Edição 15 20 de setembro de 2010

A opinião de quem decide Fernando Morais Um olho no Jornalismo e o outro na Literatura. E os dois na grande reportagem Há tempos queríamos o escritor Entre fl ertes, encontros e desen- Por pouco a entrevista não teria sido de A Ilha, Olga e Chatô em nossa contros, desembarcamos em seu feito em sua casa de Ilhabela, no litoral série Protagonistas da Imprensa novo escritório, em Higienópolis, numa norte de São Paulo, para onde chegou Brasileira. Mais exatamente desde agradável tarde de agosto, para uma inclusive a ser marcada. Mas ele, em janeiro de 2007, quando fi zemos o conversa que, esperávamos, duraria função de compromissos pessoais primeiro contato com Fernando no máximo duas horas. Foram mais inesperados, mudou a data e transferiu Morais, com essa finalidade. E o de cinco, praticamente ininterruptas. a entrevista para São Paulo. queríamos simplesmente por ser ele E, no que dependesse dele, poderia Chegamos praticamente no meio um dos maiores e mais completos durar até um pouco mais. A explicação da mudança, alguns dias depois de ele repórteres brasileiros – hoje não mais é simples: nessa conversa ele abriu o deixar o escritório que mantinha num da imprensa, mas da literatura. Mas, coração, talvez como poucas vezes, prédio na avenida Paulista por esse como ele próprio diz, qualquer um de para falar de coisas que embalaram que fi ca quase a seus pés, no mesmo seus livros poderia tranquilamente ser sua vida. De amigos, ex-amigos, jor- prédio em que mora, em Higienópolis, publicado como série em qualquer nalismo, reportagem, traição, política, bairro nobre de São Paulo, bem próxi- jornal ou revista brasileira, porque são família, doença e, é claro, sua grande mo do Estádio Municipal do Pacaembu grandes reportagens. Daquelas que já paixão profi ssional: seus livros e sua e do tradicional Colégio Rio Branco. não mais se fazem. história na Literatura e no Jornalismo. Agora, seu único trajeto, quando está

em São Paulo e sai para trabalhar, é dade de ouro de estar frente a frente ambientes, tendo ao fundo uma ampla feito de elevador. E ainda assim são com um dos monstros sagrados da janela envidraçada, está a imensa es- pouquíssimos andares. Próximos dele, literatura e do jornalismo brasileiros, crivaninha que lhe dá apoio nas jorna- morando nas redondezas, estão, entre e a experiente e criativa Sônia Mele outros, o rabino Henry Sobel, Juca fotógrafa Sônia Mele. Kfouri e Thomaz Farkas. Uma parte da ampla sala As caixas com livros, documentos, que lhe serve de escritó- fi tas e pertences pessoais ainda en- rio já está razoavelmente tulhavam grande parte do ambiente, bem arrumada. É a que apesar do zeloso esforço de organiza- fi ca do lado direito de ção de sua irmã, Marília, que há anos quem entra e onde es- vem a ser também sua principal assis- tão dezenas de exem- tente. São tesouros que ele guarda e plares de seus livros, acarinha a cada momento, sabedor da de diferentes edições. preciosidade que encerram. É um estoque pessoal Recebe-nos de forma afetuosa e que ele usa quando ne- absolutamente informal, como se dele cessário. À esquerda, fôssemos velhos amigos. Conosco outra estante, essa com está o assistente Luiz Anversa, me- obras de consulta. No Eduardo Ribeiro, Wilson Baroncelli, Luiz Anversa e Fernando Morais nino de tudo e já com essa oportuni- centro, entre esses dois

das literárias paulistanas. Entreaberta, acoplada à direita da mesa maior, for- a parte na entrevista. Seu pai, José a vidraça às suas costas permite aliviar ma um L na estação de trabalho. À sua Carneiro de Morais, era um homem o ar carregado de tabaco que suas frente, um Buda repleto de moedas ao mesmo tempo rude e refi nado. permanentes baforadas inoculam no internacionais é uma das peças que Gostava, como poucos, de literatura, ambiente. Charutos e cigarilhas são mais despertam a atenção dos interlo- mas não tinha o menor constrangi- seus fiéis companheiros. E fazem cutores, que logo fi cam sabendo que mento em surrar os fi lhos. E em várias lá seus estragos, como a tosse in- é para dar sorte e atrair riqueza. passagens Fernando mostra como foi controlável que o acomete quando a O escritor do povo, como chegou a confl ituosa a relação com ele, embora garganta seca, sobretudo em ocasiões ser chamado quando atuou na política, no fi nal da vida tenham hasteado a como essa, em que precisa falar mui- sofre de depressão (e se cuida), tem bandeira branca. to. Foram seguramente umas quatro poucos amigos, fruto das inimizades e Na entrevista, Fernando revela interrupções ao longo da entrevista por distanciamentos que a política e o des- coisas que nunca havia contado a nin- esses acessos de tosse, que, além do tempero verbal produziram, leva a vida guém de fora da família, como a surra desconforto natural, lhe provocavam com conforto, mas se diz fi nanceira- que o pai deu, desta vez não nele, mas nas têmporas uma vermelhidão típica mente remediado (“não tenho nada”), no bispo da cidade (porrada mesmo, de quem se vê obrigado a exigir de- não é religioso, embora respeite todas escada abaixo), por causa de uma sa- mais do coração. E a cada acesso, re- as crenças (“sou um materialista tisfação que o religioso foi tirar na casa conhecendo sua relação velhaca com místico”), e adora trabalhar, ainda que dele, na frente da família. Conta ainda o vício, ele próprio, mangando de si tenha deixado escapar na entrevista como foram os difíceis momentos mesmo, bradava sem meias palavras: que gostaria que fosse hereditária a no enfrentamento à ditadura, quan- “Fuma, fi lho da puta, fuma!!” sorte que o pai teve na loteria. do até uma fi ta de minicassete teve O computador, numa mesa menor Esse, aliás, é quase um capítulo que engolir para não comprometer Edição 15 página 2 Fernando Morais o amigo Chico Buarque de Hollanda, mexer: “Avisa pro Fernando que, se tanto. Bastou fazer a primeira para ele perseguido, como ele, pela ditadura. ele precisar, nós diremos que ele con- embalar e não mais parar, a não ser em Revela que por pouco, e graças à tinua trabalhando aqui”. É interessante poucas e breves ocasiões. Saiu quase intervenção dos patrões Domingo isso, porque hoje tem tanta gente por como música. Música que em alguns Alzugaray e Luís Carta, talvez fosse aí, valente, mijando em leão morto... momentos também cantarolou, ju- ele, e não , a ir parar “Eu fi z e aconteço!”. Gente que tá aí diando um pouco de nossos ouvidos. nos porões do DOI-CODI, no fatídico recebendo indenizações... Eu estou Como igualmente declamou, dando 25 de outubro de 1975. falando do Ruy Mesquita! Não era o vazão a uma das paixões que traz da A emoção que manifestou em duas Apolônio de Carvalho! Ruy Mesquita, infância. ou três ocasiões foi muito forte ao nos fi lho do dr. Julinho, neto do dr. Julio, Por tudo isso, caro leitor, uma re- contar essa passagem sobre a cora- irmão do Julio Neto... se dispôs a levar comendação: não leia com pressa a gem de Alzugaray e Carta em peitar a um comuna, entre aspas, para salvar a entrevista. Leia em capítulos, como ditadura para ajudar a salvar a sua pele. minha pele! São essas poucas coisas a um livro. Vá degustando lentamen- E mais ainda, quando quase lhe brota- boas que acabam emergindo dessas te, sorvendo as boas histórias que ram lágrimas, ao se referir a Ruy Mes- situações dramáticas”. dela fl uem a cada parágrafo, a cada quita, que mesmo já não sendo mais Chegamos para a entrevista após resposta. seu patrão se dispôs a acompanhá-lo uma ampla pesquisa sobre o jorna- Boníssima leitura! ao Dops, se preciso fosse, para dizer lista escritor e com um roteiro que Eduardo Ribeiro que ele continuava sendo funcionário continha quase cem perguntas, dos e Wilson Baroncelli do Estado e que com ele ninguém iria mais variados matizes. Não precisava

“Continuo sendo jornalista e repórter” Jornalistas&Cia – Como foi a sua infân- Wagner e Gilda, terminaram o antigo cur- J&Cia – E da sua mãe? cia em Mariana? so primário, meu pai decidiu ver escola Fernando – Custódia. Mas eram “seu” Fernando Morais – Foi um pouco tu- para eles em Belo Horizonte, porque ali, Duduca e “dona” Zizina. Meu pai era um multuada porque meu pai era bancário, em Mariana, as únicas alternativas eram tipo especialíssimo. Bruto, mas sofi sti- gerente do antigo Banco da Lavoura de um seminário e um convento, e ele não cado intelectualmente. Parte da minha Minas Gerais, que depois virou Banco queria isso para os fi lhos. biblioteca herdei dele. Era autodidata e Real... Somos nove irmãos e eu vivi J&Cia – O Carlinhos também era jorna- se formou em Economia quando tinha em Mariana até os cinco anos. Lá era a lista, não era? já nove fi lhos. Nessa biblioteca havia, sede da Cúria, da Mitra Diocesana. Na Fernando – Sim. Morreu há uns 20 anos por exemplo, coisas como uma edição verdade, era uma espécie de capatazia da num acidente. Era da turma do Gabeira completa da obra de Freud, de 1940. Ele Igreja, que vinha da Bahia até São Paulo [Fernando], do Zuenir [Ventura], do lia muito... e a sede era em Mariana, uma cidade, Ziraldo, que deixaram Minas para morar J&Cia – Isso acabou te infl uenciando? como se vê, muito religiosa, sede de bis- no Rio de Janeiro, cidade que sempre foi Fernando – Certamente. Eu gosto muito pado. E meu pai sempre foi ateu. Minha a primeira opção dos mineiros, embora de poesia e vivia declamando, principal- mãe não, tinha origem cristã, mas não São Paulo também tenha depois se tor- mente Manuel Bandeira. E essa prática era carola, tanto que nenhum dos fi lhos nado um destino importante para outros acabou me acompanhando pela vida foi batizado. As meninas só se batizavam conterrâneos. toda, tanto que até hoje sei declamar depois de adultas, ao casarem na igreja. J&Cia – Qual era o nome do seu pai? muita coisa... sei cantar trechos, árias Quando os dois mais velhos, Carlinhos Fernando – José Carneiro de Morais. de óperas da memória mais remota da infância. J&Cia – E o seu pai o apoiava? Meu pai agarrou o bispo e foi dando porrada na cara dele. E o bispo Fernando – Ele não gostava muito que saiu rolando escada abaixo. Nunca falei sobre isso. Essa é a primeira vez eu elogiasse Bandeira porque havia o que estou contando isso pra gente desconhecida da família... Drummond, né? Mas, como eu disse, era um homem bruto, mas ao mesmo tempo refi nado, gostava das letras. E caçador... bom de tiro, acertava moeda que nem Fernando – Vara de marmelo... Ele che- ensino religioso. Uma instituição que naqueles fi lmes antigos de faroeste. Saía gou a comprar um cinto e, o que foi o até hoje é um bom centro de formação às três da manhã a cavalo e voltava às maior terror, até uma pala de bater em de pessoas, mas que não dá formação nove com uma paca na garupa... cavalo, deixando-a pendurada na sala de religiosa. Meu pai foi lá, matriculou os J&Cia – E você ia junto? jantar da nossa casa para eu, sempre dois e voltou para Mariana. Agora, vejam Fernando – Não. Ele não deixava por que passasse ali, ver que a ameaça era vocês: se hoje Mariana é uma cidade causa da arma de fogo e dos perigos. presente. provinciana, imaginem há uns 60 anos! J&Cia – Fale um pouco mais de seu J&Cia – Você era muito aprontão? Foi ele voltar para Arquivo Fernando Morais pai. Fernando – Dizia ele que sim. Mas não casa e se espalhar Fernando – Ele era um sujeito duro, acho que fosse nada mais do que a pela cidade a notícia duro, duro… seco! E como era costume maioria dos outros meninos. Lembro de de que o gerente do naquela época, não nos poupava de casti- uma ou outra maluquice, mas nada que banco tinha matricu- gos físicos. Agora está se discutindo essa justifi casse um castigo físico... lado os filhos num coisa da palmada, mas naquela época o J&Cia – Voltando à questão do estudo colégio protestante. castigo físico era um padrão pedagógico de seus irmãos em Mariana... Não tardou muito e brasileiro, sabe? E eu, por alguma casu- Fernando – Então, como não tinha como o bispo da cidade, alidade, apanhei muito mais do que os matricular as crianças em Mariana, a não Dom Helvécio Go- meus irmãos. Mas todos nós tomamos ser em escola religiosa, coisa que meu mes de Oliveira, foi umas bifas na orelha. Eu me lembro que pai não queria, ele foi a Belo Horizonte, lá em casa tomar tinha épocas de minha mãe encher uma atrás de um colégio interno que pudesse satisfações. Chega banheira de água com sal pra eu tomar pagar e que tivesse boa qualidade de de noite e encontra banho e tirar as marcas roxas de surra. ensino. E esse colégio foi o Batista Brasi- meu pai lendo e mi- J&Cia – Vara de marmelo? leiro que, embora protestante, não tinha nha mãe cuidando da 1968 Edição 15 página 3 Fernando Morais gente. Eu era muito pequeno ainda, tinha no banco para conversar comigo, porque foi dando porrada na cara dele. E o bispo cinco anos, por aí. Acho que é a memória o senhor está na minha casa, na frente saiu rolando escada abaixo. Nunca falei mais remota que eu tenho. O bispo veio da minha mulher, dos meus fi lhos...”. Ele sobre isso. Essa é a primeira vez que todo paramentado, sapato com fi velão de cortou: “Eu não lhe dei ordem para falar! estou contando isso pra gente desco- prata, uma cinta vermelha amarrando a Ainda não dei ordem para falar!”. E meu nhecida da família... E saiu batendo pra batina e tal. E esse bispo era muito atre- pai respondeu: “Eu posso ir amanhã até a valer! Desceu pela escadaria falando vido, famoso pelo autoritarismo. Entrou Cúria, pra gente conversar”. Ele interrom- palavrão: “Filho de uma puta!”. E o bispo dando bronca: “Olhe, eu vim aqui para peu: “Eu quero que o senhor volte atrás, era moreno, chegava a ser meio mulato, informar que não admito que o respon- que se retrate dessa irresponsabilidade, tipo Roberto Marinho, digamos assim. Aí sável pela guarda das fi nanças da Igreja desse mau exemplo que deu para a po- emergiu todo o preconceito: “Nêgo fi lho Católica Apostólica Romana dê mau pulação!”. Ele disse: “Dom Helvécio, o de uma puta! Nêgo fedorento veio na exemplo para a população, educando senhor não pode falar assim comigo na minha casa!”. E enfi ou a mão... Bem, no seus fi lhos numa escola protestante!”. frente dos meus fi lhos, dentro da minha dia seguinte, o bispado mandou informar Nós fi camos espantados porque nunca casa”. O bispo repetiu: “Já disse que não ao dono do banco em Belo Horizonte que tínhamos visto alguém falar grosso com lhe dei ordem para falar!”. se meu pai permanecesse lá a Igreja ia meu pai. Ele disse: “Dom Helvécio, J&Cia – E o que aconteceu? tirar todo o dinheiro do Banco da Lavoura, acho melhor o senhor passar amanhã Fernando – Meu pai agarrou o bispo e não só de Mariana, mas do Brasil inteiro! Onde tivesse um Banco da Lavoura com depósitos da Igreja, seria tirado. Eram Dormi offi ce-boy e acordei repórter. Com 14 anos. Achei minha muito poucos bancos na época. E aí saí- carteira profi ssional outro dia e eu vi que tinha acabado de mos, meu pai arrastando mulher e nove fi lhos. Fomos primeiro para Ubá, terra completar 14 anos. do Ari Barroso. Além do que meu pai foi excomungado.

J&Cia – Quer dizer que o banco o man- complicada anos antes com o Magalhães verdes”, em 38, armado também. Essa, teve? Pinto. Ele era diretor e assinou o Mani- portanto, foi a primeira manifestação Fernando – Sim, eles foram íntegros festo dos Mineiros, o primeiro manifesto civil contra o Estado Novo. E teve entre nesse episódio. Vale ressaltar que o civil contra Getúlio. Já houvera a intento- os seus signatários Magalhães Pinto. No banco já havia passado por uma situação, na comunista em 35, armada, o putsch dia seguinte, Getúlio ligou para o dono do guardadas as devidas proporções, meio fascista do Plínio Salgado, dos “galinhas- banco, Clemente Faria, pai do Aloysio de Faria, que daria continuidade aos negó- cios fi nanceiros da família, com o Banco Real (vendido para o Amro Bank, por sua vez comprado pelo Santander) e, agora, com o Alfa. Pediu a cabeça de Magalhães e o velho Clemente deu. Magalhães aca-

Arquivo Fernando Morais Fernando Arquivo bou montando depois o Banco Nacional, que passou a ser o principal concorrente do Banco da Lavoura. J&Cia – Mas no caso do seu pai isso não aconteceu... Fernando – O banco se comportou com decência. Transferiu primeiro para Ubá, depois para Lima Duarte, que é outra cidade muito pequena no interior de Mi- nas. Ele fi cou pouco tempo em cada uma delas... minhas lembranças são muito fragmentadas. Depois fomos para Belo Horizonte e ele acabou fazendo carreira. Jornal da Tarde 1968 Virou vice-presidente, cargo que ocupou até a morte. Por volta de 1965 o banco transferiu a sede para São Paulo, mas Fernando – Não! Não! De todos os ou 13 anos –, meu pai disse: “Não quer aí eu não queria vir porque tinha uma colégios de Belo Horizonte, eu fui de- estudar? Tudo bem, então vai trabalhar. namorada e disse: “Vou morar com meu caindo. Comecei num colégio estadual Eu não vou sustentar vagabundo para irmão mais velho para poder fi car com a que era um exemplo... um projeto do ficar jogando sinuca, ficar não sei o namorada”. Mas não teve jeito, o destino Niemeyer... quê...”. Eu faltava às aulas. Para mim era acabaria me conduzindo a São Paulo logo J&Cia – No tempo em que colégio do até bom trabalhar, porque aí ganharia o depois, de uma outra forma: os Mesquita estado era bom... meu dinheirinho, por menor que fosse, e montaram o Jornal da Tarde e o Murilo Fernando – Era uma maravilha! Uma começaria a ter uma certa independência Felisberto me chamou. Chamou a mim maravilha! Eu, um ex-secretário de daquele pai autoritário. Ele arrumou para e a outros 60 mineiros. (risos). Eu tinha Educação, dizendo isso! Mas era. Tinha, eu ser offi ce-boy do banco. Ainda não sobre os demais a vantagem de ter onde inclusive, jubilação. Se você levasse pau era diretor, mas devia estar no meio da morar, porque minha família já estava dois anos seguidos, no terceiro tinha que carreira, ser chefe de departamento ou em São Paulo e eu não precisava pagar dar o lugar para quem quisesse estudar. gerente de uma agência grande. E por aluguel. Nessa época, 1965, eu tinha 19 Comecei no estadual e fui decaindo, absoluta casualidade fui ser offi ce-boy anos. Mas vamos retroceder um pouco decaindo, até chegar ao penúltimo de- do house organ do banco, a Revista Pan para vocês entenderem como eu fui me grau de baixo para cima da qualidade Lavoura. Eu gostava muito de ler, não era meter nessa profi ssão. educacional, em um colégio chamado um bom aluno formalmente, mas lia. Lia J&Cia – Basicamente, sua formação Afonso Celso, que era o que se chamava muito, pois tinha em casa uma bibliote- mais consistente se deu em Belo Ho- na época “boate”. Pagava a mensalidade ca riquíssima. E já fazia um jornalzinho rizonte... e estava garantido. Fiz o vestibular de mimeografado da minha turminha da Fernando – Em Belo Horizonte. Direito, passei e nunca fui de frequentar rua. Ali no banco, eu fi cava na redação J&Cia – E você acabou nem estudando muito a faculdade. Quando levei a segun- da revista, servia café para as pessoas. no Colégio Batista... da bomba no estadual – devia ter uns 12 Como ela era impressa em clichê, de Edição 15 página 4 Fernando Morais vez em quando eu tinha que pegar uma Comuna. Quando eu não tinha nada para essa roupa de offi ce-boy – que é para pilha deles, botar no ombro e devolver fazer, fi cava sentado numa maquininha no não fazerem um mau juízo da gente – e para a gráfi ca, para reaproveitamento... fundo escrevendo o jornalzinho da turma vai lá fazer a entrevista”. É que eu andava Aquela era a gráfi ca da Revista Alterosa, do bairro. Um dia faltou o único repórter fardado, tinha um terninho de brim cáqui, onde trabalhavam Ivan Ângelo, Henfi l, da revista, Antônio Walter Nascimento, com o escudo do Banco da Lavoura bor- Ziraldo e alguns outros colegas dessa hoje psicanalista em Belo Horizonte. Não dado, gravata. geração que hoje tem 70 anos. Foi ali, seguiu a carreira e nem tinha curso de J&Cia – E quem você teria de entre- portanto, que eu os conheci. Os famosos jornalismo. Naquela época você sabia vistar? de que me lembro eram esses. escrever e já era jornalista, pois não tinha Fernando – Ah, era a moça que havia J&Cia – E como era a redação do house essa exigência de diploma. Como dizia, o sido escolhida Miss Banco da Lavoura organ? Walter não foi trabalhar por um problema e iria concorrer a Miss Belo Horizonte. Fernando – Tinha só um repórter na re- qualquer e tinha uma entrevista marcada. Naquela época concurso de miss era vista. Quase tudo era esforço de “recorta- O editor da revista chegou a mim e disse: uma notícia importante. Coisa do Cha- gem” (risos). E tinha um grande tradutor! “Te vejo aí batucando na máquina dos teaubriand, dava capa no Cruzeiro e tal. Um senhor que durante certo tempo outros... Quer fazer uma entrevista?”. Eu E aí pensei: “Que maravilha! Já comecei traduziu Jorge Amado para o inglês. concordei na hora e ele disse: “Então tira entrevistando mulher bonita!”. (risos) E comecei a sonhar com o seguinte: Peguei aqui jornalistas calibre 45... como Geraldo Mayrink, Fernando ela vai se eleger Miss Belo Horizonte, Portella, Woile Guimarães, além do próprio Mino [Carta], do Murilo depois Miss Minas Gerais, Miss Brasil e fi nalmente Miss Universo. E eu estaria [Felisberto] e do Ivan [Ângelo]. Gente que te mandava reescrever estreando na carreira simplesmente ten- matéria umas 50 vezes. (...) Foi algo que nenhuma outra escola poderia do entrevistado a Miss Universo. ter me dado... nem mesmo uma escola formal. J&Cia – E sua profecia mental deu certo?

