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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017

David Jones na criação de : a construção do artista pop através de seus personagens1

Mariana Bento BENETI2 Márcia Eliane ROSA3 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP

Resumo

A pesquisa busca compreender a construção do artista David Bowie através de seus principais personagens, desde o começo até o fim de sua carreira: Major Tom, Ziggy Stardust e Buttoneyed. Bowie, como era conhecido de forma artística, faleceu de câncer no início de 2016, causando uma comoção e uma reação de várias regiões do mundo. O artista ficou famoso por se transcrever a sociedade através de personagens, ou personas, apresentados por ele nos palcos e músicas. Sua representação e o uso dos aspectos da Sociedade do Espetáculo estabelecem a trajetória de sucesso no universo artístico.

Palavras-chave: David Bowie; Sociedade do Espetáculo; Major Tom; Ziggy Stardust; Buttoneyed.

Introdução Neste artigo pretende-se fazer alguns apontamentos sobre as principais personas de David Bowie que marcaram a trajetória do início de sua carreira até a sua morte, afim de compreender a conexão entre o próprio artista, seus personagens e a sociedade espetacular. O tema é observado a partir da análise de cada indivíduo que continha dentro de Bowie, cada persona interpretada para criar quem ele mesmo era e o que se passava na época. Ao compreender a formação dessas principais personagens, compreende-se, também, a construção do próprio imaginário de David Bowie e sua relação com a sociedade do espetáculo. O termo em que foi designado ao Bowie, Camaleão do Rock, fazia referência ao que ele era desde o início: uma persona de formas distintas e que tinha a capacidade de se modificar conforme o que era necessário ser apresentado naquele momento. Major

1 Trabalho apresentado no GP Comunicação, Imagem e Imaginários do XVII Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Linguagens, Mídia e Artes (Limiar), da PUC-Campinas. Formada em jornalismo pela mesma instituição, email: [email protected].

3 Pesquisadora e professora, integra o corpo docente permanente do curso de Mestrado em Linguagens, Mídia e Arte da PUC-Campinas. E-mail: [email protected]

1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017

Tom, Ziggy Stardust, Tin Machine e Buttoneyed são exemplos de personagens interpretados por David, que foi batizado com o nome de David Robert Jones quando nasceu, dia oito de janeiro de 1947, e até construir o conhecido Bowie, passou por David Jay e Davy Jones. Com produções que datam desde o começo da década de 60 e se finalizam com o lançamento de um CD, de clipes e de uma peça de teatro até 2016, Bowie faleceu em 10 de janeiro de 2016, de câncer, depois de retornar com novas produções e mais uma persona. Bowie utilizou-se de todos os recursos em sua volta, criou produtos e foi um produto, realizava shows com interpretação e arte além de música e se desenhou através dos significados da Sociedade do Espetáculo. A construção de si mesmo se deu durante os anos de sua carreira e durante as histórias de suas personagens.

David Robert Jones É importante discutir primeiro quem foi David antes de ser a persona Bowie. Para o artista construir ele mesmo, fatos de sua família e infância foram importantes para o desenvolvimento de sua pessoa como artista. Antes mesmo de ser David Bowie, David Robert Jones (oito de janeiro de 1947) tinha seus próprios desafios, pois como avaliaram seus biógrafos, cresceu em uma família desestruturada. A mãe tinha filhos fora de casamentos e o pai havia gastado todo o dinheiro com uma dançarina quando David nasceu, sua criação musical foi dada pelo irmão mais velho, Terry. A mãe [de David], Peggy, propensa a reações insólitas, reconhecia em Terry os sinais da “maldição da família”, a esquizofrenia, que afligira sua própria mãe e vários irmãos. Quando Terry começou a demonstrar dificuldade em perceber a realidade que o cercava, Bowie não apenas padeceu do medo e do sofrimento de ver o querido irmão mergulhar num mundo interior, terrível, assustador, como também começou a se dar conta de que o legado de instabilidade psicológica dos Burns talvez se estendesse à sua própria geração. (DOGGETT, 2014, p. 38)

A esquizofrenia foi um assunto que David tentou ignorar e lidar de sua própria maneira, e enquanto isso não acontecia com seu irmão, era nele que via a oportunidade de aprender novos estilos musicais. Terry Burns apresentou a David estilos diferentes de jazz e blues, mas não ouvia rock. Entrou em sua primeira banda com 14 anos, os Kon- Rads, atuava como saxofonista e vocalista bissexto – lá, era conhecido como David Jay. Passava mais o tempo mudando os figurinos e criando atuações no palco do que gravando

