Comida High-Tech: Usos E Apropriações Das Tecnologias Digitais Para a Experiência Gastronômica 1
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 Comida high-tech: Usos e Apropriações das Tecnologias Digitais para a Experiência Gastronômica 1 Renata MONTY2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ RESUMO As performances e práticas de consumo gastronômico ganharam novas configurações com os usos de tecnologias da informação e comunicação (TIC’s). Na era pré-internet, os consumidores contavam com os comentários boca a boca sobre determinado estabelecimento ou com a crítica gastronômica semanal de jornais impressos. Contudo, no contexto da web 2.0, caracterizada pela colaboração dos próprios usuários na produção de conteúdo, observa-se a influência de comunidades digitais, blogs especializados e sites de redes sociais com a disseminação de fotos, vídeos, avaliações e comentários dos próprios clientes. PALAVRAS-CHAVE: cultura digital; gastronomia; mídias digitais; consumo; culinária. INTRODUÇÃO Desde que o hábito de sair de casa para comer em locais públicos ganhou adeptos na França do século XIX, inúmeras transformações são observadas na experiência gastronômica. Da taberna aos dias atuais, a oferta de locais para comer se multiplicou nos centros urbanos, criando hábitos sociais fora do ambiente doméstico. Nesses salões públicos, as pessoas se encontram, conversam com amigos e desconhecidos, estabelecem relações de confiança com garçons e, mais recentemente, se habituaram a registrar suas experiências gastronômicas com o uso de smartphones e tablets, a fim de publicarem fotos, vídeos, avaliações e comentários em sites e comunidades colaborativas. Como pontua Finkelstein em Dining Out: “Se a refeição custa alguns dólares ou algumas centenas de dólares, há mais para comprar do que a 1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Cultura Digital, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutoranda em Tecnologias da Comunicação e Cultura PPGCOM/Uerj – bolsista FAPERJ –, pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Entretenimento e Cognição (CiberCog/Uerj) e integrante do Laboratório de Pesquisas em Tecnologias de Comunicação, Cultura e Subjetividade (LETS/Uerj). e-mail: [email protected]. 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 comida. Jantar fora é uma oportunidade para o indivíduo expressar preferências privadas, gostos e desejos” (Tradução nossa, 1989, p.34). Na era da “gourmetização” entendida como “ (...) uma prática que visa rebuscar, dar um luxo, uma diferenciação maior, a um mesmo produto” (ORSI, 2017), a grande oferta de bares e restaurantes, além de eventos gastronômicos, popularizaram as informações sobre alimentos e receitas. Os inúmeros programas televisivos contribuíram ainda mais para despertar o interesse do público e transformaram a comida em produto de entretenimento. Os aplicativos para pedido de comida tornaram acessíveis as informações sobre restaurantes e trouxeram novos hábitos alimentares para os clientes. Ao comer, o comensal redobra a atenção em detalhes, seja no restaurante ou dentro de casa. É preciso saber qual ingrediente está ali no prato, qual o corte e o ponto da carne, o método de cozimento, qual especiaria veio de onde, qual a última dieta fitness. Além de conhecer os sabores, é desejável formar vocabulário próprio, saber descrever e fotografar o prato - de forma apetitosa (ou não, no caso de críticas negativas). Portanto, para realizar essas as interações em torno da comida é necessário desenvolver habilidades, as denominadas “competências midiáticas” (FERREZ e PISCITELLI, 2012). Neste aspecto, consideramos que para manusear e interagir em smartphones, redes digitais, aplicativos, telas de TVs inteligentes, tablets, entre outros gadgets, torna-se necessário não só o aprendizado da língua, mas também a capacidade tátil e intelectual para manusear as ferramentas, interagir em rede, dominando uma série de códigos. Partindo do pressuposto de que a experiência gastronômica é alterada a partir do uso de ferramentas digitais, diante de uma complexa rede de informações e interações, nossa hipótese é que as avaliações em mídias colaborativas estariam influenciando consumidores, chefs, donos de restaurantes, bares e cafés. Neste artigo, nossa proposta é analisar como as TIC’s estimulam a produção de conteúdos e interações colaborativas no meio gastronômico, fazendo um mapeamento preliminar das mídias mais populares com este conteúdo no Brasil. Para este exercício, nos inspiramos na etnografia virtual (HINE, 2000) como método, adotando uma perspectiva que “favorece a percepção da rede como um elemento da cultura e não como uma entidade à parte, (...) pela integração dos âmbitos online e off-line” (FRAGOSO, RECUERO E AMARAL, 2011, p. 42). 