios psicológicos para obterem uma boa relação com a mente e, logo, ter uma saúde O estresse é um esforço de adequação do orga- mental satisfatória, otimizando assim seu desem- nismo para lidar com ocasiões alarmantes de risco penho e instruir as pessoas em geral sobre como a à sua vida e ao equilíbrio. A falta de instrução e pre- prática de exercícios físicos altera o desenvolvimen- paração do atleta para responder às situações que to psicológico, o bem-estar e a saúde de jogadores e lhe geram estresse, o torna suscetível a problemas não jogadores. Dessa forma, o trabalho da Psicolo- psicológicos traumáticos, que podem resultar na gia no futebol não se limita apenas ao desempenho ativação de mecanismos de escape quando não en- e rendimento do atleta. contra soluções. Isso resulta em efeitos biológicos e Além disso, essa área do conhecimento po- psicológicos como: de ser considerada interdisciplinar, uma vez que a) Dilatação das pupilas que reduz a capacida- abrange outras ciências como Filosofa e Sociologia. de de percepção dos detalhes, o que difculta Entender o contexto social e cultural em que vive que o atleta esteja atento a pequenos lances e a sociedade é de suma importância na Psicologia, detalhes da partida; uma vez que isso altera as relações sociais e a im- b) Palpitação cardíaca, resultado da maior irri- portância do esporte na conjuntura. As mudanças gação do sangue no corpo, fazendo com que ocorridas nesses âmbitos alteram o comportamento os músculos funcionem com mais intensida- do jogador e a relação deste com o imaginário social de. Com o coração funcionando mais rápido, que envolve tal atividade. o corpo necessita de maior oxigenação, dif- cultando a respiração do atleta e, portanto, 2.3 Problemas psíquicos acarretando maior fadiga e esgotamento comuns aos jogadores físico; Com a grande infuência dos meios de comuni- c) Tensão muscular; cação social, os jogadores que antes eram desconhe- Qualquer movimento tem uma dosagem certa de cidos, quando conseguem atingir um bom desem- tensão nos músculos para ser bem executado, ou penho, acabam se tornando figuras importantes seja, a precisão técnica. A ansiedade e a tensão rapidamente. Com isso, os atletas tornam-se pesso- desestruturam a precisão, pois as vias neurais se

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ocupam com impulsos de alerta do sistema de luta pensamentos negativos e desinteresse represen- ou fuga, decrescendo ou inibindo os impulsos pre- tadas no nível somático por tensões musculares, cisos, para completar a destreza e o movimento co- lentidão e pouca explosão. (BRANDÃO, 1995, p.7). ordenado. Uma ótima execução não sucede quando os atletas pensam nela, o que enfatiza que o apren- dizado em sintonia com a execução de funções au- 2.4 Necessidade de acompanhamento tomáticas e inconscientes é algo que está livre de psicológico do jogador toda interferência do pensamento. A tática e a téc- A partir dos problemas psíquicos ressaltados, nica não mudam de uma semana para outra, mas as reações psíquicas sim. (GALLWEY, 1996, p.27) é de suma importância que os jogadores tenham um acompanhamento psicológico em sua carreira d) Déficit cognitivo, isto é, dificuldade de profssional. Foi a partir da observação dos excessi- aprendizagem e percepção, gerando pensa- vos transtornos vividos por atletas que a Psicologia mentos disfuncionais que ameaçam o atleta, aplicada ao futebol começou a ser mais valorizada uma vez que prejudicam sua concentração e no auxílio e acompanhamento destes. desempenho em jogo, alterando o seu psico- Com a constante busca de um rendimento to- lógico e comprometendo sua saúde mental. tal, a Psicologia direciona-se para o aproveitamen- to máximo das capacidades individuais e grupais, As reações psicológicas são: decréscimo da fexibili- para a cessão dos aspectos negativos e a melhora dade mental, sentimentos de confusão, aumento do número de pensamentos negativos, menor capaci- daqueles positivos. Para conseguir esse efeito, a dade de centrar-se na atuação, atenção inadequada Psicologia busca analisar o funcionamento do com- a vivências internas, esquecimento de detalhes, re- portamento do indivíduo e sua sociabilização com o corrência a antigos hábitos inadequados, tendência a precipitar-se na atuação e decréscimo da capaci- objetivo de superar os problemas psicológicos. dade de tomar decisões, característica elucidada a O acompanhamento psicológico intenciona re- seguir. (GONZÁLEZ, 1997, p.12) lacionar objetivos pessoais do atleta para que haja um equacionamento entre o âmbito pessoal e o esportivo. Além disso, outro importante fator prejudicial Em diversas situações, o aspecto individual do atleta à performance do atleta é a ansiedade, que, quando está relacionado com o desejo atrelado à sua carrei- em excesso resulta em consequências negativas ao ra, como alcançar uma vitória, ter um bom desem- jogador. A ansiedade é um aspecto psicológico rela- penho, entre outros, ou seja, o psicólogo assume um cionado à adequação das pessoas em sua rotina, sen- papel medianeiro entre a vida pessoal e profssional do uma reação irracional de inquietação e hesitação para conduzir uma estabilidade na vida do jogador. juntamente com a ativação do sistema nervoso au- Muitos aspectos estão associados à satisfação dos tônomo. Tal fator acarreta em reações fsiológicas atletas em seu trabalho. A performance individual denominadas Ansiedade-Estado, ou seja, pensa- e coletiva, a liderança, a coesão da equipe, os aspec- mentos desfavoráveis, angústias, entre outros, que tos organizacionais e administrativos do clube são alteram a capacidade de percepção do atleta. alguns desses fatores que podem aumentar o grau de satisfação dos jogadores Na maior parte das ve- A Ansiedade-Estado está associada à Ansieda- zes, vencer é o objetivo principal dos esportistas, de-Traço, que é a aptidão para entender as situações razão pela qual a performance individual assume cotidianas como ameaçadoras. Todos os seres huma- um papel tão importante no que se refere à satisfa- nos estão submetidos a taxas de ansiedade, e, quando ção dos atletas no trabalho. (RIEMER & CHELLA- DURAI, 1998, p.11) em baixa quantidade a ansiedade pode ser benéfca e estimulante aos atletas, entretanto, de forma elevada O psicólogo, para obter êxito com seus pacien- e sem auxílio, afeta a capacidade de cognição. tes, tem formas diferentes de intervenção. Primei- ramente, ele aborda competências básicas, como: Quando um atleta está com um nível de ansiedade relaxamento, visualização mental, formulação de ótimo, ele está psicologicamente em controle. Ao contrário, quando seu índice de ansiedade está fora seus objetivos profissionais e pessoais e, por fim, de controle, mais baixo ou mais alto que seu nível controle do pensamento. Esses fatores ajudam para ótimo, aparecem reações cognitivas como medo, que os jogadores consigam conter sua ansiedade e

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estresse, principalmente antes de jogos. A partir do as quais estão mais vinculadas a fatores individuais, momento em que a análise do atleta está mais de- como: autoconfança, motivação, concentração, en- senvolvida, iniciam-se as competências avançadas, frentar a adversidade, entre outros.

Conclusão

o tempo de atendimento, já que o sucesso do futebol A partir da análise feita nos capítulos anterio- é medido por resultados práticos muito rápidos – o res, pode-se concluir que é de suma importância tempo entre duas partidas pode ser de horas. Um a participação de um profssional da área de Psi- atendimento estruturado pode cooperar para que bons atletas tenham tempo sufciente de mostrar cologia para acompanhar um atleta profssional. o que sabem fazer, que é jogar futebol, não sendo Com as transformações sociais e o grande foco no dispensados injustamente do jogo ou do clube, com futebol, o estresse e a ansiedade se tornaram pro- a ansiedade interferindo em suas performances. blemas cada vez mais prejudiciais ao rendimento (ROMÁN, 2003, p.5) e vida pessoal do jogador. É nesse ambiente que o psicólogo tem se tor- Deve-se entender que o psicólogo precisa pro- nado uma figura importante na área do esporte. curar conhecer a linguagem do esporte e entender Embora seu grande objetivo seja intervir na vida do o atleta não como um paciente comum, mas como atleta, outros componentes que estão interagindo alguém que vive sob constante pressão e ameaça em ou dimensionando a vida deste precisam ser leva- seu bem-estar. Por outro lado, o profssional do espor- dos em conta nessa interferência, ou seja, é cada vez te deve procurar entender os fenômenos psicológicos maior a pressão dos elementos externos exercida envolvidos na prática do esporte e que podem interfe- sobre a vida profssional do atleta. rir no rendimento de seus atletas, podendo investigar tais aspectos com o objetivo de correlacioná-los com A psicologia do esporte deve-se valer de instrumen- outros casos e, por fm, chegar a uma conclusão que tos como o teste de ansiedade de Beck (1988), para mensuração, facilitando a investigação e reduzindo possa ser comum a mais de um indivíduo.

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O rádio, a televisão e o futebol

MARIANA GELAIN DE ANDRADE GARCIA 3 a série D Resumo Neste trabalho disserta-se sobre o rádio, desde torcedor brasileiro e a transmissão radiofônica. a chegada deste ao Brasil, no começo do século Trata-se também das mudanças do rádio com a passado, até os dias atuais. Para isso, mostra-se chegada de novas tecnologias no Brasil, da ori- a origem do rádio no país, sua história, as carac- gem da televisão e da importância do rádio na terísticas do locutor de rádio e a ligação entre o formação do narrador de futebol televisivo.

Palavras-chave: futebol, rádio, televisão, narração

Abstract This essay is about the radio, since it came to addition, this paper explores the changes that Brazil at the beginning of the last century until radio has undergone with the arrival of new te- today. Its origin, history, and characteristics are chnologies in Brazil, such as television, and the discussed , as well as the characteristics of the importance of radio in shaping the fgure of the radio announcer and the connection between narrator in televized football. the Brazilian fan and the radio transmission. In

Keywords: football, radio, television, narration O rádio, a televisão e o futebol

Introdução

presente trabalho trata sobre o rá- com a chegada de novas tecnologias, como a televi- dio, a televisão e o futebol. Mais são e a internet, sendo essas consideradas ameaças concretamente sobre a origem do para o aparelho radiofônico. rádio e sua história, as caracterís- No segundo capítulo, disserta-se sobre a nar- ticas do locutor de rádio e a ligação ração futebolística no Brasil. Este é dividido em entreO o torcedor brasileiro e a transmissão radiofô- quatro subcapítulos. O primeiro apresenta o início nica; o início da narração futebolística no Brasil; da narração futebolística no país. O segundo relata origem da televisão e sua história, a televisão como a ligação entre o torcedor brasileiro e a transmissão ameaça para o rádio; e a importância do rádio para radiofônica, dando alguns exemplos de torcedores a formação do narrador de futebol televisivo. que, mesmo estando em casa assistindo ao jogo pela O objetivo principal da pesquisa é apresen- televisão ou no estádio, não abandonam seus princi- tar e exemplificar a importância do rádio desde o pais companheiros da partida, o rádio. Já o terceiro domingo à tarde, quando o torcedor fanático acom- subcapítulo trata da relação entre o aparelho radio- panha a partida de futebol lance a lance pelo rádio, fônico e a televisão, mais especificamente da im- em sua casa ou no estádio, até as mudanças do rádio portância do rádio para a formação do narrador de com a chegada de novas tecnologias e a importância futebol televisivo. Para fnalizar, disserta-se sobre do aparelho radiofônico sob essas. as diferenças da narração radiofônica e televisiva. O tema será abordado em 3 capítulos, sendo o Por fm, serão apresentadas as considerações primeiro a introdução. O primeiro trata do rádio e fnais, com base no objetivo do trabalho, para que se da evolução dos meios de comunicação no Brasil. Es- possa formar uma conclusão sobre o tema proposto. tá dividido em três subcapítulos: o primeiro sobre a Utilizou-se como metodologia o levantamento origem e história do rádio, o segundo sobre a origem de dados por pesquisa em livros, artigos acadêmi- da televisão no Brasil, e para finalizar, a terceira cos, dissertações de mestrado e outros documentos parte mostra as mudanças por que o rádio passou referentes ao tema.

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1. O rádio e a evolução dos meios de comunicação no Brasil

o primeiro do interior do país, conforme registros 1.1 Origem do rádio no Brasil como no Jornal A Cidade, de 1924. Sobre a origem do rádio no Brasil, há relatos de que o aparelho radiofônico chegou ao país através da No ano de 1922 ocorreu a primeira transmis- Rádio Clube de Pernambuco: “Cronologicamente, há são ofcial feita do alto do Corcovado, RJ, em come- registros que comprovam que a primeira emissora moração ao Centenário da Independência do Brasil. de rádio brasileira surgiu com a fundação da Rádio Na década de 1930, houve uma evolução tecnológica Clube de Pernambuco, em Recife, no dia 6 de abril de no país, surgindo programas de auditório nas rá- 1919”, segundo Fernando Rebouças (2010, p.1). dios, o que as tornava um veículo de comunicação popular. “Em 1934, a Rádio Sociedade do Rio de Ja- neiro foi transformada em Rádio Municipal do Rio de Janeiro, popularmente conhecida como rádio Roquete Pinto.” (TINCANI, 2010, p.1), sendo assim feita uma homenagem ao antropólogo. Na área es- portiva, o rádio surgiu na década de 50, e na Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 1958, a população brasileira torceu pela seleção do país por meio da narração radiofônica. Existem registros de que, em 1953, havia 500 emissoras de rádio e aproximada- mente meio milhão de aparelhos receptores no país. Figura 1: Um dos primeiros aparelhos de rádio do Brasil.1

1.2 Origem da televisão no Brasil Edgard Roquete Pinto era antropólogo e por O aparelho televisivo foi desenvolvido em di- ser um grande incentivador da implantação do rá- versas partes do planeta, portanto, não existe um lo- dio no Brasil, tem grande importância na história cal preciso da sua origem. Camila Camargo (2009, do aparelho no país. “O rádio é o divertimento do p.1) revela que “o que se sabe é que a empresa AT&T pobre (...), e a informação dos que não sabem ler, foi uma das pioneiras ao realizar uma transmissão Sob estas palavras Roquete Pinto enxergou no rádio na cidade de New York, mas na época (1927), somen- um veículo que pudesse difundir a cultura e histó- te algumas pessoas tiveram acesso à transmissão”.. ria brasileira.” (REBOUÇAS, 2010, p.1). No ano de No início das transmissões televisivas, a resolução 1923, no Rio de Janeiro, foram instalados aparelhos da imagem era baixa. Com o alto número de pes- receptores, devido à idealização de Roquete Pinto, quisas na década de 1930, incentivadas por fatores dando assim origem a novas emissoras no país com como a Segunda Guerra Mundial, houve um desen- o intuito de transmitir a música e a arte brasileiras. volvimento tecnológico tanto na área dos aparatos Já em Ribeirão Preto, SP, teria sido instalado quanto na área da transmissão da televisão. o primeiro aparelho em uma cidade do interior do Em 1950, foi criada a primeira emissora de país, como é descrito por Daniela Pereira Tincani televisão brasileira, conhecida como rede Tupi. (2010, p.31): Emmanuel Monteiro (2007, p. 4) ressalta que “a sua programação, ao longo dos primeiros anos, da mes- O cosmopolita ambiente urbano de Ribeirão Preto fez surgir uma elite preocupada em acompanhar as ma forma como aconteceu com o rádio, também foi inovações tecnológicas que aconteciam no país e no direcionada à elite, por causa do elevado custo dos exterior. Foi então que comerciantes e cafeicultores instalaram uma estação de 5 watts de potência e aparelhos, que eram importados”.. Camargo (2009, fundaram o Rádio Club de Ribeirão Preto (PRA-7), p. 2) analisa que a explosão da televisão no Brasil po-

1. Disponível em: http://vivafoz.com/historia/historia-da-comunicacao-em-foz-iguacu/

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de ser observada seis anos após sua chegada, e con- tores esportivos”, conta Emmanuel Monteiro (2007, clui que no ano de 1956 o país já possuía o expressivo p.4). Com o surgimento da internet, o rádio também número de 1,5 milhão de aparelhos. enfrenta problemas. Por exemplo, é possível acom- Relata também que no Brasil, no ano de 1963, panhar a partida através de descrições em sites, das foi feita uma transmissão experimental em cores, principais jogadas, atualizadas a cada minuto. mas somente nos anos 1970 elas chegaram ofcial- Em meio a uma nova forma de organização da mente à casa de alguns brasileiros. No fm da déca- sociedade, e sob uma revolução tecnológica na área da de 1970, o aparelho televisivo a cores começou a da informação, o rádio encontrou seu nicho, ou seja, se tornar popular no país. Nos anos 1970 e 1980, a encontrou o seu espaço em meio a tantas tecnologias televisão passou por melhorias devido ao surgimen- que vêm surgindo desde a década de 1950. Um bom to de novas emissoras e à utilização de novos satéli- exemplo das adaptações passadas pelo rádio seria a tes para uma melhor transmissão. sua expansão para a televisão e para a internet. Co- A televisão teve grande infuência sobre a histó- mo mostra Ana Carolina Almeida: “Com a expan- ria do século XX até os dias atuais. Há flósofos que são da web, o rádio passou a contar com plataforma consideram a televisão uma “arma ideológica”, ou se- multimídia complementar para ampliar seu alcance ja, uma arma de alienação. Camila Camargo (2009, de sintonia e diversifcar sua audiência.” (2010, p. p. 4). conclui que “é indiscutível sua importância no 435). E, segundo Alvaro Bufarah Junior: desenvolvimento da sociedade e compartilhamento As operadoras de TV por assinatura também dis- de informações.” Portanto, a televisão sendo um apa- tribuem em seus pacotes de conteúdos sinais de relho de alienação ou não, tem uma importante fun- rádio e canais de áudio. A NET digital oferece em torno de 43 canais de áudio e quatro emissoras de ção na transmissão de informações para a população rádio e a Sky, agora resultado da fusão com a Direc- mundial, formando assim uma ligação entre diversos tv, disponibiliza mais de 30 canais de áudio e mais países e seus respectivos continentes. 13 emissoras de rádio. (2010, p. 580) É possível ouvir o rádio através da televisão e da 1.3 Mudanças do rádio com a chegada internet. Conclui Esmeralda Villegas Uribe: “A revo- de novas tecnologias lução da tecnologia está modifcando a estrutura, o Até a década de 1950, o rádio era o principal funcionamento, a cobertura, a difusão e a recepção meio de comunicação no país. Com a chegada da te- dos meios de comunicação de massa.” (2006, p.2). levisão e, algumas décadas mais tarde, da internet Além de mudanças na sua área de atuação, ao Brasil, o aparelho radiofônico passou por diversas o rádio passou por alterações em sua linguagem, barreiras, sendo essas consideradas ameaças para o como mostra Monteiro: “Inovações tecnológicas e aparelho radiofônico. “Grande parte das empresas de linguagem contribuíram para que o rádio sobre- que investiam no rádio considerou ser mais vanta- vivesse e demonstrasse a sua força, mesmo com a joso aplicar os recursos em anúncios na televisão. presença da imagem da televisão. Cada narrador Sendo assim, os principais profissionais de rádio optou por um estilo de atuar, seja mais lento, ou migraram para a televisão, entre eles, alguns locu- mais vibrante.” (2007, p. 7).

