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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Kora, Sophia Múltiplas Realidades / Sophia Kora – Curitiba: Edição do autor – 2017. ISBN – 978.85.63434.37-1 208 p.: 15 cm x 21 cm CDD 133 1. Parapsicologia e ocultismo (Magia, símbolos, aparições, adivinhações, numerologia, demonologia, feitiçaria) CDD 133.9 1. Espiritismo / Espiritualismo (Mediunidade, reencarnação, levitação, materialização) 1ª Edição: Fevereiro / 2017.

Todos os direitos reservados. Todo o conteúdo do livro, incluindo métodos e técnicas descritas são propriedade intelectual do Autor e, estão protegidas pela Convenção Internacional de Genebra. A violação dos direitos autorais é rastreada em todos os Países e controlada pelo Autor. A violação dos direitos autorais acarretará em ação judicial sem notificação prévia. Qualquer cópia, transmissão ou reprodução do conteúdo do livro, seminários, palestras e treinamentos realizados com base no conteúdo do livro, em qualquer forma ou meio, são estritamente proibidos sem a autorização prévia por escrito do Autor.

Contato: [email protected] O seguinte relato foi obtido através de comunicação com o espírito de Yan. Os fatos confirmaram a autenticidade dos personagens e eventos. Sophia Kora

an estava andando pelo cemitério, por entre sepulturas e estátu- Yas, cobertas pela folhagem amarela de outono. Estava nublado e garoava. Mas ele gostava do tempo assim. Gostava de andar pelo cemitério no silêncio e tranquilidade, principalmente de noite, quando não havia pessoas lá. Ele caminhava e refletia sobre a vida e a morte: “Pois é, sou tão jovem, – ele pensou – e não quero mais viver, estou de saco cheio. Pode parecer estranho. Os adultos dizem que enloqueci, mas não sou o único assim. Agora aparecem movimentos inteiros dos góticos e emos. Eles também se encontram em um estado parecido, escrevem poe- sia, cantam sobre a morte expressando a falta de vontade de permanecer neste mundo. Por que isso? Antes não tinha coisas desse tipo. Este mundo deve ter apodrecido totalmente e tornou-se falso e artificial. Por isso as pes- soas mais sensíveis como eu, como emos e góticos, não querem viver neste mundo de plástico, entre as pessoas mortas que vivem que nem zumbis, que nem robôs e não querem acordar do seu sono. Para todos está bem claro agora que o mundo está caminhando para a morte. Mas todos colo- caram seus óculos cor-de-rosa e não querem enxergar a verdade, enxergar as coisas reais do jeito que elas são.” Escureceu e a chuva se intensificou. Yan levantou a gola do casaco para se proteger das gotas frias e foi andando para a saída, olhando os túmulos conhecidos. “Eles é que estão bem, para eles já acabou tudo; e eu tenho que ficar sofrendo e esperar por não sei o quê”, – pensou ele. *** No auditório vazio da universidade, em um pequeno palco, ensaiava a banda amadora “Acidente”. O vocalista – um louro alto, de olhos azuis e cabelo comprido – tocava guitarra e cantava um rock n’ roll com uma voz grave, rouca, como se trouxesse algo de outro mundo:

5 Não é para você: o ventre da mãe – um saco estreito, sufocante. Não é para você: um sofrimento terrível de nascimentos incessantes. Não é para você: os tormentos do crescimento, quando nem conseguimos andar. Não é para você: e, no entanto, fomos capazes de nos colocar Neste mundo fatal, cativeiro imenso, Impossível de evitar problemas intensos Ficar aqui, destruindo-se – Não é para você! Não é para você! Inna, a namorada de Yan estava no auditório assistindo a apresenta- ção. Yan cantava: Não é para você! Buscava a liberdade, mas foi jogado na prisão. Não é para você! Tentou escapar, mas de novo caiu no chão. Não é para você: sangue, lágrimas, saliva, suor e aflição. Não é para você, e, no entanto, estamos aqui – aprenda a lição: Neste mundo fatal, cativeiro imenso, Impossível de evitar problemas intensos Ficar aqui, destruindo-se – Não é para você! Não é para você! Não é para você: dor de cortes, raspões, feridas ardentes. Não é para você: lutar contra doenças – um jogo demente. Não é para você: câncer, AIDS, paralisia, praga, fome. Não é para você! Você fica inteligente, mas a mente some! Não é para você! Você era um rebelde! Então não abra a mão! Não é para você: escrever o testamento e deitar num caixão. Não é para você: apodrecer na terra, pois a morte só o Amor pode derrotar. Não é para você: nascer e morrer, constantemente, sem parar! Após o ensaio, os amigos relaxavam, fumando maconha, conver- sando e rindo alto. – Cada um pode decidir se o que quer é ser ou não ser – Yan começou a falar. – Temos liberdade de escolha: viver ou morrer. Precisamos decidir isso em primeiro lugar! Se vale a pena ficar aqui ou não. Nesse mundo fétido, onde estamos rodeados pelas constantes mentiras dos políticos, pela sujeira, pela traição, pela exploração. Que mundo é esse? Sem falar em guerra e fome! E mesmo sem elas, as pessoas sofrem e padecem. Por que isso?

6 – Yan, fica frio – disse-lhe Anton, dando um tapinha no seu ombro e estendendo-lhe a palma da mão. – Você fumou demais. Pega uma bolinha, vê se se anima um pouco. – Não, não quero – Yan empurrou a mão dele. – Não vai ajudar. Quero ver a realidade. Já tirei os óculos cor-de-rosa. Mas você ainda não. Quando você amadurecer, vai entender. O chefe do departamento entrou no auditório. Ele imediatamente percebeu o que os garotos estavam aprontando. – O que vocês estão fazendo?! Saiam daqui agora! Vou relatar tudo ao reitor e aos seus pais! Inna, e você? Uma boa menina saindo com esses inúteis! Depois dessas palavras, Yan perdeu a paciência e jogou na cara do chefe: – Não tenho a menor intenção de estudar na sua universidade! Então não perca seu tempo. O que vocês ensinam aqui?! Quero me tornar um milionário, por acaso vocês podem ensinar isso?! Eu quero ser saudável, feliz, quero saber como conhecer garotas. E vocês ensinam o quê?! O chefe do departamento ficou um pouco surpreso, mas, mesmo assim, respondeu: – Nós damos uma profissão para que você não se torne um gari, para que consiga encontrar um emprego bom e um lugar decente na sociedade. – Um emprego bom... – sorriu Yan com escárnio – Mas metade dos graduados nem chega a encontrar um! A maioria trabalha a vida toda ganhando centavos – isso se conseguir achar um emprego... Não preciso dessa formação! O que, no final, ela vai me dar?! Eu estou indo embora! – Já vai tarde – resmungou o chefe – Não precisamos de drogados aqui! – Yan, vamos – Inna olhou para ele suplicantemente e puxou-o em direção à saída. – Por que você está fazendo escândalo de novo? – Está bem – rosnou Yan. – Tchau! – Ele pronunciou ainda algum injúrio, cuspiu aos pés do professor e saiu junto com os amigos. – Na cara dele! – disse Anton alegremente. – Legal, parceiro! – gritou Kirill, com entusiasmo em sua voz. – Se não fosse pelos meus velhos, teria caído fora dessa espelunca dos infernos há muito tempo. Tem gente que ia muito mal nos estudos e agora é milio- nário! Eles é que são inteligentes! E os que só tiravam dez ganham um salário mixuruca ou mendigam pelos becos.

7 Apenas Inna refletia em silêncio. Ela temia que Yan pudesse fazer alguma besteira no estado em que se encontrava, e decidiu acompanhá-lo até sua casa. – Yan, vamos para a sua casa? – ela sugeriu. – Está bem, vamos – disse ele. – Tchau, pessoal!

O Suicídio Yan trancou-se no banheiro, encheu a banheira com água morna, pegou uma lâmina e entrou na água. Cortou os braços, abrindo as veias. Quando a cor vermelha começou a tingir a água, Yan pensou: “Este é o fim...”. Mais uma vez tragou o baseado. A voz de Gradsky1 soava nos fones de ouvido: “A este mundo me forçaram, totalmente cego, Nem me perguntaram, de surpresa fui pego. Todas as promessas desapareceram como vapor. A vela da esperança foi soprada pelo fedor! Pouco tempo neste mundo vou ficar. Com esta mensagem quero me retirar. Como a Mona Lisa eu estou sorrindo. Não tenho medo, estou me despedindo. Minhas veias com esta lâmina vou cortar. Voarei aonde minhas asas querem me levar. Não estou me torturando nem um pouco, não, Me aceite, Jesus, estou indo na Sua direção! Quem fica aqui não tem mais salvação. Deixam o Criador no tempo de aflição. Para além do horizonte os dias morrem. Sem nem olhar para o céu todos correm. Devemos sempre carregar na nossa vida A cruz pesada dessa obediência ardida. Suor com sangue cobre o dilema persistente. Importa muito pouco o que virá pela frente. Minhas veias com esta lâmina estou cortando.

1 Gradsky (1949) foi um cantor e compositor de rock russo (N.do T.)

8 Vou onde minhas asas estão me levando. Não estou me torturando nem um pouco, não, Me aceite, Jesus, estou indo na Sua direção!” Yan tragou mais uma vez. A erva começara a agir, e ele sentia-se nadando num mar de chumbo. Cobras sangrentas rastejavam para fora dos seus braços e nadavam em diferentes direções. Seu corpo desapareceu. Como se tivesse se tornado chumbo. A mente se estilhaçou em centenas de pensamentos distintos – ele não existia. Yan era nada. Ecoava uma palavra estranha, brilhando em milhares de tonalidades: klêndia, vlêndia, blêndia, glêndia... Tudo tornara-se irreal, ele desabara num abismo. *** Acordou num leito de hospital tomando soro. “Minha nossa, sobrevivi” – pensou Yan, e logo que a consciência lhe voltou completamente, gritou: – Desgraçados, mais uma vez não me deixaram morrer! Yan debatia-se na cama, tentando escapar. Mas suas mãos e pés esta- vam firmemente fixados ao leito. “Mais uma vez me mandaram pro manicômio” – pensou Yan ran- gendo os dentes. – Soltem-me, seus malditos! O médico entrou com uma seringa. – Chega de me fazer de idiota! Deixem-me morrer do jeito que eu quero... – rosnava Yan enquanto o médico aplicava a injeção... Mas, nova- mente, ele perdeu a consciência... Quando Yan acordou, estava sentado na frente de um psicólogo, amarrado por uma camisa de força. – O que você quer? Eu que vou decidir se devo viver ou não! Sou um homem livre! – Pense nos seus pais – o psicólogo tentava acalmá-lo. – Por que devo pensar neles?! Eles só me obrigam a fazer o que não quero! “Estude!”. “Trabalhe!”. “As drogas fazem mal!”. “É cedo demais para você morar com a namorada!”. “Desligue a música, já é de noite!”. Eu não pedi a eles que me trouxessem ao mundo, não quero que eles interfi- ram na minha vida! – Pense, pois suicídio é pecado – exortava o psicólogo.

9 – Pecado? – retorquiu Yan ironicamente. – Isso é invenção dos padres para tirar grana das pessoas! E Deus, onde está?! Nesse mundo só acontece merda: guerras, revoluções, destruição, terrorismo, crimes, fome, doenças, pobreza, mentiras dos políticos! Ou Deus não quer saber de nós, ou ele está morto! Não quero viver nesse mundo! E você?! O que te prende aqui?! O medo da morte? Ou a ilusão de que as coisas vão logo melhorar?! Nada me segura aqui! Vai! Tira logo essa camisa de força! E novamente apareceram os enfermeiros com antipsicóticos.

Estado constitucional Pela mãe de Yan, Inna soube da nova tentativa de suicídio. A menina estava extremamente perturbada e decidiu contar tudo o que acontecera ao Mestre Kalki, na escola espiritual que há pouco tempo começara a fre- quentar. – O senhor lembra-se de Yan? Nós viemos uma vez na sua aula. – Claro que lembro – respondeu o guru, a voz cheia de bondade. Inna não se conteve e começou a chorar. – Ele voltou a usar drogas e tentou cometer suicídio. O que está acontecendo com ele? – Não se preocupe – o Mestre a abraçou. – O que sucede é que as explicações que a sociedade lhe dá são degeneradas, artificiais; mas ele não consegue de jeito nenhum encontrar a sua própria explicação. Então ele protesta contra o mal e a injustiça que vê ao redor. É preciso mostrar- lhe que ele só pode mudar o mundo se começar consigo mesmo. E as drogas ajudam-no, pelo menos por um tempo, a perceber a realidade de uma forma mais livre, desonerada de proibições, contradições, problemas, inseguranças, mentiras impostas por uma educação inadequada. O veneno desativa a parte do cérebro onde vive a personalidade coletiva, e a pessoa se sente mais leve, parte para o plano espiritual e lá passa por experiências extraordinárias. Mas é possível atingir esse estado sem produtos químicos: é preciso que ele comece a treinar as práticas de transe e meditação, que o ajudarão a livrar-se da personalidade coletiva para sempre, com todos os seus problemas – e então ele vai conseguir entrar no plano astral sem dro- gas. Traga-o para as nossas aulas e talvez eu possa ajudá-lo a tempo. No domingo, Inna e Yan, que saíra do hospital psiquiátrico, foram à aula de Kalki. Na sala iluminada e espaçosa, havia muitas pessoas. Kalki,

10 em uma túnica preta, com um emblema de ouro bordado no peito, e o chapéu alto sacerdotal na cabeça, começou seu sermão: – Todo sofrimento, todo mal no mundo, toda cegueira e ignorância humana são baseados no sentimento de que o homem é separado de Deus, de outras pessoas, do mundo. O homem percebe-se independente. Ele não vê que o mundo inteiro é um só, que tudo está interligado, que a separação é ilusória, ela não existe. Esta falsa percepção gera egoísmo. E quando vários egoístas se encontram, surgem conflitos, brigas sobre quem está certo, quem é mais forte; começam guerras. Um quer subordinar e utilizar o outro, roubá-lo, obrigá-lo a fazer o que não quer. Se não conseguem alcançar esse fim por meio da violência, utilizam então mentiras e falsidades, disfarçadas como política, religião, ideias de felicidade universal ou de enriquecimento rápido. Aparece toda a injustiça e toda a feiura de uma sociedade doente e egoísta. Se quisermos alcançar a verdadeira visão de paz e felicidade, de divin- dade, é preciso superar essa ilusão de separação. E ela só pode ser superada pelo amor, amor a todos: a nós, às outras pessoas, a Deus, à natureza. Peço que abram seus corações para liberar o amor escondido neles. Deixem-no sair e espalhar-se em todas as direções como os raios do sol. Comecemos a meditação do amor, inalando-o e depois exalando-o ao seu redor! Logo em seguida, ouviu-se um estilhaçar de vidros, e através das jane- las, policiais de operações especiais invadiram o recinto, com máscaras e metralhadoras nas mãos: – Todos no chão! Mãos atrás da cabeça! – berrava o comandante. Os policiais batiam naqueles que ainda não haviam deitado. – Ahhh, aqui está ele, o terrorista principal! – gritava o comandante, chutando Kalki. Este estava calmamente deitado no chão. – Não toquem nele! – gritou Yan, correndo para junto do policial e empurrando-o para longe do Mestre. – Este homem é um Santo! Ele não fez nada de mal! E vocês, como bandidos, escondem os rostos pra cometer qualquer tipo de crime e permanecer impunes! Em seguida, bateram na cabeça de Yan com a coronha de uma arma. Ele caiu inconsciente e foi arrastado para a saída. – Yan! – Inna gritou e começou a chorar. – Tentem aceitar com amor também essa situação – pregou Kalki. – O barulho só enfatiza o silêncio, a agitação só enfatiza a paz.

11 – Cale a boca, feiticeiro! – o policial começou a bater nele. – Você defeca na cabeça das pessoas! Preparam terroristas aqui! Vamos jogá-lo na prisão por um tempão e destruir sua seita! *** Durante o interrogatório, um policial gordo pressionava Yan: – Vamos lá, conte como vocês foram preparados para o terrorismo. Se você escrever o que digo, permanecerá livre – se não, descobriremos um motivo para lhe trancar. É como dizem: havendo a pessoa, o artigo se acha. Temos ordem de acabar com a sua seita. Precisamos parar vocês; de outro modo, o que acontecerá se alguém decidir ouvir seus sermões? Como, então, manteríamos as pessoas sob controle? Vamos, assine! Vocês tinham orgias, certo? Extorquiam dinheiro, forçavam as pessoas a transfe- rir apartamentos? Logo o filme sobre vocês será lançado. – Não vou assinar essa mentira – chiou Yan. – Se vocês têm a ordem, isso é problema de vocês. Ele é um homem santo e é completamente ino- cente. Não fez nada do que você atribui a ele. Já vi as montagens que vocês chamam de filme; pode enfiar no seu cú! A TV não é nada além de men- tiras e propaganda. Lá sempre desfilam os mesmos rostos, o que esperar deles? Então que se dane! – Tranquem-no! – gritou o policial enfurecido. – Algemem-no à grade e arrebentem com ele! Vamos ver o que ele vai falar depois. Maldito fanático! Yan foi arrastado para fora do escritório.

Fantasma Todo roxo das pancadas, Yan mal conseguiu voltar para casa. Tortu- raram-no por bastante tempo, mas ele recusara-se a dar falso depoimento, e aos policiais restou deixá-lo ir. “Este é o mundo – Yan pensava indignado – não há justiça nenhuma. Só o triunfo da mentira e da violência! Não acredito nesta merdocracia judaica, tudo é uma farsa! Uma mentira atrás da outra! Osho2 foi preso e expulso da América livre, também porque ensinava a verdade, libertava as pessoas da teia de mentiras. Ele foi envenenado na prisão... Agora que-

2 Osho (1931-1990), místico, guru e professor espiritual indiano. (N. do T.)

12 rem prender Kalki pelo mesmo motivo... Logo todos serão devorados pelo Apocalipse. Quanto a mim, estou cansado de viver aqui...”. Comprou vodca e, ainda no estabelecimento, esvaziou a garrafa inteira de um gole só. “Não tenho nada o que fazer nesse mundo de merda. Esperar pelo fim do mundo, a terceira guerra mundial, os meteoritos? As geleiras der- retem, as baleias encalham – eles também não querem viver nessa bosta. Chega! Já aguentei o suficiente!” Bêbado, ele cambaleou para dentro de casa, a família não estava. Ligou a música de Mahamudra e começou a se preparar para a próxima tentativa de suicídio. “Desde a infância quis entender a morada sagrada, Voar para o Céu como um pássaro solto, liberto. Agora pelos mais rápidos caças eu sou invejada. Na velocidade do pensamento penetro o Céu aberto. Acabaram litígios, esperanças, caprichos e medos do destino. Tudo é ridículo e ingênuo, como os sonhos infantis. Agora sou como uma ave, e tudo tornou-se cristalino. Agora estou livre. Na Terra há apenas a liberdade dos fuzis. Não aguentava mais essa vida de tortura. Chegara minha derradeira, mas solene hora. Mas agora despede-te de mim na sepultura. E eu canto minhas serenatas no céu lá fora. De tudo eu os perdoo, e eu também me desculpo. Voo aos meus deuses, feliz e encantada. Preparem meu corpo para o último culto. Minha alma aos céus já foi convocada. Sinfonia funeral, A vida foi apenas um sonho total, Sinfonia funeral, Olá, minha casa celeste e natal!” Yan abriu a despensa, pegou uma corda e começou a fazer um laço, continuando a ouvir a sua música favorita. “Já chega! Estou cansado!” Ele amarrou a corda, subiu na cadeira, colocou o laço ao redor do pescoço e chutou a cadeira debaixo de si mesmo. O laço fechou-se, estran-

13 gulando o pescoço – Yan sufocava. O terror e o tormento tomaram-no completamente; ele não conseguia respirar. Movendo seus braços e pernas freneticamente, ele “dançava” no laço. O sofrimento inexprimível parecia durar uma eternidade. Mas então ele ouviu um zumbido e sentiu-se como se estivesse desli- zando rapidamente dentro de um tubo – e de repente estava leve e livre... Yan novamente estava no quarto. Nada mudara. “Praga! Mais uma vez, nada deu certo! Por que não morri?” Olhando ao redor, Yan viu o cadáver pendurado na corda. “Estou ali! Me enforquei! Mas por que estou aqui, do lado do meu próprio cadáver? Parece que estou no corpo espiritual... Será que a morte não existe?! – veio-lhe este terrível palpite. – Afinal, eu esperava que tudo terminasse agora. Mas sou imortal. O que é este corpo em que vivo agora? Ele é um tanto estranho. Sem peso, sem rigidez...” Com os dedos ele puxou a pele do seu rosto. O corpo perecia ser feito de algum tipo de borracha macia e esticava-se em todas as direções. Contorcia seu corpo e conseguia se dobrar do jeito que quisesse. Estirou o braço, e ele continuou a se alongar. “Que interessante” – pensou Yan. Seu corpo inteiro tornara-se um único órgão sensorial. Podia ver com a mão. Ele deslizou-a pelo livro em cima da mesa. Conseguia ler com a sua mão, e mesmo sem virar as páginas via a próxima folha. Olhando para uma xícara sobre a mesa, sentiu o gosto do café com seus olhos. Tentou pegar o livro, mas a mão penetrava nele. Ele passava através dos objetos. Tentou andar, mas as pernas não conse- guiam se apoiar no chão e se afundavam. Queria ir até a janela e, quando deu por si, já estava ao lado dela. Depois de experimentar um pouco, per- cebeu que seu corpo se movia obedecendo aos seus desejos: ia aonde ele queria. Novas sensações invadiam-no de um jeito que ele até se esquecera do desejo de morrer. Sentia-se nessa nova realidade, muito leve e livre, como nunca antes. Sem que ele percebesse a noite chegou. Alguém começou a esmurrar a porta do quarto. Juntando suas forças, ele olhou através dela e constatou que eram sua mãe e seu pai. Eles o chamavam. Yan respondeu que estava bem, mas ninguém ouviu. Finalmente, conseguiram arrombar a porta. A mãe, parada na entrada, estava horrorizada. Seu pai tirava o corpo da corda.

14 – Mãe, pai! Eu estou aqui! – gritava Yan, e tentava tocá-los com as mãos para chamar-lhes a atenção. Mas ninguém o via ou o sentia. Por fim, percebeu que tudo era em vão e passou apenas a contemplar. Os pais cor- riam pelo apartamento. Yan percebeu que no quarto voava um enxame inteiro de moscas estranhas. Logo ele entendeu que eram pensamentos. Chegaram voando grandes besouros e lesmas do tamanho da cabeça de uma criança. Eles se prendiam nos pais e bebiam uma substância sugada deles. “Eles devem se alimentar de suas emoções, suas preocupações e seus sofrimentos” – concluiu Yan, e começou a dispersar toda aquela abomina- ção. As moscas e os besouros sentiam suas pancadas e voavam para longe, mas logo depois voltavam a atacar os pais.

15 Observando seus pais, ele se surpreendeu ao conseguir enxergar seus corpos nus através de suas roupas, e se sentiu um pouco incomodado com isso. O que o deixou ainda mais impressionado, foi visualizar os órgãos internos, as veias e todo o sistema nervoso deles. Ele ainda viu alguns canais de luz que pulsavam. Eles pareciam aqueles dos livros de acupuntura, mas a quantidade era maior. Esses canais literalmente trançavam os corpos dos seus pais. Em volta de cada um, havia elipses com brilho cintilante, e em volta das cabeças havia esferas de luz. “Devem ser suas auras” – Yan pensou. As esferas mudavam de cor constantemente. Por dentro delas, havia manchas pretas se movendo e redemoinhos em forma espiral, que sumiam e reapareciam. Yan percebeu que podia escolher enxergar a aura, os órgãos internos, ou apenas o corpo nu. Também, podia ver tudo, se quisesse, dependendo em que se concentrava. Com a chegada de outros parentes, ele sentia-se cada vez mais inquieto e ansioso. Logo entendeu que vivenciava as emoções deles, e tam- bém aquelas dos familiares para quem a sua mãe ligava contando a notícia, e os sentimentos de Inna, que já viera e que abraçava em prantos seu corpo. – Estou aqui, estou vivo! Por que vocês estão perambulando ao redor do cadáver?! Não sou eu! – Yan gritava, mas ninguém o ouvia. Ele ficou surpreso ao descobrir que sabia dos pensamentos deles – especialmente quaisquer que fossem sobre ele. Capturava até o raciocínio dos parentes que agora nem estavam no apartamento, mas que começaram a pensar nele, assim que souberam da sua morte. Inna correu para fora da casa, e Yan soube imediatamente que ela ia até Kalki, embora não tivesse dito a ninguém. Ficou curioso e decidiu mover-se junto a ela. No caminho, continuou a observar como todos ao redor eram devo- rados por besouros, lesmas e águas-vivas bizarras de todo tipo. Estas criatu- ras penetravam as pessoas e as forçavam a sentir diferentes emoções negati- vas, incutindo maus pensamentos e alimentando-se de suas preocupações. Vendo o interior das pessoas diretamente através de suas roupas, tam- bém notou que seus órgãos eram escuros, somente os de Inna e dos demais jovens eram mais claros. “Obviamente, o tom escuro são as doenças” – pensou Yan.

16 Chorando, Inna invadiu a sala bem no meio da aula. Kalki abriu os braços, e ela atirou-se a ele. Inna sentiu que ele já sabia de tudo. – Não se preocupe – disse ele – Ele não está morto. Ele está vivo, está com você, e se sente bem. Ele está em um mundo melhor. Mas para ele é difícil suportar suas aflições, ele as sente.

Kalki fez um gesto para os seus discípulos, e eles a rodearam em um círculo estreito e abraçaram-na, passando-lhe ondas de amor e compaixão. Kalki, como o sol, irradiava luz. Este brilho fluía em torno dele, formando uma silhueta que florescia como o arco-íris. Sobre a cabeça do Mestre, podia-se ver uma auréola. Em uma onda de amor e compaixão, os alunos também estavam mergulhados em luz, ao contrário das pessoas comuns, que eram cercadas por uma nuvem cinza. Em vez de besouros e larvas, a sala estava cheia de globos de luz. Destas esferas saíam raios que tocavam um por um a todos que lá estavam – passavam pensamentos positivos. – Oremos por Yan e acompanhemos com alegria sua alma até um mundo melhor – disse Kalki. Os discípulos começaram a rezar. Enquanto rezavam, ao redor de cada um deles, formava-se um pilar de luz direcionado para cima. Yan sentiu-se muito bem. Ele estava banhado na graça e no amor daquele momento. Quando a oração atingiu seu apogeu, a alma de cada um na sala se encheu de júbilo, e todos enviavam a Yan seus melhores votos. Quando, porém, a aula terminou e todos já haviam ido embora, Yan começou a ser atacado novamente pelos pensamentos sombrios de seus parentes. Lembrou-se deles e imediatamente se viu em seu apartamento. E, só à noite, quando todos estavam dormindo, a ansiedade que o abalava deixou-o.

17 Yan continuou os experimentos com seu corpo. Imaginou ser um cão, e transformou-se em um cão. Em seguida, imaginou ser um sapo – e o corpo instantaneamente obedeceu. Voltou à forma humana e, imaginando roupas, vestiu-se. A cidade dormia, mas Yan não tinha necessidade de dormir – ele nunca se cansava.

O enterro Querendo assistir o próprio enterro, Yan seguiu aqueles que trans- portavam seu corpo até o cemitério. No caminho, ele viu, mais uma vez, parentes e outras pessoas que eram devorados pelas larvas em forma de águas-vivas, besouros, minhocas, cobras. Sentiu que a infelicidade e o fra- casso também estavam ligados a estas criaturas, que compeliam as pessoas a atos negativos e estúpidos. Quando alguém fica com raiva, ciúmes, sofre uma ofensa ou amaldiçoa outrem, envia assim estas bestas, que partem em direção à vítima e atormentam-na, como uma matilha atacando uma caça. No entanto, se a vítima está positiva, nada funciona, e todas estas pragas voam para longe e passam a torturar aquele que as desencadeou.

Em poucas pessoas, Yan via uns coágulos brilhantes que lembravam esferas – e concluiu que eram, provavelmente, bons espíritos ou anjos. Desceram o caixão com o corpo de Yan para a cova e começaram a cobrir com terra. Olhando mais de perto, sobre a sepultura, Yan viu uma sombra branca com os traços dele.

18 “Será um fantasma?” Acima dos outros túmulos Yan viu as mesmas imagens. Lembrou-se de como Inna lhe contou sobre o duplo etérico. “Talvez este seja o corpo etéreo” – pensou Yan. Ele notou que alguns fantasmas eram mais luminosos e outros mais apagados; concluiu que deviam ter ficado assim de velhice. Inna também estava presente no funeral. Ela já se acalmara e mental- mente rezava a Deus por ele. A mãe e os parentes partiram para a missa na igreja. Yan os seguiu.

19 Acima do templo, viu uma grande nuvem branca que se alimentava das orações das pessoas. Às vezes, da nuvem saía um turbilhão de energia que se dirigia a algum dos fiéis. “O que é isso? Deus?” – foi o que Yan pensou, mas ele não sentiu que era verdade. Depois, um raio saiu da nuvem e caiu mais ao lado. Imediatamente em resposta outro raio atingiu esta nuvem. “O que é isso?” – Yan voou na direção de onde o relâmpago fora disparado e viu uma mesquita, a qual tinha sua própria nuvem. Depois viu as mesmas nuvens sobre a sinagoga e a igreja dos batistas. “Provavelmente são os espíritos das egrégoras lutando entre si. Deus está longe deles” – concluiu Yan. Já aprendera a mover-se rapidamente no espaço. Assim que imagi- nava a pessoa ou o lugar certo, encontrava-se ao lado dele. *** Uma vez pensando em Inna, Yan apareceu na aula de sampo condu- zida por Kalki. O Mestre ensinava como se livrar das larvas e limpar a sua aura de diferentes pragas fazendo golpes de energia e também explicava como quebrar sans-vínculos com pessoas ruins e egrégoras. Yan viu que cada um tinha o que pareciam ser fios que o ligavam a outros: geralmente a parentes ou a nuvens de egrégoras. Passavam nestes fios correntes energéticas que controlavam a pessoa como um fantoche. Ela ficava tão enredada por estes contatos e por todos aqueles tipos de larvas que dela não sobrava quase nada. A pessoa fazia, pensava e vivia não o que realmente queria, não o que era inerente a ela – mas coisas diferentes que lhe foram impostas – e se perdia nisso completamente.

O caminho para o inferno Yan um dia visitou sua universidade e viu um inimigo seu, que se exibia na frente dos companheiros, falando que no passado humilhara Yan. Contava que Yan era gay e que ele o possuíra. Yan ficou tão bravo que que- ria matar o desgraçado. E neste instante foi cercado por nuvens negras que o arrastaram consigo. Yan tentou resistir, mas nada pôde fazer. Foi levado a um lugar terrível, sombrio e cheio de criaturas horríveis que lembravam ora demônios, ora bestas disformes. Estes bichos atacaram

20 Yan e se prenderam nele, devorando sua energia. Foi tomado de horror e de insuportável dor. Mas seu medo apenas fortalecia estes monstros. Sentia como se o rasgassem, como se nele enfiassem agulhas, como se de suas bocas saísse um fogo que o queimava de forma assombrosa. Yan percebeu com horror que estava no inferno e que não sabia como sair dali. Sentia um sofrimento inimaginável. E, quanto mais sofria, mais os demônios se revigoravam: infligiam mais dor e inventavam novas tortu- ras. Diante de seus olhos apareciam visões de como essas criaturas aterrori- zantes estupravam Inna, como seu inimigo o espancava, como as pessoas o ridicularizavam. Yan já não compreendia que eram artimanhas dos demô- nios – e afundou-se completamente nestas dolorosas ilusões. No meio deste tormento incrível Yan lembrou-se de Kalki e começou a gritar: “Ajude-me, salvador! Ajude-me! Eu imploro!” Desesperado, Yan colocou neste apelo toda a sua fé. E de repente irrompeu uma luz, uma nuvem de luz, e os demônios saltaram para longe. No centro da nuvem, Yan viu Kalki. – Olhe para meu rosto, olhe para mim! – chamava Kalki.

Yan fixou o olhar no rosto do Mestre, que era sua última chance de salvação. E se sentiu melhor. Mas Kalki continuou:

21 – Acalme-se, lembre-se de algo agradável: uma bela paisagem ou algum seminário nosso. Sintonize-se de forma positiva. Yan sentiu paz e alívio, como se uma carga pesada houvesse caído de seus ombros. – Agora olhe ao seu redor – disse o guru. Yan olhou em sua volta e viu um prado, um rio correndo pacifica- mente, um céu calmo com nuvens brancas. O dia estava chegando ao fim. As cúpulas de um templo brilhavam à distância. – Está vendo – disse o Mestre – o lugar onde você está no plano espi- ritual depende da sua sintonia: paraíso, inferno, o mundo do passado ou do futuro – quaisquer lugares na Terra ou em mundos paralelos estão à sua disposição. Você pode se deslocar com a velocidade do pensamento. Mas o que você vê aqui é um produto da sua mente, ou das mentes de outros seres. Tente desfocar o olhar, como você fez aquela vez quando observava a aura de uma vela. Veja, tudo isso é apenas um campo de energia. Yan fez o que o Mestre lhe disse, e viu apenas um brilho cintilante. Ele flutuava como enormes ondas, lentamente mudando de cor e de con- torno. – Então o rio e o templo não são reais? – perguntou Yan. – São tão reais quanto o inferno que você acabou de visitar. Você pode nadar no rio ou entrar no templo. Mas eles são gerados a partir dessa energia, através do poder de sua imaginação, através do seu espírito ou da capacidade da mente de outras criaturas que fazem você ver o que elas imaginam. – E o que é real de fato? Como ver o mundo como ele é? – perguntou Yan, surpreendendo-se com o que acontecia. – A verdadeira realidade é Deus. Mas compreendê-Lo não é fácil. Você ainda não sabe como se sintonizar para entrar em contato com Ele, nem mesmo por pouco tempo. Se você não tivesse morrido e estudasse em nossa escola, eu o ensinaria a meditar e a entrar em Samadhi – em união com Deus. Mas no plano espiritual, cada um está em seu nível, depen- dendo de sua atitude. Os seres de diferentes níveis de desenvolvimento apenas se encontram usando uma sintonização especial e por um tempo muito curto. Mas agora posso levá-lo ao meu Samadhi, para que você entre em contato com a verdadeira realidade por um instante. E, se você for determinado, em sua próxima vida terá um destino diferente e chegará à

22 compreensão da Eternidade. Agora, olhe para os meus olhos e não se dis- traia nem por um segundo. Yan fitou os profundos olhos do Mestre e caiu em seu olhar. De repente, viu uma esfera de luz branca da qual saíam em todas as direções raios de arco-íris. Ela brilhava contra o indescritível abismo, que lembrava a infindável imensidão do Cosmos. Yan via toda a sua vida passada – e percebeu o horror e a vergonha de sua existência. Ficou abor- recido por ter gasto seus anos daquela forma. Mas o brilho de Deus não o julgava; cobria-o com seu imenso amor e esperança; a esperança de que ele entenderia a verdade e alcançaria a grande graça. O brilho era silencioso, mas Yan o entendia como que sem palavras, sentindo com o coração e com todo o seu ser o Seu estado, a Sua atitude. – Aqui está o que você poderia encontrar, meu filho, se em vida tivesse Me procurado. Você se transformaria em Mim – dizia a Yan o silên- cio de Deus. Embora nenhuma palavra fosse articulada, Yan O entendeu melhor do que se as palavras lhe tivessem sido ditas. Sentia o significado da mensa- gem com todo o seu ser, sem precisar pensar, analisar e duvidar – foi uma experiência holística. Em seguida, o brilho começou a se expandir e encobriu Yan. Ele sen- tiu um amor tão infinito, que se dissolvia nele. Depois desapareceu com- pletamente, sem deixar vestígios. Na sua existência estava presente apenas a grande imensidão do Universo. Embora Yan se sentisse como se não exis- tisse, ele era Deus; estava presente em todo o vasto espaço, que não termina nos diversos mundos, nas incontáveis Galáxias, nas estrelas, nem nos seres que habitam esses mundos. Parecia que Yan sabia, ao mesmo tempo, tudo acerca de cada ser no Universo; ele era cada um deles, e parecia ter vivido suas vidas. Estava simultaneamente no passado e no futuro de cada uma de suas criações. E este passado e este futuro eram sem começo nem fim. A própria criação (existência) não era percebida de forma pontual, ou seja, como ela era num dado momento. Yan via a criação como a vida Dele. Integralmente, em todas as encar- nações – até que se fundiu totalmente com Ele e iluminou-se. Era assim que ele O percebia, ou melhor, percebia a si mesmo em cada uma das suas manifestações. Estava repleto de um colossal poder criativo, elaborando mil mundos em um instante, cheio de uma onisciência incompreensível,

23 saturado de inúmeras experiências de amor, felicidade, santidade e todos os estados possíveis de cada ser vivo. Isso foi apenas uma pequena parte da experiência com Deus. O resto é impossível descrever em palavras ou submeter a qualquer definição. Era um estado tão imenso, vasto, abrangente, que para compreendê-lo uma pessoa precisaria de uma eternidade. Este estado mudava a cada momento, transformava-se, como se estivesse crescendo. E, para descrever e compre- ender cada momento seguinte de Deus, era necessário ter outra infinidade de tempo. Era inconcebível e incomensurável. Mas o brilho agora recuava. Aos poucos, Yan voltou a si. Este estado antigo lhe causava a impressão de que ele havia sido trancado dentro de um caixão apertado e espremido por todos os lados. Em comparação com o que Yan sentira alguns momentos atrás, ele agora estava morto. Perder a presença de Deus era tão atormentador que no mesmo instante queria morrer, desaparecer. Yan ardia de santidade e amor por Ele. Não podia mais viver desse jeito – mas não sabia como viver de outro. E foi, devido a isso, apreendido por emoções insuportavelmente dolorosas. – Isso é o que acontece quando um inexperiente vê Deus – ouviu a voz do Mestre. Olhando para trás, Yan viu o rosto de Kalki. O peso diminuiu. O que acontecera com ele alguns minutos atrás parecia-lhe apenas um sonho. Nem acreditava que tinha visto Deus. – Assim é melhor – disse Kalki sorrindo. – Daqui a pouco você decide cometer suicídio aqui também – ele riu, – embora, na verdade, aqui isso não seja possível. Mas está na hora de ir para onde você pode ficar, con- forme a condição que conquistou com a sua vida terrena. Não se esqueça de que é preciso controlar suas emoções e pensamentos, senão você pode novamente cair no inferno. Lembre-se, tudo o que você vê no plano espiri- tual é um produto de sua mente. Não a deixe fazer outra brincadeira cruel com você. E agora, adeus! Acho que ainda nos encontraremos... – Kalki desapareceu no ar. Surpreso, Yan olhou ao redor e viu diante de si a mesma paisagem com o prado, o rio e o templo. Ele viu que pessoas vinham flutuando na direção dele. Reconheceu algumas; eram seus parentes mortos. Os mortos cumprimentavam Yan alegremente: – Finalmente você está de volta ao lar, na sua casa! – abraçou-o o avô.

24 – Agora estamos juntos de novo – disse-lhe a avó, beijando-o – ter- minou seu martírio na Terra. Yan estava surpreso que os avós tinham uma aparência tão jovem. E, embora ele não o tenha dito, eles já sabiam dos seus pensamentos. – Sim, meu neto – respondeu o avô – A alma não é o corpo, não tem idade. Aqui todos são eternamente jovens. Geralmente o corpo terreno atinge a aparência da alma aos 18 ou, em alguns casos, até aos 32 anos. Mas mesmo um bebê tem uma alma com uma aparência adulta. São o corpo e o cérebro que não o permitem ser adulto desde o nascimento. Aqui não temos nem doentes, nem deficientes, porque a alma é sempre saudável. Cada um de nós pode, no entanto, assumir qualquer forma que desejar. E, para confirmar suas palavras, seu avô novamente ficou um velho fraco e corcunda, apoiado em muletas. Ele tossiu forte, e então riu junto com os outros. – E agora, vamos para a nossa casa – a avó o convidou. E eles já estavam na casinha velha da avó, que Yan visitava na infân- cia. – Mas por que vocês moram numa cabana tão velha? – perguntou ele. – Ficamos acostumados assim na vida passada – disse o avô – embora possamos viver em qualquer lugar: mesmo num palácio ou no meio do mar – é só imaginar. A avó trouxe uma travessa com empadas, e um cheiro de infância, esquecido há muito tempo, espalhou-se na sala. Depois de morder a empada, Yan descobriu a qualidade surpreen- dente da culinária local. Ele sentiu o estado da avó quando ela fez as empa- das e se maravilhou com a descoberta. Ele soube de suas emoções e pensa- mentos. Assim que notou, a avó lhe ofereceu uma maçã: – Pegue, experimente isso também. Ela não é materializada, é de uma árvore local. Yan pegou a maçã, mesmo sem ainda entender em que se difere uma maçã de matéria sutil que apareceu na árvore. Mas quando ele a mordeu vivenciou o estado da maçã e algo semelhante a seus sentimentos, pensa- mentos e o seu jeito de encarar a vida. Ele também sentiu a árvore em todo o seu estado de espírito, tudo o que ela já foi. Isso o surpreendeu ainda mais, que por meio de uma simples mordida um conhecimento tão amplo chegara a ele. Percebeu que todos os objetos do local pareciam vivos, e que era possível comunicar-se com eles, como em conto de fadas. Ele experi-

25 mentou algo parecido depois de ter usado LSD, quando o mundo pareceu vivo e interativo. Também teve isso na infância, quando todas as coisas lhe pareciam surpreendentes e vivas; ele conversava com elas e elas pareciam responder para ele. – Pois é – disse a avó – tudo ao redor está cheio de vida. O homem que vive na civilização sempre se esquece disso. Pelo contrário, aquelas pessoas que vivem na natureza e que chamamos de selvagens, conservam esta visão do mundo. As crianças às vezes não entendem por que as coisas que elas imaginam não aparecem na mesma hora do ar. Esse hábito elas tinham ainda na vida sutil onde tudo aparece a partir do nosso pensa- mento. Mas os adultos as fazem perder esta visão, pois acreditam que são bobagens infantis e que a criança ainda não entende que isso é impossível. Mas no universo tudo é vivo, não há nada morto. Só que cada coisa tem seu jeito de viver, às vezes diferente do ser humano. A civilização priva as pessoas desta visão. Os humanos já chegaram a não admitir que animais e mulheres possuíssem alma. Devido a esta visão incorreta surge todo tipo de mal; hoje em dia a Terra está sendo destruída e as pessoas matam umas às outras. Os padres, por votação tentaram decidir se as mulheres tinham alma ou não. Isso nos diz sobre como estão cegos e esta cegueira deles causou várias mortes na fogueira da inquisição e nas cruzadas. Embora Moisés e Jesus tenham falado: “Não matarás”, eles não escutaram e fizeram tudo a seu jeito, abençoando os soldados para guerras, por causa de um governador que tremia de medo para não perder o lugar no trono, enco- brindo o seu desejo de poder com a ideia de defesa da pátria. E agora estão lutando contra quaisquer pensamentos alternativos. Lembra o que fizeram com Kalki? Eles precisam de escravos. Mas agora como não possuem mais correntes de ferro, utilizam as da informação. Aprisionaram a mente do ser humano, o qual nem tenta maldizê-los, sujar seu santo nome ou comover uma multidão contra eles, para, enfim, eliminar tudo aquilo que os atrapa- lha, libertando as pessoas finalmente. Surpreso Yan ouvia a avó, maravilhado com o quanto a sua visão do mundo mudara. Ela era cristã ortodoxa em vida e sempre ia à igreja, falava mal de todas as seitas e pessoas que pensavam diferente. Não queria nem escutar sobre novas maneiras de ver as coisas ou teorias alternativas. – Sim, meu neto – disse ela respondendo aos seus pensamentos – na Terra quase todos vivem numa cegueira total, sendo escravos de ideologias diferentes. Mas aqui os nossos olhos se abrem para a verdade.

26 – E o que fazem aqui? – Yan perguntou-lhes. – Descansamos, netinho. Observamos como as pessoas vivem no mundo, viajamos para o passado, voamos em mundos diferentes. – Que vida boa! – surpreendeu-se Yan – Por que, então, tivemos de viver na Terra? O que esquecemos lá? Por que tudo isso? – Aqui estamos em casa, e a Terra é uma viagem de negócios – disse o avô – algo como uma academia de ginástica, onde aprendemos lições dadas por Deus, ganhamos uma experiência que é simplesmente impossível de obter aqui. É como se Deus estivesse assando nossa alma, tal qual um bolo, e nem todas as fases deste processo são agradáveis, mas elas são necessárias para desenvolver nossa alma, torná-la sábia. “Quer dizer que eu fiz algo de errado quando cometi suicídio” – pen- sou Yan. – Muito na vida é predestinado por Deus, e você não é culpado disso. Seu suicídio foi determinado também pelas escolhas que você fez em vida. Mas você poderia ter vivido de forma diferente, se tivesse ouvido Inna e sem demora, começado a se desenvolver espiritualmente. Nesse caso, o seu destino teria tomado um caminho diferente, e talvez você tivesse alcançado um nível superior de existência, e após a sua morte, teria ido para uma dimensão onde os anjos, gurus e santos vivem – em felicidade infinita. Yan lembrou-se das aulas de Kalki, de Inna, ficou com saudades e se viu ao lado dela instantaneamente. Ela estava sentada com os discípulos de Kalki na sala de meditação. Eles formavam um círculo, de mãos dadas, e praticavam pranayama, sintonizando-se com o Mestre que, apesar de estar na prisão, enviava-lhes correntes de amor. De repente, o avô apareceu junto de Yan: – Ah, aqui está você! Simplesmente sumiu da mesa. E aqui com você Inna. Sua avó e eu muitas vezes observamos vocês, e ficávamos contentes com a sua amizade. Ela está aprendendo a sintonizar-se com as vibrações superiores do amor e, talvez se encontrará mais tarde entre os anjos. Inna estava sentada e chorava baixinho, lamentando a morte de Yan e a prisão de Kalki. Somente o fluxo do amor divino era capaz de confor- tá-la. Yan voou para o lado dela e a abraçou, tentando acalmá-la. Mas ela não o via. Suas mãos passavam através do corpo dela. – Não a toque – disse o avô – Nossa energia é alheia à terrena e a afetará negativamente. Além disso, a energia dela vazará para você. Lem- bra-se das histórias de vampiros? Para os que estão na Terra, nós somos os

27 vampiros. Não bebemos sangue, mas tiramos sua energia com cada toque. Alguns de nós, ligados de forma mais forte à Terra, realmente começam a alimentar-se com a energia das pessoas para ficar no plano terreno. Está sentindo como é difícil ficar aqui? Yan voou para longe de Inna e sentiu que, de fato, era mais difícil permanecer na dimensão terrena do que no mundo em que há pouco esti- vera com a avó. – Para nós, tudo aqui é fatigante – explicou-lhe seu avô – Para fazer qualquer coisa na Terra precisamos de uma grande quantidade de energia, mas de onde tirá-la? As pessoas extraem sua força do trabalho corporal usando pranayama, e nós só podemos vampirizá-las. – E como sair daqui? – perguntou Yan. – Basta lembrar-se do rosto de sua avó, e pronto. Yan obedeceu, e estava de volta com ela na cabana. – Estava esperando você! – exclamou a avó. Coma as empadas. Elas não esfriam aqui, mas ainda assim... – sorriu ela. Yan lembrou-se do sexo com Inna e imediatamente corou de vergo- nha, sabendo que os avós conhecem seus pensamentos. – Não tenha vergonha – disse o avô – Acostume-se: nessa dimensão todos conhecem os pensamentos uns dos outros. Não há lugar para menti- ras. A alma se torna mais iluminada quando sabemos tudo uns dos outros. Yan ainda estranhava que os seus pensamentos eram conhecidos por todos; na vida terrena costumava escondê-los dentro de si. – Descobrimos que muitas coisas – disse seu avô – que na vida consi- derávamos ruins, na verdade eram boas. Os pensamentos realmente maus ou maldosos e as emoções negativas vivenciadas neste mundo logo man- dam a pessoa para o inferno. Assim, gradualmente aprendemos a nos livrar deles, limpando a alma. – E como os anjos vivem? – perguntou Yan. Temos como saber disso? – Não é fácil, porque temos muito poucas emoções sublimes para nos aproximarmos deles. Mas há aqui um sacerdote, chamado Kadzhur, que sabe como fazê-lo. – E podemos nos encontrar com ele? – perguntou Yan. – É claro – disse o avô. Simplesmente mantenha agora o meu rosto no seu olhar interior, e eu o apresentarei a você. O avô lembrou-se de Kadzhur e viu-se, com Yan, ao lado dele. Kad- zhur estava com outras pessoas, vestidas, como ele, em um traje atípico,

28 perecido com uma túnica. Estava sentado em um templo incrível, que lembrava uma pirâmide, ornamentada por mandalas e signos mágicos. Olhando fixamente para Yan, Kadzhur disse: – Sim, você poderia tornar-se uma pessoa espiritual. Tem grande predisposição, mas seguiu o caminho errado. Eu não o culpo, nem todos podem encontrar o seu destino em uma idade tão jovem. No entanto, você poderá visitar os anjos. Na sua vida terrena, teve a sorte de encontrar um dos grandes mestres da humanidade. Isso irá ajudá-lo também agora. Sente-se em nosso círculo. Yan sentou-se ao lado de uma mulher muito bonita e de um rapaz esguio e magérrimo. – Maxim – introduziu-se o jovem. – Meu nome é Sapfira – disse a menina. – Deem as mãos – ordenou o sacerdote. Sintonizem-se com o sen- timento de amor e devoção a Deus, vivenciem essas emoções com todo o coração, transfiram esse sentimento à sua intenção de entrar no plano dos anjos. Cantem o mantra “Illa”!

29 Yan sintonizou-se e passou por uma experiência reverencial. Houve, então, uma mudança surpreendente: Yan estava num oceano de graça, em torno dele espalhavam-se cintilantes fluxos de energia, nos quais flutuavam globos brilhantes. Em volta soava uma música maravilhosa, e o vento tra- zia um aroma incrível de incenso. Gradualmente o brilho cintilante transformou-se em um templo gigante, e os globos em ascetas, pairando em posição de lótus. Cada um deles tinha uma auréola sobre a cabeça, e ao redor do corpo brilhava a aura com cores de arco-íris. Estavam enfeitados com guirlandas de flores. – Saudações – disse um dos devotos e lançou um olhar de amor infinito aos visitantes. Aqui estamos em uma felicidade infinita, mas cada um de nós sonha em reencarnar entre as pessoas, para ajudá-las a crescer, cultivar um estado espiritual exaltado, para salvá-los da condição ignorante e dolorosa em que se encontram. Apesar de sabermos que lá iremos sofrer, oramos a Deus para nos trazer de volta à Terra, para que salvemos as pes- soas. Se vocês tiverem as mesmas aspirações, aos poucos vão se juntar a nós. Dissolvam seu ego com o amor. Yan, de repente, sentiu um forte peso que o puxava para baixo – pare- cia que estava caindo de uma grande altura – e em um instante já estava de volta à pirâmide do sacerdote Kadzhur. – Ficamos no nível dos anjos enquanto conseguimos manter o nosso estado de espírito elevado, e, uma vez que o perdemos, novamente caímos para o nosso nível – comentou Kadzhur sobre o que acontecera. Mas agora vocês sabem a que devem aspirar e o que podem alcançar. Yan estava sentado, atordoado, lamentando não ter dado ouvidos a Inna em sua vida terrena, e não ter se tornado um discípulo de Kalki a tempo. Naquela época, nem tinha ideia do que estava perdendo e qual felicidade poderia lograr. Mas agora já era tarde demais. – Até a próxima, meus queridos – disse o sacerdote e desapareceu do templo.

Sessão espírita – Yan, você ficou triste? – gentilmente perguntou Sapfira. Todos nós fizemos escolhas erradas na vida terrena. Mas você pode se desenvolver aqui, para não perder a oportunidade de evolução espiritual na próxima vida. Vamos voar para a Terra agora, vamos nos distrair; lá, a minha família

30 está realizando uma sessão espírita. Vejamos como isso acontece na percep- ção das pessoas que vivem no plano espiritual. Yan lembrou-se de como na infância tentara chamar o espírito de Pushkin3 com os amigos dele e ficou interessado. – Sintonize-se comigo – disse Sapfira. Yan concentrou-se no rosto dela, e eles apareceram em uma casa antiga. Algumas pessoas estavam sentadas à mesa em um dos cômodos. Estavam com os dedos postos sobre um pires, que se movimentava por sobre uma folha grande de cartolina. O papel estava coberto por letras e números, escritos ao longo de um círculo. – Espírito de Tutancâmon, chamo você – invocava um rapaz de cabelo comprido, com um longo e estreito nariz. Fechou os olhos, sinto- nizando-se: – Responda uma pergunta: como podemos ficar ricos? O pires corria pelo papel. Yan viu que ao redor das pessoas sentadas à mesa voavam vários espíritos diferentes, cada um dos quais tentando enviar-lhes sua resposta. Ali havia também uma estátua estranha, seme- lhante à imagem de Tutancâmon. O líder, então, estabeleceu contato com uma criatura parecida com um sapo cabeludo com asas de morcego – era um dos espíritos inferiores. Entre os dois, formou-se algo como um turbilhão espiral, e o sapo respon- dia as perguntas do rapaz com uma voz áspera e desagradável. – Está vendo – articulou Sapfira, desapontada – ele não conseguiu se sintonizar adequadamente, e, em vez de Tutancâmon, um espírito inferior lhe dá respostas. – E por que Tutancâmon é tão bizarro? – perguntou Yan. – Não é o próprio Tutancâmon – respondeu Sapfira, olhando para a estátua sem vida. Reencarnou-se na Terra já faz tempo. Esta é a sua memó- ria. Encarnando na Terra, deixamos nossa memória de vidas passadas no plano espiritual, e por isso, em vida, de nada nos lembramos. – E como é que eles poderiam entender Tutancâmon? Afinal, ele falava um idioma diferente – perguntou Yan. – No plano espiritual não há idiomas, todos falam a mesma língua e facilmente compreendem, sentem um ao outro, mesmo sem palavras. Olhe ali: eles não ouvem o que o espírito está respondendo, mas o cérebro converte os sinais em movimentos das mãos, e assim o pires aproxima-se

3 Alexander Pushkin (1799-1837), maior expoente da poesia russa. (N. do T.)

31 das letras apropriadas. Mesmo plantas, insetos e animais falam esse idioma único. Agora você vai entendê-los também, da mesma forma que os telepa- tas entendem, pois o cérebro deles não bloqueia essa habilidade. É possível conversar com pedras, alienígenas – o corpo não impede essa capacidade. Portanto, é mais fácil para uma pessoa obter informações usando pires, videiras, varinhas duplas, assim como ouvindo apenas a voz do corpo. Pode descobrir o que não é perceptível para a mente...

