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“Acreditaram tel-os destruído; enfim eles permaneceram incomodando e rapinando”: as narrativas sobre na Revista do IAGA (1872-1901)

DANILO LUIZ MARQUES*

Introdução Palmares, o Quilombo mais emblemático do período colonial brasileiro, localizado nos atuais territórios de e , foi formado em fins do século XVI1, tendo o seu auge ao longo da segunda metade do século XVII, resistindo por mais de um século às tentativas de invasão e destruição. Imersos em uma suposta crise da economia açucareira e preocupados com a ideia de prosperidade da pecuária, a hegemonia senhorial concebia Palmares como um obstáculo para a interiorização dos rebanhos, constituindo um atrativo para a fuga de escravos (REIS, 2004: 30), deste modo, buscou fazer investidas com o objetivo de exterminar o Quilombo. Após cerca de vinte expedições sem sucessos no plano de exterminar Palmares, o governo da Capitania de Pernambuco intensificou as forças de extermínio, contando com tropas locais e de bem armadas e municiadas, invadiram o Quilombo e assassinaram o líder em 1695. O Quilombo dos Palmares, apesar de findada a guerra no século XVII, simbolizou um “medo” para a hegemonia escravista, “havia muito receio na continuidade de Palmares no século XVIII, uma quase certeza de que as batalhas de destruição do mocambo do Macaco e a morte de seus líderes ainda não era o fim” (GOMES, 2011: 28). Em 1763, o vice-rei conde de Assumar alertou para um suposto perigo de surgir “outro Palmares” em Minas Gerais. Já no Rio de Janeiro, em 1792, com medo de mocambos, as autoridades argumentavam que poderia surgir um “novo Palmares” (GOMES, 2011: 83), sendo necessário perseguir os fugitivos a todo custo. Os Cabanos, populações de camponeses, indígenas e quilombolas conhecidas como Papa-Méis, se organizaram na mesma região onde existiu Palmares, sendo combatidos pela Regência do Império nas primeiras décadas oitocentistas. As autoridades se indagavam se isto seria uma mera coincidência geográfica. A experiência palmarina se manteve viva na mente dos grupos dominantes do poder no Brasil.

*Doutorando em História Social pela PUC-SP. Bolsista do CNPq. 1 Sua primeira referência em documentação oficial é datada de 1597.

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O Quilombo dos Palmares teve uma forte relação com a história da formação da Província de Alagoas no século XIX. O espaço alagoano foi formado à “sombra” da simbologia do Quilombo, as elites se utilizaram de um discurso negativo em relação aos aquilombados da Serra da Barriga, algo reforçado na memória local através de uma educação oficial que vangloriava a vitória das forças contrárias aos quilombos. O Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano (antigo IAGA e atual IHGAL) teve uma participação ativa nesse processo, publicando em suas revistas artigos que marginalizavam os palmarinos. As autoridades alagoanas também temiam que outro “Palmares” voltasse a existir, algo que só aumentou com as notícias que circulavam em todo o Brasil acerca dos ocorridos no Haiti entre 1791 e 1804 que desencadearam em uma revolução escrava e das Revoltas dos Malês na na primeira metade do século XIX. Esse “medo” existiu na mentalidade das elites alagoanas até o fim dos oitocentos, algo que pode ser constatado através dos relatórios provinciais, documentação policial, jornais e códigos de posturas municipais. Propomos, nesta comunicação, refletir como se configurou nas elites alagoanas da segunda metade do século XIX a memória entorno do episódio de Palmares, para isso, utilizaremos como fonte documental os artigos sobre Palmares existentes na Revista do IAGA entre de 1872 a 1901.

Os Institutos Históricos, o Projeto de História Nacional e as Narrativas Sobre Palmares Pensar a história foi uma das marcas características do século XIX, doravante, a produção historiográfica ali desenvolvida estaria vincada por uma profunda marca elitista, de modelo europeu, herdeira de uma tradição iluminista, comprometida com o desvendamento do processo de gênese da nação brasileira, que seria institucionalizada com a criação em 1838 do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Estava em curso um projeto de desenvolvimento de uma “história nacional” que buscava a produção de um saber capaz de viabilizar uma determinada “ordem”, um foro privilegiado para se rastrear este processo é a publicação da revista do IHGB que se dará a partir de 1839. A qual, terá três temáticas fundamentais permeando as publicações: a problemática indígena, as viagens e explorações cientificas e o debate da história regional. Esta última, evidenciava um projeto centralista, “é a partir do IHGB no Rio de Janeiro que a leitura dessas histórias regionais será empreendida, reunindo, assim, na capital da monarquia todos os conhecimentos relativos às províncias” (GUIMARÃES, 1988: 5-27). Além disto, as publicações do IHGB imputavam a presença africana no Brasil uma responsabilidade pelo atraso do país na questão da civilidade, a

