DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho- Noite- -24-06-2014

A SRA. MESTRA DE CERIMÔNIAS – Boa tarde a todos!

Dando continuidade aos trabalhos do seminário Pensamento, Legado Político e Social do Líder Trabalhista Gaúcho, Leonel de Moura Brizola, teremos a apresentação do terceiro painel, que tem como tema Reforma Agrária: de Brizola aos Nossos Dias, Uma Luta Sempre Atual.

Convidamos para compor a mesa: como mediador, o jornalista e escritor Elmar Bones; como painelistas, o economista e ativista social João Pedro Stédile e o arquiteto e primeiro coordenador-chefe do Instituto Gaúcho de Reforma Agrária, Paulo Alberto Schmidt.

Passamos a coordenação dos trabalhos ao jornalista Elmar Bones.

O SR. MEDIADOR (Elmar Bones) – Boa tarde a todos!

Em nome da Assembleia Legislativa, agradeço a presença das senhoras e dos senhores e, de modo especial, dos nossos debatedores João Pedro Stédile e Paulo Alberto Schmidt.

Reforma agrária já foi definida como a mãe de todas as reformas, não só pela importância que tem em si, mas pelo fator simbólico e pelo que ela tem produzido de luta política em nosso País, apesar dos resultados concretos não serem muito animadores.

O Brizola foi um pioneiro. Num momento em que nem a legislação fundiária existia, ele foi um visionário nesse sentido.

O impressionante é que, da experiência pioneira do Banhado do Colégio para cá, temos quase 60 anos. Segundo muitos historiadores, a reforma agrária foi um dos fatores fundamentais da queda do presidente João Goulart na hora em que ele se decidiu por avançar com as reformas e começou inclusive um processo de desapropriação de áreas públicas. O seu governo praticamente perdeu a sustentabilidade.

Combinada essa questão da reforma agrária com uma outra medida fundamental que o presidente tomou, que foi uma legislação para regular a remessa de lucro das empresas estrangeiras, juntaram-se interesses concretos do latifúndio nacional com o interesse das empresas multinacionais. Realmente, hoje ainda estamos tentando avaliar, analisar e aprender com isso que aconteceu.

1 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 A reforma agrária era uma demanda naquele momento tão ampla no bojo de todas as reformas que mesmo a ditadura teve de criar uma espécie de arremedo com o Estatuto da Terra, sinalizando ou apontando uma preocupação com a questão da concentração da propriedade de terra no nosso País, que é um dos nossos problemas estruturais.

A ditadura simplesmente fez um jogo de cena, muito pouca coisa aconteceu. E a reforma agrária volta à tona, volta ao nosso cardápio político pelos movimentos sociais, especialmente pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, do qual João Pedro Stédile é um dos líderes.

Então, não tivemos a reforma agrária. Esse problema é sistematicamente escamoteado, um tema que não tem entrada na mídia, um tema marginal, que é abordado somente quando há ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e geralmente de forma negativa, condenatória.

A discussão desse problema, do ponto de vista dos meios de comunicação do Brasil, é como se fosse superada.

Para não me alongar muito, estamos tratando aqui de um tema essencial para a vida política e econômica do Brasil, um tema que tem muito pouco espaço, que é muito pouco discutido hoje. Essa postura dos meios de comunicação dá a entender que ele é um tema superado, quando, na verdade, é um tema central da nossa vida política, social e econômica.

Primeiramente, passarei a palavra ao professor Paulo Alberto Schimidt, que tem uma longa história de pioneirismo nessa questão da reforma agrária, trabalhou com Leonel Brizola durante todo o seu governo. Depois, nessa mesma área, participou do governo do presidente Goulart e, mesmo depois da redemocratização, quando Brizola foi governador do Rio de Janeiro, ele foi chamado para integrar o seu secretariado nessa mesma área, numa secretaria que cuidava de assuntos fundiários.

Não sei bem o que Brizola pretendia com reforma agrária no Rio de Janeiro, mas isso sinaliza uma preocupação constante e que não se abateu no ânimo de Brizola ao longo dos anos.

Concedo a palavra ao professor Paulo Alberto Schimidt.

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – Como o nosso mediador disse, tenho uma longa trajetória nesse campo de reforma agrária. E mais: tenho o privilégio de ter convivido com Brizola desde a faculdade. Quando ele frequentava o terceiro ano da Faculdade de Engenharia da Universidade do , eu

2 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 entrava para o primeiro ano e já trabalhava no centro acadêmico, porque sou um animal meio político, acho que já nasci com esse vezo da política executiva, da política de planejamento e execução, e não da política da tribuna, que respeito, mas não é o meu vezo.

Lá conheci Brizola, aquele homem com uma aura – como ouvi alguém dizer hoje de manhã – magnífica. Um homem que tinha um magnetismo pessoal impressionante. Eu era garoto, vindo lá de Cruz Alta com as dificuldades normais do estudante do interior, tentando sobreviver em Porto Alegre. Éramos três irmãos que o pai tentava sustentar dignamente lá em Cruz Alta com os meios que possuía. E eu ouvia Brizola falar. Ele tinha feito seus preparatórios à noite no Júlio de Castilhos, onde já tinha iniciado sua vida política, já tinha se metido no centro acadêmico e estava fazendo uma carreira política estudantil.

Na Faculdade de Engenharia eu conheci esse cara. Como eu tinha conseguido um lugar no centro acadêmico, porque um colega mais velho, já bem adiantado, Antônio Frisina, conseguiu-me uma fiança, eu adquiria material de desenho, esquadros e coisas desse tipo que o engenheiro e o arquiteto usavam muito. Hoje não usam mais porque o computador faz quase tudo, mas naquela época havia toda aquela parafernália instrumental e era cara. Com esse aval do Frisina, uma firma de Porto Alegre me fornecia o material em consignação, e eu repassava aos colegas com pequeno lucro para a minha sobrevivência.

Nessa época, em 46, Brizola se candidata a deputado. O Partido Trabalhista o indicou como candidato a deputado estadual, praticamente, sem recursos. Imaginem. Aliás, ele sempre teve muita dificuldade de recursos. E ele me levou, um dia, seu primeiro manifesto de campanha.

Estou relatando isso porque me parece importante compreendermos por que Brizola se tornou o que se tornou. Por que ele se tornou ‘inimigo’, entre aspas. Infelizmente, na minha ignorância e infantilidade não guardei nenhum exemplar daquele primeiro manifesto. Se alguém tiver recebido – quem sabe o Fontourinha tenha um em seus alfarrábios – verá que ele fundamentalmente estabelecia um comparativo entre as dificuldades do estudante civil e as vantagens do estudante militar.

O estudante civil sobrevivia com todas as dificuldades. Eu, por exemplo, morava numa pensão – e não era privilégio meu, era a norma; até hoje creio que acontecem coisas desse tipo –, sendo que éramos cinco em um quarto. Os outros quatro eram empregados do comércio. Eram pessoas mais velhas, e eu era aquele guri meio apavorado, chegado do interior e ainda meio assustado com o que estava acontecendo.

3 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 O Brizola relatou isso porque passou pela mesma situação. Foi até pior para ele, porque eu não precisei engraxar sapatos nem ser ascensorista, e ele precisou. Nesse manifesto, então, ele falava dessas dificuldades e de outras ainda piores. Quando você se formava, por exemplo, onde podia trabalhar, com quem, de que jeito? Você não era prestigiado. Junto a esse relato, vinha o referente ao estudante militar, que na época frequentava a antiga Escola de Cadetes, como era chamada.