O sapo continuava a responder as perguntas, mas, ao mesmo tempo, outro espírito, que lembrava uma toupeira com asas de mosca, tentava empurrá-lo para longe. Este também queria entrar em contato com as pes- soas. Yan lembrou-se de como seu “Pushkin” falava palavrões quando o chamaram, e riu. Agora entendeu o quão importante é a sintonização apropriada e como é difícil alcançá-la sem prática especial. – E como se deve sintonizar corretamente? – perguntou Yan. – Sintonizar significa criar harmonia – explicou Sapfira. Harmonia em três níveis: mental, sensorial e corporal. A mente deve visualizar uma imagem de maneira bem definida, o coração experimentá-la emocional- mente, e o corpo sentir sua presença fisicamente. O melhor é começar com amigos próximos, parentes, lugares conhecidos, objetos seus. Você tem de imaginar uma pessoa, estabelecer uma conexão emocional com ela e senti-la muito próxima como se pudesse tocá-la. É preciso gravar

32 essa experiência e tentar transferi-la para pessoas e lugares desconhecidos, esforçando-se por reproduzi-la neste outro contexto. – Entendi – respondeu Yan, pensativo. Então percebeu que um grupo de criaturas desagradáveis se aproxi- mava deles. Seus corpos eram cobertos por bolhas e feridas horríveis. Eles se empurravam e se xingavam de forma vil. Vendo Yan e Sapfira, se entre- olharam, sorrindo maldosamente, e foram em sua direção. Sapfira agarrou a mão de Yan e ordenou: – Vamos para Kadzhur urgentemente! Visualize o rosto dele! E em seguida encontraram-se mais uma vez em sua pirâmide. – O que foi? Por que fugimos? – perguntou Yan. – Estas criaturas monstruosas são semelhantes a demônios – disse Sapfira. Deles pode-se esperar qualquer coisa. Trata-se de um bando de assassinos, maníacos, bandidos e vários outros criminosos. Os pecados não lhes permitem entrar em nosso mundo, e eles ficam próximos à Terra, junto de outros espíritos. Viu as feridas deles? O corpo espiritual reflete as emoções muito negativas que eles possuem, e estas os deformam. – E quanto tempo eles ficarão no mundo dos espíritos inferiores? Por que não querem se corrigir? – perguntou Yan. – Se uma pessoa busca desculpas, se ela se apega a atitudes negativas e considera seus vícios algo normal, então ela se prende aos defeitos e ao mundo inferior, permanecendo um monstro moral. Somente por meio do arrependimento uma pessoa se livra dessas doenças mentais e pode subir para um mundo melhor. Tais pessoas podem habitar continuamente entre os demônios e as criaturas de sua própria espécie, até reencarnarem na Terra se não resolverem livrar-se de sua perversidade. Por isso durante a vida é preciso fazer penitência com frequência, e pedir perdão às pessoas, sem defender seus vícios; é preciso expô-los e tentar se livrar, acima de tudo, da má atitude para com as pessoas, de tudo que é contrário ao amor, à bondade e à compaixão.

Laboratório de criadores Um dia Sapfira levou Yan para o laboratório de criadores. Lá reu- niam-se os que foram cientistas, artistas e músicos em vida. Compartilha- vam entre si suas criações e invenções.

33 Yan surpreendeu-se com as pinturas dos artistas, que eram tridimen- sionais e que foram pintadas simplesmente com a imaginação, e com os compositores, que tocavam a música de uma orquestra inteira, apenas com a força da mente. Mesmo os cientistas eram capazes de mostrar suas desco- bertas visualmente, em ação.

Participava deste encontro também Professor Bed, que discorria sobre a possibilidade de o DNA ser alterado. Após sua apresentação, Yan aproximou-se e perguntou: – Por que aqui, no plano espiritual, precisamos de todas essas desco- bertas? Afinal, ninguém aqui tem um corpo físico. Como o senhor pensa em aplicar sua teoria na prática? – Você entendeu tudo corretamente – aqui isso é impossível, meu caro amigo. Mas agora, trabalho para aqueles que ficaram na Terra – respondeu o professor. Aqui é muito mais fácil fazer descobertas: não há necessidade de financiamento para estudos, equipamentos caros, técnicos de laborató- rio e outras coisas. Preciso apenas da minha mente. Consigo criar qualquer coisa que preciso com a ajuda da imaginação. E o mais importante – aqui é muito mais fácil obter uma resposta para qualquer questão científica. – Concordo plenamente, professor – disse Yan. Mas como na Terra vão saber sobre sua descoberta?

34 – Muito simples. Fazíamos esse truque ainda na escola, na minha vida passada: aprendemos a transmitir pensamentos à distância. Eu pensava em um número de um a nove, e, em seguida, aproximava-me de alguém e falava: “Sou um grande telepata. Pense em um número de um dígito, e vou lhe dizer qual você escolheu”, e ao mesmo tempo mentalmente eu repetia o meu número constantemente. A pessoa ponderava, e, na maioria dos casos, escolhia o mesmo número que eu, porque a sua mente estava à procura, buscando um número. E eu apenas ficava repetindo esse número, e a pessoa o captava sem querer. Depois, eu só falava o meu número, e muitos ficavam surpresos, pensando que realmente eu era um telepata. O mesmo acontece com cientistas, músicos e artistas – muitas vezes captu- ram as ideias que estão no ar. Então, só tenho que encontrar um cientista que esteja tentando resolver questões de trabalho com DNA e mandar-lhe minhas ideias. Para captar a solução, o mais importante é que ele esteja pensando muito, deve procurar uma resposta e ter um alto nível de desen- volvimento científico. Então o pesquisador, assim como Mendeleev, que viu sua tabela em sonho, também pode sonhar com a minha descoberta. Está entendendo? – Sim, isso é muito interessante – ponderou Yan. Agora entendo de onde vêm todas as coisas novas na nossa Terra. – Claro que nem todas as coisas, e nem só daqui – exclamou Bed. Mas que todas vêm de altas esferas e de planos espirituais – isso é verdade. Em geral, a influência do mundo dos mortos sobre o mundo dos vivos é enorme. Antes, até chegar aqui, não percebia isso. Mas quase tudo vem para a Terra a partir do plano espiritual. É claro que, além de nós, no mundo espiritual agem também os demônios – precisamente por isso a situação na Terra é tão complicada. No começo, quando vim ao mundo espiritual, estava perdido e intensamente deprimido porque não conseguia me comunicar com os parentes, como costumava. Não sabia com que me ocupar. Mas assim que percebi quantas oportunidades há aqui – até mesmo a oportunidade de ajudar as pessoas na Terra – me encontrei. Quando vivia na Terra, o mundo dos mortos parecia-me algo sombrio, algo inerte. Agora vejo que aqui estamos verdadeiramente vivos, e a existência terrena é a vida após a morte: monótona, limitada, com envelhecimento e decadência.

35 Atlântida – Bem, está se acostumando aqui, meu jovem? – Kadzhur perguntou a Yan, tirando uns cajados debaixo de suas longas vestes sacerdotais. – Sim, estou me adaptando. Apenas ainda não está claro o seguinte: por que esse mundo terreno árduo foi concebido? Não seria melhor se Deus tivesse criado só anjos? – Anjos, ao contrário de humanos, são limitados em sua experiência – disse o sacerdote majestosamente. Não conhecem a maldade, as men- tiras, os desejos, a tristeza, a angústia e a esperança da vida terrena... o frio e o calor, a fome e a saciedade, a raiva e o ressentimento, a paixão e a separação, assim como outros aspectos negativos e positivos da vida na Terra. Essa experiência também é importante para o crescimento da alma, para o desenvolvimento da compreensão e da sabedoria. A alma atinge sua perfeição somente após obter todo o espectro de experiências possíveis. Tendo passado por um longo caminho do mineral até Buda, adquire uma individualidade, uma dessemelhança para com as outras almas. Embora no início de sua separação de Deus todas as almas sejam iguais como duas gotas de água, no final ganham tanta experiência e memória de todas as encarnações anteriores, que ficam muito divergentes. E apesar de, ao final de sua jornada, todas chegarem a Deus, elas são únicas! Compare Cristo, Buda, Mahavira, Krishna, Maomé, Lao Zi! – Mas como o mundo é injusto! – falou um homem em uma túnica branca, sentado ao lado de Kadzhur. Fui morto por bandidos e vim parar aqui. Estou feliz, imensamente feliz. Mas por que eles foram mandados para a prisão e condenados a sofrer por longos anos? – Sim, irmão Bogumil – endereçou-se a ele o sacerdote. O drama da vida terrena é fundado na ignorância, incompreensão e cegueira total das pessoas. Afinal, se possuíssem onisciência, este drama seria impossível. O jogo inteiro da vida na Terra é baseado no fato de o homem não saber nada: nem passado, nem futuro. A alma de outra pessoa é, para ele, um mistério. Mas o que é crucial, é que ele não conhece a si próprio. Esta é a base da sua cegueira e seu sofrimento. Porém, está completamente sob sua capacidade descobrir a si mesmo, e isso começa com auto-observação, introspecção e visão imparcial e distanciada, no que tange aos seus pen- samentos, sentimentos e sensações. Ele, então, acorda e se transforma em Buda. O homem pensa ser, ao mesmo tempo, ator e espectador do drama

36 da vida. Mas não percebe que é apenas um ator – e esta é a desventura. Pois o drama da vida não passa em vão – tudo o que foi desempenhado permanece para sempre. Hoje veremos uma das partes mais interessantes deste drama, guardada nos Registros Akáshicos: a origem da civilização na Terra. Sentem-se em um círculo – pediu Kadzhur aos presentes – deem as mãos e entrem em sintonia com o nascimento da civilização de Atlântida. Viram-se perto de enormes pirâmides em construção. A obra andava a pleno vapor. Imensos blocos de pedra voavam pelo ar, como que encanta- dos, e formavam pirâmides. Conduziam este processo homenzinhos verdes com grandes olhos alongados, que ficavam ao lado de um grande disco voador branco. – Então foram eles que construíram as pirâmides – disse Yan, sur- preso. – Sim – respondeu Kadzhur. – Todos os megalitos, como Stonehenge, a Esfinge e Machu Picchu, foram construídos por eles, a fim de enviar energia espiritual para a Terra. Em áreas específicas dentro destas estrutu- ras, o fluxo de energia é particularmente forte. Lá receberam iniciação e transformação os novos sacerdotes da humanidade. Estes megalitos ainda hoje estão ativos e não permitem que o mundo sufoque na impiedade e na ignorância. Yan virou a cabeça e viu um grupo de sacerdotes que estavam sen- tados numa colina em frente a um grande grupo de pessoas antigas. Um deles, em uma túnica preta com o sinal “S”, já conhecido por Yan, ensinava ao povo os mandamentos de Deus. – Mestre Kalki! Este é o Mestre Kalki! – gritou Yan, apontando para o sacerdote. – Eu sei – disse Sapfira com um sorriso encantador. Esta grande alma encarnou-se novamente para conduzir os perdidos à luz. Agora, essas gran- des almas partem para o mudo terreno uma por vez, e lá elas enfrentam dificuldades. No alvorecer da civilização, porém, as almas poderosas encar- navam-se em grandes grupos liderados pelos profetas de Deus, e davam origem às grandes religiões, cujos ecos chegam até nós através do cristia- nismo, do budismo, do hinduísmo, do zoroastrismo e de outras religiões antigas. Eles se aproximaram e tentaram ouvir o que dizia Kalki Avatar. Yan ficou impressionado: o Mestre repassava os dez mandamentos de Moisés, conhecidos da Bíblia! Mesmo Yan, que não era particularmente religioso,

37 percebeu que a explanação destes mandamentos era claramente diferente daquela que os padres normalmente davam. Sapfira balançou a cabeça afirmativamente: – Sim, Yan. Deus dá quase os mesmos mandamentos a todas as nações, para que as pessoas tenham um direcionamento para desenvolver- se internamente e viver em harmonia. Mas, do tempo da Atlântida para cá, o significado dos mandamentos foi distorcido. E agora, só os mestres como Kalki podem restaurar a verdadeira mensagem deles. – Um dos mandamentos mais importantes é: “honrarás o calendá- rio” – pregava Kalki. De acordo com a doutrina, o calendário é a roda do tempo. Tempo é o movimento da Terra em relação ao Sol, e qualquer outro movimento é tempo. Mas o tempo não é uniforme, já que também inclui o movimento dos planetas e a localização das estrelas relativamente à Terra. Há tempo para criação e destruição, ação e inação, há tempo rápido e lento – um tempo para cada tarefa. Cada um de vocês deve saber quando o tempo virá e qual tempo será para você e para todos na Terra. Que seus filhos desde a tenra idade estudem astrologia, que lhes contará tudo sobre o tempo e seus ritmos. Nossos irmãos que chegaram de outra galáxia já constroem observatórios para calcularem o tempo com precisão e para determinarem seu efeito sobre os entes da Terra. Yan lembrou-se de Stonehenge e de outras estruturas antigas que ser- viam de observatórios. No passado não entendia por que eram necessários a selvagens e ignorantes. Mas agora via que os antigos tinham maior espi- ritualidade e consciência sobre muitas coisas importantes. – Sim – Sapfira confirmou seus pensamentos – naquela época havia deuses na Terra. Agora a civilização degrada-se espiritualmente cada vez mais. Apesar do desenvolvimento da tecnologia, as pessoas se preparam para um grande suicídio. É mais e mais difícil encontrar escolas verdadeiras entre a multidão de falsos profetas e padres, que há muito trocaram Deus por um prato de lentilha. Eles ouviram Kalki ainda por muito tempo, surpresos com a maneira como as pirâmides e outros monumentos megalíticos foram construídos a partir de pedras enormes que eram transportadas no ar. Depois voltaram ao seu mundo. Depois da visita aos registros akáshicos, Yan e Sapfira não paravam de perguntar a Kadzhur sobre assuntos como nascimento, esco- lhas e sentido da vida. Kadzhur então lhes disse:

38 – Escolher o próprio nascimento é privilégio daqueles que chegaram à consciência plena, embora se orientem mais pela vontade de Deus. Então mesmo podendo escolher, agem conforme a vontade Superior. Se uma pes- soa comum pudesse escolher, iria querer ou uma vida rica e interessante, que nem a de um viajante, por exemplo, ou espiritual para desenvolver-se e não passar mais pelo inferno, não encarnar em condições ruins onde viveria sem sentido. Mas como podemos ver é isso que acontece na maioria dos casos. Muitas pessoas vivem uma vida totalmente sem sentido, uma vida vazia sem nenhum objetivo. Dificilmente alguém iria escolher isso sabendo de antemão como tudo seria. Uma escolha dessas poderia ser feita ou por animais que não sabem nada sobre a vida humana ou por igno- rantes que escolheram encarnar porque tinham parentes na terra, apesar de que isso seja inútil. Nesse caso a escolha e a vida não teriam o menor sentido. Quando Deus escolhe por nós, Ele nos dá a lição que é necessária para o nosso desenvolvimento, mesmo quando é uma vida como porta- dor de necessidades especiais. Experiência negativa também é válida e, às vezes, até mais do que a positiva. Explicando a encarnação apenas pela lei do carma, e não pela vontade de Deus, a vida humana não teria nenhuma significância, as pessoas apenas sofreriam ou teriam prazeres sem nenhuma lição de evolução, pois a lei cármica é cega e faria a pessoa rodar em um círculo vicioso. Não haveria evolução ou desenvolvimento, apenas uma repetição vazia. Mas podemos ver que o mundo é feito com sabedoria e há presença de uma Força Superior que dificilmente deixaria essa repeti- ção boba das mesmas situações acontecerem. Essa Força não castiga nem premia, mas dá a experiência que promove desenvolvimento pela escala da evolução, a experiência que falta para uma compreensão necessária, que se fixe no centro emocional, nem que seja após a morte. A experiência do centro emocional não é apagada como a memória mental. Quando uma pessoa volta para o plano sutil lhe é mostrada a sua encarnação e ela entende por que foi preciso isso.

Amor verdadeiro Yan admirava Sapfira cada vez mais. Ficava fascinado por suas manei- ras requintadas, sua beleza, charme e inteligência. Ela percebia sua dispo- sição e flertava com ele. Um dia, estavam caminhando pelo jardim, apre- ciando a fragrância das flores, e Yan notou que, com cada sopro de vento, o

39 vestido de Sapfira adoravelmente mudava de cor e de ornamento. Brilhava e transformava-se continuamente, até que se tornou um traje sedutor. Na distância, viam os picos brancos das montanhas, cobertos de neve, e à sua frente o mar mostrava seu azul. O sol se punha, pintando o céu com cores radiantes.

Yan pegou a mão de Sapfira, que languidamente olhou para ele com seus grandes olhos pretos, e o fluxo de energia inebriante percorreu seus corpos. Yan a puxou para ele e a abraçou. Imediatamente seus corpos começaram a juntar-se, mutuamente penetrando um ao outro, trazendo um prazer extasiante aos dois. Fizeram amor com toda a superfície dos seus corpos, trocando fluidos sexuais e gerando euforia um no outro. Yan sen-

40 tia tudo que vivenciara Sapfira, e ela como que se identificava ao mesmo tempo com ela mesma e também com ele. Após o incrível sexo energético, por muito tempo deitaram abraça- dos, contemplando o céu estrelado. Um enxame de vaga-lumes voava no ar, formando graciosas guirlandas. Yan lembrou-se de que uma vez fizera sexo de forma parecida também com Inna, quando ela propusera que tentassem a prática do Tantra. Ape- nas se acariciaram, sem tocar nos órgãos sexuais. Mas naquele momento seu corpo não permitira que ele apreciasse a totalidade das sensações. Yan declamava poemas, dedicando-os a Sapfira. Usando o poder de sua imaginação, ela compunha belas melodias, que serviam como fundo perfeito para a sua poesia. – Te amo tanto! – Yan confessou-lhe. Estou tão feliz de estar aqui, em casa.

Lugar de Poder Havia um tempo em que Yan percebera que algumas pessoas desen- carnadas tinham umas luzes que as conectavam a alguma coisa na Terra. – O que é isso? – perguntou ele para Sapfira. – São vínculos que o desencarnado ainda tem com seus parentes. Eles chamam-se sans-contatos. Principalmente aqueles que desencarnaram há pouco tempo ainda os têm porque seus parentes da Terra ainda lembram- se deles. Olhe, entre mim e você também existe uma luzinha assim. Yan olhou e viu que entre seus corpos havia um canal de luz que os ligava, no nível do baixo ventre. – Quanto maior for o que sentimos um pelo outro, mais luminoso será o canal. Todas as coisas no Universo possuem ligações assim, até coisas inanimadas. Digamos que cada um é conectado com o que criou e não apenas com objetos físicos. Como a música, por exemplo. Sapfira apontou para uma formação que parecia uma nuvem. – É assim que uma melodia aparenta no plano sutil. Ela também é material. A nuvem cintilava com todas as cores do arco-íris. Vários feixes de luz saíam dela.

41 Yan concentrou-se e começou a ouvir a melodia. As cores cintilantes eram as vibrações da constante reprodução da música no plano sutil. Pare- cia uma estampa colorida e luminosa. – E o que são aqueles feixes de luz? Por que são tantos? – perguntou Yan. – É a conexão da música com os seus fãs. Eles a alimentam com sua energia e também recebem a energia das impressões que ela deixa. Todas as pessoas são ligadas às coisas e às pessoas para as quais têm alguns senti- mentos, até com seus inimigos com sans-contatos, ou seja, conexões ener- géticas. Normalmente há pouco sentido nisso, pois elas apenas transmitem uma para outra suas emoções e pensamentos os quais geralmente não são elevados e com isso prendem-se nesse pântano de frequências baixas. Yan e Sapfira voaram até a Terra e viram que todas as pessoas eram enredadas com listras assim. – Especialmente mulheres têm a capacidade de influenciar bastante, pois possuem um centro emocional bem mais forte que os homens. E se uma mulher concentrar-se em certa emoção poderá permanecer nela por horas enviando esse estado para aquele em quem pensa. Um homem não consegue segurar um estado emocional por tanto tempo. Não é por acaso que existe o provérbio “O homem é a cabeça e a mulher, o pescoço”. Se as mulheres soubessem controlar suas emoções poderiam influenciar os outros à distância. Quisesse ela um acréscimo de salário ou um presente do seu amado poderia enviar esta vontade sua ao seu gerente ou parceiro, que começa a pensar nisso também. Mas com frequência mulheres apenas esperam passivas e depois ficam chateadas. Consequentemente, mágoas, irritação ou raiva repelem coisas boas e a pessoa para quem a mulher sente estas emoções também começa a sentir coisas negativas a respeito dela. É claro que um estado de fúria pode reprimir a outra pessoa e fazer com que ela aja do jeito necessário, caso esta pessoa seja fraca. Mas é melhor e mais natural realizar as coisas utilizando o amor. Ensinaram-nos a viver em emoções negativas e por isso é mais fácil senti-las do que as positivas. É nisso que está a raiz das nossas tristezas. Yan olhou para o mundo e viu como os vínculos energéticos real- mente tinham tons negativos em sua maioria. Até entre mãe e filho ou entre namorados, que enviavam um ao outro cobranças e a ausência de vontade de entendimento.

42 – E agora? – perguntou Yan, observando os vínculos energéticos que passavam emoções e pensamentos negativos. – O que devemos fazer quando a maioria destas conexões influencia negativamente? Em primeiro lugar as pessoas precisam enxergar e sentir esses sans- contatos que agem de maneira desfavorável e não se render a eles, mas tentar rompê-los. Não é tão fácil assim e precisamos aprender o sistema Sampô. É o caratê astral, uma luta de defesa no plano sutil para se proteger e aniquilar todas as ações de larvas, demônios e conexões energéticas que nos influenciam negativamente. Este caratê possui uma força enorme e frequentemente é chamado de Sampo. Também, é preciso visitar os Lugares de Poder e buscar contato com influências Superiores que são capazes de nos proteger e nos purificar das forças negativas do mal. Sapfira segurou a mão de Yan e no mesmo instante eles encontraram- se na entrada da caverna de um santo. – Olhe aqui. Neste local morou um santo que orava. Embora agora ele esteja no mundo dos anjos esta caverna ainda tem conexão com ele. Yan viu como a montanha onde se encontrava a caverna, irradiava luz, sustentada com a graça das suas orações. Da caverna e de todas as coisas que pertenceram ao santo saíam as luzes de sans-contatos dirigindo-se ao mundo dos anjos onde ele se encon- trava. Um fluxo de luz maior subia até Deus. – E este é o que? – perguntou Yan apontando para o fluxo maior. – O santo orava para Deus e suas orações formaram este canal pelo qual a graça de Deus desce até o local. Isso foi conseguido por apenas aque- les santos que verdadeiramente conheceram Deus. Alguns santos possuem canais que vão até no máximo a egrégora daquelas religiões as quais aqueles santos pertenciam. Yan viu a nuvem da egrégora que se conectava à caverna. – Se um santo conhece Deus – continuou Sapfira – no local onde ele morou é possível iluminar-se. Mas é preciso viver em um lugar como este, e realizar práticas como o santo, pois a influência divina gradualmente transforma a pessoa. Yan viu uma mulher entrando na caverna com uma criança doente. Suas auras tinham manchas escuras de sujeira energética. Os fluxos dou- rados e finíssimos da caverna envolveram a mãe e a criança, e começa- ram a preencher suas auras com sua luz. As manchas sujas aos poucos se

43 dissolveram nesta luz. Na barriga da criança havia uma entidade repug- nante devorando-a. A criança segurava a região doente com a mão e cho- rava. A mulher começou a orar para o santo. De seu coração começaram a sair clarões cor-de-rosa, que começaram a mover-se pelos sans-contatos que ligavam a caverna com o mundo dos anjos. A luz começou a pulsar. De repente apareceu uma bola com cores de arco-íris, que desceu até a caverna e transformou-se no santo. Ele direcionou sua mão para a criança e da palma da mão, lançou-se um relâmpago golpeando a lesma nojenta que comia a criança. A lesma caiu para longe e partiu-se em pedaços. Na barriga da criança, restou uma ferida escura, que lentamente começou a preencher-se de luz, vinda de todas as coisas daquele santo. Em seguida, o santo tornou-se uma bola de luz e começou a afastar-se. A criança parou de chorar e disse: – Mamãe, a minha barriga não dói mais. A mãe da criança abraçou-a e começou a chorar agradecendo pelo milagre do santo. Os fluidos da caverna os envolveram com o seu brilho, atingindo suas essências e preenchendo suas auras de luz. – Por que esses bichos atacam até as crianças? – O campo energético das crianças ainda é fraco – explicou Sapfira – então adultos negativos, principalmente drogados e alcóolatras passam suas larvas para elas, infectando-as no plano sutil com suas doenças. É preciso proteger crianças de pessoas assim. Mas infelizmente há muitos deles na Terra. E as mulheres, na tentativa de salvar a família do canalha, expõem os filhos a um grande perigo. – O que pode salvar as crianças? – perguntou Yan – Além dos Lugares de Poder, claro. – Os pais devem unir-se –explicou Sapfira – e criar o Campo de Amor. Juntos concentrando-se nas melhores coisas devem orar pelos filhos. As crianças ficam no centro do círculo e os pais formam um círculo maior em volta, criando um campo energético de amor ao redor dos filhos com esforços conjuntos. Este campo os protegerá das coisas negativas. Uma pessoa sozinha ou apenas uma família é insuficiente para criar este campo. Mas juntando um grupo de 10 a 20 pessoas, ou mais, é possível criar um holograma forte e atrair as influências do bem das esferas superiores, que será um anjo da guarda para seus filhos e para eles mesmos. É preciso fazê -lo de coração e com regularidade, assim como lavamos o rosto todos os

44 dias de manhã, pois sabemos que sem isso ele ficará sujo. Da mesma forma tem de purificar seu corpo sutil com regularidade, porque ele também se suja, principalmente nas condições da vida moderna, em cidades, onde a ecologia não está boa, muita energia escura é criada pelas pessoas raivosas e irritadas. – E o santo usou o Sampô para matar as larvas? – perguntou Yan. – Sim, essa é a arte do Sampo. E ele também é muito importante na luta contra estas entidades, assim como a medicina, pois vírus e bactérias são corpos físicos destas criaturas. Não basta somente eliminá-las no plano físico, é preciso também limpar o corpo energético, visitando os Lugares de Poder, ciando o Campo de Amor e realizando as práticas Sampô. Os luga- res na natureza selvagem, lugares virgens, ajudam muito o ser humano a se purificar, principalmente as regiões onde o espírito Aiami, que é o espírito do local, ainda vive. Sapfira segurou Yan pela mão e eles estavam agora em uma floresta maravilhosa à beira de um lago montanhoso. Ao redor havia fluidos prateados de energia sutil, pura e harmoniosa. À beira do lago estava um morador local. Ele era um pastor de gado e trouxera presentes para Aiami. Ele agradecia o espírito do local pela sua ajuda e dava reverências. Atrás do lago, no topo da montanha sagrada, de onde desciam as águas puras, tornando-se uma cachoeira e enchendo o lago azul, apareceu uma figura feminina de energia cintilante que trajava roupas nacionais. “Essa é Aiami” – entendeu Yan. Aiami direcionou a palma da sua mão para o pastor e apareceu uma bola de energia âmbar que se deslocava lentamente até chegar à aura do pastor, dentro da qual se expandia em um brilho cintilante. Yan percebeu que a aura do pastor era mais pura que as dos morado- res da cidade que ele acabara de ver. Ela irradiava brilho. Ele era simples, aberto e tinha um coração grande, em comparação com muitas pessoas das cidades. Como passava muito tempo na natureza, sua alma era constante- mente purificada e se aproximava de Deus. Yan olhou para longe e viu um local aberto onde se cortavam árvores da floresta. Os homens da indústria vieram da cidade com o objetivo de fazer uma pedreira, para extração de recursos minerais.

45 Yan viu como a natureza toda daquela região contraiu-se, como as árvores, plantas e a Terra toda não aceitavam tal destruição do seu ambiente. Sentiu o descontentamento de Aiami. – Sim, hoje em dia a Terra toda sofre por ações destrutivas do homem ignorante – respondeu Sapfira a seus pensamentos. Sabe como começou a literatura épica indiana Malbarata? – Não – disse Yan. – Começou com o pedido da Terra aos deuses pela purificação, por- que havia muitas pessoas na sua superfície. Assim os deuses criaram con- flito entre os pandavas e os kauravas. E começou uma grande guerra entre eles que purificou a Terra. Pelo visto agora as pessoas caminham para o mesmo fim. A população não para de crescer. Isso significa que a natureza será destruída e a poluição aumentará. Mas as pessoas visam apenas ao seu lucro e não ao modo como poderiam salvar a natureza, graças a qual elas existem no planeta. Antes, as pessoas eram mais próximas à natureza e a respeitavam. Um caçador antes de matar um animal, pedia perdão para ele e para Aiami. Quando realizavam viagens longas, levavam um pouco de terra para manter a conexão com Aiami. Mas hoje, separadas da natureza em um estado triste de sujeira energética, as pessoas não enxergam e não sentem que são dirigidas pelos demônios, e cortam o galho sobre o qual estão sentadas. Usam argumentos vindos dos demônios, pois eles parecem corretos e inteligentes. Mas estes argumentos têm origem obscura. Omar Khayyam tem uma poesia muito boa sobre o assunto: Nossa vida é como um deserto, No qual arrastamo-nos nus Mortal, cheio de orgulho, Você está apenas ridículo. Para cada passo seu encontra uma causa, Embora cada um deles já tenha sido decidido nos Céus. – Infelizmente, – acrescentou Sapfira – “decidido” pode ser também pelas forças do mal, cujos ensinamentos o homem percebe como seus pró- prios pensamentos, que parecem corretos e racionais. – O que devemos fazer para não sermos influenciados por eles? – perguntou Yan. – É preciso que as pessoas purifiquem sua alma e seu corpo, querido. Que estejam mais próximas à natureza e a Deus. Antigamente, as pessoas

46 tinham esta compreensão, e até existia a irmandade de sangue para aqueles que queriam ser mais próximos no plano astral. Hoje em dia, as pessoas não sabem escolher seus contatos emocionais e sexuais. Contatos com pes- soas fracas e negativas podem levar a um sentimento de vazio, doenças e sofrimentos.

Ritual xamânico Certa vez Sapfira sugeriu assistir aos rituais de um xamã terreno. Foram à Terra, a um lugar da Sibéria. O povo de uma pequena tribo de pastores que criavam renas se reuniu na tenda do xamã. Tapyr não retor- nara da caça, e todos no acampamento tinham um pressentimento de que algo ruim lhe acontecera. Kam, o xamã, em um traje típico, pegou um pandeiro e começou a bater nele, dançando leve e estranhamente. Cantava com uma voz baixa e sobrenatural, descrevendo todas as suas ações e visões aos presentes. Reuni- ram-se todos em um único campo e apoiavam as ações do xamã no mundo espiritual com toda sua energia conjunta. Logo ouviam-se grasnidos e guinchos acima deles. Eram um corvo e uma coruja – espíritos ajudantes – que voavam ao redor da tenda. Jun- taram-se a eles ainda um esquilo, que corria sobre a superfície externa da tenda, e uma raposa, que a circulava e regougava, dentre muitos outros espíritos.

– Tapyr está vivo? – perguntou o xamã aos espíritos. – Vivo... Vivo... Vivo... – falavam um por um os espíritos, com suas vozes estranhas. – Onde ele está? – fez outra pergunta o xamã.

47 – Na curva do Rio Negro – responderam os espíritos com a mesma estranha polifonia. O xamã agora batia no pandeiro furiosamente, invocando Tynbur – o espírito do êxtase xamanístico – e ele apareceu ao xamã na forma de uma rena. O xamã montou-a e chamou seu espírito ancestral. Em resposta à invocação apareceu do mundo dos mortos o xamã ancestral da tribo. – Mostre-me o caminho até Tapyr – solicitou Kam. – Está bem – respondeu o espírito. Kam então voltou-se a Ayami, o espírito de sua terra: – Ó poderosa Ayami, ajudai-me, não permitais que pereça o caçador Tapyr! Nossa tribo serve-vos fielmente, não fere vossos animais nem vossa terra! Amparai-nos, tenha piedade de nós! Ayami apareceu na forma de uma figura enorme, semelhante à Rai- nha da Neve4, elevando-se sobre a taiga até a cintura. Ela fez um sinal de aprovação, acenando com a mão na direção do Rio Negro. Kam mandou arriar as renas. A noite estava escura, havia uma forte nevasca, e na dis- tância uivavam lobos. Em suas leves vestes xamanísticas, Kam saltou para fora, para o frio. As renas encolhiam-se com medo, não querendo ir para a tundra à noite. No trenó já estava sentado Kite, filho de Kam. Kam corria pela profunda neve à frente do trenó, puxando as renas. Atrás dele voavam os espíritos ajudantes. O trenó correu incansavelmente vários quilômetros sob a condução do espírito do antigo xamã. Kam via-o contornando ravinas, buracos, árvores caídas... À frente voava o bando de espíritos ajudantes. Yan via que Kam não apenas conduzia o trenó, mas também montava sua rena Tynbur. Yan com Sapfira também enxergavam o caminho. Kam não conse- guia sintonizar-se com eles tão facilmente como com o seu ancestral, por- tanto via o caminho com os olhos dele. A noite e a tempestade não inco- modavam Yan nem o xamã ancestral que podiam ver o caminho até Tapyr mesmo alguns quilômetros antes. Tapyr jazia inconsciente à margem do rio e já havia quase congelado. À sua vizinhança já espreitava uma matilha de lobos, à espera de sua presa. Kam colocou o caçador no trenó e retornou correndo, com as renas. Na tenda esperavam-no os outros membros da tribo. Tapyr foi colocado perto da lareira. Kam pegou o pandeiro e iniciou o ritual. Para trazer de

4 Personagem do conto de fadas de mesmo nome escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen. (N. do T.)

48 volta a alma de Tapyr, o xamã tinha de ir ao Mundo Inferior – pois o corpo espiritual do caçador voara para fora do corpo físico e flutuava na fronteira com o mundo dos mortos. Kam, montado em sua rena Tynbur, adentrou o plano espiritual, acompanhado pelos espíritos ajudantes. Com o auxílio de seu ancestral, conseguiu encontrar a alma de Tapyr. – Irmão, é cedo para você se juntar a Erlik. Venha, estamos voltando. Atônito, Tapyr voava em mundos que nunca antes vira, mas seguiu o xamã. Voltaram à tenda, e Kam empurrou-o para dentro do corpo físico, que estava deitado no chão da tenda. Tapyr acordou, começou a melho- rar, mas ainda estava fraco. Kam batia no pandeiro e invocava o auxílio de Ayami, dos espíritos ajudantes e do xamã ancestral, para que todos ajudassem a devolver ao caçador seu Kut – sua força de vida –, para que socorressem Tapyr. Os demais integrantes da tribo também estavam preocupados com Tapyr e, portanto, alimentavam-no com sua força, que o xamã concen- trava e direcionava para sua recuperação. Yan viu que de cada um deles saía uma onda brilhante que penetrava o corpo do caçador. Kam cantava e em sua canção relatava tudo o que fazia para que os membros da tribo participassem no mistério e o ajudassem energeticamente. Assim, o xamã sintonizava-os emocionalmente com a onda apropriada. Sentindo que Tapyr melhorara, Kam liberou os espíritos e comple- tou o ritual. Os demais começaram a retirar-se e levaram o caçador para a tenda dele. Yan ficou maravilhado com a força e as habilidades do xamã. Sapfira explicou: – Ele nem sempre foi assim. É claro que era talentoso desde a infân- cia, e os espíritos o escolheram para ajudar a tribo. Mas ele resistia a seu destino e não queria tornar-se um xamã. Os espíritos, então, começaram a levá-lo ao plano espiritual, comunicando-se constantemente com ele. Pare- cia-lhe que estava enlouquecendo – fora acometido pela doença xamanís- tica. Ainda assim, contudo, os espíritos conseguiram ensinar a Kam como entrar no plano espiritual por si próprio, e ele aceitou seu destino e tornou- se um xamã. Yan ficou mais surpreso ainda: – É possível forçar uma pessoa a se desenvolver? – perguntou ele.

49 – Espiritualmente não, mas qualquer um pode ser obrigado a adqui- rir habilidades; são duas coisas diferentes – explicou Sapfira. – Kam apenas dedica-se à tribo, a sua egrégora, ao espírito da tribo, a qual pode morrer sem um xamã aqui. É por esta missão que os espíritos conferem forças a ele. Mas aonde a civilização já chegou a ajuda de um xamã se torna des- necessária. Lá os xamãs ficam visivelmente enfraquecidos, pois o poder é dado apenas para a sobrevivência de uma tribo. Yan e Sapfira voaram até Kam, que os percebeu. Yan perguntou-lhe como se tornara um xamã: – Quando o antigo xamã morreu – contava Kam, – muitas vezes ele aparecia nos meus sonhos. Até de dia comecei a vê-lo. Minha avó disse que os espíritos me escolheram para ser xamã. Mas não queria este des- tino, pois um xamã não pertence a si mesmo – vive apenas para servir aos outros. Se alguém sofreu um acidente, o xamã é obrigado a ajudá-lo. E é difícil quando você não pode recusar e os espíritos obrigam-no a ajudar a todos. Eu resistia, mas meus antepassados mortos viam minhas habili- dades de médium – de alguém que é capaz de entrar em contato com os espíritos. E, conduzidos pelo velho xamã, eles começaram a puxar minha Dzhula (alma) para fora do corpo. Comecei a ter visões. Via espíritos, via antepassados, via o mundo espiritual em plena luz do dia. Era como uma alucinação, e eu contraí a doença xamanística: delirava, falava com os espí- ritos que tentavam me convencer a me tornar um xamã, porque era preciso ajudar os membros da tribo. Fugia para a taiga, muitas vezes sentava-me perto da árvore xamanística, onde o corpo do antigo xamã fora sepultado. Nos galhos estavam pendurados seus velhos e espedaçados pertences: pan- deiros, vestes, objetos rituais. O ancestral e os espíritos ajudantes retiravam minha Dzhula do corpo e ensinavam-me a viver em seu mundo. Aprendi a mover-me no corpo espiritual e a comunicar-me com espíritos. Então peguei pela primeira vez o pandeiro e comecei a fazer rituais para ganhar controle sobre estas experiências. Com o pandeiro na mão, sou um xamã; sem ele, me desprendo e levo uma vida normal. As pessoas começaram a procurar a minha ajuda, perguntar sobre o tempo do dia seguinte e sobre a caça. Os meus ancestrais me ensinaram tudo isso. Eles têm este conheci- mento, por exemplo, como tratar cada um. – E o senhor mesmo faz algo para ajudar as pessoas? – perguntou Yan.

50 – Sim, é claro. Recentemente, o filho de Biya morreu, e ela estava muito abalada, pensava demais nele. Sua Dzhula voou para o mundo dos mortos. Ela ficava perdida, não reagia a nada. Fui ao plano espiritual, devolvi sua alma ao corpo, cortei o contato dela com o filho, e ela sen- tiu-se melhor. Às vezes tenho que fazer sacrifícios. Uma pessoa daqui a poucos dias ficou doente – e a doença significa que um espírito maligno a possuiu. Eu o transferi para uma rena e a enviei para a taiga, onde os animais a comeriam. Assim a pessoa se recuperou. Às vezes, se a doença é muito grave, não bastam as forças dos ancestrais, e então mato uma rena. Os antepassados se alimentam de seu sangue, adquirem força e assim con- seguem expulsar o mau espírito de dentro do corpo. – Pensava que as bactérias causavam as doenças – disse Yan. – Os vírus são corpos físicos de espíritos malignos, eles vivem lá – completou Kam.

Satã cansou de dançar Certa vez, visitando seu avô, Yan conheceu um alemão que se cha- mava Hans. – Vovô, eu me lembro de que na Terra você odiava os alemães! Você passou pela guerra! Aqui suas opiniões mudaram? – Sim, neto – respondeu o avô. – Hans e eu tivemos uma longa con- versa e entendemos que, durante a vida, simplesmente fomos enganados. Fomos forçados a ir à guerra! Esses demônios, Hitler e Stalin, ensinaram nações inteiras a brigar entre si. Para as pessoas comuns, seria, na verdade, melhor viver sem guerra, mesmo se Hitler conquistasse a Rússia, ou Stalin à Alemanha. – Sim, sim – confirmou Hans. – Pelo menos Hitler não destruía os templos, e isso já é alguma coisa. E, veja, se havia campos de concentra- ção tanto de Hitler quanto de Stalin, qual é a diferença? Ambos queriam apenas uma coisa: atormentar o povo. Um incitava a gestapo e o outro torturava e matava as pessoas no NKVD5. São esquemas iguais de tortura. Yan surpreendia-se que no plano espiritual a opinião de uma pessoa podia mudar tão drasticamente.

5 Este era o Comissariado do Povo para Assuntos Internos, que operou entre 1934 e 1946, sendo responsável, entre outros, pela criação dos campos de trabalho forçado conhecidos como gulag. (N. do T.)

51 – Vamos ao Registro Akáshico – disse o avô, vendo seu estado. – Você vai ver por si mesmo a conspiração desses desumanos contra o povo da Terra.

Encontraram-se no século XVIII, numa reunião de demônios. Numa sala escura, iluminada à luz de tochas, com esqueletos e corpos desfigurados pendurados nas paredes, em uma mesa enorme estavam sentados monstros horríveis, com fisionomias disformes, que se assemelhavam a morcegos, a hienas, a macacos. As aberrações tinham chifres e asas membranosas, eram cobertas de pelos e possuíam caninos e garras compridas À cabeceira da mesa, sentava-se Belzebu, o senhor dos demônios, com um rosto peludo e nojento que lembrava um gorila, mas com um nariz adunco e sem olhos – nas órbitas oculares brilhava em seu lugar uma luz vermelha. Encapava-o uma túnica preta com signos satânicos. – Acontecerá uma grande celebração, ao mal sacrificaremos milhões de pessoas – rosnava ele com a voz grave. – Já agora, nas mentes dos iludi- dos, inserimos a ideia de comunismo – de um “futuro brilhante” – sorriu maldosamente. – E por causa dessa ideia começará uma guerra que cobrirá o globo! Os templos de Deus serão destruídos, e todos que não adoram a Satã serão mortos. Mas isso não é tudo. Logo os demônios, liderados por Gafarg (Lenin), organizarão uma revolução sangrenta e inundarão grande

52 parte da terra com sangue! No lugar de Gafarg surgirá Gusun (Stalin) – um vilão ainda maior, e atormentará as pessoas forçando-as a acreditar que faz o bem. Mas isso ainda é pouco, juntamente com Butuz (Hitler) produzi- rão uma guerra longa e sangrenta, a fim de tornar a vida das pessoas ainda mais insuportável. Uns lutarão pelo comunismo, outros pelo fascismo. Os povos exterminarão uns aos outros, destruindo tudo à sua volta e assolando a Terra. Depois destas palavras, os demônios berraram de alegria, proferindo gritos horríveis, rangendo e uivando. – Está vendo, meu neto – disse o avô, – como a história é de fato feita: os grandes lutam pelo poder, mas quem paga com a vida são os pequenos. As pessoas simples têm só uma saída – não acreditar em nenhuma ideo- logia e nenhuma promessa dos políticos, não se envolver nas guerras, nos golpes e em qualquer tipo de violência que acontece, pretensamente, em nome da bondade. Pelo contrário – é preciso pensar sobre como irradiar mais amor, compaixão e empatia – afinal, a felicidade é justamente isso. Também é necessário ajudar ao próximo, ensinar-lhe a misericórdia e a tolerância. Toda a Terra então se encherá de alegria, e não haverá demônios que serão capazes de seduzir as pessoas. Lembre-se: onde há violência e guerra, Satã prospera. – Sim, sim – disse Hans, – a violência não pode mudar nada para melhor. Ninguém pensava em derrubar Stalin, Mao Tsé-Tung, Kim Il- sung – assim estes conseguiram transtornar as mentes de seus súditos. Somente um líder bom e democrático se pode destituir. Quantas tentativas de assassinato contra Hitler, e nada adiantou. Nicolau II, imperador russo, ao ver o povo queixando-se abdicou, porque restara nele algo de humano. – Por que Deus permite tanta maldade? – Yan ficou perplexo. – É uma dolorosa vacina contra o mal. Para que as pessoas vissem a sua verdadeira face, para que não fossem mais iludidas por ideia nenhuma, para que não acreditassem que Stalin seria como um pai para a nação, e que Hitler faria bem ao povo. Uma vacina para que entendessem que não devem ajudar demônios a fazer o mal. Você já sabe o preço que pagamos para obter esse conhecimento. – E eu – disse a avó – sobrevivi o Cerco a Leningrado6. Lá, Stalin submeteu o povo à tortura. Afinal, podíamos simplesmente entregar-nos,

6 Sítio de 872 dias imposto pelos alemães à cidade de Leningrado (atual São Petersburgo) duran- te a Segunda Guerra Mundial. (N. do T.)

53 e os alemães teriam mais uma cidade ocupada, como já haviam feito com Kiev, Odessa... O regime alemão não era pior que o de Stalin, e, portanto o povo não teria sofrido e morrido de fome. Mas o cerco foi protegido pela ideia de heroísmo – os demônios precisavam disso para justificar suas atrocidades. Yan lembrou-se de uma canção de Talkov7– Satã Cansou de Dançar... – E agora isso tudo acabou? – perguntou ele. – Claro que não, meu neto! – disse a avó. Em toda a Terra os demô- nios estão divididos em dois grupos e continuam, sob os auspícios do nacionalismo, da luta por justiça e liberdade, a organizar guerras, terro- rismo e destruição, a derrubar governos e a dividir territórios. Isso acontece e acontecerá em toda a Terra.

Mãe Yan Na casa da avó, após provar suas comidas, Yan agradeceu-a: – Eu me lembro da infância quando comia tudo isso na sua casa. – Está na hora de você encontrar-se com seus parentes da vida pas- sada – disse o avô. Eles não reencarnaram ainda e esperam por você. – Que interessante! – exclamou Yan. É claro que quero muito vê-los. – Mas por que eles não me encontraram antes? – perguntou ele. – Primeiro, porque eles vivem em outra região, na tundra – disse o avô. Eles são as pessoas do Norte e estão acostumadas com o frio. Aqui não temos as estações do ano – explicou o avô. Em uma região é sempre verão, na outra é sempre primavera, na terceira é outono sem fim e na quarta é inverno constante. As pessoas vivem onde querem ou viajam conforme seu humor. Por exemplo, num dia podem ficar na região da primavera, outro dia numa região do outono, nublado e chuvoso ou quente e com sol. – Como aqui é tudo diferente! – surpreendeu-se Yan. – Sim – confirmou o avô. Aqui, a Terra não gira em torno do Sol e tudo é criado a partir do desejo das pessoas, animais, espíritos da natureza e plantas. Tudo depende do que é criado na imaginação e manifestado neste plano. E segundo, seus parentes não queriam te chocar antes que você se acostumasse neste mundo. – Como eles poderiam chocar-me? – perguntou Yan. – Você verá agora. – disse o avô. Concentre-se em mim e vamos.

7 Igor Talkov (1956-1991), cantor e compositor russo. (N. do T.)

54 Yan visualizou o rosto do avô e eles deslocaram-se para uma região parecida com a taiga do Norte, que em alguns lugares se tornava tundra. Em todo lugar havia neve. A vegetação se consistia de pequenos pinhos, asseados e arbustos. Em alguns lugares, o musgo aparecia por debaixo da neve. As renas pastavam ao redor e uma coruja polar pousava sobre o galho de uma árvore. Yan sentiu a neve fria e o ar gelado. Era surpreendente observar o inverno naquela dimensão, no corpo sutil e com roupas inapropriadas para a tundra. Havia algumas cabanas pequenas lá; Yan e o avô entraram em uma delas. Dentro da cabana, havia uma mesa e algumas pessoas se sentavam à sua volta, com trajes de pele de rena, muito diferentes das pessoas moder- nas; mais ao longe, uma lareira. – Olha, é a nossa mãe! – gritou uma das mulheres referindo-se a Yan – você se lembra de como vivíamos juntas? Yan ficou imóvel, surpreso, enquanto na sua mente, de repente, começaram a surgir imagens, de quando ele fora uma mulher e cuidava de seus filhos. Agora, estavam eles em volta da mesa. Ficou ainda mais confuso após reconhecer o seu marido, um homem rígido com bigode preto. A sua percepção dividiu-se: por um lado ele era homem e por outro uma mulher. Uma parte dele percebia as outras pessoas a partir da perso- nalidade de Yan, e a outra enxergava pessoas próximas e queridas, que ele conhecia há muito tempo. Chocado ele sentou-se no chão perto da porta, sem saber como reagir: conforme a personalidade nova ou antiga. Os eventos da sua vida passada começaram a rodar na sua cabeça, as cenas de como eles viviam na taiga, o marido que falecera morto por um urso, como eles reencontraram-se no mundo dos “mortos” e como viviam felizes, até que ela reencarnou-se. Ao mesmo tempo acontecia uma guerra na mente de Yan. Ele não conseguia aceitar-se como mulher e não imaginava como ele poderia con- tinuar o relacionamento com seus parentes como a esposa e a mãe. – Não se preocupe, patroa, – disse seu ex-marido – senão é possível que enlouqueça de personalidade dividida. Viva a sua personalidade nova, pois o passado já foi. Logo nós reencarnaremos também. Não sabemos em qual mundo, ou em qual planeta nós vamos viver, ou ainda quem seremos; talvez insetos inteligentes ou pode ser que sejamos espíritos ou outros seres.

55 Não vale a pena preocupar-se com o passado. Vá agora, e acostume-se com este mundo. Quando conseguir assimilar as coisas, volte. – Sim, mãe, não se preocupe, logo você vai se acostumar com estas coisas. – disseram os filhos. – Sim, preciso assimilar tudo isso – disse Yan, levantando-se do chão e olhando para o avô. – Vamos então voltar para a avó? – disse ele com um sorriso. Chocado, Yan estava de volta à casa da avó, sem fome nem sede. Ele não parava de pensar na vida em que fora mulher. – Sim, meu neto. Na terra há vários padrões que comprimem o pen- samento. Aqui a consciência se expande. – O tal do meu marido, por exemplo – disse Yan um pouco envergo- nhado – disse que há insetos inteligentes. É verdade? – Sim, claro – respondeu o avô. Seu irmão de vida passada agora está naquele mundo. Concentre-se em mim e vamos ver como eles vivem. Yan concentrou-se no avô, e eles teletransportaram-se para o planeta dos insetos inteligentes. Yan viu casas enormes em forma de pirâmides, algo parecidas com formigueiros. Havia vários insetos lá, que se moviam para todos os lados. Havia centopeias, vagalumes e besouros. Borboletas, libélulas e moscas variadas voavam no espaço. Todos os insetos eram tão grandes quanto um cachorro. Pareciam viver em paz naquelas casas antigas que pareciam pré- dios em cidade grande. Yan e seu avô aproximaram-se de uma formiga muito grande. Ela diferenciava-se por ter três dedos nas suas patinhas. Ele também percebera que outros insetos possuíam dedos iguais a ela. Concentrando-se na formiga, Yan começou a lembrar-se de cenas da sua vida passada, na qual este ser fora seu irmão. Logo o rapaz começou a sentir carinho pelo seu parente. A formiga também os percebera. Como os insetos sabiam comunicar- se telepaticamente e sabiam ver o plano sutil, eles começaram a conversar. – É você, Verk? – perguntou Yan. – Sim, Oma, vivo agora por aqui – respondeu seu ex-irmão. E você pelo jeito, foi humano na sua última encarnação. Morreu rápido. – Sim – disse Yan – de novo encarnei humano, mas suicidei-me e agora estou de novo no plano sutil. E como você vive em seu mundo, irmão?