Fernando – Que nada! Ela não passou rio?”. Como offi ce-boy eu ganhava salário mecei a fazer frilas. Primeiro no Diário de de Miss Banco da Lavoura, coitada. Acho de menor, que era meio salário mínimo Minas, com o Flávio Márcio, já falecido, que só era bonita para os meu olhos. bancário, diferente do salário mínimo que veio a ser meu chefe no Jornal da (risos) E o editor adorou. geral. Eu disse: “Claro que quero!”. Dormi Tarde, anos depois. A propósito, estou J&Cia – Aí você virou repórter? offi ce-boy e acordei repórter. Com 14 chegando àquela fase da vida que, como Fernando – Ele falou: “Você não quer anos. Achei minha carteira profi ssional diria Jorge Amado, tenho mais amigos do deixar de ser offi ce-boy e virar funcioná- outro dia e vi que tinha acabado de com- lado de lá do que do lado de cá. (risos) pletar 14 anos. Era bom, porque meu nome apareceria J&Cia – Você era mui- no jornal e isso dava prestígio, ajudava a to namorador? me destacar na profi ssão. Fernando – Na medi- J&Cia – E o outro trabalho? da do possível, sim. Fernando – Foi com o Antonio Teles, Embora muito feio e que hoje é vice-presidente do Grupo Ban- magro, passei a ter deirantes, e com o irmão dele e meu xará Arquivo Fernando Morais Fernando Arquivo uma qualidade: era Fernando Teles, que morreu há pouco jornalista! Todo mundo tempo. Ali eu fazia rádio-escuta para o lá estudava e eu já era Fernando, que tinha um telejornal às 7h um jornalista! Como da noite na pequenina TV Belo Horizonte no banco a jornada era – nada a ver com a poderosa Itacolomi, de seis horas, entrava do Chateaubriand. Ali eu ouvia rádio, a 1h e saía às 7h da pegava notícia, mudava a linguagem e noite, comecei a fazer passava para o Fernando na hora de abrir dois outros trabalhos o programa. E foi nessa época que apa- fora. Tinha a escola de receu o convite para São Paulo. Coincidiu Caio F. Abreu, FM, Jorge Escosteguy, Nelida Piñon, e manhã, mas eu não ia, de meu pai já ter vindo e dos Mesquita João Antonio - 1975 pois o Afonso Celso abrirem o Jornal da Tarde. Eles chamaram não exigia nada, e co- o Mino [Carta] e o Murilo. Eu trabalhei

com o Mino desde a fundação do jornal na notícia...”. Foi algo que nenhuma outra café. Era o nosso prego, equivalente ao até ele sair para fazer a Veja, em 1968, e escola poderia ter me dado, nem mesmo rebite que os motoristas de caminhão o Murilo assumir o lugar dele – e o Ivan, uma escola formal. usavam. Ficava a noite inteira num fus- o lugar do Murilo. Foi a melhor escola que J&Cia – Quantos anos você tinha? quinha velho, caindo aos pedaços. Nove eu poderia ter tido. Peguei aqui jornalis- Fernando – De 18 para 19 anos e com horas de viagem e a Fernão Dias uma tas calibre 45, como Geraldo Mayrink, um puta de um tesão. Imagina, vir para pista só. Chegava de manhã, passava o Fernando Portella, Woile Guimarães, São Paulo... sábado namorando, na boate madrugada além do próprio Mino, do Murilo e do J&Cia – E a namorada, veio junto? adentro e arrematava o domingo beben- Ivan. Gente que te mandava reescrever Fernando – Não, a namorada ficou. do com os amigos. À noite pegava o carro matéria umas 50 vezes: “Volta que tá Como ganhava bem, comprei um Fusca. e tocava de volta. ruim, o lide está lá no meio. Desse jeito Fechava o jornal na 6ª.feira de noite e J&Cia – Seu santo era forte, né? não seduz ninguém. Volta pra rua e en- viajava. Como não tinha Red Bull naquela Fernando – Olha, não morri sabe Deus trevista de novo... Você passou raspando época, tomava Melhoral, Coca-Cola e por quê... Mas tinha uma vantagem:

Fotos: Sônia Mele Edição 15 página 5 Fernando Morais como éramos vários mineiros da mesma lho], Myltainho [Mylton Severiano da E fi camos sabendo por meio da Rádio geração, quase todos com namoradas Silva], Sérgio de Souza, Narciso Kalili, Eldorado, que naquele tempo tinha entre por lá, fazíamos um revezamento não Paulo Patarra... Acabei me convencendo seus locutores o Boris Casoy e o Mário só de gasolina, para rachar a despesa, que uma das maneiras de lutar contra a Lima, com aquele vozeirão, que de hora mas também para guiar. Um deles era ditadura era lutar contra os valores da em hora davam as notícias. o Marco Antônio Rezende, mas havia cultura burguesa. Eu era contra a família J&Cia – E como foi o impacto do AI-5 outros. e a favor de todas as drogas... na redação? J&Cia – Você chegou aqui num caldeirão J&Cia – Chegou a experimentar, foi Fernando – Foi uma tragédia. Me lembro político. Tinha já alguma formação de viciado? que no meio da redação tinha uma coluna esquerda? Fernando – Eu não consumia; fui fumar de concreto e nela aparafusada uma cai- Fernando – Não. Meu irmão mais velho maconha pela primeira vez aos 55 anos. xa de som pequenininha, que transmitia era um cara de esquerda. Meu pai não Droga pesada, nem pensar! Nunca chei- dia e noite a Rádio Eldorado. Só música tinha convicções visíveis, mas nunca rei cocaína ou experimentei esse negócio clássica, nada de MPB, vocal, ópera, só apoiou o golpe, por exemplo. Nunca, de picar. Até para tirar sangue eu reajo música clássica instrumental. Nós todos em nenhum momento, na minha casa, mal (risos). Eu não usava, mas defendia! lá em volta da caixa de som da Eldorado, alguém foi para a oposição. Mas a minha Cada um fuma o que quiser, usa o que 7 horas da noite entra A Voz do Brasil... cabeça política foi feita aqui. Antes de ser quiser, mas eu mesmo não usava nada. O Alberto Cury era o locutor ofi cial da feita pela política foi feita pela música, E isso veio do convívio com os Baianos Presidência da República. Carecão, sen- porque fui durante um período repórter e e com os da geração do Bondinho. tado ao lado do Costa e Silva no Palácio depois editor de Variedades do Jornal da J&Cia – Foi mais ou menos nesse perío- Guanabara para anunciar o Ato 5. Eu na Tarde e isso me aproximou dos Baianos... do que decretaram o AI-5, certo? redação, ao lado da caixinha de som. o [Gilberto] Gil e o Caetano [Veloso]. De Fernando – Ele foi instituído em 13 J&Cia – E os Mesquita? um lado, eles; e do outro, o Bondinho... de dezembro de 1968. Aquilo foi um Fernando – Naquela noite o Julinho Hamiltinho [Hamilton de Almeida Fi- desastre para nós no Jornal da Tarde. [Julio Mesquita Neto] fez um célebre editorial que não chegou a circular. O J&Cia – E o que aconteceu com o jornal atrevido, foi emasculado, castrado pela dr. Julinho e os fi lhos se recusaram a no dia seguinte à decretação do AI-5? censura. aceitar a censura. Disseram: “Não!”. Era Fernando – Encostou um caminhão na J&Cia – Foi nesse clima que surgiu a um belicismo, um belicismo. Também boca da máquina e recolheu os exem- matéria da Transamazônica na sua vida? foi importante o papel do Ruy [Mesqui- plares. Não foi sequer para as bancas. E Fernando – Foi um pouco depois, em ta] – aliás, não tinha essa de Ruy, era aí, com os censores dentro da redação, 1970. O Médici [Emílio Garrastazu], já dr. Ruy, grande fi gura... Eles também a vida fi cou cinzenta. Ficavam com uma presidente, logo depois da junta militar, dariam um livro maravilhoso, que eu prancheta, dessas de diagramação, de decidiu construir a Transamazônica. São quase fi z... Dá um livraço! A família e o arquiteto... Em pé, jovens, em manga os militares, uma grandeza e tal... E o jornal... A importância dessa gente para de camisa, silenciosos... não davam um Murilinho, que tinha um olfato singular de o Brasil... Acho que, hoje, aos 64 anos, pio com ninguém... sentavam no canto, pauteiro, falou: “Eles vão levar operários tenho mais serenidade para fazer. Não recebiam as matérias e liam antes de do Brasil inteiro para o meio da selva!”. sou mais tão sectário como era quando descer para a ofi cina. E iam cortando E as máquinas de terraplanagem? Não pensei em fazer esse livro pela primeira ali mesmo na lauda, para não ter de tinha estrada! Como as máquinas iam vez. Hoje acho que posso fazer um livro cortar nas provas. O arquivo do Estadão ser levadas para lá? Eram tão grandes mais isento. Fiz Olga, fi z Cuba e agora tem uma tonelada de matérias cortadas que não dava para ir por via fl uvial, por- vou fazer Antonio Carlos Magalhães! O na lauda. E foi uma merda! O JT, que que os rios não tinham calado sufi ciente. material tá todo espalhado por aí... era uma maravilha, que era ousado e Tiveram que usar aqueles helicópteros gigantescos que descem tanques de Eles [a família Mesquita] também dariam um livro maravilhoso, que eu 40 ou 50 toneladas... As máquinas e a peãozada do Brasil inteiro. Emprego quase fi z... Dá um livraço! A família e o jornal... A importância dessa dando sopa. E o Murilo falou: “Por que gente para o Brasil... Acho que, hoje, aos 64 anos, tenho mais serenidade você não vai lá e conta essa aventura e para fazer... Não sou mais tão sectário como era quando pensei em também o que tem lá no meio da selva?”. Hoje toda criança sabe da Amazônia por fazer esse livro pela primeira vez... causa dessa cultura verde, ambientalista.

Mas naquela época, havia trechos da para nós, com tanques aumentados e um que os milicos pretendiam que fosse o Amazônia totalmente desconhecidos. pouco mais de segurança. km 0 da Transamazônica, na Paraíba,. Não se sabia se havia índios, tribos, se J&Cia – Não tiveram problemas com o extremo Leste do Brasil, em Cabedelo. eram antropófagos ou não. Eram lugares Exército? E a estrada só ia parar no extremo Oes- onde nenhum civilizado tinha posto o pé Fernando – Já havia o foco da guerrilha te, Pucalpa, na fronteira com o Peru. E antes, como a Serra do Cachimbo, esse do Araguaia e o Exército não só sabia Foto: Sônia Mele onde caiu o avião da Gol. Em 1970 nem como já estava atuando por lá. Mas nós os Villas Boas, que conheciam tudo, ti- não sabíamos de nada. Aí aparecem no nham chegado lá ainda.. Eu aceitei, mas caminho dois barbudos e ainda por cima como era um trabalho de muito fôlego armados... Fomos presos duas vezes. o Murilo falou: “Vou pôr dois repórteres Eles não diziam para nós o que era, mas e um fotógrafo. Sai um de cada ponta confi rmavam as nossas identidades. O da estrada, vocês se cruzam, continu- que foi possível porque havíamos mon- am andando... O fotógrafo que estiver tado um esquema de autoproteção, a com um muda e segue com o outro”. E partir dos postos e acampamentos que chamou o Ricardo Gontijo, que mora o DNER (Departamento Nacional de no Rio de Janeiro, está aposentado, e Estradas de Rodagem) espalhou pelo o Alfredinho Rizutti como fotógrafo. caminho, como base para a peãozada. Grande Alfredinho, morria de medo de J&Cia – E vocês dormiam onde? índio, de onça. Mas nós fomos armados, Fernando – Dormíamos no carro mes- cada um com uma pistola, além de uma mo. Agora eu me lembro bem: nós re- carabina enfi ada no teto de lona do jipe solvemos que seria melhor – e foi melhor Gurgel, que foi especialmente preparado mesmo – sairmos os três juntos, do lugar Transamazônica, 1970 Edição 15 página 6 Fernando Morais fi zemos isso, seguindo conselho dos as mãos abanando. A matéria ganhou tínhamos ganhado o prêmio. Ele entrou na próprios irmãos Villas Boas, que achavam o Esso de Reportagem naquele ano. redação, contou, mandou vir champanhe. mais seguro fazermos uma única viagem, Ah, outro detalhe: o jornal publicou 20 Como se eu não soubesse de quem era em um único carro.. Ficamos três meses. páginas e o fez durante uma semana, de fi lho, liguei para o meu pai no banco. A Bons tempos, né? Você podia colocar 2ª a 6ª; cada dia um caderno de quatro secretária disse que ele estava numa três jornalistas bem pagos, para fi car três páginas, limpo, sem um calhauzinho, reunião, mas falei: “Pode passar que é meses numa matéria que poderia dar sem um anúncio. Chamava Primeira notícia boa!”. Ela disse: “Olha lá, hein? em nada. Poderíamos ter voltado com aventura da Transamazônica. Imagina, Você conhece o seu pai!”. Mas eu insisti: eu era estreante em 70, tinha 23 anos! “Pode passar, pode passar!”. Na hora em Ganhar o Esso com 23 anos, malandro? que ele atendeu eu falei: “Pai, acabou Deus é pai! de chegar a notícia! Ganhamos o Prêmio J&Cia – O Gontijo, aliás, sempre que Esso!”, Ele falou: “Eu não acredito que pode também recorda as aventuras você me tirou de uma reunião para falar desse trabalho... uma bosta dessas!”. Fernando – Foram muitas, tenho fotos. (gargalhadas gerais) Arquivo Fernando Morais Fernando Arquivo Numa delas estamos empurrando o jipe Fernando – Isso é que é um pai, né? atolado num areal no meio da Amazônia. Aí, a Transamazônica não só deu uma Um banco de areia! Areia de praia debaixo grande visibilidade ao meu trabalho como daquelas árvores com dezenas de metros. apontou aquele que seria o meu rumo Aí eu voltei, ganhei o prêmio, beleza. Ago- defi nitivo, o negócio de livro. O Caio ra me veio um pequeno fl ashback do meu Gracco [Editora Brasiliense] se encantou pai, que na época já era diretor do banco. com a matéria e depois que ela ganhou O Cláudio Abramo, que era presidente o Esso, ligou e perguntou: “Vocês não Com Zuenir Ventura, na Visão - 1975 do júri, telefonou ao dr. Ruy para dizer que querem publicar em livro?”. Dissemos:

“Claro! Mas publicar reportagem em Fernando – Para a época, o Primeira caminho. O Maksoud [Henry] comprou livro?” Parecia um negócio assim tão aventura na Transamazônica vendeu do Said Farah a revista e chamou para despropositado... Ele disse: “É!”. E publi- bem, uns 20 mil livros. Mas está fora ser diretor de Redação o Evaldo Dantas cou, com as fotos do Alfredinho. E como de catálogo. É capaz de encontrar ainda Ferreira, que levou para lá Rolf Kuntz, a matéria era muito pouco simpática ao em algum canto. Outro dia achei um Carlinhos Brickmann, Ricardo Setti e projeto da Transamazônica, para ter um num sebo da internet, não comprei na Gabriel Manzano, que se juntaram aos aval ele convidou para fazer o prefácio hora e quando voltei já tinha evaporado. que lá já estavam, como Miguel Urbano o Roberto Campos, que era de direita, Aí comecei a pensar o seguinte, não na Rodrigues, Rodolfo Konder, Luiz Weis, embora estivesse meio de escanteio hora, é claro, mas algum tempo depois: Vladimir Herzog... Encontramos uma no Governo Médici por pendengas do “Publicar reportagem em livro, primeiro, base do Partidão montadinha lá dentro. sistema. Foi inteligente porque sabia dá certo? Sim. Segundo, dá dinheiro? Dá Ah, tinha também o Eduardo Suplicy, que, mesmo sendo de direita, Campos mais do que eu ganho no jornal”. Eu nunca que estava estudando Economia na FGV era contestado por ser antiestatista. E tinha elaborado isso, desse jeito. Tenho a e virando jornalista, o Gilberto Dimens- o prefácio que escreveu correspondeu impressão de que em algum buraco do tein, que era um frango na época, bem plenamente às expectativas, dizendo que meu inconsciente aquele livro chamou mais novo do que eu... com aquela obra o estado está jogando minha atenção para isso. E aí fui indo, fui J&Cia – E quando surge Cuba em sua dinheiro fora. Tenho até hoje, guardada indo... Saí do Jornal da Tarde em 1974. Eu vida? em algum lugar, a autorização dele para e vários colegas, pois já estávamos todos Fernando – Pois é. Desde 1970, quando usar o prefácio. meio brochados com aquele negócio de ganhei o Esso com a Amazônia, sentia J&Cia – Vendeu bem? censura. E aí apareceu a Visão no meu vontade de fazer uma matéria sobre Cuba, por ver que não saía nada no Durante uma semana, de 2ª a 6ª, o jornal publicou todos os dias um Brasil. Desde o golpe de 64 só saíam aquelas matérias monumentais que o caderno de quatro páginas, limpo sem um calhauzinho, sem um anúncio... Estadão publicava aos domingos, com- chamava Primeira aventura na Transamazônica... Imagina, estreante... em pradas de agências internacionais. E era 70 eu tinha 23 anos! Ganhar o Esso com 23 anos, malandro? Deus é pai! cacete, cacete, paredão, fuzilamento, tão morrendo de fome, um regime an-

ticristão, carro velho, não sei o quê, não de Cuba na França pedindo visto de en- saio do JT e vou para a Visão e já até sei o quê... Um ódio profundo pela Re- trada para fazer uma reportagem. meio que desistira do projeto. Quando, volução Cubana e eu tinha uma enorme J&Cia – Isso ainda no Jornal da Tarde? em abril, estourou a Revolução dos Cra- curiosidade: “Que merda é essa? Uma Fernando – Sim. Eu lembro que procurei vos em e caiu o salazarismo, a coisa tão pertinho, um país tão parecido o dr. Ruy e falei com ele: “Dr. Ruy, estou revista mandou alguém para lá. Acho que com o nosso, e não conseguimos saber pensando em fazer uma reportagem foi o Zuenir, que era o chefe da sucursal nada, nada, nada?”. Comecei a pedir sobre Cuba. Quero saber se o jornal da Visão no Rio de Janeiro... visto via embaixadas cubanas espalha- publica caso eu consiga o visto de en- J&Cia – Interessante o Maksoud mandar das pelo mundo, pois o Brasil não tinha trada no país”. Ele disse: “Primeiro, não cobrir a Revolução dos Cravos... nenhum tipo de relação com Cuba. Não acredito que eles te deem o visto. Se Fernando – Mas não dava para não cobrir! tinha ligação telefônica, correio, nada. você disser que trabalha aqui, com a Portugal! De profundas ligações com o Quem representava os interesses dos família Mesquita, que eles odeiam, não Brasil... Salazarismo, desde 1910, 1920... dois países, em algum caso extremo, vão te dar. Segundo que, se derem o E até as características da revolução, era a Suíça. Se fosse apanhado um visto, não acredito que o censor deixe uma revolução militar, pô! Os milicos de cubano aqui no Brasil ou o contrário, lá sair nada sobre Cuba. Agora, se derem trabuco na mão derrubando o salazarismo. em Cuba, a embaixada suíça represen- o visto e o censor deixar passar, é claro Essa pessoa fi cou lá alguns meses, até tava os interesses reciprocamente nos que o jornal publica!”. “Estou liberado porque não parava de ter notícia. E isso dois países. Mas jamais para pedir visto! para pedir o visto?”. “Está liberado!”. E eu continuou, porque a revolução levou uns Imagina! Então, o que eu fazia? Vamos comecei a mandar para a Bélgica, para três ou quatro anos para se consolidar. supor que você estivesse estudando na a França, para não sei onde. Tinha gente Grupos se digladiando, socialista co- França. Eu te mandava uma carta, dentro que morava na China e eu pedia para mendo comunista, comunista comendo da carta um envelope com um currículo encaminhar para a Embaixada de Cuba trotskista... Quando foi em outubro, por aí, meu e uma carta dirigida ao embaixador na China... Picas! Nenhum aceno. Aí eu a revista precisava trocar o corresponden- Edição 15 página 7 Morais Fernando Arquivo Fernando Morais te, porque quem lá estava não aguentava Bons tempos do Maksoud, aqueles! mais comer bacalhau de Lisboa... (risos). Quem diria que iríamos ter saudades do E eu fui o escolhido. Chego, começo a Maksoud, né? (risos). Eu fi z uma capa trabalhar, a mandar texto, e um dia o Mar- sobre censura na Visão nesse período. Aí cito [Márcio] Moreira Alves, que estava fui eu para Cuba... exilado lá naquele tempo (e eu nem sabia), J&Cia – Você foi um dos primeiros brasi- após ter morado também no Chile e na leiros a entrar em Cuba naquela época? França, me deixou um bilhete na portaria Fernando – Desarmado, sim. (risos) Para do Hotel Tívoli, na avenida da Liberdade: ser preciso, só um brasileiro esteve lá, “Fernando, o embaixador de Cuba em como jornalista: o Milton Coelho da Portugal está querendo falar com você. Graça, que foi pela Realidade e publicou O telefone dele é tal, tal. Um abraço, a matéria um mês antes do AI-5. Se a Marcito”. Cuba tinha acabado de reatar matéria tivesse atrasado um mês não relações com Portugal e eu já nem me sairia, porque a edição seguinte já estava lembrava mais da história do visto. Fui até sob censura. Mas ele não entrevistou o a embaixada e o embaixador disse: “Veio Fidel. Matéria legal, não há desapreço, Com Fidel Castro, em 1975 uma ordem de Havana para eu te dar um mas matéria rápida. visto de entrada”. Liguei para a revista aqui J&Cia – E seu deslocamento foi tran- no Brasil, contei rapidamente a história e qüilo? em Praga, fazia uma escala na ainda fran- pus em negociação duas alternativas: iria Fernando – Era uma difi culdade chegar quista Madri para só depois atravessar o por conta dela ou tiraria férias e iria por lá naquela época. Eu estava na Europa e Atlântico. minha conta mesmo. Não me passou pela fui para Praga. Vinha um pau-de-arara da J&Cia – E nesse percurso enfrentou cabeça fazer livro. “Queremos sim! Pode Aerofl ot que saía de Moscou, pousava algum sobressalto? ir. Fique o tempo que precisar”, disseram. em Bratislava, em mais não sei onde, Fernando – No aeroporto de Madri os passageiros eram fotografados. Eu não entre os dois países, precisava ligar de mas não tenho certeza... O fato é que sei se era o pessoal da inteligência da Havana para Washington, e lá acertar os não dava para se comunicar direto com Espanha ou dos Estados Unidos, mas eu detalhes com o correspondente da revista o Brasil e essa pessoa disse o seguinte: sei é que éramos todos fotografados de que, salvo engano, era o Pimenta Neves “A ordem da revista é para você pegar um forma escandalosa, no guichê, na hora [Antonio Marcos], que morava em uma avião em Havana, ir para o México e ali se da conexão. Não era escondido, com casa grande, bonita, parecia um sítio. E hospedar no hotel tal. Tem uma reserva teleobjetiva, não! Tinha ainda que fazer criava cavalos... em Washington. Ele sem- em seu nome lá. E fi que aguardando uma escala para abastecimento no meio pre gostou de cavalos. Ironia do destino, um telefonema”. Fui, me hospedei no tal do mar, nos Açores, em São Miguel dos a tragédia que marcou a vida dele foi num hotel, dois ou três dias depois liga o Eval- Açores, para, só então, depois de 30 ou haras, um lugar de cavalos. do Dantas e diz: “Pegue um avião para 40 horas de vôo, pousar em Havana. Fi- J&Cia – Dez anos já se passaram... Buenos Aires e logo depois que chegar quei lá dois, três meses, autorizado pela Fernando – Acho até que, se não fosse raspe a barba e o bigode...” – eu tenho revista. E aí tem algumas particularida- amigo dele, teria feito um livro sobre o barba desde os 16 anos e, desde quando des. O Geisel [Ernesto] estava aqui num crime. Aliás, as melhores histórias são começou a aparecer, por pura preguiça, tremendo braço-de-ferro com a extrema as policiais. É o ser humano exposto, eu nunca tinha raspado – “... pica o seu direita. Quando eu estava para voltar para com todas as suas as vísceras. Dos dois passaporte em pedacinhos, joga em qual- o Brasil, como não havia comunicação lados! Enfi m... acho que era o Pimenta, quer bueiro, vai ao Consulado brasileiro, procura o vice-cônsul fulano de tal, e diz Vinha um pau-de-arara da Aerofl ot que saía de Moscou, pousava em que é turista e foi assaltado. Ah, e faz umas fotos sem barba para a segunda Bratislava, pousava não sei onde, pousava em Praga, fazia uma escala em via. Quando ela estiver em suas mãos, Madri, franquista ainda... Os passageiros eram fotografados. Tinha ainda me telefona que eu vou te buscar”. Fui que fazer uma escala para abastecimento no meio do mar, nos Açores... lá, fi z o passaporte, piquei o velho... E é uma pena, porque eu queria ter guardado São Miguel dos Açores... para, só então, depois de 30 ou 40 horas de vôo, como relíquia, em especial as duas pá- pousar fi nalmente em Havana. ginas, uma com o carimbo “não é válido para Cuba” e a outra com o carimbaço

