1 a Santa Sé E O Brasil Na Era Vargas: a Descoberta Da
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A SANTA SÉ E O BRASIL NA ERA VARGAS: A DESCOBERTA DA MAIOR NAÇÃO CATÓLICA DO MUNDO1 Carlo Felice Casula2 RESUMO: Essas notas constituem antecipação de uma pesquisa sobre as relações entre a Santa Sé o Brasil na era Vargas, na qual o autor trabalha há alguns anos. O projeto inicial se articulou a partir de um planejamento de pesquisa de 2006, dirigido pelo autor na Itália, chamado Igreja católica, Santa Sé e Comunismo. Da Divini Redemptoris à Ost-Politik. A ideia de examinar a difusão e a recepção da Encíclica de Pio XI sobre o comunismo ateu no grande país latino-americano, estendeu-se à reconstrução das relações entre a Santa Sé e o regime de Getúlio Dornelles Vargas. Palavras-chave: Santa Sé. Getúlio Vargas. Catolicismo. Essas notas constituem antecipação de uma pesquisa sobre as relações entre a Santa Sé o Brasil na era Vargas, na qual estou trabalhando desde alguns anos. O projeto inicial se articulou a partir de um planejamento de pesquisa de 2006, por mim dirigido na Itália, chamado Igreja católica, Santa Sé e Comunismo. Da Divini Redemptoris à Ost-Politik3. No meu grupo de pesquisa, a ideia de examinar a difusão e a recepção da Encíclica de Pio XI sobre o comunismo ateu no grande País latino-americano, estendeu-se à reconstrução das relações entre a Santa Sé e o regime de Getúlio Dornelles Vargas, com particular atenção ao importante papel cumprido do Núncio Monsenhor Benedetto Aloisi Masella, futuro Cardeal e personalidade de primeiro nível no pontificado de Pio XII e Joao XXIII, além do arcebispo do Rio de Janeiro Sebastião Leme da Silveira Cintra, nomeado por Pio XI Cardeal no consistório em 3 de julho de 1930, com pouco mais de quarenta anos.4 https://doi.org/10.36311/0102-5864.2016.v53n2.08.p139 1 Tradução realizada por Gianni Fresu, professor efetivo de filosofia política na Universidade Federal de Uberlândia. Revisão da tradução de Marcos Del Roio. 2 Professor de História contemporânea, Università degli studi Roma Ter. 3 Do PRIN (Projeto de pesquisa de interesse nacional), Igreja, Santa Sé e Comunismo. Da Divini Redemptoris à Ost- Politik, Quadro internacional e experiência italiana, quem escreve foi coordenador cientifico nacional das unidades de pesquisa para as essas instituições acadêmicas: Università degli Studi di Trieste (Prof. Giuseppe Battelli); Università degli Studi di Cagliari (Prof. Cecilia Novelli); Università degli Studi di Sassari (Prof. Raffaele D’Agata); Università degli Studi della Tuscia (Prof. Marco Paolino). 4 Sobre o Cardeal Leme, estão disponíveis algumas biografias hagiográficas. Entre elas, em particular: Rosário, Irma Maria Regina Do Santo, O.C.D. (Laurita Pessoa Raja Gabaglia), O Cardeal Leme (1882-1942), Livraria Jose Olympio Editora, Rio De Janeiro 1962. 1 A pesquisa concerniu, progressivamente, não só a tentativa de Golpe militar-comunista, conhecido como Revolta Vermelha, ou na forma mais famosa e depreciativa como Intentona comunista, mas, mais em geral, a atitude da Santa Sé em relação ao advento e a consolidação do governo autoritário-populista, trabalhista, pelo menos na sua auto representação, de Getúlio Vargas5. A origem desse projeto está na descoberta, no Arquivo Secreto Vaticano de um importante fascículo intitulado Brasil-Movimento revolucionário6 sobre as relações entre a Secretaria do Estado e a Nunciatura no Brasil nos anos mais inquietos da Segunda Republica, desde a tomada do poder de Vargas até a Intentona comunista de 1935 e a deriva do populismo-trabalhismo do seu governo, no regime autoritário e filo fascista do Estado Novo de 19377. A documentação da Santa Sé foi, num segundo momento, comparada com os papeis do Ministério das Relações Exteriores, guardados no Museu Histórico Nacional-Arquivo Histórico Itamaraty no Rio de Janeiro.8 O período examinado (1930-1945), The era of Getúlio Vargas, foi definido por Edwin Williamson, na sua conhecida History of Latin America, como uma grande mudança na história do Brasil. “It marked the end of the hegemony of São Paulo coffee interests and it redirected economy from export-led growth to import-substitution industrialization guided by the state”.9 Falando da historiografia italiana, quase ausente sobre as questões do Brasil10, Loris Zanatta, na sua Storia dell’America Latina Contemporanea, coloca o experimento social do Vargas no denso capitulo significativamente intitulado Corporativismo e società di massa, interpretando-o como uma vertente do mais amplo fenômeno dos populismos sul-americanos, aparecendo quase entrelaçada com aquele sobre o Renascimento católico11. Boris Fausto, finalmente, para completar essas referencias historiográficas fundamentais, na sua poderosa História do Brasil publicada pela Editora da Universidade de São Paulo, intitula o capítulo sobre o período 1930-1945 O Estado getulista, definindo Vargas como “a figura de maior 5 Emblemático é o livro publicado por Vargas depois da sua triunfal volta ao poder em 1950: G. Vargas, O governo trabalhista do Brasil, José Olympio editôra, Rio de Janeiro 1952. 