56 – Muito bem. Recebo uma experiência nova de vida neste planeta. Somos mais evoluídos espiritualmente que as pessoas na Terra, portanto vivemos no amor e na harmonia. Antes, diferentes tipos de insetos eram inimigos e matavam uns aos outros. Desenvolvemo-nos espiritualmente, depois de Deus nos ter enviado seus avatares encarnados para cada tipo de inseto, e agora a paz e o bem-estar instalaram-se. Agora, usamos telepa- tia para nos comunicarmos, e consigo ver você e o plano sutil. Enquanto tínhamos os nossos corações fechados com egoísmo e ignorância, éramos iguais às pessoas da Terra. – Então, até em forma de inseto os seres desenvolvem-se? – pergun- tou Yan. – Claro – respondeu Verk – plantas, animais, insetos, espíritos, seres inorgânicos: todos eles têm seu caminho de evolução. São diferentes ramos da mesma árvore, e cada um recebe as impressões necessárias para o seu desenvolvimento. Perfeição é experiência sem limite. Até os cristais evo- luem, desde pedras simples, até as pedras como Cintamani. Eles também são vivos. – Mas é possível Deus encarnar em forma de percevejos, baratas e moscas?! – surpreso exclamou Yan. – Sim, irmão Oma, a forma não tem importância. A alma pode encarnar em qualquer ser e Deus também. O que importa é apenas o nível de desenvolvimento da própria alma e não sua forma. – Ouvi falar que apenas em forma humana há possibilidade de evo- lução e que devemos dar valor a encarnarmos como humanos e não como plantas ou animais. – É um truque de ensinamentos religiosos – respondeu Verk – para que as pessoas deem mais valor à oportunidade de desenvolvimento, mas é perdoável, pois sem intimidação e promessas de paraíso, é impossível fazer os ignorantes pensarem na perfeição. Eles somente conhecem o medo e o desejo de receber algo. Portanto, em ensinamentos distribuídos entre os bárbaros, há vários desses truques. Não há outro jeito, pois um bárbaro consegue compreender a verdade apenas misturada com a mentira. Ele não é capaz de percebê-la em sua pura essência. Quanto maior a ignorância do povo, mais histórias os profetas têm que inventar, para trazer pessoas para uma coexistência mais harmoniosa e inteligente. – Nunca pensei que insetos pudessem ser tão grandes – disse Yan.

57 – O tamanho também traz certas experiências – disse Verk. – Houve uma época em que na Terra viveram anões e gigantes, dinossauros também. Eles são da classe Reptiliana que também está evoluindo. Para conseguir a experiência necessária eles precisavam ser tão grandes. E agora só vivem os pequenos. Deus vê de que experiência cada um precisa, e dá para cada um as condições, a forma e o tamanho que melhor servem para este fim. Religiões e ensinamentos diferentes existem para o mesmo objetivo. Há ensinamentos primitivos para bárbaros; há mais evoluídos para seres mais aculturados. Alguns ensinamentos como budismo na Terra, por exemplo, até negam a existência de um Deus-Criador e alma. Precisou ser assim por- que as pessoas começaram a enxergar Deus e alma de maneira incorreta. – Então qual religião é a mais correta? – perguntou Yan. – Não existe uma religião mais correta – respondeu Verk – há várias religiões, e cada uma serve para alguém. Um ignorante não conseguirá entender uma religião muito elevada e precisa de algo mais simples con- forme o seu nível, que pode ajudá-lo no desenvolvimento de sua alma. – E como foi que aconteceu para que vocês começassem a viver em paz e harmonia e parassem de comer uns aos outros? – perguntou Yan. – As manifestações de Deus nos explicaram que qualquer separação, sejam em raças, nações, tradições e ideologias, é do mal. Mesmo quando os seres dividem-se em famílias, gêneros, tribos, colmeias e formigueiros, surgem brigas que fazem com que todos sofram. Quando estas separações são eliminadas, e não há ideologias, tradições, governos, países que con- frontem-se, paz e harmonia surgem. Qualquer separação e confrontação trazem briga. A hierarquia pode existir apenas em forma de escala espi- ritual, mas não formal como em igrejas e religiões. Nesta hierarquia real, mais elevado é aquele que é mais espiritual e que mais ajuda os outros a se desenvolverem. Após conversar com o irmão, Yan e seu avô voltaram para a casa da avó, e de novo sentaram-se à mesa. – Até invejo os seres assim como Verk – disse o avô. – Antes de falecer olhei para trás, revi a minha vida e disse a mim mesmo: “Esta foi a sua vida, mas por que a vivi não sei. Costumava pensar que amanhã iria acontecer algo grande e bom. Mas nada aconteceu além da velhice e doenças. E como poderia acontecer, se nunca tive um objetivo grande, nem um sentido ele- vado da vida?” Na época, me arrependi de não ter acreditado em Deus e não ter dado passos na direção dEle. Mas já era tarde. Eu estava morrendo

58 e se não fosse a continuação da vida no plano sutil, a minha vida não teria tido nenhum sentido – falou avô com sinceridade para o neto. Yan refletiu sobre a própria vida na Terra e deu um suspiro aborre- cido. Ele também não possuíra um grande objetivo nem um sentido em vida.

Bisavô – Eu gostaria de te apresentar aos seus bisavós. Embora você nunca os tenha visto, eles são nossos parentes – disse o avô. – Seria interessante! – respondeu Yan. E onde eles estão agora? – Eles foram acadêmicos em vida, antes de serem presos e acabarem nos gulags stalinistas8, onde foram mortos. Agora eles têm uma escola de crianças. Concentre-se em mim e vamos vê-los. Yan e o avô apareceram perto de um castelo antigo, ao redor do qual corriam crianças de várias idades e uma dezena de adultos que se compor- tavam como elas. Na varanda estava sentado um homem de porte físico bonito, vestido com roupas do século XIX e uma luneta no olho direito. – Este é seu bisavô – disse o avô – Guennádiy Anânievitch. – Fico feliz em conhecer meus parentes que vivem aqui – disse Yan. – Muito bem, Yan. De vez em quando observei a sua vida, embora nós nunca tenhamos nos visto. – Quem são aquelas pessoas? – perguntou Yan apontando para os adultos que se comportavam como crianças. – São nossos alunos – respondeu o bisavô. Quando um velho vem para a escola, ele rejuvenesce rapidamente. E quando uma criança vem para cá, ela rapidamente fica adulta, mas sua personalidade não consegue alcançar o corpo. Então ela vira um adulto-criança, e nós os ensinamos a desenvolver a personalidade harmoniosamente. – Muito interessante! – surpreendeu-se Yan. – Agora vamos ver a bisavó – falou o bisavô. – A esta hora, ela está dando a aula de literatura. Em um instante eles apareceram em um cômodo que parecia ser do século XVII.

8 Gulag stalinista foi um sistema de campos de trabalhos forçados na época do governo de Stalin

59 Yan viu quatro mosqueteiros que conversavam com as crianças-adul- tas. Intuitivamente, Yan entendeu que eram mosqueteiros da obra literária de Alexandre Dumas. Ao lado deles, estava uma mulher de postura elegante, porém rígida com trajes fora de moda. – Esta é Olga Petrovna – o avô apresentou-a para Yan. – Ela é sua bisavó. – Oh, é você, Yan! – exclamou. – Muito feliz em te ver. Mas que rou- pas são estas? Que horror! Olhe isso aqui, vai cair bem em você – disse ela. No instante seguinte, Yan estava de casaca e cartola. – Mas isso está fora da moda! – respondeu Yan com desgosto. – Mas fica bem em você. Não querendo aborrecer a bisavó, Yan aceitou o seu novo visual e perguntou: – E aqueles homens? São realmente os três mosqueteiros e D’Artag- nan, sobre os quais escreveu Dumas? – Sim – respondeu a bisavó – mas não são pessoas vivas, e sim os fantoches dos personagens. Cada escritor cria fantoches de todos os per- sonagens quando escreve sua obra. E os leitores os preenchem de energia, que então os deixa fortes, e por sua vez, podem influenciar quem lê o livro. Embora Dumas tenha escrito sobre eventos históricos, seus personagens são um pouco diferentes das pessoas reais que ele descrevera. – E estes fantoches também tem vida? – perguntou Yan – É possível conversar com eles? – Sim, mas eles são como robôs – respondeu a bisavó – eles fazem apenas um papel e não são capazes de mais nada. Embora as pessoas pare- çam-se com eles, em certas coisas, só possuem maior número de papéis para executar. Alguns podem enfraquecer e outros se formarem em seu lugar, principalmente quando a pessoa amadurece e o meio em que vive é alterado. – Eu também gostaria de estudar em uma escola assim. – disse Yan. – Nunca é tarde – disse a bisavó. Ensinamos adultos também. Não damos notas porque elas somente dão origem ao complexo de inferiori- dade e desenvolvem o ego. A pessoa começa a querer aprender não pelo conhecimento em si, mas pela nota, o que não faz sentido. O ensino ocorre em uma forma interativa e interessante. As crianças ensinam uma a outra, porque assim elas compreendem melhor o material. Até aquele que explica

60 começa a entender melhor o assunto que está ensinando. Nós ensinamos apenas as coisas que são interessantes para as crianças, porque todo o resto não lhes é necessário. É claro que não há provas e memorização, pois tudo isso apenas deixa a pessoa mais burra. Não devemos memorizar o material, mas aprender brincando, adivinhando, ouvindo histórias interessantes e vivenciando situações. Apenas desta forma o ensino é útil. O aprendizado separado da vida, da criação e interesses da criança pode até fazer mal. Enquanto a bisavó falava, Yan percebeu duas mulheres e um homem que se aproximaram do seu bisavô. As duas mulheres estavam emocionadas e falavam que foram esposas daquele homem em vida. Uma falecera antes, após o que ele casou-se com a outra. Agora as duas tentavam provar seus direitos para com aquele homem. – Tornei-me sua esposa primeiro, então eu devo ficar com ele! – gri- tava a loura. – Não, ele me jurou amor eterno! – indignada gritava a morena. O esposo estava deprimido com a pressão emocional de suas esposas. – Esperem, esperem – acalmou-as o bisavô. Qual a diferença de quem foi a primeira e quem foi a segunda? A singularidade no casamento é apenas um padrão bobo existente na Terra, e aqui não precisamos dele. Se vocês quiserem podem ficar juntos os três. O problema está apenas na sua percepção: vocês foram convencidas de que a família tem de ter o marido e a mulher, e que deve-se permanecer juntos, mesmo quando isso torna-se insuportável. Mas são bobagens. As pessoas podem fazer aquilo que gostam. Os muçulmanos podem ter até quatro esposas. No mundo antigo existia poligamia masculina e no Tibete poligamia feminina. A sociedade doente é capaz de inventar vários padrões ridículos. Mas eles são inúteis e podemos viver como queremos, desde que todos fiquem bem. Somente não podemos avaliar do ponto de vista de um padrão, mas do ponto de vista da harmonia interior e da paz no coração, sem influências do ego. A conversa durara bastante, até que o bisavô conseguiu explicar o novo conceito de três pessoas conseguirem viver juntas, desde que gostem disso, e sempre seguirem o seu coração. Quando eles saíram em paz o bisavô notou: – Às vezes temos de reeducar os adultos também, que foram estragados pelas ideologias da Terra. Com tudo que é ensinado para as pessoas, elas depois passam a vida toda em sofrimento.

61 Suicídio após a morte Um dia, depois de uma relação sexual energética maravilhosa, Sap- fira, numa inundação de euforia, começou a fazer uma dança erótica, em vestes sedutoras – como nas pinturas de Vallejo. Yan imaginou pétalas e botões de flores caindo do céu sobre ela. Soava uma música encantadora, criada na imaginação de Sapfira. Ao redor, palmeiras curvavam-se elegan- temente. Ondas sussurravam na distância. Depois da dança, Sapfira apro- ximou-se de Yan e, abraçando-o, fitou seus olhos com atenção.

– Querido, tenho de lhe dizer algo muito importante – falou ela. – Sou todo ouvidos, meu amor – disse Yan, olhando para ela cari- nhosamente.

62 – Estou aqui há muito tempo, e chegou a hora de me encarnar na Terra. Devo morrer neste mundo para reencarnar em um novo corpo na Terra. A morte física na Terra não é nada, é apenas uma transição da vida dolorosa terrena para o Jardim do Éden, o paraíso de Adão e Eva. E a morte aqui, que é a nova encarnação na Terra, é a morte verdadeira: uma pessoa nunca voltará à sua antiga personalidade. Não lembrarei mais quem era aqui, me esquecerei de você, meu amor, e de toda minha vida pas- sada. Serei uma nova pessoa, com um novo destino. Deixarei aqui a minha memória, e nunca mais haverá esta Sapfira. Haverá uma pessoa diferente. É claro que sentirei em mim, na minha essência, a minha personalidade, com traços do meu caráter, por exemplo, minha propensão para a música... Yan estava espantado com as palavras dela. – Mas por quê? – perguntou ele. Estamos tão felizes juntos. Fique aqui, comigo! – Essa é a vontade de Deus. Não podemos resistir a ela. Deus quer que nós cresçamos, nos desenvolvamos, nos aproximemos Dele, da Ilumi- nação, e por isso nos envia à Terra – para que aprendamos novas lições. Yan levou as mãos à cabeça. Girava e uivava em desespero. Sacudia os punhos para o céu e gritava: – Eu o amaldiçoo, Deus! Nos envia só o sofrimento contínuo! Nos ridiculariza! Não quero ser um palhaço em seu espetáculo, a entreter e a preencher o seu vazio! Não quero que meus sentimentos sejam alimento para você! Não vou ser um fantoche, que você faz passar por diferentes emoções! Não lhe pedi para me criar! – Chega – Sapfira aproximou-se e abraçou-o, tentando acalmá-lo. Ele irrompeu em lágrimas sobre o peito dela. – Mas eu não quero isso! Quero morrer e encarnar com você, para estarmos sempre juntos! – protestava Yan. – Infelizmente, não é possível morrer aqui antes do prazo. Estou aqui há muito tempo, mas a sua hora ainda não chegou. E, mesmo se reencar- nássemos simultaneamente, não há garantia de que iríamos nos encontrar novamente e se apaixonar na vida terrena, meu querido. Não sabemos em que lugares e em que corpos Deus nos encarnará, nem que lições prepa- rou para nós. Aceite isso como outra lição dele, não se preocupe, porque não há nada eterno, tudo é temporário. Tente viver o momento presente, aquilo que temos aqui e agora – sem agarrar-se ao passado. Eu vou conhe- cer o bem e o mal, como os apreciava Eva, havendo descido do Éden para

63 a Terra. Todos os dias, oro a Deus para lá encontrar Bhagavan Kalki e tor- nar-me sua aluna – ele é a encarnação do Buda Maitreya. Sinto que Deus ouviu minhas preces. Yan não se aguentou, pôs as mãos na cabeça, e começou a amaldiçoar Deus novamente: – Por que o Senhor criou um mundo tão injusto?! Não há nada além de maldade e sofrimento! Eu O amaldiçoo por isso! – gritava ele para o céu, com lágrimas nos olhos. – Acalme-se, Yan – abraçou-o Sapfira. Ainda estou aqui. Ainda não aconteceu nada. Não se preocupe, vou ficar aqui mais um pouco, e você terá tempo para se acostumar com a ideia. Aqui sabemos a hora da reen- carnação, diferentemente da Terra. Agarrou-se a ela e explodiu em lágrimas de desespero. – Você não deveria maldizer a Deus. Não consegue ver o bem que Ele fez por você? Olhe o mundo maravilhoso em que vive agora! Pode virar um anjo, tornar-se Ele mesmo! Graças a Ele apareci na sua vida, e você acei- tou isso como certo, sem nem mesmo agradecê-Lo por isso! Aproveitava a vida neste Éden, sem pensar quem criou este paraíso para você. E agora blasfema contra Ele... – Mas por que você deve morrer? Afinal, tudo está tão perfeito, e nós nos amamos! – Yan insistia. – Infelizmente, nossos corpos espirituais não são eternos, são como os da Terra. Embora o corpo espiritual viva mais do que o terreno, ainda chega um momento em que ele entra em colapso. As pessoas que estão envolvidas em práticas espirituais – como ioga – têm um corpo mais forte e mais duradouro. Os corpos das pessoas que levam uma vida sem sen- tido são mais fracos. Não temos participado de práticas para fortalecer nosso corpo espiritual, e, eventualmente, ele cairá aos pedaços. Naquele momento, chegará a hora de encarnarmos na Terra, porque não podere- mos mais viver no mundo espiritual. Nosso nível espiritual não é tão alto para que pudéssemos viver no mundo dos anjos, por isso somos atraídos para a Terra. Tudo é mortal. Até Deus morre de vez em quando – para ressuscitar novamente. Pre- cisamos da morte para renovar nossa percepção, para que possamos olhar a vida com outros olhos, começar uma nova etapa, com ficha limpa. Pois a experiência anterior nos limita, não nos deixa perceber coisas novas, sentir tudo sem a velha avaliação e as velhas opiniões – e sem nada de novo, a

64 vida não pode ser completa. Além disso, todas as coisas têm dois lados. O mundo é assim; ele é dual. Se há calor, há frio. Se há acidez, há doçura. Se há algo alto, há algo baixo. Se há encontro, há também separação. Vida e morte, encontro e despedida, eu e você – sem um não há o outro. São duas faces de um mesmo fenômeno – e elas são inseparáveis. Um inevitavelmente substitui o outro: dia e noite, vida e morte, ale- gria e tristeza. Só Deus não tem esta dualidade. Até os anjos a têm! Mas você está muito obcecado por detalhes. Não vê a vida em sua totalidade. Se você fosse capaz de ver e aceitar essa integralidade – não sofreria. O apego às coisas e às circunstâncias o faz sofrer. Mas a vida é mais ampla do que este momento que você captura. Houve mil situações em que você encontrou e perdeu algo, ficou atormentado e depois se acalmou, e conti- nuou vivendo. Não se lembra, mas isso aconteceu com você muitas vezes. Vejamos suas vidas passadas, e você entenderá tudo. O problema não está no mundo – mas em você. Você não é perfeito, e por isso sofre. Sapfira pegou a mão de Yan. Foram para o Registro Akáshico e viram as vidas anteriores dele. Aqui, ele é um guerreiro em uma cidade sitiada. Sua esposa e filhos estão mortos. Fica atormentado e abalado por um longo período, mas sobrevive, se acalma e cria uma nova família. Agora, ele é um comerciante, conduz sua noiva através do deserto com uma caravana. São atacados por ladrões, que os assaltam e roubam a noiva, escravizando-a. Ele milagrosamente escapa. Vaga pelo deserto por muito tempo em busca da morte. Boas pessoas o recolhem e o retornam à vida. Eventualmente, ele se acalma, torna-se um vendedor, encontra um novo amor e se casa. Depois, ele é o bobo da corte de um rei. Se apaixona pela dama de companhia e é expulso do palácio. Sofre de amor não correspondido, quer morrer. Mas o tempo passa, ele se acalma, torna-se um ator itinerante e mais uma vez encontra um novo amor. E da mesma forma, outras mil vezes. Quando criança, chora devido à perda do brinquedo favorito, ou porque um gato comeu seu papagaio de estimação. Toda vez culpa o mundo, Deus, as pessoas, sem ver que o problema não são eles, mas sim seu apego às coisas com as quais entra em contato. Vive num sonho, sem entender que tudo no mundo é temporá- rio, que cada coisa tem dois lados.

65 Yan concluiu que os sentimentos não podem viver sem um objeto; eles estão sempre à procura de amor. Quando nada acontece na vida de uma pessoa, seus sentimentos ficam um pouco mais fracos, apagam-se e buscam um novo objeto. Apenas raramente os sentimentos permanecem constantes: às vezes, no caso das mães e de algumas mulheres. Mas, os sentimentos de cada um têm sua própria intensidade e duração. Yan ficou especialmente surpreso ao notar que os sentimentos das pessoas no cami- nho espiritual também não são perenes. Mesmo que encontre Deus, seu sentimento pode enfraquecer e transferir-se para outra coisa. Yan assistiu à confissão que fazia em uma de suas vidas anteriores, quando estava prestes a morrer. Naquela vida, conhecera a Cristo, mas também O abandonara. Deitava em seu leito de morte e dizia ao monge: – Eu andava com o Senhor, e vi a impureza e disse-Lhe: “Posso, mais uma vez, apenas esta última vez, entregar-me à impureza, apenas por 5 minutos – e então voltarei a andar Convosco!...” E o Senhor afastou-se de mim – falava ele, chorando. Entreguei-me, então, à impureza. Quando me reergui, o Senhor não estava mais lá! Não estava comigo! – exclamava com tristeza. E passaram-se já 20 anos. Perdi tudo! Tudo o que tinha! E agora, a morte mostra sua face! Encontrei este fim por causa de minha fraqueza! Porque sucumbi à impureza do diabo! – soluçava ele. – Como é que pode? – indagava Yan. Sentimentos tão fortes! Parece que ficarão para sempre – mas depois desaparecem. – Nada dura para sempre, querido – disse Sapfira carinhosamente. A vida segue seu caminho. Aceite tudo que o Senhor lhe dá com gratidão e compreensão. Afinal, essas são as lições para o desenvolvimento de sua alma. Porém, em relação às coisas importantes, temos de confiar em nos- sas decisões, fortalecendo-as, pois elas são mais duradouras. Precisamos cultivar a compreensão e segui-la, ao invés de falar como uma criança: vou – não vou, quero – não quero.

A primeira batalha dos guerreiros da Luz Um dia, Yan descansava perto de uma bela cachoeira, que caía de um alto penhasco. Pedras graciosas, cobertas com musgo decoravam o entorno. Cipós entrelaçavam as árvores. Pássaros vivazes agradavam seus ouvidos com seu canto. Sapfira aproximou-se de Yan com duas meninas muito bonitas.

66 – Meu nome é Reya – apresentou-se uma delas faceiramente. – Sou Bhagavati – disse a outra beldade languidamente. Yan cumprimentou as meninas, que se sentaram à sua frente. As ami- gas da Sapfira eram muito bonitas. Devoraram Yan com seus olhos e ajei- tavam seus penteados e seus trajes com galhardia, vaidosas diante de Yan. – Viemos para fazer sexo todos juntos – disse Sapfira. Para você aprender a não se fixar em mim. Tente dar igual atenção a todas nós. As meninas dançavam em torno de Yan. Ora uma, ora outra flertava e tocava nele, criando com suas mentes belas canções. Yan inicialmente ficara imobilizado. Não sabia como reagir a isso. Mas então, entendeu que Sapfira queria deste modo ajudá-lo, prepará-lo para a partida dela, e ficou-lhe grato por isso. Juntando-se ao jogo, Yan agora também interagia com as meninas e as acariciava com suas mãos.

As meninas ajoelharam-se em torno de Yan e abraçaram-no de todos os lados. Todos eles se fundiram em um único ato de amor. Yan, rodeado por tão grande energia feminina, simplesmente dissolveu-se. Estava em êxtase completo. Sentia todas elas ao mesmo tempo. Era um estado surpre- endente: perceber-se como se tivesse quatro corpos num mesmo instante. Após a fantástica interação sexual a quatro, todos deitaram-se numa clareira pontilhada de flores e contemplaram nuvens passageiras, perma-

67 necendo em total euforia. Yan ainda sentia a energia das meninas em si mesmo, e nele apareceu um sentimento de afinidade para com elas. Come- çou a perceber quão egoísta fora; pensara apenas em si próprio. Via agora que Deus dera-lhe uma lição, e que com seu suicídio ele machucara pes- soas próximas, sem pensar nos sentimentos deles nem por um momento. Agora, Deus lhe abria uma oportunidade de ver a situação por outro lado. Veio-lhe a ideia de que vivia sem propósito, de que sua vida não tinha sen- tido ou objetivo. Yan ficou chateado. Em sua alma apareceu uma oração:

O criador me ama tanto e tanto me tolera, E eu, lerdo, vou a ele com a consciência impura. Agarrado a capricho e atração, Nada mais ganho senão aflição. Um mau aluno, sem razão ou meta, Vago numa ignorância completa. No criador há tanta compaixão, Que ele ama um tolo mandrião. O criador me ama tanto e tanto me tolera, E eu, lerdo, vou a ele com a consciência impura. Agarrado a capricho e atração, Nada mais ganho senão aflição. Em vão foram tantos esforços e tentativas. Por quanto tempo estarei endividado... A fé do Criador é tão forte e conclusiva, Que algo bom surge até de um fracassado!

Lembrou-se daquilo que lhe dissera o anjo, e decidiu viver dedicando- se às pessoas, a ajudá-las, a consagrar sua vida ao serviço de Deus. Apenas não sabia como fazê-lo. Yan cansou de levar uma vida ociosa; decidiu ser- vir. As meninas observaram seus pensamentos e ficaram felizes por ele. – Orávamos para que Deus lhe mostrasse o caminho – disse Reya. – Conheço uma maneira de auxiliar as pessoas – disse Bhagavati. Podemos ajudá-las a lidar com as criaturas malignas que as devoram e trazem-lhes infelicidades, a se livrar das larvas, dos maus espíritos e das entidades maliciosas do plano espiritual que os parasitam. Se uma pessoa é propensa a quaisquer emoções negativas, estas bestas atacam-na e alimen- tam-se com a energia dessas emoções, insinuando pensamentos correspon-

68 dentes, para que a pessoa continue a vivenciá-los, dando energia às criatu- ras. Algumas alimentam-se de medo, outras de raiva, outras de ganância, tristeza, ciúme, ressentimento, transformando a pessoa em um psicopata. Assim surgem todos os problemas e transtornos de uma pessoa. Se ela não decidir terminar a sua estadia nos pensamentos negativos, se não adotar as práticas espirituais, será impossível ajudá-la. Portanto, podemos trabalhar com alguém apenas quando ele o quer, ou quando pedir a ajuda de um mago terreno. O mago o ensinará a não sucumbir às ciladas dos demônios, a alcançar um estado em que eles não mais o parasitarão. Sapfira, então, declarou: – Conheço tais magos. São discípulos de Kalki. Eles ensinam Sampo às pessoas, ajudando a resolver todos os seus problemas. Voemos até Kubera, um dos alunos de Kalki. É um Buagir, um guerreiro astral. Ajuda as pessoas a se livrarem de larvas e a começarem uma vida feliz. Os amigos voaram à escola de Avatar. Kubera praticava um kata meditativo do Sampo, quando o informaram que uma mulher necessitada viera vê-lo. Yan e as meninas assistiam à cena. Entrou na sala uma mulher jovem, bonita, mas muito infeliz. Em seu rosto havia uma aranha feia e nojenta, que a levava a um estado decadente e pessimista. Ela devorava seu cérebro e avidamente alimentava-se com seu sofrimento. – Qual é o seu nome? O que aconteceu? – interrogou-a com com- paixão Kubera, o discípulo de Kalki, já sabendo de antemão qual era o problema da moça. – Meu nome é Olga. Meu marido é um alcoólatra. Ele sempre bate em mim, leva tudo embora de casa para sustentar seu vício. Já não temos nem comida para as crianças. Fui demitida do trabalho, sempre fico doente e sinto-me mal constantemente – ela começou a chorar. Kubera abraçou-a e disse: – Consigo ajudá-la facilmente, ficará bem. Mas precisará mudar completamente seus pensamentos. E, se você concordar, nos próximos dias sua vida mudará. – O que preciso fazer, então? – sussurrou Olga, continuando a solu- çar. – Devido a seu estado de espírito decadente, você atrai pessoas como o seu marido e também outros infortúnios. Se você está pronta para ser feliz, vou ajudá-la. É preciso abandonar o marido alcoólatra, deixar as crianças temporariamente com os avós e inscrever-se na escola das Deusas.

69 Lá você aprenderá como se tornar linda, brilhante, atraente, bem sucedida, ativa – e depois todos os problemas acabarão e você conseguirá atingir o que sonhou em sua juventude.

A aranha, pressentindo a desventura vindoura, despertou e com força redobrada afogou Olga em um estado pessimista. A moça pensou mais uma vez que jamais conseguiria nada de bom, que é necessário aceitar o seu destino e lentamente morrer. Já estava pronta para negar a ajuda. – Peguem a aranha! – gritou Reya. – Vamos destruí-la! Os quatro amigos tentavam desprender o vampiro e com dificuldade arrancaram-no do rosto da infeliz. Em seguida, materializando espadas astrais, cortaram a aranha em pedaços. Olga sentiu-se melhor imediatamente. Concordou em tornar-se feliz.

70 Kubera mostrou-lhe os katas do Sampo e ensinou-lhe a quebrar os sans-contatos com o marido, um vampiro que todo o tempo bebia de suas forças e cortava suas fontes de energia. – É necessário dar um sans-golpe nesses vínculos. Juntos, começaram a fazer um kata, mas Olga o executava muito lentamente, tímida e insegura. – Assim nada dará certo – pensou Yan, e passou a cortar com a espada os tentáculos energéticos com os quais o marido enredara a esposa. Até agora os tentáculos, como metástases de um câncer, destruíam o corpo espiritual dela. Logo a energia da moça parou de vazar para o bêbado. Nela apareceram força e confiança. Vendo que Olga melhorava, Kubera a levou para Mahapadma, que fez dela uma deusa. Após certo tempo era impossível reconhecer a mulher: seus pensamentos e aparência mudaram completamente. Surpresa, ela se admirava no espelho, sentindo a força e a confiança que poderiam facil- mente atrair qualquer sucesso. Olga não acreditava que podia ser tão bonita. – Mas nem tudo é tão simples – disse Bhagavati. – A pessoa ainda não se acostumou com o estado feliz, e, assim que ela sair da influência da egrégora da escola, os velhos pensamentos retornarão imediatamente, e uma outra aranha pode atacá-la. O marido tentará novamente amarrá-la com seus sans-vínculos negativos. Vamos acompanhar Olga para que isso não aconteça. – Agora mantenha este estado novo e robusto – instruía-a Maha- padma – e então você alcançará o verdadeiro sucesso. Olga foi para casa pegar as crianças e seus pertences. Os amigos voa- ram atrás dela. O marido de Olga era todo carcomido por entidades demoníacas. – Poderíamos ajudá-lo também – disse Reya – mas ele não quer. E, mesmo se melhorasse temporariamente, sem aulas na escola espiritual, sem práticas e sem mudança de pensamento, nada funcionará. Há uma grande variedade de larvas. Não podemos matar todas. Só a própria pessoa, mudando seu estado, consegue deixar de ser vítima desses maus espíritos. – De onde surge um número tão grande dessas criaturas? Por que elas existem? – Se multiplicaram assim porque as pessoas não as enfrentam. Não têm cultura espiritual e são facilmente influenciadas por esses monstros,

71 pois agora reina a falta de espiritualidade. Há muitos mestres falsos e reli- giões degeneradas que não têm nada a oferecer. E as pessoas como Kalki são jogadas na cadeia e declaradas fanáticas. Em casa o bêbado estava endemoniado. As crianças, intimidadas, escondiam-se dele na sacada. – Ah, chegou, vadia? – cumprimentou Olga, mal conseguindo ficar em pé. – Vá me trazer uma cerveja! – Basta! Vou me divorciar e levar as crianças embora! – exclamou Olga. – Nada disso vai acontecer, vou acabar com a sua raça – gritou o marido. Quebrou uma garrafa na quina da mesa e brandiu o pedaço restante diante do rosto dela, como uma rosa vítrea. Olga se fechou no banheiro. Ele martelava a porta com a garrafa, xingando a esposa de forma vil.

72 Na cabeça do marido de Olga, os amigos viam um anão maldoso e hediondo que causava nele estes ataques de agressão absurda e descontro- . Todo o corpo do homem estava coberto com vermes. – Arranquem o anão! – gritou Yan. Os amigos atacaram o demônio – ele gritava e tentava fugir. Final- mente, conseguiram tirá-lo. Eles o rasgaram com suas espadas. O marido, no entanto, não se acalmava. – Vamos tirar a energia dele – disse Bhagavati. Começaram a extrair sua energia. Logo, o marido de Olga ficou mole, caiu e adormeceu. Olga tomou coragem e saiu do banheiro. Pegou seus filhos e deixou a casa. O lugar do anão na cabeça do marido, porém, foi ocupado por um escorpião horrível, estimulando-o a ficar agressivo novamente. Quando acordou, pegou um machado e com gritos selvagens começou a destruir os móveis. – Vamos continuar a acompanhá-la – decidiram os amigos – porque, assim que ela mudar seu estado de espírito, outra aranha atacará seu rosto mais uma vez e sugará sua energia. Pela primeira vez após a morte, Yan sentiu-se cansado. – Por quê? – perguntou ele. – Ficar perto da Terra é sempre difícil para nós. Consistimos apenas de um corpo espiritual. Mas, para viver na Terra, é necessário ter também o corpo etérico e vital... Portanto, para nós nada é fácil aqui. É um mundo pesado e repleto de obstáculos. Encontra-se muito perto do inferno, de onde origina-se toda esta imundície, especialmente agora, na era da falta de espiritualidade. Apenas um estado de espírito exaltado e uma cone- xão com altas egrégoras podem proteger os habitantes da Terra das larvas e demais demônios. As pessoas, contudo, não pensam sobre o assunto e assim sucumbem às emoções negativas que destroem sua vida e sua saúde, sempre justificando-se e apegando-se à mentira criada pelos demônios: a necessidade da guerra, da violência, da vingança, a legitimidade do ressen- timento, da inveja, da raiva e de outras formas de autoengano. Enquanto isso, Olga chegara à casa dos pais, para lá deixar as crianças por um tempo, a fim de começar uma nova vida. Ao ouvir que ela queria se divorciar, eles a atacaram: – Mas que roupas são essas?! Por que se maquiou como uma prosti- tuta?! – gritava a mãe. – Não deve se pintar assim, você tem um marido!

73 Terrível, mas seu! Quem vai querer você com essas crianças? Ninguém vai nem olhar para você – a mãe afogava-a em suas atitudes negativas. Ao mesmo tempo, enxames de várias larvas, percevejos, pulgas e tarântulas voavam em direção à Olga; foram enviados pela negatividade da mãe. – E o seu trabalho como faxineira está ótimo. Pois, você não é capaz de nada além disso! Sempre vivemos na pobreza, mas somos honestos! – Por que nos trouxe as crianças? – começou o pai. – Elas precisam de um pai, de uma figura masculina! E você decidiu se divorciar! Não se atreva a fazer isso! Leve-as para casa e crie-as sozinha! Quem você anda ouvindo?! Somos seus pais, desejamos-lhe bem, não lhe aconselharíamos nada de mal! Era difícil para Olga suportar esse ataque energético. No estado em que se encontravam, os pais de Olga lançaram-lhe uma torrente de lar- vas. A moça mais uma vez ficou mal, sentia-se infeliz. Ainda tinha forças, pelo menos, para sair, assim terminando esta lavagem cerebral. Por muito tempo vagou sob a chuva que caía, sequer tentando proteger-se dela. Em sua alma ocorria uma luta: submeter-se à vontade dos pais ou iniciar uma nova vida feliz: um duelo entre a luz e as trevas, o velho e o novo, a vida em sofrimento e o caminho para a felicidade. Chorava porque ninguém a entendia. Todos apenas a pressionavam e impunham suas vontades. Os amigos correram para ajudá-la, tirando as criaturas impostas pelos pais, destruindo assim os sans-contatos através dos quais os estados fracos, decadentes e pensamentos péssimos eram transmitidos à Olga. – Agora somente a escola de Avatar pode salvá-la – disse Reya. – Oremos por ela – sugeriu Yan – para que ela vá até lá. Os amigos rezavam por Olga, para que Deus a persuadisse a ir à escola de Kalki, onde ela poderia receber ajuda. Mandavam-lhe de seus corações raios de luz que alumbravam a sua condição. Por um tempo ela se sentiu melhor. Neste momento de iluminação, Olga fez a sua escolha e decidiu começar uma nova e feliz vida. Foi para a escola a fim de pedir ajuda em seu desejo de obter um destino próspero e uma vida alegre e posi- tiva. Lá, ela foi alegremente recepcionada. Uiun abraçou-a, Mahapadma e Inna cumprimentaram-na com alegria. – Que bom que você voltou para cá – disse Nandi. – Você aguentou esta batalha – disse-lhe Mahapadma, tendo imedia- tamente entendido o que acontecera com ela – Mas não se contente com o que atingiu até agora. As forças tenebrosas não dormem.

74 Olga contou-lhes sobre o que sucedera. – Não se preocupe – acrescentou Uiun – Apenas lembre-se: por tudo é preciso lutar nesta vida. O mais importante é conectar-se a uma fonte de forças. É a boa energia que faz as pessoas serem felizes e bem-sucedidas. Uma vez que você se conectar à egrégora da escola, imediatamente receberá proteção e se encherá de emoções positivas que a ajudarão a conseguir tudo o que você quer na vida. Somente pensamentos e atitudes positivas não bastam, é preciso reforçá-los com emoções e se juntar à egrégora. Uiun ensinou Olga a fazer o kata meditativo. Ela pegou, então, um retrato de Kalki e disse-lhe: – Sintonize-se com ele, com toda sua fé, esperança e dedicação, e, em seguida, entrará em contato com a Força e a proteção da egrégora. Olga sintonizou-se, sentindo na imagem de Kalki algo próximo e querido. As lágrimas corriam pelo seu rosto. Um raio de luz e amor saiu do coração de Olga e subiu até uma nuvem de energia cósmica, que lembrava um grande pássaro branco. Era a egrégora Ridgen Gyeppo. De lá desceu a ela uma cachoeira de graça e de poder benigno, enchendo sua alma per- turbada com amor. Mahapadma novamente fez dela uma rainha e explicou-lhe como encontrar um parceiro digno, em vez de um marido alcoólatra: – Agora, nesse estado, tudo dará certo, sem dúvida você pode con- quistar tudo o que quiser! – O mais importante é conectar-se a uma fonte de energia boa, e então tudo funcionará – disse Uiun a Olga. – O sucesso ou fracasso depen- dem de seu estado espiritual, de seu poder pessoal. Cuidado com as pes- soas que lhe dão emoções negativas. São elas que lhe trazem problemas e infortúnios. Depois de conversar com pessoas assim, faça katas do Sampo e purifique-se de energias sujas e de sans-vínculos hostis. Depois de sair daqui, faça algo que exige sorte. Olga mal podia acreditar nessa mudança tão grande em sua condi- ção. Nela apareciam agora realeza, poder e autoconfiança. Estava repleta de felicidade e harmonia. – É uma deusa! – elogiou-a Inna. – Hoje venha passar a noite na minha casa, fique um pouco comigo – disse ela a Olga – para que as forças tenebrosas não arruínem sua condição, e para que você possa começar uma nova vida.

75 Logo Olga conseguiu um emprego de prestígio, com o qual sonhava há muito tempo. Todos os homens ao seu redor a notavam, e muitos que- riam conhecê-la, vendo seu brilho e plenitude. Mas ela não olhava mais para eles com olhos perdidos, como um cão sem dono. Agora sabia que merecia o que há de melhor na vida. Yan lembrou de Kalki e voou para perguntar-lhe de onde vem o mal, e por que Deus o permite.

Por que Deus permite o mal? Kalki estava em uma pequena capela da prisão e orava a Deus pelo mundo inteiro. – Não o deixe entrar aqui – às suas costas sussurrava com raiva o padre ao porteiro. – É um terrível fanático! – Mas ele só reza e vai embora calado – contestou o porteiro. – Se ele falar – murmurou o padre – todos vocês também se tornarão fanáticos! Ele não tem nada o que fazer no templo! Kalki fez sinal de reverência a Deus e saiu em silêncio da igreja. Ele já notara a presença dos amigos e começou a responder as perguntas de Yan, sabendo por que ele estava lá. – A maldade gera o sofrimento, que é a força que impulsiona uma pessoa a se desenvolver. Lembram-se de Olga? Foi o sofrimento que a levou à Escola – com a ajuda de forças do bem, é claro. Senão, as pessoas não poderiam chegar a um entendimento, elas se degenerariam, sem pensar sobre o sentido da existência. Deus é plenitude. Ele criou o mais sutil, sublime e consciente, mas também o mais áspero, mecânico e devastador. Existe o céu, infinito, que acomoda toda matéria bruta e que produz vida. Existem os buracos negros, que destroem tudo ao redor, e neles a vida é impossível. O mundo físico está apenas a um passo dessas estruturas. Nos buracos negros mora o diabo, que cria o mal. O diabo força as pessoas a caírem num sono hipnótico, em que se submetem passivamente a qualquer influência, a qualquer pensamento. Até despertas as pessoas dormem. Seus pensamentos e sua imaginação nada mais são que seus sonhos. O diabo faz as pessoas viverem no sono, e elas não mais enxergam a realidade. Veem tudo através do prisma de um sonho, através de uma variedade de ideologias, de propaganda, de anúncios, de

76 slogans e de falsas ideias. Por causa disso surgem inquisições, jihads, cru- zadas, guerras, fascismo, comunismo e outras ideologias que engendram destruição, ódio, ilusão e medo. É importante acordar e não estar sob a influência desta mentira. Para isso, é preciso contemplar com serenidade todos os pensamentos, percepções e emoções que nos surgem, para não sucumbirmos fracamente, para não virarmos um fantoche. Você deve ser capaz de interromper os pensamentos e observá-los de longe, sem se apegar a eles. É necessário ficar em silêncio. Esta é a única maneira de escapar do sono hipnótico, soprado pelo diabo.

Kalki entrou no plano espiritual e pediu que Yan e as meninas o seguissem. Encontraram-se em um espaço sombrio e sem vida. Diante de seus olhos apareceu a enorme face do diabo, com um sorriso maldoso. Ele soprou, e para fora de sua boca voou um turbilhão de moscas. – São pensamentos tenebrosos, que cercam a pessoa com um enxame pestilento e sopram o sono hipnótico – explicou Kalki. – Crescendo a partir da energia das pessoas, estas moscas transformam-se em larvas, ver- dadeiros espíritos malignos, que, por sua vez, tornam-se demônios ator- mentadores. – Mas existem também pensamentos bons – interpelou Yan. – Sim, existem, mas por trás deles frequentemente se escondem espí- ritos malignos. Devemos acordar, ficar alertas, para não sucumbirmos à sua influência, para não nos apegarmos a eles – pois muitas vezes existem larvas que se abrigam atrás de bons ideais e penetram na pessoa, sem que ela perceba, para devorá-la. Mas o mais importante é acordar, entender e

77 distinguir dentro de si próprio o que é sonho e o que é realidade, enxergar a Verdade, enxergar o mundo tal como é. Acima de tudo, enxergar a si mesmo honestamente. Para fazer isso, tentem apagar todos os pensamen- tos e todas as imagens, pois são o sonho deste sono, o qual não é fácil de se enfrentar. – E por que Deus permite o mal? – perguntou Yan. – Sofrimento é a força que leva uma pessoa a pensar sobre o sentido da vida – respondeu Kalki. – É ele que a incentiva a procurar uma saída e a se desenvolver. A partir daquele momento, Yan e as meninas começaram regular- mente a ajudar os alunos de Kalki a combater as forças do mal.

A lição de Kut Humi Um dia, enquanto os amigos repousavam após outra viagem à Terra, desceu a eles, na forma de uma esfera de luz, um anjo. Aos poucos, o anjo tomou a forma de um asceta, sentado na posição de lótus, com uma aura cintilante em torno de seu corpo. – Saudações, almas iluminadas – disse ele. – Fui enviado pelo Sínodo dos Coordenadores do Planeta, situado em Shambhala. – Oh..., é a maravilhosa Terra da Água Branca, que Roerich9 e outros procuravam? – indagou Yan. – Sim, exatamente – respondeu o anjo. – Mas é impossível encontrá -la, para lá só se pode ser convidado. É a morada espiritual das forças do bem na Terra, de onde conduzem sua evolução e lutam com as forças do mal; convido vocês a visitar este lugar. Encontraram-se no Tibete onde entre picos brilhantes e cobertos de neve estava a Morada da Luz. A Morada era protegida por umas esfe- ras de energia que a tornava inacessível a quaisquer criaturas, até mesmo espirituais: nem larvas, nem espíritos, nem mortos poderiam entrar ali. Perto da Morada vagavam yetis. Por muito tempo Yan teve curiosidade em saber quem eram eles, e agora entendera que são entidades etéreas que, no entanto, podem se tornar visíveis e até materializar-se por um curto perí- odo. As pessoas que se aproximavam deste local se esqueciam para onde iam e por que o faziam. Ficavam tomadas por um medo irracional.

9 Nikolai Roerich (1874-1947), pintor, escritor, teósofo e filósofo russo. (N. do T.)

78 Os amigos já eram esperados lá. Um anjo que protegia a esfera abriu- lhes passagem e deixou-os entrar. Voando pelos majestosos picos revestidos de neve, entraram numa gruta e depois desceram as cavernas subterrâneas. As paredes das galerias eram cobertas com cristais de rocha. Num trono de três metros de altura, sentava-se o Rei de Shambhala, Ridgen Gyeppo. Eles humildemente curvaram-se diante desta grande alma. O Rei cumprimen- tou-os, levantando o braço, dobrado no cotovelo, com a palma para fora. Com sua voz alta e majestosa, estrondosamente ecoando nas abóbadas da gruta, Ridgen disse: – O Sínodo dos Coordenadores do Planeta notou vosso serviço à humanidade, e eu os convoquei para iniciá-los em Buagires, Cavaleiros de Shambhala, e transmitir-vos o Grande Ensinamento de Aharata. Recebi-o de Deus, ainda quando era o principal sacerdote de Atlântida, na época do surgimento da civilização em nosso planeta. Trata-se da arte de como agir no plano energético; um de seus integrantes é o Sampo, que ajudará na luta contra as criaturas do diabo. Nosso irmão Kalki trabalha agora com o carma da Terra. Ele a salva do apocalipse. As forças malignas o temem e tentam detê-lo de todas as formas possíveis. Mas vocês tornaram-se fiéis assistentes, e são dignos de ingressar no Exército da Luz. O fato de agirem em grupo dá-lhes um grande poder. Usem a sua energia sexual não apenas para o prazer, mas também para executar sans-ataques contra as forças do mal. Kut Humi aperfeiçoará as suas técnicas. Aceitem minha bênção. São

79 agora Guerreiros da Luz! Yan, eu te nomeio Buagir, cavaleiro de Sham- bhala!

Com estas palavras, Ridgen esticou os braços sobre eles, dando-lhes o poder de se conectar à Shambhala. De suas mãos desceu uma luz, ilumi- nando os neófitos. A luz se materializou em quatro espadas astrais. – Aqui, toma a espada astral e com ela alveja os inimigos das forças da Luz – começou com Yan, que recebeu a espada com calma e reverência. Sua aura imediatamente foi iluminada pela luz brilhante. Os recém-ordenados curvaram-se em reverência, e a voz de Rigden espalhou-se na caverna com o mantra “Om”. Após a ordenação, Rigden continuou seu discurso: – Desde os tempos antigos da origem da civilização humana, quando eu era o principal sacerdote de Atlântida, Deus deu à humanidade a grande arte da ação no plano espiritual, no nível energético: o Aharata. Acabo de transmiti-lo a ti e às tuas shaktis. É muito importante aprender a agir em um grupo, uma vez que a energia do grupo é mais forte do que a ação individual do mesmo número de pessoas, especialmente quando se trata de um grupo tântrico, onde interagem um homem e suas mulheres. Se forem iguais, dignos um do outro, sua interação adquire uma grande força criativa. Podem usar a sua energia sexual não só para o prazer, mas também para alcançar qualquer objetivo. Para fazê-lo, devem aprender um kata tântrico – transmitia Ridgen. – E agora Kut Humi os ensinará a arte do Aharata. Amém! Aum!

80 Yan e suas shaktis curvaram-se em reverência e, com Kut Humi, voa- ram para o local da transferência de conhecimento. No caminho, viram uma caverna gigante no centro da qual havia uma grande bola de cristal e em torno da qual estavam sentados os membros do Sínodo dos Coordena- dores do Planeta: Cristo, Buda, Krishna, Maomé, Moisés, Morya, Zoro- astro, Mahavira e outras grandes almas da nossa Terra. Eles observavam os acontecimentos no planeta, detendo o mal e enviando ajuda aos filhos da Luz e apoio a almas iluminadas, na forma de raios de energia divina.

Tendo visto como funciona o Sínodo dos Coordenadores do Planeta, foram a uma caverna onde havia uma cachoeira caindo em um grande lago subterrâneo. Embora a caverna estivesse escura, os amigos e Kut Humi enxergavam tudo, pois estavam em seus corpos astrais. – Primeiramente, na ação astral precisamos claramente ver o obje- tivo, o alvo – ensinava Kut Humi. – É imprescindível que sintam unidade, solidariedade e dedicação e que formem um campo único. Neste campo, Yan é a espinha dorsal da vontade, e vocês são sua força de apoio. Neste estado, é preciso começar fazendo um kata do Sampo ou alguma outra prática mágica – como um único organismo, ao mesmo tempo sentindo a

81 ligação e o apoio de Deus e de Shambhala, mantendo a conexão com eles em forma de oração. Quando um homem e suas mulheres shaktis se jun- tam, representam uma grande força – explicava Kut Humi. – Eles podem mover montanhas. É claro que o homem deve ser digno, e as mulheres ligadas a ele devem compartilhar do mesmo ideal, entender um ao outro. O homem, carateca de Aharata, é Shiva, a espinha dorsal. Ele deve ser o início orientador e a força de vontade. Suas shaktis são seu hara, seu campo de energia, apoiando a sua aspiração. O carateca dá a direção e as shaktis, auxiliando-o emocionalmente, ajudam-no a atingir este objetivo. Pois bem, primeiro vocês precisam decidir qual intenção querem realizar. Depois, devem sentir a unidade, a solidariedade, o campo comum. Neste estado é necessário se unir com Deus e com uma egrégora através de devo- ção, sacrifício e serviço. Sentindo então uma conexão na forma de uma condição elevada, devem começar a fazer um kata do Sampo, e atingir o objetivo. Como havia quatro pessoas, Kut Humi mostrou-lhes como se posi- cionar corretamente: as shaktis formaram um triângulo equilátero, e Yan ficara no seu centro. Por um tempo praticaram os katas. Depois, Kut Humi continuou a aula: – O principal é aprender a manter o Aharata. – Mas como? – perguntou Yan. – Em primeiro lugar – sentir seu “Eu”, com firmeza e confiança viven- ciando e dizendo “Eu sou”, “Eu existo”. Em seguida, imaginar e sentir sua espinha dorsal da vontade, da cabeça à cintura, e depois pelas pernas e até a Terra, entrando em um forte e majestoso estado de poder. Ao mesmo tempo mantenham a coluna reta e os ombros para trás. Os amigos o fizeram e entraram em um estado forte, confiante, per- cebendo o seu eixo de energia – o seu Aharata. – Agora imaginem e sintam seu hara – sua aura, seu campo de energia, contornando o Aharata em forma de esfera. Desçam através dos chacras, de modo que eles trabalhem igualmente e mantenham uniformemente o campo do hara. Ele é o seu escudo, o seu domínio. – Agora – continuou Kut Humi – sintam como o Aharata sobe e conecta-se à egrégora. Vivenciem dedicação, envolvimento, serviço. Da aura dos amigos, subiu um raio de luz à egrégora. Um pilar lumi- noso partiu do coração de cada um, passando por suas nucas, subindo até

82 uma nuvem brilhante e de lá descendo a cada um deles, enchendo de força seu hara. – Memorizem esse estado – instruía Kut Humi. – Ele é a base para todas as outras ações e katas do Sampo. É neste estado de espírito que vocês podem fazer o que quiserem, podem lidar com qualquer desafio. Yan sentia força e poder como nunca antes. As meninas estavam na mesma condição. Quando voltavam, por detrás da esfera protetora, mais uma vez viram os yetis. Yan perguntou a Kut Humi, que os acompanhava: – Em que os yetis são diferentes de nós, mortos? – Os yetis são como outros espíritos terrenos – os , os leshy10, as sereias – têm o corpo etéreo e vital. Por isso podem ser vistos pelas pes- soas, fazer barulho, mover objetos e até mesmo atacá-las. Esses espíritos também podem se tornar fantasmas, ora ajudando, ora prejudicando as pessoas. Em geral, porém, são neutros. Quando uma pessoa morre, por três dias continua mantendo a ligação com o corpo físico e pode até reviver nele. Por isso o enterro só é feito no terceiro dia11. Alguns iogues, como o lama Itigelov, podem deixar o corpo por muito tempo, preservando o con- tato com ele para, em seguida, reviver. Itigelov em breve voltará à vida, ele é um dos nossos Buagires. Nove dias após a morte, o contato com o corpo etéreo é destruído e ele fica aqui, na Terra, em forma de fantasmas. Depois de 40 a 49 dias desaparece a ligação com o corpo vital. Sua força se trans- fere aos parentes ou aos mais próximos do falecido – se houver essa força, é claro. É desta forma que os feiticeiros e xamãs transmitem seu poder aos sucessores. Depois disso a pessoa entra no plano espiritual completamente. Torna-se difícil para ela viver na Terra. Quando alguém morre no plano espiritual, antes de reencarnar deixa seu corpo astral, uma parte do mental e sua memória. Seu espírito reencarna apenas com o corpo causal, levando as aptidões, as inclinações e o caráter. Assim, podemos dizer que um espí- rito humano, uma mônada, uma centelha de Deus, uma consciência, tem várias almas ou corpos espirituais, cada um dos quais tem seu próprio tempo de vida, e todos eles podem ser desenvolvidos por meio de práticas especiais, tornando-os mais duráveis e desenvolvendo suas habilidades, que são chamadas de siddhis ou super-habilidades. Não pertencem ao corpo físico, mas aos corpos espirituais, à alma. O cérebro, contudo, muitas vezes 10 Na mitologia e no folclore russo, os domovoy e os são espíritos que, respectivamente, protegem o lar e a floresta. (N. do T.) 11 Na Rússia, o costume é realizar o enterro no terceiro dia após o falecimento. (N. do T.)

83 bloqueia essas habilidades. Elas são adquiridas ou após a morte, ou por meio da remoção de bloqueios usando práticas especiais, katas do Aharata, por exemplo – explicou Kut Humi. Os amigos agradeceram-no pelo treinamento e foram para o seu mundo, repletos de uma nova compreensão da vida. Retornando de Shambhala, os amigos parabenizaram um ao outro com a ordenação: – Estou orgulhosa de você – falou Sapfira a Yan. – Também estamos muito felizes – disseram-lhe Reya e Bhagavati. As amigas rodearam Yan e abraçaram-no. Dançavam e divertiam-se com alegria e com a determinação de ajudar em tudo o Sínodo de Coor- denadores do Planeta.