O estudante militar tinha casa, comida, roupa – roupa lavada, inclusive. Ele tinha todas as benesses e muito mais. Formava-se e já estava empregado pelo resto da vida, com benesses para a família. Ao estabelecer esse contraste e, como tônica de sua campanha, a preocupação com o problema da educação – estava preocupado com os estudantes –, ele granjeou a inimizade da área militar. Esta passou a vê-lo como inimigo, e daí para frente ficou esse estigma em Brizola.

Eu gostaria, se vocês me permitissem, de dizer que Brizola está acima de partidos. A personalidade Brizola está acima de partidos, e sempre esteve. Aliás, com Getúlio ocorreu o mesmo, porque ele criou o PSD e, logo depois, o PTB. Criou um partido dito de direita e, logo em seguida, um de esquerda, visando a equilibrar a situação com o conhecimento que possuía. Brizola, por sua vez, tem origem em Getúlio.

Uma outra coisa importante que encontrei nos meus estudos, nas minhas pesquisas, é que um dos primeiros atos de Getúlio Vargas foi criar, já em 1930, no ano em que assumiu, uma secretaria de negócios de educação e saúde. Isso foi feito em seu primeiro ano de administração. Esse exemplo de Getúlio respingou em Brizola, em cima das dificuldades que ele teve de vida para conseguir estudar. Daí é que se formou esse homem.

Quando deputado nesta Casa, o primeiro projeto apresentado por Brizola foi para que os estudantes empregados tivessem abonadas as suas faltas no caso de terem que prestar exames. A proposta foi aprovada. Antes não havia esse direito. Vejam, portanto, que tudo se voltava para a questão educacional.

Eu pediria a vocês licença para ler, porque tenho muito medo de falar das pessoas e dizer algumas impropriedades. Acredito que, lendo, o texto que li torna-se um documento.

Isso tem base em nossa longa convivência, porque trabalhamos juntos. Brizola, quando governador, convidou-me para atuar no setor de planejamento da Comissão Estadual de Prédios Escolares. Nosso grupo planejou 6.217 escolas, as quais foram construídas. E não eram as brizoletinhas, e sim escolas de todo tamanho. A nossa missão não era fazer o projeto de arquitetura, nem fazer a construção. A nossa missão era procurar os locais onde havia necessidade de escolas.

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Costumo dizer que a necessidade era tão grande que, se fosse possível pôr bilhetinhos de mil escolas e jogar para cima, estaria certo onde caísse. Havia uma carência absoluta de escolas, mas Brizola queria mais. Ele nos determinou que as escolas fossem adequadas à população, que, mesmo nos lugares mais longínquos, houvesse escolas. Lembro bem que recebi essa instrução. Então, eram escolinhas isoladas. Dependendo da cidade, do Município, do local, da população estudantil que precisava, surgiram escolas de 3, 6, 9 salas de aula, com todos os equipamentos, como esses que vemos nas fotografias e até em filmes.

Se havia necessidade de uma escola secundária, vinha a escola secundária; se havia necessidade de uma escola profissionalizante, vinha a escola profissionalizante. As prefeituras teriam que entrar com o terreno e com uma parcela mínima de dinheiro. Ele sempre queria o trabalho em mutirão, que houvesse esse acordo Estado e Município, para que não houvesse o isolamento do Estado paternalista. Essa era uma visão que respingou depois na reforma agrária. Esse foi o Brizola que eu conheci, com quem eu convivi depois do exílio, no Rio.

Eu era secretário de Estado da Secretaria Extraordinária de Assuntos Fundiários, Assentamentos Humanos e Projetos Especiais. No Rio, conseguimos regularizar a posse de mais de 12 mil famílias. Isso é uma reforma, não é agrária, mas também faz parte do direito à propriedade. Mais de 12 mil famílias tiveram seus lotes regularizados, sem falar de alguns projetos de reforma agrária que se fez lá também e que são sucesso até hoje.

Coloquei aqui: Para Compreender Brizola. Todos nós conhecemos uma parcela da biografia de Brizola. Procurei escrever baseado não só em fatos, mas especialmente em relatos da Quita, a sua irmã mais velha, que praticamente criou o Brizola, porque a mãe alfabetizou, mas depois ela casou de novo, e ele foi morar com a Quita. Ela tinha casado com um açougueiro em Carazinho. Lá ela foi formando Brizola. Tinha uma autoridade muito grande sobre ele. A Quita era uma mulher forte. Quem conheceu sabe disso. Era difícil às vezes, mas de uma personalidade maravilhosa, solidária.

Não preciso dizer que Brizola nasceu em Carazinho em 22 de janeiro de 1922, filho de José de Oliveira Brizola e de Oniva Moura Brizola, que tiveram cinco filhos: Francisca – a Quita –, Irani, Paraguassu, Frutuoso e o pequeno, cujo nome estava meio complicado, porque a mãe queria que fosse Itagiba. A Quita me contou que o pai estava na guerra e que ele montava numa taquarinha com outra taquarinha na mão e dizia: Eu sou Leonel Rocha. Quem era Leonel Rocha? Era o chefe revolucionário comandante das tropas do pai dele, que ele admirava muito por ouvir falar. Então, ele criou o nome dele. Ele se autodenominou Leonel. Ele surgiu de um revolucionário. Acho que isso é expressivo. Parece-me importante que ele tenha ido

5 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 buscar num revolucionário, pois sabemos o que acontecia na época.

José Brizola era agricultor pobre e tropeiro. A terra em que viviam não tinha título de propriedade. Era idealista, maragato. Em 1923, lutava na guerra civil contra os chimangos de , que queria perpetuar seu governo. Alistado no exército do caudilho Leonel Rocha – veterano de 93 e comandante do exército revolucionário da região norte –, sua missão, pelas características de tropeiro, foi equipar a tropa com cavalos. Ele arrecadava cavalos como podia, tanto que posteriormente surgiu uma história de que o pai dele foi degolado porque era ladrão de cavalo. Isso foi dito pelo David Nasser, um jornalista da O Cruzeiro. Quem viveu naquela época se recorda disso. O Brizola encontrou o jornalista no aeroporto e quebrou a cara dele, simplesmente deu uns tapas nele devido a isso.

Terminadas as lutas fratricidas por mediação do ministro da Guerra, José voltou para casa e continuou seus trabalhos de agricultor. Um grupo de soldados do governo o prendeu e o levou manietado por ordem de Valzumiro Dutra, que era o chefe político chimango, de Palmeira das Missões. Anos depois o comandante do fuzilamento, que na época da gravação era capitão, num depoimento gravado – existe esse documento –, contou a Romeu Barleze, numa rádio de Carazinho, sua participação direta na morte de José Brizola. Cito isso para tirar aquelas lendas que existem de que ele foi degolado por ladrão de cavalo. Isso era dito para achincalhar. Sabemos como os boatos surgem e não sabemos de onde vêm – às vezes até sabemos.

Brizola estudante. Brizola foi alfabetizado, como os irmãos, pela mãe que era professora. Era uma professora de três anos de colégio. Diga-se de passagem que já era muito, era notável na época no interior. Frequentou a primeira escola no povoado de São Bento. O segundo ano primário fez em Passo Fundo quando morou com Quita. Ele trabalhou como entregador de carne no açougue do seu cunhado. Com 10 anos morou em Carazinho com um amigo de seu pai que era também tropeiro. Lá continuou os estudos trabalhando como lavador de pratos, engraxate, jornaleiro e bagageiro da estação rodoviária. Ouvi das pessoas isso que estou dizendo.

