Sexta-feira 11 Setembro 2009 www.ipsilon.pt

ExperimentaDesign E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE DO PÚBLICO, EDIÇÃO Nº 7066 INTEGRANTE DA PARTE FAZ ESTE SUPLEMENTO Ainda temos tempo?

Eimuntas Nekrosius Christina PluharRichard Ford The xx Filipe Verde Pedro Almodóvar

José Saramago em Penafiel

No novo filme de Sally Potter, Judi Dench é Mona Carvell...

José Saramago é o homenageado do Escritaria A segunda edição do Escritaria, que decorrerá de 15 a 18 de Sally Outubro em Penafiel, será dedicada a José Saramago - o lançamento ... Steve Buscemi é Frank... oficial do novo livro do Nobel da Literatura, “Caim” (Editorial Caminho), terá lugar, de resto, Potter durante o evento, que também incluirá a atribuição do Prémio Literário José Saramago pela num telemóvel perto de si Fundação Círculo de Leitores. O Flash realizador do filme “Ensaio sobre a Cegueira”, o brasileiro Fernando Meireles, e o comissário da Que o cinema já não está telemóvel e depois ... Riz Ahmed é Vijay... exposição “A Consistência dos apenas limitado ao grande colocando-os na Sonhos”, Fernando Gómez ecrã não é novidade internet em sete Aguilera, são alguns dos convidados nenhuma, e os evangelistas “episódios” do Escritaria, bem como os escritores Carlos Fuentes, Laura da tecnologia sempre correspondentes a Restrepo, Nuno Júdice, Gonçalo M. disseram que era uma um dia na cronologia Tavares e Miguel Real. Os questão de tempo até as do desfile. Os actores académicos Eduardo Lourenço, novas plataformas de foram filmados com Carlos Reis e José Manuel Mendes distribuição e visionamento uma câmara digital, também estarão presentes. No ano passado, o homenageado deste começarem a ser integradas representando programa organizado pelas Edições na estratégia de lançamento sozinhos frente a um Sumário Cão Menor, em parceria com a de um filme. Pois bem, écrã “chroma key” Câmara Municipal de Penafiel, foi o parece que vai acontecer manipulado em pós- ExperimentaDesign 6 escritor Urbano Tavares Rodrigues. mais cedo do que se produção com cores sólidas O tempo é todo um programa esperava: daqui a 15 dias, a — e que actores: Judi Dench, completamente diferente. A na quinta edição da bienal James Murphy de cineasta inglesa Sally Potter Steve Buscemi, Jude Law, partir de 21 de Setembro, as vai estrear “Rage”... num Eddie Izzard, John plataformas online Eimuntas Nekrosius 14 branco para o novo telemóvel ou num iPod Leguizamo, Dianne Wiest, Babelgum e iTunes irão O monstro do teatro lituano álbum dos LCD perto de si. O novo filme da Lily Cole ou Bob Balaban distribuir diariamente um enfrenta o monstro da Soundsystem cineasta de “Orlando” e “A aceitaram fazer parte da dos sete “episódios” que literatura russa Só têm dois álbuns mas são uma das Lição de Tango” vai estrear radical experiência formal compõem a narrativa do bandas mais importantes da ao mesmo tempo online, de Potter, que explora de Christina Pluhar 18 filme, possibilitando o década, daquelas que sobreviverão O céu é o limite para a em telemóveis, em DVD e modo inteligentíssimo o visionamento no como indelével marca do seu em sala. que pode significar o computador ou em improvisação - mesmo na tempo. Falamos dos LCD Faz sentido, face à estrutura conceito de narrativa na música antiga Soundsystem e, sabe-se agora, telemóveis. E, a 24 de seremos presenteados em 2010 com nada convencional do nova paisagem mediática e Setembro, “Rage” vai ter The xx 20 novo capítulo da sua discografia. filme: o conceito de “Rage” tecnológica e esvazia o antestreia em projecção Depois do homónimo álbum de Aos 20 anos, uma obra-prima é uma série de entrevistas conceito tradicional de digital na sala londrina do estreia (2005) e de “Sound of Silver que um aluno de liceu cinema para se concentrar British Film Institute, transgeracional (2007), depois dos singles e EPs, James Murphy e companhia (nunca visto nem ouvido) apenas nas performances transmitida em directo via Richard Ford 24 trabalham no sucessor que, como faz aos intervenientes num dos actores, que nunca satélite para uma série de A felicidade está nas tudo o que lhes diz respeito, desfile de moda nova- interagem uns com os cinemas ingleses, seguida aguardamos ansiosamente. Mais pequenas coisas iorquino, filmando-os no outros. de um encontro da ainda depois de ler as declarações seu “Escândalo” do último realizadora e do elenco com de Murphy à revista britânica “Mojo”, em que descreve o Festival de Berlim, os espectadores, que processo de gravação. Saiba-se recebido em podem enviar perguntas Ficha Técnica então que, desta vez, Nova Iorque catástrofe por por video-chamada ou SMS, não serve de inspiração ... e Jude Law - sim, Jude Law - é Minx uma crítica antecedendo uma carreira Director José Manuel Fernandes primeira. Os LCD Soundsystem intransigente, comercial restrita a duas Editor Vasco Câmara, Inês Nadais estão em Los (adjunta) Angeles e “Rage” semanas de cartaz, em Conselho editorial Isabel tiraram confirma simultâneo com o Coutinho, Óscar Faria, Cristina partido agora a sua lançamento em DVD. Para Fernandes, Vítor Belanciano vocação de quem quiser saber mais Design Mark Porter, Simon experiência pormenores ou ter um Esterson, Kuchar Swara Directora de arte Sónia Matos radical, ao “cheirinho” do objecto, Designers Ana Carvalho, ser tudo é explicado em http:// Carla Noronha, Mariana lançado de ragethemovie.com ou www. Soares modo babelgum.com/rage. Jorge Editor de fotografia Mourinha Miguel Madeira James Murphy tem E-mail: [email protected] novidades para 2010

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 3 Flash

O coração de John Lydon está com os PiL, não com os Sex Pistols

da mudança. Alugaram uma romance de Francisco José Viegas E depois dos mansão, contrataram uma depois de lhe ter sido atribuído o cozinheira, aproveitam a piscina Grande Prémio de Romance e Novela PiL, o regresso “formidável” e, quanto ao resto, o da Associação Portuguesa de dos Bee Gees melhor mesmo será transcrever as Escritores. Há um cadáver palavras do vocalista e co-fundador encontrado nos bosques que John Lydon tem da editora DFA: “Decidimos fazer rodeiam o belo Palace do Vidago concorrência de peso no de Los Angeles uma Los Angeles e claro, o regresso do detective anúncio do regresso dos imaginária do ano 1973. Toda a Jaime Ramos. PiL. Não sendo certo gente deveria vestir-se de branco Em Dezembro, outro lançamento que tenham sido em permanência, o que nos de peso: a obra “Poemas decisões concertadas, assemelharia a um culto bizarro, e Portugueses – Antologia de Poemas a verdade é que, à noite íamos às festas, dez pessoas Portugueses do Séc. XIII ao Séc. poucos dias depois numa carrinha, todos de branco. XXI”, com selecção, organização do anúncio da Penso que conseguimos, de certa introdução e notas de Jorge Reis-Sá reunião de um dos forma, deixar uma marca na e de Rui Lage. Com mais de duas nomes maiores do pós- cidade”. mil páginas, esta antologia tem um punk, soube-se que Como não ficarmos entusiasmados prefácio de Vasco Graça Moura e um dos com tal descrição? Como não agrupa poemas dos cancioneiros ícones salivar quando sabemos também medievais até aos nossos dias (o maiores do que, ainda que por agora existam último poema é de 2008). Os seu arqui- apenas instrumentais, os LCD editores acreditam que esta Os Sex Pistols já regressaram, inimigo, o disco-sound, também Soundsystem trabalham em antologia fará uma releitura da prepara o seu regresso. Senhoras e canções com títulos como “Why do história da poesia portuguesa e agora é a vez dos PiL senhores, os Bee Gees estão de you hate music” – “parece que hoje dizem que haverá surpresas nas volta, seis anos após a morte de em dia toda a gente detesta música, escolhas dos organizadores, que Ok. Os Sex Pistols já regressaram PiL, por sua vez, permitiram-lhe Maurice Gibb, um dos três irmãos incluindo os músicos”, comentou ainda não têm 40 anos. mais do que uma vez, já deram “expressar emoções que fundaram a banda de “You win Murphy – e “Love In LA”, que é Mas o livro de ficção “A Cabana” sabe-se lá quantos concertos e autênticas”: é por isso, explica, again”. descrita como influenciada por de Wm. Paul Young (filho de fizeram as coisas como deve ser. que “queria realmente sair e É certo que os Bee Gees, que Eddy Grant e Sly & Robbie? missionários) é a grande aposta da Ou seja, ironizaram desde o fazer ‘Death disco’ novamente”. iniciaram carreira em tons Algures em 2010, acabará a Porto Editora e um forte candidato início com a situação, Contudo, o que o público ouvirá psicadélico-bubblegum na segunda ansiedade. Os LCD terão um novo a “best-seller” do ano (nas livrarias baptizando a digressão de não serão exactamente os PiL metade da década de 1960, não se álbum e isso fará a Humanidade a 2 de Outubro), se olharmos para o reunião, lá longe nos anos 1990, de que se recorda, ou seja, a esgotam no disco-sound, mas como feliz. sucesso que tem tido nos países de “Filthy Lucre Tour”. Pois banda de “Poptones” ou “This esquecer “Staying alive”, como onde já foi publicado. Com sete bem, foram os Sex Pistols que is not a love song”, essa que esquecer “You should be dancing” e milhões de livros vendidos nos EUA deram protagonismo a John mergulhou na música negra, em toda a banda sonora de “Febre de Sepúlveda e Viegas e um milhão de livros vendidos no Lydon, que conhecemos krauts transviados e tribalismos Sábado à Noite”? Para o mundo, e voltam ao romance Brasil, “A Cabana” começou por ser enquanto Johnny Rotten, mas o urbanos como reacção àquilo apesar de ter sido muito respeitável publicado numa edição de autor. É coração dele pertence a outros. que via como unidimensional em “1st Album” e no agora Mais novidades para a “rentrée”: já um livro que um pai escreveu para Mais propriamente aos P.i.L, a no punk mais canónico. Da reeditado “Odessa”, a banda dos para o dia 2 de Outubro, está os filhos e para os amigos sem banda que fundou depois da formação original, apenas se irmãos Gibb representa o apogeu programado o lançamento de “A pensar que alguma vez o viria a caótica opereta que foi o fim dos Lydon se mantém. O baixista do mau gosto da “década que o mau Sombra do que Somos”, do chileno publicar. Conta a história Pistols. E Lydon anunciou que Jah Wobble não está interessado gosto esqueceu”. Luis Sepúlveda, que há anos não de Mack Allen Phillips, que, depois vai fazê-la ressuscitar da tumba em regressar e o guitarrista O anúncio do regresso para alguns lançava um romance. Conta a de sua filha ter sido assassinada pop onde a deixou em 1993. Keith Levene, segundo o concertos, de resto, não ajuda a história de um grupo de antigos numa cabana, recebe um bilhete O New Musical Express informa vocalista, “partiu para o seu apagar a imagem que os Bee Gees militantes de esquerda derrotados assinado por Deus. que a banda regressará em pequeno universo privado e construíram de um dos grupos mais pelo golpe de estado de Pinochet e Num outro registo, misturando o Dezembro para uma série de nunca regressou”. A banda será “uncool” de sempre. De facto, que condenados ao exílio que se reúnem real e o fantástico e com uma concertos comemorativos dos composta, informa o New outra banda escolheria o “Test 35 anos depois num bairro popular descida aos Infernos, será 30 anos da edição de “Metal Musical Express, por Lu Match Special”, programa de de Santiago do Chile. É uma publicado, a 12 de Box”, o registo mais Edmonds, guitarrista dos críquete da BBC Radio, para homenagem ao idealismo dos Novembro, “A Porta emblemático da carreira dos Damned, Bruce Smith, antigo declarar ultrapassada a “barreira de perdedores e, para o editor da dos Infernos”, do PiL. Pela música e pela baterista das Slits, e pelo emoções” que se seguiu à morte de Porto Editora, Manuel Alberto escritor francês embalagem: três discos de 12” baixista Scott Firth. E John Maurice, em 2003, na sequência de Valente, é “o regresso de Laurent Gaudé arrumados numa caixa de Lydon está feliz com as uma operação ao intestino? Foi Sepúlveda à sua grande (Prémio Goncourt bobines. O jornal avança que a hipóteses que se abrem: precisamente aí, enquanto, forma, o regresso do grande 2004). digressão terá cinco datas. “Algumas coisas serão imaginamos, comentava o intenso contador de histórias”. Pouco Birmingham 02 Academy (dia semelhantes, outras nem tanto. duelo entre a Inglaterra e a Austrália depois, a 8 de Outubro, sairá 15), Leeds 02 Academy (16), Veremos até onde (ou o Bangladesh-Índias também nesta editora “O Mar Glasgow 02 Academy (18), conseguiremos ir”. Para já, Ocidentais), que Robin Gibb em Casablanca”, o Manchester 02 Academy (19), dizemos nós, irão embarcar explicou que o desejo de primeiro London Brixton 02 numa “Filthy Lucre concretizar o regresso surgiu depois Academy (21). Tour”, versão PiL. Até de um encontro recente em Miami Em entrevista recente ao pode ser um bom com o irmão Barry. “Estamos a “Guardian”, Lydon começo. reunir-nos neste preciso explica porque se momento”, declarou saturou do punk mal o Robin aos microfones punk explodiu: “Não da BBC. gosto de clichés, não gosto de armadilhas, não gosto de uniformes, e o punk estava tornar-se um problema Luis Sepúlveda sério quanto a isso. É muito volta ao Chile, triste ver pessoas a encher as no novo romance primeiras dez filas [numa sala de concertos] tentando parecer exactamente como tu”. Os Bee Gees: vivos, como na canção

4 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon 10  1  10   $),*!#!(.*$

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Está na hora Quisemosavelocidadedosomcomosaviõesea v a contemporaneidade absoluta, só conseguimos pensar numa coisa: a quetemotempocomtemageral,aideiaestáportodoolado: c

Uma hipótese – uma hipótese só me- dianamente descabida à luz de um universo pós-Madoff: o colapso do capitalismo. Se, perante estas pala- vras, é dos que começam a ver o fu- turo tingir-se de negro, saiba que está do lado de lá da barricada. Do lado de lá da barricada em relação, por exem- plo, a Louis C. K. O argumento dele é Capa simples: o mundo como o conhece- mos é espantoso, sim, mas ninguém está feliz, donde talvez estejamos mesmo é a precisar de um “back to basics”, de um regresso a tempos mais simples, por exemplo, de um regresso a essa maravilha telúrica de sermos nós e o nosso burro, caminho fora, rumo a casa. Estamos em plena gargalhada de uma entrevista de Conan O’Brien a um dos humoristas norte-americanos do momento e não temos que levar isto demasiado a sério. Mas, de repente, perante a ideia de uma crise económi- ca que nos devolva a uma era de trac- ção às quatro patas, eis-nos a ser apon- tados como membros “da mais reles geração de idiotas mimados de sem- pre” e a ficarmos sem ponto de fuga. Não há volta a dar: estamos todos ali. Por partes: houve uma altura não particularmente longínqua das nossas vidas em que os telefones tinham um disco giratório tão difícil de rodar que nos levava a odiar qualquer pessoa que tivesse um número com mais do que um zero; o tipo de telefone que nos obrigava a atravessar a casa para fazer ou receber uma chamada e que, quando saíamos, ficava ali, às escuras, a tocar sozinho. Regresso ao futuro: andamos calmamente a ver montras, vamos confortavelmente sentados ao volante do nosso carro ou estamos na praia, de férias, numa ilha paradisía- ca a quilómetros infinitos de tudo, pegamos no telemóvel, tentamos fa- zer uma chamada e não temos ligação imediata. O quê? Como? Porquê?! In- concebível, não? Sim, claro, inconce- bível esquecendo que o sinal tem que ir ao espaço e voltar. Em segundos! Isso e a questão das pontes aéreas. “Voar é o pior”, conclui Louis C.K., “porque as pessoas regressam de via- gem, contam-nos a sua história e pa- rece um filme de terror, parece que o voo foi numa carruagem de gado na Alemanha dos anos 1940.”

6 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon aDesign ade desacelerar a velocidadedaluzcomaInternet,mas,agoraqueconquistámos : abrandar.NaquintaediçãodabienalExperimentaDesign, : correr menos e pensar mais, produzir menos e melhor. Vanessa Rato

Sequência banal de eventos: 20 mi- nutos à espera na sala de embarque e 40 minutos suplementares na pista com o avião à espera de autorização de descolagem. Uma hora de atraso, no total. Um horror. “A sério? E o que é que aconteceu depois? Viajaram pelo espaço! Incrivelmente! Como um pássaro! Fizeram parte do milagre do voo humano para o qual eu e vocês contribuímos zero. Voámos! É incrí- vel! Eu acho que toda a gente em to- dos os aviões devia estar constante- mente a gritar ‘Meu Deus! Uau! Estou a voar!’ É que estamos sentados numa cadeira a atravessar o espaço! De No- va Iorque à Califórnia em cinco horas. Costumávamos demorar 30 anos! Ha- via mortes e nascimentos pelo cami- nho! Cresciam gerações! À chegada era um grupo completamente dife- rente de pessoas!” Reconhecemo-nos, verdade? “Tou- chés”. Agora, o que é que aconteceu para nos termos tornado nisto, “na mais reles geração de idiotas mima- dos de sempre”? A velocidade, claro - ou, melhor dizendo, a conquista da velocidade e, com ela, a conquista da distância. Foi o que pôs em causa a maneira como vivíamos aquilo que temos de mais essencial: o tempo. E, perturbada a nossa relação com o tempo, ficou perturbada também a nossa relação com nós mesmos. Tudo num abrir e fechar de olhos. Um paradigma modernista Há quem defenda que o primeiro grande momento de conquista da dis- tância se deu por via da pintura, com a pintura paisagista, origem do pri- meiro nómada modermo. Mas pode- mos ir por outro caminho: a Revolu- ção Industrial primeiro, movida a vapor, e, logo depois, os trezentos quilómetros por hora de um TGV, os mil quilómetros hora de um avião normal, os dois mil quilómetros hora de um Concorde. Mais rápido, cada vez mais rápido até atingirmos a ve- locidade da luz com a Internet e pas- sarmos – ou pensarmos que passámos – a viver a História em tempo real. Até toda a memória do universo estar ali, à frente dos nossos olhos, à distância de um clique. De tal forma que pas- sado, presente e futuro começaram a embrulhar-se num grande nove-

Livro da exposição “Quick, Quick, Time”: precisamos de tempo para coisas que exigem mais tempo, eis o “statement” da Experi- menta

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 7 Uma Quick, Quick, Slow

Museu Colecção Berardo história alternativa do design

lo. A contemporaneidade absoluta “A voragem da Em “Quick, Quick, Slow” - – a esmagar-nos. A tal ponto que, che- Texto, imagem e tempo”, um gados ao final da primeira década do século XXI, os rumores vagos de há velocidade destrói conjunto surpreendente de umas quantas décadas se começaram a possibilidade livros, materiais impressos, a transformar num grito: é preciso filmes e vídeos reinventa a desacelerar. de uma ecologia Travão a fundo: pensar. “Pensar, história do design gráfico por exemplo, se o paradigma da ve- emocional de relação e animado. Para mostrar locidade não será o paradigma mo- como o tempo contamina dernista por excelência e se, hoje, não profunda com o temos obrigação de o contrariar, tor- o trabalho, as ideias e as mundo (...). É preciso Os designers nando o pensamento mais lento e, preocupações dos designers. da “Emigre” portanto, mais produtivo”, diz Delfim desacelerar para José Marmeleira foram dos Sardo, um dos muitos participantes primeiros a da edição deste ano da Experimenta- podermos ter um usar compu- Design, entre as dezenas de criadores, tadores - mas comissários e conferencistas que espaço de reflexão é possível compõem o intenso programa de ex- perceber posições, debates e conferências que com uma ecologia nos núme- arrancaram a meio desta semana e se emocional eficaz” ros iniciais prolongam até 8 de Novembro (ver da revista a páginas seguintes – programação Delfim Sardo herança das completa em www.experimentade- vanguardas sign.pt). O que têm em comum o futurista europeias Tudo a ver com o tempo – o tema Filipo Marinetti, a autora de da ExperimentaDesign é mesmo esse: banda desenhada Marjane “It’s about time”. O tempo enquanto Satrapi e Peter Saville, o designer material, recurso e desafio; o tempo gráfico das capas dos discos dos – ou a falta dele – num mundo à beira Joy Division? Para Emily King, do colapso económico e ecológico; o curadora de “Quick, Quick, Slow” tempo numa era de comunicação ver- - Texto, imagem e tempo”, que tiginosa e de conjunturas sociais que inaugura hoje, não há dúvidas: nos parecem cada vez mais frágeis... todos fizeram objectos de Delfim Sardo coordena um painel design que lidam com o tempo. de debate de que fazem parte o ho- É a proposta curatorial mais landês Max Bruinsma, a italiana An- eclética da ExperimentaDesign: nina Koivo e o belga Walter Bettens. inclui peças de artistas “Vou partir do princípio de que a vo- plásticos, designers, cineastas, ragem da velocidade destrói a possi- realizadores de videoclips e bilidade de uma ecologia emocional autores de banda desenhada. “A história do design de relação profunda com o mundo, Uma selecção desconcertante, gráfico não se limita partir do princípio de que é preciso pouco ortodoxa, portanto. Mas, português), assinalando o desacelerar para podermos ter um face às acepções de tempo que novo uso dado pelos artistas a contar a histórias espaço de reflexão com uma ecologia convoca (sequência, narrativa, à impressão. “Um folha emocional eficaz.” processo, fluxo, velocidade), impressa implica o tempo que dos designers. O que É, no fundo, o tipo de ideia que es- provavelmente a mais oportuna demoramos a lê-la, o processo tá por trás de grande parte das pro- e entusiasmante. da sua feitura. Nos princípios eles fazem permite- postas da quinta edição Experimenta. A concepção de “Quick, Quick, do século passado, os futuristas Ou, por outra: é, no fundo, o tipo de Slow” - Texto, imagem e tempo” começaram a brincar com o nos perceber o que ideia a fazer-se cada vez mais presen- conheceu, logo no início, um tempo, disparando palavras e acontece à nossa te no mundo, sobretudo no mundo desvio singular, que a curadora títulos sobre as páginas. Para do pós-11 de Setembro. revela: “Quando me convidaram exprimirem um novo sentido, volta” Desacelerar: a popularização cres- a conceber esta exposição, creio menos ordeiro, mais dinâmico, cente da “slow food” contra a “fast que a intenção era, sobretudo, trazido pelos transportes, pelas Emily King food”, do biológico e do “home made” salientar a ideia do design em comunicações” contra o processado, as “slow cities” movimento, com vídeos e filmes. Tal momento é, aliás, celebrado bloqueadas. Uma das opções em detrimento das megalópolis, a gla- Mais tarde, porém, depois dei- no título “Quick, Quick, Slow”; pode ser resistir ao ritmo do me conta que os designers já mas, estranhamente, apenas tempo”. lidavam com o tempo antes de nas duas primeiras palavras. “O Estará o design tão experimentaram com a imagem sentimento cultural na primeira determinado pela tecnologia em movimento. Faziam-no com o metade do século era de que o que se imponha uma pausa? “O Desafio Reflexão Pormenor Tempo papel impresso”. tempo estava a acelerar. Agora que este trabalho demonstra A exposição começa, é o tempo que parece vir atrás é que não precisar de estar”, assim, com revistas, livros, de nós. Talvez por isso, na parte defende. “Quando um artista publicações das vanguardas final da exposição encontramos desacelera um programa históricas (futurismo, dadaísmo, uma peça como ‘Flood Fill de computador, permite- construtivismo, De Stijl, sem Clock’, de Juerg Lehni, onde nos perceber como este Louis C. K.: “De Nova esquecer uma participação programas de computadores são funciona. David Reinfurt, por Iorque à Califórnia em simbólica do modernismo desacelerados e as suas funções exemplo, faz algo semelhante, cinco horas. Costumávamos demorar 30 anos!”

8 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon Internacional”, de Saul Bass, “Sete”, de Kyle Cooper Os filmes e, principalmente, o mais de Walter diegético: “Fahrenheit 451”, Ruttmann de Truffaut, onde não lemos os podem estar títulos, alguém os lê por nós. nos vídeos Outras narrativas lêem-se de Michel nas capas de Peter Saville Gondry ou de para os Joy Divison. Também Mike Mills relacionadas com o tempo: as - basta ondas electromagnéticas em procurá-los “Unknown Pleasures”, as letras nas escritas em metal, um material entrelinhas resistente e duradouro, de “Love Will Tear Us Apart”, a tumba em “Closer”. E toda uma história da banda associada a estas imagens. Finalmente, descobrem-se afinidades entre algumas obras dos primórdios do cinema abstracto, como os filmes de Mary Ellen Bute, Walter Ruttmann ou Oskar Fischinger morização do analógico contra a ba- (que trabalhou com Fritz nalização do digital, o regresso dos Lang e foi o responsável por “crafts” contra a produção industrial uma sequência de “Fantasia”, massificada, a economia de recursos realizado em 1940 por Walt em vez do seu esbanjamento... Disney), e as experiências em vídeo de Michel Gondry, Mike Fuga para a frente Mills, dos Blip Boutique ou Não se trata de aderir cegamente à dos franceses M/M, autores “buzz word” lentidão: “A lentidão do videoclip para canção nem sempre é boa e a velocidade nem “Hidden Place” de Bjork. Um sempre é um inimigo a abater. Trata- exemplo, cortesia da Emily se de podermos controlar o nosso King: “O vídeo ‘Star Guitar’ [de tempo, de poder controlar o ritmo a Michel Gondry] mostra vários que ele nos é imposto”, diz a historia- edifícios da perspectiva de um dora Emily King, comissária no Museu comboio em movimento, que Berardo da exposição “Quick, Quick, vão regressando ou repetindo- Slow”, que traça um retrato da cres- se ao ritmo da música. É um cente importância dos meios digitais equivalente visual do ritmo. na história do design gráfico. E se repararmos no filme do É uma questão basilar: o direito à Oskar Fischinger, com as suas autodeterminação – o mesmo direito alterações de formas e cores, que nos tem vindo a ser roubado des- percebemos que estão muito de que a temporalidade como facto próximos”. interior, pessoal, subjectivo, começou A montagem de “Quick, a encolher-se debaixo do jugo do ti- versa – que deve ser entendida, Quick, Slow”, diz-nos Firth que-taque do relógio mecânico, o por exemplo a inclusão de peças Kerr, a designer gráfica da mesmo tique-taque que uniformizou de Dieter Roth e Ed Ruscha. exposição, privilegia estas os minutos e as horas, transforman- Do primeiro, serão mostradas ligações. Sem menosprezar do-os em pequenas cadeias idênticas experimentações com o suporte um sentido cronológico, revela e abstractas de uma sequência impa- do livro, desenvolvidas durante peças dispostas de forma rável, anónima, cada vez mais desli- a sua estada na Islândia, nos diferente ou inesperada, gada dos ciclos da natureza, o mesmo anos 50; do segundo, livros como numa sucessão alternada de tique-taque que permitiu fazer do tra- “Twentysix gasoline stations” livros e materiais impressos balho e do lazer reguladores políticos (1963) ou “Royal Road Test” e imagens em movimento. O da vida da maioria de nós. De forma (1967), que lidam com as ideias objectivo é desenhar saltos a produzirmos e consumirmos tudo de série, percurso ou viagem. E entre épocas, criar genealogias, em cada vez maior quantidade. não é de somenos lembrar um insinuar heranças, como as Em vez das terríveis mas contem- conjunto de trabalhos de Sol Le que Emily King intuiu entre a plativas “vanitas” da pintura antiga, Witt, produzidos entre 1972 e revista americana de design o macabro do horror barroco aos es- 1990. “Emigre”, surgida nos anos 90, cansões do tempo métrico e, de- e as vanguardas europeias. “A Saltos quânticos equipa da Emigre foi a primeira As capas que Mais inesperadas, ou talvez geração de designers a usar Peter Saville não, são as presenças dos computadores, e se olharmos “A lentidão nem concebeu autores de banda desenhada para os primeiros números da para os discos sempre é boa e a contemporânea Chis Ware e revista conseguimos perceber dos Joy Marjane Satrapi ou de gente como eles sentiam essas Division velocidade nem do cinema, como Saul Bass e transformações. O mesmo assumem François Truffaut. “No livro exercício pode ser feito com as uma relação sempre é um inimigo ‘Jimmy Corrigan’ [de Chris experiências dos dadaístas e manifesta Ware], encontramos vinhetas dos futuristas e a percepção que a abater. Trata-se com o espaço que desaceleram a acção, e em tinham das mudanças que as e o tempo ‘Persépolis’, a autora mistura suas épocas assinalavam. Há, de poder controlar de uma forma original o tempo na minha opinião, ecos entre os o ritmo a que o tempo mas trabalhando com os é difícil não perguntar: podia pessoal com o tempo histórico. dois períodos” ‘screensavers’”. o tema da exposição ser São livros com narrativas e, A curadora (também nos é imposto” Uma das singularidades de explorado apenas com peças ao mesmo tempo, objectos de historiadora) não tem, “Quick, Quick, Slow é, como mais facilmente classificáveis design”, explica a curadora. entretanto, quaisquer Emily King já referimos, a sua amplitude como design? O cinema é representado problemas em subscrever a estética – não é todos os dias “Tenho uma perspectiva nesse tipo de sumário, de ideia de que esta exposição que vemos, no mesmo espaço, ampla da disciplina”, sublinha introdução ou síntese gráfica conta uma história alternativa: obras de Francis Picabia, Emily King. “Basta olharmos do filme que é o genérico, a “A história do design gráfico não vídeos da dupla M/M e o para a sua história: encontramos partir do qual se estabelecem se limita a contar a histórias dos genérico de “Soylent Green”, de pessoas como o Marinetti ou ligações com as experiências designers. Responde, sobretudo, 1973. Há filmes, vídeos, peças Kurt Schwitters, artistas que modernas do cinema, como a à cultura. E é por isso que aquilo interactivas, revistas, capas de pensaram e ensinaram o design utilização de formas abstractas que os designers fazem nos discos, livros de artista, ou de em escolas de arte”. Ora é neste para criar uma animação. permite perceber um pouco banda desenhada. Diante de contexto amplo, diverso – em Dos filmes citados, destacam- mais o que acontece ou está a tantos e improváveis encontros, que o design habita a arte e vice- se os genéricos de “Intriga acontecer à nossa volta”.

