1

Ano 4 - Nº 107 – 28 de junho de 2004

LLeeoonneell ddee MMoouurraa BBrriizzoollaa

11992222 -- 22000044

Editorial Na semana passada, testemunhamos multidões saindo às ruas, no e no Rio G rande do S ul, para rev erenc iar L eonel de M oura B riz ola. T rata-se, sem dú v ida, de um fato polític o e soc ial q ue merec e uma reflex ã o mais aprofundada. E ste é o ob jetiv o do b oletim IHU On-Line desta semana. C om g rande c ompetê nc ia, a eq uipe de c omunic aç ã o do Instituto H umanitas U nisinos, mudando a pauta preparada anteriormente, b usc ou aux iliar na c ompreensã o de um período importante da v ida polític a b rasileira: o período V arg as, Jang o G oulart, a c adeia da leg alidade, o trab alhismo, o c hamado populismo. Nesta tarefa, nos ajudam as entrev istas c om historiadores e soc ió log os c omo Jorg e F erreira, G unter Ax t da P U C -RS , M aria C elina D ‘Araujo, da U F F e do C P D O C /F G V , Joã o T rajano S ento-S é da U F F , L uiz Alb erto M oniz B andeira e C ristov am B uarq ue. T amb é m entrev istamos os jornalistas F lá v io T av ares e P aulo M ark un, alé m de outras pessoas q ue c onv iv eram c om B riz ola c omo S ereno C haise, F lá v ia S c hilling e Joã o Av eline. E ste b oletim c onstitui-se, assim, num interessante sub sídio para o seminá rio A Era Vargas em Questão, q ue se realiz ará nos dias 23 a 25 de ag osto de 20 0 4 , aq ui na U nisinos, promov ido pelo Instituto H umanitas U nisinos œIH U œ e pelo P P G em H istó ria

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

2

da U nisinos. A div ulg aç ã o do ev ento atrasou por c ausa da long a neg oc iaç ã o para a c onfirmaç ã o da v inda de L eonel B riz ola para testemunhar sob re G etú lio V arg as por oc asiã o do 5 0 º aniv ersá rio da sua morte. Ainda neste nú mero, reproduz imos uma long a entrev ista, na editoria Aná lise de C onjuntura, de C ristov am B uarq ue c onc edida à Ag ê nc ia C arta M aior. A sua pub lic aç ã o na semana da morte de B riz ola ajuda a c ompreender melhor o B rasil no iníc io deste nov o sé c ulo, apó s G etú lio, Jang o e B riz ola. A todos e todas uma ó tima leitura e uma ex c elente semana!

LEONEL DE MOURA BRIZOLA BIOGRAFIA

As informaç ões sob re a v ida e a ob ra de L eonel B riz ola q ue apresentamos a seg uir, podem ser c omplementadas nos sítios http://busca.estadao.com.br/agestado/noticias e http://w w w .cati.com.br/noticia.asp? C odN otic= 30 8

A notícia de sua morte O presidente nacional do P D T , L eonel Briz ola, morreu na noite do ú ltimo dia 21 de junho de 20 0 4, aos 8 2 anos, de enfarte. Ele estava internado no H ospital S ã o L ucas, em C opacabana, bairro onde morava no R io de J aneiro. Briz ola teve uma infecç ã o pulmonar e foi submetido a uma bateria de ex ames. P or volta das 18 horas, q uando já estava liberado, o ex -governador do R io de J aneiro e do R io G rande do S ul teve uma parada cardiorrespirató ria e foi transferido para a emergê ncia, onde recebeu sedativos. O s médicos, entã o, passaram a lutar para reanimá -lo, mas Briz ola nã o reagiu. O diretor da U nidade C á rdio-Intensiva do H ospital S ã o L ucas, M arcos Batista, informou q ue a morte de Briz ola ocorreu à s 21h20 min. O médico contou q ue, durante a tentativa de reanimar o ex -governador, ele recebeu um marcapasso. E confirmou a causa oficial da morte: enfarte agudo do miocá rdio. O corpo do ex -governador do R io G rande do S ul e do R io de J aneiro, L eonel Briz ola, foi enterrado dia 24 de junho em S ã o Borja, na fronteira oeste do R io G rande do S ul. A cidade parou para acompanhar o cortejo q ue saiu da Igreja M atriz de S ã o F rancisco de Borja, no centro. O povo seguiu a pé o cortejo por q uase cinco q uilô metros até o cemitério J ardim da P az . N ã o houve cerimô nias oficiais, somente alguns pronunciamentos de autoridades do Estado e companheiros políticos q ue falaram sobre o líder trabalhista. Briz ola foi sepultado no jaz igo da família, onde já estavam sua mulher N euz a G oulart Briz ola e o ex -presidente J oã o G oulart.

Leonel Brizola, um político radical e apaix onado C rítico, combativo, radical, ex atamente como era já nos idos de 19 45 - ele tinha entã o 23 anos - q uando entrou no recém-fundado P artido T rabalhista Brasileiro e mergulhou de cabeç a na causa do trabalhismo, pregada por G etú lio V argas. E antes nã o tinha sido diferente. N ascido de família humilde, o peq ueno L eonel bem cedo trabalhou como engrax ate e ascensorista e batalhou muito, depois, para completar o curso de engenharia em 19 49 . M as foi um misto de radicalismo e valentia q ue fez dele uma figura nacional.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

3

Embalado nas campanhas do P T B gaú cho, foi deputado federal em 19 54. N o ano seguinte, prefeito de P orto A legre, e em 19 58 , aos 36 anos, elegeu-se governador do R io G rande do S ul.

Do Palácio Piratini para o palco da política nacional foi um simples passo O P aís vivia, a meio caminho do governo de J uscelino K ubitschek , um intenso debate entre nacionalismo, mais à esq uerda, e um modelo econô mico liberal, pró -americano, à direita. O engenheiro, como começ avam a chamá -lo, simplesmente estatiz ou empresas multinacionais e começ ou um processo de reforma agrá ria. A renú ncia de J â nio Q uadros, em 19 61, o levou a criar e comandar uma "cadeia da legalidade" para garantir a posse do vice-presidente J oã o G oulart, q ue os militares da época nã o aprovavam. M icrofone na mã o, voz dramá tica, ele falava em patriotismo e desafiava os militares. P regava em comícios e auditó rios em defesa das chamadas reformas de base.

Modelos Em 19 62, foi o deputado mais votado do P aís, pelo R io de J aneiro. Ele, do P T B, de um lado, e C arlos L acerda, do outro, pela U D N , travaram uma batalha histó rica em torno de um modelo para o Brasil. L acerda e os militares venceram, em 19 64, e Briz ola foi cassado. Ex ilado no U ruguai, foi de lá ex pulso em 19 77, indo viver nos Estados U nidos e depois em P ortugal. S ua volta ao P aís, com os anistiados de 19 79 , foi marcada por um trauma: a sigla P T B foi "tomada" dele, na reorganiz aç ã o partidá ria de entã o, por Ivete V argas, e lhe restou fundar um novo partido, o P artido D emocrá tico T rabalhista, P D T . P elo P D T , ele governou por duas vez es o R io de J aneiro, em 19 8 2 e em 19 9 0 . T entou duas vez es a P residê ncia, perdendo para F ernando C ollor em 19 8 9 e para F ernando H enriq ue C ardoso em 19 9 4. A margou uma terceira derrota em 19 9 8 , como vice de L uiz Iná cio L ula da S ilva. R estavam-lhe o prestígio internacional, como militante da Internacional S ocialista - da q ual ainda era vice-presidente - e a amiz ade com figuras como M á rio S oares, F elipe G onz alez e outros líderes. N os ú ltimos dez anos, seu P D T perdeu espaç o na esq uerda nacional, e ele passou a criticar L ula e o P T .

Saiba mais sobre Brizola L eonel de M oura Briz ola nasceu em 22 de janeiro de 19 22 no povoado de C ruz inha, q ue pertenceu a P asso F undo (R S ) até 19 31, q uando passou à jurisdiç ã o de C araz inho (R S ). S eu pai, o lavrador J osé de O liveira Briz ola, morreu na R evoluç ã o F ederalista de 19 23, lutando nas tropas de J oaq uim F rancisco de A ssis Brasil, q ue combatiam os republicanos de Borges de M edeiros. A lfabetiz ado por sua mã e, O niva de M oura Briz ola, começ ou na escola primá ria em 19 31, em P asso F undo. Em 19 36, matriculou-se no Instituto A grícola de V iamã o, perto de P orto A legre, formando-se técnico rural em 19 39 . N essa época, trabalhou como grax eiro numa refinaria em G ravataí (R S ). Embora de origem cató lica, Briz ola deix a transparecer outra marca do passado: a influê ncia do pastor metodista Isidoro P ereira. A inda adolescente, Briz ola morou na casa de Isidoro durante dois anos. C hegou a faz er pregaç õ es na igreja do pastor. "A s falas do Briz ola sã o recheadas de imagens rurais, de inspiraç ã o bíblica. Ele fala através de pará bolas", comenta o vereador do P S B S aturnino Braga, ex -prefeito do R io. A nte eventuais contestaç õ es ao domínio q ue ex ercia no P D T , Briz ola costumava utiliz ar uma de suas imagens favoritas. D iz ia q ue os dissidentes estã o "costeando o alambrado" referê ncia aos bois q ue estã o prestes a ultrapassar as divisas de uma faz enda. Isidoro significou para Briz ola o acesso a um conhecimento mais cultivado.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

4

Em 19 40 , mudou-se para P orto A legre e obteve emprego no serviç o de parq ues e jardins da prefeitura. P ara continuar seus estudos, matriculou-se no C olégio J ú lio de C astilhos para faz er o curso supletivo. Em 19 45, começ ou a cursar engenharia civil na U niversidade do R io G rande do S ul, formando-se em 19 49 . Em 1º de març o de 19 50 , Briz ola casou-se com N euz a G oulart, irmã do entã o deputado estadual J oã o G oulart. O casal teve trê s filhos: J oã o O tá vio, J osé V icente e N eusa, q ue lhes deram oito netos. O padrinho do casamento foi o pró prio G etú lio V argas, q ue, em 3 de outubro, foi eleito presidente da R epú blica. N o mesmo pleito, Briz ola foi reeleito deputado estadual. Em març o de 19 51, Briz ola tornou-se líder do P T B na A ssembléia L egislativa e pouco depois se candidatou a prefeito de P orto A legre. P erdeu o pleito, em 1º de novembro, por pouco mais de 1% dos votos. Em 19 52, foi nomeado secretá rio de O bras do governador Ernesto D ornelles (P T B). D ois anos depois, foi eleito deputado federal pelo P T B em outubro de 19 54. T omou posse na C â mara em 19 55, mas ficou pouco tempo na C asa: em outubro de 19 55, foi eleito prefeito de P orto A legre. S ua gestã o foi marcada pela construç ã o de escolas primá rias e melhoria dos transportes coletivos na cidade. Em outubro de 19 58 , foi eleito governador gaú cho, com mais de 55% dos votos. Empossado em janeiro de 19 59 , criou a C aix a Econô mica Estadual e adq uiriu o controle acioná rio do Banco do R io G rande do S ul. C riou a A ç os F inos P iratini e a C ompanhia R io-G randense de T elecomunicaç õ es e pressionou o governo federal a instalar uma refinaria no Estado. Encampou a C ompanhia T elefô nica R io-G randense, uma subsidiá ria da IT T . N o setor de educaç ã o, construiu 5.9 0 2 escolas primá rias, 278 escolas técnicas e 131 giná sios e escolas normais. Em 19 60 , apoiou as candidaturas do general H enriq ue L ott (P S D ) à P residê ncia e de J oã o G oulart (P T B) para vice. L ott perdeu, mas G oulart foi eleito vice de J â nio Q uadros.

BRIZOLA BUSCAVA UM SOCIALISMO ADAPTADO À CULTURA BRASILEIRA Entrevista com João Trajano Sento-Sé

C ientista político e professor na U niversidade Estadual do R io de J aneiro (U ER J ), J oã o T rajano observa q ue foi Briz ola, com o novo trabalhismo, q uem introduz iu no discurso dos partidos as q uestõ es relativas ao negro, aos índios e à mulher. N a época, chegado do ex ílio, Briz ola buscava construir um —socialismo moreno“ œ na ex pressã o forjada por D arcy R ibeiro œ resgatando os valores positivos da nossa histó ria republicana e somando-os à s proposiç õ es socialistas de militantes de esq uerda, muitos deles também voltando do ex ílio. A s preocupaç õ es com as minorias, hoje lugares-comuns, foram incorporadas pelos demais partidos. C om destaq ue para o P T cujo líder, L ula, o professor carioca arrisca-se a apontar como o herdeiro de Briz ola. N a sua opiniã o, o populismo representa —um dos maiores eq uívocos conceituais da histó ria do pensamento latino-americano“, incapaz de ex plicar a complex idade do briz olismo, de q uem ele é um estudioso. A entrevista de J oã o T rajano foi concedida por telefone. Ele é graduado em C iê nc ias S oc iais pela U niv ersidade F ederal do Rio de Janeiro. O b tev e o título de mestre em C iê nc ia P olític a pelo Instituto U niv ersitá rio de P esq uisas do Rio de Janeiro (IU P E RJ), c om a dissertaç ã o —E stado, S oc iedade e a Intellig entz ia Nac ional“. É tamb é m mestre em C omunic aç ã o pela U F RJ, c om a dissertaç ã o —O L eg ado de C aim“, e doutor em C iê nc ia P olític a e S oc iolog ia pelo IU P E RJ. S ua tese denominou-se —E stetiz aç ã o da P olític a e C arisma. O C aso do B riz olismo no Rio de Janeiro“. C o-autor de Violência e Criminalidade no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: H ama, 1 9 9 8 , o professor é autor de Brizolismo. Estetização da Política e Carisma. Rio de Janeiro: E ditora F undaç ã o G etulio V arg as/E spaç o e T empo, 1 9 9 9 .

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

5

IHU On-Line œ Como o senhor define o populismo? João Trajano œ A cho q ue o populismo é um dos maiores eq uívocos conceituais da histó ria do pensamento político latino-americano. Ele é um conceito antigo, foi usado por correntes políticas ligadas a regiõ es agrá rias nos Estados U nidos, antes disso aos populistas russos, no século dez enove. N o caso da A mérica L atina, no período dos anos 19 50 , 19 60 , ele serviu para q ualificar negativamente uma série de correntes políticas, de lideranç as políticas q ue pautavam sua atuaç ã o pú blica pelo estabelecimento de certos canais de interlocuç ã o com as massas, q ue estavam emerginando no cená rio político nesse período. Esse conceito —pegou“, o soció logo argentino G ino G ermani foi uma das referê ncias para a formulaç ã o desse conceito. N o Brasil, foi muito usado por alguns soció logos de S ã o P aulo, mas muito rapidamente perdeu o seu poder heurístico1 e se tornou um instrumento, um adjetivo, para q ualificar lideranç as políticas muito diferentes entre si. N a minha opiniã o, o populismo é uma categoria mais política do q ue propriamente analítica, e tem servido pouco para nó s entendermos a complex idade de certos processos, correntes e lideranç as políticas como, por ex emplo, o Briz ola.

IHU On-Line œ Partindo dessa constataç ão, como é q ue o senhor chega ao brizolismo e atribui a isso outro estatuto? João Trajano œ U ma das teses inerentes ao conceito de populismo, é a de q ue as massas prestam a sua adesã o a determinados líderes, q ue as manipulam, em funç ã o do primarismo político dessas massas. C omo se a emergê ncia no cená rio político de certos setores mais pobres, com níveis de escolaridade e de infomaç ã o mais baix os, fiz esse com q ue esses setores fossem facilmente manipulá veis por líderes carismá ticos. S e é assim, está suposto, q uando nã o ex plicitamente, pelo menos implicitamente, q ue essa adesã o é marcada pela irracionalidade e pelo primarismo políticos. O q ue eu q ueria investigar é se isso procedia, pois foi essa a tese q ue —colou“ na A mérica L atina toda, nã o somente no Brasil. P retendi verificar se essa tese procedia no caso do L eonel Briz ola, sobretudo no período pó s-ex ílio, depois de 19 79 . Q ueria saber q uais eram as raz õ es daq ueles q ue prestavam a sua adesã o a Briz ola, q ue faz iam disso um princípio relevante da sua identidade política, como essas figuras justificavam essa adesã o. A minha aposta é q ue isso nã o é irracional, pelo contrá rio, é justificá vel, é legítimo, faz sentido. Eu posso discordar, nã o gostar, me identificar com outras raz õ es, outras ló gicas, mas esses mecanismos faz em sentido, eles nã o podem ser desq ualificados como irracionais. Essa era a minha hipó tese,

IHU On-Line œ Essas características q ue, de maneira geral, o populismo atribui a alguns líderes, elas não estavam presentes no Brizola e em outras lideranç as? João Trajano œ P odem estar presentes, o problema é ex atamente esse. P ode-se usar a categoria —populista“ tal como ela foi usada, como ela tem sido usada, para lideranç as tã o diferentes entre si como Briz ola e L acerda2; L acerda e A dhemar de Barros3, A dhemar de Barros e A rraes4. O ra, q ualq uer um q ue conheç a minimamente a nossa histó ria política sabe q ue

1 P oder de investigaç ã o, de relacionar e descobrir fatos (N ota do IHU-On-Line). 2 C arlos L acerda (19 14-19 77). J ornalista e político carioca, foi deputado federal e primeiro governador do ex tinto estado da G uanabara. P ertencia à U niã o D emocrá tica N acional (U D N ). F oi cassado pela ditadura militar (N ota do IHU On-Line). 3 P olítico paulista do P artido S ocial P rogressista (P S P ), governou S ã o P aulo durante 12 anos: q uatro como interventor œ de 19 38 a 19 41 œ e oito como governador (19 47-19 51 e 19 63-19 66). F oi deputado estadual (19 35-19 37) e prefeito da capital, no período de 19 57 a 19 58 . F oi cassado pela ditadura militar. N asceu em 19 0 1 e morreu em 19 69 (N ota do IHU On-Line). 4 P olítico cearense com atuaç ã o marcante em P ernambuco, nasceu em 19 17. F oi deputado estadual pelo P artido S ocial D emocrá tico (P S D ). Elegeu-se prefeito de R ecife em 19 59 , pelo P artido S ocial T rabalhista (P S T ) e governador em 19 62,

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

6

essas figuras representam coisas completa e radicalmente diferentes entre si. S e usamos um conceito, esperando dele um rendimento analítico, mas, ao mesmo tempo, ele nã o nos permite distinguir lideranç as tã o díspares, começ amos a desconfiar q ue, em lugar de conceito, essa ex pressã o é um adjetivo q ue podemos usar segundo as nossas preferê ncias para desq ualificar trajetó rias e adesõ es q ue nos desagradem.

IHU On-Line œ Nos seus estudos, o senhor deix a antever um possível crescimento do brizolismo. Entretanto, para muitos, o Brizola, já era apenas uma personagem política histó rica, desimportante no cenário político atual. Como o senhor ex plica isso? João Trajano œ D e fato, do ponto de vista eleitoral, o Briz ola vinha num processo de declínio permanente, nos ú ltimos dez anos, desde a eleiç ã o presidencial de 19 9 4. Eu concluí a minha pesq uisa em 19 9 7. N aq uele, momento, o q ue tínhamos era o péssimo rendimento eleitoral dele em 19 9 4 e a derrota do seu candidato à P refeitura do R io de J aneiro em 19 9 6. D epois disso, mais derrotas, mais desempenhos pífios, q uase humilhantes. Isso me faz ia pensar q ue o Briz ola estava sepultado politicamente, estava no ostracismo, acabara a sua vida pú blica. C ontudo, a despeito do seu declínio eleitoral, ele continuou sendo cortejado pelas lideranç as políticas nacionais. N ó s podemos ver isso como indicativo de q ue, a despeito de já nã o representar um patrimô nio eleitoral garantido, a figura de Briz ola ainda tinha um poder simbó lico. s demais lideranç as políticas parecia importante levá -lo em consideraç ã o. Entretanto, o mais surpreendente, talvez , foi a reaç ã o popular à sua morte, especialmente no R io de J aneiro e no R io G rande do S ul. Ele morreu de forma absolutamente trivial, nã o há dramaticidade na sua morte, nã o há raz ã o alguma para comoç ã o, para mobiliz aç ã o. M orreu como morre uma boa parte das pessoas idosas: o coraç ã o fraq uejou, em decorrê ncia de uma doenç a. A inda assim as ruas ficam cheias, as pessoas vã o homenageá -lo, vã o pranteá -lo. Isso é algo ex traordiná rio, surpreendente, nos faz pensar q ue o fato de as pessoas nã o votarem mais no Briz ola nã o significa q ue ele tenha deix ado se ser digno de respeito. P or q uê ? T alvez por algumas das bandeiras q ue ele empunhou. A lgumas delas permanecem legítimas, como nos anos em q ue ele atuou politicamente. O Briz ola pautou o seu discurso pela defesa da educaç ã o popular, defendendo-a como instrumento de incorporaç ã o social e, conseq ü entemente, de reduç ã o da iniq ü idade e da desigualdade sociais; brigou para q ue o Brasil tivesse uma posiç ã o mais afirmativa no cená rio internacional, deix ando de ser tã o subalterno aos centros decisó rios, se manteve fiel ao legado trabalhista, mesmo depois q ue isso já nã o lhe rendia dividendos eleitorais. Esses traç os talvez permaneç am, nã o mais na forma de briz olismo, q ue tende a acabar, restando a lembranç a da figura de Briz ola. N ã o creio q ue as pessoas continuem se identificando como briz olistas, já nã o vinham se identificando assim. M as há certas bandeiras, pelas q uais ele brigou até o ú ltimo momento da sua vida, q ue sã o legítimas e q ue vã o encontrar outros defensores, eu espero.

IHU On-Line œ Quais os erros q ue Brizola e o brizolismo teriam cometido? João Trajano œ Eu destaco trê s erros, em momentos diferentes. O primeiro, acho q ue foi a radicaliz aç ã o no momento imediatamente anterior ao golpe de 19 64. A cho q ue Briz ola foi um dos protagonistas de um processo de radicaliz aç ã o q ue resultou no maior desastre político da

apoiado pelo P artido C omunista Brasileiro (P C B). D eposto e cassado pelos militares em 19 64, ex ilou-se. R etornou ao P aís em 19 79 . Em 19 8 0 , elegeu-se deputado federal pelo P artido do M ovimento D emocrá tico Brasileiro (P M D B) e, em 19 8 4, governador do estado. Em 19 9 0 , filia-se ao P artido S ocialista Brasileiro (P S B), elegendo-se novamente deputado federal e, em 19 9 4, novamente governador, cargo q ue ocupou até 19 9 8 (N ota do IHU On-Line).

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

7

nossa histó ria. Ele é um dos responsá veis por isso, nã o o responsá vel maior, como uma parte da esq uerda chegou a diz er. Essa acusaç ã o é absurda, de um primarismo terrível. M as, de fato, ele teve um papel importante no processo de radicaliz aç ã o.

IHU On-Line œ Mas a ousadia é uma das marcas importantes na personalidade política do Brizola. Sendo assim, onde é q ue se corporifica esse erro ao q ual o senhor se refere? João Trajano œ U ma das marcas é a ousadia, mas outra é a sagacidade política. N aq uele momento a sua sagacidade falhou, ele nã o se deu conta de q ue uma das possibilidades daq uele projeto, do q ual ele faz ia parte, era a de nos levar para o abismo, para onde acabamos indo. Ele contribuiu muito para um clima de acirramento, q ue poderia ter sido evitado com algum tipo de recuo. Entã o, esse foi um momento ruim da sua trajetó ria. U m segundo momento ruim ocorreu no período q ue antecedeu o impeac hment do F ernando C ollor de M ello. Ele nã o percebeu a dimensã o do q ue estava acontecendo. A resistê ncia dele em unir forç as ao movimento pela C P I caracteriz a um momento muito ruim. Q uanto ao terceiro erro: eu acho q ue ele poderia ter feito o esforç o q ue ele fez em 19 78 , 19 79 , para renovar a sua linguagem. Ele chega do ex ílio, abordando o trabalhismo com uma linguagem nova, compatível com o tempo em q ue ele estava voltando. M as parece q ue, depois disso, ele abdicou dessa capacidade de renovaç ã o. Isso contribui muito para o esvaz iamento do P D T e da sua lideranç a pessoal.

IHU On-Line œ O senhor poderia dar um ex emplo dessa linguagem inovadora? João Trajano œ O P T foi criado no começ o dos anos de 19 8 0 , se autoproclamando como o partido dos trabalhadores. O P M D B, como partido da redemocratiz aç ã o. O P F L , como partido da ordem. O novo trabalhismo do Briz ola retomou o fio da histó ria, se reportou à nossa tradiç ã o republicana, dotando-a de uma certa positividade mas, simultaneamente, troux e q uestõ es novas para o cená rio político-partidá rio. A s q uestõ es do negro, das populaç õ es indígenas, da mulher, foram traz idas para o debate partidá rio por Briz ola, sobretudo pelo grupo q ue estava em torno dele. N inguém nega a relevâ ncia destas q uestõ es q ue hoje foram incorporadas ao debate, com as q uais o P T se identifica muito, já compondo um patrimô nio comum: dos direitos das minorias, das relaç õ es entre os direitos das minorias e a democracia, q uem as troux e para o debate político-partidá rio brasileiro e as colocou na agenda foi o pessoal q ue acompanhava Briz ola, formando o novo trabalhismo. Ele era a ú nica lideranç a q ue unia a tradiç ã o com essas q uestõ es inovadoras, porq ue o P M D B, ao falar da redemocratiz aç ã o, falava de um passado muito recente; o P T nã o falava da histó ria, mas da sua ruptura, é um partido q ue se instituiu se autoproclamando o marco z ero da esq uerda brasileira, como se tudo q ue houvera antes fosse lix o, fosse coisa de segunda ordem. E o P F L , com eu disse, era o partido da ordem. A corrente q ue buscava faz er uma ponte com uma histó ria política dotada de alguma virtude, de alguma positividade, era a corrente q ue se ex pressava no discurso trabalhista. Isso era ex traordiná rio, naq uele momento. F oi a isso q ue os briz olistas aderiram, nã o há nada de irracional na adesã o a essa linguagem, a esse programa. F az ia sentido.

IHU On-Line œ Esse programa é o q ue se abrigava na ex pressão “socialismo moreno”? João Trajano œ Essa foi uma ex pressã o forjada pelo D arcy R ibeiro. N a época, eles tinham tido contato com os grandes heró is da Internacional S ocialista, em L isboa. Briz ola teve contato com O loff P alm, com F elipe G onz á lez , com M á rio S oares5. V ale lembrar q ue se aprox imaram do

5 R espectivamente, políticos q ue ocuparam os cargos de P rimeiro M inistro na S uécia, e de P residente na Espanha e P ortugal. A Internacional S ocialista referida designa a reuniã o de partidos sociais-democratas, com predominâ ncia européia (N ota do IHU On-Line).

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

8

Briz ola vá rios jovens ex ilados q ue nã o tinham trajetó ria no trabalhismo. Entã o, o encontro do antigo trabalhismo com esses ex ilados, resulta numa concepç ã o de um socialismo com a cor local - o q ue cabia muito bem ao nacionalismo trabalhista e ao socialismo das pessoas q ue vinham de outras correntes da esq uerda. A idéia era a de faz er um socialismo compatível com a nossa trajetó ria política, as nossas maz elas, a nossa cultura política, com o nosso povo. A í, D arcy R ibeiro forja essa má x ima —socialismo moreno“. M as, na verdade, cada corrente achava q ue o socialismo moreno era uma coisa diferente, conforme eu pude apurar junto a vá rias lideranç as do partido. O q ue ligava cada um dessas versõ es era o q uê ? Era o líder.

IHU On-Line œ E ao q uê o senhor atribui a perda desse “empux e” trabalhista? João Trajano œ A derrota em 19 8 9 foi um golpe fortíssimo. A cho q ue ali fracassa o projeto de chegar ao poder nacional. D epois, foi só declínio. A inda houve a eleiç ã o de 19 9 0 , q uando Briz ola obteve uma vitó ria estrondosa no R io de J aneiro, ganhando no primeiro turno. O P D T do R io G rande do S ul ainda continuava com alguma forç a, mas já estava perdendo espaç o para o P T , ainda havia algumas lideranç as importantes espalhadas pelos estados, mas isso vai minguando. A —pegada“, a disposiç ã o para se renovar, para usar a sensibilidade e captar novas formulaç õ es e novos problemas, isso vai se apeq uenando, se retraindo. O resultado é q ue se retrai também o apelo.

IHU On-Line œ Quais são os seus prognó sticos para o trabalhismo e o PDT? João Trajano œ Esse tipo de projeç ã o é, geralmente, uma coisa muito falha. A inda assim, eu diria, muito intuitivamente, de forma muito froux a, q ue o P D T dificilmente deix ará de ser um partido menor no q uadro partidá rio nacional. Isso nã o significa q ue o trabalhismo há de acabar. A o contrá rio de G etú lio V argas e de J ango, Briz ola nã o deix ou herdeiros. Entre as lideranç as atuais, eu acho œ e isso é pura intuiç ã o œ q ue ele considerava L ula como um virtual herdeiro seu. Esta é uma opiniã o pessoal, intuitiva, com base em coisas —pescadas“ aq ui e ali. N ã o deix a de ser uma ironia q ue Briz ola tenha morrido rompido com o L ula. M as cabe lembrar q ue V argas e P asq ualini6 nã o se davam e q ue Briz ola e J ango tampouco se entenderam muito bem. C om isso eu nã o q uero diz er q ue o L ula vai reclamar o legado briz olista ou trabalhista. O trabalhismo é contemporâ neo do surgimento da democracia de massas no Brasil. N esse contex to ele foi, ainda q ue de forma muito difusa, muito precariamente sistematiz ada e formulada, ele foi a ex pressã o melhor de anseios, de ex pectativas e de compromissos com os segmentos mais empobrecidos e ex cluídos da sociedade brasileira. M uitas das bandeiras fortemente identificadas com o trabalhismo podem permanecer, ser empunhadas por outras mã os e, eventualmente, essa tradiç ã o, com a ex pressã o trabalhismo, pode ser recuperada futuramente. Embora eu nã o considere q ue nenhuma das lideranç as q ue militaram no P D T , q ue surgiram pelas mã os do Briz ola, fossem reconhecidas por ele como um herdeiro legítimo do legado trabalhista.

A CATEGORIA POPULISMO NÃO SERVE PARA CARACTERIZAR A DEMOCRACIA BRASILEIRA Entrevista com Jorge Luiz Ferreira

O c onc eito de populismo masc ara projetos polític os importantes, nã o oferec e ferramentas para a c ompreensã o da histó ria polític a b rasileira c ontemporâ nea e, sob retudo, desc arac teriz a a democ rac ia nac ional, v endo as massas c omo sub serv ientes e inc apaz es de v otar. E ssa é a opiniã o do professor Jorg e

6 A lberto P asq ualini, um dos teó ricos do trabalhismo, cujas formulaç õ es estã o principalmente contidas no livro Bases e sugestões para uma Política Social. P orto A legre: Editora G lobo, 19 48 .

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

9

L uiz F erreira q ue, c om outros historiadores, está empenhado em rev er e c omb ater o referido c onc eito, rec usando-se a utiliz á -lo, c onsiderando a sua imprec isã o. E le ensina no D epartamento de H istó ria da U niv ersidade F ederal F luminense. G raduado e mestre em H istó ria pela U niv ersidade F ederal F luminense (U F F ), esc rev eu a dissertaç ã o "T rab alhadores do B rasil. A c ultura polític a popular no primeiro G ov erno V arg as (1 9 3 0 -1 9 4 5 )". O professor é doutor em H istó ria S oc ial pela. U niv ersidade de S ã o P aulo (U S P ). S ua tese de doutorado intitula-se "P risioneiros do mito: c ultura e imag iná rio polític o dos c omunistas no B rasil (1 9 3 0 -1 9 5 6 )". F erreira é autor de Incas e astecas - culturas pré-colombianas. S ã o P aulo: Ê tic a, 1 9 8 8 ; Conquista e colonização da América Espanhola. S ã o P aulo: Ê tic a, 1 9 9 2; O movimento operário norte- americano. S ã o P aulo: Ê tic a, 1 9 9 5 ; Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular. Rio de Janeiro: E ditora da F undaç ã o G etú lio V arg as, 1 9 9 7 ; Prisioneiros do mito. Cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil (1 9 3 0 -1 9 5 6 ). Rio de Janeiro/Niteró i: M auad/E duff, 20 0 2. C omo org aniz ador, pub lic ou O populismo e sua história. Rio de Janeiro: C iv iliz aç ã o B rasileira, 20 0 1 . F oi espec ialmente a partir dessa ob ra q ue ele, por telefone, c onc edeu a entrev ista para o IHU On-Line, ressaltando sempre q ue muitas das opiniões emitidas apoiav am-se nas pesq uisas dos demais c o-autrores (os historiadores Ang ela de C astro G omes, M aria H elena Rolim C apelato, L uc ília de Almeida Nev es, F ernando T eix eira da S ilv a, H é lio da C osta, E liana G . da F onte P essanha, Reg ina L ú c ia M . M orel, D aniel Aarã o Reis F ilho).