2. A narração futebolística no Brasil

2.1 Início da narração futebolística no Brasil ferro, que deram origem aos times das várzeas, o ou- O futebol chegou ao Brasil através de trabalha- tro foi através dos clubes ingleses, que introduziram o dores e funcionários ingleses. Segundo o parecer de esporte entre os grupos de elite.” (Revista USP, p. 36). Nicolau Sevcenko, “o futebol se difundiu por dois ca- Até o fnal da década de 1920, a cidade de São minhos. Um foi o dos trabalhadores das estradas de Paulo era dividida entre três times rivais: Paulista-

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no, Palestre e Corinthians. As partidas, principal- de 1930 essa situação mudou, pois profssionais dos mente as fnais, tinham repercussões imensas na jornais começaram a utilizar o microfone e, anos cidade. Porém, o que mexia de fato com a emoção depois, surgiram os comentaristas, tanto de jogo e fanatismo da população torcedora eram os con- quanto de arbitragem, junto com os repórteres de frontos entre dois times tradicionais: Rio de Janei- campo e os plantonistas. ro e São Paulo. Na maioria das partidas a vencedora Porém, no ano de 1933, as emissoras radiofô- era a seleção paulista. Com a vitória (de quem?) do nicas encontraram uma barreira. Os dirigentes dos campeonato sul-americano de futebol (quando?), as times paulistas alegaram que as transmissões feitas populações das cidades do Rio de Janeiro e de São pelos rádios estavam diminuindo a plateia dos está- Paulo foram tomadas por um grande furor. dios de São Paulo. Monteiro conclui: “No ano seguin- Nicolau Sevcenko (1994, p. 36 e 37) ressalta te, as rádios estavam proibidas de entrar nos locais que no começo esses momentos de catarse e união dos jogos. Entretanto, a exclusividade dos direitos de nacional espontânea preocuparam seriamente as transmissão em São Paulo foi concedida à Rádio Cru- autoridades. Mas em breve, a partir do mandato de zeiro do Sul.” Mesmo com a proibição estabelecida às Washington Luís (1926 – 1930), que se dizia “governa- emissoras, os locutores encontram diversas maneiras dor-desportista”, os líderes políticos foram aprendendo de dissolver este problema e continuar a transmissão a estimular e tentar tirar proveito desses momentos de das partidas, tais como: utilização de escadas ao lado catarse e união nacional espontânea, procurando con- do campo, subir no telhado de casas vizinhas ao está- vertê-los em legitimação emocional de seus próprios dio, ou até o uso de binóculos. projetos políticos. As vitórias nas Copas do Mundo Ortriwano (1985, p. 117) relata que as irradia- também passaram a fazer parte desses projetos. ções esportivas contribuíram para o desenvolvimen- Sevcenko afrma que “identidade nacional, fu- to do jornalismo radiofônico porque os equipamentos tebol, nacionalismo, carnaval e união de todos vira- necessários para a realização das transmissões das ram praticamente sinônimos”. (1994, p.37) Enfm, partidas foram aperfeiçoados e a qualidade do áudio podemos concluir que o futebol foi totalmente inte- recebido começou a melhorar. Em dezembro de 1936, grado à cultura brasileira, fazendo parte desta até o ocorreu a primeira irradiação internacional de fute- ano atual de 2014, no qual celebra a Copa do Mundo bol, devido ao Campeonato Sul-Americano, que acon- da FIFA sediada no país. Além desse fato, é inimagi- teceu no país vizinho, Argentina. E o primeiro jogo nável um futuro para o Brasil sem a presença do fu- intercontinental transmitido para o país foi em 1938, tebol em sua cultura devido à forte infuência deste na Copa do Mundo do mesmo ano. Monteiro diz que sobre o torcedor brasileiro. “naquela época, o povo se aglomerava nas praças dos Segundo o bacharel Emmanuel Grubisich principais centros do país e acompanhava as locuções Monteiro: “O paulista Nicolau Tuma foi o pionei- por meio de alto-falantes”. ro das irradiações de futebol no Brasil, pela Rádio Sociedade Educadora Paulista.” (2007, p. 2) Tuma 2.2 Relações entre o torcedor brasileiro teve de criar seu próprio estilo narrativo, no caso, e a transmissão radiofônica a descrição fotográfca. Antes da chegada do rádio A história do futebol e a sua ligação com o rádio ao Brasil, as emissoras tinham que telefonar para o estão presentes, principalmente, na memória dos clube para encontrar informações corretas da parti- ouvintes nascidos nas primeiras décadas do século da e assim poder divulgar o placar do jogo. XX, devido ao fato de que estes participaram in- Já Amador Santos foi o primeiro locutor es- tensamente da implantação e evolução do rádio no portivo do estado do Rio de Janeiro, na Rádio Clube Brasil. Portanto, a melhor forma de retratar a liga- do Brasil. Monteiro lembra que: “Naquele período, ção do torcedor com o rádio é a partir das memórias a tecnologia, como é conhecida atualmente, estava dessas pessoas. Surgindo não apenas um questioná- distante dos radialistas, e as irradiações eram reali- rio sobre lembranças, mas também o resgate de um zadas pelo telefone.” (2007, p.3) No início da década intenso relacionamento antigo, abrindo possibilida-

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des para novas comparações, criando uma interação O rádio apresenta uma importância tão gran- entre o passado e o presente, e um possível futuro. de que, em muitas situações, o torcedor abre mão da Em uma conversa cotidiana com José Bento imagem pronta da televisão para criar sua própria de Andrade Filho, formado em direito e atuante na partida através da narração radiofônica. Até mesmo área da administração, foi possível reconhecer a li- os torcedores que assistem ao jogo nas arquibanca- gação entre o torcedor e o rádio. Por ser o veículo que das dos estádios utilizam o aparelho radiofônico introduziu a comunicação no país, este desperta um portátil para ter mais detalhes sobre a partida e tra- sentimento afetivo, principalmente, para o ouvin- zer uma maior emoção sobre os lances. Ortriwano te do século passado. Os principais temas ouvidos ilustra estes fatos: através do rádio são a notícia, a música e o futebol. As narrações radiofônicas permitem uma criação Sendo este último relatado de uma forma prática. poderosa de “imagens mentais”, a ponto de ser mui- A narração de uma partida desenvolve a imagi- to mais emocionante acompanhar as transmissões nação do torcedor, provocando assim mais emoção. O de futebol pelo rádio do que ver o jogo no estádio e aparelho apresenta a informação de uma forma rápida complementa que o torcedor vai ao estádio acompa- nhado de seu “radinho”, ou assiste à imagem da te- e instantânea, devido às facilidades de transmissão do levisão, ouvindo a locução de rádio. (1985, p. 26 e 27). veículo. Não é necessário um grande aparato, diferen- temente da televisão. O rádio é dinâmico, simples e Por fm, o rádio não deixou de ser o companhei- direto, perfeito para o torcedor que busca uma infor- ro inseparável da “cabeceira de cama”, nas palavras mação objetiva, por exemplo, o placar de uma partida. de José Bento. E parece que não deixará de ser, pelo O aparelho traz a facilidade de transporte, o menos no futuro próximo. entrevistado tinha a oportunidade de carregar seu próprio rádio no bolso. Um exemplo clássico sobre a 2.3 Importância do rádio na formação facilidade e a peculiaridade do rádio está na primei- do narrador de futebol televisivo ra conquista da seleção brasileira em uma Copa do O rádio, por ser o primeiro eletrônico de trans- Mundo de Futebol, em 1958 na Suécia, em que (onde missão de narração, apresenta grande importância só se usa para referir-se a um lugar) o principal meio na formação de qualquer narrador, sendo ele de fu- de comunicação entre a seleção e o torcedor foi o rá- tebol, notícia ou qualquer outro gênero. Neste tópico dio, gerando assim uma maior afetividade do tor- é focada a importância do rádio na formação do nar- cedor no momento da vitória. Nessa época, o rádio rador televisivo de futebol. Sendo assim, é utilizada passava por uma importante mudança: as válvulas a entrevista semiestruturada feita por Emmanuel do aparelho eram abandonadas, dando lugar para os Grubisich Monteiro entre os dias 26 de setembro e transistores, tornando-o portátil. 10 de outubro de 2006, na cidade de São Paulo, como forma de pesquisa. Para a pesquisa citada no parágrafo anterior, foram entrevistados cinco narradores que tiveram experiência no rádio, mas que, atualmente, se en- contram na televisão, excluindo os dois primeiros que atuam nos dois meios eletrônicos. São eles: Éder Luiz, Milton Leite, André Henning, Silvio Luiz e Jota Junior. Silvio Luiz, por ter uma breve participação no rádio, não foi questionado sobre o tema do tópico em questão. Já os demais responderam que a capacidade de improvisar é o principal artifício aproveitado por

Figura 2: Válvulas do rádio. 2 eles na televisão, conta Monteiro (2007, p. 9).

2. Disponível em: http://www.terceracultura.net/tc/?p=2876 Acesso em: 06/11/2014

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Seguem as partes mais relevantes da entrevista Na década de 1930, o locutor trabalhava sem realizada por Emmanuel Monteiro (2007, p. 9 e 10): o auxílio de repórteres ou comentaristas. Logo, cabia a ele a improvisação e adaptação a diversas Éder Luiz destaca que o profssional de rádio leva situações. Uma boa ilustração do improviso e da muita coisa benéfca para a execução do trabalho na televisão, como por exemplo, essa capacidade adaptação necessários ao locutor é a situação vivi- de improvisação. Entretanto, para ele, não signif- da por Tuma numa partida de futebol e relatada por ca que quem realiza bem o trabalho no rádio, faça Emmanuel Monteiro: bem televisão. ‘Quando você vai para a televisão, você tem que trazer muita coisa do rádio, mas pro- Vale destacar que Nicolau Tuma, pouco antes do cura se adaptar a uma nova linguagem, que o time início do jogo, esteve nos vestiários das equipes, (tempo) da televisão é diferente do time do rádio, com o intuito de memorizar as características fí- mas ele é uma base fundamental’ (...). sicas de cada atleta, porque até então, não havia Milton Leite aponta que, além da capacidade de im- numeração nas camisas dos jogadores. Naquela provisação, ele levou do rádio para a televisão, ‘uma época o locutor atuava sozinho, sem a presença de espontaneidade, uma alegria, uma coisa de brincar repórteres ou comentaristas. Por essa razão, Tuma com as pessoas, de brincar com a imaginação das improvisou e narrou das arquibancadas, próximo pessoas’. aos torcedores. (2007, p. 2 e 3) André Henning destaca que o improviso é a prin- cipal “arma” adquirida por ele em seu trabalho no rádio, principalmente porque às vezes cai o sinal de Outro bom exemplo, também citado por algum jogo no qual ele está narrando na televisão e Monteiro: ele tem que segurar a transmissão (…). Jota Junior, assim como André Henning, afirma Esses profissionais costumavam narrar das ar- que, quando acontece algum problema durante a quibancadas, em alguns momentos, o barulho da transmissão de televisão, é necessário que o locutor torcida era ensurdecedor, principalmente quando preencha o restante do tempo e resgate a herança ocorria um gol. Por essa razão, o mineiro Ari Bar- do rádio, com a “improvisação, a versatilidade, o roso, maestro de renome e também narrador de conhecimento do produto que você está tratando”. futebol, teve a ideia de tocar uma gaita toda vez que Jota Junior enfatiza que é preciso estudar a trans- algum time marcava um gol. (2007, p.4) missão, ter informações, como algum dado histó- rico, referência a determinado jogador, treinador, Cada locutor cria um estilo, que pode ser pró- ou algo sobre o estádio. ‘O rádio traz isso. Ele faz com que você leve para a televisão essa gama de prio ou gerado a partir de um estilo já existente. informações e a improvisação, a agilidade de ra- Nicolau Tuma, o primeiro locutor futebolístico no ciocínio’.” Brasil, teve a necessidade de criar seu próprio esti- Ao fm da entrevista, Emmanuel Grubisich Mon- teiro conclui que: “O rádio é um princípio impor- lo, sendo este uma descrição fotográfca, para que tante para os então narradores de televisão porque seu ouvinte pudesse criar uma imagem perfeita do possibilita que esses profssionais desenvolvam a campo e da partida. De acordo com Edileuza Soares capacidade de improvisação, uma agilidade de ra- (1994, p. 30): “Determinado a cumprir a decisão de ciocínio e a versatilidade.(2007, p. 13). flmar oralmente o jogo, o locutor é obrigado a nar- 2.4 Diferenças da narração rar em alta velocidade, enunciando os detalhes co- radiofônica e televisiva mo uma metralhadora de palavras.” O locutor de rádio tem grande importância na A narração radiofônica desfruta de diversas transmissão de uma notícia, partida de futebol, ou expressões populares para interagir com o seu ou- até mesmo de uma comicidade. A fala do locutor, o vinte. Conforme João Batista de Abreu, modo como ele transmite a informação, interfere na Primeiro o “homem da rua” cria novos signifcados forma como o ouvinte recebe a mensagem. Portan- para as palavras – “bola nossa”, “afunda mais”, “se to, cabe ao locutor criar uma narração envolvente manda, vai embora”, “descola uma jogada”, “ma- com vibração, ritmo, concisão e utilização de verbos, ta a jogada”, “primeiro gol acaba”, “parou, parou, interjeições e onomatopeias, para que através dessa, parou”. O rádio se apropria destas expressões, ab- sorvendo seu signifcado ou criando um novo e, ao o ouvinte possa criar uma imagem perfeita, como se incorporá-las ao discurso da narração esportiva, estivesse presente no local do ocorrido. potencializa seu efeito. (2001, p.3)

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Outras características, mas não menos impor- maior aproximação do torcedor com o local da partida. tantes, do locutor de rádio são a velocidade e o ritmo. Rocha Santos relata o fato citado anteriormente: Segundo João Batista de Abreu: “A musicalidade e o Por ser transmitida ao vivo, tem-se a impressão de ritmo veloz – mesmo quando a partida é disputada que, durante a transmissão da partida de futebol, a em ritmo lento – garantem uma emoção própria da distância espacial existente entre narrador/comen- narrativa e não do jogo em si.” (2001, p.5) Quando taristas e telespectador é reduzida, promovendo o jogo é rápido, o narrador precisa superar a velo- um efeito de proximidade, pois, o tempo presente da narração e o dos acontecimentos é o mesmo do cidade normal da fala humana, por exemplo, o já telespectador, ainda que este esteja em casa senta- citado Nicolau Tuma era conhecido como “Speaker do em seu sofá assistindo à partida. (2010, p. 38) Metralhadora”, devido ao fato de pronunciar até 250 palavras por minuto. A autora descreve ainda o duplo modo da organi- Enfm, cabe ao locutor o papel de estimular ao zação no discurso presente na narrativa futebolística: máximo a imaginação do ouvinte. Para isto, o nar- “Este oscila entre momentos de relato e de comentá- rador cria um estilo e uma forma de narração para rio, os quais se revezam e se complementam, duran- recriar a situação descrita através do uso de fguras te a enunciação dos acontecimentos.” (2010, p. 39) de linguagem e símbolos do rádio e atrair a atenção Portanto, a narrativa esportiva de futebol “implica a de sua “plateia”, garantindo sua audiência. descrição do processo da ação (‘o quê ?’), dos atores A informação transmitida através da televisão implicados (‘quem?’), do contexto espaço-temporal apresenta grande complexidade. Esta pode ser re- no qual a ação se desenrola ou se desenrolou (‘onde?’ presentada pelo complexo trabalho de unir imagem e ‘quando?’).” (CHARAUDEAU, 2006, p.153) e som, no caso, a flmagem e a fala, respectivamen- Pedro Silva Marra descreve a narração do fu- te. Cristiane Alvarenga Rocha Santos explica esta tebol feita na televisão: os locutores limitam-se a complexa atividade: dizer os nomes dos jogadores que estão com a bola e só se encarregam de realizar uma descrição mais As imagens que são vistas pelo telespectador apresen- detalhada dos lances durante os replays. No restan- tam uma orientação em termos de significado, pois, ao serem mostradas, são acompanhadas da fala de te do tempo, complementam a imagem, de acordo um ou mais jornalistas os quais imprimem um sig- com um estilo próprio, com informações sobre a nificado a elas (considerando, é claro, a situação co- partida, os times e o campeonato, com piadas ou municativa como um todo), seja simultaneamente ao momento em que são mostradas, seja a posteriori, co- com comentários pouco analíticos, muitas vezes mo no caso de uma notícia, por exemplo. (2010, p. 37) ecoando frases que poderiam ser escutadas na boca dos torcedores. (2010, p. 7) No início da era da televisão no Brasil, “a sua en- Utilizando a citação de Santos, conclui-se que: trada nos estádios era livre, a câmera era pesada e len- A complexidade, portanto, das transmissões televi- ta, sem acompanhar adequadamente a trajetória da sivas, como as narrativas esportivas de futebol, con- bola. (...) Com o passar do tempo, câmeras mais mo- siste em apresentar uma natureza múltipla na qual dernas foram desenvolvidas”, relata Monteiro (2007, p. encontramos diversos níveis expressivos envolvidos 7). A atual transmissão do futebol pela televisão ocor- (som, imagem, gestos, texto verbal, por exemplo) que, juntos, atendem a uma necessidade ou fnali- re, na maioria dos casos, ao vivo, causando assim uma dade: informar, entreter, dentre outras. (2010, p. 38)

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Conclusão

Sobre o rádio, surge a questão, será possível o outros gêneros encontrados nessas mídias. Inde- fm de um aparelho de transmissão tão antigo e que pendente do meio utilizado, televisão ou rádio, cada poderia ser substituído facilmente por um eletrôni- narrador cria seu próprio estilo, tem suas próprias co de tecnologia avançada? Pois bem, depois de ob- características e seu modo peculiar de transmitir a servar algumas mudanças ocorridas no rádio após informação para o seu ouvinte ou telespectador. o surgimento de novas tecnologias que ameaçaram Concluímos que, mesmo com o surgimento a existência do primeiro aparelho de transmissão de de novas tecnologias, o rádio não abre mão de sua informação no país, é quase inimaginável pensar existência e luta para continuar com um importante num futuro, pelo menos próximo, sem a existência papel entre os meios de comunicação. Logo, é quase desse aparelho tão tradicional. impossível pensar num futuro sem a presença do O rádio vem lutando a cada chegada de um no- rádio nas mídias. Cabe a este alterar-se e atualizar- vo aparelho para encontrar o seu lugar no estágio de se às diversas tecnologias que surgirão, como vem desenvolvimento tecnológico em que nos encontra- fazendo desde o século passado. mos desde o fnal do século XX. O veículo radiofô- Por fim, encontramos a relação entre o rádio nico se transforma e se ramifica sem perder seus e a televisão, feita através da importância do rádio ouvintes, logo, audiência. Pelo contrário, encontra na formação do narrador televisivo de futebol. O novos meios e maneiras de transmissão para ex- aparelho radiofônico tem um grande papel na for- pandir sua área de alcance e, assim, expandir seu mação do narrador, pois este aprende a improvisar, número de ouvintes. desenvolve o raciocínio rápido e a versatilidade pe- Ao se tratar do rádio e da televisão é possível culiares do rádio. Sendo assim, ao passar do rádio perceber uma forte ligação entre estes principais para a televisão, o narrador apresenta, na maioria meios de comunicação e transmissão de informa- dos casos, maior desenvoltura e facilidade em lidar ções – sejam notícias, esporte, música, entre tantos com as câmeras, por exemplo.

