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31º Encontro Anual da ANPOCS

22 a 26 de outubro de 2007

Caxambu, MG

Seminário Temático Coleções, Museus e Patrimônio

COLEÇÕES DE PALAVRAS: POLÍTICAS PATRIMONIAIS E CANÇÃO POPULAR

Elizabeth Travassos

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio

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1 COLEÇÕES DE PALAVRAS: POLÍTICAS PATRIMONIAIS E CANÇÃO POPULAR

Elizabeth Travassos Centro de Letras e Artes Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO

Disse- que, para Homero, versejar era lembrar (Jacques LeGoff)

INTRODUÇÃO A 32ª Assembléia Geral da UNESCO aprovou, em 2003, a “Convenção para a salvaguarda do patrimônio oral e imaterial da humanidade”, documento que resultou de uma seqüência de debates sobre a representação da diversidade cultural dos povos nas políticas para o patrimônio cultural. Em abril de 2006, a Convenção entrou em vigor após ter sido alcançado o número mínimo de adesões de estados signatários. Um dos seus objetivos é corrigir a tendência etnocêntrica da Lista do patrimônio mundial cultural e natural (adotada em 1972), que abrange um número elevado de realizações da civilização cristã ocidental, em detrimento dos testemunhos das realizações da maioria dos povos (V. Lévi-Strauss, 2001:24. A lista referida pode ser vista em http://whc.unesco.org/fr/list). A preocupação com uma justa representação da diversidade cultural colocou as noções de oralidade e intangibilidade no centro da política da UNESCO para a cultura. O Programa de proclamações de obras-primas do patrimônio oral e intangível da humanidade antecedeu a aprovação do texto da Convenção (divergindo dele em alguns aspectos) e gerou, entre 2001 e 2005, três listas de complexos culturais agraciados com a distinção da UNESCO, espalhados pelos cinco continentes.

1 Versões preliminares deste texto foram apresentadas nos Seminários Museus, patrimônio e saberes tradicionais promovido em maio de 2006 pelo Centro Nacional de Cultura Popular do IPHAN e Patrimônio, Memória e Museus promovido em junho de 2006 pelo Programa de Pós-graduação em Memória Social da UNIRIO e Departamento de Museus do IPHAN. Agradeço aos organizadores e participantes de ambos os seminários por suas críticas e sugestões. Sou grata aos colegas Guacira Waldeck, Fernanda Teixeira de Medeiros, Felipe Trotta e Cláudia Matos por seus comentários e correções. O apoio do CNPQ torna viável a pesquisa à qual se vincula o presente trabalho. 3

A entrada em vigor da Convenção, em abril de 2006, é qualificada pelo Diretor Geral da Unesco como marco de uma nova etapa na “proteção da diversidade cultural e da criatividade humana” (V. a apresentação assinada por Koïchiro Matsuura em

UNESCO, 2006:2-3). A Convenção, ratificada por 76 países até maio de 2007 (v.

UNESCO, 2007:1), extinguiu o Programa de proclamações de obras-primas e instituiu duas outras listas: a lista representativa do patrimônio oral e imaterial da humanidade (Artigo 16º da Convenção) e a lista do patrimônio oral carente de urgente ação de salvaguarda (Artigo 17º). A proclamação de obras-primas cuja escolha se pautava pelo critério de excelência (invocado pelo Comitê do patrimônio mundial2) foi abandonada em favor de uma concepção inclusiva de patrimônio cultural – concepção afinada com a visão relativista e particularizadora da cultura, dominante na antropologia contemporânea. As noventa obras-primas proclamadas entre 2001 e 2005 não perdem seu status com o encerramento do Programa de proclamações e são automaticamente incluídas na lista representativa do patrimônio oral e intangível da humanidade. Nenhum outro complexo cultural receberá, porém, o título de obra-prima (conforme a cláusula transitória, artigo 31º da Convenção). A escolha dos bens que integrarão cada uma das duas novas listas caberá ao Comitê intergovernamental de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, que conta, atualmente, com vinte e quatro membros. Os estados que integram o Comitê são eleitos entre os signatários da Convenção de acordo com princípios de “repartição geográfica e rotatividade justas” (Artigo 6º da Convenção).

A leitura das proclamações de obras-primas na página eletrônica da UNESCO lembrou-me de outras listas, com as quais tenho contato cotidiano: as enumerações de nomes próprios, topônimos e substantivos comuns, que constituem um elemento formal recorrente na canção popular no Brasil. Elas são tão numerosas e significativas que convém agrupá-las em tipos para facilitar a exposição da análise. Distingo, basicamente: 1. Listas narrativas (que abrangem genealogias do ego da canção, inventários de lugares com que ele se identifica, inventários de coisas e seres, geralmente de caráter celebratório).

2 V. a página da UNESCO: “La Liste du patrimoine mondial comporte 851 biens constituant le patrimoine culturel et naturel que le Comité du patrimoine mondial considère comme ayant une valeur universelle exceptionnelle. Cette Liste comprend 660 biens culturels, 166 naturels et 25 mixtes répartis dans 141 Etats parties. Depuis octobre 2006, 184 Etats parties ont ratifié la Convention du patrimoine mundial” (os grifos são meus). 4

2. Listas lexicais (não-narrativas, nas quais os vocábulos se encadeiam por associação fônica ou semântica). 3. Listas mágicas (nas quais as palavras, encadeadas por associação fônica ou semântica, são encantamentos destinados a produzir efeitos imediatos sobre as pessoas e coisas). O primeiro tipo engloba as listas que Jack Goody (1977) chamou de retrospectivas e prospectivas, o segundo aproxima-se da lista dita lexical por esse autor e não tem relação direta e positiva com a produção de memória. O terceiro tipo pode ser tratado como um rito oral (Mauss, 1909). Observa-se, desde logo, que os inventários não são um mecanismo inusitado de produção da memória coletiva – ao contrário, eles são acionados seguidamente por agrupamentos sociais de dimensões e complexidade interna variadas e atualizados na voz de seus representantes. Mas nem todas as listas cantadas são inventários e algumas parecem coleções de palavras colhidas ao sabor da livre associação, sem nenhum caráter mnemônico. Proponho, então, pensar as listas do patrimônio oral e intangível da humanidade com a ajuda de seus correlatos que estão mais próximos do nosso cotidiano – as canções. Trata-se de participar do debate sobre o patrimônio acrescentando, aos argumentos que têm sido desenvolvidos por responsáveis pelas políticas culturais e por observadores perguntas suscitadas pelo convívio com a música popular. Por outro lado, a revelação de propriedades comuns às listagens chama a atenção para determinados aspectos da canção popular que não são novos, mas cujo peso não se tem avaliado sistematicamente. Ou seja, as observações dos analistas da política do patrimônio cultural também podem ser projetadas sobre as coleções de palavras da canção. Uma das motivações para a elaboração deste trabalho é a estranheza causada pelas escolhas inerentes às proclamações de obras-primas. Por que essas e não outras igualmente importantes e carentes de reconhecimento? Ao me mover das listas patrimoniais às enumerações de palavras na canção, elejo como variáveis a serem observadas: as diferentes escalas em que se produz a memória (do vilarejo à humanidade); a relação entre o sujeito da canção, o grupo social que representa e as listas, em comparação com a relação entre os gestores das políticas patrimoniais e os grupos sociais aos quais se dirigem. Tudo se passa como se dispuséssemos as listas do patrimônio e as da canção frente a frente umas das outras, para sondar sua homologia – 5 se é que há mais entre elas do que semelhança formal.3 Como se vê, a perspectiva que me pareceu apropriada à análise dos dois conjuntos de fenômenos é a de uma antropologia dos fatos de memória social, tal como produzidos em discursos diferentes entre si (de legisladores, funcionários de estado, especialistas, cantores, poetas) mas que apresentam, em comum, o aspecto formal do inventário.