2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 singles ou tocando instrumentos, fato amplamente abordado no documentário Black Tie Whyte Noise (1993), ao mostrar uma entrevista de Bowie contando o quão importante era, para ele, se modificar e interpretar no palco, uma característica que marcaria sua futura carreira. No decorrer dos anos, David saiu da Escola Técnica Secundária de Bromley (em 1963) aprovado somente nas disciplinas de artes, trabalhou como estagiário em uma agência de publicidade e propaganda na Bond Street e até assinou um contrato com o selo dos Kinks, na gravadora Pye, em 1965, como Davy Jones. Foi então que descobriu que existia um nome famoso com o que estava usando, portanto mudou-se pela terceira vez, para o conhecido David Bowie. O sobrenome foi inspirado em um lendário personagem do Velho Oeste, Jim Bowie, criador do “punhal Bowie”.

As diversas faces de David Bowie Bowie, como ficou conhecido até o fim de sua carreira, foi a primeira persona de David Jones, de muitas das que ainda estavam por aparecer. Para ele, de acordo com seu biografo Peter Doggett (2014), usar o sobrenome “Jones” era muito comum, e mudar de nome e aparência eram o mesmo que mudar sua identidade. No início de 1969, seu produtor, Kenneth Pitt, estava organizando e preparando um show de televisão chamado The Many Faces of David Bowie (tradução livre: As diversas faces de David Bowie), que fracassou antes mesmo de ir ao ar. Bowie conseguiu atingir seu primeiro grande sucesso ainda nesse ano, quando lançou a música Space Oddity, a primeira que ficou marcada em sua carreira. Apesar de Bowie ter lançado alguns discos com bandas diferentes antes de 1969, é senso comum entre os pesquisadores de rock que sua produção só adquire realmente alguma relevância a partir do lançamento de Space Oddity, em 1969. (SAINT CLAIR, 2004, p. 213)

Space Oddity4 foi o primeiro single de Bowie que atingiu fama internacional e a primeira que ele cantou através de um personagem enquanto representava o que a sociedade vivia na época. A música conta a história de Major Tom, a persona de Bowie, um astronauta que saiu da Terra com segurança, entretanto algo ocorreu de errado durante

4 Space Oddity, música gravada em 1969 para o LP Space Oddity. Foi regravada em 1979 para comemoração de uma década de trabalho, em um LP single, lado-B.

3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 a viagem e ele decidiu se desconectar do Ground Control (Controle de Terra) para morrer. No começo da década de 70, com o homem chegando à Lua pela primeira vez, o início do movimento hippie e o otimismo transmitido por muitos artistas, como os Beatles, Bowie tentava demonstrar seus pensamentos pessimistas. Major Tom tinha a oportunidade de contemplar a Terra e refletir acerca da posição perigosa e insignificante do nosso planeta no universo. [...] Bowie ressaltava [na música] a capacidade que tinham a mídia e a indústria publicitária para se lançarem ao espaço e exigirem seu quinhão junto a um homem exilado do restante da humanidade. (DOGGETT, 2014, p. 74)

Justamente pelo fato de que astronautas reais arriscavam suas vidas naquele momento, Space Oddity foi proibida de ser transmitida em horário nobre por estações de rádio nos Estados Unidos. Mesmo assim, a BBC passou o single ao vivo com a transmissão da chegada do homem à Lua enquanto Bowie cria o Major Tom. Três critérios serão utilizados para analisar a persona de Major Tom: sua vida (forma como apresenta a questão da vivência), sua morte (a questão iconográfica do fim) e seu feeling midiático (fator relacionado ao universo da Sociedade do espetáculo). Tais aspectos também serão utilizados para o observar os personagens Ziggy Stardust e Buttoneyed, criados e recriados por Bowie. São características que se apresentam de forma padronizada e constante em suas personas. Vida: Major Tom viveu exclusivamente como um astronauta, Bowie não deixa o fã entrar em contato com outros aspectos do dia a dia normal do que seria essa personagem. Muito pelo contrário, Major Tom na música Space Oddity é visto somente como um herói, aquele que vai para os céus e consegue observar o mundo à distância e como ele é. Morte: ao criar o herói, David Bowie também o mata no mesmo single. Com alguma falha no sistema de sua nave, Major Tom se desconecta do Controle de Terra e passa a flutuar para sempre no espaço, uma metáfora para o que seria a morte de um herói. Feeling Midiático: o dia 20 de julho de 1969 foi marcado pela chegada do homem à lua, assim como toda essa década foi uma corrida entre distintos Países para atingir o mesmo objetivo. David Bowie passou a transferir o que estava acontecendo no social para o que aconteceria com sua persona, assim como os astronautas estavam se arriscando para chegar até o espaço, Major Tom também faria o mesmo e representaria a sociedade naquele instante.