3 escravidão negra simbolizava um risco para o projeto nacional. Estudando a influência que as teorias raciais tiveram na produção científica e cultural do Brasil oitocentista, Lilia Moritz Schwarcz documenta as interpretações católico-evolucionistas dos institutos históricos, lembrando-nos da tarefa que eles declaravam ter de coligir, metodizar e guardar “documentos, fatos e nomes para finalmente compor uma história nacional para este vasto país” (SCHWARCZ, 1993: 99). Para a autora, os institutos, apesar de uma pretensão totalizante, produziam falas marcadamente regionais: “Ao IHGB coube o papel de demarcar espaços e ganhar respeitabilidade nacional. Aos demais, a função de garantir as suas especificidades regionais e buscar definir, quando possível, certa hegemonia cultural” (SCHWARCZ, 1993: 99-100). Este projeto de História Nacional visava moldar um discurso de legitimação da nação brasileira, procurando um passado que explicasse e rearranjasse o presente. Era a busca “no sentido de lançar as bases daquilo que então se denominava cultura nacional” (CARVALHO e FERREIRA, 2012:15). Nesta conjuntura, os institutos históricos começam a ser fundados, tendo o IHGB a incumbência de desenvolver uma história oficial para o Império, deixando a missão de desenvolver a história regional para os institutos estaduais, como o alagoano. O IAGA foi o mais interessado em perpetuar a memória da história da Guerra de Palmares, pois estava localizado no palco dos acontecimentos, a temática palmarina aparece em “textos memorialísticos dos municípios da região onde ocorreu o Quilombo – Porto Calvo e Penedo -, como parte da documentação regional, capítulo da historiografia holandesa, nas falas dos oradores e presidentes” (REIS, 2004: 55) do IAGA. Entretanto, a escrita historiográfica seguia a tradição do padrão europeu de civilização, determinando o elemento do branco e europeu como preponderante, marginalizando o índio e o negro no processo de formação histórica do Brasil. Deste modo, ocorreu uma depreciação dos episódios que envolvessem esses elementos e a configuração dos povos indígenas e da diáspora africana como inimigos nos confrontos com os europeus (REIS, 2004: 45), o lugar deles no Brasil Independente que pretendia ser “branco e europeizado” foi o “não lugar”. Com isso, a escrita historiográfica sobre Palmares presente na Revista do IAGA procurou privilegiar os feitos das tropas que buscaram destruir o Quilombo. Colocando o fim da história palmarina em consequência ao fim da Guerra de Palmares. Ao analisar a construção de Zumbi como um herói brasileiro, Jean Marcel Carvalho e Ricardo Alexandre Ferreira expõem que no século XIX o Quilombo dos Palmares “passa a

4 simbolizar um empecilho ao avanço da civilização europeia no Brasil, um núcleo de bárbaros africanos no coração da colônia” (CARVALHO e FERREIRA, 2012: 15). Da primeira metade dos oitocentos até a emergência da produção da RIAGA em 1872, era lacônica, mas não inexistente, a presença de Palmares nos escritos de literatos, historiadores, políticos, viajantes estrangeiros, advogados e etc. Dentre os exemplos mais destacados, onde a história de Palmares figura de forma bastante lacônica, podemos citar: Narrativa de uma viagem ao Brasil de Thomas Lindley (1805), História do Brasil de Robert Southey (1810-1822), O Brasil de Ferdinand Denis (1822), A História Geral do de Adolfo Varnhagen (1854), A Escravidão no Brasil de Perdigão Malheiro (1866). A historiadora Andressa Merces Barbosa dos Reis, documentou a existência de três artigos envolvendo a temática de Palmares na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB - (REIS, 2004: 46-55), dentre eles, destacamos o Memória dos feitos que se deram durante os primeiros annos de guerra com os negros quilombolas dos Palmares, seu destroço e paz aceita em junho de 1678, de autoria do alagoano Pedro Paulino da Fonseca. Nessa publicação datada de 1876, encontramos uma narrativa que visava caracterizar os aquilombados de Palmares como o “outro”, o inimigo, tendo um perfil semelhante aos textos da Revista do IAGA, não por coincidência, Pedro Paulino da Fonseca era sócio do instituto alagoano. O autor, utilizou como base de sua narrativa, o documento Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador D. Pedro de Almeida de 1675 a 16782, uma memória que enfocava as ações de repressão e as tentativas de acordos de paz, localizado pelo Conselheiro Drumond na Biblioteca de Êvora em 1859 (REIS, 2004: 29). Deste modo, Pedro Paulino da Fonseca, parece incorporar visões coloniais em seu texto, a tradição dessa narrativa que buscava colocar o Quilombo “como o outro, o inimigo” vem da escrita dos cronistas coloniais contemporâneos ao período da Guerra de Palmares; este pensamento servia como subterfúgio para unir a sociedade colonial contra os palmarinos, tornando-os um inimigo comum para a população. Como sinaliza Jeferson Santos da Silva, no

2 Este documento, se constituía de uma memória, cujo objetivo era uma espécie de prestação de contas das ações do Governador D. Pedro de Almeida relativas a destruição de Palmares, segundo o historiador Flávio dos Santos Gomes: “D. Pedro de Almeida chegou ao poder em 1674, sucedendo a uma junta militar que governara num breve período após a morte do antigo governador Fernão de Souza Coutinho (1670-74). O clima político da capitania era de intensa discórdia e, assim, a narrativa atribuída ao próprio d, Pedro de Almeida – embora não saibamos quem de fato a escreveu – era um desagravo contra a ineficácia das administrações anteriores para lidar com as questões dos mocambos” (GOMES, 2011: 47).