IHU On-Line œ Como o senhor define o populismo brasileiro? Jorge Ferreira œ O conceito de populismo foi criado e elaborado numa determinada conjuntura política brasileira, na segunda metade dos anos 19 60 . A lguns políticos, jornalistas, soció logos elaboraram este conceito no sentido de desmerecer, descaracteriz ar a democracia brasileira de 19 45 a 19 64. Entã o, o conceito de populismo está intimamente ligado a uma visã o política q ue, q uando diz emos —o político fulano de tal é um populista“, isso q uer diz er q ue ele foi eleito, porq ue ele teve capacidade de manipular o povo. P ortanto o povo é uma massa de eleitores despreparados, deformados, q ue nã o tem capacidade de discernimento. O conceito de populismo está ligado a uma percepç ã o política e em termos teó ricos é um conceito impreciso, q ue nã o dá conta de diversas realidades porq ue coloca na mesma dimensã o, no mesmo patamar, personalidades de diferentes trajetó rias, de diferentes origens. O q ue tem a ver J â nio Q uadros com L eonel Briz ola? G etú lio V argas com D utra? J uscelino com F igueiredo? A lguns diz em q ue F igueiredo tornou-se um populista, depois o F ernando H enriq ue tornou-se um populista também, alguns já chamam o L ula de populista. Q ue conceito é esse q ue dá conta de realidades das mais diferentes, das mais distintas? O conceito de populismo encobre projetos importantes, o projeto udenista liberal, fica no mesmo patamar q ue o nacional estatista dos trabalhistas, por ex emplo. É tudo a mesma coisa, o conceito nã o dá instrumentos, nã o dá ferramentas para entendermos a histó ria política brasileira contemporâ nea. Ele apaga os projetos políticos. É um conceito, sobretudo, q ue descaracteriz a a democracia brasileira, ou seja, a populaç ã o nã o sabe votar, porq ue se deix a manipular por líderes espertos, demagó gicos, falsos... N esse sentido, eu nã o considero o L eonel Briz ola um político populista, como nã o considero nenhum político brasileiro populista, o q ue nã o q uer diz er q ue nã o ex istam políticos q ue faç am demagogias, tentem alguma espécie de manipulaç ã o. Isso ex iste, mas nã o q uer diz er q ue a categoria populismo sirva para caracteriz ar a democracia brasileira. Entã o eu nã o trabalho com esse conceito, na verdade eu o recuso.

IHU On-Line œ Quando esse conceito começ a a surgir? Jorge Ferreira - N os anos 19 50 , q uando se institui o chamado G rupo de Itatiaia, um grupo de soció logos, parte do R io de J aneiro, parte de S ã o P aulo, q ue se reunia em Itatiaia, uma cidade q ue fica a meio caminho de R io e S ã o P aulo. U m desses intelectuais, nã o identificado, escreveu um artigo para entender o fenô meno A dhemar de Barros em S ã o P aulo, chamado

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

10

—Q ue é o ademarismo“, no q ual diz q ue o populismo é o resultado de uma burguesia fraca, um proletariado ainda em formaç ã o e um líder carismá tico. C omeç a a se formar um embriã o de uma tendê ncia socioló gica, q ue tem o seu trabalho mais fortificado, digamos assim, na obra de F rancisco W effort —O P opulismo na P olítica Brasileira“7.

IHU On-Line - Octávio Ianni, q uando escreve sobre o colapso do populismo no Brasil, refere-se a ele como uma forma política assumida por uma sociedade de massa. Isto estava incorreto? Jorge Ferreira - O livro de O ctá vio Ianni, O colapso do populismo no Brasil8, situa-se em um contex to muito preciso, sua primeira ediç ã o é de 19 68 , e o autor está diz endo o seguinte: a sociedade brasileira está diante de uma ditadura q ue se fecha cada vez mais. Ele diz q ue a ditadura nã o tem mais nada a oferecer à sociedade brasileira, nem em termos econô micos. N aq uele momento em e q ue o milagre econô mico ia acontecer, ele nã o estava percebendo isso, via apenas o impasse. N ada mais será oferecido à sociedade brasileira, a nã o ser, diz o Ianni, o fascismo. A outra opç ã o, afirma, é o socialismo, q ue ex igia a derrubada da ditadura. Entã o muitos jovens universitá rios daq uele momento lê em aq uele livro e concluem q ue a saída é o socialismo e a saída pode ser luta armada. N ã o podemos desmerecer a bibliografia da época sobre o populismo, mas é preciso situá -la numa mas conjuntura muito precisa. É a conjuntura do colapso da democracia brasileira de 19 64 e o período inicial do regime militar, período do C astelo Branco e do C osta e S ilva. A lguns pesq uisadores observam q ue a direita q ue derrubou o J oã o G oulart necessitava diz er realmente q ue ele era subversivo, corrupto, incapaz , comunista. M as a esq uerda depois fez o mesmo coro diz endo q ue ele era um populista, q ue ele colocava um véu sobre os olhos da classe operá ria... O s liberais também torciam o nariz para o projeto de reforma agrá ria, havia uma convergê ncia para desq ualificar aq uela lideranç a política, e o conceito de populismo cai como uma luva nesta necessidade de vá rios grupos sociais desq ualificarem a democracia brasileira nesse período. É preciso repensar sobre isso, com calma, porq ue senã o vamos ficar sempre repetindo o chavã o de q ue o fulano foi eleito porq ue é um populista. Isso significa q ue uma pessoa é esperta o suficiente para enganar milhõ es de outras pessoas. O ra, q ue democracia se sustenta com isso? S erá q ue alguém é tã o esperto a ponto de enganar milhõ es de outras pessoas? E q ue milhõ es de pessoas sã o estas? S ã o pessoas desinformadas, incapaz es de votar corretamente? Q uem diz ia isso era a U D N , diz ia q ue o povo nã o sabia votar porq ue nã o votava nos seus candidatos. Entã o, temos q ue ter cuidado, porq ue se desq ualificamos a democracia desta maneira podemos incorrer nos mesmo eq uívocos da crise de 19 64. T anto a democracia foi desvaloriz ada q ue entrou em colapso.

IHU On-Line œ Pode-se dizer q ue os teó ricos formuladores do conceito não perceberam a realidade brasileira na sua totalidade? Jorge Ferreira œ Em um certo momento, nos anos 19 50 -19 60 , q uem escrevia a histó ria brasileira, q uem ia faz er pesq uisa de ponta era a U niversidade de S ã o P aulo, era só ali q ue havia uma P ó s-G raduaç ã o em S ociologia e C iê ncias P olíticas, onde profissionais capacitados faz iam pesq uisas. Evidentemente, dedicavam-se à q uilo q ue estava mais perto deles, S ã o P aulo. Entã o surgiram trabalhos da maior importâ ncia na historiografia brasileira sobre industrializ aç ã o, classe operá ria, partidos políticos, mas tomando o estado de S ã o P aulo como um grande centro. O ra nó s sabemos q ue S ã o P aulo é o estado mais importante, mas o Brasil

7 O Populismo na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978 (Nota do IHU On-Line). 8 O colapso do populismo no Brasil. R io de J aneiro: C iviliz aç ã o Brasileira, 19 75 (Nota do IHU On-Line).

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

11

nã o é S ã o P aulo. A s realidades sã o muito distintas. P or ex emplo, o livro do W effort, já referido, diz q ue no Brasil, no período de 19 45 a 19 64, os partidos eram inex pressivos, o importante eram as lideranç as, q ue estavam à frente dos partidos. Isso pode ter acontecido em S ã o P aulo, mas nã o no resto do P aís, onde predominavam trê s partidos, o P T B, a U D N e o P S D , sem contar o P C B, q ue estava na ilegalidade. Esses partidos eram fortes e organiz ados nacionalmente. P elo menos o P T B e a U D N eram partidos ideoló gicos, tinham projetos políticos reconhecidos pela populaç ã o. Q uem votava no P T B sabia o q ue estava faz endo. V otava no nacionalismo, na reforma agrá ria, no rompimento com capital estrangeiro, na industrializ aç ã o, em um capital nacional e estatal. Q uem votava na U D N também sabia o q ue estava faz endo: votava contra greves, votava com o alinhamento incondicional aos Estados U nidos, a abertura econô mica, especialmente para os Estados U nidos. C ada eleitorado sabia o q ue faz ia e era fiel ao seu partido. Q uem votava no P T B nã o votava na U D N , e vice-versa. O s políticos eram fiéis aos seus partidos, q ue eram fortes, consistentes, ideoló gicos. S ó em S ã o P aulo q ue os trê s partidos eram fracos, a U D N nã o era nada, o P T B era fraq uíssimo e o P S D era um z ero. A li sim, ex istiam personalidades acima dos partidos, como A dhemar de Barros e J â nio Q uadros. Entã o nã o se pode tomar a realidade de S ã o P aulo como se fosse o Brasil em cada Estado da F ederaç ã o. D os trê s partidos, dois eram fortes na G uanabara, o P T B, e a U D N ; no R io G rande do S ul, o P T B e o P S D ; em M inas G erais, a U D N e o P S D . C omo diz er q ue eram partidos inconsistentes?

IHU On-Line œ Mas o trabalhismo não tinha também líderes com características semelhantes? Jorge Ferreira - M esmo no â mbito do trabalhismo, G etú lio V argas, J oã o G oulart e L eonel Briz ola todos os trê s, começ aram lá de baix o e foram subindo dentro do partido. A té G etú lio V argas, no P artido R epublicano R io-grandense, começ ou lá de baix o e foi subindo, fundou o P T B. D epois o G oulart e o Briz ola começ aram das bases e também foram subindo. Eles nã o eram líderes carismá ticos q ue se impuseram sobre o partido; eles cresceram com o partido. H á outros aspectos a considerar: em um certo momento houve uma alianç a P T B œ P C B. Eles reuniram vá rios sindicatos, surgiu um movimento operá rio organiz ado com muita autonomia, com influê ncia de J oã o G oulart e q ue nã o estava a sob o seu controle, um movimento q ue faz ia greves seguidas. Entã o como sustentar uma tese em q ue líderes carismá ticos controlam as massas, q ue eles estã o acima do movimento operá rio, do sindicalismo dos partidos? N ã o, isso nã o aconteceu, essa tese nã o se sustenta na histó ria dos brasileiros. A histó ria é muito mais complex a, é muito mais complicada, nã o se ex plica através da demagogia de líderes carismá ticos.

IHU On-Line - Não há nada de positivo a resgatar do conceito de populismo? A entrada das massas na estrutura do poder não foi legitimada por movimentos populistas, como afirmou Octávio Ianni? Jorge Ferreira - A crítica q ue faz emos ao conceito de populismo refere-se à sua utiliz aç ã o para ex plicar a política brasileira. Isso nã o significa q ue a cidadania alcanç ada pelos trabalhadores nã o tenha um caminho pró prio, a partir do controle do Estado. N a R evoluç ã o de 30 , outro grupo assume o poder, ocorrendo um processo de ex pansã o de cidadania social. N o Brasil, os trabalhadores sã o conhecidos como autores políticos a partir do reconhecimento da sua cidadania social, enq uanto, na Europa, os trabalhadores sã o atores políticos, q uando se tornaram cidadã os políticos, ou seja, com direito de votar e ser votado. N o Brasil, os trabalhadores se tornaram cidadã os nã o pelo direito de votar e ser votado, mas com a obtenç ã o de seus direitos sociais: cidadã o q ue tem carteira de trabalho, férias remuneradas,

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

12

descanso semanal remunerado... Isso marca a cultura política brasileira, uma marca q ue ficou. Entã o é a partir desse tipo de inserç ã o q ue se criou um forte caldo cultural na política brasileira q ue vincula a cidadania aos direitos sociais e depois à formaç ã o de partidos políticos. N esse sentido, os trabalhadores, a partir dos anos de 19 30 , tiveram acesso à cidadania com leis sociais e reconheceram o papel do Estado. Entã o, grande parte destes trabalhadores passou a votar no P T B e no trabalhismo. M as isso é um processo de reconhecimento, e nã o de manipulaç ã o. Essa é a grande q uestã o, o conceito de populismo diz q ue eles foram manipulados, mas a relaç ã o Estado-sociedade é uma relaç ã o de mã o dupla. O s trabalhadores reconheceram isso e fiz eram suas escolhas, q ue nã o podem ser vistas como manipulaç ã o. G etú lio V argas foi um político importante, mas ele nã o era o todo poderoso capaz de manipular milhares de pessoas, a q uestã o é você reconhecer isso, q ue os trabalhadores fiz eram as suas escolhas.

IHU On-Line - A maneira como o senhor se refere aos partidos de então dá a idéia de q ue os atuais são muito fracos e q ue tínhamos fortalezas partidárias no passado. Qual é a avaliaç ão q ue o senhor faz deles? Jorge Ferreira - N o passado os partidos políticos tinham projetos políticos mais delineados, isso era claro para a populaç ã o. A s proposiç õ es do P T B e da U D N , antes mencionadas, ainda constituem tradiç õ es muito presentes na política brasileira. O projeto do F ernando H enriq ue C ardoso pretendeu levar à s ú ltimas conseq ü ê ncias o projeto udenista, de abertura, sem freios ao capital estrangeiro. A U D N tinha um forte tendê ncia de nã o estatiz ar empresas. A s privatiz aç õ es se originaram de um projeto q ue vinha do passado, claro q ue, nos anos de 19 9 0 , apresentava-se sob outro contex to, o do neoliberalismo. E o projeto de defesa das estatais vem da onde? Era defendido pelo P T B, inspirou a construç ã o de V olta R edonda, da C ompanhia do V ale do R io D oce. Esse projeto defende a idéia de q ue somente a empresa estatal tem cacife suficiente para barrar o capital estrangeiro. Essa idéia nã o nasceu assim espontâ nea, ela nasceu em algum lugar, nos anos 19 30 e 19 50 . A idéia de q ue é preciso fortalecer o Estado vem lá de trá s, do nacional e do estatismo, da reforma agrá ria, das reformas de base. A s bandeiras do antigo P T B, do antigo trabalhismo, estã o presentes hoje. N ã o é à toa q ue se diz ia q ue o L ula seria o herdeiro do trabalhismo.

IHU On-Line - O legado dele, o trabalhismo, o PDT, sobreviverão? Jorge Ferreira œ Eu acho q ue o P D T agora cresce, porq ue o partido vivia uma situaç ã o muito similar a do q ue o antigo P T B vivia com G etú lio V argas. Ele era muito maior q ue o P T B, o P T B era muito peq ueno diante de V argas, da sua lideranç a, nã o crescia diante da monumentalidade de V argas. O antigo P T B só cresceu depois da morte de V argas, porq ue surgiram inú meras lideranç as. Entã o eu creio q ue P D T era muito peq ueno diante do Briz ola, o Briz ola ofuscava o P D T . A gora o P D T tem condiç õ es de crescer, porq ue vã o surgir outras lideranç as de igual para igual e nã o haverá apenas uma ú nica e gigantesca lideranç a.

O HOMEM DE UM ÒNICO PARTIDO Entrevista com Maria Celina Soares D’Araujo

O c ená rio polític o do sé c ulo X X nã o pode ser c ompreendido sem olhar para L eonel B riz ola, Joã o G oulart e G etú lio V arg as, c ontudo podemos olhar para B riz ola antes e depois do ex ílio c om perfis b em diferentes. E ssa é a opiniã o da professora M aria C elina D 'Araujo, da U niv ersidade F ederal F luminense (U F F ) e do C entro de P esq uisa e D oc umentaç ã o de H istó ria C ontemporâ nea do B rasil da F undaç ã o G etú lio V arg as (C P D O C /F G V ).

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

13

M aria C elina S oares D `Araú jo é g raduada em C iê nc ias S oc iais pela U F F , é mestre em C iê nc ia P olític a (C iê nc ia P olític a e S oc iolog ia) pelo Instituto U niv ersitá rio de P esq uisas do Rio de Janeiro (IU P E RJ) e sua dissertaç ã o intitula-se —O seg undo g ov erno V arg as“. A professora é doutora em C iê nc ia P olític a e S oc iolog ia tamb é m pelo IU P E RJ, e o título de sua tese é —A ilusã o trab alhista. O P T B de 1 9 4 5 a 1 9 6 5 “. S eu pó s- doutorado foi c ursado na U niv ersity of F lorida, em G ainesv ille, E stados U nidos. É autora de, entre outros, O Segundo Governo Vargas: Democracia, Partidos e Crise Política. Rio de Janeiro: Z ahar, 1 9 8 2; O Golpe Silencioso: As Origens do Estado Corporativo. Rio de Janeiro: Rio F undo, 1 9 8 9 ; Getulismo e Trabalhismo.sã o P aulo: Ê tic a, 1 9 8 9 ; A era Vargas. S ã o P aulo: M oderna, 1 9 9 8 ; O Estado Novo. Rio de Janeiro: Z ahar, 20 0 0 ; e Capital Social. Rio de Janeiro: Z ahar, 20 0 3 .

IHU On-Line– Qual foi contribuiç ão de Leonel Brizola à política brasileira? Maria Celina Soares D’Araujo- Briz ola é de uma geraç ã o de políticos típica dos anos 19 50 , no Brasil. P olíticos muitos personalistas, carismá ticos, com uma grande lideranç a pessoal, políticos q ue nã o tinham apreç o muito grande pelas instituiç õ es representativas, q ue achavam mais importantes mobiliz ar a massa, articular diretamente com o povo, pensar as grandes q uestõ es nacionais, políticos populistas. A ssim foram também G etú lio [V argas] e, em parte, J oã o G oulart. A té 19 64 nã o podemos diz er q ue Briz ola era um grande democrata. Era sim um grande líder político, um grande nacionalista, era um homem q ue tinha uma visã o do Estado, muito forte. O Estado tinha, para ele, um papel estratégico para o desenvolvimento brasileiro, por isso iniciou as nacionaliz aç õ es das companhias estrangeiras no Brasil. M as criticava muito o C ongresso N acional, diz ia q ue o C ongresso era reacioná rio, conservador e obviamente criticou muito as F orç as A rmadas. P or outro lado, ele teve um papel importante em 19 61, na cadeia da legalidade, mas, em 19 64, podemos olhar para Briz ola de dois lados: de um lado resistiu ao golpe militar, mas de outro lado, ele nã o facilitou muito as coisas para J oã o G oulart. O governo J oã o G oulart radicaliz ou e ele nã o soube negociar nesse momento uma composiç ã o, nem com G oulart, nem com a direita. N o entanto, teve uma posiç ã o coerente. O interessante, em Briz ola e talvez isto seja um aspecto relevante, é q ue ele foi uma pessoa sempre coerente. Ele nã o era uma pessoa q ue faz ia estelionato eleitoral, nã o diz ia uma coisa e faz ia outra. T eve muita ousadia, muita coragem de reagir aos golpes de 19 61 e de 19 64, só q ue em 19 64 ficou isolado e o q ue ele achava q ue viria de apoio, da sociedade, dos grupos dos onz e9, isso nã o aconteceu porq ue essas pessoas nã o tinham recursos, armas para reagir.

IHU On-Line- É possível assinalar diferenç as no Brizola q ue volta com a anistia? Maria Celina Soares D’Araujo- S im. O Briz ola q ue vem depois da anistia é democrata, no sentido de respeito à democracia representativa, de respeito à s instituiç õ es, à ordem constitucional. C ontinua sendo o caudilho, o centraliz ador. O P D T , partido q ue ele criou, como herdeiro do trabalhismo, foi um partido sempre muito ligado à sua figura, nunca houve uma lideranç a concorrente interna, sempre q ue essa lideranç a concorrente aparecia ela saía do partido, o M arcelo A lencar, o C ésar M aia, o S aturnino Braga, foram lideranç as q ue cresceram dentro do P D T mas q ue tiveram q ue deix ar o P D T . Briz ola conta com esse estilo de política senhorial, ele mandava no partido, o partido era um instrumento para ele faz er política, mas nã o se vê mais Briz ola, depois da anistia, depois de 19 69 , articulando ou denunciando conspiraç õ es, é um homem muito mais acomodado, muito mais adaptado a uma ordem política, em uma prá tica muito problemá tica. Em 19 9 0 -19 9 1 ele ficou muito preocupado com a

9 Denominação de grupos de militantes sob a influência de Brizola, integrado por onze pessoas, uma das quais estava ligada a outro "grupo dos onze", e assim sucessivamente, organizando uma rede de apoiadores, que fracassou (Nota do IHU On-Line).

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

14

situaç ã o do C ollor, chegou a apoiar o C ollor, acho q ue temia um golpe. Ele apoiou a prorrogaç ã o do mandato de F igueiredo também, porq ue ele temia, sempre q ue ele achou q ue podia haver uma ruptura constitucional, ele tomou decisõ es, na contramã o da oposiç ã o, mas isso, vem em nome de uma trajetó ria coerente, q ue era evitar golpes, q ue era evitar rupturas institucionais, q ue ele achava q ue poderiam vir. Esse Briz ola, apó s a anistia, embora continue uma pessoa centraliz adora, personalista, sempre muito carismá tica, ele traz novidades no campo da esq uerda brasileira falando de socialismo democrá tico, pluralidade ideoló gica, falando do Brasil como um país de socialismo moreno, o P D T foi um partido q ue fez q uestã o de colocar nos seus q uadros e nas suas listas de candidatos, pessoas negras, índios. O R io de J aneiro elegeu o J uruna, ele teve uma importâ ncia simbó lica muito grande, as mulheres, entã o, ele traz esse discurso inovador, a política como um espaç o de representaç ã o para as minorias. P or outro lado ele tem uma grande q ualidade também, no Brasil, q ue é muito rara: ele foi homem de um partido só , basicamente foi homem do P T B, q uando ele q uis criar o P T B em 19 79 , houve ali uma articulaç ã o política pelas mã os do poderio, a sigla do P T B, q ue era sigla dele, vai para as mã os da Ivete V argas, mas ele cria um outro partido trabalhista e fica nele até o fim, entã o ele tem uma coerê ncia partidá ria e uma permanê ncia ideoló gica.

IHU On-Line- Que aspectos permaneceram constantes na sua proposta? Maria Celina Soares D’Araujo- T em duas q uestõ es importantes, a q uestã o do nacionalismo econô mico e a educaç ã o. Ele fez um bom governo no R io G rande do S ul, q uando foi governador. J á q uando foi governador do R io de J aneiro, duas vez es, ele insistiu nessa política de educaç ã o, sem os resultados positivos q ue se esperava, mas de toda a forma, colocou na agenda a q uestã o de q ue crianç a tinha q ue estar na escola.

IHU On-Line – Por q ue os resultados não foram como ele esperava? Maria Celina Soares D’Araujo- P orq ue foram todos empreendimentos muito caros, q ue é o ensino de tempo integral, q ue precisa ter turnos de professores, e isso as administraç õ es posteriores nã o continuaram, foi descontinuado esse trabalho, considerado muito caro, uma escola cara. Entã o os C IEP S funcionam, mas funcionam como escolas normais, q uase todas, a idéia do ensino integral, tempo integral, crianç as q ue chegam na escola de manhã e saem de banho tomado, vã o para casa dormir, nã o é isso, é uma escola mais convencional.

IHU On-Line – Acha q ue está havendo uma redescoberta da era Vargas? Maria Celina Soares D’Araujo- A Era V argas, do ponto de vista social, ela vai ser revista pelo P T , já foi revista a q uestã o da P revidê ncia, será revista agora a q uestã o da C L T , está agenda do governo L ula faz er isso e certas normas q ue estã o ali podem ser revistas, mas parece uma coisa contraditó ria: o governo dos trabalhadores desregular, rever os direitos dos trabalhadores, mas em grande parte isso vai ser necessá rio. O governo do P T sempre teve uma reaç ã o muito grande ao trabalhismo getulista, porq ue tinha a q uestã o do pelego, do fisiologismo, da ligaç ã o muito forte com o sindicato do Estado, era uma crítica q ue se faz ia, uma articulaç ã o muito grande dos sindicatos no Estado, a dependê ncia das lideranç as em relaç ã o aos líderes, mas isso é tudo o q ue o P T esta faz endo agora, entã o essa crítica nã o prevalece mais, o q ue o governo do P T até hoje faz é uma convocaç ã o constante das lideranç as sindicais e de certa forma repete o q ue fez o sindicalismo getulista.

IHU On-Line - Em relaç ão à q uestão da reforma agrária, Brizola conseguiu de fato avanç ar como Governador tanto do q uanto do Rio de Janeiro?

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

15

Maria Celina Soares D’Araujo- A R eforma A grá ria nã o foi um tema importante para ele no governo do R io de J aneiro, porq ue nã o é um estado tã o grande, os problemas maiores estã o na regiã o urbana, no grande R io. Eu lembro q ue esse assunto foi muito importante no governo de J oã o G oulart, q ue era uma das reformas q ue mais amedrontavam a elite política, e a reforma q ue J oã o G oulart achava q ue devia ser feita. Ele tinha um lema —R eformas na lei e na marra“, teriam q ue vir, mas aq ui no R io de J aneiro nã o lembro de ser um aspecto importante da administraç ã o de Briz ola como governador.

IHU On-Line – Considera q ue com a morte de Brizola, e o fim dos políticos de sua geraç ão haverá um vazio na vida política do Pais? Maria Celina Soares D’Araujo- Eu nã o acho q ue ficou um vaz io sem o Briz ola, com ele se encerrou um tipo de política q ue o Brasil tinha, q ue era o político cujo auge ocorreu nos anos 19 50 e 19 60 , político de um tempo passado, nã o tem outra geraç ã o. O vaz io talvez fosse a voz nacionalista q ue tínhamos, q ue nã o era a voz do P artido C omunista do Brasil, talvez fosse a voz de centro esq uerda, q ue mais defendia o nacionalismo, q ue mais defendia o papel do Estado. M as acho q ue esse sentimento de defesa do Estado, de desenvolvimento nacional, está bem disseminado hoje na sociedade brasileira, nã o acho q ue deix a um vaz io. Ele cumpriu um bom papel, é uma lideranç a impagá vel, nã o podemos pensar a política do século X X no Brasil, sem pensar Briz ola, foi realmente um homem q ue mobiliz ou massas, q ue inq uietou as instituiç õ es, provocou os militares, e q ue sofreu muito por causa disso e q ue voltou e q uis continuar a luta por seus ideais. Briz ola, G etú lio e J oã o G oulart sã o figuras centrais, no século X X , nã o acho q ue deix ou vaz io, porq ue o Brasil mudou e hoje outras q uestõ es estã o na agenda.

“O PAÍS NÃO ESTÁ PRODUZINDO LÍDERES” Entrevista com Gunter Ax t

B riz ola era um polític o q ue mantinha v iv a no P aís a idé ia de c onstruir um projeto nac ional. F ic a um v á c uo nesse sentido. As autoridades pedem sac rifíc io à populaç ã o, mas nã o ex plic am o rumo para o q ual o P aís se dirig e. Ning ué m sab e para onde c aminhamos. C om essas afirmaç ões, G unter Ax t, em entrev ista telefô nic a ao IHU On-Line, na semana passada, assinala a morte de B riz ola c omo um fato q ue desv ela uma c arê nc ia na polític a nac ional. G unter Ax t é professor na P U C RS , historiador e pesq uisador do M emorial do Judic iá rio e do M emorial do M inisté rio P ú b lic o do Rio G rande do S ul. Ax t é g raduado e mestre em H istó ria pela U niv ersidade F ederal do Rio G rande do S ul (U F RG S ), e doutor em H istó ria S oc ial pela U niv ersidade de S ã o P aulo (U S P ), c om tese intitulada G ê nese do E stado b uroc rá tic o-b urg uê s no RS (1 8 8 9 -1 9 29 ). No dia 9 de outub ro de 20 0 3 , G unter Ax t apresentou o tema Jú lio de C astilhos e B org es de M edeiros: a prá tic a polític a no RS , no ev ento IH U Idé ias. E ssa apresentaç ã o foi pub lic ada no n.º 1 4 da pub lic aç ã o Cadernos IHU Idéias. O historiador c onc edeu entrev ista ao IHU On-Line, na ediç ã o 7 8 , pub lic ada no dia 6 /1 0 /20 0 3 c om o título: —É prec iso c ritic ar o disc urso polític o c onstruído“

IHU On-Line –Qual é o significado histó rico da morte de Leonel Brizola? Gunter Ax t œEu diria q ue Briz ola foi uma síntese da política brasileira no século X X , uma síntese das aspiraç õ es, dos limites e dos medos dessa política. A cho q ue Briz ola, e isso é uma visã o muito pessoal minha- era uma espécie de celebridade pop. E o vaz io q ue Briz ola deix a é o vaz io q ue q ualq uer celebridade pop deix a ao morrer, ou seja, ela tem algo só dela, algo ú nico q ue ninguém mais tem e nã o pode ser reposto no lugar. M inha segunda observaç ã o, é q ue Briz ola viveu uma tensã o enq uanto personagem político, talvez ex istam vá rias tensõ es, mas

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

16

uma tensã o em especial me chama a atenç ã o. P or um lado, ele era uma pessoa com uma capacidade ex traordiná ria de doaç ã o para uma causa q ue fosse comum, pú blica e, nesse afã de se doar ele era capaz de sair de uma situaç ã o de comodismo para enfrentar uma situaç ã o de ex trema adversidade, em defesa de um ideal, atitude q ue acho muito importante especialmente num país como o Brasil, onde cada vez menos as pessoas estã o dispostas nesse sentido. Essa é uma marca de Briz ola. P or outro lado, e aí vem a tensã o, ele me parece alguém q ue passou pela trajetó ria política com uma marca muito pessoal, o projeto pessoal dele sempre sobrelevou, sobrenadou o projeto partidá rio ou mesmo um projeto ideoló gico mais amplo. D aí a grande dificuldade q ue Briz ola tinha de conviver com outras lideranç as dentro do pró prio partido, dificuldade de manter alianç as por longo praz o. O projeto dele parecia estar acima dos demais, essa me parece ser uma contradiç ã o histó rica q ue esse personagem tã o rico q ue é Briz ola tinha. Ele nã o era um demagogo populista. O demagogo é aq uele q ue nã o realiz a, e Briz ola era populista, há um consenso em torno disso de parte dos analistas, mas jamais foi um demagogo, ele era um homem de realiz aç õ es.

IHU On-Line- Podemos falar de um vazio político com a ausê ncia de Brizola? Gunter Ax t- Ele deix a um vá cuo sim. A grande carê ncia de Brasil hoje é um projeto nacional. Esse é um país q ue você pode parar q ualq uer pessoa na rua e perguntar para onde é q ue nó s estamos indo, e as pessoas nã o vã o saber responder. É triste q uando um país nã o sabe para onde vai. Q uando os governantes pedem mais e mais sacrifício da populaç ã o, porq ue precisamos aumentar os impostos, precisamos cortar gastos, precisamos deix ar de faz er tais e tais investimentos q ue estavam previstos, é triste. Q uando os governantes pedem mais e mais sacrifício da populaç ã o e sã o incapaz es de diz er à populaç ã o para onde o país está indo. N ã o há seq uer uma proposta consistente de um projeto nacional, eu acho q ue isso Briz ola representava. P odemos criticar o projeto nacional do Briz ola, algumas pessoas podem diz er q ue era uma proposta superada, nacionalismo até de cunho mais atá vico, mas era um projeto nacional q ue a ex istê ncia do Briz ola representava. A lguém nã o estava de acordo com esta geléia q ue se estabeleceu no país, entã o eu acho q ue esta falta sem dú vida nenhuma ele faz .

