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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

SAULO PINHO MIGUEZ

O BAIXO NÚMERO DE NEGROS NOS POSTOS DE NARRADOR E COMENTARISTA DE FUTEBOL NA TV FECHADA BRASILEIRA

Salvador 2018

SAULO PINHO MIGUEZ

O BAIXO NÚMERO DE NEGROS NOS POSTOS DE NARADOR E COMENTARISTA DE FUTEBOL NA TV FECHADA BRASILEIRA

Monografia apresentada ao curso de graduação em Comunicação – Habilitação em Jornalismo, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação com habilitação em Jornalismo.

Orientador: Prof.ª Drº. Fernando Costa da Conceição

Salvador 2018

MIGUEZ, Saulo Pinho. O baixo número de negros nos postos de narrador e comentarista de futebol na TV fechada brasileira. f. 60. 2018. Monografia – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo analisar a presença dos narradores e comentaristas negros de futebol dos canais de TV fechada ESPN, Sportv, e Brasil, todos especializados na cobertura esportiva. O trabalho busca confrontar o papel do negro na mídia, a forma como este segmento social vem sendo representado, assim como a falta de espaço concedido nos veículos de comunicação. O estudo traçou paralelos com levantamentos já realizados e constatou que há uma semelhança percentual no que diz respeito ao contingente de negros e negras nas bancadas televisivas. Esse número gira em torno de 4% e dialoga ainda com a situação de exclusão que vive a população afrodescendente no nosso país. Os negros, conforme também mostra este estudo, continuam sendo as principais vítimas de mortes violentas e são pior remunerados do que os brancos. O trabalho ainda apresenta um histórico do futebol no Brasil e de como o esporte, que a princípio foi dominado pela aristocracia branca do eixo Rio-São Paulo, gradativamente foi sendo ocupado por negros e estes se tornaram os principais ídolos dos nossos gramados. A pesquisa apresenta possíveis alternativas para se driblar o racismo na mídia e se chegar a uma equidade étnico- racial na imprensa.

Palavras-chave: racismo; futebol; imprensa; comentarista; narrador; esporte; TV fechada; jornalismo esportivo.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Foto de Charles Miller...... 09 Figura 2: Gráfico do orçamento da CBF para o ano de 2018...... 14

Figura 3: Foto de Arthur Friedenreich...... 31 Figura 4: Representantes das famílias donas dos meios de comunicação no Brasil...... 38 Figura 5: Foto de Roger Flores...... 48 Figura 6: Narradores da Globo na Copa de 2018...... 49 Figura 7: Foto de Camila Silva...... 50 Figura 8: Foto de Mari Palma...... 51 Figura 9: Foto de Joyce Ribeiro...... 52 Figura 10: Manchete do The Guardian sobre a novela Segundo Sol...... 53

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...... 7 2. O FUTEBOL NO BRASIL: DO AMADORISMO AO SHOW BUSINESS.. 9 2.1. O FUTEBOL NAS FÁBRICAS...... 12 2.2. O FUTEBOL NOS DIAS DE HOJE...... 14 3. A IMPRENSA DESCOBRE O FUTEBOL...... 16 3.1 O JORNALISMO ESPORTIVO NA TV...... 18 3.1.2 Estádios viram estúdios...... 20 3.2. O FUTEBOL NO CINEMA...... 21 4. A CHEGADA DA TV NO BRASIL...... 24 4.1. A TV FECHADA NO BRASIL...... 26 5. QUEM É O NEGRO?...... 28 5.1. A CHEGADA DO NEGRO AO FUTEBOL...... 29 5.1.1 O primeiro ídolo negro...... 30 5.2. O NEGRO NA TV...... 32 5.3. RACISMO...... 34 5.4. A VIOLÊNCIA CONTRA O NEGRO...... 36 6. OS DONOS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO...... 38 7. APRESENTAÇÃO DOS CANAIS ANALISADOS...... 40 7.1 ESPN...... 40 7.2. SPORTV...... 40 7.3.. ESPORTE INTERATIVO...... 41 7.4. FOX SPORTS BRASIL...... 41 8. OS PAPEIS DO NARRADOR E DO COMENTARISTA...... 43 8.1. NARRADOR...... 43 8.2. COMENTARISTA...... 44 9. ANÁLISE DO OBJETO...... 45

9.1. RESULTADOS ENCONTRADOS...... 45 9.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS...... 46 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 55 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 58

1. INTRODUÇÃO

Ao observar os programas das principais emissoras de TV fechada especializadas na cobertura esportiva do Brasil – Sportv, ESPN, Fox Sports Brasil e Esporte Interativo – percebemos que há uma predominância numérica de apresentadores, comentaristas, repórteres e narradores de futebol não negros, ou seja, profissionais com traços fisionômicos mais próximos da população que é numericamente menor no nosso país. Isso chama atenção sobretudo pelo fato do futebol concentrar um grande número de jogadores negros e os principais ídolos da modalidade no Brasil serem afrodescendentes. São muitos os exemplos de atletas negros consagrados dentro das quatro linhas, a começar pelo maior deles, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Além do Rei do Futebol, nomes como Leônidas da Silva (o Diamante Negro), Didi, Garrincha, Romário, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e tantos outros. A representatividade dos negros, por sua vez, não se reflete na imprensa especializada. Até mesmo entre os comentaristas que são ex-jogadores há uma predominância de profissionais não negros. Como é o caso de Roger Flores, Caio Ribeiro, Casagrande, Edmundo, Luizão, Alex. E apenas alguns poucos ex-jogadores negros hoje estão na bancada de comentaristas, como Denilson e César Sampaio. Outro fato interessante em relação à baixa representatividade dos negros na imprensa esportiva brasileira foi a chegada do comentarista Gustavo Castellucci para substituir Darino Sena no quadro da Rede Bahia. Castellucci, até então estava na TVE. Na rádio CBN, no entanto, cuja a transmissão era feita pelo mesmo grupo que controla a TV Bahia (no mesmo prédio até) já trabalhava o jornalista Elton Serra, profissional nacionalmente conhecido e que possui, inclusive, um blog no portal da ESPN. Elton, por sua vez, é negro, o que nos leva a refletir se isso não pesou na escolha. Motivado por esta discrepância numérica entre os profissionais negros atuando em campo e narrando e comentando futebol, este trabalho buscou analisar racialmente os elencos de comentaristas e narradores das emissoras ESPN, Sportv, Fox Sports Brasil e Esporte Interativo, presentes nos serviços de TV por assinatura no Brasil, para ver a dimensão desta segregação racial. A pesquisa buscou trazer luz à questão do racismo na imprensa esportiva e com isso contribuir com o debate. Para isso, foi feita a contagem dos elencos de cada uma das quatro emissoras e seus profissionais – narradores e comentaristas – foram separados em dois grupos: negros e não

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negros. Foi utilizado o critério de heteroclassificação para a separação dos grupos. Neste critério, o pesquisador é quem determina a cor/raça dos profissionais, uma vez que não houve possibilidade do levantamento ser feito por autodeclaração. Em seguida, esses números foram somados e transformados em porcentagem para que pudéssemos ter uma ideia representativa deste universo. Os valores encontrados foram comparados com pesquisas semelhantes realizadas pelo Coletivo Vaidapé, onde foi analisado o quantitativo de apresentadores negros e não negros das principais emissoras de TV aberta do Brasil; e da Agência Nacional de Cinema (Ancine), que considerou o número de diretoras e diretores negros que rodaram filmes longa-metragem no Brasil no ano de 2016. Além disso, foram trazidos dados referentes à situação de exclusão da população negra no nosso país. Levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Atlas da Violência, do Mapa da Violência mostram que a situação do negro na imprensa esportiva dialoga com o cenário nacional de violência como um todo. A história do futebol também vem sendo marcada por episódios de racismos envolvendo atletas e torcedores. Essa é outra razão, ainda que secundária, que motiva o presente estudo. Percebe-se que a imprensa esportiva como um todo condena os atos racistas, porém, o fato desses profissionais serem majoritariamente não negros por si só demonstra um preconceito implícito nas instituições que cobrem (e criticam) o racismo no meio futebolístico. O trabalho ainda se ocupou em trazer um breve histórico do futebol no Brasil. Como o esporte trazido pelo estudante brasileiro com ascendência inglesa Charles Miller foi, inicialmente, dominado pela aristocracia local, mas gradativamente chegou às classes mais populares até ser abraçado de vez pelo povo. Também foi explanado sobre a chegada do futebol na imprensa brasileira, bem como a história da televisão no Brasil.

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2. O FUTEBOL NO BRASIL: DO AMADORISMO AO SHOW BUSINESS

O esporte mais popular do país, hoje praticado por meninos e meninas de baixa renda em campinhos improvisados nas periferias de todo o Brasil, teve como porta de entrada no país os clubes reservados às famílias com brasões de nobreza importados da Europa. Era o ano de 1894, apenas seis anos após a assinatura da Lei Áurea, e o jovem Charles W. Miller, brasileiro de origem inglesa que aos 10 anos foi enviado à Inglaterra para estudar desembarcava no Brasil. Da terra da Rainha, Miller trouxe os primeiros uniformes e bolas de futebol (WITTER, 1996).

Apesar daquele ano ser considerado o ponta-pé inicial do esporte bretão no Brasil, de acordo com o pesquisador José Sebastião Witter, na obra Breve História do Futebol Brasileiro, há informações de que partidas de futebol teriam sido jogadas no litoral de Pernambuco e de Santos por marinheiros ingleses, em missão na América do Sul, e por brasileiros residentes nessas regiões. Porém, oficialmente, Charles Miller é considerado o patrono do futebol no Brasil.

Figura 1: Charles Miller (Reprodução)

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Miller era funcionário da empresa The São Paulo Railway Company, responsável pela estrada de ferro São Paulo Railway que ligava as cidade de São Paulo e Santos, passando por São Caetano do Sul, Santo André, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Paranapiacaba e Cubatão. Com os colegas de trabalho, em sua maioria imigrantes europeus que vieram para o Brasil substituir a mão de obra escrava, Miller disputava partidas amadoras de futebol pelas regiões onde a ferrovia ia sendo construída. Assim, o futebol pôde ser visto em diferentes cidades entre a capital paulista e o litoral (GASPARINO, 2013).

De acordo com a pesquisadora Marcia de Lemos, em Imprensa Esportiva: dos artigos olimpianos de Nelson Rodrigues aos parágrafos telegráficos da Internet, as bolas de couro trazidas por Miller encontraram adeptos entre os jovens da elite brasileira que costumavam estudar na Europa. Naturalmente, os primeiros ídolos dos gramados não carregavam sobrenomes como Souza, de Jesus, ou Santos.

Nossos primeiros craques certamente confundiriam narradores de hoje. Eram nomes como Augusto Shaw, Mario Eppingaux, Belfort Duarte, Roberto Shalders, MacKnigth, A. Winter, Daniel Stuart, Chamberlain, Manoel Erickson, Oscar Loefren, dentre outros que dão uma mostra do peso dos “estrangeiros” no nascimento do futebol no Brasil (WITTER, 1996).

Tais quais os atletas, os primeiros clubes traziam consigo nomes importados da Europa, como São Paulo Athletic, São Paulo Railway, Sport Club Corinthians, Rio Grande Football Club, Juventus, Palestra Itália e Germânia.

Para difundir o futebol entre os ingleses que viviam na cidade de São Paulo e, àquela época tinham o cricket como principal entretenimento desportivo, Miller entregou-se a uma verdadeira missão. Ele associou-se ao São Paulo Atthletic Club, instituição originalmente fundada para a prática do cricket, e lá foi formado o primeiro círculo que cultivou o jogo de um modo organizado no país (ROSENFELD, 1993).

O São Paulo Atthletic Club reunia altos funcionários ingleses da Companhia de Gás, do Banco de Londres e da São Paulo Railway. Os jogadores brasileiros que logo em seguida apareceram eram predominantemente jovens das camadas superiores, frequentemente filhos de fazendeiros, que migravam às cidades, para estudar. A primeira equipe essencialmente brasileira foi formada por alunos do Mackenzie College de São Paulo, que fundaram um clube homônimo. Além dos ingleses, porém, havia outros grupos de jovens imigrantes que

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trouxeram da Europa a necessidade de aproveitamento esportivo das horas livres (ROSENFELD, 1993).