Em 1933, já com 11 anos foi acolhido por Isidoro Pereira, pastor metodista, e aprendeu – entre aspas – “até a escovar os dentes.” Com o apoio e o carinho recebido, concluiu o curso primário. Passou em primeiro lugar no exame de admissão ao ginásio. Por que ressalto esse primeiro lugar? Porque demonstra o esforço desse homem para ascender, para crescer, a sua ambição de fazer. O prefeito de Carazinho comovido pelo esforço do guri, em 1936, patrocinou a sua ida para a então Escola Estadual Técnica de Agricultura em Viamão, onde prestou exame de ingresso e mais uma vez foi aprovado em primeiro lugar. Sem recursos, trabalhou em Porto Alegre até como ascensorista na Galeria Chaves.

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Ao pretender fazer a matrícula na Escola Técnica Estadual de Agricultura, verificou que ainda não fora registrado, que não tinha certidão de nascimento. Regularizada a situação, passou a morar no então Instituto Técnico Profissional até a formatura em 1939, quando com 17 anos foi diplomado como técnico rural. Vejam os vínculos, como as ligações vão se encontrando. Uma referência histórica: desde 2001, a escola voltou ao seu nome original de Escola Estadual Técnica em Agricultura.

Novamente buscou trabalho para sobreviver e completar mais estudos. Passou num concurso de fiscal de moinhos do Ministério da Agricultura, mas trocou pelo emprego de jardineiro da Prefeitura de Porto Alegre.

Fez o supletivo na parte noturna do Colégio Júlio de Castilhos. Participou da política estudantil. Em 1945, foi aprovado no vestibular para fazer a Escola de Engenharia da Universidade do Rio Grande do Sul, hoje Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Formou-se em 1949 como engenheiro civil.

Brizola político. Em 1945, integrou o grupo que organizou e fundou o PTB no Estado. A seguir, participou ativamente da criação da Ala Moça do PTB, sendo eleito seu primeiro presidente.

Em 1946, no segundo ano da Faculdade de Engenharia, Brizola foi inscrito pelo PTB para disputar uma vaga de deputado estadual, sendo, em 19 de janeiro de 1947, eleito com mais de 44 mil votos – foi um dos 11 mais votados. Ali conviveu com o também deputado João Goulart. Além de colegas de bancada e companheiros de partido, eles se tornaram amigos íntimos. O PTB elegeu, nessa época, a maior bancada da Assembleia.

Quando me refiro a essa amizade íntima entre Jango e Brizola, quem já ouviu algumas histórias sabe por que estou fazendo tal referência. A amizade foi realmente muito íntima. Eles eram companheiros – e falo isso com alguma autoridade – até de farras. Brizola, Jango e Wilson Vargas fizeram farras homéricas nesta Porto Alegre, eram de uma intimidade absoluta. É importante fazer essa referência, porque temos lido muita coisa denegrindo e mostrando uma imagem diferente.

Fiz um pequeno resumo das realizações de Brizola. Como prefeito de Porto Alegre, ele teve 137 novas escolas construídas, 35 mil novas matrículas realizadas e 5 mil novos professores contratados, segundo dados que tirei dos arquivos oficiais. Já como governador do Estado – ele se elegeu aos 37 anos, exercendo a função de 1959 ao 1962 – construiu 5.902 escolas primárias, 131 de 2º grau e 278 técnicas, perfazendo um total de 6.311 escolas. Além disso, em sua administração foram feitas

7 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 688.029 novas matrículas – mais de meio milhão – e 42.153 professoras foram admitidas.

Depois disso, Brizola foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, em 1962. De 1983 a 1987 e de 1991 a 1994 foi governador daquele Estado.

Ouvi e li que se fala muito dos 500 CIEPs que Brizola construiu. Não é verdade. Esse era o projeto, mas ele não conseguiu construir todos, porque o período de governo foi muito curto – ele não elegeu seu sucessor. Brizola construiu 219 CIEPs, dos quais 191 ficaram funcionando. Trabalhei no Rio de Janeiro, e esses são os números reais.

No período, o Rio teve realizadas 177.969 novas matrículas; 34 mil Casas da Crianças – era como Brizola chamava as casas que abrigavam menores que não tinham condições – foram abertas e 35 mil novos professores foram contratados. Isso é o que chamo de herança de uma vida. Quem no mundo fez mais pela educação em um período tão curto, partindo de um só líder?

Muito obrigado.

O SR. MEDIADOR (Elmar Bones) – Concedo a palavra ao João Pedro Stédile.

O SR. JOÃO PEDRO STÉDILE – Boa noite, companheiros e companheiras.

Agradeço, lisonjeado, a oportunidade de estar aqui, participando deste debate. Cumprimento a iniciativa que a Assembleia Legislativa tomou, em nome do povo gaúcho, de promover este evento destinado a recuperarmos o legado dessa figura pública que foi Leonel Brizola.

Esse legado certamente dá lições permanentes a todos nós que participamos da luta social e da vida pública não só no Rio Grande, mas em todo o País.

Acredito que me convidaram para dar este testemunho muito mais pelo que o MST tem, na sua trajetória, de ser uma espécie de herdeiro do que foi o Master dos tempos do Brizola. Pessoalmente evidentemente que o nosso querido Schimidt tem toda a moral por essa convivência de uma vida inteira com o Brizola e que pode nos compartilhar detalhes do seu comportamento.

Pessoalmente conheci o Brizola no México quando eu estava estudando em

8 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 1978. Depois que foi expulso do Uruguai, ele estava se movimentando para rearticular o PTB, que depois perdeu para a Ivete Vargas, e resultou no PDT. No México, na comunidade brasileira, eu era muito amigo do Neiva Moreira, do Julião, do padre Lage, dos que estavam lá exilados. Nesse âmbito, certa vez chegou o Brizola para fazer debates políticos sobre a redemocratização do nosso País. Fiquei muito impactado com o debate político, com as ideias, além de tudo que conhecia de ter ouvido na minha infância e adolescência no interior do Rio Grande onde me criei.

Sou fruto inclusive desse plano de educação que o senhor citou, porque, lá na minha comunidade, no interior de Nova Prata onde eu estava morando, foi construída uma dessas escolas. Com isso eu pude frequentar escola no interior sem os sacrifícios que havia na época, em que às vezes as crianças tinham que caminhar 8, 10 quilômetros. Quando eu completei 7 anos foi justamente quando ficou pronta a escola e eu pude estudar sem os sacrifícios maiores que os outros meus vizinhos tinham tido antes. Também depois com a redemocratização do País e com o surgimento do MST, tivemos uma experiência muito importante de procurar ouvir os que haviam organizado o Master e as Ligas Camponesas, mas sobretudo em relação ao Master. Pude conhecer e fazer amizade com o Paulo Schilling, que era um intelectual que trabalhou muito com o Brizola, embora, no final da vida, não se acertaram. Ele conhecia os detalhes do Master.

Também pude conhecer o João Sem Terra depois que ele saiu da sua clandestinidade.

Um companheiro com quem aprendi muito foi o Cleto dos Santos, que era um militante das antigas na região de Nonoai e Sarandi, que foi um dos berços onde o MST, depois, renasceu.