A Despedida de Sapfira Chegara o último dia de Sapfira no Mundo Celestial; naquele dia, deveria ir embora para uma nova encarnação. Numa grande clareira coberta de flores, ao lado de um lindo lago e com picos cobertos de neve ao fundo, reuniram-se todos os amigos e parentes de Sapfira para se despedirem, antes de sua entrada na vida ter- rena. Tentavam estar alegres e felizes, para dar-lhe emoções positivas para sua próxima encarnação, embora nem todos estivessem se divertindo: à frente de Sapfira estava Yan; segurava-se como podia para não chorar. Ao seu lado ficavam Reya e Bhagavati – que também tentavam disfarçar sua melancolia. Ainda que sorrisse, pelo rosto de Sapfira escorria uma lágrima. – Sempre me lembrarei de você, meu amor – disse Yan. – Não se preocupe, querido, com certeza nos encontraremos nova- mente. E terá a oportunidade de ver meu crescimento e desenvolvimento. Vai mandar para longe de mim os diabos e as larvas, certo? – perguntou ela. – Sim, claro, meu amor – respondeu ele. – Nunca me esquecerei de você. Estarei sempre por perto. Quando você crescer, você vai me ver: vou aparecer em seus sonhos – pois durante o sono a sua alma descansará em nosso mundo, no Céu, e ganhará forças para as ações terrenas. – Mas lembre-se – disse Sapfira rigorosamente – que você é um Bua- gir, não esqueça dos seus objetivos.

84 Vieram até mesmo os animais que ela amava e com os quais muitas vezes passava seu tempo. Aproximou-se de Sapfira sua rena favorita, cha- mada Kapri, e enterrou seu focinho entre as mãos dela. Ficou acariciando e acalmando o animal, pois ele sabia o que ela haveria de enfrentar. Seu gato favorito, Baro, roçava e afagava sua perna. Ao redor voavam e cantavam os pássaros, com os quais Sapfira gostava de interagir. As pessoas estavam alegres e felizes, uma por uma divertindo os demais com suas criações. Eram ilusões coloridas, paisagens de mundos nunca antes vistos, fogos de artifício e enormes pinturas criadas no céu. Quem tinha talento musical mentalmente reproduzia suas músicas para que todos ouvissem. Outros ofereciam aos presentes maravilhosos e exó- ticos pratos. Alguns criavam aromas extraordinários. Cada um mostrava, assim, sua criatividade. Todos cantavam, se divertiam, dançavam, tentando criar uma atmosfera festiva para que a tristeza da despedida não estragasse este momento solene. Um anjo apareceu, e todos entenderam que era chegada a hora. Cada um desejava a Sapfira uma encarnação feliz, conquistas espirituais, força, coragem, para que ela passasse com dignidade por todas as lições da vida. Naquele momento transmitiam-lhe ondas de amor, bondade, compaixão, felicidade, carinho, entusiasmo, alegria e dedicação, enchendo Sapfira de energia para o caminho à frente. O anjo, então, mostrou sua futura encarnação, e também todos os cenários possíveis que poderiam se desdobrar a partir do nascimento. Cada um, dentro de si, via e passava por todos os eventos que ocorreriam com Sapfira. Algumas cenas eram apresentadas muito brevemente, enquanto outras, mais significativas, eram expostas em detalhes. Mas a contemplação de sua vida inteira não demorou muito, pois fora feita de uma maneira especial, com a ativação dos Centros Superiores, nos quais o tempo é dife- rente, e em um minuto é possível ver o que acontece ao longo de um ano. – É, vejo que não teve sorte com os pais – declarou o sacerdote Kad- zhur. – Por outro lado, conheceu Kalki. – Tão cedo, aos 12 anos! É um milagre! – Comentavam os presentes. Sabendo disso, Sapfira entrou em um profundo estado de paz e agora encarava calmamente e alegremente todas as aventuras e dificuldades que lhe foram preparadas por Deus para o aperfeiçoamento de sua alma. Ficou claro que tudo aquilo era preciso para que ela adquirisse maturidade e

85 sabedoria, para que superasse o egoísmo e desenvolvesse amor e compaixão pelas pessoas. A vida acabava e Sapfira voltava ao Éden, onde esperavam por ela amigos e parentes que ainda não haviam reencarnado. Ela viu todo o ciclo da vida, toda a roda do tempo. Tendo assistido a sua vida até o fim, Sapfira entendeu que chegara a hora. Pôs as mãos em um gesto de “namastê”, dizendo adeus a todos, e desapareceu do mundo dos “mortos”. Lá ficou apenas uma figura, morta e congelada como uma estátua, uma sombra, uma memória, que agora viverá para sempre no plano espiritual. Uma pequena esfera brilhante, o Espírito, o Atman, a centelha Divina de Sapfira voou para fora da estátua e foi em direção à Terra. Yan e alguns dos presentes voaram atrás dela, para assistir a sua encarnação.

Neste momento, uma mulher dava à luz na Terra, era sua mãe nesta encarnação. Quando a criança fora completamente separada do seu ventre, o Espírito entrou nela e juntou-se ao corpo da criança. Imediatamente a

86 aura do bebê começou a brilhar com uma luz radiante, e nela apareceu uma mandala. – Esta é a influência das estrelas e dos planetas – explicou Kadzhur – uma inscrição em seu corpo espiritual, o seu cosmograma. Agora, a pessoa vai incorporar em sua vida essas influências, vai conduzi-las à Terra. Elas definem o caráter e o destino terreno da pessoa nesta encarnação. Mas este programa não se manifesta imediatamente. Na infância e na juventude, a pessoa vive no nível das encarnações anteriores. Passa por todas as fases do desenvolvimento de sua alma, e somente na idade madura, às vezes até mais perto da velhice, sua alma atinge o nível da encarnação anterior – o nível que tinha antes de nascer. Somente a alma de uma pessoa muito espi- ritual amadurece na adolescência para, em seguida, aperfeiçoar-se ainda mais. É por isso que os jovens fazem muitas coisas estúpidas. Como se a alma passasse novamente por algumas lições. Só depois, na velhice, é que ela começa a se mover para a frente. Muitas vezes, a pessoa até estranha: como pode fazer uma asneira assim em sua juventude, como não conse- guia entender coisas simples. Tudo isso parece uma espiral, pela qual cada pessoa sobe ano a ano, tornando-se mais sábia e recebendo novas lições, dependendo do nível de desenvolvimento que manifesta. – Pensava que bebês tinham alma já no útero – disse Yan. – Pois os padres assustam as mulheres falando que não podem fazer aborto, já que estariam matando uma alma. Isso é verdade? – Não, no momento da concepção é formado apenas o duplo etérico, nada mais que uma sombra, uma memória, uma força de vida, ou seja, cor- pos inferiores. A alma surge no momento do nascimento, quando o feto é separado de sua mãe e adquire o destino individual. Os abortos, espon- tâneos ou não, também são predeterminados – mas quem deve encarnar, encarna. – E se a criança morre quando bebê, o que acontece com sua alma? – perguntou Yan, interessado. – Isso é uma provação para seus pais. Se a hora chegou, também isso fora decidido por Deus. Mesmo a morte de uma criança pequena é uma lição para os pais e um ensinamento para os vivos. Neste caso, a alma, depois de ter ficado pouco num corpo de criança, quase que ime- diatamente transfere-se para o corpo de outro recém-nascido, onde ela está destinada a viver. E neste corpo passa por todo o rumo da vida.

87 – E por que a alma precisa de defeitos ou de demência? – Não parava Yan. – Também são lições de Deus – respondeu Kadzhur. – Por um lado, para a pessoa; por outro, para seus entes queridos. Mesmo em um estado de demência, a pessoa recebe a experiência necessária. Embora, é claro, esta pessoa sofra e atormente outros. Nas sociedades antigas, muitas vezes matavam crianças com deficiência. Às vezes, mantinham aqueles com certa debilidade, pois eles, sem saber, retiram a energia negativa dos outros e ensinam-lhes a mostrar compaixão. É certo que, às vezes, há gênios entre os deficientes, mas eles são um a cada 10 mil. Normalmente as pessoas sofrem em vão, pois a alma pode reencarnar. Deus previu também esta opção. Tendo assistido à encarnação de Sapfira, Yan e seus amigos volta- ram ao seu mundo. Ele estava perturbado e não sabia agora como viver sem Sapfira. Decidiu ficar sozinho por um tempo, para compreender a si mesmo e sintonizar-se devidamente. As meninas entenderam o seu desejo, mas disseram por fim: – Yan, lembre-se de que estamos com você, somos suas shaktis. Era grato a elas por seu apoio, mas visualizou um carro de corrida, que imediatamente se materializou junto com a estrada. Sentou-se nele e, depois de ter pressionado o pedal do acelerador até o chão, correu por aquela rua sem fim. Por detrás da janela do carro, piscavam imagens dos mundos maravilhosos do plano astral.

Juízo final Kadzhur com semblante sombrio aproximou-se de Yan, que descan- sava com suas amigas perto de um lago maravilhoso, cuja superfície abri- gava belas flores de lótus flutuantes. – Eu devo dar-lhe uma notícia triste – disse ele. – Você terá de passar pelo Juízo Final. Por um instante Yan ficou assustado, e até imaginou caldeiras com resina e panelas quentes, que os demônios o fariam lamber. Mas no momento seguinte, percebeu que Kadzhur brincava, apesar de ao mesmo tempo saber que havia um juízo final verdadeiro aguardando-o. – Sim, mais cedo ou mais tarde, todos passam por este majestoso mistério – disse Kadzhur. – Somente os piores pecadores irão a julgamento

88 imediatamente, e para eles é como o inferno. E logo após o julgamento reencarnam ou vivem nas camadas inferiores do plano sutil perto da Terra. Mas este julgamento não é um castigo, mas uma forma de renascimento espiritual, porque Deus não quer punir ninguém. Ele faz o homem com- preender a verdade, ensina a visão correta sobre a vida. Quanto mais cedo a pessoa entender isto, mais rapidamente deixará de sofrer e viverá na graça de Deus. Apareceram os anjos e levaram Yan para um templo majestoso, branco, cheio de luz divina e da presença de Deus. Uma vez lá, Yan sentiu sua divisão interior; uma parte era sua personalidade de sempre, e a outra era a mais sublime e espiritual que dormira até então, e aparecera poucas vezes antes. Agora que ele se via a partir desta parte sublime de seu Espí- rito, toda a sua vida começou a passar perante seus olhos. Ele percebia tudo de forma extraordinária. Sentia, ao mesmo tempo, todos os participantes de qualquer evento: todos os pensamentos deles, sentimentos, emoções, sensações corporais, os seus pontos de vista sobre a situação. Ele viu a preocupação e o medo que seus pais tinham por ele; como eles na sua ignorância tentavam cuidar dele da maneira que lhes fora ensi- nada. Ele sentiu uma profunda compaixão por eles, e uma vergonha pelas suas manifestações brutas e pelo seu desdém, em relação ao amor e carinho oferecido por eles. Por um lado, ele via a sua repulsa e o comportamento rude para defender a sua liberdade, aquilo que achava certo para ele, sua individualidade. Mas por outro lado, sentia a compaixão e a compreensão de que todas as ações de seus pais expressavam seu desejo pelo bem dele, mesmo quando elas eram desagradáveis e ameaçavam sua independência. Ele viu como eles o arrastavam até a escola e forçavam-no a fazer a lição; como ele retrucava, toda vez que tentavam educá-lo; como lhes era desa- gradável a sua rudeza, suas acusações incessantes de que eles infringiam sua liberdade e seus interesses. Sentia suas dores e suas preocupações com a vida dele, o seu sofrimento causado por suas travessuras tolas, e como o professor reclamava dele aos pais, em uma reunião. Como os professores, em sua ignorância altruísta, tentavam fazê -lo ser melhor, e ensinavam aquilo que consideravam ser conhecimento. E como era difícil para eles, por causa da sua resistência constante e suas travessuras.

89 Lá estava ele, após xingar a professora de álgebra, saía da sala de aula de um jeito demonstrativo, empurrando para fora da mesa da professora o diário de classe. Depois, com seus amiguinhos derramando cola na cadeira; o profes- sor senta em cima e ao levantar-se perde o equilíbrio e cai para o lado junto com a cadeira. Ele sente sua dor, sua preocupação para com esta situação estúpida. Ele começou a sentir-se envergonhado deste seu ato. Com amigos, fixou um balde com urina sobre a porta, e quando o professor entrava, o conteúdo era derramado sobre ele. Yan sentia toda a sua confusão, sua raiva impotente e irritação para com os alunos. Sente também culpa e remorso por este ato. Zombavam e batiam no fraco Goga, tiravam sarro dele. Yan puxava o nariz do coitado, machucando-o, depois chutava-o no traseiro, e ele mesmo, agora, sentia a dor e o medo de Goga, e o seu estado depressivo. E agora, crescia uma triste empatia por esta atitude. Na próxima cena de sua vida, seus inimigos de outra turma batiam nele e jogavam-no em uma poça de lama, diante de todos os alunos da escola. Ele levanta-se todo molhado, enquanto todos riam dele. Ele sentia o estado de satisfação baixa deles, e ficava triste por eles destruírem suas almas, cultivando estas qualidades negativas. Outra cena mostrava como ele, possuído de uma raiva impotente, imaginava como bater e torturar seus inimigos. Embora fosse apenas no seu imaginário, no plano sutil, ele conseguia sentir a sua dor e seu sofrimento, mas de uma forma mais fraca do que se isso acontecesse na realidade. Ele sentia arrependimento por ter deixado sua raiva e vingança vencerem, por ter permitido a si mesmo imaginar estas cenas cruéis. No capítulo seguinte de sua vida, ele conhecia Inna. Ele apenas que- ria sexo, e ela buscava o amor para a vida toda. Ele sentiu um peso na cons- ciência, porque ele apenas a usava sexualmente, tinha ciúmes sem motivo, um sentimento de posse em relação a ela, e não sentia amor. Ele percebia que ela pensava muito nele, seus sentimentos, seu carinho, e ao mesmo tempo, sua própria indiferença e frieza para com ela, cobranças e palavras ofensivas, as quais a atingiam profundamente, faziam-na sofrer, porque não recebia o amor e o carinho que tanto sonhava. Ele viu como ficara com uma garota da festa no banheiro. Quando Inna soube disso e começou a chorar, ele cuspiu nela e foi embora, nem tentou acalmá-la.

90 Ele vivia agora todos os seus pensamentos, todos os seus sofrimentos, enxergava o mundo com seus olhos, e ficava horrorizado por não conhecer nem um pouco a pessoa que estava perto dele. Naquela época, ele não conseguia entender como ela aguentava todas as travessuras, indiferença e rudeza dele. Agora, ele vivia os sentimentos dela de apego, e percebia que era a pessoa mais próxima e querida para ela. Ele sentiu amargura por ter agido com ela daquela maneira, e por não ter entendido seus sentimen- tos e não ter correspondido a eles. Como ela aguentou todas as mágoas e suas travessuras? Ele sentiu empatia profunda por ela, por ela ter escolhido um idiota sem sentimentos como ele. Ele, agora, não entendia como a princípio era possível amar e aguentar tudo o que ele fazia. Ele viu que ela tinha uma necessidade intensa de amar alguém, de estar perto de um homem e ter um parceiro. Pela primeira vez, ele viu-se com os olhos de uma mulher, e ficou atônito ao perceber o quanto sua per- cepção diferenciava-se da dela. Para ele, ela era uma de muitas com quem ele apenas realizava o seu desejo. Ele só estava com ela porque ela mesma grudara nele, era cômodo, e também para ser como todos, já que todos tinham namoradas. Para ela, ele era a pessoa mais próxima, quase parente, em quem ela pensava sem parar, até nas coisas que ele nem reparava: como ele olhou, o que disse, como respirou, como batia seu coração quando dormiam juntos. Ele enxergava nela apenas uma garota gostosa, que sempre topava uma, que corria atrás dele como uma cachorrinha. Ele não se interessava, absolutamente, por suas emoções, pensamentos, seu mundo interior, vivendo apenas a sua percepção do mundo. No final, causou tanta dor nela com o seu suicídio, que ela achava que sua vida também acabara junto com a dele. Ele não imaginava que ela sentia pela morte dele tão profun- damente. Ele sentiu tristeza pela sua própria insensibilidade, em relação a uma pessoa que era tão apegada a ele e o amava tanto. Ele sentia que não merecia esse tratamento, e só merecia ser julgado e tratado com desdém, por parte dela e de todas as pessoas. Ele afogava-se em lágrimas, causadas pelas cenas de desdém em rela- ção aos sentimentos e desejos dos outros. Enxergou, agora de fora, sua atitude para com seus amigos e conhe- cidos, o seu constante desejo de comparação e arrogância: quem é melhor, quem tem mais grana, o visual de quem é melhor. A própria inveja daquelas pessoas que eram consideradas melhores, mais bem sucedidas, inteligen-

91 tes, ricas, que saiam com as melhores gatas e possuíam um carro melhor, segundo a sociedade doente. Enxergava agora a essência destas compara- ções, todo o absurdo da situação; uma opinião formada pelos programas de TV, filmes e conversas entre pessoas; um desejo constante de superio- ridade, e a vontade tola de ter todos os acessórios de uma vida chique, somado à intenção de parecer-se com as pessoas preocupadas, da mesma forma, com essa falsa grandeza; queria ser como os personagens dos filmes que assistia. Ele achava engraçado e vergonhoso ocupar-se com esses joguinhos de quem é melhor; ao mesmo tempo, achava-se o mais inteligente e livre das condições da sociedade, e não enxergava que consistia exatamente dessas condições, e parecia-se com os outros demais. Era um tolo papagaio, que copiava as palavras dos outros, um macaco que imitava todos que via. Sentiu que não podia mais ser um idiota assim, por ser desagradável a si mesmo. Mas não sabia como mudar tudo aquilo de uma vez por todas. Ele não queria mais viver assim, pois sentia horror e vergonha desta sua existência. *** Depois do juízo final, Yan referiu-se a um anjo e perguntou-lhe: – Vi que pecado não é um mau ato de pessoa, mas um processo destrutivo e negativo que existe na nossa psique e alma, que nos leva a ati- tudes indesejadas, e com maior frequência, manifesta-se nos pensamentos ruins e emoções, que torturam como doença no corpo físico. Praticamente todas as doenças crônicas do corpo são resultado de processos destrutivos na alma. Enxerguei dentro de mim mesmo avareza, ciúme, vontade de vingança, mágoas, covardia, julgamento e orgulho que pareciam agradá- veis no começo, também egoísmo e complacência. Mas depois, tudo isso vira sofrimento da alma, quando a pessoa vê que alguém é melhor, ou que ela não recebeu algo, que não saiu como ela queria. Vi que estes processos negativos atrapalharam minha felicidade, viver no amor e benevolência, que inicialmente foram dadas por Deus. O que faço para parar estas mani- festações doentias da psique e encontrar alegria, inspiração, estado elevado, que são naturais a uma alma sadia? – Antes de tudo, você precisa ver toda a escala de estados negativos dentro de você, e aceitar que eles não servem – disse o anjo. – Eles existem enquanto a pessoa acredita que tê-los é normal, que sem eles ela não viverá.

92 Enquanto a pessoa se amarrar nestes estados e inventar várias desculpas para permanecer neles, e, às vezes, até os considera bons ou justos, em rela- ção a certas manifestações da vida, não é possível. Quando ela admitir isso, e quiser separar-se desta sujeira, terá de enxergar a base ilusória destes esta- dos nela. Talvez, ela acredite que tem o direito de ser má, quando os outros não fazem o que ela quer, que alguém deve algo a ela, e que todos têm a obrigação moral de tratá-la de certa maneira, ou talvez, ela se coloque num pedestal, na tentativa de sentir um prazer barato. E depois, ainda sente raiva, quando ninguém enxerga sua “grandeza”. Ou talvez a pessoa comece a imaginar ou lembrar várias situações negativas, e comece a ter medo de que elas surjam em sua vida; ela pode entrar em apatia ou ficar irritada com os outros. Nela aparece a desconfiança e raiva daqueles que parecem querer tomar seu lugar, sem ter a clara compreensão de que o lugar e o estado foram lhe dados por Deus, temporariamente, e também podem ser tomados por Ele. Assim que perceber toda esta mentira e parar de viver em função dela, terá pensamentos corretos e positivos, ficará liberta de todos os seus pecados, e viverá a graça infinita de Deus, que inicialmente fora planejada para a sua alma. Após o juízo final, Yan teve o esclarecimento dado por Deus. – Deus é infinito em tudo – entendeu Yan. – Criou o paraíso e tam- bém estes mundos pesados como a nossa Terra, pois não podia criar apenas uma polaridade sem ter a outra. Não existiria paraíso sem inferno, pois Ele é plenitude. Conceitos como paraíso e inferno, o bem e o mal, a ignorância e a onisciência são usados por Ele para que as almas consigam conceber a sua Verdade, e ter todas as experiências possíveis. E através dessa concep- ção, tornem-se semelhantes a Ele. Não é castigo nem prêmio, é conheci- mento infinito, pois Deus não ensina por meio de livros, mas por meio de experiências. Após viver o mal, a ignorância e o sofrimento, não voltaremos mais para eles, pois não há sentido na repetição infinita da mesma coisa. A vida parece uma trilha nas montanhas, quando enxergamos belezas surpreen- dentes, mas ao mesmo tempo a caminhada pode ter suas dificuldades. Mas são temporárias, e depois de passar por elas, não voltaremos aos desafios e lições dolorosas.

93 12 anos depois “O reino dos céus pode ser comparado a um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto os homens dormiam, seu inimigo veio, semeou joio no meio do trigo e foi embora. Quando a haste cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio. Então, os escravos do dono da casa vieram e lhe perguntaram: “O senhor não semeou boa semente no seu campo”? De onde então veio o joio?”. Ele lhes respondeu: “Um inimigo, um homem, fez isso”. Os escravos lhe disseram: “O senhor quer então que vamos ajuntar o joio?”. Ele disse: “Não, pois, ao ajuntarem o joio, poderiam arrancar também o trigo”. Deixem ambos crescer juntos até a colheita, e na época da colheita eu direi aos ceifeiros: Ajuntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois ajuntem o trigo no meu celeiro”. (Mateus 13:24-30) “O semeador da boa semente é o Filho do Homem; o campo é o mundo. Quanto à boa semente, são os filhos do Reino, mas o joio são os filhos do Maligno, e o inimigo que o semeou é o diabo. A colheita é o final de um sistema de coisas, e os ceifeiros são os anjos. Portanto, assim como o joio é ajuntado e queimado no fogo, assim será no final de um sistema de coisas. O Filho do Homem enviará seus anjos, e eles ajuntarão dentre o seu Reino todas as coi- sas que causam tropeços, e os que praticam o que é contra a lei, e os lançarão na fornalha ardente. Ali é que haverá o seu choro e o ranger de seus dentes. Naquele tempo, os justos brilharão tão claramente como o sol, no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, escute.” (Mateus 13:37-43) No solene simpósio do Sínodo dos Coordenadores do Planeta, na Terra da Água Branca, Yan e suas shaktis ouviam o discurso de Ridgen Gyeppo. Na gruta reuniam-se muitos Boaguires e mahatmas, grandes almas, anjos e guerreiros da luz. – Agora eu os chamei, pois está chegando o momento do Apocalipse – proferia Ridgen com sua voz majestosa, sentado no alto trono – a batalha dos cavaleiros de Shambhala contra as forças tenebrosas pela preservação da vida em nosso planeta. Vocês sabem, meus queridos, que nem todas as pessoas são seres humanos. Às vezes, sob a forma humana encarnam- se anjos e deuses. Mas frequentemente, encarnam-se também demônios. Frequentemente, a cada 12 pessoas encarnadas, uma é servente do inferno. Estas “pessoas”, mais precisamente demônios, querem somente uma coisa: causar dor, miséria e sofrimento aos seres ao seu redor. Eles sempre bus- cam o poder, e alcançando-o, organizam guerras, revoluções e destrui-

94 ção. Criam no país leis draconianas que flagelam o povo. Muitos destes demônios vocês conhecem bem: são Lênin, Stalin, Hitler, Mao Tsé-Tung, Mussolini e outros como eles, bem como seus adjuntos. Eles encarnam, muitas vezes, em grandes grupos, gerando repressão, criando campos de concentração, inquisição, fome, cárceres e prisões, causando o empobre- cimento da população e introduzindo ideologias perversas. Contribuem para o desenvolvimento do alcoolismo, da dependência em drogas e do vício por jogos, pois eles se alimentam da dor e do sofrimento do povo. Agora, as forças tenebrosas decidiram destruir a Terra, desencadeando uma guerra nuclear. Nosso objetivo é impedir que isto aconteça. Eu os chamei para abençoá-los para esta batalha decisiva. Aum! – articulou Ridgen vee- mentemente, e sua voz ecoou nas paredes da caverna de forma retumbante. Esticou os braços, e passou o poder luminoso da bênção, espalhando-o sobre todos com suas palmas. Curvando-se em reverência, os Boaguires aceitaram a dádiva do rei de Shambhala, e correram desenfreadamente à defesa do planeta.

Neste momento, o primeiro-ministro, um demônio encarnado, conduzia uma conversa com o presidente, convencendo-o a iniciar uma guerra. Ao redor, voava uma multidão de demônios com asas membra- nosas, tomando forma de hienas, de macacos, de furiosas faces humanoi- des, com dentes arreganhados e de outros monstros horríveis. Transmitiam uma energia desagradável e nojenta com o pensamento: “Você se tornará o rei do mundo inteiro, faça um ataque nuclear, empreenda uma guerra”.

95 As aberrações repetiam esta frase em uníssono com vozes sibilantes, estron- dosas, roucas. Esta obsessão atingia o presidente, e neste momento a corte dos Guerreiros da Luz atacou o bando de demônios, destruindo-os com suas espadas astrais e fazendo sans-golpes no primeiro-ministro. Os monstros entraram em luta feroz, mas as forças da Luz conse- guiram expulsá-los, e o presidente começou a voltar a si, percebendo com horror que quase iniciara a Terceira Guerra Mundial, que teria matado a todos. – Não se contentem, irmãos – disse Kut Humi após a batalha. – É necessário observar as forças tenebrosas, pois muito em breve começa- rão um novo ataque. *** Sapfira, que reencarnara na Terra, tinha agora 12 anos, e seu nome era Isabel. Sua amiga Kelti a convidou para um encontro com o mestre iluminado Kalki. Entrando numa sala, onde uma aula estava começando, e vendo Kalki no palco – vestido em uma longa túnica preta com o sinal “S” dourado no peito, em um chapéu sacerdotal – Isabel sentiu algo muito querido e próximo à sua alma, como se ela tivesse voltado para casa depois de uma viagem longa e difícil. Em Kalki, ela viu seu verdadeiro pai espiri- tual, que um dia perdera e agora encontrara novamente. Todos os presentes pareciam-lhe familiares e amigos. Ela não entendia a si mesma, não sabia por que, de repente, tinha esta reação. Dentro dela crescia uma sensação de que tudo isso já acontecera, mas que ela esquecera. Surpreendida consigo mesma, ela sentou-se na primeira fila, à frente de Kalki, e fitou-o incessan- temente com seus lindos grandes olhos. Kalki imediatamente a reconheceu, mas não disse nada, apenas olhou para ela com seu sorriso carinhoso e cheio de amor. Seu rosto sábio e nobre irradiava luz e compaixão por todos os seres. Começou seu discurso com uma oração: – Meus queridos, eu estou muito feliz de vê-los aqui. Em seus olhos, vejo o amor e a busca da verdade. Comecemos este encontro com uma oração. Todos ergueram-se e, levantando as mãos em oração, começaram a repetir as palavras de Kalki. Com voz celestial, sublime e profunda, trans- mitindo energia positiva através de cada palavra, Kalki pronunciava gran- des verbos:

96 “Ó misericordioso Senhor, dai-nos o que é bom para nós, mesmo que não o peçamos. Mas livrai-nos do mal, mesmo que desejemos o oposto. Aum!” – Cantou ele, e no final, com todos juntos, fez sinal de reverência a Deus. Lágrimas de adoração corriam pelos rostos dos presentes. Ali estava também Yan, contemplando este evento significativo na vida de Isabel; ondas de alegria vibravam em seu coração. – Se vocês capturassem um peixinho dourado – pregava Kalki – pen- sem qual seria o pedido, o único pedido, que vocês lhe fariam12. Vocês devem escolher apenas um desejo, pois duas ou três aspirações já fragmen- tam sua força. Além disso, muitas vezes elas são contraditórias e não se permitem ser realizadas. Se o desejo é simplesmente superficial – dinheiro, poder, fama – imaginem como um demente os utilizaria. Provavelmente, ele teria perdido tudo. Mesmo se soubesse levitar ou passar através das paredes, isso não lhe seria útil. Muitos estão perto de um estado de insani- dade, e tornam tudo o que têm um dano a si mesmo. Quantas vezes obser- vei um mendigo que, após receber uma grande quantidade de dinheiro, literalmente destrói a si próprio, caindo na bebedeira e usando drogas, e ocasionalmente até morre rapidamente por causa disso. Portanto, pensem bem: a realização de qual desejo seria realmente um benefício para vocês, e quais aspirações os levariam à morte. Este entendimento abrirá seus olhos para muitas coisas. Só não parem de buscar após obter uma única resposta; continuem a ponderar se é isso que vocês precisam de fato. A pessoa não pode buscar o desejo com uma mente superficial, ou então escolher algo não porque de fato quer, mas porque quer mostrar-se inteligente. É pre- ciso, ao contrário, encontrar um desejo bom, e que venha do coração. E, se este desejo for um só, é certo que a pessoa o alcançará, se tiver esta forte vontade por muito tempo. No estado atual, cada um é o resultado de uma combinação de circunstâncias, e um escravo de desejos alheios. E, se o indivíduo entender, se ele perceber isso, ficará livre e será capaz de alcançar o que realmente é bom. O discurso de Kalki foi longo e sábio; dentro de Isabel, aumentava a sensação de que havia encontrado algo valioso em sua vida. Naquele momento o que ela mais queria era estar sempre perto de Kalki.

12 Referência à fábula Peixinho Dourado, de Pushkin, em que um pescador captura um peixe dourado que realiza seus pedidos. (N. do T.)

97 Saindo da aula, por muito tempo as amigas discutiram tudo o que ouviram. Isabel compartilhou seus sentimentos sobre Kalki. – Isso é déjà-vu – explicou Kelti. *** Chegando à casa de Kelti, as amigas maquiaram-se e vestiram-se lin- damente, criando a imagem de mulheres adultas. A maquiagem de Isabel ficara muito intensa. Sem desfazê-la, chegou em casa, onde foi recebida pela mãe, embriagada, com o cabelo sujo e oleoso, em um roupão rasgado e de chinelo, fumando um cigarro barato. – O que é isso? – falou para a filha – virou uma prostituta, não é?! Remova essa maquiagem agora! Ela envelhece! Não deve se exibir na frente dos meninos, não! Eles têm de aceitar você do jeito que você é! Isabel ficou magoada e triste, pois sua primeira tentativa de ser bonita e adulta fora suprimida de forma tão rude. Neste momento Yan a obser- vava. Não gostou nem um pouco do comportamento da mãe da menina. Queria dizer que ela não devia dar ouvidos à mãe, que estava fazendo a coisa certa, seguindo a sua natureza feminina, mostrando seu ser. Mas não podia fazê-lo; ela não o ouvia. A maquiagem muito lhe agradara. Ele percebia em Isabel traços de Sapfira, que sempre se vestia bem e cuidava muito de si mesma. A filha compartilhou então com a mãe, a pessoa mais próxima que possuía, suas impressões acerca do encontro com Kalki e novamente bateu contra um muro de incompreensão: – Mas isso é uma seita! – enfureceu-se ela. – Estão coagindo você! Proíbo-a de voltar lá! Melhor ficar em casa, fazendo a lição ou a faxina! Começou cedo a decidir por si própria! Ainda é uma criança! Deve me obedecer em tudo! Isabel sentia muita dor, pois não a entendiam e apenas a proibiam de fazer tudo que queria. Ela já se considerava plenamente adulta e inde- pendente. – Por que devo estudar na escola? Lá nos dão conhecimentos que não posso aplicar na minha vida. Por acaso você um dia precisou de logaritmos, senos, valências, trigonometrias, álgebras? São inúteis na vida. Quero estu- dar aquilo de que vou precisar – retrucou Isabel. – Quieta! – ameaçou-a a mãe. – Os professores sabem melhor de que você precisa!

98 A filha se fechou e decidiu não mais se abrir com a mãe. À noite, sonhou que caminhava pelo barro e que depois escalava um alto penhasco, no topo do qual encontrava-se Yan. Lembrou-se de que não era a primeira vez que o via em sonho. Ele deu-lhe a mão e ajudou-a a subir ao topo. – Não ouça sua mãe – disse-lhe. – Você está fazendo e entendendo tudo direito. A sua alma é muito mais desenvolvida que a dela e a de mui- tos adultos. Diga a eles o que eles querem ouvir. Não adianta conversar com eles. Faça o que lhe parece certo, o que lhe agrada. Após acordar, o sonho permaneceu com Isabel por um longo tempo. Yan parecia-lhe muito . Não conseguia, porém, de forma alguma lembrar-se onde ela o vira, e também não entendia porque ele tanto apare- cia em seus sonhos. Sentia-se próxima a ele, queria encontrá-lo com mais frequência nos sonhos.

Após estar em sonho com Isabel, Yan voou até Reya e Bhagavati e contou-lhes tudo que vira. Elas ficaram felizes pela amiga e ao mesmo tempo preocuparam-se com a situação: ela era vítima de uma má criação. Decidiram ajudá-la:

99 – Vamos fazer um kata tântrico – sugeriu Reya. – Criemos um fan- tasma, um embrião de nossa intenção conjunta, para que Isabel possa resis- tir à influência degradante dos adultos e melhor desenvolver sua individu- alidade. Sentaram-se em um triângulo, um em frente ao outro, como os ensinara Kut Humi, e começaram a trocar energia, como durante um ato sexual. Mas agora faziam-no não por prazer, apesar de sentirem, mas com um objetivo mágico. Um por um, levantavam a energia pelos chacras: Muladhara, Svadhisthana, Manipura. Entre seus chacras apareciam sans espirais formando um oito. O Aharata e o hara de seu campo energético uniram-se, esculpindo a intenção de criação de um holograma. Enquanto oravam, de seu campo conjunto separou-se um coágulo de força, repleto de seus desejos, que par- tiu para Isabel. Neste momento, os pais dela a xingavam por sua obstinação, por não estudar, por embelezar-se e por ocupar-se com besteiras em sua seita. Sen- tada, ela chorava, completamente reprimida pela energia deles. Desejava morrer, para que não mais ouvisse as ofensas e não mais tivesse de suportar os maus-tratos e a violência. Nesse instante, o holograma a preencheu. Imediatamente desapa- receu sua vontade de chorar; tomaram seu lugar grande determinação e força. Levantou-se e declarou com firmeza: – Vou fazer o que acho certo! Matem-me se quiserem! Se são contra, vou embora morar sozinha! Os adultos se chocaram com o comportamento incomum, e sequer sabiam o que dizer. O pai, espantado, deixou cair o cinto, com o qual há pouco açoitara suas costas. Ela saiu do quarto, batendo a porta. Agora ela entendia que iniciava uma nova vida independente, que não mais obedeceria a ninguém, que nada mais temeria, que até mesmo a morte não mais a atrapalharia. Ela seguiria o chamado de sua alma, o despertar de sua essência, a sua individualidade.

Encontro com homenzinhos verdes Certa vez, os amigos voaram a um planeta habitado por homenzi- nhos verdes. Eram as criaturas mais desenvolvidas do Universo. Ao chegar, viram que os verdes meditavam sentados numa vasta praça, e carregavam-

100 se com a energia do Sol. Tinham uma estatura pequena, como crianças de 5 ou 6 anos, com braços e pernas finos, cabeças grandes, imensos olhos esbugalhados e pequenos narizes. Andavam nus, pois, como as plantas, recebiam continuamente a energia do Sol. Os homenzinhos verdes viviam em casas esféricas, cuja metade supe- rior era transparente para que a luz de seu sol sempre penetrasse em seu lar e os carregasse com sua energia. Todos os edifícios possuíam tetos similar- mente transparentes. Eram dotados de telepatia, e sem demora notaram a presença de Yan e as amigas. Ene, o mais sábio entre os verdes, começou a comunicar-se com os recém-chegados por pensamento.

– Por que os habitantes da Terra não conseguem alcançar o seu nível? – perguntou Yan. – Isto acontece porque vocês necessitam devorar corpos de animais e plantas, enquanto nós nos alimentamos da energia de astros, tais como o seu Sol. Quanto mais sutil o alimento que um ser ingere, mais elevado ele é – respondeu Ene com uma voz exótica. – Mas em seu planeta, há seres parecidos conosco: as plantas. Sua vida na Terra existe graças a elas. São seres muito evoluídos. Se o homem está na natureza, entra em contato com elas e sente a sua atmosfera, ele mesmo se torna mais espiritual, se renova, se recompõe. Verdadeiros milagres acontecerão com o homem quando ele passar longos períodos na natureza. Mas, quando voamos até vocês nos dis-

101 cos voadores, observamos exatamente o oposto: as pessoas buscam a felici- dade em qualquer lugar, exceto na floresta. As florestas ficam praticamente vazias. O diabo criou as enfermidades, e Deus, as ervas para cada uma. As ervas, portanto, podem curar as pessoas, salvá-las de todo infortúnio e sofrimento. Agora, toda a humanidade passa cada minuto livre à frente da TV, do computador e ao telefone, cada vez mais entrando num mundo virtual, assim destruindo sua essência. – O que aguarda a Terra? – perguntou Yan, sentindo pena das pes- soas. – Seu destino ainda não foi decidido – respondeu Ene. – Exis- tem algumas alternativas para seu futuro. Muitas forças, tanto tenebro- sas quanto imaculadas, lutam agora na arena terrestre. Apenas a escolha das pessoas definirá se elas encontrarão o suicídio ou não: este é o livre arbítrio. Mesmo que uma catástrofe não ocorra, pessoas podem morrer devido à superpopulação do planeta. Por causa disso, o meio ambiente está sendo destruído, as florestas derrubadas e a natureza devastada – disse Ene. – Aqui nos multiplicamos com sabedoria, decidindo quem, quando e quantos podem nascer, e de quantos precisamos no planeta. As pessoas não pensam desta forma; seguem o padrão, o que todos querem, o que todos fazem. Essa é a sua maior infelicidade. E, apesar de se considerarem inteligentes, o pensamento de massa os domina. – O que é preciso para que as pessoas sobrevivam? – com interesse indagou Yan. – É importante respeitar as mulheres, aprender com elas. Em geral, toda desgraça terrena advém dos homens – fazem guerra, revolução, des- truição, terrorismo, genocídio. Entre eles, há 20 vezes mais criminosos, drogados e alcoólatras. São mais inclinados à violência e ao egoísmo. Consideram as mulheres tolas, quando o contrário é que é verdadeiro. Nos templos e nas escolas espirituais, a maioria dos fiéis são mulheres. São elas que mantêm a harmonia e até mesmo toda a vida na Terra – ensinou Ene. – São elas que irradiam mais amor, bondade, compaixão e solidariedade – justamente o que preserva a vida na Terra. Estes sentimentos pertencem ao Paraíso. – Por que então tão poucas mulheres são líderes espirituais? – per- guntou Yan. – A questão – respondeu Ene – é que, com o surgimento do patriar- cado, as mulheres foram violadas de toda maneira pelos homens, que não

102 lhes permitiam obter formação, às vezes sequer as deixavam visitar os tem- plos; consideravam-nas seres inferiores. Eram forçadas, ainda aos 10 ou 12 anos, a se casarem, sendo então tratadas como servas, desprovidas de direitos. Os ignorantes assustaram-se com a atração natural às mulheres e também com o amor e admiração que neles surgiam, e então as declararam pecaminosas, impuras, criaturas do diabo. As mulheres mais ou menos formadas e livres eram nomeadas de bruxas e eram queimadas. Muitos homens não entendiam que o amor, a criatividade e a atração oriundas da energia sexual são as mais belas criações do Senhor. E a situação em que o mundo agora se encontra, à beira de um abismo, com infortúnios e injustiças nele reinando, é fruto de seu tratamento errado para com as mulheres. A salvação do mundo depende das mulheres, e de os homens enxergarem as deusas que elas são. Meninos e meninas devem ser educados separadamente, pois desde a escola os meninos mostram agressão e violên- cia, humilham as meninas, desenvolvem uma relação incorreta com elas, fazendo com que as meninas considerem tal tratamento normal. Anoiteceu. No céu apareceram dois discos voadores que depois pou- saram. Os verdes vestiam-se. – Quando o Sol se põe nos vestimos – esclareceu Ene. – Mas quando ele brilha, novamente andamos nus, para nos carregarmos com sua energia, como os seus nudistas. Faz bem, pode trazer benefícios às pessoas – acres- centou Ene. – Também o contato com minerais, lagos, rios, montanhas, pois são corpos de seres inorgânicos. Tais seres habitam todos os planetas, até mesmo onde as pessoas acreditam não haver vida. Mas a vida está em todo lugar, porém sob diferentes formas, muitas vezes incompreensíveis aos humanos, que se fixam ao seu organismo, que consideram somente seu corpo, sem perceber que podem viver muito bem mesmo sem ele. A alma das pessoas se prende ao peso do corpo, e para ele busca o elixir da imortalidade, tentando estender suas torturas nessa prisão. Nunca observei nada mais ridículo ao estudar a vida na Terra, quando estive lá a bordo de um disco voador. As pessoas são movidas pela cegueira, pelo seu apego ao corpo e à sua miserável vida física. Ao invés de aspirarem ao Reino dos Céus, que Deus criou para nós, os humanos, em sua cegueira, apegam- se a tudo que há ao seu redor: o alcoólatra à garrafa, o louco ao medo, o fanático à sua ideia. Observam tudo pelo prisma de suas ligações, e não são capazes de ver o mundo real e vasto, como ele de fato é.

103 A antiga arte da magia órfica Após o incidente com os pais, Isabel foi à aula de Kalki, determinada a não se deter por nada, e a fazer tudo que achasse certo. – Como vai? – perguntou-lhe Kalki, encontrando-a na entrada. Lembrou-se de tudo que acontecera e rompeu em lágrimas. Kalki abraçou-a paternalmente. – Não fique triste – disse-lhe – esta é a luta pela sua liberdade, pela sua individualidade. Todos nós temos de passar por batalhas assim contra a ignorância, o mal e a influência generalizadora da multidão. Abençoa- dos são os obstáculos, pois com eles crescemos. Assim desenvolve-se nosso arbítrio: na oposição às trevas, ao mal e à mentira. Encare-os como treinos para o seu espírito. Lembre-se de que luta não apenas por si, mas também pelo bem de seus iguais. Fique livre e ao seu redor muitos se libertarão. Kalki levou-a a uma sala onde já havia diversos discípulos. Lá encon- travam-se vários instrumentos surpreendentes: berimbaus, tradicionais e de boca, tambores xamânicos, trompetes do Tibete, bacias do canto, sinos, didjeridus e muitos outros cujo nome Isabel nem conhecia. – Aqui – disse Kalki – componho a música de Shambhala. São melo- dias especiais e mágicas, capazes de mudar pessoas e o mundo inteiro. Existe uma antiquíssima ciência, o orfismo, que estuda como, por meio da arte, encarnar intenções, atingir quaisquer objetivos e transmitir estados exaltados às pessoas. Pegou o berimbau de boca e começou a tocar. Sons fascinantes e encantadores encheram o ambiente. De repente, outros instrumentos esta- vam tocando, acompanhando Kalki. Os presentes não entendiam o que ocorria. Yan e as amigas também estavam ali. Ele viu que anjos desciam e tocavam junto com o mestre. Reya e Bhagavati dançavam, enquanto Yan meditava sentado. Sons maravilhosos espalhavam-se pelo espaço através de proeminências de um brilho cintilante. Isabel foi atraída pela força oculta. Tomou a flauta e também passou a tocá-la em uma sinfonia de sons com Kalki. Seus pais não lhe permitiam estudar música. Seu pai lhe dissera: – Ninguém precisa de músicos. Para estar no palco, é preciso dormir com o produtor. Não vou deixar você fazer isso! Você vai ser uma conta- bilista.

104 – Como?! É tão entediante! – protestou a filha. – Acostume-se, a vida inteira é entediante. Todos levam essa vida, você não tem outra saída. Mas aqui ela tocava, e o fazia naturalmente, como se descobrisse um dom dentro de si. De repente, apareceu-lhe uma visão: ela vestia um lindo sári, dançando ao lado de pontiagudos templos indianos em frente a Kalki, sentado com um turbante na cabeça e tocando cítara. “O que é isso?” – pensou Isabel. Yan viu seus pensamentos e sabia que se lembrara de sua vida passada. A música encantadora continuava, levando os presentes a um estado de transe. Após o concerto, Isabel relatou como o pai a humilhava. – Você por pouco não se tornou vítima de uma má criação – disse- lhe Kalki. – Pense quantos talentos morrem na infância de uma pessoa. É preciso lutar pela autorrealização, superar todos os obstáculos. A música pode criar, mas pode também destruir. Conhecem a história da Bíblia em que as paredes de Jericó foram derrubadas pelo som das trombetas? Os encantadores manipulam as cobras com a ajuda da música. Melodias um pouco mais complexas podem controlar as pessoas e transmitir-lhes grandes conhecimentos, não à mente, mas sim ao coração. – Escrevi um verso enquanto o senhor tocava – disse Kelti. – E a mim vieram as formas de uma futura pintura – declarou Antuan. – Estão vendo – concluiu Kalki – a música de Shambhala acorda for- ças e talentos dormentes das pessoas. A Arte Órfica consiste na união com Deus, egrégoras, com algo superior, quando em oração e meditação desce à pessoa graça, musas, inspirações, ou seja, energia da mais alta ordem: a ins- piração divina. Às vezes, é preciso esperar muito, fazer jejum, frequentar os Locais da Força, alimentando a alma com emoções elevadas. Mas quando as estrelas se alinham, nasce uma faísca: surge na pessoa um plano criativo. Ela deve mergulhar em emoções fortes e depois realizar-se em criatividade. A obra final terá a força destas emoções e conectará as pessoas com um Poder Superior, que criou essa ideia; permitirá chegar a Deus. O orfismo ajuda-nos a realizar qualquer intenção, pois a arte é um elo entre a ideia, o conceito e o mundo. A arte transforma a ideia em imagem, enchen- do-a com sentimentos e sensações dos espectadores e ouvintes, assim enco- brindo a ideia com um campo de energia, que lhe permite encarnar-se, que promove sua penetração nas mentes e nos corações de muitas pessoas,

105 cuja sintonia, por sua vez, cria um campo forte como o de uma egrégora. O teatro é a fusão de todos os tipos de artes. Portanto, os antigos mistérios teatrais eram uma ótima maneira de seus integrantes se transfigurarem e realizarem as ideias que queriam. É importante se relacionar consciente- mente com tudo o que vocês criam, com as ideias que nascem dentro de vocês, pois o estado inconsciente gera monstros. – Criemos agora nossa música conjunta – sugeriu Kalki. – Quero que cada um pegue o instrumento que gosta mais e acompanhe-me tocando-o. Todos tomaram instrumentos e começaram a complementar a melodia de Kalki. Embora nem todos conseguissem tocar bem, naquele momento neles despertavam suas capacidades criativas. Yan via e sentia em si mesmo como a música harmonizava a circulação da energia em sua aura, como o campo de todos os presentes se fundia em um único brilho, espalhando ondas de amor e harmonia pelo mundo. Esse clima criava a impressão de que, se pensassem em quaisquer desejos, imediatamente estes seriam realizados. No fim do concerto improvisado, Kalki aproximou-se de Isabel e deu-lhe um pen drive. – Leve, é a sua música individual – disse o Mestre, e olhou para a menina com grande benevolência. – Ela expressa a melodia das esferas, o seu código astrológico. Ajudará a revelar suas aptidões, o seu verdadeiro “eu”. Isabel com admiração recebeu o presente do Mestre. Lágrimas escor- riam pelo seu rosto; somente aqui ela recebia apoio e compreensão, dos quais fora privada em sua infância na família.

Paralelos Certa vez, após o aniversário de Isabel, Reya apresentou uma amiga aos companheiros. Era uma garota muito bonita. – Leyla – apresentou-se ela, um tanto amaneirada. – Leyla gosta de viajar por universos paralelos e quer nos convidar a tal jornada. – Muito interessante – exclamou Yan, curioso. – São semelhantes ao nosso ou não? – perguntou ele. – Os mundos paralelos – explicava Leyla – concretizam possibilida- des que não foram realizadas no nosso mundo, pois todas as possibilida-

106 des que existem obrigatoriamente são realizadas em algum lugar. Existem mundos quase idênticos ao nosso, apenas estão atrasados no tempo. Para lá vão as almas “repetentes” – aquelas que não aprenderam aqui suas lições. Lá, elas têm quase os mesmos parentes, amigos, inimigos e circunstâncias. No entanto, não existem mundos completamente iguais. Apesar de terem pai, mãe, companheiros e adversários parecidos, as almas que represen- tam estes papéis são, é claro, outras, à exceção talvez de algumas outras almas também repetentes, que refazem as lições. Há mundos com o tempo adiantado em, digamos, até três mil anos. Em algum lugar, o Apocalipse já aconteceu, e a vida lá começa do zero. Alguns mundos, por outro lado, evi- taram-no e continuam a se desenvolver. Gosto muito de um mundo onde o matriarcado foi preservado e o ensinamento do Tantra não foi destruído, como aconteceu aqui. Aquele mundo vive agora no Século de Ouro, sem guerras, revoluções ou destruição. Lá não há criminosos ou malfeitores; todos vivem em felicidade e se desenvolvem espiritualmente. – Que maravilha! – exclamou Yan. – Quero ver este mundo! – Então vamos lá – propôs Leyla. – A entrada para as outras dimen- sões destes mundos encontra-se no centro da galáxia, mas quero mostrar- lhes também a beleza do cosmos, por isso voaremos através do espaço side- ral. Os amigos apareceram no espaço, de onde podiam observar o sis- tema solar em sua inteireza. Os planetas e o sol faziam um ruído similar a bacias do canto tibetanas de variados tamanhos. Lentamente mudando de tonalidade, soava a maravilhosa música das esferas. Os planetas eram serem vivos, mas sua vida passava mais vagarosamente que a nossa: o nas- cer e morrer de uma pessoa eram, para eles, nada mais que um minuto. No entanto, sua percepção era mais rápida que a humana: para ler e com- preender um trabalho científico complexo, uma pessoa precisaria de vários meses; já eles podem fazê-lo instantaneamente. A inteligência do sol era plenamente divina. Voando além, muito mais rápido que a luz, passaram por constela- ções e nebulosas até chegar a um globo de luz gigante, um milhão de vezes maior que o sol. Era o centro da galáxia, um magnífico ser vivo, para o qual mil anos significava um instante. Era Deus para todas as estrelas e planetas, e conhecia tudo que acontecia na Via Láctea. Com sentimento de sagrada reverência, voaram para dentro dele e lá viram uma estrela, da qual espalhavam-se em todas as direções inúmeras

107 pontas, cada uma servia como entrada para um dos mundos paralelos. Alguém que não soubesse exatamente aonde quer ir, poderia perder-se eternamente neste labirinto. Entrando em uma das pontas, encontraram- se próximo à Terra e, quando já voavam com os pássaros, viram pequenas casas e templos, cercados de verde. Aproximando-se, viram um templo, ao lado do qual sentavam-se várias mulheres e um homem, todos praticando posturas de ioga. Suas vestes lembravam a indumentária indiana. Leyla conduziu-os a uma velha senhora, que meditava sentada em posição de lótus. – Esta é Zarma Devi – disse ela. A mulher tinha o dom da clarividência e, ao notá-los, começou a comunicar-se mentalmente. – E eu que pensava que aqui já haveria carros voadores – falou Yan. – Vivem aqui na Idade da Pedra, é?