IHU On-Line- Em q ue sentido se afirma q ue Brizola era um herdeiro de Getú lio Vargas. Qual foi a heranç a? Gunter Ax t œ Q uando se fala isso a primeira pergunta q ue se deve faz er é a seguinte: de q ual G etú lio V argas estamos falando? P orq ue G etú lio foi tantos em tantos momentos diferentes da histó ria... S e nó s pensarmos no G etú lio deputado estadual do R io G rande do S ul, nó s vamos ver o G etú lio absolutamente integrado ao sistema coronelista de poder e a rede de poder borgiana e castilhista do antigo P R R , o político comum, com capacidade discursiva muito boa, mas um político como q ualq uer outro da época. J á o G etú lio do governo de 19 28 aq ui no Estado é um homem q ue consegue compor com uma habilidade fantá stica. O G etú lio da R evoluç ã o de 19 30 e o do governo provisó rio é um G etú lio revolucioná rio, q ue reforma as instituiç õ es do P aís sem abrir mã o do compromisso democrá tico. O G etú lio de 19 37 é um ditador q ue nã o tem o menor compromisso com as instituiç õ es democratas e com a democracia e o G etú lio pó s-45 é um G etú lio populista com muito menos compromisso por ex emplo, com uma estabilidade orç amentá ria e aí é uma distinç ã o importante em q ue pese G etú lio tenha sido, um líder autoritá rio populista durante o Estado N ovo diferentemente de P eró n, por ex emplo, ele teve muita responsabilidade com a estabilidade orç amentá ria. M ais uma vez chamo a atenç ã o: populista sim, mas demagogo nã o, irresponsá vel nã o. Entã o, para vermos Briz ola como herdeiro de G etú lio, nó s precisamos saber a q ue G etú lio nos referimos. S uponhamos q ue seja o G etú lio desse período populista q ue estabelece uma alianç a

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

17

estratégica com a classe trabalhadora. A i eu chamaria a atenç ã o também para a alianç a q ue G etú lio faz e já começ a a desenhá -la logo depois da revoluç ã o de 19 30 , é uma alianç a com os industriais urbanos, ele está disposto a ter um projeto de desenvolvimento industrial para o Brasil. A lém disso ele desenvolve toda a legislaç ã o trabalhista, portanto ele estabelece uma alianç a estratégica sim com a classe operá ria urbana, mas também faz uma alianç a com os grandes estancieiros, cafeicultores paulistas e estancieiros sulistas. U ma alianç a com aq uela burguesia agrá ria do Brasil todo q ue muitos consideram como sendo uma classe mais conservadora e é por isso q ue G etú lio V argas é incapaz de desenvolver uma legislaç ã o trabalhista rural. Bem, q uanto ao Briz ola, uma das características dele é o fato de levantar a bandeira da reforma agrá ria e ele o faz com propostas concretas. T oda desapropriaç ã o do Banhado do C olégio durante o governo dele sinaliz a nesse sentido. Entã o eu acho q ue é um dos primeiros líderes e um dos primeiros governantes brasileiros q ue, com propostas concretas nessa á rea da reforma agrá ria, chama a atenç ã o da necessidade de levar em consideraç ã o também as necessidades das populaç õ es e dos trabalhadores rurais. N esse ponto eu acho q ue ele avanç a, q ue ele inova em relaç ã o a G etú lio V argas.

IHU On-Line- Ambos eram populistas? Gunter Ax t- N esse sentido é sim claramente um herdeiro de G etú lio. S e nó s considerarmos o tipo de relaç ã o com as lideranç as e os movimentos sociais, eu acho q ue Briz ola é tributá rio de uma visã o antiga dessa relaç ã o, ou seja, o líder é um líder q uase q ue paternalista pouco contestado, populisticamente pelas massas populares, com grande dificuldade de entender os novos papéis q ue os movimentos sociais vã o ter no Brasil pó s-abertura política. P odemos entender, por ex emplo, porq ue o P T cresce tanto nesse período pó s-abertura e o P D T de L eonel Briz ola vai também definhando, porq ue o P T é o partido q ue tem uma outra visã o q ue surge nesse período - eu falo do P T da década de 19 8 0 - q ue surge com uma outra visã o na relaç ã o entre as lideranç as e os movimentos sociais, admitindo q ue os movimentos sociais tê m um papel mais participativo no faz er da política.

IHU On-Line- Pode ser q ue a figura de Brizola, de certa forma simbolize o imaginário do gaú cho forte, coerente, lutador, incorruptível, e por isso seja tão admirado no Rio Grande? Gunter Ax t - A cho q ue sim. Briz ola condensava um pouco uma certa imagem q ue os gaú chos faz em de si mesmos. A morte dele põ e fim a um tipo de política q ue se faz ia no século X X no Brasil. N ó s estamos entrando num outro momento agora, q ue me parece, em termos de q ualidade, muito pior do q ue era. M as acho q ue Briz ola tem essa característica e as pessoas se identificavam com ele, achavam q ue ele tinha alguma coisa da alma do R io G rande do S ul. S ua maneira de falar, na sua mordacidade, felina q ue é uma coisa q ue encanta o gaú cho, a sua inteligê ncia luminosa, sua capacidade de orató ria... E o Briz ola tinha uma imagem incorruptível, apesar de q ue todos aq ueles assuntos em torno do famoso ouro de C uba, e o pró prio afastamento q ue se verificou depois entre F idel C astro e Briz ola, - isso a histó ria ainda precisa elucidar. Briz ola condensa um pouco dessa alma do R io G rande do S ul, nã o é à toa q ue ele está sendo enterrado, na cidade de S ã o Borja, q ue tem todo um poder simbó lico para o Estado, a cidade dos V argas, onde J ango também está enterrado, mas especialmente simboliz a uma época em q ue o R io G rande produz ia grandes líderes nacionais. F az tempos q ue o R io G rande deix ou de produz ir essas grandes lideranç as nacionais.

IHU On-Line – Algum Estado tem produzido essas grandes lideranç as nas ú ltimas décadas?

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

18

Gunter Ax t œ A cho q ue há uma crise de grandes lideranç as sem dú vida nenhuma. P or isso há um certo saudosismo e um romantismo das pessoas, com um período q ue passou. H oje a política é muito mais pragmá tica, muito mais técnica, muito menos româ ntica do q ue era na época do Briz ola, para nã o diz er outras coisas q ue aconteceram com a política nacional. V emos realmente, uma superficialidade cada vez maior, mais imperante. A ssistimos, por ex emplo, os discursos nos legislativos e percebemos a incapacidade da maior parte dos políticos de ter concordâ ncia verbal, concordâ ncia nominal, há uma q ueda de nível, de q ualidade na política nacional q ue é amplamente perceptível pelos analistas. Isso fragiliz a as instituiç õ es. O poder legislativo tem se fragiliz ado em conseq ü ê ncia desse problema. O nde é q ue está a massa crítica do P aís para faz er uma oposiç ã o consistente a certas proposiç õ es q ue surgem de repente, do dia para a noite, e parecem entã o tã o maravilhosas?

IHU On-Line - E onde está? Entre os intelectuais? Gunter Ax t œ P ois é, eu acho q ue os intelectuais estã o cuidando da sua vida, eu nã o vejo os intelectuais ocupando espaç os pú blicos, defendendo projetos, defendendo idéias, até como se faz ia muito no passado. N o R io G rande há algumas tradiç õ es peculiares, o antigo P artido D emocrata C ristã o e o antigo P artido L ibertador - P L , foram partidos q ue surgiram da redemocratiz aç ã o do P aís, antes do golpe de 19 64, justamente na esteira de um projeto de faz er uma política diferenciada, mais intelectualiz ada, traz endo acadê micos e intelectuais para o campo da política. Esses projetos nã o encontramos mais, o P S D B tentou um pouco isso, mas, há no campo político brasileiro uma enorme dificuldade de definir um projeto de naç ã o.

“USANDO APENAS A PALAVRA, MUDOU A CARA DO PAÍS E ABORTOU UM GOLPE DE ESTADO”. Entrevista com Flávio Tavares

U sando apenas a palav ra, B riz ola mudou a c ara do P aís e ab ortou um g olpe de E stado. Assim F lá v io T av ares ev oc a o polític o g aú c ho, c uja audá c ia e paix ã o pela polític a o lev aram a liderar o mov imento da L eg alidade. E ssas q ualidades destac av am-se, entre outras, no homem B riz ola, afirma F lá v io T av ares œ ele pró prio tamb é m um personag em da histó ria polític a b rasileira. Jornalista, foi um dos org aniz adores do M ov imento Nac ionalista Rev oluc ioná rio (M NR), idealiz ado por B riz ola para enfrentar a ditadura militar. F oi preso, torturado e b anido do P aís em 1 9 6 9 , retornando em 1 9 8 0 , depois da Anistia. F ormado em direito, professor da U niv ersidade de B rasília, dedic ou-se ao jornalismo. F oi c olunista polític o da rede de jornais ltima Hora, redator e c orrespondente do Excelsior do M é x ic o, editorialista do Estado de S. Paulo e c orrespondente da Folha de S. Paulo na Arg entina. Ac ompanhou de perto, c omo jornalista e militante de esq uerda, episó dios q ue lev aram ao g olpe militar de 6 4 , à repressã o e à luta armada. D o seu c onv ív io c om B riz ola, destac a, ainda, a c oerê nc ia, q ue, muitas v ez es, o lev av a a perder v otos, para c ontinuar defendendo suas idé ias œ c oisa q ue o disting ue dos polític os atuais q ue, em g eral, proc uram diz er apenas o q ue o interloc utor q uer ouv ir. M as nã o deix a de apontar os seus defeitos, marc ados por traç os c audilhesc os. F lá v io T av ares é autor de Memórias do esquecimento. Rio de Janeiro: E ditora G lob o, 1 9 9 9 . E le retrata as ex periê nc ias v iv idas no liv ro q ue ac ab a de lanç ar: O dia em que Getúlio matou Allende, pela editora Rec ord, onde c onta as profundez as do q ue v iu c omo jornalista nos c entros do poder, nos anos de 1 9 5 0 à 1 9 6 0 .

IHU On-Line - Como se deu o seu convívio com o Brizola? Flávio Tavares - C onheci o Briz ola q uando eu era P residente do G rê mio Estudantil do J ú lio de C astilhos em P orto A legre, em 19 51, 19 52, e ele era deputado estadual, mas já uma pessoa muito influente, muito dinâ mica. C om a ajuda dele resolvi peq uenos problemas ou até mesmo maiores com o governo do Estado, o governador era o Ernesto D ornelles, q ue era do partido do

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

19

Briz ola, era trabalhista10 . D epois, na eleiç ã o do Briz ola para prefeito, na primeira eleiç ã o do Briz ola, eu fiq uei no outro lado porq ue eu era do P artido S ocialista, q ue lanç ou como candidato na época o C â ndido N orberto11, com o apoio discreto do J oã o G oulart, q ue ainda nã o era vice- presidente da R epú blica, mas se preparava para ser candidato ao cargo. M as foi um apoio discreto, tanto q ue o Briz ola acabou sendo eleito por uma avalanche de votos.

IHU On-Line - Mas ambos, João Goulart e Brizola não eram trabalhistas já? Flávio Tavares - A mbos eram trabalhistas, cunhados já , mas J oã o G oulart era muito amigo do C â ndido N orberto. Ele apoiou os dois. A poiou discretamente, porq ue havia muita gente do P artido S ocialista, como o J osué G uimarã es, q ue era ligado ao J oã o G oulart, q ue tinha sido chefe de gabinete do J oã o G oulart em P orto A legre, q uando J oã o G oulart era S ecretá rio de J ustiç a. D epois, eu continuo dirigente estudantil, sempre mantendo contato com Briz ola, seja q uando ele foi S ecretá rio do Estado, seja q uando ocupou o cargo de prefeito. N a época, criamos o R estaurante U niversitá rio, destinado aos estudantes da U niversidade F ederal do R io G rande do S ul. A s instalaç õ es, durante a ditadura, foram transformadas na Escola de P olícia, na A z enha, foram literalmente roubadas dos estudantes. A minha relaç ã o com Briz ola se transforma depois q ue eu passo a ser repó rter político e ele governador do Estado e nã o acabou mais. O Briz ola se transforma naq uele homem audacioso, buscando sempre uma soluç ã o para os problemas populares, faz a nacionaliz aç ã o da empresa de eletricidade e depois da empresa dos telefones, ambas eram norte-americanas. Eu era editor político da  ltima H ora de P orto A legre e além do mais cobria o P alá cio.  ltima H ora era um jornal vespertino, de linha popular, q ue já tinha apoiado a política nacionalista de G etú lio V argas, mas era um jornal de alto nível, nã o era um jornal popular num sentido de hoje.

IHU On-Line œ Em seguida, o senhor participa do episó dio da Legalidade... Flávio Tavares œ O episó dio q ue nos aprox imou e nos tornou, digamos, íntimos praticamente, foi o episó dio da L egalidade, da renú ncia do P residente J â nio Q uadros, q uando os ministros militares vetam a posse do vice-presidente J oã o G oulart por considerá -lo um golpista q ue estava em visita oficial à C hina comunista e à U niã o S oviética. Briz ola sugere, entã o, q ue a  ltima H ora de P orto A legre faç a uma reediç ã o especial, lanç ando a campanha pela posse do J oã o G oulart. N aq uela época, os vespertinos nã o circulavam aos domingos, assim como os matutinos, como o C orreio do P ovo, nã o circulavam à s segundas-feiras. E num domingo nó s lanç amos uma ediç ã o ex tra da  ltima H ora, cuja manchete era mais ou menos a seguinte —R io G rande diz nã o ao G olpe: J ango na P residê ncia“, e foi a primeira e ú nica vez na histó ria talvez , q ue uma ediç ã o de jornal sai protegida pela Brigada M ilitar, pela polícia, porq ue nó s achá vamos q ue o Ex ército ia impedir a circulaç ã o do jornal. O Ex ército nã o impediu, o q ue significou q ue alguma coisa estava acontecendo no Ex ército em P orto A legre, no R io G rande do S ul, q ue o Ex ército nã o obedecia totalmente à s linhas dos ministros militares em Brasília q ue vetavam a

10 Ernesto D ornelles (18 9 7-19 64) foi Interventor F ederal no R io G rande do S ul de 19 43 a 19 45, nomeado por G etú lio V argas. Integrava o P artido S ocial D emocrá tico (P S D ), do q ual foi um dos organiz adores e q ue surgiu, como é sabido, estimulado por V argas. Eleito pelo voto popular e com o apoio de V argas, governou o R io G rande do S ul de 19 51 a janeiro de 19 55 (N ota do IHU On-Line). 11 J ornalista e radialista gaú cho, nasceu em 19 27. F ormou-se em advocacia e foi deputado estadual por q uatro mandatos consecutivos, pelo P artido S ocialista Brasileiro (P S B). F oi cassado pelos militares, em 19 66. G raduou-se em jornalismo na primeira turma formada pela U niversidade F ederal do R io G rande do S ul (U F R G S ), em 19 54. A fastado parcialmente das atividades profissionais, mantém um comentá rio na R á dio G aú cha e é cronista do jornal Z ero H ora, ambos da R ede Brasil S ul de C omunicaç õ es (R BS ). C â ndido N orberto foi paraninfo da turma de jornalistas da U nisinos formada no primeiro semestre de 20 0 0 .

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

20

posse de J oã o G oulart. Entã o, o episó dio da L egalidade foi o mais valioso e o mais importante da histó ria brasileira da segunda metade do século vinte, foi mobiliz ador de massas, é importantíssimo. V ingou pelo Brasil inteiro porq ue o Briz ola teve a idéia de req uisitar as estaç õ es de rá dio e com elas formar uma cadeia q ue passou a se chamar a C adeia da L egalidade, q ue transmitia vinte e q uatro horas por dia dos porõ es do P alá cio e q ue chegava a todos os pontos do P aís.

IHU On-Line œ Como foi q ue o senhor se aprox imou tanto de Brizola a ponto de envolver- se em um movimento armado? Flávio Tavares - A minha relaç ã o com o Briz ola se desenvolveu porq ue eu continuava como jornalista da  ltima H ora e militante político, e q uando ele deix a o G overno do Estado do R io G rande do S ul e é eleito deputado pelo R io de J aneiro. V ai para Brasília e me encontra lá , como colunista político da rede de jornais  ltima H ora, q uer diz er, da  ltima H ora do R io de J aneiro, S ã o P aulo, P orto A legre, C uritiba, R ecife e Belo H oriz onte. Era uma rede de jornais de linha nacionalista, popular, reformista, q ue apoiava o P rograma de R eformas de Base do presidente J oã o G oulart, e eu era o colunista político, a minha coluna saindo em todos os jornais da rede. Essa circunstâ ncia me aprox ima muito de Briz ola, até q ue vem o golpe militar, e ele é obrigado a se ex ilar no U ruguai, isso no dia 1º de abril de 19 64. Em 1º de janeiro de 19 65, eu vim passar o feriado em P orto A legre e aq ui tomei um aviã o e legalmente fui a M ontevidéu e visitei o J oã o G oulart e o Briz ola. E nossa relaç ã o tomou uma nova feiç ã o. Eu vi q ue o Briz ola estava decidido a resistir e me integrei ao movimento de resistê ncia q ue ele comandava no Brasil e aos poucos fui sendo a sua pessoa de confianç a numa á rea do Brasil. Eu passei a ser o coordenador da á rea do P lanalto C entral, da parte do N orte Brasil, do M ovimento N acionalista R evolucioná rio, o M N R , q ue foi o organismo criado pelo Briz ola, no ex ílio, como uma tentativa de resistê ncia ao golpe militar. N ó s tentamos implantar uma série de focos de guerrilha. O M N R implantou trê s focos de guerrilha no Brasil q ue depois nã o deram certo, e eu acabei sendo preso. C omeç ou a desmoronar com a prisã o de um foco guerrilheiro, a prisã o de todos os membros de um foco em M inas G erais, localiz ado na fronteira com o estado do R io, na S erra de C aparaó . Era integrado por um pessoal q uase todo daq ui do R io G rande do S ul. Inicialmente, eles se estabeleceram no norte do R io G rande do S ul, mas depois, com o assassinato na prisã o aq ui em P orto A legre do ex -sargento, M anoel R aimundo S oares - foi assassinado pela polícia e pelo Ex ército - com isso o plano foi desmantelado e todos os integrantes do foco guerrilheiro se mudaram para M inas G erais e lá , na S erra do C aparã o, foram capturados. Isso nos baix ou muito a moral, porq ue era uma situaç ã o q ue nos desmoraliz ava muito perante nó s mesmos, nã o perante a opiniã o pú blica. M as continuamos com as nossas outras duas tentativas de foco guerrilheiro, até q ue eu sou preso em Brasília por uma delaç ã o. A polícia descobriu alguma coisa por um grupo q ue nos apoiava em U berlâ ndia, em M inas G erais. S em coordenador na regiã o central, no P lanalto C entral e no N orte do Brasil, as nossas duas tentativas de guerrilha começ am a ser desmanteladas. D epois disso, eu saio da prisã o. M as antes disso um outro episó dio, internacional, faz com q ue o pró prio Briz ola e todos nó s, passá ssemos a rever os nossos conceitos sobre a guerrilha rural: em 19 67, o C he G uevara é ferido, capturado e assassinado na Bolívia. Eu estava na prisã o no interior de M inas G erais, na cidade de J uiz de F ora, q uando recebi os jornais com a notícia. Isso para nó s foi um golpe muito forte, muito duro e daí para diante nó s revisamos o q ue pretendíamos faz er. M as a minha maior vinculaç ã o com o Briz ola vem dessa época. A ú ltima vez q ue nos encontramos foi na sua ú ltima apariç ã o pú blica, no dia 31 de maio deste ano, no lanç amento do meu livro O Dia em que Getúlio Matou Allende, no R io de J aneiro. Ele compareceu e ainda me chamou pelo meu nome de guerra na época da resistê ncia: —F élix .“

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

21

IHU On-Line - A guerrilha contava com dinheiro cubano ou soviético? Flávio Tavares - N ã o, soviético nã o, pelo contrá rio, a U niã o S oviética estava contra a guerrilha. N ó s recebemos dinheiro de C uba O Briz ola recebeu, nó s nã o. Ele reconheceu isso publicamente, isso faz ia parte da visã o de solidariedade internacional q ue C uba tinha naq uela época, q ue era a visã o guevarista da guerrilha. O u seja, como o C ristianismo q ue é universal œ o C ristianismo nã o tem pá tria, se nã o teria de estar circunscrito ao Estado de Israel, de onde era C risto - as grandes causas sã o universais. O socialismo libertá rio de G uevara também é universal. Entã o uns tê m q ue ajudar os outros. A ajuda nã o foi uma interferê ncia de C uba, foi uma ajuda leal q ue C uba deu ao Briz ola e a vá rios outros aq ui no Brasil.

IHU On-Line - Esse dinheiro foi utilizado na estruturaç ão da guerrilha? Flávio Tavares œ S im, os recursos foram peq uenos, em dó lares, foi pouca coisa. N ã o sei diz er em nú meros de hoje... Ele reconheceu isso publicamente numa entrevista logo q ue chegou do ex ílio, falando para uma rá dio em P orto A legre. F oram uns duz entos mil dó lares, nã o foi mais do q ue isso. É pouca coisa, para um movimento guerrilheiro.

IHU On-Line œ Do convívio com Brizola, o q ue lhe marcou mais? Flávio Tavares - Entre as suas vá rias q ualidades e alguns dos seus defeitos, tem duas coisas q ue eu ressalto: a audá cia e a paix ã o. Briz ola era audacioso. F oi com a sua audá cia q ue ele fez aq uele grande movimento da L egalidade, q ue mudou a cara do P aís, q ue fez abortar o golpe de estado. O Briz ola desmantelou o golpe pela audá cia dele como governador, usando apenas a sua palavra. N aq uela época, o Briz ola convencia pela palavra e era jovem! Ele mobiliz ou massas no R io G rande do S ul e no Brasil pelo rá dio como ninguém o fez . Bom, primeiro a audá cia, segundo, a paix ã o. A paix ã o q ue ele tinha pela política. N ã o pela política como contagem de votos, como a q uase totalidade dos políticos faz hoje. Eles sã o caç adores de votos, e o Briz ola nã o era. O Briz ola, à s vez es, perdia votos para defender as suas idéias. Entre os votos e as suas idéias, ficava com as suas idéias e perdia votos. Isso o diferencia muito dos políticos de hoje q ue nã o tê m idéias, q ue diz em aq uilo q ue o interlocutor está pensando.

IHU On-Line - Essa postura não o teria deslocado da forma contemporâ nea de fazer política? Flávio Tavares - S im. P orq ue a forma contemporâ nea de faz er política é farisaica em q ue a falsificaç ã o, a ilusã o e a mentira tê m mais valor q ue a palavra coerente. Entã o, eu acho q ue, realmente, o Briz ola, nos ú ltimos anos, ficou deslocado, porq ue ele terminou coerente, ele continuou coerente, nã o abdicou das suas idéias, ao invés de, por ex emplo, de se atirar para as empresas de publicidade e faz er programas de televisã o bonitinhos, como se estivesse vendendo um refrigerante, como se estivesse vendendo um sabonete, ele ia para frente da televisã o e diz ia o q ue pensava, enq uanto todos os outros, absolutamente todos, até o L ula, q ue eu acho uma figura honesta, até o L ula, recorreu à s empresas de publicidade, vendeu as suas idéias como se tivesse faz endo publicidade de um refrigerante ou de um sabonete.

IHU On-Line - A q ue se pode atribuir a dificuldade do Brizola de conviver com lideranç as novas? Flávio Tavares - O Briz ola, em algumas situaç õ es, era autoritá rio, ou mais ex atamente, caudilhesco, eu nã o diria autoritá rio. M as isso ocorria em funç ã o da sua coerê ncia de idéias. O Briz ola nã o abdicava daq uelas coisas das q uais ele estava convencido. Ele era um pouq uinho cabeç udo. s vez es, ele se tomava de amores por uma pessoa e a defendia a vida inteira. M as,

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

22

no aspecto fundamental, o Briz ola nunca abdicou da sua coerê ncia política, nunca traiu as suas causas, continuou sempre defendendo a soberania nacional, o nacionalismo, a capacidade brasileira de realiz ar o futuro do P aís com seus pró prios meios, com a sua pró pria inventividade e criatividade. S empre teve uma postura frontal com relaç ã o a essas multinacionais, essa invasã o econô mica, financeira e até cultural q ue há no P aís. H oje, tudo nesse país vem de fora, só o q ue vem de fora é importante, nó s passamos a ser papagaios, repetimos o q ue nos mandam de fora, passamos a ser pessoas incapaz es de q ualq uer criatividade. O Briz ola sempre se rebelou contra isso. A cho q ue esT a é a sua grande contribuiç ã o: ele tinha uma visã o social profunda e além disso uma visã o da criatividade nacional, da cultura nacional, de cada regiã o, de respeito à s culturas locais... A cho q ue isso o distanciou de uma série de pessoas q ue se transformaram em papagaios e só sabem repetir aq uilo q ue a sociedade de consumo, com o seu egoísmo, propaga para o mundo inteiro.

IHU On-Line - Quais os erros q ue o Brizola teria cometido q ue o senhor lamentou? Flávio Tavares - Eu acho q ue o grande erro do Briz ola, e eu e algumas pessoas pró x imas a ele diz emos sempre isso, o grande erro dele foi confiar nos aduladores, principalmente nos q ue o cercavam dentro da estrutura partidá ria. O grande erro do Briz ola foi ter dado apoio a uma série de demagogos e aduladores, de q uadros partidá rios de todos os níveis, municipal, estadual, nacional. Briz ola nã o soube se desvencilhar daq uelas pessoas q ue unicamente, por oportunismo político se aprox imavam dele e usavam o seu nome, ou continuam usando o seu nome, sem ter nenhum dos compromissos sociais, libertá rios, e o nacionalismo q ue ele teve. O u seja, o grande erro do Briz ola nos ú ltimos anos da vida, foi ter admitido q ue os aduladores se aprox imassem dele e o rodeassem.

IHU On-Line - Brizola foi populista? Flávio Tavares œ Essa idéia é incorreta, no sentido de q ue se q uer dar ao populismo uma visã o de pura demagogia eleitoral e política. O populismo foi definido pelos, entre aspas, acadê micos, como algo negativo, passou a ser uma adjetivaç ã o pejorativa. É um termo artificial criado pelos acadê micos q ue q ueriam um marx ismo puro ou entã o eram de direita N esse aspecto, é incorreto diz er q ue o Briz ola era um populista. M as é correto se for dito q ue o populismo é um compromisso com a á rea popular, um compromisso com o povo e um compromisso com as suas idéias. Entã o, é incorreto diz er q ue o Briz ola era um populista q uando se dá ao populismo aq uele sentido de mera demagogia eleitoral. P opulistas sã o todos esses aí, a maioria desses q ue rodeiam o Briz ola, ou q ue estã o contra o Briz ola, ou q ue até falam em nome da esq uerda ou dos trabalhadores, porq ue o populismo, o chamado populismo no aspecto negativo, seria pelos atos, tanto pode ser um dirigente sindical e ser populista, pode ser um político e ser populista, está cheio de populista hoje na política brasileira, na direita e na esq uerda. O M aluf é um populista, no entanto, ele pode ser considerado historicamente como homem da á rea popular? N ã o. A gora, q uem vota no M aluf é o povo, o povo mais pobre de S ã o P aulo é q ue vota no M aluf. O C ollor. Q uem votou no C ollor? O povo mais pobre do P aís inteiro. Entã o, o populismo assim tomado pelos acadê micos é uma abstraç ã o do popular, é uma contrafaç ã o do popular, é o oposto do popular e eu acho q ue o Briz ola foi um líder popular, nã o foi um líder populista.

IHU On-Line - O q ue se pode esperar do trabalhismo e da política depois do Brizola? Flávio Tavares - O lha, eu acho q ue realmente o Briz ola encerra um período, é a figura q ue desenvolve toda uma tese q ue morre com ele. O trabalhismo ficou em nome de q uê ? F icou em nome de uma estrutura partidá ria. N ó s podemos chamar o P T B, q ue foi um partido criado pela

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

23

ditadura militar, q ue roubou inclusive a denominaç ã o das mã os do Briz ola, o P T B q ue se diz trabalhista, nó s podemos confiar em alguém do P T B, q ue é um saco de gatos, cujos filiados vê m de todas as origens políticas? Bom, no outro partido, o P D T , nã o sei. O P D T terá q ue resolver a sua nova aç ã o, o P D T terá q ue resolver o seu futuro, se ele permanece fiel a seu fundador, o L eonel Briz ola, ou se ele adota as posturas populistas, demagó gicas de alguns de seus q uadros, ou se transforma em um partido de aluguel em q ue q ualq uer pessoa entra, como entrou agora, em S ã o P aulo, o P aulinho, da F orç a S indical q ue passou a ser um, entre aspas, dirigente do P D T . C om relaç ã o ao q uadro político partidá rio brasileiro, sou um pessimista. C om esses partidos q ue nó s temos, com essa estrutura eleitoral q ue nó s temos, é difícil mudar. Eu nã o em creio neles. Em geral, os políticos brasileiros sã o pessoas preocupadas unicamente com suas imagens, com as suas eleiç õ es, e nã o com as grandes massas populares. Briz ola era um dos poucos honestos. M as eu acho q ue há ainda alguns políticos realmente honestos.

UM HOMEM CONTRADITORIAMENTE COERENTE Entrevista com Paulo Mark un

E pisó dio ú nic o na histó ria do B rasil e prov av elmente do mundo. A fig ura c arismá tic a de L eonel B riz ola foi o ú nic o a lev antar a v oz e liderar uma mob iliz aç ã o c ontra um g olpe antic onstituc ional. É o q ue destac a P aulo M ark un, em entrev ista telefô nic a a IHU On-Line. M ark un é jornalista desde 1 9 7 1 . B ac harel em Jornalismo pela U S P , M ark un já foi repó rter, editor, c omentarista, c hefe de reportag em, e diretor de redaç ã o em emissoras de telev isã o, jornais e rev istas. Atualmente, apresenta o Roda V iv a da T V C ultura, faz c omentá rios de polític a no Jornal do T erra, e preside o S indic ato da Indú stria Audiov isual do E stado de S anta C atarina, onde v iv e desde 1 9 9 8 . P aulo M ark un c riou v eíc ulos de c omunic aç ã o, c omo P asq uim S ã o P aulo, Imprensa, Radar, D eadline, Jornal do Norte, e dirig iu doc umentá rios e v ídeos. No momento, o jornalista está c onc luindo a b iog rafia c omparada de F ernando H enriq ue C ardoso e L uís Iná c io L ula da S ilv a. É autor de div ersos liv ros, entre eles Dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal do povo. E ditora Alfa ô meg a, 1 9 7 8 (c om G etú lio B ittenc ourt); Mariel Mariscott, a máfia manda flores. E ditora G lob al, 1 9 8 1 (c om E rnesto Rodrig ues); Como perder as eleições. F eeling /E ditora T rê s, 1 9 8 9 ; Anita Garibaldi, uma heroína brasileira. S enac S ã o P aulo, 1 9 9 9 ; e Muito além de um sonho, a história da Unisul. E ditora U nisul, 20 0 1 (c om D uda H amilton).

IHU On-Line- Qual é a importâ ncia histó rica da Cadeia da Legalidade? Paulo Mark un- F oi a ú nica vez , no Brasil, e uma das poucas no mundo, em q ue um movimento civil conseguiu impedir o golpe militar q ue tinha a adesã o dos trê s M inistros M ilitares e 70 % da forç a militar do P aís. J â nio Q uadros havia renunciado - nunca se soube até hoje q ual era a raz ã o dessa renú ncia. T udo leva a crer q ue ele pensava q ue seria um movimento de renú ncia rapidamente revertido numa espécie de fortalecimento de sua posiç ã o e voltaria nos braç os do povo, mas nã o houve o protesto popular e o C ongresso nã o discutiu a renú ncia, simplesmente aceitou. F oi uma jogada dos congressistas. J â nio ficou, tudo nos leva a crer isso, muito frustrado e foi embora do P aís. D esse vaz io de poderes, os trê s ministros militares nã o q ueriam q ue J ango assumisse e deram posse ao P residente do C ongresso N acional como P residente da R epú blica. N esse momento Briz ola é o primeiro q ue se revolta contra essa idéia e começ a, imediatamente, a transmitir por rá dio œ todas as emissoras tinham sido colocadas sob censura, salvo uma, a G uaíba de P orto A legre. A partir da G uaíba ele começ a a transmitir e isso começ a a dar repercussã o. A o longo do tempo ele modifica inclusive a direç ã o em q ue o sinal da emissora era transmitido, de ondas curtas, para justamente atingir o resto do Brasil, e outras emissoras vã o captando até q ue ao longo desses doz e dias, q ue demorou o processo, havia 10 4 emissoras integradas numa rede e com isso, conseguiu incendiar o P aís, a partir de P orto A legre. N unca tinha sido feito também, em termos técnicos, uma rede de rá dio tã o poderosa e,

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

24

no momento em q ue o comandante do 3º Ex ército instalado no R io G rande do S ul, G eneral M achado L opes, adere a essa rede da L egalidade, o q uadro, de alguma forma, se eq uilibra melhor do ponto de vista militar porq ue o 3º Ex ército, na época, era o ex ército mais poderoso do país em funç ã o da desavenç a com a A rgentina e aí começ ou a ficar possível algum tipo de resistê ncia. A té entã o, ele só se apoiava na Brigada M ilitar, q ue é a forç a pú blica do R io G rande do S ul, e na mobiliz aç ã o de voluntá rios. C hegou a inscrever q uarenta mil voluntá rios num movimento de resistê ncia. Isso virou o processo e acabou com o golpe. H ouve uma ordem ex pressa do G overno F ederal, dos M inistros M ilitares para bombardear o P alá cio P iratini e silenciar o G overnador a q ualq uer preç o, mas os sargentos da A eroná utica impediram q ue os aviõ es levantassem vô o. F iz eram uma espécie de boicote, tiraram peç as dos aviõ es, e, nesse meio tempo, o G eneral mudou de posiç ã o.