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 9 Design devagar Menos e melhor é o mote de “Lapse in time”. A lado solar da recessão, a independência e a contra-corrente do design face à voragem da produção em massa e das variações repetitivas do já existente. Joana Amaral Cardoso

Lapse in Time

Sociedade Nacional de Belas Artes

O contexto é o do tudo é possível, “Drag”, sobre-produção e contra o fazer pois, a urgência exasperante dos porque estamos todos ligados, de Julien o mesmo repetidamente”. Os dígitos a avançar no grande ecrã do porque as linhas fabris são Carretero designers seleccionados para cinema ou no pequeno ecrã da tele- rápidas, porque a velocidade “Lapse in Time” partilham a visão enquanto uma bomba ameaça é nossa e fazemos dela o busca do “fazer as coisas pela explodir mas o “crosscutting” para que quisermos. Nesse lugar, sua alteridade, tentando livrar- momentos de nada nos deixa em sus- a produção massificada é nos de tudo o que nos informa. penso num ciclo exasperante de dila- glorificada como uma espécie de Se estivermos demasiado tações narrativas, cada vez mais de- toque de Midas. Mas nesse lugar, informados, se lermos menos sejosos de pura e simplesmente eli- também, as ideias e os conceitos revistas, menos catálogos, minar o tempo, seguir em frente: tendem a estagnar. O facilitismo descobriremos qual é a nossa “Precisamos de abrandar? Comple- pode reinar e o sentido crítico individualidade ao fazer objectos tamente. É necessário reflectir. Temos é a antítese da rapidez. Este ou projectos”, incentiva. de dar um passo atrás e produzir me- contexto pode aplicar-se a As ligações mundiais das nos, temos de nos perguntar: ‘Para tudo: ao jornalismo de fabrico comunicações geram dois que é que precisamos de tudo isto?’”, de conteúdos, às linhas de efeitos concorrentes: por um diz Tulga Beyerle, comissária da ex- montagem da Autoeuropa, à lado, a sobredose de informação; posição “Pace of Design”, que preten- arquitectura, aos formatos por outro, a cultura de partilha, de revelar o tempo como construção cinematográficos e televisivos do “open source”, do “free code”. cultural, uma variável apreendida de e, claro, ao design. Para tudo Conhecemos através dela os diferentes formas por diferentes so- pôr em causa, entra em cena trabalhos em pequena escala, ciedades em diferentes partes do “Lapse in Time”, exposição que as edições limitadas, cruzam-se mundo contemporâneo. devolve a Sociedade Nacional estilos, revivem-se movimentos. A dada altura, numa entrevista, de Belas Artes à lista de palcos “A alta tecnologia pode ser Umberto Eco ironizou sobre a origem da ExperimentaDesign e que vai dessas diferenças: “Para certas civili- pensar o “design, elasticidade “Liquid zações o futuro está atrás de nós, já e responsabilidade”. Nela estão Production”, que não o podemos ver, ao passo que trabalhos de jovens criadores de Martin o passado está à nossa frente, uma de seis países, entre os quais os Azúa vez que o vemos. [Mesmo hoje], às portugueses Fernando Brízio e vezes pensamos que a morte nos per- Susana Soares, que seguem em ENRIC VIVES-RUBIO segue para nos apanhar. O futuro vem contra-corrente. de trás, portanto. Mas, para lhe esca- Ser previsível não é par, tomamos fuga para a frente, ru- necessariamente confortável – é mo a outro prolongamento do futuro. uma variação do mesmo acorde, É uma situação embaraçosa.” insiste Hans Maier-Aichen, Embaraçosa, de facto. Tanto quan- criador da marca de design usada para pequenas edições. to o problema que se nos colocou nas Authentics e professor de design É possível produzir protótipos artes. de produto na Universidade de rápidos que não sejam o início Houve uma altura – uma altura sem Design e Media de Karlsruhe. O de um produto produzido em dúvida mais simples – em que pensá- comissário de “Lapse in Time”, massa”, explica Hans Maier- vamos nas artes do tempo (a música, encantado com o espaço em que Aichen. o cinema, o teatro, a dança...) e nas está a montar a exposição que Destes “independentes”, artes do espaço (a pintura, a escultu- reúne Auger-Loizeau, BLESS, podem sair ideias para os ra, a arquitectura...). Depois, foi-nos Jason Miller, Martin Azúa ou estudantes de design e as provado por a mais b que nada era Tal Gur, entre outros, tem como lavar ou o 55ª aspirador, nada sementes para um novo mantra “Menos e melhor”. acontece. São variações de coisas “A indústria da paradigma – e lá vem a recessão Maier-Aichen acha que não já existentes”, suspira Maier- prosperidade nas outra vez. “Ainda há uma “Precisamos o devia dizer, mas di-lo na Aichen. globalização, mas percebemos de abrandar? mesma, e, frisa, sem arrogância: décadas de 80, 90 que parte da reacção à “Estamos nesta feliz situação Contra a sobre-produção recessão é um revivalismo do Completamente. em que temos uma recessão”. “Lapse in Time” mostra, então, e nos primeiros anos movimento ‘arts and crafts’. As Feliz porque as crises obrigam- trabalhos que até se podem pessoas querem fazer as suas Temos de dar nos a pensar “sobre o que tem contradizer entre si, mas deste século [sobre- colecções individuais em vez de mudar e sobre os erros que representam buscas de de receberem encomendas da um passo atrás passados”, explica ao Ípsilon. independência. “São pessoas produziu]. O consumi- indústria para desenhar um “A indústria da prosperidade que atravessam fronteiras, não dor (...) sabe o dinheiro novo telemóvel”, exemplifica. e produzir menos” nas décadas de 1980, 90 e nos usam os métodos tradicionais A questão da produção e do Tulga Beyerle primeiros anos deste século” do design e colaboram com que quer gastar e não preço não escapa ao comissário criou e recriou, lançou produtos as ciências cognitivas, com que, sentado num dos bancos da sem fim. “O consumidor é muito a antropologia, com desafios quer deitar fora a instalação de Fernando Brízio, consciente. Sabe o dinheiro que ecológicos e até com as belas defende que, “mesmo no meio “Back to quer gastar e não quer deitar artes”, explica o curador. mobília ou os copos industrial, há que fazer menos Lentidão fora a mobília ou os copos de dois As potenciais contradições e melhor. Se fizermos coisas basics” em dois anos”, diz o comissário entre objectos de formas de dois em dois anos” melhores, também podemos alemão. E para o designer do mais orgânicas e materiais Hans Maier-Aichen pedir valores mais altos. As contexto industrial, que recebe sustentáveis e peças de pendor pessoas investem porque são os “briefings” de empresas e industrial não o incomodam. arquétipos, como um vaso Alvar de “marketeers”, “quando se “Hoje temos tantas tendências... Alto ou uma cadeira Charles Delfim Sardo desenha a 58ª máquina de mas a principal é a luta contra a Eames”. coordena um painel de debate na ExperimentaDesign

10 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon Um prato de barro para azeitonas pode ser, para nós, o que uma Timeless madalena foi para Proust: Museu uma viagem do Oriente no tempo, ou contra ele

mobiliário simples. “Muita gente ainda associa o design a uma coisa cara, e isto mostra que ele até pode ser gratuito”, sublinha Frederico Duarte. A viagem pelos objectos intemporais portugueses continua com os cadernos da Firmo e da Emílio Braga

(repensados por Nuno Coelho),     pelos cartazes do PREC (adaptados, numa crítica aos dias de hoje, por Francisco Laranjo) e por uma reflexão (de  & Joana Baptista Costa e Mariana Português e Leão) sobre a forma como     Portugal tem sido promovido como destino turístico ao      longo das décadas e como a promoção turística sempre intemporal se ligou à propaganda e à     ideologia. Por fim, Daniela Pais, ' 0 desafio foi lançado a portugueses, indianos, seguindo a lógica do “menos sul-africanos e britânicos: pensar objectos duradouros, e a é mais”, apresenta uma peça de vestuário que cumpre as       forma de fazer “mais com menos”. Menos consumo pode funções de várias outras e que      ser igual a melhor design. Alexandra Prado Coelho aproveita desperdícios de tecido (Le Monde de la Musique)  industrial.   Se lhe pedíssemos para Para os The Home Project Enquanto na Índia (curadores escolher um objecto de design (Albio Nascimento e Kathi Gunja Gupta e Alice Cicolini),  português intemporal, o que Stertzig), a intemporalidade país onde “a vivência intensa do ###  !  !  escolheria? Uma andorinha de depende muito da possibilidade momento está a ser explorada    %"  Bordalo Pinheiro? A bandeira de uma ligação emocional. ao máximo na actual fase de  !  ! $###     $  nacional? O galo de Barcelos? Dessa premissa surgiram desenvolvimento do país”, os Ou alguma coisa menos óbvia três objectos familiares dez artistas e designers são (e convenhamos que não seria – um pratinho de barro para convidados a pensar “a natureza preciso um grande esforço para azeitonas, uma tábua de cozinha intemporal do trabalho artesanal ser menos óbvio). de plástico, e um torradeira de no contexto de um século veloz”, Rita João, Pedro Ferreira (os fogão – nos quais os designers, na África do Sul (curadoria Pedrita) e Frederico Duarte, alterando o tipo de material Design Indaba) as preocupações curadores da parte portuguesa usado, introduzem alguma têm mais a ver com o conceito de da exposição “Timeless” estranheza. fazer mais com menos num país pediram exactamente isso a Mais familiar era difícil: os que enfrenta problemas ligados um conjunto de sete jovens The Office (Luis Nascimento e à habitação, à sida ou ao acesso designers portugueses. David Rodrigues) elegeram a à água. Escolhido esse objecto cadeira de esplanada Gonçalo, A opção das curadoras intemporal, cada designer ou objecto metálico de estrutura inglesas (Clare Cumberlidge, atelier foi convidado a repensá- tubular produzido desde os anos Alison Moloney, Catherine lo ou a inspirar-se nele, partindo 50 mas que renasceu depois Ince) foi a de desafiar os “seus” daquele que é um dos motes da de ter sido escolhido como a designers a fazer projectos Experimenta: fazer mais com cadeira de exterior da Expo específicos para Lisboa, menos. “Quisemos repensar a 98. A Gonçalo é o pretexto para explorando a ideia de “lugar” no cultura do consumo”, explicam pensar as necessidades dos “tempo”, e que correspondam a Rita João e Frederico Duarte. jovens que hoje viajam muito uma ideia do design “como um O desafio de pensar o design mais, mudam de cidade ou de processo que evita a criação a partir dessa necessidade país e precisam de mobilar as de novos objectos ou subverte de reduzir o consumo e da casas rapidamente e gastando modos de produção, distribuição intemporalidade dos objectos foi pouco dinheiro. Desses e consumo dominantes”. lançado igualmente a designers constrangimentos nasceu o Haverá uma maqueta do britânicos, sul-africanos projecto de uma cadeira que Museu da Cidade no exterior e indianos, e o resultado é pode ser feita com cartão, e, do museu (do atelier Abäke), &  apresentado na “Timeless”. avançando um pouco mais, um uma intervenção em bancos Espreitemos, para já, os site que poderá transformar- danificados nos parques de    objectos portugueses. Os Linha se num banco de dados para Lisboa com a técnica tradicional Branca (Daniel Caramelo e partilha de projectos de de madeira embutida (Linda      Bárbara Fachada) lembraram-se Brothwell), posters com     da torneira Euroliva, desenhada tipografia portuguesa e uma nos anos 70 por Daciano da “Quisemos repensar frase local afixados nas ruas Costa, e criaram a partir dela (Anthony Burril), um inventário    uma torneira que integra um a cultura do consumo. de técnicas e conhecimentos de contador de água (em litros e artífices de Odivelas (Fabien não em metros cúbicos, para Muita gente ainda Cappello), um elemento da podermos perceber melhor paisagem rural inglesa na     quanto estamos a gastar). A associa o design paisagem urbana lisboeta (Ben '  ideia dos comissários é que a uma coisa cara, Kelly) e uma banca de produção algumas destas propostas onde cadeiras e bancos serão    chamem a atenção da indústria, construídos com materiais e isto mostra que ele   que, assim, perceba o papel que e conhecimentos locais e  o design pode ter – algo que, até pode ser gratuito” “distribuídos numa base não- dizem, em Portugal continua a monetária”. Menos dinheiro, ###    ! estar muito verde. Frederico Duarte mais partilha.   %"     $###    ! $ 

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 11 Visto dos bastidores, Pace of Design

Antigo o design desmistifica-se Picadeiro do Colégio dos Nobres / “Pace of Design”, comissariada por Tulga Beyerle, é uma exposição sem objectos. Museus da Mas com processo. Joana Amaral Cardoso Politécnica

No estúdio de Haldane Martin, “A recessão na Cidade do Cabo, a empregada da limpeza varria calmamente, é necessária. com o seu lenço na cabeça, e depois parava. Levava o seu É necessário um corte tempo, olhava à sua volta para o trabalho dos designers. radical para se falar Contemplava. E depois varria mais um pouco. Tulga Beyerle de uma mudança adorou esta postura, não fosse radical de ela sintomática de um momento especial não só de um país em paradigma” que primeiro e terceiro mundo convivem, segundo o designer Hans Maier-Aichen Haldane Martin, mas também de uma série de diferenças e semelhanças entre os ritmos O estúdio do design em diferentes Campana, continentes. no Brasil No Antigo Picadeiro do Colégio dos Nobres, nos Museus O Haldane design industrial clássico (o da Politécnica, “Pace of Design” Martin Studio, seu objecto é uma escova de é, ao contrário do que é costume na África dentes); os Campana, do Brasil, numa mostra de design, uma do Sul que trabalham com a indústria assim tão linear. Que as artes do exposição sem objectos. mas também com crafts; espaço jogavam e tinham, afinal, tam- Representa os bastidores de Haldane Martin, sul-africano, bém tudo a ver com o tempo, bastan- uma actividade que, a par da muito moderno e orientado do, para o perceber, pensar nas horas arquitectura, ganhou fama para o mercado internacional; necessárias para apreender o porme- e infâmia, se tornou símbolo Konstantin Grcic, um dos mais nor da filigrana de uma catedral bar- do luxo e do descartável. E a conhecidos designers europeus; roca, uma experiência bem distinta exposição, comissariada pela o CKS, da Índia, representando o da que temos perante o despojamen- consultora e autora austríaca design do intangível ao produzir to de um edifício da Bauhaus. Tulga Beyerle, é uma visita- ferramentas de serviços, “Toda a organização espacial con- planisfério aos métodos, aos aprendizagem e muita pesquisa; tem uma asserção implícita quanto à processos por trás do design. Michael Young, um britânico natureza da experiência temporal”, Além de ter levado Beyerle a que vive em Hong Kong há escreveu Rosalind Krauss. E, a partir sete países (“É interessante o muito tempo e tem por isso daí, tivemos que reconsiderar (quase) quanto se pode aprender em uma visão entre dois mundos; tudo. Permanentemente a esquecer- apenas dois dias”) em versão e a Iwasaki, com a bandeira nos, contudo, de que a imobilidade “esponja”, para absorver em japonesa do design minimalista faz tanto parte do movimento quanto “fast-forward” os ambientes Gente de países com mão-de- e elegante. o próprio movimento, a esquecermo- em que se mergulhou, pretende obra mais barata que trabalha Aqui, o “It’s About Time” que nos de que o silêncio que interrompe levar os visitantes à queda de com artesãos nos estúdios; gente “Apesar de estarmos serve de tema à Experimenta o ruído é, em si mesmo, gerador de mitos. que projecta e, de certa forma, é mesmo sobre o tempo um ritmo. Com “Pace of Design”, “espero perde o controlo assim que a falar de um mundo processual e o seu impacto “Para o futuro, o mais importante que as pessoas se livrem do envia a sua ideia pela Internet no quotidiano dos designers. a pensar é que temos que produzir mito da criatividade e do herói para a indústria. Uns usam globalizado, e de Mas Beyerle, que anota a menos, mas produzir melhor”, diz criativo”, diz a comissária ao computadores apenas para “e- muitas coisas serem laranja em cada painel as Hans Maier-Aichen, comissário da Ípsilon, ainda entre painéis mails”, como é o caso do estúdio suas considerações, quer falar exposição “Lapse in Time”, na Socie- por montar e cheiro a tinta Campana. Outros projectam as mesmas em todo também de conceitos como o dade Nacional de Belas Artes. fresca. Constatou que, para os tudo nos ecrãs. local, o global, o glocal – “Apesar A posição que defende foi em tem- designers que entrevistou (e Num espaço aparentemente o lado – (quase) todos de estarmos a falar de um pos mais polémica do que é hoje, vin- cujas conversas podemos ouvir estéril, com painéis a ilustrar mundo globalizado, e de muitas do a ganhar cada vez mais simpati- em zonas de mega-almofadas ao cada faceta do processo – de os estúdios têm coisas serem as mesmas em zantes: “A recessão é necessária”, diz longo do percurso), o processo onde vêm as encomendas, para todo o lado – (quase) todos os ele. “É necessário um corte radical criativo é “um fardo, com onde vendem, quanto tempo pessoas em frente aos estúdios têm pessoas em frente para se falar de uma mudança radical stress, não é algo que apenas separa a encomenda da computadores a fazer aos computadores a fazer o seu de paradigma.” aconteça”. E quis mostrar que concretização, quantas pessoas trabalho -, as condições físicas Está a falar de design, mas poderia aquele objecto de design com trabalham em cada estúdio o seu trabalho -, as de um local, seja o calor ou os estar a falar de qualquer outra coisa. vários zeros na etiqueta do –, Tulga Beyerle frisa que a transportes públicos, afectam preço, que os aficionados nem escolha dos designers é pessoal, condições físicas de tudo”. De Nova Deli a Hong questionam mas que os “leigos” mas que tenta ser representativa Kong, de Munique à Cidade do “Slow desdramatizam pensando que o das diferentes facetas do sector um local, seja o calor Cabo, os projectos tendem a Mudança podem comprar no Ikea por uma no mundo. levar um ano, um ano e meio a cities” fracção do seu custo, tem gente e À entrada, um factor de ou os transportes ser desenvolvidos. Mas depois trabalho organizado por trás. identificação, de relação. públicos, afectam há também atitudes como a dos Gente que, no Japão, considera Afinal, há objectos: um por Campana, que obrigam a sua o caos algo extremamente cada estúdio, “para ajudar as tudo” clientela europeia, pressionada negativo. E que, no Brasil, vive pessoas a relacionar-se”. Dos pelos “timings”, a esperar. “Isto com o caos e dele suga ideias. EUA, a Lunar Design, que faz Tulga Beyerle leva tempo”, dizem-lhes.

12 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon

“Os Idiotas” marca o regresso de Nekrosius ao Porto, seis anos depois de “Estações” Teatro

Preparados ou não, vem aí Nekrosius Eimuntas Nekrosius encena pela primeira vez Dostoievski: é preciso um monstro (ou um génio) para enfrentar outro. A Nekrosiusmania prossegue, hoje e amanhã, no Porto, com “Idiotas”. Já tínhamos saudades. Kathleen Gomes

Paixões ao rubro, um combate de luz há três anos Nekrosius dizia “nunca” move. É possível que a vontade de en- mais interessante, correr esse risco. mo são sempre os espectáculos de e de sombra, um texto vivo, em que quando Luigi Ronda, director artístico cenar Dostoievski tenha surgido logo Digamos que as peças modernas por Nekrosius que, no seu melhor, são vemos as personagens mexer: “Idio- de vários festivais de teatro em Itália, ali, quando disse “nunca”. vezes nos parecem demasiado fáceis. sempre intensas experiências visuais tas” tinha tudo para que o lituano Ei- lhe perguntava por que não encenava Tauras Cizas, que trabalha com Quer dizer, falta-lhes alguma profun- e líricas. O que Nekrosius tem, os es- muntas Nekrosius lhe pegasse, mais Dostoievski. “É perigosíssimo”, res- Nekrosius há 20 anos e é um dos seus didade.” pectadores do São João sabem-no des- o estatuto de Grande Romance Russo pondeu, naquele tom lacónico e defi- colaboradores mais próximos, explica “Idiotas” marca o regresso de Ei- de 1997, quando apresentou a sua (Nekrosius, sabemos, não faz a coisa nitivo que lhe é característico. Pensan- ao telefone: “Os clássicos dão-nos o muntas Nekrosius ao Porto, seis anos estarrecedora versão de “As Três Ir- por menos: encenou Shakespeare, do na lenda que é Nekrosius – quase prazer de trabalhar com boa literatu- depois de “Estações”, de Kristijonas mãs”, de Tchékov (voltaria em 1999 Tchékov, Tolstoi, Pushkin, e a litera- sempre retratado como um visionário ra, com grandes nomes, grandes per- Donelaitis. Abre a temporada do Tea- com “Macbeth” e 2001 com “Otelo”): tura e o teatro contemporâneos não insondável e solitário – é tentador con- sonagens e grandes ideias. Não é fácil, tro Nacional São João, hoje e amanhã, um estilo muito pessoal e exuberante, parecem interessá-lo). Contudo, ainda cluir que é justamente o perigo que o obviamente. É um risco. Mas isso é o e promete ser um acontecimento, co- em que o espírito do texto é iluminado

14 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon guns, mas também mal-amado por toi usa muita literatura, explica mui- as ideias fortes do espectáculo (Nekro- outros. O romancista D.H. Lawrence tas coisas”, diz Tauras Cizas. “Mas sius montou um dispositivo de gelo leu-o em 1915 e concluiu: “Não gosto Dostoievski não tem necessidade de em “Hamlet”, porque isso traduzia a de Dostoievski. Ele é como a ratazana, explicar ‘esta personagem é assim e frieza das relações entre as persona- arrastando o seu ódio nas sombras, assado’, basta ler o que as persona- gens e pôs o trágico príncipe da Di- mas manifestando amor, só amor, pa- gens dizem para conseguir perceber namarca a dizer o célebre monólogo ra poder chegar à luz.” o que elas são.” “Ser ou não ser, eis a questão” debai- Na origem de “O Idiota” está a in- xo de um candelabro de velas e cris- tenção de Dostoievski de “retratar um Teatro de imagens tais de gelo que tanto derramava água ser humano totalmente belo”, como A construção de “Idiotas” também fria como cera quente sobre ele), quer escreveu numa carta, “a imagem do foi um processo longo. Nekrosius faz seja pelo poder evocativo da omni- homem positivamente bom”. O prín- peças ao ritmo de uma por ano. E co- presente banda sonora, quer seja pe- cipe Míchkin, o “idiota” do título, pu- mo não gosta de falar do seu trabalho la pantomima burlesco-trágica dos ro e ingénuo, surge como uma figura (“Não quero falar a ninguém de como actores. O mundo pode ser um palco, redentora, algures entre Dom Quixo- nascem os meus espectáculos. É uma mas o palco é um mundo à parte. “Es- te e Cristo. Último herdeiro de uma coisa demasiado íntima”), temos de tamos habituados a uma ideia literá- família aristocrática decadente e em encontrar alguém que o faça por ele. ria do teatro, em que o teatro é uma extinção, regressa à Rússia depois de “Começámos a trabalhar há coisa de coisa que se ouve e não se mostra. quatro anos na Suíça, onde esteve in- dois anos no texto e na escolha dos Mas a natureza do teatro é ser visto”, ternado devido à sua doença, epilep- actores principais – houve umas dez diz. O italiano Eugenio Barba, direc- sia. No início do romance de Dostoie- pessoas que podiam ter interpretado tor do Teatro Odin, na Dinamarca, vski, vemo-lo a bordo de um comboio o príncipe Míchkin”, conta Tauras define-o como “um artista de teatro que se aproxima de São Petersburgo. Cizas, que também é um dos intér- que domina a dramaturgia das acções “No comboio, pensava: ‘Agora vou pretes de “Idiotas”. “Começámos os tão bem quanto a dramaturgia das para junto das pessoas; talvez não ensaios em Janeiro e estreámos em palavras”. saiba nada, mas para mim começou Junho. Contei os ensaios: fizemos 115, “Ele tem um talento excepcional uma vida nova.’” (“O Idiota”, ed. Pre- o que é muito. Por exemplo, para para criar ideias”, diz Tauras Cizas. sença, 2001, tradução de Nina e Filipe ‘Fausto’ [de Goethe], que foi a nossa “É por isso que há quem diga que ele Guerra, pág. 80) produção anterior, só fizemos 60 en- é um génio [o primeiro foi o drama- Nekrosius notou que é “como se a saios.” turgo americano Arthur Miller em personagem fosse enviada para fazer O actor que interpreta o loiro e ino- 1985, depois de ver uma das suas en- uma experiência, para ver o que pode cente Míchkin, Daumantas Ciunis, cenações, acrescentando que se acontecer”, e, na sua versão cénica, trabalha com a Meno Fortas pela pri- Nekrosius tivesse nascido em Ingla- Míchkin é literalmente atirado da ma- meira vez, e é um recém-licenciado terra ou França, “seria, muito prova- ca para o mundo. Em Itália, onde “O da escola de representação, o que é, velmente, uma figura mundial”]. As Idiota” estreou em Junho, na Villa no mínimo, uma escolha arrojada. ideias dele são puro génio, e o resto Adriana, em Tivoli, nos arredores de Cizas nota que Nekrosius começou a é trabalho. Ele exige o máximo de si Roma, Nekrosius notou que o prínci- trabalhar com o actor seis meses an- e dos outros. Faz imenso trabalho de pe de Dostoievski tem “uma força tes do primeiro ensaio oficial. casa e nunca chega a um ensaio sem positiva, que paradoxalmente conduz As encenações que Nekrosius faz a estar preparado.” à destruição das pessoas que encon- partir dos clássicos nunca são ilustra- Ninguém diria, mas está no Face- tra”. tivas nem decorativas. O seu teatro é, book. Já foi mais difícil ser amigo de Quanto às motivações pessoais que verdadeiramente, um teatro de ima- um génio. o levaram a encenar “O Idiota”, é pre- gens, quer pela força visual da ceno- ciso procurá-las nas entrelinhas das grafia e a sua capacidade de exprimir Ver agenda de teatro na pág. 42 afirmações, sempre parcas, que con- cede à imprensa italiana (e só italiana, porque Itália é uma segunda casa: to- das as suas produções passam obri- gatoriamente por lá, todos os anos). Míchkin “é uma figura exemplar, es- pecialmente hoje”, explicou. “Um espírito puro, incapaz de se adequar ao cinismo e à mesquinhez que pre- dominam à sua volta. É um jovem que está na antítese deste mundo cada vez mais materialista e pragmático.” Im- possível não vislumbrar nisto um “sta- tement” mais ou menos explícito, mais um sinal de que encara o que faz como um acto de resistência (por que outra razão teria baptizado a sua com- por uma série de metáforas visuais, panhia de Meno Fortas, “fortaleza da uma direcção de actores que aposta arte”?). Também diz que não faz pe- numa gestualidade de marioneta (o ças com menos de quatro horas por- que alguém descreveu como “uma que “o teatro é um antídoto contra a coreografia pós-moderna”), uma ban- pressa insensata dos nossos tem- da sonora expressionista, um fôlego pos”. épico (a duração média de um espec- Já dissemos que “Idiotas” tem uma táculo da sua companhia, Meno For- duração de cinco horas e 20 minutos? tas, é quatro horas), uma capacidade Na versão de Nekrosius, resultou uma imensa de extasiar os espectadores peça em quatro actos, com três inter- (ovação final de cinco minutos na es- valos. Tauras Cizas, assistente de en- treia de “Idiotas”, e já era madrugada: “Quando ensaiamos cenação e responsável pela adaptação a Nekrosiusmania está viva e recomen- do texto, diz: “O nosso objectivo era da-se). uma cena ou um acto, mostrar em palco toda a história. A Por vezes, é apelidado de “Bob Wil- única razão por que cortámos algu- son do Báltico”, mas o americano é Nekrosius não vê com mas personagens ou algumas cenas um formalista que pensa com a cabe- foi a duração. Se incluíssemos tudo, ça e Nekrosius, não obstante o rigor os olhos mas acima a peça durava, sei lá, dois dias [risos]. das suas encenações, pensa com o E não é fácil, para dizer a verdade, coração. É isso que tem insinuado em de tudo com o porque no romance de Dostoievski entrevistas, é isso que confirma Tau- coração. Se algo lhe tudo é muito importante. Mesmo que ras Cizas ao telefone. “Quando ensaia- não pareça à primeira vista.” mos uma cena ou um acto, ele não vê parecer demasiado Por outro lado, e apesar das pro- com os olhos mas acima de tudo com porções épicas do romance (637 pá- o coração. Se algo lhe parecer dema- inteligente, não serve. ginas na tradução portuguesa já men- siado inteligente, não serve. Ele pro- cionada), ele parece prestar-se facil- cura o emocional.” Ele procura mente à dramaturgia, já que grande parte do livro é composto por diálo- A queda de um anjo o emocional” gos. “Falando do meu ponto de vista Publicado em 1868, “O Idiota” é um Tauras Cizas profissional, há poucos anos fizemos dos grandes romances de Dostoievski, a adaptação de ‘Ana Karenina’, e não considerado o mais perfeito por al- foi fácil criar os diálogos porque Tols-

