DIRETOR - FRANCISCO MADELINO JORNAL BIMEStrAL 3.a SÉRIE • 1€ N.0 14• NOV-DEZ 2018

sustentabilidade ambiental e social

TL NOV-DEZ 2018 3

4/5 8 10 14 16 20 22 Entrevista: Sofiane Viajando com livros Memórias de Júlio Campeonato Entrevista Teatro da Trindade Contos do Zambujal Saidi e Laura Marques Isidro gastronómico Gaye Su Akyol Inatel 6 9 12 18 23 Entrevista: A Casa na árvore Entrevista: Filipe 15 Coluna do Provedor | 21 Passatempos Joshua Ruah Duarte Santos Viagem: Turquia Notícias Ver | Ouvir ÍNDICE capa Editorial

FRANCISCO MADELINO Presidente da fundação inatel

Defender o Planeta e a Diversidade de Culturas, o debate da Sustentabilidade oão Fazenda é um ilustrador cuja actividade se divide entre a ilustração, o desenho, a Agenda 2030, da ONU, vem colocar o debate da susten- animação, a banda desenhada e, tabilidade a um patamar diferente. O futuro depende por vezes, a pintura. da capacidade de garantirmos os recursos planetários a Nascido em Lisboa em 1979, que o Homem possa sobreviver, a sustentabilidade am- licenciou-se pela Faculdade biental, e da capacidade humana em viver em grandes Jde Belas Artes de Lisboa antes de se urbes metropolitanas de milhões de pessoas, migrantes dedicar, a tempo inteiro, à criação de multiplicidades de culturas, e com capacidade de ilustração de imagens para uma variedade de aceitarem as diferenças e as formas de sentir e ver o Mundo. joão fazenda A histórias e diferentes mediuns. A sustentabilidade social e ambiental são assim as principais No seu trabalho tem como principal questões políticas do tempo que vivemos. Como a Social, do sé- objectivo explorar as relações entre o culo XIX para o XX. A emancipação feminina na segunda metade desenho e a narrativa, nas suas muitas do XX, sobretudo nos países mais desenvolvidos. E questão da possibilidades e diferentes caminhos. sustentabilidade nos tempos que vivemos, e no desafio de tornar Com vasta obra na imprensa e vários o mundo mais justo e igual em desenvolvimento. livros publicados, tem como clientes, A Inatel nasceu, nos anos trinta, com a questão social. Cresceu entre muitos outros, o EL País, o Público, e anda com ela, mas sempre se ligou às causas do seu tempo. Pela a Visão, o The New York Times, a The New cultura, pelo desporto e pelo turismo. Yorker, o The Wall Street Journal e o The Aqui está, de novo, no centro deste debate. Guardian. Entrou-se intensamente nos debates sobre os objetivos 2030. O livro Dança, de 2015, editado pela Homenagearam-se personalidades como Mário Ruivo, Ribeiro Pato Lógico, levou-o a juntar mais um Telles ou Cláudio Torres, exemplares neste debate da sustentabi- galardão aos muitos prémios, nacionais e internacionais, que constam do seu lidade social e cultural. Promoveu-se o Ciclo Mundos, um nome currículo: Fazenda foi o vencedor da incontornável nos diálogos interculturais, numa parceria forte 20ª edição do Prémio Nacional de com o FMM de Sines. Andamos pelas ruas do País com o Popular. Ilustração, atribuído anualmente pela Concretizamos o Festival das Culturas Mediterrânicas. O Des- Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e porto Natureza, com ligação aos territórios e às reservas ambien- das Bibliotecas (DGLAB). tais. O turismo, na economia social e com ligação ao ambiente e João Fazenda vive e trabalha entre às culturas regionais, com discriminação social positiva, como o Lisboa e Londres. 55+. Este número do TL é assim dedicado a esta causa do nosso mi- lénio e ao desafio das novas gerações.

Jornal Tempo Livre | email: [email protected] | Propriedade da Fundação Inatel | Presidente do Conselho de Administração Francisco Madelino Vice-Presidente Lucinda Lopes Vogais Álvaro Carneiro e José Alho Sede da Fundação Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 Lisboa Diretor Francisco Madelino Publicidade Tel. 210027000/ [email protected] Impressão Lidergraf Sustainable Printing – Rua do Galhano, 15 – 4480-089 Vila do Conde Tel. 252 103 300 Dep. Legal 41725/90 Registo de propriedade na ERC 114484 Preço 1 € Tiragem deste número 120.163 exemplares Membro da APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação | Estatuto editorial publicado em www.inatel.pt 4 TL NOV-DEZ 2018 Sofiane Saidi A vida até ao último copo de liberdade No palco, a sua voz rouca e os ritmos electrificados faziam abanar ritmicamente a multidão que enchia o Castelo de Sines. A música que canta tem uma história. Vem das ruelas marginais da Argélia e desagua nos bairros populares de Paris. É como um rio que afirma a sua liberdade Aurore Vinot

momento era mágico. Chega- A palavra raï, nunca é de mais sublinhar raï parece ter o elixir da juventude. “É franceses e tomou o poder na Argélia), vam os pacotes fechados envia- significa “ter opinião”: “em resumo, raï é porque é uma música de liberdade. Não como é que a sua mãe viu o seu percurso dos pelo tio que vivia nos Esta- antes de tudo, mais que um estilo musi- é qualquer coisa que se consiga encerrar por esses meios marginais? “Ela nunca dos Unidos da América. Dentro cal, uma questão de atitude. Quer dizer: numa caixa. É uma música que exige es- se opôs à minha vida. Não gostava é que estavam os discos de capas co- eu penso, faço o que quero. Há um lado tar sempre livre. Como a água de um rio. eu chegasse a casa às seis da manhã. Ti- loridas. Álbuns de funk, discos anárquico, ‘no future’, ‘fuck la vie’ [como Uma pedra nunca impedirá a água de nha medo do que me podia suceder. Mas de Jimmy Hendrix. Em casa nos punks], aqui”, argumenta Sofiane. fazer o seu caminho”, pontua o músico. compreendia o que eu fazia. A minha Oera a mistura de culturas, ouvia a diva da O percurso musical do cantor argeli- “Tenho aliás a impressão que o raï é ainda mãe adora a música”. música egípcia Umm Kulthum. No meio no começa em Sidi Bel Abbès, cidade do mais importante no século XXI, porque o Cantava por piada. Mas o seu destino de influências tão díspares escolheu can- Oeste argelino. Zona dura em que o raï mundo sofreu uma regressão. Há cada traçou-se num casamento. “Depois dis- tar raï, que literalmente significa “tomar se electriza. E esta educação sentimental vez mais interditos e pressões no mundo so percebi que era isso que queria fazer. a palavra”. “Escolhi, porque é algo que se continua nos bares de Paris, onde Sofiane em geral e no mundo árabe em particu- Cantar. Eu sentia que era feito para isso. encontra justamente entre esses dois tipos Saidi se refugia com apenas 18 anos. Noi- lar”, diz-nos o cantor, enquanto bebemos Descobri isso com o humor, mas sobretu- de culturas, uma inglesa e americana e a tes loucas em cabarés frequentados por algo nos bastidores do Festival Músicas do com a voz”, recorda. outra árabe, representa de alguma forma uma massa de franceses, argelinos e afri- do Mundo, em Sines. Durou pouco tempo. Foi detido nas uma espécie de mistura”, diz Sofiane Sai- canos sob as estrelas da Cidade Luz. Aqui Foi por causa dessa capacidade de ser manifestações de 1988. Fugiu para Paris. di com a sua voz rouca e pontuando as a vida é consumida até ao último golo: livre e subversivo que os islamitas assas- “Era demasiado jovem para ter consciên- frases com o olhar. Na altura, na Argélia, “Como músico ganhava três pascais [nota sinaram Cheb Hasni? “Provável. O mais cia política. A única coisa que eu sabia é os jovens não tinham direito de se apro- de 500 francos] por noite. Em cada sítio significativo é que ele não cantava temas que não havia facilidade para as pessoas priarem da linguagem falada na rua e o raï serviam-me ¼ de uma garrafa de whisky. políticos, apenas falava do amor. Cantava falarem. As pessoas tinham medo de fa- fazia isso. “Era uma época diferente, um Na madrugada já tinha emborcado quase somente o amor. Ele pagou um peso pesa- lar. Havia controlos policiais por todo o pouco socialista e comunista, estávamos um litro. Todos os dias levantava-me às 18 do. Mesmo quando não cantamos política, lado. O que aconteceu é que eu vi os dis- nos Países Não Alinhados. Havia alguma horas e ia para a noite até de manhã”. cantar o amor pode levar-nos à morte. O túrbios. Vi uns rapazes correr e corri com coisa de militar, numa sociedade perma- O raï é uma forma de subversão e que amor pode ser uma grande subversão”. eles. Sabia apenas que se passava qual- nentemente mobilizada”, explica. tem a origem no início do século XX, no O raï, voltamos a sublinhar, é uma quer coisa”. Sofiane Saidi moderniza uma longa meio das ruas dos marginais da socieda- música de underground, nasceu, sobre- Passou uma semana na cadeia. Foi duro? linhagem de cantores dos becos, dos ba- de colonial. Sobreviveu vivo e contesta- viveu e desenvolveu-se no bafond e nos “Foi muito duro. Não havia comida, os res e cabarés que passavam a palavra nas tário até aos dias de hoje. Normalmente, cabarets. Sendo filho de uma resistente guardas quando passavam lançavam-nos margens da sociedade. Por isso lhe cha- as coisas envelhecem. Os jovens revolu- da FLN (Frente de Libertação Nacional, água para cima. Tudo isso traumatizou- mam “o príncipe do raï 2.0”. cionários tornam-se velhos pesados. O movimento que expulsou os colonialistas -me”. A mãe sofreu com mais este episó- TL NOV-DEZ 2018 5