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161 162 Os patrocinadores do futebol

MAYARA JANCIS R IGOLO 3 a série C Resumo O objetivo deste trabalho é analisar o patrocínio massas. O trabalho também mostrará como as e sua infuência na atmosfera futebolística, ex- companhias contratam seus garotos-propagan- plorando como surgiu a importância desse es- da, e quais são as enormes consequências para porte para a sociedade atual e por que é vantajo- ambos os lados, exemplifcadas a partir de casos so escolhê-lo como meio de comunicação com as reais e contemporâneos.

Palavras-chave: Patrocínio, marketing, futebol, marcas, Neymar.

Abstract The goal of this report is to analyze sponsorship This work will also show how companies con- and its infuence football, exploring how it was tract their spnsorees and the biggest consequen- created, as well as the importance of football to ces for both sides, exemplifed through true and society and why it is a proftable mass medium. contemporary cases.

Keywords: sponsorship, marketing, football, brands, Neymar Os patrocinadores do futebol

Introdução

ste trabalho mostrará a conexão entre Assim se dá o início do patrocínio no futebol. futebol e o marketing promovido por Um estudo de Hatzidakis (2007), presidente empresas patrocinadoras desse en- da ABRADE (Associação Brasileira do Desporto tretenimento. Será feita uma análise, Educacional), reforça a ideia do patrocínio nesse a partir de estudos prévios de livros, esporte, ao confrmar uma maior fdelidade do tor- Esobre a importância do esporte para as companhias cedor ao seu clube a qual nenhum produto por si que investem nesse mercado. Assim, serão tratados consegue oferecer. Logo, um torcedor estaria mais tópicos como a importância do patrocínio e suas es- propenso a comprar um produto por este “perten- tratégias, abrangendo discussões sobre empresas e cer” ao seu time. Já o gerente de patrocínios do seus principais investimentos no meio futebolístico. clube Flamengo, Pozzi (1996), destaca que o patro- No Brasil, o futebol é o esporte mais procura- cínio esportivo funciona a partir do momento em do de todos, atraindo um público universal, ou seja, que a emoção e a competitividade do futebol são de todas as idades e classes sociais. Por essa fama transmitidas para o produto. descontrolada, muitas empresas visam patrocinar O patrocínio e a propaganda no futebol esti- jogadores, clubes, jogos e seleções mundiais com a mulam uma maior adesão do torcedor ao time de fnalidade de terem esse mesmo reconhecimento. preferência. Dessa forma, há uma maior circulação Esse processo funciona a partir do momento em de dinheiro no esporte, criando, por conseguinte, que, com uma maior visualização de sua marca, uma relação de dependência mútua do futebol e proporciona-se às empresas o aumento da venda de das empresas patrocinadoras, que refletirá numa seus produtos, tendo assim um gradual crescimento sociedade repleta de elementos desse esporte. Este no seu lucro. À medida que o capital dessa empresa trabalho, pois, se torna essencial para um melhor é ampliado, é possível expandir seu investimento a entendimento da mídia e dos investimentos que re- novos territórios, tomando proporções mundiais. fetem no meio futebolístico.

165 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

1. A história

1.1 O surgimento do futebol um time pode ser determinado por fatores ambien- Como o historiógrafo Orlando Duarte (2003) tais ou individuais, sendo eles, respectivamente, a retrata em seu livro “Futebol: regras e comentá- região juntamente à cultura atribuída ao local e a rios”, o futebol surgiu na Inglaterra no século XIV imagem gerada pela decisão, que contribuirá para no período regencial de Eduardo III. Porém, esse rei uma qualifcação vinda da comunidade à pessoa. proibiu o esporte, pois pretendia focar as principais Com base nisso, torna-se imprescindível re- manifestações esportivas no arco e fecha para ter tratar o futebol não como apenas um esporte, mas mais arqueiros para defender seu reino. O futebol sim como uma expressão cultural popular. Por só voltou a ser praticado livremente por militares e isso, muitas correntes econômicas e políticas es- marinheiros quando o rei Carlos II assume o trono tão ligadas a ele, de modo a favorecer uma posição da Inglaterra e decreta a liberação da prática desse diante desse esporte. esporte. Entretanto, ao contrário do que se esperava, após a morte de Carlos III, esse esporte fcou esque- 1.2 Diferença entre marketing e patrocínio cido pela população, que voltou a praticá-lo apenas Segundo o escritor Robert K. Skacel (1992), em 1840. Sua retomada deve-se principalmente à o marketing pode ser defnido como “a geração de iniciativa parlamentar de inserir esse esporte nas lucro através do gerenciamento dos recursos e ati- escolas públicas inglesas, e desde então, não falta- vidades que determinarão e satisfarão as necessi- ram mais jogadores, times e torcidas. dades e desejos das pessoas que compram produtos A partir da sua popularização na Inglaterra, o e serviços”. Sendo assim, o marketing fará com que futebol se expandiu para outras partes do mundo. a idealização presente na população seja voltada a Em 1872, esse esporte surge na França com as mes- certo produto, para que esse atenda as necessidades mas regras atuais e apenas na segunda metade do sociais e satisfaça o mercado consumidor. Também século XIX o futebol chega ao Brasil por intermédio prevê investimentos futuros da população para con- de marinheiros holandeses, ingleses e franceses. seguir manejar a sua produção e continuar com seu Entretanto sua prática pelos brasileiros se efetivou mercado consumidor. apenas em 1894, quando o inglês Charles Miller O marketing subdivide-se em alguns ramos, trouxe bolas, instrumentos e a cultura que permi- sendo um deles o marketing esportivo. Segundo a tiram aos brasileiros praticar o jogo. pesquisadora Anna Araújo (2002), esse ramo ba- No começo de sua história no Brasil, o futebol seia-se em aumentar o reconhecimento público de comportava partidas apenas entre as elites, mas por algum esporte e interligá-lo a um produto prove- falta de jogadores, se expandiu para o proletariado e, niente desse, envolvendo as empresas com o público, futuramente para todas as classes sociais. Em 1904 combatendo mutuamente as ações da concorrência. surge a FIFA, Federação Internacional do Futebol, Já o escritor Antônio Aff (2000) afrma que o que inseriu nesse contexto histórico a seriedade do marketing esportivo utiliza o esporte para alcançar esporte. Atualmente, o futebol é considerado o es- seus alvos, havendo duas maneiras de efetivação. A porte nacional e grande parte das famílias brasilei- primeira se relaciona diretamente ao esporte por me- ras tem conexões com ele, seja pelo gosto ao esporte, diação do marketing de mercadorias e serviços volta- seja pelas manifestações culturais que surgem por dos às preferências dos consumidores. Essa relação, causa do esporte, como a criação de estádios por por exemplo, acontece com os produtos ofciais dos meio de dinheiro público. times, como venda dos uniformes de jogadores prefe- De acordo com Mullin, Hardy e Sutton (2004), ridos. Já a segunda forma utiliza o esporte como meio o futebol é considerado a identidade cultural da po- para divulgar produtos que não têm relação direta pulação brasileira, sendo o time a representação com as atividades esportivas, e sim com a propagação pessoal de um indivíduo. O processo de adesão a de uma marca coerente e seus objetos de consumo,

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como acontece com os patrocinadores. so, já que segundo Cardia (2004), as empresas têm De acordo com Brenda Pitts e David Stotlar um acréscimo nas vendas, promoção, melhora da (2002), o patrocínio é diferente de marketing, pois reputação e a simpatia com o público. O esporte se são incentivos fnanceiros ou de produtos realizados encaixa nesse modelo por possibilitar atingir consu- por entidades ou pessoas físicas a fm de conceber o midores que têm estilos de vida compatíveis com o reconhecimento público da marca e de seus objetos público-alvo dos patrocinadores. de consumo. Entretanto, como Cornwell (1995) assu- Segundo os estudiosos Kotler e Keller (2006), me, o patrocínio não funciona separadamente de um as empresas realizam experiências e eventos para grupo maior de ideias e novidades e, consequente- consultar o público-alvo, para observar a compa- mente, o tempo que o consumidor levará até se iden- tibilidade de suas propostas e para intensifcar as tifcar com o patrocinador é maior do que o tempo de imagens de produtos oferecidas. identifcação a uma propaganda. Torna-se, portanto, Com essas atividades, as organizações patro- insistente o compromisso de um patrocinador, visto cinadoras tendem a criar uma padronização do que o projeto é mais longo do que uma propaganda. estilo de vida levado ao público, ao passo em que a O patrocínio é uma divisão do marketing, po- visibilidade da empresa se torna maior. Entretan- rém, seus enfoques são dispersos. O patrocínio é to, essas ocorrências não são estáticas, visto que as muito mais focado em uma ação de promoção per- companhias têm o objetivo de aperfeiçoar sua ima- manente, e o marketing é mais administrativo e gem, criando, assim, situações ao público em que há geral, podendo conduzir diversos clientes sem ne- diferentes sensações e experiências, mostrando um nhuma individualidade. comprometimento intenso delas. O patrocínio esportivo, de acordo com Schaf Com isso, há o entretenimento da maioria dos no- (1995), é o mecanismo de promover, através de es- vos clientes e a oportunidade de divulgar e vender o seu portes, os mercados de consumo. Para isso, cria-se objeto de consumo, se tornando uma realização total- a publicidade e o resultado se torna muito vantajo- mente favorecida pelo meio e pelo retorno financeiro.

2. O processo

2.1 Os benefícios de escolher competitividade comercial. o futebol para as companhias O futebol é o esporte com maior exposição nos O esporte nas sociedades atuais se encaixa nos meios de comunicação, de acordo com as pesquisas sentimentos de um cidadão e, por isso acarreta em de Plastina (2007). Isso ajuda a explicar o envolvi- um grande envolvimento pessoal, empresas inves- mento dos patrocinadores a esse esporte. De acor- tem capitais nele, a fm de um retorno inigualável, do com suas descobertas, esse esporte aparece mi- de acordo com Mullin, Hardy e Sutton (2004). diaticamente todos os dias do ano, fornecendo aos Segundo o autor Melo Neto (1997), a marca da patrocinadores uma enorme exposição, seja por empresa patrocinadora tem uma força conectiva ao reportagens, seja por eventos. Exposição que outros consumidor. Este, ao experimentar as sensações do esportes não conseguem ter por não serem os prefe- futebol, ligadas ao seu time favorito, por exemplo, ridos da população brasileira, em geral. constrói uma nova realidade associada ao padrão Benazzi e Borges (2009) separam os consumi- imposto pelos patrocinadores. Também, é investi- dores de objetos relacionados a esse entretenimento da a ideia de que a credibilidade e a autenticidade em três formas distintas, sendo eles os atletas, os criadas obrigatoriamente por um torcedor equiva- torcedores e os seguidores da moda esportiva ligada lem ao sustento dessa movimentação publicitária, ao futebol. Os torcedores são os alvos mais cobiçados incluindo assim, essa empresa a um nível maior de pela publicidade, sendo que as empresas os atingem

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ao passo em que existe um maior nível da qualidade ralmente recorrentes em entrevistas e coletivas do do produto. O inglês Donaton (2004) afrma que cabe time, que mostram o seu patrocinador ofcial. aos patrocinadores selecionar os times apropriados. Mullin, Hardy e Sutton (2004) complementam Segundo pesquisa realizada por Áurio Leocá- que a difculdades encontrada pelos patrocinadores dio, Ana Silvestre, Daniel Portela, Lia Nakajima e é que, justamente por os consumidores serem mui- Tais Ferreira (2006), as empresas patrocinadoras to emotivos, os seus comportamentos deverão ser recorrem a times de futebol que tenham abrangên- amplamente estudados para que haja a tomada de cia, visibilidade e regionalidade, portanto uma em- alguma decisão publicitária. A instabilidade nesse presa patrocinadora escolhe o seu time a fm de ob- meio é algo temível, porém algo controlável e ampli- ter um maior reconhecimento no mercado regional. ável comercialmente. Retomando essa ideia, Benazzi e Borges (2009) Em suma, o futebol abriga muitas empresas afrmam que as companhias publicitárias recorrem pela sua facilidade, exposição diante da um enor- a um time cujas “vitrines” sejam amplas, ou seja, me público-alvo e por receber ajudas de clubes que uma equipe glorifcada por muitas pessoas. Outro propagam a sua imagem e seu produto. Entretanto, fator importante para eles é a posição assumida pe- apesar dos benefícios, os processos judiciários são lo fã, isto é, o abarcamento e o comprometimento burocráticos e demorados, fazendo com que haja deste à sua equipe. Isso se deve principalmente por grande desistência de muitas empresas. ser o seu entrelaço que decidirá os hábitos de con- sumo da marca atribuída a sua turma preferencial. 2.2 Processo de adesão dos patrocinadores Exemplifcando, com uma maior satisfação do tor- aos clubes futebolísticos cedor ao seu referencial, a marca atribuída a ele será O patrocínio e as ações publicitárias no fute- promovida e desejada, ajudando na interação entre bol são sustentados no processo de licenciamento. esses dois fatores. Churchill e Peter (2005) acreditam que essa etapa Donaton (2004) também afrma a existência no futebol simboliza acordos entre organizações, de de muitos fatores no futebol que poderiam ser explo- modo a liberar a marca registrada para o mercado rados pelas marcas patrocinadoras. As vestimentas consumidor de um time. de jogadores, incluindo as suas chuteiras, as bolas e Conforme a pesquisa de Plastina (2007), para o próprio estádio em que serão realizados jogos são ocorrer à venda dos produtos ofciais de certo clube, revestidos por campanhas publicitárias que envol- as marcas patrocinadoras são obrigadas a realizar vem todo o aspecto emocional citado acima. Com o pagamento de um sistema conhecido como royal- isso, assim como o time, a marca envolvida nesse ties. De acordo com o Michaelis Moderno Dicioná- processo também passará pelos momentos de ten- rio da Língua Portuguesa (2004), essa palavra de são, alegria e pela jornada por que o time passou, origem inglesa significa “comissão entre proprie- ampliando a identifcação ao público-alvo. tário e usuário de uma patente industrial ou marca Cooperando com as empresas patrocinadoras, de fantasia, ou entre o editor e autor de um livro”, os clubes oferecem suportes também, agrupando um sendo então o pagamento obrigatório de um usuário maior número de interessados nessa mídia, segundo a uma patente que ele utiliza como espaço midiático. Plastina (2007). Esses podem realizar as chamadas Complementando a sua pesquisa, Plastina (2007) propriedades de relacionamento, a área viabilizada afrma que os royalties ocorrentes no Brasil variam pelos clubes para aumentar as relações entre clien- entre 6 e 15% do valor das vendas de produtos licen- tes e fornecedores, ou as propriedades de visibilida- ciados por um clube futebolístico. de, que visa mudar a aparência do jogador para esse De acordo com Revoyr (1996), essas atividades se tornar cada vez mais relacionado às marcas que financeiras devem ser ligadas diretamente a um estão em contrato com a associação. Esse ramo não projeto de marketing, em que o licenciamento deverá é estático ao físico do jogador, logo pode ser encon- lidar com a proteção, a promoção e o lucro que uma trado até mesmo nos backdrops, painéis que são ge- empresa gera a outra envolvida. Sendo assim, as com-

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prometidas deverão lidar com o mercado do próximo, dita tendências. O termo Indústria Cultural, criado protegendo e ajudando suas interações com o público. por Theodor Adorno e Max Horkheimer expressa o A partir disso, essas marcas deverão organizar-se a modo em que as indústrias e empresas conseguem fm de projetar as metas e incrementar os processos manter um monopólio social em época em que as fnanceiros por meio dos royalties que, consequente- pessoas se baseavam em imagens, consumo e rique- mente, deverão ser aplicados intensamente. zas. Esse termo foi criado em anos passados, mas é A partir desse projeto, o licenciamento torna-se contemporâneo por ainda refletir uma sociedade a compatibilidade entre os produtos oferecidos e as atual. Dessa forma, é compreensível o projeto midi- empresas colaboradoras. Os patrocinadores, antes ático em relação a jogadores e suas formas. de concluírem seus contratos, apresentam a previsão As características dominantes são aquelas que dos lançamentos de produtos, sendo complementa- seguem padrões exigidos por esses superiores, en- da pela companhia que os recebem, já que, a partir quanto o grupo diferenciado desses moldes segue disso, esses irão recorrer a um público específco que excluído do meio publicitário. No futebol, segundo aprovará ou não as vendas. Por conseguinte, esses Schaf (1995), um exemplo concreto disso é a mu- produtos passarão por revisões e por aperfeiçoamen- dança corporal por que um atleta futebolístico pre- tos, sendo, só assim, as vendas ofciais liberadas. cisa passar ao decorrer dos anos. Um jogador da dé- Com devidas burocracias em relação ao li- cada de 50 não precisava ter tanto porte quanto um cenciamento, Revoyr (1996) completa que existem jogador atual, já que seus méritos eram principal- inúmeras marcas pirateadas ao redor da América mente conseguidos através de resultados dos jogos. Latina, justamente pelo consequente encareci- Atualmente, os jogadores com melhores condições mento desses produtos, o qual não é compatível físicas são preferíveis ao patrocínio pela sua popu- com o baixo poder aquisitivo da população. Sendo larização ser evidente e por possuírem o físico ideal assim, essas marcas que fazem o uso inapropriado que as pessoas desejam. de marcas registradas apresentam-se como grandes De acordo com o pesquisador Franco (2012), concorrentes e problemas para os licenciados, ainda para os jogadores, essas estratégias publicitárias se mais no Brasil, onde a regulamentação dos proces- tornam atrativas por eles saírem de suas rotinas e sos pode ser corrompida, forjada e inconclusiva. recorrerem a novos espaços de trabalho. Também, como o patrocínio e a publicidade são atividades que 2.3 O jogador e sua publicidade interagem com a mídia, a fgura do jogador é expos- De acordo com Le Breton (2007), a expressão ta como algo importante, podendo infuenciar em do corpo de um indivíduo é construída pela sua sua escalação posterior para um time de grande im- capacidade social. Portanto, o resultado corpóreo portância ou até na supervalorização de seu contra- advém de relações e interações com o meio, criando to. Sendo assim, o valor econômico do corpo desse grande relevância para a sua imagem, a qual pode profssional será promovido, seus ganhos pessoais ser requerida de diversas maneiras cotidianamente. aumentarão e o mercado de consumo dos patroci- A cultura dominante de determinada época nadores será incrementado.

