Novos espaços da imigração boliviana no Brasil: perfil e tendências de inserção laboral em Belo Horizonte-MG

Resumo O Brasil revela, ao longo de sua história, distintas realidades migratórias. Até a primeira metade do século XIX, a via marítima era o meio dominante para o deslocamento de migrantes, evidenciando a irrelevância da migração fronteiriça. Após a Segunda Grande Guerra, porém, o caráter migratório para o Brasil experimenta uma mudança, perceptível com a redução da entrada desses imigrantes provenientes majoritariamente da Europa. E, paralelamente, o impacto da migração fronteiriça apresenta seus primeiros sinais. Brasileiras e brasileiros continuam saindo do país, mas, também, outros retornam e, somados a eles, vêm pessoas de outras partes do mundo, sobretudo latino-americanos, entre os quais, bolivianas e bolivianos. Neste contexto, a imigração boliviana se destaca enquanto ferramenta para concretizar a sociedade brasileira como receptora de novos contingentes de imigrantes. A imigração boliviana, assim, configura-se no Brasil em áreas fronteiriças, com um passado histórico de migração de vizinhança, e, mais recentemente, a partir dos anos 1980 do século XX, em áreas metropolitanas, em especial . O século XXI, com a intensidade da espacialização da produção globalizada, acrescenta a Região Metropolitana de Belo Horizonte na rede migratória de bolivianas e bolivianos no Brasil. Este texto busca conhecer e traçar um perfil sociodemográfico da imigração da Bolívia em Belo Horizonte, utilizando diferentes fontes de informação: censos demográficos, RAIS, Sistema Nacional de Cadastro de Estrangeiros – Sincre.

Abstract reveals, throughout its history, different migratory realities. Until the first half of the nineteenth century, the sea route was the dominant means for the displacement of migrants, evidencing the irrelevance of border migration. After World War II, however, the migratory character of Brazil experiences a change, which is perceptible with the reduction of the entry of these immigrants, mainly from Europe. At the same time, the impact of border migration has its first signs. and Brazilians continue to leave the country, but also, others return and, along with them, come people from other parts of the world, especially Latin Americans, including and Bolivians. In this context, Bolivian immigration stands out as a tool to concretize Brazilian society as a recipient of new immigrant contingents. Bolivian immigration thus forms in Brazil in frontier areas, with a historical past of neighborhood migration, and, more recently, since the 1980s in the metropolitan areas, especially São Paulo. The 21st century, with the intensity of spatialization of globalized production, adds the Metropolitan Region of Belo Horizonte to the migratory network of Bolivians and Bolivians in Brazil. This text seeks to know and to draw a sociodemographic profile of the immigration of in Belo Horizonte, using different sources of information: demographic censuses, RAIS, National System of Cadastre of Foreigners - Sincre. Novos espaços da imigração boliviana no Brasil: perfil e tendências de inserção laboral em Belo Horizonte-MG

Introdução

Viver em uma metrópole — como São Paulo ou como Belo Horizonte — revela, do ponto de vista macroestrutural e teórico, para imigrantes de diferentes nacionalidades, a inserção de tais espaços na rota do capital e das migrações internacionais (SASSEN, 1988). O urbano como referência para análise de migrações internacionais exige uma reflexão acerca dos processos de reestruturação produtiva, pois “[...] compreender a realidade urbana exige considerar que a cidade [...] é também uma prática, as práticas sociais com e no espaço.” (MARTINS, 2008, p. 59). Nesse sentido, considerando a metrópole como uma prática, ela reúne, segundo Carlos (2008), tanto o que é hegemônico — e imposto pelo processo de globalização mercantil —, quanto o que é não-hegemônico — e que pode se transformar em contra hegemônico, a partir dos fundamentos construídos cotidianamente nos lugares.