dio. “A minha mãe viveu a prisão, durante a guerra da independência, reviveu esse inferno com a minha prisão”. Uma semana depois o partido único Entrevista Laura Marques caiu. Vários partidos foram autorizados, entre os quais os islamistas que vão ga- nhar as eleições, seguindo-se uma guer- ra civil. “Vi subir a intolerância. Fui-me embora. Não quero aprofundar este as- “A vida e a imaginação sunto, até porque não vivo seguro e sob proteção...”. Se começou a cantar aos 15 anos na Ar- gélia, a ida para Paris muda-lhe a vida. São recursos infinitos” Depois de dois anos sem conseguir cantar, totalmente sem música, descobre nas cata- cumbas o meio do raï. A música esconde- -se nas ruelas e aparece nos cabarés, onde se acotovelam as prostitutas, os dealers, os mendigos, os travestis e bandidos de to- dos os feitios. Aqui canta, por umas notas e umas gar- rafas de whisky, enquanto na Argélia são assassinados músicos e intelectuais como Cheb Hasni, Rachid Baba Ahmed, Cheikh Zouaoui. Reencontra uma espécie de pátria em Paris. “Tenho dúvidas em me considerar de qualquer sítio, mas considero-me pa- risiense. Paris é um país com muitas cul- turas diferentes dentro dela. Lá sinto-me integrado. Há problemas evidentemente. Há os guetos dos subúrbios, mas em Paris quando há festa, está toda a gente”. Qual é a relação da sua música com a Argélia de hoje? “A minha fonte de ins- piração mudou de lugar”, responde So- acas e Rainhas” Estar longe do que o século XXI nos Tenho recebido um feedback muito fiane Saidi. Deixou de ser um local para é o seu primeiro oferece nos dias de hoje é estar longe positivo, tanto de conhecidos como de se converter numa memória. “Vivi na documentário, de quê? desconhecidos. Argélia apenas até aos meus 17 anos”, vencedor do prémio Da conexão instantânea com pessoas É este o caminho que ambiciona, sorri. “Na época que comecei a cantar o da Fundação Inatel que estão longe e com o mundo em realizar, ou há outras áreas distintas a raï nem sequer era muito conhecido na no DocLisboa. geral. Tenho um telemóvel que dá explorar? Argélia”, não tinha ainda saído dos seus Antes disso tinha para telefonar e receber sms, por isso Este é um dos caminhos, sim. Mas, sítios escondidos. “As suas palavras e me- “Vdesenvolvido trabalhos de ilustração, as notícias chegavam-me via rádio normalmente sou mais movida por lodia que derrubaram fronteiras, circu- vídeo, música e som, muitos deles e tive um amigo que geriu o meu questões do que pela forma como lavam menos e eram menos conhecidas inspirados por elementos do mundo email por mim durante todo o verão chego a respostas. Assim, cada questão que músicas mais consensuais e margi- rural. – senão nem sequer teria o filme no convida a meios que lhe são mais úteis nais, como o chaâbi”. Tudo músicas que se Nasceu em 1988, em Leiria. DocLisboa. É deixar de ir a locais de ou favoráveis. E estes já passaram pela recusavam a abordar “o amor, o álcool, o Licenciou-se em Design de consumo e de pedires que te tragam cerâmica, pelo som, pela música, pelo sexo e a própria vida”. Equipamento entre a Faculdade quase sempre a mesma comida, por vídeo, pela escrita, pela performance ou O raï vai revolucionar-se e revolucio- de Belas-Artes da Universidade de te esqueceres de toda a variedade de pelo têxtil. E agora pelo documentário. nar tudo isso. Vai juntar a marginalidade Lisboa e a Kunsthøgskole i Bergen, na oferta. Vai continuar a criar a partir do que a às sonoridades dos beduínos, conhecidos Noruega. Quando é que os Alpes Suíços deixam Natureza lhe oferece? pelo seu maior apego à liberdade e o seu Em 2017 terminou o Mestrado em de ser um meio para ganhar dinheiro “Natureza” é um conceito demasiado menor respeito às autoridades de turno. Antropologia – Culturas Visuais, e passam a ser a razão para realizar o complexo, mas posso dizer que me Sofiane Saidi junta tudo isso com uma na Faculdade de Ciências Sociais e “Vacas e Rainhas”? interessa muito explorar relações entre electricidade contagiante que em cada Humanas da Universidade Nova Os Alpes nunca deixaram de ser um seres humanos e outras formas de vida. palco obriga os corpos do público a me- de Lisboa, tendo passado pelo meio para ganhar dinheiro. O “Vacas e Que emoções pretende despertar em xerem-se e que derruba barreiras linguís- departamento de Estudos Culturais da Rainhas” surge com certa naturalidade, quem vê “Vacas e Rainhas”? ticas, como se de uma magia xamânica se Universidade Humboldt, em Berlim. pela conveniência em conciliar o objeto Este documentário foi feito com uma tratasse. Uma música do mundo como o Desde 2012 guarda vacas nos Alpes de estudo para o projeto final do postura de questionar os limites raï, mistura-se como muitas das sonorida- Suíços no verão, onde se isola durante mestrado em Antropologia e o trabalho do filme etnográfico no contexto des do jazz, do funk, o rock, às sonorida- meses, desenvolvendo diversos que fazia então no verão. académico. No fundo, queria falar de des africanas. projetos de foro artístico no resto do Da ilustração, ao som, passando pelo coisas sérias sem me levar demasiado a Como canta Sofiane Saidi, no seu tema ano. vídeo, até onde pode ir a imaginação sério. Há, por isso, um tom de humor “Gasbah Trinisiti”: Como é que nasce esta vontade de para criar entre vacas e prados? e ironia que está muito presente e que estar em contacto com mundo rural? A vida e a imaginação são recursos penso que passa para quem o vê. “Espero o teu regresso e não durmo, Na verdade eu passo a maior parte infinitos, não sei até onde podem ir. O que a motivou a retratar as vacas Bebo e drogo-me até amanhã de manhã do ano em Lisboa. É curioso, porque Ainda bem. Herens, e o que viveu com elas Fico louco tenho sempre mais facilidade em O filme “Vacas e Rainhas” venceu enquanto rainha num documentário Quero partir para Sidi bel Abbès para adaptar-me à vida na montanha do o prémio da Fundação Inatel no para o mundo? ver a minha mãe que à da cidade. Quando regresso DocLisboa. Estava à espera deste As vacas têm sido grandes professoras, Chauffeur de Táxi, fala-me de Argel à cidade fico uma ou duas semanas reconhecimento? É o impulso para sobre a vida em geral e sobre mim Põe-me na Gasbah!” muito cansada com a quantidade de fazer mais nesta área? própria. As vacas Herens, em particular, estímulos sensoriais e de pessoas. Penso que quando fazemos um filme há por terem muito presente esta questão Ou na sua canção intitulada: “Yadra” (O Quando vou para a montanha é sempre a expectativa de este criar uma de hierarquia, tornam inevitável uma que há de novo?) em que evoca o exílio uma readaptação mais física, a dos ressonância positiva, seja no público reflexão sobre relações de poder nos dos jovens: pulmões ao ar mais rarefeito e a dos em geral, seja no grupo de pessoas que mais variados sentidos. “ Em minha casa sou exilado. músculos das pernas à exigência das constituem um júri. Se essa ressonância Afinal, quem vence a batalha do poder, Ele mentem. subidas e descidas. Ganha-se o ar se concretiza num prémio, tanto homens ou animais? Estão implacáveis sobre o seu país. mais puro, o ritmo estabelecido pelo melhor. E estes, quer se queira quer Os homens são animais. Por enquanto, A beleza faz-lhes medo. nasceres e pores-do-sol, o tempo para não, acabam por ser importantes para é o que sei. Já te casaste? a contemplação, os eventos de vida e teres mais possibilidades de continuar a Já está a trabalhar no próximo? Esqueceste-te de mim? de morte de que estamos tão apartados fazer o que gostas. Na atribuição deste Será realizado em ou sente Eles impediram o nosso amor, perdoa- na vida da cidade. E só ali fui ter por prémio em específico, fiquei bastante necessidade de sair do país para criar? -me”. uma cadeia de coincidências que me tocada pela justificação do júri, por me Sim, estou. Vai ser em Portugal, sobre a Nuno Ramos de almeida juntaram a pessoas que me mostraram parecer muito sensível e justa. sua floresta. [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia] este mundo. Que feedback é que tem recebido? M.J.C. 6 TL NOV-DEZ 2018 Entrevista Joshua Ruah “Temos que acorrer ao sofrimento dos outros, seja quem for e em que condições for”

Pertence a uma das famílias mais influentes da comunidade judaica em Portugal. Filho de Moysés Cagi Ruah e Esther Benoliel Ruah, Joshua Ruah nasceu em Lisboa, em 8 de setembro de 1940, tendo passado a sua infância no coração de Lisboa, no Chiado

icenciou-se em Medicina em 1967, E o seu núcleo familiar mais restrito? simpática, um homem muito culto, não na Faculdade de Medicina da Eu sou casado, tenho cinco filhos, “Sempre que tinha nada a ver com a sua postura social e Universidade Clássica de Lisboa, seis netos e a minha mulher é metade política. Eu tinha um profundo desacordo com 16 valores, e tornou-se um dos marroquina, metade turca, de origem há temas político com ele, mas de facto, como urologistas mais conceituados do russa e polaca. O meu sogro era filho de pessoa, era um homem culto, não era país. Foi médico do histórico líder uma russa e de um polaco nascido na transversais culto, era cultérrimo, impressionante! comunista Álvaro Cunhal. Turquia e a minha sogra nasceu no norte Escrevia muito bem, falava muito LEm entrevista ao Tempo Livre, Joshua de África, em Larache. à sociedade, bem, sabia muito de tudo, de música, de Ruah recordou a história da família Portanto, a nossa ligação principal pintura, de política, de todas as artes, sabia Ruah, que chegou há quase 200 anos a ancestral é Marrocos. convidam-me. Já de tudo. Era um homem muito cativante, Portugal. Uma família muito marcada A solidariedade presente na Medicina e de facto. pela Medicina, mas também com a vontade de ajudar pesou na decisão de estive na Covilhã, Fui muito amigo do dr. Mário Soares, notáveis noutras áreas: um pioneiro da ser médico? simultaneamente, e era outra pessoa fotorreportagem em Portugal e uma atriz Não é só a vontade de ajudar, eu sou de a convite da cativante, de outro estilo completamente internacional, Daniela Ruah. uma família em que havia vários médicos diferente. Pessoas que de facto tinham Incontornável no seu percurso é a sua ou paramédicos. O meu tio, irmão da Comissão Nacional uma vivência cultural, política, social forte ligação à comunidade judaica, que minha mãe, era médico, o meu primo é fantásticas. São as chamadas pessoas de chegou a liderar em Portugal durante 23 médico, o filho do meu primo é médico, de Ética sobre exceção. anos e da qual nunca se desligou. de maneira que a medicina vai além disso Fazem falta? Pertence a uma família judaica que entre nós, num grupo judeu-cultural, a a eutanásia, já Eu acho que desapareceram, mas ainda se fixou em Portugal após a abolição medicina é muito frequente porque é uma há dois homens com esta formação, o da Inquisição em 1821. Pode contar tradição. fui ouvido no dr. Jorge Sampaio e o professor Adriano resumidamente a história da família A solidariedade na área da saúde Moreira, que são pessoas de enorme Ruah em Portugal, que começou com a depende até da ética profissional. Nós Parlamento quando cultura e são pessoas excecionais. chegada ao país de um casal que teve sete temos que acorrer ao sofrimento dos Como é que o judaísmo marcou a sua filhos? outros. Seja quem for e em que condições foi a questão do vida? A família Ruah veio de Marrocos para for, nós devemos e somos obrigados a O judaísmo é um conjunto de fenómenos, o Algarve nos anos 30 do século XIX, atuar. aborto e logo no dentro dos quais há uma religião, mas é deslocando-se depois para Lisboa, onde Foi médico do dr. Álvaro Cunhal. Como sobretudo uma cultura e uma tradição. se estabeleceram. Moysés e Ester foram o aconteceu esse encontro e que memórias princípio do 25 Fui presidente durante 23 anos da primeiro casal a chegar a Portugal. guarda do político e do homem que comunidade judaica e durante mais Os meus avós e os meus pais já acompanhou desde 1990 até ao momento de Abril sobre a 10 anos fui presidente da Assembleia- nasceram em Portugal, como os meus tios. da sua morte? Geral. Antes de ser presidente, estive O meu avô paterno, José Bento Ruah, O encontro com o dr. Álvaro Cunhal erradicação do vários anos na direção. Portanto, estou esteve estabelecido no Algarve, depois aconteceu porque eu já tinha operado profundamente ligado à comunidade. veio para Lisboa, de onde seguiu para muitos elementos do comité central analfabetismo” Teve sempre um papel muito ativo junto África, tendo estado em São Tomé e em do partido, porque eu era consultor da comunidade judaica em Portugal. Angola com a minha avó paterna. no hospital de Santa Cruz, onde várias Houve episódios que o tenham marcado O meu avô materno, Joshua Benoliel, pessoas, sobretudo da área política, iam pela positiva ou pela negativa? nasceu em Lisboa em 1873 e era casado muito. Portanto, eu já tinha operado o Pela negativa não, pela positiva, vários. com uma irmã do meu avô paterno, José senhor Octávio Pato e foi ele que me Tenho tido contactos a nível cultural Bento Ruah. Trabalhou na Alfândega e foi telefonou a pedir para ver o dr. Cunhal. com outras comunidades. Por exemplo quem introduziu a fotografia nos jornais E eu vi o dr. Cunhal. Foi na altura da com a comunidade islâmica e com a (dando início à reportagem em Portugal) e primeira guerra do Golfo. comunidade cristã. Temos tido, enquanto trabalhou para o jornal O Século. O dr. Cunhal era uma pessoa muito comunidade, várias iniciativas em beatriz Lorena que é uma coisa diferente, por isso há sempre. Há racistas, há antissemitas, antibenfiquistas, antiportistas. Há sempre gente que é anti qualquer coisa. Agora, um antissemitismo organizado, por ora, não me parece haver, isso são movimentos clandestinos. Em Portugal, até agora tem sido calmo. Como observa o crescimento dos partidos ‘populistas’ no mundo? É um regresso, é uma nova modalidade do fascismo, é uma nova moralidade e isso é movimentado muito provavelmente pelo grande capital globalizante e internacional. Essa globalização é uma força sem sede e sem face, de maneira que podem dominar perfeitamente movimentos políticos. Eu acho que no fundo, no fundo, não são eles apenas que cresceram, é também uma falta de intervenção ou de intervenção correta de uma esquerda um pouco esgotada na Europa, mas que, felizmente, aqui em Portugal ainda funciona. Portanto, a Península Ibérica está mais ou menos isenta desses populismos, mas acabamos por sofrer influência, a questão americana, a questão brasileira, a questão húngara, a questão polaca. Até agora, em França, com a contestação ao Presidente Macron, a questão da Alemanha é fundamental e, por outro lado, o aparecimento de partidos radicais a leste, alguns, como por exemplo o partido do Presidente Edorgan na Turquia, que funciona em regime ditatorial e que prendeu milhares de pessoas numa revolução que nunca existiu. Considera que este fenómeno pode ter consequências perigosas para as comunidades imigrantes? Considero. Os movimentos anti- imigrantes, por um lado, a islamofobia na Europa, por outro. E a Islamofobia faz-me sempre lembrar o antissemitismo dos anos 30 e esta linguagem do Trump, do Bolsonaro, a linguagem de Orbán na Hungria ou a linguagem atual da Polónia são linguagens que incentivam uma potencialização das franjas da extrema esquerda e da extrema direita. Os extremistas ficam incentivados com essa linguagem e, por exemplo, uma linguagem de islamofobia pode acontecer que liberte as organizações antissemitas como aconteceu agora em Pittsburgh, em que um homem matou várias pessoas numa sinagoga com uma metralhadora. Bem sei que nos Estados Unidos começa a ser comum matar uma data de gente com tiros e isso aumentou com esta linguagem do Trump, que é uma linguagem xenofóbica em relação aos imigrantes, e que, portanto, incentiva estes extremos políticos. Houve também uma manifestação do Ku Klux Klan a seguir ao Trump ter sido Portugal, como a grande comemoração problema, mas de uma forma mais ou Já fui convidado praticamente para eleito com a linguagem dele. Portanto, os de lembrança da Inquisição, em 1996, em menos isolada. A seguir ao 25 de Abril todas as universidades e, sempre que há extremos sentem-se cómodos quando os que o dr. Jorge Sampaio foi o presidente tivemos que nos expor mais, porque temas transversais à sociedade, convidam- políticos têm linguagens desse tipo. dessas comemorações, uma iniciativa da apareceram as outras comunidades, me. Já estive na Covilhã, a convite da Está a tornar-se um mundo assustador? Assembleia da República, com iniciativas como a comunidade Islâmica, com o seu Comissão Nacional de Ética sobre a Não acho que seja assustador, é um em Belmonte e no Porto. presidente, o dr. Abdul Vakil, de quem eutanásia, já fui ouvido no Parlamento mundo que, quando isto tocar os grandes Também estive na base da criação sou amigo há praticamente 60 anos e com quando foi a questão do aborto e logo interesses económicos, é um mundo em da comunidade judaica de Belmonte, quem continuo a ter um contacto muito no princípio do 25 de Abril sobre a guerra. formada por judeus clandestinos. Entrei estreito. erradicação do analfabetismo, etc. É mentira que a guerra tenha acabado, em contacto com eles em 1963 e a eles Houve um interesse que não tinha Nos últimos anos, tem-se vindo a assistir é mentira, nunca acabou. Diz-se: “há 70 estive ligado durante a constituição da havido até aí dos meios de comunicação ao aumento de ataques antissemitas anos de paz depois da Segunda Guerra”. comunidade. Enfim, tive sempre uma para saber o que era a comunidade na Europa e no Mundo que levaram o Mas é mentira. Houve uma guerra ligação ao mundo judaico. judaica. Lá teve que se ir à televisão, à Parlamento Europeu a pedir, em 2017, diferente, há o terrorismo, houve a guerra Sente que, de alguma forma, contribuiu rádio, e muitas outras coisas. aos Estados-membros para reforçarem as na antiga Jugoslávia, houve guerra no para uma melhor integração desta Depois houve o fenómeno das Torres medidas de luta contra este fenómeno. Médio Oriente, houve guerra na América comunidade no país? Gémeas que desencadeou uma série de Considera que em Portugal existem do Sul, em África exterminam os Tutsi. Tenho a certeza. Houve uma mudança atividades no sentido da aproximação das comportamentos antissemitas? Tem Por isso, é mentira que não tenha havido fundamental, que foi o 25 de Abril. Até ao culturas. Enfim, há uma enorme atividade relatos de algumas situações? guerra, houve sempre guerra. 25 de Abril nós vivíamos sem qualquer sempre numa base muito cultural. Acho que não, claro que há antissemitas, Helena Neves Marques 8 TL NOV-DEZ 2018