3. Estudo de caso

3.1 Neymar e Lupo tavam. O jogador Neymar mostrou repetidamente Em maio ocorreu uma inusitada situação du- sua cueca da Lupo, marca que representa como ga- rante partida de futebol pela Liga dos Campeões, roto-propaganda (fgura 1). enquanto Barcelona e Atlético de Madri se enfren-

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Depois da derrota inesquecível da seleção bra- sileira para a seleção alemã que excluiu o Brasil da fnal na Copa do Mundo em sua casa, mudaram os patrocinadores dos brasileiros. A montadora alemã Volkswagen deixou de ser a patrocinadora ofcial da seleção brasileira, entrando em seu lugar a GM, General Motors Corporation. A saída nessa data já estava prevista desde o início do contrato, sendo que o faturamento da entidade ape- nas provindo do patrocínio é de 278 milhões de um total de 452 milhões de reais, segundo uma pesquisa Figura 1: Neymar mostrando sua cueca Lupo no jogo pela Liga dos Campeões.1 da Globo News. O acordo com o novo patrocinador deve per- A sua assessoria de imprensa nega o marketing en- manecer por cinco anos e será priorizada a ideia volvido, afrmando que, por ganhar muitas roupas de renovar a imagem de invicto do time brasileiro, íntimas de graça, o jogador resolveu usá-las. Entre- fazendo parte de uma campanha que gerou mais tanto, fontes próximas ao atleta afrmam que tudo de 300 milhões de reais para a CBF (Confederação não passou de uma jogada publicitária. Brasileira de Futebol) com o slogan: “Encontre no- Com a grande audiência do jogo, a Lupo co- vos caminhos”. memorou sua grande visibilidade, que ultrapassou A empresa pretende investir no país do futebol três milhões de consumidores apenas na Grande mais de 6,5 bilhões de reais, incluindo a distribuição São Paulo. A infuência do craque culminou numa de bolas para comunidades carentes. Outra partici- maior visibilidade do fabricante, maior atenção e até pação importante será o patrocínio do time brasi- maiores lucros oriundos da vontade do consumidor leiro nas Olimpíadas de 2016 e na próxima Copa do de se sentir próximo e parecido, mesmo que no visu- Mundo, na Rússia em 2018. Em troca, a GM espera al, com o jogador brasileiro. espalhar a sua marca em lugares inéditos, fazendo A FIFA (Federação Internacional de Futebol) e com que o seu lucro e sua importância nesses luga- a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) restrin- res também se concretize. gem qualquer tipo de propaganda nos jogos sem au- No site ofcial da CBF, a GM está representada torização, sendo assim, a ação de Neymar poderia pelo logo de seu portfólio Chevrolet. E tem como resultar em multas e em punições que o impossibi- companhia outras marcas que também são patro- litariam de jogar nas próximas partidas. cinadoras da confederação, como Nike, Banco Itaú, Um caso muito parecido ocorreu com Nicklas Vivo, Guaraná Antártica, Sadia, MasterCard, Sam- Bendtner, que foi suspenso de jogos e teve que pa- sung, Nestlé, Hipermercado Extra, Gilette, Gol, En- gar multa após mostrar o logotipo em sua roupa glishTown, Seguros Unimed (fgura 2). íntima também. A partir desse caso, percebe-se a dependência A polêmica de Neymar está diretamente relacio- mútua entre o patrocinador e uma entidade, já que nada com o marketing esportivo, já que uma marca, a a última precisa de dinheiro para se sustentar, en- Lupo, utilizou o esporte ou uma referência esportiva, quanto o primeiro precisa de novos espaços para se o Neymar, para atingir seu alvo, os telespectadores fxar na esfera desejada. Ambos os lados se benef- que assistiam ao jogo. Como consequência, a Lupo ciam na medida em que o patrocinado oferece o pú- ganhou novos seguidores, parceiros e consumidores. blico-alvo requerido pela marca, e a marca oferece estabilidade econômica, fnanceira e social para o 3.2 Patrocinador da Seleção Brasileira patrocinado. No caso, a CBF realizará eventos, co-

1. Disponível em:< http://f.i.uol.com.br/fotografa/2014/04/15/383916-970x600-1.jpeg>. Acesso em 14 de outubro de 2014

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brirá seus gastos e se disponibilizará em função da patrocinadora ofcial da seleção”, cargo que permite Chevrolet, enquanto ela será reconhecida como “a que uma nação inteira a reconheça como marca.

Figura 2: Patrocinadores da CBF.

Conclusão

Os assuntos estudados nesse trabalho eviden- companhia necessita. ciam a importância da mídia nas relações fnancei- Para o escolhido a ser garoto-propaganda, es- ras, pessoais e políticas. Entretanto, é de extrema se ramo do marketing também é favorável devido à importância que as áreas de atuação sejam diferen- instabilidade da carreira esportiva e de sua fortu- ciadas, visto que elas agem em diferentes contextos na, que podem sofrer variações. Com uma maior e com diversas estratégias. aparição midiática, é esperado que os espectadores Esse trabalho abordou principalmente as áre- notem a presença ou ausência do atleta, procuran- as de atuação do patrocínio, o qual é um elemento do ter sempre um contato com ele, fazendo com que fundamental para estabelecer interações entre mar- seja menos provável a decadência de sua carreira. cas e movimentos. O futebol, por sua popularização Também, de acordo com sua popularidade, o salá- global, é um dos interesses favoritos dessas compa- rio provindo de uma propaganda é muito alto, o que nhias publicitárias, se tornando assim, um esporte torna a oferta mais promissora ainda. muito cobiçado e disputado por elas. O patrocínio requer muito tempo e espaço pa- Baseado em fatos ocorridos com o Neymar e ra conseguir o seu melhor retorno. Devido à demo- a seleção brasileira de futebol percebe-se que o pa- ra, muitas empresas desistem de se engajar social- trocínio é o impulso para a quebra das barreiras do mente por não terem sagacidade de investir numa desconhecimento da marca, fazendo com que ela se personalidade ou evento influente, se tornando torne infuente e necessária para o bem-estar social assim, apenas mais uma companhia. A aliança do grupo consumidor. Jogadores, técnicos, clubes do patrocínio ao esporte mais popular no Brasil, o e seleções renomados são os principais alvos para futebol, se torna indispensável para uma empresa virarem propaganda, já que eles tendem a atrair ambiciosa, já que o seu crescimento no sistema ca- um público específco que é condizente com o que a pitalista será colossal.

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172 Coração do atleta: especifcidades e problemas relacionados

REBECA MEIRELES 3 a série C Resumo O objetivo deste trabalho é explicar a síndrome adaptação sofrida pelo mesmo. Não obstante do “coração de atleta”, nome dado ao conjunto essa explicação, este trabalho tem o intuito de das alterações cardíacas morfológicas em decor- conscientizar aqueles que não associam o es- rência da intensa prática esportiva, analisando porte às possíveis complicações, como também suas causas e consequências; por meio de um de que, diferentemente de outras patologias, essa estudo primário sobre a estrutura e o funciona- síndrome é reversível com a interrupção da ati- mento do coração, seguido da pesquisa sobre a vidade física intensa.

Palavras-chave: coração, “coração do atleta”, futebol, atividade física, hipertrofa cardíaca, enfarto.

Abstract The goal of this report is to explain the “athlete’s one’s organism. Notwithstanding this expla- heart” syndrome, name given to the set of mor- nation, this report is intended to educate those phological cardiac alterations that result from who don’t consider the sport’s possible compli- intense sports pratice, analyzing its causes and cations, while also taking into consideration the consequences, through a primary study of the fact that, unlike other diseases, this syndrome is heart’s structure and functioning, followed by reversible through the interruption of strenuous research about this adaptation as suffered by physical activity.

Keywords: heart, “athlete’s heart”, football, physical activity, cardiac hypertrophy, heart attack. Coração do atleta: especificidades e problemas relacionados

Introdução

ste trabalho trata sobre o coração do primeiro capítulo será explicada a anatomia, que é o atleta. Mais concretamente sobre suas campo da medicina que estuda a organização estru- especifcidades em relação ao coração tural do corpo humano, e a fsiologia do coração, que da população em geral, devidas à rea- estuda o funcionamento do mesmo. Será comentado lização do esporte de forma intensiva sobre o funcionamento do ciclo e débito cardíacos, Ee por um período de tempo longo. Também aborda frequência cardíaca e estruturas que compõem o os problemas que essas mudanças ocorridas no ór- órgão; aspectos fundamentais para o entendimento gão podem acarretar à saúde do esportista. Outro do tema proposto. aspecto versado é a análise de alguns casos de morte No segundo capítulo, o coração do atleta será súbita no campo de futebol, decorrentes de malfor- descrito, apontando as principais particularidades mação cardíaca congênita ou adquirida juntamen- deste, e especifcando quais aspectos desse órgão ne- te com a hipertrofa cardíaca, que é responsável por cessitam mudar em decorrência da prática esportiva. aproximadamente um terço dos casos de morte no Posteriormente à explicação dessas particula- futebol, e que será explicado no desenvolvimento da ridades, no terceiro capítulo há a defnição dos pro- pesquisa. (THUNENKOTTER, 2010) blemas causados pelo exercício físico no coração, O objetivo deste trabalho é conhecer e entender como já citados antes, explicando-se como ocorrem as diferenças entre patologias já existentes no atleta e também o que, juntamente com eles, pode levar à – que são irreversíveis e potencialmente fatais – e morte do atleta, neste caso, do futebolista. a adaptação sofrida pelo indivíduo, que é reversível Como quarto item da pesquisa, serão analisa- com a interrupção do exercício. Este trabalho é de dos alguns casos de morte súbita em atletas, cau- extrema importância levando em consideração o sada, sobretudo, pelas modifcações do coração do crescente aumento do número de mortes súbitas atleta e/ou por patologias cardíacas assintomáticas. no campo de futebol, que embora sendo um evento Por último, há a conclusão da pesquisa. raro, é um tema mundialmente discutido, uma vez Como metodologia, será utilizado o levantamen- que a maioria das pessoas associa o esporte direta- to de dados por pesquisas já realizadas a respeito do mente à saúde, esquecendo-se de que o mesmo pode tema, artigos acadêmicos, livros de anatomia e fsio- trazer riscos à vida do praticante. logia e reportagens, para busca de dados estatísticos A pesquisa estará organizada em três capítulos. como tabelas relacionando o número de atletas com No primeiro será apontada, em linhas gerais, a vi- a quantidade de casos de morte de causa cardiovas- são cardiocêntrica, que via o coração como o centro cular; por fm, ao longo da pesquisa serão utilizadas das emoções humanas, fonte de sabedoria, paixões imagens para um melhor entendimento do funciona- entre outras coisas. (GALLIAN, 2008) Ainda no mento do coração normal e do coração do atleta.

175 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

1. Coração

1.1 Futebol e medicina essa perspectiva cardiocêntrica estava presente, “O futebol é um esporte conhecido e praticado uma vez que o termo “kardia” referia-se a todo o em âmbito mundial, com mais de 260 milhões de universo de ações que identificavam o indivíduo, jogadores registrados.” (KRAMER, 2010, p. 542) desde sentimentos como a paixão até a inteligência. Trazido ao Brasil pelos ingleses, nos seus primór- O primeiro a destituir essa visão foi Platão, alegan- dios, era um esporte da elite, sendo terminante- do ser o cérebro o centro da alma humana e de sua mente proibida sua prática por negros. Ao decorrer intelectualidade. (GALLIAN, 2008) do tempo, foi sendo popularizado até que ganhou o Ao longo da história, em diversos momentos, espaço que tem hoje no Brasil e no mundo. A pre- o órgão voltou a ser visto como o centro do corpo ocupação relacionada ao esporte não se dá apenas humano e, somente na segunda metade do século quanto à decisão fnal de um campeonato, mas tam- XVII, flósofos como Locke e Bonnet estabeleceram bém quanto aos riscos que este pode trazer à saúde as bases para o que mais tarde foi confrmado pe- do jogador, tanto profssional como amador, já que, lo avanço tecnológico da neurociência: o cérebro é cada vez mais, o futebolista vai até os limites do seu o responsável pela individualidade e outros aspec- corpo, para ter melhores desempenho e performanc- tos, e o coração é o órgão que pode ser visto como Nesse aspecto, a medicina está ligada ao futebol por a “bomba biomecânica”. Tal visão foi corroborada ser a ciência que estuda, realiza pesquisas, prevê, pela ciência. (GALLIAN, 2008) diagnostica e trata doenças, assim como mantém As diversas discussões a respeito do coração a saúde humana, portanto a saúde do jogador. O co- nos mostram a sua importância, séculos atrás nhecimento médico, estando sempre em constante cientistas e filósofos se preocupavam em enten- construção, modificação e, sobretudo, ampliação, der e explicar a relevância desse órgão, visto como demanda um indexamento por áreas, dentre as fundamental para o funcionamento do organismo. quais, a medicina esportiva vem se destacando cada Atualmente, com o avanço da medicina, é possível vez mais ao longo do tempo, acompanhando sempre entender o verdadeiro trabalho do coração. o crescimento dos diversos esportes. De fato, a medicina esportiva é o campo que 1.3 Anatomia do coração se preocupa com o condicionamento físico do atle- O coração é o principal órgão do sistema car- ta e com o diagnóstico, tratamento e prevenção de diovascular. Sua função é bombear o sangue oxige- problemas causados pela realização do exercício, nado (arterial) para todo o corpo, e fazer com que o tais como lesões, traumas ou patologias, como os sangue pobre em oxigênio (venoso) retorne para o problemas cardíacos. O futebol, por ser um esporte coração e receba o gás ao regressar para os pulmões. que demanda de seus praticantes um desempenho Localizado na cavidade torácica, entre os pul- admirável, acarreta em mudanças perceptíveis no mões e atrás do esterno (osso do peito), tem apro- corpo e na saúde deles. ximadamente o tamanho de um punho fechado, cerca de 12 cm, e em média pesa 300 gramas. (LO- 1.2 A visão cardiocêntrica PES, 2008, p. 719) Nem sempre o coração foi visto somente como O coração, na verdade, é constituído por duas o órgão responsável pela circulação do sangue pelo bombas que trabalham em conjunto: a direita bom- corpo. No passado, diversas civilizações, como a beia o sangue para os pulmões, e a esquerda bom- egípcia e a grega, acreditavam que o coração era o beia o sangue para os órgãos periféricos. Cada uma órgão responsável pelas emoções humanas, fonte dessas bombas é composta por um átrio e um ven- da sabedoria, memória, vontades, paixões e senti- trículo (Figura 1). Aquele é responsável pela movi- mentos. Em textos flosófcos como os de Homero mentação do sangue para o ventrículo, e o segundo é (900 a.C.), Hesíodo (750 a.C.) e Ésquilo (500 a.C.), responsável pela força necessária para que o sangue

176 Coração do atleta: especificidades e problemas relacionados

fua para a circulação pulmonar, no caso do ventrí- Superior Aorta Pulmonary Vena Cava Artery culo direito, e para a circulação periférica, no caso do ventrículo esquerdo. Como a pressão arterial é muito maior na circulação aberta (coração para o Pulmonic corpo, mutuamente) do que na circulação fechada Valve Pulmonary veins (coração para o pulmão, reciprocamente), o ven- Right Left Atrium Atrium Aortic Value trículo esquerdo trabalha mais do que o ventrículo Mitral Value direito. Por essa razão, a parede do primeiro chega Tricuspid a ser três vezes mais espessa do que a do segundo. Value Reiterando, os átrios são as câmaras de re- Left Ventricle cepção responsáveis por bombear o sangue para as câmaras de ejeção, que por sua vez irão contrair-se Inferior Figura 1: para que haja a expulsão do sangue oxigenado para Vena Cava Diagrama evidenciando os tecidos; e de acordo com a necessidade, as câma- Right Ventricle um ciclo cardíaco.1 ras são mais ou menos espessas. O músculo cardíaco é responsável pela contração 1.4 Fisiologia do coração ventricular, a qual proporciona o movimento de ejeção O conjunto de eventos que acontecem desde do sangue dos ventrículos, devido a um movimento de o início de um batimento cardíaco até o início do torção. Ademais, o epicárdio, membrana visceral que próximo é denominado de ciclo cardíaco. Esse ciclo cobre a superfície externa do coração, também realiza é compreendido por um período de relaxamento sua contração, estreitando e encurtando o órgão. Am- (diástole) e um de contração (sístole). No início, o bos os movimentos reduzem o volume das câmaras coração enche-se de sangue e há a abertura das vál- ventriculares, ejetando o sangue. O movimento de vulas tricúspide e mitral até que haja o enchimento relaxamento dessas duas estruturas, ou seja, o mo- ventricular, no momento da diástole. Depois do fe- vimento inverso, no qual tanto o miocárdio como o chamento dessas válvulas, o músculo do ventrículo epicárdio cessam sua contração e relaxam, leva a um contrai-se, empurrando o sangue para as válvulas aumento de volume do ventrículo, que recebe o sangue pulmonar e aórtica, no momento da sístole. (Figura presente no átrio. (MOORE, 2002, p. 132) 2) (SANTOS, 2012)

Válvulas Válvulas Válvulas seilunares seilunares seilunares abertas fechadas Entrada fechadas de sangue

Válvulas Válvulas Válvulas aurículo- aurículo- aurículo- ventriculares ventriculares SÍSTOLE ventriculares SÍSTOLE abertas DIÁSTOLE abertas AURICULAR abertas VENTRICULAR

Figura 2: Representação do ciclo cardíaco.2

1. Diponível em: Acesso em: 20 de março 2014. 2. Disponível em: Acesso em: 20 de agosto 2014.

177 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

Sendo o responsável pela circulação do oxigê- mo estresse, emoção e atividade física. Não somente nio em tecidos e órgãos do corpo todo e pelo trans- a frequência cardíaca é alterada na atividade física, porte de nutrientes, esse órgão tem seu trabalho al- como também o débito cardíaco, que é o volume de terado dependendo da quantidade de gás oxigênio sangue ejetado por minuto. No repouso, a frequên- de que o organismo necessita em um determinado cia cardíaca varia entre 50 e 80 bpm (batimentos momento. Por essas razões, a frequência cardíaca, por minuto) e o débito cardíaco é em média de 5 a que é o número de vezes que o órgão bate por minu- 6 litros de sangue por minuto, variando de acordo to, é alterada em função de diversos fatores tais co- com as condições físicas e psicológicas do indivíduo.