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 15 Teatro

Ruy de Carvalho já não contava voltar ao D. Maria II: “Os que mandam na tutela do Teatro Nacional não me merecem consideração nenhuma, só me fizeram mal”.

zinho barato. É um actor que já está vam velhos amigos, bisbilhotavam, um bocado senil, em decadência, rai- descobriam ‘castings’ e, se necessá- A primeira vez é sempre voso por nunca ter sido verdadeira- rio, chegavam a fazer audições na mente Sir, já não sabe porque é que plataforma.” chora, porque é que anda aos gritos As salas enchiam – “nesta peça há na rua, porque é que pisa o casaco”. um elogio ao público, que esgota salas com bombas a rebentar em plena Debaixo das bombas guerra”, frisa João Mota – e apesar das Ronald Harwood inspirou-se numa dificuldades os actores iam sobrevi- figura que ele próprio conheceu. De- vendo. Lutar e sobreviver é o lema de pois de se ter mudado para Londres, Sir. Mas nem ele próprio se dá conta com 17 anos, começou a trabalhar no de como, para isso, depende do seu teatro e juntou-se à Shakespeare Com- camareiro de gestos efeminados e de pany de Sir Donald Wolfit, um dos um amor sem limites pelo velho e ra- últimos actores-empresários britâni- bugento patrão. igual cos, de quem foi camareiro entre 1953 “Esta é uma personagem que me e 1958. “The Dresser”, que foi primei- obriga a ir para registos completamen- ro uma peça da Broadway e depois, te diferentes”, explica Virgílio Castelo. em 1983, um filme de Peter Yates, par- “Ando em observação constante de à última te das suas memórias desses tempos há uns meses para cá. Há coisas que em que as companhias especializadas procurei identificar como os risos, os em Shakespeare viajavam por toda a gestos das mãos. O que não foi preci- Foi preciso esperar oito anos, mas Ruy de Carvalho Inglaterra. so representar foi o amor que o Nor- “Só alguns chegavam a Londres”, man tem pelo Sir, gosto tanto do Ruy está finalmente de volta ao palco do D. Maria II. Vem na recorda Harwood num texto do pro- que isso não é preciso trabalhar”. grama da peça. “O seu lugar preferido O mais difícil nessa alternância de pele de um velho e teimoso actor, e tem ao lado Virgílio era o interior e andavam em digressão registos entre o cómico e o dramático sob terríveis condições físicas, longas da sua personagem é a cena final. Nor- Castelo, o fiel camareiro. Alexandra Prado Coelho jornadas, desconfortáveis viagens de man, que enquanto está dentro do comboio aos domingos, passando teatro sente-se seguro e acredita que muitas horas à espera de ligações num nada de mal lhe acontecerá, perde entroncamento ferroviário no meio tudo. “É uma cena muito difícil e nem Na fachada do Teatro Nacional D. Ma- figura de um actor que não está pron- plica o encenador João Mota. E a peça de Inglaterra chamado Crewe. Num sempre consigo chegar lá”, confessa ria II, na Baixa de Lisboa, estão pen- to para abandonar o palco parece o funciona nesse equilíbrio delicado domingo, em Crewe, mudavam de o actor. “Parto todos os dias para a duradas duas enormes fotografias de papel perfeito para Ruy de Carvalho entre um velho egocêntrico mas fra- comboio dúzias de companhias de peça sem saber se consigo chegar ao Ruy de Carvalho e Eunice Muñoz – é que, aos 82 anos, se confessa surpre- gilizado, e um camareiro frágil e de- teatro: os actores e actrizes encontra- fim e encontrar o caminho para essa o regresso em grande dos dois actores endido com a sua própria energia. pendente, mas que se torna a força emoção”. Prefere, apesar de tudo, que foram forçados a deixar o D. Ma- Sir – uma personagem criada por por trás do velho actor. não jogar pelo seguro, e arriscar. ria II, acreditando que voltariam ao Ronald Harwood, nascido em 1934 na “Estou aqui porque gosto muito do Tal como o Sir entra no palco para fim de três meses. Esperaram oito África do Sul mas a viver em Londres Diogo Infante”, diz Ruy de Carvalho, a 227ª representação de “O Rei Lear” anos e só agora, pela mão de Diogo desde a juventude – não é um homem terminado o ensaio de duas horas, já sem se lembrar da primeira frase, tam- Infante, director do Nacional, voltam fácil e as pressões da vida que leva despido das vestes de Sir/Lear. O con- bém Virgílio Castelo entra em palco a pisar aquele palco (Ruy de Carvalho deixaram-no à beira da demência. vite inicial (tanto aos actores como ao “[O Sir] é um sem saber como chegará a essa cena surge desde ontem em “O Camarei- Quando Ruy de Carvalho surge pela encenador) foi feito quando Infante final. “Ainda não consegui encontrar ro”; e Eunice Muñoz estreará em No- primeira vez em palco é como um Sir ainda estava no Maria Matos, mas ditadorzinho barato. na minha memória afectiva os meca- vembro “O Ano do Pensamento Má- desaustinado, que rompe em lágrimas quando se mudou para o D. Maria II nismos que me permitam todos os gico”). e diz coisas sem sentido. A peça dessa o convite manteve-se. “Eu estava pa- É um actor que já está dias chegar a esta tragédia, a este Neste momento, no interior por noite, que será a sua 227ª represen- ra não vir aqui mais. Os que mandam um bocado senil, em abandono em que o Norman fica”. trás da fachada, Ruy de Carvalho está tação de “O Rei Lear” de Shakespeare, na tutela do Teatro Nacional não me Afinal, esta é uma história de teatro a transformar-se em Sir, um velho ac- parece em risco. merecem consideração nenhuma, só decadência, raivoso e não é preciso que as bombas caiam tor-empresário que luta pela sobrevi- No camarim espera-o Norman (Vir- me fizeram mal”, sublinha Ruy de lá fora para os actores sentirem que vência da sua companhia shakespea- gílio Castelo), o fiel camareiro, o úni- Carvalho. “Aceitei porque foi o Diogo por nunca ter sido aquela é sempre a primeira vez. E po- reana (e pela sua própria sanidade co capaz de o ajudar a recompor-se e que me convidou”. de ser a última. mental) enquanto as bombas caem a preparar-se para entrar em palco. Não há no actor ponta da amargura verdadeiramente Sir” sobre a Inglaterra dos anos 40, em “O camareiro é a sombra do Sir. São e do sofrimento que marcam a relação Ver agenda de espectáculos na pág. plena Segunda Guerra Mundial. Esta duas personagens muito fortes”, ex- de Sir com o teatro. “Ele é um ditador- Ruy de Carvalho 42

16 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon ÖÖÖI7B7(ÖÖÖÖÖÖ

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#% # "" # "#$" #$ "  $ #6#% $ %   "#$ "$  "$$ # "" #$ "# Desengane-se quem não conhece o trabalho da alaúdista Christina Pluhar e do seu grupo L’Arpeggiata e espera um concerto convencional de música antiga na abertura da temporada do Centro Cultural de Belém (CCB). Na verdade, o título do programa diz tu- do: “All’Improviso: Ciaccone, Berga- masche... e un po’di Follie”. Improvi- sação e folia. E folia tanto pode ser sinónimo de festa e loucura como de uma dança muito em voga no renas- cimento e no barroco baseada num Música baixo “ostinato” (ou seja, num baixo obstinado, um motivo ou uma frase musical que se repete continuamente enquanto as restantes vozes mudam Christina ou fazem variações). O processo surge Pluhar, em muitas outras danças antigas - a fundadora do Bergamasca ou a Ciaccona, por exem- ensemble plo - mas também é comum no jazz e L’Arpeggiata, na música popular. “All’Improviso” é abre a ainda o nome de um CD de Christina temporada do Pluhar (Alpha, 2004), em que partici- CCB com um pam os cantores Marco Beasley e Lu- concerto que cilla Galeazzi (o primeiro não vem a tenta trazer a Lisboa) e o clarinetista de jazz Gian- liberdade do luigi Trovesi. No palco do CCB estará jazz para a também a bailarina e performer Anna música antiga Dego — que promete dançar desenfre- adamente a tarantela... — e a orquestra Divino Sospiro, mentora desta cola- boração surgida na sequência de uma série de parcerias com vários intér- pretes de primeiro plano internacio- nal no panorama da música antiga. Nascida na Áustria, Christina Pluhar reside actualmente em Paris, tendo-se especializado no repertório italiano e francês do primeiro barroco. Começou por estudar guitarra mas rapidamente a trocou pelo alaúde e pela harpa. Re- presentante de uma nova geração de músicos que une as práticas de inter- pretação históricas à liberdade criativa e se mostra permeável à partilha com outros estilos, Pluhar fundou em 2000 o ensemble L’Arpeggiata, com o qual tem desenvolvido uma carrei- ra brilhante e original e uma interes- sante discografia que inclui álbuns tão belos como “Homo fugit velut um- bra”, dedicado a Stefano Landi, “La Tarantela”, “Teatro d’Amore” ou “Los Impossibles”. Um novo CD, intitulado “Via Crucis” e contando com a cola- boração dos cantores Nuria Rial e Philippe Jaroussky e de algumas vozes da Córsega, estará disponível no mer- cado daqui a alguns meses. O programa que vai apresentar em Lisboa é inspirado no CD “All’Improviso”, mas o conjunto de músicos é bastante diferente já que conta com a participação do Divino Sospiro. Esta colaboração motivou Christina Pluhar vai muitas mudanças em relação ao projecto original? A interpretação ao vivo é sempre um evento único, mas o conceito do pro- grama continua a ser o mesmo. Quan- do o Divino Sospiro me convidou para dirigir um concerto dedicado a Mon- teverdi em 2007, o meu papel foi ape- nas o de maestrina convidada. Esta segunda proposta é muito mais abran- gente pois foi pensada como uma co- improvis laboração entre os dois grupos. Por isso sugeri fazer o programa “All’Improviso”, incorporando solistas de L’Arpeggiata em conjunto com o para toda a vida Divino Sospiro. Incluir uma orquestra O que há de comum entre o repertório do século XVII, o jazz e a música italiana da tradição oral? H Cultural de Belém, em Lisboa, à frente do seu ensemble L’Arpeggiata e da o

18 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon “A improvisação é comparável ao domínio de uma língua. Primeiro aprendemos algumas barroca implicou fazer alguns arranjos tas modernos venham a considerar contacto com esse repertório? musicais diferentes e a adição de no- que não basta estudar o repertório de palavras e É um universo que sempre me inte- vas peças, mas a ideia é também par- uma forma tecnicamente perfeita mas começamos a ressou. Fui à Biblioteca de Coimbra tilhar a experiência da improvisação. que a sua formação deve incluir a im- ver o manuscrito e tive o apoio do Improvisação é criação no provisação. Mesmo no campo da mú- construir frases [maestro e musicólogo] Jorge Matta, momento, mas exige também sica antiga acho que a improvisação que fez a edição das partituras e veio uma prática prévia, sobretudo pode ir mais longe e isso já está a simples, depois frases a Paris para trabalhar com os King’s se é feita com músicos que não acontecer. As pessoas dominam ago- Singers em aspectos como a língua e trabalham regularmente em ra muito bem a linguagem e os estilos mais complicadas. a pronúncia. Podia ter procurado um conjunto. De que forma se pode da música antiga, por isso sentem-se Há pessoas muito grupo português, mas optei pelos preparar essa prática? mais livres para usar essa linguagem King’s Singers porque queria enfati- É um longo caminho. Experimentar e “falar” por si próprias. dotadas que zar o lado humorístico da música e uma vez não basta, é preciso impro- As peças que vão apresentar no eles são fantásticos humoristas, além visar toda a vida. A improvisação é CCB têm em comum o facto de se conseguem aprender de magníficos músicos. comparável ao domínio de uma lín- basearem em baixos “ostinatos”, Como intérprete de música gua. Primeiro aprendemos algumas o programa é quase uma uma língua em duas antiga, quais são as suas palavras e a gramática e começamos antologia dessa prática. O que a principais preocupações a construir frases simples. Depois pas- fascina mais nesses modelos? semanas” actualmente? samos a frases mais complicadas e O baixo “ostinato” é um elemento mui- A reflexão sobre o tipo de direcção vamos fazendo alguns erros, mas, to importante na música dos inícios musical mais adequada. Estar à fren- quanto mais aprendemos, mais faci- do século XVII. Os baixos que os com- te de um grupo de música antiga é lidade temos em comunicar. Há pes- positores dessa época usavam têm muito diferente de dirigir uma orques- soas muito dotadas que conseguem origem em danças e canções tradicio- bressair essa ideia de maneira humo- tra moderna. Devemos tocar e dirigir aprender uma língua em duas sema- nais. Por exemplo a Ciaccona e a Folia rística, mas claro que essa não é a ma- ao mesmo tempo ou conduzir apenas nas. Outras fazem-no mais lentamen- vieram da América do Sul para a Eu- neira de interpretar Monteverdi, cuja a música? Devemos dar muita liber- te. Na improvisação acontece o mes- ropa e os compositores usaram-nas música é muito bonita, mesmo sem dade ou controlar tudo o que os mú- mo. Alguns músicos ouvem um estilo para escrever variações. Sabemos tam- esse estilo que nos aproxima de Chi- sicos têm de fazer? É interessante e conseguem imitá-lo imediatamente, bém que estes baixos eram usados cago nos anos 40. O processo tem tam- pensar no tipo de direcção do tempo outros têm de aprender com a ajuda para improvisar. São ligações muito bém a ver com os talentosos músicos de Monteverdi em que o mestre de de manuais e exercícios. Mas quando interessantes pois fazem a ponte entre que colaboram com L’Arpeggiata. Por capela tinha responsabilidades tão atingimos o domínio de uma lingua- a música tradicional da época com exemplo Doron Sherwin, que é talvez diferentes como ensinar os jovens gem ficamos com a base. A partir daí, uma espécie de padrão universal. É o melhor intérprete de corneto a ní- cantores, compor, organizar óperas o que se faz com ela varia. Uns podem possível improvisar sobre estes baixos vel mundial, tem um imenso talento ou festas religiosas. A criação e a im- ser poetas, outros actores... Não sei o no estilo do século XVII, mas eles tam- para vários estilos. Divertimo-nos provisação faziam parte do processo. que vai acontecer com o Divino Sos- bém permitem que um clarinetista muito a experimentar coisas e espero Actualmente vivemos na era da espe- piro. Conheço o primeiro violino actual como o Gianluigi Trovesi, habi- que o público também se divirta. cialização e temos uma separação [Alessandro Tampieri], pois colabora tuado a uma linguagem diferente, se No CD “Los Impossibles” inclui quase total entre o compositor e o muitas vezes com L’Arpeggiata, e o possa expressar a partir deles. Alguns dois vilancicos do século XVII de intérprete. O conceito de músico no violinista Reyes Gallardo que é tam- desses padrões harmónicos encon- origem portuguesa. Como tomou barroco era muito mais abrangente. bém um fantástico improvisador, mas tram-se ainda na música tradicional em relação às outras pessoas é preci- de hoje, por exemplo no sul de Itália so experimentar. Não sei se existem ou no México. Permanecem vivos e é improvisadores natos. De qualquer isso que os torna tão fascinantes. modo, a ideia não é pôr a orquestra A colaboração com cantores toda a improvisar, seria uma confusão ligados à música tradicional [risos]! Mas alguns dos solistas pode- como Lucilla Galeazzi ou rão partilhar momentos de improvi- músicos de jazz como Trovesi sação connosco. tem sido muito importante no Foi essa paixão pela seu percurso, mas L’Arpeggiata improvisação que a levou a tem também muitos programas integrar um músico de jazz no centrados apenas na música projecto? barroca erudita. Como define o O clarinetista Gianluigi Trovesi impro- perfil do seu grupo? visa em palco há 45 anos, está habi- Adoro aprender com outros estilos tuado a criar a sua música à frente do musicais, mas L’Arpeggiata é acima de público. A ideia de partilhar o palco tudo um grupo de música antiga com com ele foi um desafio: queria testar instrumentos da época. Não sou espe- até que ponto a música antiga podia cialista em jazz nem em música tradi- ser tão livre em matéria de improvi- cional. O meu conhecimento centra-se sação como o jazz. no repertório do século XVII. Aconte- A improvisação é uma matéria ce que nessa música há muitas coisas ausente do ensino da música que não estão escritas na partitura e nos conservatórios tradicionais outras músicas podem servir-nos de e também não faz parte dos inspiração ou ajudar-nos a reflectir hábitos da maior parte dos sobre aspectos como a comunicação músicos clássicos. Acha que a com o público ou a liberdade rítmica. prática da música antiga pode O tipo de “rubato” ou de swing não contribuir para mudar esta pode ser transferido de um estilo mu- mentalidade? sical para o outro mas faz-nos pensar, Quanto mais antiga é a música mais porque as fontes do século XVII tam- precisamos de improvisar. À medida bém falam de liberdade rítmica. que avançamos no tempo, as partitu- Foi por esse motivo que conferiu ras dão cada vez mais indicações. Mas um sabor jazzístico a algumas isso não quer dizer que os músicos das peças de Monteverdi não improvisassem em todas as épo- incluídas no CD “Teatro cas. Basta pensar nos pianistas virtu- d’Amore”? osos dos finais do século XVIII e do A questão não pode ser colocada des- sar século XIX. Sabemos que Mozart, Be- sa forma: trata-se de uma brincadeira ethoven, Liszt ou Chopin eram impro- muito consciente a que chamei “scher- visadores fantásticos. Espero que as zi musicali”. Alguns dos baixos “osti- práticas da música antiga também natos” que Monteverdi inventou são contribuam para mudar a abordagem tão modernos que podiam ter sido clássica do ensino. Talvez os violinis- escritos em 1940. Quisemos fazer so- ? Há a alaúdista Christina Pluhar. Domingo estará no Centro a orquestra Divino Sospiro. Cristina Fernandes

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 19 Uma progressão lógica, com princí- ro. As palavras ajudam, obsessivas, dido o que está a mais. Fica o indis- ligeiro balanço sonâmbulo, duas vo- dois adolescentes que ainda não per- pio, meio e fim. É assim que gostamos assinalando um lugar íntimo. pensável, as estruturas, o que suspen- zes lacónicas, um sopro melódico, ceberam que se amam. O resto é com de pensar a nossa vida. É assim que As canções de “xx”, o soberbo ál- de o caos. uma guitarra trémula ou uma linha a instrumentação, mínima. E daqui funciona a maior parte das canções. bum de estreia dos The xx, são sim- Já o ouvimos as mais diversas vezes, de baixo repetitiva. nasce, como por encantamento, uma No caso dos ingleses The xx é isso que ples. Mas é uma simplicidade que mas convém repeti-lo num tempo em As letras dos xx falam de sexo e de música narcótica, sensual, delicada, acontece. Mas com nuances: algures, surge depois da complexidade. É uma que o ornamento substitui a procura relações interpessoais. Às vezes de solene, imensamente leve. Um daque- pelo meio, deixamo-nos imergir, co- naturalidade que surge depois de to- de novas concepções: as melhores forma cândida, outras numa perspec- les fenómenos que acontecem de mo se cada canção pudesse começar do o entulho da casa ter sido enviado ideias são quase sempre as mais sim- tiva mais abstracta, criando um lugar tempos a tempos, anulando fossos num ponto infinito antes do tempo e para o lixo. São gestos espontâneos ples. No caso da música, às vezes bas- de privacidade, como se fôssemos geracionais. terminar num ponto infinito do futu- que ficam depois de se ter compreen- ta uma caixa de ritmos mecânica, um convidados a ler cartas de amor de Nas entrevistas, os xx são lacónicos. Admiráveis XX anos Não há, aqui e agora, outro álbum que pareça fazer tanto sentido como este que os ingleses The xx acabam de lançar. Dois rapazes, duas raparigas e um golpe de génio - ou de sorte. Vítor Belanciano JON BERGMAN JON Música

Os quatro xx conheceram-se na Elliott School, um liceu londrino que começa a ficar conhecido como viveiro: Hot Chip, Kieran Hebden (Four Tet) e Burial deram aí os primeiros passos

20 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon Não por afectação. Mas porque pare- “As coisas foram Oliver, “mas na hora de criarmos mú- teceram mesmo ou foram fantasmas é como se fosse uma irmã para mim, cem acreditar mesmo que as coisas sica não pensamos nisso. Não estamos que se cruzaram connosco, no meio conhecemo-nos há muito. Mas aquilo são assim porque são assim, adensan- acontecendo, a pensar que vamos fazer esta canção daquele universo tão singular. que escrevemos é dirigido para uma do ainda mais o mistério. “Ao princí- à maneira deste ou daquele.” Percebe-se que é um mundo deles. realidade exterior.” pio, começámos por trabalhar com naturalmente. Nas suas canções encontramo-nos Com regras próprias. Mas não vale a A música dos xx é particular, mas vários produtores [entre eles o ame- com o minimalismo extremo dos pena tentar perceber se existiu uma inclusiva. Trouxeram para o nosso ricano Diplo, habitual cúmplice de Temos um tom de Young Marble Giants, com a forma de decisão intencional para produzirem mundo de excessos tempo e espaço, M.I.A.]. Aprendemos imenso com produzir de Martin Hannett ( Joy Di- um tipo de som tão exclusivo. “Nunca gerando um clima onde nada parece eles, mas durante o processo fomos voz baixo. Não fazia vision, New Order), com a estrutura fizemos questão de fazer música ba- acontecer e onde tudo tem extensão compreendendo que aquilo parecia sentido criar uma descarnada de algumas canções dos rulhenta, não sei muito bem porquê. para acontecer - uma construção ge- mais uma colaboração. Estávamos a Pixies, com o ruído atmosférico dos As coisas foram acontecendo, natu- ográfica que pede que a povoemos. afastar-nos do que queríamos e resol- música alta à qual My Bloody Valentine, com a sensua- ralmente. Eu e Romy temos um tom Não são os melhores cantores, nem vemos ser nós a produzir o disco. lidade furtiva dos Chromatics, com o de voz baixo. Não fazia sentido criar os instrumentistas mais dotados. Mas Muitas bandas, ao entrarem em estú- não conseguiríamos rock carnal dos ou com o uma música alta à qual não consegui- sabem manipular o espaço, provocar dio caem na tentação de colocar mais dubstep nocturno segundo Burial. ríamos adaptar-nos. O nosso som nas- momentos de tensão e de distensão elementos. Evitámos isso. Queríamos adaptar-nos. O nosso Mas, quando se chega ao fim, nunca ce daí.” como poucos. Talvez seja instintivo. simplicidade.” percebemos se esses encontros acon- Os xx parecem confirmar que, por Talvez seja porque se conhecem mui- Quem fala assim é Oliver Sim, a voz som nasce daí” vezes, as melhores ideias nascem da to bem. Seja o que for, conseguem e o baixo dos The xx (diz-se “ex ex”, Oliver Sim superação de eventuais fragilidades, criar canções que não se ouvem ape- apesar de os próprios não desvenda- depois de assumidas e adaptadas. No nas. Absorvem-se, flutuantes e livres. rem se o nome tem origem numa re- seu caso, a utilização da caixa de rit- Aos 20 anos acabam de lançar um ál- ferência numérica, pornográfica ou mos acontece simplesmente porque bum que até pode não passar de um outra). Os restantes são Romy Madley nenhum deles toca bateria. golpe de sorte, por mais improvável Croft, a outra voz e guitarra, Jamie O mesmo sucedendo com os diálo- que o pareça. Até podem não voltar Smith, o homem das programações, gos entre Oliver e Romy, feitos numa a fazer nada de jeito. Não sabemos. e Baria Qureshi, teclas e guitarra. São entoação etérea, que atravessa todas Nunca sairemos da especulação. Nes- londrinos e acabaram todos de fazer as canções. Ambos estão longe de se- te momento, parece não existir outra 20 anos. rem grandes cantores, e não estão música que faça tanto sentido. E é is- Conhecem-se há muito. Oliver e preocupados com o assunto. “Temos so que interessa. Romy, os nucleares, são amigos de uma entoação de voz muito parecida. infância. Os outros conheceram-se na O clima de intimidade surge daí. Romy Ver critica de discos pág. 36 e segs. OWEN RICHARDS OWEN instituição que todos frequentaram, a Elliott School, sudoeste de Londres, um liceu que começa a ficar conheci- do por ser viveiro de agentes da pop. Foi ali que os Hot Chip, Kieran Heb- den (Four Tet) e Burial, todos eles conhecidos dos melómanos mais curiosos, deram os primeiros passos. “Conhecermo-nos há muitos anos ajuda” admite Oliver. “Às vezes, em estúdio, quase não é preciso comuni- carmos. Intuitivamente, sabemos o que cada um de nós pretende.” Um mundo deles (mas com fantasmas dos outros) Como a maior parte dos músicos da sua idade, os quatro xx já cresceram imbuídos de um espírito ecléctico. Ao contrário de gerações anteriores, não possuem estigmas em relação a tipo- logias musicais. A sua forma de rela- cionamento, e de avaliação, é outra. “Existe música boa em todos os géne- ros. Não temos esse filtro. Temos gos- tos desiguais, mas simpatizamos to- dos com música capaz de nos trans- portar para um ambiente qualquer. Normalmente é música simples, com a qual conseguimos conectar-nos de forma imediata, seja pop ou outra coisa qualquer.” Aos 16 anos, começaram por fazer versões de grupos que admiravam, dos Wham! aos Pixies. Um prazer que ficou até aos dias de hoje, de tal forma que a edição especial do álbum de estreia contém três magníficas ver- sões de temas da soul e do R&B – “Do you mind?” de Kyla, “Teardrops” de Womack and Womack, e “Hot like fi- re” de Aaliyah. Esta última, falecida em 2001, é uma das favoritas de Oli- ver. Não espanta. Por trás das suas canções estava um dos produtores mais importantes da última década e meia, Timbaland. Foi ele que transportou noções co- mo “espaço” e “tempo” para as can- ções de R&B que pulularam nos topes de vendas, personificadas por nomes como Missy Elliott, TLC ou Aaliyah, transformando um género desacre- ditado num dos campos mais criativos da música moderna. Há qualquer coi- sa de Timbaland nos movimentos rítmicos esqueléticos dos xx. Mas es- sa é apenas uma das inúmeras apro- ximações possíveis e Oliver, ao con- trário de tantos outros agentes criati- vos, parece ter essa consciência. Encontrar uma voz singular impli- ca adoptar filiações. Ninguém é capaz de criar a partir do vazio, mas sim da desordem. “Temos inúmeras influên- cias como toda a gente” reconhece