IHU On-Line- Em q ue se baseava a lideranç a de Brizola, nessa época, para ser capaz de uma mobilizaç ão tão grande? Paulo Mark un- N a sua fantá stica orató ria. N a capacidade q ue ele tinha de comunicaç ã o pelo rá dio. Ele era muito ex periente, faz ia desde q ue tinha sido P refeito de P orto A legre e depois como G overnador, programas de rá dio toda a semana em q ue ele, durante mais de uma hora ou à s vez es duas horas seguidas, ficava contando o q ue estava acontecendo, faz endo uma pregaç ã o radiofô nica. O outro fato é q ue aq uele momento da renú ncia do J â nio desorganiz ou completamente a sociedade porq ue ninguém esperava aq uilo, nem a decisã o dos militares de proibir a posse do P residente q ue deveria assumir. O V ice-P residente tinha sido eleitoœ porq ue naq uela época nã o se votava no P residente apenas, votava-se numa cédula no P residente e na outra no V ice-P residente. J ango tinha sido eleito com J uscelino, porq ue era do P T B, aliado com o P S B e, depois, tinha tido mais votos do q ue o pró prio V ice do J â nio Q uadros, da U D N . J â nio tinha legitimidade, entã o, essa tese de q ue era preciso garantir a posse do V ice-P residente no cargo era muito fá cil de defender. A lém disso, o M arechal T eix eira L ott, o homem mais respeitado no Ex ército, tinha sido M inistro da G uerra, candidato a P residente da R epú blica e perdido para J â nio Q uadros, defendeu a posse do J ango e foi preso por causa disso, pelos militares. Entã o, era um golpe palaciano, uma q uartelada q ue eles q ueriam dar por telefone. S e Briz ola nã o tivesse comandado essa resistê ncia, justamente por essa cadeia de rá dios, nã o teria se passado nada.

IHU On-Line- Como aconteceu a aprox imaç ão entre Brizola e , na década de 1960? Paulo Mark un- Em 19 64, ele saiu do Brasil e foi para U ruguai. L á manteve contato com F idel C astro e recebeu dinheiro dele para montar uma guerrilha no Brasil. Essa guerrilha estava para ser desenvolvida na regiã o central do Brasil, mas acabaram descobrindo, antecipadamente, um outro foco e ela foi desmontada. Isto recentemente foi relatado pelo jornalista F lá vio T avares, no ú ltimo livro dele q ue se chama O dia em que Getúlio matou Allende. F lá vio T avares, inclusive, era um desses integrantes do grupo guerrilheiro financiado por Briz ola. O apelido de guerra de Briz ola era P edrinho e o grupo funcionava, nitidamente, com recursos fornecidos por F idel C astro, mas, depois do fracasso F lá vio T avares acabou sendo processado e condenado. E esta histó ria até hoje nã o foi claramente desvendada. Está começ ando a se esclarecer neste momento, mas a lideranç a era, claramente, de Briz ola. A gora F idel mandou um telegrama altamente elogioso para ele. D epois disso, Briz ola se afastou dessa idéia da guerrilha, mas, certamente, o primeiro movimento de resistê ncia armada à ditadura militar foi inspirado pelo Briz ola, comandado por ele lá do U ruguai.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

25

IHU On-Line- Ao voltar do ex ílio Brizola mudou? Paulo Mark un- Eu vejo q ue há dois mundos, um antes da G uerra F ria e outro depois. Q uem mudou nã o foi o Briz ola, foi o mundo. Ele talvez nã o tenha compreendido suficientemente q uanto o mundo tinha mudado e, até mesmo, no q ue toca à comunicaç ã o. Ele era um homem muito eficiente para falar no rá dio, mas nunca entendeu a televisã o. T entava manter aq uele mesmo discurso longo, demorado, cheio de pausas. O q ue funcionava no rá dio, na televisã o nã o funcionou e o discurso dele no q ue representa a q uestã o do nacionalismo, da importâ ncia da educaç ã o, das restriç õ es ao capital estrangeiro, da participaç ã o popular, parecia fora de tempo. T anto q ue se ex aminamos também as relaç õ es dele com o P T q ue é, na prá tica, o herdeiro do trabalhismo - o P T nã o é trabalhista no sentido de vínculos com o J oã o G oulart ou com o G etú lio V argas, muito menos com Briz ola, mas ele é trabalhista no sentido q ue busca organiz ar os trabalhadores -, as relaç õ es sempre foram muito tensas. Ele até admitiu a aprox imaç ã o com o P T e foi até vice do L ula. M as ao mesmo tempo foi q uem chamou L ula de sapo barbudo e a primeira briga dele œ isso está no livro q ue eu estou publicando agora em outubro12 œ foi logo q ue ele voltou ao Brasil porq ue alguém dos sindicalistas ligados a L ula falou mal de G etú lio V argas. Briz ola começ ou a defender G etú lio e a reuniã o acabou.

IHU On-Line- Como você definiria o populismo de Leonel Brizola? Paulo Mark un- Briz ola é uma cria de G etú lio V argas e do seu populismo e seu trabalhismo. P ode-se pensar q ue à s vez es o populismo estaria menos ligado à defesa dos interesses dos trabalhadores ou dos menos valoriz ados. Briz ola nã o era apenas um defensor dos trabalhadores q ue tem carteira assinada e emprego, ele sempre trafegou muito bem e angariou muita simpatia com o chamado campesinato, aq uelas pessoas populares nã o organiz adas, q ue nã o tem consciê ncia de uma classe social. P or isso digo q ue Briz ola era populista, mas era mais trabalhista. N o sentido de q ue defendia esses interesses e nã o necessariamente pensava somente no seu pró prio desempenho. S e nã o fosse assim ele jamais seria vice do L ula, em 19 9 8 . Eu nunca fui briz olista, nã o sou nada, um jornalista, simplesmente, nunca concordei com as idéias de Briz ola, mas acho q ue a sociedade, de alguma forma está rendendo homenagem - com aq uele desconto natural de q ue todo brasileiro q ue morre vira santo - ao fato da coerê ncia de Briz ola. M esmo, por ex emplo, q ue ele em 19 8 9 e 19 9 4 tenha se voltado contra L ula, em 19 9 8 , tenha sido vice de L ula e em 20 0 2 tenha apoiado o L ula e 20 0 3 já tivesse sendo uma das principais voz es da oposiç ã o. N a cabeç a dele havia uma coerê ncia nessa trajetó ria. Ele era contraditoriamente coerente, se é q ue se pode diz er isso. Em certos momentos faz ia acordos q ue nã o dava para entender. M as, se você traç a uma linha de conduta dele ao longo do tempo, essa linha é mais coerente do q ue muitos políticos.

IHU On-Line - Essa coerê ncia se mostrou muito na idéia de um projeto de desenvolvimento nacional. Por q ue essa idéia parece não avanç ar muito na atualidade? Paulo Mark un- A forç a do processo da globaliz aç ã o de um lado e de outro o fascínio q ue a possibilidade de entrar no primeiro mundo ex erceu no Brasil desde o governo C ollor. Q uem apresenta essa idéia é C ollor e isso pega de tal maneira q ue passado o intervalo de Itamar F ranco, vem oito anos de F H C , em q ue essa foi a receita. Briz ola ficou muito marcado como alguém q ue defendia um projeto nacional q ue era impossível de ser levado adiante, porq ue já nã o tinha mais espaç o para isso e hoje acho q ue o q ue L ula tenta faz er, é, de alguma forma,

12 —O sapo e o príncipe“. T rata-se de uma biografia de L uís Iná cio L ula da S ilva e do F ernando H enriq ue C ardoso. S erá publicado pela Editora O bjetiva.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

26

retomar essa idéia do projeto nacional em um outro patamar. A discussã o é se está conseguindo ou nã o.

IHU On-Line- Em q ue sentido iria essa busca? Paulo Mark un- N o caso de L ula na política ex terna. N a inserç ã o do Brasil em um protagonismo na A mérica do S ul. Eu acho q ue é muito discurso. Briz ola tinha muito o discurso, porém marcado por certas atitudes ao longo da vida dele, q ue eram radicais ao ex tremo. P or ex emplo a de encapar a IT T e a C ompanhia de Energia Elétrica depositando um cruz eiro apenas, q ue era o valor histó rico daq uilo. Isso deu uma confusã o tã o grande q ue o pró prio presidente K ennedy cobrou de J oã o G oulart a mudanç a dessa regra. Ele q ueria q ue o J ango fiz esse Briz ola reverter essas decisõ es de encampar essas duas empresas pelo valor histó rico. Ele tinha um argumento jurídico para defender isso. M esmo no pró prio governo de R io de J aneiro, as atitudes dele foram muito de nã o aceitar o predomínio do capital internacional, usava sempre a ex pressã o —perdas internacionais do Brasil“.

IHU On-Line- Quais os principais fatos q ue dentro da trajetó ria de Brizola não se ex plicam muito bem até o momento? Paulo Mark un- O apoio ao presidente C ollor. A sua aprox imaç ã o com o presidente F igueiredo, q uando a oposiç ã o toda falava em C ampanha das D iretas já , em certo momento Briz ola q ueria esticar o mandato de F igueiredo mais um pouco. O utra contradiç ã o é q ue foi ele q uem propô s inicialmente a idéia da renú ncia de F ernando H enriq ue no início do seu segundo mandato. Essa tese cresceu porq ue uma parte do P T aderiu, mas a idéia foi do Briz ola. Ele foi o mais entusiasmado defensor. O utra foi ele declarar, como fez no ú ltimo 31 de març o, q ue F H C e S arney foram piores q ue os militares. A lgumas coisas nã o batiam muito com a ló gica.

IHU On-Line- Durante os ú ltimos dias debate-se na imprensa se a morte de Brizola empobrece ou até esvazia a política brasileira. O q ue o senhor acha disso? Paulo Mark un - Isso tem a ver com o desencanto em relaç ã o ao governo L ula. C omo estamos vivendo um momento em q ue se esperava muito q ue as coisas foram a mudar e nã o mudou nada, e você percebe alguém q ue persistiu nas suas idéias, parece q ue ele é mais consistente ou mais brilhante q ue outros. U m outro dado é esse fenô meno típico do Brasil, nã o sei se em outros países é assim, q ue q uando a pessoa morre se fala bem dela. N o veló rio de Briz ola estavam G arotinho e R osinha, a esposa, q ue eram adversá rios até bem pouco tempo, embora agora já tivessem se reaprox imado e o filho de R oberto M arinho, depois foi L ula. N ã o estou diz endo q ue eles nã o deveriam ir, mas é difícil nã o ver aí um ex cesso de endeusamento de q uem morre. O ntem, eu lia no jornal O G lob o uma matéria q ue diz ia q ue o Briz ola tinha empurrado o Brasil para uma guerra civil em 19 62. S ã o dois erros histó ricos numa frase só : primeiro q ue nã o foi em 19 62 e sim em 19 61 q ue ele liderou a chamada C adeia da L egalidade, segundo q ue ele nã o empurrou o Brasil para a guerra civil, ao contrá rio, ele se insurgiu contra o golpe militar. C om coragem, sem temor, com firmez a. N aq uele momento, e aí eu acho q ue ele se inscreveu na histó ria do Brasil marcantemente, ele nã o mediu as conseq ü ê ncias e esse é um episó dio apagado da histó ria brasileira. Eu fiz junto com a jornalista D uda M ilton um livro q ue conta essa histó ria pelos 40 anos da legalidade, mas até entã o havia uma geraç ã o inteira q ue nã o sabia dessa histó ria.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

27

“BRIZOLA DESPERTOU ÓDIOS E AMORES” Entrevista com Luiz Alberto Moniz Bandeira

Amig o e c ompanheiro de L eonel B riz ola, L uiz Alb erto M oniz B andeira, c onhec eu B riz ola em 1 9 5 8 . F oi o c ientista polític o q ue sustentou a tese de q ue o P artido T rab alhista desempenhav a no B rasil um papel eq uiv alente ao da soc ial democ rac ia e apresentou o líder trab alhista à Internac ional S oc ialista. M oniz B andeira c onv ersou c om IH U O n-L ine por telefone, na ú ltima semana, de sua residê nc ia, na Alemanha. E le é c ientista polític o e professor emé rito de polític a ex terior da U niv ersidade de B rasília. U m dos maiores estudiosos do g ov erno Joã o G oulart, M oniz B andeira, 6 9 anos, reside em S aint L eon, na Alemanha. D outor em C iê nc ia P olític a, tem mais de 20 ob ras pub lic adas. E ntre elas, c itamos O 24 de Agosto de Jânio Quadros. Rio de Janeiro: M elso, 1 9 6 1 ; O Caminho da Revolução Brasileira. Rio de Janeiro: M elso, 1 9 6 3 ; Cartéis e Desnacionalização (A Experiência Brasileira - 1964-1974). Rio de Janeiro: C iv iliz aç ã o B rasileira, 1 9 7 5 ; O Governo João Goulart e As Lutas Sociais No Brasil (1961-1964). Rio de Janeiro: C iv iliz aç ã o B rasileira, 1 9 7 7 ; Brizola e O Trabalhismo. Rio de Janeiro: C iv iliz aç ã o B rasileira, 1 9 7 9 ; A Renuncia de Jânio Quadros e A Crise Pré-64. Rio de Janeiro: B rasiliense, 1 9 7 9 ; De Martí a Fidel - A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: C iv iliz aç ã o B rasileira, 1 9 9 8 ; e O feudo œ A Casa da Torre de Garcia d‘Êvila: da conquista dos sertões à independência do Brasil. Rio de Janeiro: C iv iliz aç ã o B rasileira, 20 0 0 .

IHU On-Line- Que tipo de política está morrendo, ao morrer Leonel Brizola? Luiz Alberto Moniz Bandeira- Está morrendo uma grande personalidade q ue, de uma forma ou de outra, marcou a histó ria do Brasil na segunda metade do século X X . D espertou ó dios, amores, paix õ es, mas desempenhou um papel muito importante na histó ria do Brasil.

IHU On-Line- As idéias de Brizola estavam ultrapassadas? Luiz Alberto Moniz Bandeira- O problema de Briz ola foi q ue o seu discurso nã o acompanhou o tempo. N ã o é no sentido de formulaç ã o de idéias, porq ue ele nunca as ex pô s efetivamente de um modo sistemá tico. Ele tinha algumas bandeiras pelas q uais se batia, lutava, porém temos q ue destacar a sua vida e o seu comportamento nos diversos acontecimentos políticos. Ele nã o deix ou uma doutrina ou uma teoria, pois o trabalhismo em si nã o é doutrina dele. F oi gerado durante um certo tempo e teve o seu desdobramento, a sua continuidade, inclusive agora no governo L ula, ainda q ue eles nã o q ueiram assumir formalmente esse legado. O trabalhismo foi e é a ex pressã o brasileira da social-democracia.

IHU On-Line- Como o senhor caracterizaria o trabalhismo de Vargas e Brizola? Luiz Alberto Moniz Bandeira- É uma política nacionalista, q ue nã o é liberaliz ante, uma política a favor dos interesses nacionais, como tem demonstrado o governo L ula com a sua política ex terior. O governo V argas lutou pelos interesses nacionais. G etú lio foi um grande desenvolvimentista, e nó s devemos o Brasil atual a ele. S em a S iderú rgica de V olta R edonda, nã o haveria o Brasil industrial de hoje. O Brasil continuaria sendo um país agro-ex portador, baseado na cultura do café e subordinado ao capital financeiro. V argas desempenhou importante papel. F oi a maior personalidade política do Brasil no século X X . S eu governo construiu as bases do Brasil moderno. Briz ola, porém, nunca chegou à P residê ncia da R epú blica. N os governos do R io de J aneiro, realiz ou alguns feitos importantes, obras como o S ambó dromo e a L inha V ermelha e destacou-se na política educacional. Embora esse aspecto muito importante da visã o dele tenha fracassado, porq ue a política educacional nã o é só construir escolas somente; tem q ue preparar professores, dar-lhes condiç õ es, recursos; nã o basta construir escolas sem ter condiç õ es de sustentá -las, de melhorar o ensino bá sico. A gora o G overno F ederal estabeleceu cotas para admissã o de negros e alunos de escolas pú blicas

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

28

nas U niversidades. Isto é bobagem. O problema nã o é estabelecer cotas, mas melhorar o ensino bá sico, nas escolas pú blicas, q ue já foram muito boas e o regime militar degradou, para dar prevalê ncias à s escolas privadas. O problema é faz er as escolas pú blicas melhores q ue as escolas privadas, como era antigamente.

IHU On-Line- Brizola era, de fato, o herdeiro de Vargas? Luiz Alberto Moniz Bandeira- Briz ola nã o chegou à P residê ncia, ele discursou, falou, falou, mas nã o construiu do ponto de vista político uma obra. V aloriz ou as minorias, os negros... T eve uma importâ ncia muito grande. O maior feito de Briz ola foi a C adeia da L egalidade, q uando ele garantiu a posse de J oã o G oulart na P residê ncia. Ele foi, durante muito tempo, símbolo da resistê ncia e da oposiç ã o, enq uanto houve o regime militar no Brasil. Esse, sim, é o período dele. Ele representou a oposiç ã o ao regime militar. O primeiro e ú nico civil em toda a A mérica L atina a derrotar um golpe militar, mobiliz ando o povo. A adesã o dele, por ex emplo, à social- democracia foi proposta por mim. A tese está no meu livro O G ov erno de Joã o G oulart, cujos originais levei para ele no U ruguai, em 19 77, antes de sua ex pulsã o. M ostrei q ue o trabalhismo foi em realidade um partido do tipo social-democrata, dentro das condiç õ es sociais do Brasil. Briz ola aceitou essa idéia e foi um contributo q ue ele deu também, ao aceitar o trabalhismo como a versã o brasileira da social-democracia, o q ue ele chamou, aliá s com muita propriedade, de —socialismo moreno“. N a verdade, porém, ele nunca compreendeu a teoria e a prá tica da social-democracia, nem mesmo a organiz aç ã o. Ele continuou conduz indo o partido como se fosse apenas ele. P or outro lado, embora L ula nã o assuma o legado de V argas, ele é q uem está ex ecutando uma política mais pró x ima do q ue foi a política do trabalhismo.

IHU On-Line- Considera q ue Brizola era autoritário? Luiz Alberto Moniz Bandeira - Briz ola era personalista. N ã o era autoritá rio. P elo contrá rio, até discutia, conversava, mas só depois faz ia o q ue ele q ueria. R eunia as pessoas ficava até a madrugada ouvindo todo mundo, depois chegava no final e faz ia como ele q ueria. N ã o era autoritá rio, porq ue nã o obrigava ninguém a faz er nada. Era uma pessoa cordial, amá vel, tinha q ualidades ex celentes, ex cepcionais, tanto q ue ele foi um grande líder. H á pessoas q ue até hoje sentem a sua lideranç a, estã o sob a sua lideranç a, mas o seu temperamento nã o permitia agregá -las durante muito tempo.

IHU On-Line- Há episó dios q ue parecem contraditó rios, como a relaç ão de Brizola com Fidel Castro e o posterior refú gio na embaix ada americana... Luiz Alberto Moniz Bandeira- N ã o sã o contraditó rios. A política muda conforme a época. Ele, durante um tempo, aliou-se ao F idel C astro como ele se aliaria, ao diabo e à avó do diabo, contra o regime militar. Ele mesmo diz ia: —S e o diabo aparecesse e estivesse contra o regime militar, eu me aliaria a ele“. N o tempo em q ue preferiu ir para os Estados U nidos, ao ser ex pulso do U ruguai, a política de J immy C arter era democrá tica, em favor dos direitos humanos, e estava contra o regime militar no Brasil e na A mérica L atina.

IHU On-Line- Como foi a sua histó ria com o Brizola, como o conheceu? Luiz Alberto Moniz Bandeira- C onheci Briz ola em 19 58 , q uando estive no R io G rande do S ul acompanhando o P residente italiano G iovanni G ronchi. A prox imei-me mais dele em 19 61, depois da ascensã o de J ango à presidê ncia, e passamos a ter maior convivê ncia no U ruguai, em 19 64, q uando fui para lá como ex ilado, q uando J ango foi deposto. D epois voltei ao Brasil, clandestino, fui preso dois anos e, em 19 75, voltei ao U ruguai e à A rgentina a fim de pesq uisar para a minha tese de doutoramento sobre a Bacia do P rata. F oi nessa época q ue comecei a

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

29

escrever o livro sobre J ango. Estive vá rias vez es com Briz ola, q ue ainda estava rompido com J ango, e convivi muito com ele, apó s sua ida para os Estados U nidos, onde o recebi no aeroporto de N ova Y ork . Q uando J ango morreu, levei os originais do meu livro O G overno J oã o G oulart para Briz ola, na sua estâ ncia, em D uraz no. C omo já lhe disse, nesse livro, eu sustentei a tese de q ue o P artido T rabalhista desempenhara no Brasil um papel eq uivalente ao da social democracia e ele aceitou essa idéia. E sugeri, também, q ue Briz ola assumisse o legado de J ango e reorganiz asse o P artido T rabalhista Brasileiro. O ex -deputado C arlos O lavo S imã o da C unha estava comigo durante essa conversa. E partir desse momento, começ amos uma nova fase de reorganiz aç ã o do P T B.

IHU On-Line- Acompanhou essa ruptura entre Brizola e Jango? Luiz Alberto Moniz Bandeira - Eles brigaram. A liá s, o Briz ola brigou, porq ue o J ango nã o brigava com ninguém. Briz ola brigou com ele, porq ue q ueria q ue J ango apoiasse seus projetos de insurreiç ã o no R io G rande do S ul, e J ango nã o q uis. P referiu a opç ã o política. Ele evitava derramamento de sangue.

IHU On-Line- Brizola costumava falar de sua relaç ão com Getú lio Vargas? Luiz Alberto Moniz Bandeira- N ã o, Briz ola era muito jovem na época de V argas. N ã o creio q ue tivesse convivê ncia com V argas, q ue era bem mais velho, apesar de ter sido seu padrinho de casamento. J ango, sim, foi q ue conviveu com V argas, desde q ue ele foi para S ã o Borja, apó s o golpe q ue o derrubou em 19 45

IHU On-Line- Quais foram as suas principais diferenç as com Brizola? Luiz Alberto Moniz Bandeira- S empre gostei de Briz ola, admirei-o, respeitei-o, mas tinha muitas divergê ncias com ele. S ou um homem organiz ado e nunca fui acaudilhado. Briz ola pedia-me para faz er algo, eu combinava uma coisa e cumpria, mas ele depois mudava tudo. N ã o respeitava compromissos. U ma vez , Bernt C arlson, secretá rio da Internacional S ocialista, me pediu q ue o P D T organiz asse um secretariado internacional e lhe disse das pessoas q ue o comporiam. F alei com Briz ola, e combinamos os nomes. M as depois Briz ola veio com outros e sempre, mudava sempre conforme suas conveniê ncia, para agradar a fulano ou beltrano, porq ue, na verdade, o secretariado nada representava para ele. Ele, Briz ola, era o secretariado, era tudo no P D T . C erta vez , Bocaiú va C unha pediu-me um esq uema do secretariado internacional. P reparei-o e q uando Bocaiú va o mostrou a Briz ola, ele disse q ue era europeu demais, q ue nã o valia para o Brasil, pois no Brasil tudo é mesmo improvisado. Briz ola racionaliz ava o improviso, a desorganiz aç ã o e diz ia q ue eu era —sociedade industrial“. J ango me disse uma vez q ue Briz ola nã o sabia escolher seus aux iliares. E é verdade. S omente gostava daq ueles q ue concordassem com tudo q ue ele diz ia e faz ia.C om Briz ola era uma dificuldade marcar q ualq uer coisa, porq ue ele autoriz ava, depois desmarcava e faz ia outra coisa diferente. Esse era o grande problema de lidar com Briz ola.

IHU On-Line- Quando foi a ú ltima vez q ue se falaram? Luiz Alberto Moniz Bandeira- F oi antes das eleiç õ es de 19 9 4. N ã o rompi com Briz ola. A penas me afastei dele porq ue nã o mais q ueria ser conivente com os erros q ue andava a cometer, ouvindo pessoas q ue nã o ousavam discordar abertamente do q ue ele diz ia. S abia, pelos meus cá lculos, q ue ele nã o teria mais de 4% dos votos, na eleiç ã o, para presidente da R epú blica. S eu índice de popularidade caíra no R io de J aneiro e no R io G rande do S ul, suas principais bases eleitorais, para a metade do seu nível histó rico, ou seja, despencara de 33% em média (nível histó rico), para 16% . Ele q uase passara para o segundo turno, em 19 8 9 ,

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

30

porq ue naq ueles dois colégios eleitorais sua votaç ã o ultrapassara a casa de 63% . N aq uele ano, ele teve 16% e L ula, 16,0 4. S e sua popularidade, em 9 4, voltasse no R io de J aneiro e no R io G rande, para seu nível histó rico de mais ou menos 33% , ele obteria apenas 8 % dos votos, ou seja, metade do q ue ganhara em 8 9 . A conteceu, porém, q ue as pesq uisas indicavam q ue sua popularidade baix ara para cerca de 16% no R io e igual percentagem no R io G rande do S ul, o q ue significava q ue ele nã o teria mais de 4% . A conselhei-o entã o a renunciar. E, como ele nã o me q uis ouvir, eu o fiz publicamente para nã o mais me comprometer com desacertos. O u ele apoiava F ernando H enriq ue C ardoso, ou apoiava L ula. F ernando H enriq ue, inclusive, q uis o apoio dele q ue contrabalanç aria o apoio do A ntô nio C arlos M agalhã es. Eu nã o entendo como ele, tendo apoiado C ollor, nã o q uis apoiar F H C .

HISTÓRIAS SOBRE UM POLÍTICO QUE SE “PODAVA” PARA RENOVAR-SE Entrevista com João Aveline

Jornalista, sindic alista, ex -militante do P artido C omunista B rasileiro, Joã o Av eline c onv iv eu c om L eonel B riz ola na intimidade palac iana, da q ual nos relatou alg umas passag ens. E le —põe a mã o no fog o“ pela honestidade e integ ridade do ex -g ov ernador g aú c ho, de q uem destac a as transformaç ões no seu perfil polític o, orig inalmente c onserv ador. M udanç as q ue B riz ola ex plic av a, c omo lemb ra Av eline, c omparando-se a uma á rv ore em tempo de poda: às v ez es ele c ortav a um —g alho“ inc onv eniente, para q ue v iesse a nov a b rotaç ã o. Av eline inic iou sua v ida profissional c omo repó rter do jornal Tribuna Gaúcha, na seg unda metade da dé c ada de 1 9 4 0 . P or alg um tempo, atuou c omo notic iarista do departamento de notíc ias da Rádio Itaí. Nesse período, iníc io dos anos 1 9 5 0 , foi rev isor no Correio do Povo. Ing ressou na Rádio Gaúcha em ag osto de 1 9 5 6 , tendo c hefiado o departamento de notíc ias. Ajudou a fundar e partic ipou da ediç ã o g aú c ha do jornal ltima Hora, onde c hefiou a reportag em g eral. C om o g olpe militar de 1 9 6 4 , o jornal foi fec hado e Joã o Av eline passou a trab alhar na rev ista A Granja. E m 1 9 7 1 , foi para o jornal Zero Hora, onde oc upou a sec retaria do jornal, a c hefia de reportag em e a sec retaria g rá fic a. F oi editor da Revista da TV e do Caderno Zona Norte, suplementos do jornal. D irig ente do S indic ato dos Jornalistas em v á rias g estões, atualmente é memb ro da C omissã o de É tic a dos jornalistas. É autor do liv ro Macaco preso para interrogatório: retrato de uma época. P orto Aleg re: AG E , 1 9 9 9 . Joã o Av eline, q ue foi entrev istado por telefone, partic ipará do ev ento Era Vargas em Questão, uma promoç ã o do Instituto H umanitas U nisinos, q ue oc orre nos dias 23 a 25 de ag osto de 20 0 4 .

IHU On-Line œ Como se deu a sua convivê ncia com Brizola João Aveline œ Briz ola era trê s anos mais moç o do q ue eu, q ue tenho 8 5 anos. F ui seu companheiro durante toda a vida. A inda muito jovem ele foi prefeito de P orto A legre, q uando criou uma rede de escolas. Eu trabalhava na T ribuna G aú cha, na época, e fiz uma reportagem sobre as escolinhas do Briz ola, como ficaram conhecidas. Eram casas de madeira pintadas de cinz a e padroniz adas. Essa foi a preocupaç ã o central dele como administrador de P orto A legre, e também q uando ele foi governador do estado13. Briz ola era um jovem do interior muito conservador, é bom q ue se diga isso. M as, como governador, ele passou a organiz ar reuniõ es com o movimento sindical, reuniõ es privadas, das q uais eu participava. N uma dessas ocasiõ es, ele reconheceu q ue era inicialmente muito conservador. D isse q ue havia dirigido a P refeitura de

13 A s referidas escolas eram construídas segundo um modelo padrã o e ficaram conhecidas como —briz oletas“. T ambém foram denominados —briz oletas“ os títulos mobiliá rios, resgatá veis em datas pré-estabelecidas, criados e usados por Briz ola, durante o seu período como G overnador do Estado, para o pagamento do funcionalismo e de obras pú blicas. T ais títulos, utiliz ados para enfrentar a escassez de recursos, eram aceitos pelo comércio como moeda, de maneira geral.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

31

P orto A legre atento apenas ao plano administrativo, q ue as coisas tinham corrido bem, sem maiores preocupaç õ es, pois o orç amento era relativamente bom, a receita era boa. L embro-me q ue ele disse: —Q uando eu cheguei no G overno do Estado aí a situaç ã o ficou diferente, passei a levar em conta uma série de fatores, a me preocupar com o desenvolvimento do Estado. E cheguei à conclusã o de q ue uma das coisas q ue travava o desenvolvimento era o fato de q ue nó s nã o dispú nhamos, como coisa nossa, do potencial energético. A C ompanhia de Energia Elétrica estava nas mã os dos norte-americanos, entã o eu fui me dando conta dos tentá culos q ue estavam em cima de nó s e q ue nos sugavam, e resolvi tomar algumas medidas, entre elas a encampaç ã o das C ompanhias“.

IHU On-line - Quando foi isso? João Aveline œ L á pelos anos cinq ü enta, nã o me lembro ex atamente a data. Ele realiz ava muitas reuniõ es. N elas comentavam-se muitas coisas, como o episó dio das encampaç õ es. A í é q ue entra em cena a evoluç ã o do ser humano, do ser político. A prá tica levou-o a uma concepç ã o de governo mais nacionalista e também social, mas fundamentalmente nacionalista. N uma dessas reuniõ es, um dirigente sindical chamado V ilson L ima, dos G rá ficos, perguntou: —Briz ola, você era um cara reacioná rio conservador e hoje você tem concepç õ es arejadas, é nacionalista. C omo foi essa mudanç a? “ O Briz ola, q ue era um homem muito —frasista“ e de metá foras muito inteligentes, disse o seguinte: —O lha, de fato, eu era isso q ue tu disseste. Q uando eu cheguei ao governo do Estado me defrontando com os problemas, resolvi me ”podar‘. C ortei esse galho! C ortei aq uele galho! C ortei aq uele outro galho! E agora eu estou ”brotando‘ “. A metá fora foi inteligente, brotar significa renovaç ã o e o Briz ola foi isso, foi um homem q ue se renovou, um homem em constante renovaç ã o.

IHU On-Line œ Na época o senhor trabalhava aonde? João Aveline œ Eu trabalhava no departamento de notícias da R á dio G aú cha, onde eu era chefe, e no jornal.  ltima H ora, q ue apoiava o Briz ola. Entre as coisas q ue eu fiz lá foi cobertura sindical, daí a minha prox imidade com o G overnador. C omo disse, eu participava das reuniõ es q ue ele organiz ava, elas me interessava como jornalista. M as eu me credenciei junto ao Briz ola por meio do movimento sindical, do q ual eu era pró x imo. F ui apresentado como uma pessoa de confianç a e mantive a lealdade. A os sá bados, ele reunia alguns jornalistas no P alá cio P iratini alguns jornalistas, com os q uais ele gostava de conversar, e eu também estava entre eles. N essas reuniõ es, ele abria os —esq uemas“ para a gente. A lguns diz iam q ue essas reuniõ es, à s q uais ele também dava um cará ter discreto, serviam para ele dar trâ nsito a certas informaç õ es, q ue ele gostaria de ver publicadas.

IHU On-Line - Ele era anticomunista? João Aveline œ Em determinado momento sim, mas depois ele foi evoluindo, a situaç ã o foi modificando. Inicialmente, ele nã o tinha contato direto conosco, mas através de um intermediá rio nã o comunista. C om o correr do tempo, ele passou a ter um comportamento menos agressivo, mais fraterno em relaç ã o a nó s. Ele foi anticomunista porq ue, por ex emplo, em 19 58 , q uando ele foi eleito nó s, comunistas, apoiamos o Briz ola, apoiamos, porq ue fiz emos uma avaliaç ã o e chegamos à conclusã o q ue, naq uele momento, o melhor candidato era ele. Briz ola nã o aceitou o nosso apoio, nã o só nã o aceitou como, depois de eleito, mandou protocolarmente devolver, nos C orreios e T elégrafos, um telegrama q ue o P restes enviara, cumprimentando-o. Q uando ele nã o aceitou os nossos votos, nó s respondemos a ele publicamente, q ue independentemente da vontade dele, nó s éramos donos dos nossos votos e

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

32

na nossa concepç ã o, apesar do anticomunismo dele, apesar disso, ele era o melhor candidato naq uele momento. D epois ele mudou.