PROCLAMAÇÕES Segundo a UNESCO, o patrimônio oral e imaterial abrange práticas, representações, saberes e técnicas.4 Ele manifesta-se nas expressões orais, incluindo a língua, nos espetáculos, rituais e festas, nas técnicas do artesanato tradicional, nos conhecimentos referentes à natureza. A UNESCO nos propõe, então, olhar representações e práticas sociais como “patrimônio”. Mais exatamente, propõe que isso seja possível graças à visibilidade em escala ampliada dada àquelas representações, práticas, saberes e técnicas que um agrupamento humano mais ou menos restrito já encara como seu patrimônio cultural. A UNESCO marcaria com o selo de um organismo supranacional o que já teria o selo localizado de um grupo particular. Nenhuma dessas proposições é simples. Como saber se a definição de patrimônio cultural da UNESCO é compartilhada por todos os povos? Será examinada sua pertinência para traduzir representações de populações heterogêneas? O encaminhamento de uma candidatura por um estado ao qual estão subordinadas populações heterogêneas garante essa pertinência? Naturalmente, os especialistas que assessoram a Seção do Patrimônio Intangível e os que integram o Comitê formulam as mesmas perguntas que nós e discutem as alternativas de resposta. Isso tem transparecido nas publicações da UNESCO, embora seja de se esperar a interposição de filtros entre o que se passa nas reuniões de trabalho e as informações para o público. A UNESCO noticiou, por exemplo, que alguns estados membros são favoráveis à rotatividade de elementos na lista representativa, enquanto outros temem que esse entra-e-sai de bens desvalorize o patrimônio imaterial e conduza a uma comparação desfavorável com a

3 V. a advertência de Pomian: “...uma aproximação de instituições que parecem díspares só pode ser legitimada na condição de ter sido fundada não numa semelhança externa, mas numa homologia de funções” (Pomian, 1984:56). 4 Estou traduzindo o texto do Artigo 2º da Convenção: “On entend par ‘patrimoine culturel immatériel’ les pratiques, représentations, expressions, connaissances et savoir-faire – ainsi que les instruments, objets, artefacts et espaces cultures qui leur sont associés – que les communautés, les groupes et, le cas échéant, les individus reconnaissent comme faisant partie de leur patrimoine culturel”. 6 inscrição perpétua que é própria do ingresso na Lista do patrimônio mundial (UNESCO, 2007b). Há nessas decisões toda a ambigüidade que os críticos apontam nas políticas da diversidade cultural, quando não na própria antropologia: mecanismos para corrigir distorções etnocêntricas reiteram, paradoxalmente, o “imperativo colonial” que confina os não-ocidentais à sua diferença. Pois a Lista do patrimônio mundial enaltece numerosas realizações do homem letrado e obras monumentais – devidamente separadas, graças às novas listas, das realizações imateriais, de aparência fugaz. O patrimônio intangível representado por vozes e corpos em movimento, sons de instrumentos musicais e tecnologias que se aplicam sobre suportes materiais perecíveis contrasta nitidamente com o gigantismo e a solidez de catedrais, palácios e pirâmides. As várias listas expõem o curto-circuito entre uma noção inclusiva e não- valorativa de cultura e a noção de “obra-prima” oriunda do mundo das artes, restritiva e seletiva. Este curto-circuito torna o tema do patrimônio oral propício à controvérsia e humor. Já se propôs, sarcasticamente, incluir a mentira piedosa e a voz passiva no rol de obras-primas do patrimônio oral.5

Convém notar que – tal como ocorre no tratamento que a UNESCO dispensa a qualquer assunto – a conformidade aos “instrumentos internacionais […] relativos aos direitos humanos” e a “exigência de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos” são condições sine qua non da atuação do órgão. Todas as práticas, representações, expressões e conhecimentos que as “comunidades” ou “grupos” consideram como seu patrimônio cultural são alvos potenciais da atuação da Seção do o Patrimônio imaterial da UNESCO, desde que não firam os direitos humanos (v. Artigo 2 da Convenção). Ethnos e anthropos equilibram-se no texto, sinalizando a gravidade dos dilemas que acompanham a apresentação, em tom festivo, do sucesso na tarefa de obter adesão dos estados.

Foi em 2001 a primeira proclamação da UNESCO, que apontou dezenove obras- primas (entre trinta e duas propostas concorrentes). O Programa de proclamações fora instituído em 1997 e entre seus objetivos estava recensear o patrimônio oral e intangível da humanidade e listá-lo (UNESCO, 2007a:4). Mesmo quando a “obra” é identificada com uma comunidade étnica minoritária, é o estado ao qual esta se subordina que

5 Quem cita a proposta de Cullen Murphy – incluir no patrimônio oral e imaterial a mentira piedosa, o fim de semana e a voz passiva – é a antropóloga Bárbara Kirshenblatt-Gimblett, em um artigo no número 221/222 da revista Museum International (UNESCO) (disponível em http://portal.unesco.org/culture/en/ev.php, acesso em 1 de agosto de 2006). 7 encaminha à UNESCO sua candidatura. Há obras-primas multinacionais cujas candidaturas foram apresentadas e apoiadas por dois ou três países, simultaneamente (V. Anexo 1).

A UNESCO noticia a primeira proclamação nos seguintes termos:

No dia 18 de maio de 2001, o Diretor Geral da UNESCO proclamou as primeiras 19 obras-primas do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade. Selecionadas por um júri internacional de 18 membros, elas foram escolhidas por seu destacado valor . Essa primeira proclamação sublinhou o valor do patrimônio cultural intangível e sua vulnerabilidade, particularmente diante da globalização, e a urgência das ações em prol de sua salvaguarda. Ao criar uma distinção internacional para o patrimônio cultural intangível, a UNESCO dirigiu a atenção da comunidade internacional para a importância do reconhecimento desse patrimônio que é essencial para a preservação da identidade e diversidade cultural dos povos. Por seu valor artístico, histórico e antropológico excepcional, os 19 espaços culturais e formas de expressão popular e tradicional proclamados representam uma variedade de testemunhos da riqueza e da diversidade do patrimônio cultural intangível no mundo: 4 na África, 7 na Ásia, 4 na Europa e 4 na América Latina e no Caribe. 6

Em 7 de novembro de 2003, a UNESCO emitiu a lista da segunda proclamação, com vinte e oito bens selecionados sobre um total de cinqüenta e seis candidatos. Foram honrados com a distinção a arte gráfica e oral dos Wayãpi, o canto védico da Índia, o teatro de bonecos da Indonésia, a festa dos mortos no México, entre outros (V. Anexo 2) Finalmente, em 2005, foi promulgada uma terceira lista de quarenta e três obras-primas (selecionadas num total de sessenta e quatro candidaturas), entre elas o -de-roda do Recôncavo Baiano (V. Anexo 3). Pode-se ler pelo avesso os números das listas: foram rejeitadas treze candidaturas em 2001, depois vinte e oito, depois vinte e uma.

Apesar de a UNESCO afirmar que o Programa já alcançou seu objetivo (UNESCO, 2006a:3), há certo desconforto no ar. Como encerrar bem essas proclamações? Como frear as candidaturas? Cada estado membro poderia enviar somente uma proposta a cada dois anos, conforme o Regulamento do Programa. Com efeito, seria estranho se a excepcionalidade do gênio criador humano estivesse concentrada num continente, por exemplo.