Mesmo lá na região de Sarandi, encontrava aqui e acolá, nos acampamentos e nos debates, muitos camponeses que haviam participado do Master. E cada vez que encontrava um desses personagens, eu procurava conversar o máximo que podia para aprender sobre a experiência que havia sido o Master.

Já no final da vida do Brizola, quando ele já estava morando no Rio de Janeiro, a partir de 1994 portanto, desfrutei da sua amizade. Cada vez que eu ia ao Rio, aproveitava para visitá-lo. Passava o tempo todo fazendo perguntas para ele, pois o considerava muito sábio, com uma experiência pessoal impressionante de homem público. Eu sempre levava outros dirigentes do MST junto. Acreditava que aquelas visitas ao Brizola eram verdadeiras aulas particulares da luta política excepcional. Foram sempre muito agradáveis.

O depoimento que tenho a dar ao povo gaúcho se baseia nessas fontes, que foram um tanto efêmeras. Sobre o Master há uma tese importante de uma gaúcha,

9 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 que faço questão de registrar, a Córdula Eckert, que deve ser até hoje funcionária da Emater.

A Córdula foi a primeira historiadora que sistematizou o que foi a experiência do Master do ponto de vista histórico e sociológico. Essa tese também foi muito importante para o MST, a fim de conhecermos o que foram nossos avós do ponto de vista da organização camponesa.

De tudo isso, o que posso comentar é que o legado do Brizola foi muito importante para a luta pela reforma agrária. Foi e é até os dias de hoje. Primeiro porque o Brizola compreendeu o direito dos camponeses a terra. E foi mais além disso. Talvez o Brizola tenha sido o primeiro político brasileiro que incluiu o direito a terra como parte de um programa de reforma agrária clássica. Ou seja, o Estado deveria garantir a terra a esse camponês pobre, porém dentro de um contexto histórico, de um projeto maior de desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul e do País.

Nisso ele foi pioneiro, porque teve essa visão mais além de outros dirigentes públicos que tivemos, inclusive do Getúlio Vargas, que perdeu essa oportunidade de ter essa concepção na década de 30.

Na prática, de 1958 a 1962, o Brizola aplicou essa visão de que a reforma agrária era parte de um projeto de desenvolvimento do nosso Estado. E como parte do projeto, ele incorporou algumas medidas que se transformaram em referência.

Ele foi o primeiro governador que usou o instituto da desapropriação por interesse social. Essa ideia não havia na Constituição nem na nossa legislação nacional. Era prevista apenas a desapropriação por interesse público, para obras por exemplo. Foi o Brizola que criou essa visão de que era possível e necessário desapropriar terras por interesse social, ou seja, para fazer justiça social, para garantir o direito a terra.

Foi essa ideia que ele aplicou na Fazenda Sarandi, que, talvez, era o maior latifúndio existente na época, com 24 mil hectares. Havia ainda um sentido emblemático: a Fazenda Sarandi, que hoje se desdobrou em sete, oito Municípios, ela era de propriedade de um capitalista estrangeiro, que era a família Mailios, do Uruguai. Por sinal, já tinha sido desapropriada pelo Fidel em Cuba, porque ela tinha usina de cana lá também.

O Brizola teve essa sacada de aproveitar a ojeriza que nós, gaúchos, temos ao capital estrangeiro para justificar a desapropriação da família Mailios. Depois, repetiu isso no Banhado do Colégio e em outros lugares. Certamente, o nosso querido Schmidt vivenciou isso e pode dar o seu testemunho ocular do que foi aquele

10 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 processo.

Aqui estou resumindo o que é importante para hoje. Até os nossos dias, o Tarso Genro está tentando utilizar esse mesmo instrumento de desapropriação por interesse social em nível estadual e está sendo contestado no Supremo Tribunal Federal. Olhem a atualidade do tema que na época o Brizola conseguiu.

O segundo pioneirismo é a ideia de criar o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária, ou seja, institucionalizar o programa, que não deveria ser benesse de um governador ou pontualizar em caso de conflito. A ideia do Instituto Gaúcho de Reforma Agrária era um INCRA esboçado em nível estadual que representasse uma política de Estado e não só de governo. E aí também há esse pioneirismo.

Finalmente eu penso que, no campo da reforma agrária, Brizola tinha uma visão de que não bastava o governo querer. Tanto nos depoimentos como nos relatos da história, percebe-se como ele valorizava a mobilização dos trabalhadores. Ao mesmo tempo que ele criava o IGRA, ele estimulava o Master. Nunca condenou nenhuma ocupação de terra, pelo contrário, por baixo do pano, como dizemos, ele sempre estimulou o Master a identificar os latifúndios improdutivos e a ocupá-los.

Brizola também tinha uma relação de amizade com os principais líderes que foram surgindo com o Master, como o próprio João Sem Terra, da região da Grande Porto Alegre; o Jair Calixto, da região de Nonoai; e o Müller aqui em Encruzilhada.

Ele tinha também uma visão importantíssima sobre achar que o governo pode resolver tudo, o que também é um problema atual. Hoje em dia não se pode criticar o governo. Se tu é de um movimento social e criticas o governo, dizem que és da oposição, que estás puxando areia para o barco da direita. Que história é essa? O papel do movimento social é se organizar e fazer luta; e o papel do Estado é encontrar os mecanismos institucionais para resolver o problema social. Essa visão o Brizola tinha. Muita gente que anda por aí pensando que sabe tudo deveria se espelhar mais na trajetória da vida desse senhor.

O que também me chamou atenção no legado de Brizola é que, como ele via a reforma agrária como um projeto de desenvolvimento econômico, como o professor Schmidt já citou, ele não separava a distribuição de terras de outros aspectos importantes que faziam parte do projeto, como, por exemplo, o tema da educação.

Eu li discursos que Brizola fazia nos acampamentos dos sem-terra, onde ele falava para a companheirada agitada que gritava Brizola, Brizola, era até mais populista do que ele e queria que o milagre acontecesse. Mas ele, muito prático, perguntava onde seria colocada a igreja, onde ficaria a escola, ou seja, já vinculava a ideia da necessidade da educação para esses camponeses sem terra, cuja maioria, na

11 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 época, era analfabeta.

Da mesma forma, também vinculava a ideia de industrialização. Percebe-se, fazendo uma exegese dos discursos de Brizola e de suas conversas, como ele percebia a necessidade de vincular o camponês a projetos de agroindústria, com industrialização, por isso a ideia de fundar uma empresa pública de industrialização de leite numa época em que poucos Estados do Brasil pasteurizavam o leite. Brizola teve essa ousadia de criar uma empresa pública que recolhia leite e o pasteurizava, que era uma grande novidade.

Depois Brizola foi eleito deputado federal. Também recorrendo à história dos projetos de reforma agrária – juntei num livro todos os projetos de reforma agrária – chamou-me atenção que, em 63, ele, como deputado federal, também apresentou um projeto de reforma agrária na Câmara, que não teve maior sequência, fruto do contexto da época, mas que serviu de base para o projeto de Celso Furtado apresentado naquele histórico comício de 13 de março de 64, que, na minha opinião, até hoje foi o projeto de reforma agrária mais radical que tivemos na sociedade brasileira.

Por último, creio que não podemos esquecer que, apesar de todo esse legado, esse personagem histórico enfrentou muitos inimigos.