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 21 Pergunta: Qual é a sílaba mais usada que “é música que tem cinco séculos num concerto dos Melech Me- de história”, que “surgiu no Leste e chaya? é tocada em celebrações não litúr- Resposta: “A sílaba mais pronun- gicas, como baptizados e bar-mit- ciada nos concertos dos Melech Me- zvhas” e Miguel acrescenta que chaya é ‘La’”. “também é tocada em funerais e foi “La”? muito desenvolvida em guetos ju- Sim, “La”. Klezmer daicos”. Mas não teorizam em ex- “La” de “Lalalala”. Porque como cesso. (Aliás, João Sovina afirma que ninguém percebe o que eles estão a “saber muito de música pode ter os cantar, “muitas vezes”, diz Miguel seus defeitos. Às vezes um tipo pode Veríssimo, “o público canta ‘Lalala- afastar-se do lado mais visceral e la’ em vez da letra”. para não judeus tentar racionalizar demasiado aqui- E, podemos garantir, funciona à lo”). mesma. O klezmer que se ouve no disco Miguel Veríssimo não é cantor, Os Melech Mechaya são cinco portugueses dos Melech Mechaya não é tal e qual mesmo que aqui e ali tenha de dar o que a tradição manda. “Em termos um pé de canto. É clarinetista, e um que fazem música klezmer. Nenhum é judeu. melódicos respeitamos as canções”, quinto dos Melech Mechaya. Os res- explica Miguel, mas, diz João Graça, tantes são João Graça (violino), An- Aprenderam a pronúncia em vídeos do Youtube. “as partes B, por norma, censura- dré Santos (guitarra), João Sovina mo-las”. (As canções por norma têm (contrabaixo) e Francisco Caiado Parece, mas não é uma piada. João Bonifácio uma parte A, uma parte B, um re- (percussionista). frão e volta ao início.) A parte B do Juntos eles constituem o único klezmer é, diz Graça, “a parte mais projecto português de música klez- cómica, em tonalidade maior” e ad- mer, a música judaica não litúrgica quire, segundo Miguel, “um tom cujos mais conhecidos representan- pimba” que lhes desagrada. Pelo tes são os nova-iorquinos The Klez- que cortam e recolam a seu belo matics. prazer. Também compõem a partir Quem os oiça em “Budja Ba”, o da matriz. primeiro disco, acabado de lançar, Só usam palavras numa canção, pode ser levado a pensar que eles “Hava Nagila”, cujo título, segundo fazem parte da comunidade judaica João Graça, aprenderam “a pronun- portuguesa, e que a música é uma ciar num vídeo do Youtube, do fes- forma de perpetuar uma tradição, tival da canção”: “Eu já tinha estu- ou de a trazer para Portugal, onde dado umas peças em hebraico pelo não consta haver grande fartote de que conhecia a sonoridade de algu- música klezmer. mas palavras”. Mas Miguel é pronto a desmistifi- Não há tabus. No reportório ao car o assunto: “Não há qualquer vivo está agora a ser incluída uma ascendência judaica da nossa par- velhinha canção tuga, o “Chapéu te”, esclarece. E acrescenta: “Até preto”. E não é raro verem-nos en- agora só uma pessoa nos fez piadas fiar a linha de baixo de “Billie Jean”, com circuncisão”. de Michael Jackson, no meio de um Portanto, a questão é: o que leva concerto. Tudo pela diversão, que um quinteto de rapazes na casa dos é o que lhes interessa. Miguel: “A 20 e poucos anos, que não têm qual- primeira vez que tocámos percebe- quer ligação ao judaísmo, a fazer mos que a música era animada e música klezmer? festiva. Tive uma surpresa grande Uma das hipóteses pode ser: a com a reacção das pessoas”. dança. Em última instância, eles são uma João Graça: “Nunca tinha explo- banda ao vivo: aceleram as canções, rado esta sonoridade antes, mas já põem as pessoas a dançar, produ- havia ali qualquer coisa, uma ener- zem uma bandalheira controlada. gia, uma festividade que nos inte- ressava”. Os Melech Curiosamente, no dia anterior à Mechaya são conversa com o Ípsilon, tinham da- cinco rapazes do um concerto em Vila Nova de Foz na casa dos Côa que não correspondeu a essa 20 que se demanda. conheciam “Ninguém dançou”, contou-nos de vista do Miguel, que, em concerto, funciona Conservatório como uma espécie de porta-voz da banda: é ele que faz as piadas entre as canções. “Mandavam os filhos lá para a frente dançar. Mas no fim exi- giram um encore”. Esta não é obrigatoriamente a tí- “A ligação que pica reacção de um público num concerto dos Melech Mechaya. Vi- temos com a mo-los tocar nas festas de um bairro popular e foram pura e simplesmen- tradição é muito te electrizantes. O som foi abaixo duas vezes e nem assim desistiram: ligeira. Não temos pediram ao público que se juntasse num espaço curto, e tocaram em ambição de versão não amplificada. Ainda assim, ser judeus” toda a gente dançou. E, obviamente,

cantou com muitos “Lalalalas”. Música João Graça (Uma boa parte do mérito do êxi- to dessa actuação deveu-se à quali- música klezmer com canções tradi- João Sovina tocava com André nu- flamenco, chorinho e MPB. No meio Podem vestir-se de forma vagamen- dade de “entertainer” de Miguel cionais judaicas a partir das quais ma banda de garagem que não ficará desta confusão, faz sentido que to- te judaica, mas “mesmo a roupa não Veríssimo, que, entre canções, ia começámos a construir reportório, para a posteridade: “Nem me lembro quem música klezmer. Ou outra coisa bate de todo certo com o que é a disparando piadas atrás de piadas. isto em 2006. É tão simples quanto do nome, mas tocávamos hardcore”. qualquer. tradição”, diz João Graça. Não se vai a um concerto dos Mele- isto”. André e Francisco Caiado tiveram os Quando o mencionado livrinho de “A ligação que temos com a tradi- ch Mechaya à procura de seriedade Mais interessante é a história deles: Amazonas, uma banda de funk à qual música klezmer lhes foi parar às ção é muito ligeira”, explica o violi- – e eles são os primeiros a dizê-lo.) à excepção de André, todos estuda- se juntou Sovina. “Depois tocámos mãos, Miguel e André resolveram “in- nista. Miguel põe as coisas de forma ram música. Alguns conheciam-se de flamenco”. Miguel Veríssimo, por sua cluir algumas canções klezmer no simples: “Há um certo tipo de me- A tradição não manda vista do Conservatório e chegaram a vez, conheceu André no Conservató- reportório de chorinho”. E aí tiveram lodias de que gostamos, é tudo”. A história da aproximação deste interpretar peças judaicas juntos rio e começou a tocar com ele num “a ideia de trazer mais gente para to- Depois o violinista acrescenta, com quinteto de rapazes à música judai- quando ainda não trocavam duas pa- projecto de chorinho, enquanto João car”. humor: “Não temos ambição de ser ca, “não é muito interessante”, con- lavras. Graça tocava Música Popular Brasi- Não falam da música klezmer com judeus”. fessa Miguel. Além disso, têm igualmente gostos leira. Em Itália, durante o Erasmus. sacralidade. Têm noção de onde ela “Chegou-nos às mãos um livro de bastante eclécticos. Portanto, temos hardcore, funk, vem, isso é certo: João Graça lembra Ver crítica de discos pág. 36 e segs.

22 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon A história de “Eu que Amo Tanto” actriz Marília Gabriela, que depois estivermos a sofrer”. “Está na música, seus sentimentos, dos seus chamados começa e acaba com o processo de foi conversar para casa com cada na literatura”. “[Estas mulheres] não fracassos, das suas expectativas e frus- análise da própria autora. E de per- uma delas. Daí saiu o livro com que Lança-se, uma vez mais, em refle- amam. A diferença trações. Nunca achei que pudesse ter meio mete telenovelas. A indústria a editora Objectiva, divisão do grupo xões sobre a sua história pessoal, so- dificuldades com elas”. televisiva brasileira move os seus Santillana da Prisa, se estreia em Por- bre os seus amores (“Eu já tive uma é essa. É baixa O prefácio é de José Eduardo Agua- criativos tentáculos em torno de mui- tugal já dia 14 e que é uma mescla de paixão violenta, que durou uns cinco lusa, a quem se uniu para fazer o mo- tas histórias de vida e interessa-se livro de contos e de testemunhos na anos. Era uma doença, um estado de auto-estima (...). Pode nólogo “Aquela Mulher” que pode especialmente pelas mulheres – pelas primeira pessoa. Desse local de tro- excepção e era o que era por ser pu- chegar a Portugal no final do ano com suas histórias, pelas espectadoras e cas, Gabriela foi directa para o con- ra dificuldade”). “Eu que Amo Tanto” ser paixão, que produção de Filipe La Féria, e o pos- pelas suas protagonistas. E quando sultório. começa “numa época de alta intros- fácio é seu. Marília Gabriela, múltipla uma dessas protagonistas, neste ca- Dos padrões que identificou nas pecção”: Marília Gabriela “a viver se alimenta só personalidade pública de grande ex- so Marília Gabriela em momento ac- vidas das mulheres que relata, perce- sozinha no Rio de Janeiro para gravar do sofrimento, posição mediática pelo seu trabalho triz (ela é muitas coisas), está exilada beu que elas replicam o que viram em uma novela”. “Foram dez meses de mas também pela vida pessoal, co- no Rio de Janeiro em gravações, põe- casa, o que o mundo lhes ensinou e mergulho interior, de questionamen- e é [também] toda menta que “ainda acredita no amor”: se a pensar na vida, no amor, na on- deturpou sobre a emoção que descre- tos básicos: quem sou, de onde vim, “Tantas mulheres cumprem a voca- tologia. Daí e de alguns encontros ve como “matéria-prima nobre e es- para onde vou (risos) e no que me a cultura que, desde o ção do nosso género, ao amar demais, felizes, como o que teve com o fotó- cassa”, rarefeita. “Concluí que eu tornei e para quê, muito mais do que nesses tristes tempos”. grafo Jordi Burch no ensejo de traba- escolhi os meus homens a partir da porquê”. princípio dos tempos, Ingredientes dos “tristes tempos”: lharem juntos o tema do amor, nas- imagem do meu pai. E depois dessas diz que só estamos a Internet, a vida em “fast-forward”, ceu a vontade de ir visitar um grupo entrevistas, voltei eu para a psicaná- Mulheres à beira o stress XXI. Estes “são tempos de al- de apoio, o Mada – Mulheres Que lise”, constata em conversa com o a amar se estivermos ta, extrema solidão. Está toda a gente Amam Demais. O grupo tinha já sido Ípsilon, em Lisboa. de uma epifania um pouco perdida, um pouco solitá- tema de novela e Marília-em-plena- Através da voz de Marília Gabriela Foi difícil encontrar um grupo de reu- a sofrer” ria, à procura de amores mágicos. novela tinha vontade de voltar a ele. – “quis fazer numa linguagem enxuta, nião, conseguir autorização para as- Estes tempos favorecem-no pelo ex- No final das suas conversas com 14 numa forma que eu aprecio na litera- sistir a um encontro e lidar com a a si própria. Há ali análise, auto-des- cesso de atribulações, de atribuições, mulheres que “amam” demais – a tura que é o seco, o directo, ir ao pon- desconfiança das suas futuras maté- crição e conhecimento. E a existência meios de comunicação - as pessoas autora não acredita que ali haja amor, to tentando encontrar uma beleza nas rias-primas literárias. “Foi a primeira de um discurso directo das suas mu- isolam-se para conseguir a relação mas muitas outras coisas mais darwi- palavras” - 14 mulheres recuperam as e única vez que frequentei a reunião. lheres enriqueceu o trabalho de Ga- perfeita através da Internet, o que é nistas – foi ela que voltou ao divã do suas histórias de obsessão, os seus Porque eu queria aquelas histórias, briela como narradora. uma loucura”. psicanalista. amores de perdição. “Elas não amam. as mulheres e as suas experiências “Eu sabia que eram mulheres a re- Para escrever “Eu que Amo Tanto”, “Eu que Amo Tanto” são então 14 A diferença é essa. É baixa auto-esti- chamadas amorosas”. Na leitura de agir àquele estado de coisas, com re- criou um oásis de calmaria para a re- mulheres, com histórias de vida dís- ma”, controlo total em busca da obri- “Eu que Amo Tanto”, na leitura das caídas. Mas elas são tão diferentes... flexão. E, na posição de ouvinte, deu pares, reais, juntas nessas salas onde gação da reciprocidade do amor. “Po- histórias pessoais da personagem, da desde a auxiliar de limpeza, com uma por si a trocar histórias e sobretudo se vertem detalhes que são os grupos de ser paixão, que se alimenta só do Angústia, do Sexo, da Imaturidade (é linguagem muito simples, até à sofis- a embebê-las. “Não sou juiz de nin- de ajuda e terapia. Um dia encontra- sofrimento, e é [também] toda a cul- assim, por categorias, que cada capí- ticada jornalista que trabalhou com guém; eu coloco-me ali; o que eu que- ram-se ali com essa “figura manjada tura que, desde o princípio dos tem- tulo avança de história para história), políticos. Mas são mulheres muito ro é uma experiência rica de vida da televisão”, a jornalista, autora e pos, diz que só estamos a amar se cada uma dessas mulheres relata-se honestas e verdadeiras; falam dos para enriquecer a minha vida”. Marília Gabriela ainda

acreditano amor “Eu que Amo Tanto” é uma dupla estreia: da jornalista e actriz MANUEL MARTINS CARLOS Marília Gabriela na escrita e da editora Objectiva. Catorze mulheres falam através da “linguagem enxuta” de uma mulher que lamenta os excessos dos tempos. Joana Amaral Cardoso

Marília Gabriela ficou sozinha dez meses no Rio de Janeiro e teve tempo para um “mergulho Livros interior”

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 23 A felicidade Só agora “A Pele da Terra” chega às livrarias portuguesas de Richard Ford mas em 2006 e em 2007 Richard Ford esteve na Book Expo América e depois na Feira do Livro de Frankfurt a falar do seu mais recente romance. Contou que parte para um livro com um plano delineado mas no fim é sempre surpreendido. Isabel Coutinho

A mulher de Richard Ford chama-se Ford. “Nunca tive contactos com ele do mas recusei.” É claro que neste Kristina. É a ela que está dedicado “Tinha a sensação durante o tempo em que foi Presiden- momento a plateia já estava a rir. o romance “A Pele da Terra”, o últi- te. Quem me dera ter tido. Toda a Ao vivo, Richard Ford parecia um mo da trilogia de que fazem parte de que tinha que fazer gente foi à Casa Branca, menos eu.” senhor muito sério, com uns estra- ainda “O Jornalista Desportivo” (Te- deste livro um grande Mais: “Quando ganhei o Prémio Pu- nhíssimos olhos azuis pálidos, mas orema) e “Dia da Independência” litzer, ele já era o Presidente mas nun- para baralhar trazia naquele dia umas (Presença). livro. Se não, tudo ca telefonou. Conhecendo-o como roupas muito coloridas (o Ípsilon acha “Porque é que não tentas escrever conheço, sei que estava ocupado, ti- que eram roxas). Quando o jornalista um livro sobre alguém feliz? Nunca teria sido em vão” nha outras coisas para fazer. Por aca- alemão lhe disse que Doris Lessing fizeste isso”, disse-lhe um dia Kristi- so a senhora Bush convidou-me tinha afirmado que George Bush era na, e então Richard Ford escreveu um para eu ir à Casa um “cowboy”, ele não concordou: Livros romance sobre um homem que tenta Branca no “Parece que estamos a dizer que Bush ser feliz. “Isto”, diz ele referindo-se ano passa- de alguma maneira é um romântico a “A Pele da Terra” (Teorema), “é o e acho que ele não tem inteligência mais próximo que consigo estar de suficiente para isso.” uma personagem feliz”. Antes de ir para Direito, Richard Richard Ford, que foi o primeiro Ford estudou inglês. Mas foi muito escritor norte-americano a receber mais tarde que quis ser escritor. Co- no mesmo ano o Pulitzer e o PEN/ mo é que isso aconteceu?, pergun- Faulkner (em 1995, por “Dia da Inde- tou-lhe o jornalista alemão. “Não pendência”), esteve há dois anos na faço a mínima ideia. Às vezes, a Feira do Livro de Frankfurt a lançar história da vida das pessoas é iló- “A Pele da Terra” na sua versão alemã. gica. Olhamos para trás, vemos Foi no ano em que se soube durante as coisas que fizemos e tudo ad- a feira que o Nobel da Literatura ia quire um sentido. A decisão de para Doris Lessing e que o Nobel da me tornar um escritor na época Paz ia para Al Gore - estava Richard em que o fiz, em 1968, não fazia Ford a conversar num sofá com um sentido nenhum [entrou para um jornalista alemão, diante de uma pla- curso de escrita criativa da Uni- teia. Ford ficou visivelmente conten- versidade da Califórnia, em Irvi- te (por o Nobel ter ido para um ame- ne, e publicou o seu primeiro ro- ricano e já agora para um branco, mance em 1976]. E eu gosto desse porque os brancos nos EUA só costu- aspecto da vida porque é com ele que mam preocupar-se com eles próprios) temos que lidar todos os dias: a sur- e disse imediatamente que queria Go- presa, a falta de lógica, o caos da vida. re a concorrer à Presidência. Quando contei à minha mãe que me Em 2007, Bush ainda era o presi- ia tornar um escritor ela olhou para dente dos EUA. Como Ford nasceu mim com tal espanto. A minha mãe em Jackson, Mississípi, no Sul dos Es- olhou para mim com horror!”, lem- tados Unidos, e foi colega de Bill Clin- brou. E ser escritor hoje já faz sentido ton na Faculdade de Direito, o diálo- para si? “Sim, no sentido em que te- go com o escritor começou por aí. mos que fazer alguma coisa com a “Eu e o Bill conhecíamo-nos quando nossa vida, já que ela é da nossa res- éramos rapa- ponsabilidade. Quer eu tenha tido um zes”, contou bom editor ou não, quer eu tenha Ford foi o sido bem sucedido a en- primeiro contrar leitores ou não, americano a acho que valeu a pena ganhar no eu ter tentado há mesmo ano o 40 anos ser um Pulitzer e o escritor.” PEN/Faulkner “Venho do Mississípi, onde há tan- processo. É como se se tratasse da tas coisas absurdas, há racismo, coi- vida de outra pessoa. Levantamo-nos sas que não faziam sentido nenhum de manhã, vestimos a nossa roupa, na minha juventude. Por isso o meu saímos porta fora, achamos que sa- trabalho, como cidadão, era tentar bemos quem vai estar lá mas às vezes dar algum sentido a coisas que para não sabemos quem vai estar lá. Não mim não faziam sentido. É essa a mi- sabemos com o que contamos, o que nha responsabilidade enquanto au- vamos encontrar. É assim na escrita. tor”, acredita. É muito parecido com viver a vida.” Isto é uma coisa que Richard Ford Na escrita como na vida não se cansa de repetir. No ano ante- Frank Bascombe é a personagem que rior a este encontro na Feira do Livro acompanhamos ao longo da vida nes- de Frankfurt, esteve a apresentar “A ta trilogia de Richard Ford. Em “A Pe- Pele da Terra” na Book Expo América le da Terra”, Frank Bascombe está 2006. Na sua conferência, num da- mais velho, teve problemas no casa- queles pequeno-almoços com autores mento, os filhos estão a dar com ele que acontecem por lá, falou de como em doido. “Coisas que acontecem a um romance escapa sempre aos pla- qualquer um de nós”, explicou. “Nes- nos dos escritores. Para ele, é impos- te livro Frank tenta tomar as rédeas sível saber com precisão como é que dos acontecimentos à sua volta e en- um texto de ficção se transforma na- trar em guerra com a percepção de quilo que é. que a vida se está a desintegrar à sua “Os livros são escritos com planos volta.” e com esquemas e depois mudam de Este é também um livro sobre a rumo e caem graças a erros que de América e, embora a acção se passe alguma maneira acabam por funcio- em 2000, Ford começou a escrevê-lo nar melhor do que o planeado. Tam- depois do 11 de Setembro de 2001. bém há temas que o escritor pensava “Quando algo de mal nos acontece, o conhecer bastante bem quando co- que devemos fazer é olhar para nós meça a escrever um romance mas próprios, mais do que dizer: ‘Fizeste- depois percebe que afinal não per- me mal, és mau’. Mas isso foi o que cebia nada do assunto”, explicou, aconteceu com o 11 de Setembro, fize- contando que nos 80 escreveu um ram-nos uma coisa má e achamos que conto intitulado “Comunista” e o foram maus ao fazê-lo. Mas devemos mandou para o seu editor. Este disse- perguntar: qual é o nosso papel nisso? lhe que ele tinha que colocar mais O meu livro é sobre isso, sobre: quais palavras no texto. “Eu não sabia que são as origens, quais são as causas das palavras certas eram essas, mas fi-lo, coisas que nos aconteceram?” escrevi sem saber para onde ia. No Quando Richard Ford começou a fim, esse livro consumiu completa- escrever este romance em que volta mente os meus planos e todas as as- aos subúrbios norte-americanos, fê-lo pirações que tinha para ele. Trans- com uma sensação de medo. Medo formou-se noutro livro.” de falhar. E em Frankfurt explicou Quanto começou a escrever ‘A Pele que esse medo de falhar o faz ficar da Terra’ em Novembro de 2002, Ri- muito atento às coisas que quer abor- chard Ford tinha planos que agora lhe dar. “Havia uma série de coisas de que parecem muito improváveis e remo- eu queria falar neste livro e que acabei tos. “Posso dizer-vos que escrever um por lá colocar. Mas tinha sempre romance que está ligado a dois ro- aquela sensação de que tinha que fa- mances anteriores e tem o mesmo zer deste livro um grande livro. Se narrador é uma felicidade. É uma fe- não, tudo teria sido em vão.” licidade que eu tenha podido reen- Um escritor prepara-se para escre- contrar esta voz do narrador, mas ver um livro o melhor que pode, dis- isso não quer dizer que eu não tivesse se. Mas no momento em que está a responsabilidade de escrever e fazer sentado à secretária, com uma cane- um livro completamente novo.” ta na mão a preparar-se para escrever Cada livro tem que valer por si e a uma frase, tudo pode mudar. “Temos voz do narrador tem que dizer coisas uma ideia daquilo que queremos que inteiramente novas. Richard Ford te- aquela frase diga, mas depois surge ve que envelhecer as suas persona- outra coisa quando estamos a escre- gens e é isso que faz com que eles ver. Há um mistério envolvido neste sejam surpreendentes, apesar das parecenças com as pessoas que eram nos livros anteriores. “É muito similar “Levantamo-nos ao modo como todos nós envelhece- mos”, acrescentou. de manhã, vestimos Não sendo um filósofo, Richard Ford tende a acreditar que, nas nossas a nossa roupa, saímos vidas, estamos sempre a encontrar as porta fora, achamos mesmas coisas que encontrámos no dia anterior. E às vezes não consegui- que sabemos quem mos distinguir entre uma sensação e a outra. Num romance, Richard Ford vai estar lá mas tenta sempre dizer ao leitor que sim, que a vida é comum mas temos a res- às vezes não sabemos. ponsabilidade de lhe prestar atenção. “Ao estarmos atentos a pequenas coi- Não sabemos com sas que nos acontecem diariamente o que contamos, o que aprendemos a tirar mais consequên- cias do nosso comportamento no dia- vamos encontrar. a-dia”, diz. Estar interessado em coi- sas banais e tentar tirar prazer delas É assim na escrita. é, para ele, não só um acto de imagi- nação mas também um acto de res- É muito parecido com ponsabilidade. viver a vida” Ver crítica de livros págs. 28 e segs.

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 25 Professor no ISCTE, o antropólogo a autoridade de o descartar. Como “A cultura Bororo Filipe Verde interessou-se pelos Bo- etnografia, a antropologia é tributária roro, índios do Brasil que já tinham não da “teoria” mas das vivências de (como as demais

lugar destacado nos “Tristes Trópi- contacto desses tais “mestres”: da sua CUNHA PEDRO cos” de Lévi-Strauss. Mas não tem sensibilidade, tacto, bom gosto, do culturas ilusões: a cultura Bororo, como todas seu talento, em suma. Foi isso que as culturas “primitivas”, é uma coisa tornou possível, ao lermos os seus “primitivas”), do passado. Olhar para o que ficou textos, re-compreender os mundos para trás, acredita, é a melhor manei- de que nos falam. é uma coisa ra de nos conhecermos a nós próprios Continua informado sobre a do passado, tal - coisa que a antropologia portuguesa, situação dos índios Bororo? Livros da qual é um crítico feroz, não tem Essas pessoas têm ainda alguma como os Assírios sabido fazer nos últimos anos. coisa a ver com o que lhe Li “O Homem Livre” e interessa, a cultura Bororo, que e a Grécia Clássica imaginei-o dividido. Diz que é coisa do passado? a antropologia é “um tema Pouco informado, já estou distante. são coisas do dispensável” para aquilo que Aquele é desde há muito um mundo o livro “quer mostrar”. Por parado, entregue a uma imobilidade passado – os outro lado, é fiel às “convenções triste e sem horizonte. As suas terras antropólogos narrativas da etnografia, dá continuam a ser cobiçadas pelos fazen- toda a importância aos mitos, deiros, continua instalado um vazio não gostam procura “os aspectos vivenciais existencial que me parece sem remis- da realidade” Bororo, tal e qual são. A cultura Bororo (como as demais de ouvir isto, mas os mestres da antropologia. culturas “primitivas”), é uma coisa do O que o livro “quer mostrar” passado, tal como os Assírios e a Grécia é incontornável” não é tão antropológico como a Clássica são coisas do passado – os an- maneira como ele está escrito? tropólogos não gostam de ouvir isto, O interessante não é a antropologia mas é incontornável. Permanecem vi- mas o que ela estuda. O que me im- vas não localmente, onde só subsistem portava eram os Bororo e a sua espan- ruínas, mas na medida em que conti- tosa inteligência ética, não as diatribes nuem a suscitar o nosso interesse, e metodológicas ou anti-metodológicas vão sendo por nós apropriadas para da antropologia, que na maior parte com elas aprendermos o que só por das vezes não fazem mais do que tor- via delas podemos aprender. nar os mundos pelos quais se interes- Os salesianos, de quem diz que sa inacessíveis a uma curiosidade desde 1895 dedicaram anos autêntica. Sim, talvez esteja dividido, “ao desígnio de destruição da mas sem hesitações sobre o que me cultura Bororo”, são hoje os interessa. Na antropologia interessa- grandes responsáveis me o legado descritivo e interpretati- pela sua defesa? vo dos mundos que a história do sé- Desistiram de culo XX varreu do mapa, ou seja, a cristianizar? etnografia e não a teoria antropológi- É verdade, desis- ca, seja lá isso o que for para além de tiram de cris- um discurso abstracto, sujeito a mo- tianizar. Na das e por fim estéril – só vale a pena escola embrenharmo-nos nele para termos “Freud é o mais im pensador moral do

A escrita etnográfica é um “trabalhão solitário” que Filipe Verde considera vital para uma antropologia capaz de dar a ver os mundos primitivos.