2. O coração do atleta e suas especifcidades

Coração de atleta é o nome dado ao conjunto de latação do ventrículo esquerdo, que como já mencio- alterações morfológicas resultantes da realização nado, é responsável pelo bombeamento de sangue intensa e prolongada do exercício físico. Entre essas na circulação aberta (para os tecidos periféricos). alterações pode ser citada a hipertrofa cardíaca e o As adaptações ocorrem na estrutura do coração e consequente aumento da massa do coração. Todas também em seu funcionamento, uma vez que para as modifcações têm o intuito de aumentar a efciên- o coração trabalhar de maneira mais efcaz, suas pa- cia da função cardiovascular, e consequentemente redes engrossam, ou seja, há um aumento na massa melhorar o desempenho físico durante a prática do do órgão e no diâmetro interno, tornando-o mais esporte. Essas características surgem em cerca de forte para suportar o trabalho que lhe é necessário 50% dos atletas de alta performance, como futebo- para manter o condicionamento e desempenho do listas, porém não chegam a atingir níveis conside- atleta durante uma partida de futebol. rados fora do padrão. (FERREIRA, 2010, p.20) A imagem abaixo ilustra, de maneira simplif- A hipertrofa cardíaca é caracterizada pela di- cada, o coração hipertrofado:

HYPERTROPHIC CARDIOMYOPATHY

Right Atrium Left Atrium

Right Ventricle Left Ventricle

Interventricular Septum

NORMAL HEART HYPERTROPHIED HEART

Figura 3: Ilustração do coração com hipertrofia cardíaca. A comparação com um coração normal demonstra a diferença fisiológica causada no órgão de um atleta.3

3. Disponível em: Acesso em: 17 de abril de 2014.

178 Coração do atleta: especificidades e problemas relacionados

A hipertrofa normalmente ocorre no organis- têm modificações significativas na fisiologia do mo que tem necessidade de um aumento na carga órgão. O débito cardíaco de um maratonista, por de trabalho do coração, para assim poder suprir o exemplo, aumenta aproximadamente 40% se com- volume de sangue necessário que deve ser bom- parado ao de uma pessoa destreinada, e com isso, beado para que o sistema funcione corretamente. o órgão pode ejetar perto de 10 litros de sangue por (GUYTON, 2011, p.1099) Em estudos realizados, minuto. Não obstante, a frequência cardíaca pode percebeu-se que o valor médio da massa cardíaca chegar a 180 bpm (batidas por minuto) em uma pes- em atletas foi de 249 gramas, enquanto em indiví- soa de 20 anos não atleta, enquanto que em um ma- duos não atletas foi de apenas 174 gramas. (FER- ratonista, essa frequência diminui, pois seu coração REIRA, 2010, p. 21). conseguirá bombear mais sangue a cada ciclo, tendo Praticantes de futebol, assim como de outros menos batidas por minuto, porém um maior volume esportes que exigem alta performance do coração, de sangue expelido. (GUYTON, 2011, p. 1103)

3. Atividade física

3.1 Hipertrofa cardíaca e a atividade física Embora a atividade física esteja diretamente CARDIOVASCULAR CAUSES OF SUDDEN ligada à saúde, e a falta dela seja um dos fatores pa- DEATH IN YOUNG ATHLETES

N

O ra o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, ormal heart 3%

ther 3% O é necessário que haja um acompanhamento ther congenital H médico quando esta é realizada profssio- Ion channelopathies 3% nalmente, pois juntamente com altera- Aortic rupture 2% Sorcoidosis 1%

ções favoráveis à saúde do praticante, D ilated C-M 2% D podem ocorrer mudanças que se não 2% forem acompanhadas podem acar- AS 3% retar em problemas cardíacos e, CA em casos extremos, levar à mor- D 3% HCM 36% te. (HOOD, 1999, p. 1) Ou seja, Tunneled LA cuidados de saúde são essenciais D 3% para otimizar os benefícios do 4% exercício e também para mini- MVP mizar os pequenos, porém graves VC 4% riscos associados à atividade. AR Entre as causas de morte re- pentina em atletas, a hipertrofia Indeterminate cardíaca é responsável por 36% dos Miocaditis 6% LVH - possible casos, que, no futebol, ocorrem com HCM 8% Coronary Artery maior frequência em atletas da meia-idade anomalies 17% (35 a 58 anos) do que naqueles de menor faixa etária. Na maioria das ocorrências, a hipertrofa cardíaca apresenta-se de maneira assintomática, Figura 4: Gráfico apontando as principais causas de morte súbita em portanto, sem um acompanhamento médico, po- atletas e suas respectivas porcentagens em um grupo de 690 atletas4.

4. Disponível em: . Acesso em 14 de abril de 2014.

179 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

de não ser diagnosticada durante toda a vida. (BO- partida). Alguns dos casos de enfartamento que NOW, 2005, p. 1788) ocorreram em campo e que tiveram grande reper- A associação da hipertrofa com o intenso exer- cussão na mídia foram do jogador brasileiro Ser- cício e morte súbita de atletas foi uma das bases que ginho, durante uma partida entre São Caetano e levou à recomendação, dada durante uma conferên- São Paulo (Campeonato Brasileiro 2004) e do fute- cia médico-esportiva no ano de 2011, de desqualif- bolista Marc-Vivien Foe durante a Copa das Con- car os jovens atletas que apresentem essa alteração, federações de 2003, na partida entre Camarões e visando reduzir os riscos de acidentes em campo, e Colômbia. Em ambos os casos, durante a autopsia conscientizando que embora o esporte moderado tra- foi detectado que os futebolistas apresentavam um ga diversos benefícios, o treinamento intensivo pode problema congênito, a cardiomiopatia hipertrófca, estar associado com mudanças na estrutura e função caracterizada pelo aumento da cavidade esquerda do coração. (HOOD, 1999, p. 1) O gráfco da fgura 4 do coração, e também a hipertrofa cardíaca causa- aponta a hipertrofa como principal causa de morte da pela síndrome do “coração do atleta”, que pode súbita em jovens atletas. ser considerada como uma das principais causas de morte súbita em atletas, segundo Mauro A. 3.2 Casos de enfartamento em atletas Freitas et al., uma vez que pode diminuir o fuxo Enfartos em atletas são raros, porém é neces- sanguíneo ou a oxigenação do músculo cardíaco, sário saber quais as adaptações sofridas pelo or- acrescendo as chances de o atleta apresentar ar- ganismo para um melhor desempenho no esporte ritmias. Esse problema, juntamente com a alta como também para um acompanhamento médico performance do coração durante o esforço físico, adequado durante a realização da atividade física. levou, nas duas ocorrências, à parada cardíaca, e Por conseguinte, é preciso saber diferenciar essas posteriormente à morte. adaptações de patologias já existentes antes da Felizmente, com a conscientização de que a prática esportiva, que são irreversíveis e potencial- atividade física intensa e contínua está associada mente fatais, enquanto no coração do atleta há uma ao agravamento de problemas cardíacos, muitos adaptação reversível com a interrupção do exercício. jogadores tiveram suas vidas poupadas, já que em Nos Estados Unidos, com cerca de 10 a 15 milhões exames preventivos, tais como o eletrocardiograma, de atletas, o número de mortes por causa cardiovas- foram detectados problemas como arritmias, pos- cular durante o exercício é inferior a 300 casos por sibilitando um melhor acompanhamento médico, ano. (FERREIRA, 2010, p. 7) Porém, segundo dados e em alguns casos, como o do lateral do Corinthians da FIFA5 (CARPES, 2012) o número de jogadores Filipe Alvim, o afastamento do futebol profssional que sofreram morte súbita no meio do campo, foi no ano de 2004. (FREITAS, 2011, p. 8) acima de 84, entre 2008 e 2012. O risco de morte Com o crescente aumento do número de ca- súbita é duas vezes e meia maior em atletas do que sos de mortes súbitas no campo de futebol, a FIFA, em indivíduos sedentários, não pelo fato da prática durante a Copa do Mundo da Alemanha em 2006 do esporte, mas sim pelo estresse psicológico e fsio- desenvolveu e implementou um mapeamento car- lógico a que estão sujeitos os futebolistas e basque- diovascular antes da competição, para assim, poder tistas, por exemplo. (FERREIRA, 2010, p. 26) detectar qualquer risco de morte por alguma causa Apesar de toda estrutura e acompanhamento cardíaca. Esse mapeamento consiste em realizar médico que os clubes de futebol possuem, muitos periodicamente o exame eletrocardiograma, pois é jogadores já foram vítimas de parada cardíaca capaz de detectar, em 90% dos casos, a hipertrofa durante uma partida de futebol, e na maioria dos cardíaca, através de alterações no ciclo cardíaco do casos, houve o óbito do praticante (90% das mortes atleta, que também é submetido a outros tipos de súbitas em atletas ocorrem durante ou logo após a análise. (CHANDRA, 2013) A partir dessa imple-

5. Fédération Internationale d e Football

180 Coração do atleta: especificidades e problemas relacionados

mentação, percebe-se a preocupação geral de or- importância de se ter um acompanhamento médico ganizações como FIFA ou até mesmo de pequenos adequado para a realização da atividade física prati- clubes para com a saúde do jogador, como também a cada profssionalmente. (CARPES, 2012)

Conclusão

A atividade física realizada de maneira prolon- mas cardíacos congênitos. gada e intensa acarreta em diversas alterações ana- Todavia, é imprescindível que haja a consciên- tômicas e funcionais no coração. O conjunto dessas cia de que o coração do atleta não é um problema, e modifcações recebe o nome de coração do atleta, e sim uma adaptação necessária à prática esportiva, ocorre em aproximadamente 50% dos praticantes de e que fatos de enfartamento como os citados ao lon- esportes, entre os quais, encontram-se futebolistas go da pesquisa não estão em predominância em como Serginho, jogador brasileiro, e Marc-Vivien meio aos atletas. Além disso, é necessário discernir Foe, de Camarões. Esses futebolistas sofreram, no o que é uma adaptação decorrente do esporte, do meio de uma partida de futebol, um enfarto, em que é uma patologia existente previamente à rea- consequência dessas alterações, das quais pode-se lização do mesmo. citar a hipertrofia cardíaca, que juntamente com Contudo, percebe-se a importância de se reali- outras predisposições para possíveis problemas car- zar um efetivo acompanhamento médico com fute- díacos encontradas nos jogadores, levou-os ao óbito. bolistas e com atletas de alta performance, como a re- Dados de diversas pesquisas apontam para o fato de alização de exames periódicos e antes de cada partida que a hipertrofa cardíaca, a principal característica de futebol, pela equipe médica de empresas e clubes da síndrome do “coração do atleta”, é a responsável futebolísticos, para que se possa prevenir futuros pro- por aproximadamente 1/3 dos casos de morte súbita blemas à saúde do praticante e até mesmo poupar a em atletas quando é acompanhada de outros proble- vida de diversos ídolos do nosso futebol mundial.

181 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

Referências

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182 Psicologia do esporte no futebol

RENATA OLIVEIRA DE ALMEIDA 3 a série C Resumo O objetivo deste trabalho é analisar a ne- diferentes tipos de manifestações psicológicas. cessidade do estudo da psicologia e principal- A abordagem de modos e técnicas para reverter mente da Psicologia do Esporte, focado em co- situações de risco geradas pelas manifestações mo o emocional de um jogador de futebol pode será igualmente apresentada, proposta por psi- influenciar em seu desempenho durante um cólogos e flósofos renomados. Dessa forma, os jogo ou campeonato. Serão dados, também, estudos discutidos aqui têm como objetivo ex- exemplos de possíveis fatores que comprome- por a melhor qualidade de vida de profssionais tem o exercício do profssional, demonstrando se amparados pela psicologia.

Palavras-chave: Psicologia do Esporte, futebol.

Abstract The objective of this study is to analyze manifestations. The approach of methods and the need of study of psychology and especially techniques to reverse situations of risk genera- the psychology of sport, focused on how the ted by the manifestations will also be presented, emotional of a football player can infuence its proposed by renowned psychologists and philo- performance during a game, or championship. sophers. Thus, the studies discussed here aim to There are also examples of possible factors that expose the best quality of life of professionals if compromise the exercise of the professional, supported by psychology. demonstrating diferent types of psychological

Keywords: Sport Psychology, football. Psicologia do esporte no futebol

Introdução

urante uma partida de futebol, o do título (AZZONI, 2002). Tais situações podem ser condicionamento físico de um jo- revertidas com a Psicologia do Esporte, por meio, gador não basta para prever sua por exemplo, do “stress-training”, técnica utilizada atuação profissional em campo. O para ensinar o jogador a manter o controle emocio- comportamento psicológico do in- nal, simulando as tensões passadas durante os jogos divíduoD também tem grandes infuências, podendo ofciais. (AZZONI, 2002) alterar resultados. A pressão feita sobre o jogador, Para Suzy Fleury, ex-psicóloga da Seleção por ser um campeonato importante, ou até mesmo Brasileira de futebol, há diversas variantes psi- a pressão feita pelos torcedores durante um jogo, irá cológicas que podem afetar o estado psicológico interferir em seu desenvolvimento (SAPIENZA, de jogadores, tais como a autoconfança, a auto- s.d.). Esse processo será analisado ao longo do traba- estima, a concentração, ou até mesmo a relação lho, apresentando e comparando os momentos em mantida com familiares, que são determinadas que jogadores se encontraram sob pressão psicológi- como fator externo. “Se o jogador está brigado ca e os motivos para determinados comportamentos com a mulher, por exemplo, ele não vai render tu- por parte do jogador. do o que pode. Ter um núcleo familiar proporcio- O comportamento sentimental de um joga- na uma alfabetização emocional ao jogador. Ele dor pode afetar completamente o seu desempenho, vai aprendendo a lidar melhor com os limites da como foi visto no caso do jogador italiano, Roberto raiva, do medo, da ansiedade.” (FLEURY, s.d.) A Baggio, que cobrou em sua vida 113 pênaltis ao to- aplicação de técnicas desenvolvidas e estudadas do, convertendo 101, sendo considerado um ótimo pela Psicologia do Esporte pode levar muitos ti- desempenho para um jogador. Porém em um mo- mes e jogadores ao sucesso. mento no qual se encontrou sob pressão, durante a O objetivo deste trabalho é, a partir de levanta- cobrança na Copa do Mundo da FIFA (Federação mentos bibliográfcos, obter documentos científcos Internacional de Futebol) nos EUA, em 1994, con- sobre o tema Psicologia do Esporte no Futebol e dis- tra o Brasil, o jogador errou e induziu o time à perda cutir a importância do mesmo.

185 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

1. Futebol

Conforme a Federação Gaúcha de Futebol jou para a Inglaterra para estudar, tendo o primeiro (2002), em culturas antigas foram descobertos por contato com o novo divertimento. Posteriormen- historiadores indícios de jogos de bola, que ainda te tornou-se “um artilheiro implacável”, segundo não podiam ser defnidos como futebol, pois as regras registros no jornal de sua escola da época e dessa existentes hoje em dia não haviam sido estipuladas. forma foi convocado para jogar no time da seleção Porém, já era notório o interesse em tais jogos, que se local. (MASSARANI, s.d.) tornaram populares pelo seu modo simples de jogar. Ao regressar ao Brasil, uma década depois, no ano Na Inglaterra foram organizadas regras para 1894, trouxe todo seu conhecimento sobre o assunto, o futebol de forma clara e objetiva, disseminando-o inclusive as regras mencionadas. Dessa forma, come- entre flhos de nobres ingleses e estudantes. Final- çou a ensinar seus parceiros de críquete e seus compa- mente, numa conferência em Cambridge, no ano de nheiros de trabalho, altos funcionários da Companhia 1848, um código foi estabelecido para defnir as nor- de Gás e Ferrovia São Paulo Railway, a praticar o novo mas do jogo. (MASSARANI, s.d.) Em 1871 foi cria- esporte. Na data de 13 de maio de 1888, foi fundado o da a fgura do goleiro, inicialmente conhecido como primeiro time do país, denominado São Paulo Athletic. guarda-redes, o único com a possibilidade de tocar as (FEDERAÇÃO GAÚCHA DE FUTEBOL, 2002) mãos na bola. Desde sua criação esse jogador tinha a Na época de seu surgimento no nosso país, assim função de evitar a entrada da bola no gol, regra que se como na Inglaterra, o futebol podia ser praticado ape- mantém até os dias atuais. A duração dos jogos de 90 nas por pessoas que pertenciam à elite, sendo proibida minutos e o pênalti, como punição de faltas, foram e participação de negros nos times. (FGF, 2002) regras criadas nos anos 1875 e 1891, respectivamente Com o passar dos anos, o futebol foi tema de e o impedimento foi estabelecido apenas em 1907. uma grande quantidade de pesquisas, utilizadas na Apenas em 1885 foi inaugurado o profssiona- Ciência do Esporte, que associa disciplinas como lismo no futebol e consequentemente foi construída flosofa, antropologia, sociologia do esporte e psi- a International Board no ano seguinte, instituição cologia, apontando uma necessidade da interdisci- que tinha como função alterar regras do jogo quan- plinaridade. (BRACHT, 1995) Posteriormente, mais do preciso. (CASTRO, s.d.) pesquisas foram agregadas ao tema e aprofundadas O esporte chegou ao Brasil através do jovem através da psicologia, trazendo comprovações empí- paulistano Charles Miller, que aos nove anos via- ricas de determinadas atitudes em jogo.

2. Psicologia

Carl Jung (1882-1955), psiquiatra e psicotera- como propunha Kant, o que será estudado pela psi- peuta suíço e pai da psicologia complexa ou psico- cologia. (HILLMAN, s.d.) logia junguiana, realizou estudos que afirmavam Segundo o Guia do Estudante (2014), a Psico- a origem do inconsciente, similar ao conceito de a logia, é o estudo dos fenômenos comportamentais e priori do flósofo Immanuel Kant (1724-1804), con- psíquicos do ser humano. São tratadas perturbações teúdo que assegurava que o pré-julgamento vem emocionais e de personalidade, e doenças mentais, antes da experiência. Para Jung, o inconsciente era através de um diagnóstico efetuado pelo psicólogo. uma construção passada de geração para geração, Ele auxilia o paciente a apontar causas de seus pro- abrangendo todas as informações esquecidas, orga- blemas e atitudes inadequadas por meio da obser- nizadas de acordo com funções coletivas herdadas, vação das atitudes, dos mecanismos mentais e dos havendo assim, um conceito antes da experiência, sentimentos do mesmo.

186 Psicologia do esporte no futebol

Nossas emoções podem ser consideradas o “com- bustível” de nossas ações. “Emoção”, do latim mo- tópicos de pesquisa, objetos de estudo e métodos. vere, “mover”, significa a tendência para agir ou Entretanto houve, também, a participação de mui- “e-movere” para afastar-se e, é expressa por senti- tos outros psicólogos que juntos formaram as cor- mentos e seus pensamentos específcos. Conhecer rentes de pensamento geradas a partir dos grupos nosso mecanismo emocional pode ser uma vanta- gem para quem quer mais saúde, qualidade de vida, de estudo formados. melhoria nos relacionamentos ou produtividade O pronunciamento psicológico pode ser visto profssional. (FLEURY, s.d.) como o agrupamento de funções que se diferenciam Antigamente a Psicologia era vista como uma em três vias: a via afetiva (emoções e sentimentos), disciplina pertencente à Filosofia, sendo utilizada pa- a via ativa (instintos, movimentos e inconsciente) e ra o entendimento da mente humana, por observações via intelectiva (sensações, imaginação, memórias e comportamentais. No final do século XIX ela deixou ideias), sendo que essas vias proferem-se em compo- de ser apenas mais um ramo da Filosofia e passou a ser sições mentais como a atenção, o pensamento, a lin- uma ciência distinta, apresentando sua própria linha guagem, a inteligência, o raciocínio, o julgamento e a de estudo e métodos. (MACHADO, 2014) personalidade. (MEYNARD, 1958 in GOMES, 2014) Machado (2014) relata ainda que Wilhelm As manifestações psicológicas podem ser vis- Wundt (1832-1920), médico, flósofo e psicólogo ale- tas na tabela 1, proposta pelo pesquisador da Uni- mão, pode ser considerado um dos fundadores dessa versidade Federal do Rio Grande do Sul, William B. ciência, pois deu a ela um novo rumo, com ideias, Gomes e apoiada nos estudos de Meynard:

TABELA 1: PROPOSTA DE MANIFESTAÇÕES PSICOLÓGICAS:

Via Ativa Via Afetiva Via Cognitiva Sensação Movimentos Prazer Liberdade Paixão Percepção Instintos Dor Tendências Amor Imaginação Hábitos Emoção Inconsciente Ódio Memória Vontade Sentimento Ideias

Grandes Sínteses Atenção Inteligência Consciência Julgamento Linguagem Raciocínio Pensamento Personalidade Fonte: GOMES, 2014.