5 século XIX ocorre um: “processo de construção do negro como um ser indesejado por parte de nossa elite intelectual e política” (SILVA, 2014: 14). Os institutos históricos da região nordeste foram fundados sob as influências do IHGB, mas criaram suas especificidades, em suma, eram compostos por pessoas da aristocracia local e estavam empenhados em dar relevância há aspectos regionais no interior do panorama nacional (REIS, 2004: 55). O IAGA, um dos primeiros institutos históricos regionais, foi fundado em dezembro de 1869, sua Revista teve um papel importante na divulgação de documentos relativos a Palmares, nas últimas décadas do século XIX, sobretudo na de 1870, publicou quase duas dezenas de escritos dos séculos XVII e XVIII relativos ao quilombo (FRANÇA; FERREIRA, 2012: 73). As narrativas sobre Palmares ocuparam um espaço privilegiado na Revista do IAGA, pois, havia um “interesse de rememorar os fatos de maior representatividade na colônia e que estivessem diretamente relacionados aos temas nacionais que então estavam em voga no século XIX” (REIS, 2004: 55). O primeiro volume de sua revista seria lançado em 1872, tendo como artigo inicial a Chronica do Penedo, de José Prospero Jehovan da Silva Caroatá. Segundo o próprio autor, o texto seria “um tributo de amor à terra Natal” (CAROATÁ. 1872: 02-07), onde faz uma breve descrição da história da Província de Alagoas, passando pelos temas do povoamento, fundações das vilas e cidades, ocupação holandesa, e a Guerra de Palmares, descrita da seguinte maneira:

Este quilombo, que já em tempos dos hollandezes causava muitos damnos, augmentando com o correr dos anos prodigiosamente o número de seus habitantes, chegou a constituir-se um inimigo terrivel nesta parte da capitania; opprimiam os pretos com frequentes insolências e latrocínios os moradores de Penedo e de outros povoados, assim como os do centro. [...] Fortificados no alto d’uma montanha, onde plantaram muitas palmeiras ao sitio, poderam triumphar durante cincoenta anos dos assaltos repetidos que os povos eram forçados a dar-lhes. [...] Mas em 1695 reunindo-se os povos de Penedo, Alagoas, S. Miguel, Porto Calvo e Pernambuco, em numero de mais de mil e quinhentos homens, fizeram um rigoroso sitio nos palmares e conseguiram extinguir o quilombo, depois de arrombadas as portas da estacada. O chefe dos negros chamado Zumbi e seus principaes companheiros, vendo-se perdidos, suicidaram-se, atirando-se do cimo de um rochedo alcantilado (CAROATÁ. 1872: 02-07).

A tida como, “história oficial”, constituída pelo Instituto Arqueológico e Geográfico de Alagoas, visava criminalizar os aquilombados de Palmares e vangloriar as ações das tropas que destruíram o Quilombo. O IAGA, juntamente com os institutos históricos brasileiro e pernambucano, publicaram artigos e documentos sobre o Quilombo dos Palmares, onde

6 prevaleciam imagens que anulavam a importância do Quilombo para a sociedade do século XIX, referendando brevemente as conquistas das tropas coloniais. Provenientes da classe senhorial, os intelectuais alagoanos que compunham o quadro do IAGA estavam preocupados com o elemento negro na sociedade, a composição étnico-racial do Brasil ocupou um lugar central nas inquietudes de nossa elite, pois, o desejo de se tornar uma nação autônoma tinha como parâmetro o modelo europeu (SILVA, 2014: 20-21). Essa elite intelectual, era detentora de uma ideologia ligada as teorias raciais do século XIX, deste modo, “o negro se constituiu como um problema a ser resolvido” (SILVA, 2014: 22). Tais autores, tinham uma espécie de herança das abordagens do academicismo do século XVIII, sobremaneira, da obra de Sebastião Rocha Pita, assim, Palmares era visto como um “inimigo de portas adentro” que colocava em cheque a instituição escravista no Brasil. As entrelinhas dos textos da RIAGA nos mostram que o Quilombo, perpassou os séculos, e se manteve como um expoente da expressão de resistência dos escravos. Com isto, as narrativas dos textos constituíram esforços para enaltecer os feitos militares que proporcionaram a derrota dos palmarinos e de colocar o Quilombo como um “inimigo terrível”, como expôs José Prospero Jehovan da Silva Caroatá. O segundo número da Revista do IAGA seria lançado em junho de 1872, nesta edição, o Cônego Francisco Peixoto Duarte publicou um texto denominado Apontamentos para a história pátria, o qual, era proveniente de um conjunto de artigos publicados no jornal alagoano União Liberal sobre a “conquista” de Palmares em 1871. Sua narrativa caracteriza- se em enaltecer os supostos “feitos heroicos” de Bernardo Vieira de Mello, levantando a seguinte questão:

A quem se deve a completa extinção de Palmares? Ao paulista, mestre do campo, Domingos Jorge Velho, que depois de derrotado, retirar-se para Porto Calvo e não quis a história, que pessoalmente assistisse á ultima acção; ou a Bernardo Vieira de Mello, pondo-se a frente de nossas forças e aniquilando o quilombo dos Palmares? (DUARTE, 1872: 32).

Francisco Peixoto Duarte buscou atribuir a “aniquilação” de Palmares a figura de Bernardo Vieira de Mello, expondo que ele seria natural de Penedo ou Anadia. O empenho em defender essa naturalidade alagoana decorre pela necessidade que Alagoas tinha de delimitar quais seriam seus episódios históricos específicos e seus principais personagens (REIS, 2004: 56). Percebemos neste artigo, que há uma preocupação de ligar o nome de Bernardo Vieira de Melo a uma suposta naturalidade alagoana, deste modo, elabora uma

7 narrativa sobre Palmares tendo-o como principal protagonista, como podemos perceber no seguinte trecho:

[...] essas forças estavam sob o comando de diversos chefes e entre eles Bernardo Vieira de Mello, residente ou natural de alguma das villas desta província, [...] que auxiliaram o aniquilamento dos Palmares, com importantes contigentes; Que o mesmo Viera de Mello marchara da sua fazenda Pindoba para os Palmares, com grande numero de voluntários; Que ainda ao mesmo Viera de Mello fora conferido o comando destas tropas e o titulo de capitão-mor; Que dividido o nosso exercito em três corpos, foi confiado o que tinha de entrar em combate no ponto mais difícil e arriscado ao capitão-mor Bernardo Vieira de Mello; Que depois dos últimos socorros de gente, armas e canhões enviados de Pernambuco, ainda é Vieira de Mello que denodadamente penetra no centro das fortificações, pondo termo com a victoria a mais esplendida a uma luta demasiado sangrenta e vingando a derrota de Domingos Jorge Velho (DUARTE, 1872: 32).

Este autor elabora uma versão do termino da Guerra de Palmares diferente da oficial, onde o sucesso da campanha de extermínio do Quilombo é atribuído a Domingos Jorge Velho, defendida por Adolfo de Varnhagen, por exemplo. Francisco Duarte de Mello, expõe o bandeirante paulista como um derrotado que fugiu do campo de batalha se refugiando em Porto Calvo, enquanto Bernardo Vieira de Mello é tido como o homem que comandou as tropas e responsável em adentrar no território palmarino obtendo a “vitória” mais “esplendida”. Concebemos que esta narrativa está ligada ao projeto de consolidação de uma História Regional cunhada pelo IAGA, que estaria dentro de um processo de afirmação da Província de Alagoas no cenário político nacional. A emancipação política alagoana completara na época um pouco mais de cinco décadas, e sempre esteve nos horizontes da hegemonia local, uma tal justificativa de que um novo episódio como o de Palmares não voltaria a acontecer. Desse modo, para as elites locais, era importante salientar essa versão do extermínio de Palmares através de tropas alagoanas e não atribuir aos bandeirantes paulistas. A busca por uma identidade alagoana também irá aparecer na descrição das tropas que atacaram Palmares: “o total das forças legaes era de quatro mil e quinhentos homens, sendo três mil das Alagoas, Penedo, S. Miguel e Santa Luzia do Norte, e mil e quinhentos de Olinda, e mais povoações visinhas” (DUARTE, 1872: 32). Salienta assim, que a presença de tropas provenientes da região alagoana era superior a de outras regiões. As investigações desenvolvidas em torno do Quilombo dos Palmares, ao longo do século XIX, “constituíram meras descrições sobre a distribuição geográfica dos mocambos