Dentre os precursores do esporte no país que aprenderam o futebol nas equipes europeias durante as viagens ao Velho Mundo, além do próprio Charles W. Miller, está contemplado na história o jovem hamburguês Hans Nobiling que, em 1897, desembarcou no Brasil trazendo consigo a experiência de ter integrado o elenco do Clube Germânia de Hamburgo. Outros jogadores, por sua vez, tiveram como escolinha endereços nobres da cidade de São Paulo. Um dos famosos redutos de craques da época foi a Chácara Duley, que ficava localizada nas proximidades do Jardim da Luz, na Rua Três Rios, no então elegante bairro do Bom Retiro (WITTER, 1996).

Dois anos após a sua chegada, Nobiling fundou no Brasil um Clube Germânia, que reunia principalmente funcionários do comércio paulistano. A equipe foi uma das protagonistas do que o pesquisador Anatol Rosenfeld (1993) definiu como o “primeiro jogo realmente sensacional” realizado no Brasil. A partida foi entre o Germânia, que já contava com jogadores brasileiros oriundos do Mackenzie, e uma equipe formada por membros da Companhia de Gás, da Estrada de Ferro e do Banco de Londres, todos ingleses. Segundo registro de Rosenfeld, o público presente foi de 60 torcedores e os ingleses venceram o duelo por 1 x 0.

Para cair definitivamente no gosto das classes mais abastadas, o futebol encontrou terreno para crescer e frutificar nas escolas tradicionais. No início do século XX, o esporte era quase uma matéria obrigatória nos colégios militares, no Ginásio Nacional, o Alfredo Gomes, Abílio e Anglo-Brasileiro. A Igreja Católica, inclusive, não criou resistência em relação ao esporte e muitos padres ajudaram a impulsionar o jogo de bola jogado com os pés (ROSENFELD, 1993).

Uma certa notoriedade conseguiu o padre Manuel Gonzales, que deve ter fabricado a primeira bola brasileira de couro cru, para que seus alunos do Colégio Vicente de Paula (Petrópolis) pudessem dedicar-se ao esporte. Com essa bola, ‘a peluda’, jogavam naquela escola equipes de trinta a quarenta alunos, entre eles os padres com batinas arregaçadas, distribuindo golpes possantes e exigindo igualmente chutes poderosos, mesmo que ocasionalmente estes alcançassem suas canelas (Mário Filho, O Negro no Futebol Brasileiro, p. 47).

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Com a febre de bola tomando conta do país, ao longo da primeira década do século XX as equipes foram se organizando e nos anos 1910 passaram a competir em torneios organizados. Nessa época também foram realizados os primeiros amistosos entre as cidades. Em 1914 foi criada a Federação Brasileira de Sports. Depois, em 1916, criada a Confederação Brasileira dos Desportes (CBD), antecessora da atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Os clubes cariocas, fundados para a prática do remo, como o Clube de Regatas do Flamengo, Clube de Regatas Vasco da Gama e Clube de Regatas Botafogo (depois Botafogo de Futebol e Regatas) abriram equipes amadoras de futebol. Em 1919, a Seleção Brasileira foi campeã sul-americana, em cima do Uruguai, sua primeira conquista internacional (WITTER, 1996).

Com essa estruturação, deu-se início a um processo de aceitação do esporte no país. Os imigrantes que viviam em cortiços, assim como os brasileiros, tornaram-se adeptos da nova prática e todo o equipamento caro e até então tido como indispensável para jogar futebol – bolas de couro, chuteiras, traves – foram sendo adaptados às condições de momento. A bola de capotão deu lugar à bola de borracha, pedras no chão faziam às vezes das traves, o asfalto servia de gramado e as chuteiras eram perfeitamente desprezíveis (GASPARINO, 2013).

2.1. O FUTEBOL NAS FÁBRICAS

Graças a essa importância recreativa e agregadora, o jogo de bola rapidamente foi parar dentro das fábricas. As indústrias do eixo Rio-São Paulo no início do século XX, a maioria delas de origem inglesa, construíram campos de futebol para atrair ou manter os operários nos seus quadros funcionais. Assim nasceram clubes como o Bangu, no , e o Juventus em São Paulo (WITTER, 1996).

O The Bangu Athletic Club foi fundado em 1904 em uma grande fábrica de tecidos que mandou trazer da Inglaterra os técnicos que precisava para operar os maquinários. Esses mesmos imigrantes deram início à agremiação que de início deveria contar apenas com europeus. No entanto, a distância de Bangu, situada no subúrbio carioca, tornou-se um empecilho para os ingleses que moravam no centro do Rio de Janeiro se deslocarem até o campo da equipe. Não havendo outra opção, se viram obrigados a contar com os operários da fábrica para completar os times (WITTER, 1996).

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Aos bons jogadores do The Bangu Athletic Club foram concedidos privilégios como licenças para treinar, trabalho mais leve e possibilidade de promoção mais rápida. Mais tarde, depois da supressão do the, o clube tornou-se quase mais conhecido que a própria fábrica, e gerações de jovens foram admitidos não porque trabalhavam bem, e sim porque sabiam jogar. A importância deste e de outros clubes com histórico semelhante é considerável não apenas porque operários e, consequentemente, negros chegaram dessa maneira a jogar – essa possibilidade sempre lhes esteve aberta, embora sob condições menos propícias –, mas porque eles pertenciam a clubes que tinham status e, em vista disso, foram admitidos nas federações de clubes socialmente reconhecidos que logo surgiram, de tal forma que logo cedo trabalhadores, entre os quais homens de cor, estavam frequentando as camadas superiores – com equipes cujos jogadores eram quase na totalidade estudantes de direito e medicina (ROSENFELD, 1993).

Nos campos mantidos pelas fábricas emergiram jogadores de enorme grandeza que serviram à seleção brasileira e deram alegrias a todo o país. O maior deles, talvez, seja Manuel Francisco dos Santos, ou simplesmente, Mané Garrincha, herói dos dois primeiros títulos mundiais do Brasil, em 1958 e 1962.

Nascido e criado na cidade de Magé, onde se instalou a América Fabril, Garrincha era funcionário da tecelagem e principal estrela do S.C Pau Grande, time mantido pela fábrica. Longe de ser um funcionário exemplar, o futuro camisa 7 da seleção brasileira e do Botafogo teve o seu emprego garantido muito mais pelo que fazia com os pés do que propriamente pela habilidade em tecer fios.

Na biografia do craque, Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha, Ruy Castro conta que Garrincha constantemente faltava o serviço, passava as tardes dormindo nas caixas de algodão, chegava atrasado, mas apesar de tudo custou a perder o emprego.

Por quê? Porque um dos chefes da seção, seu Boboco, também conhecido como seu Franquelino – na verdade, Franklyn Leocornyl –, era o presidente do S.C Pau Grande, de cujo time juvenil Garrincha, em 1947, já era uma promessa. Ele o protegia com sublime descaro (CASTRO, 1995, p. 35-36).

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2.2. O FUTEBOL NOS DIAS DE HOJE

Os anos se passaram e o esporte que nasceu de forma amadora nos clubes do eixo Rio- São Paulo, caiu no gosto popular e atravessou os portões das fábricas, se tornou um grande negócio que movimenta anualmente cifras milionárias.

De acordo com o relatório de Demonstrações Financeiras da CBF, entre os anos de 2010 e 2017 o ativo total da Confederação aumentou em 287%, um incremento de R$ 656,538 milhões em sete anos. A Receita Total da CBF ficou na casa dos R$ 590,217 milhões, tendo como principais fontes de renda: Patrocínios, Direitos de Transmissão e Bilheteria dos jogos da Seleção. (CBF, 2018).

Segundo o documento, a Despesa total da Entidade também apresentou diminuição frente ao ano anterior, chegando ao valor de R$ 539,512 milhões, representando uma queda de 11%. Isto proporcionou um resultado do exercício de R$ 50,704 milhões (aumento de 16% comparado ao resultado de 2016).

Em 2017, a Confederação ampliou o percentual de investimentos diretamente aplicados no futebol brasileiro de 60% para 61%, chegando ao valor total de R$ 281,709 milhões (CBF, 2018). Ainda de acordo com o relatório, o orçamento de 2018 prevê uma receita bruta de R$ 609 milhões.

Figura 2: Gráfico do orçamento da CBF para o ano de 2018 (Reprodução/Demonstrações Financeiras Confederação Brasileira de Futebol, 2018)

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Outros números que atestam o crescimento econômico do futebol dizem respeito ao faturamento dos principais clubes do país. De acordo com um levantamento publicado pela Revista ÉPOCA, realizado em parceria com o analista financeiro do Itaú BBA, Cesar Grafietti, que levou em consideração os balanços financeiros publicados pelos próprios clubes, as 20 equipes que disputaram a primeira divisão do Campeonato Brasileiro, em 2016, mais as quatro que subiram à elite do futebol em 2017 arrecadaram R$ 5 bilhões na temporada de 2016, um aumento de 41% sobre 2015, um recorde. O resultado foi alcançado graças, principalmente, ao aumento de receita pago pelas emissoras de televisão. Os números de patrocínios, bilheterias e sócios-torcedores se mantiveram estagnados ou em queda.

De acordo com o levantamento, em 2016, quase todos os clubes da elite venderam antecipadamente seus direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de 2019 a 2024. As assinaturas desses contratos renderam as chamadas luvas, ou seja, prêmios que as emissoras pagaram para que os times optassem a fechar negócio com elas. A concorrência entre TV Globo e Esporte Interativo pelos direitos da TV fechada também ajudou a elevar os valores. Ao todo, foram pagos R$ 890 milhões em luvas.

As áreas comercial e de marketing, cujas vendas vão desde patrocínio na camisa até produtos licenciados comercializados em lojas, não subiram nem desceram. Foram R$ 660 milhões arrecadados em 2016 em comparação com os R$ 650 milhões em 2015.

As torcidas, que financiam seus clubes quando compram ingressos ou pagam mensalidades como sócios-torcedores, passaram a contribuir menos. Os R$ 770 milhões arrecadados com bilheterias e programas de associação em 2016 são menores do que os R$ 830 milhões registrados em 2015. As transferências de atletas somaram R$ 550 milhões em 2016, enquanto em 2015 tinham rendido R$ 430 milhões.

No futebol brasileiro, no entanto, encontramos forte concentração de renda. Segundo levantamento do Ministério do Trabalho, divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo, em 2016 o Brasil contava com 12.880 jogadores inscritos. Desses, 1% dos atletas de maiores vencimentos ganhavam mais do que os 78% mais pobres. Naquele ano, apenas 3% dos jogadores ganharam mais de R$ 51 mil por mês. A média salarial registrada foi de R$ 3.653.36.

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3. A IMPRENSA DESCOBRE O FUTEBOL

Desde que chegou ao Brasil, o futebol não tardou a virar assunto nos jornais. Em 1894, Charles W. Miller desembarcou no país com as primeiras bolas e uniformes e, em 1901, já se veiculava a primeira notícia referente ao esporte bretão. A nota fazia referência à de futebol paulista, composta por cinco times, todos pertencentes à elite. Isso, por sua vez, não garantiu lugar de destaque em edições futuras ao esporte, uma vez que a imprensa esportiva da época se ocupava com modalidades como remo e turfe (GASPARINO, 2013).

As editorias de esporte e a presença de cadernos específicos nos grandes jornais como conhecemos hoje só surgiram no final dos anos 1960. Antes disso, porém, no Rio de Janeiro, ainda nos anos 1930, nasceu o Jornal dos Sports, primeira publicação destinada exclusivamente à cobertura esportiva, fundada por Mário Filho, irmão rubro-negro do dramaturgo e jornalista tricolor Nelson Rodrigues.