Viajando com livros O NATAL NA LITERATURA PORTUGUESA Por António Valdemar

festa reúne todos, ou quase abordaram o tema sem se desviarem das todos, os que sobraram de um ideias fundamentais, quantas vezes re- ano para o outro. Desde o final correndo às mesmas palavras. Contudo, de dezembro até ao princípio há um cunho pessoal que logo identifica de janeiro, prolongam-se os Fernando Pessoa, Cortes Rodrigues, José dias de festa dominados por Régio, Miguel Torga, Vitorino Nemésio. E apelos de solidariedade tão também Sophia de Mello Breyner, Jorge Aconvencionais, tão repetidos até à exaus- de Sena e Natália Correia. tão que esvaziam o conteúdo das palavras Não podemos ignorar outros poetas e a autenticidade das imagens. contemporâneos, requer a citação de José O Natal, através dos séculos, tem mo- Gomes Ferreira, Álvaro Feijó, António tivado poetas, escritores, dramaturgos, Gedeão, Rui Belo, David Mourão Ferrei- artistas plásticos e músicos de todas as ra, Mário Cesariny de Vasconcelos para tendências para a celebração do Natal. completar uma possível inventariação de Somos confrontados com as angústias que nomes de poetas representativos. dilaceram o horizonte dos dias, as rotinas Maria Keil-Menina Predominam, durante a comemoração sociais e políticas que invadem o quotidia- do ciclo do Natal, a confidência lírica, o no. A imaginação criadora de Francisco de Natal… Na província Neva arrebatamento místico, as interrogações Assis transformou em realidade a narrati- Fernando Pessoa existenciais e teologais. Reacende-se a in- va bíblica e numa irradiação de alegria e terminável carga nostálgica, em redor do de esperança. (1888-1935) paraíso perdido da infância e da adoles- A palavra deu lugar à reposição, ao vivo, cência; a tranquilidade do mundo rural, do relato do Evangelho de Lucas: a pre- Natal… Na província neva. perante as desigualdades sociais, a inse- sença da mãe, do pai e do filho menino; gurança e turbulência das cidades. Todas na companhia do boi, do jumento e das Nos lares aconchegados, as formas de expressão literária e estética ovelhas, num estábulo humilde e obscuro Um sentimento conserva incidem na retrospetiva do passado e no de Belém. Assim fez representar, no silên- olhar fixo no presente, sempre na expeta- cio da noite e ao ar livre, o nascimento de Os sentimentos passados. tiva da mudança. Jesus. Para muitos poetas e escritores, o Natal Foi no ano remoto de 1223, em Itália, em Coração oposto ao mundo, e o Ano Novo, antes do 25 de Abril, cons- Graécio, na província de Rieti. A partir de tituíram pretexto para condenar meio sé- então, o primeiro presépio do mundo vai Como a família é verdade! culo de ditadura, a supressão das liberda- propagar-se através da Europa e introdu- Meu pensamento é profundo, des públicas e direitos cívicos, a repressão zir-se, durante as descobertas dos portu- da polícia política e o controlo da censu- gueses, nos territórios da África, da Ásia, Estou só e sonho saudade. ra, nos órgãos de comunicação social, no da América e da Oceânia. teatro, no cinema e outros espetáculos. Nos Cancioneiros Medievais, que en- Acrescente-se a falsificação sistemática de cerram os primórdios da cultura portu- E como é branca de graça eleições para todos os cargos públicos, a guesa, o Natal começa a estar presente na A paisagem que não sei, proibição de partidos e de sindicatos, a poesia de inspiração provençal e de in- Vista de trás da vidraça não ser os autorizados pelo governo, para fluência galaica. Acompanhou, depois, a manter a continuidade do regime e justi- evolução da língua até atingir autonomia Do lar que nunca terei! ficar uma guerra colonial, sem fim à vista. e projeção. As evocações multiplicaram-se Deturpava-se a imagem do país oprimido nos autos de Gil Vicente e em sonetos de e do país coberto de luto, desde 1961, pe- Camões, Diogo Bernardes e Agostinho los milhares de mortos, e milhares de trau- da Cruz. Prosseguiu nos árcades, eviden- O Meu Natal matizados (ainda hoje) filhos, pais, irmãos ciou-se no génio de Bocage; motivou o António Nobre e outros familiares, que perdiam a vida virtuosismo de Garrett, a eloquência aus- em três frentes de combate. Eram tempos tera de Herculano e o gosto vernáculo de (1867-1900) de agressão, de prepotência, de arbítrio Castilho, três personalidades representati- – consentidos pela quase totalidade da vas do romantismo. A noite de Natal. Em meu país, agora, hierarquia da igreja católica – e que recla- Consagraram ao Natal alguns dos mais mavam, o diálogo, a tolerância e a paz, a belos poemas da língua portuguesa, inter- O que não vai até romper o dia, a aurora! reconciliação entre os portugueses. venientes da geração de 70: a simplicidade As mesas de jantar na cidade e na aldeia, As componentes que deparamos na modelar de João de Deus; os recursos ver- poesia também se encontram na prosa e bais de Guerra Junqueiro e a fantasia exu- À luz das velas, ou à luz duma candeia, no teatro, com tanta ou mais intensidade. berante de Gomes Leal. Também registou Entre risadas de crianças e cristais Para esta edição do Tempo Livre selecio- o encontro de Antonio Feijó, nas ruas da námos – tendo em apreço os condiciona- cidade, com um vendedor de jornais, em (De que me chegam até mim só ais, só ais), lismos de espaço – dois grandes poetas plena noite da consoada; as recriações sau- Dois milhões de almas e outros tantos corações, Fernando Pessoa e António Nobre. Deram dosistas de António Nobre e de Teixeira de Pondo de parte ódios, torturas, aflições, voz a sentimentos que envolvem as crian- Pascoaes; a melodia verbal de Augusto Gil ças, os pais, os avós, os novos e os velhos; e a memória rural de Afonso Duarte. Que o mel suaviza e faz adormecer o vinho: os que se encontram longe de Portugal, vi- Tão diferentes no imaginário, na con- São todas em redor duma toalha de linho! vendo e sentindo Portugal. Sem esquecer, ceção, nas posições políticas os poetas ainda, os que permanecem inexoravel- do Orpheu, da Presença, do neorrealismo, mente sós e com a consciência aguda de dos Cadernos de Poesia e do surrealismo, (in Despedidas) que é tempo de Natal. TL NOV-DEZ 2018 9

A Casa na árvore

1.Pormenor das folhas da caneleira-de-Ceilão, nos jardins do Parque de Monserrate, em Sintra 2.Ilustração botânica incluída em “Memoria sobre o Loureiro Cinnamomo vulgo Caneleira de Ceylaõ”, de Manoel da Gama, Lisboa, 1797 3.Visualmente a canela- do-Ceilão distingue-se da canela-da-China por ser mais clara e os pauzinhos serem densos, compostos de pedaços da casca

Por ela fizeram-se os homens marinheiros, e os padres espiões. Pequena história de uma grande sensual.

Por Susana Neves 1 A casca voluptuosa á cerca de 500 anos uma árvore e em terras africanas. Nunca recuperámos árvores e espiar a forma como era produzi- seu contemporâneo, dar explicações muito exerceu uma tal atracção sobre verdadeiramente desta medida desastrosa. da a “canela mais perfeita”, com “tal caute- precisas quanto à multiplicação da árvore os portugueses que Portugal cor- Uma vez perdido o domínio de Ceilão la que o não percebam os naturais nem os no Recife – chegara a proteger as drupas reu o risco de se despovoar. Essa para o holandeses (1656-1796) e por seu holandeses”. Ordenara ainda el-rei que o que contém a semente com “bolços de árvore era a caneleira-de-Ceilão turno destes para os britânicos (1796-1900), vice-rei da Índia também enviasse plantas panno” para impedir os gulosos pássaros (Cinnamomum zeylanicum ou Cin- a preocupação dos nossos monarcas será a e as indicações necessárias de produção ao negros “anús” (anu-negro) de as comerem namomum verum). A dimensão de efectuar novas plantações onde outrora governador do Brasil. –, de um modo geral, uma atitude de ne- Hdo êxodo foi de tal maneira preocupante, já tinham existido, de maneira a garantir No final do século 18, vários autores gligência persistirá nas plantações nas co- que durante o Renascimento, Francisco boa canela para consumo interno e desviar como José Mariano da Conceição Velloso, lónias portuguesas. de Sá de Miranda, poeta “até ao umbigo”, uma parte da clientela dos frade menor reformado da Sendo a melhor canela obtida da casca escreve numa carta ao seu amigo e Senhor holandeses e ingleses para então província do Rio de das árvores jovens, retirada a partir dos de Basto, António Pereira: “Não temo de Portugal. Em 1675, o padre Janeiro, e Manoel Jacinto três de vida, persistiriam no Brasil as árvo- Castela/Donde ainda guerra não soa/Mas António Vieira da Compa- Nogueira da Gama, bacharel res velhas, que o olhar utilitarista da época temo-me de Lisboa/Que ao cheiro desta nhia de Jesus já tinha aconse- de filosofia, escrevem as suas destinava ao lastro dos navios e à tintura- canela/O Reino nos despovoa”. lhado a plantação da canelei- memórias sobre a caneleira- ria. Já a “canela fina” tinha melhor sorte. À Correndo o risco de perder a família, o ra no Brasil, e em 1716, o rei -de-Ceilão para acompanhar falta de um pano indiano chamado “Gun- reino, e a própria vida, os lusitanos supor- D. João V, para benefício da as remessas de plantas que jesakken”, utilizado pelos holandeses, se- tavam a longa viagem até à ilha de Ceilão fazenda real e o interesse co- continuavam a ser enviadas guia viagem confortavelmente acondicio- (sob domínio português de 1518 a 1656) mum dos seus vassalos, não de Goa para o Brasil. A partir nada em sacos de algodão, preenchidos não por curiosidade botânica em conhecer hesita em ordenar ao vice-rei destes testemunhos se perce- com pimenta negra. uma espécie de Loureiro mais perfumado da Índia que mande alguns be que apesar da canela obti- Depois do papel pioneiro que Portugal do que todos os outros. Tão pouco os mo- padres da Cruz dos Milagres, da ser de grande qualidade, teve no comércio da canela-do-Ceilão pa- via o prazer estético de contemplar, à ma- missionários no Ceilão, obter 2 e do professor Regio Bayer, rece ter-se operado uma estranha amnésia neira ancestral japonesa, a subtil passagem colectiva relativa à sua existência, o que nos das folhas da caneleira da cor vermelha à leva diariamente a consumir uma espécie verde. De igual modo, não pretendiam de- de canela (em pau e em pó) de inferior qua- dicar-se à plantação da “Corundu Gohah”, lidade, proveniente de uma planta chinesa, assim os cingaleses designavam a árvore a Canela-da-China (Cinnamomum cassia (L.) da canela que era plantada exclusivamente J. Presl), cuja cor e sabor são menos subtis, por eles, e descascada pelos membros dos com a agravante de conter uma maior per- “Chalias”, uma casta muito humilde. centagem de cumarina, fitoquímico que A grande motivação dos viajantes era tão afecta o fígado se consumido em grandes somente o lucro que a comercialização da quantidades. canela-do-Ceilão suscitava, enquanto es- Claro que o leitor não vai prescindir de peciaria aromática cara, usada nas mesas polvilhar as suas farófias, sonhos, arroz- abastadas, e substância medicinal requeri- -, rabanadas e demais doçaria natalícia da pelas boticas da época. Como a usura com a aromática canela, há que comprar não é boa conselheira, para garantir os va- a mais bondosa e se possível ir visitar os lores elevados da canela-do-Ceilão vieram jardins de Monserrate onde cresce uma ca- a cometer-se vários tipos de desvarios, des- neleira-de-Ceilão que, tendo escapado ao de logo, no reinado de D. Manuel I, o de comércio, tem a volúpia de crescer veloz- arrancar todas árvores da canela (e outras mente agarrada à sua casca. espécies vegetais indiáticas), entretanto, aclimatadas com muito sucesso no Brasil 3 [A autora escreve de acordo com a antiga ortografia] 10 TL NOV-DEZ 2018

