“Acreditaram Tel-Os Destruído; Enfim Eles Permaneceram Incomodando E Rapinando”: As Narrativas Sobre Palmares Na Revista Do IAGA (1872-1901)
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1 “Acreditaram tel-os destruído; enfim eles permaneceram incomodando e rapinando”: as narrativas sobre Palmares na Revista do IAGA (1872-1901) DANILO LUIZ MARQUES* Introdução Palmares, o Quilombo mais emblemático do período colonial brasileiro, localizado nos atuais territórios de Alagoas e Pernambuco, foi formado em fins do século XVI1, tendo o seu auge ao longo da segunda metade do século XVII, resistindo por mais de um século às tentativas de invasão e destruição. Imersos em uma suposta crise da economia açucareira e preocupados com a ideia de prosperidade da pecuária, a hegemonia senhorial concebia Palmares como um obstáculo para a interiorização dos rebanhos, constituindo um atrativo para a fuga de escravos (REIS, 2004: 30), deste modo, buscou fazer investidas com o objetivo de exterminar o Quilombo. Após cerca de vinte expedições sem sucessos no plano de exterminar Palmares, o governo da Capitania de Pernambuco intensificou as forças de extermínio, contando com tropas locais e de bandeirantes bem armadas e municiadas, invadiram o Quilombo e assassinaram o líder Zumbi em 1695. O Quilombo dos Palmares, apesar de findada a guerra no século XVII, simbolizou um “medo” para a hegemonia escravista, “havia muito receio na continuidade de Palmares no século XVIII, uma quase certeza de que as batalhas de destruição do mocambo do Macaco e a morte de seus líderes ainda não era o fim” (GOMES, 2011: 28). Em 1763, o vice-rei conde de Assumar alertou para um suposto perigo de surgir “outro Palmares” em Minas Gerais. Já no Rio de Janeiro, em 1792, com medo de mocambos, as autoridades argumentavam que poderia surgir um “novo Palmares” (GOMES, 2011: 83), sendo necessário perseguir os fugitivos a todo custo. Os Cabanos, populações de camponeses, indígenas e quilombolas conhecidas como Papa-Méis, se organizaram na mesma região onde existiu Palmares, sendo combatidos pela Regência do Império nas primeiras décadas oitocentistas. As autoridades se indagavam se isto seria uma mera coincidência geográfica. A experiência palmarina se manteve viva na mente dos grupos dominantes do poder no Brasil. *Doutorando em História Social pela PUC-SP. Bolsista do CNPq. 1 Sua primeira referência em documentação oficial é datada de 1597. 2 O Quilombo dos Palmares teve uma forte relação com a história da formação da Província de Alagoas no século XIX. O espaço alagoano foi formado à “sombra” da simbologia do Quilombo, as elites se utilizaram de um discurso negativo em relação aos aquilombados da Serra da Barriga, algo reforçado na memória local através de uma educação oficial que vangloriava a vitória das forças contrárias aos quilombos. O Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano (antigo IAGA e atual IHGAL) teve uma participação ativa nesse processo, publicando em suas revistas artigos que marginalizavam os palmarinos. As autoridades alagoanas também temiam que outro “Palmares” voltasse a existir, algo que só aumentou com as notícias que circulavam em todo o Brasil acerca dos ocorridos no Haiti entre 1791 e 1804 que desencadearam em uma revolução escrava e das Revoltas dos Malês na Bahia na primeira metade do século XIX. Esse “medo” existiu na mentalidade das elites alagoanas até o fim dos oitocentos, algo que pode ser constatado através dos relatórios provinciais, documentação policial, jornais e códigos de posturas municipais. Propomos, nesta comunicação, refletir como se configurou nas elites alagoanas da segunda metade do século XIX a memória entorno do episódio de Palmares, para isso, utilizaremos como fonte documental os artigos sobre Palmares existentes na Revista do IAGA entre de 1872 a 1901. Os Institutos Históricos, o Projeto de História Nacional e as Narrativas Sobre Palmares Pensar a história foi uma das marcas características do século XIX, doravante, a produção historiográfica ali desenvolvida estaria vincada por uma profunda marca elitista, de modelo europeu, herdeira de uma tradição iluminista, comprometida com o desvendamento do processo de gênese da nação brasileira, que seria institucionalizada com a criação em 1838 do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Estava em curso um projeto de desenvolvimento de uma “história nacional” que buscava a produção de um saber capaz de viabilizar uma determinada “ordem”, um foro privilegiado para se rastrear este processo é a publicação da revista do IHGB que se dará a partir de 1839. A qual, terá três temáticas fundamentais permeando as publicações: a problemática indígena, as viagens e explorações cientificas e o debate da história regional. Esta última, evidenciava um projeto centralista, “é a partir do IHGB no Rio de Janeiro que a leitura dessas histórias regionais será empreendida, reunindo, assim, na capital da monarquia todos os conhecimentos relativos às províncias” (GUIMARÃES, 1988: 5-27). Além disto, as publicações do IHGB imputavam a presença africana no Brasil uma responsabilidade pelo atraso do país na questão da civilidade, a 3 escravidão negra simbolizava um risco para o projeto nacional. Estudando a