Como descreveu a pesquisadora Marcia de Lemos, a importância dos dois irmãos Mário Filho e Nelson Rodrigues para a imprensa esportiva e para o próprio crescimento do futebol no Rio de Janeiro e no Brasil é notória. Colunistas e aficionados pelo esporte, tanto Mário Filho quanto Nelson Rodrigues emprestaram à cobertura esportiva um estilo de texto apaixonado e criativo. Numa época em que não havia televisão e os jornais reinavam sozinhos, a divulgação de jogadas espetaculares, gols surpreendentes, descrições endeusadas de craques e partidas históricas geravam expectativas nos torcedores, alavancavam rivalidades, levavam multidões aos estádios e davam ao futebol uma áurea mística e romanceada.

Conforme publicou o jornal em sua sessão Memória, entre os anos de 1938 a 1952, Mário Filho e Roberto Marinho dirigiram a revista O Globo Sportivo, semanário que cobria todos os esportes, em especial o futebol. Mario Filho escreveu ainda no Jornal O GLOBO a coluna diária Da Primeira Fila. Destas crônicas saiu a base dos textos para os livros Copa Rio Branco, O negro no futebol brasileiro, Histórias do Flamengo e Romance do futebol.

O jornalista foi ainda um entusiasta para a construção do Maracanã, edificado para a Copa do Mundo de 1950, primeira realizada no Brasil. Em reconhecimento a sua dinâmica participação no movimento pela construção do estádio, desde a concepção original de um

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projeto que representasse a grandeza do mais popular esporte no Brasil até a sua inauguração, em 1950, o então Maior do Mundo foi batizado com seu nome.

Com os veículos impressos se ocupando do futebol, naturalmente as rádios se viram obrigadas a comprar essa pauta. Nesse contexto, o nome de Nicolau Tuma precisa ser lembrado. Radialista e bacharel em Direito, Tuma entrou para a história do futebol brasileiro por transmitir pela primeira vez um jogo na íntegra. A voz de Tuma ecoou pelas ondas da rádio Educadora Paulista, em 19 de julho de 1931, no antigo campo da Floresta, em São Paulo.

Na ocasião, jogaram as seleções Paulista e a do Paraná, pelo Campeonato Brasileiro de Seleções. Os donos da casa venceram por 6 a 4. Conta-se que como os jogadores não tinham numeração nas camisas, Tuma teve que decorar as características dos atletas antes da bola rolar. Isso, por sua vez, não foi empecilho para a narração, que lhe garantiu tempos depois o apelido de “speaker metralhadora”, tamanha a velocidade com que contou os lances.

Outro fato marcante na história do rádio e do futebol brasileiro foi a transmissão do jogo entre Brasil e Polônia, na Copa do Mundo de 1938, realizada na França. Naquela Copa, a terceira da história, o grande destaque do Brasil foi o meia-atacante Leônidas da Silva, mais um dos negros habilidosos que marcaram época no esporte, que ficou conhecido como Diamante Negro, devido à sua brilhante participação nos jogos que disputou na Europa. O apelido o consagrou e virou marca de chocolate (WITTER, 1996).

O responsável por narrar as peripécias de Leônidas naquele Brasil 6 Polônia 5 foi Leonardo Gagliano Neto, na Rádio Clube do Brasil, do Rio de Janeiro. Naquele jogo, o Diamante Negro marcou três dos seis gols brasileiros, o último deles, inclusive, sem a chuteira do pé direito e, pela primeira vez, o Brasil jogou com o uniforme azul, que anos mais tarde foi oficializado como o uniforme número 2 da Seleção Brasileira. Antes, em 1936, Gagliano já havia transmitido partidas do Campeonato Sul-Americano de Buenos Aires pela Rádio Cruzeiro do Sul (GASPARINO, 2013).

Uma das características mais marcantes do jornalismo esportivo é o uso da linguagem bélica. Quando um time vence o outro por uma grande diferença de gols, essa vitória na linguagem esportiva é considerada um “massacre”. Não existe um goleador no futebol, existe o “artilheiro”. Quando um jogador chuta a bola em direção ao gol e esse chute sai muito forte, os profissionais da imprensa esportiva chamam esse chute de “bomba”, “tiro”, “pancada”,

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“porrada”, “foguete”. Um jogo muito difícil, que vale vaga na fase seguinte, é chamado de “batalha”, como o jogo entre Náutico e Grêmio, no Estádio dos Aflitos, em Recife, que decidiu a Série B do Campeonato Brasileiro de 2005. Esse jogo ficou conhecido como A Batalha dos Aflitos (MOURA, MARTINS, OLIVEIRA, AMORIM, 2008).

3.1 O JORNALISMO ESPORTIVO NA TV

O jornalismo esportivo e, em especial, a cobertura do futebol na TV brasileira possui espaço cativo desde que a nova mídia chegou ao país. Já no ano de estreia da TV Tupi, em São Paulo, o esporte se fez presente nas transmissões, com Aurélio Campos apresentando o Vídeo Esportivo. O primeiro relato de filmagens dentro de campo para TV ocorreu em setembro de 1950, quando o cinegrafista Zibas foi até o Pacaembu filmar um jogo entre São Paulo e Portuguesa (DIAS, 2016).

Em outubro daquele mesmo ano houve a primeira transmissão televisiva de uma partida de futebol. Um público de aproximadamente 200 pessoas foi ao Pacaembu assistir Palmeiras e São Paulo. A TV apresentava-se e se consolidava como novidade e, aos poucos, muitos ouvintes de rádio migraram dando a ela grande audiência (DIAS, 2016).

Com a TV se estabelecendo, os telejornais começaram também a se consolidar, ao passo que surgiram programas jornalísticos com formatos diferenciados. O Fantástico (Globo, 1973), o Abertura (TV Tupi, 1971), o Globo Repórter (Globo, 1973), o Globo Rural (Globo, 1980) são alguns exemplos dos novos modelos utilizados a partir da década de setenta no Brasil (CAMARGO, 1998).

Em 1973, a Rede Globo estreia o Esporte Espetacular, programa que, segundo Silva (2005), cristalizou o novo formato modificando as perspectivas do jornalismo televisivo. O programa surgiu com uma abordagem mais leve e informal que, de certa forma, estabeleceu um modelo para o telejornalismo esportivo, com características próprias que o diferenciam de outros programas temáticos. Enquanto os telejornais são formais, os programas esportivos têm seus limites ampliados e permitem maior informalidade e uso de elementos criativos para abordar as suas pautas (SILVA, 2005).

No ano de 1978, a Globo estreia, sob o comando de Léo Batista, o Globo Esporte, que fugia do modelo de jornalismo entretenimento e se aproximava do formato clássico, com bancada e telepromter. Três décadas depois, sobretudo na versão apresentada em São Paulo,

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após Tiago Leifert assumir a apresentação, a linguagem engessada pelo teleprompter foi substituída pelo improviso e o (suposto) bom humor, sem roteiro (OSELAME, 2010).

Oselame (2010) pontua que a informalidade textual do jornalismo esportivo acompanha a crise na área. Segundo ele, o jornalismo esportivo se torna cada vez menos pensante para virar, unicamente, um repetidor de velhas fórmulas, seguindo a consagrada máxima de Chacrinha de que na televisão nada se cria, tudo se copia.

Para Oselame (2010), o jornalista esportivo deixou de ser o profissional da informação. Na lógica do entretenimento e do esporte encarado como tal, ele – especialmente o apresentador – é a própria notícia. O mais preocupante é que, cada vez mais, neste padrão, os profissionais não são jornalistas, mas estrelas sem informação. Ou seja: são meros marionetes do modelo estabelecido.

De acordo com Silva (2005), o que regula o gênero televisivo é o discurso no qual ele está inserido. No caso dos programas diários, esse discurso é o jornalístico, uma vez que tais programas fazem referência a acontecimentos cotidianos através de uma abordagem que utiliza os elementos do jornalismo: lead, entrevistas, critérios de noticiabilidade, busca da objetividade, etc.

Ainda segundo o autor, de acordo com o pacto sobre o papel do jornalismo, os programas selecionam os assuntos que farão parte de seu elenco, bem como o modo como serão abordados: os recursos utilizados, os mediadores que devem ser envolvidos, o texto mais adequado etc. Logo, a notícia é construída sobre esse pacto.

A possibilidade de fazer comentários é típica do jornalismo esportivo, já que o público espera uma avaliação por parte dos jornalistas especializados. As propriedades do jornalismo esportivo estão ligadas ao esporte enquanto esfera social que tem se apresentado como espetáculo. Por isso, a informalidade é um aspecto que se destaca nos programas (SILVA, 2005).

Segundo Jambeiro (2001), apenas uns poucos eventos esportivos, como jogos de decisão de campeonato e partidas da seleção brasileira têm altos índices de audiência. No entanto, este tipo de programa tem audiência suficiente para ser transmitido com regularidade.

A chegada do futebol na TV contribuiu para que o esporte vivesse uma fase de êxito fora do comum, que se poderia chamar de romântica não fosse esse termo pejorativo hoje em dia. Após longa adaptação ao capitalismo da bola, o futebol brasileiro ingressaria alegremente

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na era global, ligando-se aos grandes negócios mundiais de forma igualmente bem-sucedida, pelo menos no âmbito externo (ORICCHIO, 2006).

3.1.2 Estádios viram estúdios

Com o futebol recebendo cada vez mais atenção pública, nasceu uma relação íntima e muitas vezes nefasta entre os clubes, organizações que regulam o esporte e as emissoras de TV. Em O Lado Sujo do Futebol (2014), Ribeiro Jr., Cipolini, Azenha e Chastinet contam que nas últimas décadas, parte do poder sobre o destino do esporte mundial migrou para as sedes das grandes corporações de comunicação. Com isso, a venda de direitos de TV tornou-se a principal fonte de renda de clubes, ligas e federações. As emissoras, cujo faturamento depende cada vez mais do esporte, fazem de tudo para adular patrocinadores. E esses querem a maior visibilidade possível para suas marcas, nos horários mais atraentes.

O estádio de futebol ganhou ares de estúdio de TV. Os desdentados da geral deram lugar às famílias saradas das numeradas. O esporte do povo se tornou o espetáculo dos consumidores onde o pobre não tem vez. Nesse quadro, não faz sentido mostrar na televisão um estádio de 100 mil lugares com metade da lotação. Melhor um de 40 mil, sempre cheio, símbolo de sucesso da franquia. Menos gente, ingressos mais caros, elitização da plateia. Ponto para o marketing. (RIBEIRO JR., CIPOLINI, AZENHA, CHASTINET, 2014).

Ainda de acordo com os autores, quem de certo modo estabeleceu essa transformação foi o dirigente brasileiro João Havelange, que presidiu a Federação Internacional de Futebol (FIFA) entre os anos de 1974 e 1998.

Quando foi eleito presidente da entidade, Havelange chamou ao seu escritório em Zurique, na Suíça, os representantes das TVs europeias que detinham os direitos de transmissão da FIFA para renegociar os contratos. Na época, o preço pago pelas emissoras para transmitir a Copa do Mundo era US$ 4 milhões. Havelange, por sua vez, elevou esse valor para US$ 10 milhões.

Os representantes das empresas se viram obrigados a fechar o negócio, mas exigiram do cartola que as imagens geradas para a próxima Copa, em 1978 na Argentina, quando começariam a valer as novas regras comerciais, tivessem qualidade que justificasse o investimento. Havelange assegurou que seus vizinhos sul-americanos fariam uma excelente transmissão ao vivo em cores – a primeira da história das Copas.

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O cartola então pegou um avião a caminho da América do Sul, mas ao invés de Buenos Aires, desembarcou no Rio de Janeiro onde encontrou-se com Roberto Marinho, proprietário do , e representantes da Embratel para solicitar ajuda na missão de gerar boas imagens na Argentina.

A negociação deu certo e, em janeiro de 1978, o mundo viu ao vivo e em cores a imagem de Ricardinho, neto e xodó de Havelange, sorteando as bolinhas da Copa. A cena evocava uma imagem histórica da FIFA. Para a Copa de 1938, o então presidente da entidade, Jules Rimet, também havia convocado o neto para escolher as bolinhas no sorteio no Solon d’Horloge do Ministério das Relações Exteriores da França, em Paris. Jules Rimet ficaria à frente da federação por 33 temporadas (1921 – 1954), cargo que deixou apenas dois anos antes de morrer. Por conta de seu papel para consolidar a Copa do Mundo como um dos maiores eventos esportivos do planeta, a primeira taça do torneio ganhou seu nome.

