Redalyc.A Herança Trabalhista No Rio Grande Do Sul: Parentesco, Carisma
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Sociedade e Cultura ISSN: 1415-8566 [email protected] Universidade Federal de Goiás Brasil Grill, Igor A herança trabalhista no Rio Grande do Sul: parentesco, carisma e partidos Sociedade e Cultura, vol. 7, núm. 2, julho-dezembro, 2004, pp. 225-236 Universidade Federal de Goiás Goiania, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=70370208 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto A “herança trabalhista” no Rio Grande do Sul: parentesco, carisma e partidos IGOR GRILL* Resumo: A pesquisa examina a dinâmica de constituição de um patrimônio político e as modalidades de sua transmissão e apropriação. As dimensões de estudo privilegiadas referem-se às alianças e às redes subjacentes à fixação de uma genealogia simbólica, o “trabalhismo gaúcho”, bem como às estratégias empregadas pelos agentes de valorização e de “resgate” da tradição política, de reprodução do capital político, de celebração de seus “fundadores”, de gestão da memória e de uso do “legado”. Palavras-chave: heranças políticas, memória, elites, recrutamento, transmissão. A morte de Leonel Brizola ativou a discus- seus porta-vozes em associar os ícones dessa são no meio político e jornalístico sobre a “heran- “tradição” (Getúlio Vargas, Alberto Pasqualini ça” do “legado trabalhista”, possibilitando tam- e João Goulart) à história política gaúcha, logo bém a discussão sobre a construção, os condicio- em concretizar uma “genealogia” que se conso- nantes sociais de afirmação dos intérpretes e lidou como “idéias” e “marcos objetivos” (datas, sucessores, os usos e as reinvenções de uma gerações, monumentos, eventos, memória etc.) “tradição política” como um objeto de estudo e dela retirar lucros simbólicos. para a ciência política.1 Assim, o foco deste Afora isto, é uma vertente cujo patrimônio artigo recai sobre a invenção, a valorização e a é disputado por vários políticos de diversos utilização política no Rio Grande do Sul do que partidos, o que gera uma dispersão de agentes se convencionou chamar de “tradição trabalhis- e de narrativas em conflito nos diversos níveis ta”. de disputa política. Nesses diferentes partidos, As razões pelas quais os agentes procuram articulam-se redes de lealdades que permeiam sistematicamente recriá-la estão ligadas a uma distintas posições nas hierarquias partidárias e série de particularidades. Entre elas, o êxito de gerações de homens políticos e abrangem o conjunto do território sul-rio-grandense. No * Doutor em Ciência Política/UFRGS e professor da Unise e Uniritter. engajar nos processos de construção e reivindicações de 1. Esse aporte é sustentado também por Haegel (1990) para filiações. Eles não deveriam considerar mais as tradições a compreensão do funcionamento interno dos partidos po- como produtos dotados de uma consistência estável e líticos, ressaltando a relevância de aplicar as noções de percebível [...], mas antes como resultado de uma perpétua memória, herança e filiação em estudos desse tipo. Defen- produção da qual participam os agentes políticos eles mes- dendo um “retorno reflexivo” da ciência política sobre as mos” (Haegel, 1990, p. 864). Sintetizando suas proposi- “tradições políticas”, como a história, a autora identificou ções, tem-se a idéia de herança como um passado substan- a polissemia de referências existentes nos relatos cializado (referência objetiva), a memória como um passa- genealógicos no interior de agremiações partidárias. Nas do integrado (referência subjetiva) e a filiação como a utili- suas palavras: “Assim como os historiadores procuram ana- zação de signos que transmitem a continuidade com o pas- lisar os suportes institucionais do trabalho de memória so- sado (referência formalizada), complementando-se na uti- cial [...], os pesquisadores da Ciência Política deveriam se lização de um “legado”. 225 GRILL, IGOR. A “herança trabalhista” no Rio Grande do Sul:... interior dessas redes, convivem “famílias de Contudo, na dinâmica em pauta, é possível aten- políticos” com “origem trabalhista” cujos mem- tar, por meio da genealogia simbólica cons- bros herdaram fidelidades e rivalidades e cons- truída tendo como referência a crença no “tra- truíram alianças verticais e horizontais ao longo balhismo” e a fixação de sentido que lhes atribui de seus itinerários. Portanto, a luta por inscre- um caráter de “tradição política”, para o amál- ver-se nessa “história” reforça a crença e a efi- gama entre as modalidades de construção de cácia de uma genealogia simbólica (Abélès, “heranças” (transmissão familiar de patrimônios 1992). políticos, inscrição em redes de famílias e usos A disputa pela “herança