Como explicam os documentos da UNESCO, a idéia da Convenção para a salvaguarda do patrimônio oral e imaterial é proteger tradições culturais vivas, porém vulneráveis. Em que consiste esta proteção? Eis uma pergunta difícil de responder sem provocar críticas e objeções. Parece haver consenso, porém, quanto à necessidade de

6 As traduções são de minha responsabilidade. O texto original foi extraído do site da UNESCO (http://www.unesco.org/culture/intangible-heritage/masterpiece, acesso em 15 de abril de 2006 ). 8 equacionar preservação da pluralidade cultural e supressão de desigualdades sociais, conforme assinalou a antropóloga Letícia Vianna. Nenhuma proteção terá efeito se não forem asseguradas condições dignas de vida aos grupos sociais e indivíduos que criam e reproduzem as formas culturais e os conhecimentos destacados como patrimônio de toda a humanidade (Vianna, 2001:95). A proclamação é um ato que distingue, marca com um selo. Trata-se de reconhecer, ademais, que a forma cultural eleita, por ser valiosa para determinadas comunidades, é também valiosa para todos os homens. Ao proclamar o valor de formas culturais oriundas de grupos minoritários e subalternos como os índios Wayãpi e os praticantes do samba-de-roda, a política de patrimônio cria, de fato, um novo valor, pois elas são ipso facto projetadas em circuitos que envolvem turismo, design, espetáculos, galerias de arte etc. (v. Kirshenblatt-Gimblett, 2006). Mais que isso, a inclusão cria coisas porque a intangibilidade das representações e práticas não se presta facilmente ao inventário – como reiteram os etnógrafos e como se constata numa observação superficial das listas na canção: enumeram-se de preferência substantivos. É mais fácil enumerar artefatos, daí o risco de se prepararem listas a partir de enumerações de traços culturais isolados de contextos sociais e simbólicos. A inclusão na lista interfere no valor e na definição social das formas culturais. Entre os significados do verbo proclamar, segundo o Dicionário Aurélio, estão os que explicitam a transferência de valor que é resultado da ação e o poder de que está investido o sujeito para efetivar tal transferência. Sinônimo de aclamar, promulgar, decretar, o verbo designa ações de autoridades (e.g. “Os generais proclamaram a guerra”) e ações que enobrecem o objeto (e.g. “...proclamavam Castilho príncipe dos poetas”). A forma verbal reflexiva “proclamar-se”, sinônimo de “arvorar-se em”, não deixa de constituir uma interferência da proclama no valor do objeto. O sujeito da sentença é o próprio objeto, mas sua pretensão é ilegítima, como mostra o exemplo: “Proclama-se bom aluno, mas estuda pouco” (Ferreira, 1975:1141). Há muito mais coisa envolvida na política do patrimônio, além das listas. Não é necessário ser cientista social para suspeitar que elas são as pontas do iceberg, a face pública de uma miríade de ações que se desenrolam em vários cenários e envolvem instâncias diversas. Traduzem interesses e perspectivas conflitantes que devem se acomodar a custo nas numerosas reuniões de consulta e deliberação. Muitas outras ações antecedem e sucedem a entrada de um item numa lista: há dotações orçamentárias alocadas nos organismos culturais dos estados signatários da Convenção, destinadas a 9 inventários e preparação de candidaturas, assim como alocação de recursos financeiros para implementar planos de salvaguarda posteriores à proclamação. Os documentos oficiais salientam que a entrada no rol das obras-primas não é somente uma honraria, ela implica compromissos dos estados, que se obrigam a desenvolver os planos de proteção prometidos nos processos de candidatura. Contudo, a parte mais visível da atuação da UNESCO no terreno do patrimônio, junto ao público, são as listas. Efetivamente, elas não são inócuas, embora seja difícil prever os efeitos que desencadeiam em função da transferência de valor e redefinição do objeto eleito. A própria organização promove estudos para avaliar o impacto da escolha sobre os grupos sociais e indivíduos cujas obras foram escolhidas. Proclamar, como se sabe, é verbo performativo em que o ato da fala constitui a ação que designa (Austin, 1962). Mais precisamente, verbo performativo de tipo específico, pois os enunciados que gera só funcionam se o falante ocupar determinada posição numa instituição extralingüística (Searle, 1995). Os júris internacionais que selecionaram, entre as várias candidaturas, aquelas merecedoras do status de obras-primas, foram investidos desse poder pela

UNESCO. O Brasil, na condição de estado signatário da Convenção, participa das ações da

UNESCO, além de conceber e implementar sua própria política patrimonial. A partir das orientações que emanam daquela organização e das experiências nacionais, foram instituídos, em 2000, quatro Livros de Registro do Patrimônio Imaterial. Nos Livros inscrevem-se os bens que passam a gozar de reconhecimento oficial, distribuídos em quatro tipos conforme sua natureza: saberes, celebrações, formas de expressão e lugares. Os documentos brasileiros não qualificam os bens como obras-primas nem dão ênfase a proclamações. A ação ritual consiste na escrituração dos bens culturais imateriais em livros, portanto em seu registro, por meio da letra. Essa escrituração – espera-se – reduz a assimetria entre as formas e testemunhos materiais da cultura letrada dominante, privilegiadas nas políticas ao longo da história, e as culturas subalternas. O procedimento do registro em livros não altera, portanto, as implicações valorativas da lista de bens patrimoniais intangíveis. Temos, então, uma outra lista, brasileira, integrada por onze “bens culturais”: a arte gráfica e oral dos índios Wayãpi; o samba-de-roda no Recôncavo Baiano (pois a proclamação no nível nacional é pré-condição para a submissão de uma candidatura no nível supranacional); a procissão do Círio de Nazaré, o jongo, a viola-de-cocho; o ofício das baianas de acarajé; o ofício das paneleiras de Goiabeiras, a Cachoeira de Iauaretê, 10 lugar sagrado dos povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri; a feira de Caruaru; o ; e o tambor-de-crioula maranhense. Cada um dos registros tem sua própria história, protagonizada por diversos atores sociais – entidades não-governamentais, órgãos oficiais de cultura nos estados e municípios, pesquisadores ligados a universidades, movimentos sociais etc. – que canalizam reivindicações de diferentes naturezas para o terreno do patrimônio cultural.

Do mesmo modo, cada uma das candidaturas levadas à UNESCO e cada uma das escolhas têm uma história que não se revela ao grande público. Sem ignorar as complexidades subjacentes aos registros nacionais e às proclamações supranacionais, mantenho-me, deliberadamente, na superfície visível dessas políticas patrimoniais – as listas de obras-primas e bens culturais. Nesse nível de superfície, a primeira coisa a observar é que os inventários são um mecanismo corriqueiro de memória coletiva. Se, por um lado, nascem das necessidades de controle político e contábil dos estados, por outro têm vida autônoma com relação à escrita. A insistência de Jack Goody em associar as listas – caracterizadas pelo uso descontextualizado das palavras – à escrita e a fenômenos sociais e cognitivos correlatos à escrita (a “mente domesticada”) não encontra apoio nas evidências empíricas. O autor minimiza a ocorrência das listas no discurso oral, fenômeno que enfraquece sua argumentação, pois o que se vê na poesia cantada é uma abundância de enumerações. Sobram exemplos de listagens na poesia oral, do épico homérico à canção popular no Brasil, que é generosa em matéria de inventários e recenseamentos.7