Aqui no Rio Grande do Sul, no debate da reforma agrária, os dois inimigos principais foram os latifundiários, que aqui no Rio Grande sempre foram uma classe dominante, fascista e violenta, até cantada em prosa e verso como valor do gaúcho macho, do gaúcho valente, do gaúcho que dá tiro, do gaúcho que faz guerra.

Esse discurso o latifúndio incorporou e usava-o contra qualquer medida de justiça social. Não é por nada que, após, com o golpe militar, o Brizola transformou- se no inimigo número um dos militares e latifundiários do Brasil.

A história tem de registrar que, embora faça isso de uma leitura a posteriori, a Igreja Católica gaúcha, conservadora na sua maioria, fez uma oposição ferrenha ao Brizola e à reforma agrária, comandada por dom Vicente Scherer, que era uma homem conservador, fascista e certamente deve estar no inferno.

Que me desculpem os cristãos, como eu, mas esse homem causou um mal muito grande para as ideias progressistas da sociedade gaúcha. Ele comandou, na época, digamos, uma frente ideológica de execração a qualquer medida de justiça social, que até estava nas encíclicas do Vaticano, mas, na voz de dom Vicente, era coisa de comunista. Construir escolas era coisa de comunista; distribuir terra era coisa de comunista. Então, esse comunista deveria ser bom, né?, de tanto que falavam dele.

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Mas quero recuperar aqui, por testemunho da memória histórica de nosso povo, que houve uma parcela da Igreja Católica, gaúcha conservadora, que cumpriu um papel de serviçal dos interesses dos capitalistas e latifundiários. Felizmente, depois, uma grande parcela, durante a ditadura militar, fez uma autocrítica e somou- se a Teologia da Libertação, a partir da qual, tivemos grandes bispos e agentes de pastoral, que nos ajudaram inclusive a organizar o MST.

Naquele embate que o Brizola travou para levar adiante as ideias da reforma agrária, o cardeal Vicente Scherer teve um papel de ser líder dessa oposição ideológica a uma necessidade republicana, democrática, porque a reforma agrária do Brizola, repito, era nos moldes de uma reforma agrária clássica e de um projeto de desenvolvimento nacional, combinando democratizar terra, democratizar e universalizar a educação e industrializar a nossa economia.

Muito obrigado pela atenção.(palmas)

O SR. MEDIADOR (Elmar Bones) – Professor, encaminharei as perguntas, e, ao longo, o senhor faz sua explanação.

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – Não falei ainda em reforma agrária. Infelizmente, não cheguei lá. Se os senhores concordam, poderei falar um pouco mais. Estou abusando da paciência dos senhores, mas é um tema tão importante, vasto, implica tanta coisas, vínculos sociais e econômicos. Vou encurtar o aspecto histórico, as origens dele.

Terminado aquele trabalho na Comissão Estadual de Prédios Escolares, Brizola, logo em seguida, criou a Comissão Estadual de Terras e Habitação, logo depois da CEPE, quando terminamos aquele trabalho de planejamento – em seis meses estava pronto.

Tínhamos uma vantagem: possuir autoridade. O governador delegava-nos autoridade. Éramos autoridade. Não éramos intermediários. Ele dava as ordens, e executávamos. Por isso a confiança mútua existente entre ele e quem realizava os trabalhos.

Criada essa Comissão Estadual de Terras e Habitação, em 29 de fevereiro de 1960, fui nomeado o seu diretor executivo.

Qual era a sua finalidade? Aquisição – não compra – de terras para agricultores e suas organizações e áreas destinadas à construção da casa própria – por

13 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 isso, o nome de Terras e Habitação –; propor medidas; organizar e realizar projetos relativos aos seus objetivos; assistência às vítimas das calamidades públicas. Quer dizer, uma espécie de Defesa Civil. Durante muito tempo, fui chamado de Dr. Calamidade. Surgia uma enchente, estava eu lá.

Propostas que fizemos nessa comissão:

Revisão do Imposto Territorial Rural, que era ridículo; reforma constitucional do art. 141, § 16, que rezava sobre desapropriação – achávamos que só por aí é que iríamos conseguir –; criação de um órgão estadual com a finalidade de promover reforma agrária no Estado. Isso foi o resumo das ações da CETH depois de um levantamento longo.

Tenho nos meus arquivos, inclusive aqui no meu pen-drive, a relação de todos os proprietários de terra do Rio Grande do Sul com mais de 2.500 hectares em 1961. Se interessar, está à disposição. Acredito que vale um estudo. E mais. Todos os proprietários de terra com mais de uma gleba de mais de 2.500 hectares. Encontra-se propriedade com 49 mil hectares nessa relação. Posso mandar essa relação por e- mail. Reforço que valeria uma pesquisa em cima desses dados.

Tenho uma grande amiga que é fazendeira e descendente de fazendeiros, que brinca comigo pelo fato de eu ser um comunista reformador. Ela diz: O que tu queres, Paulo? Já fizemos a reforma agrária na cama. Quer dizer, tiveram filhos, depois netos, assim subdividindo as terras. Esse é o entendimento de reforma agrária que existe na cabeça do latifundiário. Desculpem-me, mas não pude deixar de contar isso aqui.

Abordemos uns dados importantes. Por que reforma agrária?

Latifúndios e minifúndios em 1960, segundo dados do IBGE – não é invenção da cabecinha do Paulo. Área agrícola total do Rio Grande do Sul: 24 milhões, 300 mil e 700 hectares, dividida entre 344 mil terras-tenentes ou proprietários – mas essa divisão não é equânime. A população rural atingia 586 mil famílias. Dessas, 242 mil – quase a metade – sem terra. Vejam que barbaridade: 1,83% dos grandes latifundiários detinham 47,97% da área rural. Ou seja, de toda a terra agrícola do Estado, metade era de menos de 2% de proprietários.

Na outra ponta, nos minifúndios: 150.936 famílias ocupavam apenas 6,2% da área rural. Lá nas grandes propriedades, 360 proprietários ocupavam 10% da área rural – 2 milhões e 600 mil hectares –, numa média de 7.167 hectares por família. Isso para 300 famílias. Média de 7 mil hectares.

Voltemos à outra ponta. Arredondando, 151 mil famílias ocupam 6% da

14 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 área rural, perfazendo uma média de 9 hectares, contrapondo aos 7 mil hectares daquelas poucas 360 famílias.

As 360 maiores propriedades davam trabalho a menos de 2 mil trabalhadores rurais. Menos de 2 mil trabalhadores rurais em toda essa vasta extensão! Quer dizer, economicamente era uma enorme injustiça social.

Em função disso aí, eu me refiro ao Master, atual MST. Cito como surgiu a primeira associação de agricultores sem terra, no dia 24 de junho de 1960, em Encruzilhada do Sul, Distrito Faxinal, hoje Amaral Ferrador.

Histórico. Vou resumir. A Justiça determinou a reintegração de posse de uma área rural com mais de 1.800 hectares, onde havia posseiros com 40 a 100 anos de ocupação. O prefeito de lá – nome hoje ainda conhecido através dos filhos – era o Milton Serres Rodrigues. Ele era um delegado de polícia que se meteu na política de Brizola e, de repente, foi prefeito de Encruzilhada. Os posseiros que estavam lá ficaram absolutamente indignados, porque – e estamos vendo hoje isso acontecer – de repente surge um proprietário de posses antigas e os põe para a rua, e a Justiça concede a reintegração.

