Joseph LOSEY O Medo Come a Alma (Entrada Livre)
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Joseph LOSEY_ O Medo Come a Alma (entrada livre) A propósito de The Servant , Losey declara: “Para mim, o filme é apenas um filme sobre a servilidade, servilidade da nossa sociedade, servilidade do mestre, servilidade do criado e servilidade na atitude de todas as espécies de gente representando classes e situações diferentes (…) É uma sociedade do medo, e a reacção diante do medo é na maior parte dos casos não a resistência e o combate, mas a servilidade, e a servilidade é um estado de espírito”. Présence du Cinéma, n.º 20, Março de 1964 O CRIADO Dirk Bogarde é Hugo Barrett, um sedutor e perspicaz mordomo contratado pelo refinado aristocrata Tony Mounset (James Fox) para que decore e mantenha em ordem a sua casa recém-comprada. Porém, a exagerada eficiência de Barrett fará com que, num instante, se confundam os papéis de patrão e criado. Com argumento de Harold Pinter e baseado no romance homónimo de Robin Maugham, O Criado é a obra-prima de Joseph Losey que reflecte neste filme uma parábola sobre a pedante sociedade britânica, em plena catarse. A relação entre patrão e empregado, com um subtil fundo homossexual, não foi poupada a críticas à época da estreia, sendo um dos elementos que outorgam ao filme a entidade que possui na actualidade. Titulo Original: The Servant (1963, 110 min) Realização: Joseph Losey Interpretação: Dirk Bogarde, Sarah Miles, Wendy Craig, James Fox Argumento: Harold Pinter Produção: Joseph Losey, Norman Priggen Musica: John Dankworth Fotografia: Douglas Slocombe Montagem: Reginald Mills Classificação: M/16 O MENSAGEIRO "O Mensageiro" é adaptação do consagrado romance de L.P. Hartley. Harold Pinter foi o responsável pelas alterações no argumento, que trouxe uma visão estilizada das memórias de um velho numa evocação perfeita no tempo, espaço e ambiente social. A história do amor que não é correspondido, desafiando a inflexível estrutura social, passa-se em Norfolk, um meio rural, e é contada em “flashbacks” por Leo Colston (Michael Redgrave). Marian Maudsley (Julie Christie) é uma aristocrata que está noiva de Hugh Trimingham (Edward Fox), um homem rico com boa posição social. No entanto, é o lavrador Ted Burgess (Alan Bates) que Marian ama, uma relação impossível e condenada pela rigidez social da época. Leo Conston, que, aos 13 anos serviu de mensageiro do amor entre os dois, é o narrador desta experiência. O realizador Joseph Losey ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1971 e Margaret Leighton foi nomeada para o Óscar de melhor actriz secundária pela sua interpretação do papel de Mrs. Maudsley, a mãe de Marian. Titulo Original: The Go-Between (1970, 113 min) Realização: Joseph Losey Interpretação: Alan Bates, Julie Christie, Margaret Leighton, Edward Fox Argumento: Harold Pinter Produção: John Heyman, Denis Johnson Musica: Michel Legrand Fotografia: Gerry Fisher Montagem: Reginald Beck Classificação: M/12 Cineclube de Joane / Já Não Há Cinéfilos?! 1 de 2 UM HOMEM NA SOMBRA Estamos em Janeiro de 1942 e um negociante de arte, Robert Klein, está a ganhar uma fortuna. Para este francês patriota, a ocupação nazi é uma oportunidade única de negócio, uma vez que os Judeus, em fuga do país, não estão em posição de regatear o preço dos seus valiosos bens de família. Mas quando um jornal judeu aparece à porta de Klein, a sua confortável vida começa a desmoronar-se. Parece que existe outro Robert Klein, um judeu suspeito de combater na Resistência, que está disposto a viver na sombra, deixando o seu homónimo assumir as consequências. À medida que a investigação de Klein acerca do seu duplo progride, o tom muda de Hitchcock para Kafka, e provar a sua inocência torna-se menos importante do que enfrentar o seu sósia... Título Original: Monsieur Klein (1976, 122 min) Realização: Joseph Losey Interpretação: Alain Delon, Jeanne Moreau, Juliet Berto Produção: Alain Delon Argumento: Franco Solinas, Fernando Morandi Musica: Egisto Macchi, Pierre Porte Fotografia: Gerry Fisher Montagem: Marie Castro-Vasquez, Henri Lanoë, Michèle Neny Classificação: M/ 16 JOSEPH LOSEY Manuel Cintra Ferreira, in 100 Dias 100 Filmes Americano de origem, Joseph Losey viu a sua carreira no país natal interrompida pela Comissão de Investigação de Actividades Anti-Americanas, preferindo o exílio europeu a ter de comparecer aos interrogatórios durante o auge da caça às "bruxas". Desde então, de 1951 ao fim da sua vida (em 1984), jamais voltaria a trabalhar no cinema nos EUA. A sua carreira, aqui, terminou com The Big Night , última das suas cinco longas-metragens americanas. Rupturas destas deixam marcas profundas. De certo modo os filmes de Losey a partir de Time Without Pity (o primeiro que pode assinar com o seu nome, em 1956 em Inglaterra, depois de cinco anos no anonimato e 4 filmes assinados por "testas de ferro" (Adrea Forzano) ou pseudónimos (Victor