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Imagem 1 – David Bowie interpretando Major Tom. (Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=D67kmFzSh_o)

A segunda persona, provavelmente a mais famosa, foi Ziggy Stardust, sua máscara: pela primeira vez em sua carreira, David não falava por si mesmo, não se vestia como David Jones e muito menos como David Bowie, mas sim, como seu personagem. “Aquela criatura exótica era, a um só tempo, feminina e masculina, hétero e gay, e até mesmo a terra que havia gerado uma banda máscula de rock pesado chamada Alice Cooper foi pega de surpresa” (DOGGETT, 2014). Em 1971, quase um ano depois do lançamento de Space Oddity, a música Lady Stardust5 foi lançada. Em uma jogada de marketing, Bowie se declarou gay em uma entrevista uma semana antes de fazer com que Ziggy Stardust começasse a ser interpretado por ele. O documentário David Bowie and the Story of Ziggy Stardust (2012) (tradução livre: David Bowie e a história de Ziggy Stardust) conta, com detalhes, que as vestimentas de Ziggy foram baseadas no filme Laranja Mecânica6, com uma natureza futurística, crueldade androgenia, individualidade e ecletiscmo, criados pelo estilista Kansai Yamamoto. O disco Ziggy Stardust é um álbum conceitual, uma verdadeira ópera-rock, em que todas as faixas se reúnem para contar uma

5 Lady Stardust, música gravada em novembro de 1971 para o LP Ziggy Stardust 6 Laranja Mecânica foi um filme lançado em 1972, com direção de Stanley Kubrick.

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história mirabolante: cinco anos antes da destruição da Terra por algum motivo obscuro, Ziggy Stardust, um alienígena andrógino e hedonista, invade o planeta. A presença de Ziggy causa uma sensação de estranhamento e fascinação nos terráqueos. Ele é uma estrela do rock, e, juntamente com sua banda, os Spiders from Mars, torna-se um verdadeiro messias para aquela população desesperada com o fim do mundo. O Evangelho de Ziggy concentra-se numa total apologia ao trinômio Sexo, Drogas e Rock and Roll: sexo com humanos de ambos os gêneros, drogas e álcool os mais pesados possíveis e rock and roll alto. Em pouco tempo, a fascinação causada por Ziggy atinge a ele próprio, e, mergulhando em seu próprio eu, ele acaba tendo que se matar, para redimir os pecados dos terráqueos e os de si próprio: como um Jesus suicida, Ziggy tem que morrer para que a humanidade viva uma outra vida, construída agora independente dele. (SAINT CLAIR, 2004, p. 214 e 215)

Ziggy Stardust foi interpretado por David Bowie com o conhecido corte de cabelo vermelho vivo, o visual andrógeno, um alienígena que veio do espaço para tocar rock com a banda Spiders from Mars. Assim como Major Tom nasceu e morreu em sua música, Ziggy foi assassinado pelos próprios fãs na música Rock’n’Roll Suicide7. Quando partiu, o cantor anunciou o término de sua relação com a banda. O grande perigo de se usar uma máscara pela primeira vez é deixar que ela grude em sua face. Bowie tinha noção disso e, por esta razão, mesmo com todo o sucesso que Ziggy vinha tendo, no dia 3 de Julho de 1973, no Hammersmith Odeon, em Londres, ele anunciou em pleno palco que aquele seria seu último show. Os fãs, desesperados, pensaram que Bowie tinha desistido de sua carreira. Todavia, quem era afastado dos palcos não era Bowie, mas Ziggy Stardust. (SAINT CLAIR, 2004, p. 217)