Naquela época, o Milton, que era um gauchão das antigas, de faca na bota, não teve dúvida: mandou os posseiros se armarem e não entregarem e veio a Porto Alegre pedir que Brizola enviasse a Brigada para auxiliar, a fim de não retirar os posseiros.

O Brizola, com sua sapiência, como foi muito bem dito, um homem muito sábio, com uma visão extraordinária, o maior estadista do Brasil, disse: Não. Espera aí. Vamos fazer as coisas legalmente. Chamou os amigos que estavam ali. Havia um deputado federal muito interessado nesse problema, Rui Ramos, e o nosso amigo Paulo Schilling, comunista do governo declarado e que fazia questão que soubessem, assessor direto do Brizola, com mentalidade de reforma extrema. Graças a Deus eles existem e nos puxam as orelhas quando estamos amolecendo. O Brizola chamou os dois e também Floriano Maya D’Ávila, que era procurador do Estado.

O grupo redigiu o primeiro estatuto de uma associação de agricultores sem terra. Daí surgiu a fundação da primeira associação de agricultores sem terra.

Brizola decretou a desapropriação e legitimou a terra para os posseiros. Na verdade, esse foi o primeiro processo de reforma agrária do governo Brizola, com Milton Serres Rodrigues na proa.

Nos governos posteriores houve a deturpação disso, especialmente no governo Ildo Meneghetti, que sucedeu Brizola e que tentou terminar com tudo o que

15 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 havia, pois foi eleito pelos latifundiários para não fazer a reforma agrária. Isso é fato. Ele ficou tão desencantado que se autoexilou em Pinhal, e morreu lá pobre, velho e doente. Seus filhos são delegados de polícia aqui em Porto Alegre, sendo um deles presidente da associação dos delegados de polícia.

Depois desse fato, Brizola criou o GT-14. Estou procurando mostrar a evolução do processo de reforma agrária. O GT-14 foi criado em 7 de agosto de 1961 pela portaria governamental nº 131: Proceder a estudos e propor medidas para ação concreta do poder público estadual no setor agrário.

Vejam que vem lá da Comissão de Terras e Habitação e vai montando toda uma linha de coerência para implementar a reforma agrária, que viria depois.

Faço questão de citar o nome dos integrantes desta comissão: Áureo Elias, engenheiro agrônomo; professor Cibilis da Rocha Viana, que está vivo e era assessor direto do governador; José Castelano Rodrigues, engenheiro agrônomo, que dirigia o setor de Colonização da Secretaria da Agricultura; Paulo Alberto Schmidt, arquiteto; Paulo Schilling, contabilista; Walter Tschiedel, advogado de absoluta confiança do governador.

Faço não uma correção, mas uma observação sobre a importância econômica da reforma agrária. Diria que existem duas importâncias paralelas e uma não existiria sem a outra no processo de reforma agrária. Perdoa-me.

Esse grupo elaborou um documento. Resumindo: “a reforma agrária” – entre aspas –, foi resolução desse grupo. Essa é uma questão de justiça social e desenvolvimento econômico. Colocou-se na frente justiça social e depois desenvolvimento econômico, afirmando-se a urgência da sua resolução. Depois, lá no fim, (...) a grave situação da injustiça social, predominante no campo, torna-se explosiva.

De forma muito resumida, esse foi o documento elaborado por esse grupo de trabalho.

Em função disso, Brizola cria o IGRA – Instituto Gaúcho de Reforma Agrária, pelo decreto nº 12.812, de 14 de novembro de 1961, colocando-me coordenador-chefe desse trabalho – um risco que ele correu.

De qualquer forma, nós, do IGRA, tínhamos plena consciência da nossa incapacidade econômica e legal de fazer uma reforma agrária, mas tínhamos condições de promovê-la e de fazer algumas coisas, como abrir fronteiras e caminhos. E isso foi feito, sempre com o governador nos orientando.

16 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 No IGRA, eu dirigia esse grupo de trabalho. O Brizola ia lá, incomodar e cobrar, e dizia que nós éramos reacionários, que tínhamos de ser mais socialistas e de entender mais o universo.

Então, passei a ler o Alberto Pasqualini, o teórico do trabalhismo. Ele só escreveu o primeiro volume, porque logo depois adoeceu e morreu. Tive o privilégio de ter um livro autografado por ele mesmo, que dei ao meu amigo Tarso Genro, pois julguei que seria importante para ele.

Há algumas identidades no pensamento de muitos de nós, que, por vezes, ficamos divididos em partidos, quando essas coisas estão acima dos partidos. São maiores do que qualquer partido que possamos imaginar. Como disse no princípio, até Getúlio Vargas criou um PSD e um PTB, porque é preciso haver equilíbrio.

Pasqualini fez uma pesquisa para escrever o seu livro, Obras Completas, que vale a pena ler e onde encontro, no trecho em que ele se refere ao socialismo no mundo, que só na Europa, no núcleo mais ocidental, ele achou 368 tipos de socialismo. Todo mundo é socialista, mas como? O que é? De quê? Ele sintetizou, definiu e defendeu até morrer a ideia que Brizola, gauchescamente, chamava de socialismo moreno. Quem viveu naquela época lembra disso.

Pasqualini, como base dessa teoria de socialismo que ele criou e que eu adoto até hoje – porque eu já era socialista e não sabia –, falando sinteticamente com expressões para que todos compreendam porque são reais e ainda valem, apesar de hoje dizerem que não valem mais, dizia o seguinte: O capital nunca vai ter a hegemonia do mundo, o trabalho nunca vai ter a hegemonia do mundo; nós precisamos aprender a conviver com os dois.

Isso é o que ele chamava de socialismo solidário, que é o capital e o trabalho convivendo harmônica e respeitosamente. Essa é a teoria socialista de Alberto Pasqualini, teórico do trabalhismo. Se vocês olharem, verão muita gente fazendo isso sem saber o que é. Como eu, que fazia mas não sabia o que era.

No IGRA nós tínhamos, por obrigação e por determinação do governo, que promover o acesso à terra e à propriedade aos agricultores sem terra, parceiros, arrendatários e assalariados rurais, que promover a legalização das terras ocupadas por pequenos agricultores, fomentar a organização de cooperativas e incentivar o espírito associativo de cooperativas entre as populações rurais. O associativismo, por meio das cooperativas, foi a base de todos os nossos projetos do IGRA.

Quando iniciávamos qualquer um dos assentamentos, dos projetos, feitas as estradas de acesso possíveis, os pontilhões necessários, a primeira obra que se construía nos assentamentos era a escola. Tenho fotografias dessa época. Existem

17 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 filmes que mostram aquele vazio e a escolinha sendo construída ali. O Banhado do Colégio foi um, e Bacupari foi outro. Brizola nunca abandonava esse duo, esse vínculo: educação e reforma agrária. Ele achava que só por meio disso é que seria possível um avanço.

Metas alcançadas pelo IGRA até março de 1963. Assentamos mais de 600 famílias de agricultores. Diga-se de passagem que o IGRA foi criado em 1961 e que, em final de 1962, terminou o governo dele. Tivemos um ano para projetar, selecionar, desapropriar e construir esses projetos.

Há um outro aspecto da reforma agrária que considero muito importante. Na época, fizemos mais de 14 mil regularizações fundiárias. Tenho ouvido números que não são reais. Existe toda uma formação da estrutura fundiária do Rio Grande do Sul, que vem desde os donatários, das sesmarias. Tenho todo o histórico da formação fundiária do Estado, como chegamos aí. Se alguém tiver interesse, proponho-me a ceder.