Hanbury): Stranger on lhe Prowl , The Sleeping Tiger , A Man on lhe Beach , e The lntimate Stranger parecem marcar uma ruptura de estilo e de preocupações. Mas, de facto, tal diferença é apenas aparente. Entre a sua obra americana e a europeia há uma continuidade de temas que apenas se diferenciam pelo aparato exterior, e esta diferença resulta mais de um processo de amadurecimento do que de mudança geográfica. As suas preocupações permanecem basicamente as mesmas e o seu olhar sobre o mundo reflecte sempre o conflito entre as classes sociais e a relação dominante-dominado, senhor e servo, manifestada de forma aberta ou metafórica. The Damned , anterior aos dois filmes que o celebrizaram, Eve e The Servent , é uma parábola que prolonga a reflexão de The Boy with lhe Green Hair no contexto do "medo atómico", e The Servant é, na sua construção labiríntica e claustrofóbica, o desenvolvimento do seu melhor filme americano, o fabuloso The Prowler , sendo um dos filmes do interlúdio, The Sleeping Tiger , assinado com o nome de Victor Hanbury, o elo entre eles (e, curiosamente, interpretado, como The Servant , por Dirk Bogarde). Na obra de Losey The Servant surge logo após a Eve , o filme que o consagrou como autor, e que deve boa parte da sua fama aos problemas que enfrentou após ter saído das mãos de Losey, sendo cortado e remontado e alvo de cortes de censura. Se o tema de The Servant se presta às mil maravilhas a Losey (a dominação social paralela da sexual prolonga algumas obras anteriores de Losey, não só o referido The Prowler , como também The Gypsy and lhe Gentleman e Eve ), o filme não estava, à partida, destinado a ele, Harold Pinter conta, numa entrevista, que em 1961 fora contactado por Michael Anderson (o realizador de Around lhe World in 80 Days ) para fazer a adaptação do romance de Robin Maugham "The Servant", para a dirigir. As dificuldades económicas impediram que o projecto se concretizasse e foi então que Losey entrou em campo, comprando os direitos da adaptação a Anderson. A partir deste primeiro trabalho Losey e Pinter trabalharam num novo argumento, iniciando uma colaboração que se prolongaria por muitos anos e muitos filmes. Houve naturalmente o receio de pressões para evitar um novo "caso" Eve. Mas, para surpresa do próprio, realizador (e co-produtor) nada lhe foi imposto. Losey diria mesmo que The Servant foi um dos filmes (ou talvez o único dos seus filmes) feito em inteira liberdade ("É exactamente como desejei que fosse", afirmou o realizador numa entrevista) . The Servant é um dos mais singulares e perturbantes filmes ingleses da década de 60, tendo apenas como equivalente, mas num outro campo, o de Michael Powell, Peeping Tom que mais do que qualquer obra do "free cinema" anuncia, em 1960, o cinema moderno. Porque num caso como no outro não se trata apenas da audácia dos temas, mas de maneira como estes tomam forma. No caso concreto de The Servant trata-se de um confronto social, de classes antagónicas, desenhado na sua forma mais banal: um senhor e o seu criado, tema que encontramos em clássicos como "D. Quijote" de Cervantes, “Jacques o Fatalista" de Diderot ou "O Senhor Puntilla e o seu criado Matti" de Brecht. Mas no filme de Losey tal relação atinge a forma de uma aberração, de um jogo sado-masoquista por onde correm pulsões sexuais não confessadas, ou então sublimadas (a "entrega" de Vera, a amante de Barret, o criado, ao senhor, Tony, sublima uma posse material e física e também sexual do segundo pelo primeiro, e a ambiguidade quase desaparece no final com a dependência total de Tony). Mas o que mais sublinha esse “jogo" mortal é o próprio cenário em que decorre e é neste campo que The Servant nos surge como a obra mais importante de Losey. A casa que Tony habita e Barret dirige, reflecte nos seus meandros e sinuosidades, na sua própria fachada e marcas do tempo (Tony vem das colónias e é de ascendência aristocrática) uma ideia de ordem e de poder que o criado primeiro respeita antes de começar a "destruí-la" terminando como a imagem de um bordel. Por outro lado, Losey faz a narrativa de uma forma similar à própria casa, com os planos circulares do começo e do fim e com os enquadramentos sublinhando cada vez mais a relação dos dois personagens que se vai progressivamente invertendo. Os jogos de espelhos são, neste caso, um dado fundamental para a estrutura do filme, não só pelo trabalho de "duplicação", e através do reflexo de "inversão" (são vários os planos em que Tony e Barret são enquadrados nos espelhos que invertem o lugar real de cada um), mas também de "deformação" (os espelhos convexos dando aos reflexos um ar grotesco que parece sublinhar a ascensão do vício e a "deformação" da personalidade de Tony, como já acontecia em Eve , para sublinhar a relação entre Jeanne Moreau e Stanley Baker), e que sublinham as intenções de Losey, mostrar que, como diziam Hegel e Marx, "uma classe acaba por se tornar escrava daqueles que a servem".