Cuba! Eu ia colocar num quadro. Daí co. O Evaldo se propôs a ir lá exatamente Maksoud me chama. Eu estranhei, porque Evaldo foi lá me apanhar e explicou que por isso: me acompanhar na viagem de não estava habituado a discutir matéria o medo deles era a extrema direita me regresso, para me dar um mínimo de com o patrão. No Jornal da Tarde não tinha pegar no aeroporto. Não tinham medo segurança, e viria separado de mim no essa coisa de o dr. Julinho me chamar, dr. da Federal, mas sim do pessoal ligado às avião. Caso eu fosse apanhado na chega- Ruy me chamar. Chamavam por alguma cavernas. E o Maksoud tomou a iniciativa da, ele saberia identifi car o tipo do carro, outra razão, mas não para discutir matéria, de procurar o Geisel, o Maksoud ou o quem era a pessoa etc. Teríamos então se estava boa ou ruim. Havia uns três ou Evaldo, e quem acabou fi cando com o pelo menos uma testemunha, para evitar quatro degraus entre o repórter e o dono, problema na mão foi o secretário parti- que eu virasse um desaparecido. daí ser incomum aquela atitude. Maksoud cular do Geisel e que depois viria a ser o J&Cia – E houve algo de anormal na me chamou. Ele tinha o diabo no corpo – presidente da Caixa Econômica Federal, viagem? tinha, não, tem o diabo no corpo –, e me o Humberto Esmeraldo Barreto. O Barre- Fernando – Não aconteceu nada. Desce- disse: “Muito bem apurado e muito bem to, então muito jovem, era fi lho adotivo mos e nada, nada, nada. A barba cresceu escrito. Mas para publicar isso aqui você do Geisel, e foi adotado depois que o de novo... Aí eu sentei e escrevi a matéria, sabe o que vai ter que fazer? Comprar uma fi lho verdadeiro morreu em Osasco, em com a proposta de ser publicada como revista, porque na minha não publica!” um acidente ferroviário, época em que uma série. Dei primeiro para o pessoal da (risos). “Mas, dr. Maksoud, o que houve?”. Geisel servia em Quitaúna. redação ler, adoraram, deram uns pitacos. E ele: “Não!”. Eu precisava fazer alguma J&Cia – Como foi montado o esque- Rolf leu, Carlinhos leu, Setti, que me aju- coisa, salvar a matéria, até porque havia ma? dou muito, leu Daí seguiu para o patrão. uma razão adicional. A barra política tinha Fernando – Como tinha sido fotografado O Evaldo a entregou ao Maksoud e ele começado a pesar de novo. A temperatu- em Madri e essa informação certamente a levou para casa para ler, porque era um ra subia... O Vlado ainda estava vivo, Era fora passada aos órgãos da repressão no tijolo, não sei quantas laudas. Era o livro! aquele período em que o Silvio Frota e o Brasil, minha integridade física corria ris- Tal como é hoje, datado. Um dia depois o Geisel mediam forças para ver quem é Edição 15 página 8 Fernando Morais que ia degolar o outro. Eu manifestei ao Fernando – É... Não disse formalmente hora para outra e não quero ser demitido, Maksoud o seguinte: “Olha, não é só por para jogar fora, mas deixou claro que não né? (risos) Saiu o Weis também, uns vaidade ou princípio profi ssional, mas por ia sair. Com isso, a minha relação com ele quatro ou cinco. O Vlado já tinha saído. uma questão de segurança mesmo, por- foi azedando e a dele com aquele pessoal Ah, eu tinha trabalhado com o Vlado em que é público que fui para Cuba e ali fi quei vindo do Jornal da Tarde também. Acabou 1970. Estava no Jornal da Tarde, mas por três meses. Se não publico a reporta- demitindo o Evaldo Dantas, que era o com aquela coisa de censura já não tinha gem, a extrema direita poderá supor que diretor de Redação, e chamou para o lu- mais tesão de trabalhar apenas em jor- eu fui comprar arma, fazer curso, buscar gar o Roberto Muylaert, que, na época, nal. E fui trabalhar no período da manhã dinheiro pra guerrilha. Preciso publicar esse trabalhava numa revista técnica da Abril, com o Fernando Pacheco Jordão na texto. O senhor marca, pega uma caneta a Máquinas e Metais, se não me engano. TV Cultura, como chefe de Reportagem. vermelha e risca o que não gostou e eu Eu também saí. Foi a única vez na vida Pegava às 7h a Chefi a de Reportagem mexo. Mudo o que for preciso, dentro dos que perdi emprego. Deixa eu bater na do Jornal da Cultura e ali seguia até a 1h princípios da decência”. Ele disse: “Não! É madeira... (bate três vezes na mesa) para da tarde, quando passava a trolha para o o tom, da primeira à última linha. Não dá que continue sendo a última. Vlado, que era o chefe de Reportagem para riscar”. J&Cia – Mas agora você não tem em- da tarde e o fechador do jornal, à noite, J&Cia – Por quê? Ele achava que era uma prego... junto com o Jordão e o João Batista de matéria simpática a Cuba? Fernando – Mas posso precisar de uma Andrade. Quando fui para a Visão, em 1974, o Vlado era editor de Cultura da revista. Quando ele saiu para voltar para a Domingo [Alzugaray] disse o seguinte: ‘Tem um major e um capitão TV Cultura, então para assumir a Direção do DOI-CODI lá na minha sala e vieram te prender. Eu mandei servir Geral de Jornalismo, na época em que o um cafezinho para ter tempo de vir aqui te avisar... Risca o chão, pega Mindlin [José] era o secretário de Cultura, me indicou ao Evaldo para fi car no lugar as suas coisas, a sua mochila e rapa fora daqui’. dele na revista. Eu tinha sido editor de

Variedades do Jornal da Tarde e com isso depois dei uma entrevista ao Myltainho e viagens.. A noite de autógrafos começou minha familiaridade com a área cultural ao Hamiltinho no EX – porque o Bondinho às 6 ou 7h da noite e às duas da manhã era grande. Fiquei até ser demitido pelo já não existia mais –, que saiu na edição eu ainda estava assinando autógrafo. Muylaert. que tem na capa a Bruna Lombardi Havia uma razão: Todo mundo suspeitava J&Cia – E a matéria sobre Cuba? raspando a barba do Fidel. Aquilo ali, na – o que acabou não acontecendo – que Fernando – Pois é. Eu estava desespera- verdade, era meu habeas corpus de fato, o livro ia ser proibido. E cada um queria do por não conseguir publicar a matéria. para tornar público que havia matéria, não garantir o seu... Cheguei a pensar no Bondinho. Tanto que era chute, e que eu estava transformando J&Cia – Porque mostrava uma Cuba que a matéria em livro. Mas a verdade é que ninguém conhecia... Foto: Sônia Mele eu não tinha editor algum. Até porque Fernando – Isso também. Era um tabu, quem é que ia publicar um livro sobre como a vida na Lua hoje. O que as pes- Cuba no meio daquele pau, que comia soas comem, como elas vivem, se têm solto, com o Frota querendo enforcar o quatro ou cinco pernas (risos). Entre Geisel e vice-versa? Seria como cutucar a assinar o contrato com a editora e o onça com o dedo. Mas aí o dono de uma livro sair, fui trabalhar com Samuel Wai- pequenina editoria leu o EX... ner, Luís Carta e Domingo Alzugaray J&Cia – Era um maluco... numa editorazinha que eles montaram Fernando – Só podia ser maluco. Me li- para lançar um jornal que circulou muito gou e acertamos. Briguei com ele, muito, pouco, chamado Aqui São Paulo. Era um depois de lançar o livro, mas devo admitir tabloide e a redação fi cava na avenida que ele teve a coragem de, no auge da di- Paulista, no mesmo lugar em que fun- tadura militar, publicar o livro sobre Cuba. cionava a Editora Três. Mas ainda não Fez uma tiragem de três mil exemplares, existia a IstoÉ. Tinha a Planeta, umas que foi toda vendida no lançamento no revistas de mulher, talvez alguma coisa Sindicato dos Jornalistas. Os exempla- de culinária... Ah!, tinha a Status, que Com Fidel Castro, em 1975 res vinham da Barra Funda, onde era o antecedeu a Playboy. Mansur [Gilber- depósito, numa Kombi e foram algumas to] dirigia a Status. Acho que a Status era o carro-chefe da editora na época e nho para ter tempo de vir aqui te avisar. casa e a dona Terezinha, uma baiana que o segundo lugar era da Planeta, esoté- Risca o chão, pega as suas coisas, a sua trabalhava conosco e cozinhava muito rica, dirigida pelo Loyola, o Ignácio de mochila e rapa fora daqui”. Ah, já tinham bem – um legado do Rabino, o Moisés Loyola [Brandão]. Eu era redator-chefe prendido o Markun [Paulo], o Konder, o Rabinovici – disse: “Olha, vieram aqui do Aqui São Paulo. Na verdade, eu era Weis... O Weis, não. O dr. Ruy levou ele dois homens do Exército atrás do senhor. tudo, porque eles foram trazendo gente e o Marquito [Marco Antonio Rocha] E nem estavam com roupa do Exército aos poucos e eu ia fazendo tudo. Fazia até o DOI-CODI para dar uma certa não, mas falaram que eram do Exército matéria, diagramava, montava os bone- segurança e os dois não foram presos. e estavam procurando pelo senhor. E cos, discutia com o Samuel... Chamei o Serjão Gomes estava preso, o fi lho do eu falei que o senhor só chega à noite. Petit [Francesc], da DPZ, para desenhar Miguel Urbano estava preso, o Rodolfo Acho que eles vão voltar”. Aí eu peguei alguns bonecos, fazer uma coisa mais estava preso, o Duque Estrada [George] a minha mulher e fui direto ao escritório revolucionária e tal. No dia 24 de outubro estava preso... O Markun seguramente do José Carlos Dias, do Airton Soares e de 1975, 6ª.feira, cinco da tarde, entram estava preso... do Iberê Bandeira de Melo, no Bixiga. O na minha sala o Domingo Alzugaray e J&Cia – E o Vlado? Airton era deputado federal. Eles foram o Luiggi, o Luís Carta, e eu sabia que Fernando – Não, não, Vlado ainda não! unânimes em dizer o seguinte: “Não alguma coisa errada estava acontecendo Os caras saíram... Eu desci pela escada, se entregue, porque não dá nem para porque o Luis era vermelhão e estava para não correr o risco de encontrá-los denunciar. Congresso fechado no fi nal pálido, lívido. Entraram na minha sala e no saguão, e peguei meu carro na rua de semana, os horários de fechamento Domingo disse – Celsinho Cury estava Augusta, no estacionamento nos fundos do jornal no fi nal de semana... Isso vai trabalhando lá, na mesma sala que eu – o de uma boate gay. Nessa época, era ca- dar 48 horas de impunidade para eles seguinte: “Tem um major e um capitão sado com a Bi, a Rúbia, minha primeira fazerem o que quiserem com vocês. do DOI-CODI lá na minha sala e vieram mulher, que dava aula na USP. Fui até Escondam-se em algum lugar pouco te prender. Eu mandei servir um cafezi- lá falar com ela. Ah! Antes liguei para evidente”. “Como assim?” “Vai para o Edição 15 página 9 Fernando Morais Guarujá. Se não tiver dinheiro, te arran- ele: “Então venham para cá amanhã de fudido, fudido!”. Liguei para o Fernando jamos algum. Vai de preferência para um manhã para irmos à praia juntos”. Volta- Jordão, para a casa dele em Perdizes e hotel chique, caro. Segunda-feira você mos, fomos dormir, acordamos e fomos ele, em estado de choque, confi rmou: “É liga e voltamos a conversar”. Tá bom. para a casa dele e eu percebi que o clima verdade. Onde você está? Não! Nem me Desci com a minha mulher, e falei para não estava legal. Achei que era briga do- diga onde você está, porque o telefone a empregada que ia para Minas Gerais, méstica, conjugal... marido e mulher se pode estar grampeado e aí vão ficar para visitar o avô da minha mulher e tal. engalfi nhando... chega visita, fi ca aquele sabendo. Se precisar de alguma coisa, Fomos para o Guarujá, nos hospedamos puta clima mal parado. A Melanie pegou estaremos todos lá no Sindicato. Está num hotel e de noite decidimos ir à casa a Bi, minha mulher, e a puxou para um todo mundo indo pra lá”. Liguei para o do Thomaz Farkas, que era o dono da canto do escritório. O Farkas me chamou Fotoptica. Meu vizinho, hoje ele mora e disse: “Tenho uma péssima notícia pra aqui ao lado, no mesmo prédio do Juca te dar” “O que é que houve?” “Mataram Kfouri. Tá velhinho, velhinho... E por quê o Vlado”. E eu: “Como assim, mataram o o Farkas? Porque a então mulher dele, a Vlado?”. E ele: “Foram à casa dele ontem, Melanie, era psicanalista e colega da Bi, depois foram à TV Cultura, ele se dispôs a que era psicanalista também, essa coisa se apresentar, se apresentou hoje, fi cou de Freud, de grupos freudianos. E foi preso e mataram ele. Enforcaram e tão Morais Fernando Arquivo ideia dela visitar a Melanie e o Thomaz. dizendo que ele se suicidou”. Imaginem Eu era amigo dele, gostávamos de an- o meu estado... Mataram o diretor de dar de motocicleta. Ficamos um tempo Jornalismo de uma estação pública, de por lá, tomamos uísque, expliquei por um governador biônico, nomeado pelo que eu tinha ido e ele falou: “Vocês não presidente da República! Paulo Egydio preferem dormir aqui?”. Eu falei: “Não, era um governador biônico e da confi ança já estamos hospedados em um hotel”. E do Geisel, nomeado por ele! Pensei: “Tô Com Daniel Ortega, na Nicarágua

Sindicato, falei com o Audálio [Dantas]. não se submeter a isso, e eu vou para que... pô! Em geral pensam: “Esse cara E foi um desespero, um desespero! São Paulo, ao Sindicato”. E aí no caminho é um estorvo aqui! Esse cara vai fazer os Decidi que não ia fi car no Guarujá. Não fi quei pensando: “Como é que eu vou milicos me obrigarem a vender minhas aguentava fi car por lá sem saber o que para o Sindicato? Vão me pegar na porta”. revistas e voltar para Buenos Aires, sei estava acontecendo aqui com os meus Mesmo problema na minha casa... fui lá!” Não! Eles foram lá e disseram: “Cai amigos, com as pessoas! Pô, eu não com a cara mais limpa do mundo. fora!”. Aí fui para a casa do meu cunhado, tinha posto bomba em lugar nenhum, J&Cia – Os patrões de certo modo sal- o Jacob, já falecido, casado com minha não tinha dado tiro em ninguém, não varam sua vida... irmã Marília, que hoje é minha assistente. tinha roubado banco... Fernando – O Domingo e o Luis Carta Eles moravam em Moema no mesmo J&Cia – Não freqüentava o Partidão? eram estrangeiros, o Luis eu não sei prédio do Carlinhos Brickmann, meu Fernando – Tinha um pé no Partidão, se já era brasileiro, mas o Domingo era amigo desde que vim de Minas, no Jornal tinha um pezinho na cozinha, mas nunca argentino e não podia nem ser dono de da Tarde, e depois na Visão. Não pensa fui militante. Tinha uma relação próxima revista no Brasil. Ou seja, com um pe- como eu, conservador, não sei o quê, antes, que se solidifi cou um pouco na teleco o Exército poderia colocá-lo pra de direita e tal, mas um cara da maior Visão, porque todos lá, quase sem ex- correr. E ele e o Luiggi tiveram a coragem integridade. Fomos para a casa do Carli- ceção, eram do partido. Resolvi que não de ir lá, arriscar a pele deles e dizer pra nhos, ele chamou alguns amigos, o Setti, ia fi car e disse a minha mulher: “Você mim: “Puxa o carro que os caras querem o Márcio Valente, o Wilson Moherdaui, fi ca aqui, com a Melanie e o Thomaz, pra te prender”. Sabe? Patrão? Patrão quer que eu me lembre, e mais o meu cunha- do Jacob. Você vê... tem coisas... (N. da Imaginem o meu estado... Mataram o diretor de Jornalismo de R.: visivelmente emocionado) Primeiro, um deputado federal, chamado Santilli uma estação pública [Vladimir Herzog], de um governador biônico, Sobrinho, que não era comunista, mas nomeado pelo presidente da República! Paulo Egydio era um sim um progressista, quase um “autên- governador biônico e da confi ança do Geisel, nomeado por ele! tico”, se dispôs a me levar para Brasília. Eu não tinha nenhuma relação com ele! Pensei: ‘Tô fudido, fudido!’. Zero! Ele soube do meu caso pelo Air-

ton, por não sei quem, e se dispôs a me pedi a uma pessoa para ir até o Guarujá do, pegamos o meu Chevetinho caindo levar para Brasília num carro ofi cial e lá buscá-la. aos pedaços e fomos para o sul de colocar, a mim e a minha mulher, em uma J&Cia – Que loucura... Minas, para uma cidadezinha chamada embaixada, para pedir asilo. O Carlinhos Fernando – Nos trancamos na casa da Guaranésia, onde morava, na zona rural, Brickmann, não sei como – não perguntei Marília, minha irmã, eu e a Bi, e eu dis- o avô dela, o coronel Roque de Lorenzo. e jamais perguntarei –, no fi nal do dia se a ela: “Não sabemos quanto tempo Coronel entre aspas, como o Antonio apareceu com dois passaportes israelen- essa merda de regime vai durar”. Porque Carlos Magalhães era coronel. Todas as ses, um no meu nome e outro no nome poderia durar 50 anos, porra! O salaza- noites, às quinze para as oito, eu pegava da minha mulher, já com nossas fotos rismo durou 80, sei lá... Getúlio fi cou o carro e ia até o salão de sinuca da ci- e duas passagens da Alitalia São Paulo/ 30 anos! “Não sabemos até quando dade para ver o Jornal Nacional, porque Roma/Jerusalém ou São Paulo/Roma/Tel vai essa merda e eu não estou a fi m na zona rural não pegava televisão. Para Aviv, para embarcar naquela noite. E aí, de passar a minha vida no exílio por ver o Jornal Nacional e saber o que es- como essa era uma decisão drástica, que um crime que não cometi! Eu não vou tava acontecendo aqui no Brasil (risos). ia mexer com o nosso destino, achei que embora!”. Ela concordou, agradecemos Teve a missa... Ah não! Primeiro teve o deveria deliberar com a minha mulher e muito às pessoas que nos tinham ajuda- enterro. No enterro, como vocês devem Fotos: Sônia Mele Edição 15 página 10 Fernando Morais lembrar, o DOI-CODI permitiu que os no habeas data dele, que me deu de o problema é esse!”.. Meu pai morava amigos do Vlado que estavam presos presente, mostra o pau que levou por numa fazendinha em Jarinu e o meu saíssem escoltados para ir ao cemitério isso! “O que o Fernando Morais foi fazer irmão e o meu cunhado, marido da Ma- do Butantã. E lá estavam também dois em Cuba? Foi pegar arma, dinheiro, fazer rília, resolveram ir até ele contar o que políticos: Alberto Goldman e Orestes curso?”. “Não, foi fazer reportagem!”. estava acontecendo comigo. Temiam Quércia, que era senador. O Markun e “Que reportagem, o cacete! O que ele que ele, já com 80 anos, pudesse ver o Konder, a pretexto de abraçar os dois foi fazer em Cuba?”. Pau, pau, pau... O alguma coisa sobre mim na televisão e e fi car longe da escolta, cochicharam no Quércia vai ao Sindicato e conta para o enfartasse. E contaram... É uma coisa ouvido deles: “Se vocês encontrarem o Audálio: “O Konder e o Markun disseram muito engraçada, bem o retrato do meu Fernando Morais avisem que eles estão que o crime do Fernando é a viagem pai. A casa da fazenda fi cava num mor- querendo saber de Cuba”. O livro não ti- a Cuba... não sei como vocês podem rinho e tinha uma escadinha de onde nha sido publicado ainda... O que ele foi negociar isso”. O Audálio procurou o Car- dava para ver o carro subindo desde lá fazer em Cuba... E o Markun, inclusive, linhos Wagner, meu irmão, e disse: “Ó, de baixo. Já na subida viram meu pai lá em cima, de braços cruzados, com aquela cara patibular dele. [Ruy Mesquita]: ’Avisa pro Fernando que, se ele precisar, a gente diz que ele J&Cia – Cara patibular é boa... (risos) continua trabalhando aqui’ . É interessante isso, porque hoje tem tanta gente Fernando – Na hora em que chegaram, por aí, valente, mijando em leão morto... ‘Eu fi z e aconteço!’. Gente que tá aí antes que dissessem qualquer coisa, ele perguntou: “O que aquele mentecapto recebendo indenizações... O Ruy Mesquita! Não é o Apolônio de Carvalho! fez dessa vez?” (risos). Eu com o cu na Ruy Mesquita, fi lho do dr. Julinho, neto do dr. Julio... irmão do Julio Neto... se mão – com o perdão da expressão –, dispôs a levar um comuna, entre aspas, para salvar a minha pele? São essas perdido no meio do mato... Pô, eu não tava roubando galinha, vendendo cocaína poucas coisas boas que acabam emergindo dessas situações dramáticas... na porta de escola infantil! Por pior que

fosse, eu estava do lado do bem...E a que ainda engatinhava. Quando morreu da mulher do Luís Carlos Prestes?”. Bom, primeira pergunta que ele faz: “O que consegui que um nerd recuperasse uma aí veio o enterro, a missa, aquela puta foi que aquele mentecapto fez dessa longa troca de e-mails entre nós. Des- mobilização. A temperatura voltou a baixar vez?” taco um deles, particularmente, sobre e o meu nome havia sido retirado da cap- J&Cia – Essa relação confl ituosa foi as- uma boa grana que ganhara, acho que tura. Até então o Ednardo [D’Ávila Melo, sim até o fi nal de vida dele ou em algum na primeira vendagem do Chatô. Man- general, comandante do II Exército] ainda momento vocês se aproximaram? dei a ele um e-mail e contei que estava não tinha sido demitido pelo Geisel, o que Fernando – No fi m da vida fi camos ami- louco para comprar um Porsche. Temia só aconteceria em dezembro, quando gos. E ele se apaixonou pela internet, guardar dinheiro no banco e não usufruir matam o Fiel [Manoel Fiel Filho]. dele – e se eu morresse de uma hora J&Cia – E como você soube que estava para a outra? Ele, que gostava muito de menos encrencado? carros e de mulheres, respondeu: “Sim, Fernando – Pelo Audálio, mas foi o meu fi lho, seria muito chato se você Airton Soares que avisou. O Airton era morresse jovem, com uma gorda conta amigo de um sujeito, um meirinho, um bancária e sem nunca ter podido andar ofi cial de Justiça, da Justiça Militar, que de Porsche. Mas você pode não morrer ia ao DOI-CODI todo dia. Um cara de Arquivo Fernando Morais Fernando Arquivo tão cedo e não deve se esquecer que direita, mas com quem o Airton, que as moças gostam muito de velhinhos foi advogado de dezenas de presos po- endinheirados”. líticos, procurou manter algum tipo de J&Cia – E o que ele falava de sua vida relação. Ele havia pedido a esse cara para de escritor, seus livros? avisá-lo quando o meu nome saísse da Fernando – Acho que, quase sem exce- captura”. Captura era uma folha de papel ção, ele previu um rotundo fracasso de que tinha na entrada do DOI-CODI. Os vendas para meus livros. Quando disse caras chegavam pra trabalhar de manhã a ele que ia escrever a biografi a da Olga e a primeira coisa que faziam era olhar a Primeiro comício - Piracicaba, 1978 ele respondeu: “Que besteira! Você acha captura: “Quem é que temos que pegar que alguém vai se interessar pela história hoje? Não pegaram o Fernando? Temos