– O avanço técnico – articulava calmamente Zarma Devi – não é indicador de inteligência. Vocês apenas foram obrigados a encontrar um meio para lidar com a superpopulação do planeta. Muito mais importan- tes são as tecnologias espirituais. Nós, diferentemente dos habitantes de seu planeta, controlamos a natalidade e a mantemos mínima. Além disso, somos capazes de determinar o sexo dos bebês, e assim, aqui nascem muito mais meninas. Existe um ditado: “Muitos meninos nascendo, guerra à vista”. Por isso vivemos em harmonia e felicidade. Contentamo-nos com pouco: comemos as frutas das árvores. Materializamos os objetos que pre-

108 cisamos. E nos comunicamos através de telepatia. Nos teletransportamos para onde quisermos viajar. Dominamos os animais selvagens com a força do pensamento. – Por que os habitantes da Terra não conseguem fazê-lo? – perguntou Yan. – Isto é possível apenas em um nível espiritual elevado. Se pessoas comuns pudessem fazê-lo, então a Terra deixaria de ser para eles um local de treinamento das almas, onde elas crescem e percebem a razão de seus sofrimentos. Um lugar onde buscam saída para esta situação de ignorân- cia, de limitação em muitos aspectos. Exemplos desta circunstância são a pobreza, a doença, a escravidão, as prisões e a arbitrariedade dos governan- tes – explicou Devi. – Na busca por uma saída desta situação difícil, desen- volve-se a consciência, a inteligência e o entendimento de que é preciso evitar o mal, e seguir o único caminho certo: o do amor, da bondade e da compaixão. Constantemente nos dedicamos às práticas que desenvolvem dentro de nós sabedoria, amor e felicidade. Os habitantes da Terra conven- ceram-se de que precisam buscar a felicidade pelo caminho mais longo, através da ganância por dinheiro, objetos, poder e glória. Mas continuam tão infelizes quanto antes, pois feliz é aquele que deseja fazer o outro feliz. Pois o Senhor criou nossas almas assim: quando ela puxa o cobertor para si e descobre outrem, afunda-se em emoções negativas e sofrimento. Não importa quanto dinheiro possui, apenas o amor pode trazer felicidade a alguém, e não o consumismo insaciável e o egoísmo. Apesar de todo o pro- gresso científico de vocês, nenhum cientista entende estas ideias simples. Vivemos em grupos de várias mulheres, de diferentes idades e lideradas pela mais espiritual, e escolhemos para nós um único homem, com uma espiritualidade digna de nós. Apenas os mais avançados criam as crianças. Estas pessoas são capazes de interagir com elas sem agressão e manipulação, com amor e compreensão. O que esperar de uma criança educada por pais mentirosos e violentos? Pessoas assim não deveriam ter filhos. É também importante que crianças, desde a mais tenra idade, possuam contato com Deus – dizia Zarma Devi – pois acabaram de chegar do mundo espiritual, e nelas ainda estão vivas as impressões que lá tiveram. – Conte-nos sobre a criação da vida, acho que seria interessante para os meus amigos – pediu Leyla. – Claro. Nunca houve um começo – explicava Devi – pois o mundo é eterno. Mas para facilitar o entendimento, consideremos que houve. Deus,

109 como tudo no mundo, é material. Mas as materialidades do mundo são várias. Existe a matéria bruta: metais, minerais, líquidos, gases. E há tam- bém a matéria sutil, com vários níveis. E quanto mais sutil a matéria, mais ela é viva, inteligente, consciente, cheia de graça. Deus é a matéria mais sutil, espalhada por todo o infindável espaço. Os átomos desta matéria pri- mordial compõem uma unidade, ou seja, são como um único organismo, unidos em todo o infindável espaço. Portanto, tudo que Deus criou, Ele criou de si próprio. Primeiro, Ele criou um mundo de Arcanjos, Queru- bins e Serafins. Para isto, Ele coagulou seus átomos, que são Ele mesmo, e criou uma matéria mais bruta no plano espiritual. Suas criações, apesar de conterem em si quase as mesmas qualidades divinas, não adquiriram a infi- nitude e a unicidade de Deus. Eram seres separados, com fronteiras, e seu conhecimento, força, graça e poder criativo divinos eram limitados. Então, Deus coagulou seus átomos (dharmas) mais ainda e formou o mundo dos Anjos, em que a separação e a limitação aumentaram, e a força, a inteli- gência e a graça diminuíram, apesar de que, em comparação com os níveis humanos, eram enormes. Depois, coagulando seus átomos deste mesmo modo, Ele criou os demais níveis do plano espiritual. No patamar abaixo dos anjos, ficaram as pessoas e outros seres parecidos; este é justamente o seu mundo, o mundo “dos mortos”. Abaixo, havia o mundo dos espíritos, e bem abaixo, o dos demônios. Nestes níveis, a separação e a limitação aumentaram e a inteligência e a consciência se enfraqueceram. Assim apa- receram a ignorância e o desconhecimento. O amor ilimitado de Deus transformou-se em várias emoções, incluindo as negativas. As pessoas por muito tempo viveram felizes no plano espiritual. Os anjos não permitiam que seus corpos se despedaçassem, pois já nestes níveis havia a decomposi- ção. Mas o desenvolvimento das pessoas e de outros seres não existia. Eram ingênuos e livres de preocupação, como crianças. Então, Deus coagulou- se ainda mais e formou o mundo físico, onde a limitação, a separação e a decomposição (destruição de tudo) atingiram um grau elevadíssimo. A ignorância era completa, e a força mínima. O amor divino transfor- mou-se em seu oposto: o sofrimento. A rocha, apesar de tão diferente de Deus, ainda assim é Ele. Ele é tudo que existe. E, quando alguém se livra da ignorância, O vê em tudo. As próprias pessoas também são Ele, mas seu ego não lhes permite enxergar isto e ser Ele: deus em Deus. – Numa de minhas encarnações – continuou Devi – estive na sua Terra. Lá existe uma bela história sobre Adão e Eva. No início eles viviam

110 no mundo espiritual – era o Éden. Mas sua inteligência desenvolvia-se, e tiveram de conhecer o bem e o mal. Encarnaram-se na Terra, expulsos do paraíso. Mas isto não aconteceu porque desobedeceram a Deus. Se Ele quisesse, nunca sequer teriam o desejo de conhecer o bem e o mal. Mas esta foi a vontade de Deus: que eles os conhecessem. A serpente representa as forças tenebrosas e os espíritos do mal, que tentam obstruir o caminho do conhecimento, e conduzem as pessoas à confusão. Uma vez confun- didos, começam a ter atitudes incorretas e caem em pecado, em vícios. A maçã é o fruto deste mundo: dinheiro, glória, poder, parceiros, família, trabalho. Agora, a humanidade sofre porque conhece o bem e o mal. Mas quando atingir o conhecimento completo, retornará a Deus, e não mais haverá necessidade de sofrimento e de permanência na Terra. Cada criança é similar a Adão: percorre um caminho de tentação e de aprendizado de si próprio por este árduo mundo. Aproximava-se a hora da oração, e Devi entrou no templo.

Yan olhou ao redor. Lá havia ícones e mandalas incomuns e diferentes de tudo que já vira. Uma o chocou profundamente: sobre uma montanha de corpos queimados, deitava-se um deus nu. Montada nele estava uma deusa decapitada. Ela copulava com ele, enquanto segurava numa mão a própria cabeça e na outra uma espada, com a qual cortara sua cabeça. Aca- riciavam-no ainda duas outras deusas, sentadas ao seu lado. Do pescoço decepado da deusa, esguichavam três jatos de sangue: aquele que saía à

111 esquerda bebia a deusa que estava à esquerda, o que saía à direita – a deusa à direita, e o jato central bebia a cabeça cortada. Yan ficou estupefato, sem entender como podia haver ícones assim. Devi captou seu estado, e disse a ele e às amigas petrificadas: – É somente na Terra que o sexo, que cria a vida e gera crianças, é considerado algo ruim e vergonhoso. Seria melhor, contudo, que vocês se envergonhassem das armas, que acabam com a vida e criam a violência. Ao invés disso, se orgulham de armas assassinas, e estudam desde pequenos meios para aniquilar outras pessoas. Este é o mais verdadeiro mal. O sexo deve ser uma arte, pois é uma forma de amor divino. Este ícone mostra esta arte. A deusa sobre os cadáveres significa que no sexo espiritual o homem deve controlar-se, sem ceder à paixão, deve trabalhar com a energia, ficar como um morto. A deusa sem cabeça significa que a mulher deve des- vencilhar-se de sua personalidade, ego, pretensões, possessividades e ofen- sas; deve trabalhar com a energia, ficar consciente. Os três jatos de sangue representam os três principais canais de energia: o esquerdo (Lunar), o direito (Solar) e o intermediário (Estelar), através do qual sobe Kundalini durante o ato sexual. A deusa transfere a energia dos canais Lunar e Solar, ou seja, a sensu- alidade e a atividade, às outras duas deusas e ela mesma concentra-se com seu parceiro no trabalho com o canal Estelar, enviando por ele energia para a abertura do Sahasrara, e a união durante o sexo com o Altíssimo, com todo o Universo. Devi detalhadamente explicou-lhes esta técnica, e os amigos admi- ravam-se com a atitude inteligente dos habitantes deste planeta, com res- peito à relação entre os gêneros, pois utilizavam-nos para se aproximar da divindade. Ao fim da explanação, as amigas, sorrindo, entreolharam-se e, fitando Yan, declararam-lhe: – Nós somos justamente três, e você um. Um dia temos de tentar esta técnica. Yan sorriu em concordância, e tomou a mão que lhe estendia Leyla. Após retornar à Terra, foram observar Isabel. Ela estava com seus amigos e contava-lhes como seu pai a torturava. Estavam extremamente indignados. Antuan e Aleks se dispunham a puni-lo. – Ele não tem o direito de ser chamado de pai e deve pagar pelo que fez! – gritou Aleks com raiva.

112 Kalki ouvia sua conversa e, quando todos já estavam agitados, entrou na sala. – Mestre! – respeitosamente saudaram-no e, olhando-o com dúvida, aguardavam seu discurso. Ele aproximou-se e colocou suas mãos sobre os ombros dos discípu- los. Em seu rosto nobre e sábio refletia o amor divino: – Tentem ver em cada um aquilo que Deus criou, e não o que a socie- dade doentia desfigurou. Pois quando vocês veem o fogo, sabem, que, se não tomarem cuidado, podem se queimar ou incendiar algo. Ninguém, no entanto, se ofende com as chamas, quer se vingar, pois delas não se pode esperar outra coisa. Se vocês veem uma pessoa como ela é, então também dela nada esperarão e não se ofenderão com ela. Sim, a ignorância pode ser perigosa, mas nós servimos a humanidade. Agora nesses tempos extra- ordinários e difíceis, quando é decidido o destino de nossa civilização, é importantíssimo que cada um pense não somente em si próprio, mas que perceba sua missão, seu dever perante a Terra, sua responsabilidade pelo dia de amanhã. Nossa tarefa é nos tornarmos servidores da humanidade, ou seja, pessoas que irradiam amor, compreensão e bondade, que ajudam os outros, acima de tudo, a se aperfeiçoar espiritualmente, pois disto depende a salvação da vida no planeta e a conquista da felicidade. Cada ignorante aspira à alegria para si. Porém, perde a felicidade, e em seu lugar, ganha o sofrimento, pois é atormentado por egoísmo, ganância, possessividade e por outros males oriundos destes, como medo da perda, ciúmes, ofensas e também raiva de quem, na sua opinião, deveria lhe dar algo ou poderia lhe roubar. Mas os servidores dedicados, repletos de amor e desejosos do bem-estar dos seus próximos e do mundo inteiro, com apenas estas aspi- rações já atingem um feliz estado de alegria e de bem-aventurança. Pois o altruísmo sempre engendra emoções elevadas, enche o coração de bênçãos. Ajudam Deus em sua intenção de criar um mundo harmonioso e cheio de amor mútuo. E Deus também os ajuda, estendendo Sua mão em auxílio. Nossa tarefa é ajudar a todos, rezar a Deus por eles, aprender a perdoar e a amar, mesmo se for muito difícil. Se você responde ao mal com o mal, iguala-se ao ignorante, e, justamente por causa desta resposta, o mal se espalhará ainda mais. Vivemos, portanto, miseravelmente neste mundo, que, por tudo isto, encontra-se à beira do abismo. Conseguiremos salvá-lo somente se nos voltarmos ao amor, meus queridos. Oremos para que esta alma cheia de egoísmo, possessividade e violência possa encontrar a Deus.

113 Os discípulos atenciosamente ouviam Kalki. Seus rostos refletiam compreensão e compaixão para com todas as almas confusas da Terra.

A casa da tristeza Foi longa a batalha de Isabel com os parentes, mas eles não consegui- ram quebrar o espírito da menina. Por fim, elaboraram um plano traiço- eiro para destruir sua vontade e fazer dela um cão submisso, que executaria todos os comandos em um estalo de dedos. Certa vez, enquanto Isabel praticava o ritual Dharma Lakshana, vivenciando todas as etapas da vida humana, seu pai invadiu seu quarto com enfermeiros do hospital psiquiátrico. – Aqui está ela! Olhem! Está louca! Levem-na para o hospital! Ela precisa da ajuda dos médicos! Os enfermeiros tentaram agarrar os braços de Isabel, para levá-la ao carro. – Não toquem em mim! – ela tentava escapar deles. – Eu estou bem! – Não lhe deem ouvidos! Fez tantas coisas bizarras aqui! – berrava o pai. – Ela quer se suicidar! Deve ser tratada. Os enfermeiros torceram os braços de Isabel e arrastaram-na para fora da casa. – Sou uma pessoa livre! – gritava Isabel. – Vocês não têm o direito de me mandar para o manicômio! Mas ninguém a ouvia. No entanto, ela tentava fugir e arranhava os homens, e por isso recebeu uma injeção. Sentiu que o corpo já não lhe obedecia e adormeceu. Acordou na enfermaria de observação, deitada no leito. “Onde estou? O que houve?” – pensou ela e lembrou-se com horror de tudo que acontecera. Tendo decidido que não deveria mais resistir aos médicos, ela resolveu empregar a astúcia para escapar de lá. Veio à mente uma canção de Mahamudra sobre o manicômio: Minha avó sempre me dizia Que devo ser seu Chapeuzinho Vermelho, Devo poupar para a aposentadoria E na vida não pular como um coelho. Devo ser uma empregada calada

114 E não uma rainha livre e majestosa. Bateram-me como um cão na calçada, Cresci, apesar disso, e virei uma loba teimosa. Minha neta, você é doente, deve ser tratada! Mas não sou assim, sou apenas uma loba revoltada. Meu modus vivendi – nada é importante! Para uma bruxa como eu o universo é cativeiro. Meu modus vivendi – nada é importante! Sou uma bruxa livre! Sou o universo inteiro! Meu pai querido me criava: Botava a coleira e comigo passeava, Tratava-me como um fantoche obediente Para manipular-me sempre facilmente. A mãe chorava dia e noite sem parar, Sabendo que não conseguiria me controlar. Mandou-me para o manicômio por insanidade Para os médicos me salvarem da liberdade. Trancaram-me em um hospício Para em um animal subserviente me transformar. Os anjos de branco desceram no início Com comprimidos para me tranquilizar. Mas isso não me impedirá, Estou voando como feiticeira. Um lobo selvagem nunca se tornará Uma reles gata-borralheira. Enquanto isso, o pai da menina conseguiu um atestado médico, cor- reu para a polícia e registrou uma denúncia contra Kalki e os outros parti- cipantes das aulas de Sampô e ioga, afirmando que eles levaram sua filha à paranoia e que precisavam responder perante a lei por seus atos.

O Ciclope “Havia naqueles dias gigantes na terra [os nefilins13], e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens, e delas geraram filhos.

13 O mesmo que “gigante”. (N. do T.)

115 Estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama.” (Gêne- sis 6:4) Viajando pelo plano espiritual, os amigos encontraram-se num mundo, onde viviam após a morte, gigantes ciclopes, que tinham apenas um olho no meio da face, logo acima do nariz. Eram grandes, cobertos de pelo e viviam em cavernas, sendo algo entre seres humanos e animais. – Oh, que estranhos! – exclamou Yan. – Eu li a respeito dessas criatu- ras na Odisseia. Será que elas realmente viveram na Terra? Os amigos aproximaram-se de um deles. – Qual é o seu nome? – apresentando-se, perguntaram a ele. – Sou Esfet – respondeu o gigante. – Sim, tudo o que foi descrito na Odisseia é verdade. Nós vivíamos na Terra, e agora encarnamo-nos em mundos paralelos e em alguns planetas da galáxia vizinha. – Por que vocês foram extintos? – perguntou Yan. – Na época em que morávamos na Terra – respondeu Esfet com a voz baixa – conosco viviam anões e outras criaturas semelhantes aos seres humanos. Os extraterrestres, os homenzinhos verdes, verificavam qual população de humanoides se adaptaria melhor naquele planeta. Implan- tavam óvulos fertilizados no útero de animais, que davam à luz a nós e aos outros, incluindo seus antepassados. Assim surgiu a noção de totem, pois tanto nós quanto vocês nascemos de diferentes animais, e esta ligação ainda permanece nos genes. Parece que os chineses têm até um horóscopo em que cada pessoa está associada a um determinado animal; trata-se de um eco de tal nascimento. Mas, em seguida, descobriu-se que apenas os seres humanos eram viáveis naquelas condições difíceis. Os anjos perce- beram isso também e passaram a nascer em corpos de seres humanos. Os verdes pegaram estas crianças para educá-las e, em seguida, trouxeram-nas de volta aos povos primitivos, para os quais estes membros de sua tribo, ensinados pelos extraterrestres, pareciam Deuses. Neles foram descobertos superpoderes. Tornaram-se líderes e mestres, introduzindo cultura ao seu povo. Assim apareceram as primeiras civilizações: atlantes, egípcios, chine- ses, maias e outros. Os filhos destes anjos encarnados também possuíam capacidades excepcionais e alto nível de desenvolvimento. Muitos textos sagrados da Babilônia e de outras civilizações até mesmo mencionam isto. Muitas destas lendas ecoaram na Bíblia hebraica também, embora lá estas tradições sejam narradas de uma forma muito abreviada, a partir da qual

116 é difícil entender qualquer coisa. Passamos então a reencarnar em planetas mais adequados para nós. – Muito interessante! – exclamou Yan. – Agora eu conheço a origem dos corpos físicos e das civilizações na Terra. A Bíblia diz que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, mas não fica claro do que se trata. – disse Yan. – Ou Deus é um anão, ou é um ciclope. Ou talvez tenha algo a ver com os verdes? – Não – respondeu Esfet. – Trata-se de uma referência ao Espírito imortal, à centelha de Deus, à mônada, ao Atman, que somos nós. Não se refere ao corpo físico e nem mesmo ao espiritual. Os corpos espirituais foram criados por Arcanjos. Mas nós somos como um Espírito eterno e desencarnado criado pelo próprio Deus, ou melhor, nós somos deuses, e isto também é mencionado nas escrituras, pois o Espírito, quando fica consciente de si próprio e vê a si independentemente de todos estes corpos, lembra-se de que sempre era Deus e de que se tornará Ele. – Sim – disse Yan – agora tenho uma compreensão melhor de quais devem ser minhas aspirações, do propósito de minha existência. – Quer dizer que Eva não foi criada a partir da costela de Adão? – perguntou Reya. – Claro que não – murmurou Esfet – as mulheres foram criadas pri- meiro, para que tivessem filhos naturalmente. Mesmo na Torá dos judeus é dito que primeiro Deus criou Lilith, e ela então deu origem a Adão e Eva e, em seguida, deu-lhes uma maçã. Não pense que foi a serpente. Foi Lilith que trouxe o conhecimento do bem e do mal. Por meio da educação este relato incorreto nos é ensinado. – Por que na Bíblia, então, tudo é escrito tão obscuramente? – per- guntou Bhagavati. – O fato é que – disse Esfet – os judeus eram um povo nômade, sel- vagem, e não tinham um sistema de escrita; passavam de boca em boca os mitos do Egito, da Babilônia e da Suméria. E somente depois de séculos os registraram. Por isso, há muitas distorções nos textos bíblicos, e eles são incompletos e fragmentados. Até os sacerdotes não conseguem explicar os textos que temos, pois não se enquadram na interpretação bíblica. Enquanto conversavam com Esfet, foram abordados por Gnor, um centauro. – Oh, que interessante! – exclamou Bhagavati. – Os centauros, então, também existiam? E agora, após a morte, vocês vivem com ciclopes?

117 – Sim, – retorquiu Gnor – muitas criaturas maravilhosas viveram na Terra naquela época. E agora os cientistas encontram seus restos mor- tais, mas têm medo de terem sua reputação manchada. Quando veem um esqueleto de centauro, dizem que é um cavalo sem cabeça e um homem sem pernas. Portanto, informações sobre nós foram preservadas apenas em lendas.

A fuga do inferno Isabel tomava injeções muito fortes, e por causa delas não mais entendia o que acontecia, e andava em um estado inconsciente, cabisbaixa, arrastando os pés. Seus olhos fixavam-se num ponto só, e sua língua pendia para fora da boca. Parecia-lhe que, se tudo continuasse assim, ficaria louca para sempre. Yan com muita dor assistia à cena. Junto com as amigas, encontrou um jeito de ajudar Isabel: quando o médico quis dar-lhe outra injeção, confundiram seus pensamentos, de modo que ele pegou glicose em vez do “remédio” e aplicou-a na menina. Aos poucos, Isabel começava a se recuperar. Em sua cabeça ecoava somente um pensamento: “Corra” – os amigos passavam-na esta ideia com toda a força, enchendo hologramas com esta mensagem de energia, um após o outro. “A chave está no bolso da enfermeira – pensou Isabel – devo roubá -la de alguma forma”. Sem mostrar que voltara a si, vagava pelo corredor como antes, salivando e com um olhar perdido. Os amigos diligentemente atormentavam a enfermeira, que cochi- lava sentada no sofá em frente à televisão. Isabel acercou-se dela, cuidadosamente tirou a chave do bolso de seu jaleco e dirigiu-se até a porta. Abrindo-a, ela saiu para a escadaria e desceu correndo. Quando já estava fora do departamento, um enfermeiro a viu. – Aonde você vai? – perguntou-lhe, aproximando-se. Antes que pudesse pegá-la, Isabel correu para o muro e começou a subir, mas o enfermeiro lançou-se nela e segurou-a pela barra de sua cami- sola. A menina tentava escapar e, rasgando-o, saltou para o outro lado do muro. O porco gordo não foi atrás dela, mas ao fugir, ela perdera os chine- los, e agora estava vestida apenas com um pedaço da roupa, que mal cobria seu corpo. Envergonhada daquelas vestes, tentava andar despercebida,

118 e decidiu silenciosamente entrar em casa para pegar sua roupa. Aproxi- mando-se pelos fundos do terreno, chegou à sua casa. Olhando pelas jane- las, percebeu que não havia ninguém ali. Entrou pela pequena basculante da janela de seu quarto e começou a se trocar. Então, na mente dela apare- ceu uma ideia: “Saia pela janela agora!” – era Yan e as amigas, que notaram seu pai chegando em casa. Ele recebera um telefonema do hospital, pulara no carro e rapidamente vinha para casa. Mas Isabel descartou este pensa- mento, já que ainda não estava totalmente vestida e também queria pegar suas coisas favoritas. Então ouviu passos, a porta ruidosamente se abriu e o pai irrompeu no quarto furioso. Ela correu para a janela, mas ele agarrou-a pela perna e arrastou-a para dentro do quarto. – Sua vadia! Resolveu fugir?! Não vou deixar que isso aconteça! – gritava ele, trancando a janela e a porta. Já discava o número do manicômio. Isabel levantou-se do chão bruscamente e agarrou a mão dele com os dentes. Ele deixou cair o telefone, e ela pegou-o e lançou-o para dentro do aquário. – Sua cobra desgraçada! – o pai enfureceu-se e começou a espancá -la brutalmente. – Vou lhe dar uma lição! – falou ele e arrastou-a para o celeiro. Lá, ele pegou algemas e travou uma argola no pulso de Isabel e a outra num gancho pregado à parede. – Agora fique aqui, sua besta! Ainda vou mandar você para o hos- pital! – disse ele, fechando a porta do celeiro com o cadeado. Partiu para chamar os médicos. Isabel começou a puxar o gancho, tentando tirá-lo da parede, mas de nada adiantou. Finalmente ela conseguiu retirar a madeira, à qual o gancho estava fixado e, com este incômodo fardo, corria desesperadamente pelo celeiro tentando encontrar a saída. Notando um vão entre a parede e o chão de terra, ela decidiu tentar sair por lá, mas o buraco era pequeno demais. Para ampliar seu tamanho, começou a cavar o chão com uma pá. Logo ouviu um carro estacionando perto da casa. As vozes das pessoas aproximavam-se do celeiro. Jogou-se no buraco e, mal cabendo lá, tentava sair do cativeiro, mas a madeira com o gancho ficou presa e não a deixava escapar. A porta se abriu. O pai e os enfermeiros já estavam entrando. Finalmente Isabel conseguiu sair, mas o pai percebeu e pulou para a rua, perseguindo-a. Ela saltou para o jardim dos vizinhos e correu para a cerca. Passou por um cachorro que a conhecia bem e abanou o rabo quando a viu. O bicho notou o pai furioso a segui-la, rosnou e lançou-se sobre

119 ele, latindo e mordendo sua perna. O pai gritou e caiu no chão, lutando contra o cão. Isabel correu para a floresta, arrastando a madeira com o gancho atrás de si. Uma vez em segurança, começou a se livrar da placa e, colocando-a entre o tronco e o galho de uma árvore, tirou o gancho e ficou só com as algemas, escondendo-as na manga de sua roupa. Decidiu ir à casa de Kelti para pedir ajuda, mas dentro dela algo falava: “Não vá lá, é perigoso!” Pensou que era apenas o medo causado por estresse e descon- siderou o aviso. Porém, eram Yan e as meninas que lhe enviavam este sinal, sabendo que seu pai mandara a polícia a todos os amigos de Isabel, para que a encontrassem. Aproximando-se da casa de Kelti, ela viu que lá já havia viaturas com luzes piscando. Delas saíram policiais e caminharam até a porta. Ela enten- deu que não sentira apenas medo, mas o pressentimento de um infortúnio. Ficou claro para ela que os policiais agora poderiam visitar qualquer amigo seu. “Vá à cidade N” – veio-lhe o pensamento. “Que estranho, por que para lá? – pensou Isabel. – Eu ouvi dizer, de fato, que há alunos de Kalki lá – mas como encontrá-los?” No entanto, depois das situações estressantes por que passara, ela agora resolveu ouvir estes pensamentos e, hesitante, caminhou até a estrada. Yan e as amigas ficaram muito felizes que ela os entendera, embora tenha sido uma ideia bastante complexa e difícil de transmitir. Na estrada um motorista viajava na direção de N. Os amigos envia- ram-lhe um desejo de dar carona a alguém. Ele olhou para os lados, mas não havia ninguém ali. Logo depois da curva, porém, ele viu uma menina mal vestida, em roupas sujas, com o cabelo despenteado. Levantando as mãos em oração, ela implorava que ele parasse. Ficou espantado, mas parou o veículo perto dela. – O senhor poderia me levar até N? – perguntou ela. – Sente-se – disse o motorista. Ela entrou no carro, escondendo suas algemas. – O que aconteceu? – perguntou ele. – Quer que a leve à polícia? – Não, não! Por favor! – articulou Isabel, assustada. – Estou bem. Apenas corri e caí, foi só isso. Posso fazer uma ligação usando o telefone do senhor? – Sim, claro, pegue meu celular – o motorista entregou-lhe o apare- lho.

120 Com as mãos trêmulas discou o número de Kalki e chorou quando ouviu sua voz querida. Ele sabia quem estava chamando e disse: – Não chore, você ficará bem. Estou esperando por você nesse ende- reço... – Obrigada – foi o que Isabel conseguiu falar e devolveu o telefone para o motorista. De repente, as algemas caíram debaixo da manga. – O que é isso? – o homem ficou surpreso, olhando para ela. – Nada, nada demais, estávamos brincando – Isabel começou a dar desculpas, soluçando e enxugando as lágrimas. “Talvez tenha fugido da polícia? Devo levá-la à delegacia?” Yan e as amigas enviaram-lhe uma onda de compaixão, e sua atitude mudou. – Posso tirá-las? – disse ele. Parou o carro, abriu as algemas usando um arame e jogou-as longe no campo à beira da estrada. – Talvez você esteja com fome? Pegue um pouco de dinheiro – suge- riu ele. – Não, não preciso. Obrigada – respondeu Isabel. – Pelo menos tem um lugar para morar? – ele estava preocupado. – Sim, obrigada – falou Isabel. – Já estão me esperando. Kalki encontrou-a na porta. Ela desabou em lágrimas – era o resul- tado de toda a tensão que se acumulara nela desde que fora mandada para o manicômio. – Acalme-se, querida – disse-lhe ele, apertando-a contra si. – Agora você não está mais em perigo. – Por quê?! Por que isso acontece? – soluçava ela. – Sabe – disse Kalki, levando-a para dentro – não estamos aqui para nos divertirmos, mas para aprendermos, para nos tornarmos mais sábios. É um mundo difícil. Veja as moscas: até mesmo elas nos picam. Por que Deus as criou? Pois, quando nos mordem, elas nos despertam, forçam-nos a ficar na realidade. As pessoas, como a sua família, são moscas gigan- tes, que mordem a alma, mas que também a ajudam a realmente ver a si mesma e ao mundo. Tanto tempo você morou com eles e não os conhecia, não sabia que poderiam fazer isso com você, porque você não os via direito, vivia iludida a respeito deles. Assim Deus diz a você: “Olhe para o mundo real, torne-se sábia”. É somente na escola que se aprende com livros; Deus educa através de uma situação que influencia a pessoa integralmente. Este é o verdadeiro ensinamento. Você nem se conhecia direito, nem sabia que

121 era tão crédula. Acreditava neles e em outros que mentiam para você. Não sabia que era enganada por si mesma e pelo mundo. Ficava ofendida por pouca coisa, pensando que a vida não é do jeito que queria. Por isso sen- tia raiva e sofrimento. Mas estas situações, se você as aceita corretamente, abrirão seus olhos para que possa entender a si própria, o que está dentro de si, quem você é. Elas ajudam a acordar, conhecer a si mesma, e elas se repetirão até que você entenda tudo. Até sinto pena de seus pais – há não muito tempo, reencarnaram-se de animais e por isso desejam alcançar tudo com violência e mentiras. Mas o resultado será apenas sofrimento. Já eu e você éramos extraterrestres. Para nós é difícil entendê-los. – Mas sem o senhor é impossível compreender isso – disse Isabel. – É difícil, muito difícil, mas é possível. Eu ajudo aqueles que estão prontos, que já chegaram ao fim do caminho de sofrimento. Os outros ainda se divertem com brincadeiras. O sofrimento é um componente importante para o conhecimento do mundo e de si próprio. Sem ele não haveria incentivos nem profundidade. Lembre-se: foi quando viu o sofri- mento que Buda começou a buscar o caminho da iluminação e criou o seu ensinamento. O sofrimento faz-nos sóbrios e permite-nos ver as coisas como elas são, pois a mente humana é feita de ilusões e de sonhos cor- de-rosa. Muitas vezes, uma pessoa nem quer ver nada verdadeiramente; isso a priva de opinião própria e da confiança de que tudo acontecerá tal como concebera. Mas isso não significa que você tem de ser masoquista. É preciso procurar um caminho para escapar do sofrimento, e ele vive dentro de nós: devemos parar de nos apegar a tudo, dentro e fora de nós. Precisamos nos iluminar conscientemente, conhecer a Deus e dedicar-nos ao seu serviço. Mas chega de tristeza: você esqueceu completamente que hoje é seu aniversário? Seus amigos prepararam alguns presentes para você. Olhe aqui. – Kalki levou-a para o quarto, repleto de belas roupas, enfeites e várias outras coisas. – Oh, muito obrigada! – Isabel levantou as mãos em surpresa e pulou de alegria. – Vá se trocar – disse o mestre. Ela tirou a roupa suja e provou os novos trajes, admirando-se no espelho. Lindamente vestida e bem arrumada, ela entrou na sala e ficou impressionada: à mesa do banquete sentavam todos seus novos amigos – os

122 discípulos de Kalki. Cumprimentavam-na com gritos de felicidade. Com lágrimas de alegria e gratidão ela olhava para a sua nova família espiritual. Yan e as amigas regozijavam-se com este evento maravilhoso na vida de Isabel.

Canalização de informação Em uma sala grande, juntaram-se os alunos de Kalki, enquanto ele estava no Tibete e ensinava a verdade para Tulku Rinpoche, eremitas e yogues tibetanos. Sua esposa Arta, uma mulher muito bonita e sábia, con- duzia a atividade. Sua face lembrava em algo a face de Buda. Ela estava há anos com Kalki e tinha um conhecimento amplo. Na sala encontravam-se as filhas de Kalki. Elas faziam práticas espirituais desde a infância, e possu- íam um nível elevado de compreensão do mundo. Havia muitas pessoas escutando a palestra com grande interesse. E lá estava Yan com suas amigas. Eles limpavam as pessoas recém-chegadas das larvas e sans-contatos negativos. Yan via como conseguia ajudar a escola de Kalki e entendia seu grande valor para o desenvolvimento da Terra. Os anjos que desceram até lá preenchiam os corações dos alunos abertos com a luz divina. – A vida do nosso espírito é eterna – falava Arta. – Mas até a vida da nossa personalidade não é limitada pelo prazo de vida do corpo físico. Após a morte continuamos a viver até a próxima encarnação, e permane- cemos da mesma forma como em vida, conservamos a nossa memória e gostos, hábitos e pontos de vista. É claro que tudo isso muda bastante no além. Mas isso ocorre em vida também, por exemplo, quando crescemos e tornamo-nos adultos. A vida assemelha-se a uma passagem de uma condi- ção para outra, porque após a morte, uma pessoa encontra várias maneiras de ficar cada vez mais madura e sábia. Parece a transformação de uma lagarta em uma borboleta. A lagarta tem de rastejar pela terra molhada, estar sob a sombra das plantas e alimentar-se de suas filhas. A borboleta flutua nos raios de Sol, de uma flor para a outra, alimentando-se de seu pólen. Assim, a vida após a morte é semelhante à vida de uma borboleta: mais leve, alegre e cheia de impressões e possibilidades. Mas a experiência de lagarta é tão importante quanto a de borboleta, porque os sofrimentos e dificuldades desenvolvem o espírito da pessoa e o fazem ser mais maduro e sóbrio. Ambas as formas de nossa existência, portanto, são importantes

123 para o nosso desenvolvimento e aperfeiçoamento. A tristeza das pessoas existe apenas pelo fato de que elas veem tudo unicamente do ponto de vista da vida física, embora isso seja uma visão muito pobre, que não per- mite compreender a verdade. Por isso, todas as escolas espirituais tenta- ram ampliar a percepção do ser humano e ofereciam-no viver uma expe- riência fora do corpo, uma experiência no plano sutil, uma viagem astral. Tudo isso sempre foi a essência dos mistérios antigos. Até a própria palavra “transe”, antigamente, significava a passagem para o mundo dos mortos. – Essas experiências lhe abriam os olhos para o sentido verdadeiro da vida, principalmente quando era acompanhado por um encontro com Seres Superiores ou até Deus. Vários sofrimentos e torturas do ser humano são ligados à limitação do seu corpo físico, tudo que acontece com ele, e a falta de entendimento do significado da vida, e sua continuação no além. A prática de transe, hipnose, terceiro olho, viagem astral, sonhos lúcidos e algumas substâncias alucinógenas permitiam aos místicos desco- brir o mundo invisível, que por sua vez, dava-lhes o sentido e o objetivo da existência. Isso também ampliava sua visão do mundo. O contato com o plano sutil mostra que ele é habitado não apenas por anjos e pessoas que nos querem bem, mas também pelos espíritos inferiores e demônios que toda hora nos atacam, entrando na aura das pessoas que se entregam a pen- samentos negativos. Como são perigosos estes pensamentos e este estado, criados pelas forças obscuras, pois podem destruir a vida inteira de uma pessoa. É muito importante não se render a eles. Ao mesmo tempo, um estado positivo atrai as forças do bem, que podem nos ajudar bastante na nossa vida, começando com coisas pequenas de casa, até a inspiração cria- tiva para grandes ideias novas e estados espirituais elevados, mostrando-nos novos horizontes de aperfeiçoamento de si mesmo e do mundo.

Como tudo começou Depois da palestra, a irmã de Kalki, Subila, começou a conduzir uma sessão de Gyud para que as pessoas entrassem em contato com o plano sutil e encontrassem os desencarnados, porque o método Gyud é um dos mais simples para revelar as superpotências humanas que, na vida comum, são bloqueadas pela mente, pela percepção inadequada causada pela cria- ção na sociedade doente.

124 Todos deitaram-se sobre as macas e relaxaram. Era noite de lua cheia, época especialmente favorável para este ritual. Subila era uma ótima espe- cialista de trabalho com o subconsciente humano, e possuía conhecimen- tos e talentos, pois praticava o caminho espiritual junto com Kalki há quase 25 anos. Facilmente, ela conduziu as pessoas a um estado diferente, para que pudessem sair para o plano sutil e encontrar os desencarnados. Uma das alunas antigas de Kalki também estava lá, e queria muito conhecer o mis- tério do plano sutil. Como Yan a conhecia bem, ele foi encontrar-se com ela e foi seu guia naquele mundo. Ele mostrou para ela muitas coisas e também a história de sua vida. Ele não usou palavras para passar as infor- mações, mas com a ajuda de um dos anjos, conseguiu mostrar por meio de um filme, momentos importantes de suas vidas terrena e sutil, e ela conseguia compreender todos os pensamentos e sentimentos dele como se os vivenciasse. Após voltar para o mundo físico, ela compartilhou com Subila o que vira. – Você teve uma experiência única – disse ela – não é qualquer um que consegue ver com tantos detalhes as coisas do plano sutil. Todas as práticas espirituais e principalmente as do terceiro olho te ajudaram muito. – Acho que seria bom – acrescentou ela – se você descrevesse esta experiência em um livro, para que várias pessoas da Terra possam enrique- cer a sua percepção por meio disso. É muito importante para elas.

Assassino – Te dou 50 mil dólares agora e mais 50 depois que me trouxer a cabeça de Kalki! – gritava o pai de Isabel, falando com o assassino. – Este homem tem que morrer! Ele não merece viver! Você tem que acabar com ele, custe o que custar! Ele estraga as mentes dos nossos filhos! Eles param de ouvir os próprios pais, que são as pessoas mais próximas e que lhes deram a vida! – Não vai ser difícil matá-lo, mas trazer a cabeça será um pouco. Para isso terei que ficar a sós com ele para que ninguém possa nos ver. – Não importa! Te dou 200 agora e mais 200 depois. Topa ou não? – enfurecia-se o pai de Isabel. – Tá certo! – concordou o assassino.

125 Mais tarde, o pai de Isabel encontrou o detetive e mostrou-lhe a foto da filha. – Você tem que encontrar esta menina e trazê-la até a minha casa! Ela viverá aqui! – gritava ele. – Mas só com uma foto não é possível – disse o detetive – precisamos do endereço de seus conhecidos. – Sim, claro! Aqui estão. Peguem e coloquem escutas nas casas deles! Ela deve estar com um deles! – disse ele. – Tudo bem, mas podemos precisar de um tempo, talvez um mês – disse o detetive. – É muito tempo! Vou enlouquecer de raiva! Não sei onde ela está! O que está fazendo! Preciso controlá-la! Preciso salvá-la. – Está bem. Vamos tentar fazê-lo mais rápido – disse o detetive. O pai de Isabel voltou para casa e desceu no porão. Lá, começou a derreter metal para fazer uma porta de ferro com um olho mágico e uma janelinha para levar comida. Ele tirou a janela para que ninguém pudesse ouvir Isabel, se ela quisesse pedir ajuda e para evitar que ela fugisse de novo. Colocou uma corrente presa à parede. – Não está exagerando? – perguntou a mãe de Isabel. – Não, tem que ser assim! Ficar aqui por alguns anos tirará todas as besteiras de sua cabeça. Depois veremos. Você sabe como a amo! – disse ele cerrando as mãos. – Sou o pai dela! É minha obrigação moral colocá-la no caminho certo. Vou salvá-la. Todos os nossos parentes me apoiaram. Devemos nos unir na luta contra este mal! Yan observava a cena com horror. Ele viu que vários demônios apo- deraram-se da mente do pai de Isabel, porque ele era um condutor ideal para o mal, e decidiram, por meio dele, destruir a escola de Kalki.

Encontro Isabel, Kelti, Inna e outros alunos de Kalki juntaram-se na aula de ativação do terceiro olho. Eles estavam em uma sala aconchegante em frente a uma imagem enorme de Sri Yantra. Tocava uma música que aju- dava a trabalhar o plano sutil. Ananda conduzia a prática. Ela era uma das alunas mais próximas de Kalki.

126 Isabel escondia-se do pai e morava agora na casa de pessoas próximas a Kalki. Isso a ajudava a progredir no caminho espiritual mais rapidamente. Ela pensou: “Tudo é para o melhor caso nós queiramos nos aperfeiçoar”. – Todas as suas imagens, sensações, sonhos são objetos do mundo sutil. O mundo sutil não está longe, mas vocês constantemente encon- tram-se nele. Antes de tudo é a sua mente. Tudo que ocorre nela são mani- festações dos níveis astral e mental do plano sutil. Uma pessoa comum não reflete sobre isso, porque ela se fixa mais na vida física. Mas observando os pensamentos e emoções, você verá que é um receptor e condutor de ondas sutis, imagens, pensamentos, sentimentos e ideias. O único problema do ser humano é que ele não possui controle sobre a sua mente, não sabe con- centrar-se para extrair as informações necessárias do mundo invisível. Mas as pessoas têm um órgão próprio para recepção e condução de informações do plano sutil, que é o terceiro olho. E hoje, vamos nos exercitar para ati- vá-lo e aprender a entrar em contato com os objetos do plano sutil, cons- cientemente, e estabelecer a conexão telepática com outras pessoas, lugares e eventos. Vamos olhar a mandala do Mestre com sua imagem no centro. É uma imagem especial, que ajuda a ativar o terceiro olho e estabelecer a conexão com o mestre. Acendam uma vela e coloquem-na em frente à ima- gem. Enquanto observam a vela, deixem o seu olhar desfocado e tentem perceber a sua aura. É mais fácil perceber auras de objetos luminosos, mas com o tempo vocês conseguirão vê-la em todas as pessoas e coisas. Isabel desfocou o olhar, e viu um arco-íris duplo em volta da chama. Sentiu uma excitação alegre por conseguir ver coisas diferentes. – Agora fechem os olhos – disse Ananda – e percebam a imagem como um negativo, com o olhar interior. Se a concentração for boa perce- berão até sua aura. Isabel fechou os olhos e viu a imagem da chama verde-amarela. – Com o olhar interior, você pode ver tudo em que se concentrar com o seu terceiro olho. Assim que visualizar uma pessoa ou imagens de coisas ou lugares, você estabelecerá um contato telepático com aquilo. Para fortalecê-lo, foque nos seus sentimentos em relação a este objeto ou pessoa. O melhor é começar com a imagem de Kalki, pois o Mestre envia energia e apoio para o que você faz em determinado instante, toda vez que você pensa nele. Ele sente a sua atenção. Isabel imaginou Kalki e ele sorriu para ela. Ele colocou sua mão na cabeça dela, e começou a transmitir para ela uma energia de cor branca, como leite, até preencher com sua aura o corpo

127 todo. Ela sentiu tranquilidade e uma leve sensação de deleite. Depois, ele tocou na região do seu terceiro olho e ela sentiu um clarão dentro da cabeça. Assim ele a ajudava a ativar o terceiro olho. – Quanto mais nítida for a sua visualização, melhor será o funciona- mento do seu terceiro olho, e melhor será a sua comunicação com o plano sutil e telepatia. Escute suas emoções toda vez que visualizar as imagens, elas trarão a informação sobre a pessoa ou situação na qual você se concen- trou. A intuição e a clarividência são as capacidades que você tem de ouvir o seu coração e seu corpo. Mais tarde, você começará a ver à distância e captar imagens simbólicas ou reais sobre o que certa pessoa faz e como vão as coisas em certo lugar. Quase todos os alunos vivenciaram um encontro especial com Kalki e sentiram o que era contato com o plano sutil. Após essa experiência astral, Isabel quis saber quem era o homem que ela vira em seus sonhos e como poderia contatá-lo. Ela contou para Ananda sobre seus sonhos. – Muito interessante – respondeu Ananda. – Esta pessoa deve ter ligação com você desde a vida passada, não na Terra, mas no além, onde você vivia antes de encarnar. Este homem conservou este contato e agora te ajuda. Mas é melhor você aprender a contatá-lo com a Padmini, porque ela é a clarividente. Kelti, Inna e outros alunos escutaram esta conversa e também decidiram ir a Padmini aprender esta arte antiga. Padmini vivia na floresta, em uma casinha pequena que construíra nas árvores bem longe do chão. A casa era fixada entre os troncos de gran- des pinhos, e uma escada pendurada dava acesso a ela. O grupo andava pela floresta, inspirando o ar úmido e fresco e admi- rando a natureza. Escureceu, e no céu apareceu a lua cheia. Na floresta, havia uma trilha que quase desaparecera. Na escuridão, eles ouviam como piava a coruja e uivavam lobos e outros bichos. Eles sentiram um arrepio. Finalmente, chegaram até a casa de Padmini e começaram a chamá-la. Ela olhou pela janelinha, abriu a porta que saia do assoalho, e jogou a escada. Dentro da casa, havia uma lâmpada de óleo, com uma luz fraca, que deixava o ambiente com o ar de crepúsculo. O vento balançava os troncos das árvores e a casa balançava junto, rangendo com seus paus de madeira. – Vocês chegaram na hora certa – disse Padmini. – A arte de sonhar tem de ser aprendida à noite.

128 – Por que você mora neste lugar e tão alto? – perguntou Kelti. – Retiro na floresta, na natureza, é um lugar ideal para a comuni- cação com o plano sutil. E para sonhar, é bom ficar em um lugar elevado mais longe do chão, porque o solo, como o corpo, bloqueia a ação das energias sutis e dificulta sair para o mundo astral. Padmini ligou um toca discos a pilha, uma música incrível começou a tocar e uma voz forte cantava “Tynbura”. – Esta música – disse Padmini – foi escrita por Kalki, especialmente para as práticas de sonho e xamanismo, porque Tynbura é a conexão entre o espírito de êxtase xamânico e o plano sutil. Para vivenciar um sonho lúcido, precisamos manter o estado consciente durante o dia, e não ador- mecer distraídos pelos nossos pensamentos. Mas até pessoas sem preparo específico, em um estado distraído, às vezes conseguem realizá-lo. Para isso, temos que conservar nossa energia sexual, não dormindo tarde, ou cansados. Também, é muito bom dormir sentado. Ela mostrou para eles os lugares onde eles poderiam sentar-se, meio deitados, e esticar as pernas. Os amigos sentaram-se. – Escolham uma posição confortável – disse ela – para que a cabeça não caia quando forem dormir, senão isso irá acordá-los. Concentrem-se naquilo que gostariam de visualizar e sintam suas emoções. Mantenha a concentração na região do terceiro olho. Inspirando, eleve a energia até o coração, e expirando direcione-a para a região do terceiro olho. Isabel con- centrou-se em Yan e começou a respirar. Ela sentiu um calor no coração e uma pressão entre os olhos, acompanhada por uma luz. Agora fechem os olhos e relaxem. Mantenham a sua respiração calma, como quando estão dormindo – disse Padmini. – Entrem no sono conser- vando a concentração. No começo Isabel sentiu dificuldade em adormecer, mantendo a sua intenção, mas logo ela conseguiu e encontrou Yan. Eles estavam perto de um lago maravilhoso, onde havia grandes flores de lótus cor-de-rosa. – Como você se chama? – perguntou Isabel. – Yan – respondeu ele. – Por que te vejo nos meus sonhos? – perguntou Isabel. – Nós éramos próximos – disse ele, olhando para ela com amor que irradiava de seus olhos azuis. – Quando eu morri, nós nos conhecemos no mundo do além, no mundo dos sonhos. Mas depois, chegou sua hora de encarnar e nós nos separamos.

129 – Você também encarnará logo? – perguntou Isabel. – Não – respondeu Yan. – Nós vivemos aqui há centenas de anos. Você chegará neste mundo maravilhoso antes. Então nada irá nos atrapalhar para estarmos juntos – disse ele. – De que depende quando uma pessoa vai encarnar? – perguntou Isabel. – Em primeiro lugar, do corpo sutil da pessoa. Se uma pessoa tem pensamentos desprezíveis e emoções destrutivas, seu corpo sutil torna-se fraco e ela encarna rapidamente. Se a pessoa cultivar estados elevados, pra- ticar yoga, ela vive mais tempo e até pode entrar no mundo dos anjos, onde pode escolher a hora da sua encarnação. Para isso a pessoa tem que ser santa, mas não no sentido em que os padres explicam. Também isso depende da posição das estrelas e da situação que a serviria de lição. Isabel acordou impressionada. Agora estava claro porque sonhava tantas vezes com este homem. Ela perguntou para Padmini: – Como posso vê-lo sempre? – Sempre é impossível – respondeu ela – porque em um sonho comum, você não tem controle sobre onde vai no plano sutil. Às vezes, você sonha com o futuro; são sonhos que predizem os eventos da vida. Às vezes, você sonha com o seu mundo interior. Apenas no sonho cons- ciente, lúcido, você pode concentrar-se de maneira que possa ver aquilo o que quer. Mas para isso tem que praticar com regularidade – disse ela.

Onde Deuses Nascem Mais uma vez em Shambhala, Yan agora percebia uma excitação incomum entre os seres de lá. Do centro da Galáxia Orilna, chegou uma notícia e o Sínodo dos Coordenadores do Planeta foi convocado com urgência para uma reunião. Rigden Gyeppo estava sentado no trono, em sua sala majestosa, e proclamou uma notícia boa: Meus queridos – pronunciou ele com uma voz grave que ecoava pela caverna – logo chegará o fim dos sofrimentos. Na Terra, começará uma época de formação da nova civilização, Governo Único. Este movimento começará com uma comunidade de famílias felizes no Tibete. Lá, num Lugar de Poder especial, haverá uma ecovila, onde os rituais antigos esta- rão lado a lado com as últimas conquistas da civilização, tais como acu-

130 muladores solares, painéis de fotovoltagem, aquecedores de água a vácuo, bateria solar e outros objetos ecológicos de uso diário. Mas não é o mais importante. O mais importante é que, nesta ecovila, nascerão superseres. Muitos grandes hierarcas querem nascer na Terra, para fazer dela um jar- dim florescente de bondade, amor e sabedoria. Os seres de luz que irão habitar o planeta, darão à luz os grandes Mahatmas como Buda, Cristo, Maomé, Krishna, El Morya, Mirra, Radha, e vários outros. Os monges superiores dos monastérios tibetanos irão criá-los, utilizando o método o qual foi empregado no ensino de Karmapa, Panchen Lama, Dalai Lama e Krishnamurti, que foi educado por teósofos. Tudo isso vai até a idade de 9 anos. Depois nós, os Hierarcas da Luz, iremos ensiná-los e para isso vamos nos materializar na Terra. O nosso irmão Kalki, no seu corpo físico, irá acompanhar a evolução destas gran- des crianças. Aos 21 anos, irão chegar à sua divindade e, com a ajuda dos extraterrestres verdes, irão derrubar o poder das trevas e formarão uma nova civilização de luz e amor onde não haverá guerras e violência, raças ou fronteiras, influências do mal, da mentira, doenças e outros pesares huma- nos. Mas há um problema – disse Rigden – que é encontrar e preparar os pais apropriados para estas crianças. Devem ser pessoas muito espirituais e puras. E agora, Kalki abriu a própria escola, onde irá preparar as pessoas para esta grande missão. A nossa tarefa é ajudar a atrair as almas de luz que poderão atingir o nível de sabedoria suficiente para conseguir encarnar os grandes Hierarcas. Agora, destes futuros pais depende o futuro do nosso planeta. Serão os casais mais felizes na nossa Terra. Que assim seja. Aum! – cantou Rigden com sua voz grave. Yan suspirou triste e olhou para Reya e Bhagavati. – Pena que nós ainda não encarnaremos na Terra quando isso aconte- cer. Senão, muitas almas tão boas poderiam ir para a Terra através de nós. Que felicidade para os pais ter filhos assim. – Mas tudo bem, iremos ajudá-los daqui. – disse Reya. Depois da reunião do Sínodo dos Coordenadores do Planeta, Yan com amigas foram até El Morya e perguntaram-no: – Por que tem de fazer uma ecovila especial? Será que as grandes almas não podem encarnar sozinhas? – É claro que as grandes almas encarnam na Terra, mas é muito difí- cil – respondeu El Morya. – Em primeiro lugar, os similares se atraem. Para que encarnem mais almas elevadas, os pais devem querer isso. Mas

131 eles não querem dar à luz a um Cristo ou um Buda. Eles acreditam que seu filho tem de ser do mesmo nível que eles, ou no máximo parecer-se com um artista ou político famoso. Ao mesmo tempo, o nível da espi- ritualidade deles é muito fraco e não conseguem atrair uma alma assim. Na ecovila, vamos juntar as pessoas mais espirituais da Terra, os sóis da humanidade. Por conta das práticas espirituais e estilo de vida saudável seu nível aumentará ainda mais. Também a criação é muito importante. No Tibete, onde as pessoas são mais espirituais e desejam das à luz uma grande alma, nasce maior número de grandes mentores. Mas mesmo lá, eles são encontrados, retirados dos pais e ensinados de uma maneira especial. Por exemplo, Karmapa, Dalai Lama, Panchen Lama e outros lamas e mestres. Há métodos especiais para seu desenvolvimento que os teósofos descobri- ram. Eles decidiram colocar uma pessoa igual a Karmapa para dirigi-los. Eles encontraram tal alma e, com a sua intenção, atraíram-na e criaram-na. Era Krishnamurti. Mas ele superou os teósofos em tudo; estes apenas liam e faziam teorias sobre assuntos espirituais. Krishnamurti tornou-se uma individualidade brilhante, separou-se deles e começou a ensinar pessoas usando a sua visão espiritual. Ele realmente tornou-se um Grande Mes- tre. Mas se ele ou Karmapa ou Dalai Lama não fossem ensinados desde a infância com este método especial, sua espiritualidade iria desenvolver-se não aos 16 anos, mas aos 60 e eles não poderiam dar tanta coisa às pessoas da Terra. – Por que agora na Terra existem quatro Karmapas? – perguntou Yan. – E parece que já encontraram o quinto. – Infelizmente, hoje em dia, isso virou política, como a espirituali- dade em si neste nosso século. Cada escola de budismo quer ser famosa, e isso é possível, caso tenha um Karmapa. Então, cada uma fabrica um Karmapa. Justamente por isso, iremos criar o local onde os Deuses nascem.