AS LISTAS NA CANÇÃO Deixo de lado, então, as proclamações da UNESCO, que totalizam noventa obras- primas, e os livros do patrimônio imaterial brasileiro, com onze bens culturais, e volto- me para outras formas de inventariar, de músicos e poetas. São consideradas coleções de palavras, nesta pequena análise, quaisquer seqüências de palavras da mesma classe gramatical – mais freqüentemente, nomes próprios, substantivos comuns e topônimos. As palavras devem estar dispostas sem encadeamento sintático; ou tão afastadas do verbo, quando ocorrem dentro de uma sentença, que a conexão sintática fica

7 V. Le Goff, 1984:19. O canto II da Ilíada apresenta o catálogo dos navios, dos melhores guerreiros e cavalos aqueus, depois os do exército troiano. Cerca de 400 versos compõem-se exclusivamente de nomes próprios. 11 obscurecida. Com base num duplo critério, formal e funcional, identifico três tipos de coleções de palavras na canção popular: 1. O primeiro abrange as listas que chamo genericamente de narrativas e que correspondem às que Jack Goody chamou de retrospectivas e prospectivas. Elas aparecem sempre no contexto sintático de uma frase, geralmente com a função gramatical de objeto. Por exemplo:

Mulher Não vá se afobar Não tem que pôr a mesa, nem dar lugar Ponha os pratos no chão que o chão ‘tá posto E prepare as lingüiças pro tira-gosto Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão E vamos botar água no feijão

(“Feijoada completa”, Chico Buarque)

Dirigindo-se à sua mulher, o cantor lembra-lhe as coisas que ela deve ter à mão para fazer as caipirinhas, acompanhamento obrigatório da feijoada, prato celebrado na canção, juntamente com a sociabilidade de índole popular que lhe é associada. Mas essa não é exatamente uma lista de compras no mercado (ou lista prospectiva). Sua principal razão de ser é musical (ou não estaríamos no terreno da canção): as palavras foram reunidas porque as rimas internas em “uca” produzem um saboroso stacatto verbal. 8 Não há a descontextualização típica das listagens discutidas por Jack Goody em sua teorização acerca do impacto social-cognitivo da escrita. Por isso, caracterizo essas enumerações como “narrativas”. A conexão sintática facilita a compreensão do sentido mnemônico e celebratório da listagem de elementos, séries de coisas, lugares e pessoas eleitas por suas qualidades dignas de nota para o ego da canção, que se faz porta-voz de um grupo. As listas narrativas afirmam e atualizam a relação entre o cantor e seus ancestrais, enaltecem as qualidades de determinados lugares, “monumentalizam” espaços, práticas sociais e seres do mundo natural. As listas narrativas são tantas na canção que se pode subdividi- las com base num critério temático. Teríamos, então, como subtipos, as genealogias, as cartografias e os inventários de bens e riquezas naturais, todos de caráter encomiástico.

8 Esta expressão de Ruth Finnegan (1977) aparece também em Fernanda Medeiros (2001). 12

Ouça-se a moda de Joaquim Crisóstomo, gravada em 1998 em São João d’Aliança (Goiás).9 As três primeiras quadras contam ao ouvinte em que circunstâncias o cantor foi tomado por recordações saudosas de seus amigos e parentes falecidos, todos integrantes da folia-de-reis. Ao receber a visita de seu primo, em casa, o cantor pôs-se a recordar os mortos, que nomeia, então, um a um. Cito um pequeno trecho: [....] Me alembrei de Zé de Testo A Folia de Santos Reis E do caixeiro Fulô Vovô Aprício criou Vendo as moda de Domingo Me alembro Padrim Gregório Só a saudade ficou A festa continuou

De Zeca de Tia Sinhá Me alembro Padrim Euzébio Eu tenho recordação Que era o seu irmão De Bérico de Ferreira De Abelar e Zé Antônio Eu não esqueço mais não Só deixou recordação [...] (Disco Sertão ponteado. Memórias musicais do Entorno do DF. Viola Correa, 1998)

O canto é uma homenagem a pelo menos quinze foliões falecidos, alguns deles ligados por parentesco ao ego da canção. Ao final das duas últimas quadras, transcritas acima, surge o recortado, uma seção final das modas-de-viola. O recortado tem, geralmente, tom jocoso, mas o de Joaquim Crisóstomo nada tem de alegre, pois as lembranças dolorosas são mais fortes que seu desejo manifesto de esquecer – coisa que o canto desmente. A moda é, no fundo, para esquecer, ou seja, lembrar sem a dor do luto: [...] A folia de Santos Reis Ai, ai, a saudade faz doer Não esqueço nunca mais Ai, ai, neste peito machucado De tanta gente boa Coração está cansado Que nela não gira mais Não consegue esquecer

Uma outra genealogia aparece na canção “Paratodos”, de Chico Buarque, gravada em 1992: [...] Nessas tortuosas trilhas Para um coração mesquinho A viola me redime Contra a solidão agreste Creia, ilustre cavalheiro Luiz Gonzaga é tiro certo Contra fel, moléstia , crime Pixinguinha é inconteste Use Dorival Caymmi Tome Noel, Cartola, Orestes Vá de Jackson do Pandeiro Caetano e João Gilberto

Vi cidades, vi dinheiro Viva Erasmo, Ben, Roberto Bandoleiros, vi hospícios Gil e Hermeto, palmas para Moças feito passarinho Todos os instrumentistas

9 Trata-se de uma moda-de-viola cantada durante a dança da catira, muito comum nos Estados de Minas Gerais e Goiás. As estrofes do dueto masculino são entremeadas por seqüências de palmas e sapateados executados por duas fileiras de dançarinos. 13

Avoando de edifícios Salve Edu, Bituca, Nara Fume Ari, cheire Vinícius Gal, Bethânia, Rita, Clara Beba Nelson Cavaquinho Evoé, jovens à vista

(Disco Paratodos. Chico Buarque. RCA e BMG Ariola Discos, 1992. V 120.046)

Vinte e cinco nomes célebres da música popular compõem a lista de Chico, que abrange compositores e intérpretes, mortos e vivos. A cifra eleva-se se considerarmos que a Rita citada pode ser Rita Lee como pode ser Maria Rita; é provável que o Edu citado seja Edu Lobo, parceiro de Chico, mas nada impede que o ouvinte pense no Edu da Gaita. Nos dois exemplos, os cantores nomeiam indivíduos que protagonizaram momentos memoráveis de seus respectivos universos sociais. Ambas as canções são inscrições da memória coletiva, ora restrita à turma dos foliões de São João d’Aliança (Vovô Aprício, Padrinho Gregório, Padrinho Euzébio são, para nós, apenas nomes próprios), ora compartilhada pelos dispersos fãs da MPB. Em “Paratodos” desfilam os membros da linhagem musical de Chico Buarque, entre antepassados e contemporâneos. A memória assume aqui outra escala. Já não estamos na rede de foliões, e sim no circuito ampliado da música distribuída comercialmente, veiculada por mídia de alcance nacional e internacional. Apesar disso, ainda é o vínculo familiar que fornece o modelo das relações entre aquele que lembra e os que são lembrados. A primeira estrofe de “Paratodos” começa pela menção às quatro gerações antecessoras do ego da canção e conclui evocando o “maestro soberano” (o grande pai musical). Cruzam-se, assim, os parentescos consangüíneo e simbólico: “O meu pai era paulista/Meu avô pernambucano/O meu bisavô mineiro/Meu tataravô baiano/Meu maestro soberano/Foi Antônio Brasileiro”. A canção eleva à escala da nação referências particulares individuais e regionais. Os antepassados paulistas, baianos e pernambucanos do cantor sintetizam-se magicamente no “Brasileiro”, como que demonstrando que a música popular é, efetivamente, para todos.