26 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon da missão o que se ensina hoje, para te, e como!, de uma forma que permi- assim a cada um de nós, responsabi- há a assimilação auto-congratulatória e fecunda de conhecer o que mais nos além das competências básicas da te conciliar o inconciliável: enorme lidade que se joga sempre na solidão da forma contemporânea do precon- importa conhecer, que é sempre a nós cultura escrita, é a tradição Bororo, liberdade individual com uma ordem do nosso eu. Mas a presença de Freud ceito: o politicamente correcto, de próprios. que alguns missionários do passado e paz social que roça a nossa ideia de no final do livro (não só Freud, tam- que muitas vezes querem tirar divi- Valoriza muito a “componente fixaram. O papel dos missionários é utopia, mas uma moral que nunca se bém a herança das éticas arcaica e dendos e autoridade política. E con- literária” da etnografia. Como é fundamentalmente assistencialista, formula como tal. É uma moral do clássica da Grécia) não tem a ver di- tudo a antropologia é talvez (para que tenta fazer isso perante os sendo agentes políticos centrais da mesmo tipo que encontramos na Gré- rectamente com isso. Tem a ver com mim de certeza, e a par da história) a seus alunos no ISCTE? Ou não defesa dos direitos índios. Papel que cia de Homero, antes de Sócrates e o facto não tão surpreendente assim mais interessante das ciências do Ho- faz? assumem correndo riscos, porque Platão a terem tornado uma coisa de por vezes diferentes culturas pen- mem, com um legado de valor inesti- Parece-me que é preciso dar a ver os aquele é um meio violento e onde a prescritiva, e de a moral se ter casado sarem questões semelhantes em ter- mável para a tradição humanística. mundos de que falamos, colocarmo- vida pode ter pouco valor. Conheci com a religião e com a filosofia, que a mos semelhantes. Há uma quase iden- Decidiu estudar antropologia nos e ao leitor lá, porque de outra dois missionários que são pessoas ex- ergueram contra a natureza e nos tor- tidade nas premissas ontológicas que por uma razão especial? Foi a forma eles permanecem mudos e in- traordinárias: Gonçalo Ochoa, colom- naram muito inautênticos, cada vez guiaram a reflexão de Freud e dos ideia de ir “para o terreno” que capazes de nos comunicar alguma biano que terá hoje cerca de 80 anos, menos livres. E muito neuróticos. Bororo sobre o homem e a acção hu- o atraiu? coisa de vital, e o meio para isso é a e Mário Bordignon, um veneziano há O último capítulo, aproximando mana (que encontramos também em Não, não foi isso. Simplesmente olha- escrita, porque é através dela que che- muitos anos no Brasil. Foram inicia- o naturalismo ético dos Bororo Espinosa). Mais do que isso, nas al- va para as fotografias dos mundos gamos a compreender e comunicar dos pelos Bororo e ostentam o seu e o pensamento de Freud, não deias Bororo, na Viena de finais do “primitivos” e sentia uma curiosidade o que compreendemos. Mas a escrita nome nativo, estou certo, com orgu- é uma espécie de rever Freud século XIX e na Grécia de Homero e infinita sobre eles, sobre as suas etnográfica não é um tema que abor- lho. como melhor antropólogo do de Sófocles, as questões vitais da so- ideias, a sua forma de pensar, sobre de nas aulas, não se ensina, é um tra- Chama à filosofia de vida dos que todos os antropólogos em ciabilidade humana (em última aná- o que é que dá conteúdo ao que cha- balhão solitário. Bororo “naturalismo ético”. sentido estrito? lise questões morais, mais do que mamos diferença cultural. E intuía Se não fossem os Bororo, Para eles não há moral sem Freud é um caso sempre especial. políticas, arrisco dizer contra a actu- que conhecê-los era uma forma rica que outra cultura gostaria de compreensão da natureza Ninguém pode lê-lo hoje sem assumir al obsessão com o “político”) foram estudar? e do lugar dos humanos na uma feroz distância crítica, porque já trazidas à reflexão em narrativas or- Não sei. Mas como antropólogo estou natureza? Ou basta dizer que no estamos inevitavelmente dele distan- ganizadas em torno do incesto e do “Há uma quase muitas vezes se não a estudar pelo pensamento Bororo aquilo a que tes, porque escreveu muitos dispara- parricídio. Encontrei nelas, e nas pre- menos a ler sobre outras culturas. chamamos “moral” não existe? tes, porque em nome dele se escre- missas culturais que as informam em identidade nas Lembro-me que numa fase precoce e Não quero resumir o que se condensa veram disparates ainda maiores, por- cada contexto, o lugar onde se pode premissas de Freud ainda muito indefinida do meu traba- na ideia de “naturalismo ético”, nem que a psicanálise enquanto terapia levar a cabo o que a hermenêutica lho me interessava por pensar a vio- é esse o propósito da pergunta, supo- foi um logro por vezes com foros de chama de “fusão de horizontes”. e dos Bororo (...). Nas lência e a guerra. Teria provavelmen- nho. Há que ler o livro para ter uma irresponsabilidade. Mas, por outro O que o interessa naquilo que os te ido parar à Nova-Guiné, porque visão da coisa. Mas no essencial trata- lado, que grande escritor foi Freud, antropólogos portugueses fazem aldeias Bororo e na talvez em nenhum outro lugar de que se do seguinte: um corpo de ideias e quão absolutamente inteligente foi hoje? E o que é que não suporta? tenhamos notícia elas tenham sido sobre o homem e a acção pela qual o por vezes no seu diagnóstico da mo- Vou ser franco: salvo algumas excep- Viena de finais tão estruturantes da vida humana. conformar dos comportamentos às dernidade. É o autor mais citado do ções, quase nada. E o que não supor- Também andei pela Índia, outro des- necessidades da vida social (a renún- século XX. A importância dele hoje, to é muito, e não é específico da an- do século XIX, tino possível do meu trabalho. O cia à mera lei do desejo e da violência) ou sempre, tem a ver com a dimensão tropologia feita em Portugal, que não as questões vitais Mahabharata, a epopeia fundadora é concebido não como o resultado de moral do seu pensamento, que alguns é diferente da que se faz fora de Por- do Hinduísmo, é uma reflexão magis- uma aprendizagem cultural ou de sub- nem deram por existir… Freud é o tugal. Não suporto a mediocridade da sociabilidade tral sobre a violência (e muitas outras missão a uma coerção social, mas co- mais importante pensador moral do das questões, a insignificância e irre- coisas) e a chave da forma singular mo expressão e manifestação de pro- século XX, e a sua influência aí é avas- levância dos objectos da sua curiosi- humana foram como a sociedade das castas a inte- priedades centrais da natureza e dos saladora. Foi o primeiro a pensar a dade, a falta de cultura científica e o grou no seu seio. Lê-la a par da Ilíada, processos vitais (natureza que é a mes- moral como coisa necessária e neces- facilitismo relativista da maioria dos organizadas em torno por exemplo, poderia ter sido um ru- ma para homens, jaguares e aranhas). sariamente desligada, para nós mo- praticantes, que são uma espécie de mo do meu trabalho. Mas acabei por Nesse sentido, a compreensão da na- dernos, de alguma fonte ou sanção aplicadores burocráticos do que de- do incesto encontrar os Bororo. tureza é aquilo a que nós chamamos que a tornem mais do que meramen- cidiram considerar como uma “me- e do parricídio” “moral”. Uma moral que está presen- te humana. Que responsabilidade deu todologia” ou um “olhar”. E depois Ver crítica de livros págs.28 e segs. mportante WWW.TEATROSAOLUIZ.PT o século XX”

“O Homem Livre: Mito, Moral e Carácter numa   ,    !  !!  .     ! !     Sociedade Ameríndia”, de Filipe Verde, é um dos  !     !     %     !   grandes livros da antropologia portuguesa. Os índios     $ $          Bororo, diz, são “coisa do passado” - mas o trabalho  -!     % !   #!     !  -!     da antropologia consiste exactamente   !0!             "   em resgatar os mundos que o século XX              1    varreu do mapa. Gustavo Rubim   . !!     /  !                                      !   !     &   !    ",    !    !  

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Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 27 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Ensaio Os Bororo, tribo ameríndia do Mato Grosso, são o lugar onde começa, mas não o lugar onde acaba, a viagem que Filipe Verde empreende neste ensaio Os índios freudianos

Uma obra maior da antropologia portuguesa que se arrisca a passar despercebida fora do meio. Gustavo Rubim

“O Homem Livre: Mito, Moral e Carácter numa Sociedade Ameríndia” Filipe Verde Angelus Novus Livros mmmmm

Por que escrevem os antropólogos Top Bulhosa tão bons livros? A pergunta, Livreiros Nacional claríssima para quem lê Ficção regularmente assalariada ou completamente pelo modo como nela “se expressa a humano e se expressa e encontra livros de desocupada, onde grassa o violação do interdito sexual e a enquanto vida” (p. 58-9). Para que o 1 No teu Deserto antropologia, é alcoolismo a níveis alarmantes e extrema violência intrafamiliar que leitor entenda o que isso implica, Miguel Sousa Tavares quase absurda que (…) perdeu o orgulho, que deu lhe é subsequente” (p. 109). Com basta que comece o livro pelo Oficina do Livro para leitores portugueses. Um lugar a uma relação mendicante e a apoio teórico de Gadamer, a princípio, pelo seu primeiro e deplorável defeito da cultura uma vida sem horizontes” (p. 95). releitura faz do mito via de acesso à desbragadamente literário capítulo, 2 Leite Derramado nacional, espelhado fielmente no Não é, porém, dessa vida que se cosmologia Bororo, centrada na esquecendo, ao ler tão belas e Chico Buarque mercado dos livros, é o considerável ocupa o livro de Filipe Verde. No oposição entre dois tipos de inteligentes páginas, a deficiente Dom Quixote alheamento do saber e dos debates capítulo “História e Fontes”, o autor espíritos, os “aroe” e os “bope”, e na revisão de texto que levemente as antropológicos que estão no cerne explica a peculiaridade do trabalho, noção de “raka”, força natural que prejudica. Esse capítulo chama-se só 3 Jesusalém da experiência moderna do mundo. que apenas incluiu uma visita curta conduz os homens (e os “bope”) à “Os Bororo” e o seu nome não podia Mia Couto Basta lembrar que nunca se traduziu aos territórios Bororo (as últimas execução dos seus objectivos ser outro. Caminho em Portugal um dos grandes livros preciosas páginas do capítulo biológicos e sexuais. do século XX, “Os Argonautas do mostram como se converteu na Esta figura do desejo e do seu 4 A Rapariga que Pacífico Ocidental”, de Malinowski, “experiência inesquecível” referida efeito anárquico deixa ler no mito a Ficção Sonhava com uma Lata editado em 1922 (em inglês!); ou que nos agradecimentos), durante a ideia de que o mundo humano está de Gasolina e um Fósforo está por traduzir o excepcional “A qual percebeu definitivamente que “minado por todos os lados pela Stieg Larsson África Fantasma” (1934), de Michel o que o levava ali “não era uma desordem do desejo e do conflito” Havia Oceanos Leiris, ou até, se o tamanho for curiosidade de etnógrafo mas de (p. 142), e de que uma “inteligência desculpa, os seus breves e historiador” (p. 91). O interesse moral está presente afinal como papaias 5 Os Homens exemplares “Cinco Estudos de histórico foi o que o antropólogo uma inteligência da natureza” (p. que Odeiam as Mulheres Etnologia”. criou pela “liberdade individual e 146). Eis o naturalismo ético que no jardim Stieg Larsson O livro de Filipe Verde que a paz social” dos Bororo, pela Verde valoriza, não como Oceanos Angelus Novus agora editou, “O “singularidade das suas ideias curiosidade local, mas, ao contrário, Homem Livre: Mito, Moral e morais”, o fascínio “com o enquanto “reflexão que ultrapassa a A literatura africana tem Carácter numa Sociedade pensamento moral e com as limitação do seu horizonte cultural”. uma nova voz, elegante e Não-Ficção Ameríndia”, vai decerto ficar como práticas pedagógicas Bororo” (p. A ultrapassagem explica o último obra maior da antropologia 95) — tudo nascido da leitura dos capítulo, “Moral e por vezes luminosa, herdeira 1 A Vida é um Minuto portuguesa — e arrisca-se a passar abundantes textos que etnógrafos e Responsabilidade”, que é sobretudo do talento dos antigos Judite Sousa despercebido fora do meio. Nasceu missionários dedicaram à cultura uma oportunidade para regressar a contadores de histórias. Oficina do Livro como tese académica (orientada por Bororo. Freud, ao Freud da fase pós-“Totem José Riço Direitinho Robert Rowland) mas é agora, como É esse o tema, na esteira de Lévi- e Tabu”. A aproximação entre Freud 2 Um Mundo sem Regras o autor quis, um livro que “não tem Strauss e de peritos menos e a visão Bororo do mundo humano Meio Sol Amarelo Amin Maalouf por leitores ideais antropólogos mas conhecidos na sociedade Bororo é o passo mais arriscado do livro, Chimamanda Ngozi Adichie Difel os que, movidos por uma (sonhemos com o dia em que mas o mais revelador da sua Trad. Tânia Ganho curiosidade humanística eclética, alguém edite uma tradução de “Vital ambição bem superior às rotinas da Edições ASA 3 Ficheiros Secretos da lêem romances, biografias e livros Souls”, de J. C. Crocker...), do antropologia actual. Descolonização de Angola sobre, por exemplo, a Igreja capítulo-chave desta obra, o Seria um passo impossível sem a mmmmm Leonor Figueiredo medieval, os Quakers, a Revolução terceiro, “Naturalismo Ético”. Num admiração que Filipe Verde tem pela Alêtheia Bolchevique ou o Hinduísmo” (p. ataque sem atenuantes aos métodos tradição intelectual da “disciplina” Foi por 12). interpretativos da antropologia em que trabalha. Sê-lo-ia também coincidência (os 4 A Segunda Guerra Mundial A sociedade ameríndia em causa clássica, com o autor de “Tristes sem a sua alta consciência da fatalistas dirão Martin Gilbert é a dos Bororo, habitantes do Trópicos” a aguentar os golpes mais “componente literária que é que não) que aos Dom Quixote sudeste do estado brasileiro do duros da crítica, Verde propõe uma indissociável do trabalho de sete anos de idade Mato Grosso, junto à fronteira com releitura do mais famoso mito descrição etnográfica” (p. 85). a nigeriana 5 Nuno Álvares Pereira o estado de Goiás. Estão reduzidos Bororo, com cuja transcrição abre o Porque ela afecta, no cerne, uma Chimamanda Jaime Nogueira Pinto a menos de mil pessoas, talvez um capítulo. Trata-se de uma história de ideia da antropologia que não aceita Ngozi Adichie (n. A Esfera dos Livros décimo da população de há um incesto, espécie de Édipo tropical, menos do que chegar “a tudo o que 1977) foi morar século atrás: “São uma população interessante “na sua literalidade”, é o mundo verdadeiramente com a família na

28 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon Leiam ser “homossexual” é, de Ramos Rosa: ao verso “’Homossexualidades’ como o arco-íris, mais “não posso adiar o amor” Espaço – Uma Psicologia variado do que às vezes falta “para outro século”. Público entre ser, pertencer e se quer (fazer) entender. O século XXI será o século participar” de Nuno Mostra que ser diferente de “amores plurais” ou Carneiro. A vivência da(s) ainda é difícil e que às não será. Vamos adiar o “homossexualidades(s)” vezes só pertencendo gesto simples e absoluto ainda é feita de e participando de dar as mãos a quem muito(s) silêncio(s). (politicamente) é que se é amamos (ou o “beijo Um trabalho como afirmativamente gay (sem apaixonado”) para outro este, raro em Portugal, medos). As palavras da século? revela-se didáctico e introdução são excelentes. Nelson Bandeira, informativo. Mostra que Há uma gralha no poema desempregado, 25 anos

mesma casa onde antes vivera o Partires de Madrugada” (Pedra da escritor Chinua Achebe, autor de Lua, 2008), a impressionante “Quando Tudo Se Desmorona” autobiografia de Wole Soyinka: “A (Mercado de Letras, 2008), romance nova classe alta nigeriana é um que é considerado o livro seminal da bando de iletrados que nunca leu literatura africana pós-colonial. nada e que come coisas de que não Como uma marca no destino de gosta em restaurantes libaneses Chimamanda, esta depressa se demasiado caros e tem conversas interessa por livros e começa a sociais à volta de um só tema: Que escrever. Publica o primeiro tal anda o teu carro novo?” (p. 86). romance, “Purple Hibiscus”, aos 25 Mas o facto em nada diminui o anos e com ele ganha o talento narrativo da autora. Commonwealth Writer´s Prize para Chimamanda Ngozi Adichie narra- uma primeira obra. Três anos nos, numa escrita elegante e por depois, surgiu este “Meio Sol vezes luminosa, a vida de cinco Amarelo” – distinguido com o personagens da Nigéria da década Orange Prize – que jornais ingleses e de 60 (alternando entre os anos do americanos de referência se início e os do final), nos tempos apressaram a elogiar dizendo que conturbados que se seguiram à vinha na tradição dos grandes independência do país e durante os Richard Ford romancistas nigerianos, Chinua três anos que durou a guerra do conclui aqui a trilogia Achebe e Wole Soyinka (o primeiro Biafra: Ugwu, um rapaz aldeão que africano a receber o Nobel de vai servir para a cidade, para a casa Negócios literatura, em 1986). A escritora de Odenigbo, um professor americana Joyce Carol Oates chegou universitário com ideais mesmo a afirmar que “Meio Sol revolucionários, duas gémeas falsas, Sujos Amarelo” é um sucessor de “Quando a sensual, bela e sensível Olanna Tudo Se Desmorona” e de “A Curva (apaixonada pelo revolucionário Richard Ford tende a perder- do Rio”, de V. S. Naipaul, o que não é Odenigbo), e Kainene, “a irmã feia” se no seu próprio labirinto pouco. E Achebe reconheceu que a que ajuda o pai nos negócios e é a jovem Chimamanda Ngozi Adichie paixão de Richard, um jovem inglês quando se trata da ficção tem “o talento dos antigos branco, idealista, com pretensões de mais longa - e “A Pele da contadores de histórias”. Em 2008 escritor e fascinado pela arte “ibo”. Terra” tem esse problema. foi-lhe atribuída uma bolsa As gémeas são filhas de um casal MacArthur Fellow – conhecida como novo-rico que vive rodeado de festas Helena Vasconcelos a “bolsa dos génios” –, meio milhão elitistas e do dinheiro das de dólares pagos em cinco anos, e percentagens recebidas em A Pele da Terra que distinguiu já grandes nomes da contratos corruptos. A vida dos Richard Ford literatura como Harold Bloom, cinco, com as suas teias amorosas e Trad. Paula Reis Joseph Brodsky ou Dereck Walcott. pequenos sobressaltos, vai Teorema Lendo “Meio Sol Amarelo” é decorrendo entre várias cidades. quase inevitável não perceber alguns “Meio Sol Amarelo” retrata o lado mmmnn ecos da voz de Chinua Achebe e mais íntimo da guerra étnica. Não o também das suas preocupações. Não dos soldados assassinos e violadores, Nos anos 80, as do seu livro lendário, mas as de ou o das gentes pobres e Richard Ford já “Um Homem Popular” (Caminho, desesperadas das urbes e dos tinha publicado 1986), romance que é uma crítica campos, não o lado do “matar ou dois romances. feroz e irónica aos políticos africanos morrer”, mas o dos que têm uma Ninguém dava corruptos. (Nessa obra, publicada consciência humanista, o dos que nada por ele até em 1966, a história termina com um têm amigos de outras etnias e cujos que, depois de ter golpe de Estado “profético” – porque sentimentos não foram alterados sido dispensado ainda não acontecera – e é esse pelo conflito. A autora tenta definir do seu trabalho no mesmo golpe, que ocorre meses (ou redefinir) conceitos como “Sports Illustrated”, escreveu “O depois, que vai desencadear a nacionalismo, responsabilidade Jornalista Desportivo” (1986) um guerra do Biafra, cenário em que se social e identidade étnica, e, numa grande romance em que surge, pela desenrola a acção de metade do esfera mais individual, verdade e primeira vez, a personagem de Frank romance de Chimamanda.) Esta traição. À maneira de Achebe, Bascombe, um escritor falhado que citação, a título de exemplo, poderia procura entender (sem recorre à crónica desportiva para também ser atribuída a Achebe ou desculpabilizar) esse povo que, de sobreviver, enquanto atravessa uma talvez mesmo extraída de “É Melhor uma maneira ou de outra, acaba por crise depressiva no seguimento da ser vítima de si próprio ao aceitar a morte do filho. Tal como John hipocrisia e a ganância dos seus Updike, que cresceu e envelheceu dirigentes. Chimamanda Ngozi com Rabbit Angstrom, Ford criou um Adichie pode tornar-se uma voz alter-ego que - segundo o autor, pela incómoda para alguns intelectuais última vez - reaparece em “A Pele da africanos, aqueles que por qualquer Terra” (2006), depois de ter passado pretexto desfraldam a bandeira da por “Dia da Independência” (1995). vitimização do continente, Para o leitor que acompanhou, de demitindo-se de responsabilidades; década em década, o estado físico, e talvez também para um certo sentimental e mental de Bascombe e Ocidente que não consegue ver-se as circunstâncias da sua história ainda livre de um exacerbado pública e privada, esta sequela não

OKEY ADICHIE OKEY complexo de culpa histórica, e que constituirá uma surpresa. Com 55 com essa disfarçada atitude anos, a viver em New Jersey e com paternalista mais não faz um cancro na próstata, recentemente Chimamanda Ngozi do que legitimar a abandonado pela segunda mulher Adichie é uma herdeira – até no hipocrisia e a que inexplicavelmente volta para o sentido literal do termo – de Chinua Achebe desgraça. ex-marido, pragmaticamente

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 29 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Livros

instalado num optimismo ser um mestre quando se trata de Kafka, e tem mais força expressiva do desencantado - a que ele chama o contos, Ford tem a tendência de se que potencialidades dramatúrgicas. “Período Permanente” -, perder no seu próprio labirinto É um monólogo que retoma os prosperamente empenhado nos seus quando se trata de ficção mais longa. aspectos viscerais e dilacerados do negócios do ramo imobiliário, É o caso de “A Pele da Terra”, onde universo kafkiano, o medo, a culpa, a prepara-se para a celebração do Dia epifanias pontuais e certos rasgos de sentença desconhecida. É um de Acção de Graças no ano 2000, grande força poética não disfarçam o manifesto de um dramaturgo com o tradicional jantar que irá lado desconexo da narrativa e a inquieto. juntar os filhos e a ex-mulher. monotonia de uma personagem Em “Aos peixes” (2008), que Durante três dias, Bascombe vagueia agarrada a rotinas, demasiado adapta Melville, voltam as obsessões por uma infindável sequência de evasiva, distante e desenraizada. mas aumentou consideravelmente a subúrbios, num universo de “fast- É possível que Ford mantenha noção da retórica, da “ordem nas food”, motéis baratos, vias rápidas ainda intactos alguns resquícios da frases”, facto a que também não é pejadas de Suvs e Harley Davidsons, influência do seu professor na estranha a condição de texto estradas secundárias, “diners” Universidade da Califórnia, E. L. musicado. Do Jonas bíblico à Moby sombrios, funerárias, praias desertas Doctorow, o que não seria totalmente Dick, passando pelo Padre António e grandes empreendimentos negativo se, na versão portuguesa, Vieira, JMVM mostra perfeita habitacionais. Em permanente não nos deparássemos com uma consciência de que a violência (por estado de ruminação interior, tradução desastrosa que torna o exemplo, uma soberba cena de caça Bascombe encontra velhos romance ilegível. Bascombe não é aos tubarões) é potenciada pelo uso companheiros num velório, é Eneias nem Leopold Bloom, mas a preciso da linguagem e da estrutura chamado para uma identificação linguagem de Ford, com o seu ritmo teatral. Isso é visível desde a primeira policial na qualidade de suspeito de irregular, os seus regionalismos e peça relevante coligida neste volume, um ataque bombista a um hospital, constantes alusões a factos, lugares e “Se o mundo não fosse assim” vê-se confrontado por um estados de espírito muito específicos, (2004). Os textos do americano adolescente armado, questiona a torna difícil a construção das frases Damon Runyon contam historietas sexualidade da filha, é surpreendido em português, pelo o que teria sido de trafulhices no tempo da Lei Seca e pela proposta da ex-mulher que necessário um trabalho mais aturado são o cenário ideal para uma sugere - mas logo abandona a ideia - de adaptação. apoteose do linguajar chulo, entre o que voltem a viver juntos, e tenta No final, resta uma sensação de estiloso e o grosseiro. Os diálogos dos acompanhar o discurso do seu impotência: a de Bascombe, que se pequenos meliantes, cheios de diminuto sócio, Mike Mahoney, um limita a uma resistência passiva, e a parlapié, são aqui o mais importante, tibetano de origem, às voltas com as do leitor, que se vê abandonado pela muito mais do que as peripécias. Não práticas convulsas de um mundo de linguagem na confusão de um texto é exactamente uma comédia, é uma negócios capitalista, puro e duro. (quase) sem sentido. paródia. Aquela grupeta (que lembra “A Pele da Terra” é, “Brighton Rock” e “O Que Diz essencialmente, um romance sobre a Molero”) aposta em cavalos e morte, a sua proximidade e presença, Teatro despacha inimigos nos intervalos de e sobre a forma como ela influencia, paixões funestas, mais gritantes do distorce e amplifica os que qualquer vida criminal, mas acontecimentos e a percepção do Repetir ironizadas num vaivém de canções, mundo. Bascombe, um homem discussões e representações. fragilizado e diminuído na sua para lembrar Ainda mais panache tem “O virilidade, mantém-se em Avarento ou A última festa” (2007), permanente negociação com os versão libérrima de Molière. A factos e com as pessoas para garantir Um teatro trágico, histérico, coreografia será um pouco mais um espaço minimamente seguro, histriónico, radicalmente clássica, mas os jogos verbais num universo em que “a pele da contemporâneo. dominam, pejados de terra” já não é visível, coberta e actualizações devorada pela ocupação desenfreada Pedro Mexia modernaças, e pela depredação humana. Ao Teatro com acompanhar o processo de José Maria Vieira Mendes envelhecimento do seu protagonista, Cotovia embrenhado num solipsismo devorador, o autor mostra aqui um mmmmn abrandamento da acção - se compararmos este livro com os que o “Teatro” recolhe precederam -, preferindo reflectir as sete peças sobre a sociedade, o dinheiro, a escritas até agora diferença entre classes, as armadilhas por José Maria do casamento e as complexas vias da Vieira Mendes (n. amizade e da política de uma forma 1976). Associado repetitiva e reflexiva. aos Artistas Ford é, na realidade, um digno Unidos e ao Teatro discípulo de Mark Twain no que diz Praga, e respeito ao estilo e ritmo de representado em linguagem, embora os críticos o boa parte dos principais palcos associem amiúde a Hemingway, nacionais, Vieira Mendes é o mais Faulkner e, principalmente a John consistente dramaturgo da nova Updike, com quem partilha grandes geração, cosmopolita sem ser

afinidades (e não menores estrangeirado, experimentalista com ENRIC VIVES-RUBIO diferenças): ambos traçaram um noção do espectáculo, provocatório e retrato alargado e impiedoso da alma discreto ao mesmo tempo. americana e da sua paisagem, na qual Tradutor de teatro (Brecht, Pinter, certas figuras angustiadas, perdidas e Beckett), JMVM construiu quatro das por vezes imensamente cómicas suas peças a partir de textos alheios, José Maria Vieira Mendes procuram, sem sucesso, uma razão em versões e colagens. “Dois é o mais consistente dramaturgo para viver. No entanto, e apesar de homens” (1998) usa excertos de da nova geração

30 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon “colesterol”, “pisangambom” e “truca-truca”. Mais do que actualizar Ciberescritas o texto, Vieira Mendes indisciplina o texto, quebra as regras e as fronteiras Em contagem de género; os ridículos todos estão lá (a avareza e a cupidez e a lascívia), mas agora mimetizam vários decrescente discursos, dos clássicos latinos à comédia alfacinha de 1940, numa até ao “2666” farsa histérica, histriónica e altam exactamente 17 dias, 10 horas, 40 radicalmente contemporânea. minutos e 15 segundos. Mas quando estiver a ler Os três textos estritamente isto já só faltarão 14 dias. Este é o tempo que os originais são mais escuros. “T1” Fleitores portugueses terão de esperar até (2003), ainda é uma tentativa, mas já chegar às livrarias portuguesas a monumental tem diálogos hábeis, trocas de espaço obra “2666”, do escritor chileno Roberto Bolaño que é físico e de identidade. Mas o cume do publicada pela Quetzal. teatro de José Maria Vieira Mendes, Não é um livro como os outros. Roberto Bolaño sabia que só tem trinta e poucos anos, Isabel que ia morrer e por isso deixou instruções para que aparece em “A minha mulher” (2007) Coutinho este romance fosse publicado dividido em cinco tomos, e “Onde vamos morar” (2008). que correspondiam às cinco partes do romance. Queria O primeiro é uma tragédia assim salvaguardar o futuro económico dos seus filhos. opressiva: uma família numa casa de Mas os seus herdeiros optaram por publicar o livro férias, num verão abrasador e sem num só volume e é assim que o livro também sairá em água em casa, um jogo de massacre Portugal. Terá exactamente 1032 páginas, até ao Natal que caminha lentamente para aquilo não nos faltará que ler. que o Pai, furibundo com o mundo, Na Book Expo America 2007 quase não se falava de exige: “um banho de sangue”. JMVM outra coisa além e este acabou por ser considerado por usa o conceito kierkegaardiano de muitos como o livro do ano nos EUA. Por cá é muito “repetição”, uma forma de provável que essa euforia à volta de Bolaño se repita recordação em sentido inverso, e com a publicação da obra, embora em Portugal o autor repete cenas meticulosamente não seja um desconhecido. A Gótica editou “Nocturno construídas com rimas internas, Chileno” e a Teorema “Os Detectives Selvagens” e vozes “off”, trechos isolados pela luz “Estrela Distante”. O lançamento de “2666” está      ou pela escuridão. Muito cedo é programado para o dia 26 de Setembro com um evento introduzida uma caçadeira em cena, a realizar na LXFactory, e depois, a cada discussão em Lisboa. Nesta festa de      insultuosa, a cada triângulo Não é um livro lançamento será vendida uma amoroso, vai-se desenhando a edição especial de “2666”. “comédia de ameaça” que nem como os outros Cada exemplar será impresso comédia é, ou apenas comédia num papel diferente (de      humana, uma agressividade que é diversas cores) e terá uma sobrecapa que não constará um clima: “Ele às vezes é perigoso. É das edições que irão para as livrarias. não haverá dois mais perigoso que o pai dele. E exemplares iguais. A festa continuará depois pela noite  também disse que se tu não te fosses dentro no Music Box, no Cais do Sodré, e o DJ será o embora hoje, te partia os dentes e te ilustrador Pedro Vieira (do blog irmaolucia). dava um tiro nos cornos. Não se Até lá, quem não estiver familiarizado com a obra de lembrou doutra coisa. Nunca teve Bolaño pode ir sabendo umas coisas através do blogue muita imaginação. (…). Imita, repete. 2666 que a editora portuguesa criou. Uma das minhas  É para não se esquecer das coisas. entradas preferidas é aquela onde se pode ver um   Para repetir tem de se lembrar. O excerto do documentário “Roberto Cercano”, de Erik meu filho está-se sempre a lembrar. Haasnoot. Estão lá reunidas também as referências que    Como se já tivesse perdido tudo. foram feitas a esta obra em blogues. Rogério Casanova Parece o pai dele. Coitado, nunca vai 2666 (do Pastoral Portuguesa) escolheu partilhar com os ser feliz” (pág. 189). http://2666. cibernautas um excerto que termina com a frase “Creio  “Onde vamos morar” é menos blogs.sapo.pt/ que está na hora de beber um copinho”. José Mário   elegante e mais desesperada. As Silva (do Bibliotecário de Babel) lembrou que o escritor agruras da vida já não permitem irmaolucia guatemalteco Eduardo Halfon dedica a Bolaño uma    frases completamente ordenadas, http://irmao- parte do seu “O Anjo Literário” (ed. Cavalo de Ferro) e mas esboços de frases, lucia.blogspot. dá-nos esse excerto: “Bolaño dissera que nunca se acaba entrecortadas, hesitantes. Há um com/ de ler, ainda que os livros acabem, tal como nunca se homem que regressou 20 anos acaba de viver, ainda que a morte seja um facto certo.” depois, apenas para comprar a casa Pastoral Portu- Tomás Vasques (do Hoje há conquilhas, amanhã onde morou, como se fosse a guesa não sabemos) relembra que Bolaño esteve no Primeiro vingança de uma vida que não teve, http://pasto- Encontro de Escritores Latino-Americanos. “Bolanõ ele que se diz “materialista ralportuguesa. não concluiu a tempo o texto que tinha previsto para o sentimental”. Há um rapaz com blogspot.com/ Encontro, com o título ‘Sevilha me mata’. Na ocasião leu empregos precários que proclama outro” (...) Mas a Seix Barral publicou-o. “É um texto, que quem está em baixo carrega o Bibliotecário de curto, mas incisivo e polémico, onde responde à questão: peso do mundo. E há um notável pai Babel de onde vem a nova literatura Latino-americana? A que prega a aprendizagem da http://biblioteca- entrar, disse, sem doçuras ‘Vimos da classe média ou de           infelicidade. Mais uma vez, as cenas riodebabel.com/ um proletariado mais ou menos assente ou de famílias " 2 )*0$"$"$*! #/"# &+ - $"$"%, (/  repetem-se, recordam-se, recortam- de narcotraficantes de segunda linha que já não querem &$ /6 .' 333"0"1"1 se, as pessoas mudam de identidade Hoje há conqui- mais tiros mas respeitabilidade.’”, diz Vasques. ou então não se reconhecem, lhas, amanhã          baixam os braços, dobram as não sabemos [email protected] costas, o trabalho esmaga, o http://hojeha- amor humilha, a família é conquilhas.blogs. (Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/cibe- uma célula morta. sapo.pt/ rescritas)