influência que as teorias raciais tiveram na produção científica e cultural do Brasil oitocentista, Lilia Moritz Schwarcz documenta as interpretações católico-evolucionistas dos institutos históricos, lembrando-nos da tarefa que eles declaravam ter de coligir, metodizar e guardar “documentos, fatos e nomes para finalmente compor uma história nacional para este vasto país” (SCHWARCZ, 1993: 99). Para a autora, os institutos, apesar de uma pretensão totalizante, produziam falas marcadamente regionais: “Ao IHGB coube o papel de demarcar espaços e ganhar respeitabilidade nacional. Aos demais, a função de garantir as suas especificidades regionais e buscar definir, quando possível, certa hegemonia cultural” (SCHWARCZ, 1993: 99-100). Este projeto de História Nacional visava moldar um discurso de legitimação da nação brasileira, procurando um passado que explicasse e rearranjasse o presente. Era a busca “no sentido de lançar as bases daquilo que então se denominava cultura nacional” (CARVALHO e FERREIRA, 2012:15). Nesta conjuntura, os institutos históricos começam a ser fundados, tendo o IHGB a incumbência de desenvolver uma história oficial para o Império, deixando a missão de desenvolver a história regional para os institutos estaduais, como o alagoano. O IAGA foi o mais interessado em perpetuar a memória da história da Guerra de Palmares, pois estava localizado no palco dos acontecimentos, a temática palmarina aparece em “textos memorialísticos dos municípios da região onde ocorreu o Quilombo – Porto Calvo e Penedo -, como parte da documentação regional, capítulo da historiografia holandesa, nas falas dos oradores e presidentes” (REIS, 2004: 55) do IAGA. Entretanto, a escrita historiográfica seguia a tradição do padrão europeu de civilização, determinando o elemento do branco e europeu como preponderante, marginalizando o índio e o negro no processo de formação histórica do Brasil. Deste modo, ocorreu uma depreciação dos episódios que envolvessem esses elementos e a configuração dos povos indígenas e da diáspora africana como inimigos nos confrontos com os europeus (REIS, 2004: 45), o lugar deles no Brasil Independente que pretendia ser “branco e europeizado” foi o “não lugar”. Com isso, a escrita historiográfica sobre Palmares presente na Revista do IAGA procurou privilegiar os feitos das tropas que buscaram destruir o Quilombo. Colocando o fim da história palmarina em consequência ao fim da Guerra de Palmares. Ao analisar a construção de Zumbi como um herói brasileiro, Jean Marcel Carvalho e Ricardo Alexandre Ferreira expõem que no século XIX o Quilombo dos Palmares “passa a 4 simbolizar um empecilho ao avanço da civilização europeia no Brasil, um núcleo de bárbaros africanos no coração da colônia” (CARVALHO e FERREIRA, 2012: 15). Da primeira metade dos oitocentos até a emergência da produção da RIAGA em 1872, era lacônica, mas não inexistente, a presença de Palmares nos escritos de literatos, historiadores, políticos, viajantes estrangeiros, advogados e etc. Dentre os exemplos mais destacados, onde a história de Palmares figura de forma bastante lacônica, podemos citar: Narrativa de uma viagem ao Brasil de Thomas Lindley (1805), História do Brasil de Robert Southey (1810-1822), O Brasil de Ferdinand Denis (1822), A História Geral do Brazil de Adolfo Varnhagen (1854), A Escravidão no Brasil de Perdigão Malheiro (1866). A historiadora Andressa Merces Barbosa dos Reis, documentou a existência de três artigos envolvendo a temática de Palmares na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB - (REIS, 2004: 46-55), dentre eles, destacamos o Memória dos feitos que se deram durante os primeiros annos de guerra com os negros quilombolas dos Palmares, seu destroço e paz aceita em junho de 1678, de autoria do alagoano Pedro Paulino da Fonseca. Nessa publicação datada de 1876, encontramos uma narrativa que visava caracterizar os aquilombados de Palmares como o “outro”, o inimigo, tendo um perfil semelhante aos textos da Revista do IAGA, não por coincidência, Pedro Paulino da Fonseca era sócio do instituto alagoano. O autor, utilizou como base de sua narrativa, o documento Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador D. Pedro de Almeida de 1675 a 16782, uma memória que enfocava as ações de repressão e as tentativas de acordos de paz, localizado pelo Conselheiro Drumond na Biblioteca de Êvora em 1859 (REIS, 2004: 29). Deste modo, Pedro Paulino da Fonseca, parece incorporar visões coloniais em seu texto, a tradição dessa narrativa que buscava colocar o Quilombo “como o outro, o inimigo” vem da escrita dos cronistas coloniais contemporâneos ao período da Guerra de Palmares; este pensamento servia como subterfúgio para unir a sociedade colonial contra os palmarinos, tornando-os um inimigo comum para a população. Como sinaliza Jeferson Santos da Silva, no 2 Este documento, se constituía de uma memória, cujo objetivo era uma espécie de prestação de contas das ações do Governador D. Pedro de Almeida relativas a destruição de Palmares, segundo o historiador Flávio dos Santos Gomes: “D. Pedro de Almeida chegou ao poder em 1674, sucedendo a uma junta militar que governara num breve período após a morte do antigo governador Fernão de Souza Coutinho (1670-74).