Compare-se a galeria da MPB de Chico Buarque, que inclui expoentes do samba, da bossa-nova e da Tropicália, com a galeria mais ortodoxa do samba eleita por Paulinho da Viola:

[...] Bucy, Raul e Arnô Canegal Chama por Cartola Chama por Mestre Marçal Chama por Candeia Silas, Osório e Aniceto Chama Paulo da Portela, chama Chama Mano Décio Ventura, João da Gente , Claudionor Chama meu compadre Mauro Duarte 14

Chama por Mano Heitor Jorge e Geraldo Babão Chama Ismael, Noel e Sinhô Chama Alvaiade, Manacéia e Chico Santana Chama Pixinguinha, chama E outros irmãos de samba Chama, chama, chama Donga e João da Baiana Chama por Nonô Chama Ciro Monteiro (“Bebadosamba”, CD Bebadosamba. BMG, 1996. Wilson e Geraldo Pereira 7432141789-2). Monsueto, Zé com Fome e Padeirinho Chama Nelson Cavaquinho Chama Ataulfo, chama por Bide e Marçal Chama, chama, chama

“Bebadosamba” não é um samba, o que não passa de uma contradição aparente. A canção foi feita em feitio de oração, ou de mantra de Aruanda, como diz o compositor. O imperativo “chama”, à força de ser reiterado, desprende-se do contexto gramatical da oração e converte-se numa espécie de sortilégio. É também da chama acesa do samba que o cantor fala. A lista de trinta e sete sambistas de Paulinho da Viola, todos eles falecidos, dialoga diretamente com a de Chico Buarque, com a qual compartilha somente quatro nomes: Pixinguinha (que “é inconteste”), Noel Rosa, Cartola e Nelson Cavaquinho. A canção de Paulinho da Viola responde à galeria buarquiana da MPB e lembra-nos que, a essa altura da história da música popular, as duas linhagens se separaram, apesar das origens comuns. Trata-se de uma tomada de posição e ela evoca a rivalidade entre samba e MPB que eclodiu, aliás, no episódio do protesto de Paulinho da Viola contra a diferença entre os cachês destinados aos músicos que se apresentaram num show na Praia de Copacabana (V. Trotta, 2006). Na impossibilidade de desenvolver aqui a hipótese de disputas entre linhagens na música popular, realço simplesmente que, mais uma vez, a relação entre o ego da canção e seus homenageados é modelada pelo vínculo de parentesco: “Chama meu compadre Mauro Duarte [...] e outros irmãos de samba”. Os elos intertextuais entre as duas canções não deixam dúvidas. Quem nomeia seus parentes silencia sobre os outros. Para encerrar a exemplificação das listas genealógicas, cito o impressionante inventário de musas de Lenine e Carlos Rennó, uma lista apresentada, curiosamente, na forma negativa (“nem Chica nem Teresa...”). Descartando – mas, simultaneamente, rememorando – as muitas mulheres celebrizadas por músicos e poetas, o cantor eleva sua própria musa a uma síntese sublime, “todas elas juntas num só ser”. Outra peculiaridade dessa lista é o fato de ser dupla, i.e., inventariar tanto musas (oitenta 15 nomes femininos) quanto poetas, razão pela qual pode figurar entre as listas genealógicas. O ego da canção afirma seu pertencimento à linhagem dos mesmos poetas-cantores que homenageia. Os critérios de inclusão e de exclusão são menos nítidos aí do que na moda de João Crisóstomo, em “Paratodos” e em “Bebadosamba”. A canção de Lenine e Carlos Rennó quer abarcar todo o espectro da música popular, brasileira ou estrangeira, de todos os tempos. No final das contas, não celebra uma mulher mas, por intermédio de uma musa sem nome, a própria canção popular. Dezenas de nomes próprios encadeiam-se ao sabor de associações sonoras, numa vertiginosa proliferação: [...] De Jackson do Pandeiro, nem Cremilda; de Michael Jackson, nem a Billie Jean; de Jimi Hendrix, nem a doce Angel; nem Ângela nem Lígia, de Jobim; nem Lia, Lily Braun nem Beatriz, das doze deusas de Edu e Chico; até das trinta Leilas de Donato, e de Layla, de Clapton, eu abdico

(“Todas elas juntas num só ser”, CD Lenine Incité, 2004, Sony BMG)

O vínculo de parentesco simbólico entre o cantor e os poetas citados não é explícito, mas não deixamos de aproximá-los, ao menos enquanto colegas de ofício. Vejamos agora as enumerações de topônimos que constituem o segundo subtipo de listas narrativas.

Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira Oswaldo Cruz e Matriz Que sempre souberam muito bem Que a Vila não quer abafar ninguém Só quer mostrar que faz samba também, cantou Noel nesse pequeno mapa do samba carioca (“Feitiço da Vila”). Outras listas cartográficas podem ser encontradas na canção popular, mas há uma, recente, de Chico Buarque, que interessa particularmente: [...] Fala Penha, fala Irajá, Fala Penha, fala Irajá Fala Encantado, , Fala Olaria, fala Acari, Fala Realengo Vigário Geral, [...] Fala Piedade Fala Maré, fala Madureira, [...] Fala Meriti, Nova Iguaçu, Fala Maré, fala Madureira, Fala Paciência Fala Pavuna, fala Inhaúma, Clodovil, Pilares (“Subúrbio”, CD Carioca. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2006, BF646)

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Ao saudar e convidar os subúrbios a mostrarem sua música (a rigor, trata-se de bairros e cidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro), o cantor intervém politicamente na distribuição de valor entre as áreas do Grande Rio. A lista só inclui lugares depreciados que não pertencem à cidade historicamente glamourizada na música popular. Chico Buarque dirige-se à cidade que “não figura no mapa” e não é freqüentada por turistas. Seu canto de saudação – fala, Penha! – conclama o subúrbio a mostrar à “outra” (à Zona Sul) sua efervescente vida musical. Uma nova lista, mais curta, surge no refrão: choro, samba, funk, rock, pagode, , hip hop e rap. Remetendo à antológica enumeração de bairros em “Feitiço da Vila” e parafraseando o rol de coisas em “Águas de Março” (“É pau, é pedra, é o fim da linha, é fogo, é foda”), o choro-canção de Chico Buarque inscreve uma outra face da cidade no mapa imaginário que a música popular desenha continuamente. A canção proclama a existência de dezoito subúrbios ativos musicalmente e corrige a visão dominante que limita a vida cultural do Rio de Janeiro ao centro e à Zona Sul. Ela realiza, a seu modo, o propósito de inscrever paisagens naturais e lugares nos livros patrimoniais. São tantas as canções que fazem o inventário de pássaros e bichos de um dado habitat (principalmente se estão ameaçados pelo homem) que sou tentada a falar – ainda dentro das listas narrativas – de mapeamentos ecológicos. “Passaredo”, de Chico Buarque e Francis Hime, é um exemplo:

Ei, pintassilgo Oi, pintaroxo Melro, uirapuru Ai, chega-e-vira Engole-vento Saíra, inhambu Foge, asa-branca Vai, patativa Tordo, tuju, tuim Xô, tié-sangue Xô, tié-fogo Xô, rouxinol, sem-fim [...]

(“Passaredo”, Francis Hime e Chico Buarque, 1975).