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 31 Este espaço vai ser seu. não concordando com o Que filme, peça de teatro, que escrevemos? Envie- Espaço livro, exposição, disco, nos uma nota até 500 Público álbum, canção, concerto, caracteres para ipsilon@ DVD viu e gostou tanto publico.pt. E nós depois que lhe apeteceu escrever publicamos. sobre ele, concordando ou

Jazz espectáculos do ano. Em Lisboa actua o trio do clarinetista francês Louis Sclavis, e, no Porto, um Eles vêm aí concerto duplo reúne o trio de

Sclavis a outra das mais importantes ENRIC VIVES-RUBIO figuras da improvisação mundial, o Preparemo-nos para saxofonista britânico Evan Parker. receber a visita de Louis Com o clarinetista Louis Sclavis, inaugurando uma direcção que se Sclavis e Evan Parker, dois adivinha nova na sua carreira, vêm o dos grandes mestres da teclista Craig Taborn e o baterista improvisação mundial. Tom Rainey, dois músicos versáteis e sofisticados que representam o que Rodrigo Amado de melhor o novo jazz norte- Louis Sclavis Trio americano tem para oferecer. Ao universo destes dois Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. 6ª, 11, instrumentistas, às 21h30. Tel.: 217905155. 20€. que cresceram na Evan Parker Quartet companhia de gente + Louis Sclavis Trio como James Carter, Chris Potter, Tim Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque. Sáb., 12, Berne, Davis Torn, às 22h. Tel.: 220120220. 20€. Mark Helias, Tony Malaby ou Fred A Culturgest, em Lisboa, e a Casa da Hersch, junta-se a Música, no Porto, dão continuidade personalidade a uma excelente política de marcadamente europeia programação para o jazz, e recebem de Sclavis, um aqueles que clarinetista virtuoso que poderão ser marcou de forma dois dos profunda a história do clarinete no jazz, tocando com humor e excepcional criatividade. Evan Parker, o genial saxofonista cuja carreira atravessa toda a evolução do jazz livre contemporâneo, faz-se acompanhar da secção rítmica que com ele fez história durante mais de 30 anos - o contrabaixista Barry Guy e o baterista Paul Lytton - e A ópera de Vasco Mendonça tem uma segunda vida na Guarda convida ainda um

Concertos quarto elemento, o Clássica A ópera parece ter deixado de jovem trompetista intimidar os jovens compositores, norte-americano pois cada ano que passa vão sendo Peter Evans, um Seis estreadas novas criações. músico que se “Jerusalém”, composta por Vasco afirma cada vez personagens Mendonça (n. 1977) a partir do mais como natural premiado romance homónimo de sucessor da Gonçalo M. Tavares (entretanto inovadora visão em nome convertido em libreto), teve a sua exploratória de estreia absoluta em Julho na Parker. Um da multidão Culturgest, contando agora com uma encontro de segunda apresentação no Teatro gerações que tem O jogo com a morte de Municipal da Guarda, no âmbito do tudo para se Festival de Teatro Acto Seguinte. Com tornar histórico. “Jerusalém”, o romance de direcção musical de Cesário Costa, a Gonçalo M. Tavares, inspirou interpretação conta com um sólido a primeira ópera de Vasco elenco vocal e os instrumentistas da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Mendonça. A obra mostra-nos pedaços da vida Cristina Fernandes de seis personagens que deambulam Louis Sclavis: hoje na Culturgest, pela noite: Mylia, incapaz de dormir amanhã na Casa da Música “Jerusalém”, de Vasco Mendonça com dores resultantes do seu grave (música) e Gonçalo M. Tavares estado de saúde; Ernst, que se (libreto) preparava para o suicídio antes do Direcção musical de Cesário Costa. telefonema de Mylia; Theodor Encenação de Luís Miguel Cintra. Busbeck, ex-marido de Mylia, que Com Alexandra Moura, Inês procura uma prostituta (Hanna); o Madeira, Manuel Brás da Costa, João seu filho Kaas, brutalmente Rodrigues, Luís Rodrigues, Manuel assassinado… Ferrer (cantores) e Orquestra O libreto resultou de um trabalho Metropolitana de Lisboa. conjunto entre o compositor, o escritor e o encenador Luís Miguel Guarda. Teatro Municipal da Guarda - Grande Auditório. Rua Batalha Reis, 12. 6ª, 11, às 21h30. Cintra, e o conceito do espectáculo e Tel.: 271205241. 10€. da dramaturgia evoluiu em

32 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon Agenda

Oliver Huntemann + Cyberpunkers + Kiko Domingo 13 + Kamuki + Fusion Porto. Villa Community. R. Dr. Magalhães Lemos, às Orquestra Divino Sospiro e 23h. Tel.: 912980112. 15€ (dia) a 20€ (passe). L’Arpeggiata Gjunkie Festival Direcção Musical de Christina Pluhar. Michiko Tsuda e Roland Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Szentpali Auditório. Praça do Império, às 19h. Tel.: Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande 213612400. 8€ a 25€. Auditório. Avenida D. Afonso Henriques, 701, às 22h. Ver texto na pág. 18 e segs. Tel.: 253424700. 5€. Encontros Internacionais de Música O cabaré dos Pontos Negros no Maxime Rádio Macau + Fonzie de Guimarães. Lourosa. Via Estruturante, às 22h00. Tel.: Tri-Pop Caminhada de Culturas. 256330900. Entrada gratuita. Tara Perdida + Quem é o Bob? + Barcelos. Biblioteca Municipal de Barcelos - Festival da Juventude de Santa Roger Sanchez + DJ Seven Tomaz Auditório. Largo Doutor José Novais, 47, às 22h. Tel.: Dieselboy + Evol Intent + Original Maria da Feira 09. G 253809641. 3€. Sin + Sigma + Cabin Fever Vidigueira. Piscinas Municipais da Vidigueira. Subscuta. Porto. Villa Community. R. Dr. Magalhães Lemos, às Estrada de Cuba, às 19h. Tel.: 284436564. 15€ (dia) a 23h00. Tel.: 912980112. 15€ (dia) a 20€ (passe). Terça 15 25€ (passe). Moreno Gistaín Duo Festival Vidigueira Jovem 2009. Braga. Museu Nogueira da Silva - Salão Nobre. Orquestra Nacional do Porto Rita Redshoes Avenida Central, 61, às 21h30. Tel.: 253601275. 7€. Direcção Musical de Martin André. Moita. Recinto da Fexpo, às 22h00. Tel.: Nigga Poison Donna Maria Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande 212806700. Entrada gratuita. Vila Nova de Famalicão. Campo da Feira, às 22h. Sábado 12 Auditório. Avenida D. Afonso Henriques, 701, às 22h. Sexta 11 Tel.: 252320900. 1€. Tel.: 253424700. 5€. Quarta 16 Encontros Internacionais de Música Cuca Roseta & Trio de Guitarras Madredeus & A Banda Cósmica Nigga Poison de Guimarães. Vítor Hugo Matos + Ângelo de Mário Pacheco Mora. Pavilhão Municipal de Exposições de Mora. Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Rua do Município, às 21h30. Tel.: 266439070. Vila Real. Teatro de Vila Real - Café-Concerto. Martingo Sodré, às 00h00. Tel.: 213430107. Entrada gratuita. Blasted Mechanism + Deolinda + Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, Alameda de Grasse, às 23h30. Tel.: 259320000. Carlos Fauvrelle + DJ Magalie + 91, às 19h. Tel.: 213111400. Entrada gratuita. Entrada gratuita. Smix Smox Smux Moreno Gistaín Duo DJ Daniel K Braga. Theatro Circo - Pequeno Auditório. Av. Douro Film Harvest. Concertos Antena 2. Obras de Com Juan Fernando Moreno Gistaín Vidigueira. Piscinas Municipais da Vidigueira. Liberdade, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 5€. Brahms, Debussy, Messiaen, Berio, Ana Moura (piano), José Henrique Moreno Estrada de Cuba, às 19h00. Tel.: 284436564. 15€ (dia) Joaquim dos Santos, Kovàcs e Nuno a 25€ (passe). Manel Cruz Lisboa. Parque Mayer. Travessa do Salitre, às 21h30. Gistaín (piano). Costa. Vila do Conde. Teatro Municipal de Vila do Conde. Tel.: 966917499. 5€. Lisboa. Jardim da Estrela. Pç. Estrela, às 21h30. Tel.: Festival Vidigueira Jovem 2009. Av. Dr. João Canavarro, às 21h30. Tel.: 252646516. Lisboa ao Parque. 213236200. Entrada gratuita. Clássicos na Rua. Mafalda Veiga Quinta 17 Fingertips Orquestra Nacional do Porto Lisboa. Parque Mayer. Travessa do Salitre, às Mora. Pavilhão Municipal de Exposições de Mora. Direcção Musical de Martin André. Os Pontos Negros Amália Hoje Rua do Município, às 21h30. Tel.: 266439070. 21h30. Tel.: 966917499. Guimarães. Centro Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 23h30. Tel.: Entrada gratuita. 5€. Cultural Vila Flor - Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 16€. 213467090. 8€. Lisboa ao Grande Auditório. Expomora 09. O Pai da Música Clássica II - Obras de Rui Veloso Parque. Avenida D. Afonso Gonçalo Pescada Haydn. Palestra pré-concerto por Águeda. Recinto da Feira de Águeda, às 22h30. Tel.: Henriques, 701, às 22h. Lisboa. Jardim da Estrela. Pç. Estrela, às 19h. Tel.: Cristina Fernandes às 20h15. 234610080. 3€. Drumming Tel.: 253424700. 10€. 213236200. Entrada gratuita. Metalizado B Fachada Clássicos na Rua. Obras de Bach, Expander + Gaiser + Function & Bobby Watson 4Tet Porto. Jardim da Lisboa. Museu da Regis + Nhar + Matias Aguayo & Albufeira. Auditório Municipal de Albufeira. Paços do Cordoaria. Campo Scarlatti, Mozart, Piazzolla, Vivaldi, Música. Rua João de Cómene Crew Concelho, Cerro da Lagoa, às 22h. Tel.: 289599500. Mártires da Pátria, Albéniz e Rossini. Freitas Branco - Estação Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém Entrada gratuita. às 23h. Entrada Metropolitano Alto A, às 23h. Tel.: 218820890. VII Festival de Jazz de Albufeira. gratuita Orquestra Metropolitana de Moinhos, às 22h. Tel.: FIMP 2009 - Lisboa Os Tornados Luís Represas 217710990. Direcção Musical de Alberto Roque. Festival 5ª à Noite nos Aljustrel. Oficinas de Animação e Formação Cultural. Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Liberdade, “Amália Hoje” Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr. Aljustrel, às 22h. Tel.: 284098006. Entrada gratuita. 697, às 22h00. Tel.: 253203800. 15€ a 20€. Internacional de Museus. Francisco Sá Carneiro, às 22h00. Tel.: 219107110. Marionetas do Porto. em Guimarães 10€ a 15€. Orfeão UP + Rancho Folclórico Orchestra Di Piazza Vittorio A Hora dos Franceses - Obras de Douro Litoral + F.R.I.C.S. + Lisboa. Largo do Intendente, às 21h30. Tel.: Terrakota Honegger, Roussel, Poulenc e Fanfarra São Bernardo 218820090. Entrada gratuita. Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré, às B Fachada Franck. Porto. Jardim da Cordoaria. Campo Mártires da Todos - Caminhada de Culturas. 00h00. Tel.: 213430107. 8€. no Museu Pátria, às 21h30. Jaipur Maharaja Rita Guerra FIMP 2009 - Festival da Música Brass Band Moby Águeda. Recinto da Feira de Águeda, às 22h30. Tel.: Porto. Parque da Cidade. Av. Internacional de Marionetas do Lisboa. Rua da 234610080. 3€. Boavista / Estrada da Porto. Palma, às 16h30. Circunvalação, às Tel.: 218820090. Roda de Choro de Lisboa 20h30. Tel.: Portimão. Teatro Municipal de Portimão - Café- Entrada gratuita. 229389978.

concerto. Largo 1.º de Dezembro, às 22h00. Tel.: ROCHA DANIEL Todos - 20€. 282402475. Entrada gratuita. João Lencastre Group Com Ben Van Gelder (saxofone alto), André Fernandes (guitarra), Nélson Cascais (contrabaixo), João Lencantre (bateria). Caldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos das Caldas da Rainha - Café-concerto. Rua Bobby Watson Doutor Leonel Sotto Mayor, às 22h30. Tel.: encerra o Festival 262889650. Entrada gratuita. de Jazz de Albufeira Kobanga-te- Trio Sesimbra. Cine-Teatro Municipal João Mota. Av. Liberdade, 46, às 21h30. Tel.: 212288715. 3€.

Kevin Mahogany + Jessie Moby vai ao Parque Davies 4Tet da Cidade, no Porto Albufeira. Auditório Municipal de Albufeira. Paços do Concelho, Cerro da Lagoa, às 22h. Tel.: 289599500. Entrada gratuita. VII Festival de Jazz de Albufeira. Oliver Huntmann no cartaz do Gjunkie Festival

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 33 Concertos

paralelo com a música. São seis “Transurbana”, de Luís Campos “personagens em nome da multidão”, cujas histórias se vão cruzando num percurso não linear de fragmentos, memórias e reflexos. O espectador é desafiado a reconstruir o seus elos e transportado para “as cidades que conhecemos, todas cegas, todas metidas na morte mundos. 0 próximo espectáculo da próxima quinta-feira, quando Tó herdada e na morte vivida cada dia, Orchestrutópica na Culturgest é Trips e Fast Eddie & The Riverside sem futuro visível, cheias de gente justamente uma proposta de Monkeys subirem ao palco do desesperada à procura de um sentido concerto visual intitulada Auditório Municipal Augusto que as tornasse nalguma Jerusalém, “Transfronteiras” que reúne a Cabrita. cidade única e de todas as religiões”, música contemporânea e o mundo Com um cartaz inteiramente escreve Luís Miguel Cintra no imagético do artista Luís Campos, de constituído por bandas e músicos programa. quem serão apresentadas as obras portugueses, o BOM espelha uma “Todas as personagens carregam “Transurbana” (1994), “A última diversidade da qual releva, mais do qualquer coisa de escuro”, disse visão dos heróis” (1995), ”Futuro que eclectismo – o romantismo Vasco Mendonça ao Ípsilon a imperfeito” (2000), “Limbo” (2004), rock’n’roll d’Os Golpes e a América propósito da estreia em Lisboa. ”Paradise troll” (2006) e “Dog´s revisitada de Sean Riley & The “Funcionam como uma espécie de city” (2008). A vertente musical tem Slowriders (dia 18), o fado de visão de uma pequena parte da o contributo de peças de Rui Gato, Carminho e a “folque” de B Fachada condição humana. Cada uma delas Paulo Ferreira Lopes, José Luís (dia 19) -, uma marca de presente. De transporta um tipo particular de Ferreira, Cornelius Cardew, uma forma ou de outra, todos eles sofrimento, de história de violência. Hildegard Westerkamp, João Pedro são actores naquilo que acontece, São figuras em queda.” Ao nível da Oliveira, Vitor Joaquim e José Júlio que realmente acontece, escrita vocal, sobretudo na parte Lopes. C.F. actualmente, na criatividade musical central da ópera em que a narrativa é nacional. interrompida e as personagens No primeiro dia do festival surgem como “uma procissão de Pop teremos então dois extremos (que se sombras”, o compositor quis dar tocam sem pudor). Tó Trips - ele dos uma impressão sonora particular de Dead Combo, ele que foi antes dos cada uma e nalguns momentos Encontros Lulu Blind ou dos Santa Maria introduziu também uma espécie de Gasolina em Teu Ventre - apresenta oráculo: “um coro que pode ser imediatos “Guitarra 66”, álbum a solo editado entendido como a voz do mundo e este ano: um espaço íntimo de que acaba por ser uma no Barreiro coração aberto à estrada deserta, transformação dramática do que é o um mapa de deambulações que, narrador no livro.” entre uma “Rua da Inquietude” e A paixão pela literatura tem sido Uma genealogia paralela no “The road to Aït Benhaddou”, uma importante vertente do Barreiro Outras Músicas. ouvimos como refúgio de uma percurso de Vasco Mendonça, que belíssima serenidade (ao vivo, claro, desenvolve actualmente um projecto Mário Lopes pode não ser exactamente isso, que de doutoramento no King’s College Fast Eddie & The Riverside os rendilhados que Tó Trips tece à de Londres sobre a influência do Monkeys + Tó Trips guitarra acústica são feitos de sábia vários tipos de texto (dramático, intuição). Do outro lado do espectro Barreiro. Auditório Municipal Augusto Cabrita. narrativo ou poético) na forma de Estrada Fuzileiros Navais. 5ª, às 21h30. Tel.: vêm os Fast Eddie & The Riverside uma peça musical. 212147410. 5€ (dia) a 10€ (passe). Monkeys, segredo bem guardado BOM - Barreiro Outras Músicas 09 (esperemos que por pouco tempo) da fértil cena rock’n’roll do Barreiro. Um concerto visual Podemos vê-lo de duas formas. Estas Com eles, tudo regressa ao blues; pela Orchestrutópica “Outras Músicas” que dão nome ao tudo se transfigura quando este festival que, no ano passado, levou “power-trio” de guitarra slide OrchestrUtopica ao Barreiro nomes como Vic demoníaca, rugidos graves e secção Chesnutt ou American Music Club, rítmica de “groove” enfurecido Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. 5ª, 17, às 21h30. Tel.: Norberto Lobo, Lula Pena ou Tiago trespassa clássicos e originais como 217905155. 10€. Guillul, que de lá convocou The Act- se o palco fosse o único espaço Ups ou Tiago Sousa, podem ser as possível para total liberdade. A pesquisa em torno dos novos músicas com as quais se constrói Digamos que o incineram com o formatos do concerto e o uma genealogia que, como tantas mesmo respeito demonstrado por cruzamento entre as várias artes têm vezes acontece, escapa ao clamor Jimi Hendrix em Monterey: guitarra sido importantes focos de pesquisa popular – mesmo se será delas que, em chamas e o “Wild no percurso recente da no futuro, se fará a história da pop. thing” dos Troggs a Orchestrutópica e vão continuar a Mas “Outras Músicas” pode ser, transformar-se dominar as propostas deste muito simplesmente, um bem numa outra coisa. agrupamento instrumental construído malabarismo estético especializado na nova música ao que coloque em contacto diferentes longo da temporada que agora se abordagens musicais, diferentes inicia. A interacção é actualmente intensidades e jogos de uma das grandes tendências das referências. artes e da música contemporâneas, Na edição de 2009 do [email protected] tendo na emergência das festival, arriscamos dizer plataformas digitais um poderoso que estas duas ideias auxiliar e uma fonte de novas confluem na pesquisas e experiências programação. Algo diversificadas em que as fronteiras evidente desde entre as artes se vão diluindo, logo no primeiro Tó Trips leva a sua “Guitarra 66” contaminando ou revelando outros dia de festival, na ao Barreiro Outras Músicas

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uma improvável obra-prima Aos 20anos,osxx fizeram Discos mmmmm Young Turks, PopStock distri. xx The xx tempos. produzem detemposa improváveis que se um daqueles fenómenos éintergeracional,música Os xxtêm20anos,masasua e espaço Ritmo, alma Pop atravessam (rock, géneros que o os caracterizar que jánãointeressa tanto reduzido. deuma era em Éumdisco envolvem umcorposonoro depeleque sobressair assuperfícies apenastemoefeitodefazer campo pelaprofundidade apetência de imobilidade.Masessa quase silêncio. Otempodeexposição gera a vezes osomparece procurar o e emoção. destituídas decalor aparentemente podemser clínicas, Canções assim,descarnadas, contornos deumaideianuclear. dedefiniros e silêncio, capaz É umesqueleto comcompasso, alma num jogo demovimentos circulares. em redor doespaço, vozes eduas baixo, serpenteante, umaguitarra estrutura. Um ritmo, umalinhade The xx,emprimeiro lugar, a está é raro ouvir-se dos poraí.Namúsica Não é isso que aconteceaqui.Não éisso Por pop, electrónicas, nem perder dubstep, R&B), tempo a tempo a Vítor Belanciano Belanciano Vítor possibilidades, como possibilidades, como infinitas masde minimalista munidos deumsom raparigas, duas rapazese São dois Público Espaço mmmnn Ovação Budja Ba Melech Mechaya Manuel. fazia desdeostempos deD. jánão música portuguesa Mechaya pontesque a cria dosMelech O álbumklezmer a festa, pá É bonita desconcertante. gerações comumafacilidade várias detocar capaz imediata, mais-valia deadesão desermúsica múltiplas temporalidades,comessa particular, por contaminada definirumasonoridade conseguiu cedo.mais Aos banda 20anos,esta como éque “xx” nãofoiarquitectado processos que nosinterrogamos de simplicidade respiram umatal “Crystalised” ou“Basicspace” espontâneo. Cançõescomo“VCR”, nogesto acreditando e qualidades, orgânico, defragilidades consciente umvocabulário hoje. Écriar comoelaéentendida tal a perfeição, melhores obras,oseudesígnionãoé vem moídoetransformado. as Como formaaquilo quetal nosédevolvido fixarem –,de emnadaparticular aos diasdehojesãoinúmeras, semse enumerar –dosanos50 influências haveria asoulque osescravos boa, todo. Seassimnãofosse não dejudeus?música for Seamúsica a rua “The Doomsdaya rua“The 20 de Outubro, saipara mais propriamente a é queaindaesteano, mim. Aboanotícia discos maiores para será umdosdez Perkins americano in Dearland”, do certa: “Elvis Perkins de 2009, umacoisaé ainda nononomês Apesar deestarmos Mais umpasso, eosMelech Mechaya tornam-se umcasosério eamigos, João Bonifácio João Elvis portugueses gravarportugueses quinteto de fado ouum japonesa cantar poderá fazeruma Que sentido apesar dohumor que marca osseus muitotornar-se sério, umcaso eisto estes moçospodemmuito bem seguinte nodisco deixa umaameaça: “Budja Ba” mas éumabelafesta, tempos deD. Manuel. Por enquanto pontes que nãoexistem desdeos coros assimcriando dasTucanas, os melodia judia,eaindasejuntam contrabaixo uma edaguitarra, Almada” porviado afadalha-se, Naóptima“Bulgarde quinta. clarinete tomaadianteiraemete de omercúrio derreter quandoo antes nadas vãosendoadicionados deviolino.melodia judaica Pequenos hop. hápalmas euma Depois podia muito bemserumloopdehip- noque baixo eumprato-de-choques, háapenasumalinhade inicialmente de forma inusitada no“klezmer”: começa-se dodesprazer” Em “Dança apenascompequenosfaz-se truques. constroem Eisto umalinguagem sua. que dãoumsalto, ouseja,que Mechaya temas seuseé aí arriscam tema-título). Masaqui ealiosMelech o (paratirarteimasouçam rítmicas acelerações nos agudoseasbrutais provém datensãoentre asmelodias que festivaessência do“klezmer”, a captar econseguem tradicionais e contra-baixo, interpretam temas percussões acústica, (idem), guitarra violino no“klezmer”), (fundamental Munidosmúsica. declarinete que osmove éosimplesamoraesta curioso:o mais o que tornaocaso Nenhum mitzvahs. dostugaséjudeu, secular, ebar- propícia acasamentos judia é,música isto “klezmer”, com umadezenadetemas estreiam longa-duração noregisto que, em“BudjaBa”,conservatório se no educados portugueses causa dosMelech Mechaya, cinco Brown por Tudoisto naAmérica... doprimeiro James depois tervisto Kuti eTony naNigéria Allencriaram fosse nãohaveria oafro-beatque Fela levaram paraosEUA, eseassimnão óptimos concertos. composto por seis composto porseis disco EP”, temas, entre inéditos e novas Comunicação 35 anos, técnico de Pedro Miguel Silva, in Dearland”. Um festim. incluido em“Elvis Perkins foi “Doomsday” -tema à festadearromba que mais gospelalternativa youtube, umaversão “Slow Doomsday” no abanar, procurem por ficarem deouvidos a versões. Para não blues” (um pleonasmo, naverdade). mmmnn Third SonyMusic Man;distri. Horehound The DeadWeather tempo. manter depédurantemuito parao suficientes canções imaginário, masnãotêmas Os DeadWeather têmum White de Jack supergrupo Sai maisum música quemúsica classificoucomo“gothic detudo,acima éele oprodutor desta Porque porque, canta; também momento. emcada pressente-se na bateria,masoseutoque sónica. teclados deevidenterugosidade e música deriffalhadas bombásticas juntar-se àpandilhaparacolorira dos QueensOfTheStone Age, a o fuzzdobaixo, eDeanFertita, ele semcontenção Raconteurs, aatacar Lawrence, dosGreenhornes edos de “heroinlixadadavida,Jack chic” dosKillsparamanterapose chegar Mosshart Alison a de baterista, a regressar primeirafunção, a àsua então, aosDeadWeather: novo supergrupo. Bem-vindos, que tempolivre jáarranjoumais e tempos livres dosWhiteStripes, eeis montou commúsicos deDetroit nos Raconteurs, osupergrupo que de Jack White Dead Weather, maisum“side-project” White pode estar lá atrás, sentado láatrás,sentado White podeestar Mário Lopes Mário verdadeiramente aos se habituou Ainda opessoalnão do que ninguém. melhor White sabe-o Parar émorrer eJack aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“La Résistance” pode ser o disco da viragem dos Ölga