Há também a perspectiva psicanalítica de Assim, concluiu que o teor do inconsciente esta- Sigmund Freud (1856-1939), que independe, po- va acessível para a consciência discretamente, rém relaciona-se à psicologia. A psicanálise ori- através do subconsciente: sonhos e imagens re- ginou-se no início do século XX, trazendo maior pentinas, por exemplo. Dessa forma, foi criada relevância ao estudo do inconsciente que motiva a psicanálise, um estudo medicativo que tem o comportamento humano, dando espaço à Psico- como objetivo dar aos indivíduos o conhecimento logia. O estudo freudiano, apoiado em sua expe- de seus próprios distúrbios emocionais através riência clínica, julgou que a origem de desequilí- do subconsciente. Freud concluiu assim, que a brios emocionais encontrava-se em experiências personalidade dos indivíduos é gerada durante traumáticas coibidas na infância dos indivíduos. sua infância. (PEIXOTO, 2008)

187 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

3. Psicologia do Esporte

3.1 O contexto da Psicologia do Esporte independentemente da modalidade esportiva. Psicologia do Esporte surgiu por volta do sécu- O psicólogo do esporte, profissional que atua lo XX na Rússia e nos EUA pelo desenvolvimento nessa área específca da Psicologia, deve estar aler- das ideias de Wihelm Wundt, então considerado o ta a tudo o que envolve o atleta, abordando a história criador da psicologia, da psicologia social de Herbert do jogador dentro do esporte e de sua modalidade. O Blumer (1900-1987), em Chicago e Vygotsky (1896- seu trabalho, normalmente, é efetuado nos períodos 1934) na Rússia. Porém no Brasil ainda é considera- pré-competitivos, durante a competição e pós-com- da uma nova forma de atuação praticada por alguns petitivos, mantendo um amparo completo ao espor- psicólogos. (RUBIO, 2002) tista e à equipe. (SAPIENZA, s.d.) Segundo grandes conhecedores da área, Os principais pontos de intervenção do pro- Weinberg e Gould (2001, p. 28), essa nova ciência é fissional quando trabalha em modalidades indi- uma forma de estudo do comportamento de pessoas viduais, com o foco apenas em um jogador, são os em atividades físicas e esportivas, desenvolvendo a exercícios relacionados à atenção, controle de ansie- aplicação desse conhecimento. Esse estudo científico dade e às variáveis situacionais. (SAPIENZA, s.d.) foi introduzido no Brasil pelo renomado psicólogo João Essas intervenções são feitas em períodos e modos Carvalhaes (1917-1976), no ano de 1954, no momento distintos, variando de acordo com a avaliação do em que ele foi contratado para trabalhar na avaliação, profssional sobre o jogador. Nas modalidades cole- seleção e treinamento de árbitros de futebol, pela Fede- tivas o foco incide sobre as convivências em grupo, ração Paulista de Futebol. (COZAC, 2010) agregando a formação de liderança e a constituição A Psicologia do Esporte tem como finalidade de vínculo. Porém, normalmente é necessária a lidar com elementos psíquicos que intervêm no avaliação de ambos, grupo e indivíduo, para que o esporte e em exercícios físicos. Nesse estudo há a profssional compreenda a dinâmica do time com infuência de três fatores de que estão diretamente o qual trabalhará. “A conduta de um atleta dentro ligados ao desempenho do atleta: o cognitivo (ca- de uma nova equipe não será, necessariamente, a pacidades do intelecto), o afetivo (sentimentos e mesma que tinha na equipe anterior, uma vez que o emoções) e o conativo (atividades, com respostas ambiente e os companheiros de equipe são outros.” expressivas ou comportamentais). (GOMES, 2014) (WEINBERG, 2001 in BARBANTI, 2009) A má interpretação da Psicologia do Esporte es- Dessa forma, o profissional deverá auxiliar o tende-se até os dias de hoje, inclusive na esfera espor- esportista a se comportar de modo mais eficiente tiva. Como afrmou Kátia Rubio (2002), presidente da em determinadas situações, tornando-se, assim, Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (Abra- responsável pela saúde mental do time, o que se de- pesp): “Há muita desinformação (sobre a Psicologia senvolverá a partir de uma interpelação das emoções do Esporte). É o técnico quem decide se o atleta par- experimentadas pelos jogadores em seu dia a dia de ticipa ou não de uma competição”, explicando que da trabalho. (FRANCO, 2000 in BARBANTI, 2009) mesma forma que é necessário que o treinador físico informe o técnico sobre o estado físico do esportista, 3.2 Necessidades do estudo também é crucial o relato do estado mental dos mem- A Psicologia do Esporte é um estudo extrema- bros do time, feito pelo psicólogo. mente essencial, principalmente, segundo Cozac Segundo João Ricardo Cozac (2010), presidente (2010), no ano de 2014, no qual ocorreu a Copa do da Associação Paulista de Psicologia do Esporte e pro- Mundo no Brasil, gerando uma enorme cobrança, fessor do Centro de Consultoria, Estudo e Pesquisa da coerção e assédio sobre o time brasileiro. Cozac afr- Psicologia do Esporte (Ceppe), todos os atletas neces- ma também que a equipe brasileira está muito atra- sitam enfrentar a pressão, ter controle de agressivi- sada quanto à preparação psicológica em relação aos dade, decisão rápida, fuxo cognitivo e concentração, demais times, como os times da Espanha e da Itália,

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que têm, por exemplo, repartições inteiras de psico- Vale ressaltar que o esportista, antes de ser um logia para cada grupo. Na seleção brasileira Regina atleta é um ser humano e precisa ser tratado como Brandão tem exercido sua função de psicóloga há tal. (BARBANTI, 2009) Com o apoio de uma equipe anos, porém o foco dela não está na orientação indi- multidisciplinar com médicos, fsioterapeutas, nu- vidual do atleta, o que na opinião do presidente da tricionista, psicólogos, entre outros, pode desenvol- Associação Paulista de Psicologia do Esporte e pro- ver um bom e saudável rendimento. fessor do Centro de Consultoria, Estudo e Pesquisa da Psicologia do Esporte, é necessário, como se nota 3.3 Atletas e a Psicologia do Esporte quando se compara aos outros times. Tal afrmação A dor não tem funcionado como impedimento pôde ser corroborada na semifnal entre Brasil e Ale- para que os jogadores pratiquem esportes e sim co- manha, com o ótimo desempenho dos alemães, que mo estímulo. Situação enaltecida por Rubio (2002) logo nos primeiros minutos marcaram gols e deses- ao mencionar: tabilizaram emocionalmente os jogadores brasilei- Há a determinação pela busca de seus objetivos. ros, gerando o decepcionante resultado de 7 a 1. Não se importam com as difculdades, e sim com os Como visto, a Psicologia do Esporte tem de- resultados. O psicólogo do esporte ajuda então o es- monstrado ser muito importante por auxiliar o portista a determinar quais são os seus objetivos de jogador a enfrentar desde desafos comuns do dia a superação, mas também trabalha para que ele se lo- calize dentro do processo. E quando a prevenção não dia até grandes competições. Além disso, também é é sufciente e o acidente ou a lesão acontecem, a re- certamente necessária em momentos delicados que abilitação deve ser completa, o físico está vinculado podem se tornar críticos, como em situações rela- ao emocional, sem hierarquia. O restabelecimento cionadas com mudanças de categoria, remuneração, físico pode até anteceder a recuperação emocional, pois há o medo da recidiva, da dor, do afastamento. fama, lesões, assédio, aposentadoria, entre outras. Psicodiagnóstico é o nome dado ao método de E acrescenta que, a despeito de ser o jogador avaliação feito no esporte. A preparação física para um que decide se está pronto para retornar, o psicólogo esporte de alto rendimento inclui um psicodiagnóstico deve auxiliá-lo a chegar à melhor decisão para si. orientado para a análise de personalidade do esportis- Infelizmente, como foi afirmado por Knobel e ta, para obter informações sobre os estados emocio- Passos (2014), grande parte dos atletas ultrapassa nais em momentos de competição e treinamento e seus limites e não espera o tempo necessário para a sobre a afinidade interpessoal. (BARBANTI, 2009) sua recuperação. É comum esportistas que não têm O estresse é um agravante para o atleta que patrocínio e dependem da premiação para sobreviver, deve ser dissolvido através da Psicologia. Segundo o assim como campeões olímpicos, encontrarem-se em estudo feito pelo pesquisador Rose Junior (2002) es- uma rotina de dor, lesões e retorno à prática antes do sa exaustão, relacionada somente ao indivíduo, pode período correto quando não têm o auxílio de um psi- ser originada por “estados psicológicos”, como me- cólogo, como foi afrmado pelo maratonista Adriano do, expectativas, insegurança e objetivos, e “aspec- Bastos de 36 anos. (KNOBEL; PASSOS, 2014) tos físicos”, como a preparação individual e lesões. Andrey, goleiro do América-RN serve, como Fatores individuais, ou particularidades dos muitos outros jogadores de futebol, de exemplo atletas, como condição física e técnica, fatores para situações comprometedoras relacionadas a pessoais, nível de aspiração e de expectativa em lesões. Em fevereiro de 2014 ele sofreu uma lesão relação ao desempenho e à ocupação esportiva e no ligamento colateral medial no joelho direito, e fatores situacionais, como local, objetos de jogos, ficou afastado da primeira final do Campeonato treinamentos, adversários, torcida, entre outros Potiguar assim que sentiu outras dores no local, elementos, estarão a todo o momento conturbando por continuar praticando esporte de alto rendi- a situação psíquica do jogador, delineando a neces- mento. Tal situação afeta diretamente o desenvol- sidade do suporte que deve ser feito pelo psicólogo vimento emocional do indivíduo por estar a todo do esporte. (SAPIENZA, s.d.) o momento convivendo com um sofrimento físico

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e consequentemente psíquico: “Este tipo de situa- preender os mecanismos de convívio entre atleta ção faz parte do futebol. A gente tem que aprender e técnico. Ademais tem como desígnio transmitir a conviver com lesões e com dores. Claro que fco conhecimentos psíquicos para a prática de esportes um pouco chateado, pois queria estar no jogo”, afr- e critério de pesquisa em Psicologia. mou Andrey. (GLOBO ESPORTE, 2014) Quanto aos atletas profssionais, as principais Astros do futebol estão ainda mais propícios a áreas de atuação do psicólogo são: sofrerem contusões, pois se encontram a todo o mo- t3FBCJMJUBÎÍPestá relacionada à prática de exer- mento em campo e em grandes disputas que geram cícios físicos esportivos de atletas lesionados e tem uma enorme cobrança tanto dos técnicos quanto da como principal objetivo a saúde e o bem-estar físico torcida. O famoso Cristiano Ronaldo, por exemplo, do indivíduo, exercendo uma regulação psicológica esteve fora de uma importantíssima disputa na Es- do esportista por meio de uma conduta esportiva. panha, chamada Copa do Rei, devido a uma ruptura Há a aplicação de técnicas diferenciadas pa- fbrilar de cerca de um centímetro na coxa esquer- ra auxiliar na recuperação emocional e física do da. E ainda assim, esses tipos de lesões geralmente indivíduo que esteve ou está distante das provas, são mais sérias do que o anunciado, como ocorreu competições ou até mesmo treinos devido a alguma nesse caso. O time de Ronaldo, Real Madrid, divul- lesão. O trabalho do psicólogo será exercido da me- gou informações incompletas para zelar pela ima- lhor forma se ele trabalhar em conjunto com outros gem do jogador. (BN ESPORTES, 2014) profssionais, como fsioterapeutas, médicos, entre Ricardo Nahas, diretor da Sociedade Brasileira outros. A tarefa deve ser guiada pelas diretrizes que de Medicina do Esporte, explica que o risco de uma segue a ética profssional do psicólogo, pois não há contusão séria aumenta durante as competições e métodos prontos para intervenções diferenciadas. se em campo a dor é ignorada devido à liberação de t&TQPSUFEFBMUPSFOEJNFOUP lida diretamente endorfna, que traz uma falsa impressão de que o or- com métodos que infuenciam no desempenho e ganismo está bem, fora de jogo problemas maiores no trabalho do atleta e/ou da equipe. O profssional virão. “A dor é uma doença e deve ser tratada, por- deve estar atento às esferas institucionais, indivi- que o excesso trará consequências posteriormente. duais e grupais. Mas o médico não pode barrar o atleta e sua vonta- de de jogar, então alertamos para deixá-los tomar a ETAPA PRÁTICA decisão. Já tive pacientes que me disseram que pre- O trabalho no esporte é auxiliado pelas ativi- feriam comprar um joelho novo a parar de jogar”, dades corporais, por tratar diretamente com as sen- afrma Ricardo Nahas. (KNOBEL; PASSOS, 2014) sações do corpo humano. Cada esportista tem uma aspiração distinta em relação à maneira aplicada 3.4 Métodos de Aplicação da Psicologia para o alcance de uma boa condição de relaxamen- ETAPA TEÓRICA to ou ativação do corpo, uma vez que cada ato reage De acordo com o estudo feito pela psicóloga de modo diferente no estado físico de cada homem. Valéria Sapienza (s.d.), o psicólogo do esporte pode (SAPIENZA, s.d.) trabalhar em três áreas básica: O “relaxamento” do indivíduo busca adequá-lo t*OWFTUJHBÎÍP estuda processos psíquicos básicos a um ótimo estado de ativação, tendo como fnali- aplicados no exercício físico. dade propiciar a sensação de bem-estar ao atleta, t&EVDBÎÍPSFBliza cursos e seminários para atle- além de possibilitar, através de imagens, que o in- tas, árbitros e técnicos. divíduo tenha algo que não poderia ter no instan- t$MÓOJDBtrabalha com as questões psicológicas te, por exemplo, estar em um lugar tranquilo, sem (patológicas) que incidem na prática do esporte. conturbações. Porém, é necessário obter o histórico O ensino, que está relacionado à área da edu- do grupo para executar a prática de modo adequado. cação, tem como princípio fundamental a comuni- Há algumas técnicas e estudos sobre o relaxa- cação, sendo uma das melhores maneiras de com- mento utilizados por Sapienza, que são:

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t3FTQJSBÎÍP&EVDBEBum modo de respirar feito modo, deve ser demonstrado como devem ser as sob controle e consciente. relações, a estrutura, para que haja um desem- t*NBHFOT.FOUBJT são criadas imagens para que penho. Deve haver também uma coesão, com es- o atleta sempre tenha em mente qual o objetivo tabelecimento de metas e de uma liderança, que a alcançar de ativação ou relaxamento, tomando proponha sempre uma comunicação entre os in- cuidado com os materiais de complementação, tegrantes. como a música, que pode trazer lembranças t%FTFNQFOIP para que haja uma desenvoltura, é negativas ao esportista. necessário que exista uma autoconfança, traba- Nesses processos podem ser utilizadas “habili- lhando com a autoestima, o estabelecimento de dades específcas”, as quais exigem um treinamento metas comuns, total atenção, exercícios de rela- mental, que quanto mais específco, mais aprofun- xamento e mentalização dos objetivos. dada será a ação, dando ao atleta uma facilidade em t#FNFTUBS a saúde, quando relacionada a lesões, praticar os movimentos e em alcançar um bom es- exige tratamentos e uma boa cooperação do atle- tado de ativação. O detalhamento irá fazer com que ta para que alcance uma qualidade de vida. Dis- o indivíduo domine seus movimentos, valorizando túrbios alimentares, o uso de substâncias ilícitas a visualização dos mesmos e nomeando-os. compulsivamente e o treinamento excessivo são t5PRVFTaconselha-se que ocorra um contato sen- comuns e com certeza o atleta deve ser orientado sorial corporal do indivíduo, a troca de toques com para que não ocorram. outros atletas durante os jogos ou treinos. t%FTFOWPMWJNFOUPensinamentos de como o es- 5JQPTEFUPRVFT porte propicia a constituição de caráter e persona- Calatonia: tocar os dedos dos pés com os dedos lidade se for conduzido da maneira correta. das mãos, com o intuito de propiciar o relaxa- t0SJFOUBÎÍPËGBNÓMJB o apoio familiar é um dos mento e imagens, além de acrescer a assimila- fatores essenciais para que o jogador consiga de- ção corporal. senvolver sua carreira de forma “pacífica”, pois Michoux: um relaxamento corporal feito após não ocorrerão conturbações e desentendimentos treinos intensos. se os membros que compõem a família souberem +BDPCTPOF4IPVMU[é efetuado um relaxa- lidar com a situação, facilitando qualquer outro mento progressivo, através do peso do corpo e processo a ser enfrentado pelo esportista. seus contrastes, contraindo músculos de diver- sos grupos musculares, seguido de relaxamen- 3.5 Perspectivas dos jogadores tos; começando pelos membros inferiores, até Do ponto de vista dos atletas há diversos fatores os superiores, seguidos do tronco e da cabeça. que podem causar o estresse, o qual afetará o com- portamento psíquico do mesmo, e segundo um es- FOCO EDUCATIVO tudo feito por Rose Junior (2002), alguns deles são: O foco educativo, também proposto por Sapien- Jogos decisivos; za (s.d.), pode ser fragmentado em diferentes temas Local inadequado para treinamentos e jogos que envolvem os atletas e a equipe em geral: Jogo fácil que complica; t"NCJFOUFTsão ensinadas as diferenças entre Companheiro egoísta; competições e cooperações, com seus prós e Ficar na reserva; contras, além de demonstrar a infuência causada Técnico que só critica; por fatores sociais. Confitos com companheiros de equipe; t"UMFUBT são demonstrados momentos em que Treinamento em excesso; ocorrerão situações de estresse e ansiedade Rotina de treinamento; relacionados ao desempenho dos atletas, ensinan- Técnico que só enxerga o lado negativo; do-os a regular sua ativação. Confitos com técnicos; t(SVQP qualquer time compõe um grupo, desse Falta de férias;

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Falta de integração entre o grupo; críticas que podem surgir ao longo da carreira, Repetir os mesmos erros; podendo acarretar maiores problemas caso não Arbitragem prejudicial à equipe; sejam bem avaliadas e “psicodiagnosticados”. Falta de apoio a jogador contundido; (ROSE JUNIOR, 2002) Perder jogo praticamente ganho; Essas situações, confrmadas por Rose Junior Torcida da própria equipe agressiva; (2002), podem ser identifcadas como insegurança Momentos decisivos de um jogo; geral, pela primeira participação em importantes Jogar em más condições físicas; jogos e regresso após lesões sérias, que muitas vezes Sair com cinco faltas; geram um longo afastamento do indivíduo e falta do Excesso de jogos. suporte do time após a contusão. Em situações de Omitir-se no jogo; jogo, o jogador pode tomar atitudes equivocadas em Problemas com acomodações; um momento decisivo e comprometer o time ou até Viagens constantes; mesmo gerar confusões com o técnico e a arbitra- Problemas com alimentação. gem e, muitas vezes, sentir uma forte pressão feita Adversário desleal; por uma torcida insatisfeita. Cobranças excessivas de dirigentes ou Segundo estudo científco feito por Samulski Patrocinadores; e Chagas (1996) sobre a análise do estresse entre Falta de organização das equipes os jogadores de futebol, pôde-se obter os seguintes e das entidades organizadoras resultados amostrais: dentre 152 jogadores de fu- de campeonatos. tebol das categorias juvenil e júniores as situações causadoras de estresse a serem combatidas são: Com este estudo pode-se atestar que os jogar com lesões, condição física inadequada, pro- momentos mais críticos para os jogadores são blemas com membros do time e/ou com o técnico aqueles que devem demonstrar suas capacidades e não dormir bem em dias anteriores às competi- dentro de campo. Porém há ainda situações mais ções. (SAMULSKI; CHAGAS, 1996)

Conclusão

A Psicologia do Esporte pode ser uma ótima portamento psíquico altera não apenas os aspectos estratégia de jogo, pois além de manter o bem-estar mentais ou emocionais, mas os físicos também. do jogador, promove maior desenvoltura do time, Esta ciência quebra barreiras da comunicação uma vez que colabora com a harmonia entre todos verbal, pois com a psicologia e a observação do meio os integrantes. De forma geral, todos os jogadores em que o indivíduo, no caso o jogador, estudado vive, apresentam uma evidente preocupação quanto à sua pode-se chegar a respostas que nenhum outro estudo carreira e imagem, além do constante medo de ver-se traria, obtendo soluções para os mais variados proble- fora de atuação. Como já foi citado, a boa atuação de mas, como dores musculares causadas por estresse, um profssional tão exigido, como o jogador de fute- distúrbios alimentares, insônia, entre outras ques- bol, requer a colaboração de nutricionista, médico, e tões que não conturbarão mais o jogador se apoiado também, do psicólogo do esporte, uma vez que o com- por um profssional da área.