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 Na primeira parte do texto, realizamos uma pequena revisão bibliográfica sobre o paradigma moderno (LATOUR, 1994, p. 16) para destacar que partimos das teorias do contemporâneo, que consideram as interações entre o meio e seus inúmeros agenciamentos3 (DELEUZE e GUATTARI, 1995). Por meio das teorias da complexidade, sugerimos um breve exercício para compreender a gastronomia e as interações em redes digitais como uma complexa rede gastronômica (OLIVEIRA, 2001). Na segunda parte do trabalho, descrevemos o mapeamento das mídias mais populares com conteúdo gastronômico no Brasil, levando em conta audiência na televisão, números de seguidores, visualizações, uso de hashtags, likes e comentários em sites de redes sociais. Hibridismos e a complexa rede gastronômica Baseado em ideias iluministas, o projeto da modernidade visava aplicar as regras da racionalidade técnica conquistadas com os avanços científicos para todos os campos da sociedade. Descartes (1596-1650) propõe a separação entre mente e corpo, que vai influenciar toda a construção do método científico e do paradigma moderno: “...há uma grande diferença entre o espírito e o corpo pelo fato de o corpo por sua natureza ser sempre divisível e de o espírito ser inteiramente indivisível” (DESCARTES, 2011, p.128). Nos séculos XVII e XVIII, acreditava-se que o grande desenvolvimento acumulado desde o século XV viabilizaria o controle do homem sobre os processos da natureza. Em linhas gerais, pensadores como Locke (1632-1704), Hobbes (1588-1679) e Rousseau (1712-1778) defendiam o uso da razão como instrumento de emancipação dos poderes monárquicos e religiosos através de um Estado de bem estar social. Surgiria aí o homem de livre arbítrio, destacado por Kant (1724-1804), que para passar da selvageria à civilização deveria abandonar a fé. Neste momento, estabelecem-se fronteiras entre sujeito e objeto, corpo e espírito, natureza e ciência. As áreas de conhecimento são também delineadas, com a separação dos campos da física, matemática, ciências humanas e sociais. 3 Partimos do conceito de Deleuze que define agenciamento como “... uma multiplicidade que comporta muitos termos heterogêneos e que estabelece ligações, relações entre eles, através das idades, sexos, reinos - de naturezas diferentes. Assim, a única unidade do agenciamento é o co-funcionamento: é a simbiose, uma `simpatia`”(1996, p.84). 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 O paradigma moderno coloca as relações num patamar de causa e efeito, como se as estruturas fossem máquinas, tais quais um relógio, como compara o físico Luiz Alberto Oliveira: “... o mundo natural seria análogo a um vasto mecanismo” (2001, p. 140), sem levar em conta a totalidade e complexidade dos processos. Como salienta Oliveira, a separação cartesiana do todo em partes tornaria a “natureza simples”, “autômata”, sem nenhuma novidade. Do ponto de vista moderno, a tecnologia tem certa neutralidade e um caráter instrumental, servindo de aparato para auxiliar a ciência. No entanto, após as duas grandes guerras e o uso da bomba atômica, cientistas de todo o mundo questionam a efetividade do projeto moderno no que diz respeito à emancipação do homem, aos anseios de progresso e bem estar social. No ensaio “Jamais fomos modernos” (1991), Bruno Latour refuta as fronteiras propostas pela modernidade, levantando a hipótese de que estas jamais existiram, e trazem uma visão reducionista do mundo em que vivemos. O pensador coloca em xeque toda a tradição científica ocidental, calcada ainda nos séculos XVII e XVIII, questionando a separação de todas as áreas. Latour identifica híbridos entre natureza e cultura, criticando o isolamento do “todo” em partes. Enquanto considerarmos separadamente estas práticas, seremos realmente modernos, ou seja, estaremos aderindo sinceramente ao projeto da purificação crítica, ainda que este se desenvolva somente através da proliferação dos híbridos. A partir do momento em que desviamos nossa atenção simultaneamente para o trabalho de purificação e o de hibridação, deixamos instantaneamente de ser modernos, nosso futuro começa a mudar. Ao mesmo tempo, deixamos de ter sido modernos, no pretérito, pois tomamos consciência, retrospectivamente, de que os dois conjuntos de práticas estiveram operando desde sempre no período histórico que