MEMÓRIAS DE JÚLIO ISIDRO NO MEIO DO SILÊNCIO dr

Acredito que se pode fazer uma crónica feliz mesmo quando falamos de alguém que nos deixou

o caso da Maria Guinot que não A imagem que me transmitia era de Também não procurava essa coisa a gostava de cantar. era mulher para muros de la- uma forte personalidade que não andava que chamam fama, tão fácil de alcançar Num programa de televisão, o “Dei- mentações. por cá só para ser simpática, o que não como de desbaratar e perder, ou a popu- xem passar a música” também mostrou Há quanto tempo não ouviam quer dizer que fosse antipática. laridade que não era o seu sonho. generosidade para com todos aqueles falar da Maria Guinot? Era convicta o que nos tempos que cor- O seu amor, para além da família, era que defendem o nosso património: “O Há quanto tempo estava ela es- rem é um perigo que se corre. a música porque acreditava que com ela bom momento que a música portuguesa quecida nesta voragem das novi- Talvez porque sabia que não podia vi- praticava uma forma de amor colectivo. vive, deve-o à rádio e à televisão. O pú- Édades, neste vórtice de “notícias” que du- ver da música, por causa da música que Passou por vários programas meus blico não pode gostar daquilo que não ram exactamente o tempo do nascimento fazia, e sendo leal a si própria (neste caso e não tenho dúvida que os apreciava, conhece.” de outra… “notícia”. ser leal é um atributo) trabalhou na TAP como também teria por mim simpatia. Em 2004, Maria Guinot lançou o livro Lembram-se da Maria Guinot ao piano deixando a paixão para os seus momen- Sendo como era, se não gostasse, teria “Memórias de um espermatozoide irre- em 1984, no Festival da canção? tos de intimidade. dito simplesmente não! quieto” com um CD de 13 canções com o Estava só, acompanhando-se, porque Adivinho-a no seu reduto a compor Que dizer de alguém que escreveu e título “Tudo passa”. os músicos do Festival estavam em greve ao piano, canções como a que levou ao cantou “Homenagem às mães da Praça É verdade, tudo passa, o silêncio força- e, solidária, não quis utilizar o playback, fi- Festival da Canção em 1981, a sua primei- de Maio”, as mulheres que saíram à rua do pela doença que a acometeu em 2010, cando-se pelo piano que tinha começado ra participação e que se chamava “Um para exigir saber dos filhos desaparecidos mais as novidades dos pequenos casos de a aprender aos 4 anos. adeus e um recomeço”. nos anos de terror da Argentina. vidas pequenas, fizeram o esquecimento A Maria seguiu música, fazendo o cur- E tantas outras como a canção “Falar só Que outra coisa se não respeitar al- de Maria Guinot. so de piano no Conservatório ingressan- por falar” com que participou no primei- guém que escreveu e cantou “Esta pala- Para mim, não passa: “Às vezes sou do depois no Coro da Gulbenkian. ro e único Festival da Canção da Rádio vra mulher” onde assumia a crítica aos também um sim alegre ou um triste não. Quem a ouvia, sabia que não gastava Comercial, onde fui apresentador. bancos que excluíam mulheres ou tam- E troco a minha vida por um dia de ilu- palavras com ideias vazias. Achava con- A Maria não cantava só por cantar e bém a causa da dignificação da cultura. são.” victamente que cantar era uma forma de não vivia só por viver. Logo não desper- Disse uma vez que só faria espectácu- valorizar o outro, nós os ouvintes. diçava versos de rima inútil. los onde se sentisse feliz a cantar o que [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia] Inatel_259x393,7.pdf 1 14/11/2018 11:09:55

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K 12 TL NOV-DEZ 2018 Entrevista Filipe Duarte Santos

“Reduzir de 70 para 10 as emissões de CO2 é um desafio gigantesco que vai depender muito da mobilização social”

O ‘senhor alterações climáticas’ está pessimista perante aquilo que o mundo está disposto a fazer para inverter a derrapagem em curso

os 76 anos, o geofísico que China, que é o maior emissor mundial, insustentável travar estes projetos evapotranspiração nos oceanos e em preside ao Conselho Nacional ainda tem as emissões a crescer, e os EUA porque isso cria desemprego e tem terra, o que significa que a precipitação para o Desenvolvimento estão num decréscimo menos acentuado. consequências ao nível das eleições. global se reduz e passamos a ter secas Sustentável (CNADS), Continuamos com uma economia Se não se travam as emissões, que outras provocadas pela alteração climática constata que “o Mundo assente em combustíveis fósseis… alternativas estão em cima da mesa? e secas provocadas pela redução não está a conseguir fazer Desde 1970 que 80% das fontes primárias Fala-se em projetos de geoengenharia. da precipitação provocada por esta descer as emissões de gases de energia no mundo estão assentes no Há projetos que passam por retirar o intervenção. Ade efeito de estufa” e pede “urgência” carvão, no petróleo e no gás natural e não CO2 da atmosfera, plantando árvores, São razoáveis estas experiências? na descarbonização das economias e há tendência para inverter isto. o que simultaneamente protege o Do meu ponto de vista não são razoáveis. atenção face aos riscos dos novos projetos O que esperar da conferência do recurso solo e os recursos hídricos. Outra Os efeitos colaterais são gravíssimos. de geoengenharia. Para Filipe Duarte Clima (COP24) que se vai realizar em das tecnologias em estudo passa por Este tipo de experiências é proibido Santos é preciso que “haja uma grande Katowice, na Polónia, no início de capturar através de processos químicos pela Convenção sobre Diversidade mobilização social para que os políticos dezembro? o CO2 que sai das chaminés de centrais Biológica, que os EUA não assinaram. tomem decisões”. Espera-se que em Katowice se definam térmicas e, por exemplo, utilizar esses A NASA autorizou uma experiência metas mais ambiciosas para os países gases liquefeitos para outros usos como que pode ter efeitos globais, pois pode O último relatório do Painel reduzirem as suas emissões a partir de para fazer cerveja ou água tónica. Na lançar dióxido de enxofre na atmosfera Intergovernamental para as Alterações 2020. Universidade da Beira Interior está a ser e cobrir o planeta com uma nuvem de Climáticas (IPCC) alerta para o facto A situação política da Polónia, que vai desenvolvido um projeto interessante fumo como se fosse uma enorme erupção de termos um prazo de 12 anos para ser a anfitriã desta COP, e o facto de que consiste em criar uma espécie de vulcânica. Outra das contraindicações é inverter a derrapagem e impedir que Katowice ser uma das cidades mais cimento com grande incorporação que este tipo de solução contribui para as temperaturas médias globais subam poluídas da Europa não deixam um bom de CO2. Há uma série de bilionários aumentar o buraco da camada de ozono, mais de 1,5ºC até final do século. Está augúrio? americanos, entre os quais Bill Gates, contrariando o esforço que tem sido feito otimista ou pessimista face à reação A Polónia é um dos países que tem que investiram 20 milhões de dólares até aqui para reduzi-lo. global a este apelo? arrastado os pés em relação a políticas de num projeto (Scopex – conduzido pela São hipóteses tecnológicas ainda O mundo não está a conseguir fazer redução de emissões de gases de efeito Universidade de Harvard) que consiste em estudo, mas o lema dominante é descer as emissões de gases de efeito de de estufa (GEE) e não tem investido em lançar para a estratosfera grandes inverter as emissões e não explorar mais estufa e por isso estou mais pessimista. em energias renováveis. Tal como a quantidades de dióxido de enxofre que combustíveis fósseis. Certo? O relatório do IPCC, assente em Alemanha, a Polónia está numa zona depois fazem sulfatos e formam uma Se extrairmos todas as reservas que se argumentos científicos sólidos, veio rica em carvão. Uma e outra estão com neblina, como se fosse uma sombrinha conhecem de carvão, de petróleo e de gás alertar o mundo para a urgência de dificuldade em fechar esta indústria. do planeta para refletir a radiação solar. É natural, consideradas economicamente enveredar para a descarbonização da Estive em Berlim há umas semanas, num uma forma de arrefecer o planeta. viáveis de ser exploradas, as economia. Houve uns anos em que as encontro de organismos semelhantes ao Não há contraindicações nessa temperaturas subirão muito mais que emissões globais estabilizaram e apesar Conselho Nacional para o Ambiente e geoengenharia? 2ºC. Para que isso não aconteça temos de disso a economia cresceu 3%, mas depois Desenvolvimento Sustentável (CNADS), Não se conhecem todos os efeitos deixar no subsolo cerca de 70% dessas voltaram a aumentar. Portugal e outros onde se debateu a situação de bloqueio colaterais, mas há consequências ao reservas. países da UE fazem parte daqueles que em relação à proibição de minas de fazer-se uma segunda intervenção sobre Em Portugal o consórcio Galp/Eni estão a descarbonizar as suas economias, carvão a céu aberto que são responsáveis o clima para anular parte dos efeitos da desistiu de fazer o furo de pesquisa de mas o esforço que têm feito não chega pela destruição de floresta. Mas até para primeira. Se se reduz a quantidade de petróleo ao largo de Aljezur, mas estas para cumprir o objetivo dos 1,5ºC. A a Alemanha se revela politicamente radiação proveniente do Sol, há menos e outras empresas continuam a explorar TL NOV-DEZ 2018 13

beatriz lorena

novos furos de petróleo e gás noutros Portugal está a fazer o roteiro para a de secas e de incêndios? países. descarbonização da economia, mas “Um dos cenários É preciso que haja sustentabilidade no O não avanço do furo de Aljezur é uma paralelamente há alguma esquizofrenia? uso da água. Em janeiro vamos divulgar boa notícia. A indústria de petróleo Acho que este roteiro é muito meritório, mais complicados é o estudo que fizemos para o Algarve. é poderosíssima. A Rússia tem uma mas vai ser uma coisa difícil. O objetivo É preciso que haja sustentabilidade no exploração de petróleo no Ártico e está a do roteiro para Portugal é apostar na o da subida do nível uso da água dos aquíferos. A escassez desenvolver tecnologias avançadas para transição energética e passar de emissões de água será acentuada porque as secas explorar novas reservas. E o Canadá, de 70 milhões de toneladas de dióxido de médio do mar. Os serão mais frequentes. Outro problema a Dinamarca e os EUA também dizem carbono ou gases equivalentes (CO2eq) são os incêndios florestais e Portugal que querem explorar o Ártico. Com este para 10 milhões de toneladas, que oceanos reagem não está nada bem na fotografia. Somos comportamento, que os eleitores destes passam a ser absorvidos pela floresta para o único país do sul da Europa em que países aceitam, não vai ser possível travar sermos neutros nas emissões. Reduzir muito lentamente e a área florestal tem estado a diminuir o aumento das temperaturas globais. de 70 para 10 é um desafio gigantesco e sobretudo devido aos incêndios de Porque é tão difícil fazer a ruptura depende muito da mobilização social das é difícil travar essa grandes proporções como aconteceu em e seguir as propostas de redução pessoas. 2017. das emissões de CO2 para metade Para mobilizar as pessoas é importante subida e vamos O que pensa dos negacionistas, daqueles na próxima década e acabar com os mostrar-lhes os cenários que têm pela que dizem que o homem não está na subsídios aos combustíveis fósseis? frente. Pode descrever alguns? perder território. base das alterações climáticas que aí É difícil porque existe um ruído muito Um dos cenários mais complicados é o vêm? grande que diz que fazer a transição da subida do nível médio do mar. Os Nos últimos anos Em ciência tudo é falsificável, como energética prejudica as economias. oceanos reagem muito lentamente e é disse Thomas Kuhn, o que quer dizer Repare no ruído em torno das energias difícil travar essa subida e vamos perder já perdemos cerca que quando alguém defende uma renováveis em Portugal. É possível território. Nos últimos anos já perdemos interpretação dos factos ou uma teoria, fazer a transição energética e cumprir cerca de 15 quilómetros quadrados de de 15 quilómetros esta pode sempre ser provada falsa. As o objetivo dos 1,5ºC, mas é preciso que território. afirmações dos negacionistas, tais como haja uma mobilização social para que os Estamos a fazer o suficiente para nos quadrados de as dos políticos não são falsificáveis políticos tomem decisões. adaptarmos aos avanços do mar nestes porque são opiniões, não são ciência. E como se dá a volta? cenários de alterações climáticas? território” Uma opinião é uma opinião e não Com muita paciência e um esforço de Vai ser difícil. Temos várias povoações um facto. A mecânica do Newton comunicação e esclarecimento. Portugal construídas em zonas costeiras baixas, em foi considerada verdadeira durante está bem na fotografia, temos feito dunas e em zonas costeiras vulneráveis, muitos anos e depois veio o Einstein um esforço nas energias renováveis. sobretudo na costa entre a foz do Douro com a teoria da relatividade dizer que A China, o principal emissor global, e a Nazaré. É possível defendermos estas o tempo e o espaço não são absolutos. está mais consciente do que tem de povoações em risco, mas com um custo A comunidade científica é consensual ser feito, também porque está a ver as muito elevado. E daqui a 50 anos vai ser quando diz que as alterações climáticas consequências em termos de saúde muito oneroso manter e defender estas têm origem na atividade humana e pública e sabe que ao travar a exploração povoações construídas em cima das ainda não surgiu nenhuma teoria a carvão, trava a poluição que é dunas. científica nova que ponha isto em causa. responsável pelo excesso de mortalidade. E em termos agrícolas, face ao aumento Carla Tomás 14 TL NOV-DEZ 2018

CAMPEONATO GASTRONÓMICO INATEL

Sabores das Flores A equipa do Inatel Flores Hotel foi convidada, na final que decorreu na Foz do Arelho, a apresentar um menu com os bons sabores da ilha açoriana

Fotos: Beatriz Lorena TORTAS DE ERVA PATINHA

Ingredientes 500 g de Erva patinha; 50 g Lapas; 5 g Alho; 50 g de Farinha de trigo; 3 ovos Preparação Junte todos os ingredientes numa taça. Aqueça o óleo na frigideira. Com a ajuda de duas colheres, molde as tortas na frigideira.