IHU On-Line œ O senhor acompanhou também as iniciativas referentes à reforma agrária? João Aveline - A primeira ex periê ncia de reforma agrá ria no Brasil foi feita por ele aq ui no Banhado do C olégio, eu estive lá com ele, com as delegaç õ es q ue vinham de todo Brasil para ver a ex periê ncia. Ele dividiu as terras, fez um trabalho no sentido da implantaç ã o de uma reforma agrá ria com efetivos rendimentos. F oi muito caluniado na época, pois como muitos camponeses nã o tinham rendimentos para pagar seus compromissos com o Banco do R io G rande do S ul, ele, por intermédio das propriedades da mulher, proporcionou as condiç õ es para q ue todos pudessem financiar as terras. O J oã o C almon, q ue era dos D iá rios A ssociados, chegou a afirmar q ue ele tinha utiliz ado a reforma agrá ria para vender as terras da mulher aos camponeses. N ã o é verdade! Eu meto a mã o no fogo pelo Briz ola no q ue diz respeito ao seu comportamento ético em relaç ã o a dinheiro. F oi um homem ex tremamente altivo, com um escrú pulo incomum. Q uando eu digo incomum, estou me referindo a um comportamento ético q ue nã o é comum hoje nos políticos, de hoje.

IHU On-Line œ Que destino foi dado ao dinheiro q ue Brizola teria recebido para custear um movimento guerrilheiro? João Aveline œ S inceramente, eu nã o estou —por dentro“ disso. O q ue se sabe é q ue o F idel C astro meteu na cabeç a q ue tinha q ue ex portar a revoluç ã o, faz er a revoluç ã o na A mérica L atina. Efetivamente, veio dinheiro para os grupos preparando as guerrilhas. Esses recursos, no caso do Briz ola, foram gastos em q uestõ es relativas à organiz aç ã o da luta armada. Eles nã o serviram para locupletar Briz ola como pessoa, repito q ue eu boto a mã o no fogo pela honestidade do Briz ola. A lém disso, ele era um homem rico, havia casado uma mulher rica.

IHU On-Line œ Essas características positivas não foram prejudicadas por um traç o fortemente autoritário, q ue o levou a cometer muitos erros? João Aveline - Em determinados momentos, ele foi autoritá rio, até demais. Entre os erros está , por ex emplo, o cometido na ocasiã o em q ue era o governador do R io de J aneiro e precisava de recursos do G overno F ederal, na época chefiado pelo C ollor. Em decorrê ncia desse fato, ele chegou a diz er q ue o C ollor estava sendo vítima da classe dominante q ue q ueria golpeá -lo. O utro erro dele sério, para um homem q ue foi q ue submetido ao maior ex ílio do Brasil até hoje œ ele sofreu um ex ílio de q uinz e anos œ ocorreu q uando ele propô s a prorrogaç ã o do mandato do F igueiredo, q ue era um dos generais golpistas. Briz ola calculava q ue, se houvesse a prorrogaç ã o por um ano, ele teria mais condiç õ es de enfrentar uma disputa pela P residê ncia da R epú blica.

IHU On-Line œ Outra característica negativa dele era a dificuldade de conviver com lideranç as novas? João Aveline œ S im. R ecentemente o P D T perdeu o deputado M iro T eix eira, q ue o pró prio Briz ola havia traz ido para o partido. A o mesmo tempo q ue ele aglutinava pessoas, ele também as ex cluía. A ntes, havia perdido o senador, o S aturnino Braga. T ambém rompeu com G arotinho, todos eles de um q uadro político q ue cresceu com Briz ola. G randes personalidades foram absorvidas e ex pelidas por ele. O [J aime] L erner, governador do P araná , foi outro caso. A q ui no R io G rande do S ul, o S ereno C haise. O s casos desse tipo sã o vá rios. Esse talvez tenha sido o seu maior defeito, à medida q ue algumas pessoas iam se projetando nos q uadros

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

33

políticos, com pensamentos definidos e com capacidade de divergir, em determinadas circunstâ ncias, elas eram ex pelidas.

IHU On-Line œ Do homem Brizola, o q ue lhe marcou mais? João Aveline - O homem Briz ola era muito voltado para a política, tinha a política correndo nas veias, respirava política, comia política, vivia política vinte e q uatro horas por dia. N aturalmente, a primeira prejudicada em funç ã o disso foi a família. O Briz ola enfrentou problemas na família. Ele viveu com a N eusa q uarenta e seis anos, acho q ue foi feliz , mas era um homem divorciado da família, era um homem q ue cuidava mais da coisa pú blica, encarava isso como uma tarefa. Briz ola impô s esse sacrifício à família. N o plano político, era uma síntese dos políticos gaú chos. O C arlos Bastos, hoje no J ornal do C omércio, diz q ue o Briz ola é uma síntese dos políticos nossos do passado. H erdou do J ú lio de C astilhos o autoritarismo, do Borges de M edeiros, a sede de poder, do G étú lio, as preocupaç õ es nacionalistas e sociais, do F lores da C unha, o cará ter democrá tico e o jeito de faz er frases, do J oã o N eves da F ontoura, a orató ria, do O svaldo A ranha, a capacidade de articulaç ã o e a condiç ã o de democrata. Briz ola era um homem assim. Estã o diz endo q ue o Briz ola encerra um ciclo, e efetivamente encerra. A té aq ui, vivemos a era Briz ola, faz endo uma política em q ue o debate se dava no terreno das idéias, adotando um comportamento republicano. C om o fim dessa era, o q ue se constata é q ue o político, candidato em q ualq uer nível, é uma espécie de sabonete é vendido via publicidade, por meio do chamado mark eting, como se faz em relaç ã o a um produto comestível ou de uso pessoal. O Briz ola tem, na carreira dele, algo q ue poucos políticos tê m, no Brasil. Em 19 61, q uando o J â nio renunciou, e os militares q ueriam impedir a posse de J ango, nã o confiavam nele, porq ue era tido como comunista, o Briz ola desfraldou a bandeira da legalidade constitucional e impô s esse ponto de vista com o apoio do R io G rande do S ul e conq uistando o apoio do P aís. N a carreira do Briz ola, se mais nada houvesse, só o fato de ter aparado esse golpe de 19 61, segurado o golpe, com muita valentia, com muita determinaç ã o e com muita capacidade de aglutinaç ã o de forç as, isso já bastaria.

A EDUCAÇÃO NO CENTRO DE SEU PROJETO POLÍTICO Entrevista com Cristovam Buarq ue

P etista- b riz olista é a forma em q ue se define o S enador e ex -ministro de E duc aç ã o C ristov am B uarq ue em entrev ista ao IHU On-Line, por telefone, na ú ltima terç a-feira, no dia seg uinte à morte de L eonel B riz ola, diretamente da C â mara, durante a sessã o de homenag ens ao líder trab alhista. P ara o senador se B riz ola tiv esse sido eleito presidente no lug ar de F ernando C ollor de M ello, em 1 9 8 9 , o rumo do P aís teria sido inv erso ao adotado pelo presidente e o B rasil e a Amé ric a L atina poderiam ter v isto um g ov erno q ue c oloc a em primeiro lug ar os interesses nac ionais e a educ aç ã o. C ristov am B uarq ue é E ng enheiro M ec â nic o, pela U niv ersidade F ederal de P ernamb uc o, e doutor em E c onomia pela U niv ersidade de P aris, S orb onne, C ristov am B uarq ue foi eleito senador da Repú b lic a em outub ro de 20 0 2, c om 6 0 % dos v otos, c erc a de 4 6 1 mil, o mais v otado da histó ria do D F . E ntre 1 9 9 5 e 1 9 9 8 , foi g ov ernador do D istrito F ederal, onde implantou o P rog rama B olsa-E sc ola. C riou a O NG M issã o C rianç a para promov er a idé ia da b olsa-esc ola no B rasil e no ex terior. D esde 1 9 7 9 , é professor da U niv ersidade de B rasília, onde foi reitor no período 1 9 8 5 -1 9 8 9 , c omo primeiro reitor eleito da U nB apó s o fim da ditadura militar. É autor de 1 9 liv ros. E ntre eles, c itamos: A Desordem do Progresso: o fim da era dos economistas e a construção do futuro. S ã o P aulo: P az e T erra, 1 9 9 1 ; A aventura da universidade. C o-ediç ã o Rio de Janeiro: P az e T erra e S ã o P aulo: U nesp, 1 9 9 4 (P rê mio Jab uti, 1 9 9 5 ); A Revolução nas Prioridades. Da modernidade técnica à modernidade ética. S ã o P aulo: P az e T erra, 1 9 9 4 . Os tigres assustados - uma viagem pela fronteira dos séculos. Rio de Janeiro: Rec ord, 1 9 9 9 ; Admirável mundo atual. S ã o P aulo:

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

34

G eraç ã o E ditorial, 20 0 1 ; e Os Instrangeiros. A aventura da opinião na fronteira dos séculos. Rio de Janeiro: G aramond, 20 0 2. O senador C ristov am B uarq ue foi ministro da E duc aç ã o no atual G ov erno F ederal, no período de 1 º de janeiro de 20 0 3 a 27 de janeiro de 20 0 4 . Realiz amos c om ele uma entrev ista sob re o papel da U niv ersidade, pub lic ada no IHU On-Line n.º 9 0 , de 1 º de març o de 20 0 4 . E le é tamb é m autor de um artig o q ue reproduz imos na 1 0 6 ª ediç ã o, de 21 de junho de 20 0 4 , e de uma entrev ista reproduz ida na editoria Aná lise de C onjuntura da presente ediç ã o.

IHU On-Line- Como o senhor avalia a contribuiç ão política de Leonel Brizola? Cristovam Buarq ue œ Em primeiro lugar, estamos falando de cinq ü enta anos de militâ ncia. Isso é muito raro, uma militâ ncia tã o duradoura. Em segundo lugar, a valentia dele em defesa da legalidade, q uando foi preciso pegar em armas para defender a legalidade contra o golpe militar. Ele fez isso e venceu os militares. Em terceira lugar, o q ue mais me aprox imou dele é q ue foi o ú nico dos grandes líderes nacionais q ue colocou sempre a educaç ã o em primeiro lugar. N enhum outro fez isso, nã o. N enhum dos grandes políticos como G etú lio [V argas], J uscelino [Kubitschek ], F ernando H enriq ue, L uís Iná cio L ula da S ilva, nenhum desses grandes, pô s a educaç ã o na frente. Essa foi sua grande diferenç a. C om a mesma coerê ncia passou à oposiç ã o ao G overno L ula, q uando sentiu q ue, na sua opiniã o, o governo nã o dava prioridade à educaç ã o, nã o defendia a nacionalidade com o vigor q ue ele q ueria.

IHU On-Line - O senhor afirmou no seu discurso de homenagem a Brizola na Câ mara, q ue “A eleiç ão de Brizola em 89 poderia ter permitido a virada responsável à esq uerda de q ue o Brasil e a América Latina precisavam, nas vésperas da aventura neoliberal iniciada pelo vencedor das eleiç ões”. Pode ex plicar um pouco mais essa afirmaç ão? Cristovam Buarq ue - Em 19 8 9 , à s vésperas da afirmaç ã o neoliberal no Brasil e na A mérica L atina, aconteceu o fim da U niã o S oviética, a consolidaç ã o da política [M argaret] T atcher e de [R onald] R eagan. S e Briz ola tivesse ganhado no lugar de [F ernando] C ollor, nã o há dú vida de q ue teríamos tido possibilidade de testar, no Brasil, uma alternativa diferente, mais comprometida com o social, investindo convictamente como ele iria faz er na educaç ã o, defendendo os direitos dos trabalhadores e, sobretudo a política de defesa nacional. P ara ele, as relaç õ es de interesse internacionais deviam se submeter aos interesses nacionais. A o eleger C ollor, o q ue nó s tivemos foi o inverso. F oi a abertura completa do P aís, apressadamente, foi a destruiç ã o e desarticulaç ã o do Estado, foi a mudanç a da prioridade para a economia liberal. S e Briz ola tivesse sido eleito, poderíamos ter tido uma ex periê ncia nova no Brasil e impedido a ex periê ncia neoliberal no continente inteiro.

IHU On-Line - Como o senhor vê Leonel Brizola como herdeiro de Getú lio Vargas? Cristovam Buarq ue - Eles sã o herdeiros da mesma origem, nasceram no mesmo lugar. O Briz ola começ a a militar durante o segundo G overno V argas. A relaç ã o dele era familiar, como cunhado de J oã o G oulart, q ue era ministro de G etú lio V argas, eram do mesmo partido, o P T B, P artido T rabalhista Brasileiro. O Briz ola é o herdeiro direto, nã o é nem filho, o herdeiro irmã o, q ue é mais pró x imo ainda da heranç a do q ue filho, do G etú lio V argas, q ue nã o deix a herdeiros. Isso é q ue é interessante. O trabalhismo ficou ó rfã o.

IHU On-Line - Como o senhor avalia os períodos em q ue Brizola ocupou cargos no governo? Cristovam Buarq ue - N a prefeitura de P orto A legre e no governo do R io G rande do S ul, o Briz ola foi um ex emplo de governante, na construç ã o de escolas, na reforma habitacional, no desenvolvimento do estado, na economia. É isso q ue afirmo muito, o chamado engenheiro

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

35

Briz ola, q ue mostrou como engenheiro a sensibilidade política. N o R io de J aneiro, já foi mais difícil. F oi um outro tempo q ue ele encontrou com a criminalidade generaliz ada, com a R ede G lobo faz endo uma campanha sistemá tica contra ele. Ele nã o estava em ascendê ncia no R io de J aneiro, q uando assumiu. N ã o dá para diz er com a mesma emoç ã o, porq ue eu defendo q ue, no governo do R io de J aneiro nã o houve o mesmo ê x ito q ue no governo do R io G rande do S ul. M esmo assim, ele criou símbolos, como a vinculaç ã o do C arnaval com a vida da cidade por meio do sambó dromo no q ual ninguém acreditava, a construç ã o de centenas de escolas chamadas C IEP 's, com horá rio integral. Ele conseguiu faz er isso, sem dar uma dinâ mica econô mica ao estado do R io, num momento em q ue a economia brasileira estava entrando na chamada década perdida dos anos 19 8 0 .

IHU On-Line - Em relaç ão à reforma agrária, ele deu uma contribuiç ão importante também? Cristovam Buarq ue - Ele foi um ex emplo no R io G rande do S ul na luta pela reforma agrá ria. Q uando ele foi governador, conseguiu faz er uma reforma agrá ria. M as, sobretudo no Brasil, ele foi o grande defensor da reforma agrá ria desde os anos 19 60 , q uando apoiou as ligas camponesas, apoiou o Instituto da R eforma A grá ria, q ue foi criado naq uela época, e até hoje ele se manteve fiel a isso. Briz ola representa aq uilo q ue eu defendo sempre, q ue é o político brasileiro q ue q uer completar a aboliç ã o e a repú blica. O s ú ltimos movimentos revolucioná rios no Brasil foram a R epú blica e a A boliç ã o. O s dois ficaram incompletos até hoje. O Briz ola representa esse grupo de políticos brasileiros q ue q uer completar a repú blica.

IHU On-Line - E com relaç ão a seu relacionamento pessoal? Cristovam Buarq ue - T ive relacionamento pessoal com ele desde q uando eu morava nos Estados U nidos, e ele foi ex pulso do U ruguai e foi morar em N ova Iorq ue, q uando entrei em contato com ele pela primeira vez . Ele aceitou o convite para debater política naq uela mesma época, o q ue mostrou q ue nã o ficara abatido. D epois, eu apoiei, em 19 8 9 , a sua candidatura à P residê ncia. M eu primeiro voto para presidente foi para ele. N o primeiro turno de 19 8 9 , eu nã o votei em L ula, eu nã o era de nenhum partido. Eu votei e fiz campanha para o Briz ola. E formamos uma amiz ade muito forte. N ã o faz dois meses, ele me ligou para falar da minha saída do M inistério. S empre mantivemos contato, um respeito profundo. Eu sempre insisti em diz er q ue eu sou petista briz olista.

“É IMPREVISÍVEL O QUE POSSA ACONTECER COM O TRABALHISMO BRASILEIRO” Entrevista com Sereno Chaise

O ex -prefeito de P orto Aleg re e ex -c ompanheiro de B riz ola, S ereno C haise, g uarda lemb ranç as histó ric as de g randes v itó rias e g randes derrotas junto ao líder pedetista. Apesar de amb os terem se distanc iado por div erg ê nc ias em relaç ã o à alianç a do P D T c om o P T durante o g ov erno de O lív io D utra, no Rio G rande do S ul, C haise g uarda profunda admiraç ã o por B riz ola e c onsidera q ue a heranç a trab alhista foi retomada pelo P T , c omo disse em entrev ista c onc edida ao IHU On-Line por telefone, na ú ltima q uinta-feira. C haise nasc eu em S oledade, em 1 9 28 . No dia 1 0 de nov emb ro de 1 9 6 3 , foi eleito prefeito de P orto Aleg re pelo P T B c om mais de 1 0 0 mil v otos. O mandato, inic iado no dia 2 de janeiro do ano seg uinte, foi interrompido q uatro meses depois, no dia 8 de maio, por forç a do Ato Instituc ional n.º 1 , primeira medida tomada pelo g ov erno militar apó s o g olpe de 3 1 de març o de 1 9 6 4 , q ue depô s o presidente Joã o G oulart. S ereno nunc a ac eitou o ex ílio. F oi preso outras v ez es durante o reg ime militar e, seg undo ele pró prio, tev e ofertas de B riz ola e de Joã o G oulart para deix ar o P aís, mas nã o q uis. D e 1 9 4 6 a 20 0 1 , ano em q ue S ereno e B riz ola romperam uma amiz ade de 5 5 anos, foram g randes c ompanheiros de luta.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

36

IHU On-Line - Ao perder Brizola o q ue o Rio Grande do Sul e o Brasil estão perdendo? Sereno Chaise - A morte dele significa o encerramento de um período de lutas pelos avanç os sociais, q ue se desenvolve desde q ue o P aís foi redemocratiz ado, desde 19 47. U m período de q uase 60 nos, de intensa atividade, na defesa dos ideais, dos interesses legítimos do povo trabalhador, na defesa da riq uez a nacional por meio de uma política nacionalista. A cho q ue isso tudo, com a morte de L eonel Briz ola, encerra-se esse ciclo e abre-se uma nova etapa da política brasileira.

IHU On-Line - O q ue caracteriza essa nova etapa? Seguramente não seria a busca de um projeto de desenvolvimento nacional? Sereno Chaise- N ã o. C aracteriz a-se pela moderniz aç ã o dos métodos de política, pela facilidade da comunicaç ã o, pelo papel da televisã o, as pesq uisas...enfim, a partir de agora, a política se torna bem diferente daq uela de 40 ou 50 anos atrá s. D evido a um avanç o tecnoló gico de toda a sociedade.

IHU On-Line- Que continuidade deu Brizola ao trabalhismo de Getú lio Vargas? Sereno Chaise- O trabalhismo brasileiro teve o D r. G etú lio e A lberto P asq ualini como ideó logos, e J oã o G oulart como ex ecutor daq uela política social e seus pontos fundamentais e princípios bá sicos. L eonel Briz ola era o herdeiro legítimo, continuador de toda aq uela obra. S em ele, fica agora um vaz io. Estamos diante de uma pá gina em branco. É imprevisível o q ue possa acontecer daq ui para frente com o trabalhismo brasileiro. A cho q ue, já nos ú ltimos anos, essa política de defesa do trabalhador, de defesa do primado do trabalho sobre o capital, já vinha sendo assimilada pelo P artido dos T rabalhadores, eu entendo q ue o P T é q ue vinha desempenhando, nos ú ltimos anos, aq uela luta q ue outrora foi do velho P T B, sob inspiraç ã o do presidente V argas. A gora o q ue vai acontecer com a histó ria do antigo P D T é uma incó gnita, nã o dá para dar palpites. V ai depender de uma série de fatores realmente imprevisíveis.

IHU On-Line- Quando veio o golpe militar de 1964, o senhor era prefeito de , foi cassado, mas nunca q uis sair do País, nem q uando o pró prio Brizola o convidou. Isso foi porq ue pensava q ue a resistê ncia passava por ficar no Brasil? Sereno Chaise - N ã o, nunca disse isso. A cho q ue o presidente J oã o G oulart nã o teve opç ã o e agiu como verdadeiro estadista, preferindo sua renú ncia à P residê ncia e ao prestígio pessoal a faz er com q ue corresse sangue entre irmã os e a colocar em perigo a integridade territorial do Brasil. H oje é conhecido o acordo q ue havia entre os conspiradores aq ui, especialmente entre governador de M inas M agalhã es P into e o governo americano por intermédio do embaix ador L incoln G ordon. A liá s, G ordon, professor universitá rio, depois q ue deix ou a embaix ada e voltou para os Estados U nidos, escreveu um livro no q ual ele mesmo detalha a chamada operaç ã o b rother S am, desembarq ue de 30 a 50 mil marinhos norte-americanos no N orte e no N ordeste do Brasil. F oi um dos motivos q ue pesou muito na decisã o do presidente J oã o G oulart: nã o correr sangue entre irmã os e nã o comprometer a integridade territorial do nosso P aís. N o ex ílio, no U ruguai, conversamos muito sobre isso. E ele me repetiu q ue se tivesse resistido ganhava a parada, continuava presidente da R epú blica, mas o Brasil ficaria reduz ido aos países ficaria da Bahia para baix o, o q ue seria um prejuíz o inestimá vel. T enho a impressã o de q ue daq ui a cem ou duz entos anos, se o Brasil mantiver o controle da A maz ô nia vai ocupar um papel muito importante no cená rio mundial. A A maz ô nia pode ser considerada o pulmã o para o planeta daq ui a muito pouco tempo.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

37

IHU On-Line- E por q ue o senhor nunca q uis sair do País? Sereno Chaise- Briz ola e J ango mandaram um carro me buscar, mas eu era um homem pobre, com filhos peq uenos, nã o ia deix ar meus filhos aq ui passando fome e eu vivendo lá nas costas deles. Eu decidi q ue nã o iria, q ue tinha q ue trabalhar aq ui, ganhar minha vida aq ui, cuidar de minha família.

IHU On-Line- Apesar de q ue podia ser preso. E o foi, de fato... Sereno Chaise- S im, fui vá rias vez es. Esse era um preç o q ue tinha q ue pagar.

IHU On-Line- Permaneceu preso durante muito tempo? Sereno Chaise- D urante os dois ou trê s primeiros anos, volta e meia era recolhido por q ualq uer coisa, mesmo por aq uelas das q uais eu nã o tinha o menor conhecimento, mas sempre na hora de prender, o primeiro era eu. M as nã o sofri tortura. Eu tinha a decisã o de q ue o cara q ue fosse me torturar, iria me matar. Eu era entregue aos q uartéis da Brigada M ilitar, uma instituiç ã o gaú cha cem por cento. É gente muito boa. Eu q ue sempre fui admirador da Brigada, passei a admirá -la mais ainda.

IHU On-Line- O senhor confirma a informaç ão de q ue se ocultou algumas vezes no Convento dos Capuchinhos? Sereno Chaise- N ã o, nã o. N em eu, nem Briz ola. Eu era muito amigo daq ueles C apuchinhos do M orro S anto A ntô nio, ia seguido lá onde pousei muitas vez es, mas q uando ainda era prefeito e todo o mundo sabia q ue estava lá . É q ue tinha muita gente na minha casa; passava gente aplaudindo e vaiando também, condenando, ameaç ando. Entã o, à s vez es, para aliviar a família eu me retirava um pouco. M as, nã o estava escondido, nã o, e Briz ola já estava no U ruguai.

IHU On-Line- Como eram as relaç ões de Brizola com a Igreja e com o então arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Sherer? Sereno Chaise- Eles se davam bem, D om V icente aparecia de vez em q uando no P alá cio. A comadre N euz a ia toda hora à M issa na M atriz todos os domingos, religiosamente. Eu pró prio me dava muito bem com D om V icente. Era uma pessoa muito humilde e hoje vejo o trabalho magnífico q ue ele fez na S anta C asa. Ele reergueu aq uela instituiç ã o q ue estava abandonada. Ele a deix ou como um ex emplo do q ue deve ser uma casa de saú de.

IHU On-Line- Quais as lembranç as histó ricas mais importantes q ue guarda de Brizola? Sereno Chaise- Q uando ganhamos a primeira eleiç ã o para a prefeitura, aliá s, a primeira perdemos, mas ganhamos a segunda. Q uando ganhamos a eleiç ã o para o governo do Estado em 19 58 . G uardo também amargas lembranç as de algumas derrotas importantes, q uando, por ex emplo, ele, como candidato à P residê ncia da R epú blica, perdeu para Enéas, se retirou para U ruguai. F ui lá na F az enda e o encontrei realmente abatido. Ele me disse: —Bah! C ompadre, estou com os cascos em ferida“, isso a gente diz ia no interior q uando um animal se esbroq ueava, ficava até com dificuldades de caminhar. —Estou com os cascos em ferida, mas vou reerguer a cabeç a“ e reergueu e voltou a luta.

IHU On-Line- Uma das q ualidades q ue se unem à pessoa de Leonel Brizola é sua coerê ncia política, mas há fatos q ue são difíceis de ex plicar, como o apoio dele até o fim ao presidente Collor, sua ligaç ão com Fidel Castro...Como o senhor vê isso? Sereno Chaise- T odo líder tem suas coerê ncias e incoerê ncias. A vida de Briz ola foi uma vida de luta feita de pontos altos e de pontos baix os. N ó s divergimos há seis anos, nunca mais

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

38

conversamos. Eu acho q ue, no fim da vida dele, afloraram mais essas incoerê ncias. M as, isso nã o desmerece toda a luta pela q ual ele viveu e morreu pelo povo trabalhador e pelo desenvolvimento de nosso Estado e de nosso país. Isso tudo foi muito maior de q ue os defeitos q ue evidentemente ele tinha, como todos temos.

IHU On-Line- Qual foi a principal divergê ncia entre o senhor e Brizola? Sereno Chaise- F oi a ruptura de um acordo q ue nó s fiz emos com o P T , q uando O lívio D utra era governador do Estado. N ó s tínhamos feito uma alianç a depois de um amplo debate interno no P D T , depois de faz ermos reuniõ es com os vereadores, os prefeitos, o P artido tinha na época 30 coordenadorias no interior, realiz amos reuniõ es em todas elas, discutindo o assunto. F inalmente, reunimos o diretó rio regional e por voto praticamente unâ nime foi aprovada a coligaç ã o e começ amos a participar do G overno O lívio D utra, baseados numa decisã o profunda do P artido. D ois anos depois, o Briz ola resolveu simplesmente desfaz er aq uilo. M as eu me neguei. C omo a gente faz , a gente desfaz . S e a alianç a foi fruto de um longo debate interno, vamos faz er um novo debate e se a maioria resolver voltar atrá s, o faz emos. Essa foi minha divergê ncia principal.

IHU On-Line- Atualmente ao q ue o senhor está mais dedicado? Sereno Chaise- A o trabalho como diretor da C ompanhia de G eraç ã o térmica de Energia Elétrica. Energia produz ida à base do carvã o, aproveitando essa riq uez a do R io G rande. É uma imensa riq uez a de nosso Estado q ue o mundo inteiro usa para energia. H oje, no mundo, 42% da energia produz ida é originá ria do carvã o. N a A lemanha, esse percentual chega a 55% , nos EU A é de 42% , aq ui no Brasil infeliz mente é de 1,2% , e o carvã o brasileiro está localiz ado aq ui no R io G rande. A luta de aproveitar o carvã o para gerar energia é basicamente do R io G rande do S ul. H oje o carvã o brasileiro está assim dividido: 0 ,5% no P araná , 9 ,5% em S anta C atarina, na regiã o de C riciú ma e 9 0 % aq ui no R io G rande do S ul. O aproveitamento dele para gerar energia, como todo o mundo faz , é a nossa causa.

“A HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA NÃO DEVE SER ESQUECIDA” Entrevista com Flávia Schilling

A soc ió log a e professora na F ac uldade de E duc aç ã o da U S P , F lá v ia S c hilling v iv eu sua histó ria familiar muito lig ada à fig ura de L eonel B riz ola. T endo sido protag onista de um dos momentos mais difíc eis para Amé ric a L atina, nas dé c adas de 1 9 6 0 -1 9 7 0 , F lá v ia c onc edeu uma entrev ista ao IH U O n-L ine tentando olhar para o passado c om o c uidado pró prio de uma histó ria rec ente à q ue falta muito por esc larec er. S anta-c ruz ense, F lá v ia S c hilling tem uma trajetó ria pec uliar. E mb ora tenha permanec ido fora do B rasil durante q uase todo o período militar, tev e sua v ida, de c erta forma, determinada pelo 3 1 de març o de 1 9 6 4 , q uando seu pai, o jornalista P aulo S c hilling , se v iu forç ado a b usc ar ex ílio no U rug uai. Integ rante do M ov imento de L ib ertaç ã o Nac ional (M L N), junto a outros milhares de adolesc entes, F lá v ia partic ipou de div ersos atos de protesto nas ruas de M ontev idé u. D urante uma perseg uiç ã o, ela reag e à prisã o, lev a um tiro no pesc oç o e g raç as aos proc edimentos c irú rg ic os c onsiderados milag rosos, sob rev iv e. D epois de passar c inc o semanas internada no H ospital M ilitar, F lá v ia é transferida para a prisã o feminina de P unta Rieles, b airro loc aliz ado há 1 4 q uilô metros do c entro de M ontev idé u, onde permanec e até a manhã do dia 20 de junho de 1 9 7 3 . C onsiderada uma prisioneira perig osa, ela e mais oito c ompanheiras sã o lev adas para suc essiv os q uarté is. A ex periê nc ia dramá tic a se estende por mais sete anos. C onfinamento em c alab ouç os, inc omunic aç ã o total e humilhaç ões de todo o tipo. D urante o período em q ue estev e presa no U rug uai, F lá v ia S c hilling tev e seu nome pub lic ado em div ersos artig os e reportag ens de jornais. A reg ional do C omitê B rasileiro pela Anistia, S eç ã o G aú c ha c oletou

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

39 assinaturas em fav or da sua lib ertaç ã o. U ma v olumosa q uantia de dinheiro œ C r$ 3 0 9 .0 0 0 ,0 0 œ foi c oletada para ser entreg ue ao g ov erno urug uaio para a soltura da santa-c ruz ense. A lib erdade v eio no dia 1 6 de ab ril de 1 9 8 0 , c inc o anos antes do fim do reg ime militar no B rasil. F lá v ia é atualmente memb ro do c onselho c onsultiv o do Instituto S ou da P az . G raduada em P edag og ia pela P U C S P , F lá v ia é mestre em E duc aç ã o pela U nic amp, c om dissertaç ã o intitulada E studos sob re Resistê nc ia. É doutora em S oc iolog ia pela U S P , e sua tese tem o título C orrupç ã o: ileg alidade intolerá v el? C omissões P arlamentares de Inq ué rito e a luta c ontra a c orrupç ã o no B rasil (1 9 8 0 -1 9 9 2). É autora de Livros Querida Família. P orto Aleg re: E ditora C oojornal, 1 9 7 8 ; Querida Liberdade. S ã o P aulo: E ditora G lob al, 1 9 8 0 ; Violência Urbana: dilemas e desafios. S ã o P aulo : E ditora Atual, 1 9 9 9 ; Corrupção: ilegalidade intolerável? CPIs e a luta contra a corrupção no Brasil (1980-1992). S ã o P aulo: E ditora do IB C C rim/ C entro Jurídic o D amá sio de Jesus, 1 9 9 9 .

IHU On-Line- Quais as lembranç as mais vivas q ue você tem da relaç ão entre seu pai e Leonel Brizola? Flávia Schilling- A histó ria familiar está absolutamente ligada à presenç a de Briz ola. A partir da publicaç ã o do livro A q uestã o do trig o e do trabalho do meu pai na formaç ã o de cooperativas, ele foi chamado para compor a assessoria econô mica do Briz ola, q uando era governador do R io G rande do S ul. F iz eram trabalhos muito bons, ex tremamente importantes e precursores, na gestã o agrá ria. M arcante foi a defesa da legalidade, em 19 61. D e muitas formas, naq ueles tempos, foi criada a perspectiva da construç ã o de um Brasil democrá tico, de uma democracia com direitos e inclusiva. C hamo a atenç ã o para isso, pois até hoje este é o desafio maior do Brasil: como construir uma democracia q ue vá além de um mero formalismo, de uma democracia com direitos humanos, com direitos econô micos e sociais?