A transformação demos pela auto-complacente ou aquele- verdadeiramente se liberta do que é existência de Regina mostrar-as-unhas-para-afirmar-que- a sua natureza espalhada pelo disco: dos Ölga Spektor. O disco sou-muito-mulher. Ocorreu-nos que a melodia anódina ao piano a vinha sendo por aí era disco para mocinha que passa emparelhar com a melodia da voz. Se Ölga descrito como uma uma hora a discutir as sabrinas novas quiserem um exemplo vão a “Genius pequena maravilha enquanto come saladinhas de rúcula next door”: escala acima, escala La Résistance Skinpin assente apenas em voz feminina e no sítio da moda após a aula de ioga, abaixo, a pianada pára no andar do piano e se calhar o problema foi o mas estas considerações sociológicas sofrimento quase piroso, antes de mmmnn léxico. É que por maravilha que acabam sempre por ofender uma Spektor subir a voz cheia de inclua piano e voz feminina prima, uma amiga, uma ex- sentimento. (E, Deus, quando ela Os Ölga que entendemos Laura Nyro ou Nina namorada, a tia da prima de alguém sobe a voz ou arrisca falsetes é tão conhecíamos antes Simone, isto é: canções capazes de ir que ouviu vagamente falar do fácil perceber porque é que o mundo criavam música a todo o lado e muita víscera na assunto, por isso esqueçamos esses tem tanta destruição.) Portanto, por maioritariamente garganta. Já em “Soviet Kitsh” considerandos e atiremo-nos a “Far”, muito que Spektor tenha tentado instrumental, descobriam-se, não sem algum o novo disco. Spektor parece fazer arriscar uma ou outra nova harmonia paisagens abstractas terror, baladas e baladinhas de menos beicinho, parece estar ou um novo par de arranjos, que escapavam aos clichés habituais menina armada em mulher, melodicamente mais concentrada continua a haver aqui demasiado do chamado pós-rock pela óptima e, ocasionalmente, uma (“One more time with feeling” é sentimento, demasiada comoção. gestão da dinâmica e da cenografia melodia mais saltitona, quase cantarolável) e parece Falta agitação, um par de berros, um das canções – e também por ser por norma com o grau de igualmente estar mais par de murros na mesa, enfim, um evidente, principalmente em “What intrincamento de um complexa. Há canções, como par de calças. J.B. Is”, álbum de 2005, um apreço pelos exercício de piano para “Two Birds”, que têm curvas e sons kraut de Can ou Neu! uma criança de quatro contra-curvas (ainda que “Horehound” é um álbum de Os Ölga que conhecemos hoje, os anos. (Note-se que, suaves), já para não falar de Jazz feitiçarias blues erguidas às que acabam de editar “La por mais um subtil arranjo de metais proporções mastodônticas de uns Résistance”, parecem ter trocado as paradoxal que que por ali anda. “Dance O jazz quente que Led Zeppelin. Um álbum de longas digressões pela concisão das pareça, a anthem of the 80’s”, não rock’n’roll em quer a carga canções. Cantam com uma voz grave menina Spektor deixando de ser pop vem do frio dramática da interpretação é tão ou e encorpada que parece colada ao tem formação clássica, tem um jogo mais importante do que o talento microfone e que nos recorda clássica.) Mas o percutivo engraçado, uma Lotte Anker / posto na composição. Resulta, claro. imediatamente o tom grave e pior era a voz, voz rapada (e talvez um Craig Taborn / Porque sempre foi encorpado de E, dos Eels. pequeno scratch) antes de uns Gerald Cleaver corpo e voz de uma cenografia Mas “La Résistance”, que tem instrumento de coros digitais que caem Regina Spektor Live At The Loft específica e se adapta na perfeição pianos e metais no refrão tortura: uma ali inesperadamente. É Ilk; distri. Multidisc ao dramatismo destas canções sobre (“Elephants”), que nunca é eufórico, coisinha emotiva, a melhor canção do whiskey e amores amaldiçoados – mas radiante de melancolia (“It’s coquette, birrenta, que como sempre, disco porque é a única mmmmn que são, aqui, os dois lados da alright” é exemplar disso mesmo), oscilava entre a lamúria no novo “Far” em que Spektor mesma moeda. Porque os talentosos que inventa disco-sound para quem Fertita e Lawrence dominam este não o aprecia particularmente universo com mestria – do flamejante (Rhodes e calor analógico a conduzir e hendrixiano “60 feet fall” ao a dança indie do muito recomendável bailado do condenado de “Rocking “Mirror bowling”), é um álbum horse”, muito Morricone, parecem bicéfalo. Progressivamente, as escolher todos os sons certos. E, canções-canções vão-se cobrindo de depois, claro, há Jack White. Que mais elementos, vão dando espaço toca com a pompa e a precisão de aos sintetizadores e às divagações John Bonham, que nos presenteia sonoras do space-rock. E é com um “I cut like a buffalo”, um precisamente aí que eles, os Ölga que bizarro mas convulsivo e empolgante pareciam ter descoberto o prazer de dub-pop’n’roll (não é fácil descrevê- criar canções pop concisas, se tornam lo) construído com órgão Hammond, mais interessantes do que nunca. muitas reverberações e vozes de Tudo resumido em “Magic room”, assombrações (e onde White encarna longa de dez minutos: o vocalista uma espécie de MC deveras canta, o piano percute e a percussão aborrecido com o destinatário da é seca e tensa; ouve-se um violino a letra: “Is that you chokin’?”, repetirá oferecer à canção a vertigem de que um bom par de vezes). a canção precisava e temos um épico Posto isto, “Horehound” tem um de mistério “Ummagumma”, problema. Sendo uma bomba de reinventado como épico central de fragmentação que sabe exactamente um disco chamado “La Résistance” e qual o momento certo para deflagrar, editado em 2009. faltam-lhe canções. Os Dead Weather Nas três últimas canções - a “Magic criaram um imaginário voodoo- room” segue-se a empolgante eléctrico irrepreensível – até a versão fanfarra barreteana de “Miss Booty” de Dylan, “New pony”, ganha nova e a sinuosa “Ben Hur” -, os Ölga perversidade -, mas não criaram as travam a curiosa transformação a canções suficientes para manter o que pareciam entregues. Dão um encantamento durante todo o passo atrás para chegar mais longe. tempo. Saltamos com eles. Aterramos dois À medida que caminhamos para o passos à frente. M.L. final, o cânone blues-rock impõe-se onde a imaginação não chega, e Regina Spektor abandonamos aquela ideia que, a Far início, nos passou pela cabeça. Que, Sire; distri. Warner depois disto, estaríamos mais interessados no segundo álbum dos mmnnn Dead Weather do que no próximo dos White Stripes. Foi em 2004, com “Soviet Kitsh”, que

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 37 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Discos

Lotte Anker, uma improvisadora nata

Tchicai / Muller / Munch-Hansen linguagem que fosse coisas não acontecem por acaso e calendário musical. Neste registo, o depois atribuída a Alexander / Osgood mesmo dela. Anker tem realmente um talento segundo gravado em trio com o Raskatov (n. 1952), que compôs Fortemente único para encontrar o caminho no pianista Craig Taborn e o baterista também a peça de homenagem a Coltrane in Spring Ilk; distri. Multidisc influenciada por emaranhado de sons, pensamentos e Gerald Cleaver, a saxofonista Schnittke (“Nunc dimittis”) que artistas como emoções que constituem a desvenda uma luminosa veia completa a presente gravação da mmmmn Marilyn Crispell, improvisação sem rede. impressionista que encontra o eco Dresdner Philharmonie. Peter Brotzmann ou John Tchicai, Actualmente a co-dirigir o perfeito em Taborn e Cleaver, Apesar de usar uma grande Lotte Anker é uma aventureira, no decidiu mergulhar fundo na Copenhagen Art Ensemble ou num também eles mestres na arte de orquestra (com abundância de melhor sentido do termo. Durante disciplina da improvisação total, dos espectáculos realizados ao lado trabalhar o silêncio e a arquitectura sopros, cravo e três percussionistas), anos ligada, na Dinamarca, ao meio começando agora a conquistar o de músicos como Tim Berne, Chris dos sons. a última Sinfonia de Schnittke é mais conservador do jazz, decidiu merecido reconhecimento por esse Speed, Sylvie Courvoisier ou Ikue Em “Coltrane in Spring”, do marcada por uma certa sobriedade, um dia arriscar e criar uma passo no desconhecido. Claro que as Mori, Anker mantém um intenso quarteto formado pelo saxofonista por uma instrumentação diáfana e John Tchicai, há muito radicado na por uma linguagem relativamente Dinamarca, o trompetista Jonas convencional, por vezes próxima da Muller (aqui também em piano), o música para cinema. O carácter da contrabaixista Nicolaj Hansen e o música revela uma certa inquietação baterista Kresten Osgood, assistimos introspectiva, mas a intenção de ao equilíbrio mágico entre o uma aceleração do tempo que se tradicional e o moderno, numa adivinha na opção de alinhar música que evoca, sem andamentos cada vez mais rápidos pretensiosismo, o melhor do jazz (Andante, Moderato e Presto) não é “moderno” dos anos 60. Embora inteiramente conseguida, carecendo dedicada a Coltrane – Tchicai abre o de suficiente energia e tensão, registo com a leitura de um possivelmente porque o compositor belíssimo poema de John Stewart já não teve tempo de rever e sobre o saxofonista –, a música está aperfeiçoar a obra. Devido às mais próxima dos sons criados pelo circunstâncias, a Sinfonia nº 9 pode quarteto clássico de Ornette ser entendida como um testamento Coleman ou por alguns dos grupos musical, mas se pensarmos no de Archie Shepp ou Don Cherry. O conceito de forma mais abrangente tom belíssimo do trompete de Muller (como súmula do legado de um recorda directamente o som de compositor), a visão que nos Cherry, constituindo um perfeito proporciona é redutora face a uma contraponto ao sax tenor de Tchicai, carreira bem mais rica e ambos suportados de forma sólida diversificada. por Hansen e, particularmente, Recorrendo à intervenção da Osgood. Sem grandes revelações, meio-soprano Elena Vassilieva e às uma música que ultrapassa o revisionismo histórico, conquistando espaço com sucessivas Alfred Schnittke não teve tempo audições. Rodrigo Amado de aperfeiçoar a sua última obra

Clássica A despedida de Schnittke

Alfred Schnittke Sinfonia nº 9 Alexander Raskatov “Nunc dimittis” Dresdner Philharmonie Dennis Russell Davies (direcção) ECM mmmnn

Passaram vários anos desde a morte de Alfred vozes Schnittke, ocorrida masculinas do inconfundível a 3 de Agosto de Hilliard Ensemble, “Nunc dimittis”, 1998, até que a sua de Raskatov, é uma sentida Sinfonia nº 9 pudesse ser dada a homenagem ao compositor que conhecer ao público. Paralisado do prolonga a atmosfera da Sinfonia e lado direito devido a um acidente insiste na ideia da despedida da vida vascular cerebral, escreveu a sua através dos textos de Joseph Brodsky última obra com a mão esquerda (1940-1996) — um dos poetas numa grafia minúscula dificilmente preferidos de Schnittke — e do legível. Inicialmente, Irina Schnittke monge ortodoxo Starets Siluan (viúva do compositor) encarregou (1866-1938). Com direcção de Dennis Nikolai Korndorf da decifração do Russell Davies, ambas as obras são manuscrito, mas este viria e falecer, objecto de interpretações cuidadas vítima de um tumor cerebral, antes de elevado nível. Cristina de completar o trabalho. A tarefa foi Fernandes

38 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Isabel Carvalho convoca práticas e quotidianos partem, num confronto que, apesar “menores” para os seus objectos de aberto, não se limita à A estética arquitectura e aos espaços do edifício. Nicolás Robbio mostra a da guerra natureza frágil e preciosa das coisas, para as dar a experimentar como fenómenos. Por exemplo, em William Russell, o primeiro “Frequência”, peça que o correspondente de guerra, é espectador anima, dando movimento a várias linhas brancas, o ponto de partida do mais ou na peça do sino, em que lidamos recente trabalho de Maria com as distâncias entre a produção Lusitano. do som e o som (há aqui uma alusão Luísa Soares de Oliveira implícita à comunicação radiofónica, que se repete na relação O Correspondente de Guerra entre a instalação sonora De Maria Lusitano. “Frequência” e “Cine”). Já I’m Not Here está mais próximo dos Lisboa. Museu Nacional de História Natural. Rua da Escola Politécnica, 58. Tel.: 213921800. Até 27/09. 3ª “objectos” habituais de Nicolás a 6ª das 10h às 17h. Sáb. e Dom. das 11h às 18h. Na Robbio: numa sala, estão letras Sala do Veado. recortadas, esculturas em papel, um Vídeo, Instalação. desenho. São silhuetas, sombras, marcas da passagem do artista pelo mmmmn Porto, como a luz que desenha na parede o tecto do Coliseu da cidade. Maria Lusitano trabalha As peças de Isabel de Carvalho essencialmente com o vídeo. Por existem numa dispersão de vezes, como há anos sucedeu na suportes, afectos e experiências. galeria Módulo, encena uma Remetem tanto para referências performance no momento da teóricas (literárias, artísticas), como vernissage de apresentação de um para o quotidiano; podemos dizer, novo trabalho. Contudo, a mesmo, que se faz artista com as apreciação da sua obra dispensa coisas encontradas no seu dia-a-dia, adereços. Os filmes que imagina e coisas que podem ser sítios realiza são tão densos de significado devolutos ou simples plantas. Veja- que apenas são necessários uma sala se o vídeo “Amanhã”: uma sucessão escura e silêncio quanto baste. lenta de imagens mostra um parque É o que se passa com “O infantil construído em betão durante Correspondente de Guerra”, nome o Estado Novo, e que é agora um de um extenso filme de 46 minutos lugar suspenso no tempo, na cidade que está em exposição na Sala do do Porto; ou a instalação “Como Veado. Segundo as palavras da Sucedâneo da Vida”, cuja grade, artista, a ideia teve origem nos feia, tosca e preta, nos impede a filmes que o seu filho, de cinco anos, passagem, e à qual só a imagem vê diariamente, e na constatação de disforme de uma planta oferece cor que, em todos eles, o fenómeno da organizado pelo Museu de Serralves, e luz (uma alucinação?). guerra é legitimado por um discurso O primeiro com a curadoria de Ricardo Nicolau, A presença de situações e objectos estético, ético e político. A par deste na Baixa do Porto, é exemplar dessa provenientes de práticas e de facto, Maria Lusitano possuía um episódio de atitude. Concebido em episódios, quotidianos “menores” (associados conjunto de jornais ilustrados do propõe-se habitar um edifício com frequentemente à cidade do Porto) e século XIX que se incluem entre os obras de dois artistas produzidas o interesse pelo malfeito têm primeiros meios de comunicação a Exposições um edifício especificamente para o local. E o caracterizado a prática de Isabel publicar notícias de um primeiro momento, “O Amanhã de Carvalho. Acontece que esse gesto correspondente de guerra, no caso a Nicolás Robbio e Isabel Ontem Não é Hoje”, é promissor. nunca é gratuito, mas tocado por Guerra da Crimeia. A partir da Nele participam Isabel Carvalho uma emoção e uma generosidade conjunção destes factos, a artista Carvalho levam sons, (Porto, 1977), um dos nomes mais raras. Se não, veja-se o modo como elaborou uma narrativa clássica, histórias e coisas a um estimulantes do contexto nacional, e filmou a rapariga que, sem se prédio do Porto. Nicolás Robbio, artista argentino preocupar com questões técnicas Agenda José Marmeleira que, entre Abril e Maio passados, (uma amadora?), toca bateria, por teve uma belíssima exposição na excelência o instrumento mais Inauguram Emissores Reunidos - Episódio 1: Galeria Marz, em Lisboa. Quanto ao assertivo da música pop; a O Amanhã de Ontem Não é Hoje edifício, pertence a um quarteirão transformação que operou no antigo Timeless de prédios desenhados por Marques bar do edifício, recuperando-o como Lisboa. Museu do Oriente. Av. Brasília - Edifício De Isabel Carvalho, Nicolás Robbio. Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte. da Silva (arquitecto da Casa de espaço de lazer, sem sacrificar a Tel.: 213585200. De 11/09 a 08/11. 6ª das 10h às Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R. Serralves) onde funcionaram os experiência do espectador; ou a 22h. 2ª, 4ª, 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 18h. Cândido dos Reis, 74. Até 20/09. 6ª e Sáb. das 15h às Inaugura 11/09 às 22h. 23h. 3ª a 5ª e Dom. das 15h às 20h. escritórios, armazéns e lojas da evocação irónica e terna de um Design. Experimenta Design 2009. Fábrica Rio Vizela, propriedade do tempo e de um fazer na instalação Instalação, Vídeo, Escultura, Outros. Ver texto págs. 6 e segs. primeiro Conde de Vizela (pai de “Mostruário de horas tecidas em mmmmn Carlos Alberto Cabral, segundo ambientes pesados resultando em In a Rear Room conde, que viria a construir a diferentes padrões estéticos”. De Ricardo Jacinto. Produzir arte para lugares que não moradia de Serralves). Foi também Uma nota apenas quanto à Lisboa. Vera Cortês - Agência de Arte. Avenida 24 de Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177. De 11/09 a 23/10. são os da arte, dialogando com sede da RDP e pertence actualmente montagem: organizar uma 3ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 15h às 20h. outros espaços arquitectónicos e as ao Sindicato dos Bancários do Porto, exposição longe da casa-mãe não é Instalação, Desenho, Outros. suas histórias, não é uma proposição que o usa para a promoção de tarefa livre de obstáculos. Durante a Sótão nova, mas continua a ser uma actividades amadoras dos seus nossa visita, algumas peças tinham De Miguel Vieira Baptista, Fernando proposição necessária, saudável. membros. claros problemas técnicos. Mas Brízio. Lisboa. MARZ - Galeria. R. Reinaldo Ferreira, 20A. Temerária, até. É das histórias e dos tempos estamos certos de que, por esta Tel.: 915769723. De 11/09 a 31/10. 3ª a 6ª e Sáb. das “Emissores Reunidos”, projecto destes usos que os dois artistas altura, já estão todas a funcionar.

40 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon Susana Mendes Silva na Marz

Ricardo Jacinto na Vera Cortês

Maria Lusitano recorre a uma montagem complexa: gravuras, excertos de filmes, peças televisivas...

como sempre sucede no seu Embora o filme se concentre na trabalho, reportando os factos que pessoa de William Russell, que foi conduziram aos actuais discursos correspondente de guerra do sobre a guerra: os lados do vencedor “Times” na Crimeia (1854–1856), e e do vencido, e o ponto de vista, que siga uma linha narrativa que termina nunca é imparcial, do jornalista. em Florence Nightingale, a Servindo-se das gravuras fundadora da enfermagem (cuja encontradas nesses jornais, a artista figura, apropriada a partir de um criou uma montagem complexa filme de animação para crianças, utilizando excertos de filmes para condensa os estereótipos atribuídos veicular a sua mensagem. As gravuras socialmente à mulher), teria sido sofrem um processo de animação de interessante que o filme chegasse imagem que permite destacar este ou efectivamente às raízes da aquele pormenor, esta ou aquela representação cinemática da guerra. personagem. Mas todo o tipo de Pensamos evidentemente em filmes é aqui utilizado, recortado e Griffith, cujo “O Nascimento de uma remontado: documentários das duas Nação” (1915) estabelece já os guerras mundiais, filmes de códigos necessários para o cinema animação para crianças, grandes de batalhas, ou no “Napoleão” de reconstituições históricas à maneira Abel Gance (1927). Por outro lado, a de “Guerra e Paz”, entrevistas estetização da guerra não pode ser retiradas do YouTube – entre as quais tratada sem menção dos escritos de uma famosa, em que a fotógrafa Marinetti e da defesa que o norte-americana Susan Sontag fala de futurismo italiano fez da guerra por como viveu o cerco de Sarajevo -, uma questão meramente estética - peças gravadas a partir da televisão. um argumentário que ajuda a A montagem das peças é compreender o impulso bélico voluntariamente ambígua: nunca se fascista e nazi. Benjamin, já nos anos sabe se se está no reino da ficção ou 40, não se ilude quando dedica no do documentário, nem talvez isso páginas importantes a rebater a importe muito. É que a mensagem é pretensa estética da guerra. É que a clara: a apresentação da guerra é guerra, em si, não é estética. É fundamentalmente estética, sujeita apenas a sua apresentação que o é. como está a critérios que separam o Estes reparos, contudo, não bem e o mal em campos distintos. E o invalidam um trabalho excelente e espectador, mesmo quando tem de grande nível. Esta peça merece cinco anos, deverá reconhecer de maior impacto e respeito. imediato quem representa o bem e Esperemos que o venha a ter em quem representa o mal. breve.

O Ateliê Fidalga em Lisboa

12h às 20h. Inaugura 11/9 às 08/11. 2ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 14h às 20h. 22h. (aberto também a 13/9). Inaugura 12/9 às 22h30. Design, Outros. Design. Experimenta Design 2009. Experimenta Design 2009 Tangenciais. Ver texto págs. 6 e segs. X Ginguba De Susana Mendes Silva. De Daniel Melim. Lisboa. MARZ - Galeria. R. Reinaldo Ferreira, 20A. Lisboa. Módulo - Centro Difusor de Arte. Calçada dos Tel.: 915769723. De 11/09 a 31/10. 3ª a 6ª e Sáb. das Mestres, 34A/B. Tel.: 213885570. De 12/09 a 14/10. 3ª 12h às 20h. Inaugura 11/9 às 22h. a Sáb. das 15h às 20h. Inaugura 12/9 às 18h. Instalação. Pintura. Pace Of Design Ateliê Fidalga - 55 Artistas - São Lisboa. Picadeiro do Antigo Colégio dos Paulo - Brasil Nobres. R. Escola Politécnica, 60. De 12/09 a 08/11. De Adélia Klinke, Ding Musa, Fellipe 2ª a Dom. das 11h às 20h. Inaugura 12/9 às 23h30. Segall, entre outros. Design. Experimenta Design 2009. Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. Ver texto págs. 6 e segs. Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. De 16/09 a 31/10. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. Lapse in Time das 12h às 19h30. Inaugura 16/9 às 21h30. Lisboa. Sociedade Nacional de Belas Artes. Rua Pintura, Fotografia, Desenho, Barata Salgueiro, 36. Tel.: 213138510. De 12/09 a Escultura, Instalação, Vídeo, Outros.

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 41 “Maiorca”, de Paulo Ribeiro, em Ílhavo

Sylvie Rocha no novo Pirandello dos Artistas “Wo-Man in Tomatoes” na Quinzena de Dança de Almada Unidos

qualquer coisa de teatro e música lá Um novo dentro. Criação de dois artistas Agenda suecos (Carl Michel von Hausswolff e reino no Leif Elggren, com presença em Teatro Henriques. eventos como a Bienal de Veneza ou Almada. Teatro Municipal - Sala Experimental. Av. a Documenta), a acção visa a Professor Egas Moniz. De 16/09 a 27/09. 4ª a Sáb. às Estreiam 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 11€. Maria Matos instauração do consulado do reino imaginário de Elgaland-Vargaland Idiotas Chovem Amores na Rua em Lisboa. O reino foi fundado em De Fiódor Dostoievski. Encenação do Matador O consulado do território De Mia Couto, José Eduardo 1992 pelos dois artistas suecos tendo de Eimuntas Nekrosius. Com imaginário de Elgaland- Daumantas Ciunis, Salvijus Trepulis, Agualusa. Pelo Trigo Limpo - Teatro por objectivo interrogar conceitos ACERT. Encenação de Pompeu José. Vargaland abre hoje com como os de fronteira e cidadania. Vaidas Vilius, Ausra Pukelyte, Vytautas Rumsas Jr., Tauras Cizas. Com José Rosa, Sandra Santos. Oeiras. Auditório Municipal Eunice Muñoz. R. uma performance e um O espectáculo gira em torno da Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De 11/09 Mestre de Aviz. De 12/09 a 13/09. Sáb. e Dom. às encenação do protocolo e um dos a 12/09. 6ª e Sáb. às 20h. Tel.: 223401910. 10€ a 20€. piquenique - levamos a 21h30. Tel.: 214408411. momentos altos promete ser a comida, a bebida é por conta Ver texto na pág. 14 e segs, MITO - Mostra Internacional de interpretação do hino. No Maria Teatro de Oeiras. da casa. Vítor Belanciano Matos, nas manipulações Seis Personagens à Procura de electrónicas, para além de Carl Autor Fedra Michel von Hausswolff, vão estar De Luigi Pirandello. Encenação de De Miguel Graça. Encenação de Elgaland-Vargaland Maria Camões. Com Joana Castro, Mike Hardin, que dirige a editora Jorge Silva Melo. Pelos Artistas De Carl Michael von Hausswolff e Unidos. Com João Perry, Sylvie João de Brito, entre outros. Leif Elggren. Com Carl Michael von Touch, e o investigador e designer Rocha, Lia Gama, Mariema, Pedro Lisboa. Teatro Ibérico. R. Xabregas, 54. Até 02/10. Hausswolff, Mike Harding e Heitor português Heitor Alvelos. A entrada Gil, entre outros. 5ª a Dom. às 21h30. Tel.: 218682531. é livre, mediante a entrega de Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Alvelos Nada do Outro Mundo oferenda para o banquete que se Cardoso, 38-58. De 17/09 a 18/10. 4ª a Sáb. às 21h. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€ a 20€. De Guy Foissy. Encenação de Paulo Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Sáb., 12, às segue ao final do protocolo. Ou seja: Matos. Com Luís Vicente, Paulo 18h30. Tel.: 218438801. Entrada gratuita. terminada a performance, o público Na(s)cer Cansado Matos. será convidado a ocupar uma mesa De Henri Michaux. Encenação de Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, A nova temporada do Maria Matos real, onde será saboreada a comida Luciano Amarelo. Com Margarida 91. Até 20/09. 2ª, 3ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.: 213111400. 7,5€ a 10€. inicia-se amanhã. Há um novo angariada. As bebidas são por conta Gonçalves, Armando Villafáñez, director, Mark Deputter, e uma nova dos anfitriões. Félix Muñiz. Rapazes Nus a Cantar Guarda. Teatro Municipal. R. Batalha Reis, 12. De Encenação de Henrique Feist. Com filosofia que privilegia a criação O reino imaginário de Elgaland- 17/09 a 19/09. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241. 5€. contemporânea como forma de Vargaland tem selos, passaporte, Acto Seguinte - Festival de Teatro da Alexandre Ferreira, Hugo Goepp, Guarda. entre outros. pensar o mundo, função a bandeira, ministérios, hino. Define- Estoril. Casino. Pç. José Teodoro dos Santos. Até desenvolver num contexto se por reclamar territórios que os Deus e o Diabo na Terra de Miséria 31/12. 3ª a Sáb. às 22h00. Dom. às 17h00. Tel.: 214667700. 20€ a 22€. interdisciplinar, com projectos que outros não reclamam: espaços entre Pela Oigalê Cooperativa de Artistas recaem no teatro, na dança, na países, estados mentais, águas Teatrais. O Deus da Matança música, em projectos educativos e internacionais. No fim de contas, o Amadora. Pq. Aventura. Dia 11/09. 6ª às 18h. De Yasmina Reza. Encenação de em debates. Maria Matos pretende o mesmo, Entrada gratuita. João Lourenço. Com Joana Seixas, Carnaxide. Centro Cívico. Av. Portugal. Dia 12/09. As fronteiras disciplinares vão ser tentando afirmar-se, a partir de Sáb. às 18h. Tel.: 214172813. Entrada gratuita. Paulo Pires, Sérgio Praia, Sofia de esbatidas logo no espectáculo amanhã, como o primeiro teatro MITO - Mostra Internacional de Portugal. inaugural. Trata-se de “Elgaland- municipal de Lisboa dedicado à Teatro de Oeiras. Lisboa. Teatro Aberto. Pç. Espanha - Sala Azul. Até 31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: Vargaland”, acção performativa com criação contemporânea. Viver é Raso 213880089. Companhia: Companhia de Actores. Ego Carnaxide. Auditório Municipal Ruy de Carvalho. Com Catarina Lacerda, Gonçalo Centro Cívico - R. 25 de Abril, lote 5. De 11/09 a 13/09. 6ª, Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.: 214170109. Waddington, António Fonseca. Entrada livre. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio. MITO - Mostra Internacional de Pç. D. Pedro IV. Até 11/10. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h15. Tel.: 213250835. 12€. Teatro de Oeiras. Continuam Dança O Camareiro Estreiam De Ronald Harwood. Com Ruy de Carvalho, Virgílio Castelo, entre Short Cuts + Wo-Man In Tomatoes outros. De Istvan Juhos-Putto e Yossi Berg. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett. Pelo Polish Dance Theatre. Pç. D. Pedro IV. Até 25/10. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. Oeiras. Palácio Marquês de Pombal. Quintas de às 16h00. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€. Baixo e de Cima. Dia 11/09. 6ª às 21h30. Tel.: 214465300. Entrada gratuita. Ver texto na pág. 16. Almada. Teatro Municipal. Av. Professor Egas Moniz. De 12/09 a 13/09. Sáb. às 21h30. Dom. às A Febre 16h. Tel.: 212739360. 10€. De Wallace Shawn. Encenação de Olival Basto. CC da Malaposta. R. Angola. Dia Marcos Barbosa. Com João Reis. 17/09. 5ª às 21h30. Tel.: 219383100. 10€. Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç. XVII Quinzena de Dança de Almada. Espanha. Até 20/09. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 213880089. 15€. Cantata + Strokes Through the Tail + Fauno Menina Júlia De Vasco Wellenkamp, Marguerite De August Strindberg. Pelos Donlon e Mauro Bigonzetti. Pela Primeiros Sintomas. Encenação de Companhia Nacional de Bailado. Bruno Bravo. Com Ana Brandão, Coimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. Pedro Giestas, Inês Pereira. República. Dia 16/09. 4ª às 21h30. Tel.: 239855636. Lisboa. O Negócio. R. do O Século, 9 - Páteo de 12€ (c/ descontos).