A metrópole pode ser entendida como mediação entre os níveis local e global [...]. No plano global permite pensar a orientação da sociedade em direção ao processo de constituição de uma ‘sociedade urbana’. Na escala do lugar, permite compreender a materialização desse processo em suas contradições, revelando, nesse plano, a escala do vivido, enquanto prática socioespacial — é o nível do cotidiano que ilumina concretamente o modo como a justaposição dos planos se realiza, orientando e determinando a vida. (CARLOS, 2008, p. 131). A inserção das localidades na divisão social e territorial do trabalho (BAENINGER, 2014) contribui em nível nacional, regional e local, para a configuração de espaços urbanos selecionados (SASSEN, 1988). É nesta nova realidade que Belo Horizonte emerge como importante espaço da migração da atualidade (CASTRO; FERNANDES, 2014) e, entre os imigrantes, acredita-se no destaque de bolivianas e bolivianos. De acordo com Lefebvre (2006), o espaço é produzido e produz. Ele é produtor, também, das relações, das ações sociais, do cotidiano. Essa é a dialética. O espaço não é um receptáculo, por isso o termo produção do espaço ganhou tanta importância, por ser muito mais preciso e por valorizar, assim, o papel do espaço nesse processo. Dessa forma, vivências múltiplas estão presentes nas cidades, como aponta Lefebvre (2006). Nesse contexto, a imigração boliviana em Belo Horizonte revela esta vivência da cidade, com a apropriação diferenciada dos seus espaços. Para uma primeira aproximação do conhecimento acerca dessa vivência na cidade da nova imigração internacional de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte, buscaremos caracterizar o perfil dessa imigração com olhar para sua inserção laboral, utilizando diferentes fontes de informação: censos demográficos, Relação Anual de Informações Sociais - RAIS, Sistema Nacional de Cadastro de Estrangeiros - Sincre. Métodos

A proposta desta pesquisa é compreender Belo Horizonte como um novo espaço da imigração boliviana no Brasil, apreendendo seu perfil e as tendências de inserção laboral desses sujeitos. Para viabilizar o estudo, apostou-se na exploração e análise de três fontes de dados: os censos demográficos, a RAIS, e o Sincre. Os censos demográficos produzem informações imprescindíveis para a definição de políticas públicas e a tomada de decisões de investimento, sejam eles provenientes da iniciativa privada ou de qualquer nível de governo. Constituem, assim, importante fonte de referência sobre a situação de vida da população nos municípios brasileiros, cujas realidades dependem de seus resultados para serem conhecidas e terem seus dados atualizados. Dessa forma, os censos são relevantes referências em estudos de população. Uma vez que o interesse desta pesquisa é compreender a dinâmica recente de Belo Horizonte como novo espaço da imigração, optou-se pelo uso de dados coletados nos dois últimos censos — 2000 e 2010. A utilização das bases dos Censos Demográficos 2000 e 2010 requer, antes, um estudo da documentação de cada um deles, a fim de elencar as variáveis que serão selecionadas. Inicialmente, extraiu-se a base de dados referente à Belo Horizonte para os dois anos sob foco. Foi feita ainda a análise da documentação dos microdados da amostra do Censo Demográfico 20003, e, a partir dela, selecionou-se as seguintes variáveis: V0419 - Nacionalidade (1 - Brasileiro nato, 2 - Naturalizado brasileiro, 3 - Estrangeiro); V4210 - Código da UF ou País de nascimento. Já a partir da análise da documentação referente ao Censo Demográfico 20104, chegou-se às variáveis a seguir: V0620 - Nacionalidade (1 - Brasileiro nato, 2 - Naturalizado brasileiro, 3 - Estrangeiro); V6224 - País estrangeiro de nascimento - Código. A partir da análise dos dados, buscou-se compreender a atual apropriação do espaço da capital mineira pela população boliviana imigrante, verificando-se importantes números relativos a estes sujeitos em 2000 e em 2010. A gestão do setor do trabalho pela administração pública conta, por sua vez, com o importante instrumento de coleta de dados denominado Relação Anual de