que pegar esse cara! Vamos de novo...”. Ruy Mesquita, fi lho do dr. Julinho, neto E tinha um galão daquele troço! Tinha Um dia o Airton vai ao Sindicato – e eu do dr. Julio, irmão do Julio Neto... (N. da alguma coisa naquilo, o bisavô do Viagra, escondido em Guaranésia... R.: de novo visivelmente emocionado) se provavelmente, em estado líquido... (ri- J&Cia – Quem sabia que você estava dispôs a levar um comuna, entre aspas, sos). Voltei e aí, sim, publiquei o livro. em Guaranésia? para salvar a minha pele! São essas pou- J&Cia – Aí você sentiu que já havia re- Fernando – Só o Audálio. Ah! E tem cas coisas boas que acabam emergindo tornado a segurança... mais uma coisa interessante! O dr. Ruy dessas situações dramáticas... Voltando, Fernando – Sim! E mais uma coisa: um Mesquita, com quem eu já não traba- o Airton então avisou o Audálio, um mês depois matam o Fiel, e o Geisel lhava havia quase dois anos, procura o belo dia, que o meu nome tinha saído enfi ou o pé na quitanda. Audálio Dantas e diz o seguinte: “Avisa da captura e o Audálio se comunicou J&Cia – Nesse momento você já havia o Fernando Morais que, se ele quiser se com alguém, que me avisou. E aí eu negociado com a editora? apresentar, eu vou ao DOI CODI com ele voltei. Fiquei uma semana sem dormir Fernando – Já, mas o livro ainda não e assisto ao depoimento, como fi z com em casa. Dormia uma noite na casa de tinha sido publicado. O livro sai depois o Marco Antonio Rocha”. Gente, eu não um, outra na casa de outro... Dormi até que o Fiel é assassinado. O Vlado em tinha mais nada a ver com o jornal e ele: numa garçonière de um amigo lá perto outubro, o Fiel em dezembro e o livro sai “Avisa pro Fernando que, se precisar, nós da Escola de Sociologia e Política. E um nos primeiros dias de 1976. Como vendeu diremos que ele continua trabalhando negócio que até hoje eu não descobri é bem, começou a dar um certo dinheiro, aqui”. É interessante isso, porque hoje que, embora ele não usasse óculos, tinha um dinheiro que àquela altura caiu do tem tanta gente por aí, valente, mijando um galão daquele líquido para grudar céu, porque eu estava desempregado. O em leão morto... “Eu fi z e aconteço!”. lente de contato. Era com certeza para Samuel Wainer tinha desistido do proje- Gente que tá aí recebendo indeniza- alguma sacanagem. Devia ter algum to do Aqui São Paulo e eu acabei sendo ções... Eu estou falando do Ruy Mes- sabor especial, porque ele usava aquele chamado para a Veja. Fui trabalhar com o quita! Não era o Apolônio de Carvalho! apartamento para abater frangas! (risos) Almyr Gajardoni, que era editor de Brasil/ Edição 15 página 11 Fernando Morais Política. Éramos em quatro subeditores: nhas! (risos). José Antônio de Vargas J&Cia - Voltando à Veja... Augusto Nunes, Jorge Escosteguy, um Dias Lopes. O J.A. de Vargas Dias Lopes. Fernando – Sim, a revista acabou me terceiro que não me recordo e eu. Tem uma história engraçadíssima sobre permitindo dar continuidade à questão de J&Cia – O Mino ainda estava lá? ele, a quem considero uma espécie de Cuba, pois foi naquele período que vim Fernando – Foi na virada. O Mino es- precursor dessa coisa de consciência a entrevistar Fidel Castro. Acontece que tava saindo e o Guzzo [José Roberto] verde. Ele nasceu em Dom Pedrito, no quando fi z o livro não consegui entrevistá- assumindo. Aliás, na verdade eram dois, Rio Grande do Sul, cidadezinha na fron- lo. Até falei com ele, mas sem o entrevis- Guzzo e Sérgio Pompeu eram codire- teira do Brasil com o Uruguai. No fundo tar. Na véspera de embarcar de volta para tores de Redação. Depois fi cou o Guzzo da casa dos pais dele corria um córrego o Brasil, ele foi à casa do vice-presidente, como diretor e o Sérgio seu adjunto. O de águas cristalinas, o Camaquã, e, por que estava me dando uma entrevista, redator-chefe, se não me engano, era o causa disso, por ter esse benefício, e disse: “É cedo para eu falar com um Gaspari [Elio]. E tinha também Emílio ele achava que não podia usar cuecas jornalista brasileiro. As relações do Brasil Matsumoto, na Economia, Paulo Totti, lavadas nas águas poluídas aqui de São com Cuba ainda são muito ásperas. Mas na Chefi a de Reportagem, Dorrit Ha- Paulo. Uma vez por semana fazia um eu assumo um compromisso com você: razim, na Internacional, o Ricardo Setti pacotinho, uma caixinha (risos), mandava quando eu julgar que há clima, mando te com ela, e como copydesk o Renatão para a sucursal da Veja em Porto Alegre, chamar. Não tem perigo de nenhum outro Pompeu. Puta merda! Um dos melhores vinha alguém da cidade dele, pegava a jornalista te furar. Você teve paciência, textos deste País, copy da Cultura. Tinha caixinha (mais risos), levava as cuecas, a está esperando aqui há três meses...”. Aí também o Dias Lopes, editor de Religião, mãe lavava nas águas cristalinas do Ca- estou eu lá na Veja, em 1977, e chega um que escrevia sobre o papa e as coisas do maquã, poluía o ribeirão com as cuecas telex, o antigo telex, de alguma embaixada Vaticano. Era o nosso vaticanólogo... do fi lho, quarava ao sol com anil (muitos cubana, para a Veja, me convidando para J&Cia – De tanto falar em pão e vinho, risos), passava aquilo maternalmente, assistir ao desfi le de 1º de Maio em Cuba. acabou migrando para a Gastronomia... colocava de novo na caixinha e enviava Pensei: deve ser a senha. Perguntei ao Fernando – Virou sociólogo de abobri- para ele de volta. Guzzo e ele sem consultar ninguém me

autorizou e fui para lá. Aí há um choque acha que vale a pena?”. Ele falou: “Toca do Audálio, do MDBezão, e o David, o PT. com a versão do livro Notícias do Planalto, o pau!”. Dois, três dias depois eu estava Tanto que anos depois o David acabou de do Mario Sérgio Conti. Não é verdade em Havana. Fiz a capa com o Fidel e aí a fato indo para o PT. Mas naquela época só que o Guzzo levou muito tempo para política começou a me picar. Desde 1974 tinha MDB e Arena e eu já era fi liado ao convencer o Roberto Civita de que eu eu era militante do MDB... MDB. Fiz muita cobertura política, ganhei poderia ir até Cuba fazer uma reportagem J&Cia – Você militou no Sindicato dos dois prêmios Abril junto com o Augusto com o Fidel Castro. Diz ele no livro que Jornalistas? Nunes por cobertura política. Em 1978, o Guzzo estava precisando se viabilizar Fernando – Sim, na derrubada do grupo um grupo de amigos jornalistas disse o com um cara de esquerda, progressista, do Campagnoli [Adriano], quando o Au- seguinte: “O Audálio vai sair candidato a perante a redação, porque o Mino tinha dálio se elegeu presidente. Eu participei deputado federal. Por que você não sai saído escorraçado pela ditadura militar e o daquela campanha. E me aproximei ainda para estadual e faz uma dobradinha da Guzzo precisava mostrar que não era um mais por causa do episódio do Vlado. categoria, do pessoal que ‘bate nas pre- cara de direita. E que a proposta da minha J&Cia – Participou da diretoria? tinhas’ [máquina de escrever]?”. Pensei: entrevista com o Fidel caía como uma luva Fernando – Sim. Na eleição seguinte fui “Voto, eu??!! Não consigo me eleger nos “baixos interesses” do Guzzo. Mas eleito vice-presidente, com o David [de nem síndico do meu prédio...” (risos). não é verdade! Há várias testemunhas: Moraes]. As coisas ainda não tinham sido Deputado estadual precisava de 15 ou Carmo Chagas e Totti estão entre elas. batizadas com esses nomes, mas no fun- 20 mil votos para se eleger no MDB. E Guzzo não consultou ninguém. Eu mostrei do era uma composição daquilo que ia ser outra coisa: eu não tinha dinheiro! Teria o telex a ele e falei: “Acho que isso é para anos depois MDB e PT. Eu estava ali meio que fazer uma campanha eleitoral sem uma entrevista com o Fidel Castro. Você que representando e atraindo o pessoal dinheiro, não tinha nada! Resolvi aceitar e vendi minha motocicleta, uma Honda Guzzo [José Roberto] não consultou ninguém. Eu mostrei o telex a 750, mais umas porcariadas, uns bagu- lhos, e fi z um pequeno caixa. Fui para a ele e falei: “Acho que isso é para uma entrevista com o Fidel Castro. campanha e acabei sendo o quinto ou Você acha que vale a pena?”. Ele falou: “Toca o pau!”. Dois, três sexto deputado mais votado. dias depois eu estava em Havana. J&Cia – O que foi mais decisivo para que você entrasse?

Fernando – Não sei, mas acho que a e o Audálio 50 – era signifi cativa. Juntos, Fernando – Por isso mesmo é que há minha dobradinha com o Audálio foi um um mais jovem, outro mais velho, nos controvérsias! (risos) achado para os dois, porque eu era mais entupimos de votos! J&Cia – Ele diz que o pai o registrou com novo do que ele. Hoje a diferença de ida- J&Cia – O Audálio diz que está com três anos a mais para ele ir para a Marinha de não é tão importante, porque estamos 78... e ele não foi. No registro, tem 81... fi cando os dois velhinhos, mas 20 anos Fernando – Há controvérsias... Fernando – Isso... Outro dia ele e a de diferença naquela época – eu tinha 30 J&Cia – É confi rmado por ele... Vanira, sua mulher, almoçaram aqui co- migo e estávamos conversando sobre Arquivo Fernando Morais isso e eu defendendo que essa história de Marinha é mentira! Que ele tem 81 mesmo! Que esse papo do pai mudar a data é mentira! (risos) J&Cia – E o seu grande slogan foi “O escritor da Ilha”, não é? Fernando – Ah! É! Ainda tinha isso! A editora fez uma edição de bolso da Ilha... deve ter ainda algum exemplar perdido por aí. Fez 70 mil exemplares e dentro de cada exemplar pôs um santi- nho: Audálio, federal, Fernando Morais, estadual. (risos). Nos entupimos de vo- tos! Primeiro mandato de deputado foi Cuba, 1987 - a lado de frei Betto (esq.) - Gabriel Garcia Márquez é o 3º à direita simpático, muito ativo, ditadura ainda... Foto: Sônia Mele

Edição 15 página 12 Fernando Morais Maluf governador biônico, Maluf queren- a ele. Estava todo mundo com medo do do mudar a capital, Maluf montando a que pudesse acontecer. Só saímos para Eletropaulo, querendo puxar petróleo... jantar naquela avenida que tem frango querendo montar aeroporto em Caucaia, com polenta, a Demarchi. Lembro que le- não sei o quê... vávamos na mão uma garrafa de cachaça J&Cia – Foi nesse período que você se com cambuci, aquele fi go que dá lá em aproximou de Lula? São Bernardo. Eles têm mania de colocar Fernando – Ah, sim, começam a pipocar o fi go que nem se faz com pera – o poire no País muitas greves, entre elas a dos – e o fi go crescia lá dentro da garrafa. Em aeronautas e depois a dos metalúrgicos Goiás se faz com pequi... E o Lula com do ABC, quando eu me aproximei do aquela garrafi nha de cachaça com cam- Lula. O Markun conta no livro O sapo e buci. Depois do frango com polenta, o o príncipe – uma história que o próprio Fernando Henrique fez uma avaliação da Lula contou para ele – que na noite da conjuntura política e disse ao Lula: “Olha, prisão, da decretação da intervenção, não tem perigo de haver intervenção estávamos lá na sede do Sindicato agora porque tal força dentro do governo dos Metalúrgicos, em São Bernardo, o está se opondo a tal força e você pode Geraldinho Siqueira, que era deputado fi car tranquilo porque não vai acontecer muito boa, mas meu instinto diz que a estadual como eu (depois foi para o PT nada”. Pegou o carro e regressou a São vaca vai pro brejo. Então, eu quero pedir a e agora está no Governo Federal, na Paulo. Desconfi ado, o Lula falou comi- vocês para fi carem mais uma noite aqui”. área ambiental), o Fernando Henrique go – isso eu li no Markun, como falei, Nós já havíamos passado uma ou duas Cardoso, que era suplente do Franco porque nem me lembrava mais: “Olha, o noites lá com ele... “Tudo bem, não tem Montoro, e eu. Ficamos ali com o Lula, Fernando Henrique que me desculpe, a problema”. Peguei, liguei para casa, avisei na sala do Sindicato, para dar segurança avaliação da conjuntura política dele está a minha mulher...

J&Cia – A investidura parlamentar ajuda- e os outros foram presos e o Sindicato J&Cia – Você não havia tido um episódio va alguma coisa? ficou sob intervenção. Pouco tempo anterior com o Tuma, quando ainda não Fernando – Bem, eu estava lá de gravata, depois o Luiz Eduardo Greenhalgh me era deputado? todo engomadinho, com carro ofi cial, chamou para dizer que o Tuma queria falar Fernando – Vejam como são as coisas... para, se fosse o caso, peitar a polícia, se comigo no DOPS, mas que fosse sem o O dr. Tuma me prendeu em 1978. De- ela aparecesse. Ficamos conversando, carro ofi cial, para não chamar a atenção. pois de eu ter feito a capa da Veja com jogando baralho, Djalma Bom, Alemão, Cheguei lá e ele falou: “Olha, a comida o Fidel, voltei a Cuba, em fevereiro de Lula... Quando era mais ou menos uma aqui é uma merda, de xadrez. Como eu 78, para fazer parte do júri do prêmio hora da manhã ouvimos um barulho: pa sei que você é amigo desse pessoal, se literário Casa das Américas. Éramos pa pa pa pa... Era o helicóptero da Polícia quiser vir à noite, na moita, trazer umas Chico Buarque, Antonio Calado e eu, Militar sobrevoando o pequeno prédio frutas, uma comidinha legal para eles, os primeiros brasileiros a participar do de uns cinco ou seis andares, todo envi- na boa! Desde que não conte isso a nin- júri. O Chico ia julgar poesia, o Calado draçado. E os caras jogando o holofote guém e que não venha de carro ofi cial, romance e eu testemunho, que aqui no andar em que estávamos. Um fun- se não vai me prejudicar,” Eu ia, dia sim, chamamos de livro-reportagem e lá eles cionário do Ministério do Trabalho veio dia não, levar comida. E quando a mãe do chamam de testemunho. E cada um foi com a intervenção assinada pelo Murilo Lula morreu, o Luiz Eduardo disse que o com a respectiva esposa. O Chico com a Macedo, e um ofi cial de Justiça, com Tuma ia deixar ele sair para ir ao velório Marieta, o Calado com a Ana e eu com a um mandado de prisão contra o Lula. Ele da mãe. E cumpriu a palavra. Bi. Passamos três semanas lendo muito e saímos de lá separadamente. O Chico e o Calado foram, com as respectivas Quando me viu descer, [Luizinho Coruja] ligou para o Audálio [Dantas], mulheres, para a Jamaica e de lá para e disse a ele: ‘O Tuma [Romeu] prendeu o Fernando Morais e uma Nova York. E eu, se não me engano, moça que desceu do avião junto com ele’. O Audálio juntou um bando fui para o México. Na volta ao Brasil, desci em Congonhas. Não existia ainda de repórteres e foram para a porta do DOPS. Quando chegamos já Cumbica. E por um desses acasos, sem estava lá aquele monte de gente e o Audálio acenando da rua. qualquer combinação, eu, Chico e Calado

voltamos ao Brasil no mesmo dia, eu aí tem!”. Chegamos à cabine e o sujeito, o Coruja tinha visto o Tuma circulando lá para São Paulo e eles, Rio de Janeiro. após se apresentar como policial, disse dentro, sair pela porta, pegar a Veraneio Quando o avião pousou e abriu a porta, que estávamos presos e que alguém ia e parar perto do avião. Pensou: “Estão entrou um sujeito de paletó e gravata retirar nossas bagagens. A aeromoça, prendendo alguém”. Quando me viu des- e falou alguma coisa ali na cabine. Veio coitada, apavorada... cer, imediatamente ligou para o Audálio então uma comissária e chamou pelo J&Cia – De Congonhas diretamente para e disse: “O Tuma prendeu o Fernando microfone: “Por favor, passageiros Fer- o xilindró... Morais e uma moça que desceu do avião nando Morais e Rúbia de Lorenzo Morais Fernando – Mas tivemos uma sorte junto com ele”. O Audálio nem era mais queiram se apresentar ao comissário danada. Naquele tempo era comum ter presidente do Sindicato (nem eu era na cabine de comando”. Eu olhei pela setorista no aeroporto, porque sempre diretor), mas mesmo assim juntou um janela, vi uma Veraneio estacionada e rendia boas pautas. E estava por lá o bando de repórteres e foram para a porta em pé, ao lado dela, o dr. Tuma. Ele era Luizinho Coruja, lembram-se dele, do DOPS nos esperar. Quando chegamos diretor do DOPS. Falei para a Bi: “Olha, moreninho? Não sei onde anda... Bem, já estava lá aquele monte de gente e

Fotos: Sônia Mele Edição 15 página 13 Fernando Morais o Audálio acenando da rua. Penso que com médicos e visitas a hospitais psiqui- queria comprometer o Chico por causa aquilo de certo modo deu uma intimidada átricos, para o trabalho dela, três discos de um show feito pra bangue-bangue em no Tuma. Não tocaram em nós. Quando de poesias (discão de vinil, grandão) do Havana. Tínhamos fi cado na sala do Tuma uma policial quis revistar a minha mulher Nicolás Guillén que ele tinha autografado e pedi ao tira que estava nos vigiando no banheiro eu falei: “Nem fodendo a para mim... Pensei: “Não posso compro- licença para ir ao banheiro, e ali tirei a minha mulher vai tirar a roupa na frente meter o Chico”. E eu sequer sabia que o fi ta, que era fi ninha, e, sem pestanejar, de policial!”. Chico, naquele momento, estava também a engoli. J&Cia – E a bagagem, alguma compli- sendo preso no Rio, pelo Cenimar, junto J&Cia – Nem pensou em indigestão? cação maior? com o Calado. E com uma particularidade: (risos) Fernando – Eu tinha gravado numa mini- quando eles embarcaram em Nova York Fernando – Que nada, era engolir ou fi ta um show que o Chico fez, na moita, para o Brasil, um músico amigo deles pre- engolir. Ou, como disse a Clarice Her- para os exilados em Cuba... Zé Dirceu, cisava mandar para a mãe um bebezinho zog agora recentemente, quando fomos esse povo todo... E nela havia várias e pediram ao Chico e à Marieta (Severo, participar de um debate justamente no músicas inéditas que ele só viria a gravar ex-mulher de Chico) para que fossem os antigo prédio do DOPS, no lançamento meses depois. Uma das que lembro é portadores da “encomenda”. Ao descerem da obra do Elifas Andreato: “Também (cantarola) “Terezinha de Jesus... na na na no Rio, tanto eles quanto o bebê foram corria o risco de você sair do banheiro na na na naaaaa...”, uma paródia romântica presos. E o fato de serem dois caras cantando igual ao Chico Buarque, não da cantiga de roda Terezinha de Jesus. superconhecidos, mais a particularidade é?” (risos). Fomos presos de manhã cedi- Eu estava com a tal fi tinha no bolsinho de terem sido presos com um bebê de nho e soltos à noite. Passou o tempo, eu de moedas da minha calça. Na hora em colo, despertou o interesse da imprensa viro deputado e o Tuma continua diretor que a bagagem subiu e eles começaram internacional. O New York Times ao cobrir do DOPS. E o Tuma foi sempre muito a fuçar, me lembrei dela. Apreendem uma o assunto soube também da minha prisão respeitoso com essa coisa de autoridade. caixa de charutos, as anotações que a aqui em São Paulo e isso também foi um A partir do momento em que fui eleito minha mulher tinha feito de entrevistas fator a nosso favor. Mas voltando, eu não deputado, virei dr. Fernando. Ele ia muito

à Assembleia, tratar de coisas, projetos estado, pois não tinha uma base, dá para meio, 50% na capital e 50% pulverizada de lei de interesse da polícia, o mesmo imaginar como fi cou minha vida parla- por todo o estado. Se isso por um lado jeitão que tem até hoje. mentar. Se formos olhar os arquivos do é bom, porque se alguém te trai você J&Cia – E aí você se reelegeu? TRE, a minha votação era quase meio a perde menos, por outro lado te obriga a Fernando – O primeiro mandato de deputado foi muito ativo. Me reelegi, Foto: Sônia Mele já com eleição direta, quando Montoro foi eleito governador. Aí o quê aconte- ceu? O deputado acabou virando uma espécie de despachante de luxo dos prefeitos que ajudaram na campanha e deram votos. Como não atendê-los? Era cara de esquerda, progressista e tal... O prefeito de Penápolis, por exemplo, João Delia. Médico, jovem, mais novo do que eu... Um cara que só andava de chinelo, sem meia, uma barbona bíblica batendo na barriga, um tremendo médi- co que se elegeu contra as oligarquias de Penápolis e me deu não sei quantos mil votos. Ele se elege, eu me elejo. Ele precisa de uma escola pública, quem vai arrumar isso para ele? O deputado da cidade! Precisa de uma delegacia de polícia? Da transferência de uma profes- sora? E isso se multiplicava. Como eu tinha votos em tudo o que era canto do Com o secretariado de Quércia atender o estado inteiro! E eu não tinha nho... cada um sabe o que faz com o seu do país. Você não pode vender para o estrutura! E, aqui entre nós, não tinha jornal. Mas rádio e televisão, não! Isso é Amazonas ou para o Rio Grande do Sul saco também. Ficar levando prefeito propriedade social e o sujeito não pode um padrão cultural de vida de Ipanema, para fi car tomando chá de cadeira em usar ao seu bel prazer. Eu sou a última ou dos Jardins. Eu, que não sou amoral, antesala de secretário... pessoa no planeta a defender censura, mas seguramente não sou moralista, fi co J&Cia – Não era isso o que você queria mas precisa ser como em todos os luga- vendo as cenas de sexo que aparecem da vida... res do mundo, ter regras! A concessão nas novelas e penso na cidadezinha em Fernando – Não era isso. Nada contra! é por tempo determinado, renovável ou que eu nasci, em Mariana, no sujeito que Não acho que isso diminua a carreira de não. Eu defendia, por exemplo, o modelo está perdido lá no fundo da Amazônia, uma pessoa, mas não é a minha praia. norte-americano: quem tem televisão num casal de velhinhos... Impor valores Em 1986, ia ter Constituinte e eu falei: não pode ter jornal; quem tem jornal não culturais num país com a diversidade do “Vou sair para federal. Quero ser cons- pode ter rádio. Brasil, com essa riqueza, não faz senti- tituinte”. Para quê? Para mexer na nossa J&Cia – A propriedade cruzada... do. São quase dois vocabulários, coisas praia, mexer no controle da mídia eletrô- Fernando – Para ter direito a televisão muito distintas. No Rio Grande do Sul, nica. De papel não, porque capitalismo, nacional tem que dar percentual de pro- criança é piá e no Amazonas, é fona. Você dinheiro do dr. Julinho, dinheiro do Otavi- dução local para não desvirtuar a cultura vai impor um padrão cultural? Pode impor com a revista Veja, com a IstoÉ, porque é dinheiro do Civita, do Domingo, mas não Isso [rádio e televisão] é propriedade social e o sujeito não pode usar ao com algo que é propriedade de todos! seu bel prazer. Eu sou a última pessoa no planeta a defender censura, Pensei: “Tá de colher! Vou para a Consti- mas precisa ser como em todos os lugares do mundo, ter regras! tuinte com a bandeira da democratização dos meios eletrônicos de comunicação”. Mas não consegui me eleger. Deus não Edição 15 página 14 Morais Fernando Arquivo Fernando Morais existe, mas escreve certo por linhas que tem uma enorme sensibilidade para tortas... (risos) porque no meu caso foi os anseios das pessoas mais pobres. bom. Não é que eu esteja fazendo o Por exemplo, ofi cina cultural. Ele disse jogo da raposa, que disse que as uvas que queria montar algo para ensinar as estavam verdes. Não, eu gostaria de ter crianças pobres a tocar violino, violão sido eleito e acho que poderia ter dado e tal. Eu sabia que já havia uma coisa Campanha de Fernando Henrique Cardoso à uma contribuição, ainda que modesta, parecida, feita pelo Jorge Cunha Lima, Prefeitura de São Paulo, 1985 para essa discussão. Mas, para mim, que foi secretário de Cultura do Montoro. para a minha carreira, foi o melhor que Ele já era tucano, pois àquela altura as quero coisa para classe média alta, que poderia ter acontecido. Porque eu pude tribos já estavam vivendo em “bairros” tem dinheiro para pagar um conservató- voltar para os meus livrinhos. diferentes. O projeto chamava-se Ofi cina rio para o fi lho e professor para ensinar”. J&Cia – É aí entra Olga em sua vida? Três Rios e eu levei o Quércia até lá para Fizemos mais de 30 na periferia de São Fernando – É aí que eu vou fazer Olga, conhecer e falei: “Se você achar legal e Paulo e no interior. Acabei de ler no jor- que começo a pensar no Chatô... Mas conseguir o dinheiro, fazemos quantas nal que estão fechando tudo... o Andrea tive algumas recaídas. Para falar a ver- quiser, mas só em bairro pobre”. Fizemos Matarazzo... dade, tive três recaídas. Primeira: fui uma visita de surpresa, durante o funcio- J&Cia – Também soubemos disso. secretário de Cultura do Quércia. Cultura, namento da ofi cina, que depois passou Fernando – É uma pena. Um dia encon- pô... Secretário de Saúde, Segurança, eu a se chamar Oswald de Andrade, pois trei por acaso o Dan Stulbach. Eu estava não toparia, mas Cultura... Era a minha não tinha sentido continuar chamando num botequim tomando uma cerveja e praia, a minha tribo! Topei, foi legal, fi ze- Três Rios só porque fi cava na rua Três ele entrou. Eu só o conhecia porque o mos coisas interessantes... Memorial da Rios. Perguntei: “O que você achou?”. tinha visto numa novela dando porrada na América Latina... Como rompi relações “Pô, maravilha!”. “Eu faço 30 dessas”. mulher. Entrou e me perguntou: “Você é com o Quércia, posso falar disso sem Ele disse: “Só em bairro que tiver renda o Fernando Morais? Devo a minha voca- parecer bajulação: o Quércia é um sujeito familiar inferior a tantos salários. Não ção a você!”. “Como assim?”, perguntei.