IHU On-Line- Qual é a imagem q ue você foi fazendo de Brizola e q ual a q ue hoje tem, com as contradiç ões pró prias q ue possa haver? Flávia Schilling - A histó ria de um país é cheia de contradiç õ es, nã o há linearidade, e isso também acontece com a histó ria de um indivíduo, também cheio de contradiç õ es. A potencialidade daq uele Briz ola (com uma confianç a na organiz aç ã o popular) se esvai e penso q ue ele se dedica, nos ú ltimos anos, a uma visã o de política mais restrita, a uma visã o de partido, q ue comporta sempre um grau mais ou menos elevado de burocratiz aç ã o. H oje, o Brasil tem uma realidade de organiz aç ã o da sociedade civil q ue vai muito além dos partidos, q ue constró i, no cotidiano, ex periê ncias de democracia mais profundas do q ue as propostas pelos partidos políticos ex istentes.

IHU On-Line- Recentemente, lembraram-se os 40 anos do golpe militar aq ui e 3 0 no Uruguai, no ano passado. Como avaliaria a resistê ncia ao autoritarismo de seu pai e de Brizola e como foi a sua? Flávia Schilling - F oi uma resistê ncia ex terna, da parte dos ex ilados e interna, de muitos setores da sociedade, q ue nã o deve ser esq uecida. É uma das pá ginas importantes da histó ria brasileira. D a parte do meu pai, foi uma resistê ncia de grande dignidade e integridade, de compromisso real com as transformaç õ es sociais tã o necessá rias neste país.

IHU On-Line- No Uruguai, você esteve muito pró x ima da morte. O q ue se sente ou pensa nesse momento? Como vê a vida, a sociedade, a luta depois de passar por esse momento? Flávia Schilling - A s formas de luta se transformam o tempo todo: nã o há repetiç ã o possível, estã o contex tualiz adas por um momento histó rico e social bem preciso. O conteú do das lutas

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

40

demora mais para transformar-se, gira em torno da possibilidade de justiç a, acesso à justiç a, possibilidade de construç ã o coletiva de uma vida justa em comum.

IHU On-Line- Quais foram os momentos mais duros vividos no Uruguai e como foi seu retorno ao Brasil? Flávia Schilling- O retorno ao Brasil foi difícil para todos. F oi necessá rio reconstruir a vida em todas as suas dimensõ es. C reio q ue foi um processo duro, porém ex itoso, gratificante, como é q ualq uer vida.

IHU On-Line- Havia grandes diferenç as políticas entre seu pai e Leonel Brizola? Flávia Schilling - H avia, principalmente apó s o retorno do ex ílio. M eu pai soube buscar caminhos novos e Briz ola buscou manter-se nos caminhos conhecidos.

IHU On-Line- De q ue maneira, na sua percepç ão do momento, e depois, podiam se detectar as relaç ões entre as ditaduras militares do cone sul, especialmente, entre Uruguai e Brasil? Flávia Schilling - N ã o era visível. H oje há pesq uisas, mas nã o houve uma aç ã o conjunta tã o integrada como a q ue ex istiu entre A rgentina e U ruguai, por ex emplo.

IHU On-Line- A forma de fazer política hoje não é mais a de Brizola, nem, seguramente, a da sua juventude. Onde ficou o impulso de sua geraç ão de construir uma sociedade diferente? Como é canalizado hoje? Flávia Schilling- Este impulso está presente sempre e aparece de muitas e criativas formas: como viver diferentemente e como mudar a sociedade sã o temas constantes para todos nó s, independentemente da geraç ã o e da situaç ã o social. A q uantidade de gente organiz ada em torno de direitos (ambientais, culturais, econô micos) ou de identidades (mulheres, jovens, negros, etc.) muda a face do P aís a cada dia. Este país (mesmo reconhecendo as permanê ncias ou constantes com a desigualdade social) é muito diferente em sua q ualidade do q ue ex istiu em décadas passadas.

ENTRE O PASSADO E O PRESENTE Por Eloisa Helena Capovilla

O depoimento, a seg uir, foi esc rito pela P rofª. D r.ª E loísa C apov illa Ramos, do P P G em H istó ria da U nisinos. E loísa C apov illa é g raduada e mestre em H istó ria pela U F RG S , c om dissertaç ã o intitulada O P artido R epublicano R io-G randense e o poder local no L itoral N orte do R io G rande do S ul, e doutora em H istó ria pela U F RG S , tendo a sua tese o título O teatro da sociabilidade: os clubes sociais como espaç o de representaç ã o das elites urbanas alemã s e teuto-brasileiras - S ã o L eopoldo 18 58 -19 30 . É tamb é m c o-autora do liv ro Sociedade Orpheu: da histó ria de um nome à identidade de um clube. P orto Aleg re: P alotti, 1 9 9 8 . No dia 1 6 de outub ro de 20 0 3 , a professora apresentou o IHU Idéias c ujo tema foi J ú lio de C astilhos e o P R R : da oposiç ã o ao governo. S ob re esse ev ento, pub lic amos uma entrev ista c onc edida pela professora E loísa no IHU On-Line, n.º 7 9 , de 1 3 de outub ro de 20 0 3 . E la estará partic ipando do ev ento A Era Vargas em Questão, a ser realiz ado nos pró x imos dias 23 a 25 de ag osto de 20 0 4 .

—O Briz ola morreu“! —O q uê ? " —É , morreu“!

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

41

F oi assim q ue a notícia se espalhou. D e boca em boca, como um rastilho de pó lvora. A lguns entristecidos, outros sinceramente emocionados e alguns indiferentes mas todos, literalmente todos, comentando o fato, já q ue a morte de L eonel de M oura Briz ola nã o era um acontecimento q ualq uer. T ratava-se de um personagem q ue estivera presente nos ú ltimos 50 anos da vida política sul-rio-grandense e brasileira. A s imagens do período, como num filme, sucediam-se pelo testemunho de uns e outros. N ascido em C araz inho, no R io G rande do S ul, em 22 de janeiro de 19 22, Briz ola iniciou sua vida política em P orto A legre como deputado estadual e federal, chegando a prefeito da C apital (19 55) e governador do Estado do R io G rande do S ul (19 58 ). D aq ui, sua carreira e suas pretensõ es o levaram para o R io de J aneiro, entã o capital do Estado da G uanabara, onde se elegeu deputado federal. C assado e ex ilado em 19 64, retornou ao Brasil em 19 79 , com a anistia. F oi eleito entã o, por duas vez es, governador do R io de J aneiro. F oi candidato à P residê ncia da R epú blica mais de uma vez , mas nã o logrou eleger-se para este cargo. F aleceu no R io de J aneiro, em 21 de junho de 20 0 4. Esta microbiografia nã o nos dá a dimensã o da vida privada nem da vida pú blica de L eonel Briz ola. S ua trajetó ria pessoal, de menino pobre q ue saiu de uma cidade do interior, veio para a C apital, estudou e formou-se em Engenharia C ivil, é vitoriosa. S eus objetivos foram alcanç ados. A crescida a ela está a sua militâ ncia política no P artido T rabalhista Brasileiro (P T B), a partir de 19 45. N esse contex to, é q ue virã o outros aspectos de sua vida privada, como o namoro e o casamento com N euz a G oulart, irmã de J ango. E, nesse mesmo contex to, sua vida de homem pú blico alcanç ará degraus cada vez mais altos. A ssim, aos 36 anos, já era governador do seu Estado natal. N o plano político, era fiel aos princípios do trabalhismo, representado pelo P artido em q ue militava. N acionalista e antiimperialista, estas eram suas bandeiras mais constantes na aç ã o política até os dias atuais. É dentro destes princípios q ue encampa algumas empresas estrangeiras no R io G rande do S ul, q uando governador, nacionaliz ando-as. Em busca do desenvolvimento de seu estado e do seu país, Briz ola aposta, também, na educaç ã o. C omo governador do R io G rande do S ul, construiu centenas de escolas primá rias, (as —briz oletas“), oportuniz ando a real ampliaç ã o do ensino bá sico no Estado. R epetiu a receita q uando governador do R io de J aneiro, com a construç ã o das escolas de tempo integral. P ara ele, a educaç ã o era um princípio fundamental para o desenvolvimento de um país. S ua aç ã o estender-se-á ainda à reforma agrá ria, desenvolvida no â mbito de sua faz enda do —Banhado do C olégio“ em C amaq uã . Estas aç õ es o colocam como um líder à esq uerda, no início dos anos 19 60 . F oi, porém, a defesa da —legalidade“ constitucional, q ue garantiria a posse do vice-presidente da R epú blica, J oã o G oulart, em 19 61, o episó dio q ue mais marcou a vida política de Briz ola. D efendida a ferro e fogo, desde o P alá cio P iratini, a posse do vice-presidente foi garantida sob a lideranç a do governador do R io G rande do S ul. O movimento da L egalidade pode ser interpretado como um ato de convicç ã o, de crenç a nas instituiç õ es democrá ticas, ao mesmo tempo q ue um movimento de rebeldia do líder gaú cho. 19 64 confirmaria a desconfianç a dos militares com as aç õ es de Briz ola e de J ango e indicaria a ruptura total. Ex ilado, começ ava a v ia c ruc is de Briz ola e também o crescimento do seu prestígio como estadista. A volta, depois de 15 anos de peregrinaç ã o —sem lenç o e sem documento“, permitiu-lhe retomar a vida política. M as, a perda da bandeira e da sigla do P T B, numa manobra política dos militares, marcavam as novas condiç õ es de vida no Brasil.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

42

L utador, Briz ola funda o P artido D emocrá tico T rabalhista (P D T ) e nele busca novamente o caminho do ex ecutivo regional, para o q ual foi eleito por mais duas vez es. É nessa sigla partidá ria q ue vai ficar até o fim da vida. S empre líder, sempre autoritá rio, sempre carismá tico. N a q uarta-feira pela manhã , a trajetó ria q ue o grande líder faz ia já nã o era com um microfone ou uma metralhadora, como em 19 61 ou com uma pilcha e uma bandeira do Brasil, como em 19 79 . A gora, o povo, q ue fora seu fiel escudeiro naq uelas oportunidades, estava de novo na rua, mas em silê ncio, vendo passar, pela ú ltima vez , o corpo daq uele q ue tanto admirara. A rua, palco de tantas passeatas de Briz ola, travestia-se de luto, de silê ncios e choros ao receber em seu trajeto o cortejo fú nebre. N a ida e na volta, o processo fora o mesmo. Em novo vô o, Briz ola rumou para S ã o Borja. L á o mesmo cená rio. S ilê ncios, choros, emoç õ es, aplausos. S ã o Borja metamorfoseou-se em cidade-síntese da vida política brasileira contemporâ nea, pela importâ ncia dos q ue a escolheram como sua ú ltima morada. S eu cemitério será doravante, seu ponto mais visitado. S eus homens mortos, continuarã o governando os vivos?

"SENTIREMOS A LACUNA DEIXADA POR BRIZOLA" Por José Odelso Schneider

P roc urados pelo professor e padre José O delso S c hneider, integ rante da á rea de c onc entraç ã o T rab alho, S olidariedade e S ustentab ilidade do IH U , pub lic amos o seu depoimento sob re L eonel de M oura B riz ola. Impressionado c om as massiv as manifestaç ões populares por oc asiã o da perda do importante polític o, José O delso lemb ra seus feitos no dec orrer da trajetó ria de q uase 6 0 anos de v ida pú b lic a.

T odo mundo verificou q ue Briz ola, como pessoa e figura política, marcou o coraç ã o do povo. T odas aq uelas manifestaç õ es durante o veló rio, mais de 20 0 mil pessoas no R io de J aneiro e mais de 50 mil pessoas aq ui no R io G rande do S ul, tentando dar o ú ltimo adeus a ele, evidenciam isso. D urante toda a vida dele, esses longos anos de vida pú blica, sempre manifestou ser uma pessoa coerente com seus princípios e seus ideais, coerente com a visã o q ue tinha de lutar por causas nobres, causas patrió ticas. F oi um político q ue primou na luta por causas e nã o por interesses. N isso ele foi um lutador, um homem corajoso q ue conseguiu iniciar soz inho, em P orto A legre, a C ampanha da L egalidade, q ue em 19 61, com a renú ncia do P residente J â nio Q uadros, iniciou a resistê ncia contra um golpe militar, assegurando a assunç ã o ao poder presidencial de J oã o G oulart. T odo mundo, no começ o, estava contra. Essa atitude de honestidade e integridade ele manifestou durante toda a sua vida. P or maior q ue fosse o cerco e o assédio cerrado q ue a R ede G lobo fez contra ele durante os 8 anos em q ue foi governador do R io de J aneiro, nunca conseguiu surpreendê -lo com "a mã o no pote". S ó isso já é um grande elogio para sua vida pú blica. U ltimamente ele era acusado de anacrô nico, por causa da grande e constante preocupaç ã o q ue tinha em construir uma economia e uma sociedade realmente nacional. N esse sentido, ele era patriota, nacionalista, visando a afirmar e consolidar uma economia nacional, com um empresariado e lideranç as sindicais adultas, mais autô nomas em relaç ã o à s injunç õ es da economia e das finanç as internacionais. P or tudo isso,ele representava bastante esses valores q ue hoje estã o sendo esq uecidos... E o povo, ao dar essas manifestaç õ es de carinho, de apreç o pela pessoa dele, por ocasiã o do seu falecimento, mostrou o q uanto valoriz a esse tipo de políticos q ue hoje estã o escassos no P aís. A classe de políticos empenhados em lutar por causas, por projetos histó ricos de sociedade, está em franca diminuiç ã o, e seu lugar passa a ser ocupado por políticos fisioló gicos, q ue lutam por interesses... Briz ola era um homem q ue alimentava a esperanç a, a possibilidade de construir uma sociedade melhor.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

43

Evidentemente, ele tinha seus defeitos. Era bastante intransigente na defesa de suas idéias, e por isso, gerava atritos dentro e fora do P artido. P or outro lado, como líder e presidente do P artido, ele tinha muita dificuldade em coex istir com outras lideranç as q ue estavam emergindo. O s q ue começ avam a faz er-lhe sombra, em pouco tempo, ele os eliminava, ex pulsava essas lideranç as. P or isso ele perdeu pessoas importantes como D ante de O liveira, J aime L erner, S ereno C haise, e pessoas do R io de J aneiro. T udo por causa de uma atitude caudilhesca. M as, apesar destas limitaç õ es, prevaleceram nele os aspectos positivos. P essoalmente, admirava Briz ola como prefeito de P orto A legre e governador do Estado. D istanciei-me mais dele depois q ue foi para o R io de J aneiro e ingressou na política nacional. A í passei a divergir de certas posturas ex ageradas q ue passou a assumir. M as como prefeito e, sobretudo, como governador, ele foi um homem de muita visã o de futuro. A s grandes obras q ue marcaram o R io G rande do S ul e persistem até hoje, sã o da época dele. P or ex emplo, as famosas ´briz oletas", as escolinhas plantadas em tantos rincõ es interioranos do R io G rande do S ul, levando o ensino fundamental e pú blico aos mais distantes povoados do interior rural, numa época em q ue o Estado nã o se sentia ainda tã o responsá vel pela instruç ã o pú blica. Em 19 79 , q uando voltou ao Brasil, vindo por S ã o Borja, manifestava sua alegria, ao poder divisar do aviã o (q ue voava baix o), as —briz oletas“ ao longo do percurso. Ele abraç ou essa causa com muito carinho e deu-lhe continuidade posteriormente como governador do R io de J aneiro, com os C IEP s, mantendo na escola crianç as e pré-adolescentes por 8 horas, com diversas atividades educativas, artísticas, esportivas, e de cidadania. C omo governador do R io G rande do S ul, ele também começ ou a construç ã o da estrada da produç ã o, a estrada P residente K ennedy . Ele já previa naq uela época q ue a regiã o do planalto era grande produtora de grã os, q ue precisava de boas vias de escoamento da produç ã o. Briz ola igualmente iniciou a implantaç ã o da A ç os F inos P iratini, tã o necessá ria para nosso Estado naq uela época, e a R efinaria A lberto P asq ualini, q ue hoje é de tanta relevâ ncia no processamento dos derivados do petró leo aq ui no R io G rande do S ul. Ele também fundou a C ompanhia de Energia Elétrica do R S , resultado da desapropriaç ã o da empresa canadense Bond and S hare, empresa q ue depois foi parcialmente privatiz ada. Ele também deu grande forç a à criaç ã o e consolidaç ã o do Banrisul. O pró prio J ardim Z ooló gico de S apucaia do S ul é obra dele. N a época, foi muito criticado por isso... P or fim, Briz ola deve ser recordado por ter iniciado a R eforma A grá ria no Brasil, q uando implantou no banhado do C olégio, em C amaq uã , o primeiro assentamento. A pesar de sua avanç ada idade, ele ainda estava participando na elaboraç ã o de um amplo projeto de alternativa nacional, q ue fosse além do atual processo capitalista neoliberal globaliz ado, projeto no q ual se envolvera de corpo e alma nos ú ltimos meses. S entiremos a lacuna do Briz ola como pessoa e como político, mas ox alá as idéias dele permaneç am e possam servir como importantes referenciais na construç ã o de um novo projeto histó rico e de um sistema econô mico e social mais justo, eq ü itativo e participante, q ue preserve a identidade nacional, sem fechar-se ao processo de globaliz aç ã o.

VALE A PENA LER DE NOVO Discurso de Brizola em 28 de agosto de 1961, convocando a Cadeia da Legalidade

"P eç o a vossa atenç ã o para as comunicaç õ es q ue vou faz er. M uita atenç ã o. A tenç ã o, povo de P orto A legre! A tenç ã o R io G rande do S ul! A tenç ã o Brasil! A tenç ã o meus patrícios, democratas e independentes, atenç ã o para estas minhas palavras!

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

44

Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em P orto A legre. F echem todas as escolas. S e alguma estiver aberta, fechem e mandem as crianç as para junto de seus pais. T udo em ordem. T udo em calma. T udo com serenidade e friez a. M as mandem as crianç as para casa. Q uanto ao trabalho, é uma iniciativa q ue cada um deve tomar, de acordo com o q ue julgar conveniente. Q uanto à s repartiç õ es pú blicas estaduais, nada há de anormal. O s serviç os pú blicos terã o o seu início normal, e os funcioná rios devem comparecer como habitualmente, muito embora o Estado tolerará q ualq uer falta q ue, porventura, se verificar no dia de hoje. H oje, nesta minha alocuç ã o, tenho os fatos mais graves a revelar. O P alá cio P iratini, meus patrícios, está aq ui transformado em uma cidadela, q ue há de ser heró ica, uma cidadela da liberdade, dos direitos humanos, uma cidadela da civiliz aç ã o, da ordem jurídica, uma cidadela contra a violê ncia, contra o absolutismo, contra os atos dos senhores, dos prepotentes. N o P alá cio P iratini, além da minha família e de alguns servidores civis e militares do meu gabinete, há um nú mero bastante apreciá vel, mas apenas daq ueles q ue nó s julgamos indispensá veis ao funcionamento dos serviç os da sede do G overno. M as todos os q ue aq ui se encontram estã o de livre e espontâ nea vontade, como também grande nú mero de amigos q ue aq ui passou a noite conosco e retirou-se, hoje, por nossa imposiç ã o. A q ui se encontram os contingentes q ue julgamos necessá rios, da gloriosa Brigada M ilitar - o R egimento Bento G onç alves e outras forç as. R eunimos aq ui o armamento de q ue dispú nhamos. N ã o é muito, mas também nã o é pouco para aq ui ficarmos preocupados frente aos acontecimentos. Q ueria q ue os meus patrícios do R io G rande e toda a populaç ã o de P orto A legre, todos os meus conterrâ neos do Brasil, todos os soldados da minha terra q uerida pudessem ver com seus olhos o espetá culo q ue se oferece. A q ui nos encontramos e falamos por esta estaç ã o de rá dio, q ue foi req uisitada para o serviç o de comunicaç ã o, a fim de manter a populaç ã o informada e, com isso, aux iliar a paz e a manutenç ã o da ordem. F alamos aq ui do serviç o de imprensa. Estamos rodeados por jornalistas, q ue teimam, também, em nã o se retirar, pedindo armas e elementos necessá rios para q ue cada um tenha oportunidade de ser também um voluntá rio, em defesa da legalidade. Esta é a situaç ã o! F atos os mais sérios q uero levar ao conhecimento dos meus patrícios de todo o P aís, da A mérica L atina e de todo o mundo. P rimeiro: ao me sentar aq ui, vindo diretamente da residê ncia, onde me encontrava com minha família, acabava de receber a comunicaç ã o de q ue o ilustre G eneral M achado L opes, soldado do q ual tenho a melhor impressã o, me solicitou audiê ncia para um entendimento. J á transmiti, aq ui mesmo, antes de iniciar minha palestra, q ue logo a seguir receberei S . Ex .ª com muito praz er, porq ue a discussã o e o ex ame dos problemas é o meio q ue os homens civiliz ados utiliz am para solucionar os problemas e as crises. M as pode ser q ue essa palestra nã o signifiq ue uma simples visita de amigo. Q ue essa palestra nã o seja uma alianç a entre o poder militar e o poder civil, para a defesa da ordem constitucional, do direito e da paz como se impõ e neste momento, como defesa do povo, dos q ue trabalham e dos q ue produz em, dos estudantes e dos professores, dos juíz es e dos agricultores, da família. T odos, até as nossas crianç as desejam q ue o poder militar e o poder civil se identifiq uem nesta hora para vivermos na legalidade. P ode significar, também, uma comunicaç ã o ao G overno do Estado da sua deposiç ã o. Q uero vos diz er q ue será possível q ue eu nã o tenha oportunidade de falar-vos mais, q ue eu nem deste serviç o possa me dirigir mais, comunicando esclarecimentos à populaç ã o. P orq ue é natural q ue, se ocorrer a eventualidade do ultimato, ocorrerã o, também, conseq ü ê ncias muito sérias, porq ue nó s nã o nos submeteremos a nenhum golpe, a nenhuma resoluç ã o arbitrá ria. N ã o pretendemos nos submeter. Q ue nos esmaguem! Q ue nos destruam! Q ue nos chacinem, neste P alá cio! C hacinado estará o Brasil com a imposiç ã o de uma ditadura contra a vontade de

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

45

seu povo. Esta rá dio será silenciada tanto aq ui como nos transmissores. O certo, porém, é q ue nã o será silenciada sem balas. T anto aq ui como nos transmissores estamos guardados por fortes contingentes da Brigada M ilitar. A ssim, meus amigos, meus conterrâ neos e patrícios ficarã o sabendo por q ue esta rá dio silenciou. F oi porq ue ela foi atingida pela destruiç ã o e porq ue isso ocorreu contra a nossa vontade. E q uero vos diz er por q ue penso q ue chegamos a viver horas decisivas. M uita atenç ã o, meus conterrâ neos, para esta comunicaç ã o. O ntem à noite o S r. M inistro da G uerra, M arechal O dílio D eny s, soldado no fim de sua carreira, com mais de 70 anos de idade, e q ue está adotando decisõ es das mais graves, as mais desatinadas, declarou através do "R epó rter Esso" q ue nã o concorda com a posse do S r. J oã o G oulart, q ue nã o concorda q ue o P residente constitucional do Brasil ex erç a suas funç õ es legais! P orq ue, diz ele numa argumentaç ã o pueril e inaceitá vel, isso significa uma opç ã o entre comunismo ou nã o. Isso é pueril, meus conterrâ neos! Isso é pueril, meus patrícios! N ã o nos encontramos nesse dilema. Q ue vã o essas ou aq uelas doutrinas para onde q uiserem. N ã o nos encontramos entre uma submissã o à U niã o S oviética ou aos Estados U nidos. T enho uma posiç ã o ineq uívoca sobre isso. M as tenho aq uilo q ue falta a muitos anticomunistas ex altados deste país, q ue é a coragem de diz er q ue os Estados U nidos da A mérica, protegendo seus monopó lios e trustes, vã o espoliando e ex plorando esta N aç ã o sofrida e miserabiliz ada. P enso com independê ncia. N ã o penso ao lado dos russos ou dos americanos. P enso pelo Brasil e pela R epú blica. Q ueremos um Brasil forte e independente. N ã o um Brasil escravo dos militaristas e dos trustes e monopó lios norte-americanos. N ada temos com os russos. M as nada temos também com os americanos, q ue espoliam e mantê m nossa P á tria na pobrez a, no analfabetismo e na miséria. Esses q ue muito elogiam a estratégia norte-americana q uerem submeter nosso povo a esse processo de esmagamento. M as isso foi dito pelo M inistro da G uerra. Isso q uer diz er q ue S . Ex ª tomará todas as medidas contra o R io G rande. Estou informado de q ue todos os aeroportos do Brasil, onde pousam aviõ es internacionais de grande porte, estã o guarnecidos e com ordem de prender o S r. J oã o G oulart no momento da descida. H á pouco falei, pelo telefone, com o S r. J oã o G oulart, em P aris, e disse a ele q ue todas as nossas palestras de ontem foram censuradas. T enho provas. C ensuradas nos seus efeitos, mas a rigor. A companhia norte- americana dos telefones deve ter gravado e transmitido os termos de nossas conversas para essas forç as de seguranç a. H oje eu disse ao S r. J oã o G oulart: "D ecide de acordo com o q ue julgares conveniente. O u deves voar, como eu aconselho, para Brasília, ou para um ponto q ualq uer da A mérica L atina. A decisã o é tua! D eves vir diretamente a Brasília, correr o risco e pagar para ver. V em. T oma um dos teus filhos nos braç os. D esce sem revó lver na cintura, como um homem civiliz ado. V em como para um país culto e politiz ado como é o Brasil e nã o como se viesse para uma republiq ueta, onde dominam os caudilhos, as oligarq uias q ue se consideram todo-poderosas. V oa para o U ruguai, entã o, essa cidadela da liberdade, aq ui pertinho de nó s, e aq ui traç a os teus planos, como julgares conveniente". V ejam, meus conterrâ neos, se nã o é loucura a decisã o do M inistro da G uerra. V ejam, soldados do Brasil, soldados do III Ex ército! C omandante, G eneral M achado L opes! O ficiais, sargentos e praç as do III Ex ército, guardiõ es da ordem da nossa P á tria. V ejam se nã o é loucura. Esse homem está doente! Esse homem está sofrendo de arteriosclerose ou outra coisa. A atitude do M arechal O dílio D eny s é uma atitude contra o sentimento da N aç ã o. C ontra os estudantes e intelectuais, contra o povo, contra os trabalhadores, contra os professores, juíz es, contra a Igreja. A inda há pouco, conversando com S . Ex ª R evma., A rcebispo D . V icente S cherer, recebi a comunicaç ã o de q ue todos os cardeais do Brasil haviam decidido lanç ar proclamaç ã o pela paz , pela ordem legal, pela posse a q uem constitucionalmente cabe governar o Brasil, pelo voto legítimo de seu povo. Essa proclamaç ã o está em curso pelo P aís. A s Igrejas protestantes,

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

46

todas as seitas religiosas clamam por paz , pela ordem legal. N ã o é a ordem do cemitério ou a ordem dos bandidos. Q ueremos ordem civiliz ada, ordem jurídica, a ordem do respeito humano. É isso. V ejam se nã o é desatino. V ejam se nã o é loucura o q ue vã o faz er. P odem nos esmagar, num dado momento. J ogarã o o P aís no caos. N inguém os respeitará . N inguém terá confianç a nessa autoridade q ue será imposta, delegada de uma ditadura. N inguém impedirá q ue este país, por todos os seus meios, se levante lutando pelo poder. N as cidades do interior, surgirã o as guerrilhas para defesa da honra e da dignidade, contra o q ue um louco e desatinado está q uerendo impor à família brasileira. M as confio, ainda, q ue um homem como o G eneral M achado L opes, q ue é soldado, um homem q ue vive de seus deveres, como centenas, milhares de oficiais do Ex ército, como esta sargentada humilde, sabe q ue isso é uma loucura e um desatino e q ue cumpre salvar nossa P á tria. T enho motivos para vos falar desta forma, vivendo a emoç ã o deste momento, q ue talvez seja, para mim, a ú ltima oportunidade de me dirigir aos meus conterrâ neos. N ã o aceitarei q ualq uer imposiç ã o. D esde ontem, organiz amos um serviç o de captaç ã o de notícias por todo o territó rio nacional. É uma rede de radioamadores, num serviç o organiz ado. P assamos a captar, aq ui, as mensagens trocadas, mesmo em có digo e por teletipos, entre o III Ex ército e o M inistério da G uerra. A s mais graves revelaç õ es q uero vos transmitir. O ntem, por ex emplo - vou ler rapidamente, porq ue talvez isso provoq ue a destruiç ã o desta rá dio - o M inistro da G uerra considerava q ue a preservaç ã o da ordem "só interessa ao G overnador Briz ola". Entã o, o Ex ército é agente da desordem, soldados do Brasil? ! É outra prova da loucura! D iz o tex to: "É necessá rio a firmez a do III Ex ército para q ue nã o cresç a a forç a do inimigo potencial". Eu sou inimigo, meus conterrâ neos? ! Estou sendo considerado inimigo, meus patrícios, q uando só o q ue q ueremos é ordem e paz . A ssim como esta, uma série de outras rá dios foi captada até no Estado do P araná , e aq ui as recebemos por telefone, de toda a parte. M ais de cem pessoas telefonaram e confirmaram. V ejam o q ue diz o G eneral O rlando G eisel, de ordem do M arechal O dílio D eny s, ao III Ex ército: "D eve o C omandante do III Ex ército impedir a aç ã o q ue vem desenvolvendo o G overnador Briz ola"; "deve promover o deslocamento de tropas e outras medidas q ue tratam de restituir o respeito ao Ex ército"; "o III Ex ército deve agir com a má x ima urgê ncia e prestez a"; "faç a convergir contra P orto A legre toda a tropa do R io G rande do S ul q ue julgar conveniente"; "a A eroná utica deve realiz ar o bombardeio, se for necessá rio"; "está a caminho do R io G rande uma forç a-tarefa da M arinha de G uerra", e "mande diz er q ual o reforç o de q ue precisa". D iz mais o G eneral G eisel: "Insisto q ue a gravidade da situaç ã o nacional decorre, ainda, da situaç ã o do R io G rande do S ul, por nã o terem, ainda, sido cumpridas as ordens enviadas para coibir aç ã o do G overnador Briz ola". Era isso, meus conterrâ neos. Estamos aq ui prestes a sofrer a destruiç ã o. D evem convergir sobre nó s forç as militares para nos destruir, segundo determinaç ã o do M inistro da G uerra. M as tenho confianç a no cumprimento do dever dos soldados, oficiais e sargentos, especialmente do G eneral M achado L opes, q ue, esperamos, nã o decepcionará a opiniã o gaú cha. A ssuma, aq ui, o papel histó rico q ue lhe cabe. Imponha ordem neste país. Q ue nã o se intimide ante os atos de banditismo e vandalismo, ante esse crime contra a populaç ã o civil, contra as autoridades. É uma loucura. P ovo de P orto A legre, meus amigos do R io G rande do S ul! N ã o desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste P alá cio, numa demonstraç ã o de protesto contra essa loucura e esse desatino. V enham, e se eles q uiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu nã o me retirarei e aq ui ficarei até o fim. P oderei ser esmagado. P oderei ser destruído. P oderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do R io G rande do S ul. N ã o importa. F icará o nosso protesto, lavando a honra desta N aç ã o. A q ui resistiremos até o fim. A

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

47

morte é melhor do q ue vida sem honra, sem dignidade e sem gló ria. A q ui ficaremos até o fim. P odem atirar. Q ue decolem os jatos! Q ue atirem os armamentos q ue tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! J oguem essas armas contra este povo. J á fomos dominados pelos trustes e monopó lios norte-americanos. Estaremos aq ui para morrer, se necessá rio. U m dia, nossos filhos e irmã os farã o a independê ncia do nosso povo! U m abraç o, meu povo q uerido! S e nã o puder falar mais, será porq ue nã o me foi possível! T odos sabem o q ue estou faz endo! A deus, meu R io G rande q uerido! P ode ser este, realmente, o nosso adeus! M as aq ui estaremos para cumprir o nosso dever.

DESTAQUES DA SEMANA

Análise de Conjuntura

“LULA NÃO TEM O DIREITO DE TERMINAR O GOVERNO SEM DEIXAR UMA MARCA”

IHU On-Line reproduz a seg uir trec hos da long a entrev ista c onc edida por C ristov am B uarq ue a Nelson B rev e e M auríc io H ashiz ume, q ue a v eic ularam no portal de notíc ias Agência Carta Maior, em 20 de junho de 20 0 4 . E m suas respostas, C ristov am B uarq ue faz um merg ulho profundo no g ov erno L ula e diz q ue é hora de despertar o P T . C onfira na maté ria de c apa da presente ediç ã o uma entrev ista ex c lusiv a c om o senador C ristov am B uarq ue.

Q uando era ministro da Educaç ã o, o senador C ristovam Buarq ue (P T -D F ) aproveitou um almoç o no P alá cio do Itamaraty para soprar nos ouvidos do presidente L uiz Iná cio L ula da S ilva um pedido q ue há tempos lhe coç ava a língua. A despeito do cargo q ue ocupava, ainda nã o tinha encontrado oportunidade ideal, nas raras audiê ncias de despachos q ue tiveram, para efetivar a seguinte proposiç ã o: "P residente, eu q ueria lhe pedir para a gente faz er um encontro sem gravata nem chuteira", disse C ristovam, ponderando q ue os encontros na G ranja do T orto e nos P alá cios da A lvorada e do P lanalto ou sã o de gravata, em audiê ncias formais, ou sã o de chuteira, q uando a conversa tende a se restringir ao pró prio esporte bretã o. A resposta veio rá pida, em uma demonstraç ã o da agilidade de raciocínio de L ula. "V ocê pode vir jogar descalç o", desconversou o presidente, embutindo na ironia o recado de q ue tal tipo de encontro nã o lhe convinha. O ex -ministro, demitido por telefone pelo presidente na reforma ministerial de cinco meses atrá s, sempre conta essa histó ria para mostrar a dificuldade de diá logo dentro do governo. N esta entrevista, C ristovam conta boa parte do q ue gostaria, mas nã o conseguiu diz er pessoalmente ao presidente nestes 18 meses de governo.

Agê ncia Carta Maior– O q ue o senhor q uis dizer com desestancar a revoluç ão no artigo q ue escreveu para a Folha de S. Paulo [15/06/04]14? Cristovam Buarq ue œ É muito simples do ponto de vista de q ue o Brasil, diferentemente de todos os outros países q ue deram saltos, nã o fez nenhuma revoluç ã o em sua histó ria. O Brasil deu um passo para uma revoluç ã o com a aboliç ã o dos escravos. M esmo assim, foi uma

14 IHU On-Line reproduziu o referido artigo na 106ª edição, de 21 de junho de 2004, páginas 28-29.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

48

revoluç ã o incompleta, porq ue nã o distribuiu terras para os escravos, nã o colocou os filhos dos escravos ou ex -escravos na escola œ o q ue antes era proibido. L iberou os escravos da senz ala, mas jogou-os nas . O Brasil nunca fez uma revoluç ã o no sentido de —toda crianç a na escola“, de —todo trabalhador rural com terra“, uma revoluç ã o na á rea de saú de ou urbana, por ex emplo. A eleiç ã o do L ula, a meu ver, foi um passo revolucioná rio. M as foi uma revoluç ã o no comportamento do eleitorado q ue, pela primeira vez , teve o —atrevimento“ de eleger um trabalhador, alguém q ue veio das camadas mais baix as da populaç ã o e q ue nã o pagou pedá gio à elite. O Brasil já teve alguns presidentes pobres, mas q ue pagaram um dos trê s ou os trê s pedá gios: ou ficaram ricos, ou passaram para o lado dos conservadores, ou fiz eram curso universitá rio. T rê s maneiras de você se afastar do povo. O L ula nã o fez nenhuma dessas trê s coisas. O q ue eu creio q ue se esperava é q ue, logo depois da posse, o L ula começ asse a dar os passos no sentido de completar a aboliç ã o. Essa revoluç ã o de q ue eu falo está estancada desde a P rincesa Isabel. A revoluç ã o estancada nã o se completou desde a aboliç ã o da escravatura. Eu incluo também completar a R epú blica. M as, se a gente fiz er a primeira, a segunda vem. O Brasil tinha, no Império, uma nobrez a e uma plebe. N ó s tiramos o imperador e botamos um presidente, mas continua nobrez a e plebe. O Brasil nã o criou um povo q ue se sinta igualmente cú mplice de um projeto nacional. P or ex emplo, um país onde mais ou menos 15% da populaç ã o gasta R $ 260 mil com a sua educaç ã o, em média, como nó s aq ui. E para os 50 % mais pobres o Estado gasta R $ 3,2 mil. T em uma nobrez a e uma plebe. U ma populaç ã o q ue hoje tem serviç os médicos tã o sofisticados q uanto os dos Estados U nidos e da Europa e outra q ue morre por falta de atendimento. T em uma nobrez a e uma plebe. N ó s, os parlamentares, nos tratamos por —nobres“. N ó s nã o nos tratamos por —cidadã os“. O presidente realmente é um metalú rgico, mas ele continua morando no —P alá cio“ da A lvorada. O presidente norte-americano mora onde? N a —C asa“ Branca. N ã o é —W hite P alace“. T odos os símbolos brasileiros sã o de q ue a R epú blica nã o foi completada. O papel do L ula era desestancar a revoluç ã o, dando os passos iniciais para q ue em 10 , 15 anos ou até 20 22, q uando se completa o bicentená rio da Independê ncia, essa revoluç ã o pudesse estar completada. M as eu acho q ue esses passos nã o foram dados ainda. P or isso q ue eu digo q ue a revoluç ã o continua estancada.

CM – O senhor poderia ex plicar melhor o q ue está por trás da idéia – q ue soa até um pouco preconceituosa - de q ue a “Repú blica dos sindicalistas” pensa no curto prazo porq ue tem mentalidade e não ideologia? CB œ N o Brasil, a gente tem definido o q ue é —petista“. É uma mentalidade positiva: combativa, honesta. Isso é uma mentalidade e nã o é uma ideologia. M as ninguém fala do —petismo“. O —petismo“, sim, ex ige uma ideologia. N a esq uerda anterior ao P T , você tinha —comunista“ e —comunismo“. H oje nã o tem um —petismo“, nã o tem uma ideologia. S e foi preconceituosa, foi para mim também. Eu sou petista, mas eu nã o tenho um farol iluminado pelo —petismo“. Q ual é o conjunto de idéias, de propostas, de compromissos, q ue significa —petismo“? N ã o está claro. Q uando eu falo do presidente e do nú cleo dirigente, eu nã o faç o uma crítica apenas a eles. A direç ã o do partido, da q ual eu sou parte, também está envolvida nisso. É possível q ue individualmente cada um de nó s tenha uma ideologia. M as no conjunto, nó s somos guiados por uma mentalidade ainda. N ã o ex iste ainda o —lulismo“, como havia o —peronismo“ e como J uscelino [K ubitschek ] criou o —desenvolvimentismo“. N ã o precisa ser o nome dele.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

49

N osso governo nã o criou um vocabulá rio novo. T oda revoluç ã o e toda ideologia nova cria um vocabulá rio novo. J uscleino nã o criou só o desenvolvimentismo, criou —Brasília“. É um vocabulá rio novo. E foi criando uma porç ã o de coisas novas como —S udene“.

CM - “Inclusão social” não é um vocabulário novo? CB œ —Inclusã o social“ nã o é só do P T e, além disso, nã o está sendo feito. —Inclusã o social“ seria [um vocabulá rio novo] se virasse a bandeira de todos os ministros. E eu disse isso ao presidente uma vez : J uscelino conseguia q ue todos os ministros se sentissem soldados do desenvolvimento. T odos. H oje, todos os ministros falam o q uê em comum? O [L uiz F ernando] F urlan [ministro do D esenvolvimento] fala em inclusã o social? É a bandeira do F urlan? É a bandeira de q uais outros? O ministro da S aú de tem como bandeira a estabilidade monetá ria? P orq ue inclusã o social ex ige estabilidade monetá ria. U ma vez eu disse isso numa reuniã o de ministros. A liá s, a ú ltima a q ue fui. E nã o q uer diz er q ue eu saí por isso. Estavam lá o [A ntonio] P alocci [ministro da F az enda], o J osé D irceu [ministro da C asa C ivil] e os ministros da á rea social, q ue eram vinte e tantos. Eu disse: —P residente, se o senhor tiver um ministro da Educaç ã o descomprometido com a estabilidade monetá ria, demita. E se tiver um ministro da F az enda descomprometido em garantir toda crianç a na escola, demita. A gora, o senhor deveria chamar os dois e perguntar: para manter a estabilidade e botar todas as crianç as na escola, teremos escolas com ar condicionado ou debaix o de á rvores? V ai ter computador ou só lá pis? M as nunca o ministro da F az enda nã o se sentir um soldado da universaliz aç ã o da educaç ã o e nunca um ministro da Educaç ã o nã o se sentir soldado da estabilidade monetá ria“. N ã o temos esse conjunto de idéias q ue unificaria todos os ministros. A té o —F ome Z ero“, q ue eu digo q ue é o ú nico vocá bulo novo, é tã o restrito q ue nã o pode ser um projeto de naç ã o. N ã o é uma palavra q ue englobe o conjunto da naç ã o. E mesmo assim, nã o dá para diz er q ue todos faz em parte disso. É um programa peq ueno. A liá s, é um projeto. N ã o é uma visã o nova do Brasil.

CM – Como conciliar esse mundo das idéias com o mundo da política? CB œ N o mundo das idéias, ex iste um conjunto de medidas q ue você tem q ue traz er para todas as forç as e lideranç as nacionais: C ongresso, governadores, prefeitos, líderes empresarias e líderes sindicais... P or isso, q uando eu sentei na cadeira de ministro, coloq uei na minha parede e na parede de todos os meus secretá rios uma lista de 31 objetivos até 20 15. C om esses objetivos, você define os meios - incluindo aí o detalhamento em leis - e vai negociar com a política. Eu falei aq ui 20 22, nã o é isso? D e repente, politicamente, você nã o vai conseguir o dinheiro para faz er tudo para 20 22. F ica para 20 50 . A política, nesse caso, é mais fá cil q ue no tempo de J uscelino. A bandeira —inclusã o social“ é muito mais aceita do q ue mudar a capital do P aís. É muito mais fá cil o Brasil gastar dinheiro com inclusã o social hoje do q ue convencer os cafeicultores em investir na indú stria automobilística. N ã o foi fá cil convencer o setor agrícola œ q ue estava acostumado a ex portar os seus produtos e importar o q ue precisava œ comprar aq ui dentro por duas, trê s, q uatro vez es o preç o. A gente esq uece, mas q uando os primeiros carros brasileiros eram fabricados aq ui, eles custavam duas, trê s, q uatro vez es o preç o. Era proibido importar carro. P roibir importaç ã o de carro deve ter sido muito difícil para os deputados da época aceitarem. T rocar seus pontiac s, seus c hev rolet rabo-de-peix e e passar a andar de —fusca“ pelo mesmo preç o. Isso é q ue era difícil: o desenvolvimentismo era mais difícil até q ue o —inclusionismo“, vamos chamar assim.

CM – Será mesmo? O desenvolvimentismo pressupunha o crescimento da riq ueza para os ricos. A inclusão significa você transferir a riq ueza dos ricos para os pobres.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

50

CB œ P rimeiro, era crescimento de riq uez a para os ricos, mas para os outros ricos. N ã o da oligarq uia rural anterior. Era o capital estrangeiro. Eram os setores financeiros q ue estavam com o dinheiro dos agricultores. U m ou outro agricultor mudou de ramo. A maioria nã o mudou. E entre os ricos, há brigas sérias também. A gora, a briga de transferir dos ricos para os pobres, na democracia, vai ex igir q ue o cronograma seja negociado. P or ex emplo, eu defendo q ue a gente precisaria de uns R $ 25 bilhõ es a mais por ano para dar um grande salto na educaç ã o bá sica e superior do Brasil. A gente hoje nã o tem de onde tirar R $ 25 bilhõ es, numa democracia, porq ue as pessoas nã o vã o q uerer abrir mã o. Entã o começ a com R $ 5 bilhõ es. S inaliz a. É aí q ue o L ula é o predestinado. O L ula é o ú nico cara q ue tinha condiç õ es de convencer os ricos. P rimeiro porq ue os ricos temiam perder tudo com ele. Q uando o L ula pedir uma parte, eles vã o respirar fundo: —P ux a, q ue bom, ele só está pedindo isso“. M as tinha q ue ter sido nos primeiros dias. M esmo tendo o voto da elite, a elite estava assustada com a chegada ao poder do L ula, do P T . Ele tinha q ue, naq uela hora, diz er: —Eu vou tirar“. Eu [como governador do D istrito F ederal] tirei R $ 30 milhõ es por ano para o Bolsa-Escola. Eu deix ei de faz er ponte. Eu deix ei de faz er muitas obras. A populaç ã o rica aceitou tranq ü ila. E nã o deix ou de votar em mim por causa disso. E acho q ue nem perdi [a reeleiç ã o] por causa do voto dos ricos. P erdi por uma ilusã o de grupos corporativos. Entã o, dá para aceitar e nã o é preciso tanto: 2% da renda nacional já seriam R $ 40 bilhõ es a mais por ano para gastar para os pobres. E aí, sim, dar um salto completo da aboliç ã o da escravatura em 10 , 15 anos. Estamos vendo o contrá rio. O s jornais de ontem e hoje [16 e 17/0 6] diz em q ue aumentou o nú mero de milioná rios e caiu o poder aq uisitivo dos trabalhadores. Entã o como levar isso para a política? É faz er um grande pacto nacional em q ue se aceite nã o transferir dos ricos para os pobres, mas dos ricos para o governo, q ue transfere em serviç os para os pobres. N ã o adianta transferir a renda monetá ria dos ricos para os pobres, porq ue aí nã o dá para tirar os pobres da pobrez a e ainda —irrita“ os ricos. M as, se você , através do governo, faz com q ue isso chegue aos pobres sob a forma de serviç os, os ricos saem ganhando.

CM – Mas é possível fazer isso com a atual correlaç ão de forç as de compõem o governo, q ue está com dificuldades para manter o reajuste estabelecido para o salário-mínimo? CB œ A dificuldade para aprovar o salá rio-mínimo vem de outras coisas. S e nos primeiros dias de governo, o L ula dissesse q ue manteria o nome Bolsa-Escola e dobraria o seu valor... Ele poderia ligar para o F ernando H enriq ue e diz er: —P residente, eu vou levar adiante o seu projeto do Bolsa-Escola“. V ocê acha q ue o P S D B iria ficar contra? C omo é q ue o P S D B iria ficar contra aumentar o valor do Bolsa-Escola? Impossível! E o F ome Z ero já teria chegado a todo mundo nas primeiras semanas de governo. J á estava tudo pronto. M eu primeiro conflito com o governo, em fevereiro [do ano passado], foi q uando falei para os prefeitos e para a televisã o também q ue o F ome Z ero era o Bolsa-Escola maior. P ara dobrar o Bolsa-Escola, teria custado 20 % do dinheiro q ue estava reservado para o F ome Z ero - R $ 30 0 milhõ es de R $ 1,5 bilhã o. M as aí era diz er: —V ou manter o nome, respeitar a ”paternidade” do presidente F ernando H enriq ue e dobrar o valor“. P oderia multiplicar por q uatro. S e dissesse q ue iria pegar o F undef e transformar em F undeb, você acha q ue o P S D B ficaria contra se fiz esse a vinculaç ã o como continuidade? N a minha posse, eu chamei isso de —seguir adiante e dobrar à esq uerda“. S eguir adiante, porq ue nã o vamos andar em marcha para trá s. A liá s, a frase era: —R ecebo o M inistério em marcha. A gora é pisar no acelerador e dobrar à esq uerda“. T eria apoio. Era uma q uestã o de conversar. O salá rio-mínimo está com essa dificuldade para passar aq ui, porq ue veio goela abaix o. Eu ouvi um senador do P T - q ue nã o é o [P aulo] P aim œ diz er: —N inguém conversou comigo antes e ninguém tentou ouvir os meus argumentos de q ue poderia ser R $ 265, para q ue eu pudesse mudar a minha opiniã o e chegar a R $ 260 “ [trata-se do senador F lá vio A rns, q ue

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

51

votou contra o governo, acompanhando o senador P aulo P aim e a colega S ery s S lhessanrenk o]. O governo nã o conversa com o C ongresso. O C onselho de D esenvolvimento Econô mico e S ocial, por ex emplo. A li nã o tem conversa sobre projeto nacional. A li é uma conversa de interesses œ cada um q uerendo desfiar as suas reivindicaç õ es.

CM – Mas isso é um problema desse governo? A base do governo anterior também reclamava q ue não era ouvida. CB œ Igualz inho. P ode até ser pior, nã o sei. M as é menos justificá vel nesse governo se q uiser faz er as mudanç as. P ara você administrar —continuando“ nã o precisa conversar muito. A gora, para você administrar —mudando“ é preciso conversar muito. D ifícil foi aproveitar a transferê ncia da capital. T irar aq ueles caras do R io de J aneiro, gastar um dinheirã o para faz er a nova capital. E J uscelino conseguiu. D emocraticamente.

CM – Qual é a “Brasília” do Lula? CB - Q uando estava no governo, fiz um documento para o [L uiz ] G ushik en [ministro da S ecretaria de C omunicaç ã o de G overno e G estã o Estratégica], q ue seria a continuaç ã o desse artigo —D esestancar a revoluç ã o“, em q ue eu diz ia q ue o legado do L ula, a —Brasília“ do L ula, seria mudar a situaç ã o da crianç a brasileira. Eu escolheria isso. É uma obsessã o minha, talvez . É possível o L ula diz er: —Eu deix ei, em q uatro anos, uma situaç ã o diferente para as crianç as brasileiras“. D esde o atendimento maternal até o P rimeiro Emprego. U ma série de programas q ue pudesse cuidar da crianç a em todas as suas fases. D a mesma maneira q ue J uscelino precisava de 20 a 30 anos e só ficou cinco, [esses programas] precisariam de 15 anos [completarem o ciclo], q uando essas crianç as novas atendidas estariam terminando o segundo grau. M as começ ava agora. D ava um pontapé e nã o parava mais. Eu defendo isso. É claro q ue ao lado disso tem outra coisa: o Brasil dar um salto para entrar na sociedade do conhecimento, investir em tecnologia, como diz o pró prio G ushik en. E para isso precisa ter educaç ã o, programas de saú de. Eu diria q ue a —Brasília“ de L ula deveria ser a crianç a. E dentro da crianç a, a escola pú blica. E isso q ue eu apresentei nã o fica no genérico: vai de programa em programa. É a carta q ue eu fiz para o G ushik en no dia 1º de janeiro [deste ano]. A proveitei o feriado e fiz essa carta. Entreguei no dia 4. Ele inclusive tirou có pia e distribuiu para outros ministros. Isso eu sei, porq ue alguns vieram me diz er.

CM – O senhor sustenta q ue as coisas poderiam ser feitas ex atamente no começ o do governo Lula, como vários analistas de esq uerda. Não dá mais? Como retomar essa “revoluç ão”, inclusive simbó lica e cultural, depois de ter perdido essa janela de oportunidade do início do governo, apontada pelo senhor? CB œ A inda dá tempo até as eleiç õ es municipais, sem dú vida. D epois das eleiç õ es municipais, só vai ser possível se o P T ganhar. E aí ex istem algumas eleiç õ es simbó licas: se o P T perder em S ã o P aulo, aí eu acho q ue nã o vai mais ter tempo, nã o. P or q uê ? P orq ue aí vai parecer q ue é uma reaç ã o por causa do prejuíz o e nã o mais q uerendo faz er a mudanç a. P erdendo o salá rio- mínimo, já fica difícil. M as, antes de votar o salá rio-mínimo, se o L ula chamasse o S enado e a C â mara, já q ue a C â mara precisa de um afago para mudar agora o salá rio-mínimo e dissesse: —Eu errei ao nã o ouvir você s antes. Q uero pedir desculpas por nã o ter discutido com você s o salá rio-mínimo e mostrado os argumentos do governo para nã o dar mais q ue R $ 260 por q ue é ó bvio q ue por mim eu daria mais. Eu sabia q ue nã o dava para dar mais, mas cometi um erro: nã o ter chamado você s para conversar. M as vamos discutir como é q ue a gente pode complementar esse salá rio-mínimo“. E aí apresentar um projeto desse [como o das crianç as]. —V amos faz er a revoluç ã o q ue o Brasil precisa. Eu q uero q ue você s apó iem nã o é só R $ 15 a

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

52

mais, nã o. Eu q uero q ue você s apó iem R $ 10 0 a mais no salá rio-mínimo. M as nã o vai para o salá rio-mínimo. Esses R $ 10 0 vã o para o F undeb, para o programa de á gua e esgoto, para o Bolsa-F amília“. S ó para colocar uma crianç a a mais na escola sã o pelo menos R $ 20 a mais para o salá rio-mínimo. É a merenda. N ã o é o q ue o governo gasta, q ue é menos do q ue isso, mas é o q ue vale. C omer uma refeiç ã o, direitinho, custa pelo menos R $ 1 por dia, 20 dias em um mê s. E diz ia mais: —V amos apresentar isso como uma vitó ria de você s do C ongresso. Eu nã o q uero q ue seja uma vitó ria minha. A vitó ria é do C ongresso“. E aí nã o faz porq ue há uma certa arrogâ ncia na maneira como nó s ex ercemos o poder. A esq uerda toda tem um pouco isso. Ela é tã o convencida de q ue está certa q ue, muitas vez es, fica arrogante. E eu me incluo entre esses também, pela nossa formaç ã o. A gente está tã o certo, cada um de nó s, de q ue estamos do lado do povo, q ue a gente nem faz um pouco de afago ao povo e também aos parlamentares. Eu digo isso, mas no meu M inistério eu afaguei muito o C ongresso, talvez por já ter sido eleito e saber q ue um dia voltaria para cá . Eu tratei bem o C ongresso, gastava horas e horas em audiê ncias. R ecebi acho q ue uns 60 % dos parlamentares no primeiro ano e alguns muitas vez es. A inda é tempo e o passo é chamar o C ongresso e ir além desse negó cio de R $ 15 a mais. N ã o em dinheiro porq ue vai pesar na P revidê ncia e nã o vai resolver nada o problema do trabalhador. V amos de outra maneira. E o L ula é o homem preparado, pronto para isso. T alvez seja um problema o fato de q ue o L ula seja tã o forte no contato direto com o povo q ue menosprez a a intermediaç ã o do C ongresso. Isso é um problema dos líderes carismá ticos fortes. Eles, em geral, acham q ue prescindem da intermediaç ã o do C ongresso. S ó q ue, de acordo com a C onstituiç ã o, nã o adianta o povo estar a favor se o C ongresso vota contra. N ã o vira lei. O presidente pode passar q uatro anos sem faz er as coisas e sair carregado nos braç os do povo só pelo seu carisma. M as nã o deix a nenhuma marca se nã o passar pelo C ongresso. E o L ula nã o tem o direito de nã o deix ar marca. O L ula nã o tem o direito de sair nos braç os do povo e nã o deix ar uma marca para as pró x imas geraç õ es, um legado. A lém disso, ele só sairá nos braç os do povo sem deix ar uma marca se for no primeiro mandato. Em oito anos, ninguém perdoa. Q uatro já é difícil perdoar se ficar apenas na base da conversa, do carisma. O ito é impossível na base do carisma. O ito é na base das mudanç as.

“Não há espaç o no governo para discutir um projeto de naç ão”

Neste trec ho da entrev ista, o ex -ministro C ristov am B uarq ue ex plic a por q ue está usando a imprensa para faz er suas c rític as ao g ov erno. E le diz q ue proc urou faz er isso de forma direta, mas nã o enc ontrou espaç o. —Q uando foi a ú ltima v ez q ue o L ula sentou c almamente, durante uma tarde inteira - em um fim-de-semana ou até em um dia da semana em q ue nã o foi ao P alá c io do P lanalto -, c om H é lio Jag uarib e, c om C â ndido M endes, c om C elso F urtado, c om Az iz Ab ´S ab er, c om Antô nio C â ndido? “

Agê ncia Carta Maior – O senhor utiliza uma ex pressão – e provavelmente seja um dos primeiros apoiadores do governo a fazê -lo - q ue é rotineiramente empregada pela oposiç ão q ue é “o governo tinha um projeto de poder, mas não tinha um projeto para o futuro do País”. Isso não pode ser encarado pelo presidente como uma crítica desleal? Cristovam Buarq ue œ S ã o duas coisas diferentes: se [a crítica] é ou nã o leal ou se é certa ou errada. O presidente poderia diz er: —É desleal faz er isso em um artigo em vez de me diz er“. M as eu já disse, na medida do possível. S ó q ue nã o há grandes espaç os para conversas dentro do governo. Em nenhuma reuniã o de M inistérios houve q ualq uer discussã o. A s reuniõ es de M inistérios eram para cada ministro falar o q ue estava faz endo. Eu me atrevi a fugir disso umas duas ou trê s vez es e acho q ue nã o fui bem recebido. O pró prio L ula disse, saiu no jornal: —O C ristovam vem aq ui e fala de outra coisa e nã o da pasta dele“. E olha q ue eu nã o consegui falar

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

53

tanto. Eu tive duas, trê s, q uatro audiê ncias. T alvez nem isso. E também nã o ia falar de outra coisa q uando tinha q ue resolver problemas do M inistério. N ã o é deslealdade nesse sentido de ir para o jornal por falta de espaç o. E mesmo assim, eu disse: fiz essa carta ao G ushik en e eu mandava muitos e-mails para o presidente por meio da secretá ria dele. E-mails bem curtinhos para nã o tomar tempo q ue o presidente nã o tem. Inclusive em letras bem grandes, porq ue ele, como eu, precisa ler de ó culos. A té a gente botar o ó culos, a gente q ue é ocupado já duvida se lê . Escrevia pará grafos com letras bem graú das para nã o precisar usar ó culos. Entã o, nã o foi desleal nesse sentido. A gora, se foi eq uivocada ou nã o? Eu acho q ue nã o foi eq uivocada e eu comecei a perceber isso no começ o do governo, q uando, nos primeiros despachos com o chefe da C asa C ivil, eu percebi q ue nã o havia espaç o para discutir nada conceitual. N ã o havia espaç o para discutir um projeto de Brasil. A s discussõ es eram pontuais, como essa aq ui [do S enado]: ganha ou nã o ganha o salá rio-mínimo. Q uando eu levei a proposta de garantir uma vaga para cada crianç a no dia em q ue ela fiz er 4 anos de idade na escola mais pró x ima de onde ela mora - q ue está no programa de governo -, nã o houve uma discussã o do q ue isso representaria do ponto de vista transformador. A discussã o foi: —M as isso vai criar problemas com os prefeitos porq ue q uem vai por nas escolas sã o os prefeitos e nã o vai custar nada ao governo federal“. N a verdade, nã o vai custar nada aos prefeitos. N a hora em q ue você colocar uma crianç a dentro da escola, ela vai ficar sentada no chã o. U ma hora depois vai aparecer uma cadeira para ela. Ela vai dividir a merenda q ue já está lá . M as daí a um mê s aparece mais merenda. A gente transformaria necessidade em demanda. N ecessidade é uma crianç a na calç ada da escola. D emanda é ela dentro da escola sem banco para sentar. L á fora ela nã o demanda, ela necessita. S enti desde esse início q ue nã o havia espaç o nem interesse de conversar projetos de naç ã o. S alvo com o G ushik en. O G ushik en ainda tentava discutir algo maior, mas ele também caiu no pontual do gerenciamento da comunicaç ã o. A cho q ue a crítica q ue faç o nã o é desleal e nã o está eq uivocada. P osso até ser convencido de q ue esteja... P or outro lado, mesmo q ue eu fosse e conversasse com o presidente œ e depois q ue eu saí do M inistério eu nã o tive mais nenhum contato, ninguém me ligou, ninguém me chamou, a nã o ser agora na hora do salá rio mínimo, q uando eu disse q ue votaria —nã o“ ou me absteria se nã o houvesse a negociaç ã o de um choq ue social, aí o P alocci esteve comigo -, morreria ali dentro. Essa falta de diá logo é ruim. T odo presidente tem um grupo de pessoas, em geral críticas, com q uem ele conversa de vez em q uando. T odos. A migos e nem tã o amigos. O s empresá rios hoje se ressentem muito da falta de diá logo também para diz er o q ue pensam. U m dia desses esteve aq ui uma investidora americana de bilhõ es de reais q ue nã o conseguiu uma audiê ncia com ninguém do governo. O F ernando H enriq ue organiz ava encontros desses q ue ninguém sabia e recebia empresá rios para conversar no A lvorada. A gora eu acho q ue o L ula nã o pode ficar conversando só com empresá rios. Ele tem q ue receber também outros grupos. Q uando foi a ú ltima vez q ue o L ula sentou para conversar nã o como presidente falando, mas como presidente ouvindo pessoas relacionadas com o problema da terra, do meio ambiente? N ã o lembro. N ã o sei. O u pessoas q ue nem nessas corporaç õ es estã o. P essoas q ue pensam o Brasil. Q uando foi a ú ltima vez q ue o L ula sentou calmamente, durante uma tarde inteira - em um fim-de-semana ou até em um dia da semana em q ue nã o foi ao P alá cio do P lanalto -, com H élio J aguaribe, com C â ndido M endes, com C elso F urtado, com A z iz A b´S aber, com A ntô nio C â ndido? É preciso. O s grandes presidentes, como [F rank lin] R oosevelt [dos EU A ], tiveram esses grupos, grupos diferentes, q ue nã o estã o atrá s de cargo, q ue nã o estã o atrá s - como nó s ministros sempre estamos, nã o vamos mentir œ de parecer bem com presidente. M inistro tem q ue sair da audiê ncia deix ando o presidente contente. S e nã o, o cargo dele danç a. O ministro senta ali diante de um chefe. Esses nomes q ue eu disse sentariam diante de uma pessoa q ue

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

54

eles respeitam: nã o é o chefe, é o presidente. M inistro raramente tem peito para diz er as coisas para valer.

Deu nos jornais

Brizola e as eleiç ões de 1989 —Briz ola sempre viu o interesse nacional acima de sua natural ambiç ã o pelo poder. C onvém recordar, embora nã o seja agradá vel para muitos, a proposta q ue fez , publicamente, a L ula, no desastrado pleito q ue elegeu F ernando C ollor. Ele pressentiu q ue se ele e L ula renunciassem à s respectivas candidaturas, em favor de M á rio C ovas, o político paulista chegaria ao segundo turno e venceria as eleiç õ es. O estado-maior de L ula fez q ue nã o ouviu a sugestã o do líder gaú cho - e deu no q ue deu.“ —F oi um b eau g este, uma vez q ue ele e L ula estavam bem pró x imos um do outro nas intenç õ es de voto, durante a primeira fase da campanha, e todos sabemos q ue, em política, muitas vez es, um candidato, com sua renú ncia, transfere mais votos do q ue realmente tem. H á sempre uma simpatia para q uem demonstra renú ncia, e suas recomendaç õ es costumam ter efeito na opiniã o pú blica“. A recordaç ã o é de M auro S antay ana, jornalista, e colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense, em artigo publicado pela Agência Carta Maior, 22-6-0 4.

Brizola e as eleiç ões de 2006 —N os ú ltimos meses, minhas conversas incessantes com Briz ola eram dominadas por um ú nico tema: como livrar o P aís de ter de escolher em 20 0 6 entre duas coaliz õ es políticas - uma organiz ada em torno do P T e do presidente atual e a outra, em volta do P S D B e do presidente anterior - q ue representam o mesmo projeto ruinoso. P rojeto q ue o povo brasileiro tentou e nã o conseguiu substituir na eleiç ã o presidencial de 20 0 2“. œ revela R oberto M angabeira U nger, professor de direito na U niversidade H arvard, autor do livro A Alternativa Transformadora em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 23-6-0 4. S egundo ele, —as discussõ es com Briz ola tiveram desfecho num plano audacioso - inteiramente fora dos cá lculos - de intervenç ã o na sucessã o presidencial, a ser debatido e revisto e sujeito aos contratempos de q ualq uer aç ã o empreendida contra a corrente. Briz ola pediu-me q ue memorializ asse por escrito essa proposta. A ssim fiz em longa carta, entregue q uando ele já nã o a podia ler, em 21 de junho, dia de sua morte. A gora estamos todos nó s, os inconformados, muito mais só s“.

Brizola ou Stedile. Mas veio Lula! —R ecordo q ue, q uando vieram as eleiç õ es e me perguntaram q ual seria o meu candidato, respondi: ”Briz ola ou S tedile. S ã o guerreiros. E, muitas vez es, isso é fundamental.‘ M as veio L ula. É um operá rio, honesto, e dele só podemos esperar tempos melhores“. O depoimento é de O scar N iemey er, arq uiteto e um dos criadores de Brasília e autor dos projetos do S ambó dromo do R io e dos C entros Integrados de Educaç ã o P ú blica (C ieps) construídos nos governos de Briz ola no R io em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 23-6-0 4.

"Apó s eleiç ão de Lula, continuamos a nos enganar” —O Brasil é obrigado a gerar 4,25% de superá vit para atender seus compromissos de pagamento de juros. T enho feito uma pergunta a muitas pessoas (economistas, políticos, empresá rios, dirigentes sociais e sindicais, presidentes de organismos internacionais), sem obter nenhuma resposta, e faç o essa pergunta aos leitores: se a Europa e os EU A , q ue

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

55

arrecadam o mesmo tanto ou mais impostos do q ue o Brasil, nã o conseguem impulsionar a economia a ponto de gerar trabalho com 3% a 4 % de déficit, como o Brasil conseguirá faz ê -lo com 4,25% de superá vit? “ —N enhuma pessoa, organiz aç ã o ou empresa tem condiç õ es de se desenvolver, comprometendo um terç o de sua renda ou faturamento para pagar juros. A no apó s ano, eleiç ã o apó s eleiç ã o, governo apó s governo, continuamos a nos enganar“ diz G rajew . P ara ele, somente a redistribuiç ã o de renda fará o P aís crescer e gerar trabalho e para isso —espero q ue nossas lideranç as governamentais, empresariais e sociais, a sociedade em geral, tomem consciê ncia da gravidade da situaç ã o, desse faz -de-conta q ue vivemos, e tracem um novo rumo para o nosso pobre e ao mesmo tempo tã o rico e promissor Brasil“.