3 A coleta do Censo Demográfico 2000 foi realizada no período de 1º de agosto a 30 de novembro de 2000, abrangendo 215.811 setores censitários. 4 A coleta do Censo Demográfico 2010 foi realizada no período de 1o de agosto a 30 de outubro de 2010, utilizando a base territorial que se constituiu de 316.574 setores censitários. Informações Sociais (RAIS). A RAIS tem por objetivo suprir as necessidades de controle da atividade trabalhista no país, prover dados, elaborar estatísticas referentes ao trabalho formal, disponibilizar informações do mercado de trabalho às entidades governamentais. O processamento das bases da RAIS permite, desta forma, leituras acerca do emprego formal de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte. Optou-se por usar os últimos três anos de registros disponíveis: 2006, 2010 e 2016. Acredita-se que esse período permita comparações que sugiram a evolução dos aspectos sob análise, contribuindo com a leitura que se pretende fazer. Como o objetivo desta pesquisa é visitar dados que permitam compreender a inserção laboral de imigrantes bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte, acredita-se na contribuição desta fonte. Torna-se necessário registrar, porém, que ela apresenta apenas os vínculos laborais ativos naquele determinado período. Isso significa que os números não podem ser lidos enquanto número total de imigrantes bolivianas e bolivianos, mas são registros de vínculos laborais desses sujeitos. Há, ainda, outra questão a ser levantada. Uma mesma pessoa pode ter mais de um vínculo empregatício formal, o que lhe garante mais de um registro na RAIS. Finalmente, a terceira fonte de dados coube ao Sincre. A base de dados do Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros no Brasil (Sincre) pôde ser explorada devido ao acesso dado ao Observatório de Migrações em São Paulo, projeto da Fapesp realizado em parceria entre Unicamp, PUC de Minas Gerais, entre outras instituições, como o Ministério da Justiça. Considerando as limitações e potencialidades de cada uma das fontes, a exploração e análise de tais dados podem trazer grandes contribuições aos estudos de população. É importante esclarecer que não se pretende uma comparação entre as análises permitidas pelas três fontes de dados. Por serem bases distintas, elas não permitem uma comparação, mas subsidiam análises complementares, enriquecendo o estudo.

Resultado e Discussão

Perfil da imigração boliviana em Belo Horizonte: explorando as fontes de dados

As cidades são esses espaços onde exercitamos intensamente a difícil arte da convivência.

Paulo César da Costa Gomes

A difícil arte da convivência nas cidades, como enuncia Paulo Cesar da Costa Gomes (2013), revela-se espacialmente. As cidades são desiguais, segregadas, exclusivistas. Nelas, privatiza-se espaços públicos, especula-se a renda do solo, enfim, nas cidades, a apropriação do espaço se realiza de diversas maneiras. No processo de produção do urbano, a população imigrante também deixa sua marca na paisagem. Esses sujeitos ajudam a desenhar a metrópole e influenciam no urbano, registrando nela a sua presença: “em seu interior há tantas cidades quantas forem possíveis aos seus habitantes construírem.” (LIBERATO, 2000, p. 28). Daí a importância de se compreender a presença de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte. Para analisar e refletir sobre essa presença, recorreu-se a três fontes de dados: censo demográfico (2000 e 2010), RAIS (2006, 2010 e 2016) e Sincre (2000 a 2015). O Censo Demográfico tem por objetivo contar a população do território nacional, identificando suas características. O processamento das bases do Censo permite leituras acerca da situação de vida da população nos municípios e em seus recortes internos. Ao captarem parte da população imigrante nos questionários, que contam com perguntas sobre migração, permitem reflexões acerca de tais sujeitos. Optou-se por usar informações dos dois últimos censos (2000 e 2010) para compreender a presença de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte. A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) tem por objetivo prover dados referentes aos vínculos de empregos no mercado de trabalho formal. O processamento das bases da RAIS permite leituras acerca do emprego formal de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte. Optou-se por usar os três anos de registros (2006, 2010 e 2016) para o acompanhamento da inserção de tais imigrantes no mercado formal de trabalho. No caso do Sistema Nacional de Registros de Estrangeiros (SINCRE), da Polícia Federal-Ministério da Justiça, o período 2000-2015 permite analisar a imigração da Bolívia para imigrantes registrados neste período (com RNE – Registro Nacional de Estrangeiro), portanto, com visto de permanência no país. Para compreender a presença de imigrantes bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte recorreu-se, inicialmente, aos dados dos censos. A reflexão se inicia, assim, com dados fornecidos pelos Censos Demográficos de 2000 e de 2010. Um série de variáveis foram cruzadas utilizando-se o software SPSS e, a partir dessa análise, construiu-se as tabelas dispostas a seguir. Observou-se, primeiro, o aumento do número de estrangeiros em Belo Horizonte-MG, uma vez que foram registrados 5.506 em 2000 e 6.088 em 2010 (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1: Nacionalidade da pessoa residente em Belo Horizonte-MG, 2000.