Ao resgatar a imagem famosa de Rimet, presidente da FIFA em cinco mundiais, Havelange mostrava ao mundo quem mandava agora na entidade. Além disso, cumpria a promessa feita às emissoras europeias, que pagavam efetivamente a conta do futebol. Foi assim com todas as partidas da Copa do Mundo da Argentina, graças ao apoio técnico da Embratel e da TV Globo (RIBEIRO JR., CIPOLINI, AZENHA, CHASTINET, 2014).

3.2. O FUTEBOL NO CINEMA

Também no cinema, o futebol encontrou terreno fértil e já nos seus primeiros anos de Brasil foi registrado e exibido nas telonas. Em 1908, foi filmada uma partida entre Brasil e Argentina que é considerado o primeiro documentário de futebol realizado no país. De acordo com Oricchio (2006), a rivalidade latino-americana está toda presente nessas películas dos primórdios, com disputas entre brasileiros e paraguaios, uruguaios e argentinos.

Outro filme dedicou-se menos a um jogo e mais ao péssimo comportamento das torcidas em um Paulistas x Cariocas, onde os ocupantes das arquibancadas protagonizaram um formidável quebra-quebra no Parque Antárctica.

A excursão de um clube inglês chamado Corinthians foi também amplamente documentada quando a equipe passou pelo Brasil, no ano de 1910, e por aqui goleou todo mundo. O Corinthians inglês inspirou um grupo de aficionados a fundar um time brasileiro com o mesmo nome, (ORICCHIO, 2006).

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A Copa do Mundo de 1938, na França, teve seus principais jogos documentados e exibidos nos cinemas muito tempo depois de terem sido disputados. Mesmo com a derrota da seleção brasileira na semifinal, para a Itália, o cinema registrou a recepção entusiasmada aos jogadores, capitaneado pelo ídolo Leônidas da Silva. A desclassificação da seleção, que se deu após um pênalti discutível cometido por Domingos da Guia no atacante Piola, também virou tema de documentário na época.

O cinema de ficção, assim como os documentários, também se apropriou do futebol em seus enredos. Na década de 1930 foram filmados Campeão de Futebol (1931), dirigido pelo cômico Genésio Arruda, em sua primeira e única experiência na direção, homenageando os grandes jogadores da época; e em 1938, Futebol em Família, de Ruy Costa, baseado na peça de Antonio Faro e Silveira Sampaio que conta a história do rapaz que, a contragosto do pai, segue a careira de jogador de futebol e utiliza o dinheiro ganho como atleta do Fluminense para pagar os custos do curso de Medicina.

De acordo com os comentários da época, o filme se beneficiou da febre de futebol, propagada pela Copa do Mundo de 1938 (ORICCHIO, 2006). Em 1946, aparece Gol da Vitória, longa-metragem de José Carlos Burle com Grande Otelo no papel do jogador Laurindo, personagem livremente inspirado em Leônidas da Silva.

Cabe ainda uma ressalva ao Canal 100, cinejornal brasileiro fundado em 1957 por Carlos Niemeyer considerado a primeira experiência audiovisual bem sucedida a retratar o futebol no país. Com sede no Rio de Janeiro, o cinejornal era exibido semanalmente por todo o país e realizava sobretudo documentários cinematográficos de eventos importantes daquela febre nacional.

Os filmes do Canal 100 tornaram-se conhecidos pela qualidade da filmagem dos jogos com uma visão documental e narrativa dramática. Do seu acervo foram realizados diversos longas-metragens, como Brasil Bom de Bola e Futebol Total.

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4. A CHEGADA DA TV NO PAÍS

Por tratar da representatividade de narradores e comentaristas negros nos canais de televisão fechada especializados em esporte no Brasil, este trabalho irá apresentar um breve histórico da TV, bem como da TV fechada, no nosso país. Para isso, será utilizada como referência a obra A TV no Brasil do século XX, de Othon Jambeiro, publicado pela editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba), em 2001.

Segundo Jambeiro, a televisão surge no Brasil sob o domínio do sistema empresarial, com a missão de incrementar o comércio de bens e serviços, divertir e emocionar o público

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consumidor. A nova mídia teve como berço no país as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, então centros urbanos com desenvolvimento tecnológico muito superior aos demais.

Somente alguns anos mais tarde a transmissão foi implantada em outras capitais e grandes cidades. Jambeiro destaca que a implantação da TV no país seguiu claramente o caminho da expansão capitalista, cuja principal característica foi justamente a concentração de capital na região centro-sul.

O primeiro equipamento de TV instalado no Brasil foi comprado à RCA, em Nova Iorque, em 1948, pelo empresário Assis Chateaubriand. Em 18 de setembro de 1950, Chatô, como era conhecido, inaugurou em São Paulo a primeira emissora da América Latina, e a sexta do mundo, atrás apenas da Inglaterra, Estados Unidos, França, Alemanha e Holanda. A TV Tupi-Difusora iniciou seus trabalhos transmitindo imagens para cerca de 500 aparelhos receptores na capital paulista, mas três meses depois havia já 2 mil aparelhos funcionando ali.

No ano de 1951, Chateaubriand inaugurou a segunda emissora do país, na cidade do Rio de Janeiro. A partir daí, outros grupos de radiodifusores entraram no mercado e assim surgiram a Rádio Televisão Paulista, em 1951, que em 1960 foi comprada pela TV Globo, a TV Record de São Paulo, em 1953, dentre outras. Em 1959, o país já contava com seis emissoras de TV e cerca de 80 mil aparelhos receptores instalados.

Assim como o futebol, a televisão hoje tão popular no Brasil surgiu na elite e para a elite. Os aparelhos usados naquela época eram importados e custavam caro. Consequentemente, os primeiros canais eram vistos principalmente por um público oriundo do topo da pirâmide socioeconômica e a programação atendia àquele público.

As emissoras apresentavam adaptações de clássicos da literatura, como Hamlet e Macbeth, de Shakespeare, Crime e Castigo, de Dostoievski, entre outras obras, além de balé e música clássica. Em meados dos anos 50 elas começaram a montar programas de auditório, explorando principalmente a música popular e a imagem de seus intérpretes.

No final dos anos 1950, no entanto, fabricantes estrangeiras de aparelhos de TV instalaram-se no Brasil e aqui lançaram produtos mais baratos que os importados. Assim, aumentou o número de aparelhos vendidos, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, e esse meio de comunicação deu início ao que Jambeiro define como “marcha inexorável para se colocar como o mais eficiente veículo de vendas e de entretenimento jamais visto no Brasil”.

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Um passo importante que culminou no modelo padronizado de programas e apresentadores que vemos hoje foi o surgimento do vídeoteipe. Durante os anos 1950, embora novas emissoras de TV tenham sido instaladas em diversas regiões do país, não havia possibilidade de transmissão em rede. De modo que os programas eram produzidos localmente e mostrados ao vivo.

Com o vídeoteipe, essa questão foi solucionada e deu-se início a uma nova era da TV brasileira. Segundo Jambeiro, a primeira vez em que isto aconteceu foi na inauguração de Brasília como capital do Brasil, em 21 de abril de 1960.

Criaram-se centros produtores em São Paulo e Rio de Janeiro. Isto foi aos poucos reduzindo as produções locais e retirando das emissoras o caráter local de sua programação, até eliminar quase que por completo a autonomia produtiva das estações, através da implantação do sistema de afiliação (JAMBEIRO, 2001, p. 50).

Nos anos 1960, a TV no Brasil se consolida e adquire contornos industriais. No período do seu surgimento ela era operada como uma extensão do rádio, de onde herdou padrões de produção, programação e gerência. Na década seguinte, adquiriu processos de produção mais adequados às suas características enquanto meio e transformou-se no poderoso veículo de transmissão de ideias e de venda de produtos e serviços que é hoje.

Jambeiro atribui essas mudanças em grande parte às transformações econômicas, políticas e culturais promovidas pelo governo Kubitscheck (1956-61); à aprovação do Código de Telecomunicações (1962); ao Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (1963) que constituíram as bases legais para a concessão e exploração dos canais de TV; e, a partir de 1964, ao regime militar, que passou a vê-la como um instrumento de integração cultural e política nacional.

Os anos 1960 marcam também a definitiva separação do rádio e da televisão como indústrias autônomas: o rádio começa a se regionalizar e a procurar específicas e segmentadas audiências; enquanto a televisão torna-se um veículo de massa, atingindo todo o mercado nacional, e ocupando o papel que era do rádio nos anos 1940 e 1950.

Atualmente, a TV é uma mídia presente em praticamente todas as camadas da sociais. Ela pode ser vista no ambiente de trabalho, bares e restaurantes, smartphones, nos ônibus e táxis, nos computadores pessoais e, naturalmente, em casa. A despeito de algumas previsões pessimistas acerca de seu eminente declínio, especialmente devido à competição com as

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novas mídias, como a internet e os videogames, a televisão continua tendo presença marcante no cotidiano do cidadão comum (CAMPANELLA, 2011).

4.1. A TV FECHADA NO BRASIL

Os canais de TV fechada chegaram ao Brasil no início dos anos 1990 e rapidamente caíram no gosto do brasileiro. De acordo com a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), de 1994 a 2000, o aumento de assinantes foi de 750%.

Jambeiro (2001) pontua que o Brasil foi um dos últimos países da América Latina a ter o serviço, mais de 10 anos após a Argentina, e depois da Colômbia, Bolívia e Venezuela. Em dezembro de 1993 o país tinha apenas 160 mil domicílios com serviços deste tipo.

A TV fechada se estabeleceu através de um sistema combinado de tecnologias: cabo, satélite e Serviço de Distribuição Multipontos Multicanais (MMDS). A última é uma tecnologia que utiliza decodificadores setoriais, que recebem imagem e som de satélites e os distribuem através de cabos e micro-ondas (JAMBEIRO, 2001).

No ano de 1991 grandes grupos de comunicação ingressaram no setor, investindo pesado em tecnologia. Segundo a ABTA, o pioneirismo foi das Organizações Globo, que desenvolveram a Globosat, e do , que criou a TVA. Em seguida, outros gigantes como RBS e Grupo Algar, também entraram forte no mercado.

O Grupo Abril associou-se primeiramente com o Canal Plus, da Europa, para usar a programação da ESPN, CNN e RAI. No ano seguinte o grupo chegou a um acordo com a MTV. Em 1993, operava seis canais: Filmes (12 horas ao dia, ininterruptamente), Esportes (programação integral da ESPN, 24 horas por dia), Notícias (programação integral da CNN, 24 horas por dia), Filmes Clássicos (24 horas por dia), Supercanal (programas da TV italiana e programas de notícias das redes americanas ABC, CBS e NBC, 18 horas diárias) e Infantis (desenhos animados e filmes, 24 horas por dia) (JAMBEIRO, 2001).

Já a Globosat, inicialmente, operava como programadora e operadora, ao mesmo tempo. Em 1993 foi dividida em duas, sendo criada a NetBrasil como operadora e ficando a Globosat como programadora. A Net operava com quatro canais: Telecine, 24 horas por dia de filmes; GNT, notícias, 24 horas por dia, mesclando noticiário local e material fornecido

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pela CNN, BBC, NBC e CBS; Topsport, 18 horas por dia; e , 18 horas por dia, com música, variedades e programas infantis (JAMBEIRO, 2001).

Um fator decisivo para o crescimento do serviço de TV por assinatura no Brasil foi a redução no custo de fabricação dos decodificadores. Em 1994, a TecSat, empresa que fabricava os decodificadores para a Globo, conseguiu reduzir o preço de US$ 2.000 para US$ 600, o que começou a influir na expansão dos serviços (JAMBEIRO, 2001).

A partir da promulgação da lei de TV a Cabo (nº 8.977), em janeiro de 1995, as permissões de operação foram transformadas em concessões, ficando decidido que a partir dali, novas licenças só seriam concedidas por meio de licitação. As licitações, abertas pelo Ministério das Comunicações, só foram concluídas em 1998, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Os vencedores iniciaram a implantação de suas bases operacionais em 1999, para entrar em operação efetivamente a partir de 2000.