132 – Escutem agora uma saga antiga que irá esclarecer muita coisa em relação ao assunto. – disse El Morya. – Era uma vez, na antiguidade, um povo chamado Ganish, que era governado por um tirano terrível, chamado Yrl. Ele era um mago negro e realizava as vontades do demônio Gagtungr, que comunicava-lhe como poderia torturar mais o povo, indicava quem planejava uma traição contra ele, quem tinha pensamentos de fugir para livrar-se do tirano. Quando Yrl ficava sabendo destes pensamentos, ele pegava tais pessoas e as torturava até virarem inválidas, e deixava-as viver e sofrer para assustar os outros. Algumas destas pessoas eram cegadas, outras não podiam mais ouvir, e outras tinham seus braços ou pernas quebrados. Mas mesmo assim, a descontentação do povo crescia. Então Yrl teve uma ideia terrível: ele castrou todos os homens, e começou ele mesmo a fertilizar as mulheres, com a ajuda de Gangtungr, atraindo para seus ventres as cria- turas do inferno, os pecadores horríveis, estupradores e assassinos. Assim que alguma coitada engravidava, ele aprisionava-a em um calabouço onde batia nela, assustava e humilhava-a diariamente, para que dessa forma, as qualidades negativas atingissem o bebê, e que desde embrião ele crescesse como um covarde e canalha vingativo. Logo que o menino nascia, ele o tirava da mãe, para que ele não conhecesse o carinho e o amor, e man- dava seus servos criarem-no com ódio, raiva e crueldade. Quando nasciam meninas, ele as mandava para o vilarejo, para que crescessem lá e traba- lhassem, dando comida, roupa e todas as outras coisas necessárias para Yrl e seus servos. Mas o tempo passou e Yrl envelheceu. Não conseguia mais inseminar as mulheres. As pessoas oravam dia e noite para que ele mor- resse, e que eles ficassem livres deste terrível mal. Mas Gangtungr ensinou Yrl como conseguir um novo corpo. Yrl fez a alma de um dos seus jovens guerreiros sair e apoderou-se de seu corpo. Quando as pessoas souberam desta notícia, caíram em prantos, pois não sobrara mais esperança de livra- rem-se deste mal. Mas havia um velho sacerdote entre eles chamado Manu, e em uma oração, foi revelado a ele o plano da salvação. Ele tinha um anel mágico de pedra, que não deixava Gangtungr saber dos seus pensamentos. Ele juntou as pessoas e disse-lhes: – Sei como vencer o mal. Todas as mulheres que podem dar à luz e todos os homens que conseguem segurar uma arma que sigam-me. Desesperadas, as pessoas concordaram com esta decisão e seguiram Manu até um local montanhoso e frio, sem comida e sem muita esperança.

133 Quando os guerreiros de Yrl chegaram de cavalos no vilarejo, para buscar as mulheres, só encontraram lá crianças e velhos; assim que viram isso, voltaram e contaram tudo para Yrl. Ele pediu ajuda para Gangtungr que, por sua vez, viu que Manu levava as pessoas para o país Iv. Yrl com seus servos foi atrás deles, mas Manu e as outras pessoas já estavam perto de uma fenda montanhosa. Manu mandou os homens jogarem pedras e lenhas na fenda, até preenchê-la, e depois ficarem sobre seus muros, e de lá jogarem pedras nos servos de Yrl. Manu e as mulheres continuaram a caminho das montanhas. Os homens foram corajosos e por muito tempo seguraram os servos de Yrl, mas como só tinham pedras, pás e foices como armas, Yrl os matou e continuou a sua perseguição. Manu, então, chegara até o abismo, onde havia uma ponte que se conectava com a outra parte da terra. Eles atraves- saram a ponte e cortaram suas cordas, pouco antes de Yrl com seus servos pisarem nela. A ponte caiu, e Manu com as mulheres subiram as monta- nhas. Gangtungr queria encontrá-los, mas o poderoso espírito do lugar de Iv não permitiu, e o expulsou. Manu e as mulheres chegaram até a caverna do eremita Til, ao qual Manu resolvera pedir ajuda. Ele entrou na caverna de Til e contou-lhe sobre as atrocidades de Yrl. No final, ele disse: – Til, sei que você domina a grande arte de luta Sampô, que é capaz de matar o inimigo à distância, com sua energia. Ajude-nos a matar Yrl, nos ensine esta técnica. – Sim, domino o Sampô, mas apenas grandes guerreiros conseguem aprendê-lo por completo. Eu sozinho não sou capaz de vencer Gangtungr e Yrl. – Então – disse Manu – insemine as mulheres que vieram até você, e atraia para seus ventres as almas de grandes guerreiros que vencerão este mal. – Jurei celibato e não posso romper a minha promessa, senão as pes- soas perderão a fé na santidade dos monges. E os monges jovens podem cair em tentação, e com a desculpa de atrair almas boas, irão cometer for- nicação. – Isso pode acontecer, sim – disse Manu – mas vencer o mal é mais importante do que manter a imagem de eremita. A imagem não ajudará pessoas e fazerem o bem, acredito que é mais importante do que prender- se à tradição de santos. Além disso, esta tradição foi nos imposta pelos

134 bárbaros. Na antiguidade, quando o ensinamento de Inliranga ainda exis- tia, os santos, pelo contrário, tinham períodos em que suspendiam a sua castidade, para conceber grandes almas, para que houvesse mais pessoas espirituais na Terra e o mundo ficasse mais belo e puro. Os sacerdotes defloravam as moças depois do casamento, e atraíam a alma de luz do primeiro filho. Desde então, há sagas sobre as qualidades exepcionais dos primeiros filhos, em relação aos outros. Mas os bárbaros destruíram estes templos, em favor dos demônios e proibiram os rituais de Inliranga. Impu- seram o celibato a pessoas espirituais, para que o mundo fosse povoado por seres ignorantes e pouco evoluidos. Você mesmo sabe disso, Til. Eu te peço pra que suspenda seu celibato por um tempo e deixe as grandes almas nascerem para derrotar o mal. Til demorava com a resposta, meditava e orava. Após um mês, saiu da caverna e aceitou o pedido de Manu. Disse-lhe: – Para atrair as grandes almas, as mulheres devem fazer práticas espi- rituais junto comigo; isso não apenas atrairá a alma, mas irá ajudá-la a se desenvolver ainda no ventre. As mulheres com alegria e gratidão concordaram, pois cada uma delas queria dar à luz um grande e digno homem, para que seu povo não aca- basse e não degenerasse, até sobrar os repugnantes e terríveis filhos de Yrl. Nos períodos favoráveis, que Til calculava com a ajuda de muitos rituais sagrados, ele inseminava as mulheres em um antigo Lugar de Poder, onde havia ruínas de um templo, que fora construído ainda na época do nascimento da civilização, pelos grandes magos e a manifestação de Deus. Nasceram então guerreiros grandes e fortes, capazes de vencer Yrl. Desde a infância Til ensinou-os a arte Sampô, na qual atingiram a perfeição. Chegou a hora de Til desencarnar-se, pois seu corpo tornara-se fraco. Chamou os dois melhores guerreiros – Nar e Mila – e disse-lhes: – Nós três vamos morrer, para vencer Gangtungr nos corpos sutis, pois do plano físico isso não será possível fazer. Assim que matarmos e mandarmos para o inferno a alma de Yrl, os outros guerreiros conseguirão combater seus servos facilmente e o mal será vencido. E seu Irmão de luz, cavaleiro Gomun, tornará-se rei e sacerdote de seu povo. Explicarei a ele o que fazer com os filhos de Yrl, que ainda não cresceram e como criá-los da devida maneira.

135 Com isso, Til saiu do corpo; a sua carne ficou inerte na caverna e, até hoje, não pereceu. Nar e Mila jogaram-se do abismo, livraram-se de seus corpos físicos, e junto com Til entraram na luta contra Gangtungr. Vence- ram-no e mandaram a alma de Yrl para o inferno, estabelecendo, assim, a vitória sobre as forças das trevas. Yrl foi para o inferno, do qual tinha medo terrível, e lá ficou por um milênio, pagando por todo o mal que fizera. Vivenciou lá toda a negativi- dade que acumulara em vida, e sofria da própria raiva, avareza, crueldade e medo. Sentindo todas estas emoções sem parar, ele encontrava-se sozinho em um espaço vazio e obscuro, onde reinava um frio torturante. Apenas de vez em quando, da escuridão, vinham voando feios peixes com asas e mordiam-no, causando dor. Assim que passava a dor de uma mordida, aparecia outro peixe e o mordia em outra parte do corpo. Toda aquela dor, tanto física quanto espiritual, que causara em vida às pessoas, deveria ser vivencada agora na própria pele, em igual quantidade àquela que causara. A quantidade de dor era enorme. Apenas após passar por este purgatório ele poderia encarnar de novo. Ele ansiava e pedia para encarnar mais rapi- damente, nem que fosse um débil mental, ou um anormal, para poder sair deste purgatório.

136 Til deiraxa o seguinte mandamento: não é possível corrigir os filhos de Yrl com nenhum tipo de punição, nem prisão ou dor, isso apenas forta- lecerá sua convicção no mal. Mas, quando alguns deles fizerem mal, todos deverão orar por ele, ter compaixão como se fossem doentes, para despertar a consciência dele. Só assim é possível o resgate das almas perdidas, estra- gadas por Yrl com sua criação demoníaca. O mal daquela criação ainda permaneceu por um longo tempo entre as pessoas, até que começou a se despertar, nos filhos de Yrl, a consciência e o arrependimento pelos atos praticados e pensamentos – terminou a sua narração El Morya. Os amigos escutaram a saga com grande interesse, e ficou claro para eles como a concepção era importante, e também como era importante os pais serem, antes de tudo, pessoas espirituais, antes de copular e atrair a alma do filho. – Quero contar a todos sobre mais um segredo do mal. – disse El Morya. – Isso acontecera não apenas nos tempos antigos, mas acontece também nos dias de hoje. Após saberem sobre a inseminação em laborató- rios científicos, Stalin e Mao Tsé-Tung, sob o pretexto de experiências cien- tíficas, inseminaram mulheres com seu esperma. Isso atraía almas pouco evoluídas em grandes quantidades para o nosso mundo, e fortalecia a ener- gia destes líderes. Seus filhos os alimentavam com sua energia, porque os filhos e os pais são conectados energeticamente, mesmo sem saberem disso, e a energia dos filhos vai para seus ancestrais. Por isso, antes, os governado- res possuíam enormes haréns, e tinham vários filhos. É claro que eles não

137 eram reconhecidos como herdeiros, mas eram doadores de energia para o governador. Isso explica por que cada homem, inconscientemente, quer que todas as mulheres engravidem dele. Mas essa energia vai principal- mente para o homem. O organismo feminino destrói-se durante o parto. A mulher é feita de uma maneira que ela doa sua energia para o filho, e para aqueles homens que já estiveram com ela, especialmente se ela se lembra deles com sentimento. Se os homens eram fracos e não dignos, em troca, a mulher recebia apenas sua sujeira energética e suas fraquezas. Se ela está conectada emocionalmente com um homem espiritualmente forte, ela recebe sua ajuda e apoio, no nível sutil, em troca da energia que lhe dá. Yan perguntou para El Morya: – E o inferno é igual para todos ou é diferente? – O inferno é muito diferente para cada um. Normalmente, os anjos olham que tipo de experiência útil a alma tem de receber no purgatório para tomar consciência de seus pecados, e colocam-na em certas condições com vários desafios. Por exemplo, alguns inquisidores que queimavam as “bruxas”, após a morte foram forçados a vivenciar as mesmas experiên- cias de suas vítimas. Eles passaram por sofrimentos físicos e espirituais da mesma forma que fizeram as pessoas na Terra passarem. Muitos inquisi- dores eram pessoas psiquicamente doentes, e quando torturavam pessoas, sentiam o proibido prazer sexual, maltratando mulheres. Como alguns deles eram monges, através do sadismo conseguiam satisfazer suas vonta- des reprimidas. No inferno, eles experimentaram os mesmos instrumentos de tortura que eram aplicados às suas vítimas e receberam a mesma porção de sofrimento.

Desertor – Paz para ti, Kadzhur – disse Yan, voando para dentro de sua pirâ- mide com as amigas. – Paz para todos nós – respondeu o sacerdote. – Mas agora estou com pressa para ir a outro lugar e não posso recebê-lo devidamente, apesar de vocês poderem vir comigo. – Para onde? – perguntou Bhagovati; – Para os desertores – respondeu Kazhur. – Para os desertores? – repetiu Reya. – Que interessante! Quem são eles e onde estão?

138 – São as pessoas infelizes que têm medo da encarnação. Eles se escon- dem no espaço entre as dimensões, e lá conseguem ficar por um tempo sem encarnar. Após chegar ao local, os amigos viram algumas formações parecidas mais com nuvens que com pessoas. – O que há de errado com vocês? – perguntou Yan. – Nossos corpos sutis estão se desintegrando – disse um deles, cha- mado Tez. – Por isso temos essa aparência. – E por que vocês não querem encarnar? – perguntou Bhagavati. – Lá na Terra, teremos um destino nada invejável. Eu vou ser um aleijado, e todos irão fazer piadas de mim. Nem poderei dar o troco. – E eu – disse Ibza – nascerei na África, onde haverá guerra cons- tante, e os soldados vão me humilhar quando criança e me estuprar. Irão infectar-me com HIV. Em seguida, serei violentada pelo próprio marido. E o pior é que não haverá nenhum mestre espiritual próximo, e nós não encontraremos a saída dessas situações. Haverá apenas sacerdotes degene- rados e charlatões, que serão incapazes de nos ajudar. Eu vou sofrer sem saúde por muitos anos e morrerei lenta e dolorosamente. – Mas se esta é a vontade de Deus – disse Yan – significa que Ele vê que vocês precisam destas lições, para terem as experiências necessárias. – Eu não acredito que Deus dirige tudo isso, pois há muito mal e mentiras na Terra, e tão poucas oportunidades de encontrar uma saída. O diabo reina lá. Não tem como não perceber isso; só de olhar como é inútil a vida da maioria das pessoas, por causa do medo e o dever que lhes foram impostos. – Vocês não estão certos – disse Kadzhur. – O sofrimento em si faz a pessoa ser mais madura e sábia. Deixa sua visão mais sóbria e ajuda você a enxergar tudo como realmente é, não se entregando só a coisas agradáveis e prazerosas. É uma verdadeira escola. Não é por acaso que dizem: um que já apanhou vale por dois que nunca apanharam14, porque por meio destes sofrimentos, a pessoa torna-se mais sábia e menos egoísta, para de se orgulhar desmerecidamente e de viver em tolo estado de demasiada auto -apreciação. Ela começa a entender melhor aos outros que sofrem também. Uma empatia desperta-se nela, pois quem acabou de comer não entende um faminto. Quanto menor for o ego, a separação e o parasitismo, mais a pessoa aproxima-se de Deus, da dissolução completa no divino. Os anjos,

14 Provérbio Russo

139 por exemplo, não precisam encarnar, mas eles querem ir para a Terra somente para poder ajudar as pessoas. – Mesmo assim, não acredito que precisamos deste sofrimento! Deus nos abandonou! Tantas pessoas oram para Ele, mas Ele não responde suas orações, pelo menos a sua maior parte. Ele nos deixou para sermos tortura- dos pelos demônios, e eu não concordo em viver assim! – disse Tez. – Isso acontece – explicou Kadzhur – porque as pessoas pedem: “Faça com que duas vezes dois seja igual a cinco, ou sete”. Mas isso é impossível, por isso Deus não responde. Se elas pedissem: “Deus, ajude-me a mudar, de forma que eu seja feliz, alegre, que permaneça na Tua graça apesar de tudo”, Ele responderia com certeza. Se a pessoa orasse pelos outros, diga- mos, pedisse a Deus para dar-lhes sabedoria para não procurarem outro destino, ou um consolo, mas sim um desenvolvimento, e para vivencia- rem, sem motivos externos, amor, graça, alegria e inspiração, Deus iria ajudar a esta pessoa ainda mais, pois não pediu só para si, mas pelas vidas dos outros. Mas muitas vezes, a pessoa segura o carvão quente, e ao mesmo tempo, lamenta pelas queimaduras, mas não quer desistir do próprio sofri- mento. Como Deus poderia ajudar no caso? Só se soprar no carvão, para que a dor torne-se insuportável e a pessoa, enfim, abra mão. – De certa forma você tem razão, Kadzhur – disse-lhe Ibza – mas lá, iremos esquecer-nos de tudo e não saberemos de nada, não teremos uma saída nem escolha, iremos rezar para que duas vezes dois seja cinco. Não terá um mentor por perto, e mesmo que tivesse, não iríamos acreditar nele, pois não o distinguiríamos dos padres comuns e charlatães. Talvez, ao final da vida, entendamos alguma coisa, mas será tarde demais. Agradecemos a ti pela participação no nosso destino, mas ficaremos com a nossa escolha e permaneceremos aqui. – Mas isso vai piorar o seu destino – disse Yan – porque vocês visam o egoísmo, querem viver como parasitas ao invés de servir pessoas, assim seus sofrimentos irão prolongar-se. – Sim, somos assim – respondeu Tez – e ficaremos com a nossa opi- nião. Se quando encarnar, eu tiver coragem e esperteza suficientes, irei me suicidar. Cansei-me desse jogo de Deus; Ele resolveu nos torturar por todo este tempo e eu não concordo com isso. Os amigos ainda conversaram muito com os desertores, mas não conseguiram convencê-los e então voltaram para o seu mundo.

140 – Samsara é demorada para um tolo, assim como um quilômetro é para um perdido – com tristeza disse o sacerdote – não é qualquer um que entende as palavras, a maioria só aprende com a própria vida. É por isso que existe a Terra com seus sofrimentos. Apenas a experiência pode ilumi- nar a mente de pessoas assim. É por isso que os mestres que têm poucos alunos, explicam tudo usando apenas palavras – disse Kadzhur. – Sim, infelizmente, não são todos que estão prontos para aprender a verdade – suspirou Yan, que lembrou-se de como não se tornara um discípulo de Kalki, embora Deus lhe desse tantas oportunidades para isso.

Rajá. De volta à pátria Em uma cidade indiana falecia um mago velho, que também possuía o título de Rajá. Em volta dele juntaram-se seus discípulos, suas esposas, seus parentes e os servos. Ele tentava não conversar muito, pois vários deles estavam interessa- dos em seu dinheiro, e os que não estavam, haviam partido para o mundo melhor antes. Rajá era irmão de Bhagavati e ela, junto com amigos, foram encontrá -lo no plano sutil, embora não houvesse necessidade, pois o mago conhecia bem o além. Mas Bhagavati resolveu ir buscá-lo. Havia um tempo que ele não se levantava, então passava os dias na cama e dava mandamentos a todos. – Não se preocupem comigo – disse ele às suas esposas – pois logo nós nos encontraremos lá e estaremos juntos de novo. Isso já aconteceu várias vezes antes. Continuem a realizar as práticas espirituais, e entra- rei em contato com vocês por meio das sessões espíritas. Urusvati é uma boa médium, e através dela poderei conversar com vocês, pois irei vê-las o tempo todo. Muitos parentes gananciosos irão invadir a minha escola, e vão querer apoderar-se dos meus bens, mas vocês fiquem juntas e não acre- ditem em nenhum deles, apenas continuem o que fora começado. – Não, Rajá, não vá embora! – Chorava Prithvi. – Não saberemos o que fazer sem você! – Não estou indo embora, estarei sempre por perto. Deixarei apenas este corpo velho e doente, que me é tão inconveniente. Rajá chiou e começou a sufocar-se. – Doutor, chamem um doutor rápido! – gritou Rainica.

141 – Não, não precisa fazer nada – com voz rouca disse Rajá – deixem- me ir com tranquilidade. Seus olhos fecharam-se para sempre. O zumbido nos ouvidos, uma passagem por um espaço estreito, e ele agora estava perto do teto de seu quarto. – Oh, Bhagavati, você veio para me encontrar?! – Disse Rajá. – Irmão, estes são meus amigos: Reya e Yan. – Muito prazer! E eu finalmente terminei mais um sofrimento de encarnação. – Se Deus quiser, o último – disse Bhagavati. Rajá olhou para ela, balançando a cabeça. – Veremos – disse ele. – Alguém precisa encarnar para ajudar pessoas neste inferno – disse ele, apontando para a Terra. Acima de seu corpo, suas esposas estavam inconsoláveis, e seus discí- pulos estavam cabisbaixos. Só o velho mordomo, aproveitava-se da situa- ção, e agora entrara no escritório à procura de dinheiro e objetos de valor. – Ah, coitado – disse Rajá – ele ainda não entende que a riqueza depende do estado mental de uma pessoa. Toda sua vida ele foi um men- digo, e assim morrerá. Os amigos riam observando ele vasculhar os armários e olhar para trás toda hora com medo. – O dinheiro flui para uma pessoa digna, e ela não precisa roubar. Ele apenas mostra sua insignificância e não entende que ela é sua maldição. A grandeza da alma é uma joia verdadeira, que permanecerá com a pessoa após a morte. A jovem amante de Rajá estava sozinha, longe dos outros, perturbada com o pensamento de com quem ficaria agora. Rajá olhou para ela e balançou a cabeça. – Realmente a natureza lhe deu uma tarefa nada fácil: precisa neces- sariamente existir para alguém, envolver-se com alguém e encontrar um objeto para sentimentos. Só falta agora ter o conhecimento para não esco- lher um canalha ou mentiroso, dos quais o mundo está cheio. É provável que encontre um vagabundo que finja ser um ministro. Vários tolos hoje em dia acreditam que sabem de tudo. Somente um homem sábio diz que não sabe nada. – Olhem! – Disse Yan. – O mordomo pegou o dinheiro e está fugindo.

142 – Ha-ha-ha – riu Rajá – em alguns anos, assim que ele voltar, vou perguntar-lhe: “Cadê meu ouro? Conseguiu trazê-lo para o além?”. Ele dirá: “Não, isso não foi possível.” E eu lhe mostrarei uma úlcera em seu corpo sutil: “Foi possível, sim. Aqui está ele”. As esposas pareciam inconsoláveis. – É sempre assim – disse Rajá – o coração de uma pessoa nunca está pronto para a despedida, não importa o tempo gasto para preparar-se para ela. A nossa vida é assim, nada é eterno. Deus dá para depois tomar, mas não para sempre – notou ele. Rajá olhou para um discípulo dele chamado Ganesha, que pensava: “O Mestre se foi e eu devo ser o principal agora. Ele disse que o conselho dos discípulos deveria tomar conta da escola. Mas isto não é justo. Se eu conseguir convencê-los do contrário, fazê-los acreditar que eu sou o mes- tre, criarei a minha própria escola”. – Mais um bobão. Olhem para ele – apontou Rajá para o discípulo – ele está cheio de egoísmo e orgulho. O que conseguirá criar desse jeito? – Só se for uma escola de desenvolvimento da sensação da própria importância – riu Reya. – Mais um guru-bobão – disse Yan. – Não conseguiu fazer nada antes, e acha que agora que o guru faleceu vai conseguir. Se realmente pudesse, teria aberto a própria escola há tempo, mas ele só se escondia atrás do Rajá, esperando um momento conveniente para ficar com a escola para si. Muitos discípulos estavam em desespero e dúvida. Preocupavam-se que sem o Rajá não conseguiriam progredir na sua evolução. – Estou aqui; como eles não entendem – Raja lamentou. – O impor- tante é a vontade deles de se desenvolverem e se sintonizarem comigo. Agora, estou ainda mais perto deles do que quando estava dentro do meu corpo doente e debilitado. É claro que se eles se lembrarem de mim a cada seis meses, e só para resolver questões materiais, não poderei ajudá-los. Rajá olhou para si mesmo. O seu corpo sutil era jovem e irradiava luz. – Faz tempo que não passeio. Ultimamente, só ficava na cama devido à doença, mas agora voarei. E eles foram olhar o bairro onde Rajá gostava de andar enquanto ainda era saudável. Lá estavam as trilhas e praia que ele conhecia.

143 – Passear assim é até mais interessante – disse Rajá – não ficamos cansados, não passamos calor e nem frio. Embora de vez em quando faltem aquelas sensações, porque havia algo especial nelas, algo diferente e agora as coisas ao redor parecem-se mais com imagens. Mas, finalmente consigo enxergar bem; consigo ver um besouro ou uma partícula de pó a uma distância de 10 quilômetros. Que bom que estou no plano astral de novo. Rajá alegrava-se, aproveitando as oportunidades do corpo sutil e suas sensações. – Aqui está a areia onde brincava quando era criança. Ali está a minha escola. Lá eu aprontava com os professores. Como a vida pas- sou rápido. Enquanto vivia parecia uma eternidade. E meus professores nem estão mais lá. Quantas forças gastaram comigo para fazer de mim um bobo. Mas não caí neste engano e não os ouvi. – Olhem aquele ali! Quem será? – disse Rajá, aproximando-se da pessoa que procurava algo na lixeira. – Ah, é o nosso melhor aluno! Max! – O melhor aluno? – perguntou Reya. – Sim – respondeu Rajá. – Ele virou mendigo? – Como poderia ser diferente? – falou Rajá. – Com todo aquele ensi- namento tolo, que éramos forçados a aprender na escola apenas isso é pos- sível. Não é uma educação. Não nos ensinaram a raciocinar, a viver, mas apenas a decorar coisas totalmente desnecessárias na vida. Faziam de nós zumbis, para que tivéssemos medo de tomar iniciativa e fôssemos um reba- nho de ovelhas obedientes. Pois é, em um teatro, as decorações mudam e os atores ficam. Na vida é ao contrário, os atores mudam, mas as decora- ções permanecem. Na sala de aula, uma professora gritava com uma voz muito aguda, mandando os alunos ficarem quietos. – Olhem para isso! É assim que se ensina? O aluno aprende imi- tando. Mas imitar o que aqui? Uma criança tem de ter vontade de apren- der, deve-se despertar seu interesse. Assim as notas serão sempre altas. E o nosso sistema só cria perdedores e mendigos. Rajá reviu todos os lugares onde gostava de passear em vida. O cór- rego, onde o mato cresceu alto, desde a época em que ele o visitara pela última vez, andando com as pernas velhas que não o obedeciam. E agora, o mundo todo estava aberto para ele. Ele passou também na casa de um antigo discípulo seu, chamado Chucra, que o traíra havia tempo e passou a vida maldizendo o Rajá. Chu-

144 cra tinha muita inveja do Rajá e queria ser melhor que ele, mas não con- seguia. – Vejam este infeliz – apontou para ele Rajá. – Se ele quisesse real- mente ser um pouco parecido comigo, levaria energia positiva para as pes- soas, serviria a elas. Mas, ele só conseguia sentir raiva e imaginar como todos os meus alunos o seguiriam, quando ele maldissesse o meu nome. Mas o que ele poderia dá-los? Nada. Portanto, ninguém teria razão para segui-lo. Logo, ele saberá que eu faleci e, como convencera-se de que sou um vilão, irá pular de alegria. Sinto muito por ele, pois na próxima vida, de novo terá de resolver a lição de Deus, onde irão provocar seu orgulho e inveja até ele se cansar de ser um bobo. Rajá parou, como se ouvisse algo. – Amigos – disse ele – sinto que estão me chamando para uma sessão espírita. Vamos juntos? No castelo do Rajá, Urusvati fora hipnotizada, para que os outros, lá presentes, pudessem entrar em contato com ele. Mas todos estavam muito tristes e angustiados com o que acontecera, e o contato com o Rajá não se estabelecia. Rajá precisou repetir várias vezes: – Acalmem-se antes, depois vamos entrar em contato. Vocês não estão concentrados. O pensamento demorou até chegar à médium. Rajá sempre gostou de efeitos grandes, e agora foi para o mundo dos mortos, de cavalo branco e manta vermelha, que flutuava ao vento. Ele cavalgou para o seu castelo de diamantes, que cintilava com todas as cores do arco-íris. Seus discípulos e esposas correram para ele com alegria. – Estamos tão felizes de te ver, de novo estaremos juntos! – gritavam eles. – Queremos abraçar-te da cabeça aos pés! Eles pulavam e gritavam de alegria, que o Rajá havia voltado após uma separação tão demorada. Alguns deles estavam com ele há várias vidas, e encontravam-se em dois mundos; no físico quando encarnados, e no astral após a morte. Um sen- timento familiar havia entre eles. – Esperem, esperem – disse Rajá com alegria. – Também estou muito feliz de vê-los, mas deixem-me primeiro ver todos vocês e olhar os meus territórios. Deixei-os há tanto tempo que até esqueci como vivera aqui. E onde está Rahil? – perguntou ele buscando-a com o olhar.

145 – Ela encarnou há pouco tempo, mas esperou muito por você – disse Rubina. – Mahta, você mudou muito. Tornou-se linda e maravilhosa! Lem- bro-me como na Terra você sonhava em ser minha esposa, mas você era uma velha já. Agora aqui isso irá acontecer. Mahta chorou de felicidade. Entre outros apareceu Rada; um pouco mais afastado, estava o marido atual dela. – Quero tornar-me sua esposa como antes. – Não, Rada – respondeu Rajá. – Entendo que 70 anos seja muito. Mas olha quem você escolheu! Se você estivesse com um homem digno e depois viesse para perto de mim, eu aceitaria. Mas você grudou em um desmerecedor, só para não estar sozinha, só para ficar com alguém. Você rebaixou-se muito, e não te aceitarei como esposa. Rada caiu no chão e começou a chorar. O seu marido chegou perto dela e começou a consolá-la, desajeitadamente. – Saia de perto de mim, seu nojento – disse ela, empurrando-o, e foi embora. Ágata chegou para Rajá. – Rajá, estou tão triste que logo vou encarnar. Terei pouco tempo para estar perto de você. Dessa vez não tive sorte. – Não fique triste, meu amor – abraçou-a Rajá. – Fique comigo sem- pre, antes da sua encarnação, para que este tempo que nos restou passemos em alegria um com o outro. Ágata abraçou-o com carinho, como se tentasse absorver e sentir cada minuto perto dele. De longe Rajá pôde ver o vulto de Nando. – Ele não conseguiu lidar com inveja – disse Ágata. – Parece um rapaz inteligente – disse Rajá. – Mas agarrou-se ao seu ego, sua comparação masculina, de quem é maior – brincou ele. – Pode- ria atingir um estado elevado, em que todo seu egoísmo e o complexo de gênio não reconhecido pareceriam apenas ridículos a ele. Livrar-se-ia desta doença da sociedade sem espiritualidade. Ignis chegou a Rajá e caiu de joelhos. – Perdoe-me, mestre! Entendi que fui um bobo quando te abandonei! Eu ria de Chucra e Nando, e pensava: o que mais eles querem? Vivemos como no paraíso, viajamos para lugares lindos, você nos ensina, organiza

146 aqueles teatros divinos, que nunca havia visto antes. Mas o egocentrismo masculino chegou a mim. Para nós, homens, seria mais fácil aprender com você, se você fosse um asceta, assim não teríamos o que invejar e com- parar. Mas você é tântrico, possui tanto ouro e tantas mulheres bonitas. Nando e muitos outros foram aprender com você, na esperança de, após dominarem a magia, terem o mesmo sucesso que você. Mas esse era um objetivo tolo. Você ensinava que era importante distanciar-se dos padrões mundanos, das comparações, de quem tem mais e quem tem menos, e especialmente das mágoas e da inveja. Mas muitos não o entenderam. Não entendemos que todo aquele luxo era a situação criada por Deus para reve- lar a nossa abominação e, por meio disso, fazer nos livrarmos dela. E nós nos agarramos a este sentimento inútil, em vez de ganhar algo, perdemos tudo. No começo, tentava não pensar e não comparar, até ria daqueles que invejavam você. Estava muito bem e eu, o tempo todo passava com você, levava você para vários lugares, naqueles seus carros bonitos. E você era tão bom comigo, cuidava de mim, divertia-me. Então, você deu para mim e para Muta aquela tarefa de conhecer mulheres, porque a nossa inveja, na verdade, estava na nossa impossibilidade de fazê-lo; tanto eu, como Chu- cra e Nando. Muta, na época, vivia com Chunya. Ela era tão nojenta, que ele não conseguia fazer sexo com ela; ficava num canto, sobre um colchão sujo e masturbava-se olhando revistas pornôs. Você queria nos ajudar a sair daquele estado, mas éramos tão medrosos e fechados que o tempo todo ficávamos feito pombinhos, um perto do outro, e nos queixávamos de que não nos respeitavam e não mandavam mulheres para nos servirem. Chucra e Muta começaram a falar que tinham que sair da escola para tornarem-se homens de verdade. Eles saíram, mas não mudaram nada; os dois conti- nuam se masturbando na frente das suas miseráveis mulheres. Eu andei em seu carro luxuoso, mas não consegui chegar perto de ninguém. As prostitutas chegavam perto de mim, achando que eu era o dono do carrão e tinha muito dinheiro. Mas como não tinha nada, elas iam embora. Ao invés de aprender a conhecer mulheres, comecei a culpar você, pois você não me dava dinheiro para pagar as prostitutas. Mas que prática seria esta se eu fosse para um puteiro? Não haveria crescimento nem superação de mim mesmo. Sentia raiva de você, e estes pensamentos fizeram de mim um idiota, daqueles que eu imitava nas cenas do teatro que fazíamos. Deus fez uma brincadeira comigo. Eu identifiquei-me demais com a imagem de que eu deveria ter uma mulher. A minha irmã apresentou-me uma mulher,

147 que estava sozinha e com três filhos. Ela parecia ser jovem ainda e bonita, mas muito ingênua. Ela não viu que eu era um bobão, e que nunca vira- ria um papa Carlo15; não conseguia nem bancar a mim mesmo. Enfim, tentamos fazer sexo, e – oh céus – descobri que ele não levantava. Tenta- mos sexo oral e estimulantes sexuais, mas nada adiantava. Eu entrei em pânico. Identifiquei-me tanto com a imagem de eu ser como você e ter várias mulheres, que o pensamento de que eu era um impotente, tirava-me o sentido da vida. Aluguei, então, meu cortiço por seis meses, e com todo aquele dinheiro, contratei as três melhores putas, achando que a culpa era na minha parceira, e que com aquelas três iria dar certo. Mas nada deu certo. As prostitutas estavam um pouco bêbadas e eu, tão miserável puxando o meu pinto. No começo, elas até se continham, mas depois não aguentaram e começaram a rir da minha cara. Ao invés de me olhar de fora e rir junto com elas, eu fiquei com raiva de você ainda mais, procurando um culpado em todo lugar, menos dentro de mim. Eu ia aos médicos, mas sem resultado. Deus mostrou-me que, além do sexo, havia várias alegrias na vida, mas eu não queria saber de nada. Até escrevi uma carta para você, assinando com outro nome. Recebi em resposta: “Se não está com von- tade, não vá ao banheiro”. Aí não aguentei e enforquei-me. E só agora, no mundo dos mortos, entendi o quanto estava identificado com aquela imagem de quem queria ser, e ao invés de aprender alegria, fiz tempestade num copo d’água. Perdoe-me, mestre, quero ser seu discípulo de novo. – Não se aborreça, Ignis. O importante é que você entendeu isso agora. Talvez, os outros entendam também, parem de fazer papel de idio- tas, e comecem a aprender a viver. Perdão, sinto que estão me chamando de novo – disse Rajá e foi para a sessão espírita. Os discípulos e as esposas acalmaram-se e começaram a fazer pergun- tas através de Urusvati, que estava em estado de hipnose. – O que devemos fazer com o seu corpo? – perguntou Ida. – Antes eu queria ser enterrado no antigo cemitério da floresta – disse Rajá. – Mas agora, eu pensei que para vocês é bom não estar preso a um só lugar. Podem cremar-me e sempre levar a urna para onde precisarem. – O que fazer com a escola? – perguntou Azalea. – Muitas pessoas querem sair porque você não está mais. – Como não estou mais? – Disse Rajá. – Eu estou falando com vocês agora. Agora, estou muito mais perto de vocês do que quando estava dentro

15 Papa Carlo é o protótipo de Geppetto na adaptação de Tolstoy da história de “Pinóquio”.

148 do corpo doente de velho, e mais ainda, irei ajudar-lhes em seu desenvolvi- mento. O importante é que vocês o busquem. Fiquem juntos, mantenham a escola e façam este grande trabalho; a força e o sucesso de cada um está no trabalho conjunto. Separados vocês serão como todos, como uma escul- tura sem rosto, encontrando seu triste destino. Mas na escola, vocês terão um grande benefício para si, tornar-se-ão indivíduos, alcançarão grandes alturas de desenvolvimento. E depois de tudo, estarão aqui também; eu já reencontrei muitos dos meus antigos alunos. Em breve estaremos juntos. A nossa vida e o ensinamento continuarão por várias vidas. Concentrem-se nisso. É apenas um período curto de interação através do astral. Ele tam- bém é necessário e também foi planejado por Deus. Lembrem-se, estou com vocês – disse Rajá. Da Terra logo sumirei e deixarei o mundo Com esperança sairei deste lugar imundo Os inimigos fazem festa, mas isso não me toca mais Estou partindo e agora sei que não voltarei atrás.

Não aponte para o meu caixão Maldizendo-me, pois logo Também irá para o mundo do além Sem levar nada nem ninguém.

Sem oração fui enterrado Deitado sem uma cruz Um pau de madeira com uma plaquinha Mas eu digo “obrigado”!

Finalmente, acabou o prazo Da existência terrena Será que voltarei de novo Para aquele inferno, ó meu Senhor?

Ó Deus, em vida só respirava você, Não procurei deuses diferentes, E fui condenado por isso Pelos filhos da mentira.

149 Inúmeras vezes pequei Inconsciente, adormeci Mas nunca Te esqueci E nunca a Ti neguei.

Carreguei muitas dores, mesmo não sendo um herói Confesso do fundo de minha alma Que só uma delas até hoje me dói Que esse mundo a Ti rejeita.

Estou perante a Ti coberto de feridas Não vamos lembrar de pecados vividos Escute, Meu Deus, aquela Que pede por nós.

Rajá. A essência de todas as religiões. Em uma sala limpa e clara do castelo do Rajá, reuniram-se seus alu- nos. Urusvati passava-lhes conhecimento que recebera durante o contato mediúnico. – A essência de todas as religiões e ensinamentos espirituais – falava ela – é a seguinte: a primeira coisa, é que as pessoas quando vivem uma vida comum na Terra, sofrem. Segundo, é que há uma saída deste estado de sofrimento e uma oportunidade para nunca mais encarnar na Terra. Terceiro, é que esta saída é a busca de Deus, do estado elevado e positivo, do amor ao Criador e todas as Suas criações, da bondade, empatia, alegria e todas as melhores coisas. Quarto, é que o próprio Deus nos ajuda nisso, e quando caminhamos em direção a Ele, isso nos preenche de sabedoria e graça, e após a morte, nos dá a oportunidade de nos unirmos a Ele. Isso nos dá o estado mais elevado da felicidade e divindade. E para atingi-lo, precisamos sempre lembrar-nos de Deus, buscá-Lo, viver segundo Seus mandamentos, e sentir a Sua presença, concentrar-se Nele. Quinto, é que porém, as forças demoníacas, que agem sobre a Terra, criam sofrimentos e obstáculos, tanto dentro quanto fora da pessoa, na tentativa de demolir qualquer espiritualidade e evolução, por meio de violência ou engano. De todas as forças obscuras, a primeira é o sono, o esquecimento: a pessoa

150 esquece a sua busca de Deus, esquece que queria desenvolver-se e que pre- cisa fazer as práticas. Urusvati tocou o sininho e perguntou se todos percebiam-se no “aqui e agora”, se todos lembravam-se de si e se sentiam o próprio corpo. Indra levantou a mão e disse que estava tão entretido com o assunto que até esquecera onde estava. Chiva também levantou a mão e disse que pensara nas suas coisas e não escutou as últimas frases. – Eis o estado de sono – disse Urusvati – apenas em um grupo de pessoas afins, que despertam um ao outro, é possível acordar e lembrar-se do seu objetivo. Yan com suas amigas e Rajá observavam os presentes. Rajá alegrava- se com o bom estado das pessoas e enviava luz, de um estado elevado, para cada pessoa presente. Os amigos cuidavam para que nenhuma larva pudesse entrar neste espaço sagrado. – A segunda coisa que atrapalha é a fraqueza, a falta de esforços, de conexão emocional com a tarefa. A pessoa realiza tudo “nota 6”, automa- ticamente, e não consegue um resultado. Um grupo sempre ajuda as pes- soas, mostrando positivismo uma à outra, cultivando a vontade comum de atingir um objetivo, e ajudando àqueles que perderam a fé e o estado elevado. – Terceira coisa, são as influências da Terra. A pessoa identifica-se com poder, fama, riqueza, família. Também, diferentes forças destrutivas, que agem contra movimentos espirituais, tais como seitas, charlatães, men- tirosos que buscam destruir o estado elevado da pessoa, quando ela está próxima de Deus, e preenchê-la com negatividade, obscuridade. No caso, a própria pessoa não deve cair nessas e pedir ajuda para aqueles que são espi- rituais; além disso, deve manter-se atenta às coisas que costumam levá-la para o mau caminho, e ao seu estado. No caso, um grupo de pessoas afins também ajuda muito. Nesta hora, Ganesha juntava todos os discípulos mais desconfiados e tentava, de todo jeito, passar uma imagem negativa da escola espiritual do Rajá, cortar todos os seus contatos com ela, atrair toda a atenção para si e instalar o seu poder sobre eles. – Olhem só! – gritava ele. – Rajá os enganou! Ensinava estilo de vida saudável a todos, mas ficou doente. Falava da juventude, mas envelheceu!

151 Falava que era um mago, mas morreu! Pegou seu dinheiro e sumiu; e agora, não poderão recuperá-lo! Ele é um charlatão que simplesmente usou vocês! – E você não vai morrer? – perguntou Putra. – Eu? Claro que não! Sou imortal, não vou envelhecer, nem ficar doente e farei vocês serem assim também. Rajá não está mais entre nós e seus discípulos estão enganando vocês. Eles não sabem e nem entendem nada. – E como devemos nos desenvolver agora? – perguntou Charara. Ganesha ficou pensativo. Além das coisas que Rajá falava, ele não sabia nada, e até aquilo que aprendera havia esquecido. Ele disse: – O importante é vocês estarem sob a minha proteção. Apenas escu- tem-me e eu farei tudo por vocês. Não se comuniquem com os discípulos do Rajá! Mudem os números de seus telefones e seus contatos na Internet. E se os virem na rua, fujam porque eles trazem o mal. Rajá observava esta situação junto com amigos. Eles viram como um polvo gigante cravara-se em Ganesha e ditara pensamentos do mal. Viram como, na alma dessas pobres pessoas, apagaram-se as luzes de esta- dos sublimes; como as luzes que as conectavam com a egrégora da escola haviam sido cortadas; como as larvas começavam a ser atraídas pelo estado triste deles, e lesmas, aranhas e percevejos repugnantes pousavam em um e depois em outro. – Meu Deus, como eles não percebem que o que ele fala parece um delírio? – disse Bhagavati horrorizada. – Será que eles não sentem como piora seu estado, como ficam mais negativos? – surpreendeu-se Reya. – Eles tornam-se vítimas das forças negativas – disse Yan. – Ele juntou só os bobões e pessoas propensas ao pensamento nega- tivo – disse Rajá. – Pena que estas pessoas acreditem facilmente nestas coi- sas e gostem de julgar os outros. Ele usou suas fraquezas e seus lados nega- tivos. Se eles acreditam que estão certos, por que desligar o celular? – disse Rajá. – Significa que duvidam de que estão certos e temem ser convencidas do contrário; terão que ficar com aqueles pensamentos negativos, aos quais se agarram tanto e que os afunda. É evidente que não é seu destino desen- volverem-se nesta vida; precisam sofrer mais um pouco, para adquirir mais sabedoria e aprender a distinguir o bem do mal.

152 Os Discípulos do Rajá começaram a fazer a prática “Tempo de Lágri- mas” e a partir do estado sublime, começaram a orar por aqueles discípulos que abandonaram a escola, para que Deus lhes desse consciência. Respirando inquieto, acelera o coração. Sintonize-se com o Mestre, Para que não haja distração.

Abra a porta para Deus, Deixe o Mestre te guiar Para que ele possa A sua alma abrigar.

O Mestre ilumina os caminhos seus. Aproveite esta chance de chegar a Deus. Se apresse em conhecer-se E chegando lá, Nele se dissolver.

Terá sabedoria logo Aceitando o Conhecimento, Atrás do Mestre caminhando, Seguindo sempre o seu destino.

Ó Mestre, te agradeço Pela felicidade de estar por perto. Não há mau tempo se o coração está aberto. Você é tão sábio e querido.

Passar a vida toda em sofrimento Vale a pena se depois Tiver a chance de entender em um momento A verdade, ver você e em reconhecimento Ajoelhar-me e perguntar: Quero me conhecer? E então responder: Sim! O meu sonho é unir-me a ti E elevar-me até você.

153 Que bom não precisar de palavras lá em cima. Todos os segredos da alma são vistos por você Sem preocupação nem medo Pois lá só existe amor. Em oração silenciosa eu aprendo Sobre o mundo Celestial encantador. E manifestar a consciência nele eu busco; Tudo entender no sofrimento. Lá no Ashram feito flores em buquê É fácil receber verdades Mas querendo manifestá-las no mundo Encontro obstáculos e grades. Mas você está por perto! Que alegria! Minha fé está mais forte. Minha consciência se amplia! E a clareza vem, já que eu sou você, Está em mim a união dos mundos Do centro do Universo, oriundos.

Sou suas mãos para realizar coisas, Você me guia com grande entendimento. Com sabedoria trata de todos os meus defeitos, Você os ama! E me ensina a esforçar-me, Em cada um crescer e superar-me E de repente vem a revelação Como resposta para a pergunta: “Por que estou aqui?” E neste instante infinito O meu espírito a ti já está unido. *** – Querido irmão, eu sei quantos inimigos você teve em vida – disse Bhagavati – eu, como pude, te ajudei, com meus amigos, a evitar o mal que eles queriam te causar. Mas perdoe-me por não ter conseguido te salvar de todos.

154 – Não se preocupe, querida – disse Rajá – tudo que tive em vida foram lições de Deus. Vivemos na Terra para isso. Quanto mais rápido aprendermos, mais rápido estaremos no amor e na graça de Deus. – Você irá se vingar agora do plano sutil? – perguntou Bhagavati – como você fez da outra vez quando seus inimigos te mataram? – Não. Claro que não. Na época, eu era um bobo, que não sabia que vingança, mentiras, ciúmes, mágoas e outros males me seguravam no sofrimento. É como a vingança infinita, sangue por sangue. Primeiro te matam, depois você mata, depois te matam de novo, e assim continua, até você entender que precisa sair deste círculo vicioso, para não encarnar mais no mundo da violência e da mentira. Embora tivesse que lutar contra meus inimigos e proteger-me deles nesta vida, eu orava por eles depois, e me esforçava em amá-los, para sair do círculo vicioso do mal. Porque “Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus. No amor não há temor, porque o temor traz consigo a piedade, e o que teme não é perfeito no amor; antes, o amor perfeito lança fora o temor.” Assim disse Deus. E eu quero estar mais próximo de Deus, pois é nisto que se encontra a verdadeira felicidade, que independe de tudo e de todos. Todos os dias, eu tentei fazer coisas boas, assim como dar esmola, recolher o lixo na flo- resta, ou ajudar os idosos. Fazia isso com grande amor, sem julgar ninguém – como por exemplo, estes mendigos sentados aqui, se fossem trabalhar seriam melhores, ou esses desgraçados que poluíram a floresta e eu é que tive que limpar. Assim, eu eliminaria todo o bem que eu fizesse, pois o bem deve partir do amor e fortalecê-lo dentro de nós. Não devemos fazer algo forçado, resmungando descontentes. – E o que significa “o que teme não é perfeito no amor”? – perguntou Reya. – É simples – respondeu Rajá. – Você, por exemplo, ama Yan e tem medo de perdê-lo, teme porque seu amor tem por base o egoísmo. Você o ama para si mesma, porque lhe agrada estar perto dele. Você o quer para si. E quando o amor perfeito vence o egoísmo, dissolve-o, somem os apegos, dependências, medo e ciúme. Ame o mundo todo, aconteça o que acontecer: a encarnação de Yan, a separação, ou a situação em que ele não te ame mais. Assim, você ficará sempre calma, e continuará a amá-lo, independentemente de tudo, e continuará a ajudá-lo no que puder. Você o amará como Deus nos ama. Por isso se diz: “Deus é amor”. Quando o ego some, você estará em Deus. E para que seu amor torne-se perfeito, expulse

155 toda a negatividade de seus relacionamentos com pessoas – ciúme, inveja e orgulho – para não pensar: sou uma santa agora, amo a todos como Deus. Isso também provém do ego. Ajudai-me a conhecer o amor e aprender a ter fé Para que eu pare de mentir e acabe com a dissimulação! Ajudai-me a viver a cada instante em graça, em pura paz Iluminando cada pensamento com a luz da compreensão

Ajudai-me a distinguir aquele Amor de desejos e medos Para fugir do crepúsculo com sua frieza Mas o coração sabe e sente que vem a liberdade Que fará com que a Luz seja parte de minha natureza.

A câmara criogênica Certa vez, na pirâmide de Kadzhur, chegou um homem acompa- nhado de uma multidão de parentes. Ele acabara de morrer. Tinham uma pergunta difícil. Ele estava muito preocupado. Quando os familiares lhe apresentaram Kadzhur, começou a falar rapidamente: – Meu nome é John Beton, e na Terra, eu tinha um câncer em estágio terminal. Sabia que ia morrer, e decidi congelar meu corpo numa câmara criogênica, na esperança de que a ciência avançaria, para então ser descon- gelado, revivido e curado do câncer, e assim continuar vivendo no mundo do futuro. Porém agora, que vim para cá, para o plano espiritual, não quero mais voltar à Terra e viver lá, não quero ser revivido. Não sei o que acontecerá comigo se os cientistas reviverem meu corpo: não sei se voltarei à Terra ou não. Nem imaginava que aqui seria tão bom. Aqui tenho minha família, e logo o restante de meus parentes se juntarão a nós. Yan olhava a situação com interesse. Ele mesmo estava curioso para saber a verdade. – Esta é uma pergunta difícil – respondeu Kadzhur de forma pensa- tiva. – Se apenas o seu corpo reviver, você não voltará para ele. Para trazer a alma de volta ao corpo, é necessária a influência de um poderoso mago ou xamã, ou que a pessoa tenha um forte desejo de retornar a ele. Se esse tal mago não fizer rituais especiais, você não voltará. E se naquele momento, você já tiver reencarnando, somente matando o seu novo corpo será possí-

156 vel devolvê-lo ao corpo anterior. Eu já vi casos assim de revitalização, mas na maioria das vezes, os magos colocavam espíritos inferiores no corpo, pois isso é mais fácil. E, claro, já não era a mesma pessoa, simplesmente havia um espírito agindo em seu corpo. São chamados de vampiros. Podem inclusive atacar as pessoas, tal qual animais selvagens. Tentam matá-las e comê-las, já que um espírito maligno geralmente tem hábitos animais ou de demônios, e é acostumado a alimentar-se de energia humana – e por isso mesmo as ataca, bebe seu sangue, se alimenta da sua carne, ou tenta causar algum mal, como costumava fazer.

Pirâmides Um dia, Yan e suas amigas, encontrando o sacerdote Kadzhur em sua pirâmide, perguntaram-lhe: – Por que em tempos antigos construíram precisamente pirâmides, e não outros templos? – A pirâmide é a forma ideal para a captura de energia – explicou Kadzhur. – Ela é orientada de acordo com os pontos cardeais e recebe o fluxo que existe entre os polos Norte e Sul, e também o fluxo decorrente da rotação da Terra entre o Oriente e o Ocidente. Além disso, a forma pira- midal ajuda a receber o fluxo que corre verticalmente entre o céu e a terra. O ponto mais forte fica exatamente na intersecção destes fluxos. Voemos até a última pirâmide ativa na Terra, que é o Monte Kailash. Sintonizando-se, os amigos imediatamente encontraram-se no Tibete. Yan desfocou o olhar e viu os fluxos mencionados por Kadzhur. A corrente mais forte fluía entre o céu e a terra, tanto no sentido descen- dente quanto ascendente. O descendente lembrava um pilar de luz, e o ascendente passava ao longo dos lados da pirâmide, e, em seguida, subia num redemoinho. “É por isso que os alpinistas são tão atraídos para o topo – pensou Yan – pois eles sentem este fluxo.” – Você está certo – aprovou o sacerdote – por isso, frequentemente, os templos eram construídos em topos de montanhas e colinas. Ao redor de Kailash, os peregrinos budistas faziam prostração. Olhando para eles com compaixão, Kadzhur disse: – Observem quão mecanicamente eles realizam esta prática espiri- tual. Ela deve ser feita de forma consciente.

157 Milhões de budistas realizam prostrações milhares de vezes ao longo de muitos anos. No entanto, quase nenhum deles atinge a iluminação prometida, pois todos o fazem mecanicamente, sem saber o significado profundo desta prática espiritual, que já foi esquecido há muito tempo. Nosso Mestre, possuindo uma visão espiritual, reviveu esta prática antiga, explicando-nos seu verdadeiro significado. Agora cada um de vocês pode, através dela, atingir a realização espiritual e ajudar outras pessoas, inclusive os budistas, a fazê-lo também, explicando-lhes como executar este ritual adequadamente. É melhor fazer três prostrações conscientemente do que mil mecanicamente. Não trará outro resultado senão fadiga física. – Então, o mais importante é a concentração e não o lugar? – resol- veu perguntar Yan. – Para um ritual é importante o ambiente: o templo, o Lugar de Poder, ícones, velas, incensos, música e roupas. Não é por acaso que para “ritual” existe outra palavra, que é “obriád”16, a qual provém do verbo ves- tir-se, pois usamos vestes ritualísticas. Tudo isso nos permite sair da per- cepção comum, e ativar a nossa essência sintonizando-se com o Divino. Os objetos pertencentes aos santos também podem ajudar a sintonizar-se. 16 Em russo significa ritual e provem do verbo russo obriajátsya (oбряжаться) que significa ves- tir-se.