Num determinado momento, tivemos as imigrações. A primeira foi a alemã, que começou em 1824. A minha bisavó veio na segunda leva de imigrantes em 1826. Ela nasceu no dia 16 de agosto de 1826 no navio, já em águas brasileiras. Conto esse detalhe pessoal porque eu nasci 100 anos depois, no dia 17 de agosto de 1926. Esses imigrantes vieram ocupar essas terras e realmente fazer com que elas produzissem. Foi a pequena propriedade. Eles estavam abandonados nesses lugares sem nenhum tipo de propriedade. De repente aparecia um dono, e a Justiça dava. Nós, então, por determinação do governador evidentemente, começamos a legitimar isso.

O IGRA era tão bem constituído, havia tanta possibilidade de trabalho, que tínhamos um pequeno DAER. Tínhamos maquinaria. Além de fazer todo o serviço de demarcação dos limites de cada propriedade, várias equipes foram para o interior onde ficavam as colônias para traçar as linhas, que era como chamavam aquelas estradas de terra das colônias, e os travessões, que seriam as estradas gerais entre as propriedades.

Mais de 14 mil colônias foram legitimadas. Tive o prazer de entregar títulos de propriedade pessoalmente em vários locais. Fico comovido até de lembrar aquela quantidade de agricultores em Tenente Portela para que repassássemos os títulos de propriedade. A propriedade é fundamental em qualquer processo. Fico comovido com o que tivemos o privilégio de ajudar o Brizola a fazer.

Outro trabalho de extrema importância, além dessa regularização fundiária, foi o associativismo. Na equipe do IGRA, eu tinha uma pessoa maravilhosa: Romeu Barleze, que está vivo. Romeu tinha a capacidade de ir a todos os lugares promover e regularizar as associações. Falo isso porque é importante hoje. Não adianta só ir para

18 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 a rua e fazer uma manifestação. Temos que criar mecanismos para ir aos lugares e legalizar as associações. Tu falaste isso, embora de uma forma um pouco diferente.

No que diz respeito aos assentamentos, referimos em particular o da Fazenda Sarandi, independentemente de outros menores, mas que são exponenciais. Ele era das fazendas Maílhos, às quais te referiste. Eram três famílias uruguaias que detinham em torno 70 mil hectares; essas três estavam definidas e ocupavam cerca de 24 mil hectares.

Ali houve uma dobradinha entre Jair Calixto e Leonel Brizola. Calixto, prefeito de Nonoai, era parente de Brizola – chamavam-no de malucão, porque era muito extrovertido e não possuía fronteiras – e trouxe-lhe o que estava organizando naquelas terras, sob a alegação sua situação era uma barbaridade e de que os castelhanos não podiam ficar com elas.

Sarandi, aquela enorme fazenda, ficava no centro dos minifúndios. A terra havia sido ocupada e, de repente, os agricultores e suas famílias estavam saindo pelas beiradas, sem ter onde trabalhar.

Se vocês quiserem, tenho as informações de como se procedeu, passo a passo, em relação à Fazenda Sarandi – o porquê de ter sido a Sarandi, como foi e como não foi. Isso ocorreu em 11 de janeiro de 1963.

Depois surgiu, em Camaquã, o Epaminondas. O Banhado do Colégio era um enorme charco, que trancava a passagem para Pelotas. O governo federal mandou abrir uma estrada ali e drenar. À medida que as águas iam para o valão e secavam, no entanto, os fazendeiros espichavam suas cercas. À noite as cercas caminhavam sozinhas, e as propriedades aumentavam. Quem estava na beirada do Banhado – os posseiros – acabava sendo expulso. Isso criou a massa que foi acampar.

Algo que deve ser dito é que Brizola sempre pediu que não houvesse invasão nem ocupação. Ele sempre determinava – e tenho escritos seus – que fossem feitos acampamentos às margens das propriedades, acampamentos que não rompessem os alambrados, porque assim o poder público teria condições de agir. Se ocorressem invasões, haveria processos tramitando na Justiça ou algo pior, e as coisas não aconteceriam.

Gostaria de me referir um pouco ao dom Vicente, de quem falaste com muita propriedade. Farei isso só para registrar uma de suas atitudes caridosas. Quando o governo permitiu que dona Neusa fosse para o Uruguai e fugisse da opressão, Brizola estava desaparecido. Nós sabíamos onde ele estava, mas ela não, e Brizola pediu que a encaminhássemos para o Uruguai. Isso foi preparado, e, quando pedimos ao governo, ele autorizou que ela fosse. Na entrada do avião, no entanto, foi

19 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 dom Vicente quem cumpriu a tarefa de recolher os passaportes de dona Neusa e das crianças. Esse foi o seu ato caridoso.

Na época do Meneghetti, aconteceram expulsões no Banhado. Seus funcionários chegavam e diziam que a terra não era do assentado, até que ele apresentasse seu título de propriedade. No momento em que isso era feito, eles pediam para ver o título e o rasgavam, dando uma semana para o assentado sair da terra.

Otávio Caruso da Rocha, à época, entrou com armas e bagagem nessa luta. Eu trabalhava a noite inteira, às vezes, assinando títulos de regularização e concessão de terras. Terminou o governo, mas eu tinha uma pilha de papéis. Ele me contou isso horrorizado, e eu disse: Não, mas vamos resolver isso. Era eu que assinava, então, preenchia de novo o título, assinava, e ele entrava na justiça e dizia: Não, o cara tem propriedade. E assim o Otávio salvou muitos naquela época.

Eu falei no Bacupari, que foi a terra do Brizola. Ele cedeu a fazenda Pangaré, que o Jango tinha trocado com ele pela Maragato, em São Borja, alegando que eram três mil e tantos hectares. Trocou por essa de dois mil e poucos alegando que era mais fácil para ele e a dona Neuza cuidarem aqui do que lá. Mas são fatos, talvez, de vários.

Nós até ocupamos, com o projeto, mais do que a metade da fazenda que o Brizola tinha nos dado. Ocupamos 58%, quase 60%, porque tinha que abrir um canal para pegar água na lagoa do Sacramento para irrigar a cultura do arroz. Também foi bem.

O Meneghetti destruiu tudo, a safra estava (ininteligível), eles tinham que pagar os financiamentos das casas e dos bens ao Banco do Brasil e ao banco do Estado. Não puderam pagar, o Meneghetti mandou os bancos executarem, e eles foram expulsos da terra.

São histórias que existem sobre a reforma agrária, mas eu citaria fundamentalmente esses três projetos para representarem o tanto que Brizola fez em termos de reforma agrária.

Agradeço a atenção de vocês. (palmas)

O SR. MEDIADOR (Elmar Bones) – Muito obrigado, professor Schimidt.

Nosso tempo está encerrando, mas ainda há tempo para algumas perguntas, se houver interesse da plateia.

20 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014

O SR. JOSÉ FALEIRO – Boa noite. Meu nome é José Faleiro. Sou morador de Viamão desde 1964.

Estive presente hoje em todo o seminário e só lamento que a minha comunidade viamonense não esteja presente.

Tenho duas curiosidades, uma delas é sobre o tipo de madeira que era usada e de onde vinha.

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – O senhor quer madeira para quê?

O SR. JOSÉ FALEIRO – Para as escolas. Como o senhor fez parte do governo dele, pode ter conhecimento do tipo de madeira que foi usada e de onde vinha.