Ele disse que desde jovem queria ser Abreu], que era ministro das Relações aqui! O Aloysio tá ouvindo aqui, hein?”. ator e uma vez viu no jornal que existia Exteriores, fez tudo o que podia para im- Ele falou: “É Educação, claro!”. Mas aí uma série de ofi cinas de teatro dadas pedir a vinda do Fidel. Bancamos, conse- não deu certo. Ele não estava a fi m de por Mario Prata, Regina Duarte, Guarnieri guimos, o Sarney encarou e trouxemos o fazer revolução alguma. Eu mandei 18 [Gianfrancesco], por não sei quem...e Fidel Castro para inaugurar o Memorial. cartas de demissão para ele. Tenho todas isso acabou viabilizando a iniciação Daqui a 500 anos os tataranetos do Zé guardadas... e a décima nona nem man- dele na carreira artística. Agora vejam Dirceu poderão vir aqui e ver, em pedra dei. Simplesmente deixei de ir trabalhar também o outro lado: além de oferecer e cal, a obra do Oscar Niemeyer... e só mandei publicar no Diário Ofi cial que formação para gente pobre, esse tipo de J&Cia – E a segunda recaída? não era mais secretário da Educação. iniciativa cria mercado de trabalho para Fernando – O Fleury [Luiz Antonio] Educação não dá voto. A Época fez uma os profi ssionais, junta as duas pontas. ganhou a eleição e no dia seguinte ao matéria recentemente que é um negócio E o Dan disse: “Olha, eu sou o que sou anúncio do resultado foi até a minha de arrepiar os cabelos: dos 25 prefeitos hoje graças às ofi cinas que você criou casa, por delicadeza, porque eu estava que mais investiram em educação no na Secretaria da Cultura”. Foi muito legal. adoentado, com pneumonia, sem con- Brasil na última eleição municipal, 23 Outro exemplo é o Memorial da América dições de ir ao escritório dele, e disse: não foram reeleitos ou não conseguiram Latina, que levava o Zé Dirceu a me cobrir “Fernando, tem três lugares para você eleger o sucessor. Isso é um horror, um de porrada na tribuna! Dizia que eu esta- escolher. Pode fi car onde está, como estímulo para não investir em Educação! va jogando dinheiro fora, que tinha que secretário da Cultura, ir para o Meio O prefeito vai fazer chafariz! investir dinheiro nisso e naquilo! Ambiente, que agora está na moda e não J&Cia – E a terceira? J&Cia – Hoje as esquerdas todas... sei o quê, e o terceiro, que é o melhor de Fernando – Eu achei que já estava sufi - Fernando – Estão lá! Ele baixou o tom todos, assumir a Educação. Pode pedir ciente vacinado, mas me enganei. Foi a das críticas no dia da inauguração porque o dinheiro que quiser, porque quero sair candidatura a governador em 2002. Estava eu trouxe o Fidel, né? (risos) Profi ssional daqui a quatro anos com uma educação quieto no meu canto, ganhando o meu por profi ssional, eu também sou! Não é igual ou melhor do que a do Santa Cruz, modesto mas honesto dinheirinho, e aí o só ele não! (risos) Quem é o chefe de do Gracinha...” [colégios de elite de São Quércia me chamou e disse: “O partido estado que vem para a inauguração? Paulo]. Apontei para o Aloysio Nunes, que se reuniu e queremos que você seja O Fidel... O Sodré [Roberto Costa de era vice dele: “Olha que tem testemunha candidato a governador”. Opa! Perguntei:

“Quanto tempo a gente tem na televisão? o Lula”. Aí ele disse: “Mas nós podemos inauguração do meu comitê eu quero que Só de governador”. Ele disse: “Cinco mi- fazer uma fi ssura e em São Paulo o PMDB o Lula esteja lá, para não haver dúvida nutos na hora do almoço e mais cinco na faz a campanha do Lula”. quanto ao apoio”. Tudo bem? Tudo bem. hora do jantar”. Pensei: “Cinco minutos J&Cia – O oposto do que está aconte- Negociei com o Zé Dirceu, conversei com na televisão é uma eternidade!”. Como cendo hoje. o Lula. Fizemos uma reunião escondida, teríamos também eleição presidencial, Fernando – Exatamente. E os persona- aqui em casa: Quércia, Lula, Dirceu, perguntei quem o partido ia apoiar para gens são os mesmos. O único que não Marta Suplicy, acho que também o Bri- presidente. Ele falou: “O Michel [Temer] está nesse rolo de hoje é o Lula. Eu falei: zola [Leonel], que ia ser vice do Lula, e o está acertando para apoiar o Serra e “Se for para apoiar o Lula, mesmo que Francisco Rossi, que estava disputando parece até que o partido vai dar a vice a a direção nacional apoie o Serra, se o a Prefeitura de São Paulo pelo PDT. E es- Rita Camata”. Eu falei: “Então, estou fora! diretório do partido em São Paulo decidir távamos vendo uma costura para ele não Para o Serra eu não vou fazer campanha. pelo Lula, estou dentro”. Ele falou que bater de frente com a Marta, que tam- Vou fazer campanha para o Lula! Não tudo bem. Mas eu alertei: “Essas coisas bém disputava a Prefeitura de São Paulo, tenho nada a ver com o PT, aliás, tenho têm que ser muito claras, muito limpas. aquela coisa de palanque e tal. Fechado? até críticas ao PT, mas o meu candidato é Então, vamos fazer o seguinte: no dia da Fechado. Alugamos aquele galpão onde funcionou por muito tempo a ESPM, Ele [o ex-governador Luiz Antonio Fleury] não estava a fi m de fazer no Bixiga, ao lado do Teatro Zaccaro. Ali pra comitê é uma maravilha, primeiro revolução alguma em lugar nenhum. Eu mandei 18 cartas de demissão porque tem estacionamento, em que para ele. Tenho todas guardadas... e a décima nona nem mandei. cabem não sei quantos carros; tem um Simplesmente deixei de ir trabalhar e só mandei publicar no Diário Ofi cial salão monumental para fazer festa, juntar gente, e salinhas pequenas para fazer a que não era mais secretário da Educação. Educação não dá voto. área operacional. Fizemos a inauguração, Edição 15 página 15 Fernando Morais e o Lula foi. E o que nós servimos para dos vinho do MST. Comprei 20 caixas do iríamos desempatar aquela merda... ou os convidados? Olhem ali aquela garrafa Stédile [João Pedro]... empatar. Faltando uma semana para (e aponta para a estante ao seu lado)... J&Cia – In vino... começar a televisão, estou chegando em eu guardei de lembrança... Isso é vinho Fernando – In vino veritas. Eu saía de Bauru, ligo para o marqueteiro que tinha produzido pelo MST em assentamento. casa diariamente às seis horas da manhã, sido contratado pelo Quércia, o Cotrim, Veritas... O nome do vinho é do Carlito descia para a garagem, entrava no carro, e digo: “Estou preocupado. Na semana Maia. Servimos para os nossos convida- ia para o aeroporto, pegava o aviãozi- que vem começa o horário gratuito e nós Arquivo Fernando Morais nho e fazia entre dez, quinze comícios ainda não gravamos nada”. Aí ele disse: em cidades diferentes. Eu seguia uma “Ué, mas o Quércia não te falou?”. “O agenda e o Quércia outra, na campanha quê?” “O seu tempo vai fi car com ele”. pelo Senado. Ele pedia voto para mim, ”Como assim? O Quércia já tem 1m30 eu pedia para ele. E à noite nos encon- dele e mais 1m30 do segundo candidato trávamos em uma cidade grande para a senador!”. Era um laranja do ABC que fazer um comício para fechar a jornada. só se registrou para ceder o tempo a Isso durou 53 dias. Não tinha sábado, ele. O Quércia já estava em primeiro domingo, feriado. Das seis da manhã lugar, com 40%, seguido do Tuma e do até 1h30 ou 2h da madrugada do dia Mercadante, meio embolados na faixa seguinte. E nas pesquisas eu estava em dos 18%, 20%. O Quércia, que teria 3 terceiro ou quarto lugar. Em primeiro es- minutos, queria garfar os meus 5! Eu tava o Alckmin, em segundo o Genoíno, falei: “Você cheirou cola? Pirou, porra!”. os dois lá em cima, e eu com uns 4%, “Por quê?”. “De onde vocês tiraram que no máximo; dependendo do instituto, eu vou aceitar um negócio desses?!”. 5%. Mas eu não esquentava a cabeça. Ele disse: “Mas o Quércia disse que Com Marina, em Genebra Sabia que quando começasse a televisão ia ser assim... Você me desculpe, não

tenho nada a ver com isso, mas quem testemunha: “O que é isso? Que história gente do estado inteiro e depois do bolo paga as contas é ele e eu fui contratado é essa?” Ele disse: “Você deve entender conversamos”. Liguei para o Audálio, que por ele”. Cancelei meu compromisso em que o esforço do partido aqui é para fazer era o meu homem de comunicação, e Bauru, voltei para São Paulo e fui atrás senador... Você está baixo nas pesquisas contei a ele: “Você tem que estar ao meu do Quércia. Disseram: “Ah, o Quércia e tal. Temos que apostar naquilo que dá lado e ser testemunha, para o Quércia está num comício em Guarulhos.” Toca para fazer”. Eu disse: “Quércia, você me não sair por aí depois contando outra ver- pra Guarulhos! Cheguei lá, tinha um conhece há 30 anos, acha mesmo que são”. Fomos, cantamos parabéns... muita palanque, praça cheia... ele se assustou, vou aceitar uma palhaçada dessas?!” gente. Acabou a reunião, dei um abraço porque não tínhamos combinado. Ele Ele disse “Não, não, não! De maneira nele e perguntei: “Na minha sala ou na achou que eu estava no interior. “O que alguma! Vamos dar um jeito nisso!”. Eu sua?”. “Vai para a sua que eu vou daqui a é que houve?” perguntou. Chamei-o num disse: “Não tem dois jeitos, Quércia! Só pouco para lá”. Fui com o Audálio e nada canto e quando falei ele se espantou: tem um jeito: ou o tempo de governador do Quércia, nem sombra. Aí ele mandou “Olha, não dá para conversarmos sobre é meu ou eu estou fora! E você vai ter a tropa de choque conversar comigo. Veio isso aqui”. “Está bem. Então, vamos lá que explicar isso para a opinião pública!”. o Sandoval, que é o faz-tudo dele, de não em casa amanhã”. Eu não iria para a casa No dia seguinte era aniversário dele, 18 sei qual cidade, a delegada Rose, uma dele, pô! Ele que viesse à minha! (risos). de agosto. Ele falou: “Vamos amanhã deputada, e o Marcelo Barbieri, que era Ele veio e chamei a minha mulher de para o comitê, vai ter uma festa, bolo, chefe do MR8. Stalinista por stalinista, prefi ro eu próprio, sabe? (risos). Não Vem a tropa para dizer que aquela [fi car sem tempo de tevê na vem não, meu, stalinista sou eu... Bem, vem a tropa para dizer que aquela não campanha] não era uma decisão do Quércia [Orestes], mas sim da era uma decisão do Quércia, mas sim da Executiva do partido e que ia ser assim. E eu disse: ‘Tudo bem. Então a Executiva do partido e que ia ser assim. Executiva do partido vai ter que explicar para a opinião pública por que E eu disse: “Tudo bem. Então a Executi- va do partido vai ter que explicar para a o partido não tem candidato a governador’. Retirei minha candidatura e opinião pública por que o partido não tem mandei todo mundo pentear macaco. candidato a governador”. Retirei minha candidatura e mandei todo mundo pen-

tear macaco. Vão pra puta que os pariu! conhecia. Deus não existe, mas é pai. “O dele –, querendo saber se eu aceitava O velho Audálio ali, de testemunha. Disse mundo gira e a Lusitana roda”. Ele não se ser indicado para o Ministério da Cultu- que eu não era moleque! Como é que elegeu. O Tuma e o Mercadante fi caram ra. Eu disse: “Tô fora! Não quero!”. Isso eu ia olhar para minha fi lha, para o meu com as duas vagas e ele despencou para em 2002. Minto, teve um outro convite vizinho, para os meus amigos, para mim o terceiro lugar. Não, fi cou em quarto antes dessa minha aventura ao Governo mesmo, de manhã, na hora de escovar lugar, perdeu para o Zé Aníbal. E quase de São Paulo feito pela Marta Suplicy, os dentes, já que barba não faço? Ia me perde para um candidato do PC do B, o que ganhou a Prefeitura de São Paulo em achar um palhaço, um banana! Chamei vereador Wagner Gomes, que estava ali 2000. Me chamou para ser secretário da a imprensa na 2ª.feira e fi z uma carta mais para segurar lugar do que qualquer Educação. O Sayad [João] era secretário para o presidente do TRE denunciando e outra coisa. de Finanças ou algo assim e não tinha dizendo que não ia compactuar com uma J&Cia – Aí você fi cou calejado, né? tomado posse, mas a eleição já tinha farsa, com uma molecagem daquelas! Fernando – Ah, sim. Agora, nunca mais. sido ganha... O Sayad, de quem sou ami- Minha única surpresa foi isso ter vindo Tanto nunca mais que, quando o Lula go há muito tempo (fomos sócios num de uma pessoa que me conhecia havia naquele ano ganhou a eleição, vieram me botequim), me procurou dizendo que a mais de 30 anos. Quer dizer, não me perguntar – ninguém falando em nome Marta queria que eu fosse secretário da Fotos: Sônia Mele Edição 15 página 16 Fernando Morais Educação, porque ela estava com planos dela, vou fazer de novo, quantas vezes com ciúmes...”. Eu falei: “Eu também faço de implantar os tais CEUs, uma beleza precisar, mas não quero! Serviço público uma pra senhora”... Mas não quero nem de projeto! não quero mais. Absolutamente nada!”. ouvir falar em voltar para a área pública, J&Cia – Como foi ser dono de botequim Aí veio a história da candidatura a gover- até pelo seguinte: se você for ministro, em sociedade com o Sayad? nador e foi a pá de cal. Estou fazendo vai ganhar uns R$ 6 mil por mês. Não dá Fernando – Eu tinha apenas 10%, éra- campanha agora? Estou! Fiz uma feijo- para sobreviver. Eu não sou milionário, mos um grupo de amigos. Uma farra, ada a pedido do Palocci para ajudar um não tenho vida de milionário. O único uma festa, dois anos de festa... Nabuco... menino de Ribeirão Preto, Tomamos tudo! Comemos e bebemos jornalista, que é candidato tudo (risos). Até o Sobel, que é meu a deputado estadual, cha- vizinho aqui, ia lá. Mas eu não deixava mado Galeno Amorim. pagar! (risos) Ia todo dia, comia umas Ele criou a Feira do Livro duas ou três empadinhas e tomava uma de Ribeirão, implantou 80

tacinha de vinho, uma coisa assim. No dia bibliotecas públicas na ci- Morais Fernando Arquivo em que o vi sentado lá falei pro maître: dade, fez a política de livros “Esse senhor, aqui não paga! O que ele do Governo Lula, e é meio fez quando o Vlado foi morto... não deve- cria do Palocci. Fiz uma fei- ria pagar nada em lugar algum!” joada aqui para apresentá- J&Cia – Naquela vez conseguiu resis- lo a escritores, editores, tir... autores. O Palocci veio e, Fernando – Consegui e nem consultei no meio do almoço, me a minha mulher. Em geral eu a consulto, passou o telefone e disse mas daquela vez fui direto e falei: “João, que a Dilma queria falar co- Entrevistando Lula explica pra Marta que eu fi z a campanha migo: “Estou com inveja, bem que eu tenho está aqui, é minha disso. Lá estiveram o Sobel, o frei Betto, Fernando – No jornalismo, Murilo Felis- casa. E metade, porque a outra metade a monja Cohen, que vem a ser a Cláudia berto. É muito chato dizer isso, porque é da minha mulher! Meu casamento já Dias Batista de Souza, paixão da minha tem tanta gente que foi importante na está durando 30 anos, por várias razões, juventude no Jornal da Tarde... Era repór- minha vida, vai ler e vai dizer “esse fi lho porque nos amamos e tal, mas também ter do jornal. Aliás, destruiu cinco ou seis da puta não lembra mais de mim”... porque mantemos as coisas, sabe? Tudo casamentos... E o Ali El Khatib, que é o J&Cia – Alguém que represente to- o que temos em comum é meio a meio. representante dos islamitas de São Pau- dos... As contas da casa, eu pago metade e ela lo. Era proteção de tudo quanto é lado. Só Fernando – Murilo! Eu poderia falar, por paga metade. faltou mesmo um bom pai-de-santo para exemplo, do Woile Guimarães, o Guimão. J&Cia – Agora, só para entendermos segurar todas as portas (risos). Aprendi muito com ele. A tapa, né? Por- melhor, se você é casado há tanto tem- J&Cia – Qual é o nome dela? que o Guimão é um cavalo. po, como é a história de seu recente Fernando – É Marina. E, para mal dos J&Cia – Em TV Guia (publicação de cur- casamento? pecados, Marina Maluf. Mas não tem ta duração da Editora Abril, em 1976) o Fernando – Eu já estava casado, vivia nenhum parentesco com o cramulhão chamávamos de sargento... em concubinato pagão com ela há 30 (risos). Fernando – Tem uma frase famosa do anos (risos). E aí resolvemos casar. E J&Cia – Quem te inspirou no jornalis- John Huston que é assim: “Eu nunca sobre esse ecumenismo que é minha mo e na literatura? Quem foram seus disse que os atores são animais. Eu vida, o nosso casamento foi a prova viva mestres? disse que eles devem ser tratados como animais” (risos). O Guimão tem uma coisa ótima: ele sempre foi um cavalo, Sobre esse ecumenismo que é minha vida, o nosso casamento foi a mas um cavalo muito honesto. Já nem prova viva disso. Lá estiveram o Sobel, o frei Betto, a monja Cohen sei se continua sendo um cavalo. Eu (...) e o Ali El Khatib, que é o representante dos islamitas de São lembro, por exemplo, de ter voltado de uma enorme viagem, demoradíssima, Paulo. Era proteção de tudo quanto é lado... Só faltou um bom pai- cansativa, no Jornal da Tarde, e, antes de de-santo para segurar todas as portas... ir pra casa descansar, tomar um banho e voltar no dia seguinte, fi z a bobagem de passar antes no jornal, para matar as em redação de jornal não tem bom! É valiente no quita al cortés, ou seja, você saudades. Tinha ido fazer uma matéria todo mundo igual. Tá aqui tem que fazer pode ser valente, mas seja honesto... sobre a construção de Itaipu e acabei matéria, sim! E matéria de engarrafa- correto. fi cando muito tempo por lá, no Paraguai. mento na via Anchieta é tão importante J&Cia – Como dizia o Che... Na hora em que entrei, o Guimão falou quanto a construção de Itaipu!”. Sentou Fernando – “Há que endurecer, sem assim: “Tem um engarrafamento de o cacete! No fi nal tinha uma observação: perder a ternura, jamais...” O bilhete... é carros na via Anchieta, encosta as suas “PS: Tô tirando uma cópia disso aqui e uma pena, mas nessa mudança eu não malas aí que eu estou chamando um mandando entregar na casa do Fernando. vou conseguir achar. Seria até engraçado fotógrafo” (risos). Eu falei: “Oh Guimão, Abraço, Guimão”. Então é isso, um cara reproduzir o bilhete do Guimão, que é desculpa, mas eu não vou não. Faz três honesto, não é um cara que te mete a hoje uma vedete nacional. meses que estou fora. Quero ir pra casa faca pelas costas. J&Cia – De todas as redações em que ver minha mulher. Arruma outro, tem J&Cia – Te enfi a a faca pela frente... trabalhou, qual foi a melhor? um monte de repórter aí dando sopa. (risos) Fernando – Jornal da Tarde. Veja foi boa, Olha lá o Percival [de Souza] coçando o Fernando – É, pela frente, como gaú- muito legal, mas nada que se compare saco. Chama o Percival, porra!” (risos). E cho. Não é como mineiro. Nós matamos com o Jornal da Tarde, sobretudo no fui pra casa. Daí a duas horas chega um de tocaia, escondidinhos (risos). Gaúcho período que antecede a censura. Eu lem- motorista do jornal com um envelope dá tiro olhando pra sua cara. Ele não é bro de uma matéria... até poderia tentar endereçado a mim. Era uma cópia de gaúcho nem mineiro, mas age como desenterrar os originais, se é que isso um bilhete que o Guimão tinha escrito gaúcho. Agora, você aprende com isso fi cou guardado em algum lugar... Eu me para o redator-chefe de plantão, o San- não só do ponto de vista profi ssional, encontrei com o Mário Chimanovich no dro Vaia, cagando na minha cabeça. Eu mas do lado moral também. Aprende a interior do Mato Grosso, num lugar que tenho esse bilhete guardado até hoje. trabalhar com decência. Você pode ser se chama Pontes de Lacerda. Em deter- “Fernando Morais precisa aprender que duro, mas é como no ditado cubano: El minado trecho, o rio, um grande rio, se Edição 15 página 17 Fernando Morais divide em dois e no meio tem uma ilha. quiserem negociar, tem que chamar o mos lá, eu e o Mário, uns quatro ou cinco E havia ali uma tribo indígena. Um fazen- Exército. PM é tudo um bando de fi lhos dias esperando, até o Exército chegar, de deiro, latifundiário, aqui de São Paulo, da puta, vendidos para fazendeiros, e a helicóptero, e apaziguar. E a censura não que morava em Ribeirão Preto, comprou gente só confi a no Exército Brasileiro”. deixou sair uma linha no Jornal da Tarde. uma monumental gleba de terra e estava Eu fui para lá e consegui entrar com um E era até uma matéria – se o censor não soltando boi, plantando soja, cana, o que fotógrafo. fosse um cavalo, uma anta – favorável! seja, nela. E os índios de uma tribo que J&Cia – E conseguiu sair... Os índios dizendo: “Queremos negociar vivia ali desde antes do descobrimento, Fernando – E consegui sair! Estou aqui. com o Exército porque o Exército é começaram a espernear. Quando isso Mas não fui o único a furar. Lá estava honesto!”. Matéria patriótica, eu diria. acontecia, o fazendeiro chamava a PM também o Mario Chimanovich. Ele nem Aí o tesão vai desaparecendo... Lembro e ela ia lá e os cobria de cacete. Um dia deve lembrar mais disso. Uma puta ma- que fi z também aquela série sobre o os índios pegaram um PM, mataram, téria! Uma coisa maravilhosa! “Branco Paraguai, quando o Stroessner [Alfredo] penduraram o corpo de pernas para cima que entrar aqui a gente vai dividir no e o Geisel assinaram o Tratado de Itaipu. e abriram no meio com um facão. Deixa- meio”. E bicho comendo o cadáver, um Por causa dele eu fui até lá, fi quei um ram o corpo dele pendurado ali no centro fedor desgraçado. Todos armados de tempão e quando voltei fi z a série cujo da taba, se armaram e disseram: “Aqui carabina, não era de fl echa, não. E eles título era O imperialismo brasileiro no não entra mais branco, não entra PM. Se esperando o Exército para negociar. Fica- Paraguai. O censor obrigou a mudar o título, sob pena de capar a matéria inteira. Continuo sendo jornalista e repórter. Há colegas meus do mundo dos livros O título mudou para O Brasil e o Paraguai. Matéria importante. Aliás, consegui uma que não gostam de ouvir isso. Não vou citar nomes. Todos os meus livros, cópia dela e levei ao Lula, há alguns me- sem uma única exceção, são grandes reportagens. Qualquer um deles ses, quando o Lugo [Fernando] foi eleito poderia ser publicado em série num jornal ou revista, sem exceção. presidente do Paraguai, e disse: “Olha o que está no pé desta matéria, presiden- te: ‘No dia em que o Brasil e o Paraguai estou escrevendo agora também poderia mercenário norte-americano, que está forem governados por dirigentes eleitos ser publicado tranquilamente... condenado à morte em Cuba, na fi la para diretamente pelo povo, Itaipu será um J&Cia – Qual é? o paredão, porque colocou oito bombas problema’”. Taí! Taí! Porque aquilo foi um Fernando – Os últimos soldados da em hotéis de Cuba. A ideia era assustar esbulho do Brasil contra o Paraguai! Tanto Guerra Fria. É a história de cinco agentes turistas, porque o turismo estava per- que o título da matéria se justifi cava por da inteligência cubana, infi ltrados em or- mitindo a subida da economia depois causa disso. ganizações de extrema direita na Flórida do fi m da União Soviética. O açúcar foi J&Cia – Aliás, não foi a primeira vez que para prevenir atentados contra o país. para o vinagre... Eu fui entrevistar o cara o Brasil fez isso... Todos em . Eles passam oito anos que matou gente, botou um monte de Fernando – Teve a guerra, em que o lá. Fogem de Cuba, saem como inimigos bombas e foi apanhado graças a informa- Exército brasileiro dizimou a população da revolução cubana, um rouba um avião ções enviadas pelos meus personagens masculina do Paraguai. Não sobrou ho- militar e pousa no aeroporto de Miami, de Miami para Havana. Fui entrevistá-lo mem para fazer fi lho por lá. Os meninos outro era piloto de Mig, outro desertou agora, um negócio comovedor. Virou meu de 13 anos tinham que trepar com as quando estava dando um seminário pelo amigo! Um mercenário, escroto, mas mulheres para a população não desapa- Exército na Bélgica... Todos agentes. Eles virou meu amigo. Mandei a ele a biografi a recer. Acabaram com os homens, com a fi caram de 1990 até 1998, mandaram 30 do Paulo Coelho em castelhano. economia, com tudo! mil páginas de informações para Cuba. J&Cia – A editora é a Cia das Letras? J&Cia – Você se realizou mais na litera- Em 98 foram presos e condenados à Fernando – Sim, voltei para ela, depois tura ou no jornalismo? prisão perpétua. Os cinco. No meio des- de uma experiência com a Planeta. Mas Fernando – Na verdade, continuo sendo sa história tem coisas deliciosas, como nesse projeto a novidade é que também jornalista e repórter. Há colegas meus uma troca de correspondências secretas já vendi para o cinema. Aliás, foi isso que do mundo dos livros que não gostam de entre o Fidel e o Bill Clinton, e o pombo viabilizou o livro. Com a grana que recebi, ouvir isso. Não vou citar nomes. Todos os correio era o Gabriel Garcia Márquez. De fi z todas essas viagens... A Ilha também meus livros, sem uma única exceção, são um ano para cá fi z 12 viagens para os Es- vai virar fi lme. Mas que fi lme? Acho que grandes reportagens. Qualquer um deles tados Unidos e dez viagens a Cuba para difi cilmente algum de nós cogitaria fazer poderia ser publicado em série num jor- levantar essa história. A última entrevista um fi lme sobre A Ilha porque é um livro nal ou revista, sem exceção. O livro que que fi z para o livro foi com um cara, um datado, um retrato. Aliás, o prefácio do