Não se pode desprezar o aspecto icônico da maioria dessas coleções que celebram a abundância no mundo pela abundância de palavras. Nas duas mais famosas feiras da música popular, “Caruaru” – lembremos que esta foi registrada no IPHAN – e “Mangaio”, há listas que indicam a fartura de seus produtos e, metaforicamente, a animação e vitalidade do comércio e da vida social no lugar. 17

Tem massa de mandioca Fumo de rolo, arreio e cangalha Batata assada, tem ovo cru Eu tenho pra vender, quem quer comprar Banana, laranja e manga Bolo de milho, broa e cocada Batata doce, queijo e caju Eu tenho pra vender, quem quer comprar Cenoura, jabuticaba Pé de moleque, alecrim, canela Guiné, galinha, pato e peru Moleque sai daqui, me deixa trabalhar Tem bode, carneiro e porco [...] Se duvidar isso é cururu [...] (“Feira de Mangaio”, Sivuca e Glorinha Gadelha) (“A feira de Caruaru”, Onildo Almeida)

O procedimento é idêntico em “A choradeira do casado”, folheto de José Costa Leite que o mesmo gravou em disco. As listas exibem, no modo icônico, as dimensões da desgraça do pai de família numerosa, objeto da voracidade da mulher e dos filhos. Em lugar de celebração, seu inverso, o lamento:

[...] A mulher pede sabão Quando eu casei com Estela Goiabada e macarrão Era somente eu e ela O dinheiro do carvão Porém nasceu Anabela Feijão verde e tapioca E depois nasceu Rosita Pede ostra e sururu Vieram Joana e Luzia Banha, tempero e chuchu Jacinto, João e Sofia Uma cesta de caju Pedro, Narciso e Maria E um balaio de pipoca Mariana e Carmelita Quero um caderno pra Ana Já tenho Paulo e Chiquinha E uma rede pra Joana Jorge, Artur e Luizinha Um lençol pra Mariana Valfrido e Terezinha E pra Narciso um sapato Ana, Inês e Tomás Uma sai pra Chiquinha Donato, Rita e Joaquim Um livro pra Luizinha José, Inácio e Crispim Um blusão pra Terezinha Minha sogra diz assim E uma calça pra Donato Deus queira que nasça mais (“A choradeira do casado”, José Costa Leite)10

As listas de nomes próprios e de bens aparecem como objetos diretos, em sentenças completas. Entretanto, por serem extensas e cantadas na cadência do metro heptassílabo, ficam afastadas dos verbos que as antecedem (“a mulher pede a, b, c, d etc.; “a sogra quer a, b, c, d etc.”). Essa projeção do eixo sintagmático sobre o eixo paradigmático, característica da poesia oral, gera um efeito de desprendimento parcial das palavras de seu contexto gramatical, fenômeno que termina por obliterar sua função referencial. O

10 A lista de bens que o homem deve fornecer à família ecoa em outras cantigas. V. O coco de Cachimbinho e Geraldo Mousinho: “Isso não é brincadeira/Isso não é brincadeira/Você quer ver mulher boa?/Passa um mês sem dar a feira//A mulher quer o feijão/E canutilho e galinha/Quer queijo e quer batatinha/Quer arroz e macarrão/Carne boa do sertão/Óleo, pimenta e cuminho/Se acaso não comprar/‘Cê tem que comprar tudinho’/Ela pega a reclamar/E a briga começa assim”. 18 ouvinte desconfia, ao ouvir “A choradeira do casado”, que não deve levar a sério os vinte e oito filhos do cantor. Sua queixa é verossímil, mas seus argumentos exagerados. Resta-nos sorrir do conformismo do cantor que, sem dramaticidade, acumula os nomes próprios e bens numa cantilena monótona. O que constato aqui é análogo ao que K. Pomian observou com relação aos objetos significantes, ou semióforos, como ele os chama – objetos despojados de sua função utilitária. Com relação à lista, dir-se-ia que as palavras, emancipadas da função referencial, ampliam seu poder de conotação e de reverberação sonora. A função poética prevalece e o cantor imerge no jogo dos significantes. Quando isso acontece e a narração se esvai, temos um segundo tipo de lista cantada, que estou denominando lista lexical (servindo-me do termo cunhado por J. Goody). Antes de passar ao segundo tipo de lista, porém, é necessário lembrar da baiana e da culinária da Bahia, que a canção popular “registrou” antes do IPHAN. Dorival Caymmi recenseou os adereços do traje e, mais do que isso, o charme impalpável da baiana. Também deu a receita do vatapá, advertindo-nos, do mesmo modo, da insuficiência dos ingredientes materiais na ausência da “negra que saiba mexer”:

Tem torso de seda, tem Bota castanha de caju Tem brinco de ouro, tem Um bocadinho mais Corrente de ouro, tem Pimenta malagueta Tem pano da costa, tem Um bocadinho mais Tem saia engomada, tem Sandália enfeitada, tem Amendoim, camarão Só vai no Bonfim quem tem Rala um coco [...] Na de machucar (“O que é que a baiana tem?”, Dorival Caymmi) Soca o gengibre, cebola, iaiá Na hora de temperar

(“Vatapá”, Dorival Caymmi)

Não considero fruto do acaso que a inscrição, nos Livros do Patrimônio Imaterial, da baiana e da culinária baiana, por um lado, e da feira de Caruaru, por outro, sucedam a presença exatamente dos mesmos “bens” nessa instância imortalizadora que são os clássicos da MPB. Ainda que a relação entre as duas inscrições não seja direta, o processo complexo de negociações entre associações comunitárias e poderes públicos municipais e estaduais, entre demandas recebidas pelo IPHAN e inventários assumidos pelo IPHAN – nada disso está imune à vox populi. Ao contrário, parece bastante justo o órgão governamental manter-se atento ao que já foi, de certo modo, patrimonializado, desde que não ceda, simplesmente, à tentação de reafirmar os estereótipos folclorizantes. 19

Passo agora ao segundo tipo de lista cantada, caracterizada pela justaposição de palavras. São coleções de aparente gratuidade em que prevalece a sensação de escolha arbitrária de seus elementos, descontextualizados. A lista não aparece no transcorrer processual de uma narração. Veja-se a canção “O pulso”, de Arnaldo Antunes, que ilustra o automatismo de uma enumeração governada pelo único critério de pertencimento das palavras ao mesmo campo semântico e, secundariamente, pela repetição de fonemas (raiva, rubéola... catapora, culpa, cárie...). Não há celebração nem lamento explícito nessa contestação do dito popular “quem canta seus males espanta”.

O pulso ainda pulsa O corpo ainda é pouco O pulso ainda pulsa O corpo ainda é pouco Peste bubônica, câncer, pneumonia Reumatismo, raquitismo, cistite, disritmia Raiva, rubéola, tuberculose, anemia Hérnia, pediculose, tétano, hipocrisia Rancor, cisticircose, cachumba, difteria Brucelose, febre tifóide, arteriosclerose, miopia Encefalite, faringite, gripe, leucemia Catapora, culpa, cárie, câimbra, lepra, afasia O pulso ainda pulsa O pulso ainda pulsa O pulso ainda pulsa O corpo ainda é pouco Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia (“O pulso”, Arnaldo Antunes, Tony Bellotto e Úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria Marcelo Fromer, 1989. O essencial dos Titãs. Sífilis, ciúmes, asma, cleptomania Acústico, Titãs, 2001).