Bowie declarou, ainda em 1972, para a revista Newsweek: “Eu não sou o que devo ser. O que as pessoas estão comprando? Assumi Ziggy no palco, e agora eu me sinto cada vez mais como esse monstro, e cada vez menos como David Bowie”. Também completou, em outra ocasião: “não consigo decidir se estou criando os personagens, se eles me criam ou se todos somos um só”. Assim, a máscara da persona de Bowie ficava mais difícil de ser retirada. Vida: Ziggy Stardust só recebeu uma vida quando chegou ao planeta Terra. Não se sabe o que fazia antes de vir para ser o messias, e ao chegar, dedicou sua vida em ajudar

7 Rock’n’Roll Suicide, música gravada em fevereiro de 1972 para o LP Ziggy Stardust.

6 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 a humanidade a entender que todos devem dedicar suas vidas ao lema “sexo, drogas e rock’n’roll”, com amor ao próximo. Morte: Ziggy Stardust demorou mais do que Major Tom para morrer. Enquanto o astronauta teve a vida e a morte durante o decorrer do mesmo single, Ziggy Stardust viveu por dois anos e dois álbuns, até ser assassinado pelos fãs durante a música Rock’n’Roll Suicide. Bowie tentou fazer uma referência com a religião cristã, ao ponto que as mesmas pessoas que Jesus estava ali para passar o cristianismo o assassinaram, e dessa vez, as mesmas pessoas que estavam ouvindo as músicas de Ziggy o mataram, quando ele se jogou na plateia em um ato de suicídio (durante a música). Isso não aconteceu com David, e sim, com sua persona. Feeling Midiático: toda a década de 70 foi o auge do movimento hippie, que pregava a paz e o amor, assim como o sexo e o uso de drogas. Afim de repassar o que a sociedade estava vivendo em forma de objeto/personagem, David Bowie criou Ziggy Stardut, que era andrógeno, gay e hétero, não se importava com as regras da sociedade clássica e estava pregando novas regras que eram compatíveis com o que estava acontecendo com uma parcela da sociedade.

Imagem 2 – David Bowie interpretando Ziggy Stardust (Fonte: divulgação)

David Bowie lançou novos singles e LPs durante os anos seguintes, com outras personas em seu meio, mas nenhuma delas está totalmente compatível com os três

7 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 critérios de análise do artigo em questão. A última personagem criada pelo cantor, que apareceu em seu clipe Lazarus8 e Blackstar9, foi o conhecido como Buttoneyed. Suas únicas aparições foram nos dois clipes das duas músicas principais do CD e LP Blackstar10, lançado dia oito de janeiro de 2016. Sua última persona foi incompreendida logo quando foi lançada, pois o público não sabia que Bowie tinha câncer. Seu co- produtor, Tony Visconti, descreveu o álbum como um “presente de despedida” para seus fãs antes de sua morte, e assim também pode ser vista sua última persona, uma forma de despedir-se. Com a parte superior do rosto enrolada em uma faixa para deixar somente os cabelos grisalhos aparecerem e dois botões pretos colocados nos locais dos olhos, David Bowie interpretou sua própria morte como um último show. A primeira análise, feita pela revista Rolling Stones (2016), chamou o personagem de Buttoneyed, que pode ter tido referências do livro Coraline11 (2002), pois a morte (chamada “a outra mãe” de Coraline) era representada com dois botões pretos no lugar dos olhos, e quando as crianças morrem, são costurados os mesmos botões para suas almas serem sugadas. Também pode ser uma referência a mitologia grega, em que se colocava moeda nos olhos dos mortos para poderem pagar o Caronte, barqueiro de Hades, que carregava as almas dos recém-mortos. Por fim, a partir dos três critérios, ao estudar a persona Buttoneyed percebe-se: Vida: Buttoneyed teve um percurso maior do que o de Major Tom, mas menor do que o de Ziggy Stardut, pois viveu durante os dois clipes musicais de Lazarus e Blackstar. Ele apareceu, no primeiro, como um doente que sofria na cama, e finalizou recuando para um armário. Em Blackstar, clipe mais comprido de duração, Buttoneyed apareceu sendo um regente de uma espécie de seita, com o livro sagrado em suas mãos, como quem anuncia a morte. Morte: a morte da persona buttoneyed ficou menos clara do que a dos outros, pois é preciso ser compreendida. Ao recuar para o armário, as interpretações feitas são de que aquele armário em si era um caixão, e que ele estava abraçando a morte. Para essa