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194 A cobrança de falta perfeita em frente ao gol

YURI ELIAS QUENTAL CASSEB 3 a série C Resumo Para várias pessoas, a cobrança de falta per- cobrança de falta, mostrando que a física con- feita é quase impossível, visto que há diversos segue melhorar e aperfeiçoar muitas jogadas. fatores que influenciam essa situação. De- Além disso, pretende-se mostrar que até no es- monstra-se o contrário nesta monografia, já porte mais popular do Brasil é possível obter o que, a partir do entendimento científico do conhecimento científco, com base na análise que está por trás desse lance do futebol e com das jogadas e esse conhecimento pode ser es- muito treino, é possível aumentar, de forma tendido para outras modalidades esportivas exponencial, as chances de converter em gol a como o basquete e o golfe.

Palavras-chave: Futebol, Cobrança de falta, Física aplicada ao futebol, Efeito Magnus, Crise de Arrasto, Leis de Newton, Cinemática; Dinâmica.

Abstract For most people, the perfect free kick is almost showing that the physics can improve a lot of impossible, since several aspects have an in- plays. In additiont, this paper seeks to show that fuence in this situation. This monograph seeks even in the most popular sport in Brazil, it is to prove the opposite, since through the scien- possible to obtain scientifc knowledge through tific knowledge behind this soccer move and a methodology based on the analysis of the plays with immense practice, it is possible to increa- and expand it to other sports like basketball, se in exponential form the chances of scoring, golf, and other sports.

Keywords: Soccer, Free Kick, Physics applied to soccer, Magnus Efect, Drag Crisis, Newton’s Laws, Cinematic, Dynamic. A cobrança de falta perfeita em frente ao gol

Introdução

uando Charles Miller trouxe o fute- to. A partir desses conceitos, procura-se explicar os bol para o Brasil em 1894, pouco se fatores que infuenciam a cobrança de falta perfeita sabia ou pouco se podia empregar do em frente ao gol, com base em estudos já feitos conhecimento científco nesse incrí- sobre o tema. vel esporte. Para descrever os conhecimentos científcos, Q Com o desenvolvimento da tec- o trabalho foi dividido em três grandes áreas: “O nologia e dos computadores, foi possível analisar chute e a parábola”, que tratará da Cinemática, isto movimentos que os olhos humanos não conseguem é, da trajetória da bola, depois “O popular efeito e o avaliar com tanta precisão. A partir dessa melhoria olhar físico” que buscará explicações para os desvios começaram os estudos mais aprofundados sobre a que uma bola pode ter em sua trajetória e, por fm, aplicação da física aos lances de um jogo de futebol, “A Física ajudando a escolha do melhor chute”, que o esporte mais famoso do mundo. demonstrará em duas situações como um jogador Sendo o futebol o esporte mais conhecido no pode aproveitar as previsões de movimentos feitas Brasil, há grande interesse em conhecer as leis da pela Física para aumentar suas chances de êxito. física que podem ser aplicadas a esse esporte. To- A partir desses estudos, pretende-se obter o co- davia, existem poucos estudos que associa a física nhecimento da cobrança de falta perfeita em frente com esse esporte. ao gol e de como aperfeiçoar essa habilidade, mos- Esta monografa terá como objetivo principal trando que até no futebol, a Física consegue explicar mostrar a aplicação da física ao estudo do futebol, o e melhorar muitas jogadas. que envolve princípios da Mecânica, mais especif- camente da Dinâmica e da Cinemática. Objetivos O trabalho abordará o estudo da trajetória de Este trabalho tem como objetivo demonstrar, uma bola de futebol ao ser lançada (Cinemática) e por meio de princípios da Física, como realizar uma do comportamento da bola em movimento (Dinâ- cobrança de falta perfeita em curta distância e en- mica), com análises das Leis de Newton. Essas du- tender como a Física se aplica ao chute de uma bola as abordagens fornecerão os subsídios necessários no futebol. para o entendimento do estudo que envolve a física Ao conhecer os princípios relacionados a uma aplicada ao futebol. cobrança de falta, procura-se desenvolver a habilida- Além desses fenômenos, o trabalho também de e melhorar a cobrança de um dos lances mais im- terá enfoque no Efeito Magnus e na Crise de Arras- portantes de uma partida: a falta em curta distância.

197 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

1. O chute e a parábola

Ao assistir a uma partida de futebol, é comum te Impulso I gerou uma Força Média Fm, conforme perceber que a trajetória da bola no ar se aproxima de mostra a Figura 23. uma parábola (movimento em que o corpo faz a tra- jetória semelhante à de um arco, como mostrado na Figura 3). Isto acontece em função da aceleração da gravidade na Terra que é constante, |g| ≅ 9,8 m/s2, fa- F zendo com que este movimento se assemelhe ao Lan- çamento Oblíquo no Vácuo, no qual a bola realiza um movimento parabólico, como mostrado na Figura 3. Para efetuar a aproximação acima descrita, θ 1 neste ponto do estudo, será desconsiderada a resis- HORIZONTAL tência do ar (Força de Arrasto) e a rotação da bola (Efeito Magnus), para melhor identificação dos princípios físicos envolvidos em um lançamento oblíquo gerado por um chute em uma bola. Conforme a Figura 12 mostra, o lançamento de uma bola se dá logo após ser chutada, quando esta Figura 2: Força que a bola recebeu do Impulso dado pelo jogador. adquire uma velocidade inicial v0 em relação ao solo e possui um ângulo θ em relação à horizontal. Em respeito ao Princípio Fundamental da Di- v nâmica (2ª Lei de Newton), temos: 0 I = ΔQ Fm. Δt = m. ΔV Fm. Δt = m.V0

Onde ΔQ é a variação vetorial da quantidade de θ movimento da bola, Δt é o intervalo de tempo que durou o chute (contato da bola com o pé do jogador),

HORIZONTAL m é a massa da bola e V0 a velocidade vetorial fnal da bola, uma vez que ela estava parada no começo. Da análise física das condições iniciais de um chute, cabe ao jogador controlar a Força e o ângu- lo que ele aplica na bola, pois, a partir da perda de

Figura 1: Lançamento de uma bola: condições iniciais. contato com o pé, o jogador não tem mais nenhuma ação sobre o objeto; somente a gravidade (Força Pe- A bola antes do chute estava parada, logo, se so) agirá, fazendo com que a bola retorne ao solo, e possui uma velocidade inicial, ela recebeu um Im- formará a parábola na trajetória da bola, conforme pulso do pé do jogador de futebol que a chutou. Es- mostra a Figura 34.

1. Apesar de a desconsideração ser plausível, uma vez que, na maioria dos chutes, a Força de Arrasto e o Efeito Magnus nem chegam a atuar, será demonstrado ainda neste estudo, que, no caso de atletas profssionais de alto desempenho que conseguem passar grande quantidade de energia à bola, o popular “efeito” acontece por estas grandezas desconsideradas. 2. Fonte: BRAZ JÚNIOR, Dulcidio. A Mecânica do Lançamento Oblíquo e o Futebol. Física Moderna, 19 de novembro de 2006. Disponível em: < http://fsicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-11-19_2006-11-25.html>. Acessado em: 19 de abril de 2014. 3. Fonte: BRAZ JÚNIOR, Dulcidio. A Mecânica do Lançamento Oblíquo e o Futebol. Física Moderna, 19 de novembro de 2006. Disponível em: < http://fsicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-11-19_2006-11-25.html>. Acessado em: 19 de abril de 2014. 4. Fonte: BRAZ JÚNIOR, Dulcidio. A Mecânica do Lançamento Oblíquo e o Futebol. Física Moderna, 19 de novembro de 2006. Disponível em: < http://fsicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-11-19_2006-11-25.html>. Acessado em: 19 de abril de 2014.

198 A cobrança de falta perfeita em frente ao gol

V0 P P P θ

Figura 3:Ação da Gravidade e Formação da Parábola X Neste ponto do estudo, é possível efetuar algu- cebe-se aqui a necessidade de um bom equilíbrio no mas refexões sobre o atleta jogador de futebol. Foi par força/precisão, pois só força ou só precisão não demonstrado que somente duas grandezas podem são satisfatórios, o que traduz a necessidade de mui- ser controladas pelo atleta na hora do chute: a força to treino por parte destes atletas. e o ângulo com que ele chuta a bola. Sendo assim, Continuando a análise física da trajetória da sabemos que a força irá desempenhar um papel bola, com muito treino, um atleta poderá compreen- fundamental, logo a necessidade do bom prepa- der intuitivamente a parábola da bola e conseguirá ro físico dos atletas. Contudo não só a força física lançar a bola de acordo com suas vontades, mas há é importante, mas também a técnica e a precisão um limite, conforme a Figura 45 demonstra. para conseguir impor o ângulo desejado à bola. Per- Y

V0 Ymáx θ X Xmáx Figura 4:Limites de alcance da bola.

Com auxílio das Equações de Movimento, con- dulo da aceleração da gravidade) e na horizontal, por siderando que na vertical há um movimento retilí- desconsiderar o atrito, há um movimento retilíneo neo uniformemente variado, com aceleração g (mó- uniforme, podemos escrever (Figura 56):

⇒ x = θ . t x = x0 + vx . t v0 . cos ⇒ θ (cte) vx = v0x (cte) vx = v0 . cos 2 2 ⇒ θ . t - g/ . t Figura 5:Equações do y = y0 + v0y . t + ay . t y = v0 . sen 2 Movimento para uma bola ⇒ θ - g.t em lançamento oblíquo. vy = v0y + ay . t vy = v0 . sen

5. Fonte: BRAZ JÚNIOR, Dulcidio. A Mecânica do Lançamento Oblíquo e o Futebol. Física Moderna, 19 de novembro de 2006. Disponível em: < http://fsicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-11-19_2006-11-25.html>. Acessado em: 19 de abril de 2014. 6. Fonte: BRAZ JÚNIOR, Dulcidio. A Mecânica do Lançamento Oblíquo e o Futebol. Física Moderna, 19 de novembro de 2006. Disponível em: < http://fsicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-11-19_2006-11-25.html>. Acessado em: 19 de abril de 2014.

199 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

De posse destas equações, é possível descrever jogador não precisa de mais força, mas de mais téc- algumas grandezas importantes para o lançamento nica na hora de escolher o ângulo de chute da bola. de uma bola, bastando isolar as variáveis de interesse. Também se constata que o alcance máximo Tempo de Movimento: tempo total que a bola estaria em um chute de 45º10, contudo, o futebol é leva para retornar ao solo após ser chutada (Figura um esporte dinâmico e nem sempre o fundamental 67). Percebe-se que é uma função direta do ângulo e é atingir o alcance máximo, mas, talvez, colocar a da velocidade que o atleta imprime na bola: bola no momento certo para que outro jogador com- plete a jogada. Neste caso, já não é a maior distância θ que importa, mas a altura e o tempo de trajetória. T = 2v0. sen g Considerando que o jogador não é uma máquina Figura 6: Tempo total de movimento. ajustável e que o futebol pode apresentar uma infni- dade de situações diferentes, não resta outra opção Altura Máxima: altura do ponto mais alto da além de muito treino para que o jogador incorpore trajetória da bola (Figura 78). Esta noção é importan- as situações limites de seu chute e assim consiga te para o jogador quando este vai cobrar uma falta escolher o chute mais adequado para cada situação. com barreira. Novamente percebe-se a relação com Neste cenário, cabe ao treinador mostrar os a velocidade e o ângulo. limites que o atleta pode atingir e, se for o caso, in- centivá-lo a atingi-los, com o intuito de propiciar ao 2 2 θ atleta o seu autoconhecimento. h = v0 . sen máx 2g Figura 7: Altura máxima de uma bola em lançamento oblíquo. 1.1 A mudança de trajetória da bola e o olhar físico Alcance do Lançamento: Distância máxima Não raro observam-se lances peculiares numa que a bola percorre na horizontal a partir do pon- partida de futebol, como a bola que muda a sua traje- to de lançamento (Figura 89). Conceito importante tória de lançamento, como se existisse uma mão invi- para quando o jogador quer lançar a bola para outro sívelempurrando levemente a bola para o lado; popu- jogador, ou mesmo atingir o gol. larmente denomina-se este acontecimento de efeito. No mundo da Física, se um objeto altera seu 2 θ x = v0 . sen2 estado de movimento, sabe-se que uma força agiu máx g sobre ele. Eis a Primeira Lei de Newton, também Figura 8: Alcance máximo de uma bola em lançamento oblíquo. conhecida como Princípio da Inércia11. Considerando o lançamento de uma bola chu- É fato que não se espera de um jogador de fute- tada por um jogador de futebol, sabe-se que durante bol a noção destes conceitos físicos, mas os treinado- o seu movimento as únicas forças que agem sobre res que os entendem podem usar estas ferramentas esta são a Força Peso e a Força de Arrasto12, sendo para melhorar o desempenho e eficiência de seus a primeira sempre na direção normal (vertical) e a atletas, pois é possível verifcar, por exemplo, que um segunda na direção da velocidade da bola. Contudo,

7. Fonte: BRAZ JÚNIOR, Dulcidio. A Mecânica do Lançamento Oblíquo e o Futebol. Física Moderna, 19 de novembro de 2006. Disponível em: < http://fsicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-11-19_2006-11-25.html>. Acessado em: 19 de abril de 2014. 8. Fonte: BRAZ JÚNIOR, Dulcidio. A Mecânica do Lançamento Oblíquo e o Futebol. Física Moderna, 19 de novembro de 2006. Disponível em: < http://fsicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-11-19_2006-11-25.html>. Acessado em: 19 de abril de 2014. 9. Fonte: BRAZ JÚNIOR, Dulcidio. A Mecânica do Lançamento Oblíquo e o Futebol. Física Moderna, 19 de novembro de 2006. Disponível em: < http://fsicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-11-19_2006-11-25.html>. Acessado em: 19 de abril de 2014. 10. BRANCAZIO, Peter J.. The Physics of Kicking a Football. The Physics Teacher. October, 1985. p. 406. Disponível em: . Acessado em: 19 de abril de 2014. 11. O Princípio da Inércia diz que um corpo tende a manter o seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme se a resultante das forças que agem sobre ele for nula. SARKIS, Nicolau Aberx et alii. Física, Livro 2. São José dos Campos: Poliedro, 2013. p. 71. 12. Anteriormente, neste trabalho, foi desconsiderada esta força para maior clareza dos conceitos físicos do lançamento oblíquo. Conforme será mostrado, a Força de Arrasto e o Efeito Magnus são consideráveis para chutes dados por atletas de alto desempenho.

200 A cobrança de falta perfeita em frente ao gol

em respeito à Primeira Lei de Newton, alguma alte- justifcativas físicas para o chamado “efeito” sofri- ração deve ocorrer nestas forças para que se justif- do pelas bolas de futebol ao serem lançadas reside que a mudança de direção da bola lançada. na Força de Arrasto, que, em geral, retardaria o mo- Seguindo o raciocínio supracitado, não restou vimento da bola. Entretanto, estudos demonstram alternativa aos físicos que se debruçaram sobre o que esta força não possui características constantes, assunto, além de pesquisar mais a fundo a Força de contrariando o que o senso comum poderia imagi- Arrasto e os Princípios da Mecânica dos Fluidos, uma nar ao analisar os fatores que determinam esta for- vez que cogitar uma alteração na Força Peso13 leva a ça, conforme o item 3.1 deste estudo. duas premissas: ou a massa da bola está se alteran- Neste sentido, ao lecionar sobre a Força de Ar- do durante os lançamentos, ou a gravidade da Terra rasto para as bolas de futebol, o Professor de Física se altera a cada chute de um jogador de futebol. Tais Sérgio Dias Campos16, da Universidade Federal de premissas são descartadas de imediato, uma vez que São Carlos explica que: partem de hipóteses remotas ou mesmo absurdas14. Esse arrasto surge assim: quando a bola é chutada, isto é, quando uma força é aplicada na bola, ocorre 1.1.1 A força de arrasto uma mudança na sua condição inicial e ela ganha Antes de analisar as cobranças de falta do fute- certa velocidade. O ar que está à sua frente exerce bol, é fundamental considerar que a bola é um cor- uma força contrária ao seu movimento: é a força de arrasto. A diferença entre essa força e a força po sólido que se desloca pelo ar (um fuido), toda vez de atrito comum é que a força de arrasto depende que é lançada por um jogador. Sendo assim, quando da velocidade do objeto. Já a força de atrito entre a um corpo se desloca dentro de um fluido, água ou mesa e o chão da sala não depende da velocidade ar, por exemplo, o fuido exerce sobre ele uma força com que a mesa é empurrada. Essa dependência diz que quanto maior a velocidade do objeto, maior é a de arrasto, que tende a reduzir a sua velocidade. Es- força de arrasto. Porém, isso só vale até certo ponto. ta força de arrasto, que é antiparalela à velocidade, Abaixo de 60 km/h e acima de 80 km/h, a força de depende do formato do corpo, das propriedades do arrasto é crescente, mas entre 60 km/h e 80 km/h, é decrescente. O intervalo de velocidade onde a for- fuido e da velocidade do corpo em relação ao fuido. ça de arrasto é decrescente é chamado de crise do Também se destaca que, em geral, a força de arrasto arrasto. (CAMPOS, 2010) possui seu módulo proporcional à velocidade, con- tudo apresentando comportamentos diferentes de A Crise de Arrasto é um princípio físico im- proporcionalidade em função da velocidade15. No portante para entender como ocorre o que, popu- futebol, pode-se entender que a força de arrasto de- larmente, é chamado de “efeito”. Este momento veria desacelerar a bola após ser lançada. único que ocorre quando uma bola de futebol está entre 60 km/h e 80 km/h17 e que é capaz de mudar A crise do arrasto a trajetória da bola repentinamente, faz com que as Conforme já esboçado neste estudo, uma das cobranças de falta sejam mais eficazes, pois, com

13. A Força Peso é uma aplicação direta da Segunda Lei de Newton, também chamada de Princípio Fundamental da Dinâmica, que diz: Seja um corpo de massa m, submetido a uma força resultante FR. O valor do módulo desta força resultante será dado pelo produto da massa pelo módulo da aceleração a adquirida por este corpo em função desta força. Em resumo, FR = m.a. SARKIS, Nicolau Aberx et alii. Física, Livro 2. São José dos Campos: Poliedro, 2013. p. 72. 14. Absurdas no sentido de condicionar a gravidade da Terra como função dos chutes de um jogador de futebol e por considerar alterações de massa de uma bola pelo simples fato dela ter sido lançada. 15. O físico Paul Tipler, que denomina esta força de Força de Arraste, explica: “Diferentemente da força de atrito, a força de arraste é aproxi- madamente proporcional à velocidade do corpo. Em velocidades altas, a força de arraste é aproximadamente proporcional ao quadrado da velocidade.” TIPLER, Paul A., Física, 4ª ed., vol. 1. Rio de Janeiro: LTC, 2000. p. 123. 16. CAMPOS, Sérgio Dias. Física no Futebol? Univesp, São Paulo, junho de 2010. Disponível em: . Acessado em: 18 de abril de 2014. 17. Em média, as velocidades máximas atingidas por uma bola de futebol ao ser lançada a partir de uma falta, em um chute direto ao gol, fcam entre 25 m/s e 30 m/s (respectivamente, 90 km/h e 108 km/h), ou seja, a Crise do Arrasto é um evento comum num jogo de fute- bol, uma vez que as velocidades aqui apresentadas estão acima da faixa de 60 km/h a 80 km/h. Fontes das velocidades máximas: ASAI, Takeshi e AKATSUKA, Takao. The Physics of Footbal. PhysicsWeb, junho de 1998. Disponível em: . Acessado em: 18 de abril de 2014.