Há, sim, a ironia das afecções da alma misturadas aos males do corpo e a queixa de um sujeito que não se revela com clareza, mas que toma o pulso com angústia hipocondríaca. Como se vê, mesmo no caso de palavras justapostas por associação é difícil encontrar uma coleção rigorosamente não-narrativa na canção. O ouvinte é levado a interpretá-la narrativamente porque a voz que ouve e o cantor que vê personificam imediatamente o sujeito do discurso. Chego enfim ao terceiro tipo de lista. Dois gêneros de poesia cantada destacam- se pela freqüência elevadíssima das enumerações: a embolada e os folhetos de cordel (sendo os folhetos a “parada temporária da voz”, como diria Paul Zumthor, 1997). Creio que se alcançou, nesses dois gêneros, o patamar do virtuosismo na construção enumerativa. É na embolada que encontro listas puramente musicais, que nascem do uso da voz como instrumento de percussão (e não de persuasão). O que preside a montagem da coleção é a reiteração paralela de fonemas e sílabas, num plano, e de incisos melódicos, em outro. Tudo é ritmo nesses exercícios vocais.

Jacarecica Ponta Verde, Morro Grosso Levada, Cambona e Poço Bebedouro e Jaraguá Coqueiro seco 20

Do outro lado da lagoa Se atravessa na canoa Lamarão é no Pilar

(“Espingarda, pá”. Embolada alagoana de José Luiz Calazans, vulgo Jararaca).

A enumeração de lugares na primeira estrofe da famosa embolada guarda as marcas do repente “antológico”, o golpe inspirado do cantador que encadeou os topônimos sem burlar a métrica. Os fiapos de sentença (uma lagoa que se atravessa de canoa...) não têm seqüência, são o equivalente do esboço no desenho. É possível que a fábrica da tradição oral, com sua delicada relação entre olvidar e lembrar, tenha permitido a circulação dessa coleção de topônimos, sabe-se lá durante quanto tempo, até que o disco a capturasse na voz de Jararaca (e, subseqüentemente, em outras vozes, já cristalizada e imune à “traição da memória”). Podemos imaginar que os lugares mencionados são o cenário sertanejo (alagoano) das caçadas e brigas mencionadas adiante. Mas a conexão narrativa entre as estrofes é tênue e talvez os ouvintes sejam mais sensibilizados pela cascata de sílabas, como que despencando na linha melódica que desce em degraus, do que por seu sentido. Daí a idéia de listas lexicais sem compromisso com a narração. Outro exemplo é dado pela embolada em que Roque Ferreira exibe o vocabulário da fauna marinha: Cocoroca, candiru Tem carapeba, pirarara Pacu, caranguejola Tem curimata Surubim, carapicu Curvina, congro, xerelete Cará, siri patola Tem carapiá Pirambu, xaréu, garoupa Tem piaba, tem linguado Carapau, garaximbola Tem aruanã Pescador conhece o peixe Tucunaré, cação, tainha Embolador sabe embolar Tambaqui, tamboatá Tem peixe com coco [...] Neste coco de embolar

(“Garaximbola”, Cd Tem samba no mar, Roque Ferreira, Biscoito Fino).

Essas construções enumerativas são lançadas como fórmulas mágicas, encantamentos destinados a hipnotizar o ouvinte ou a imobilizar e calar o interlocutor, nos desafios. As listas mágicas operam decididamente no modo performativo: o cantador invoca coisas fortes ou perigosas e cria uma muralha verbal que intimida seu oponente: Embiriba embiribeira Embiribeira embiriba Urtiga, tamiarana [?] Tamiarana [?] e urtiga Para cantador ruim Sou uma dor de barriga 21

(Olavo Pedro e Pitiguari, Cd Das Lagoas. A atual música popular tradicional de Alagoas. DL 001, s.d.).

LISTAS E MEMÓRIA Por que falar dessas listas? Num momento em que se institui a figura jurídica do patrimônio imaterial, em que listas despontam nas ações de política cultural e como ações de política cultural governamental, não é inútil constatar que os grupos sociais versejam para lembrar, proclamam heróis, cultuam antepassados e usam a canção como livro de registro de tradições culinárias, festividades e espaços, além de celebrar a própria música. Isso se faz de muitos modos, na canção, e entre eles está o modo da listagem. Essa convergência deve-se, por um lado, a razões formais. A lista nasce de dois padrões de repetição – a enumeração lexical e o paralelismo sintático – que constituem recursos importantes na estruturação de qualquer modalidade de discurso poético oral (Finnegan, 1977). Por outro, seu potencial semântico e retórico é rico, conforme espero ter demonstrado na tipologia apresentada. Algumas são proclamações que valorizam pessoas, seres, obras e lugares. Por meio da homenagem aos antepassados, nomeados em listas retrospectivas (Goody, 1977:80), o ego da canção vincula-se a uma descendência, declara sua origem e identidade. Outras monumentalizam espaços geográfico-sociais e há ainda as de viés político acentuado que combatem a desvalorização moral de partes da cidade e seus habitantes. Homenageando as periferias, Chico Buarque promove uma revisão crítica da estratificação moral da cidade e do memorialismo limitado da própria música popular, que enaltece um Rio de Copacabanas e Ipanemas. Lembremos ainda, a propósito das canções citadas, que as homenagens aos mestres de diversas artes e tecnologias tradicionais têm foro de ação oficial nos países que instituíram os Tesouros Humanos Vivos, categoria que a UNESCO adotou sob inspiração da política patrimonial no Japão. São identificados e premiados, graças a esse programa, indivíduos que se tornaram únicos detentores de certos conhecimentos e técnicas. Um objetivo explícito do programa é estimular os jovens a se tornarem aprendizes desses mestres raros: não é o que fazem também algumas canções que celebram compositores e cantores?11

11 V. os objetivos do programa em “Orientações para o Estabelecimento de Sistemas Nacionais de Tesouros Humanos Vivos”: perpetuar e desenvolver os conhecimentos e habilidades de alguns indivíduos ou grupos; transmiti-los aos jovens; documentar e registrar o patrimônio intangível relacionado a esses 22

A resposta é positiva, mas não quero concluir que são inúteis os instrumentos da proclamação e do registro, e sim pensar a eficácia das listas. Constatamos, em primeiro lugar, que múltiplas listagens emanam de lugares sociais variados. Seus produtores estão apoiados em quadros institucionais igualmente variados, que os investem do poder de apontar suas respectivas seleções de pessoas, saberes e lugares.

Por outro lado, a leitura das relações de obras-primas da UNESCO causa uma perplexidade que as canções não provocam no ouvinte. Isso se deve à mudança da escala em que operam as instituições extralingüísticas em pauta – a folia de reis da cidade interiorana, a MPB, o mundo do samba, um órgão do poder executivo no Brasil, uma entidade supranacional – e à relação que seus agentes mantêm com os objetos de inventário. A UNESCO opera no nível da humanidade e por melhor que justifique cada uma das escolhas não dissipa de todo a sensação de arbitrariedade das proclamações. Os registros nacionais também suscitam perguntas. Por que o acarajé e não o pato com tucupi? Por que a viola-de-cocho e não a flauta nasal dos Nambiquara? Nas canções, o listador mantém um vínculo estreito, às vezes íntimo, com as coisas que enumera. A lista de membros de um grupo é narrada por um sujeito que se qualifica declarando os nomes de seus antepassados ou contemporâneos. Joaquim Crisóstomo, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Lenine, Rennó são assimilados às linhagens que recitam, por isso os efeitos da lista são de mão dupla. O sujeito da canção irmana-se aos poetas que cita ao repetir seu gesto de homenagem à mulher amada. Como sua voz é legítima e eles têm autoridade para nomear quem não deve ser esquecido, o próprio ato de recitar os inclui na galeria memorável. Enfim, a transferência de valor entre o listador e os listados é recíproca.