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – Foi usado o pinho, e uma novidade na época é que pela primeira vez foi utilizado tubo de plástico da (ininteligível), de Santa Catarina.

O SR. JOSÉ FALEIRO – E essa madeira de pinho era da nossa região ou da região do Paraná?

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – Era do Rio Grande do Sul. Nós estávamos derrubando pinheiros adoidados.

O SR. JOSÉ FALEIRO – Na época ainda tínhamos bastante pinho, então? É isso?

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – Na época era normal.

O SR. JOSÉ FALEIRO – Por isso me causou surpresa, porque até então não sabíamos como as escolas eram construídas tão rapidamente.

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O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – As escolas eram pré-fabricadas.

O SR. JOSÉ FALEIRO – Mas e a rapidez para obter a madeira também na quantidade necessária: mil e poucas escolas.

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – É que Brizola pagava.

O SR. JOSÉ FALEIRO – Pagava e os caras produziam mesmo.

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – Ele comprava, encomendava e tinha crédito. Se não pagasse com dinheiro, pagava com a brizoleta, e o cara recebia depois.

O SR. JOSÉ FALEIRO – E eles entregavam o material.

A minha segunda pergunta é para o Stédille. Você sabe que depois que o PT assumiu o governo, esses movimentos de reforma agrária estão meio contrários, parece que não funcionam. Se funcionam, funcionam errados. Pergunto se há projeto realmente de reforma agrária atualmente, porque o que está aí não é reforma agrária. Não vejo como um movimento realmente de assentamento ou até mesmo de reforma agrária.

O SR. JOÃO PEDRO STÉDILE – Partindo do conceito de reforma agrária, não temos reforma agrária no Brasil, porque o processo de reforma agrária é um processo de desapropriação da grande propriedade, dos grandes latifúndios, como determina a lei, começando pelos latifúndios improdutivos. De acordo com o IBGE e o INCRA, poderíamos desapropriar hoje no Brasil, só de latifúndios acima de mil hectares, 124 milhões de hectares. Portanto, se qualquer governo só aplicar a lei no Brasil já vai faltar sem-terra, porque é muita terra que se enquadra nesse parâmetro legal de grande propriedade e improdutiva.

Agora, há um processo de reconcentração da propriedade da terra, tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil inteiro. No entanto, embora não seja o tema do nosso debate aqui, pois estamos apenas refletindo sobre o legado do Brizola e fazendo referência a ele, um dos problemas pelos quais a reforma agrária está parada

22 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 é porque reforma agrária não é uma política isolada. Só se consegue desenvolver reforma agrária como parte de um projeto de desenvolvimento nacional no qual entra distribuição de renda, mercado interno e a indústria nacional.

Ora, se estamos vivendo num tempo em que o capital financeiro e as corporações transacionais dominam a nossa economia e a própria indústria nacional está em decadência, não há espaço, neste modelo econômico, para um programa de reforma agrária.

O que estamos precisando, na verdade, é de um debate político na sociedade brasileira que recoloque a necessidade de um projeto de desenvolvimento nacional, fazendo parte desse projeto, então, necessariamente, uma reforma agrária como política de Estado, pública, que recupere os cidadãos que hoje vivem sem terra, pobres, em combinação com esses dois paradigmas que estamos recuperando como legado do Brizola de que não é possível fazer reforma agrária sem combinar com distribuição de terras, educação e agroindústria.

O SR. PAULO ALBERTO SCHIMIDT – Eu discordo do que foi dito de que não está tendo reforma agrária. Tenho dados oficiais do INCRA que demonstram o que foi feito há 10 anos e o que foi feito de 10 anos para cá.

Não vou me estender, só vou citar que nesses últimos 10 anos foram feitos 3.504 assentamentos e foram assentadas 347.936 famílias no Brasil. No Rio Grande do Sul, para especificar o nosso interesse direto, foram feitos 55 assentamentos e foram assentadas 2.179 famílias.

Se compararmos com o que foi feito até 10 anos atrás, nós tínhamos assentadas 10.316 famílias no Rio Grande do Sul, que é exponencial em termos de Brasil. Agora, em termos de Brasil, nós assentamos, de 10 mil, quase 2.200 nesses últimos 10 anos. No Brasil, em termos de Brasil geral, porque houve um movimento muito maior em termos de Brasil, nos outros Estados. Enquanto até 10 anos atrás tinham sido assentadas – estou arredondando – 610 mil famílias, nestes últimos 10 anos, em termos de Brasil, foram assentadas 350 mil famílias. Mais da metade do que foi feito nos outros 10 anos.

Então, existe uma desinformação. Infelizmente a nossa mídia querida não divulga os números corretos, faz questão de dizer que não existem.

Esse processo de assentamento está vinculado diretamente, Stédile, ao desenvolvimento do País, a tudo que aconteceu no desenvolvimento deste País. Hoje temos pleno emprego, e isso não aconteceu sozinho, não aconteceu por acaso. O fato de estarmos em pleno emprego hoje deve-se a trabalho de governos.

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Gostaria de fazer uma ressalva. Sou assessor do governador Tarso Genro, portanto extremamente suspeito para quem não gosta dele. Assessoro o Tarso desde a prefeitura. Ele me convidou para participar do Ministério da Educação, do Ministério da Justiça e, eleito governador, me chamou para ocupar o cargo de assistente superior do governador.

Estou deixando bem claro isso porque não quero que a minha manifestação fique vinculada a uma posição político-partidária. A minha posição aqui é Brizola e reforma agrária. Deixo bem claro o meu vínculo político atual.

Eu trabalhei em todos os cargos mencionados com Brizola, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, em toda parte, e, no entanto, nunca fui vinculado ao PTB e nem ao PDT.

Brizola não olhava partidos, mas a sociedade e a necessidade da população. Se houvesse companheiros, seria muito melhor. Eu era companheiro do trabalho e não era vinculado a nenhum partido.

O SR. MEDIADOR (Elmar Bones) – Professor, preciso encaminhar o encerramento.

O SR. PAULO ALBERTO SCHMIDT – Por favor. Apenas quis deixar isso claro.

O SR. MEDIADOR (Elmar Bones) – Mais alguma pergunta?

Concedo a palavra ao Sr. Hélio Fontoura.

O SR. HÉLIO FONTOURA – Corroborando o que disse o Stédile sobre o reacionarismo da Igreja na época em que o Dr. Brizola era governador, gostaria de contar um fato.

Em um determinado Município – não direi o nome nem da cidade nem do prefeito, pois não é o caso – a construção de escolas estava patinando e não andava. O governador chamou o prefeito e deu-lhe um aperto: Mas vem cá, prefeito, o que está havendo? O prefeito então disse: Olha, governador, vou-lhe confessar muito constrangido. A escola no Município não sai porque um morador ofereceu o terreno, mas o padre chamou-o e disse que, se ele entregasse o terreno para a escola ser

24 DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA Pensamento, legado político e social do líder trabalhista gaúcho-Leonel Brizola Noite- Porto Alegre -24-06-2014 construída, seria excomungado.

O SR. MEDIADOR (Elmar Bones) – Não havendo mais inscritos, encerro este painel agradecendo a presença de todos. Também agradeço, aos nossos dois palestrantes – João Pedro Stédile e Paulo Alberto Schimidt –, as brilhantes colocações que fizeram aqui.

Boa noite.

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