ATUM ASSADO

Ingredientes 1 kg de Atum congelado; 200 g de Cebola; 50 g de Alho; Massa pimentão q.b.; 500 g de Banha de porco; 1,5 kg de Batata-doce; Sal q.b. Preparação No dia anterior tempera-se o atum previamente limpo e cortado às fatias. Escorre-se o atum e frita-se em banha. Dispõe-se num tabuleiro. Num tacho, faz-se uma cebolada e verte-se por cima do atum. Leva-se ao forno a corar. Por fim, corta-se a batata-doce, passa-se em cozido. Temperamos e, em lume brando, farinha de trigo e leva-se a assar. vamos mexendo. Leva-se num tabuleiro ao forno a assar. CAÇOILA (com acompanhamento de feijão MASSA CEVADA assado) Ingredientes

Ingredientes Para o fermento: 1 ovo; 1 colher de sopa 1 kg de Pá de porco; 200 g de Fígado de de açúcar; 1 colher de sopa de farinha; porco; 100 g de Entremeada de porco; 1 chávena de fermento caseiro. Para Cominhos moídos q.b.; Massa pimentão a massa: 1 kg de farinha de trigo; 250 q.b.; 50 g de Alho; 150 g de Cebola; 2 dl g de açúcar; 1 colher de sopa de noz- de Vinho tinto; 80 g de Banha de porco; moscada; Raspa de limão; ½ Cálice Sal grosso q.b.; Salsa q.b. de vinho do Porto; 6 ovos; 250 g de Preparação Manteiga Começamos por cortar toda a carne Preparação aos cubos. Pica-se a cebola e o alho e De véspera prepara-se o fermento. mistura-se na carne da pá e o coração. Junta-se o ovo batido, o açúcar, o Tempera-se o fígado separadamente. fermento e a farinha de trigo, de modo Num tacho começamos por fritar em a obter-se uma massa de consistência lume brando a entremeada temperada média. Abafa-se e deixa-se levedar só com sal. Adicionamos a carne da durante a noite. pá com o coração e vamos mexendo. No dia seguinte, num alguidar, junta-se o Quando a carne estiver bem rosada, açúcar, os ovos, a noz-moscada, o limão, o adiciona-se o fígado. Adiciona-se os vinho do Porto e o fermento. Bate-se tudo restantes temperos. muito bem, de seguida junta-se a farinha e a manteiga derretida (mas não fervida). FEIJÃO ASSADO Amassa-se tudo até a massa fazer bolhas e se soltar do alguidar. Tapa-se, abafa- Ingredientes se e deixa-se levedar durante algumas 500 g de Feijão catarino; 2 cl de Polpa de horas. Geralmente prepara-se a massa tomate; 10 g de Alho; 50 g de Cebola; de manhã e coze-se ao fim da tarde. 150 g de Entremeada; 10 g de Massa Tiram-se bocados de massa do tamanho pimentão; Cominhos moídos q.b.; Sal que se desejar. Estes bocados, ao serem grosso q.b. tirados e mexidos, esticam. Dobram-se. Preparação Colocam-se sobre toalhas empoadas com Num tacho refogamos a cebola e o alho. farinha ou em formas redondas, depois Adicionamos a entremeada picada em de levedarem um pouco, pincelam-se pequenos pedaços e deixamos fritar. com gema de ovo batida. Leva-se a cozer Adicionamos o feijão previamente em forno forte. TL NOV-DEZ 2018 15

Viagem Capadócia

Istambul A MAGIA DA TURQUIA Um fascinante percurso leva-nos a Istambul, Capadócia, Konya, Pamukkale, Éfeso, Esmirna, para descobrir a mágica mistura do Oriente e do Ocidente

hegamos a Istambul. Anoitece. Santa Sofia, cúpulas e minaretes Chaminés das fadas sobressaem na luz crepuscular. Lembramos os nomes antigos da mais famosa cidade turca, que durante séculos foi um centro mundial de civilização Ce riqueza. Constantinopla, fundada pelos Gregos no século VII a.C., e originaria- mente chamada Bizâncio, em 1926 mudou de nome para Istambul. No dia seguinte passeamos pelo centro histórico, considerado Património da Hu- manidade pela Unesco. De manhã vemos Mosaicos bizantinos uma das maravilhas mais representativas e simbólicas de Istambul: a Mesquita de Santa Sofia, com os mais belos mosaicos Pamukkale bizantinos do mundo. À tarde visitamos o Palácio de Topkapi, construído pelo sultão Mehmet, após a conquista de Constanti- nopla em 1453. Durante vários séculos foi a residência dos sultões que governaram o Império Otomano. Continuamos para o bazar egípcio, à descoberta de um au- têntico mercado de especiarias em que a fusão de cores e odores desperta os nossos sentidos. Mais uma manhã. Aguarda-nos um pas- seio de barco pelo estreito de Bósforo, que Éfeso representa a linha que separa a Europa da Ásia. Ao longo do caminho podemos apreciar as construções ribeirinhas, in- bitadas, conhecidas como ‘chaminés das árabes. Chegada à cidade medieval de deusa Diana dos Romanos). O templo cluindo as centenárias yalis de madeira e fadas’. Konya. Visitamos o antigo convento dos desapareceu, mas o local conserva muitos os palácios de sultões. Continuamos em derviches rodopiantes, o Museu e o mau- vestígios da antiga urbe, destacando-se a direção ao Grande Bazar, construído pelos Terras de Rumi e Homero soléu de Mevlana (Rumi), um dos maiores biblioteca de Celso, o templo de Adriano otomanos no séc. XV. Passeando pelas vie- Novo dia. Partimos em direção a Kon- poetas e filósofos sufis. e o Teatro. Mais tarde, seguimos para a las descobrem-se grandes variedades de ya, passando pela cidade subterrânea de Na manhã seguinte saímos para Pamu- casa da Virgem Maria, convertida numa produtos orientais. Saratli, construída pelas comunidades kalle. À distância, o panorama lembra um pequena capela. Acredita-se que Nossa À tarde voamos com destino à Capadó- cristãs para se defenderem dos ataques manto de algodão, daí o seu nome “Pamu- Senhora ali terá vivido os últimos anos da cia. No dia seguinte, ao amanhecer, um kkale”, que significa “Castelo de Algodão” sua vida. É um lugar de peregrinação para passeio de balão de ar quente oferece-nos em turco. Uma autêntica obra da Natureza os cristãos e também um local sagrado uma magnífica vista, no meio de dezenas constituída por várias nascentes de águas para os turcos. ESPECIAL TURQUIA MÁGICA de balões a colorir o céu. quentes e calcárias, que formaram piscinas Chegada a Esmirna, a terceira maior ci- Datas: 30 março a 6 abril Ao longo do trajeto admiramos a pai- com os sedimentos. Continuamos para as dade da Turquia, fundada cerca de 1000 sagem lunar da Capadócia, começando ESPECIAL TURQUIA CONFLUÊNCIA DE CULTURAS ruínas da cidade romana de Hierápolis, anos a.C. pelos gregos. Segundo alguns pelo vale de Goreme, para ver igrejas ru- que se estendem por vários quilómetros, historiadores, terá sido a terra natal de Datas: 13 a 21 de abril pestres com pinturas dos séculos X e XI. com uma grande necrópole famosa pela Homero. As ruínas desenterradas de Partidas: Lisboa Segue-se a aldeia troglodita de Uçhisar, riqueza artística dos túmulos e sarcófagos. Tróia, que se encontram a norte, remetem- Informações: Tel. 211 155 779 | turis- passando depois pelo vale de Paşabag. Mais um dia. Vamos conhecer Éfeso. -nos para os cenários dos acontecimentos [email protected] | www.inatel.pt Podemos observar as formações geológi- Uma cidade milenar célebre pelo gran- narrados no poema épico Ilíada, entre os cas, que foram escavadas para serem ha- de templo dedicado à deusa Artemisa (a heróis gregos e troianos. 16 TL NOV-DEZ 2018 Entrevista Gaye Su Akyol o sonho comanda a realidade O Ciclo Mundos de 2018 regressou das férias de verão com a cantautora, antropóloga e artista visual turca Gaye Su Akyol. Depois de ter integrado os cartazes das edições de 2017 do FMM de Sines e do Lisboa Mistura, este regresso a Portugal não poderia ter calhado em melhor altura

aye Su Akyol é, actualmente, explicar o conteúdo das letras. Quão a Turquia nos últimos 10/15 anos. estar um pouco mais caótico agora na um dos nomes do momento difícil é a sua criação artística na Turquia Continua a sentir-se confortável em Turquia mas isso não mostra nada. Tento do indefinível caldeirão a dos dias que correm? viver e ser artista na cidade de Istambul? estar lá e dar o meu melhor. que chamamos world music Quando escrevo uma canção, tento Sinto-me confortável. Para onde quer Como descreve o movimento cultural ou músicas do mundo. Há sempre usar símbolos e metáforas para que vá, uma pessoa leva os problemas actual em Istambul que sempre foi algumas semanas atrás editou exprimir os meus sentimentos. Faço-o consigo. Emigrar não resolve o problema. caracterizado por uma miscigenação mundialmente, através da de muitas formas. Não é difícil para Pode resolver durante um pequeno entre culturas ocidentais e orientais? Getiqueta Glitterbeat de Chris Eckman mim. Acredito que o lado artístico tem período de tempo, mas depois passar a Que sempre foi uma cidade (antigo vocalista dos Walkabouts), o seu de encontrar uma forma muito própria dar outro valor às virtudes do seu país, culturalmente efervescente onde terceiro disco İstikrarlı Hayal Hakikattir / para protestar. Isto não é arte, se não da sua cultura. Os seus amigos, os seus floresceu uma editora discográfica Consistent Fantasy Is Reality; apresentou conseguires encontrar o teu estilo, a tua familiares continuam a viver todos ali. bastante eclética como a Doublemoon, um showcase na WOMEX (a maior feira forma de te expressares. É o que também Tenho de facto imensos amigos que que editou músicos como Mercan Dede de músicas do mundo que este ano se acontece a um músico no Irão, no Iraque, partiram, mas esta não é uma questão (que mistura música espiritual sufi com realizou entre os dias 24 e 28 de Outubro ou nos Estados Unidos. Se tiver uma veia turca. O mundo parece estar cada vez ritmos electrónicos) ou Ayhan Sicimoglu em Las Palmas nas Ilhas Canárias) aos artística, se for suficientemente corajoso, mais caótico. Na Europa, em Inglaterra (que aí tem criado música latina e afro- programadores de alguns dos mais consegue encontrar a sua forma de se com o Brexit, nos Estados Unidos, no cubana)? importantes festivais e auditórios dos expressar. Médio Oriente. É uma questão humana, Desde há quatro ou cinco anos para cinco continentes; e foi a artista escolhida Vários artistas que conhecia deixaram não é uma questão de um só país. Pode cá, a criação musical turca está mais para figurar na capa da edição de movimentada e bonita. Há muitas beatriz lorena Novembro da revista britânica Songlines novas bandas a surgir. Mencionou a que, a par da fROOTS, é a principal Doublemoon, mas agora há também publicação impressa de divulgação muitas outras editoras. Há músicos como da folk e das muitas músicas com raiz nós [Gaye e o seu guitarrista, produtor etnográfica. e namorado Ali Güçlü Şimsek] que Gaye Su Akyol combina eficaz e gerem a sua própria editora [a Dunganga inteligentemente, antigas canções folk Records]. Posso afirmar que quando locais, canções de autor de intervenção a pressão política e social na Turquia repletas de metáforas que funcionam aumenta, o movimento musical expande- como hologramas que mascaram e se. As pessoas querem manifestar os seus projectam alguma da realidade político- sentimentos e a arte é a melhor forma de social turca sob a presidência de Erdoğan, o fazer. rock psicadélico da Anatólia alimentado A música que cria é uma mistura de pela omnipresente guitarra surf em modo antigas canções turcas, pop/rock Dick Dale e enriquecido com faustosos psicadélico da Anatólia dos anos e fantasiosos arranjos que piscam o olho 70, guitarra surf cinemática muito ao universo sonoro cinemático spaghetti influenciada por Dick Dale e pela western de Ennio Morricone. rebetika grega que há em “Misirlou”. O Canções como “Nargile” já a levaram que é que há mais na sua música? à esquadra de polícia de Istambul para A música é uma combinação entre aquilo TL NOV-DEZ 2018 17