201 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

esse desvio da bola, o goleiro precisa de mais tempo do ar que se forma ao redor da bola em uma determi- de raciocínio para compreender o novo trajeto, além nada faixa de velocidade. Essa Crise ocorre quando de aumentar as chances de colocar o goleiro em uma a bola “rompe” a camada de ar, alterando assim, a posição de contrapé18. densidade do ar (o fuido em que se dá esta situação) A Crise de Arrasto ocorre em um pequeno inter- e mudando a trajetória da bola. A mudança da densi- valo de tempo e ela está relacionada à camada limite dade da camada de ar é mostrada na Figura 919.

Figura 9: Separação da cama- da limite em uma bola. Acima: camada laminar (normal) e abaixo camada turbulenta (Crise de Arrasto).

Quando uma bola está num lançamento, ocorre A partir do momento em que a camada de ar uma deformação desta e da camada de ar20 ao redor ao redor da bola altera sua densidade, consequen- dela. A forma e a posição com que se chuta a bola po- temente, altera a trajetória da bola, o que popular- dem influenciar sua trajetória, força e velocidade, mente é chamado de “efeito”. A Crise de Arrasto conforme será visto ainda neste estudo. Cada tipo de pode ser demonstrada a partir de um gráfco (Fi- chute infuencia de uma determinada maneira a de- gura 10), porém é difícil saber o momento exato formação e a camada da superfície em contato com o em que ocorre a alternância de movimento da bo- ar, como mostrado a seguir na Figura 1021. Devido a la, uma vez que as condições de ambientes de cada essa mudança da superfície de contato da esfera com lance podem ser diferentes e o movimento efetua- o ar, ocorre uma mudança na densidade deste fuido. do pela bola depende de cada chute.

18. Caracteriza-se uma posição de contrapé a situação em que o goleiro está preparado para saltar para um dos lados do gol e a bola, repen- tinamente, vai para o oposto do lado escolhido pelo goleiro, fazendo com que este não possua condições de dar um salto efciente de defesa ou mesmo que ele desista da defesa, uma vez que reconhece que suas chances de êxito serão mínimas. 19. AGUIAR, Carlos Eduardo e RUBINI, Gustavo A aerodinâmica de uma bola de futebol. Revista Brasileira de Ensino de Física, 2004, v. 26, n. 4, p. 297-306. Disponível em: . Acesso em: 14 de maio de 2014. 20. O ar próximo à superfície da bola tende a mover-se com ela, criando uma região conhecida como camada limite. A baixas velocidades a camada limite envolve completamente a bola, e o fuxo no seu interior é laminar. Para velocidades maiores a camada limite laminar separa-se da bola e cria uma esteira de baixa pressão (fgura acima à esquerda). Se a velocidade da bola aumenta ainda mais a camada limite torna-se turbulenta, e ocorre a crise do arrasto. A turbulência faz com que o ponto da separação da camada mova-se para trás na esfera (fgura acima à direita), diminuindo a área de baixa pressão e reduzindo a resistência do ar. AGUIAR, Carlos Eduardo e RUBINI, Gustavo. Dinâmica de uma Bola: A outra Crise do Futebol, Rio de Janeiro. Disponível em: < http://www.if.ufrj.br/~carlos/conferencias/crise/crise_poster.pdf>. Acesso em: 15 de maio de 2014. 21. Fonte: AGUIAR, Carlos Eduardo e RUBINI, Gustavo. A aerodinâmica de uma bola de futebol. Revista Brasileira de Ensino de Física, 2004, v. 26, n. 4, p. 297-306. Disponível em: . Acesso em: 14 de maio de 2014.

202 A cobrança de falta perfeita em frente ao gol

Figura 10: Gráfco da Crise de Arrasto mostrado através do Coefciente de Arrasto em função do Número de Reynolds (velocidade e outras grandezas). No momento fnal é onde ocorre a Crise de Arrasto e a velocidade da bola se altera devido à mudança da densidade do ar em contato com ela.

No gráfco (Figura 10), o eixo horizontal (eixo x) Portanto, para obter-se uma cobrança de falta efi- corresponde ao Número de Reynolds, grandeza adi- caz, deve-se aplicar na bola uma força de módulo eleva- mensional que deriva da velocidade da bola, da den- do, a fim de que o corpo atinja uma velocidade alta e se- sidade do ar, do diâmetro da bola e da viscosidade do pare a camada de ar (causadora de atrito), criando uma ar. Já o eixo vertical (eixo y) é representado pelo Co- esteira de baixa pressão, diminuindo a resistência do efciente de Arrasto. Conforme a velocidade da bola ar e ocorrendo a Crise de Arrasto. Caso a Crise seja aumenta, o coeficiente de arrasto diminui, até que atingida, a probabilidade de converter a cobrança em no momento fnal, o coefciente de arrasto diminui um gol aumenta, porque o goleiro precisará de mais bruscamente e é nesse momento que ocorre a Crise tempo de raciocínio, devido à mudança da velocidade de Arrasto, período em que a bola passa a ter um al- e da trajetória da bola de futebol. Porém, para atingir cance maior do que a parábola inicial dela indicava. tal velocidade, o cobrador precisa ter prática e precisão.

2. O ar e a bola: mecânica dos fuidos

Após ser lançada, uma bola de futebol, se des- invisível. Na verdade ela não rompe, mas o ar à sua loca indo em direção à massa de ar que está à sua frente se desvia, passando ao redor da bola, confor- frente, ou seja, a bola precisa romper esta barreira me mostra a Figura 1122.

Bola a 50 km/h Bola a 100 km/h

Figura 11: Demonstração do fuxo de ar durante o deslocamento aéreo de uma bola.

22. Adaptado de: AGUIAR, Carlos Eduardo. Física do Futebol. Ciência Mão, USP. Ciências Físicas no Brasil, painel 36, 2005. Disponível em: . Acessado em: 18 de abril de 2014.

203 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

Este desvio do ar ao redor de um objeto é estuda- deslocando no ar e girando no sentido horário (Fi- do fsicamente como escoamento de fuidos. Este últi- gura 1526), percebe-se que o fuxo de ar que passa mo é a base para a aviação, uma vez que, dependendo pela parte inferior é mais rápido que o fuxo supe- do modo como este fuido escoar, haverá alterações rior, logo, como nos aviões, surge uma força que de pressão e de velocidade do mesmo, conforme de- desloca a bola para cima. monstra, para situações particulares, o Princípio de A força que surge na bola, como reação ao des- Bernoulli23, que é o pilar fundamental para entender o motivo físico pelo qual os aviões voam e que permi- tirá uma melhor compreensão do que acontece com as bolas de futebol ao serem lançadas (efeito).

2.1 O efeito Magnus De posse dos conhecimentos de aerodinâmi- ca, o físico e químico alemão Henrich Gustav Mag- nus24 desenvolveu a teoria que também justifca o desvio que uma bola pode sofrer (efeito) ao se des- locar por um fuido. Magnus, ao estudar o deslocamento de uma bo- Figura 12: Efeito Magnus em uma bola de golfe girando no sentido horário la no ar, percebeu que dependendo da rotação que a bola possa ter em seu próprio eixo, pode surgir uma locamento sofrido pelo ar em função da rotação variação de pressão no fuido ao seu redor, fazendo desta27, é simultaneamente perpendicular ao vetor com que o fluxo de ar se desloque com velocidade rotação da bola e ao vetor velocidade da mesma28. Ou maior em uma das regiões da bola, gerando uma seja, se a bola gira para a esquerda, ela poderá efetu- força semelhante à Força de Sustentação nos aviões. ar um efeito para a esquerda, se ela gira no sentido No caso das bolas, em homenagem ao estudioso, de- horário, ela poderá ter um efeito subindo, que na ver- nominou-se este fato de Efeito Magnus. dade se traduz por uma desaceleração em sua queda. A rotação que uma bola pode ter em seu próprio Para que o efeito Magnus seja relevante nos eixo depende do modo como o jogador chutou a bola, lançamentos de bolas, é necessário que elas não se- em geral, com a lateral dos pés, pois, além de dar o jam perfeitamente lisas, uma vez que a rugosidade impulso necessário, ele também consegue impor ro- afeta diretamente a maneira como o ar escoará aos tação na bola. Neste ponto, retoma-se o que foi abor- redores da bola. A rugosidade na superfície da bola dado no item 3.1 (O Chute e a Parábola), pois agora é consegue estreitar a região de baixa pressão do ar, possível afrmar que o jogador de futebol pode con- alterando tanto o comportamento da Força de Ar- trolar três grandezas25 na bola, velocidade, ângulo rasto, uma vez que a região de baixa pressão é me- de lançamento e rotação. nor, bem como o Efeito Magnus, já que o fuxo de ar Tomando como exemplo uma bola de golfe se acompanha por mais tempo a superfície da bola.

23. Daniel Bernoulli foi um matemático e físico suíço nascido em Gröningen, Países Baixos, outro dos membros da famosa família de mate- máticos de Basileia, tido na história da hidráulica como o responsável pela dedução do famoso princípio de Bernoulli para fuidos em movi- mento, fundamental para o desenvolvimento da hidrodinâmica. Adaptado de: DANIEL Bernoulli. Brasil Escola. Disponível em: . Acessado em: 18 de abril de 2014. 24. GUSTAV Heinrich Magnus. Jewish Encyclopedia. Disponível em: . Acessado em: 18 de abril de 2014. 25. Anteriormente foi citado (item 3.1) que o jogador só poderia controlar duas grandezas, a velocidade e o ângulo, pois, naquele cenário, o atrito com o ar era desprezado, logo não havia sentido em considerar a rotação da bola em seu próprio eixo. 26. Fonte: AGUIAR, Carlos Eduardo e RUBINI, Gustavo. A aerodinâmica de uma bola de futebol. Revista Brasileira de Ensino de Física, 2004, v. 26, n. 4, p. 297-306. Disponível em: . Acesso em 14 de maio de 2014. 27. Deste modo, entende-se o par ação e reação (Terceira Lei de Newton), pois o ar é forçado a se deslocar pela rotação da bola, que por sua vez, empurra a bola em sentido contrário. 28. AGUIAR, Carlos Eduardo e RUBINI, Gustavo. A aerodinâmica de uma bola de futebol. Revista Brasileira de Ensino de Física, 2004, v. 26, n. 4, p. 297-306. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/rbef/v26n4/a03v26n4.pdf>. Acesso em: 14 de maio de 2014.

204 A cobrança de falta perfeita em frente ao gol

Abaixo, a Figura 1329 exemplifca a infuência da ru- gosidade da bola e a Figura 1430, uma foto próxima da “Brazuca”, onde é possível notar a rugosidade da bola ofcial da COPA do Mundo de 2014.

Alta pressão

Baixa pressão

Alta pressão

Baixa pressão

Figura 13: Efeito da rugosidade da bola no fuxo de ar ao seu redor. Figura 14: Foto da Brazuca e sua rugosidade.

Diante do exposto, fica evidente a questão do do tanto a fatores físicos (porte físico do atleta), quan- treino do atleta nas cobranças de bola parada, pois to fatores externos (dedicação e comprometimento). além de ajustar o ângulo e a velocidade, pode ser in- Destaca-se que não é todo chute com a lateral teressante que o atleta coloque “efeito” na bola, e para do pé que pode produzir efeito, mas somente aque- tal, precisará chutar com as laterais do pé para que a les com a força necessária, logo, o treino é funda- bola adquira rotação e possa produzir o efeito deseja- mental, pois aqui temos uma clara necessidade de do. Além disso, cada atleta possui uma aptidão, devi- altos índices de precisão e força.

3. A física ajudando a escolha do melhor chute

Depois de conhecer toda a Física por trás de tome a decisão com mais chances de sucesso. uma bola chutada, resta saber qual é a melhor opção, Diante disso, o presente estudo abordará um um chute direto, um chute com efeito para a esquer- momento que pode corroborar a formação do atleta: da, um chute como o do Pelé na Copa do Mundo de uma cobrança de falta com barreira. Neste caso será Futebol de 197031? Em geral, os jogadores profssio- considerada uma situação real, ou seja, com Força nais não possuem muito tempo para analisar a situ- de Arrasto e Efeito Magnus. ação, por isso é importante que os técnicos apresen- tem diversas simulações nos treinamentos, para que 3.1 Cobrança de falta com barreira o atleta possua uma melhor percepção do momento e Consideremos um lance de bola parada, com o

29. Fonte: AMATEUR Scientist, The. Disponível em: . Acessado em: 18 de abril de 2014. 30. Fonte: HORN, Leslie. Gizmodo Brasil. Disponível em: . Acessado em: 18 de abril de 2014. 31. “Por um momento, ninguém entendeu. Por que Pelé não passou? Por que atirava de tão espantosa distância? E o goleiro custou a perceber que era ele a vítima. Seu horror teve qualquer coisa de cômico. Pôs-se a correr, em pânico. De vez em quando, parava e olhava. Lá vinha a bola. Parecia uma cena dos Três Patetas. E, por um fo, não entra o mais fantástico gol de todas as Copas passadas, presentes e futuras. Os tchecos parados, os brasileiros parados, os mexicanos parados - viram a bola tirar o maior fno da trave. Foi um cínico e des- lavado milagre não ter se consumado esse gol tão merecido. Aquele foi, sim, um momento de eternidade do futebol.” RODRIGUES, Nelson. À Sombra das Chuteiras Imortais, 1ºed., vol. 1. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1993. p. 172.

205 Revista Resgates 2014 – futebol: ciência, cultura e sociedade

jogador a 18,3 metros do gol e uma barreira a 9,14 metros de distância e com três metros de largura, conforme mostra a Figura 1532.

7,32 m

GOL

Figura 16: Lançamento da bola, com efeito, por cima da barreira.

Para a situação acima descrita, os físicos Bran- don G. Cook e Jonh Eric Gof34, estudaram as possi- 1 m bilidades deste acontecimento em função dos valo- 18,3 m BARREIRA res de velocidade inicial da bola v0, ângulo de chute 2 m θ, velocidade de rotação ω e o ângulo de desvio da linha reta que une a bola e o centro do gol ϕ, no caso, um valor fxo de 3º. Com a ajuda de um programa de v 9,14 m 0 simulações, os físicos apresentaram o gráfco de si- tuações (Figura 1735) que permitiriam que este chute resultasse em gol em função do tempo de voo da bola. ϕ

BOLA

Figura 15: Situação de cobrança de falta com barreira.

O jogador, antes de chutar a bola, precisa decidir o modo como deseja que a trajetória se comporte: um tiro direto por fora da barreira, um lançamento pas- sando por cima da barreira ou a opção mais desejada e festejada pela torcida, um chute com efeito por cima da barreira, atingindo o quadrante superior esquerdo do gol (Figura 1633), deixando assim o goleiro sem a menor condição de defesa, uma vez que ele já colocou a barreira para auxiliá-lo nesta defesa. Figura 17: Gráfco de possibilidade de converter o chute em gol.

32. Fonte: COOK, Brandon G. e GOFF, Jonh Eric. Parameter space for successful soccer kicks. School of Sciences, Lynchburg College. Maio de 2006. Disponível em: . Acessado em: 19 de abril de 2014. 33. Fonte: COOK, Brandon G. e GOFF, Jonh Eric. Parameter space for successful soccer kicks. School of Sciences, Lynchburg College. Maio de 2006. Disponível em: . Acessado em: 19 de abril de 2014. 34. COOK, Brandon G. e GOFF, Jonh Eric. Parameter space for successful soccer kicks. School of Sciences, Lynchburg College. Maio de 2006. Disponível em: . Acessado em: 19 de abril de 2014. 35. Fonte: COOK, Brandon G. e GOFF, Jonh Eric. Parameter space for successful soccer kicks. School of Sciences, Lynchburg College. Maio de 2006. Disponível em: . Acessado em: 19 de abril de 2014.

206 A cobrança de falta perfeita em frente ao gol

Da análise destes dados, podemos perceber Pela análise dos gráficos mostrados pelos físicos que há um limite de velocidades, entre 25 m/s e 29 Brandon G. Cook e Jonh Eric Goff, conclui-se que: m/s (90 km/h e 104,4 km/h), o que comprova que quando o cobrador chuta a bola, ele deve aplicar no somente jogadores de alto desempenho consegui- corpo uma força maior, pois de acordo com a 2º Lei de rão tal feito. Além disso, o jogador deve conseguir Newton (F = m.a), na qual “F” representa força, “m” imprimir, dependendo da velocidade, um ângulo representa massa do corpo e “a” representa aceleração de 14º a 17º e chutar a bola imprimindo nesta uma que adquire quando aplicada uma força de intensidade rotação de 6 a 9 voltas por segundo. F; conforme maior a força aplicada, maior será a acele- Para os leigos, atingir todas as condições esta- ração, visto que a bola não sofre alterações significati- belecidas acima é questão de sorte, mas para profs- vas de massa durante uma partida. Caso a força que o sionais do futebol, é questão de treino e domínio das cobrador aplique possua um grande módulo e o chute habilidades. A Física mostra que é possível. Cabe ao seja realizado com precisão (acertar nos cantos altos do atleta atingir os requisitos, por isso a importância do gol), as chances de converter a cobrança de falta em gol treino, inclusive de bolas paradas. aumentam de forma exponencial.

Conclusão

O presente estudo buscou demonstrar que até muito treino, a fm de adquirir força e precisão na no esporte mais popular do Brasil há muita ciência conclusão da jogada. por trás dos acontecimentos. Uma simples cobran- Muito do que foi desenvolvido neste traba- ça de falta requer o domínio, ainda que empírico, de lho não se aplica somente ao futebol, mas a todos muitos conceitos físicos. Claro que não é plausível os outros esportes que envolvam o lançamento esperar que um jogador de futebol domine concei- de uma bola, por exemplo: vôlei, basquete, gol- tos profundos de Física, mas aqui fca demonstrado fe, tênis, etc. Neste sentido, os conceitos aqui que com treino e dedicação, algumas situações que difundidos podem e devem ser aproveitados em até podem ser consideradas como sorte por leigos, outras modalidades esportivas, sempre no intuito podem se tornar ferramentas úteis aos profssionais de auxiliar os profssionais esportivos, ou mesmo do esporte em questão. satisfazer as mentes mais inquietas que buscam a Além disso, conclui-se que para o cobrador re- verdade por trás das coisas simples da vida, como alizar a cobrança de falta perfeita, ele necessita de um chute numa bola de futebol.

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