trabalhista” no Rio de metáforas). Ademais, são indissociáveis nos Grande do Sul permite apresentar uma série de variados níveis (municipal, regional ou estadual) processos interligados. Possibilita expor o de disputa na política gaúcha. imbricamento entre a referência à linguagem Esse enfoque permite, por seu turno, que familiar e as relações entre agentes políticos, as os partidos políticos e as facções que utilizam redes de grupos familiares interconectadas por essa “memória política” sejam caracterizados alianças verticais e horizontais no espaço político sob um novo prisma, centrado na intersecção regional e a transmissão do patrimônio político entre os trajetos individuais e coletivos e os usos familiar. da “tradição política” como recurso de mobili- Esses níveis de análise foram empregados zação eleitoral. A propósito do uso feito pelos por Marc Abélès (1992) para estudar como a protagonistas políticos de referências que visam referência familiar desempenha um papel estabelecer um atestado de durabilidade e de importante nos processos de legitimação política. continuidade, e assim reivindicar a encarnação Abélès apreendeu as diferentes expressões de um conteúdo ideológico, Offerlé (1997) ques- dessa mescla de registros, que aciona o universo tiona a pertinência do tratamento das categorias público e o universo privado, em diferentes níveis utilizadas pelos agentes como conceitos socioló- de disputa política observadas na França. Assim, gicos. A luta por fixar “genealogias partidárias” no plano local, evidencia-se a importância da e “linhagens políticas” é, segundo ele, parte “transmissão em linha direta de um verdadeiro integrante do trabalho de classificação dos patrimônio político [isto é] a memória das próprios homens políticos e dos analistas da posições políticas que ocuparam os diferentes política. Para ele, contudo, isto não exclui a ascendentes, mas igualmente um elemento relevância do estudo da dimensão metafórica ideológico distintivo que é possível transmitir pelo que ativa a linguagem familiar (filiação, parentesco” (Abélès, 1992, p. 82). No plano parentesco, tradição, linhagem, descendência regional, o espaço político comporta e é estru- etc.) e “das lutas que se realizaram em diversos turado por redes de parentescos interconectadas, campos para o reconhecimento social de sua no qual “pode-se qualificar de elegível aquele existência e [...] as características desta exis- que é assim filiado a uma rede política de tência” (Offerlé, 1997, p.17). parentes e aliados”, ou seja, tem “uma qualidade Para tanto, é possível caracterizar os parti- principalmente relacional” pela qual “a atração dos e redes como empreendimentos e conjunto pelo viés da filiação e da aliança às redes de empreendedores em disputa, uma vez que, políticas locais é um fator não negligenciável” de acordo com Offerlé (1997), a noção de em- (Abélès, 1992. p.87). Finalmente, no plano preendimento e de empreendedores na política nacional, as metáforas com a família e com o “trata de um tipo particular de relação na qual parentesco permeiam as disputas políticas no os agentes investem capitais para recolher lucros cume da hierarquia política e a “referência políticos produzindo bens políticos” (Offerlé, simbólica a um ascendente torna-se [igualmente] 1997, p.22). Da mesma forma, eles podem ser um fator não negligenciável de ascensão apresentados como campos de forças, o que política” (Abélès, 1992, p.92). implica interações e cooperações concorren- Essas três modalidades de afirmação da ciais, ou como espaço de concorrência nos quais lógica familiar no espaço político são os eixos os agentes dotados de recursos e disposições de apresentação do espaço político neste artigo. socialmente estruturadas disputam a definição 226 SOCIEDADE E CULTURA, V. 7, N. 2, JUL./DEZ. 2004, P. 225-236 legítima acerca do partido ou da “família política” Utilizando a tipologia de Max Weber (1987, e o direito de falar em seu nome. p. 197-199), os agentes lançam mão da tradi- No que se refere à delegação do capital cionalização, da legalização, da designação, político por meio de um partido, esta funda- da entronização, da sucessão hereditária e menta-se na transmissão e nas estratégias de da objetivação em cargos e postos. Em outras apropriação de recursos coletivos, tais como a palavras, reivindicam o papel de sucessores, sigla, a legenda, as realizações e os feitos ao atribuindo a si mesmos a posse de qualidades longo do tempo. No duplo processo que envolve semelhantes ao ancestral e o reconhecimento a seleção interna seguida da designação do disto por parte dos demais seguidores; a afirma- sucessor a partir da instituição ou do líder parti- ção de técnicas de revelação que são aceitas e dário,2