Aylin Güngör

que ouvi ao longo da vida e aquilo que determina o rumo da nossa vida? sentimento. Mas isto não é um jogo. está no meu subconsciente. Quando era Acabei de escrever o press release deste “Penso que, Quando escrevo as minhas canções e criança, influenciada pela minha mãe, disco com a frase “os sonhos mantêm- posteriormente as arranjo, vejo o que ouvia música tradicional turca. Graças te desperto e é tempo de acordares”. actualmente, as é que a canção precisa. Posso criar um ao meu pai conheci a folk e a música Acredito que a pura realidade do ser arranjo com influências cubanas mas clássica. Depois passei para o rock’n’roll, humano é o sonho e a capacidade de pessoas boas não também pode fazer algo muito diferente. para os Nirvana e para o Dick Dale que criar um mundo de fantasia. Quando É tudo uma questão de escolha. O uso do mencionou. Tento o máximo possível olhamos para a história universal e para estão a sonhar o baglama, do saxofone, tornou o álbum desenvolver a minha própria música. os seus grandes líderes verificamos que mais profundo e colorido e mais amigável Quando componho tudo isso vem eles sonharam sobre algo. Antes de suficiente e que aos ouvidos ocidentais. O saxofone é um instintivamente. construir a sua realidade tem de sonhar instrumento muito familiar nas culturas O que é que o rock psicadélico da sobre ela. Penso que, actualmente, as más têm muitos ocidentais. Mas as canções, os ritmos, são Anatólia tem de tão fascinante ao as pessoas boas não estão a sonhar o profundamente inspirados na música ponto de se tornar uma das principais suficiente e que as más têm muitos sonhos maléficos turca. É uma mistura que nunca tinha referências criativas de uma das mais sonhos maléficos e que é por isso que sido feita antes. excitantes bandas rock da actualidade, o mundo está como está. Este álbum é e que é por isso A concepção gráfica deste disco como o colectivo australiano King como um sonho que se torna realidade. assenta na antiga figura anatoliana Gizzard & Lizard Wizard? Um dos temas do seu novo disco tem que o mundo está de Elibelinde. É este o símbolo usado Provavelmente porque o rock da Anatólia uma forte influência de ritmos cubanos. também em algumas manifestações na dos anos 60/70 continua a ser mágico. É influenciada pelo sonho de Fidel? como está” Turquia. A Elibelinde representa a força Não o pode comparar com nenhuma O tema “Bağrımızda Taş” vai de uma da mulher e a emancipação feminina? outra música. A cultura da Anatólia é base rítmica cubana e tropical à canção Acredito na igualdade entre as pessoas. muito antiga. É uma mistura de muitas puramente turca. Adoro a cultura Este tipo de imagens, símbolos, ideias outras culturas, sociedades, pessoas. É cubana. Eles, de facto, sonharam assentes na mulher, torna a igualdade a pura energia da música da Anatólia. primeiro e construíram posteriormente muito mais visível. Espero que, daqui É por isso que os Boom Pam, os King a sua realidade. Tiveram o mundo por cem anos, não necessitemos destes Gizzard e os Baba Zula bebem desta inteiro contra eles e não se importaram. símbolos, mas nos dias que correm, ainda fonte. Nomes como Barış Manço, Erkin Construíram uma grande cultura e um precisamos de os usar. Koray, Cem Karaca foram os fundadores notável sistema de saúde. Não gosto dos assuntos de igualdade deste tipo de música. Se alguém me Neste disco explora novos instrumentos de género que estão a ser debatidos hoje perguntar qual é a mais importante saxofone, trompete, baglama que uma em dia no mundo. Há sempre uma ideia invenção turca dos últimos cem anos, eu das suas heroínas locais [Selda Bagcan] generalizada de que a mulher é mais responderei de imediato que é o rock da também toca. fraca e submissa. Anatólia. O baglama é o instrumento tradicional Apenas quero mostrar ao mundo a O seu próximo disco chama-se “İstikrarlı turco e quis realmente colocá-lo de forma força feminina através da minha música e Hayal Hakikattir”. Traduzindo à inteligente. Queria ouvir um instrumento das minhas palavras. letra dá “A fantasia consistente é a tradicional nas minhas canções porque realidade”. Pode explicar-me o conceito? as torna mais profundas, acrescenta-lhes Luís Rei A capacidade de sonhar, de fantasiar mais alma. Essas canções precisam desse [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia] 18 TL NOV-DEZ 2018

Coluna Portugal a pé, de lés-a-lés DO provedor 80 dias, 2 mil quilómetros. Isabel Pessôa-Lopes conheceu Portugal a pé e sozinha

4 de julho de 2011 começou a via- tes histórias desta viagem, Gerês e Cami- colocar a vida em perigo; “não estarei a co- gem de uma criança de 9 anos que nha, volta ao litoral, e regressa ao ponto de meter um suicídio quando o que eu estou a um dia teve a certeza que ia conhe- partida, Lisboa. fazer é uma aventura para celebrar a vida?” cer cada pedaço de terra do país. Levou na mochila apenas dois pares de As respostas estavam na força de von- Manuel Camacho Nos dias 27 e 28 de outubro, calças, duas t-shirts e um polo, e um mapa. tade, na frieza com que conseguia encarar [email protected] durante o 1.º Encontro nacional Foi acolhida por inúmeras pessoas para dor- algumas situações, na postura como vive e de Caminheiros Inatel, em Man- mir – desde palheiros com cabras, casas, a no treino que teve enquanto física, astróno- Ateigas, os participantes tiveram a oportuni- um hotel rural, não consegue escolher uma ma, cientista, piloto das Asas de Portugal na addy Cosgrave, um dade de assistir a uma palestra sobre o tema pessoa mais especial, porque foram todas Força Aérea Portuguesa e como candidata a dos fundadores, em daquele encontro, caminhar, mas com um essenciais na viagem, mas mostra-se eter- astronauta. 2009, da Web Summit, objetivo diferente. Isabel Pessôa-Lopes ins- namente grata à direção dos Faróis de Por- “E se houve reações estranhas entre mim decidiu em setembro pirou quem se juntou para a ouvir na uni- tugal “que sempre disse, que se eu conse- e as pessoas e situações que ia encontrando, de 2015 que este dade hoteleira de Manteigas. guisse chegar a cada farol, não houve também uma reação muito curiosa evento passaria de Desde cedo, na escola pri- só se prontificavam a carimbar entre humano e animal, entre mim e ele.” Dublin para Lisboa mária, Isabel já tinha o desejo como esta pessoa chegou aqui O lobo que fez parte do seu caminho em Pnos três anos seguintes. de conhecer o país de norte a a pé, como podia ficar nos Trás-os-Montes, no Parque Natural de Mon- Porquê LISBOA? – sul, como e quando, não sabia, alojamentos dos faróis. E com tesinho. “Quando me apercebo que estou a Segundo o próprio: “Lisboa, mas ia fazê-lo. “Lembro-me esse incentivo, obviamente, ser seguida pelo lobo, já estávamos muito cidade cosmopolita, boas de olhar para o mapa, maior quis cumprir todos os faróis.” próximos. Naquele momento ele não sen- infraestruturas e adequada do que eu, e lembro-me de E entre faróis, castelos, al- tia necessidade de me atacar, e eu não senti oferta hoteleira.” pensar que o país era enor- deias, cidades e muralhas, medo. Houve uma grande pausa, uma troca Estava mesmo certo o me, e sentia nessa altura, um Isabel encontrou dezenas de de olhares entre mim e ele.” Sr. Cosgrave. Depois do dia vou querer ver este país pessoas, e houve quem aju- Durante três dias o lobo acompanhou-a, êxito de 2016, os números todo. Não ficou na agenda que dasse com comida e bênção, de longe, mas sem tirar o olhar dela, e ela do evento no ano passado, seria a pé, apenas o desejo.” por acharem que era peregri- dele. Houve respeito e uma experiência que decorreu entre 7 e 10 O que a fez pegar na mochila e aos 44 na, também houve quem chamasse a polícia única. Se o lobo a queria proteger? Se queria de novembro, foram: 53 mil anos foi D. Afonso Henriques, foi a “grande e a prendesse numa mercearia por acharem que ela se afastasse do território da alcateia? participantes de 166 países, luz que me impulsionou, o facto de ter ha- que estava a fugir do marido, ou ainda, Nunca iremos saber. aos quais se juntaram mais vido alguém que batalhou pelo nosso país, quando à beira da estrada foi enxotada por Dos 80 dias ficou o dever cumprido, ficou 19 mil jovens com entradas a o D. Afonso Henriques, se hoje temos um prostitutas. “Desisti de contar às pessoas o o mapa da quarta classe, o retrato do país, as preço reduzido; em 21 palcos país a ele o devemos. Vou cumprir todos que estava a fazer. Eu achava que era impor- culturas e tradições, e ainda hoje são muitas estiveram 600 oradores e os marcos de fronteira que aquele homem tante que percebessem o porquê de estar ali, as imagens e memórias que fazem questão 1500 startups e, finalmente, permitiu que nós conquistássemos e hoje mas só me enterrava mais. Pensavam que de aparecer para que não se esqueça de dando cobertura a tudo isto chamássemos de nosso país.” era maluca.” cada terra percorrida. estiveram cerca de 2 mil Saiu de lisboa, até ao farol do Cabo de São Viu o que acreditamos não existir no sécu- Se um dia irá escrever um livro ou publi- jornalistas de todo o mundo. Vicente, caminhou até Vila Real de Santo lo XXI, aldeias onde o habitante mais novo car as centenas de fotografias que retratam Os números de 2018 já António, e percorrido o Algarve, subiu a tem 75 anos, onde a moeda de troca são pro- a aventura, Isabel diz que não, “teria que ex- andam por aí e melhor do que fronteira com Espanha – a Linha de Rai – dutos, fugiu de toiros, andou no meio das por a intimidade de muita gente. Era tornar isso veio a garantia de que até que inicia em Vila Real de Santo António até silvas, magoou-se, chorou sozinha, ques- vulneráveis pessoas e sítios à ‘gatunagem’ 2028, por isso nos próximos Miranda do Douro. Passando Trás-os-Mon- tionou o porquê de estar a fazer a viagem, fácil, expor pessoas que já por si são pobres 10 anos, Lisboa será a anfitriã tes, onde guarda uma das mais emocionan- se valia a pena perante algumas situações, e esquecidos pelo governo.” M.J.C. deste importante e espetacular evento: a Web Summit. Aqui está aquela predisposição tão portuguesa a de unir povos e descobrir INTER-FRADELOS VENCE 1 TAÇA NACIONAL FUNDAÇÃO INATEL “mundos”. Neste caso, um “mundo” infindável de novas ACRIF faz a dobradinha e leva a Taça para casa. Tiago Freitas deu a vitória tecnologias e novas ideias que podem tornar o verdadeiro com dois golos marcados na baliza do CCD Nadais Mundo num espaço bem melhor para a Humanidade. Fundação Inatel respondeu Quero acreditar que daqui a às solicitações das equipas do dez anos todos encontraremos campeonato futebol 11 com a um Mundo diferente, espero criação de uma competição que que para melhor. põe em confronto o melhor de Mas 2019 já aí está. Por isso cada distrito. Aumentar o nú- aqui deixo os meus votos para mero de jogos e a competição que este novo ano nos traga Asaudável na Liga Inatel era o objetivo, mais paz, compreensão e bem como começar a época a celebrar o solidariedade entre todos os desporto e o associativismo. povos. Entre os meses de outubro e início de novembro, os vencedores distritais da Taça Fundação Inatel disputaram o vencedor nacional – jogaram-se os oitavos de final, quartos-de-final, meias-finais e a grande final, que se realizou no passado dia 11 de novembro, no Parque de Jogos de Ramalde entre os CCD Nadais e ACRIF, dos distritos de Aveiro e Braga, respetivamente. Apesar do mau tempo, a bola rolou No intervalo a festa do futebol conti- às equipas, era o convívio e o respeito que com o primeiro golo logo aos 25 minutos nuou com a celebração do S. Martinho prevaleciam, ao vermos as duas claques de Tiago Freitas do ACRIF, que repetiu com o Rancho Folclórico do Porto a distri- unidas. o feito durante a segunda parte e deu a buir castanhas e vinho ao som dos canta- O jogo foi transmitido na totalidade vitória aos campeões nacionais da época res tradicionais da região. Nas bancadas, numa plataforma online e partilhado nas 2017/2018 por duas bolas a zero. entre gritos de entusiasmo e de coragem redes sociais da Fundação Inatel. M.J.C. TL NOV-DEZ 2018 19 INATEL DISCUTE O FUTURO DO PLANETA “É um desafio sem precedentes na história da humanidade”, a ação climática foi o tema escolhido da Agenda 2030 para levar a Mértola os principais agentes nacionais da área do ambiente e clima Presidente da República surpreende