Com a promulgação da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472), em 1997, a Anatel assumiu a função de órgão regulador de todos os serviços de telecomunicações, inclusive de televisão por assinatura, e vem dando continuidade ao processo licitatório para expansão dos serviços.

5. QUEM É O NEGRO?

Para a realização deste trabalho é importante estabelecer uma definição do termo negro, bem contextualizar a presença do negros no futebol brasileiro, a sua representação na mídia e as decorrências resultantes do racismo.

Para definir o negro, serão utilizadas as ideias contidas no capítulo NEGRO, UM CONCEITO OU UMA PRÁTICA? da obra Nossa Escravolândia – Sociedade, Cultura e Violência: do Pitoresco ao Perverso, do professor e pesquisador Fernando Conceição.

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Conceição (2015) explica que para além das questões biológicas o termo negro possui caráter ideológico. No Brasil, a definição ganhou força na ressurgência da militância social organizada como Movimento Negro (MN), na última década da ditadura militar, e que, encerrada a ditadura, sucedeu-se um ambiente politicamente distensionado no país.

A reprimida sociedade civil desabrochou no decorrer dos anos 80, formando grupos de pressão dos mais diversos interesses. Setores historicamente oprimidos numa sociedade de matriz patriarcal escravista e pós-colonial se sentiram na obrigação de reivindicar melhores posições no corpo de uma nação multifacetada e complexa (CONCEIÇÃO, 2015).

No Brasil, desde 1938, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o organismo oficial de recenseamento. O IBGE utiliza cinco categorias de raça/cor em suas sondagens: Branco, Preto, Pardo (seriam os mestiços), Amarelo (seriam os asiáticos) e Indígena. Segundo Conceição (2015), o MN passou a fazer campanhas de conscientização para atrair a parcela dos pardos para a categoria dos pretos. Vale ressaltar que a declaração étnico-racial é feita por autoidentificação, ou por heteroclassificação, quando o entrevistador define a partir do seu olhar.

O termo negro então passou a ser utilizado como uma noção identitária para referir-se a todos os não brancos, não amarelos e não indígenas. Logo, pretos e pardos são somados como negros.

De acordo com o Estatuto da Igualdade Racial (BRASIL, 2010), população negra é o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou que adotam autodefinição análoga.

5.1 A CHEGADA DO NEGRO AO FUTEBOL

Com a chegada dos negros nas equipes de futebol, a partir dos anos 1920, o esporte definitivamente passou a se popularizar na base da pirâmide social brasileira. Os primeiros dirigentes dos clubes descobriram nas camadas mais baixas, entre os negros, mulatos e brancos pobres, um celeiro de atletas de primeira linha. Fosse pelo talento natural ou porque não possuíam outros afazeres, como estudar direito ou medicina e ter que se dedicar a uma profissão, ou até mesmo porque esses jogadores enxergaram no esporte uma esperança de ascensão social, fato é que aquelas pessoas levavam o esporte a sério e a ele se dedicaram (ROSENFELD, 1996).

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Luiz Zanin Oricchio, na obra Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil (2006), descreve que negros e mulatos entraram para o futebol e lhe deram estilo único. Foi então que surgiram os primeiros grandes astros da bola, como Arthur Friedenreich, Feitiço, Fausto, Domingos, Leônidas, Heleno, Zizinho. Em 1923, no Rio de Janeiro, aconteceu uma verdadeira revolução quando a equipe do Vasco da Gama, fundada em 1898, sagrou-se campeã carioca atuando com atletas negros. O Vasco foi o primeiro clube do país a adotar negros em seu elenco.

Conhecida como camisas pretas, devido a cor do uniforme, a equipe vascaína foi comandada pelo uruguaio Ramon Platero. À medida que o time crescia na competição, a polêmica em torno da presença de negros no elenco aumentava. Com o futebol ainda amador, o time foi acusado de profissionalismo por pagar gratificações aos atletas.

Como escreveu Claudio Nogueira em O Globo (2006), quanto mais o Vasco vencia, mais os estádios enchiam, em resposta ao futebol elitizado. Apesar das críticas e acusações, a equipe foi campeã de 1923, em sua estreia entre os grandes, com Nélson, Leitão e Mingote (Cláudio); Nicolino, Bolão e Arthur; Paschoal, Torterolli, Arlindo, Cecy e Negrito.

Terminado o Campeonato Carioca de 1923, o futebol do Rio de Janeiro atravessou uma crise institucional. Inconformadas com a conquista vascaína, equipes como Fluminense, Botafogo, Flamengo e América criaram a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (Amea), uma nova entidade alternativa à Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), que organizava o torneio.

Para fazer parte da Amea, os atletas dos clubes não poderiam ter profissões consideradas inferiores nem ganhar dinheiro para jogar. As equipes deveriam ainda eliminar jogadores em condições duvidosas, exatamente pobres, negros, subempregados e analfabetos. Forçado a eliminar 12 atletas para ser aceito, o Vasco se recusou a fazê-lo, permanecendo na LMDT. Com isso, em 1924, houve dois campeonatos: o da Amea, vencido pelo Fluminense, e o da LMDT, conquista pelo alvinegro cruzmaltino.

No Rio de Janeiro dos anos 1920, onde a imigração portuguesa predominava, o Vasco como instituição de formada essencialmente por portugueses, tornou-se representante dessa remanescente colônia. Choques de torcidas de clubes que se afirmavam puramente brasileiros, como a do Flamengo, com os vascaínos refletiam claramente na esfera do jogo. Nesses embates vinham à tona o ressentimento inconsciente do antigo povo colonial contra a então

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rica colônia portuguesa. Esse ressentimento era ainda incrementado com o fato do Vasco vencer seus adversários com atletas negros (ROSENFELD, 1993)

5.1.1 O primeiro ídolo negro

No processo de democratização racial do futebol no Brasil, o centroavante Arthur Friedenreich foi uma peça chave. Filho de um alemão, que trabalhava no serviço público brasileiro, com uma brasileira, Fried, como era chamado, marcou o gol da vitória brasileira em 1919 contra o Uruguai e ganhou status de ídolo. Segundo o portal These Football Times, ele foi o primeiro superstar do futebol brasileiro. Para embranquecer-se, o jovem Arthur entrava em campo com uma tonelada de brilhantina na cabeça, tentando domar a cabeleira pouco ariana (ORICCHIO, 2006).

Figura 3: Arthur Friedenreich (Reprodução)

Mulato de olhos claros, com seu talento obrigou os dirigentes a passarem por cima do preconceito que barrava negros em seleções que representassem o Brasil. Fried marcou muitos gols e jogou até mais ou menos os quarenta anos. Na época, os recordes não eram valorizados, talvez por isso não se tenha registrado o número de gols que marcou. No entanto,

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um levantamento por volta do centenário do seu nascimento, em 1992, concluiu que ele teria balançado as redes mais de 1.000 vezes (WITTER, 1996).

Foi a partir de Fried que surgiram diversos outros ídolos negros no futebol brasileiro: Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Didi, Garrincha e, o maior de todos, Pelé. Além do talento, esses craques tiveram em comum o fato de terem sido abraçados pelas massas. Rosenfeld (1993) atribui esse entrosamento entre astro e plateia à representatividade desses atletas em relação ao torcedor, que se enxerga no ídolo.

O jogador de futebol lhes pertencia; compreendiam-no, seu chute era o deles. Na medida em que começou a se comprovar o mesmo valor dos jogadores de raça negra – a princípio posto em dúvida pelo próprio homem de cor – cresceu simultaneamente a autoconsciência das massas e elas começaram a sentir o jogador negro ou mulato como seu representante (WITTER, 1996).

As atuações de Fried refletiram bastante nas arquibancadas, que tornaram-se cada vez mais repletas de pessoas do povo. O futebol vinha ganhando espaço nas camadas mais populares e na esfera desportiva do país. Com o crescimento do número de adeptos, a importância do esporte como recreação e entretenimento tornava-se evidente (WITTER, 1996).

O sucesso de Fried, por sua vez, não impediu que outros negros e mulatos fossem deixados de lado da seleção brasileira em jogos contra europeus. Acreditava-se que o país ficaria mal visto caso escalasse atletas racialmente incorretos. Em uma partida em homenagem ao rei da Bélgica, Alberto, em 1920, quando ele visitava o Rio de Janeiro, a seleção foi cuidadosamente embranquecida. O embranquecimento também ocorria quando os brasileiros excursionavam à Argentina. Já naquela época, os hermanos tinham o péssimo hábito de chamar os jogadores negros de macaquitos (ORICCHIO, 2006).

5.2. O NEGRO NA TV

O ponto de partida utilizado neste capítulo para tratar da representatividade do negro na TV será um levantamento realizado pelo coletivo Vaidapé, fundado em 2012 com o objetivo de retratar temas que ficam de fora dos holofotes da grande imprensa.

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Em pesquisa publicada em junho de 2017, o grupo constatou que apenas 3,7% dos apresentadores das principais emissoras de TV aberta do país são negros. As emissoras analisadas foram: Cultura, SBT, Rede Globo, Rede Record, RedeTV!, Gazeta e Bandeirantes.

Foram checados 204 programas das sete emissoras citadas transmitidos entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2017. O resultado foi um levantamento de 272 apresentadores que compõem as grades de programação. Desses, 261 foram classificados como brancos.

A emissora com maior diversidade foi a RedeTV!, onde pouco mais de 9% dos apresentadores são negros. Já a Record e o SBT são as campeãs no quesito branquitude. Ambas não possuem sequer um apresentador negro figurando nos programas analisados. Na emissora de Silvio Santos, a única apresentadora negra que constava na grade era a jornalista Joyce Ribeiro, demitida no início de 2017.

De acordo com Portal (2016), as principais emissoras de TV detêm de forma intencional o padrão europeu de jornalistas para a apresentação de telejornais. Este padrão está baseado na cor da pele, em traços físicos e textura dos cabelos. É o que o autor define como embranquecimento midiático.

O papel do jornalismo, por sua vez, não está condicionado à cor da pele, tampouco à textura do cabelo, porém o padrão estético adotado internacionalmente é questionável, assim como a não aceitação da própria identidade cultural e social (PORTAL, 2016).

Além da baixa representatividade numérica no jornalismo de TV, a representação do negro na mídia é quase sempre negativa. Normalmente os negros das novelas não têm família formada, não são bem sucedidos, não estão no lugar de protagonistas e carregam estereótipos de vagabundos e preguiçosos.

Em Negro, Macumba e Futebol, Rosenfeld (1993) relaciona alguns estereótipos negativos da população negra: preguiçosos, pouco confiáveis, descuidados, falsos, sujos, pervertidos, inconstantes, supersticiosos, selvagens, briguentos, depravados, burros, primitivos, beberrões e incontroláveis.

O autor também lista estereótipos que define como “aparentemente positivos”. Os negros são: simples (portanto, podem vivem com menos dinheiro que os brancos), humildes, dóceis, afáveis (característica positiva, que por outro lado caracteriza a personalidade do escravo ideal), talentoso do ponto de vista musical e da dança (pode não estar tudo bem com

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ele, mas vive com mais prazer do que nós), muito forte (portanto, adequado aos trabalhos mais pesados), religioso (eles são pobres, mas encontram na fé mais alento do que nós no dinheiro), sensuais, dotados de sexualidade (a mulher negra como objeto sexual do homem branco), emotivos, imaginativos (eles são mesmo crianças, não podemos leva-los muito a sério).

Como vemos, os estereótipos positivos são quase piores para as pessoas de cor do que os exclusivamente depreciativos. Um estereótipo como o da simplicidade justifica a oferta de funções desvantajosas e maus salários (ROSENFELD, 1993).

Muniz (2011) destaca que a baixa presença numérica e a representação demasiadamente estereotipada do negro na mídia brasileira são um bom termômetro do racismo no país. Segundo ele, a forma como os estereótipos são reforçados e as caricaturas repetidas dão conta de que o racismo está, de fato, arraigado na cultura nacional.