8 assim como das várias investidas feitas ao mesmo pelas autoridades coloniais” (SILVA, 2014: 09). Os artigos de José Prospero Jehovan da Silva Caroatá e Francisco Duarte de Mello são exemplos de uma história oficial sobre a Guerra dos Palmares e refletem parte das mentalidades dos grupos dominantes em Alagoas. Constituíram narrativas para justificar os empenhos de autoridades e militares, ressaltando os recursos mobilizados para a repressão aos aquilombados. Deve-se salientar que os membros dos institutos históricos regionais eram pessoas da aristocracia local empenhados em dar relevância nacional aos temas históricos das Províncias. Em Alagoas, os autores que escreveram sobre Palmares ocupavam altos postos no IAGA, como os de presidentes, e também na sociedade, como por exemplo, juízes de direito (REIS, 2004: 55). Sobre a escrita da história nas Alagoas oitocentista, Irineia M. Franco dos Santos expõe que as elites políticas e proprietária de terras tiveram um privilégio de escrever a história local, de acordo com seus interesses, que seriam: “(a) justificar o domínio da terra e das forças produtivas; (b) manter o controle sobre a força de trabalho, o território e o privilégio dos mecanismos de poder institucionais: políticos, jurídicos, legislativos” (SANTOS, 2013: 7-33). A elite intelectual responsável em escrever a denominada História Pátria pensou o Brasil dentro de padrões da civilização europeia, fazendo com que o elemento do branco e europeu fosse preponderante nessas abordagens, marginalizando o índio e o negro, o “resultado prático disto foi a depreciação dos episódios que envolvessem estes elementos. Ou, ainda, a configuração dos negros e índios como inimigos nos episódios de confrontos com o europeu (REIS, 2004: 45). Estudando o projeto de História Nacional vinculada ao IHGB, Manoel Luis Salgado Guimarães expõe que a nação brasileira se reconhecia enquanto continuadora da tarefa civilizatória proveniente da colonização portuguesa, “no movimento de definir o Brasil, define-se também o ‘outro’ em relação a esse Brasil” (GUIMARÃES, 1988: 5-27). Deste modo, o conceito de nação era restrito aos brancos, definindo, assim, os povos indígenas e da diáspora africana como excluídos da nação e de seu projeto de história nacional, pois, eram tidos como não detentores da noção de civilização e progresso. Em 1872, Roberto Calheiros de Mello assumirá a presidência do IAGA e permanecerá no cargo até 1895, em um de seus discursos, publicado no quarto volume da RIAGA em junho de 1874, discorre os seguintes comentários sobre o Quilombo dos Palmares:

Nem mais amplos ou melhores são os monumentos que nos restão acerca da existencia e extinção dos Palmares. As chronicas fallão dos repetidos levantamentos

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de tropas e frequentes investidas contra aquelle formidavel ajuntamento até sua completa extinção; mas não nos descrevendo a estrutura interior da suposta republica, não nos deixão hoje até que ponto o governo de Zumby confundia as ideias de nobre e altiva independencia com as de depredação e desenfreamento. As explorações que o Instituto mandará proceder mais tarde na memoravel serra da Barriga e n’outros lugares que a tradição assignala como pousios, talvez nos venhão a fornecer algumas relíquias de objetos de uso e artefactos d’aquelles desgraçados guerreiros. (MELLO, 1874: 85-86)

Este discurso foi proferido em dezembro de 1873 no advento da comemoração do quarto aniversário do IAGA, nele, o presidente Roberto Calheiros de Mello, fez um breve balanço das atividades desenvolvidas pela instituição com o objetivo de cumprir os fins estatutários de “coligir e aclarar as tradições históricas; trazer á publicidade os factos ignorados, desentranhar os documentos em que eles se fundão e cercal-os de luz pela paciência na investigação e o cuidado no exame; fornecer á história pátria a synthese que provém da analyse” (MELLO, 1874: 85). O presidente relata também a guarda de documentos de “valor histórico” relacionados a guerra contra os holandeses. As explorações que o IAGA mandaria fazer na Serra da Barriga e em outros territórios que compunham o Quilombo dos Palmares, representa a preocupação com os trabalhos arqueológicos. É interessante perceber que os dois primeiros institutos a serem fundados, o nacional e o pernambucano, já possuíam o termo Histórico em suas nomenclaturas desde as inaugurações, enquanto o alagoano teria, nas décadas seguintes a sua criação, o termo Arqueológico junto com o Geográfico, algo que só viria a ser alterado nas primeiras décadas do século XX. A explicação para este fato, pode estar presente em editoriais, discursos e artigos publicados na revista da instituição. No volume de n° 10 do ano de 1879, encontramos um discurso proferido por Americo Rapouso, intitulado A Archeologia na Questão do Homem, onde o autor concebe a arqueologia como estudo do que é pré-histórico, dentro desta concepção, aquilo que não possui escrita. Talvez, as preocupações em abordar temáticas como o de Palmares e os povos indígenas na região alagoana possam ter levado a adoção da nomenclatura, haja vista que estes povos eram concebidos como bárbaros e a-históricos. Na década de 1850, o IHGB vai demonstrar uma preocupação com estudos de natureza etnográfica, linguística e arqueológica, presos numa concepção iluminista, pensaram a história como um processo linear marcado pelo progresso. Pretendendo explicitar a história nacional numa linha evolutiva, o IHGB, seguido pelos institutos regionais, lançaram mão dos conhecimentos arqueológicos, linguísticos e etnográficos como uma “forma de se ter acesso a uma cultura estranha [...], cuja inferioridade em relação a ‘civilização brasileira’ poderia ser, através de uma argumentação cientifica,