Nacionalidade da pessoa residente em Belo Horizonte-MG, 2000 Origem Frequência Porcentagem Não migrantes ou naturais da UF 2.085.011 93,1 Brasileiro nato 145.957 6,5 Naturalizado brasileiro 2.052 ,1 Estrangeiro 5.506 ,2 Total 2.238.526 100,0

Fonte: Censo Demográfico 2000.

Tabela 2: Nacionalidade da pessoa residente em Belo Horizonte-MG, 2010.

Nacionalidade da pessoa residente em Belo Horizonte-MG, 2010 Origem Frequência Porcentagem Não migrantes ou naturais da UF 2.226.569 93,7 Brasileiro nato 140.464 5,9 Naturalizado brasileiro 2.030 ,1 Estrangeiro 6.088 ,3 Total 2.375.151 100,0

Fonte: Censo Demográfico 2010.

O IBGE ainda apresenta a UF ou país de nascimento do migrante residente em Belo Horizonte. Quando se destaca países latino-americanos que compoem essa informação, observa-se a importância da imigração de origem boliviana (Tabelas 3 e 4).

Tabela 3: País de nascimento da pessoa residente em Belo Horizonte-MG, 2000.

País de Nascimento Frequência Argentina 454 Bolívia 185 Chile 286 Colômbia 45 Cuba 70 Equador 32 Guatemala 30 Guiana 11 Honduras 10 Nicaragua 20 Panamá 16 Paraguai 71 Peru 185 República Dominicana 10 El Salvador 7 Uruguai 117 Total 1.549

Fonte: Censo Demográfico 2000.

Tabela 4: País de nascimento da pessoa residente em Belo Horizonte-MG, 2010.

País de Nascimento Frequência Argentina 947 Bolívia 112 Chile 219 Colômbia 161 Cuba 17 Equador 126 Nicaragua 24 Panamá 21 Paraguai 151 Peru 106 República Dominicana 48 Uruguai 143 Total 2.218

Fonte: Censo Demográfico 2010.

Apesar de o número de bolivianas e bolivianos contados em 2000 (185) ter sido maior do que os contados em 2010 (112), é clara a importância dessa população quando ela é comparada às demais populações latino-americanas imigrantes no Brasil. É importante ainda frisar que a redução de bolivianas e bolivianos contados pelos censos não significa, necessariamente, uma redução da presença desses sujeitos, já que há lacunas na aquisição dessas informações que devem ser consideradas. Dessa forma, para aprofundar a análise e por outras ferramentas compreender essa realidade, recorreu-se à RAIS. Por se tratar do estado brasileiro que possui o maior número de municípios dentre todos os estados do país — 853 no total —, optou-se por excluir da análise os municípios que apresentaram menos de três registros de vínculos de emprego formal de imigrantes bolivianas e bolivianos. Desta forma, foram destacados 15 municípios mineiros que apresentam registros de emprego formal desses sujeitos e o número de registros foram apresentados para os anos de 2006, 2010 e 2016 (Tabela 5).