Calado fala isso. O Heitor Dhalia, que João Batista de Andrade e o Toca dos le- anos de gravações com ele. Conversas fez O cheiro do ralo, o À deriva, dois fi l- ões para o Fernando Meirelles. Corações que foram até a véspera de ele morrer. mes muito bonitos, é quem vai dirigir. E sujos já está pronto e foi feito por Vicente Mas estou esperando assentar a poeira. acho que só alguém com aquela cabeça Amorim. Deve estrear logo, logo. Olga já A família andou meio dividida, brigando, poderia se interessar por fi lmar A Ilha. foi... Chatô está encruado. O Guilherme um pouco coisa política, um pouco coisa No À deriva, ele, do nada, de uma briga Fontes diz que leva para as telas ainda material, e eu não quero me meter nessa de casal, o que se chama “discutir a este ano. A propósito, é preciso desfazer briga. Como ainda preciso levantar algu- relação” – casal classe média, intelectu- essa coisa que a mídia pregou nele de alizado, já com fi lhos adolescentes e um que ele é um ladrão. Podemos dizer que casamento começando a ir para o saco é incompetente, atrapalhado, mas ladrão –, tirou um fi lme com uma densidade não e sou testemunha disso. Ele hoje muito grande. O que ele vai fazer com tem menos bens do que antes. Ele se A Ilha? Não é a história de Cuba, uma desfez. por exemplo, de uma casa belís- reportagem sobre o país. É a história de sima que tinha no Alto da Gávea, quando Morais Fernando Arquivo um repórter brasileiro, durante a ditadura comprou os direitos, e hoje mora num militar, indo pra Cuba, tentando visto e apartamento no Leblon. Antes tinha um tal, com a história da barba na volta e daqueles jipões japoneses e agora anda mais um monte de coisas que eu não em uma motoneta... uma scooter. contei no livro porque não cabia contar. J&Cia – E o livro do ACM? O livro não tem um making of e ele vai Fernando – Estou esperando o Anto- pegar essa veia e fazer o fi lme. nio Carlos Magalhães morrer primeiro. J&Cia – E os outros? Porque ele continua vivo em nossos co- Fernando – Vendi o Montenegro para o rações (risos). É o seguinte: tenho nove Casamento da fi lha Rita Edição 15 página 18 Fernando Morais mas informações com um e com outro, J&Cia – E você já andou xeretando... dizendo que adoraria fosse hereditária prefi ro esperar. Mas o ouro está aqui, co- Fernando – Sim! Ouro puríssimo! Tem a sorte que meu pai teve com loteria. migo! São nove anos de gravações, mais coisas do arco da velha, incríveis. Vocês Ele ganhou duas vezes, e loteria gorda os arquivos pessoais, que ele me deu. sabem que ele, gato escaldado, gravava (risos). Uma delas já bem no fi nzinho Os celebérrimos arquivos pessoais de todas as ligações telefônicas que fazia da vida e só soubemos depois que ele Antonio Carlos Magalhães estão aqui. e está tudo aqui. Do Juscelino ao Lula. morreu... (risos) Foi uma dessas Mega Arquivo Fernando Morais Ouro puro! Sena acumuladas. E em 1950 ele já havia J&Cia – Como um dos poucos escritores ganho o prêmio do Sweepstake da Lote- que vivem do seu próprio ofício aqui no ria Federal, que era uma dinheirama. Por Brasil, você é um homem rico? causa disso, toda vez que passa de R$ Fernando – Não! 13 milhões o acumulado da Mega Sena J&Cia – Mas consegue viver apenas dos eu jogo, na esperança que algum gene direitos autorais? afl ore e me faça rico (risos). As pessoas Fernando – Consigo, mas não sou rico. me perguntam: mas e se você ganhar? Não tenho nada na conta bancária. Ga- Eu brinco que vou comprar uma garrafa nho e gasto. Vocês podem perguntar: de querosene e tocar fogo no computa- mas gasta em quê? Não sei! Não tenho dor, jogar pela janela...Mas não vou não. nada! (risos) Tenho um carro de segunda Vou continuar trabalhando e vivendo do mão e uma motocicleta, uma de minhas mesmo jeito. Qual é o meu luxo? È com- paixões. Gasto muito com viagens, mas prar charutos cubanos, mas como eu vou 90% são de trabalho. De um ano para cá muito lá compro mais barato. fi z 20 viagens. Fora a de lua-de-mel, as J&Cia – E o Fidel te manda... (risos) Viagem de moto outras 19 foram de trabalho para o livro. Fernando – Ganho de presente. Não sou Mas eu gosto de trabalhar, embora viva uma pessoa que compre roupa de grife.

Minha mulher compra minhas roupas fez faculdade, casou e tem uma fi lhinha sei dizer, porque o Paulo está publicado numa lojinha aí embaixo. Igual ao que que está com sete anos hoje. em mais de 30 idiomas. Hoje eu recebi todo mundo usa. J&Cia – Quantos exemplares os seus um e-mail da agente, informando que o J&Cia – Você tem fi lhos? livros venderam? jornal alemão Bild vai publicar na semana Fernando – Tenho uma fi lha de 30 anos, Fernando – Ah, não sei! Depois do Paulo que vem, de segunda a sexta, todo dia, Rita, arquiteta. Casada com o capista do Coelho perdi a conta. Eu sei que está um resumo da biografi a do Paulo Coelho Montenegro, Ricardo Schwab Schirmer. em primeiro lugar... primeiro, segundo, e quando terminar o livro vai para as Aliás, eles acabam de me dar a coisa primeiro, segundo, na Índia... Eu nem livrarias. Na Alemanha, por exemplo, a mais maravilhosa do mundo, que é sei onde fi ca a Índia. Nunca coloquei os expectativa é que vá muito bem. Nos essa netinha que está aqui nesta foto, pés lá. Seguramente nenhum indiano Estados Unidos, para meu espanto, a a Elana, um aninho. E tenho uma falsa ouviu falar de mim. Provavelmente nem edição em castelhano está indo muito neta, que está vindo de Bariloche com a o embaixador do Brasil na Índia sabe melhor do que a edição em inglês. Os minha mulher e me chama de nono. Ela quem sou eu... (tem um forte acesso de hispânicos são muito mais “coelhistas” é fi lha de uma sobrinha da Marina, que tosse) Fuma, fi lho da puta! O ar já está do que os anglos... Tem uma expectativa era adolescente e veio do interior, de seco e eu resseco mais ainda com o grande também na China... Catanduva, para estudar em São Paulo charuto (tosse outra vez). A última conta J&Cia – E no Brasil? e morava na nossa casa. Foi meio que que eu tinha feito, antes de publicar o Fernando – Foi bem, mas menos do educada por nós. Cresceu aqui, estudou, Paulo, dava uns 2,5 milhões. Mas não que eu esperava. Primeiro, porque o livro fi cou muito caro. Acho que foi um erro estratégico da Planeta ter colocado um Prazer todos [os livros] dão depois que termino, né? Livro não é bom preço tão alto, R$ 70. Acho que R$ 60 escrever, é bom ter escrito. Eu sofro muito. Escrever é um sofrimento estava de bom tamanho. Vocês podem para mim porque eu sou perfeccionista. Eu jogo fora, reescrevo, dizer: ah, mas não é uma diferença tão grande. Mas para quem ganha salário reescrevo. Leio e falo: ‘Está muito ruim ainda’. mínimo R$ 10 é uma puta diferença! R$ 10 numa livraria pode te levar a comprar

um livro e não levar o outro! E se você deu muito bem se considerarmos que é não era um, eram vários, e tinha uma tem R$ 60 e não R$ 70? Acho que a um livro caro. Uns 350 mil exemplares. memória muito fragmentada. Havia pe- Planeta poderia ter reduzido um pouco J&Cia – Desses, qual foi o que deu mais daços do cadáver do Chatô em Londres, a margem de lucro e teria certamente trabalho e qual deu mais prazer? em Belém, em São Paulo. Mulheres para produzido resultados melhores. Mas Fernando – Prazer todos dão depois que tudo quanto é canto, ex-mulheres... E nada de que eu possa me queixar! Ven- termino, né? Livro não é bom escrever, muito folclore, muita mentira. Tem gen- deu uns 80 ou 90 mil livros e é um tijolo, é bom ter escrito (risos). Eu sofro mui- te que conta histórias sobre ele que eu um livro de seiscentas e tantas páginas to. Escrever é um sofrimento para mim posso colocar as minhas duas mãos no de um personagem que divide muito a porque eu sou perfeccionista. Eu jogo fogo para dizer que ele não teria feito opinião pública. Eu amo ou odeio! Mas fora, reescrevo, reescrevo. Leio e falo: aquilo. Eu sei que não era coisa dele, os dois livros que mais venderam até o “Está muito ruim ainda”. Tem vezes que não combinava. No Brasil tem muito Paulo – eu ainda não tenho uma avaliação pego livro meu, já impresso, para fazer esse negócio de certas frases, certas do desempenho da biografi a do Paulo em uma consulta, e digo: “Meu Deus! Como tiradas, que entram para o folclore e vão outros países –, os dois campeões eram é que eu fui escrever isso aqui?”. O que mudando de proprietário com o tempo. Olga e A Ilha. Chatô é um livro que ven- deu mais trabalho foi Chatô. Porque ele Tem uma célebre do Antônio Carlos Ma- Fotos: Sônia Mele Edição 15 página 19 Fernando Morais galhães, que eu perguntei diretamente J&Cia – Você continua mantendo as sensibilidade. Mas é preciso ressaltar a ele se era verdade e ele disse que velhas amizades ou elas foram se reno- que o Quércia sabe mandar, dar tarefas, infelizmente não era. vando? mas não é da minha tribo! Não é mais. J&Cia – Sobre os jornalistas? Fernando – Eu tenho poucos amigos, Era amigo e até na França chegou a ir Fernando – Sobre os jornalistas, que infelizmente. Na vida, as pessoas vão me visitar. muita gente atribui a ele: “O bom polí- se dispersando. Eu briguei com muita J&Cia – Você morou lá quanto tempo? tico deve carregar dinheiro num bolso gente nos anos 10, na primeira década Fernando – Passei dois anos na França, e notícia no outro, porque metade dos deste século. Agora, nesta década, que por minha conta, pois nunca me con- jornalistas quer dinheiro e a outra meta- vai de 10 a 20, quero fazer as pazes. vidaram para ser nada lá, ninguém me de quer notícia. Mas é preciso ter muito Briguei, nunca por sacanagem. Não é o dava bolsa, me chamava para ser em- cuidado para não dar dinheiro para quem caso de reabrir feridas, mas já que falei baixador... (risos). Mas como eu queria quer notícia e notícia para quem quer do Quércia aqui, naquele caso eu tinha ir, vendi um terreno na Cantareira, outro dinheiro”. Eu perguntei se era verdade e que romper, não tinha alternativa. Não em Jaguariúna, a moto, um carro bonito ele disse: “Infelizmente não, mas teria falo mal dele, ao contrário. Só falei aqui (um BMW), juntei com um dinheiro que feito com o maior prazer” (risos). E com com vocês por ser um veículo com uma a minha mulher levantou também ven- o Chatô tinha muito disso... característica diferenciada, com outra dendo umas coisas dela e passamos dois anos na França. Convidamos o Quércia Mas dessas coisas [suspeita de câncer na próstata] sempre se tira e ele foi com a mulher passar dez dias conosco, para vocês verem o grau de in- alguma lição, algum proveito. Eu passei a valorizar mais as relações timidade que tínhamos um com o outro. afetivas. Me arrependi muito de ter brigado com amigos queridos Somos pessoas de mundos diferentes, por razões... Não é nem ter brigado, mas me distanciado de amigos de expectativas diferentes, mas eu gos- tava do calabrês. Até o dia em que ele queridos por razões políticas. Isso é uma tremenda bobagem! me aprontou. Então, nessa década, até os anos 20, eu quero fazer umas pazes quando vi a data comecei a chorar. por aí. Mas tenho poucos amigos, três ou J&Cia – Estava sozinho... quatro. Me ressinto disso, acabo fi cando Fernando – Sozinho, numa casa, ali muito sozinho. Eu fi co na ilha, onde a perdido. Há dois anos tive uma suspeita gente tem essa casa [Ilhabela, no litoral de câncer de próstata, que felizmente norte de São Paulo], mas às vezes me se revelou só suspeita. Fiz biópsia, não sinto muito sozinho. tinha nada, mas entre a suspeita e a J&Cia – Só com os borrachudos... biópsia, foram dois meses de angústia. Fernando – Até borrachudo já se acos- Primeiro, porque você tem que tomar tumou com o meu sangue. Preferem as remédio para saber se não é alguma visitas! (risos) Eu tenho depressão, me infl amação ou infecção, e depois fi car medico já há uns 20 anos contra ela. mais um mês sem tomar remédio para Estou convencido de que depressão não fazer a biópsia sem mascarar o resultado. é algo que venha do mundo exterior, é Foram dois meses terríveis. Porque o um problema químico no seu “coco”, melhor que pode acontecer é você fi car que você resolve com comprimidos. brocha. E o pior é fazer o check out de- Claro, evidente, há casos e casos, nun- fi nitivo, né? Mas dessas coisas sempre ca se pode generalizar. Mas, da minha se tira alguma lição, algum proveito. Eu experiência, e de casos que acompanho passei a valorizar mais as relações afeti- de pessoas próximas, é uma disfunção vas. Me arrependi muito de ter brigado química do cérebro que remédio conser- com amigos queridos. Não é nem ter ta. Coloca tudo no lugar certo. Mas não brigado, mas me distanciado por razões é bom. Já tive algumas crises bravas. políticas. Isso é uma tremenda bobagem! Capa de Veja, 1984 No ano passado, quando fi z 63 anos, eu Eu me lembro que fi quei absolutamente estava trabalhando em Havana, esqueci prostrado quando o Konder aceitou ser vai ser um fi lho da puta, sabe? Então, é que era meu aniversário. De noite, no secretário da Cultura do Maluf. Mas que isso. Eu tenho tomado alguns cuidados, computador, vendo notícias do Brasil, bobagem minha, rapaz! O Konder jamais sou muito verbal, muito oral, e às vezes perco a noção de que algumas coisas de! Não sei se vocês viram a última outro e outro. E de uma hora para outra, que digo possam ferir alguém. Não quero sentença... Fui condenado a pagar uma generaliza-se a censura togada no Brasil. mais brigar com ninguém. Consigo ser indenização de R$ 500 mil ao Caiado e Eu estava habituado à censura fardada... amigo do Lembo [Cláudio]! Tenho admi- o livro [Na cova dos leões] está proibido, O Estadão está há mais de um ano sob ração pelo Lembo, que está do outro lado sentença claríssima a respeito. Impõe, censura, proibido de falar sobre o Boi do rio em relação a mim. Sinto orgulho de inclusive, multa à Planeta se ela não Barrica lá do fi lho do Sarney! É igual dizer para as pessoas que o admiro. E não estiver recolhendo ou mostrar que está aquela coisa do pastor europeu: “Hoje é de agora, por causa daquela entrevista tentando recolher. E, além disso, algo me pegam e você não faz nada porque que ele deu à Mônica [Bergamo, Folha que nem no período da ditadura eu vi. não é não sei o quê. Amanhã pegam de S.Paulo], falando da elite branca de E olha que eu vivi na carne a censura, fulano, mas eu não tenho que fazer nada São Paulo. Aliás, acabou acontecendo da noite de 13/12/68 até 2/6/76, quando porque não sou socialista. Depois pegam uma coisa engraçada. Na repercussão, ela deixou ofi cialmente a Veja, onde eu um cristão, mas eu não sou cristão. Até ele disse para alguém: “Rapaz, você estava. Nunca tinha visto um caso de a o dia em que baterem na sua porta e não sabe que eu dei aquela entrevista e duas censura proibir e ainda te obrigar a fazer terá mais ninguém para te socorrer por- pessoas ligaram para me cumprimentar: uma retratação pública paga, como neste que já estará todo mundo preso”. Estou o Fernando Morais e a Luiza Erundina. caso. Um juiz de Goiânia me condenou, espantado com o grau de violência dessa Eu fi quei pensando: ‘Falei alguma coisa além da multa e da proibição do livro, a sentença.. Obviamente que vou recorrer errada!” (risos). publicar uma sentença de 105 páginas, ainda ao Tribunal de Justiça de Goiás... J&Cia – E o processo que está sendo eu pagando, no Globo, na Folha e em Vou até o Tribunal de Haia se preciso for. movido pelo deputado Ronaldo Caiado dois jornais goianos, a minha escolha. O Em primeiro lugar, não tenho dinheiro contra você?. problema é o seguinte: não é porque sou para pagar isso! Basta olhar a minha Fernando – (Profundamente irritado) eu, pode parecer demagógico dizer isso, conta bancária! Mas não se trata disso, Estou sendo vítima de uma brutalida- mas hoje sou eu e amanhã será outro e de ter ou não ter dinheiro. Aliás, o juiz diz Edição 15 página 20 Fernando Morais na sentença que se baseou, para calcular Está lá, provado! Eu não poderia ter 18 mil. E o caso envolvia notícia sobre a indenização, numa informação que saiu tirado essa história da minha cabeça! terrorismo e mutilação. E eu, por uma no Valor Econômico, uma entrevista que Eu não conheço Ronaldo Caiado, não coisa que não falei, estou sendo conde- o Paulo Totti fez comigo, em minha casa, sei de quem se trata, nunca vi na minha nado a pagar essa dinheirama. É uma lá em Ilhabela. E ele teve de ir até lá, vida! Nunca estive no mesmo ambiente brutalidade sem cabimento. Censura ao onde moro, porque eu estava escrevendo em que ele! Não tenho absolutamente Arquivo Fernando Morais um livro e não podia vir a São Paulo. E nenhum motivo! De onde eu ia tirar essa ele conta na matéria que eu o recebi na ideia e inventar esse negócio de que ele minha casa em Ilhabela, de onde dá para falou que ia pôr remédio na água para ver o mar. Ora bolas, em Ilhabela dá para esterilizar mulheres?! De uma hora para ver o mar de qualquer lugar! E o juiz disse a outra? A violência, a brutalidade da que eu vivo como um milionário e que, sentença se agrava pelo fato de eu ser portanto, poderia arbitrar a multa em R$ inocente. E ainda que eu fosse culpado, 500 mil. Não tenho obviamente de onde seria descabida. Não conheço alguém tirar esse dinheiro. que tenha sido condenado a pagar R$ J&Cia – Você pode dar detalhes da 500 mil. Não entre os mortais comuns. história? Não sei se foi a Veja ou a Folha, uma das Fernando – São duas declarações: uma duas, que acabou condenada porque do Gabriel Zellmeister e outra, idêntica, confundiu a Dilma com a Dulce Maia do Washington Olivetto. As provas de no caso do atentado ao Consulado que o Washington e o Gabriel disseram Americano, no Conjunto Nacional, que isso estão anexadas ao processo. Eu provocou a amputação da perna de um anexei um e-mail do Gabriel e anexei sujeito chamado Orlando Lovecchio, que o áudio da declaração do Washington. passava por lá. A condenação foi de R$ Na ABL, com Celso Furtado livro, retratação... Não cabe na Folha de semana com outro... e em momentos de toda a história de todos os Partidos S.Paulo uma sentença de 105 laudas! diferentes, ambos me disseram a mes- Comunistas. Escrevia editorial no Esta- Quantas laudas cabem em uma página ma coisa, só muda a forma, o linguajar. dão. Editorial! Opinião! De direita! E o inteira de jornal? Cinco páginas! E isso está no processo! E apesar disso Miguel comentou uma vez que, numa J&Cia – Nem balanço... eu fui condenado! É inacreditável! região de Portugal, o que a gente chama Fernando – Defendo que as pessoas J&Cia – E o Fernando B? de xará, lá eles chamam de babaca! Você que mentem e caluniem paguem por Fernando – Fernando B é o seguinte: é meu babaca e eu sou o seu babaca. isso de alguma maneira! Não estou ao contrário do que diz a língua ferina do Aí começou aquela coisa de Fernando querendo me eximir de uma eventual Brickmann, éramos três Fernandos na Babaca, todos se chamando uns aos responsabilidade que pudesse ter, não redação do Jornal da Tarde: Fernando outros de babaca. Um dia a minha mãe se trata disso. Mas sou inocente! Eu Mitre, Fernando Portella e eu. O Mi- ligou e o Murilo atendeu: “Quero falar não inventei essa história! Eu ouvi de guel Urbano Rodrigues, meu grande e com o Fernando Morais”. Aí ele fi cou sem dois empresários e reproduzi! Não são querido amigo stalinista português, que jeito de falar babaca com a velhinha no duas pessoas que eu peguei na rua! E era editorialista do Estadão... O Estadão telefone e gritou: “Olha o telefone para o outra coisa: falaram em circunstâncias e tinha essas coisas maravilhosas, né? Fernandinho B! Fernandinho B!”. Aí fi quei em momentos diferentes. Um não sabia (risos) O Miguel era membro do birô eu como Fernando B. que o outro tinha falado. Porque eu gra- político do Partido Comunista português, J&Cia – E o que o Brickmann conta? vava separadamente! Semana com um, que seguramente foi o mais stalinista Fernando – Que era B de bobo. Ele in- venta uma história com o Oliveiros [S. Ferreira]. Na verdade, o Oliveiros foi cha- A violência, a brutalidade da sentença se agrava pelo fato de eu ser inocente mado um dia à Federal para dar explica- [foi condenado em 1ª instância num processo que lhe move Ronaldo ções sobre uma coluna que eu fazia para Caiado]. A minha inocência é o que agrava. Eu poderia ser culpado, ganhar um dinheirinho no Suplemento Feminino do Estadão. E eu assinava mas ainda assim seria descabido! Não conheço alguém que tenha sido Fernando B. Fiz uma provocação com a condenado a pagar 500 mil reais. Não entre os mortais comuns. mulher do Costa e Silva, a Iolanda Costa e Silva, e o coronel da Federal chamou o Então, por que esse exemplar está aqui? [Vicente Paulo da Silva] tinha que ser Oliveiros para dar um esporro: “Que mer- Porque tem um direito de resposta! Pu- amarrado no tronco e açoitado. Às vezes da é essa? Vocês estão achando que isso blicado. Vocês viram? Está aqui. Como se era absolutamente leviano, irresponsá- é democracia?! E quem é esse Fernando diz lá em Minas, a Veja tomou assinatura vel, tanto que morreu disso. Falou que B?”. E o Oliveiros teria respondido: “Não, contra mim, não sei por quê. Fiz dezenas o presidente da Petrobrás, Joel Rennó, esse B é de bobo! Ele assina Fernando de capas na revista e até capa dela fui. E tinha roubado 100 milhões de dólares e B porque é bobo! A gente chama ele me orgulho muito do que fi z na Veja. Não que isso estava depositado na Suíça. O de bobo e ele incorporou!”. Bobagem, fosse a mudança, vocês iam ver aqui na Joel Rennó entrou na Justiça contra ele, sacanagem do Carlinhos... estante as arvorezinhas do Prêmio Abril só que, em vez de entrar aqui no Brasil, J&Cia – O que você acha do jornalismo de Jornalismo que ganhei. Me orgulho entrou lá, no foro novaiorquino! hoje? muito de ter recebido esses prêmios. J&Cia – E lá ninguém brinca em servi- Fernando – Acho um horror! Lá vou eu Mas não nessa revista. Essa revista de ço... puxar briga de novo... (risos) hoje nada tem a ver com a outra... Não Fernando – Eu vi, acompanhei, passei J&Cia – De forma institucional, digamos quero mais caçar briga com os outros, agora um ano na corte de Miami, acom- assim... mas o cadáver do Paulo Francis não panhando o julgamento dos cubanos. E Fernando – Sempre tem exceção nessa deve ter se decomposto até hoje, onde lá não tem conversa! Tem que provar! vida, né? Salvo as exceções de praxe, é quer que ele esteja, tamanho é o número Ele tinha que provar que o sujeito roubou possível que nunca se tenha feito um de viúvas, e viúvos, que ele deixou por aí 100 milhões de dólares da Petrobras e jornalismo tão ruim no Brasil como se faz e que não chegam aos coturnos dele. O depositou na Suíça. Na verdade foi um agora. Você pega essa publicação aqui Francis era um sujeito de uma genialida- ex-abrupto que ele teve, um rompante. (pega um exemplar da Veja com as pon- de muito grande! Sacana, preconceitu- E acabou deixando viúvas que só herda- tas dos dedos)... É o seguinte: tem dois oso, racista! Agredia a Erundina porque ram os seus defeitos. Tem umas três ou anos que eu não assino, nem compro. ela era nordestina e dizia que o Vicentinho quatro espalhadas por publicações de Edição 15 página 21 Fernando Morais diversas naturezas, umas mais mansas, em diante não dá mais para ler. Acho Darwin! Me interessa saber a opinião outras mais bravas, mas ninguém que que está havendo uma radicalização do Obama, presidente da república. se compare a ele. Francis era um su- desrespeitosa, sobretudo na internet, Agora, um anônimo, um Jeca Tatu, um jeito que tinha uma densidade cultural de jornalista contra jornalista. Uma coisa jacu rabudo?! A opinião dele não tem incomparável com qualquer um desses insultuosa. Pegue os sites, os blogs... absolutamente nenhuma importância que o querem imitar. E nem a verve dele Quando alguém começa a fazer insulto para mim, para ninguém. Só para ele, têm, porque ele, sim, era demolidor! pessoal é porque não tem argumentos para o pai e mãe dele, para o vizinho... E, Você pega os supostos herdeiros do para atacar as ideias do adversário. Aí no entanto, você pega uma revista como Francis... perderam a graça. No começo começa a dizer que você é gordo, que é a Veja, que ainda é a mais importante do é até engraçado você ver alguém falan- isso, aquilo... Brasil, sobretudo pela tiragem, quase que do: “O Lula é um fi lho da puta! O Lula J&Cia – Muita opinião e pouco jorna- exclusivamente pela tiragem, e ela abre é um ladrão descarado! O Lula está a lismo? espaço para pessoas absolutamente serviço de Moscou!”. Isso da primeira Fernando – Isso agora não é Jornalismo, anônimas, desconhecidas e desimpor- vez nos faz levar um susto, da segunda é achismo. É um tal de opinião, opinião, tantes manifestarem a sua opinião! Eu vez mostra que é repetitivo e da terceira opinião! Eu quero saber a opinião do não quero saber opinião! Eu quero saber por quê o Tancredo morreu, o que matou o Tancredo! Isso agora não é Jornalismo, é achismo. É um tal de opinião, opinião, J&Cia – Não tem medo de fi car ainda opinião! Eu quero saber a opinião do Darwin! Me interessa saber a mais marcado pela revista? De eles não opinião do Obama, presidente da república. Agora, um anônimo, um publicarem mais nada dos seus livros... Fernando – Mas já não publicam! Você Jeca Tatu, um jacu rabudo?! A opinião dele não tem absolutamente pega a resenha que fi zeram do Mago, nenhuma importância para mim, para ninguém. que eu nem sei onde está... Escrevem: “Fernando Morais é um dos melhores