158 – E faz sentido construir templos em forma de cúpulas? – perguntou Yan. – Sim, a cúpula também atrai bem o fluxo de energia vertical. Os extraterrestres de Sírius, por exemplo, tinham templos em forma de um hemisfério. Construíram um templo assim na Atlântida, quando deram início à civilização. Este templo foi destruído mais tarde, durante a queda de Atlântida. As coisas, bem como as pessoas, reencarnam, e agora chegou a hora deste templo, que existia em nosso mundo dos mortos, no mundo do passado, ser transferido para o mundo do futuro. Por enquanto, ele só possui o corpo mental, mas logo adquirirá outros corpos. Quando os astros no céu estiverem dispostos corretamente, começará a sua encarna- ção. É como uma nuvem: todo fenômeno começa com uma ideia, um fantasma – como as nuvens fibrosas, brancas e finas, chamadas Cirrus. Mas quando a ideia aparece nas mentes dos seres que vão implementá-la, ela se enche de emoções e, com a energia deles, adquire corpos mais densos. Assim, uma nuvem cinza se transforma em uma nuvem preta, fica corpori- ficada e cai à terra sob forma de chuva – é um processo de materialização. Os companheiros voaram então para o mundo do futuro, e lá viram formas, um tanto vagas e enevoadas, de coisas e eventos por vir. – É por isso que é difícil ver o futuro – disse Kadzhur – pois muitos de seus eventos ainda não estão elaborados e ficam nos planos mais sutis. Muitas vezes, o futuro nos é mostrado nos sonhos, de forma simbólica. Desceram, então, para camadas um pouco mais densas, e viram obje- tos e eventos mais distintos, preparando-se para a encarnação. – Lá está ele, olhem – articulou Kadzhur, apontando para o majes- toso esboço do templo. – Oh, que milagre! – exclamou Reya. – É maravilhoso – disse Bhagavati. – De quem será esse templo? – perguntou Yan. – Deus invocou Kalki para construí-lo. Será o templo de todas as religiões. Depois de apreciar o interior do templo, sentiram um encantador estado de graça e paz, o mesmo que vivenciaram no mundo dos anjos. Kadzhur sugeriu que rezassem nele e discorreu sobre a arte da oração. Depois de orar, entraram em um divino estado iluminado e, perma- necendo nele por um longo tempo, não queriam deixar este lugar esplên- dido.

159 Escravos de ilusões Uma vez na pirâmide de Kadzhur, os amigos falavam sobre o perigo de criar ilusões. – Entendam – disse Kadzhur – a mente humana, doente no processo da vida, cria várias ilusões que são apoiadas pelos preconceitos terrenos. A pessoa tem que viver com tudo isso até após a morte. A princípio, o ser humano ainda não desenvolveu a consciência, e vive em um mundo ilusó- rio satisfazendo-se com a própria imaginação ou sofrendo por causa dela. As pessoas não enxergam o mundo real, pois o mundo oferece seus padrões de visão a todo o tempo. Todos estes slogans, moda e avaliações dos cientis- tas e políticos, nacionalismo: tudo isso é uma distorção da percepção real. – Muito interessante – disse Reya. – Mas como uma pessoa pode viver em uma ilusão criada por ela? – perguntou ela. – Vamos ver agora. Há alguns coitados que criaram seu mundo no plano sutil, antes de morrerem e vivem nele agora – disse Kadzhur. Os amigos manifestaram-se no inferno, onde um monge sofria terri- velmente por causa dos fantoches de demônios que o atacavam. Kadzhur criou uma redoma de proteção em volta dele, e agora “os demônios” não conseguiam passar por ela e atingir o monge. – Você tem que entender – disse o sacerdote para ele – que você está livre! Não há necessidade de sofrer no inferno que você mesmo criou em vida. Estes demônios são fruto da sua mente inflamada. – Não! – gritou o monge. – Sou pecador! Sou pecador! Bem feito! Estou pagando pelos meus atos! Saia Satã! – gritou o monge para Kadzhur, crente de que o sacerdote o instigava, para depois vender sua alma ao diabo. – Você não é um pecador. Você é um tolo – disse Kadzhur a ele. – Você criou a ilusão do inferno e convenceu-se de que deveria sofrer para sempre. – Não! – gritou o monge. – Saia Satã! Saia! Os “demônios” conseguiram entrar pela redoma de proteção, e atraí- dos pela vontade do louco, começaram a torturá-lo de novo. – Sim – disse Kadzhur – este fanático não tem jeito. Mas há pessoas que se aprisionaram no paraíso ilusório, criado por meio da visualização no plano sutil, no nível onde nós vivemos. Este paraíso não tem nada a ver com aquele onde os anjos vivem.

160 – Que interessante! – Exclamou Bhagavati. – Realmente, os milagres do plano sutil são inesgotáveis. Estou aqui há um tempo e não paro de me surpreender. De repente, os amigos manifestaram-se entre estupas budistas onde, debaixo de árvores Bodhi, estavam vários budas e taras (mulheres-Budas). Em todos os lugares, dançavam dakinis, yamantakas e outros protetores do panteão budista, que pareciam uma animação tridimensional. No meio de tudo isso, um homem, vestido como monge budista, estava sentado e meditava repetindo o mantra. – Amigo – referiu-se a ele Kadzhur – vamos embora. Este mundo é o fruto de sua imaginação. Mostraremos a você toda a diversidade do plano sutil, e todos os seus habitantes. Deve ser entediante ficar o tempo todo cercado de yudames ilusórios. – Não. Deixem-me em paz, servos de Mara! – respondeu o budista. – Estou no paraíso Tuchita, criado por Buda. Renunciei ao mundo e a todas as coisas. Estou agora em uma realidade atemporal, imperecível – repetia o fanático. – O que você está falando?! – Protestou Yan. – Você está longe demais da verdade absoluta. Olhe para estes budas! Eles não são verdadeiros. Yan começou a sacudir os fantoches dos budas e outros yudames, que partiam em pedaços e voavam para o lados. – Está vendo? Eles não são reais. São fantoches criados por você no meio dos quais você vive. – Não, vocês não conseguirão induzir-me ao caminho da perdição. Estou no paraíso de Buda Amitabha e não irei embora daqui. – Você é um escravo de suas ilusões – disse Yan. Mas o budista parou de ouvi-lo e começou a repetir seus mantras. Os pedaços dos “budas” vagarosamente começaram a se juntar, tor- nando-se uma imagem tridimensional. Tudo voltou como era antes. – Vamos – disse Kadzhur – agora só uma nova encarnação o livrará desta miragem, criada pela mente doente. Irá demorar seu encontro com budas e yudames reais, que vivem nos planos superiores, na divisa com o mundo das formas, em um espaço sem formas. Irá demorar até que ele saiba que sua consciência é a única substância viva, que cria tudo, desde matéria rude ou sutil, sem a qual os corpos físicos e outros são apenas res- tos mortais. A consciência é uma centelha de Deus, o Atman. É ela que é

161 a base da vida. Tudo vive, move-se e existe a partir dela. Mas para ele, por enquanto, as imagens criadas pela mente são mais importantes. – E o que são yudames? – perguntou Reya. – São divindades – respondeu Kadzhur. – Cada uma delas reflete um aspecto do Absoluto. Digamos, desapego, sabedoria, amor, força, paciên- cia, libertação do passado, e muitos outros lados da realidade superior. – E os cristãos também tem paraíso inventado? – perguntou Yan. – Claro. A mente cria ilusões variadas, em que os fanáticos vivem após a morte, aprisionados nelas com seus apegos mentais igual a uma prisão. – Tive uma ideia! – exclamou Reya. – E se Yan fingir que é Cristo, e tirar aquele “pecador” do inferno? Li que Cristo já desceu para o inferno depois da crucificação, e salvou de lá vários pecadores. Aquele monge pode acreditar nisto, porque a ideia não contraria a sua visão do mundo. Iremos transferi-lo pelo menos a um paraíso inventado dos cristãos para que ele pare de sofrer. – Boa ideia! – Apoiou-a Bhagavati, pulando de alegria e batendo as palmas. Yan imaginou o próprio rosto como face de Jesus e tornou-se uma cópia dele. – Esperem, Jesus não pode estar vestido de camiseta e jeans – acres- centou Reya. – Ele precisa de uma túnica. Ah, o tênis também não pode. Ele usava sandálias – acrescentou o sacerdote. – Auréola! Esquecemos da auréola! – Com alegria gritou Bhagavati. Yan, transformado em Cristo, e as amigas em anjos, de novo voaram até o monge e, antes de tudo expulsaram todos os demônios com a força de sua intenção, imaginando-os em pedaços, que sumiram no ar. – Levante, meu filho! – Majestosamente disse Yan. – Vim do meu Pai para salvar-te. O monge caiu de joelhos e começou a fazer reverências para “Cristo”. – O Pai Divino enviou-me para salvar-te, pois teus pecados são redi- midos com o meu sangue. A partir de agora você viverá no paraíso – dizia Yan. O monge com lágrimas nos olhos começou a beijar a túnica de Yan. Os amigos pegaram-no e o levaram até um dos paraísos criados pela imaginação dos cristãos, onde havia vários templos e ouvia-se um coral de

162 belos anjos cantando. Havia flores e árvores, vários fantoches de Cristo e santos e acima, sobre as nuvens, sentava-se no trono Sebaot ilusório, der- ramando maná sobre todos. O monge começou a olhar tudo admirado, juntou as mãos em gesto de oração, repetindo sem parar: “Deus, tenha piedade de mim”. Os amigos deixaram o monge, encantado com as novas cenas, e apressaram-se para sair daquele mundo de animação. – Várias pessoas na Terra, principalmente doentes mentais, criam mundos assim, em que vivem a vida toda e continuam após a morte. E nem sempre é possível libertar tais pessoas das suas próprias ilusões, pois elas identificam-se com o mundo ilusório, como um padre com o incensário, e não querem entender que é apenas um sonho, uma miragem criada pela mente. Uns sofrem, outros se alegram, mas ninguém quer enxergar que tudo isso é apenas uma invenção da mente doente, um jogo da imaginação inflamada, uma criação das influências hipnotizantes. Até Deus é visto por cada um de maneira diferente. Um hindu vê Krishna ou Shiva, um cristão vê Jesus ou Jeová, um budista vê Buda. Cada um impõe o próprio padrão da percepção sobre a realidade. – E como podemos diferenciar um anjo verdadeiro ou apenas seu fantoche, ou até talvez um demônio disfarçado de anjo? – perguntou Yan. – Antes de tudo pelas suas emoções e sentimentos: se for um anjo verdadeiro sentirá graça, amor e clareza na sua presença. Um demônio irá transmitir um estado confuso, sonolento, negativo. Mas, isso só funciona quando a pessoa possui uma visão imparcial, com a mente quieta e sem clichês. Senão, pode se enganar e sentir graça perto de um demônio.

Ascenção de Kadzhur Muitos habitantes do mundo dos mortos juntaram-se para outra celebração de despedida de Kadzhur. Havia uma sensação de alegria no ar. Alguns reproduziam músicas maravilhosas, outros criavam fogos de arti- fício, materializavam chuva de flores e desenhavam belos quadros tridi- mensionais. Cada um podia expressar a sua criatividade dando alegria aos outros. O sacerdote estava cercado de parentes e pessoas próximas. Quando Yan soube da despedida, apressou-se para chegar lá com suas amigas.

163 – Então, grande amigo – disse ele – vai encarnar-se? Sentiremos sua falta. – Não, não irei encarnar – disse ele. – Então para onde vai? – perguntou Yan. – Manifestarei-me no mundo dos anjos, porque durante a minha vida terrena, desenvolvi corpos sutis. Agora todos os meus apegos e desejos humanos, que me prendiam neste corpo astral, estão se dissolvendo, por- tanto logo deixarei este corpo, e viverei como uma forma mental mais sutil. E quando o prazo desta acabar, irei até os arcanjos. E depois, chegarei até o nível divino. Mas, lá não estarei por muito tempo, pois não desenvolvi bem o corpo nirvânico, e não me despertei totalmente, e ainda não me encontro no Atman, na centelha divina do meu espírito, para poder unir- me a Deus para sempre. Então do nível divino, irei encarnar novamente. – Que interessante tudo isso – exclamou Bhagavati. – Então, após morrer aqui, você nascerá no mundo dos anjos e irá aproximar-se de Deus aos poucos? – Mais ou menos assim – respondeu Kadzhur. – Irei me livrar das camadas densas, como uma cobra deixa sua pele velha. Viverei em camadas mais sutis, nos níveis mais elevados. – Meus parabéns – disse Yan alegre – você está se tornando um anjo! – Isso acontece porque o seu carma é bom? – perguntou Reya. – Não; carma é a lei da evolução das tendências. Não é ligada a punição ou prêmio. Suponhamos que uma pessoa torna-se um homem de negócios, desenvolve o espírito empresarial e fica rico, com todas as consequências de tal destino, com todas as suas alegrias e tristezas, oportu- nidades e problemas. Se ele desenvolve isso de uma encarnação para outra, de um vendedor pequeno ele muda para um milionário. Mas, ele é sujeito a sofrimento como todas as pessoas. Desenvolvimento espiritual não é ape- nas a evolução de certas tendências, ou realização de atos bons, pelos quais é prometido o paraíso, mas o entendimento de todos estes mecanismos, e a desidentificação com eles. Quando uma alma se liberta deste mecanismo, ela se torna independente do carma, ou seja, de pensamentos, emoções, reações, pois não mais os obedece cegamente, mas, ao contrário, tem um controle sobre tudo o que acontece dentro dela. Uma pessoa comum é um fantoche de várias influências, começando por larvas energéticas e demô- nios, propaganda, e a própria criação dada pelos pais. Ela realiza o bem ou o mal, não agindo pela própria vontade, mas sob a influência de todas estas

164 forças. Seria até errado elogiá-la ou culpá-la por alguma coisa, pois não é pela própria vontade que a pessoa realiza, pois é um brinquedo nas mãos de várias forças e vontades alheias. Não importa se a pessoa realiza alguma coisa grandiosa ou comete um crime, ela não tem culpa do que faz, ou seria mais correto dizer, daquilo que é realizado através dela, enquanto ela dorme identificada com os pensamentos, emoções e reações alheias. Torna- se um anjo aquele que enxerga o jogo destas forças e resiste a ele, quem já parou de ser uma pessoa-fantoche, e virou o dono de si mesmo. – Que diferente! – exclamou Bhagavati. – Então, a pessoa não tem culpa do que faz, mesmo quando realiza algum mal? – Sim, em 90% dos casos é assim mesmo. A pessoa é dirigida não pelo próprio carma, mas pelo coletivo. Ela ainda não se tornou individua- lidade, não se separou dos processos coletivos inconscientes, e faz papel de um parafuso no mecanismo deles. Um anjo é aquele que enxergou isso e parou de fazer este papel de parafuso, aquele que desenvolveu a sua cons- ciência e força de vontade. – E por que você passa para o plano mental? – perguntou Yan. – Todos tem a mente. Mas, nós estamos aqui e não no plano dos anjos. – É certo que todos têm pensamentos – respondeu o sacerdote – mas dirigir a própria mente, quase ninguém sabe. A pessoa não consegue parar seus pensamentos. Considera como seu, qualquer pensamento, e não per- cebe que o pensamento é apenas um visitante na sua mente. A pessoa não possui o controle sobre a mente, não a vivencia. Geralmente adota padrões alheios, estereótipos, que capta das propagandas, opiniões. Apenas aquele que dominou a sua mente, desenvolve o corpo mental e consegue subir até o mundo dos anjos, pois não é mais influenciado pelo mal e deixou de ser o fantoche das forças obscuras. Sete bolas, das cores do arco-íris, desceram até Kadzhur, e todos entenderam que chegara a hora de despedir-se. – Você vai nos visitar? – perguntou Yan – sentiremos falta da sua sabedoria. – Claro, ainda nos encontraremos – disse Kadzhur, e com o gesto “Namastê” despediu-se de todos. Seu corpo astral ficou nesta posição, e uma bola da cor do arco-íris partiu dele, e junto com as outras, começou a elevar-se em direção ao céu.

165 Todos olhavam com admiração a ascensão do sacerdote para o mundo dos anjos, até ele se dissolver e sumir no céu. As pessoas ainda ficaram por bastante tempo em silêncio, impressionadas com esta cena majestosa. O corpo astral de Kadzhur ficou no mesmo lugar, feito uma múmia vazia, parecia um casulo do qual saíra uma borboleta. Yan lembrara-se de sua vida, e percebera que quase todas as suas ações eram o resultado de influências e imitação cega das pessoas que estavam ao seu redor, como fumar, usar drogas, ouvir certas músicas, seu relaciona- mento com Inna. Até o seu protesto foi uma imitação dos punks e outros grupos alternativos, no meio dos quais ele se encontrava. Quase tudo que ele fazia era dirigido pelas influências externas, e várias emoções negativas e tendências suicidas, ou seja, as larvas. “O que sou eu no meio disso tudo? Manifesto-me somente quando me separo de todos estes pensamentos, emoções, reações, padrões e desejos do corpo, estragado pela criação, que desde a infância absorveu as tendências doentias para a preguiça, gula, e satisfação imediata da luxúria. Quando me separo e observo isso de fora, o “Eu” verdadeiro aparece. Mas quando me identifico com as coisas ao redor, eu não existo, há apenas um fantoche, uma formiga no formigueiro, uma abelha na colmeia, dirigida pelo destino coletivo social, que não pertence a mim mesmo. Que horror! – pensou Yan. “– E eu vivi tanto sem perceber isso, achando que todos aqueles pensamentos, reações e atos sob a influên- cia de outros eram meus”. Ele imaginou que se tivesse nascido um esquimó ou pigmeu, seria outra pessoa, com uma personalidade totalmente diferente, com visão de mundo diferente, e outras reações influenciadas pela sociedade. Sem men- cionar como seria se tivesse nascido um animal. Viu como tudo que ele considerava ser ele mesmo eram apenas influências do meio onde nasceu e cresceu. Sentiu-se incomodado com estes pensamentos, e tomou a decisão de lutar contra estas influências e comportamentos de massa, que faziam dele um brinquedo, como uma massa de modelar.

Mundo de pontos luminosos Yan com seus amigos, sentado à beira-mar, parecia encantado com as ondas enormes da ressaca. O oceano era um ser vivo gigante, que sentia todos os seus habitantes e até saudou Yan e seus amigos, que contemplavam

166 a sua grandeza. Ele estava vivo, assim como tudo ao seu redor: as nuvens, o vento, a luz – tudo estava cheio de vida, vida essa que não é percebida na Terra pelas pessoas devido às suas concepções muito limitadas do mundo. De repente, ouviram um barulho atrás deles. Olhando para trás, viram que na clareira surgia uma nova árvore. Eles entenderam que ela havia sido movida para lá, de outra floresta. Ela se comunicava animada com as outras árvores que ali cresceram, e dançaram suavemente neste encontro com o novo habitante. Lá, ao contrário da Terra, as árvores e outras plantas tinham movimentos próprios e até mesmo podiam se loco- mover. Na Terra, só a alma da árvore é que podia se mover. De repente, ao lado deles surgiu Leyla. Ela parecia agitada. – De onde você veio? – perguntou Yan. – Vocês podem imaginar, há pouco eu estava num lugar extraordiná- rio, onde a vida não é assim, não é como a nossa. Ainda assim, temos feito nosso mundo à semelhança da Terra, e lá não existe nada parecido com o que temos aqui. – Vamos, vamos ver! – disse Reya. E imediatamente, todos se sintonizaram em Leyla, sendo transporta- dos para o local de onde chegara. Em um espaço escuro, absolutamente imensurável, brilhavam pon- tos luminosos dourados, surgindo sob diferentes ângulos, enfeites colori- dos volumosos, semelhantes a fogos de artifício. Eles flutuavam, brilhavam como um caleidoscópio, alternavam as cores, a forma, a profundidade no espaço. Ao mesmo tempo, surgiu um som maravilhoso, que fluiu e mudou as tonalidades. Ele era como que de várias cores, sons, melodias, algo seme- lhante a sinos e tambores. Este som era criado por todos os pontos lumi- nosos. Era a maneira através da qual eles se comunicavam. Cada ponto se entrelaçava numa harmonia geral, dentro do seu tom, seu som. No espaço, este som se parecia com uma cobra rastejante, formada de pedras preciosas multicoloridas, sendo que cada uma emitia um feixe de luz no espaço. A visão era fascinante. Os pontos luminosos eram cria- turas vivas, e eles perceberam a chegada dos visitantes em seu mundo. Foi quando, de repente, desses pontos luminosos, surgiram faces curiosas que olhavam para os recém-chegados. Uma delas se aproximou: – Eu sou El, saúdo-vos em nosso mundo! – disse. Outras também cumprimentavam Yan.

167 – Que interessante! – disse Yan. – Então vocês são pessoas assim como nós! E eu pensava que vocês não tinham nada parecido com gente. – Essas faces – disse El – nós criamos apenas para nos comunicarmos com você, para que lhe seja mais fácil entender. Para nós, faces são orna- mentos, como vocês viram – elas refletem a nossa personalidade. – E como é diferente o mundo de vocês! – disse Bhagavati. – Deus criou um número infinito de mundos, semelhantes ao do plano superior – disse El – onde um não é parecido com o outro. Mas a principal diferença entre eles está nos níveis: um, mais próximo de Deus, é mais sensato, mais sofisticado e mais abençoado, e outros, isolados, abri- gam maior escuridão. Mas o mundo físico, onde vocês estiveram, é um mundo mais rude e distante de Deus, onde tudo é o oposto de como foram construídos os mundos superiores. Em vez de onisciência – ignorância. Em vez de felicidade – o sofrimento, em vez de unidade – desunião. Uma vez, eu estive lá, e pensei que estava no inferno, e creio que deve ser assim para uma variedade do Absoluto. Lá, os amigos observaram um estranho fenômeno: no mundo dos pontos luminosos, voavam cogumelos com um rosto no chapéu, e carrega- vam uma pessoa em suas raízes, como um falcão que voa carregando a sua presa. O homem parecia um sonâmbulo e, apesar de seu olhar de louco, seus braços estavam abertos como asas de um avião. – O que é isso?! – exclamou Leyla. Os amigos perceberam que era um viciado em drogas, sendo carre- gado por diferentes mundos pelo espírito dos cogumelos psicotrópicos. – Sonhos e ervas alucinógenas – estas são as únicas maneiras que os terráqueos têm para viajar no plano superior? – disse Yan. – Não – disse El. – Vocês têm ainda os xamãs. Se uma pessoa não é um xamã, sua viagem é imprevisível. Não se sabe o conteúdo de seus sonhos, para onde a erva irá conduzi-lo: para o céu ou para o inferno. Assim, para viajar no plano superior, é preciso se desligar da sua percep- ção lógica, que ajuda você a interagir na sociedade, mas que é, ao mesmo tempo, como algemas que prendem o homem, como uma venda que o impede de ver tudo que vai além dos padrões do nosso mundo, os quais foram incutidos nele através da educação. Porém, um xamã se prepara com antecedência para aquilo que ele quer ver e mantém seu objetivo no momento da entrada em transe. É quando os espíritos vão conduzi-lo para o lugar certo. A pessoa normal não consegue se concentrar em sua tarefa,

168 entrar em um determinado estado, e com ela pode ocorrer qualquer coisa: como voar e saltar da janela, pensando que é um pássaro. Neste momento, Yan se lembrou do que aconteceu com ele quando foi a Amsterdam, e então começou a rir. Os amigos e os pontos luminosos também viram aquilo de que ele se recordava. Ele, em companhia de um amigo, voou para o aeroporto de Ams- terdam e ficou surpreso ao ver tantas pessoas como que perdidas, pessoas visivelmente sob efeito das ervas alucinógenas. Um rapaz se aproximou deles. Ele era russo, e perguntou como chegar ao registro de estrangeiros. Yan explicou a ele, porém o rapaz, já esquecendo o que ouvia, perguntava novamente a mesma coisa. Isto se repetiu três vezes. Então Yan perguntou- lhe: “Onde está a sua passagem e seu passaporte?”. Ele não conseguia responder. Foi quando Yan viu a ponta da passa- gem no bolso da camisa dele, mas não viu se ali também estava o passa- porte. “Eu tive que levá-lo ao registro de estrangeiros e fazer tudo por ele. Os funcionários estavam acostumados com esta cena, então já não era nenhuma surpresa para eles.” Em seguida, eles foram procurar cogumelos e viram que policias pre- paravam um cigarro de maconha; se aproximaram deles. Alguém do grupo conhecia o idioma, e perguntou aos policiais onde eram vendidas as dro- gas. O policial começou a explicar. Logo passou um carro por eles, eram seus superiores. Os policiais, tentando esconder que estavam sob efeito da droga, tentavam se posicionar normalmente. Pela janela do automóvel, alguém coloca a cabeça para fora: era o comandante deles, com aparência de insano, delatando estar visivelmente sob efeito de algo mais pesado, como LSD; e proferindo uma série de sons inarticulados seguiu viagem. Yan e seu amigo mal conseguiam conter o riso, frente ao absurdo da cena, embora já estivessem numa situação idêntica, após se fartarem de cogumelos: eles não entendiam onde estavam e nem o que queriam, a vontade era sair sem rumo pela cidade e se entregar às alucinações. Para eles, a cidade e as pessoas pareciam de plástico. Tudo corria e brilhava em cores diferentes, tudo parecia estar vivo. O mundo tornou-se uma entidade única, e eles falavam com árvores e casas. O corpo parecia coagular energia, já os pensamentos, como nuvens, entravam e saíam de suas cabeças. De repente, Yan sentia que não era realmente Yan, mas era Deus, que supervisionava as vidas de criaturas estranhas, cujo nome era Yan.

169 Sem saber como, de alguma forma, eles voltaram à vida pela manhã e decidiram que não iriam mais consumir cogumelos até ocupar seus assen- tos no avião, para não voar longe demais em suas alucinações. Não se sabe como eles conseguiram sair do avião. – Você sabe para onde devemos ir? – Yan perguntava ao amigo. Ele respondeu que sim. Entraram em um táxi. E ao ouvirem a per- gunta “para onde?”, o amigo disse que iriam para o Vasya. Yan mal se lem- brava o nome do bairro em que morava, e mesmo assim conseguiu entrar em contato com ele. “Eu não sabia como pagar o taxista, como também não entendia o que era dinheiro. Eu tirei alguma coisa da carteira e dei como pagamento ao motorista.” – pensava Yan. “Estando em nosso bairro, nos perdemos, não reconhecíamos nada. E somente quando os cogumelos diminuíram sua ação é que conseguimos entender onde estávamos, e caminhamos até a casa que, aliás, estava muito perto da gente.” Vagando pelo seu próprio bairro não estavam em condições de reco- nhecê-lo. Para Yan, parecia que ele estava em algum mundo misterioso habitado por criaturas bizarras; já a rodovia parecia um rio onde nadavam peixes coloridos. – Sim – disse El – isso não leva vocês a lugar nenhum. No mundo antigo, acreditavam que as ervas alucinógenas eram sagradas e eram usadas apenas em dias especiais, acompanhado de um ritual celebrado pelos sacer- dotes. Este ritual colaborava para que se tivesse uma atitude certa, e então o espírito das ervas ajudava a obter o conhecimento necessário para resolver um problema importante e revelar seus superpoderes. Um Xamã faz isso sem as ervas alucinógenas; ele entra em um transe, onde os espíritos lhe ajudam a chegar no mundo necessário e levar a cabo sua tarefa importante. Depois de admirar o maravilhoso mundo de pontos luminosos e se relacionar com seus habitantes, os amigos retornaram. – Quando inventaram o LSD – disse Leyla – os serviços secretos de vários países fizeram investigações secretas e descobriram que o LSD, como outras drogas, acabam com a aprisionamento da percepção, que foi imposta pela educação, e o indivíduo torna-se livre, liberto das algemas da visão ideológica convencional; porém, ele pode ficar descontrolado. É por isso que as drogas são proibidas em todos os países, uma vez que as pessoas começam ver a realidade de fato, ou seja, elas tiveram seus olhos abertos.

170 – Sim, não só os serviços de segurança – acrescentou Reya – mas os Papas também eram contra. Quando Timothy Leary deu LSD aos jovens sacerdotes durante a missa, eles começaram a ver Deus e se comunicar com ele. O Papa, de Roma, disse: “Se todos virem a Deus, então não existirá a necessidade de nós sermos mediadores entre Deus e o homem, o que será o fim do nosso governo”. Não é vantajoso para ninguém que as pessoas se livrem das vendas que cobrem seus olhos. – Sim, e não apenas as drogas – continuou o tema Bhagavati – mas também estão tentando proibir a meditação, o transe. Declaram que todas as filosofias espirituais são seitas, pois elas também conduzem as pessoas para além dos limites da visão estreita do mundo, as tornam felizes sem as habituais ervas, e elas conseguem manipular a sociedade, assim como um cão de circo. – Sim – acrescentou Yan – as pessoas podem ver os mundos maravi- lhosos e tudo como é de fato; para isso é suficiente desligar a mente que lhe foi dada pela sociedade.

Com os olhos de Deus. Posfácio Este livro é sobre a vida passada de Kalki, quando ele viveu na Índia. Ele descreve os seus Samadhi17, em que ele via o mundo com os olhos de Deus. Também são descritas práticas espirituais, muito incomuns, realiza- das com um círculo íntimo de discípulos. São também uma pequena parte das práticas da escola de Vijnana; aqui estão as mais esotéricas, que não são encontradas em outros ensinamentos. Elas são muito instrutivas e de grande interesse para as pessoas que estudam psicologia e desenvolvimento da consciência.

O primeiro Samadhi: Guerra Bhagavan Vijnana, sentado em sua solidão, sintonizando-se com Deus, começou a entrar em Samadhi. Superando sua separação ilusória, ele começou a se dissolver como uma gota em um vasto oceano. Embora

17 Pode ser traduzido por “meditação completa” e é sinônimo de quietude da mente.

171 a gota e o oceano sejam um só, Deus criou esta fronteira temporária, para que a gota, após um longo caminho de existência separada, depois de per- ceber esta ilusão, corra aos braços do oceano, deixando para trás sua limi- tação, tristeza e desesperança, alcançando grande liberdade sem limites, e graça, na qual existia originalmente. Ela volta enriquecida com as suas experiências de ignorância e miséria, vagando sem fim pelo labirinto da vida, em busca dos desejos-fantasmas, gerados como uma miragem, no deserto da incompreensão e visão distorcida da realidade. Ele ainda não conseguia fundir-se totalmente com o Absoluto, mas estava próximo. Ainda existia uma tênue linha entre ele e Deus. “Eu não existo, só há Ele. – Percebeu Vijnana no primeiro minuto de Samadhi – ainda assim, Ele cria esta pluralidade infinita de separações.” Um estado de grande amor e felicidade surgiu quando perdeu-se esta separação. Eles sempre existiram, mas agora esta fronteira sumiu e apare- ceram paz infinita e onisciência. O mundo inteiro de infinitas estrelas e galáxias na palma da sua mão. Desta vez, ele começou uma guerra como uma criança, brincando com brinquedos, ele brincava com o destino de cada uma das suas criações. Vijnana, sendo Ele, via tudo com Seus olhos, e ao mesmo tempo, com os olhos de todos os participantes desta cena. Uma impressão indes- critível, que desta vez Ele revelara a Vijnana. Os Doras e os Gosamyrs lutavam entre si. Mas as forças eram desiguais; os Doras traíam desonesta- mente o acordo, matavam o resto do exército dos Gosamyr. Então, seus rei e sacerdote foram mortos e os Doras correram para a cidade para saquear e estuprar, torturar e queimar os habitantes que sobraram de Gosamyrs. “Senhor, você deixou isso acontecer” – pensou Vijnana, sentindo um grande sofrimento, e ao mesmo tempo entendendo que era uma grande lição de Deus para todos. Como mariposa deixando o seu casulo, um após o outro deixavam seus corpos, os mortos em guerra, e subiam para o plano sutil; descobrindo que não havia morte, voavam para a luz de Deus, e agora viviam em cor- pos completamente diferentes: leves e sutis, movendo-se na velocidade do pensamento. Então, eles se aproximam da luz e da presença de Deus. Seus olhos se abrem, e enxergam a si mesmos e aos outros de forma mais realista. Surpresos, olham uns para os outros, os soldados de ambos os reinos ficavam cientes de que não eram inimigos, mas irmãos em Deus. Horrori- zados com o fato de que recentemente estavam prontos para matar uns aos

172 outros, agora em seus corações, ao invés de ódio, havia uma flor de amor, para todas as pessoas e criaturas de Deus. – Como assim? Fomos cegados pela raiva, que nos foi injetada, junto com mentiras, pelos capitães e sacerdotes. Nós não somos inimigos, somos filhos de Deus e irmãos uns dos outros. E começaram a abraçar uns aos outros, com lágrimas de alegria nos olhos. Apenas o sacerdote, queimando de vergonha, não se aproximava. Ele e todos viam como ele mentira toda a sua vida, quando dizia que os Doras tinham outro Deus, que só este Deus era verdadeiro, e só a Ele deve- riam servir, e aqueles que servissem ao Deus dos Gosamyrs deveriam ser mortos como hereges e infiéis. Os soldados olhavam-no com pena. Admirados pela compreensão do fato que Deus é um só, que não há deuses diferentes, os Doras e os Gosamyrs ajoelharam-se diante da grande luz e fizeram reverências. O sacerdote, em arrependimento, soluçando, caiu no chão, implorando pelo perdão do povo e de Deus, pela sua mentira; embora soubesse em vida, tinha medo, e para o bem do governador, mentia para as pessoas, acendendo nelas o ódio e a inimizade. Deliciava-se com a adoração do povo e veneração de si, embora agora enxergasse sua insignificância. Agora, ele poderia merecer apenas desprezo, por ter sido o pior de todos os homens, sabendo a verdade e ensinando a mentira. Como uma sombra cinza e escura, estava lá o rei, queimando de ver- gonha e dor pelas suas ações. Todos viam agora que o que o fazia ser rei, era a ignorância do povo. Seus antepassados eram acostumados com a ideia de que deveria haver um rei e que o reino deveria ser herdado. Mas era um engano, pois ele era uma pessoa como todas as outras, e ninguém tinha a obrigação de honrá-lo e obedecê-lo. Assumiu o reino à força, matando seu próprio pai. Quanto sofrimento e dor trouxera ao seu reinado, e quanto sofrimento e dor trouxera o seu governo para as pessoas! Quantos foram expostos à tortura e trabalhos forçados. Com grande tristeza, todos fita- ram-no, vendo a gravidade de seus pecados e seus erros. Afinal de contas, há apenas um governante, que é digno deste título – Deus. Todos os reinos pertencem a Ele. Mas para Ele não são os reinos, mas estes são como areia para uma criança que brinca, ou como uma amostra para um cientista que cria lições para seus alunos. Então, veio uma epifania, e todos viram a verdade e profundidade de seus delírios: quem mentia em vida, sobre o que mentia, quem odiava

173 ou tinha medo, ciúmes, caía em desânimo ou auto orgulho. Tudo isso era uma mentira e seus derivados. Era o resultado de um mal-entendido do verdadeiro estado das coisas. Eles olharam para a Terra, onde aconteciam assaltos. Guerreiros enlouquecidos, à procura de objetos de valor e moedas de ouro. Os mortos entenderam o valor inventado destas coisas, porque as pessoas inventaram considerá-las um símbolo de riqueza, mas eram apenas pedras e metais. A ilusão coletiva deu-lhes um valor incrível, fazendo com que eles se tor- nassem objeto de cobiça e inveja, a causa de roubos e assassinatos. Agora, eles olhavam para estas pedras como um adulto olha para conchinhas que uma criança recolhe e considera o seu “tesouro”, toda vez pegando uma por uma. Com grande compaixão, eles viam o sofrimento das mães, esposas e crianças, que achavam que haviam perdido seus pais, maridos e filhos para sempre, e não percebiam que eles estavam por perto, que eles estavam vivos, e que em breve todos se encontrariam aqui, na morada de Deus. Seus parentes já falecidos, estavam agora ao seu lado e alegremente os abraçavam. Parentes de suas vidas anteriores, dos quais eles se lembraram só agora, também estavam lá. Aqueles que ainda não encarnaram, acolhe- ram-nos com alegria, depois de uma longa separação. No entanto, todos olhavam com grande compaixão e piedade, para aqueles que ficaram na Terra, porque estes não entendiam o jogo de Deus. Cada um deles recebia a parte negativa da lição. Os mortos recebem a parte positiva, e na Terra, só as pessoas sábias, que conhecem o jogo divino, conseguem recebê-la, porque percebem-se como atores e espectadores do drama divino, e tentam aprender com cada situação que surge. Deus criou -as para que ganhassem a experiência necessária, para o crescimento da sua compreensão e sobriedade, para o conhecimento real de si mesmo e do mundo. Mas a maioria das pessoas que ficaram lá eram pessoas comuns, e não entendiam isso, e sofriam terrivelmente: mães e esposas choravam incon- soláveis. Crianças e idosos aterrorizados, sentavam-se observando como aqueles bárbaros enlouquecidos pela ganância, espancavam pessoas, tortu- ravam-nas, para saber onde ainda sobraram coisas de valor, como descara- damente comiam seus suprimentos e violentavam as mulheres. Olhavam para esses bárbaros, que não percebiam o sofrimento que causavam aos nossos irmãos e irmãs em Deus, de fato, aos seus familiares

174 de uma série de vidas passadas, que de algum modo eram próximos uns dos outros. Eles também têm que sentir a dor que causaram, agora no purgatório de Deus. O que eles têm para sentir são as terríveis dores de consciência, quando enxergarem a luz e a gravidade de seus pecados – a cegueira e a ganância, a sede obsessiva em obter mais para si mesmos, em apreciar a violência, o medo do povo, seu poder sobre eles e sua dor. Agora eles viam o estado terrível em que eles estavam. Como eles eram semelhan- tes aos demônios do inferno e preparavam-se para estar no mesmo lugar, entregando-se a um bacanal. “Quem matou merece morrer!” Falava o testamento antigo Foi na época em que Ele nasceu, Entre as pedras e areia, em um abrigo

Olho por olho e dente por dente Os velhos e jovens diziam Por três mil anos seguidos Só rezas assim existiam

A Terra vivia as suas aflições E maldições lançava Era o lugar de terríveis ações Onde seu berço balançava

Ele cresceu e seu tempo chegou Mas todos ao seu redor Repetiam que o mundo era o mal Mas ele dizia que era amor.

Ele ensinava as almas a voar E com sua palavra simples demais Enquanto diziam que o mundo era dor Ele dizia que era paz.

Falavam: “Iremos para o inferno Somos pobres mortais que ninguém conduz”

175 Falavam que o mundo era um castigo E ele dizia que era luz.

Havia um costume naquele lugar E o povo tomou a decisão Colocá-Lo na cruz em vez de amar E disse Ele: Perdoe-os, Pai.

Vermelho o puro sangue correu O final da tortura e da dor No dia seguinte daquela cruz Silencioso desceu o amor

Agora ele está perto de mim e de você Salva, perdoa, sobrevive Talvez seja apenas por ele Que o mundo ainda vive

Até hoje este amor está entre nós É humilde a sua presença Mesmo queimado e morto por nós Ressuscita e cura a descrença

A natureza; suas belas ações, Brincando com pétalas, lança Gira a Terra sobre a qual Seu berço nos céus balança

Segundo Samadhi. A Santa Ceia. Isolado em seu retiro, Bhagavan Vijnana novamente experimentou a alegria pela união do infinito com o finito. Seu ilusório “Eu”, que o sepa- rava da imensidão do Cosmos, dissolveu-se no espaço infinito, que tudo acomoda. De novo, Vijnana via tudo com seus olhos. Desta vez, ele estava na Última Ceia, onde ele observava a conversa de Cristo com seus discípu- los antes de sua crucificação.

176 – Eu tenho que morrer – disse o Cristo. – Os pontífices, junto com a multidão me crucificarão. – Como assim? – Disse Pedro. – Mestre, mas Você poderia fazê-los perceberem Deus encarnado em Você, apenas com um pensamento Seu. Eles iriam adorar-Te. – Sim, poderia fazer isso, Pedro, mas – disse Cristo – em verdade, vos digo: – eles fariam isso sem compreender, assim como no teatro de fantoches, onde o marionetista move as figuras de pano. Mas, tal adoração não faz sentido, deve-se chegar a isso conscientemente, encontrando maior entendimento, tendo em vista onde está o profeta, e onde está o sacerdote charlatão, que representa nada em si mesmo, a não ser uma máscara falsa. Este é um político comum, desempenhando o papel de sumo sacerdote. E qualquer publicano, pescador, ou prostituta consegue ser muito mais limpo e estar mais próximo de compreender a verdade, pois eles não são hipócritas, pois eles são eles mesmos. E se uma pessoa não vê isso, seria inútil hipnotizá-la, para receber a adoração de um sonâmbulo. Ela deve adquirir uma visão verdadeira. E para isso, Deus decidiu fazer um grande jogo, um grande mistério, onde morrerá Jesus mas ressuscitará o Cristo. – Mas que mistério é esse? – perguntou João. – Esse mistério – disse o Cristo – representa o caminho do desenvol- vimento humano. Primeiro, é simplesmente uma personalidade pública, criada a partir das influências da multidão e seus líderes cegos. Mas se ele for despertado, como eu sempre ensinei vocês a serem, então ele poderá ver seu personagem fictício, falso, e começará a separar-se das mentiras convencionais, emoções negativas e identificações; do apego ao prestígio, à aprovação da massa, egoísmo e narcisismo. E então, Jesus começa a morrer. Mas Cristo, que é a alma do homem, sua individualidade, sua consciência, seu espírito começa a crescer. E quando Jesus morre, o espírito dele, Cristo, ressuscita e liberta-se dessa escravidão da pessoa pública, fictícia, criada pela multidão. Afinal, ele viveu nela como em um caixão, estava morto, viveu a vida de fantoches, no show de marionetes, igual a um sonâmbulo. A minha morte e ressurreição vão personificar esse processo; a partir de um egoísta, que se importa com a opinião do povo, mergulhado no mal e na falsidade, ressuscita o amor para todo o mundo, a grande compaixão e o compromisso total em fazer o bem para as pessoas, para salvá-las de um estado terrível, mesmo à custa de sua morte.

177 – E você, Judas, me trairá. – Cristo disse. – Você ficou com a parte mais difícil. Você irá representar um apóstata entre os discípulos, que tem pouco conhecimento e muito medo de ir adiante, de desistir de seu ego e dissolver-se na graça divina. Ou ele mesmo se nomeia o mestre, enganando as pessoas, ou começa a lutar contra o seu mestre e não aceitá-lo, até às vezes desejando a sua morte, para que ele já não exponha mais seus vícios, e lhe peça para desistir deles. – Mas eu não quero fazer isso. Eu serei eternamente condenado pelas pessoas. – Sim, é um grande sacrifício seu, Judas. Você vai ser amaldiçoado, mas essa maldição cairá apenas sobre sua personalidade. Quando você se livrar dela, você mesmo vai se tornar o Cristo, tornar-se Deus, e essa mal- dição vai estimulá-lo e não deixará você aceitar a situação, e viver como todos. Vai ser um grande impulso para o seu desenvolvimento, pois uma pessoa espiritual não deve aguardar a aprovação do povo. Ele busca a apro- vação de Deus, mesmo se for amaldiçoado pelas pessoas. Portanto, o seu papel irá ajudá-lo no desenvolvimento, porque você não quer fazê-lo, e ele é difícil para você. As pessoas acham que elas agem pela própria vontade, procuram uma causa para cada ato seu, repensam-no várias vezes. Mas seus papéis foram predestinados pelos Céus. Deus decidira antes de seus nas- cimentos o que vocês fariam. Decidira também que o pontífice iria que- rer a minha morte, e provocaria a multidão a gritar: “Crucifique-o!”; que Pilatos teria de ordenar a crucificação, embora não quisesse fazê-lo, pois enxergaria todo o jogo dos membros da igreja; e que o judeu errante não iria ajudar quando eu carregasse a cruz. Está tudo predestinado há muito tempo. Mas cada papel, bom ou não, será dado para a pessoa, que o fará por vontade de Deus, uma experiência necessária, a qual poderá entender somente após a morte. – Vocês são abençoados, meus discípulos, porque sabem o que fazem ainda em vida. Eles não estão conscientes do que fazem. Tem de tentar ainda em vida ver todos os seus papéis, como e por que vocês os fazem. Parar de ser o personagem, mesmo continuando a representá-lo, não iden- tificar-se com ele, mas enxergá-lo, como um ator enxerga uma cena da peça. Ele sabe que ele é de verdade, mas continua a representação porque a peça dele é assim. – Ele pode parar o teatro e sair do papel? – perguntou Tomé.

178 – Sim, em alguns casos, quando a pessoa vê que isso não contradiz o jogo divino, pode. Mas, geralmente, continua executando o papel, sen- tindo-se livre. Não é mais uma figurinha, não é mais o papel. Vocês tam- bém não devem se fundir com aquilo que irão representar. Mantenham o estado alerta, e orem para poder sempre enxergar o papel, e para que seu coração, cheio de amor e compaixão para com o próximo, não se torne escravo do papel. Depois, irão cantar sobre a minha morte e ressureição: “Cristo ressus- citou; vencendo a morte com a própria morte; a todos a vida concedeu!”. – Isso significa que após morrer para a multidão, parei de ser morto, como aqueles que obedecem aos instintos de massa, aos estereótipos da socie- dade e padrões. A vida concedida significa viver de verdade, e fazer o que a alma e a individualidade querem, e não se prender aos padrões. Às vezes, a pessoa nem sabe o que quer, pois já enterrou sua individualidade há muito tempo. Mas orando desperto, é possível separar a sua alma do papel mortal e tornar-se livre. Vocês observem a si mesmos e orem, executando seu papel, para que a força negativa da sociedade doente não os elimine. – Por que se necessita de um mistério tão complicado? – perguntou Pedro. – Deus o planejou, porque deseja criar uma religião nova com base nisso, já que a religião de Moisés é baseada em violência: olho por olho, dente por dente. Ele ensinava o temor a Deus. A nova religião ensina o amor, e é baseada em amor. Deus é amor. Chegou a hora da velha religião de Moisés morrer e a nova nascer. Um dia, ela também irá degenerar, pois será distorcida pelos sacerdotes, e será necessário um novo messias para ressuscitar o evangelho verdadeiro de Deus. Então, Cristo disse: – Digo-lhes em verdade, que cada religião só é verdadeira no seu iní- cio, enquanto há perseguição pela sua justiça, e ela é considerada uma seita. Mas quando ela se torna oficial, e reconhecida pelo governo, ela degenera, pois torna-se política, e sob o seu patrocínio, coisas do mal são realizadas. Hoje, somos uma seita no meio do judaísmo; mais tarde, vocês serão uma seita dentro da religião romana, e serão perseguidos e mortos pela sua ver- dade. Mais tarde, quando me “reconhecerem”, realizarão muitas maldades e as encobrirão com meu nome, haverá a inquisição e as cruzadas. Só nos mosteiros e desertos, distantes do mundo, permanecerão os santos, os ver- dadeiros adoradores do meu evangelho. Quando veio Buda, também foi

179 considerado um hindu sectário. Os Brahmans expulsaram o budismo do seu meio, empurrando-o para o Tibete e China, porque um profeta nunca tem honra em seu próprio país. – Por que é assim? – perguntou João. – Porque as pessoas temem coisas novas, e seus governadores forta- lecem seus medos. – Disse Cristo. – Eles conseguem realizar seus atos de maldade por conta da sua política, que utiliza os padrões antigos e degene- rados, ao invés de pensar no passado com sorriso, pois um broto é sempre mais espiritual do que a árvore que lhe deu a vida. Impressionado, Bhagavan Vijnana saiu do estado de Samadhi.

O terceiro Samadhi. Mahasamadhi. Retirado em seu espaço, Vijnana começou a entrar em estado de Samadhi e sintonizar-se com Deus: “Aqui na Terra, falo com Ele por pouco tempo, mas após a morte irei me unir com Ele para sempre em Mahasa- madhi, porque lá não haverá nada que nos limite como no corpo físico” – sabia ele. Então sua consciência começou a unir-se com a consciência universal e expandir-se até o infinito. “Eu sou Ele” – sentiu Vijnana e mergulhou na onisciência e no deleite sem fim. Desta vez, Deus lhe mostrou o Universo todo, e ele via galáxias e mundos enormes como pequenas nuvens de vapor. Eles se aproximaram do sistema solar Helionia18. – Cada planeta é um ser vivo – silenciosamente disse-lhe Deus, mas Vijnana havia compreendido com todo o seu ser, onde nascia um conhecimento absoluto, muito mais amplo e profundo do que alguém da Terra pudesse expressar na sua fala. – Estes seres são tão maiores que o ser humano, e tão mais evoluídos, que eles mesmos são Deuses para os humanos. Eles regem seu destino, e o politeísmo veio daí, porque para os terráqueos comuns, deuses são justamente os planetas. Os nomes dos deu- ses na Grécia, Roma, Índia e Rus’ são os nomes dos respectivos planetas: Vênus, Mercúrio, Marte. Não é por acaso que os sacerdotes sabiam que os planetas regem a vida na Terra. Os nomes dos deuses são diferentes para vários povos, mas a essência é a mesma, são planetas. O Deus Júpiter dos romanos era Zeus na Grécia, Indra na Índia e na terra dos eslavos.

18 Nome alternativo para o nosso sistema solar.

180 Politeísmo não é a falta de conhecimento sobre um Deus único, mas pelo contrário, um conhecimento mais completo e verdadeiro sobre a hierar- quia dos deuses. “E o Sol? Ele é uma estrela” – pensou Vijnana, e no mesmo instante, o conhecimento surgiu nele: – O Sol é o deus dos planetas. Ele está um nível acima dos demais. Mas na vida de uma pessoa comum, a regência do Sol não se manifesta muito maior do que a de um planeta. Por isso, o Sol entrava na lista dos deuses planetários. Diferentes povos o chamavam de Apolo, Hélio, Surya, . Ele manifesta a grandeza da sua natureza apenas para individualida- des que saíram da multidão e superaram o instinto de massa e desenvolve- ram sua criatividade. São pensadores, artistas e alguns reis. “E qual é o Deus para pessoas espirituais?” – pensou Vijnana, e soube a resposta na mesma hora. – É o centro da galáxia, que é o Deus de todos os sóis. As pessoas ver- dadeiramente espirituais recebem a influência do centro da Orilna19. Mas as pessoas espiritualmente fracas, entram em confusão durante uma ora- ção; uma parte delas liga-se a Orilna, e outra a Helionia, e as outras várias partes, como são totalmente mundanas, ligam-se às influências planetárias. Nelas sempre ocorre um conflito destas partes, a guerra das influências. Enquanto o “Eu” espiritual não se desenvolver e não se tornar mais forte que outros “Eu”, a pessoa irá balançar entre as várias partes suas, parecendo um navio durante uma tempestade, que pode acabar batendo em rochas submersas. A conexão com a Orilna não é o limite da perfeição. Buaguíria, o centro de todos os mundos, está vários níveis acima. Os santos e pessoas mais espirituais, que são poucas na Terra, atingem a influência de Buaguí- ria. Só os únicos chegam até a mim, o Absoluto, Deus universal, Silêncio preexistente, que é o espaço sem fim, a partir do qual o mundo todo é manifestado. “Então, a sua influência não chega até a Terra?” – pensou Vijnana, e sabia a resposta de novo: – A minha influência chega, mas em forma modificada, porque para pessoas comuns ela não é direta, pois passa por toda a hierarquia dos deu- ses. Apenas em Samadhi, a pessoa atinge a influência direta, quando o seu “Eu” terreno desaparece, sua face, criada a partir das influências planetá- rias, e que distorce qualquer influência minha, levando-a ao nível terreno.

19 Nome alternativo para a nossa galáxia

181 Sou como um alto general, que dirige todo o exército. Ordeno ao general Buaguíria. Ele, conforme a sua situação no fronte, dá ordens ao oficial Orilna, que, de novo levando em conta tudo o que acontece no território dele, passa as ordens para o oficial júnior Helionia, que, por sua vez, dirige os sargentos representados pelos planetas do sistema solar. E os sargentos levam estas ordens aos seres humanos, conforme os eventos históricos, que em um dado momento acontecem na Terra; sejam guerras, mudanças de território ou aparecimento de civilizações novas, e claro, que essas ordens são bastante modificadas, comparando-se àquelas primárias emitidas por Mim. É possível entender isso melhor vendo pessoas como recém-nascidos, que mesmo querendo, não conseguiriam entender tudo, da forma como um adulto estudado entenderia. As crianças mais velhas apresentam uma individualidade desenvolvida, e encontram-se sob a influência de Helio- nia, são capazes de compreender mais. Depois, vão os adolescentes que entendem e compreendem ainda mais. Tudo depende do desenvolvimento da alma do ser humano: quanto mais madura é a alma, mais elevada é a influência que a atinge. Vijnana viu como os planetas, feito marionetistas com cordinhas invisíveis energéticas, dirigiam todos os eventos na Terra: progresso tec- nológico, epidemias, desenvolvimento e destruição das civilizações, países e etnias. Eles criam projetos de todos os eventos no plano sutil, e depois os materializam na Terra. Determinam o destino de cada pessoa que vem à luz, também de cada animal, casa, mecanismo ou cidade. Literalmente, tudo tem seu destino e depende da posição dos planetas nos céus, como as setas de um relógio dependem de todo o mecanismo interno. Mas os planetas regem não apenas na Terra, pois cada um deles é habitado por espíritos e seres inorgânicos. Após sair do Samadhi, o mestre dirigiu-se aos seus discípulos, para passar-lhes novas lições e provas: – O melhor método de aperfeiçoamento é o uso de situações da vida para o seu desenvolvimento. Se uma pessoa está em uma escola espiritual, várias situações que ele necessita podem ser criadas para ela, onde poderá trabalhar as qualidades da sua personalidade que achar necessárias. Nas escolas comuns, várias coisas desnecessárias são feitas, apenas para manter as tradições, e pode ser inútil para cada discípulo em particular. Nas escolas tradicionais, hoje em dia, quase não há mestres verdadeiros que vejam a necessidade de cada um. Muitas escolas também são completamente dege-

182 neradas, e consistem apenas de rituais e práticas formais. Não há desen- volvimento nelas. Mesmo quando uma pessoa vai a um retiro ou vive em uma caverna, para realizar as práticas espirituais lá, isso não garante que ela desenvolverá uma personalidade harmoniosa, porque nestas condições, apenas uma parte da pessoa se desenvolve, enquanto as outras se atrofiam. Por exemplo, uma pessoa assim, mesmo quando alcança certos níveis, não saberá passar seu conhecimento para pessoas, porque nunca se comunicou com elas, e não estudou os tipos de pessoas, para saber que conhecimento é necessário para cada tipo. Além disso, na vida mundana, ela pode perder completamente aquelas suas conquistas, pois as partes da sua personali- dade falsa, atrofiadas em retiro, podem ativar-se na sociedade. E aí, ela pode voltar a ser aquilo que era antes do retiro. Por isso, a educação na nossa escola acontece no processo da vida, através de qualquer situação, e também temos várias práticas e rituais, que ajudam a pessoa a enxergar de maneira real, ver todas as suas fraquezas e vícios, todo o seu automatismo e estados inconscientes. Uma pessoa que se percebe do jeito que é, privada de auto ilusão, começa a ver como deve progredir. É claro que para isso, é preciso utilizar cada situação para autoconhecimento, ao invés de reagir por costume com mágoa, descontentamento, raiva. Todas estas emoções devem ser trocadas pelas reações espirituais de aceitação, arrependimento, alegria, não aceitação de seus vícios; alegrando-se com o desconforto, que não permite dormir e cair no automatismo de novo.