10 como pretendiam, explicitada” (GUIMARÃES, 1988: 5-27). Objetivava-se, assim, demonstrar a inevitabilidade da presença branca como forma de assegurar uma civilização plena. Desta maneira, a História era vista como um instrumento de compreensão do presente e encaminhamento do futuro, assim, as expedições contra Palmares eram colocadas como exemplos de uma suposta marcha rumo a “civilização”. Em dezembro de 1875, o Instituto lançaria o sétimo volume de sua Revista, onde o tema de Palmares vai aparecer novamente. O artigo Narração de Alguns Sucessos Relativos a Guerra dos Palmares de 1668 a 1680, assinado por José Francisco Dias Cabral, seguiu a linha de abordagem que privilegiava os feitos militares das tropas locais, procurando enaltecer as ações das expedições anteriores as de Domingos Jorge Velho, para este autor:

Das crises tormentuosas que aflingirão a capitania de Pernambuco, nenhuma deixou de si tão escassas recordações, tão escondidas notas, como a sublevação dos escravos foragidos na espessura das matas, constituindo o núcleo d’aquella resistência a que a história chamou de Palmares (CABRAL. 1875: 165-171).

Este texto foi fruto de uma memória lida pelo autor no IAGA em 1873, que justificava a importância do assunto com a tais palavras: “Deixar em apagado os vestigios de uma luta que fez de nossas selvas antros á foragida liberdade, é cahir no pecado dos chronistas que cancerados pela presunção só virão na resistencia a rebeldia da condemnada raça”. (CABRAL, 1874: 87-88). O historiador Jeferson Santos da Silva, sinaliza que o negro esteve presente na produção bibliográfica alagoana desde o século XIX, sendo mencionados brevemente em textos sobre a Revolta dos Cabanos, e ficando “quase que totalmente circunscrito a um único evento de nossa história colonial: o Quilombo dos Palmares” (SILVA, 2014: 09). Essas abordagens se perpetuaram com o intuito de condenar e criminalizar os quilombos que continuaram existindo no período escravista, as “sublevações de escravos foragidos” eram constantes na conjuntura das últimas décadas dos oitocentos. Palmares voltaria a ser abordado na RIAGA na edição de número dezessete, publicada em 1883, no texto Succinta descripção do município de Porto-Calvo do bacharel Olympio E. de Arroxella Galvão, o Quilombo é descrito como um entrave que prejudicava a tranquilidade da região sul de Pernambuco, sendo necessário “debelar a horda numerosa dos quilombolas” (GALVÃO, 1883: 225). Nesta narrativa, Porto Calvo foi descrita como o centro das operações, “o districto que mais sofreu o canibalismo dessa horda que desenvolveu-se tanto, que chegou a constituir-se com fórmas de governo e nação selvícola, semi-barbara com as

11 superstições e ferocidade africanas” (GALVÃO, 1883: 225). O autor ainda expõe que Palmares fora:

[...] composta de negros escravos, fugidos das fazendas desde 1630; diz-se que 40 foram os primeiros que se refugiaram armados em um grande bosque de palmeiras, donde lhes vem o nome de Palmares: reuniram-se-lhes outros muitos, cujo numero fazem uns chegar a 10,000, e outros a 30,000, incutindo terror por todos os lugares visinhos. Os agricultores de Porto-Calvo, [...] obrigados a conservar sua aliança, lhes fornerciam armas, munições e outras mercadorias; e assim tomou essa negra colonia aspecto florescente e terrivel. A sede era entre Porto-Calvo e Alagôas; a republica pôde resistir a muitos assaltos e acommettimentos; os senados das Camaras de Porto-Calvo e Alagôas tomaram providencias colectivamente, promoveram subscripções, armaram expedições de acordo com vários governadores geraes; muitas vezes bateram com aparente vantagem os quilombos, acreditaram tel-os destruído; enfim eles permaneceram incomodando e rapinando por mais de meio século, até que em 1697 o governador de Pernambuco amedrontado pelo seu florescimento e perigo resolveu aniquilal-os (GALVÃO, 1883: 225).