ezenas de pessoas marcaram Falava de Cláudio Torres, diretor do presença no Cineteatro Marques Campo Arqueológico de Mértola (CAM), no FOLIO no Concerto Inatel Duque de Mértola para mais um “Prémio Inatel Sustentabilidade”, a perso- Ao som dos Roncos do Diabo Marcelo Rebelo de Sousa aparece debate Inatel sobre os Objetivos nalidades de reconhecido mérito na temá- de improviso para celebrar o passado, o presente e o futuro com a da Agenda 2030. tica. “Não contava com esta homenagem, Fundação Inatel Depois de vários temas já deba- com esta equipa com quem já trabalho há tidos de norte a sul e ilhas, é em muitos anos, foi uma homenagem muito quarta edição do FOLIO — Fes- do Diabo. Vim com grande expectativa e DMértola, numa das regiões mais vulnerá- simpática e que nunca vou esquecer”, con- tival Literário Internacional de felicitando a Inatel por apoiar, por estar pre- veis e suscetíveis de sofrer com as altera- fessou o professor. Óbidos, de 27 de setembro a 7 sente, o que significa que está a cumprir a ções Climáticas, que desafiamos os locais a Sobre Mértola e o contributo da vila para de outubro, contou com o apoio sua missão cultural e educativa.” assistir ao debate que põe a nu os proble- Portugal no mundo da Arqueologia, “te- da Fundação Inatel, pelo 3.º ano As expectativas do concerto foram supe- mas de hoje. mos aqui uma grande biblioteca, materiais consecutivo. radas pelas mais de 300 pessoas que aplau- O uso em excesso dos recursos energéti- museológicos, porque eles (muçulmanos) Com mais de 830 horas de pro- diram o concerto de um grupo de Almada cos não renováveis, como o petróleo e o gás fora daqui não tem nada, foram coloniza- Agramação em torno do tema “Ócio, Negócio com a missão de preservar a gaita-de-foles natural, o aumento da camada de ozono, a dos pelos franceses e eles limparam tudo, e A Invenção do Futuro”, o Folio reservou e os reportórios tradicionais, “não podemos facilidade com que se esquece, diariamen- só tem passado Romano, e se querem es- ainda um espaço para a música, para a “pa- esquecer que este projeto nasceu no âmbito te, da importância de desligar a torneira, ou tudar o passado islâmico têm que vir aqui, lavra cantada, como explica o presidente da Associação para Estudo e Divulgação da a de usar mais os transportes públicos, não portanto temos aqui malta que vem do da Fundação Inatel, Francisco Madelino: Gaita-de-Foles, isto para explicar que sem- só por uma questão económica mas tam- norte de África – para doutoramentos e es- “Pedimos à organização e à Câmara Muni- pre esteve inerente esse propósito, divul- bém ambiental, leva a que nos dias de hoje tágios – mas ainda não é suficiente, temos cipal um espaço onde nós introduziríamos gar e preservar na memória e conquistar os seja mais visível, mais alarmante a questão que estreitar e consolidar esse tipo de cami- a magia da palavra não só na escrita como mais novos para gaita-de-foles”, explicou a finitude do planeta Terra. Nas palavras nho, que é, no meu ponto de vista decisi- na voz, e na portugalidade, nos sons portu- Tiago Pereira, membro da banda. de Filipe Duarte, presidente do Conselho vo, não só para a nossa sobrevivência como gueses.” Após mais um ano de parceria e sucesso, Nacional do Ambiente e do Desenvolvi- para fazer abrir Portugal, fazer olhar para o Esse espaço denominou-se por Palco Ina- o presidente da Câmara Municipal de Óbi- mento Sustentável (CNADS), “estamos outro lado do estreito, é fundamental”. tel, onde estiveram nomes como Ricardo dos, Humberto Marques, realça a importân- numa fase de transição que representa Filipe Duarte foi também homenageado Ribeiro, Fábia Rebordão, Samuel Úria, Ma- cia da união e como esta tem sido funda- uma aprendizagem de que vivemos num e não escondeu a surpresa e a gratidão, “é falda Veiga, Roncos do Diabo, entre outros. mental para a continuidade do Folio: “É de planeta finito, não há outro onde possamos uma grande honra ter recebido este pré- Foi com Roncos do Diabo que o Folio e facto inexcedível o apoio e tem marcado a viver como aqui, Marte é possível mas é mio, fico muito sensibilizado, é um incenti- a Inatel foram surpreendidos com a visita diferença sobre o podermos fazer com qua- completamente artificial e uma alternativa vo para continuar a pensar, porque é avan- inesperada de Marcelo Rebelo de Sousa. O lidade e sobretudo associado à música que inóspita. Não podemos negar esta relação ço coletivo das sociedades, nós termos a Presidente da República sempre mostrou tem levado, aos portugueses que nos visi- de dependência que temos em relação ao oportunidade de pensar, refletir e ter opor- interesse em participar no Festival Literário, tam, a sair daqui encantados e a sair daqui ambiente”. tunidade de solucionar os problemas”, e e esta edição não podia ser exceção. Numa com sentimento de proximidade. E são estas A Inatel mostra-se cada vez mais cons- enaltece ainda a iniciativa: “A Inatel está a breve conversa, entre beijinhos e fotogra- performances que a Inatel nos está a permi- ciente dessa dependência ao realizar de- fazer um percurso muito meritório no nos- fias, o Presidente realçou o trabalho realiza- tir para levar o Folio como marca distinta.” bates como os da Agenda 2030, bem como so país porque está a valorizar as áreas, não do entre o Folio e a Inatel: “Eu nunca per- 2019 já tem tema e datas definidas. Será com a aposta em atividades económicas só sociais como do ponto de vista econó- co este Folio, este ano estava difícil, e hoje sobre as grandes viagens, mais concreta- sustentáveis, como explica o presidente da mico e do ponto de vista ambiental e essas disse, vou ali ao palco Inatel porque temos mente os 500 anos da viagem de Fernão de Fundação Inatel, Francisco Madelino: “Há áreas são todas importantes e relacionadas uma boa combinação de passagem entre Magalhães e irá realizar-se de 10 a 20 de ou- capacidade para atividades económicas com o desenvolvimento sustentável.” passado, presente e futuro, são os Roncos tubro. M.J.C. sustentáveis, que no nosso caso é o turismo Um trabalho que só é possível com par- sustentável, que é um turismo que respeita cerias, com a união de forças, e isso foi feito a capacidade de regeneração do planeta, é com o município de Mértola. um turismo que desenvolve e dá a conhe- “É sempre um prazer para nós receber- INATEL DESAFIA O MAU TEMPO EM TRAIL cer as diversidades culturais.” mos estas iniciativas como a organizada E quando questionado sobre o porquê da pela Inatel, temos sempre interesse em ter- escolha de Mértola, o presidente da Inatel é mos mais atenções para a nossa terra. E é 00 Participantes a ‘fugir’ da chu- explícito: “Mértola é uma região que sofre importante pela temática em si, Mértola é va e do vento no terceiro Trail da o problema do aquecimento porque é uma um dos territórios mais vulneráveis à ques- subida à serra São Macário em região sul, é uma região de diálogo inter- tão das alterações climáticas”, Jorge Rosa, São Pedro do Sul. cultural, e simultaneamente viemos home- Câmara Municipal de Mértola. Integrado na XX Festa da Cas- nagear duas pessoas, como temos vindo a A Fundação Inatel compromete-se a tanha e do Mel de Macieira, em fazer, que durante 20 ou 30 anos que foram continuar a discutir a Agenda 2030. Novas São Pedro do Sul, decorreu no fazendo o seu caminho chamando à aten- datas, temas e locais a anunciar em breve. 2dia 11 de novembro o terceiro Trail da su- ção para as questões climáticas.” M.J.C. bida à Serra de São Macário, numa organi- zação Inatel, CCD Grupo Todo o Terreno SPS e o apoio Institucional do município a parceria com a Fundação Inatel, Pedro local. Mouro destacou a união do turismo e do Dividido em três grupos de dificuldades desporto: “a Inatel São Pedro do Sul tem distintas, para que todos pudessem parti- sido cada vez mais utilizada por clientes cipar, Trail Longo de 34 Km, Trail curto de que procuram o turismo de natureza, o 20 Km, caminhada/mini-trail de 8 Km. desporto, porque há um mundo para des- Pedro Mouro, vice-presidente da Câma- cobrir em São Pedro do Sul, desde a ser- ra Municipal de São Pedro do Sul esteve ra, à gastronomia, etnografia, muito para presente e quando questionado sobre pos- além das próprias termas, e é isso que es- síveis desistências pelo mau tempo senti- tamos a fazer com esta parceira com todas do, só teve uma resposta: “o mau tempo é as entidades, com a Inatel.” fantástico para este tipo de provas que te- São Pedro do Sul continuará na agenda mos hoje, não houve desistências porque da Fundação Inatel, no Turismo, no Des- as pessoas gostam destes desafios.” Sobre porto e no Bem-Estar. M.J.C. 20 TL NOV-DEZ 2018 O INÍCIO DO NOVO ANO NO TRINDADE Nos meses de janeiro a março, a oferta no Teatro da Trindade Inatel é diversificada

Fotografias: © Pedro Macedo/Framed Photos a Sala Estúdio, apresentam-se cionário nas suas intenções: pôs em causa dois projetos em coprodução – os bons costumes da aristocracia francesa até dia 20 de janeiro estará em e a moralidade católica no seio de uma ve- cena Junto, um espetáculo para lha monarquia que, para ele, se esgotava. bebés até aos 3 anos que, no No seu programa literário e filosófico, Sade final do mês, dará lugar a uma propõe uma nova ordem mundial, indo ao criação a partir do universo de limite da libertinagem, tentando furar os NMarquês de Sade, Boudoir – 7 diálogos li- tabus mais secretos. Contudo, não é por bertinos. isso que não deixamos de contactar com a Na Sala Carmen Dolores, durante o mês mais bela literatura e poesia, em sintonia de janeiro, continua em cena A Pior Comé- com uma verdadeira vontade de provocar dia do Mundo; já em fevereiro, estreia uma a excitação física e intelectual no leitor. É produção própria do Trindade, Zoom. No este o ponto de partida para a construção original Time Stands Still, este texto contou de um espetáculo, que pretende, acima de com uma carreira de sucesso na Broadway. tudo, celebrar a liberdade do corpo e do pensamento na sociedade contemporânea. A interpretação está a cargo de Flávia JUNTO Gusmão, João Gaspar, João Telmo, Maria João Abreu, Margarida Bakker, Martim Pe- A pensar nos mais pequenos, a Sala Estú- droso, Pedro Monteiro e Statt Miller. Para dio apresenta Junto, um espetáculo, uma ver até 10 de março. instalação e um encontro que acolhe, Clara Bevilaqua e Guilherme Calegari. Atores de “Junto” aconchega e nutre de forma próxima os BOUDOIR – 7 DIÁLOGOS LIBERTINOS bebés até aos 3 anos, as suas famílias, ami- 30 de janeiro a 10 de março gos e as escolas. Sala Estúdio | M/18 Entramos num espaço em branco e es- Quarta a sábado 21h30 | Domingo 17h00 tão dois corpos juntos. Duas tartarugas que não se largam, passam os dias e as noites sempre juntinhas. O espaço é um ZOOM lugar quente e aconchegado, como a bar- riga da mãe. Aqui, neste mundo, cabemos No dia 13 de fevereiro estreia Zoom, uma todos: pequenos e grandes. produção própria do Teatro da Trindade Este espetáculo é um encontro a meio ca- Inatel com encenação de Diogo Infante e minho, pede uma proximidade com os ato- que reúne em palco quatro talentosos ato- res-bailarinos e convida a entrar e explorar res, Virgílio Castelo, Sandra Faleiro, João o palco-cenário. Os corpos juntos criam e Reis e Sara Matos. recriam formas de conviver e sentir. Ou- Do dramaturgo norte-americano Do- vem-se sons e instrumentos que se transfor- nald Margulies, Zoom é uma peça sobre mam em brinquedos e gestos, e danças que a relação de Sarah, uma fotojornalista re- envolvem e ampliam o imaginário. Quem cém-chegada da Guerra do Iraque, depois sabe se esta dança desacelera o tempo ou de ter sido ferida pela explosão de uma a música que se ouve atrás dos ouvidos? bomba, e do seu namorado James, um re- A criação é de Mariana Lemos, Clara Be- Statt Miller, Maria João Abreu, João Telmo e João Gaspar. Atores de “Boudoir - 7 diálogos pórter de guerra. James tenta que mudem vilaqua e Guilherme Calegari, numa copro- libertinos” o rumo das suas vidas, para que possam dução do Trindade com o Coletivo Lagoa. finalmente sonhar com uma “vida nor- mal”, mas as cicatrizes emocionais com JUNTO que ambos se debatem revelam um casal Até 20 de janeiro numa encruzilhada. Sala Estúdio | 0 aos 3 anos Em casa, recebem a visita do amigo Escolas – Quarta a sexta 10h30 (Sob marca- Richard, editor de fotografia, que lhes ção) apresenta a sua nova namorada, Mandy, Famílias – Sábado 16h00 | Domingo 11h00 consideravelmente mais nova do que ele, e que com a sua aparente ingenuidade e franqueza desconcertante, coloca ques- BOUDOIR – 7 tões sobre a ética e a moral que produzem em Sarah um efeito avassalador. DIÁLOGOS LIBERTINOS A peça, de estrutura aparentemente simples, revela uma complexa e profunda Esta criação de Martim Pedroso & Nova teia de emoções que emergem nos diá- Companhia parte do texto A Filosofia na Al- logos, nos debates sobre reportagens em cova, de Marquês de Sade. Alguns autores, cenários de guerra, sobre belas fotografias ao longo dos séculos, tentaram encontrar que captam o caos, a destruição e a morte. respostas sobre a sua própria existência e sobre a sociedade em que viveram, através ZOOM da exponenciação das suas próprias expe- 13 de fevereiro a 31 de março riências e fantasias sexuais. Sade fez isso e Sala Carmen Dolores | a classificar pela CCE muito mais. Já no séc. XVIII, foi um revolu- Virgílio Castelo, Sara Matos, João Reis e Sandra Faleiro. Atores de “Zoom” Quarta a sábado 21h00 | Domingo 16h30 TL NOV-DEZ 2018 21

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Dois filmes portugueses Concertos de ano novo, “Raiva” e “Parque Mayer” – respectivamente, de Sérgio Tréfaut e António Pedro de Vasconcelos chegam às salas debaixo de natural bailados e uma sentida expectativa despedida