Em entrevista ao Observatório de Direito à Comunicação, o publicitário e diretor executivo do Instituto Mídia Étnica, Paulo Rogério Nunes, afirma que há um racismo enorme na TV brasileira. Ele compara as emissoras do Brasil com as dos Estados Unidos e garante que na América do Norte há um número maior de negros atuando em papeis de destaque.

Ele cita como exemplo de estereotipação do negro o personagem Mussum, que era retratado como um homem ébrio, maltrapilho, vagabundo e sem perspectiva. Segundo Nunes, em vários momentos da teledramaturgia e em outras produções da TV brasileira, há uma carga muito grande de estereótipos e preconceitos. Há uma ação deliberada para, além de sub- representar, colocar os negros e negras em patamar de desigualdade e inferioridade.

Ainda de acordo com Paulo Rogério Nunes, o Brasil tem como uma de suas principais características a diversidade cultural e as diversas contribuições dos povos, mas a TV não representa estes grupos. Isso, segundo ele, é parte da ideologia que fez com que políticas públicas do Estado brasileiro e toda concepção dentro da escola, das universidades e nos meios de comunicação valorizassem e privilegiassem a matriz do colonizador europeu.

Outro problema é o fato do racismo ainda não possuir o devido espaço de discussão na mídia nas inúmeras situações onde ele está presente, ainda que este cenário venha mudando. Para Muniz (2011), uma das explicações ou justificativas para isso encontra-se na seleção primordial do jornalismo do que é e do que não é notícia. Nesses parâmetros, o racismo não se constituiria em um valor-notícia, especialmente na editoria de esportes.

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5.3. RACISMO

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Evanildo Bechara (2011), racismo é a doutrina que prega a superioridade de uma raça sobre as outras, bem como a prática de preconceito racial. As características fenotípicas são utilizadas como justificativa para atribuição de valores positivos ou negativos, atribuindo a essas diferenças a justificativa para a inferiorização de uma raça em relação à outra (CFESS, 2016).

Segundo o Estatuto da Igualdade Racial, discriminação racial ou étnico-racial é toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada (BRASIL, 2010).

Desigualdade racial é definida como toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica. A desigualdade de gênero e raça é assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais.

De acordo com o CFESS (2010), o racismo se manifesta de diferentes maneiras no âmbito das relações individuais, passando pelas relações estruturais e institucionais. Essas manifestações geram múltiplas violências, guerras, desigualdade racial, perseguição religiosa, extermínio, além de segregação e isolamento social.

O racismo institucional está presente em diversos espaços públicos e privados. Ele está expresso nas relações de poder instituído através de atitudes discriminatórias e de violação de direitos. Por estar, muitas vezes, tão presente nas práticas cotidianas institucionais, naturaliza comportamentos e ideias preconceituosas, contribuindo para a geração e/ou manutenção das desigualdades étnico-raciais (CFESS, 2010).

O preconceito racial é o julgamento antecipado, que fazemos contra uma pessoa, grupos de indivíduos ou povos, em decorrência de sua origem, cultura, religião, fenótipos ou simplesmente por não conhecermos ou termos algum contato e convivência. Aparece em opiniões formadas, muitas vezes, a partir de estereótipos e sem fundamentação concreta (CFESS, 2010 p. 12).

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Segundo o Art. 2º do Estatuto da Igualdade Racial, é dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

No seu Art. 3º, o Estatuto diz que além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.

5.4. A VIOLÊNCIA CONTRA O NEGRO

Em decorrência do racismo, historicamente a violência contra a população negra é exponencialmente maior do que contra a população não negra no Brasil. De acordo com o Atlas da Violência de 2017, de cada 100 pessoas assassinadas no país, 71 são negras. Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo vítimas todos os anos como se vivessem em situação de guerra.

Ainda segundo a publicação, há também uma inversão nas taxas de homicídio quando comparamos as vítimas negras e não negras. Considerando se o indivíduo era negro ou não, entre 2005 e 2015, foram verificados dois cenários completamente distintos. Enquanto, neste período, houve um crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros, a mortalidade de indivíduos não negros diminuiu 12,2% (IPEA, 2017).

O Atlas da Violência analisa dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que traz informações sobre incidentes até ano de 2015. Complementarmente, em alguns tópicos, as informações do SIM são cruzadas com outras provenientes dos registros policiais e que foram publicadas no 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

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Os números do Atlas da Violência dialogam com os do Mapa da Violência (2016), que igualmente apontam uma mortalidade maior de negros em relação aos não negros nos primeiros anos do século XXI no Brasil.

Levando em consideração as mortes por armas de fogo entre a população branca, no ano de 2003 foram cometidos 13.224 homicídio, enquanto em 2014 esse número caiu para 9.766, o que representa uma queda de 26,1%. Em contrapartida, o número de vítimas negras passa de 20.291 para 29.813, aumento de 46,9%.

Incorporando às análises as respectivas populações, obteremos as taxas de homicídio por arma de fogo (HAF) por 100 mil habitantes, temos como resultados para o país como um todo, queda nas taxas de HAF de pessoas brancas de 14,5 por 100 mil, em 2003, para 10,6, em 2014, diminuição de 27,1%. Concomitante crescimento de 24,9 HAF por 100 mil negros, em 2003, para 27,4 em 2014, aumento de 9,9%.

Os dados mais recentes da violência letal apontam para um quadro que não é novidade, mas que merece ser enfatizado: apesar do avanço em indicadores socioeconômicos e da melhoria das condições de vida da população entre 2005 e 2015, vivemos ainda numa nação desigual, que não garante a vida para parcelas significativas da população, em especial aos negros (IPEA, 2017).

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6. OS DONOS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO BRASIL

Antes de entrar propriamente na análise do objeto deste trabalho, é necessário mostrar a quem pertencem os meios de comunicação do Brasil. Para isso, será apresentado um levantamento realizado pelo grupo Intervozes em parceria com o Repórteres Sem Fronteiras, publicado em outubro de 2017. De acordo com a pesquisa, entre as famílias proprietárias dos 50 maiores veículos de mídia impressa, rádio, televisão e internet destacam-se as famílias Marinho, Macedo, Saad, Abravanel, Frias e Mesquita.

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Figura 4: Representantes das famílias donas das grandes empresas de mídia no Brasil (Reprodução)

A pesquisa selecionou 50 veículos ou redes baseados em critérios de audiência, alcance e relevância para a formação de opinião. Dessa maneira, foram analisadas as redes de televisão aberta Globo, SBT, Record, Band, RedeTV!, RecordNews, TV Brasil, Rede Vida e Gospel, assim como os veículos de televisão paga Globo News e Band News; as redes de rádio Jovem Pan, Gaúcha Sat, Band FM, Globo AM/FM, Transamérica, Mix FM, CBN, Rede Católica de Rádio, Rede Aleluia, Bandeirantes, BandNews e Novo Tempo; os portais Globo.com, UOL, Abril, IG, ClicRBS, Estadão, R7, Revista Fórum, O Antagonista e BBC; as revistas Veja, Época e IstoÉ e os jornais Folha de S. Paulo, O Globo, Super Notícia, O Estado de S. Paulo, Zero Hora, , Diário Gaúcho, Agora São Paulo, O Estado de Minas, Valor Econômico, Correio Braziliense, O Tempo, Correio do Povo e Daqui.

Segundo o levantamento, os 50 veículos analisados pertencem a 26 grupos ou empresas de comunicação. Desses, todos possuem mais de um tipo de veículo de mídia e 16 possuem também outros negócios no setor, como produção cinematográfica, edição de livros, agência de publicidade, programação de TV a cabo, entre outros. Além disso, 21 dos grupos ou seus acionistas possuem atividades em outros setores econômicos, como educação, financeiro, imobiliário, agropecuário, energia, transportes, infraestrutura e saúde. Há ainda proprietários que são políticos ou lideranças religiosas.

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Cinco grupos ou seus proprietários individuais concentram mais da metade dos veículos: 9 pertencem ao Grupo Globo, 5 ao Grupo Bandeirantes, 5 à família Macedo (considerando o Grupo Record e os veículos da IURD, ambos do mesmo proprietário), 4 ao grupo de escala regional RBS e 3 ao Grupo Folha. Outros grupos aparecem na lista com dois veículos cada: Grupo Estado, Grupo Abril e Grupo Editorial Sempre Editora/Grupo SADA. Os demais grupos possuem um veículo da lista.

Outro ponto destacado é que grande parte dos grupos pertencem a famílias que transmitem seus negócios – e suas concessões públicas, no caso de rádio e TV – para as gerações seguintes. Entre eles, há alguns bilionários listados pela revista Forbes (2017), como Roberto Irineu Marinho, José Roberto Marinho e João Roberto Marinho (Grupo Globo), Aloysio de Andrade Faria (Grupo Alfa) e ainda Carlos Sanchez e Lírio Parisotto (Grupo NC, que tem parceria com o Grupo RBS). Outros donos de mídia já estiveram na lista, como os irmãos Victor Civita Neto, Giancarlo Franceso Civita e Roberta Anamaria Civita (Grupo Abril), Edir Macedo (Grupo Record e IURD) e Sílvio Santos (SBT). Macedo foi o único a contestar as informações, dizendo que a revista confundiu suas propriedades pessoais com as da igreja.

De acordo com o Intervozes, os interesses dos grupos impedem a existência de uma pluralidade de vozes, o embate de opiniões e a coexistência de valores e visões de mundo diferentes. A mídia brasileira de maior audiência é controlada, dirigida e editada, em sua maior parte, por uma elite econômica formada por homens brancos.

7. APRESENTAÇÃO DOS CANAIS ANALISADOS

Neste tópico será apresentado uma breve descrição dos quatro canais escolhidos para serem analisados neste trabalho. Como fontes bibliográfica, foram privilegiadas as descrições presentes nos próprios sites das empresa, sendo utilizadas outras fontes apenas quando estes sites não apresentavam a descrição do canal.

7.1 ESPN

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Primeira emissora esportiva na TV por assinatura no Brasil, a ESPN iniciou suas atividades no país em 1989 e atualmente está presente em mais de 60 países, em todos os continentes.

Contando com 4 canais em HD no Brasil (ESPN, ESPN Brasil, ESPN+ e ESPN Extra), a ESPN transmite ao vivo os principais eventos esportivos do mundo, entre eles mais de 20 campeonatos do futebol internacional, com destaque para a Premier League (Inglês), La Liga (Espanhol), Bundesliga (Alemão), Serie A (Italiano) e UEFA Europa League. Referência na transmissão dos esportes americanos, a ESPN exibe as principais ligas do país como a NFL, NBA, MLB, NHL, MLS, além dos confrontos da NCAA (liga universitária norte- americana). A emissora também transmite competições do mundo do tênis, surfe, rugby, ciclismo, poker, eSports, esportes radicais, entre outros.

Além dos seus quatro canais de TV, a ESPN disponibiliza as transmissões esportivas e atrações do jornalismo no WatchESPN, plataforma digital disponível para assinantes dos canais via aplicativo para iOS e Android e também pelo portal ESPN.com.br/watch. O serviço ESPN Play, integrado à plataforma WatchESPN, oferta parte do conteúdo da emissora para fãs de esportes assinantes de provedores banda larga.

7.2 SPORTV

Com uma programação dedicada aos esportes de preferência nacional, os canais SporTV cobrem os principais eventos do Brasil e do mundo, transmitindo mais de 4.000 eventos ao vivo por ano. Sportv e Sportv2 são os únicos canais de esportes de cobertura nacional 100% brasileiros.

Criado em 1991 com o nome Top Sports e passando, em 1995, a se chamar Sportv, o canal, pertencente à Globosat Programadora Ltda., oferece, além dos grandes eventos nacionais e internacionais, programas esportivos como o Redação SporTV, Arena Sportv, SporTV Tá na Área, Sportv News, entre outros.

Em 2004, foi criado o Sportv2, para conferir mais visibilidade aos programas e eventos do mundo dos esportes, além de garantir espaço para a exibição de mais eventos ao vivo. Inicialmente, o canal apresentava a programação do Sportv com intervalo de seis horas, funcionando como alternativa para os assinantes que desejavam assistir ou rever os programas exibidos em outro horário. Em agosto de 2005, o Sportv2 passou a ter programação e horários próprios, com programas e eventos que seguem o mesmo padrão do canal matriz.