A partir de 1884, a publicação da Revista do IAGA seria interrompida, alegando problemas financeiros, que só seriam solucionados em 1901. Época em que Adriano A. de Araujo Jorge era o presidente da instituição e Manoel Baltazar Pereira Diegues Junior figurava como 2° vice-presidente, sendo responsável pela redação da revista. O reaparecimento da publicação se deu, segundo editorial da edição de retorno, “graças ao aumento da subvenção subministrada pelo Governo, aumento concedido em a ultima sessão do nosso Estadoal Congresso e sancionado pelo actual Governador do Estado” (REVISTA DO IAGA, 1901: 03) A ajuda financeira do Estado era decisiva para a existência dos institutos históricos, seja o nacional3, seja os regionais. Isto posto, é importante situar-se sobre a conjuntura dos primeiros anos da República no Brasil, qual concepção de História estaria ligada a este novo projeto político de país e qual seria a posição de Alagoas nesta conjuntura. Discutia-se a publicação de textos que poderiam ser uteis ao “pátrio torrão e a História de Alagoas”. Deste modo, essa volta da Revista do IAGA também estava relacionada a uma busca de identidade ligada a ideia de branqueamento da população brasileira. No volume de número três do ano de 1901, inaugurou um espaço para a publicação de escritos e documentos sobre o Quilombo dos Palmares, que ao nosso ver, tinha a preocupação de minimizar o legado cultural dos povos africanos da diáspora para essa “nova nação republicana” emergente, “a mudança de regime político no Brasil repercutiu sensivelmente na maneira de se apreender

3 Em 1843, por exemplo, 75% do orçamento do IHGB eram provenientes de verbas do Estado Imperial.

12 não só o episódio palmarino, mas também a história do negro no Brasil” (REIS, 2004: 18). No texto introdutório desta sessão, Francisco Izidoro Rodrigues Costa expõe que:

A existencia por longos annos e o final aniquilamento do celebre quilombo ou Republica dos Palmares, é o episodio mais interessante da Historia, passado no território de Alagoas, depois da expulsão dos hollandezes, e sobre o qual os chronistas fornecem os mais incertos e contradictorios esclarecimentos, dando logar á artigos de pura fantasia, assumpto aos poetas, e á exageros, emprestando- se a esse quilombo intuitos que seus autores, pela origem e ignorancia, não podiam ter (COSTA, 1901: 65).

A virada do século XIX para o XX se caracterizou pelas teorias europeias a respeito das populações não brancas, época em que se intensificava o imperialismo no continente africano, desta maneira, foi “nesse sentido que se desenvolveram estudos que acabavam por enquadrar as populações acima dentro de um modelo de análise que as classificavam como sendo de alguma forma inferiores [...] à parcela branca da população mundial” (SILVA, 2014: 23). Nesta conjuntura, os textos de João Francisco Duarte publicados no jornal União Liberal em 1871 sobre Palmares intitulados Historia Patria foram republicados, este autor definiu o Quilombo como uma “organização semi-africana” composta por “Escravos negros, libertos, e muitos outros malfeitores, fugindo á atrozes castigos e á justiça” (DUARTE, 1901: 68). Como mencionado anteriormente, esta publicação se caracterizava em enaltecer os feitos de Bernardo Vieira de Mello em contraponto aos de Domingos Jorge Velho, o qual segundo o autor teria invadido o Quilombo com cerca de mil homens “tomando a si toda a gloria. Baldados, porém, foram os seus esforços, e uma derrota foi fructo merecido de sua ambição e egoísmo, [...] retirando-se para Porto-Calvo”. (DUARTE, 1901: 70-71). As republicações dos textos de Duarte evidenciam as preocupações que as elites intelectuais locais tinham de afirmação de Alagoas no cenário nacional, haja vista, que com o novo regime político (República), dois militares alagoanos presidiram o país entre 1889 a 1894, e quem presidia em 1901 era um paulista, Campos Salles. O volume de número três do ano de 1901 da Revista do IAGA, simboliza o fim das publicações oitocentistas sobre o Quilombo dos Palmares, período este, que, segundo a historiadora Andressa Merces Barbosa dos Reis, evidenciou três aspectos de sua memória e historicidade: uma contribuição considerável a historiografia palmarina com a presença de “novos” documentos, Palmares como fonte para construção das histórias municipais e como um amalgama à História de Alagoas e Pernambuco e à História nacional (REIS, 2004: 61). O

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IAGA demonstrou, ao longo da segunda metade do século XIX, dar importância a uma narrativa de caráter regionalista sobre o Quilombo palmarino, destacando os feitos militares para o aniquilamento, a atuação de personagens locais na campanha e a história dos municípios que se situavam na região.