Raiva, de Sérgio Tréfaut | Portugal, 2018 direita com tendências neonazis. Na Com: Sergi López, Adriano Luz, Luis opinião do crítico do diário britânico, The Miguel Cintra, Hugo Bentes. Guardian trata-se de uma “homenagem •Alentejo, 1950. Um comovente à coragem das jovens vítimas camponês comete de Utoya”. vários assassinatos a sangue frio e, Shoplifters – Uma Família de Pequenos sozinho, enfrenta a Ladrões, de Hirokazu Kore-eda | Japão, guarda e o exército. 2018 Baseado no romance Com: Lily Franky, Kirin Kiki, Sôsuke neo-realista, “Seara Ikematsu. de Vento”, de •Uma família desfavorecida que Manuel da Fonseca. Subtileza narrativa sobrevive à crise e esplendor visual. No cast, destaque- através de pequenos se os sólidos contributos de Catarina roubos acolhe Wallenstein, Rogério Samora, Herman uma menina José, Isabel Ruth, Leonor Silveira, Diogo aparentemente Dória, Lia Gama, entre outros. abandonada. Sob o pano de À Procura de Vivian Maier, de John fundo de crónica Maloof e Charlie Siskel | EUA, 2013 familiar o cineasta Documentário. inscreve também o seu ponto de vista •A descoberta duma mulher, modesta e político sobre a sociedade nipónica vulgar (que tomava conta de crianças), actual. Emocionante, sensível, duma de extraordinário humanidade rara. Premiado em Cannes – potencial artístico, “palma de ouro”. que realizou em vida, sem o saber, Beautiful Boy, de Felix Van Groeningen | uma obra fotográfica EUA, 2018 O Russian Classic Ballet apresenta “O Quebra Nozes” prodigiosa e Com: Steve Carell, Timothée Chalamet, impressionante de Maura Tierney. mais de 100 mil •Um drama familiar de amor e dedicação om a correria das festas que No mesmo palco a 9 de dezembro, imagens, captadas profundos de se avizinham faço uma sele- com música de Prokofiev, teremos o nas ruas de New um pai pelo filho ção de concertos para mo- bailado “Cinderela” pela mesma com- York e Chicago e dezenas de filmezinhos adolescente viciado mentos de contemplação panhia russa. Para assinalar a época de 8 e 16mm. em metanfetamina. artística, na perspetiva habi- natalícia, do outro lado do rio, mais Baseado na história tual de convidar os leitores a precisamente em Almada, no Teatro O Acossado, de Jean-Luc Godard | real de David e saírem de casa e assistirem a Municipal Joaquim Benite, dia 21 de França, 1959/60 Nic Sheff e na obra Cespetáculos memoráveis. dezembro às 21h00, teremos um con- Com: Jean-Paul Belmondo, Jean Seberg. homónima escrita Em Lisboa começamos por destacar certo de música sacra do compositor •Reposição em cópia digital de um dos pelo primeiro. a programação da Câmara Municipal, W. A. Mozart com a direção musical de filmes de culto da Nouvelle Vague mais Trata-se, segundo que inicia logo no dia 1 e estende-se até José Eduardo Gomes – uma produção consensuais entre alguma imprensa, 17 de dezembro com a iniciativa Natal da Orquestra Metropolitana de Lisboa. cinéfilos. Filme de de forte candidato aos óscares. em Lisboa, com uma programação bas- Esta orquestra fará ainda o seu já habi- pequeno orçamento tante vasta. tual Concerto de Ano Novo com uma (em euros, cerca de Parque Mayer, de António Pedro de Ao longo do mês haverá vários con- programação bem animada, com mú- 62 mil) que arrasou Vasconcelos | Portugal, 2018 certos em igrejas, no Centro Ismaili de sica de C. O. Niccolai, J. Strauss e D. bilheteiras à época, Com: Diogo Morgado, Daniela Melchior, Lisboa e no Templo Radha Krishna. Shostakovich. Dia 1 de janeiro às 11h30 “À Bout de Souffle”, Miguel Borges. Destacamos na programação dois con- e às 17h00 no Grande Auditório do no original, conta •A pretexto da história de uma jovem certos: dia 2 de dezembro às 21h30, na Centro Cultural de Belém, a 4 de janei- a história de um da província que vem para Lisboa com Igreja de Nossa Senhora do Rosário ro às 21h00 no Fórum Municipal Luísa francês, ladrão de o sonho de trabalhar na “revista”, o de Fátima, com o Coro Gospel Colecti- Todi em Setúbal, a 5 de janeiro 21h30 no automóveis e de uma jovem norte- cineasta de “O ve que nos brindará com um concerto Coliseu Porto Ageas, e a 6 de janeiro às americana que se reencontram em Paris. Lugar do Morto” onde se poderão ouvir espirituais ne- 16h00 no Auditório Municipal Augusto Inventivo e deliciosamente irreverente. e “Jaime”, faz gros e canções de Natal mais conheci- Cabrita no Barreiro. Festival de Berlim – prémio melhor uma evocação “da das do grande público. E como o ano novo é também feito de realizador. sociedade e a vida No dia 16 de dezembro pelas 21h30, despedidas, no dia 1 de fevereiro Joan na capital em torno no Centro Ismaili de Lisboa, Eduar- Baez passará pelo Coliseu de Lisboa Utoya, 22 de julho, de Erik Poppe | do emblemático do Paniagua Ensemble irá apresentar numa digressão que anuncia o fim da Noruega, 2018 Parque Mayer” música medieval da Península Ibérica. sua carreira. Baez começou a carreira Com: Andrea Berntzen, Aleksander dos inícios dos Para quem gosta de bailados clássicos, musical aos 18 anos atingindo notorie- Holmen. anos 30 quando o a prestigiada companhia de Moscovo dade com a sua atuação no Newport •Filme-tributo às regime do Estado Russian Classic Ballet irá apresentar “O Folk Festival, um importante festival do vítimas (77) da Novo começava a restringir as liberdades. Quebra-Nozes”, de Tchaikovsky, a 1 de circuito folk americano. Para muitos a tragédia ocorrida No elenco, Salvador Nery, Alexandra dezembro às 16h30, em Faro no Grande musa da música folk americana despe- há sete anos num Lencastre, Miguel Guilherme, Duarte Auditório do Teatro das Figuras, e no de-se dos palcos aos 77 anos com uma acampamento de Grilo, Pedro Lacerda, Luís Lourenço, Coliseu de Lisboa dia 29 dezembro às longa carreira como intérprete e com- férias norueguês Francisco Froes, Almeno Gonçalves, 17h00. Também de Tchaikovsky o baila- positora. Um concerto a não perder. de jovens social- Sérgio Praia, Cristina Cavalinhos, Miguel do romântico “O Lago dos Cisnes” esta- E assim nos despedimos de 2018, de- democratas, atacado Seabra, Rute Miranda, Tino Navarro. rá nos palcos do Tivoli BBVA em Lisboa, sejando a todos os leitores um Feliz Na- por Anders Breivik, Joaquim Diabinho pela companhia Russian National Bal- tal e um Próspero Ano Novo! um extremista de [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia] let a 7 e 8 de dezembro. Susana Cruz 22 TL NOV-DEZ 2018

Os contos do zambujal

O CONCILIADOR Mário Zambujal

dalgísio Ferreira Santos é um – Falso. Eu só disse que, quanto a namo- aquilo que vos separa. O que vos separa homem bom. Sofre com as de- radas desse bicho, ela era a décima sétima. são episódicos desentendimentos, por- savenças que agitam o mundo, Indesculpável é que ele se tenha recusado ventura simples mal entendidos. Aquilo lastima a linguagem agressiva, a dar-me apoio quando quis um emprego que vos une é uma amizade de anos, des- horroriza-se quando pessoas na empresa onde tem poder e influência. de garotos. Não procedam como o velho amigas cortam relações. Gosta Adalgísio é persistente: Gaspar Hortênsio, mau feitio, zangou-se de debates em tom ameno e – Ignoro esses pormenores. Sei apenas com a família toda, filhos, irmãos, mulher, Aeducado, confrontos de ideias sem arre- que a intolerância não é boa conselheira. ex-mulheres, passou um tempo sem tino messo de palavras ofensivas. Tornou-se Difícil era a reconciliação entre a minha afastado dos familiares. Um dia sofreu famoso em toda por ter conse- prima Laurinda e o marido, o Décio, de- um achaque, levaram-no para o hospital, guido recuperar a harmonia entre antigos pois de ela ter bisbilhotado no telemóvel receou-se ter chegado o seu fim. Falei no companheiros que, num dia negro, pas- dele encontrando mensagens compro- abandono a que estava votado. Pediu en- saram a odiar-se. Adalgísio chamou-os metedoras de uma tal Virgolina. Falou-se tão a presença dos entes queridos, assim à concórdia. Regra geral as hostilidades em divórcio. Consegui evitar esse amargo aconteceu e não só recuperou a saúde nascem de simples desacatos, o pior é pas- desfecho alegando a tolerância mútua. Ou como a alegria de viver. Hoje agradece aos sarem a discussões, das discussões aos in- seja, devia a Laurinda perdoar as mensa- Céus, e a mim, a felicidade da reconcilia- sultos, dos insultos às costas voltadas e ao gens e o Décio perdoar o atrevimento dela ção. afastamento para todo o sempre. em meter o nariz no telemóvel. Voltaram Alberto não se rende: Hoje, Adalgísio chamou a si missão a ser felizes. – Diga o que disser, amigo Adalgísio, eu complexa. Quer reconciliar dois casmur- Nada convence Alberto: não volto a falar com esse estupor. ros que mantinham amizade de infância – Conversa fiada, Adalgísio. Desiste, eu E tornou Reinaldo: mas acabaram por hostilizar-se, alegan- não falo mais com esse sacripanta. – Pela minha parte, se vir esse caramelo do, mutuamente, razões de queixa. Ago- Na mesma disposição se mostra Reinal- na rua, mudo para o outro passeio. ra não dirigem palavra um ao outro, nem do: A perseverança de Adalgísio é infinita bom dia, nem boa noite. Inconformado, – Para mim, ele é como se não existisse. para que se retome a paz entre Adalgísio convidou-os para encontro, em Nunca mais lhe falo. separados. Insiste, contando diferentes separado, nem Alberto Torvelia nem Ru- Posições tão radicais não bastam para casos em que, depois do corte de relações, naldo Lidio sabem da presença do outro. demover Adalgísio de levar a cabo a sua se fez marcha atrás. Convocados para as onze da manhã de boa acção: Tudo em vão. um Sábado, numa pastelaria do Lumiar, – Vou usar uma frase feita para definir a Cansado de tão bons conselhos, Reinal- Alberto e Reinaldo entram quase ao mes- vossa situação: é mais o que vos une que do resolve pôr ponto final na conversa: mo tempo. Adalgísio esperava-os com um – Peço desculpa, Adalgísio, mas estás a sorriso de boa vontade. ser um bocado chato. – Sentem-se meus caros, sentem-se. Va- – Nesse ponto estamos de acordo – re- mos conversar um pouco. força Alberto: – Eu não falo com esse caramelo – corta – Se nós não queremos falar um com o Reinaldo. Aquilo que vos outro, porque raio havemos de falar, não E Alberto no mesmo tom: é, pá? – Que ideia é a tua, Adalgísio? Nunca une é uma amizade – Exactamente, Reinaldo. A liberdade farei as pazes com esse velhaco. de expressão inclui a liberdade de ficar Começava mal. No entanto, Adalgísio, de anos, desde calado. homem de palavras mansas, não desar- – Eu não diria melhor, Alberto. O nos- mou: garotos. Não so Adalgísio é que nos quer pôr a falar à – Já consegui a reconciliação entre pes- força. Se nós quiséssemos até podíamos soas que tinham maiores motivos para se procedam como almoçar e fazer as pazes. Que achas? zangarem. É uma questão de perspectiva. – Por mim, vamos. Os dois. A vida não é infinita e um dia, talvez de- o velho Gaspar – Exactamente, livramo-nos desta mel- masiado tarde, chegará o arrependimento ga que quer reconciliar-nos à força. de se terem cortado relações por dá aquela Hortênsio, mau – Melga, dizes bem. palha. Nesse momento quebrou-se a paciência – Não é o caso – reage Reinaldo. – O feitio, zangou- de Adalgísio: sujeito que tens aí ao lado disse o pior de – Melga eu, seus alarves? Depois de gas- mim à rapariga que eu pretendia para na- se com a família tar o meu latim para vos chamar ao bom morar. Revoltada, ela fugiu-me. caminho? Nunca mais vos falo! A partir de Retruca Alberto, olhando para o tecto. toda, filhos, hoje, relações cortadas! irmãos, mulher, ex- mulheres, passou um tempo sem tino afastado dos familiares TL NOV-DEZ 2018 23

Passatempos

Palavras cruzadas POR josé lattas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

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HORIZONTAIS: 1-Indique; Avaro. VERTICAIS: 1-Grande lago salgado da 2-Benzera. 3-Levantar; Espécie Ásia, nas repúblicas do Cazaquistão hortícola comestível, pertencente à e Uzbequistão; Peixe marítimo da família das Umbelíferas, que pode costa portuguesa (pl.). 2-Aparência; ser consumida crua, em saladas, ou Retine. 3-Empregam; Emendara. cozinhada, em sopas e puré. 4-Livro 4-Rei dos Persas; Simples. 5-Prata litúrgico para celebração da missa (s.q.); Senão (inv.); Nome próprio de (pl.). 5-Alívio. 6-Poeiras; Multidão cantora e actriz brasileira, radicada (pl.); Conselho. 7-Pedem; Cútis. em Portugal desde 1958. 6-Ronca. 8-Acabamentos. 9-Embaraçara; 7-Cálcio (s.q.); Lamentos; Dinheiro. Invade. 10-Tratamento dado às 8-Sulcais; Multa. 9-Vazas; Jaleca. freiras; Desabavas. 11-Igualdade em 10-Catálogo; Uma das memórias do

farmácia; Saia!; Amerício (s.q.). computador. 11-Estima; Cuidas.

Soluções: AM.

ENTRA. 10-SOROR; CAÍAS. 11-AA; ALA; ALA; 11-AA; CAÍAS. 10-SOROR; ENTRA.

N; PELE. 8-T; REMATES; L. 9-ATARA; 9-ATARA; L. REMATES; 8-T; PELE. N;

OÁSIS; R. 6-PÓS; MÓS; VOZ. 7-ORAM; 7-ORAM; VOZ. MÓS; 6-PÓS; R. OÁSIS;

3-ALAR; E; AIPO. 4-L; MISSAIS; R. 5-C; 5-C; R. MISSAIS; 4-L; AIPO. E; 3-ALAR; 1-ALUDA; CASCA. 2-R; SACRARA; M. M. SACRARA; 2-R; CASCA. 1-ALUDA;

Sudoku POR Jorge Barata dos Santos

Problema n.012 Prencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado.

Soluções: