As Memórias Do Quilombo Dos Palmares Nas Alagoas Oitocentista
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As Memórias do Quilombo dos Palmares nas Alagoas Oitocentista Danilo Luiz Marques1 Resumo: Objetivamos, nesta comunicação, discutir a batalha de memórias em torno do Quilombo dos Palmares ocorrida nas Alagoas oitocentista. O Quilombo mais emblemático do período colonial brasileiro, foi formado em fins do século XVI, tendo seu auge ao longo da segunda metade do século XVII, resistindo por mais de um século às tentativas de invasão e destruição. Após cerca de vinte expedições sem sucessos no plano de exterminar Palmares, o governador da Capitania de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, contratou o bandeirante Domingos Jorge Velho. Suas forças, bem armadas e municiadas, invadiram o Quilombo e assassinaram o líder Zumbi em 1695. O Quilombo, apesar de findada a guerra no século XVII, tem uma forte relação com a história da formação da Província de Alagoas no século XIX. O espaço alagoano foi formado à “sombra” da simbologia de Palmares, as elites se utilizaram de um discurso negativo em relação aos aquilombados da Serra da Barriga, algo reforçado na memória local através de uma educação oficial que vangloriava a vitória das forças contrárias aos quilombos. As autoridades alagoanas temiam que outro “Palmares” voltasse a existir, o temor aumentou com as notícias que circulavam em todo o Brasil acerca dos ocorridos no Haiti entre 1791 e 1804 e das Revoltas dos Malês na Bahia. Este “medo” existiu na mentalidade das elites alagoanas até o fim dos oitocentos, algo que pode ser constatado através dos relatórios provinciais, documentação policial e os códigos de posturas municipais. Em contrapartida, ocorreu a formação de uma identidade negra da quilombagem, a qual arraigava um ideário de liberdade vinculado à memória do Quilombo de forma positiva na mentalidade popular, tendo o “Auto do Quilombo” como uma das práticas culturais que realçavam esta memória. Palavras-chave: Memória, História, Escravidão, Decolonialidade. Palmares, o Quilombo mais emblemático do período colonial brasileiro, foi formado em fins do século XVI, tendo o seu auge ao longo da segunda metade do século XVII, resistindo por mais de um século às tentativas de invasão e destruição. Após cerca de vinte expedições sem sucesso no plano de exterminar Palmares, o governo da Capitania de Pernambuco contratou as tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho, suas forças, bem armadas e municiadas, invadiram o Quilombo e assassinaram o líder Zumbi em 1695. O Quilombo, apesar de findada a guerra no século XVII, tem uma forte relação com a história da formação da Província de Alagoas no século XIX. O espaço alagoano foi formado à “sombra” da simbologia de Palmares, as elites se utilizaram de um discurso negativo em relação aos aquilombados da Serra da Barriga, algo reforçado na memória local através de uma educação oficial que vangloriava a vitória das forças contrárias aos quilombos. O Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano (antigo IAGA e atual IHGAL) teve uma participação ativa nesse processo, publicando em suas 1 Doutorando em História Social pela PUC-SP, bolsista pela CAPES. [email protected] revistas artigos que marginalizavam os palmarinos. As autoridades alagoanas temiam que outro “Palmares” voltasse a existir, o temor aumentou com as notícias que circulavam em todo o Brasil acerca dos ocorridos no Haiti entre 1791 e 1804 que desencadearam em uma revolução escrava e das Revoltas dos Malês na Bahia na primeira metade do século XIX. Esse “medo” existiu na mentalidade das elites alagoanas até o fim dos oitocentos, algo que pode ser constatado através dos relatórios provinciais, documentação policial e códigos de posturas municipais. Em contrapartida, ocorreu a formação de uma identidade negra da quilombagem, a qual arraigava um ideário de liberdade vinculado à memória do Quilombo de forma positiva na mentalidade popular (SANTOS, 2013, pp. 7-33), tendo, segundo alguns folcloristas, o “Auto do Quilombo” como uma das práticas culturais que realçavam essa memória. Propomos nesta comunicação, refletir como se configurou na sociedade alagoana do século XIX a memória entorno do episódio de Palmares, para isso, utilizaremos como fonte documental os artigos sobre Palmares existentes na revista do Instituto Arqueológico e Geográfico de Alagoas (IAGA), e a bibliografia existente em torno da prática cultural Quilombo. O IAGA, um dos primeiros institutos históricos do país, foi fundado em dezembro de 1869, alguns de seus fins eram: coligir, trasladar, verificar e publicar documentos e tradições históricas da Província; descrever os monumentos antigos e conservá-los; examinar e assinalar os vestígios existentes em lugares notáveis, promovendo a coleção de monumentos e inscrições, que perpetuassem a lembrança de fatos acontecidos; obter e conservar fotografias e desenhos de monumentos que possam ter qualquer valor histórico; estudar a geografia da Província2. O primeiro volume de sua revista seria lançado em 1872, tendo como artigo inicial a Chronica do Penedo, de José Prospero Jehovan da Silva Caroatá. Segundo o próprio autor, o texto seria “um tributo de amor à terra Natal” (CAROATÁ. 1872, pp. 02-07), onde faz uma breve descrição da história da Província de Alagoas, passando pelos temas do povoamento, fundações das vilas e cidades, ocupação holandesa, e a Guerra de Palmares, descrita da seguinte maneira: Este quilombo, que já em tempos dos hollandezes causava muitos damnos, augmentando com o correr dos anos prodigiosamente o número de seus habitantes, chegou a constituir-se um inimigo terrivel nesta parte da capitania; opprimiam os pretos com frequentes insolências e latrocínios os moradores de Penedo e de outros povoados, assim como os do centro. [...] Fortificados no alto d’uma montanha, onde plantaram muitas palmeiras ao sitio, poderam triumphar durante cincoenta anos dos assaltos repetidos que os povos eram forçados a dar-lhes. [...] Mas em 1695 reunindo- se os povos de Penedo, Alagoas, S. Miguel, Porto Calvo e Pernambuco, em numero de mais de mil e quinhentos homens, fizeram um rigoroso sitio nos palmares e 2 Informações contidas na apresentação da primeira edição da Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano. Número 1, dezembro de 1872. conseguiram extinguir o quilombo, depois de arrombadas as portas da estacada. O chefe dos negros chamado Zumbi e seus principaes companheiros, vendo-se perdidos, suicidaram-se, atirando-se do cimo de um rochedo alcantilado (CAROATÁ. 1872, pp. 02-07). A tida como, “história oficial”, constituída pelo Instituto Arqueológico e Geográfico de Alagoas, visava criminalizar os aquilombados de Palmares e vangloriar as ações dos bandeirantes que destruíram o Quilombo. O IAGA, juntamente com os institutos históricos brasileiro e pernambucano, publicaram artigos e documentos sobre o Quilombo dos Palmares, onde prevaleciam imagens que anulavam a importância do Quilombo para a sociedade do século XIX, referendando brevemente as conquistas das tropas coloniais. A historiadora Andressa Merces Barbosa dos Reis, documentou a existência de três artigos envolvendo a temática de Palmares na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB - (REIS, 2004, pp. 46-55), dentre eles, destacamos o Memória dos feitos que se deram durante os primeiros annos de guerra com os negros quilombolas dos Palmares, seu destroço e paz aceita em junho de 1678, de autoria do alagoano Pedro Paulino da Fonseca. Nessa publicação, encontramos uma narrativa que visava caracterizar os aquilombados de Palmares como o “outro”, o inimigo, tendo um perfil semelhante aos textos da Revista do IAGA, não por coincidência, Pedro Paulino da Fonseca era sócio do IAGA. A tradição dessa narrativa que buscava colocar o Quilombo “como o outro, o inimigo” vem da escrita dos cronistas coloniais contemporâneos ao período da Guerra de Palmares; este pensamento servia como subterfúgio para unir a sociedade colonial contra os palmarinos, tornando-os um inimigo comum para a população. Em dezembro de 1875, o Instituto lançaria o volume 7 de sua Revista, onde o tema de Palmares vai aparecer novamente. O artigo Narração de Alguns Sucessos Relativos a Guerra dos Palmares de 1668 a 1680, assinado por José Francisco Dias Cabral, procurou enaltecer as ações das expedições anteriores as de Domingos Jorge Velho, para este autor: Das crises tormentuosas que aflingirão a capitania de Pernambuco, nenhuma deixou de si tão escassas recordações, tão escondidas notas, como a sublevação dos escravos foragidos na espessura das matas, constituindo o núcleo d’aquella resistência a que a história chamou de Palmares (CABRAL. 1875, pp. 165-171). Além desses dois artigos datados da segunda metade do século XIX, podemos encontrar menção a Palmares no Apontamentos para a História da Pátria de João Francisco Peixoto Duarte em 1872 e no Subsídios e documentos acerca do notável Quilombo dos Palmares, de Francisco Izidoro Rodrigues da Costa publicado em 19013. Ambos são exemplos de uma história oficial sobre a Guerra dos Palmares e refletem parte das mentalidades dos grupos dominantes em Alagoas. Deve-se salientar que os membros dos institutos históricos regionais eram pessoas da aristocracia local empenhados em dar relevância nacional aos temas históricos das Províncias. Em Alagoas, os autores que escreveram sobre Palmares ocupavam altos postos no IAGA, como os de presidentes, e também na sociedade, como por exemplo, juízes de direito (REIS, 2004, p.55). Sobre a escrita da história nas Alagoas oitocentistas, Irineia M. Franco dos Santos expõe que as elites políticas e proprietária de terras tiveram um