Leonel Brizola. Outra visão —P or diferentes formulaç õ es, muitos dos q ue comentaram a morte de L eonel Briz ola coincidiram na idéia de q ue ali se encerrou uma era, um ciclo ou, o q ue é q uase o mesmo, desapareceu ”o ú ltimo populista‘. É possível. M as nã o indiscutível“. A tese é do jornalista J anio de F reitas na sua coluna publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 24-6-0 4. Ele faz uma aná lise judiciosa e muito pertinente. P ara ele, —pode-se, e talvez se deva, com mais raz ã o identificar em 19 9 5 o encerramento de um ciclo, no sentido q ue lhe foi dado pelos comentá rios. C om o governo de F ernando H enriq ue q ue entã o se inicia, a conjunç ã o de poder político, meios de comunicaç ã o e interesses internacionais impõ e o abandono de concepç õ es presentes, e determinantes, em pelo menos seis décadas e meia da vida brasileira, fosse regime democrá tico ou ditadura, fossem q uais fossem o presidente, o ditador, a composiç ã o política no poder ou a corrente militar dominante. A ampla variaç ã o de graus do nacionalismo, entre a obstinaç ã o rígida e a aceitaç ã o por conveniê ncia, constituiu um ideá rio q ue em nenhum momento, pelo menos desde a R evoluç ã o de 30 até 19 9 5, deix ou de integrar cada parte da vida política e econô mica. R ejeitá -lo nunca passou de ato individual, e assim mesmo tã o ex cepcional, q ue conferiu uma identidade ex tra à s pessoas de q ue o ”entreguista‘ R oberto C ampos se tornou referê ncia“. Ele constata: —A partir de 19 9 5, o Brasil torna-se um apê ndice do sistema internacional de ex ploraç ã o financeira dos países secundá rios, sistema a q ue, como parte do seu jogo, os interessados deram o nome amorfo de mercado. J á por aí o q ue se instalou, a partir de 19 9 5, foi uma concepç ã o absolutamente nova de funç ã o do governo, da riq uez a nacional e da relaç ã o entre presente e futuro“. E J anio de F reitas conclui o artigo q ue merece ser lido na íntegra afirmando: —A partir de 19 9 5 instaura-se o predomínio do combate à inflaç ã o à custa dos investimentos governamentais, dos deveres gerais para com a populaç ã o e do empobrecimento nacional por falta do necessá rio e possível crescimento econô mico. S empre secundá rias na prá tica, as raz õ es sociais da ex istê ncia de governo deix aram de figurar nas concepç õ es dominadoras do país. O governo tornou-se dispensado do compromisso com a populaç ã o. M esmo com dois mandatos, um governo nã o bastaria para encerrar um ciclo histó rico. M as o governo L ula confirma o encerramento“.

Quem ganhou as eleiç ões foi Lula, não o PT! —É preciso observar q ue q uem ganhou a eleiç ã o foi o líder carismá tico L uiz Iná cio L ula da S ilva, com uma mensagem profundamente social, sustentada pelos princípios ex postos na famosa ”C arta aos Brasileiros‘“ - afirma A ntonio D elfim N etto, economista, deputado federal em artigo publicado no jornal Valor Econômico, 22-6-0 4. —T ais compromissos estã o longe de coincidir com os programas do P artido dos T rabalhadores em suas dez enas de ”aggiornamentos‘. S e tivessem remanescido nos velhos compromissos eleitorais com os resíduos do marx ismo de ”pé-q uebrado‘ q ue sempre dominou as assembléias do partido, ele provavelmente nã o teria sido

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

56

eleito. É por isso q ue o P T tem de conformar-se q ue q uem ganhou a eleiç ã o foi o carisma de L ula, apoiado num programa q ue muito pouco tinha a ver com o P artido“.

Brasil forma 7 mil doutores por ano —O Brasil forma 7 mil doutores por ano. D estes, 60 % , ou seja, 4,2 mil sã o de á reas ligadas a desenvolvimento tecnoló gico. U ma meta seria q ue 20 % fossem absorvidos por empresas como primeiro emprego, como na Inglaterra“. A informaç ã o é do físico J osé F ernando P erez , diretor científico da F undaç ã o de A mparo à P esq uisa de S ã o P aulo (F apesp) em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, 23-6-0 4. E ele continua: —O P aís investe pesadamente em sua formaç ã o; formar um doutor custa por baix o R $ 20 0 mil. É despesa do contribuinte. S e você multiplicar isso por 7 mil, verá q ue o Brasil investe R $ 1,4 bilhã o por ano para formar este pessoal e nã o tem retorno à altura“. P ara ele, —o papel da universidade nã o é faz er desenvolvimento tecnoló gico, mas sim induz i-lo pela formaç ã o de recursos humanos. Esse é o desafio. D eve-se criar uma cultura de pesq uisa dentro da empresa, q ue ainda nã o ex iste. A prova de q ue a inovaç ã o se dá dentro delas sã o as patentes. N os EU A , no má x imo 3% sã o de origem acadê mica, 9 7% vê m da empresa“. E cita um ex emplo: —V eja a lâ mina de barbear: antes tínhamos de desmontar todo o aparelho para mudar a lâ mina. P ara chegar ao aparelho atual houve uma série de inovaç õ es incrementadas q ue ex igiram muita engenharia e pesq uisa. Isso deve ser feito dentro da empresa, até por uma q uestã o de proteç ã o da concorrê ncia. A universidade nã o consegue dar esse ritmo“.

A editoria D eu nos jornais foi elab orada em parc eria c om o C entro de P esq uisa e Apoio aos T rab alhadores œ C E P AT .

Frases da semana

Leonel Brizola. Depoimentos —Ele se inscreve na tradiç ã o do q ue se chamou de populismo no Brasil, q ue foi eq uivocadamente interpretado político-sociologicamente como ligado ao fascismo. F oi uma forma autoritá ria da inclusã o da classe trabalhadora na cena política“. œ Francisco de Oliveira, soció logo, - Folha de S. Paulo, 22-6-0 4.

—N ó s, gaú chos, temos um profundo orgulho de L eonel Briz ola, por tudo q ue ele significou para o nosso país e por tudo q ue ele legou com a sua conduta de homem honrado e probo“. œ , ministro da Educaç ã o e ex -prefeito de P orto A legre - Folha de S. Paulo, 22-6-0 4.

—N o tú mulo de Briz ola o epitá fio pode ser simples: L eonel Briz ola, patriota, 19 22 - 20 0 4“. - Mauro Santay ana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense, em artigo publicado pela Agência Carta Maior, 22-6-0 4.

—L eonel Briz ola, o velho leã o da esq uerda radical brasileira“ - manchete do jornal espanhol El País - 23-6-0 4.

—N uma carta a O sw aldo A ranha, G etú lio V argas escreveu: ”V ivemos numa pobrez a franciscana em matéria de idéias políticas‘. C om a morte de L eonel de M oura Briz ola, um raro político de idéias pró prias, aumentou a pobrez a do debate político brasileiro“. - Marco Antonio Villa, historiador, é professor do D epartamento de C iê ncias S ociais da U niversidade F ederal de S ã o C arlos e autor de Jango, um Perfil (1 9 4 5 -1 9 6 4 ) (editora G lobo) - Folha de S. Paulo, 23-6-0 4.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

57

Brizola e o PT no governo —C omo é q ue pode o P T , ao chegar ao governo, mudar? Isso é coisa de um país surrealista“. Leonel Brizola em 17-5-20 0 3, sobre o governo L ula - O Globo, 22-6-0 4.

—N ã o tenho dú vida de q ue, entre a eleiç ã o dele (de L ula) e a decisã o de formar seu governo, aconteceu alguma coisa. L ula levou um apertã o na moleira tã o grande q ue alterou a linha de pensamento dele. V ocê s nã o acham q ue é isso? A li aconteceu alguma coisa. Eu entã o digo o seguinte: passei a observar o governo e nã o tem maneira, tem q ue baix ar o porrete“. - Leonel Brizola, no ú ltimo discurso feito em S ã o P aulo, no dia 4 de junho de 20 0 4 - O Globo, 23-6-0 4.

“Não faç as, Lula, um governo medíocre e acovardado” —V amos diz er a verdade: L ula teve o q ue mereceu. Q ue presidente é esse q ue nã o pode comparecer ao veló rio de um antigo aliado e companheiro de lutas, sem ser hostiliz ado e correr risco de agressã o? S e Briz ola tivesse feito um ú ltimo apelo ao presidente da R epú blica, poderia ter dito, imagino: ”N ã o faç as, L ula, um governo medíocre e acovardado. N ã o foi para isso q ue o Brasil te elegeu‘“. - Paulo Nogueira Batista Jr, economista - Folha de S. Paulo, 24-6-0 4.

Ainda o salário mínimo —O governo teve uma vitó ria no painel, mas uma derrota na sociedade. O ptaram pela responsabilidade fiscal com o F undo M onetá rio Internacional (F M I) em detrimento da responsabilidade social com os trabalhadores“. - Ivan Valente, deputado federal (P T -S P ), comentando a vitó ria do G overno na q uestã o do salá rio-mínimo - Folha de S. Paulo, 24-6-0 4.

Reforma agrária e o agronegó cio —N este momento, a reforma agrá ria q ue defendemos nã o vai se viabiliz ar se nã o mudar o modelo econô mico. O agronegó cio produz dó lares, mas nã o comida. O M S T continuará sua luta, até q ue caia o ú ltimo latifú ndio do P aís“. - João Pedro Stedile, coordenaç ã o nacional do M S T - Jornal do Brasil, 22-6-0 4.

O verdadeiro desenvolvimento: um projeto nacional —O verdadeiro desenvolvimento - nã o o ”crescimento econô mico‘ q ue resulta da mera moderniz aç ã o das elites- só pode ex istir ali onde houver um projeto social subjacente“. - , economista, citado por R ubens R icupero, secretá rio geral da U nctad - Folha de S. Paulo, 20 -6- 0 4.

—O nde estará o nosso projeto? , interpela-nos a voz de C elso F urtado. Ele nã o pode, é ó bvio, resumir-se à luta contra a fome. S erá possível construir autê ntico projeto de ”promoç ã o de todos os homens e do homem como um todo‘ sobre a base dos contravalores do cassino financeiro? “ - Rubens Ricupero, secretá rio geral da U nctad - Folha de S. Paulo, 20 -6-0 4.

EVENTOS IHU

Participe das atividades do Instituto Humanitas Unisinos

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

58 Terra habitável: Um desafio para a humanidade N o dia 23 de junho, reuniu-se a comissã o organiz adora do S impó sio Internac ional T erra hab itá v el: U m desafio para a humanidade. O simpó sio celebrará a memó ria do centená rio do nascimento de Balduíno R ambo (19 0 5-20 0 5), do cinq ü entená rio da morte de T eilhard de C hardin e o centená rio do annus mirab ilis de Einstein. O simpó sio tem como objetivo geral —discutir alternativas, para q ue o ser humano e as instituiç õ es possam tornar o planeta T erra mais habitá vel, com base em uma visã o transdisciplinar da economia, da física, da ecologia e da teologia, celebrando a memó ria do centená rio de nascimento de Balduíno R ambo, do cinq ü entená rio da morte de T eilhard de C hardin e o centená rio do annus mirab ilis de Einstein“. O simpó sio será realiz ado de 16 a 19 de maio de 20 0 5, na U nisinos e organiz ado pelo Instituto H umanitas U nisinos.

Ciclo de estudos sobre “O método”, de Edgar Morin F oi realiz ado no ú ltimo dia 24 de junho, o S eminá rio sob re o v olume III: O c onhec imento do c onhec imento, durante o evento C ic lo de estudos sob re —O mé todo“, de E dg ar M orin. O P rof. D r. J osé R oq ue J unges foi o responsá vel pela ex planaç ã o e pela conduç ã o do debate. P rofessor no P P G em S aú de C oletiva da U nisinos e participante do grupo temá tico T eologia, do IH U , J osé R oq ue J unges concedeu uma entrevista ao IH U O n-L ine sobre o tema do evento na ú ltima ediç ã o, de nú mero 10 6.

Ecos do evento

O professor soube resumir um pensamento tã o complex o como o de Edgar M orin. A chei interessante a q uestã o da relaç ã o cérebro-espírito, em q ue se apresenta conceitos dessas duas teorias, duas cisõ es tã o diferentes. A prox imá -las e compará -las é algo desafiador".

Prof. Dr. Êlvaro Valls, professor no PPG em Filosofia da Unisinos.

"Edgar M orin é interessante por sua complex idade, pela q uestã o do conhecimento a partir do cruz amento interdisciplinar. É por esse motivo q ue leio suas obras. É lamentá vel q ue ainda ex ista, inclusive dentro da pró pria F ranç a, uma restriç ã o q uanto à transdisciplinaridade, por parte do pensamento ocidental especializ ado. Este é um viés a ser visto como alternativa na academia".

Enildo Carvalho, mestrando em História na Unisinos e professor em São Leopoldo.

"O P e. R oq ue conseguiu, de maneira didá tica, sintetiz ar o conteú do da obra apresentada. D estaco, em sua ex planaç ã o, a q uestã o da dimensã o do conhecimento q ue comporta a diversidade e a multiplicidade. O pensamento de M orin, sempre independente, muda nossa maneira de ver as coisas".

Gisele Mello, graduada em Filosofia e especialista em Cooperativismo pela Unisinos.

IHU Idéias O P rof. D r. O sw aldo G iacoia J unior, do D epartamento de F ilosofia da U nicamp, foi o responsá vel por apresentar, na ú ltima q uinta-feira, dia 24 de junho, o evento IH U Idéias, cujo

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

59

tema foi L imites é tic os da pesq uisa c ientífic a: reflex ões a propó sito da g ené tic a. C onfira a opiniã o de q uem prestigiou a atividade:

Ecos do evento

"G ostei da forma irô nica e inteligente com q ue o professor passou seu recado. P orém achei a discussã o deslocada da realidade, considerando o aspecto técnico. É preciso ter cuidado com ex tremistas q ue se baseiam em idéias erradas e acabam invalidando as discussõ es. N ã o é filosofando durante 20 anos q ue vamos resolver os problemas da humanidade".

Eduardo Battistella, pesquisador no Mestrado em Computação Aplicada da Unisinos.

"A palestra foi muito interessante pelo assunto abordado, q ue é bastante pertinente. O IH U Idé ias é um espaç o fascinante, onde pessoas de diferentes á reas podem discutir um mesmo assunto sob pontos de vista diversos. Em sala de aula, nã o há espaç o para debates tã o proveitosos como esse q ue tivemos hoje".

Vanessa Curvello, aluna de Publicidade e Propaganda da Unisinos.

Ciclo de Estudos sobre Michel Foucault N a ú ltima ediç ã o do C iclo de Estudos sobre M ichel F oucault, realiz ada na q uinta-feira passada, dia 24 de junho, o professor D r. O sw aldo G iacoia J unior, da U nicamp, abordou a temá tica F ouc ault e a arq ueolog ia da soc iedade c ontemporâ nea.

Ecos do evento

"A temá tica foi ó tima e poderia ter sido mais ex plorada. O professor G iacó ia é uma pessoa bastante capacitada, mas nã o foi legal o fato de ele ler a palestra. F oucault é um pensador com uma riq uez a de idéias muito grande, e deveríamos ter mais tempo para ficar discutindo essas idéias. Q uatro encontros foi pouco".

Maria Cristina Basso Vely, graduada em Historia pela UCS e especialista em História Social da Cidade pela Unisinos.

"O evento foi muito bom, e a palestra do professor G iacó ia foi ex celente, porq ue contou com a participaç ã o dos alunos, proporcionando um encerramento bacana para evento. O C ic lo foi muito importante, pois me possibilitou uma atualiz aç ã o de F oucault, autor q ue utiliz o há tempo nos estudos do C urso de P ó s-G raduaç ã o em D ireito, na q uestã o da arq ueologia do poder. A palestra q ue destaco nesse evento foi a do professor H enriq ue N ardi. M ichel F oucault é um autor de tamanha importâ ncia, porq ue se baseia em N ietz che, q ue mudou o sentido da F ilosofia. A ssim como ele, F oucault é um diagnosticador da realidade. S eu pensamento nos aux ilia na vivê ncia diá ria das instituiç õ es e em fenô menos como o D ireito".

Diego Viola Marty, graduado em Direito, especialista em Direito Penal e Economia pela Unisinos e mestrando em Direito na Unisinos.

Era Vargas em Questão

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

60

P or ocasiã o do cinq ü entená rio da morte de G etú lio V argas, surge a necessidade de debater o legado da Era V argas. O Instituto H umanitas U nisinos, em parceria com o P rograma de P ó s- G raduaç ã o em H istó ria da U nisinos, promove o S eminá rio Nac ional E ra V arg as em Q uestã o. O evento se realiz ará de 23 a 25 de agosto de 20 0 4 na U nisinos e tem como objetivo analisar criticamente a Era V argas; refletir sobre o seu significado para o desenvolvimento socioeconô mico brasileiro; e descrever os principais aspectos econô micos, sociais, educacionais, políticos e culturais da Era V argas. O S eminá rio é dirigido à comunidade acadê mica da U nisinos e das escolas de Ensino M édio da regiã o metropolitana de P orto A legre. S erá fornecido certificado de participaç ã o aos inscritos, q ue deverã o pagar a tax a de R $ 50 ,0 0 . P aralelamente à s conferê ncias e oficinas do evento, ocorrerá a E x posiç ã o E ra V arg as em Q uestã o, de 23 de agosto a 22 de setembro de 20 0 4, no Espaç o C ultural do IH U , aberta à visitaç ã o.

Confira o programa sujeito a alteraç ões: 23 de agosto 20 h à s 21h15min - P alestra: A Era V argas: o seu impacto na histó ria sociopolítica brasileira œ P rof. D r. L uiz W erneck V ianna œ IU P ER J C oordenador da mesa: P rof. D r. W erner A ltmann - U nisinos 21h15min à s 22h - D ebate

24 de agosto 9 h à s 10 h15min œ Era V argas: seu contex to socioistó rico, político e econô mico œ P rof. D r. M arco A ntonio V illa œ U F S C A R C oordenadora da mesa: P rof.ª D r.ª Eloísa C apovilla da L uz R amos - U nisinos 10 h30 min à s 11h30 min - D ebate

14h à s 17h œ O ficinas: O F 0 0 1 V argas e P eró n: uma confluê ncia no populismo e seu contraponto cardenista œ P rof. D r. W erner A ltmann œ U nisinos œ S ala 1C 10 8 O F 0 0 2 A política educacional na Era V argas œ P rof.ª D r.ª Berenice C orsetti œ U nisinosœ sala 1C 10 9 O F 0 0 3 A cultura na Era V argas œ P rof.ª D r.ª Eloísa C apovilla da L uz R amos œ U nisinosœ sala 1C 110 O F 0 0 4 V argas, campo religioso brasileiro e identidade nacional œ P rof. D r. A rtur C esar Isaia œ U F S C œ sala 1C 111

19 h45min à s 21h15min œ O modelo econô mico da Era V argas: impactos na sociedade brasileira - P rof. D r. P edro D utra F onseca œ U F R G S C oordenadora da mesa: P rof.ª D r.ª Berenice C orsetti - U nisinos 21h15min à s 22h - D ebate

25 de agosto 9 h à s 10 h15min œ O M ovimento O perá rio na Era V argas: o movimento sindical, as greves e os partidos políticos œ P rof. D r. M arco A urélio S antana - U N IR IO C oordenador da mesa œ P rof. D r. Iná cio N eutz ling - U nisinos 10 h30 min à s 11h30 min - D ebate

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

61

14h à s 15h30 min œ D epoimentos C oordenador da mesa: P rof. M S L aurício N eumann - U nisinos 14h à s 14h30 min - L auro H agemann 14h30 min à s 15h - J oã o A veline 15h à s 15h30 min - D ebate

16h à s 17h œ C onferê ncia: G etú lio V argas e a revoluç ã o brasileira œ P rof. D r. G ilberto V asconcellos - U F J F C oordenador da mesa: P rof. D r. N ilton M ullet P ereira - U nisinos 17h à s 17h45min œ D ebate

20 h à s 21h15min - C onferê ncia: T estemunho sobre o período V argas œ 19 50 -54 œ L eonel de M oura Briz ola œ P D T (com o falecimento de L eonel Briz ola, serã o mudados o tema e a palestra) C oordenador da mesa: P rof. D r. W erner A ltmann - U nisinos 21h15min à s 22h œ D ebate

Estudando as Religiões e Encontro com líderes religiosos O P rograma G estando o D iá logo Inter-R eligioso e o Ecumenismo (G D IR EC ) do IH U promove, no início do mê s de julho, dois eventos. N o dia 7, a Igreja Episcopal A nglicana será objeto de estudo no evento E studando as Relig iões, q ue acontece das 17h à s 18 h30 min, na sala 1G 119 do IH U . J á no pró x imo dia 8 de julho, o G D IR EC organiz a mais um E nc ontro c om líderes relig iosos, das 8 h30 min à s 12h, na S ala do C onselho das C iê ncias H umanas da U nisinos.

IHU REPÌRTER

Giancarlo Medeiros Pereira

E le aprendeu desde peq ueno uma liç ã o sob re a persistê nc ia. D uas frases reg em sua v ida: "toda pressa req uer relativ a c alma"; e "faç a sempre alg o a mais". A primeira, ouv ia da b oc a de seu av ô , e a seg unda, de seus pais. E sse é o professor G ianc arlo M edeiros P ereira, c oordenador do c urso de E ng enharia de P roduç ã o, q ue, na ediç ã o de hoje, nos c onta sua histó ria de v ida.

Origens - N asci em G ravataí, q ue, na época, ainda era uma cidade agrícola. M inha família era toda de empresá rios, principalmente meu pai e meu avô materno, com q uem convivi bastante. M as eram empresas típicas de cidades do interior, como a do meu pai, q ue era de indú stria de alimentos. T enho dois irmã os mais novos. M eu irmã o do meio mora na A lemanha e ensina portuguê s para alemã es q ue q uerem vir para o Brasil. M eu irmã o mais novo é ex ecutivo de uma multinacional, em P orto A legre. M inha mã e era professora.

Ex periê ncia de infâ ncia - Q uando crianç a, tive um problema de saú de muito sério. M inha mã e fez uma promessa e durante mais de um ano eu vinha todo final de semana na missa no S antuá rio do P adre R eus. N ã o foi um período fá cil. A empresa do meu pai teve algumas crises.

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

62

Entã o eu convivi muito com a luta contra as dificuldades e como administrá -las. A prendi como lidar com a instabilidade do mercado, em q ue uma hora a empresa está bem e outra está mal. M eu pai e minha mã e costumavam repetir: —a coisa vai melhorar, tenha fé“. F oi uma liç ã o de persistê ncia na minha vida.

Formaç ão - Estudei o primeiro e o segundo grau no C olégio D om F eliciano, em G ravataí. Era um colégio particular q ue meu avô ajudou a fundar, lutando pelo estudo misto, pois só ex istiam colégios para meninos. Ele ainda nã o tinha filhos na época. M ais tarde, a filha dele, minha mã e, estudou lá , eu estudei e hoje meus filhos também. C oncluído o segundo grau, matriculei-me na U F R G S para o vestibular em A dministraç ã o de Empresas. N esse tempo, a empresa do meu pai foi vendida. A í mudei meus planos e fiz vestibular para Engenharia M ecâ nica na P U C . D epois de ter cursado um semestre na P U C , em 19 8 1, ouvi falar muito bem da U nisinos por membros de indú strias metalú rgicas q ue estavam chegando a G ravataí. F iz vestibular para o mesmo curso e iniciei aq ui na U nisinos. M esmo assim, nunca perdi o gosto pela A dministraç ã o e descobri q ue o Engenheiro de P roduç ã o é um híbrido, é um "transgê nico". T em um pouco de Engenharia e um pouco de A dministraç ã o. A pareceu, entã o, o M estrado em Engenharia de P roduç ã o da U F R G S . F ormei-me na segunda turma e, desde a primeira semana de aula, me identifiq uei e vi q ue esse era meu caminho. Em 19 9 9 , ingressei no doutorado em Engenharia de P roduç ã o na U S P . Em dois anos e meio, terminei o curso, num recorde da escola paulista. C redito essa rapidez a meu orientador, P rof. Israel Brunstein, o q ual era bastante rígido q uanto a praz os e rigores acadê micos, ao mesmo tempo em q ue foi flex ível ao permitir q ue eu fiz esse uma tese q ue se encaix ava em meus anseios pessoais. N esse contex to, redigir a tese foi um grande praz er.

Profissão - A inda durante a graduaç ã o, comecei a trabalhar numa multinacional alemã em G ravataí onde fiq uei durante seis anos. L á eu era assessor técnico da D iretoria. Eu era responsá vel pelo parecer técnico em negociaç õ es de centenas de milhares de dó lares. D epois disso, um grupo de alemã es me convidou para ser gerente na A mérica do S ul de uma consultoria alemã . Eu era responsá vel pela parte de M anufatura A ssistida por C omputador. N aq uela época, nã o ex istia isso e eu adorava desafios. Em 19 8 7, um ano depois de me formar na graduaç ã o, fui convidado para dar aula na U nisinos. O s alunos q ueriam muito q ue se investisse em automaç ã o na U niversidade. M inhas horas foram aumentadas e começ amos a montar os laborató rios e a contratar um grupo de profissionais q ue pudesse prestar um serviç o de q ualidade aos alunos. H oje, 14 anos depois, temos ex celentes eq uipamentos, bem como profissionais dedicados e competentes, fato esse q ue só nos traz elogios por parte dos alunos.

Mudando as leis - Q uando eu entrei na U nisinos, os cursos de Engenharia M ecâ nica e Engenharia de P roduç ã o eram muito parecidos. Eles haviam sido montados com base em uma lei de 19 76, totalmente obsoleta. P ara mudar a situaç ã o, era preciso primeiro mudar a lei. A partir de 19 9 4, comecei a participar das comissõ es da A ssociaç ã o Brasileira de Engenharia de P roduç ã o. D urante 5 anos, participei de todos os congressos, sendo mais um na luta pelo rumo pró prio da Engenharia de P roduç ã o. Em N atal, em 19 9 9 , conseguimos aprovar o documento q ue consistia no divó rcio da Engenharia de P roduç ã o das engenharias tradicionais. O rgulho-me muito de ter participado disso. D e posse das novas orientaç õ es da comunidade acadê mica nacional, fiz emos, entã o, uma reformulaç ã o no currículo do curso. F oi um verdadeiro "cavalo- de-pau", a cirurgia mais profunda q ue já fiz em toda a minha vida. A partir daí, assumi a coordenaç ã o ex ecutiva do curso de Engenharia de P roduç ã o, depois de ter trabalhado um bom tempo na coordenaç ã o adjunta do curso de Engenharia M ecâ nica. O resultado desse processo

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

63

é q ue conseguimos estancar a grande evasã o q ue o curso tinha. N a época, para cada 20 ou 25 aprovados no vestibular, um chegava ao final do curso. H oje, passados apenas 5 anos da mudanç a curricular, temos para cada 4 ou 5 ingressantes um formando. E o q ue é mais importante, um formando satisfeito com sua opç ã o pela U nisinos. A s liç õ es auferidas no citado processo me sã o muito ú teis em minhas participaç õ es na F IER G S e nas associaç õ es empresariais do setor calç adista.

Coordenaç ão de curso - O q ue mais me agrada nesse trabalho é harmoniz ar o trabalho entre os professores q ue vê m das correntes da administraç ã o e das correntes da engenharia, para q ue se aceitem e se completem no trabalho com os alunos. A lém disso, o fato de ter selecionado uma eq uipe docente altamente q ualificada muito me orgulha. S ou um feliz ardo por poder contar com tantos talentos. Q uanto ao aluno, bem o aluno q uer ser aceito e entendido. S ex tas-feiras à noite, minha sala esta sempre cheia de alunos de diversos níveis do curso, e até, de alunos já formados pela Instituiç ã o. N esses momentos, além de tentar ajudá -los em seus problemas, aproveito para sondar a percepç ã o dos mesmos acerca da q ualidade do curso. Isso é muito interessante.

Família - Eu tive algumas namoradas, mas a primeira namorada q ue foi à minha casa foi com q uem casei. Eu e a R ejane estamos juntos há 15 anos. Ela é maravilhosa. T emos dois filhos, o G iuseppe, de 14 anos, e o T arcísio, de 12. U m ó timo ex ercício para aprimorar minhas atividades de coordenador de curso é ser pai de pré-adolescentes. V ocê aprende q ue sã o as palavras q ue movem o mundo. É complicado ensinar aos meus filhos q ue a vida nã o é fá cil, q ue é preciso ser persistente e, ao mesmo tempo, flex ível.

Autor - L uís F ernando V eríssimo.

Livro - Rumo à cultura, de L . R iboulet. M eu avô ganhou esse livro de um padre, q ue era amigo dele, e depois me deu.

Filme - T ró ia, de W olfgang P etersen, pela forma como os líderes guerreiros argumentam. C omparei com a maneira dos ex ecutivos agirem.

Um presente - Q ualq uer um, desde q ue dado de coraç ã o. G osto muito de cartõ es, desde q ue contenham palavras manuscritas por aq uele q ue os oferece.

Nas horas livres - P assear com a família e escrever. A doro viajar de carro. T enho dois livros (Profissão: A Hora da decisão q ue escrevi para minha sobrinha e Persuasão: As melhores práticas executivas, o q ual fundamenta minhas aulas no M BA .) A lém disso, estou começ ando a escrever artigos para uma revista de S ã o P aulo.

Um sonho œ N o plano pessoal, meu sonho é ver meus filhos feliz es e realiz ados, tendo encontrado o caminho certo. N o plano profissional, sonho em viabiliz ar a abertura do M estrado em Engenharia de P roduç ã o na U nisinos. P recisamos urgentemente disso, porq ue é uma lacuna a ser preenchida. A U F R G S rejeita cerca de 10 0 alunos a cada ano. A lém disso, o M estrado nos diferenciará positivamente das outras Instituiç õ es q ue oferecem cursos de EP .

Momentos marcantes - A s conversas q ue eu tinha com meu avô materno, q uando ele costumava diz er "toda pressa req uer relativa calma".

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004

64

Unisinos - U ma instituiç ã o q ue representa hoje muito mais do q ue q ualq uer um pode imaginar. s vez es, nã o nos damos conta do papel q ue a U nisinos tem na sociedade e o q uanto a mesma espera de nó s. C om efeito, a maioria dos estudantes dessa casa tê m, na educaç ã o, a ú nica opç ã o para a concretiz aç ã o do sonho de uma vida mais digna. Isso aumenta, e muito, nossa responsabilidade.

IHU - O Instituto H umanitas tem o papel de nos faz er refletir sobre nó s mesmos, sobre o mundo q ue nos cerca e sobre as posiç õ es q ue estamos adotando. Isso faz parte da missã o da U nisinos.

EXPEDIENTE: IH U O n-L ine é uma pub lic aç ã o semanal do Instituto H umanitas U nisinos œ IH U œ , da U niv ersidade do V ale do Rio dos S inos - U nisinos. C oordenador do IH U : P rof. D r. Iná c io Neutz ling (inac io@ b ag e.unisinos.b r). C oordenadora Adjunta: P rofª M S V era Reg ina S c hmitz (v erasc @ poa.unisinos.b r). Redaç ã o: Iná c io Neutz ling , S onia M ontañ o (soniam@ b ag e.unisinos.b r), P edro L uiz S . O só rio (osorio@ b ag e.unisinos.b r) M tb 4 5 7 9 , e G raz iela W olfart (g raz iela@ poa.unisinos.b r). Rev isã o: P rofª M ardilê F riedric h F ab re (mardile@ c entauro.unisinos.b r). C onsultoria: Ag ê nc ia E x perimental de C omunic aç ã o (Ag ex C om). IH U O n- L ine c irc ula às 2ªs feiras v ia e-mail e pode ser ac essado no sítio w w w .ihu.unisinos.b r. S ua v ersã o impressa c irc ula na U nisinos. E ndereç o: Av . U nisinos, 9 5 0 œ S ã o L eopoldo, RS . C E P 9 3 0 22-0 0 0 E -mail: ihuinfo@ poa.unisinos.b r . F one: 5 1 5 9 0 3 3 3 3 œ Ramais 4 1 21 ou 4 1 28 . E -mail do IH U : humanitas@ poa.unisinos.b r . Ramais: 1 1 7 3 e 1 1 9 5 .

IHU On-Line, São Leopoldo, 28 de junho de 2004