Tabela 5: Registros de trabalhadoras e trabalhadores formais imigrantes provenientes da Bolívia, segundo municípios selecionados em 2006, 2010 e 2016.

Ano Município do vínculo de emprego 2006 2010 2016 Belo Horizonte 17 26 33 Betim 3 4 4 Contagem 0 2 3 Divinópolis 0 0 7 Extrema 0 2 3 Governador Valadares 2 3 7 Ipatinga 0 1 4 Itaúna 0 3 0 Juiz de Fora 1 2 3 Pouso Alegre 1 1 7 Ribeirão das Neves 0 3 1 Senador Amaral 0 0 15 Uberaba 4 3 3 Uberlândia 9 4 28 Vespasiano 0 0 3 Total 37 54 121

Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho, 2006, 2010 e 2016. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq). O destaque de Belo Horizonte fica claro a partir da análise da Tabela 5. É em Belo Horizonte que foram registrados, nos três anos sob análise, o maior vínculo de emprego desses sujeitos. Além disso, seu número é crescente no período considerado, tendo sido registrados 17 vínculos em 2006, 26 em 2010, e 33 em 2016. Uberlândia e Senador Amaral também se destacam entre os demais municípios, principalmente pelo grande crescimento do número de vínculos de emprego — Uberlândia registrou, respectivamente, 9, 4 e 28 vínculos de emprego de trabalhadoras e trabalhadores formais imigrantes provenientes da Bolívia em 2006, 2010 e 2016, enquanto Senador Amaral, que não teve nenhum registro em 2006 e em 2010, registrou 15 vínculos em 2016 —, mas, apesar disso, não alcançam os números registrados para Belo Horizonte. Os demais municípios apresentam números bem inferiores de vínculos de emprego de trabalhadoras e trabalhadores formais imigrantes provenientes da Bolívia em 2006, 2010 e 2016 — Betim apresentou 3 vínculos em 2006, 4 em 2010 e 4 em 2016, mantendo pouca alteração ao longo do período analisado; Contagem e Extrema não apresentaram nenhum vínculo em 2006, mas registraram 2 vínculos em 2010 e 3 em 2016; Divinópolis só veio a registrar vínculos em 2016, quando apresentou 7 vínculos de emprego de trabalhadoras e trabalhadores formais imigrantes provenientes da Bolívia; Governador Valadares também demonstrou aumento da sua relevância, apesar de menor do que a de Belo Horizonte, uma vez que registrou 2 vínculos em 2006, 3 em 2010 e 7 em 2016; Ipatinga também não tinha registros em 2006, mas apresentou 1 registro em 2010 e 4 em 2016; Itaúna teve registro de 3 vínculos em 2010, mas não teve registro em 2006 e em 2016, o que sugere perda de importância para o emprego formal; Juiz de Fora apresentou vínculos crescentes, apesar do pequeno número, registrando 1 vínculo em 2006, 2 em 2010 e 3 em 2016; Pouso Alegre apresentou considerável ganho de importância, já que teve apenas 1 registro de vínculo em 2006 e 2010, saltando para 7 em 2016; Ribeirão das Neves também sugere perda de importância, não tendo registros em 2006, registrando 3 em 2010, mas apenas 1 em 2016; Uberaba tem sua situação pouco alterada, com pequena perda de importância, passando de 4 registros em 2006 para 3 em 2010 e 2016; e, finalmente, Vespasiano também aumenta sua importância, uma vez que não apresentou registro de vínculos em 2006 e 2010, mas registrou 3 vínculos em 2016 (Gráfico 1).

Gráfico 1: Registros de trabalhadoras e trabalhadores formais imigrantes provenientes da Bolívia, segundo municípios selecionados, em 2006, 2010 e 2016.

Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho, 2006, 2010 e 2016. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

A questão mais relevante suscitada na tabela (Tabela 5) e no gráfico (Gráfico 1) anteriores é a importância de Belo Horizonte, dentre os municípios do estado de Minas Gerais, na concentração do maior número de registro de trabalhadoras e trabalhadores formais com nacionalidade boliviana. Uberlândia e Senador Amaral, tal como já demonstrado, também têm sua importância explicitadas no gráfico. Outra questão interessante é a crescente importância de Belo Horizonte — bem como para a maior parte dos municípios selecionados — para o registro dos vínculos de trabalhadoras e trabalhadores imigrantes provenientes da Bolívia, o que pode ser visualmente melhor analisado a partir do Gráfico 1. Os registros vêm crescendo desde 2006, quando havia 17 vínculos de empregos formais de bolivianas e bolivianos, passando para 26 em 2010, e chegando a 33 em 2016. No caso da RAIS, o mapa dos principais registros de vínculos laborais formais de bolivianas e bolivianos em municípios de Minas Gerais em 2016 (Mapa 1) revela como este município se destaca entre os demais enquanto município com maior vínculo de emprego de bolivianas e bolivianos. A importância dos demais municípios pode ser analisada a partir da legenda do mapa.

Mapa1: Principais registros de vínculos de empregos formais de bolivianas e bolivianos em municípios de Minas Gerais em 2016.

Analisando agora apenas os vínculos de emprego formal registrados para bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, divididos por sexo, para os três anos sob análise — 2006, 2010 e 2016 —, observa-se maior presença masculina, mas, ao mesmo tempo, há um aumento muito maior dos vínculos femininos durante o período observado (Tabela 6 e Gráfico 2).

Tabela 6: Vínculos de emprego formal para bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, por sexo, registrados em 2006, 2010 e 2016.

Vínculos de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG Ano Sexo masculino Sexo feminino Total 2006 14 3 17 2010 22 4 26 2016 21 12 33

Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho, 2006, 2010 e 2016. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq). Gráfico 2: Vínculos de emprego formal para bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, por sexo, registrados em 2006, 2010 e 2016.

Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho, 2006, 2010 e 2016. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

Uma vez compreendida a crescente importância de Belo Horizonte enquanto destino laboral formal de bolivianas e bolivianos, torna-se ainda interessante investigar a ocupação à qual remete cada um dos registros encontrados. Pela grande variedade de ocupações, o que tem como consequência uma tabela muito extensa, foi necessário selecionar as principais, ou seja, aquelas que tinham maior número de registros de vínculo de emprego formal (Tabela 7).

Tabela 7: Vínculos de empregos formais de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, registrados em 2006, 2010 e 2016.

Ano Vínculos de empregos formais de bolivianas e bolivianos em BH 2006 2010 2016 Gerentes de producão e operações em empresa da indústria extrativa, 0 0 1 de transformação e de serviços de utilidade pública Pesquisadores das ciências sociais e humanas 0 0 1 Farmacêuticos 0 0 1 Médicos clínicos 0 9 6 Professores de nível superior do ensino fundamental 3 0 0 Professores na área de formação pedagógica do ensino superior 0 0 1 Professores nas áreas de língua e literatura do ensino superior 0 1 1 Professores de ciências humanas do ensino superior 1 1 1 Técnicos em programação 1 1 1 Escriturários em geral, agentes, assistentes e auxiliares administrativos 0 2 4 Almoxarifes e armazenistas 0 0 1 Caixas e bilheteiros (exceto caixa de banco) 0 0 1 Garçons, barmen, copeiros e sommeliers 0 0 1 Trabalhadores nos serviços de manutenção de edificações 0 0 2 Vigilantes e guardas de segurança 0 0 1 Vendedores e demonstradores em lojas ou mercados 0 1 1 Trabalhadores de montagem de estruturas de madeira, metal e 0 0 1 compositos em obras civis Trabalhadores polivalentes das indústrias da confecção de roupas 1 0 1 Trabalhadores da preparação da confecção de roupas 0 0 1 Operadores de máquinas para costura de peças do vestuário 0 0 3 Trabalhadores de laboratório fotográfico e radiológico 0 0 1 Mecânicos de manutenção de máquinas pesadas e equipamentos 0 0 1 agrícolas

Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho, 2006, 2010 e 2016. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

A leitura da Tabela 7 permite observar que, de forma geral, os vínculos empregatícios formais aumentaram no período sob análise. Apesar de a medicina clínica se destacar como a ocupação de maiores registros, pode-se notar a presença de operadores de máquinas para costura de peças do vestuário. O emprego no ramo da costura está, tradicionalmente, entre os mais relevantes para as bolivianas e bolivianos que chegam ao Brasil, sujeitos que são vinculados a esta ocupação e que não competem com seus pares brasileiros, conforme indica Patricia Tavares de Freitas (2014, p. 32).

[...] argumentaremos, ao longo da tese, que, embora os imigrantes bolivianos e bolivianas estejam submetidos, atualmente, na indústria de confecção [...], a condições de trabalho aparentemente similares ou mais precárias do que aquelas vivenciadas pelas costureiras brasileiras após a reestruturação produtiva empreendida ao longo dos anos 1990, os processos que explicam essa inserção boliviana, a forma de se inserirem e de circularem por entre as oficinas de costura dessa indústria e as próprias oficinas de costura nas quais trabalham não se assemelham às circunstâncias nas quais se inserem as costureiras brasileiras na mesma cidade no período pós reestruturação produtiva. Partiremos da hipótese de que essas bolivianas e bolivianos conformaram, ao longo dos últimos 30 anos, um mercado de trabalho paralelo, com territorialidades e formas de funcionamento próprias.

Pode-se acrescentar à reflexão, ainda, o fato de os dados acerca dessa ocupação não revelarem o destaque que ela representa. Uma explicação plausível para isto é o fato de a RAIS ser uma relação de vínculos empregatícios formais, não sendo esta a principal forma de contratação de imigrantes, tal como analisa Freitas (2014, p. 6).

O trabalho de imigrantes, em sua maioria sem documentação legal, em pequenas oficinas clandestinas (de costura ou para realização de outras atividades), sob intensos regimes de trabalho, nos grandes centros urbanos com a formação de amplas redes de subcontratação, não é uma novidade paulistana ou latino-americana. Constituindo-se em fenômeno crescentemente abordado pela literatura internacional, a partir de investigações em contextos urbanos como os de Nova Iorque, Los Angeles, Londres e Paris (PORTES & SASSEN-KOOB, 1987; MOROKAVASICK, 1990; PALPACUER, 2002, ROSS, 2002, BONACICH, 2002, BONACICH & APPELBAUM, 2005).

Finalmente, os dados do Sincre se referem a imigrantes registrados entre 2000 e 2015 para obtenção de residência no Brasil (RNE), sendo que estes totalizaram 261 registros. Por se tratar de uma tabela muito extensa, não foi possível representá-la aqui, optando-se por sua descrição detalhada acompanhada por algumas tabelas e gráficos elaborados para melhor visualização de determinadas informações. Os registros do Sincre foram feitos entre 2000 e 2015, sendo 5 deles feitos em 2000, 11 em 2001, 4 em 2002, 15 em 2003, 10 em 2004, 4 em 2005, 10 em 2006, 7 em 2007, 11 em 2008, 14 em 2009, 7 em 2010, 22 em 2011, 22 em 2012, 46 em 2013, 43 em 2014, e 30 em 2015 (Gráfico 3).

Gráfico 3: Número de registros de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, 2000 a 2015.

50

40

30

20 Número de registros por ano 10

0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Sincre, Ministério do Trabalho, 2000 a 2015. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

Quanto ao tipo de visto. Foram registrados 176 vistos temporários, 82 vistos permanentes e 3 vistos provisórios (Tabela 8 e Gráfico 4).