6 Archivio Segreto Vaticano (ASV), Affari Ecclesiastici Straordinari – Stati Ecclesiastici: Brasile 1930-1938. 7 Do PRIN do 2008, I nodi storici degli Anni 20-30 negli archivi vaticani: ordine internazionale, democrazie e totalitarismi nella chiesa di Pio XI, cujo coordenador nacional foi o prof. Alberto Melloni da Università degli Studi di Modena e Reggio Emilia, eu coordenei a unidade de Pesquisa da Università degli studi di Roma Ter, sobre o tema, La Santa Sede, la Società delle Nazioni e l’Organizzazione Internazionale del Lavoro. Uma comunicação das hipóteses e dos primeiros resultados da pesquisa foi apresentada para mim no seminário internacional, Pius XI and America, acontecido no Watson Institute for International Studies da Brown University (Providence October 29-30,2019), cujas atas foram em parte publicados no Volume, C. R. Gallagher, D. I. Kertzer, A. Melloni (Eds.), Pius XI and America. Proceedings of the Brown University Conference (Providence, October 2010), Lit Verlag, Münster 2012 8 Museu Histórico Nacional-Arquivo Histórico do Itaramaty no Rio de Janeiro, Ministério das Relações Exteriores (AHMRE), Cidade do Vaticano. Dispachos; Cidade do Vaticano, Oficios; Cidade do Vaticano Telegramas. 9 E. Wiliamson, The Penguin History of Latin America, recise edition, Pinguin Books, London 1992, p. 416. 10 Entre as poucas exceções, M. Maestri, Storia del Brasile , Xenia, Milano,1990. 11 L. Zanatta, Storia dell’America Latina,contemporanea, Laterza, Roma-Bari 2010. 2 expressão da história política brasileira dó século XX”12 e aponta como traços caraterísticos dessa experiência que se abria: a colaboração entre o Estado e a Igreja; a centralização; a política trabalhista. Focalizando a atenção sobre Igreja, a década dos anos 1930 é o período no qual Roma, atrás da forte e insistente solicitação do governo brasileiro, começa a tomar consciência que o Brasil, com os seus 37 milhões de cidadãos, depois da Itália, era a maior nação católica do mundo. Encontramos uma importante confirmação disso numa passagem do discurso pronunciado, em 10 de dezembro de 2008, no Palácio Apostólico Vaticano pelo embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, por ocasião da troca dos instrumentos de ratificação do Acordo entre a Santa Sé e a República Federativa do Brasil, assinado o dia 13 de novembro do mesmo ano no Vaticano. Em resposta ao discurso do Monsenhor Dominique Mamberti, Secretario das Relações com os Estados, o embaixador do Brasil no Vaticano afirma: Longa é a história das nossas relações bilaterais. A Santa Sé reconheceu a independência do Brasil em 1826, quatro anos depois a proclamação de Dom Pedro I. Até o 1889, o Brasil conservou o regime de Padroado, herdado do Portugal. Com a proclamação da República produzia-se a laicização do Estado. Desde então, se modernizaram as relações entre Estado e Igreja, mantendo sempre as nuanças que as caracterizaram. O Brasil é o País com o maior número de católicos no mundo, o maior número de bispos e dioceses. Um País, um povo e um governo que reconhecem e valorizam a relevante contribuição da Igreja Católica no curso da nossa história e do empenho cotidiano para a formação dos valores, para a educação em todos os níveis, para o conforto espiritual, para a constituição das redes de solidariedade social e para a construção do patrimônio cultural e artístico nacional13. O Brasil tem hoje nove cardeais. Sem dúvida poucos em relação ao número dos fieis, dos bispos das suas dioceses, sobretudo em comparação à presença no colégio dos cardeais espanhóis (9), franceses (8), estadunidenses (19) e, obviamente, italianos (46), embora nesse caso tenhamos que considerar também os cardeais da cúria. Até os anos 1930 do século XX no Brasil, como na inteira América Latina, houve só um Cardeal: Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti (1850 -1930). O Cardeal Arcoverde, por causa da ausência de seminários na região do Pernambuco onde nasceu, cumpriu os seus estudos em Roma, onde se tornou sacerdote no ano de 1874 e consagrado bispo de Goiás, em 1890, pelo Secretario de Estado, Cardeal Mariano Rampolla del Tíndaro. 12 B. Fausto, História do Brasil, Editoria da Universidade de São Paulo, São Paulo 2010, p.331. 13 “Bollettino quotidiano della Sala Stampa”, 10 dicembre, 2009 B0774-XX.02 3 Arcebispo de São Sebastião no Rio de Janeiro desde 1897, no consistório do dia 11 novembro de 1905 foi nomeado Cardeal por parte do pontífice Pio X, participando ao conclave de 1914, mas não, por problemas de saúde, naquele de 1922.14 Exatamente as condições da saúde do Cardeal Arcoverde forneceram às autoridades brasileiras a justificação para poder avançar o pedido da nomeação de um segundo Cardeal. Uma carta, datada 24 de outubro de 1924, do Cardeal Pietro Gasparri, Secretário de Estado do Pio XI, endereçada ao embaixador na Santa Sé, Carlos Magalhães de Azevedo, é esclarecedora: O assinado Cardeal Secretario de Estado da Sua Santidade recebeu a valiosa Nota em dada de 31 de maio na qual Vossa Excelência lhe transmitia um memorial sobre a nomeação de outro Cardeal brasileiro.