8 O clipe oficial de Lazarus foi postado no site , no canal David Bowie VEVO, dia 7 de janeiro de 2016. O single foi lançado dia 17 de dezembro de 2015. 9 O clipe oficial de Blackstar foi postado no site youtube, no canal David Bowie VEVO, dia 19 de novembro de 2015. O single foi lançado dia 19 de novembro de 2015. 10 O álbum Blackstar foi o 25º CD lançado por David Bowie, no dia do aniversário de Bowie (8 de janeiro, 69 anos) e dois dias antes de sua morte. Foi lançada em formato de LP, CD e com opção de donwload digital, tinha somente três singles: Blackstar, Lazarus e I can’t Give Everything Away. 11 Coraline é um livro de fantasia e terror escrito por Neil Gaiman, publicado em 2002 inicialmente no formato impresso, e-book e audiobook, com 163 páginas. Foi adaptado para o cinema em 2009.

8 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 personagem específica, a ideia de morte é mais complexa porque não foi somente ele quem morreu, mas também, dessa vez, o próprio David Bowie. Feeling Midiático: Buttoneyed representa a morte, é uma persona que pode ser a morte em si. A morte pode vir de formas diferentes, como velhice, doença, guerra, etc.; e dessa vez, David Bowie trouxe a luta que trazia dentro de si mesmo, com o câncer, para ser traduzido em uma personagem. Aquilo que foi representado não era só uma persona qualquer, e sim, a morte eminente que Bowie estava experimentando em sua vida.

Imagem 3 – David Bowie interpretando Buttoneyed (Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=y-JqH1M4Ya8) David Bowie nunca deu explicações concretas para o que seu último personagem significava, mas as análises feitas são claras para a tradução de que era sua própria morte, o câncer.

O mundo espetacular de Bowie Ao entender a criação e formação das principais personas de Bowie é possível perceber como o artista circundava pelos caminhos de estabelecer a si próprio as características mercadológicas a partir da lógica da Sociedade do Espetáculo. Estabeleceu a separação de David Robert Jones de David Bowie alimentando suas personas que o construía como

9 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 mercadoria de elementos que pudessem ser contemplados por um grupo cada vez maior de espectadores atraídos pelos aspectos de atualidade em cada uma das épocas que seus personagens se apresentavam. “O espetáculo não é mais do que a linguagem comum desta separação. O que une os espectadores não é mais do que uma relação irreversível como o próprio centro que mantem seu isolamento” (DEBORD, 1967, p.25). Bowie vendeu a si mesmo desde a primeira vez que a sua música Space Oddity fez sucesso. Mesmo após a sua morte, e talvez mais principalmente, seus CDs continuaram a ser vendidos e mais produtos foram criados. Tudo, para o homem, é uma coisa e está pronta para ser vendida. Ao formular um personagem, David Bowie tentava colocar a realidade daquela época em todos os detalhes da música ou da interpretação, e todos os seus fãs que compravam seus LPs ou iam até seus shows não discutiam isso. Eles estavam recebendo e ouvindo o que viviam, as dificuldades da sociedade daquela época era o objeto de forma alienada e espetacular. A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado de sua própria atividade inconsciente) exprime- se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos entende sua própria existência e seus próprios desejos. (DEBORD, 1967, p.26)

O espetáculo é uma visão do mundo que se objetivou, ou seja, uma forma de se ver o mundo que virou um objeto. O objeto e a sociedade são um só, são iguais e feitos da mesma coisa. O espetáculo é o real e o real está dentro do espetáculo, alienado. Para compreender melhor é preciso levar em consideração que o espetáculo é a aparência do que vivemos na vida, e o drama nele é a negação disso tudo. Somente uma sociedade alienada consegue assistir o objeto de si mesma, e a realidade vivida pela sociedade é, além de demonstrada, negada no mesmo espetáculo. Cada espetáculo contém o momento histórico, se apresenta como uma enorme positividade, indiscutível e inacessível. A imagem é um dos pontos mais importante da sociedade do espetáculo, ela é criada de uma forma para que a representação seja esse objeto da própria sociedade. Essas imagens se tornam seres reais, interpretados. Onde o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes típicas de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente apreensível, encontra normalmente na visão o sentido humano privilegiado que noutras épocas foi o tato; a

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visão, o sentido mais abstrato, e o mais mistificável, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não é identificável ao simples olhar, mesmo combinado com o ouvido. Ele é o que escapa à atividade dos homens, à reconsideração e à correção da sua obra. É o contrário do diálogo. Em toda a parte onde há representação independente, o espetáculo reconstitui-se. (DEBORD, 1967, p. 19)

As formas de vida e morte dos personagens de Bowie faziam o diálogo necessário para a composição da representação de uma história de representação e capaz de ater a contemplação de seus espectadores. Os aspectos midiáticos destas representações apontavam para tudo aquilo que já estava separado, alienado e abstraído.