biógrafos brasileiros, a despeito de ser Fernando – Leio a CartaCapital, a piauí, que é rico, desse o dinheiro para o MST ligado a Fidel Castro e Hugo Chávez” que acho um pouco irregular e às vezes (risos). E ele se recusou e deu para um (risos). O que tem a ver o cu com as cal- dá mais espaço que o assunto merece. convento de freiras na Cantareira. Então, ças?! Eu estou falando do Paulo Coelho, Há uma boa promessa na praça, não sei não vejo debate. do roqueiro, do autor de músicas, que é se vocês sabem... Na Abril, vai sair uma J&Cia – E alguma coisa internacional, um fenômeno internacional! O que tem o revista mensal... [Alfa] Pelos buquês que você acompanha? Hugo Chávez com isso! Aliás, uma coisa me chegaram ao focinho, pode ser uma Fernando – Acompanho. Eu concentro curiosa: tempos atrás esse fi lho do Ênio revista muito interessante. Leio diaria- bastante a minha informação em veículos Mainardi... o Diogo Mainardi... eu gosto mente O Globo, Folha e Estado, para que, de alguma maneira, tenham a ver do pai. Um bom publicitário, genial... Doi- fi car minimamente informado. Gosto da com o que estou escrevendo. Assinei, por do varrido, mas um cara impecável. Faz Folha, mas acho que ela está também exemplo, o Miami Herald, que é o jornal da tempo que não o vejo, mas gosto muito partidarizada, mas faz um jornalismo dele. O fi lho publicou numa das colunas mais ágil. Leio IstoÉ, que já foi muito da Veja uma coisa assim: “Fernando melhor. Praticamente não vejo televisão, Morais, quercista e stalinista”... Mandei nem debate. Aliás, não gosto de ver uma carta para Veja e pensei: vou man- debate porque acho muito engessado dar mais por desencargo de consciência e me estressa demais. A minha única porque eles não vão publicar. “Sr. Diretor, participação em debate foi naquela

gostaria de solicitar um reparo na seção natimorta candidatura a governador. Eu Morais Fernando Arquivo de cartas. Na semana passada, o Diogo tive um bate-boca horroroso... horroroso Mainardi se referiu a mim como quercista não, um bom bate-boca com o Geraldo e stalinista. Gostaria que a revista escla- Alckmin, que na época era o governador recesse que sou ex-quercista” (risos). E do Estado. Foi na Band. Recebi dele um publicaram! Publicaram! Tem coisas que processo por injúria, calúnia e difamação, ou você leva na molecagem ou dá um tiro que ele perdeu em todas as instâncias e no ouvido... No ouvido dele, é claro! ainda foi condenado a pagar R$ 17 mil ao J&Cia – Quais veículos você lê hoje? advogado. E eu queria que o advogado, Com José Direceu, em Cuba

direita de Miami. Sou muito ligado aos ve- com os perfi s já publicados pela piauí. não tenho. Acordo todo dia muito cedo, nezuelanos, amigo do Chávez, então leio Saiu pela Cia das Letras. Quando estou pelo menos para os meus padrões. Sete os jornais de direita e também o site do numa fase de um livro como a que estou horas da manhã, quando estou nessa Partido Socialista Unifi cado da Venezuela, chegando agora, que é escrever, pôr no fase. Trabalho até uma da tarde, almoço que é bom, honesto, inclusive para ter um papel, eu costumo rever alguns clássicos rapidinho e a uma e meia volto para o contraponto. De um ano para cá li muita do bom texto. Ler Machado de Assis, computador, fi co até oito horas da noite. coisa de Cuba e Miami, para ajudar nas Gay Talese, Tom Wolfe. Para respirar um Janto também rapidinho. Em geral isso é coisas que estou escrevendo. ar mais saudável, tentar receber bons na ilha, né? Como a minha mulher traba- J&Cia – E literatura? fl uídos. Mas não tenho tido tempo de lha, dá aula, orientação acadêmica para Fernando – Não está dando tempo para ler absolutamente nada. doutorandos e não pode fi car o tempo ler nada. Comprei na semana passada, J&Cia – Você é disciplinado? todo comigo, costuma ir 4ª ou 5ª.feira e ainda não pude abrir, o Vultos, livro Fernando – Não! Por isso sofro muito. pra lá. E estica até domingo. Às vezes que o Humberto Werneck organizou Tenho que me impor uma disciplina que vejo telejornal. Prefi ro o da Bandeiran- Fotos: Sônia Mele Edição 15 página 22 Fernando Morais tes, embora nem sempre esteja bom. J&Cia – Da gráfi ca Takano, inspirada num J&Cia – Rogério Duprat. O Jornal Nacional perdeu a graça. Gosto título de antigamente... Fernando – Duprat! Isso! O irmão do muito do Boechat [Ricardo], sobretudo Fernando – Exatamente! Jorge Amado Rogério Duprat é o sujeito que desenhou como jornalista. Gostava muito quando morreu e eles encomendaram ao Ge- o cartaz do filme. Eles reproduziram o Paulo Henrique Amorim era âncora raldo Mayrink – que Deus deve estar exatamente igual, do mesmo tamanho... de um desses telejornais da noite, era guardando em algum lugar do Paraíso – estava aí enfi ado nas minhas coisas que muito bom. Rádio também não tem nada fazer o necrológio dele. Que trem bom, chegaram com a mudança. Mas isso que me seduza e olha que sou radista, que jornalismo de qualidade! A Regina aqui devia ser obrigatório em escola de gosto muito, costumo trabalhar com o Echeverria era diretora e o Marcos Jornalismo! Uma aula de boa apuração, rádio na internet baixinho e quando tem Weinstock cuidava do visual. Belíssima! esse texto do Mayrink... e olha que não alguma coisa que me interessa aumento Faziam umas experiências para mostrar tinha Google nessa época! Talvez por isso o som. O jornalismo alheio não está me aos clientes o que eram capazes de im- seja tão bom. dando muito prazer. O meu próprio me dá primir. Reproduziram o cartaz do Deus J&Cia – A propósito, como é a sua rela- sofrimento (risos). É raro pegar uma boa e o diabo na terra do sol, do Glauber, ção com a internet? matéria. Outro dia eu estava aqui orga- feito pelo irmão do Rogério... como é Fernando – Ajuda mais o computador do nizando a mudança e vi um exemplar de mesmo o nome do arranjador musical que a internet. A fazer uma engenharia... uma revista que chamava A Revista... dos Baianos? Acabou o chamado esforço de recorta- gem. Eu trabalho lá na praia com um monitor desses de 26 polegadas, vertical. A Época tem publicado coisas muito interessantes. Eu vou voltar a assinar. Porque a gente não escreve na horizontal. Tem duas matérias, uma pela oportunidade e outra pela consistência, que Nele consigo colocar oito páginas de texto legível. Outra coisa boa é que ele me fi zeram voltar a comprar a revista. Mais um pouquinho e eu assino. te avisa quando tem palavras repetidas. Mas para pesquisa não confi o. Já peguei tanto erro na Wikipédia, que não uso. jornalismo. Um dos que ele me indicou pela legalização das drogas em geral, a J&Cia – Você já passou por quase tudo... foi o Sérgio Sá Leitão, que deixou de ser Época deu capa com a maconha. É isso! família, jornalismo... e os grandes repór- jornalista para ser administrador público e É o gancho! O cavalo passou na porta da teres? trabalhou no Ministério da Cultura... e o sua casa, monta em cima! A outra foi a Fernando – Tem o Luiz Maklouf, que outro foi o Mário Magalhães, que, então, matéria sobre Educação. Aquela que deu está na piauí. É um grande repórter, era um menino! Um gauchinho perdido a informação sobre os prefeitos. Foi uma grande apurador, escreve bem. Tem ou- no Rio de Janeiro. Gauchinho é modo de matéria coletiva, bem montada e apura- tros caras, mesmo dando os descontos falar, porque era uma porra de gaúcho, da. Várias pessoas contribuíram. de uma derrapagem aqui e ali, que para voz de macho. Grande Mário Magalhães! J&Cia – E as novas gerações? mim continuam sendo referência, como Mas agora está com o saco precocemen- Fernando – Eu passei uns seis meses o Gaspari, o Paulo Henrique Amorim, te meio cheio, né? Largou a Folha para procurando alguém para me socorrer. embora considere que ele está radicali- escrever a biografi a de Marighella. Lucas Um assistente para esse livro que estou zando demais no site dele, o Conversa é exemplar! escrevendo. O que essa pessoa tem Afiada, muito figadal. Mas ainda são J&Cia – A Eliane Brum... que fazer? Eu falo: “O próximo capítulo referências. Fernando – Não a conheço. vai tratar disso, disso, disso e daquilo. J&Cia – E entre a nova geração, talvez J&Cia – Da Época. Eu te dou todas as entrevistas que fi z e nem tão nova assim, nomes como Lucas Fernando – A Época tem publicado coi- o material de tribunal, de polícia, de FBI Figueiredo, Mário Magalhães, Eliane sas muito interessantes. Eu vou voltar e CIA e você organiza assim, assim e Brum... a assinar. Tem duas matérias, uma pela assim”. A pessoa vai montando e na hora Fernando – Lucas Figueiredo! Ah que oportunidade e outra pela consistência, em que eu for escrever esse capítulo bom! Mário Magalhães! Quando eu co- que me fi zeram voltar a comprar a revis- não preciso perder quatro ou cinco dias mecei a pesquisar o Chatô, liguei para o ta. Mais um pouquinho e eu assino. A fazendo esse trabalho. Fiz umas três ou Zuenir e falei que precisava de dois focas matéria que eu acho, pela oportunidade, quatro experiências. Como eu estava na no Rio de Janeiro para que fi zessem um foi a da maconha. Na semana em que o ilha, tinha a difi culdade de menos oferta trabalho de campo e queria que ele indi- Fernando Henrique Cardoso anunciou de mão-de-obra, porque só podia contar casse. Por quê o Zuenir? Porque ele é um que estava participando de um evento com a ajuda de gente do Vale do Paraíba cara que cria cabritinhos ali no mundo do internacional de ex-chefes de estado e lá não tem a abundância, a oferta de profi ssionais que tem aqui em São Paulo. fi zesse um serviço urgente para mim, a explosivos, armas...”. Bin Laden não saiu Não consegui. Mas também tem coisas liguei para o Breno Altman – nem sei de Miami, mas poderia ter saído, de uma positivas. Anteontem à noite, meio de- por que lembrei dele – e falei: “Breno, hora para outra! Eu precisava de alguém sesperado, precisando de alguém que me socorra, preciso de um frila bom e para virar a noite de sexta para sábado, que tenha noções de castelhano”. Ele porque eu queria no sábado de manhã disse: “Espera um minuto, tem uma escrever duas laudas, duas páginas de menina aqui que se chama Daniella livro sobre essa trolha que o Fidel man- Cambaúva!” Vinte anos. Eu precisava dou para o Clinton. Se eu próprio tivesse que ela fi zesse o seguinte: o serviço de de fazer isso, iria levar um dia inteiro. E a inteligência cubano me deu uma trolha Daniella me fez um servicinho de deixar gigantesca com todos os atentados com água na boca! que foram produzidos contra Cuba a J&Cia – O que mais chama a sua atenção partir de Miami. Eram documentos que na atual fase do nosso Jornalismo? o Fidel mandou para o Bill Clinton com Fernando – A entrevista por telefone. uma advertência profética, pois ainda Tudo é por telefone. Não estou falando não tinha acontecido o 11 de setembro. de pingue-pongue, não! Entrevista que Ele escreve ao Clinton o seguinte: “O você vai transformar num texto corrido. senhor deve saber tanto quanto eu, ou O sujeito não sabe se você é preto, melhor do que eu, que o terrorismo co- branco, gordo, magro, se usa muleta, meça atacando o outro e depois ataca o se tem buraco na sola do sapato, não Com Marina, o casal Paulo Coelho e Christina um. Esse povo, aí em Miami, com esse tem ambientação. A casa do sujeito, a Oiticica, e o embaixador Sérgio do Amaral, em Paris - Foto Fernanda Levy poder de fogo, com essa capacidade fi lha que vem encher o saco e ele briga bélica sem nenhum controle de acesso com a fi lha. Eles não dão mais a idade Edição 15 página 23 Fernando Morais das pessoas! Lembro que quando eu descobri que o pessoal do partido fi cava desertaram, entre aspas, e é um dos que estava fazendo as entrevistas para o puto porque ela usava vestidos muito conseguiram escapulir antes que o FBI Olga, trabalhei um bom tempo em Berlim curtos e aparecia queimada de sol, de ir à chegasse. Dois dias antes do FBI chegar Oriental – ainda existia a RDA [Alemanha praia. Como assim? Comunista não vai à ele caiu fora. Eu só me dispus a fazer a Oriental] – entrevistando gente que era praia! Comunista faz revolução! Descobri entrevista por telefone porque já tinha contemporânea dela... que a primeira fascinação da Olga pelo estado na casa dele, tem foto minha com J&Cia – Você fala alemão? Brasil foi a luz. Quando ela embarcou no ele, já tinha visto a cara dele. Era um cara Fernando – Não, ia com um intérprete. avião com o Prestes na Argentina e veio bonito e que, segundo todo mundo dizia, Acabei aprendendo rudimentos do idio- pelo litoral, nunca tinha visto uma luz fazia o maior sucesso com as mulheres ma para poder me virar, mas para entre- como aquela. Muito diferente do Leste vistas eu ia com intérprete. Eram todos europeu, Alemanha e União Soviética. comunas, stalinistas, todos velhinhos, da Foi morar no Rio de Janeiro e é óbvio geração dela. O sujeito dizia “ah, a Olga que começou a ir à praia. Ia às reuniões falou não sei o quê” e eu perguntava: do partido com as pernas queimadas “Como é que ela estava vestida?”. Teve de sol e os caras fi cavam putos! Mas