Tabela 8: Tipos de vistos concedidos a bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, registrados entre 2000 e 2015.

Tipos de vistos Número de vistos concedidos Vistos temporários 176 Vistos permanentes 82 Vistos provisórios 3

Fonte: Sincre, Ministério do Trabalho, 2000 a 2015. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

Gráfico 4: Tipos de vistos concedidos a bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, registrados entre 2000 e 2015.

Fonte: Sincre, Ministério do Trabalho, 2000 a 2015. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

Deste montante, 127 registros são do sexo feminino e 134 são do sexo masculino. As idades das bolivianas e bolivianos variam entre 2 e 87 anos. Quanto ao estado civil, 184 pesoas são solteiras, 67 pessoas são casadas, 4 pessoas divorciadas e 6 pessoas foram registradas como outro estado civil (Tabela 9 e Gráfico 5). . Tabela 9: Estado civil de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, 2000 a 2015.

Estado civil Registros Pessoas solteiras 184 Pessoas casadas 67 Pessoas divorciadas 4 Outro estado civil 6

Fonte: Sincre, Ministério do Trabalho, 2000 a 2015. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

Gráfico 5: Estado civil de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, 2000 a 2015.

Fonte: Sincre, Ministério do Trabalho, 2000 a 2015. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

Foram registradas ainda como unidade federativa de entrada: SP (134 registros), MG (16 registros), MS (67 registros), PR (26 registros), MT (7 registros), RO (4 registros), RJ (6 registros), DF (1 registro) (Tabela 10 e Gráfico 6).

Tabela 10: UF de entrada de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, 2000 a 2015.

UF de entrada Registros Distrito Federal 1 Rondônia 4 6 Mato Grosso 7 Minas Gerais 16 Paraná 26 67 São Paulo 134

Fonte: Sincre, Ministério do Trabalho, 2000 a 2015. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

Gráfico 6: UF de entrada de bolivianas e bolivianos em Belo Horizonte-MG, 2000 a 2015.

Fonte: Sincre, Ministério do Trabalho, 2000 a 2015. Tabulações: Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/FAPESP-CNPq).

Finalmente, as ocupações registradas foram: estudante (73 registros), diretor, gerente ou proprietário (1 registro), programador (4 registros), decorador (29 registros), economista (5 registros), médico (40 registros), porteiro (1 registro), sacerdote (11 registros), engenheiro (3 registros), pedreiro (7 registros), vendedor ou empregado de casa comercial (1 registro), caixa (1 registro), profissional liberal (1 registro), lides do lar (1 registro), arquiteto (13 registros), fundidor (1 registro), psicólogo (2 registros), aposentado (5 registros), bolsista (2 registros), químico (1 registro), mecânico (1 registro), biólogo (1 registro), artista (1 registro), atleta (1 registro), carpinteiro (3 registros), cozinheiro (1 registro), jurista (2 registros), motorista (1 registro), tipógrafo (1 registro), padeiro (1 registro), sem ocupação (7 registros), e outra ocupação não classificada (39 registros). Quanto ao meio de transporte utilizado para entrada, foram registrados avião (141 registros), ônibus (75 registros), e outros meios (45 registros). A análise dos dados das três fontes de dados utilizadas permite compreender Belo Horizonte como um novo espaço da imigração boliviana no Brasil, apreendendo seu perfil e as tendências de inserção laboral desses sujeitos. Desta forma, conclui- se que a importância da imigração boliviana em Belo Horizonte é crescente e cada vez mais expressiva, considerando o contexto nacional. Esta realidade revela a relevância dos estudos sobre esta população, buscando compreender sua dinâmica a fim de propor políticas públicas eficientes e urgentes, que tirem esses sujeitos da invisibilidade. A possibilidade de mudança começa sempre com a reflexão.

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