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7.3 ESPORTE INTERATIVO

O Esporte Interativo (EI) é a marca de esportes da Turner no Brasil, com programação 100% dedicada à cobertura esportiva. O EI conta com dois canais na TV paga, Esporte Interativo e Esporte Interativo 2, um na TV Aberta (Esporte Interativo BR) e um serviço digital que dá acesso ilimitado a todos os conteúdos dos canais Esporte Interativo (Esporte Interativo Plus). O canal foi criado em 2007 e adquirido pela Turner em janeiro de 2015.

A marca possui os direitos de transmissão da TV paga brasileira, incluindo os meios digitais, de todos os jogos da Liga dos Campeões da UEFA desde a temporada 2015/16. Para os anos de 2019 a 2024, possui contrato de transmissão da Série A do Brasileirão com os clubes Atlético-PR, Bahia, Ceará, Coritiba, Criciúma, Figueirense, Fortaleza, Internacional, Joinville, Paraná, Paysandu, Ponte Preta, Sampaio Corrêa, Santa Cruz e Santos. Possui direitos ainda de Europa League, Séries C e D do Brasileirão, campeonatos estaduais, Copa do Nordeste, Copa Verde, Boxe Internacional, eventos de MMA, entre outros.

7.4 FOX SPORTS BRASIL

Fox Sports Brasil é um canal de televisão por assinatura brasileiro voltado para transmissão de eventos esportivos 24 horas por dia. Está disponível desde 5 de fevereiro de 2012 em todo o território brasileiro, em algumas operadoras no lugar do canal Speed Channel. O canal está presente atualmente nas maiores operadoras de TV por assinatura: NET, Sky, TV e TV também incluso na Vivo TV, Nossa TV, Algar TV e TV Alphaville.

O Fox Sports já estava presente em quase todos os países da América do Sul, América do Norte, América Central e Caribe, exceto na Guiana, Suriname e Guiana Francesa, e há muito tempo visava o mercado brasileiro. O canal só pôde ser lançado no país após a compra da participação majoritária da Fox Pan American Sports, que pertencia a HM Capital Partners.

Canais pertencentes ao mesmo grupo transmitiram alguns eventos exclusivos do canal Fox Sports, como o FX e a Fox que transmitiram a Copa Libertadores, a Copa Sul-Americana e eventos de artes marciais mistas.

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8. OS PAPEIS DO NARRADOR E DO COMENTARISTA

A escolha das figuras do narrador e do comentarista para este trabalho se deve ao fato destes profissionais, em uma transmissão esportiva, representarem, respectivamente, os papeis de líder e especialista no assunto. Ou seja, lugares de destaque. Produtores, cinegrafistas e assistentes não aparecem para o espectador e os repórteres, como a própria definição sugere, apenas reportam os fatos, não formulando opiniões ou exercendo papeis de comando na equipe.

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8.1 NARRADOR

De acordo com Gasparino (2013), é o narrador quem explica o que acontece e como acontece, pede a opinião ou a análise do comentarista e os repórteres de campo apresentam detalhes pontuais ou registros técnicos que os primeiros não dispõem, principalmente em uma transmissão off tube.

Assim, o narrador torna-se o principal elo entre o público e o meio de comunicação. É comum, por exemplo, em uma transmissão o narrador postar-se entre os comentaristas, ficando no centro do quadro e por isso se destacando mais. Além disso, é ele quem abre e fecha a transmissão; é a ele que os repórteres chamam na hora de passar qualquer informação; é ele quem convoca os comentaristas a opinarem; e a sua palavra é sempre prioritária na transmissão.

Ao longo dos anos, a narração esportiva tornou-se grande entretenimento para o público. Isso se deu muito em função do trabalho realizado pelos narradores de rádio, que narravam os jogos e tentavam empolgar e causar emoção nos ouvintes (MOURA, MARTINS, OLIVEIRA, AMORIM, 2008).

Eles distorciam os fatos exagerando na hora de narrar um lance do jogo. Para isso, usavam a emoção, o excesso de bordões e as frases cômicas. Como o espectador não podia ver o que acontecia, era obrigado a acreditar em tudo o que o locutor afirmava. Com o advento da televisão, o espectador passou a acompanhar as transmissões de um modo diferente. Portanto, esse surgimento da imagem, na década de 1950, acarretou em mudanças na linguagem do jornalismo esportivo (MOURA, MARTINS, OLIVEIRA, AMORIM, 2008).

8.2 COMENTARISTA

No Brasil, a figura do comentarista de futebol surge ainda no rádio como uma forma de incrementar as transmissões. Uma das maiores inovações da Rádio Panamericana no esporte foi a criação do cargo de comentarista em suas transmissões de futebol. Pedro Luís e Mário Moraes formavam uma dupla inseparável. Na Panamericana, Mário Moraes não era um simples coadjuvante. A emissora deu espaço para que ele se transforma-se num nome tão forte quanto o do narrador (SOARES, 1994).

Na TV, o comentarista segue essa tendência e vem pra dar dinamismo à transmissão. Junto com ele, também estão as entrevistas pré e pós-jogo, que trazem informações históricas

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- dados, preparação dos times durante os dias anteriores, história do confronto (DA SILVEIRA, 2009).

De acordo com o Manual de Redação da Folha de S.Paulo (2013), o comentário é parte da análise da notícia e seu autor - que pode ser repórter, redator, editor, ou especialista convidado – além das qualidades necessárias a um comentário (clareza, originalidade, correção e vigor estilístico), deve dispor de elementos concretos e informações fundamentadas que justifiquem suas conclusões. O analista deve ter nítido o seu objeto, precisa reunir leituras e dados seguros a respeito do tema, mesmo que não utilize todos eles, e tem de refletir sobre a relevância de sua análise para o interesse público.

9. ANÁLISE DO OBJETO

Finalmente chegamos na análise do objeto do trabalho, que é a representatividade numérica dos narradores e comentaristas de futebol negros nos canais ESPN, Sportv, Fox Sports e Esporte Interativo, todos eles especializados na cobertura esportiva de diferentes modalidades e disponíveis em pacotes de TV fechada.

Para se chegar a essa lista, foi feita varredura nos elencos das emissoras. No caso específico do Esporte Interativo, esse trabalho foi facilitado pelo fato de estar disponível no

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site da emissora uma página com o elenco, onde há uma foto, o nome e a função (narrador, comentarista, repórter, apresentador, correspondente) de cada profissional.

A classificação em negros e não negros foi feita pelo autor da análise. Portanto, foi uma heteroclassificação e como tal pode, naturalmente, gerar questionamentos e interpretações. Para se aproximar o máximo possível de um resultado fidedigno e academicamente válido, foram utilizados como referências de cor/raça dois ex-jogadores, um notoriamente negro e outro notoriamente branco, de grande destaque no cenário mundial: o brasileiro Edson Arantes do Nascimento (Pelé) e o holandês Johan Cruijff. Esses ex atletas foram escolhidos para que possamos ver com qual fisionomia a imprensa esportiva brasileira mais se assemelha.

Após coletados e quantificados os dados, estes foram comparados com uma pesquisa já apresentada neste trabalho, referente ao número de apresentadores das sete emissoras de TV aberta do Brasil para ver as diferenças e similaridades entre essas realidades: a TV aberta e a TV fechada; a cobertura esportiva e a cobertura geral. Os dados foram também sobrepostos a outras realidades mostradas nesse trabalho, como a histórica representação do negro na televisão brasileira, as diferentes manifestações do preconceito racial e a violência contra a população negra.

9.1. RESULTADOS ENCONTRADOS

A contagem dos profissionais atuantes nas emissoras de TV fechadas especializadas na cobertura esportiva apontou um total de 99 comentaristas e 58 narradores trabalhando nos jogos e programas de futebol.

Em relação ao número de comentaristas, o elenco do canal Esporte Interativo possui 16 profissionais, desses, apenas um é negro. O Sportv, canal com o maior elenco, possui 42 comentaristas e apenas um negro. Enquanto o ESPN conta com 24 comentaristas e também apenas um negro. O Fox Sports, com 17 comentaristas, também possui um único negro no seu casting de especialistas em futebol.

Em números percentuais, as quatro emissoras juntas têm apenas 4% dos seus comentaristas de futebol negros. Os quatro canais possuem apenas um comentarista negro cada.

Sobre o número de narradores, dos 58 listados dois são negros e ambos trabalham no canal Sportv, que assim como acontece com número de comentaristas, também possui o maior

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elenco entre as quatro emissoras, com 39 profissionais. O Esporte Interativo, com quatro narradores, o Fox Sports 10 e o ESPN com cinco não possuem narradores negros nos seus elencos. Percentualmente este número representa 3,4 %.

Somando o total de profissionais, temos 157 narradores e comentaristas trabalhando nas transmissões e programas de futebol nos canais Sportv, ESPN, Esporte Interativo e Fox Sports. Desses, seis não negros; o que percentualmente representa 3,8% do elenco.

A explicação para o fato do Sportv possuir um número muito superior de profissionais em relação aos demais canais é o fato desta emissora, que pertence ao grupo Globo, ter na sua grade de programação uma gama maior de transmissões, sobretudo no que diz respeito ao Campeonato Brasileiro, maior torneio de futebol profissional do país e que a Globo detém exclusividade nos direitos transmissão das séries A e B; de modo que em muitas dessas transmissões eles utilizam repórteres, comentaristas e narradores das afiliadas locais da Globo. Esses profissionais também foram considerados na contagem do elenco do Sportv.

9.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os resultados encontrados dialogam com o levantamento realizado pelo coletivo Vaidapé, que constatou que apenas 3,7% dos apresentadores das emissoras de TV aberta do país são negros. A pesquisa levou em consideração as emissoras Cultura, SBT, Rede Globo, Rede Record, RedeTV!, Gazeta e Bandeirantes.

Chama atenção o fato de em três das quatro emissoras analisadas no presente trabalho – ESPN, Esporte Interativo e Fox Sports – não contarem com narradores negros nos seus elencos. No que diz respeito ao elenco de comentaristas, é curioso também o fato de cada emissora possuir apenas um negro em seus quadros.

Outro ponto que merece destaque, diz respeito ao elenco do Sportv responsável pela cobertura do futebol no estado da Bahia. Todos os profissionais responsáveis por esta função são brancos. São eles: os narradores Thiago Mastroianni e Rainan Paiva, os comentaristas Jorge Allan Vivas, Gustavo Castellucci e o repórter Danilo Ribeiro. É sempre bom ressaltar que Salvador é a cidade mais negra fora do continente africano no mundo.

Em relação aos profissionais da imprensa que são ex-jogadores, apenas dois foram classificados como negros neste estudo. São eles: César Sampaio e Zinho. Ambos ocupavam função de comentarista respectivamente nos canais ESPN e Fox Sports. Ao todo, o estudo listou 15 profissionais que fizeram carreira nos gramados antes de ocuparem espaço nas

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transmissões esportivas. São eles: Roger Flores, Edinho, Muricy Ramalho, Ricardo Rocha, William Machado, Alex, Luizão, Zetti, Zé Elias, César Sampaio, Edmundo, Jackson Follmann, Caio Ribeiro e Zinho.

Um caso que merece ser destacado é o do comentarista Roger Flores. Ex-jogador de média expressividade, não tendo feito grande carreira na Europa ou obtido sucesso na Seleção Brasileira, Roger se aposentou dos gramados em 2012 e naquele mesmo ano foi contratado pelo Sportv, para atuar como comentarista. Desde 2017 ele apresenta também o programa Troca de Passes.

Curiosamente, Roger atende ao chamado padrão estético que historicamente vem marcando os apresentadores da televisão brasileira. Padrão este que se distancia do perfil dos grandes jogadores da história do nosso futebol e se aproxima do modelo europeu – com olhos e pele claras e traços afilados.

Figura 5: Roger Flores (Reprodução)

A baixa representatividade de narradores e comentaristas negros nas coberturas futebolísticas dos principais canais especializados de TV fechada do nosso país reforça o estereótipo do negro mal sucedido, bestializado e incapaz que a teledramaturgia vem escrevendo desde que a televisão foi inaugurada no Brasil.