época que ela usava o cabelo grande, para arrancar isso deles foi um sufoco! Morais Fernando Arquivo outra o cabelo mais curto. E a reação era Hoje em dia a pessoa pode tomar um quase sempre: “Mas por que o senhor táxi, um metrô e vir até a minha casa quer saber isso? Qual é a importância para fazer uma entrevista de meia hora, disso para a história?”. E eu respondia: mas prefere o telefone! E aqui não é a “Pode não ter importância para a sua Alemanha. Eu só faço por telefone aquilo história, mas para a minha tem”. Um dia que realmente não dá para fazer pesso- fui falar com um sujeito do Partidão no almente. Outro dia liguei para um piloto Com Juca Kfouri e dr. Sócrates Rio de Janeiro sobre Olga e a muito custo cubano, um dos que fugiram para Miami, na Flórida. Quando eu o vi, era um sósia, as fotos?” Ele disse que sim, passou o chefe da escória lá da Flórida que põe um irmão gêmeo do Richard Gere! Se eu endereço e pronto! Peguei um táxi – não bomba, chamado Luís Posada Carriles. não tivesse ido até a casa dele jamais sei se era da polícia ou não – e fui à casa Eu tinha fotos dele aqui e achava que saberia! Alguém tem dúvida se isso dele; passei a tarde lá. Eu nem estava era um velhinho encorujado... ele mede tem muita ou pouca importância? Tem tão interessado nas fotos que ele me 1,90m! Nas fotos parecia que era um muita importância! Os cubanos estavam mandou, mas queria vê-lo de perto, saber sujeito de 1,65m. Não tinha muita re- regulando, não queriam que eu falasse por que fazia sucesso com as mulheres. ferência; às vezes tinha gente mais alta diretamente com ele, por alguma razão. Ele casou na Flórida – casou entre aspas do que ele, às vezes mais baixa... E eu Só aceitavam que eu falasse com ele por –, na igreja, e até chamou o líder da ex- não saberia disso se não tivesse feito a telefone. Um dia eu dei um golpe: estava trema direita para ser padrinho dele, para entrevista pessoalmente. Aí falam: ah, lá em Havana e falei: “Você me mandou reforçar a fachada. A história é de arrepiar mas isso não muda a história! Não muda umas fotos impressas em papel sulfi te, os cabelos. Eu tenho foto do casamento a sua história, mas muda a minha! O mas a qualidade está muito ruim! Você dele aqui. A Caras de Miami deu capa leitor gosta disso! não teria essas fotos no seu computa- com ele, quando casou: O Richard Gere J&Cia – No capítulo inicial de O mago dor?”. Ele disse que tinha, perguntei se do exílio. Eu achava que fosse um cava- você vai fundo nesse processo, não é? tinha um pen-drive e ele disse que não... lão, do tamanho do Richard Gere, mas Fernando – É bom aquilo, não é? Puta Aí eu falei: “Mas eu tenho! Posso ir aí era menor do que eu. Bonito, mas não merda... Porque eu não sabia o que na sua casa espetar o pen-drive e copiar um atleta. Do outro lado, o mercenário, fazer. Pensei, como é que eu começo esse livro? Vou começar apresentando Tudo tem importância, porque escrever um livro é igual a construir uma o Paulo Coelho para o leitor. Como ele é em casa, como trata a mulher. Cheguei casa... tijolo por tijolo. Não tem parede pré-moldada... É como uma a fazer sacanagens, mas depois ele me reportagem. Você não escreve uma reportagem. Você coloca um tijolo, perdoou. Numa das rodadas de gravação, depois outro tijolo... Tem que ter uma certa ordem para a parede não fi car nós estávamos em Madri, hospedados no mesmo hotel. Ele numa suíte, obvia- torta. Mas você pode começar pelo meio ou pelo fi m. Pode até escolher. mente, e eu num quarto para mortal co- mum... (risos). Fiquei gravando com ele desde cedo e quando foi cinco horas da ser surpreendido por ele. Peguei uma a tal bulinha. Não tinha tanta importân- tarde, já cansado, ele falou: “Vamos subir caneta, anotei na palma da mão o nome cia? Mas tudo tem importância, porque ao meu apartamento? Preciso descansar do remédio e gritei para ele: “Paulo! Vou escrever um livro é igual a construir uma um pouco, tomar uma ducha, relaxar. descer para tomar um banho também e casa... tijolo por tijolo. Não tem parede Estou falando quase sem parar desde depois a gente continua”. Desci, peguei o pré-moldada... as oito horas da manhã e só comemos telefone e liguei para o meu médico aqui J&Cia – É como uma reportagem. um sanduíche”. Eu o acompanhei. Tinha no Brasil para perguntar o que era aquele Fernando – É isso! Não tem parede na salinha logo na entrada um corredor- remédio. Ele falou que era para psoríase. pré-moldada. É como uma reportagem. zinho que dava para o quarto dele e lá no Eu descobri que o Paulo Coelho tinha Você não escreve, coloca um tijolo, de- fundo um banheiro. Ele tirou uma carteira psoríase e pus no livro. Semanas depois gorda, pôs em cima do móvel, ligou o eu dei a volta e perguntei se ele tinha notebook e falou: “Fica aí tirando seus algum problema de saúde e ele falou e-mails, vendo notícias do Brasil, que eu que tinha um problema digestivo, uma vou tomar um banho”. De onde eu estava, difi culdade para digerir alguns tipos de embora ele tivesse deixado a porta aber- alimentos. Perguntei se não tinha mais ta, não dava para ver o chuveiro. Esperei nada e também por que ele coçava tanto Morais Fernando Arquivo ele ligar o chuveiro e aí, na hora em que o cotovelo. Ele disse: “Isso que eu tenho o barulho da água mudou, fui xeretar a aqui? Mas acho que você não vai pôr isso carteira dele. Primeiro, vi aquele monte no livro, é uma psoríase benigna”. E me de notas de 500 euros, que nunca tinha mostrou. Pronto! Estava liberado! Agora visto antes na vida. E na parte dos docu- eu poderia escrever sobre aquilo. Já es- mentos descobri uma bula dobradinha, tava autorizado. Eu jamais teria chegado que desdobrei, cagando de medo de a essa informação se não tivesse visto Com Oscar Niemeyer Edição 15 página 24 Fernando Morais pois outro tijolo. Tem que ter uma certa J&Cia – Em algumas entrevistas que precisam ser descobertos. Nossa histó- ordem para a parede não fi car torta. Pode vimos você fala sobre o manancial que ria é um manancial de temas para boas começar pelo meio ou pelo fi m. Pode até é a história do Brasil... E aí temos o caso reportagens. Basta querer pesquisar e escolher. Chatô eu começo com a morte do Laurentino Gomes... investigar, que o País ganhará excelentes dele, com a falsa morte dele. O engra- Fernando – Livraço que ele fez [1808], livros”.) çado é que muita gente que começou de um negócio totalmente gasto, né? J&Cia – É um material riquíssimo.... a ler o livro e não terminou me acusa Chegada da Família Real... Todo mundo Fernando – Vou cavando por minha publicamente de ter entrado na cabeça aprendeu isso na escola, mas é um conta, muitos dos nomes são sugestões do Chatô e descoberto os pensamen- livraço! que as pessoas me passam... Tem muita tos dele quando ele estava em coma. J&Cia – E vem mais um por aí, né? O história dando sopa. O Darci Ribeiro é Não leram o livro inteiro, porque, se 1822... que falava que o Brasil é ótimo, mas falta tivessem lido, entenderiam lá na frente Fernando – Sobre a Independência. Taí... é gente para contar isso. como aquilo aconteceu, como cheguei ao vou mostrar um negócio pra vocês... J&Cia – Um pingue-pongue e a gente te conhecimento de que ele pensou aquilo (Fernando levanta e nos guia para uma libera. Uma pessoa inesquecível... enquanto estava em coma. Mesma coisa sala ao lado, que abriga dezenas de cai- Fernando – Meu irmão mais velho, Car- da Olga quando estava na prisão. Como xas, dessas de arquivo morto e outras, linhos Wagner. O melhor texto que vi na é que você sabe, pô? Porque ela contou apinhadas de documentos dos mais di- vida. Escrevia como um cão, parecia que para uma porção de mulheres o que versos personagens brasileiros, que em tinha baixado o capeta nele na hora de sentiu e eu entrevistei essas mulheres. algum momento ele pensa biografar. E escrever. Infelizmente se deixou seduzir Ah, tem uma parte em que você diz “o cada referência que faz é uma emoção por grana. Queria ter um Porsche roxo Prestes pensava isso”. Como é que você que brota no seu olhar. Volta a enfatizar que custava 600 paus. Virou publicitário sabe? Ora, porque ele me contou! Eu uma coisa que sempre costuma dizer nas e acabou morrendo em um acidente. É a tenho não sei quantas horas de gravação entrevistas: “Isso aqui é a prova de que quem eu dedico o Olga. Está lá: ao Carlos com ele. o Brasil tem personagens incríveis que Wagner, com muita saudade.

J&Cia – Uma cor ther, no New York Times, feita em Miami, Meyer Lansky, é um dos hotéis que o Fernando – Vermelho! (risos) sobre a extrema direita. Eu não tinha lido meu mercenário explodiu. Fui lá para J&Cia – Um amor. quando saiu e fui ler agora. É uma série. entrar no clima! (risos) Fernando – Minha mulher, Marina. É aquele cara que deu o rolo com o Lula. J&Cia – Uma peça de teatro. J&Cia – Uma cidade. Chamou de pinguço, de cachaceiro e Fernando – Do período em que eu es- Fernando – Mariana. quase foi expulso. tava envolvido com o mundo teatral... J&Cia – Um fato marcante. J&Cia – Isso foi anterior ou posterior ao Esperando Godot, desde que encenado Fernando – (pensa um pouco) Puta caso com o Lula? por Cacilda Becker. merda, a morte do meu irmão! Acho que Fernando – Anterior. Ele foi chefe do J&Cia – Um ator e uma atriz. foi a maior dor da minha vida. Éramos escritório do New York Times em Miami. Fernando – Ator, Robert De Niro. Atriz.... muito distantes um do outro, por causa Foi acusado de comunista. Aquela série hum, sei que minha mulher vai ler isso e da diferença de idade, oito anos (ele é uma aula de Jornalismo! dizer que eu não passo de um canalha... era de 1938 e eu de 1946). E depois de J&Cia – Um fi lme. Luana Piovani. (risos) adultos fi camos amigos, e aí ele morreu Fernando – O Poderoso Chefão, os três. J&Cia – Uma música. de forma estúpida! Revi o capítulo dois uns dez dias atrás Fernando – Há alguns autores que fo- J&Cia – Uma reportagem memorável. porque é parte do meu livro. O hotel em ram muito incensados pela imprensa e Fernando – A reportagem de Larry Ro- que eles selam o acordo, em Miami, o que não estavam na minha alça de mira. Agora descobri que são, de fato, bons. Nando Reis, Arnaldo Antunes, que tem letras maravilhosas... Mas, uma música? Construção, do Chico Buarque de Hollan- O Brasil tem personagens incríveis que precisam ser descobertos. Nossa da. Tem uma outra também, do Paulo história é um manancial de temas para boas reportagens. Basta querer Cesar Pinheiro, cujo título eu não me pesquisar e investigar, que o País ganhará excelentes livros. lembro mas a letra é (cantarola) Quando um muro separa, uma ponte une... se a vingança encara, o remorso pune... você vem me agarra, alguém vem me solta...

você vai na marra, ela um dia volta... olha (N. da R.: o título da música é Pesadelo, já estava me distanciando do jornalismo o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem uma parceria de Paulo Cesar Pinheiro e cotidiano para me candidatar a deputado chegando... que medo você tem de nós, Maurício Tapajós) e minha última entrevista foi com o dr. olha aí... O Chico canta com o MPB4... J&Cia – Um cantor e uma cantora. Ulysses. Pessoa de quem eu gostava (continua cantarolando) Você corta um Fernando – Gilberto Gil... cortante! Uma muito e com quem tinha uma relação verso, eu escrevo outro... você me prende cantora? Meu Deus, estou fi cando desme- fraterna. Cheguei lá e ele falou que sabia vivo, eu escapo morto... de repente, olha moriado... morreu já... cantava bolero, sam- que eu estava para sair candidato, que eu de novo... perturbando a paz, exigindo ba-canção... era cachaceira e morava aqui queria fazer uma dobradinha, ajudar e troco... vamos por aí eu e meu cachorro... em São Paulo... Adelaide... Não era a Alaí- tal. Mas, antes, precisava me dar, não olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de de Costa, mulher do Mario Lima, da Rádio conselhos, mas umas mezinhas. Eram ontem chegando... que medo você tem Eldorado... Aracy de Almeida! O Delfi m Netto seis. Tenho um pôster com isso em de nós, olha aí... É o Vlado! Você me pren- estava no enterro dela, olha só! algum lugar. Mezinha é remedinho de de vivo, eu escapo morto! Mataram ele J&Cia – Um político. interior. Inclusive, lá no canto está es- e ele escapou, mudou a cara deste País! Fernando – Dr. Ulysses Guimarães. Eu crito: As seis mezinhas do Dr. Ulysses Fotos: Sônia Mele Edição 15 página 25 Fernando Morais Guimarães (ver box pág. 26). Não me Mandava primeiro fazer Ciep, que era tar 70% do orçamento em educação. lembro de todas, mas lembro de uma escola em tempo integral, a única coisa Não tinha Mertiolate nos hospitais, não deliciosa e que eu deveria aplicar mais: que poderia salvar este País. Por isso eu tinha bala nos revólveres da polícia, mas “Fale muito de coisas, pouco de pessoas larguei a Secretaria da Educação pelo tinha professor bem pago e as crianças e nada de você” (risos). Bom, né? Isso meio. A única coisa que vai salvar este estudavam o dia todo. Coréia, um país é lição de vida, não só de política. Mas País. Eu não sei se no fi nal do século de direita! E Cuba! Lá não tem analfa- tem muito político bom. O Brizola! Que o Brasil será monarquista, republicano, betismo! O índice é de 0,01%! Só isso pena ele ter morrido. Dá uma biografi a socialista, mas se não consertar a edu- salva um país! Por quê essa revolução de arrepiar os cabelos! Grande fi gura cação não será civilizado! Qualquer que cubana está durando 60 anos? Falam humana! Valente! Peitudo! Nesse país seja o regime. O pessoal fala do Japão, que é a repressão! Repressão o cacete! de cagões você ter um cara que nem o mas japonês é uma maravilha! O Japão Todo mundo tem arma lá! Todo mundo Brizola, fodido! Um sujeito com um olho foi carbonizado na Segunda Guerra com mais de 16 anos em Cuba tem para o pobre, para o miserável... Ele não Mundial e 50 anos depois era a segunda acesso a arma de fogo em minutos! Se fez o Darcy Ribeiro como sucessor por maior potência econômica do planeta! quisessem, já teriam derrubado o Fidel, quê? Porque concentrou em educação! Japonês é foda! O Japão chegou a gas- a revolução e o diabo! É gente da mais alta qualifi cação! A revolução que fi zeram foi pela educação. O Fidel não é tão velho. O problema é que parece que ele teve uma J&Cia – Uma invenção. complicação monumental e tinha sofrido um acidente antes... levou um Fernando – O avião. Embora eu não pronuncie o nome do inventor... No meu tombo que estropiou a rótula de um dos joelhos e o cotovelo, por tentar livro sobre o Montenegro, no Chatô tam- se proteger. A última vez que o vi ainda estava se recuperando. bém, eu tinha que escrever várias vezes o nome dele. Pedi a uma pessoa para fazer

uma macro para mim, pequenininha, gosta dele costuma dizer o seguinte: Fernando – Eu sou, sei disso. Sou um que quando eu digitava CTRL+ALT+P, “Programa de integração social? Tá é materialista místico... (risos) escrevia o nome dele sozinho. Por que dando esmola pra vagabundo! Tirou 30 J&Cia – Por isso que se deu bem com o não escrevo? Porque dá uma urucubaca milhões de pessoas da miséria, mas é Paulo [Coelho]... danada! Vocês sabiam disso, do inventor um bando de vagabundos que não fazem Fernando – Claro! Mas eu não acredito do avião? Puta que pariu! nada e só põem dinheiro no bolso!”. OK, em nada. Não acredito em Deus, mas J&Cia – Mais do que o Domício [Pi- mas só recebe o “arame” se o fi lho esti- respeito quem acredita. Havia quatro nheiro]? ver na escola, se comprovar que os fi lhos convicções religiosas diferentes no Fernando – Mas você é valente, hein! em idade escolar estão frequentando a meu casamento, mas eu não acredito Desse aí eu também não falo. Mas o escola. É um começo! Vocês sabem o em Deus. Mas é melhor não bestar, outro é cem vezes pior! No Guarujá tem que é tirar 30 milhões de pessoas da né? (risos) Quando fui ao Japão fazer o o carro fúnebre que levou o corpo desse miséria absoluta? São três Chile! Seis Corações sujos, duas vezes, descobri nosso inventor ao cemitério, muito boni- Dinamarca! É meia Venezuela! Mas é que um dos povos mais supersticiosos to, está lá até hoje. Eu não passo nem uma coisa de instinto, porque ele não é o japonês. Eles têm o sapinho Kaeru, perto do quarteirão onde está o carro tem formação, veio de lá. Se vocês lerem que é para dar dinheiro. Tem o Daruma. dele, num jardim! É pura urucubaca! esse livro do Audálio, O menino Lula, é Tem uma planta, um arbusto, que lem- J&Cia – Um sonho. aquilo lá. É... 2014, Lulinha na cabeça! bra o trigo – quando, em certa época do Fernando – Um Brasil melhor, sem tanta J&Cia – E essas moedas aí? (há uma ano, fi ca de uma determinada cor, traz sacanagem. Não é essa coisa de político imagem de Buda com um pote de moe- sorte. Você não faz idéia do que tem de ruim ou bom. É uma questão de educa- das sobre a mesa dele) babalaô, pai-de-santo, em Cuba, um país ção mesmo. No dia em que este país se Fernando – São do Buda! Para ver se comunista. É brincadeira... libertar, será uma maravilha! Tem tudo pinta um dinheirinho. Fazer um agrado J&Cia – Você chegou a estar com o para dar certo, não tem adversidades na barriga dele. Eu, quando viajo pelo Fidel nesse período em que ele esteve naturais. mundo, vou jogando moedas dentro da doente? J&Cia – E estamos no caminho? mochila. Fernando – Estive antes. Poucas sema- Fernando – Estamos. Veja o caso dos J&Cia – Você não é nem um pouco su- nas antes. Vocês viram que ele já está programas sociais do Lula. Quem não persticioso, né? fazendo discurso, voltando! E já botou

verde oliva... ainda não pôs as paten- J&Cia – Conte essa história... disse: “Aí é que está o problema. Porque tes nem está andando com a arma na Fernando – Tem um milionário norte- a gente não pode colocar tudo isso num cintura. Vai ser o novo Dom Sebastião: americano chamado Gilbert Brownstone, barracão”. Perguntei: “Por que vocês não some, volta, some, volta... (risos). Ele que coleciona arte e é apaixonado por chamam o Niemeyer?” “Ah, mas o Nie- não é velho para o mundo atual. Tem 82 Cuba, pela Revolução Cubana. Mora na meyer é muito caro!”. Voltei para o Brasil, anos. Meu pai foi até os 86 e morreu Europa. Ele resolveu doar 150 obras ao encontrei o Niemeyer, contei a história namorando! Tinha várias namoradas! Já governo cubano. São dez Picasso, cinco e ele falou na hora: “Pode deixar que tinha separado da minha mãe fazia muito Andy Warhol, cinco Da Vinci, dez Miró. eu projeto. Manda alguém lá para fazer tempo. Oscar Niemeyer tem 102 e está Não tem dinheiro que pague isso! Deu a insolação que eu vou projetar”. E está em lua-de-mel. Casou com a Vera. Com de presente. Fui apresentado a ele lá e projetando o museu para abrigar as obras 102 e está trabalhando. Vai projetar ago- perguntei ao Alarcón [Ricardo], presiden- do Gilbert. Tem 102 anos! Acho que vai ra, a meu pedido, de graça, um museu te do Poder Popular [Parlamento], onde completar 103 anos daqui seis meses! para Cuba. seriam colocadas aquelas obras. E ele Para os padrões atuais, o Fidel não é tão

Fotos: Sônia Mele Edição 15 página 26 Fernando Morais Foto: Sônia Mele velho. O problema é que parece que ele anistiado, fugiu para o México e lá se teve uma complicação monumental e juntou com o Che. Voltaram e fi zeram a tinha sofrido um acidente antes... levou revolução. Agora, recentemente, resol- um tombo que estropiou a rótula de um veram procurar a pipa e a encontraram dos joelhos e o cotovelo. A última vez no mesmo lugar, numa granjinha, bem que o vi ainda estava se recuperando. perto do quartel. São 50 anos de lá pra Fui a Cuba com o Zé Dirceu e com o Ciro cá, sem contar o tempo que foi para Gomes. Foi quando eu decidi fazer esse trás. E quando pensaram no que fazer livro. Os cubanos fi nalmente disseram com todo aquele rum, alguém falou: que iriam liberar documentos secretos “Vamos pôr numa embalagem de cristal para mim. Fomos almoçar com o Fidel e vender a 50 mil dólares a garrafa, pois e levamos guaraná para ele. Ele adora isso é uma raridade”. Fidel disse: “Não. guaraná em lata. Em troca (o Ciro não Vamos fazer uma garrafa bonita e dividir estava no almoço, ele encontrou conosco entre os sobreviventes”. Dos 500 litros, depois) nos deu três litros de um rum que perderam-se 50. Quantos sobreviventes? era fruto de um assalto que fi zeram em Vinte. Da quota dele, deu uma para o 1952, antes do tal de Moncada, quartel Lula – pediu para o Zé Dirceu entregar Moncada. Eles assaltaram um depósito ao Lula –, e outra para o Zé. E eu fi quei da Bacardi, surrupiaram uma pipa com lá olhando.... (risos) Porra, levei guaraná 500 litros de rum e a enterraram. Só pro cara! Já tinha levado caqui, que ele que a tomada do quartel não deu certo, comeu no Brasil e gostou e lá em Cuba o Batista [Fulgêncio] matou metade dos não tinha! O Zé Sarney pediu para eu caras e condenou a outra metade. O Fidel levar um isopor cheio de caquis. E ele dá fi cou entre os condenados. Quando foi o rum pro Lula e pro Zé Dirceu e me deixa chupando o dedo?! Acho que ele perce- em Ribeirão Preto, feita pelo Galeno. De precisando de algumas informações lá beu o olhar pidão, e disse: “Morais, você noite, no auditório, contei a história e de dentro, do serviço de inteligência, e já tem neto?”. Eu falei que não. “Mas falei: “Vou ratear esse rum com vocês, eles estavam muquiranando. Conversei você tem uma fi lha, não tem?”. “Tenho”. mas como são 600 pessoas aqui, quem com o Betto em Havana: “Esses caras Ele chamou o secretário: “Traz mais uma é que vai fi car com ele?”. Alguém que estão me tratando igual a agente da CIA! garrafa de rum. No dia em que nascer o estava na mesa sugeriu que fi zesse cin- Os caras lá na área da inteligência estão seu primeiro neto, você abre esse rum co perguntas sobre a revolução cubana. desconfi ando de mim! Eu preciso disso, para celebrar o nascimento de mais um Quem soubesse responder ganhava uma disso, disso e disso”. E vim de volta para revolucionário” (risos). No dia em que dose. Virou uma puta zona! o Brasil. Ainda teria que voltar mais umas nasceu minha netinha, no ano passado, J&Cia – E era bom o rum? duas vezes. Uma semana depois me fui para Campinas, para a maternidade, Fernando – Se era bom?! Rum daqueles ligaram e falaram: “Olha, aquelas coisas com uma pilha desses copinhos de iso- de molhar o dedo assim e passar atrás que você tinha pedido há um ano estão por, chamei os médicos, as enfermeiras, da orelha, para namorar! (risos). Quem liberadas”. Foi o Betto que conseguiu contei essa história e rateei ali entre as esteve com ele recentemente e me deu arrancar do Fidel. pessoas. Sobrou um pouquinho, uns notícia de que está muito bem, dentro quatro dedos... Levei para a Feira do Livro das circunstâncias, foi o Betto. Eu estava

As seis mezinhas do Dr. Ulysses Após vencer minha primeira eleição, em 1978, fi z uma Quinto: a grande arma de qualquer bom político é o traba- entrevista com o dr. Ulysses Guimarães para a revista Play- lho. Eu próprio costumo dizer que tenho estrela. Está certo boy. Ao fi nal da gravação, o velho cacique decidiu fazer uma que fui muito ajudado pelos amigos e pelos acontecimentos, deferência ao aprendiz e ditou-me o que ele chamava de mas vivo passando Kaol na minha estrela. “as minhas seis mezinhas para um noviço em política”. As Sexto: é preciso saber a arte de escutar. Escutar dá até quais compartilho agora com os estreantes, tal como ele as enfarte, dá úlcera. O rei Faiçal, da Arábia Saudita, dizia que prescreveu: Deus deu ao homem dois ouvidos e uma só boca para ouvir Primeiro: não seja impaciente. A impaciência é uma das o dobro e falar a metade. faces da estupidez. Eu entendo que quem está na vida política não pode entrar na história do dia para a noite. O caminho Arquivo Fernando Morais é longo, paciente, perseverante, difícil. A impaciência não acaba só com carreiras futebolísticas. Segundo: na política, em geral, e especialmente no poder, se você não pode fazer um amigo, não faça um inimigo. O inimigo guarda o ódio na geladeira, para conservar. O inimigo, numa eleição, amanhece na boca da urna dizendo que a mãe do candidato não é honesta. Terceiro: em política, nunca se deve proferir palavras ir- reparáveis, irretratáveis. E aqui eu recordo um conselho do Perón a Isabelita, prevendo que ela assumiria a presidência da Argentina: “Minha fi lha, em política fale muito sobre coisas, pouco sobre pessoas e nunca sobre você”. Quarto: em política, você nunca deve estar tão próximo que amanhã não possa ser adversário ou inimigo, e nem tão distante que amanhã fi que em difi culdade por ter que virar amigo.

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