Considerações Parciais O colonialismo, forma de controle do mundo colonial, apesar de ter findado na maioria das colônias europeias na América no século XIX, perpetua nos saberes das antigas colônias, é o que os autores do grupo Proyecto latino/latinoamericano Modernidad/Colonialidad chamam de colonialidade. As descolonizações ocorridas no Caribe e na América espanhola e portuguesa no oitocentos e nas colônias francesas e inglesas no século XX foram incompletas, se limitando ao campo da independência jurídico-política. Santiago Castro-Gómez e Rámon Grosfoguel apontam para a necessidade de uma segunda descolonização, a decolonialidade, que abarque as múltiplas relações raciais, étnicas, sexuais, epistêmicas, econômicas e de gênero propondo uma reestruturação, descolonização e desocidentalização das Ciências Sociais (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007: 17). Para Frantz Fanon, o colonialismo não se satisfaz “em prender o povo nas suas redes, em esvaziar o cérebro colonizado de toda forma e de todo conteúdo. Por uma espécie de perversão lógica, ele se orienta para o passado do povo oprimido e o distorce, desfigura e aniquila” (FANON, 2005: 243-244). Segundo Edgardo Lander, com o início do colonialismo nas Américas, inicia-se

[...] não apenas a organização colonial no mundo mas – simultaneamente – a constituição colonial dos saberes, das linguagens, da memória e do imaginário. Dá- se início ao longo processo que culminará nos séculos XVIII e XIX e no qual, pela primeira vez, se organiza a totalidade do espaço e do tempo – todas a culturas, povos e territórios do planeta, presentes e passados – numa grande narrativa universal (LANDER, 2005: 26).

Tal processo, configura o racismo epistêmico, que, segundo a concepção de Nelson Maldonado-Torres, descura a capacidade epistêmica de algumas populações, evitando reconhecer os outros como seres inteiramente humanos (MALDONADO-TORRES, 2010: 345). Assim, os saberes foram e continuam fundamentados em epistemologias eurocêntricas, desqualificando os conhecimentos dos ameríndios e povos africanos na diáspora, a produção do IHGB e IAGA são apenas um dos exemplos das narrativas da dominação global herdadas

14 do colonialismo. Um dos grandes problemas destes discursos historiográficos pautados no eurocentrismo é a distorção na compreensão dos “outros”, dessa maneira, as outras formas de ser, de organização da sociedade e de conhecimento, são transformadas em diferentes, carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais e pré-modernas (LANDER, 2005: 34). Os sócios que compunham os institutos históricos eram, fundamentalmente, membros das elites rurais, o que comprova seu caráter classista, congregando a chamada “elite intelectual” com a elite econômica e financeira. O IAGA, assim como os outros institutos históricos regionais, era o local de criação de falas oficiais, especializados na produção de um saber de cunho oficial. Onde seus profissionais “se comprometiam com a construção de uma história nacional, que, tendo o presente em mira, forjava o passado em tradição” (SCHWARCZ, 1993: 133). Desse modo, construíram uma memória negativa de Palmares, caracterizando os aquilombados como os “outros”, inimigos da sociedade brasileira. As narrativas produzidas pelo IAGA são uma espécie de mitos fundadores da história alagoana, entretanto, como nos sinaliza Stuart Hall: “a história, como a flecha do tempo, é sucessiva, senão linear. A estrutura narrativa dos mitos é cíclica. Mas dentro da história, seu significado é frequentemente transformado” (HALL, 2006: 30). Com a fundação do IAGA, passou a ser produzida e divulgada uma historiografia oficial com o intuito de inventar uma identidade alagoana branco-europeia, escravagista e católica, tendo como eixo interpretativo três eventos: a guerra contra os holandeses (1595-1663), a guerra de Palmares (1695) e a guerra dos bárbaros (1688). Os estudos sobre a ocupação do território e a economia açucareira também podem ser incluídos. Irineia M. Franco dos Santos, estudando a ideologia da “intelectualidade” alagoana no século XIX sobre escravos e africanos, problematizou a constituição de uma identidade alagoana permeada por concepções racistas e de demonização do “outro”, para a autora, os eventos da Guerra de Palmares “ganharam ao longo do tempo uma forte conotação de identidade local, reforçada na memória através de uma educação oficial que vangloria a vitória das forças contrarias aos quilombos – da ‘civilização sobre a barbárie’” (SANTOS, 2013: 7-33). Dessa forma, os membros do IAGA descreveram Palmares como “uma revolta escrava que fora violentamente reprimida pelos poderes coloniais. Ao mesmo tempo em que enalteciam a repressão colonial, servia também de aviso às ações escravas semelhantes” (REIS, 2004: 62). Stuart Hall, em seu ensaio Identidade Cultural e Diáspora, sinaliza que as identidades culturais não são fixadas eternamente no passado essencializado, elas estão sujeitas a um

15 continuo jogo da história, da cultura e do poder. As identidades, longe de estarem alicerçadas numa simples ‘recuperação’ do passado, que espera para ser descoberto, são a maneira que nos posicionam e nos posicionamos nas narrativas do passado. “As identidades culturais são os pontos de identificação, os pontos instáveis de identificação ou sutura, feitos no interior dos discursos da cultura e história. Não uma essência, mas um posicionamento” (HALL, 1996: 68-75). Dessa maneira, os artigos presentes na Revista do IAGA, são apenas um dos vários posicionamentos possíveis no século XIX em torno da temática de Palmares, inseridos numa epistemologia proveniente do colonialismo europeu, a qual constituía os nativos e os povos da diáspora africana como diferentes e outros.

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