O quarto Samadhi. A origem da vida. Mais uma vez, sozinho em seu espaço, Vijnana entrou em Samadhi com Deus, o finito com o infinito, encontrando grande deleite e conheci- mento. Desta vez, Deus mostrou-lhe a origem da vida. Ele viu como um pequeno ponto, Atman, Espírito, consciência de um novo ser, separou-se de Deus. Esse era o ser em si, e todo o restante, como corpos sutis ou físico, memória e raciocínio eram apenas um apêndice temporário. Neste ponto, possuía percepção, algo parecida com a nossa visão. Porém, a diferença era grande, ele via e sentia a presença de Deus em tudo. Atravessava trilhões de anos luz, ou milhões de anos, no passado ou no futuro, em um instante. Podia abraçar tanto um pequeno átomo como uma galáxia inteira, e no mesmo segundo, surgia nele a compreen-

183 são de qualquer fenômeno que acontecia lá, sem a ajuda de pensamentos ou palavras. Ele possuía emoções, só que a escala emocional era muitas vezes maior que a dos humanos. Mas não havia emoções negativas. Estas emoções traziam um entendimento imediato de qualquer fenômeno, ou qualquer ser, ao qual este ponto direcionava a sua atenção. Além disso, sua atenção podia transformar tudo ao que era direcio- nado. A diferença em relação a Deus era apenas na sua força: Deus possui força infinita e encontrava-se em tudo ao mesmo tempo. Atman era limi- tado em sua força e podia encontrar-se apenas em uma coisa, em um dado momento. A sua percepção acomodava também todos os sentidos, tais como audição, olfato, paladar, tato, visão e vários outros desconhecidos a nós. Então, Deus encobriu o ponto com um brilho em forma de esfera; este era o corpo causal, e continha todas as impressões que o Espírito iria receber no processo de sua vida. Estas impressões eram diferentes para cada um, porque todas as mônadas direcionavam atenção para coisas diferen- tes. E como estas impressões eram diferentes, formavam a individualidade deste Atman, ou seja, partícula de Deus. Ele olhava para tudo, e percebia as coisas através do prisma de suas impressões antigas. As primeiras impres- sões tornavam-se avaliações para as próximas. O caráter de cada mônada formava-se a partir destas impressões, e as características individuais da percepção davam luz ao seu carma ou destino, no nível mais sutil da exis- tência. Depois, Deus cobriu o ponto com uma esfera maior, mas com um brilho mais opaco, que mudava de cor, como uma aura esférica do plano mais sutil; este era o corpo mental. Ele trabalhava com estas impressões, estruturando-as e separando-as em vários tipos, criando a partir delas novas ideias, noções, imagens e formas. Este corpo tinha a possibilidade de materializá-las, tanto no plano sutil como no plano físico. Tudo dependia do poder, que podia ser diferente. Os Arcanjos tinham o maior poder, enquanto os anjos um pouco menos, e outras criaturas tinham o poder de acordo com seu desenvolvimento. Um corpo forte poderia criar fenômenos como terremotos, vulcões e guerras. Também, poderia criar fenômenos construtivos como constru- ção de templos, migração dos povos e nascimento das civilizações. Tudo dependia apenas do poder do corpo e seu desenvolvimento. Ele continha

184 todas as tendências de desenvolvimento do ser, que os xamãs chamavam de Bos’. Estas tendências passavam para a próxima vida, em forma de curso particular de pensar, imagens, ideias e noções. Depois, Deus cobriu o ponto com uma energia viscosa, que como uma massinha podia tomar qualquer forma; este era o corpo Astral, no qual, por um lado, existia uma memória limitada, que manifestava-se de uma encarnação para a outra, e por outro, a imagem de qualquer ser, seja um humano, centauro ou anão, um animal ou inseto. Este corpo também podia ter a intensidade de poder diferenciada, e agir no plano sutil. É neste corpo que nós agimos nos sonhos. Os anjos tinham o corpo astral em forma de uma esfera de luz, mas eles podiam mudar sua forma e aparecer para outros seres ou pessoas. A imagem do corpo em si era chamada de Syur entre os xamãs, e sua memória e poder Tios. Este corpo vivia de uma encarnação até a outra, porque não era durável e rapidamente destruía-se. Apenas certas práticas espirituais poderiam ajudar a fazê-lo mais forte, e permitir uma vida mais longa no plano sutil. O corpo astral e seu poder formavam os corpos físicos das pessoas comuns durante a vida. Apenas os anjos conseguiam formar seu corpo astral pela força do seu corpo mental. Uma pessoa, para conseguir isso, precisa tornar-se espiritual e aprender a ter total controle de seus processos vitais, ou seja, tornar-se dono de si mesmo, despertar-se, desenvolver o poder, a consciência e a atenção; o que é possível conseguir através de yoga e outros ensinamentos espirituais. Os seres de ambos os gêneros tinham este corpo mais complexo. No corpo astral deles, em forma de embrião, encontrava-se o corpo do sexo oposto, chamado onome. Um ser desenvolvido consegue comunicar- se com este “sósia” e até vê-lo em certas condições. Outros corpos do ser: etéreo e vital crescem e são formados junto ao corpo físico. O corpo físico em si é um cadáver. Ele é vitalizado com a ener- gia do corpo etéreo, que repete seu exato formato. Apenas com o corpo etéreo a pessoa pode viver no nível dos vegetais, ou quando uma pessoa dorme ou está em coma, só age o corpo etéreo nela. O corpo vital é responsável pelas ações ativas físicas, e a percepção de nível dos seres simples, como micróbios, insetos ou águas-vivas, cujo corpo astral não é desenvolvido.

185 Em seres mais complexos tais como animais, o corpo astral é mais desenvolvido e ativo, e responde pela vida emocional destes seres. Os corpos etéreo e vital são chamados pelos xamãs de Kut, porque eles representam a alma da energia vital, saúde, força do ser, que passa para os seus descendentes após sua morte. Durante a concepção a força natural, o espírito responsável por cada tipo de animal, chamado de mãe-animal na linguagem dos xamãs, passa para o embrião parâmetros exatos de seus corpos vital e etéreo. Os parâmetros do corpo astral são programados por uma das divindades da hierarquia, e estes parâmetros criam certo tipo de ser vivo. Os xamãs ligam-nos com os quatro deuses principais e seus filhos. Em outras civilizações, eles eram conectados aos deuses dos planetas e saté- lites tais como Marte, Mercúrio, Lua e etc. Era interessante para Vijnana ver como acontecia a vida na Terra. Deus criava todos os seis corpos das criaturas simples: algas verde-azula- das e outros. Esta estrutura energética quando encontrava-se em um meio favorável, por exemplo a água morna do mar, com a luz do Sol, criava o corpo físico do seu tipo, ou seja de uma alga. Depois, da mesma forma foram criados os outros seres simples. Os seres mais complexos podem ser feitos a partir dos simples, por meio da troca de toda a estrutura energética. E Vijnana viu este milagre acontecer. Todos os corpos sutis de uma rã foram removidos, e a estrutura energética do ser humano colocada no seu lugar, com todos os seus corpos sutis. Seus genes aos poucos mudavam para genes humanos, e junto com isso, a sua imagem começou a se transformar, até tornar-se parecida com o ser humano. Não era mais uma rã, mas uma pessoa feita a partir de uma rã. A pessoa era muito pequena. Mas em algumas gerações a pessoa atingiria o seu tamanho atual. Porém, uma transformação assim precisava da presença divina ou, pelo menos, da presença de um anjo, que poderia direcionar e controlar seu desenvolvimento, para que não fosse letal. Muito mais fácil era fazer um homem a partir de um animal de seu tamanho. Exigia menor quanti- dade de energia da parte da influência Divina. A princípio, o ser humano podia ser criado a partir de qualquer matéria viva, como qualquer outro ser. Mas, é claro, que a vida era criada conforme certo plano. Antes de tudo, foram criados organismos simples, que formaram o ambiente apro-

186 priado para o aparecimento de seres mais complexos, os quais não sobrevi- veriam sem este meio. Tudo isso impressionou muito Vijnana. Mas não era tudo. Deus mostrou-lhe como Ele criara estrelas, planetas e galáxias. Formavam-se da mesma forma. No início foram criados os corpos sutis, depois a partir da substância mais sutil e poeira cósmica, também gerada por Deus, foram materializados todos os objetos do Cosmos. Cada um deles, de buracos negros até cometas possuíam sua própria alma. Estes seres inorgânicos pos- suíam os corpos mentais muito poderosos, como os dos anjos e Arcanjos. E com estes corpos eles influenciavam os seres menores e espíritos que habitavam em sua superfície, criando sua essência e dirigindo seu destino e todos os processos, que aconteciam dentro de cada um, como um meca- nismo de um relógio enorme criado por Deus.

O quinto Samadhi. O Destino Retirado em uma caverna com um grande lago, Vijnana saiu do seu corpo mortal, da sua separação ilusória e começou a fundir-se com o oce- ano Divino. Ele parou de ser uma onda, com espuma que corre e muda a todo instante e tornou-se sua base, sua integridade grandiosa e imutável. De um ponto pequeno no planeta Terra, ele transformou-se no espaço infinito de Deus. Ao mesmo tempo, ele era tudo: Suas ondas e tudo o que continha no espaço sem margens. Desta vez, Deus mostrou-lhe como é criado o destino de todos os seres. Deus silenciosamente passava a verdade para ele e Vijnana entendia no mesmo instante o que Deus queria dizer. Há três forças que criam tudo ao redor. A mais simples e óbvia delas é o carma: a lei da causa e efeito. Normalmente, as pessoas cegas só enxergam esta lei. Também há a força de vontade nos seres vivos, quer dizer, uma pos- sibilidade da força de vontade, embora cada um pense que a tem. É muito fácil ver se a possui ou não. Para isso, a pessoa pode começar a pensar em algo: nuvens, água, fogo, pôr-do-sol, e verá que não consegue realizá-lo porque o tempo todo os pensamentos o distraem. Isso mostra que a pes- soa não tem a força de vontade, e é dirigida pelos hábitos e vontades que considera seus, mas que são alheios. Todos estes desejos de prestígio, moda, estereótipos, o desejo de ser como todos: tudo isso são desejos externos,

187 impostos a nós pela sociedade doente. Até os desejos do corpo não per- tencem à pessoa, são desejos da natureza, que agem por meio do corpo da pessoa, e ela vira sua escrava, escrava de seus instintos, sua atividade escon- dida, da juventude ou velhice. Sexo é o desejo da natureza de dar continuação a si mesma. Parceiro, família, filhos são um eixo da vida da sociedade, e também uma intenção da natureza que o homem cumpre sacrificando-se. E o que pertence ao ser humano? A verdadeira pessoa é feita de seus talentos, dons, tendências e habi- lidades criativas. Frequentemente, eles são enterrados sob as influências da natureza e força da sociedade, e manifestam-se apenas nos únicos. Quando uma pessoa medita, ou seja, olha sem distrair-se para as nuvens, água, fogo, pôr-do-sol, ou nascer-do-sol, ou qualquer objeto, ela desenvolve a sua força de vontade. No início pode fazê-lo sentada, com a ajuda do mestre ou de outras pessoas, para que ela sempre possa lembrar-se da sua tarefa, e depois sozinha. A pessoa não só poderá ver as flores, as nuvens, as montanhas, mas também poderá enxergar a essência das coisas, enxergar a si mesma de maneira real, e perceber que ela não é feita só de seus pensamentos, não é sentimento nem o corpo, mas uma partícula da Divindade. Irá conseguir enxergar tudo isso, porque não terá mais pensamentos intrusivos que a forçam a movimentos desnecessários, como um macaco bêbado, e não a deixam ver a realidade. Ela vencerá esta alucinação, e voltará ao que foi dado por Deus, a sua natureza verdadeira, seu “Eu” Superior, consciência, observador, Atman. Mas até em um estado de sono, e sem força de vontade, a pessoa pode chamar a Deus. Neste momento, será manifestada a terceira força: a provi- dência Divina. Então, acontece o que chamam de milagre, porque isso sai dos limites da causa e efeito, dos limites do carma. Deus ajuda a pessoa e realiza seus desejos mais profundos, aqueles que vêm acompanhados com a fé, e emoções positivas fortes. Quando uma pessoa adquire a força de vontade, então pode fazer milagres, pois agora tem acesso à sua natureza divina, ou seja, torna-se semelhante a Deus. Estes são os milagres que os santos fazem após conhecerem Deus em si mesmos. Mas, a providência de Deus manifesta-se mais claramente quando uma pessoa reencarna na Terra. Deus dá um destino conforme as qualidades da pessoa, para que ela atinja a verdade suprema.

188 Então Vijnana viu um homem medroso que deveria encarnar. “Fazê -lo muito forte para que ele não tenha medo, talvez?” – pensou ele. – Não – respondeu Deus. – Eu mostrarei a ele todo o absurdo dos seus medos. Toda vez que ele se intimidar, perderá sua sorte. Quando ele tiver medo, será em vão. E quando estiver tranquilo e não esperar por nada, acontecerá uma desgraça. Assim, ele verá a natureza irreal de seus medos. Vijnana ficou surpreso com isso. Então, ele viu uma pessoa ganan- ciosa antes de sua encarnação. “Fazê-la ser pobre?” – pensou Vijnana. – Não – disse Deus. – Darei para ele riqueza enorme. Ele nascerá em um país comunista, e lá não poderá fazer nada com a sua riqueza. Terá até medo de alguém descobrir que ele possui algo a mais. Então verá o absurdo de sua ganância, a inutilidade de suas riquezas, sua relatividade. Então, eles viram um malvado que iria encarnar. “Fazê-lo um invá- lido, para que não possa expressar sua raiva?” – pensou Vijnana. – Não – disse Deus. – Fazer com que ele mate, em ataque de raiva, as pessoas mais próximas e parentes, sem ter nenhuma punição, para que nele surja arrependimento. No começo, Vijnana sentiu tristeza por esta perspectiva, ele ficou com pena das pessoas mortas, mas Deus disse. – Pense: elas irão ao paraíso, após sair da prisão deste tirano. A vida após a morte é uma verdadeira liberdade, e a vida na Terra é um teste. Então Vijnana alegrou-se com a ideia de Deus. Agora, eles viam um orgulhoso. “Fazê-lo pobre e coitado, para que não tenha motivo para orgulho?” – pensou Vijnana. – Não – disse Deus. – Darei a ele tudo com o que ele possa se orgu- lhar, pois se ele for pobre e fraco, irá invejar, ou talvez aprenda a orgulhar- se de sua pobreza, irá pensar “sou pobre, mas honesto”. Privá-lo-ei do amor e compreensão das pessoas. Quando ele ficar sozinho e perceber o seu vazio interior, poderá entender a estupidez do seu orgulho. Uma doença incurá- vel irá ajudá-lo nisso, ela vai tirar lentamente sua saúde, e aumentará a sen- sação da inutilidade de sua vida. De vez em quando, enviarei sábios até ele, que o explicarão sua condição, e que o amor e a amizade entre pessoas são um verdadeiro valor e não o seu orgulho. Isso o ajudará a entender muitas coisas no fim. Principalmente na velhice, pois a velhice e as doenças foram criadas justamente para que as pessoas possam ver a fragilidade e a incons- tância deste mundo, para que parem de se apegar a ele e pensem no eterno. Para que não fiquem usando óculos cor-de-rosa, e não se identifiquem com

189 a situação em que se encontram, mas olhem para o mundo com uma visão mais ampla, e percebam todos os seus lados, seus ângulos. Assim, surge um entendimento mais ampliado, um entendimento verdadeiro. Sem doenças e velhice, as pessoas viverão após a morte no plano sutil na sua verdadeira pátria, e não na sua moradia temporária que é a Terra. Então, Vijnana viu os doentes que queriam a sua vida antiga de volta, mas a doença grave não os deixava fazê-lo. Alguns começaram a cuidar da saúde, com certo atraso, mas mesmo isso não os ajudava mais: a doença destruía seus corpos e sua vida ficou na total dependência da saúde, então destruía-se junto ao corpo. Deus olhava para eles com compaixão, e esperava que entendessem que estava na hora de começar uma nova vida, vida em Deus. Pois uma doença é sempre um sinal de que é hora de mudar algo, e que não se pode continuar a viver assim. Ele via os velhos desencantados com a vida, por ela não ter corres- pondido às suas expectativas e esperanças. Muitos reclamavam culpando o governo e a injustiça deste mundo. Apenas os mais sábios começavam a orar a Deus preparando-se para encontrá-Lo. Eles compreendiam que não tinham o que esperar da vida, que isso não os levaria a lugar nenhum. Tinham de procurar algo eterno, imperecível, que vivesse além dos seus corpos cansados e esperanças vazias não realizadas: buscar a sua alma e a Deus, e buscar a união com Ele. “Como o carma é formado?” – pensou Vijnana. No mesmo instante, ele sabia a resposta: – Por exemplo, um assassinato. Se um soldado vai à guerra contra sua vontade, mas ainda não tem a convicção para tornar-se um pacificador, ele não terá o carma do assassinato, mas o da fraqueza, medo, suscetibilidade à influência social, porque por causa deste medo, ele continua em guerra e escuta os comandantes. Caso ele seja um patriota fanático, que se conven- ceu de que faz “o bem” matando o inimigo, que não é digno desta vida, ele, então, possui o carma de fanático e estúpido, e não de um assassino. Ou, se a pessoa não queria matar, mas acabou matando alguém numa briga sem querer, não terá o carma de um assassino. Talvez, tenha o carma de um briguento ou pessoa explosiva, que não se controla quando está furiosa. Ou se ele queria proteger alguém, e é uma pessoa boa, aí não tem o carma de assassino também. Mas se há um medroso, que nunca matou ninguém, mas desejou a morte de vários e cultivou vingança e raiva dentro

190 de si, os quais não conseguiu expressar por causa de sua fraqueza e medo, ele terá o carma de um assassino, porque nunca é o ato, mas o motivo para tal ato, ou seja, o raciocínio da pessoa, seu estado emocional. Justamente isso compõe o carma, pois as emoções e o pensamento determinam como a pessoa vai viver, o que vai sentir e o que compreender, que saúde terá e quais relacionamentos com as pessoas. A atitude de alguém para consigo mesmo, dá origem à sua atitude para com o próximo, determinando a atitude que o próximo terá em retorno. Tudo isso cria seu carma. Após a morte, irá relatar seus pensamentos e emoções e não seus atos, pois a sua tendência de pensar e emocionar-se passa para a próxima vida, criando uma moldura para o seu destino. Mas, como será seu destino, só Deus decide. O destino não depende apenas da sua personalidade e suas tendências, sua mente, mas também é definido pelo lugar de nascimento, seu meio e aqueles eventos e situações em que ele se encontra, seu sexo e dados físicos e várias outras coisas que Deus dá para ela em sua encarnação. Por isso, as pessoas parecidas em personalidades e raciocínio podem ter destinos tão distintos; aqueles que são necessários para receber a experiência necessária e o entendimento para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento de sua alma. Quanto mais a pessoa for madura e independente, com uma indi- vidualidade forte, mais ela se aproxima da libertação. Uma pessoa comum vive no imaginário, ou seja, no sono. Quando ela acorda e separa-se do seu ciclo de pensamentos e emoções, se ela possui o controle sobre essas emoções e não se deixa prender por elas, então todo o seu carma some e ela atinge a Anuttara Samyak Sambodhi, que é a libertação completa e final dos laços da Samsara e carma. Quando o ego desaparece, a pessoa se funde com Deus e atinge o Nirvana. Também o nível de desenvolvimento é visto pela força e desinteresse no amor da pessoa, em relação a todos os seres e a Deus. Se ela irradia amor como o Sol, sem avaliar quem é bom, e quem é mal, e este amor é impessoal, ela atingiu a libertação.

191 192 Epílogo

Quando você encontra um Grande Mestre, o seu caminho torna-se fácil e agradável, porque o mestre toma o seu carma e realiza uma parte do serviço por você. É necessário apenas sintonizar-se com o Mestre e aceitar o que ele dá. É bom fazê-lo com regularidade, e cada vez mais profunda e emocionalmente, sentindo sua conexão com ele, e sua constante presença em sua vida. Não se pode realizar uma prática espiritual de uma maneira formal. É necessário toda vez, entrar em um estado emocional adequado, senão a prática não funcionará, ou a pessoa ficará mais inconsciente do que já estava. Nesse caso é preciso realizar a prática Shri Bhakti Guru. Todas as pessoas são interligadas e cada uma já foi parente, ou amigo de todos em vidas passadas. Também cada um já teve uma conexão com o Mestre em outras vidas, e agora só precisa revitalizá-la. O mestre possui vários duplos no plano sutil, e pode aparecer para vários alunos que o cha- marem ao mesmo tempo. Para chamar o Mestre, é preciso repetir o mantra “Namastê Bhaga- van Kalki Avatar Maitreya” e visualizar a imagem do Mestre, sentindo sua presença. Sente-se em uma posição de meditação, ou deite-se com a cabeça para o norte, e chame o Mestre. Sinta afinidade para com ele, como se fosse seu parente, viva uma sensação familiar de acolhimento. O mestre está te olhando com carinho e amor, desejando o seu bem e irradiando a compreensão, compaixão e a vontade de ajudar. Sintonize-se com sua energia positiva, que ele transmite para você e abra-se para ela. Em resposta, sinta respeito, dedicação, amor e outros sentimentos positivos. Estabeleça contato emocional com ele, relaxe completamente e aproveite, viva esse momento de amor mútuo e benevolência. O Mestre pega a sua mão com carinho, e toma todas as coisas malé- ficas, como seu carma negativo, energia negativa, doenças, mau-olhado, fraquezas e defeitos. Entregue-os, não os segure. Em troca, ele te passa alegria, felicidade, o estado de graça, saúde, sucesso, decisão, coragem, amor a todos os seres e estados elevados e divi- nos. Aceite tudo isso dele. Agora, a sua vida irá mudar para melhor, de uma prática para outra, todos os dias. Quanto mais você se preencher de

193 emoções positivas, maiores serão as mudanças. Quanto mais você se abrir e se conectar com o Mestre, maior será a ajuda. Em primeiro lugar, irá mudar o seu estado emocional, depois vai melhorar a sua saúde, e você sentirá que tem mais sucesso nas coisas que realiza. É claro que cada um tem o seu carma e em alguns casos ele pode ser pesado. Cada um tem suas dificuldades e elas podem ser grandes. Mas, mais cedo ou mais tarde, o Mestre vai ajudá-lo a superar todas elas. O importante é cultivar a conexão com ele e aumentar o estado de amor e felicidade em sua alma e outras emoções positivas. No final da prática, agradeça ao Mestre, e se despeça dele com o man- tra “Namo Om Guru”. Esta prática pode ser realizada antes de dormir. Também, pode-se realizá-la de manhã, assim que acordar ou durante o dia, quando tiver tempo livre. É bom fazer a prática junto com o Pranayama, que pode ajudar a aumentar a força das emoções. Esta e a próxima prática espiritual são realizadas antes da prática “Tempo de lágrimas”. Mas também, se tiver vontade, pode fazê-las juntas, por exemplo, assim que acordar ou antes de dormir. A próxima prática é curta e deve ser usada em caso de emergência, quando, por exemplo, precisar de energia em um certo estado emocional, pensamentos necessários, compreensão ou precisar encontrar uma saída de certa situação. É claro que para escutar a resposta do Mestre precisa-se de uma certa sintonia, que deve ser aprendida, para poder distinguir os pensamentos vindos dele, dos pensamentos alheios e conseguir captar seu conselho.

Prática espiritual Shri Bhakti Guru Visualizar a imagem do Mestre, e pronunciar o mantra ou o nome dele. Assim como na prática anterior, é necessário sentir afinidade com ele, sensação familiar, e sua presença. Se você não estiver bem, o Mestre pode te abraçar, consolar e acalmar. Seu olhar irradia amor e solidariedade. Não importa o que aconteça, ele te apoiará e te ajudará. Pode desabafar com ele ou perguntar sobre a sua situação. Isso pode ser feito no pensamento ou em voz alta. Na hora de falar, você receberá o estado emocional neces- sário do Mestre, caso esteja disposto(a) e não insistir em ficar negativo(a). Junto com este estado, virão os pensamentos necessários e a saída. Assim

194 que o seu estado mudar para um estado positivo, confiante, ativo, com a sensação de proteção do Mestre, o entendimento de como agir vai aparecer também. Após a transformação pelo contato com o Mestre, agradeça-o e se despeça dele com o mantra “Namo Om Guru”. Não hesite em pedir ajuda. Todas as situações negativas são neces- sárias para que mais uma vez nós possamos nos lembrar do Mestre e de Deus, pensar no sentido da vida, mudar as nossas reações automáticas para as mais elevadas e positivas. Fortaleça o contato com o Mestre e sinta sua presença. “Abençoados sejam os obstáculos pois neles crescemos”.

Apêndice Tendo Moisés conduzido os judeus para fora da terra do Egito (ou seja, quando os livrou da influência da sociedade, representada na Bíblia pelo Egito), subiu ao alto do monte Sinai, onde Deus lhe deu os Dez Man- damentos, para que as pessoas, fora do domínio da sociedade, ficassem sob a influência de Deus. Mas, enquanto ele estava ausente, o povo, que não conseguia seguir o caminho reto sem um pastor, criou um ídolo: o bezerro de ouro, símbolo do dinheiro (um meio social para a realização de dese- jos). Adoraram-no até a chegada de Moisés, que prontamente destruiu a imagem. Mas o que são os mandamentos, que ligam cada um de nós a Deus? Eles são os princípios, as regras, dadas ao homem, ignorante, como pontos fundamentais de referência, para que ele possa conhecer a Deus e viver uma vida divina na Terra, ou seja, ficar sob a influência da lei divina, e não humana, que leva ao Apocalipse. O Primeiro Mandamento: “AMARÁS AO SENHOR TEU DEUS DE TODA A TUA ALMA, DE TODO O TEU ENTENDIMENTO, E DE TODAS AS TUAS FORÇAS”, isto é, cada um pode aspirar à união com Deus, lembrar-se sempre Dele, sentir Sua presença. Isto é o mais importante para o desenvolvimento espiritual. “NÃO TERÁS OUTROS DEUSES DIANTE DE MIM” – diz res- peito ao fato de que a pessoa pertence a uma egrégora. Ela não pode ligar- se a duas egrégoras opostas, que a Bíblia chama de Deuses, e, portanto, não pode servir a Deus e a Mamom, e se ela entrou na egrégora superior de desenvolvimento espiritual (criado por mensageiros de Deus – os Avatares)

195 para comunicação direta com os planos superiores e com Deus, deve deixar os outros, e ficar nesta egrégora até o fim, ou seja, até a iluminação. Estar em duas egrégoras pode causar desequilíbrio de energia e, consequente- mente, levar a muitos desastres e doenças. O Segundo Mandamento: “NÃO FARÁS PARA TI IMAGEM ESCULPIDA”. Toda forma é transitória. A estrela brilha na coroa do mundo Apenas sob o raio vivificante! Um ignorante faz imagens esculpidas de tudo: atletas, atores, can- tores, políticos, vodca, família, drogas – a partir das coisas às quais está ligado, com as quais se identifica. Isto, por sua vez, liga-oà egrégora destas pessoas e aos fenômenos e, como no primeiro caso, leva a um desequilíbrio de energia, a desastres e à interrupção de seu desenvolvimento. Não vale a pena divinizar algo ou identificar-se com alguma coisa, seja dinheiro, carreira, fama ou poder. Tudo isto faz o indivíduo depender da sociedade, e de tudo que vem com ela: leis destrutivas, guerras, revolu- ções, extermínios, lutas por poder, dinheiro, etc. É preciso lembrar que uma egrégora inferior é uma espécie de espremedor de frutas, que se alimenta da energia, da atenção e das atividades das pessoas, empurrando-as a várias ações ruins, levando seus pensamentos e emoções para longe do desenvolvimento de forças e capacidades latentes, de perfeitos e sublimes estados de amor, harmonia, bem-aventurança e alegria. “MAS BUSCAI PRIMEIRO O SEU REINO E A SUA JUSTIÇA, E TODAS ESTAS COISAS VOS SERÃO ACRESCENTADAS” – é dito por Cristo acerca das altas egrégoras. O Terceiro Mandamento: “NÃO TOMARÁS O NOME DO SENHOR EM VÃO”. Tudo que é ligado a Deus, ao caminho até Ele e ao autodesenvolvimento deve ser sagrado para cada um. O caminho não pode se transformar em atos rotineiros e mecânicos, executados como uma obrigação desnecessária. Deve ser repleto de consciência, entendimento e emoções sublimes, para que ele seja algo vivo, pois Deus diz: “SOU O SENHOR DOS VIVOS, NÃO DOS MORTOS” (de alma). O estado em que o caminho se torna formalidade desnecessária, etc., indica um intervalo que deve ser preenchido com esforços conscientes e experiências sublimes. Gurdjieff deliberadamente criava intervalos para

196 seus discípulos, interrompendo o trabalho subitamente, não prestando atenção a nenhum deles ou repreendendo-os após uma boa ação, etc., para que eles aprendessem nestas situações a mostrar mais compreensão, esforço consciente e se preparassem para superar no futuro os verdadeiros interva- los, pois não há meios mecânicos que os ajudarão no caminho do desen- volvimento consciente. O Quarto Mandamento: “LEMBRA-TE DO DIA DO SÁBADO”. Está associado à ideia de intervalos, que surgem devido aos aspectos nega- tivos entre a Lua e o Sol. Ele se deve ao fato de que os judeus, como muitos povos antigos, possuíam um calendário lunar, apesar de que, de modo geral, os intervalos acontecem nos aspectos ruins dos planetas no céu (rela- cionados a eventos sociais e mundiais na Terra e não menos importantes que os sábados lunares) e também nos trânsitos planetários em relação ao mapa astral. No que diz respeito a cada pessoa ou objeto individual- mente, particularmente importantes são os trânsitos de planetas com um ciclo grande, a partir de Júpiter. O calendário lunar antigo não tem relação alguma com o moderno. Por exemplo, domingo era relacionado com o primeiro dia lunar e sábado com o sétimo20. Quando surge o primeiro grande aspecto tenso no ciclo lunar – a qua- dratura com o Sol – a segunda fase da Lua também começa no domingo e termina no sábado. Quando o Sol está em oposição à Lua, o mesmo acon- tece na terceira e na quarta fase da Lua; especialmente difíceis podem ser os dias lunares 14 e 28, quando, além do aspecto do Sol e da Lua, ocorre um eclipse. Assim, o sábado corresponde ao segundo intervalo entre as notas si e dó da oitava seguinte. O primeiro intervalo coincide com a terça-feira – ele é associado com os aspectos novil, semiquadratura e sesquiquadra- tura (40, 45 e 135 graus, respectivamente). Estes dias correspondem aos planetas que são considerados negativos, mais precisamente, a terça-feira com Marte (pequeno mal), o sábado com Saturno (grande mal). Os dias da semana do calendário lunar também podem ser correlacionados com as notas da oitava cósmica (no entendimento de Gurdjieff): domingo – dó, segunda-feira – ré, etc. Na tradição de muitos povos, estes dias de intervalos (e não só no ciclo lunar, mas também no solstício solar, etc.) foram preenchidos com festividades religiosas (a própria palavra “festa” é associada à relembrança

20 Na Rússia, a semana inicia na segunda-feira, de forma que sábado é o sexto dia e domingo o sétimo. (N. do T.)

197 de um grande passado; no cristianismo, por exemplo, aos atos de Cristo, enquanto nos dias úteis trabalha-se para o futuro), durante as quais eram feitos cultos especialmente solenes (ou seja, repetições particularmente completas e emocionais dos Ensinamentos), sacrifícios individuais e com- partilhados (em sentido literal e psicológico). Ordenavam aos fiéis que se abstivessem de iniciar qualquer coisa (em “segunda-feira”, feira é feriado), e também era imposta uma variedade de penitências, jejuns, preces de joe- lhos e outros exercícios espirituais. O ciclo solar também tem seus pontos tensos. São o equinócio (qua- dratura) e os solstícios de verão (oposição) e de inverno. Alguns feriados antigos, como a Páscoa, combinavam os dois ciclos (lunar e solar) e tinham datas móveis; esta é a base do calendário móvel, em que as datas são conta- das com base em trânsitos planetários. Assim, cada “mês” solar deve come- çar com a entrada do Sol num signo do zodíaco e ter 30 ou 31 dias, até sua entrada no próximo signo. A numeração dos dias e das datas é feita desde a entrada num signo (o primeiro dia) até o fim do signo (dia 30 ou 31 do mês). O pequeno intervalo da oitava solar será no dia 40, desde o início do signo do solstício ou do equinócio (aspecto novil). No mapa astral, a órbita do planeta também é dividida em 4 setores, a partir do local onde ela se encontra. Cada setor é uma oitava e é dividido em 9 partes (7 notas + 2 intervalos) de 10 graus (decano). A oitava também tem notas fortes, nas quais acontece a entrada nos aspectos positivos de 60, 120 graus, etc. (deslizes). “AMARÁS AO TEU PRÓXIMO COMO A TI MESMO.” O desenvolvimento espiritual não é possível sem uma mudança de atitude para com as pessoas; também é inatingível sem um Mestre e pessoas que apoiem o mesmo ideal. Os seguintes mandamentos são dados a fim de construir com todos relações adequadas e fundadas no amor, na fraternidade e na harmonia. Amar o próximo não é fácil. Temos de aprender a fazê-lo. Pois muitas vezes, uma pessoa não gosta nem mesmo de si própria. É necessário amar a parte de si que se desenvolve e o restante tentar abandonar e observar de longe. Primeiro, você tem de aprender a amar aqueles que lhe agradam. Depois aqueles que lhe são indiferentes. E, finalmente, seus inimigos.

198 Quem quer que fosse onisciente, mesmo o egoísta, observaria os man- damentos, vendo que são bons para ele. Mas, para os ignorantes, eles são os principais pontos de referência, que mostram seu pecado, sua inconsciên- cia e sua apatia, que, quando superados, levam-nos ao encontro do amor a Deus e ao próximo, o que os impedirá de pecar, mesmo que esqueçam os mandamentos. O amor é adquirido através de arrependimento e de oração consciente a Deus. O Quinto Mandamento: “HONRA A TEU PAI E A TUA MÃE, PARA QUE SE PROLONGUEM OS TEUS DIAS NA TERRA”. Este mandamento remete à ideia de ajudar aos próximos na velhice, na doença, etc. Anteriormente, não existiam fundos de pensão, seguros de saúde e outras garantias sociais. Os pais (e outros parentes idosos) contavam somente com a ajuda dos filhos, que deveriam cuidar deles em idade avançada; seus próprios filhos, então, fariam o mesmo (o que, em nossa época, não é garantido), e você viveria mais tempo na velhice. Considerava-se algo bom ter uma família grande, pois ela poderia se defender de outra família de tamanho similar. Também era importante que a tribo e o estado tivessem uma grande população por esta mesma razão. Mas agora, tudo está invertido. As famílias abastadas têm poucas crianças. Os países mais ricos têm baixa densidade populacional. Honrar significa ajudar, mas não obedecer, já que agora os países onde as crianças tornam-se independentes mais cedo são ricos. Todas as pessoas bem-sucedidas também ganham sua independência cedo. Os paí- ses que adotam o sistema patriarcal (onde a pessoa é forçada a obedecer não apenas aos pais, mas também a todos os parentes mais velhos, incluindo aos irmãos) estão agora em crise econômica, uma vez que esta pressão da geração mais velha inibe o aparecimento da inovação e do progresso. Esta é a situação típica de todo o Oriente, onde a população, numerosa, vive na miséria. O Sexto Mandamento: “NÃO COBIÇARÁS COISA ALGUMA DO TEU PRÓXIMO”. É o último dado pela religião tradicional. Mas é nele que os mandamentos seguintes se baseiam, pois a partir deste desejo de possuir algo que o seu próximo tem, mesmo se desnecessário, a pessoa rouba, mata, mente, frauda, inveja, se ofende, se irrita, odeia, denuncia, etc. Aquilo que você realmente precisa é sempre permitido, mas todo o resto advém do maligno. Todos os desejos inúteis geram o mal. No entanto, cada um pode desfrutar (sem se apegar e se ligar) daquilo que foi recebido

199 facilmente, por exemplo, uma herança; mas, se alguém trabalha em três empregos para ter o mesmo que fulano de tal possui, isto é um mal para ele. Em primeiro lugar, tal pessoa age guiada por imitação cega com pensa- mento de massa; em segundo lugar, gasta seu precioso tempo e sua energia, trocando a lua por cinco tostões e perdendo a felicidade que poderia obter se orasse, se atingisse um estado extático de transe, se caminhasse na natu- reza, etc., condenando-se assim a um sofrimento desnecessário. O Sétimo Mandamento: “NÃO MATARÁS”. Muitos massacres – guerras, revoluções, queima de bruxas, cruzadas – não são chamados de assassinatos por serem realizados sob os auspícios de ideias elevadas: jihad, exorcismo, libertação do Santo Sepulcro, cumprimento de obrigações internacionais e criação de um futuro brilhante. Mas seria melhor chamar isto tudo de “Os grandes lutam pelo poder, mas quem paga com a vida são os pequenos”. Quando você assistir a filmes sobre guerra, quando ler livros, veja como as pessoas se identificam com ideias que as levam à morte. Per- ceba que o destino deles poderia ser o seu. É importante tentar evitar esta identificação e fugir de tais eventos. Durante brigas e homicídios domésti- cos, muitas vezes as pessoas também se identificam com pseudo-ideias de falsa justiça, de luta contra o mal, tal como elas o veem. Mas se isso acarreta homicídio e violência – tais ideias não valem nada e são o próprio mal. O Oitavo Mandamento: “NÃO ADULTERARÁS”. A moral da comunidade judaica, no momento em que Moisés recebeu os 10 man- damentos de Deus no Monte Sinai, era muito diferente da moralidade europeia contemporânea. Por exemplo: entre os judeus e outros povos da época, o homem podia ter tantas esposas quantas pudesse sustentar; além disso, os ricos também possuíam concubinas. Estas diferenciavam-se das esposas pelo fato de que seus filhos não tinham direito à herança. Os reno- mados reis bíblicos – Salomão, Davi e outros – tinham um grande número de esposas e concubinas, o que não era considerado um pecado; ademais, os judeus daquela época tinham o costume de se casar com as esposas do irmão falecido para prolongar a geração. As mulheres casavam-se depois da primeira menstruação, muitas vezes até aos 9 anos. Os familiares mais velhos forçavam-nas a casarem-se sem seu consentimento. Como se sabe, as filhas de Ló, um dos patriarcas bíblicos, copularam com ele para prolongar a linhagem quando não havia homens jovens por perto. Mesmo neste caso, a união com um parente não era considerada um pecado. Consideravam adultério somente as relações

200 sexuais com uma esposa de outro ou com uma mulher solteira sem o con- sentimento de seus pais ou parentes mais velhos – mesmo a relação entre um homem e sua escrava não era pecado. Assim, cada povo possuía sua própria moralidade, que nem sempre correspondia à moral de outros. O que, na verdade, é um pecado de adul- tério em termos de autodesenvolvimento espiritual, de movimento (evolu- ção) da alma para junto de Deus? É o uso incorreto da energia sexual que, em primeiro lugar, corta as fontes de vigor da pessoa, priva-a de suas forças, mais precisamente, de sua sutilíssima energia sexual, da qual depende o crescimento de nossos corpos espirituais (si 12). Também impede que a essência obtenha impressões sutis (transição de mi 12 a fá 6 na oitava de impressões), sem as quais o contato do centro emocional com o Emocional Superior é impossível, pois esta energia é a base de emoções sublimes e o combustível para o trabalho do Centro Emocional Superior. Além disso, o funcionamento incorreto do centro sexual e a influência da energia de outros centros causa uma falha no trabalho da essência, dificultando o despertar e o desenvolver da consciência. Um orgasmo masculino ou feminino, inclusive quando obtido atra- vés de masturbação, que corte as fontes de energia pode ser considerado adultério. Assim como relações sem um orgasmo com um parceiro impró- prio (fraco, desenergizado, doente, com energia suja e destrutiva), fantasias sexuais incluindo todos os tipos de sonhos românticos (ação da energia sexual através do centro de pensamento), bem como várias emoções nega- tivas: ciúmes, vingança, possessividade, mágoa, sentimentalidade, ligados com a realização da energia sexual através do centro emocional. Também a preguiça ou a tensão muscular excessiva – realização por meio dos centros motor e instintivo. Conscientemente, analisando e interrompendo estes fenômenos, é possível obedecer ao mandamento “não adulterarás”. Pelas mesmas razões, existe o celibato, ou seja, a conservação da ener- gia sexual e direcionamento dela às práticas espirituais dos monges. Há também o Brahmacharya, isto é, a abstinência durante o período de apren- dizagem, pois o uso incorreto desta energia priva a pessoa da oportunidade de adquirir o Conhecimento verdadeiro, para a qual é importante ter a compreensão em todos os centros. O Nono Mandamento: “NÃO FURTARÁS” é derivado do manda- mento “NÃO COBIÇARÁS COISA ALGUMA DO TEU PRÓXIMO”. Uma pessoa, quando comete roubo ou outros crimes, mostra sua ignorân-

201 cia e imaturidade. Pessoas inteligentes, tais como Ford, Rockefeller, Bill Gates e McDonald, não recorreram ao roubo, pois conquistaram muito na vida com suas habilidades e atividades; suas invenções, com efeito, os transcendem. Crimes que causam dano a outrem trazem apenas um efeito temporário ao malfeitor e são seguidos de punição: ou ele vai para a pri- são, ou outros criminosos matam-no, visto que qualquer tipo de violência e destruição consequentemente arruína a vida da própria pessoa. Deve- mos agir construtiva, positiva e determinadamente e, então, poderemos levar a cabo grandes conquistas. O criminoso, portanto, rouba a si próprio quando segue este caminho de falsos desejos, que muitas vezes lhe são pre- judiciais. Evidentemente, se o faminto coleta espigas de trigo no campo e é chamado de ladrão – isto é um erro. É preciso lembrar também que muitos crimes, apesar de não serem assim chamados, são os maiores e os mais amplos. Há governos e legislações criminosos, juízes corruptos que condenam pessoas de forma negligente, policiais preocupados apenas com sua patente, etc. O Décimo Mandamento: “NÃO DIRÁS FALSO TESTEMU- NHO”. Este mandamento é uma versão simplificada do mais complexo “NÃO MENTIRÁS” (“Sou escravo e servo da mentira”). Pois a mentira ou a verdade não dependem da sinceridade da pessoa, já que ela pode real- mente estar enganada, passando o falso como se verdadeiro fosse. Se você leu todos os mandamentos acima, provavelmente percebeu que seu entendimento deles agora é bem diferente, pois, para que se possa dizer a verdade, é preciso antes conhecê-la, e para isto é necessário apren- der. O conhecimento da verdade começa com o autoconhecimento, e este, com o despertar da consciência. Se uma pessoa sabe a verdade, então ela já está perto da onisciência. Caso contrário, ela pode errar facilmente e enganar a si mesma e aos outros, mesmo nas questões mais simples. Cristo disse: “Mas tu, por que julgas teu irmão vendo o argueiro que está no olho dele? Tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão.” O conhecimento da verdade baseia-se no observar atentamente uma situação através de todos os centros e não na erudição por meio de livros. Muitas vezes, os centros emocional e instintivo conseguem capturar algo que está bloqueado para a mente e aproximar-se da verdade. “O sábio permanece em silêncio” (Lao Zi). Mas saber a verdade não significa lançá-la à face de todos. Isto pode acabar mal para o iluminado e

202 para outras pessoas. Portanto, considerando a natureza agressiva dos igno- rantes, seu dogmatismo e sua incapacidade de aceitar qualquer tipo de dissidência, é preciso espreitar, ou seja, desempenhar um papel aceitável e falar apenas o que será compreendido de forma adequada em cada situa- ção. Esta atitude baseia-se também num grande conhecimento das pessoas e dos processos sociais, de modo que o mandamento “NÃO MENTIRÁS” se refere, principalmente, à própria pessoa. Não se iluda; seja honesto com Deus e desperte sua consciência. O progresso técnico contemporâneo é o resultado da adaptação da sociedade a uma população cada vez maior do planeta. Sem os atributos modernos do progresso, seria impossível a vida de um número tão grande de pessoas. Mas, apesar de todas as conquistas científicas, o povo continua ignorante. Acima de tudo, não conhece a si próprio, não sabe o que existe no plano espiritual e o que o espera após a morte. Muitas vezes, porém, as pessoas confiantemente falam sobre coisas que não conhecem e não podem saber. Isto gera novas mentiras, que permeiam a sociedade e o próprio homem. É necessário observar o trabalho da mente para não sucumbir às mentiras e à imaginação doentia, e lembrar-se da frase de Sócrates: “só sei que nada sei, e os outros nem isso sabem”.

A força moral do amor (Suplemento para os 10 mandamentos) Citações de João: “Deus é amor; e quem permanece em amor, per- manece em Deus. No amor não há medo, porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor. Mas o perfeito amor lança fora o medo”. A palavra amor atualmente tem uma grande quantidade de significa- dos: apego, possessividade, amor por objetos e por dinheiro, carinho, sexo, atitude entusiasta, etc. Portanto, é melhor determinar de qual tipo de amor estamos falando. Na Grécia, existiam várias palavras para designar o amor: Eros – o sentimento erótico; Filia – o amor mental, do qual originaram-se palavras como filosofia, filatelia, etc. Distinguiam eles também o amor de mãe, os sentimentos de paren- tesco, etc.

203 Além disso, havia Agastya, ou seja, amor divino, emoção sublime; ao vivenciá-lo, a pessoa se sente unida àqueles que ama: a Deus, ao próximo, ao mundo inteiro. Este amor é emitido como a luz do sol, a todos e de forma imparcial, sem exigir nada em troca, sem tentar tornar o objeto de amor sua propriedade. Ele permite que as pessoas sejam como realmente são e deseja que todos recebam amparo e bondade. Na Índia, este tipo de amor era chamado de Ananda (graça divina). O amor que o próprio Deus sente por nós. Alcançando este amor, o indivíduo sente uma cone- xão com Deus, com o mundo, com todas as pessoas. Este amor aparece gradualmente através da sintonia com ele, através do cumprimento dos 10 mandamentos de Deus, através da vitória sobre emoções negativas, apego e mentiras. Tal amor pode ser atingido somente de forma consciente. É a maior energia que o Criador contemplou, é a sua força criativa de Shakti, que concebeu o mundo. Afinal, se não existisse amor ou, pelo menos, suas manifestações primitivas em forma de Eros, Filia, afeição, carinho, etc., o mundo há muito teria desmoronado, as pessoas teriam se destruído mutu- amente. É graças ao amor (à caridade, à compaixão, à empatia) que nós vivemos, e, se houvesse mais amor, a Terra se tornaria o Paraíso. Portanto, é muito importante cultivar em si mesmo e nos outros esta emoção divina, esta força, que nos unifica com Deus. Que o Amor viva ao seu redor! Que a Benção do Senhor esteja com você!

Prática espiritual «Tempo de lágrimas» Primeiro nível Escolher canções espirituais (músicas que tocam o seu coração). De 1 a 2 vezes ao dia, de 30 a 60 minutos cada vez. Escutar estas músicas e culti- var o estado de oração, sintonizar-se com amor, arrependimento, devoção, compaixão e outras emoções elevadas e sinceras, com o ícone, a imagem de Deus, ou uma foto do Mestre. Pode realizar esta prática até chorar. No final dançar 10 minutos ou mais, alegrando-se, celebrando e agradecendo. A música pode ser trocada caso haja necessidade.

204 É melhor realizar a prática durante a manhã. Pode começar com a oração de cura em círculo, e depois individualmente. Após esta prática é bom fazer as práticas “Ponto”, “Sininho”, ou outras práticas espirituais para cultivar o estado consciente, porque nesta hora terá muita energia espiritual. A dança faz parte do tempo desta prática espiritual. É bom cuidar para que esta prática não se transforme em auto piedade ou outras emoções não favoráveis.

Segundo nível Busquem reunir-se em grupos maiores e sintam como o amor enorme desce sobre vocês. Ele é muito poderoso e os eleva a Deus, assim que o êxtase e a transformação surgem. Após a prática, chegue até cada um e peça perdão até pelos maus pensamentos e abracem-se. Depois abracem-se todos juntos formando um círculo e no meio do círculo imaginem Deus, o Mestre ou o Anjo da guarda, aquele de quem você sentiu o amor durante a prática. E que cada um decida viver no amor com o seu próximo, para encarnar este amor no seu coração e na sua vida. Não precisa se esconder das pessoas, mas realizar a prática, porque quem se esconde, guarda um demônio dentro de si, pois o demônio teme pessoas, teme que elas o matem, o expulsem e por isso fica longe delas. Tenha em mente pensamentos contra as más pessoas e desculpas para salvar-se do seu mal. De dia, observe as partes em que as aranhas, que não querem amar e, menos ainda, arrepender-se, vivem.

Terceiro nível É preciso soltar o corpo para que a energia comece a fluir. Pode mover-se do jeito que quiser ou que sentir para chamar este estado. Respirar com maior força e mais profundamente, como se fosse tra- zer este estado para si, sentindo o melhor ritmo da respiração. Soltar a voz (moderado). Pode inspirar com voz, exclamar em voz alta: “vejo os bloqueios me atrapalhando”.

205 Esta prática espiritual deve ser como radênie21, ou seja, como uma prática religiosa, uma prática de transe. Assim que entenderem como fazer e qual estado é preciso, poderão realizar o transe ou meditação ativa, dança como descrevi com os movi- mentos gerais rítmicos com aceleração e no final a catarse espontânea, êxtase. É preciso aprender a chegar nele. Caso seja difícil no começo, pode fazer o transe menos de uma hora. É preciso sair da personalidade e entrar na essência, parar de pensar e avaliar, e entregar-se a este estado, entrar no fluxo divino. Cuidado para não confundir êxtase com ataque histérico. Sutilize-se, eleve-se até arrepiar a pele em deleite. Durante a prática espiritual é preciso ter um objetivo para que ela não se torne formal, mecânica. O objetivo pode ser ajudar ao seu Mestre ou alguma pessoa que está passando por dificuldades. Orem pelas pessoas para que o estado de luz e compreensão surjam nelas. *** Sucessos e tristezas: tudo vem da mente. Um manda chorar e o outro alegrar-se Nos ensinam modéstia e comportamento de gente Mas isso tudo vem da fraqueza, é tudo uma farsa! Não há derrotas nem sucessos Você os inventou apenas! Os centros do prazer e sofrimento São ativados por desejos seus Cada um tem como certo o próprio pensamento, Conselhos de cegos nos guiam para longe de Deus. Não há derrotas, nem sucessos. Você os inventou apenas! Não julgue quem é o culpado Julgar nos puxa para trás Aceite tudo o que lhe é dado, não escute um desvairado Os conselhos de escravos não nos trazem paz 21 Radênie é uma palavra russa que é usada para descrever antigos rituais cristãos que usavam canto e dança para atingir estado de êxtase.

206 Não há derrotas, nem sucessos Você os inventou apenas! *** Com escala de estados coloridos pela sabedoria, As energias numa fartura de revelação, Quando o esforço é muito, a harmonia traz frutos Na constância de pensamento e ação. A vida não é um ensaio para aquele Que usa sua intuição Sabendo tomar atitude E agir com puro sentimento e de coração. Com escala de estados coloridos pela sabedoria, As energias numa fartura de revelação, Quando o esforço é muito, a harmonia traz frutos Na constância de pensamento e ação. *** O sofrimento veio, que maravilha! Sem ele sou mesmo um tolo A ducha fria me faz bem de manhã Alongamento e depois o trabalho E quando der a vontade de descansar Relaxar um pouco ou divertir-me Não se esqueça de dar-me um pontapé Naquele lugar em que a gente se senta. O sofrimento é uma cura e tanto Ajuda contra qualquer doença Sofrer iremos de qualquer jeito Sofrer alegre é sempre melhor. ***

207 A polarização de todos os processos da vida É a chave da espiral evolutiva Uma parte encontra evolução no progresso A outra dá passos para trás. Há polaridade em toda parte Ativos e passivos, inteligentes e burros A lei única triunfa, enquanto As pessoas se dividem em grupos. Não há igualdade na natureza, isso é claro Como não há linhas retas no Universo. Os bichos ficam amigos no acasalamento Depois disputam o melhor lugar em novo regresso. O ser humano, imerso nas ilusões Discute sobre como ser igual Não é amigo nem para si mesmo Que ele lembre de como viveu no reino animal.

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