Considerações Finais Após a morte de Bowie, em 2016, seus fãs passaram a interpretar suas músicas mais buscando respostas para seu falecimento. “O anúncio da morte de David Bowie [...] foi tão inesperado que foi natural que algumas pessoas tentaram procurar por dicas em seu recente álbum lançado, Blackstar, e seus vídeos que o acompanham12” (BOYCE, 2016). Essas ações levaram a deduções distintas, desde as mais aprofundadas até as superficiais, e todas foram debatidas em grupos e páginas em que o fandom13 de Bowie estava reunido. Em todos os momentos, entretanto, uma coisa estava em comum entre os fãs: os últimos vídeos e singles de Bowie foram como uma forma de se despedir. David Bowie passou a maior parte de sua vida se transformando e se adaptando para virar um personagem que traz informações novas para seu público através da música e da atuação no palco, ele se transformou em um objeto da sociedade para apresentar a essa mesma sociedade o que é que ela estava passando naquele momento. Na época, era complicado entender quem era quem, e quando Bowie se despedia de um, seus fãs achavam que estava terminando sua própria carreira outra vez, até entenderem que era a carreira daquela persona que estava acabando. Com sua última interpretação, Buttoneyed, foi a vida do artista que acabou. As três personas aqui apresentadas são as que ajudaram a formar e criar quem David Bowie é como a própria personagem de David Jones. Todas as três tiveram três características em comum: ganharam vida em músicas e interpretações, receberam uma

12 Tradução livre do texto original: “The announcement of David Bowie’s death last month was so unexpected that it was natural to go looking for hints in his recently released album Blackstar and its accompanying videos.” 13 Fandom: junção, no inglês, de Fã e kingdon, na tradução literal “o reino dos fãs”. Como uma forte fanbase.

11 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 morte de forma espetacular e representavam a sociedade e o que viviam naquele momento. David Jones criou David Bowie como uma persona para apresentações, aquele que seria famoso, que seria alvo para criação de outras personagens dentro de si. Essas outras, entretanto, não foram somente personagens quaisquer, foram as que montaram o ser que Bowie foi durante toda sua carreira e sua vida. O imaginário de David Bowie foi montado em uma linha pouco tênue durante a formação de suas personagens. Cada single famoso fez referência a uma fase distinta da vida artística do cantor, e cada um dos analisados nesse artigo são importantes para a formação dele como um todo. Major Tom teve a oportunidade de contemplar a Terra de longe e não modifica-la, quando disse “O planeta Terra é azul e não tem nada que eu posso fazer sobre isso14”; enquanto que Ziggy Stardust saiu do espaço para pousar na Terra afim de guia-la em seus próprios passos, como um messias. Bowie viveu sua fama com a oportunidade de passar algo para seu público, e, ao mesmo tempo, se modificar no meio do caminho – foi isso que fez, até a última persona.

REFERÊNCIAS Black Tie White Noise. Documentário, produzido por Michael Polito e dirigido por Lana Tophan, 1993.

BOYCE, Niall. The art of medicine Strangers when we meet: David Bowie, mortality, and metamorphosis. The Lancet, p. 528-529. Londres, 2016. Disponível em: http://search.proquest.com/openview/fda76296fdb6e56f62a4759af45d00ce/1?pq- origsite=gscholar&cbl=40246

David Bowie and the Story of Ziggy Stardust. Documentário, produzido pela BBC e dirigido por James Hale, 2012.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Editora Contraponto, 1967.

DOGGETT, Peter: O Homem que vendeu o mundo. Editora Nossa Cultura, 2014.

RICOUER, Paul. Memória, história, esquecimento. Conferência Internacional “Hauntung Memories? History in Europe after Authoritarianism”, 2003. Disponível em: http://www.uc.pt/fluc/lif/publicacoes/textos_disponiveis_online/pdf/memoria_historia

SAINT CLAIR, Ericson. Comunicação e Rock and Roll: o perspectivismo por David Bowie. Trabalho para a UERJ, 2004.

14 Tradução livre do texto original: “Planet Earth is blue and there is nothing I can do”, da música Space Oddity.

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