IPHAN e UNESCO, por outro lado, não são assimilados aos objetos sociais que escolhem. Permanece imensa a distância entre o Comitê da UNESCO que examina uma candidatura e os grupos sociais na remota base da política patrimonial, distância que se espera ser preenchida pela mediação do estado e de organizações não-governamentais, e que se apóia na noção abstrata de humanidade. Por essa razão, creio ser possível concluir que a canção popular tende a cumprir mais facilmente a função de proclamar as referências positivas para um grupo social. Nesse aspecto, a lista de periferias de Chico

Buarque parece-se com as das políticas patrimoniais. Para o ouvinte de MPB, pouco conhecimentos; divulgá-los por meio de publicações, exposições etc. Para a nomeação dos Tesouros Humanos Vivos, a UNESCO recomenda adotar os critérios de excelência na aplicação dos conhecimentos e habilidades; e capacidade de transmiti-los (V. Guidelines for the Establishment of National “Living Human Treasures” Systems. Extraído de http://portal.unesco.org/culture em 15 de abril de 2006). 23 importa saber que o autor não vive no subúrbio nem na Baixada Fluminense, pois o que o sujeito da canção veicula é um alinhamento político contra a cidade dividida. Todas as listas são discutíveis, sob certo ponto de vista, e isso se aplica, naturalmente, à minha lista de listas e de tipos de listas. Seus critérios de seleção e de classificação podem ser questionados e alterados. Apesar disso, ela aponta a existência de produções sociais da memória e do patrimônio anteriores e exteriores à política governamental. Finalmente, comento um detalhe nas canções de Chico Buarque e Paulinho da Viola: os dois reconhecem o poder embriagador e terapêutico do contato com os monumentos da música; ambos nos aconselham a nos banharmos nesse contato: “beba do samba”, “fume Ari, cheire Vinícius, beba Nelson Cavaquinho”. Em termos mais austeros, o conselho pode ser lido nos textos da UNESCO: “... é a diversidade que deve ser salva, não o conteúdo histórico que cada época lhe conferiu” (Lévi-Strauss,

2001). Em outras palavras, a UNESCO nos diz que a manutenção de um nível mínimo de diversidade é necessária para prevenir a desumanização. A cada proclamação, uma série de documentos sobre cada uma das obras-primas era disponibilizada na página da

UNESCO, onde permanecem para um turismo virtual pelas obras-primas do homem. Percorrendo mapas, fotos e textos, o visitante é convidado a receber uma dose terapêutica de conhecimento sobre a variada capacidade de invenção distribuída entre os povos da imensa família humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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24

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Anexo 1 Primeira proclamação de obras-primas do POI da UNESCO

“Belize supported by Honduras and Nicaragua – The Language, Dance and Music Benin supported by Nigeria and Togo – The Oral Heritage of Gelede Bolivia – The Oruro Carnival Opera Côte d’Ivoire – The Gbofe of Afounkaha: the music of the Transverse Horns of the Tagbana Community Dominican Republic – The Cultural Space of the Brotherhood of the Holy Spirit of the Congos of Villa Mella Georgia – Georgian Polyphonic Singing Guinea – The Cultural Space of Sosso-Bala in Nyagassola – Kutiyattam, Sanskrit Theatre Italy – Opera dei Pupi, Sicilian Puppet Theatre Japan – Nôgaku Theatre Korea (Republic of) – Royal Ancestral Rite and Ritual Music in Jogmyo Shrine Lithuania supported by Latvia – Cross Crafting and its Symbolism in Lithuania Morocco – The Cultural Space of Jemaa el-Fna Square Philippines - Hudhud Chants of the Ifugao Russian Federation – The Cultural Space and Oral Culture of the Spain – The Uzbekistan – The Cultural Space of the Boysun District Multinational – Ecuador-Peru – The Oral Heritage and Cultural Manifestations of the Zápara People” (http://www.unesco.org/culture/intangible-heritage/masterpiece , acesso em 15 de abril de 2006).

Anexo 2 Segunda proclamação de obras-primas do POI da UNESCO

“Azerbaijan – Azerbaijani Belgium – The Bolivia – The Andean Cosmovision of the Brazil – The Oral and Graphic expressions of the Wajapi – The Central African Republic – The Oral Traditions of the Aka Pygmies of Central Africa China – The Art of Music Colombia – The Carnival of Barranquilla Cuba – La Egypt – The Al-Sirah Al-Hilaliyyah Epic Estonia – The Cultural Space India – The tradition of Vedic Chanting Puppet Theatre Iraq – Iraqi Maqam Jamaica – The Maroon Heritage of Moore Town Japan – Ningyo Johruri Puppet Theatre Korea (Republic of) The Epic Chant – The Art of Akyns, Kyrgyz Epic Tellers Madagascar – Woodcrafting Knowledge of the Mexico – The Indigenous Festivity Dedicated to the Dead – The Traditional Music of Tonga – , Dances and Sung Speeches Turkey – The Art of the , Public Storytellers Vanuatu – Vanuatu Sand Drawings – le Nhanhac, Vietnamese Court Music Yemen – Song of Sanaa Multinational – Estonia, Latvia and Lithuania – The Baltic Songs and Dance Celebrations Tajikistan and Uzbekistan Shashmaqom Music”

(http://www.unesco.org/culture/intangible-heritage/masterpiece, acesso em 15 de abril de 2006 ). 26

Anexo 3 Terceira e última proclamação de obras-primas do POI da UNESCO

“Albanian Folk iso- (Albania) The Ahellil of Gourara (Algeria) Music (Armenia) Songs (Bangladesh) Processional Giants and Dragons in Belgium and France (Belgium-France) The Mask Dance of the Drums from Drametse (Bhutan) The Samba of Roda of the Recôncavo of Bahia (Brazil) The – Archaic Polyphony, Dances and Ritual Practices from the Shoplouk Region (Bulgaria) Sbek Thom, Khmer Shadow Theatre (Cambodia) The Art of Uyghur of Xinjiang (China) The Cultural Space of Palenque de San Basilio (Colombia) Oxherding and Oxcart Tradition in Costa Rica (Costa Rica) Slovácký Verbuňk, Dance of Recruits (Czech Republic) Dance Drama Tradition (Dominican Republic) Rabinal Achí, Dance Drama (Guatemala) : the Traditional Performance of the (India) Indonesian Keris (Indonesia) The Tenore Song, an expression of the Sardinian pastoral culture (Italy) (Japan) The Cultural Space of the Bedu in and Wadi Rum (Jordan) Vimbuza Healing Dance (Malawi) Gule Wamkulu (Malawi-Mozambique-Zambia) Theatre () The Cultural Space of the yaaral et degal (Mali) Urtiin Duu: Traditional Folk (Mongolia-China) The Moussem of Tan-Tan (Morocco) Chopi Timbila (Mozambique) El Güegüense (Nicaragua) Ifa Divination System in Nigeria (Nigeria) The Palestinian Hikaye (Palestine) Taquile and its Textile Art (Peru) Darangen Epic of the Maranao People of Lake Lanao (Philippines) Festival (Republic of Korea) The Căluş Tradition (Romania) Olonkho, Yakut Heroic Epos (Russian Federation) The Kankurang, or Manding Initiatory Rite (Senegal-Gambia) : and its Music (Slovakia) The Patum of Berga (Spain) The Mevlevi Sema Ceremony (Turkey) Bark Cloth Making in Uganda (Uganda) The Space of Culture (Vietnam) The Makishi Masquerade (Zambia) Mbende, Jerusarema Dance (Zimbabwe)”

(http://www.unesco.org/culture/intangible-heritage/mastlist_en.htm, acesso em 15 de abril de 2006) .