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Essa praticamente ausência de profissionais afrodescendentes nas transmissões serve para alimentar a invisibilização desses povos que vivem marginalizados e carentes de protagonismo, pois numa transmissão esportiva, para além dos jogadores, as estrelas são o narrador e os comentaristas. Afinal de contas são eles que comandam o programa, emitem opiniões e ligam o espectador ao espetáculo.

Os números apurados neste levantamento apontam para um quadro de discriminação étnico-racial nos elencos destes quatro canais. Pois, a minoria numérica de negros nos quadros de narradores e comentaristas de futebol do Sportv, ESPN, Fox Sports e Esporte Interativo demonstra uma restrição ou preferência baseada em raça e cor.

O padrão de profissionais brancos na cobertura esportiva se faz presente também nas emissoras de TV aberta, conforme podemos ver no elenco selecionado pela Rede Globo de Televisão para a cobertura dos jogos da Copa do Mundo da Rússia. Para transmissão do maior evento esportivo do mundo, a emissora selecionou os narradores Gustavo Villani, Cléber Machado, Galvão Bueno, Luís Roberto, Rogério Corrêa e Rembrandt Junior.

Figura 6: Narradores da Globo da Copa 2018 (Divulgação)

Outro caso emblemático que levantou a hipótese do racismo no jornalismo esportivo foi o afastamento do núcleo de esportes da Globo da repórter Camila Silva. Em pleno ano de

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Copa do Mundo, a única repórter esportiva negra da emissora em São Paulo foi temporariamente transferida para a cobertura da editoria de Cidade.

Camila Silva estreou no Globo Esporte SP, em 2016, e cobria o dia a dia dos grandes clubes da capital paulista. A jornalista se despediu da cobertura esportiva em 21 de março com um texto em seu perfil na rede social Instagram em que associava sua passagem pela área ao “sonho” interrompido do goleiro Paes, também negro e de origem humilde, que na véspera tomou um gol numa falha e viu seu time, o São Caetano, ser desclassificado no pelo São Paulo.

Figura 7: Camila Silva (Reprodução)

“Passar pelo Esporte foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida pra eu entender o quanto amo o Jornalismo, como ele funciona, qual a minha função no mundo e como posso desempenhar meu papel sem passar pela vida em branco e sem perder na automatização do dia a dia a empatia”, escreveu a jornalista em seu perfil no Instagram.

Segundo o portal UOL, nos bastidores da Globo, a movimentação teria sido atribuída à promoção da apresentadora Mari Palma para o departamento de Esportes. Mari foi escalada para produzir boletins sobre a Copa da Rússia.

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Figura 8: Mari Palma (Divulgação)

O racismo no jornalismo de TV brasileiro ficou evidente com o espanto causado quando a apresentadora Joyce Ribeiro, em abril de 2018, assumiu a bancada do Jornal da Cultura. Ela foi a primeira mulher negra a assumir um papel de destaque no telejornalismo do país. Em entrevista a Mauricio Stycer, na TV UOL, ela lamentou o fato de ainda em 2018 a presença de uma mulher negra na bancada de um telejornal levantar tantos questionamentos.

“Sou uma jornalista assumindo um papel importante dentro de um jornal muito prestigiado, com uma longa estrada e que jornalistas muito importantes já estiveram nessa posição, mas o fato de ser uma mulher negra nos dias de hoje ainda é destaque. Isso mostra que o racismo está aí, precisa ser combatido e que a representatividade é uma das nossas lutas.”

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Figura 9: Joyce Ribeiro (Divulgação)

Ainda em sua entrevista a Stycer, Joyce Ribeiro afirma que a TV é uma expressão da nossa sociedade, mas que de forma alguma a sociedade se vê representada na programação televisiva no que diz respeito aos critérios étnico-raciais.

“A minha presença representa a vitória de muitas pessoas. (...) Porque se assistir de uma maneira positiva conta. A gente não pode submeter nossas crianças e adolescentes a uma visão 100% negativa da nossa origem.”

Outro caso recente de discriminação racial na mídia de grande repercussão envolveu a escalação do elenco da novela Segundo Sol, da Rede Globo. Ambientada na Bahia, o folhetim escrito por João Emanuel Carneiro tem predominância de atores e atrizes não negros.

A divulgação do elenco gerou movimentação popular, como ameaças de boicotes nas redes sociais, viralização da campanha “Eu poderia estar na novela Segundo Sol” – que mostra cards com atores negros, ação do Ministério Público e críticas em veículos que discutem mídia e diversidade.

A branquitude da novela repercutiu, inclusive, internacionalmente. O jornal inglês The Guardian publicou uma matéria destacando a falta de negros em uma produção ambientada no estado mais negro do país.

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Figura 10: Manchete do The Guardian (Reprodução)

Em função de toda a discussão, a Globo divulgou uma nota onde afirma que “não pauta as escalações de suas obras por cor de pele, mas pela adequação ao perfil do personagem, talento e disponibilidade do elenco. E acredita que esta é a forma mais correta de fazer isso”.

O conteúdo da nota, por sua vez, reforça o racismo na produção da emissora. Uma vez que ela pontua que o “talento” dos artistas está entre os seus critérios de seleção ao passo que escala um elenco predominantemente branco.

O racismo também é presente na indústria cinematográfica brasileira. A própria Ancine, em um levantamento publicado em janeiro de 2018, definiu o mercado cinematográfico brasileiro como sendo protagonizado “por homens brancos”.

Dos 142 longas-metragens brasileiros lançados comercialmente em salas de exibição em 2016, 75,4% deles foram dirigidos por homens. As mulheres brancas assinam a direção de 19,7% dos filmes, enquanto apenas 2,1% foram dirigidos por homens negros. Nenhum filme em 2016 foi dirigido ou roteirizado por uma mulher negra.

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A situação de exclusão dos negros na programação de TV e papeis de destaque na mídia brasileira dialoga com o contexto social do país. De acordo com levantamento publicado pelo IBGE, o rendimento médio mensal real de todos os trabalhos das pessoas brancas (R$ 2 814) era maior que os rendimentos observados para as pessoas pardas (R$ 1 606) e pretas (R$ 1 570). As brancas apresentaram rendimentos 29,2% superiores à média nacional (R$ 2 178), enquanto as pardas e pretas receberam rendimentos 26,3% e 27,9%, respectivamente, inferiores a essa média.

A mesma pesquisa mostrou que em 2017 a massa de rendimento domiciliar per capita do país foi de R$ 263,1 bilhões. Desse total, 43,3% ficaram concentrados nos 10% da população brasileira com os maiores rendimentos, parcela superior à dos 80% com os menores rendimentos.

O Nordeste, região que concentra a maior parcela de negros do país, é onde esses 10% concentram a maior massa de rendimentos, 45%. No estado da Bahia, a concentração chega a 48,9%. No Sul a desigualdade é menor, 37,2%. Em Santa Catarina, por exemplo, os 10% de maior rendimentos detêm 32,4% dessa massa. Por esse levantamento percebemos uma relação direta entre concentração de renda e contingente populacional afrodescendente, onde quanto maior o número de negros mais a renda que circula na região está retida nas mãos dos não negros.

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10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto fica claro que a imprensa esportiva brasileira nos seus canais fechados de esporte obedece o padrão étnico-racial que marca também a televisão aberta, com apresentadores predominantemente não negros.

Comparativamente, se formos tratar o objeto de estudo analisado neste trabalho como um time de futebol, é como se este time ainda estivesse lá no final do século XIX e início do século XX, período em que a prática do esporte ainda era uma exclusividade da aristocracia branca.

Usando aquele parâmetro proposto anteriormente de comparação dos narradores e comentaristas com os ex-jogadores Pelé e Cruyff percebemos que fenotipicamente os elencos se aproximam mais do modelo holandês, o que reforça a ideia racista de que no Brasil o negro serve para jogar futebol, ou seja, desempenhar o trabalho físico, porém, não é capaz de exercer as funções intelectuais e analíticas relacionadas ao esporte.

Para transformar essa realidade, o presente trabalho acredita que devem ser seguidos os caminhos apontados pelo diretor executivo do Instituto Mídia Étnica, Paulo Rogério Nunes. É preciso contar as histórias dos grandes líderes negros, dos cientistas negros, sobretudo no estado da Bahia onde há uma grande diversidade de personalidades afrodescendentes, a exemplo de Milton Santos, Luiz Gama, Cosme de Farias, que trouxeram grande contribuição para os estudos sociopolíticos, alguns deles chegam a nomear logradouros de Salvador, mas nem por isso costumam ser lembrados pela mídia.

Ainda seguindo as orientações de Nunes, é necessário que os negros sejam fontes de matérias, independente de qual seja o tema, não ficando essa população restrita às pautas de nicho – sobretudo aquelas relacionadas ao preconceito e/ou orgulho de ser negro – ou policialescas.

Graças, sobretudo, ao sistema de cotas nas universidades e aos financiamentos universitários, os negros nos últimos 15 anos passaram a ter mais acesso ao ensino superior. Isso fez com que aumentasse o contingente de negros e negras médicos, advogados, engenheiros e com outra formações universitárias. Então é necessário que os veículos de comunicação deem voz a essas pessoas para que a sociedade tome conhecimento da existência

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delas. Para isso, no entanto, é necessário que as emissoras rompam com os estereótipos colonialistas que imperam nos grandes conglomerados de mídia.

É preciso ainda conferir ao racismo o devido espaço de discussão na imprensa. O jornalismo esportivo por diversas vezes se depara com casos de injúria racial em jogos de futebol, mas os profissionais da mídia muitas vezes lidam com o assunto sem problematiza-lo de fato. Talvez por orientação editorial, ou por não quererem “contaminar” o esporte com alguma atitude da torcida ou dos próprios jogadores. Fato é que o assunto costuma ser tratado de modo superficial.

Outra arma que vem fortalecer essa luta é a criação de veículos de comunicação feitos por negros. Uma mídia efetivamente negra no Brasil apresentará o ponto de vista dessa população sobre temas nacionais, como educação, saúde e desenvolvimento, não falando apenas sobre racismo ou cultura negra. É preciso haver ainda representação negra nos veículos tradicionais, uma vez que esta comunicação é a que chega à grande população. Para isso, se faz necessário o incentivo a políticas de democratização da mídia no sentido de tornar os canais de comunicação cada vez mais um reflexo da sociedade, onde não apenas negros, mas todas as minorias realmente se vejam representadas.

Para além de tudo isso, é necessário que a academia esteja mais arraigada em conhecer o fenômeno da falta de representatividade das minorias nos meios de comunicação, levando a discussão para as salas de aula, grupos de pesquisa e demais espaços universitários onde ela possa ser problematizada. A partir disso, é possível que surjam novos trabalhos sobre o problema e possíveis soluções.

O racismo deve ser estudado em outros segmentos do jornalismo, até para sabermos se esta realidade se repete para além do esporte. Esses estudos, inclusive, devem ser repetidos nos próximos anos para termos uma ideia se houve, ou não, algum tipo de transformação. Dessas pesquisas realizadas em diferentes períodos surgirão análises comparativas que poderão, inclusive, nortear políticas públicas e ações de combate ao racismo.

Além do que, esses levantamentos devem ser cruzados com planilhas que registram problemáticas sociais, como o Atlas da Violência – citado neste trabalho – para sabermos se a realidade que se apresenta nas ruas dialoga com aquela encontrada nos ambientes jornalísticos.

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É de grande importância também que os grupos de combate ao racismo na mídia, bem como aquelas pessoas que se mobilizam sem necessariamente estarem vinculadas a uma coletividade, sigam problematizando através das redes sociais, ações civis públicas, dentre outras formas de manifestação. Movimentos deste tipo podem sensibilizar pessoas que ainda não despertaram para a causa e colocam em evidência problemas que passariam despercebidos, como foi o caso da polêmica envolvendo a novela Segundo Sol, da Rede Globo, onde a emissora se viu obrigada, inclusive, a prestar um esclarecimento público pelo seu elenco majoritariamente não negro.

É de grande importância também que o Estatuto da Igualdade Racial seja levado a sério e se cumpra a normativa. Sobretudo o seu artigo 2º, onde consta que é dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

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