Teatro/Dança Santa Clara Ptª 5. Até 12/09. 2ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213430205. Continuam Contracções Maiorca De Mike Bartlett. Encenação de De Paulo Ribeiro. Pela Companhia Solveig Nordlund. Com Paulo Ribeiro. Com Romulus Neagu Joana Bárcia, e Pedro Burmester, entre outros. Cecília Ílhavo. Centro Cultural. Av. 25 de Abril. Dia 11/09. Carl Michael von Hausswolff, o rei de Vargaland, João Reis em “A Febre” 6ª às 21h30. Tel.: 234397260. 10€. amanhã no Maria Matos

42 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon     $         !    "                  $ +       % ! &$   .     $   /   !0 $            %  $   #$      $     $     &                  $         1      +  "      +              "              milhões, aplicados na tentativa de       #    Música    minorar o sofrimento dos refugiados      em zonas de conflito do Sudão ou da         Etiópia – as lágrimas de quem lá    Tesourinhos 0$  esteve e o recorda, aqueles corpos e          %      aqueles olhos vazios de vida,     %  deprimentes    acusadores, que vemos no banal       $   documentário televisivo do segundo         " DVD não nos permitem tal cinismo,   O documentário que agora 

  DVD mesmo sabendo nós que um “We  regressa às lojas é pura e Are The World” nunca mudará nada      inadvertida comédia pop. e que corpos e olhos assim 1  ,   Mário Lopes continuam a olhar-nos a todos, duas $   " décadas e meia depois.       Mas “We Are The World”, o   We Are the World – The Story    documentário de cerca de uma hora $ 0  Behind the Song  $  que regressa às lojas para capitalizar  Edição Universal " o interesse actual por tudo aquilo  mnnnn que tenha a marca de Michael &&  && Jackson – trata-se, afinal, da “20th $   Extras   Anniversary Special Edition”,   "   mnnnn editada originalmente em 2005 -,    não é, como Jane Fonda diz a        Percebemos que determinado ponto, sobre o “o  1  "% vamos assistir a algo momento mais idealista da história   

especial quando pop”. “We Are The World” é pura e silva!designers

vemos Jane Fonda, inadvertida comédia pop. Veja-se o      $   de permanente Paul Simon que, ao lado de Stevie -$      impecável, casaco Wonder e Lionel Richie, se castanho de assemelha estranhamente, em altura chumaços generosos e casaquinho aos quadrados, ao e também castanhas calças de Tonecas. Veja-se Cindy Lauper a ser cabedal, a caminhar pela rua e a obrigada a tirar a quinquilharia que falar-nos do “nascer do sonho”. Isto trazia ao pescoço – estava a enquanto, em fundo, se ouve aquele atrapalhar a gravação. Reveja-se tipo de música reconfortante que Huey Lewis a recordar-nos a América conhecemos dos canais de de Reagan e de Rambo quando ataca televendas. O ano é, dizem-nos, o microfone e, de punho cerrado e 1985, mas não estamos certos. Tudo tom bélico, ameaça o público com o que veremos em seguida neste aquele muito rouco e muito másculo DVD que reúne um “making of” da, “so let’s start giving” – impunha-se, chamemos-lhe assim, mítica canção nesse momento uma adaptação da de beneficência “We are the world” - letra ao tom adoptado, algo como a que se acrescenta um segundo “you’d better start giving, or else...” disco com um documentário Ao longo de uma madrugada, realizado dez anos depois e dezenas de estrelas da canção, muitas, várias versões saídas directamente dos American da pandilha toda a Music Awards, enfiaram-se num cantar a canção em estúdio de LA e gravaram uma vários palcos -, tudo o canção medíocre. Ambiente de que veremos neste “We festa, um encontro para mais tarde Are The World”, recordar, fotos e autógrafos aqui e prosseguimos, ali. E Bob Dylan ali no meio, apresentado por uma Jane escondido atrás de Smokey Fonda que, naqueles Robinson, com ar de cristão-novo chumaços, mancha arrependido daquilo a que o irremediavelmente a obrigava a cristandade, e um John memória palpitante de Oates que, à altura, nos parecia “Barbarella”, assemelha- irremediavelmente foleiro mas que, se estranhamente aos reparamos agora, ostentava um sketches humorísticos que bigode e uma cabeleira que são, nos habituámos a ver desde actualmente, vanguarda estética no 1985 – versando, eixo Chiado-Bairro Alto. precisamente, estes Não sabemos exactamente a quem encontros de estrelas poderá interessar este verdadeiro “humanitárias” de que baú de “tesourinhos deprimentes” “We Are The World”, pop (copyright Gato Fedorento), não sendo pioneiro, é mas talvez que o relançamento pós- emblemático. morte de Michael faça, afinal, algum Longe de nós sentido. O melhor momento do DVD pretender desvalorizar não dura mais do que 30 segundos. as boas intenções de Um baixista e um baterista a Bob Geldof, Harry improvisar um funk e Michael Belafonte, Lionel respondendo com uns passos de Richie, Quincy Jones e dança. Não sendo tão Michael Jackson, os impressionante quanto as calças de A morte recente de Michael Jackson instigadores da cabedal de Jane Fonda, já é qualquer é o pretexto para a reedição deste DVD canção que renderia coisa.

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 43 Jorge Luís M. Mário Vasco As estrelas do público Mourinha Oliveira J. Torres Câmara 4 Copas mmnnn mmmnn mmmmn mmmnn 35 Shots de Rum mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn Abraços Desfeitos mmmnn mmnnn nnnnn mmnnn Assalto ao Metro 123 mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn O Outro Homem mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn Ponyo à Beira-Mar mmmnn nnnnn mmmmn mmnnn Sacanas sem Lei mmmmn mmmmn mmmmn mmmmn Sinédoque, Nova Iorque mmmnn mnnnn nnnnn mnnnn Sujidade e Sabedoria mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn As Teias do Crime mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn

salas lisboetas. É um “trailer” importante no filme, e até o põe em óptimo, completamente a marcha, mas filmar um “racconto” é contra-corrente do que é arte que exige um pouco mais do que norma hoje em dia, ter apenas “gente a falar”). Sobre- quando os escrito, seguramente, mas também “trailers”, sobre-explicado, com notas de sobretudo os rodapé “esclarecedoras” metidas a dos filmes martelo (por exemplo: alguém americanos, menciona Arthur Miller e ouve como praticamente se réplica “Arthur Miller, o dramaturgo esgotam num resumo americano que casou com Marilyn acelerado da intriga do Monroe?”…). filme. Empobrecem- Dois fantasmas (cinematográficos) lhes o mistério, assombram esta história sobre o reduzindo-o à questão do dinheiro, o estrelato, a paixão e o “desfecho”, como se tudo o ciúme (Penélope, secretária de um que se propusesse ao espectador industrial que quer ser o seu fosse ir ver o filme para saber “como Pigmalião e patrocina a sua entrada acaba” o que já lhe foi contado no no cinema, para depois se desfazer “trailer” (enfim, os brados em ciúmes que destroem tudo o que indignados de “spoiler! spoiler!” por está em volta). O Douglas Sirk dos essa Internet fora sempre que um melodramas dos “fifties” e o Billy texto refere pormenores decisivos do Wilder dos filmes em que, como em desenlace de um filme emanam “Fedora”, encharcou o “glamour” do desta, chamemos-lhe, “cultura”). “mundo do cinema” num pivete a O “trailer” de “Abraços Desfeitos” casa mortuária. Fantasmas não funciona nada assim, pelo recorrentes no cinema de contrário: é quase uma Almodóvar, mas a que ele já soube assombração do filme, com a sua dar outra consistência e outra

Cinema montagem pontuada por substância – o realizador cego, por fundidos a negro e baseada em exemplo, é um cliché que já só se planos de sentido indecifrável, aguenta em burlesco (como Woody que pouco ou nada explicam Allen no “Hollywood Ending”). E a da intriga – o plano de um auto-paródia não está longe, ficando cego a tactear o percurso a dúvida, relativamente grave, de O novo filme de Almodóvar num corredor iluminado ou saber se é voluntária ou involuntária. tem a pose, mas não a necessidade, abertura sobre uma Já a auto-citação, sim, é obviamente dos filmes de juventude fotografia a preto e branco de voluntária, com a convocatória para Penélope Cruz. pequeníssimos papeis (“cameos”) de Ora aí está, portanto, um figuras “clássicas” da almodovariana “trailer” capaz de criar uma (Chus Lampreave, Rossy de Palma, aura de mistério em torno de Kitti Manver…). O que, juntamente, um filme. Infelizmente, e para com o humor desbragado de algumas irmos agora, depois de tão cenas dos “filmes no filme”, faz demorada preparação, direitos ao pensar num “wishful thinking”: assunto, o filme tem menos mistério. Almodóvar, vergado ao peso da sua Há já uns anos que se tem a sensação seriedade autorística, num filme Estreiam 24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: de que Almodóvar se anda a onde está a pose toda mas onde Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, mastigar, a “fazer Almodóvar” quase nunca se vê a necessidade dos 16h15, 19h, 21h35, 00h15; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h05, porque o que se espera dele é que gestos que fazem a pose, a sonhar O passado 18h50, 21h40 6ª Sábado 13h35, 16h05, 18h50, 21h40, faça “Almodóvar”. Mas, e ainda que com a irreverência dos seus filmes de 00h15; Medeia Fonte Nova: Sala 2: 5ª 6ª Sábado se pense que em Espanha há uma juventude? Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 17h, 19h30, 22h; Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h dezena de cineastas mais E voltamos ao princípio: ver os é um drama 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30; Medeia interessantes do que Almodóvar mas planos do “trailer” integrados no Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado foi a ele que saiu a taluda de ser “a contexto do filme é desapontante. Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, Em “Abraços Desfeitos” 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª melhor coisa do cinema espanhol Afinal, não tinham mistério nenhum. Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20 desde Buñuel” ou outro cliché Isto é só meia piada: o “trailer” é Almodóvar “faz Almodóvar” Domingo 11h30, 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20; ZON parecido (o que não é incompatível melhor que o filme. Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª apenas porque é isso que 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h30, 21h20, 00h15; ZON com o reconhecimento do talento Difícil simpatizar com o “Liam Neeson” de “O se espera dele - e fá-lo Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo que ele obviamente tem), mesmo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h15, 00h10; ZON essa mastigação já foi melhor feita e menos bem e com menos Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h10, 18h10, 21h10, 00h05; ZON com mais vigor (ainda o precedente vigor do que nos episódios Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo “Voltar”, por exemplo). 2ª 3ª 4ª 13h, 16h15, 21h10, 23h50; ZON Lusomundo Com um argumento que mergulha anteriores. Luís Miguel Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Oliveira 12h50, 15h40, 18h30, 21h25, 00h15; em cheio nos temas e nos hábitos do Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado Almodóvar de melodrama “sério” Abraços Desfeitos Domingo 2ª 13h35, 16h20, 19h10, 22h, 00h45 3ª 4ª (um passado traumático revelado em 16h20, 19h10, 22h, 00h45; Medeia Cidade do Los Abrazos Rotos “flashback” e prolongado num Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª presente que tem tanto de solução De Pedro Almodóvar, 14h, 16h30, 19h, 21h40; ZON Lusomundo Dolce Vita com Penélope Cruz, Lluis Homar, Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, como de expiação, a paixão atacada 15h40, 18h35, 21h30, 00h25; ZON Lusomundo por um arrepio, a “sanguinidade” Blanca Portilla, Rossy de Palma. M/12 NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h50, 21h50, 00h45; castelhana transformada em MMnnn “anemia”), “Abraços Desfeitos” é Qualquer espectador minimamente singularmente falho de imaginação, Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h20, 21h40 6ª 15h40, 18h20, 21h40, 00h20 assíduo já deve ter visto, e mais do com demasiada coisa a ser decidida Sábado 12h50, 15h40, 18h20, 21h40, 00h20 Domingo que uma vez, o “trailer” promocional em diálogos ensossos filmados em 12h50, 15h40, 18h20, 21h40; Castello Lopes - de “Abraços Desfeitos”. Há algumas campos/contracampos neutros (o Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, semanas que anda a correr em várias “racconto” é uma figura narrativa

44 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“Sujidade e Sabedoria” esgota-se no fetichismo de Madonna “Sacanas sem Lei”: obra-prima ou muito perto disso

procura. nem pior do que Continuam de comboios (é o lado Ozu de Denis, Pouco mais Não só o todos esses filmes provavelmente herdado de Wenders “herói” nem tem 35 Shots de Rum e Jarmusch – as “famílias cinéfilas” do que nominal é ambições a ser 35 Rhums têm muita força). L.M.O. uma uma obra-prima, De Claire Denis, embrulho personagem mas não tem uma com Alex Descas, Mati Diop, Nicole Sacanas Sem Lei muito pouco história para contar, Dogue, Grégoire Colin. M/12 Inglourious Basterds simpática (o não tem uma marca de De Quentin Tarantino, O grande mérito de “O Outro marido sofredor realização, não tem MMnnn com Brad Pitt, Diane Kruger, Daniel e encornado de personagens que nos Bruhl, Mike Meyers, Michael Homem” é evitar a queda Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª Neeson está longe de ser cativem, não tem, em suma, Fassbender, Mélanie Laurent, Eli livre num dramalhão tipo um santo e a própria filha do casal grandes razões para existir. É só 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 00h15; Roth, Christoph Waltz. M/16 telenovela, e isso é não é tem dificuldades de relacionamento Madonna a ver se consegue fazer um muito. Jorge Mourinha com ele) como o filme se parece filme – e, respondida Os filmes de Claire Denis só MMMMn comprazer em tirar o tapete às afirmativamente a pergunta, siga intermitentemente chegaram a Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª O Outro Homem expectativas do espectador através para a próxima aventura. J. M. Portugal, mas ela anda nisto há muito de uma série de “surpresas” que tempo e já gozou (ainda goza?) de um 15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h30, The Other Man 21h30; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª De Richard Eyre, desmontam fachadas e aparências, o As Teias do Crime certo culto. Logo a abrir, no final dos 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª 15h30, 18h30, 21h30, 00h30 Sábado 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30 com Antonio Banderas, Abigail que é particularmente interessante What Doesn’t Kill You anos 80, quando à sua chegada à numa história que quer ver para lá da realização (“Chocolat”, revisão do Domingo 12h30, 15h30, 18h30, 21h30; Castello Lopes Canton, Amanda Drew. M/12 De Brian Goodman, - Londres: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª superfície das coisas. Mas para lá com Ethan Hawke, Mark Ruffalo, colonialismo francês, tema frequente 13h15, 16h, 18h45, 21h45; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª MMnnn dessas surpresas, não fosse a Amanda Peet, Donnie Wahlberg. M/16 na sua obra) foi enquadrada na elegância certeiramente sumptuosa ”família cinéfila” de Wenders e 12h40, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; CinemaCity Alegro Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 5: 5ª 6ª mas pontualmente rebuscada com Mnnnn Jarmusch (fez o tirocínio com eles, 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h35, 21h30, 00h30; CinemaCity 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h50, 23h50 que Eyre encena toda a história, não como assistente), e mais tarde, nos Beloura Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Sábado Domingo 11h40, 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, fosse a excelência dos actores (e Lisboa: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª anos 90 de redescoberta do Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h35, 21h30, 21h50, 23h50; Medeia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª 00h30; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, sobretudo Neeson, muito bom num 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h20, 18h50, naturalismo no cinema francês, a 21h20, 00h15; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h30, 21h30, 00h15; UCI Cinemas - El Corte papel longe de ser fácil), “O Outro propósito dos seus filmes intimistas 13h30, 16h30, 21h25, 00h25; CinemaCity Classic Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h25, Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h55, 15h55, 17h55, Homem” desfazer-se-ia muito 19h55, 21h55, 23h55 Sábado Domingo 11h50, 13h55, como “Nenette et Boni”. Não são Alvalade: Sala 4: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h25, 19h, 21h55, 00h15 Domingo 11h30, 14h25, 16h40, 21h30 6ª Sábado 13h40, 16h40, 21h30, 16h25, 19h, 21h55, 00h15; ZON Lusomundo Almada rapidamente num dramalhão 15h55, 17h55, 19h55, 21h55, 23h55; UCI Cinemas - El necessariamente os pontos altos da Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 00h30; Medeia Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, paredes meias com a telenovela. Que obra de Claire Denis (procurar mais Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 18h, 21h30; Medeia 15h15, 17h55, 21h40, 23h55; 16h30, 19h, 21h40, 00h15 Domingo 11h30, 14h, o evite de justeza mas sem grande 16h30, 19h, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo junto de “Beau Travail”, em 1999), Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h, 19h, 22h; UCI Cinemas - El Corte Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado convicção não é suficiente para mais Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, mas em todo o caso parecemos, hoje, Domingo 2ª 13h45, 15h55, 18h05, 20h15, 22h25, 16h40, 19h10, 21h45, 00h10; ZON Lusomundo Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h20, 00h35 3ª 4ª 15h55, 18h05, 20h15, 22h25, 00h35; do que uma recomendação com Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª estar bastante distantes de uma 21h30, 00h25 Domingo 11h30, 15h15, 18h20, 21h30, reservas. 13h, 15h25, 17h50, 21h35, 24h; qualquer “vaga Denis”. 00h25; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h15, 21h15, 00h15; ZON Não é possível dizer inteiramente mal Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado Estes “35 Shots de Rum” trazem o Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª Domingo 2ª 14h15, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15 3ª 3ª 4ª 13h30, 16h50, 21h, 00h15; ZON Lusomundo de um filme que usa as palavras Sujidade e Sabedoria essencial das suas qualidades, forças “mocassins Gucci” como um insulto 4ª 16h40, 19h10, 21h45, 00h15; ZON Lusomundo e fraquezas juntas: uma realizadora Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, Filth and Wisdom Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 17h30, 20h50, 24h; ZON Lusomundo particularmente revoltante. Mas, De Madonna, 13h40, 16h10, 18h50, 21h50, 00h20; coerente e meticulosa, que concilia CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 17h, 21h, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: passada a “boutade” provocatória, a com Ade, Gogol Bordello, Olegar um interesse sociológico sério (no verdade é que “O Outro Homem”, James Gray tinha chamado um figo a caso, uma comunidade de origem 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h30, 21h, Fedoro. M/16 00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª adaptação de um conto de Bernhard esta história inspirada em gente real, africana na região de Paris) com a Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h10, 21h20 6ª Sábado 15h, Schlink (“O Leitor”) pelo veterano da Mnnnn sobre um homem de mão de um tradição realista francesa, mas que 18h10, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo Odivelas televisão inglesa Richard Eyre “padrinho” irlandês que uma estadia parece, por norma só raras vezes Parque: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 16h30, 21h 6ª Sábado 13h05, 16h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo (“Diário de um Escândalo”, “Iris”), Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª na prisão força a escolher entre contrariada, encontrar dificuldades Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª perde o muito de interessante que Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h, 18h, 19h50, 21h45, 24h sustentar a família ou continuar a no domínio da expressão e 13h10, 16h30, 21h, 00h20; ZON Lusomundo Torres Domingo 11h30, 14h05, 16h, 18h, 19h50, 21h45, 24h; tem pelo meio de um embrulho ganhar a vida com o crime. Mas “As constituir-se em objectos Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 17h40, 21h, 00h20; ZON Lusomundo Vasco da vistoso mas um pouco Domingo 2ª 14h, 16h05, 18h10, 20h10, 22h15, 00h25 Teias do Crime” é a estreia na cinematográficos que se imponham Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, descoordenado. No essencial, trata- 3ª 4ª 16h05, 18h10, 20h10, 22h15, 00h25; realização do actor Brian Goodman, pela simples razão de existirem. É 16h30, 21h, 00h10; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala se de uma meditação sobre o amor e ficcionando sobre a sua própria vida essa tangente ao anódino (em parte, 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h35, 18h30, 21h30 6ª 15h35, 18h30, 21h30, 00h20 Sábado 12h40, 15h35, 18h30, 21h30, o ciúme disfarçada de mistério: Liam O caminho da sabedoria passa pelo nas ruas de Boston antes de se intencional) que trai “35 Shots de 00h20 Domingo 12h40, 15h35, 18h30, Neeson descobre que a esposa (Laura fetichismo sado-masoquista, como reformar e de as trocar por Rum”, filme sem rasgos, filme de 21h30; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª Linney) tinha um amante (Antonio todos sabemos desde que Madonna Hollywood, limitando-se a ilustrar uma nota só, numa menoridade de 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª 15h30, 18h30, 21h30, 00h30 Sábado 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, Banderas) e, incapaz de fez um livro chamado “Sex” ao anonimamente um argumento que lá tom que sendo simpática não chega a 00h30 Domingo 12h30, 15h30, 18h30, compreender porque é que uma mesmo tempo que um disco por ser bem-intencionado não escapa ser cativante, e que não deixa 21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 5: 5ª mulher com um casamento feliz chamado “Erotica”. No entanto, o à sensação do lugar comum que já foi a sobreviver na memória 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 00h30 Sábado Domingo 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; UCI quereria encontrar o amor nos que não sabíamos era que o caminho explorado à exaustão. Nem as boas de quem o vê muito Freeport: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h15, braços de outro, decide ir à sua da sabedoria passa pelo fetichismo interpretações de Mark Ruffalo e mais do que uns muito 21h20 6ª Sábado 15h15, 18h15, 21h20, 00h25; ZON sado-masoquista praticado por Ethan Hawke conseguem salvar o bonitos e muito Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado de “O Outro Homem” - e com o próprio filme Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h30, 21h, 00h20; ZON marcação por Eugene Hutz, o líder filme da amável m e l a n c ó l i c o s p l a n o s Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado da sensação klezmer-trash-punk- maçada. J. M. Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h50, 21h, 00h15; Kusturica-balcâs-on-speed Gogol Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado Bordello e novo melhor-amigo-do- Domingo 2ª 3ª 4ª 15h05, 18h15, 21h30, 00h40; Cinemax - Penafiel: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª momento de La Ciccone, mânfio- 15h30, 21h35 6ª 15h30, 21h35, 00h25 Sábado 15h, gigolo-iluminado que serve de guia à 17h50, 21h35, 00h25 Domingo 15h, 17h50, estreia na realização da diva pop. 21h35; Medeia Cidade do Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h40, 18h, 21h30; ZON Mas não vale a pena Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado embandeirarmos em arco com o que, Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h20, 21h, 00h20; ZON na prática, é uma espécie de “filme Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 17h50, 21h10 6ª Sábado 14h20, 17h50, 21h10, de fim de curso (sem curso)” cujo 00h20; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª único interesse reside na assinatura Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h 6ª Sábado 14h, de quem o dirige e que, sem isso, 17h30, 21h, 00h20; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h40, passaria tão despercebido como as 21h, 00h25; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª dezenas de outros filmes despejados Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 17h, 21h, a trouxe-mouxe nas salas ou lançados 00h30; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h, sem apelo nem agravo em DVD ao 00h35; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 2ª 3ª longo de qualquer ano fiscal. 4ª 15h20, 18h10, 21h10 6ª 15h20, 18h10, 21h10, 24h “Sujidade e Sabedoria” não é melhor Bons actores e pouco mais, em “As Teias do Crime” Sábado 12h30, 15h20, 18h10, 21h10, 24h Domingo

Ípsilon • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • 45 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cinema “Gregory Peck em “A Luz é Para Todos”

“Peregrinação Exemplar”, de Robert Bresson

12h30, 15h20, 18h10, 21h10; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h 6ª Sábado 14h, 17h30, 21h, 00h30; ZON Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200 Lusomundo Glicínias: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 17h45, 21h10 6ª Sábado 14h15, 17h45, 21h10, 00h35; Sexta, 11 Terça, 15

Torna-se muito difícil numa Corpo e Alma Body and Soul 15h30 - Safe - Seguro De Todd Haynes 21h30 - filmografia tão ambiciosa como a de Sala Félix Ribeiro Sala Félix Ribeiro Quentin Tarantino dizer qual a sua As Raízes do Céu De John Huston Silverado De Lawrence Kasdan 15h30 obra-prima, entre o fulgor repentista 19h - Sala Félix Ribeiro - Sala Félix Ribeiro de “Pulp Fiction” (1994), a perfeição formal de “Jackie Brown” (1997) e a Moby Dick De John Huston 22h - Sala A Saga de Anatahan De Josef Von artificiosa violência gráfica de “Kill Luís de Pina Sternberg 19h - Sala Félix Ribeiro Bill” (2003, 2004). Uma coisa é certa, A Marquesa de O De Eric Rohmer Inês de Castro De José Leitão de este “Sacanas Sem Lei” revela 19h30 - Sala Luís de Pina Barros 22h - Sala Luís de Pina absoluta coerência com toda a sua 007 - Só Se Vive Duas Vezes De As Raízes do Céu De John Huston produção anterior, empenhado Lewis Gilbert 22h30 – Esplanada 19h30 - Sala Luís de Pina numa relação cinéfila de grande amplitude, citando de forma ínvia Sábado, 12 Quarta, 16 “Doze Indomáveis Patifes” (Robert Aldrich, 1967) e reformulando o filme O Amor às Três da Tarde De Eric Lua de Mel deAssassinos De de guerra como género e como Rohmer 19h - Sala Félix Ribeiro Leonard Kastle 19h - Sala Félix Ribeiro atitude, sem nunca prescindir de O Círculo Vermelho De Jean-Pierre A Patrulha da Alvorada De uma visão original, de uma Melville 15h30 - Sala Félix Ribeiro Howard Hawks 15h30 - Sala Félix Ribeiro intervenção inconfundível sobre o estatuto das personagens, numa Paris qui Dort De René Clair 22h - Sala O Passado Não Perdoa De John Luís de Pina Huston 21h30 - Sala Félix Ribeiro vertigem iconográfica que faz de Brad Pitt um herói negativo e Saturday Night Cecil B. DeMille Ouvir Ver Macau De António fetichista e de Christoph Waltz um 19h30 - Sala Luís de Pina Escudeiro 19h30 - Sala Luís de Pina vilão absurdo e complexo. 007 - Os Diamantes São Eternos Voltar a A-Má Gao De Luís Campos Divertimento sangrento e implacável, De Guy Hamilton 22h30 – Esplanada Brás 19h30 - Sala Luís de Pina o filme nunca se compraz com reduções simplistas, antes procura Segunda, 14 O Primo Basílio De António Lopes fazer dos maneirismos dos actores (e Ribeiro 22h - Sala Luís de Pina do realizador) a matéria-prima de um O Espírito da ColmeiaDe Víctor radical exercício de estilo: a Erice 19h - Sala Félix Ribeiro Quinta, 17 brutalidade da acção (o arranque dos Gilda De Charles Vidor 15h30 - Sala Félix A Luz é Para Todos De Elia Kazan escalpes, como no mais feroz dos Ribeiro 15h30 - Sala Félix Ribeiro “westerns”), o lado episódico da Peregrinação Exemplar O Reino de Nápoles De Werner narrativa, tudo contribui para um De Robert Bresson 21h30 - Schroeter 19h - Sala Félix Ribeiro novo olhar sobre o nazismo e um Sala Félix Ribeiro avanço das formas fílmicas, a partir Peregrinação Exemplar De da tradição. Um dos grandes filmes O Espírito e a Robert Bresson 22h - Sala Luís de Pina Carne De John do ano, sem qualquer sombra de O Passado Não Perdoa De John Huston 19h30 - dúvida. Mário Jorge Torres 19h30 - Sala Luís de Pina Sala Luís de Pina Huston O Bárbaro 007 - Vive e Deixa Morrer Sinédoque, Nova Iorque e a Gueixa De Guy Hamilton 22h30 - Synecdoche, New York De John Esplanada De Charlie Kaufman, Huston 22h - com Philip Seymour Hoffman, Sala Luís de Pina “O Círculo Catherine Keener, Sadie Goldstein. Vermelho”, M/12 de Jean-Pierre MMnnn Melville

Lisboa: Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h; filme, um lado sedutor, que passa entre pressupostos kafkianos e um pela artificiosa inscrição de uma anarquismo “marxista” – dos Irmãos Filme labiríntico e caótico, peça de teatro no filme, conferindo à Marx) que acaba por se esgotar em “Sinedoque, Nova Iorque” resulta primeira meia hora um tom de retórica e em diálogos forçados e sobretudo como um filme de comédia, em câmara algo incompreensíveis: actores (um argumentista, com todos os lenta (uma elenco de luxo em que avultam tiques que daí resultam, estranha Philip Seymour Hoffman, Samantha gerando inúmeras mistura Morton, Emily Watson ou Jennifer perplexidades: Charlie Jason Leigh), personagens e “pessoas Kaufman, que aqui reais” parecem cruzar-se num faz a sua estreia confuso caldeirão de referências. enquanto Mesmo o título (sinédoque é uma realizador, figura de estilo que toma a parte pelo escreveu, entre todo), se pode com algum esforço outros os aplicar-se ao esquema teatral, no interessantes cinematográfico perde força e “Queres Ser sentido na amálgama surrealizante, John de que nunca entendemos muito Malkovich?” bem o objectivo. Fica o relativo (1999) e O confuso caldeirão de referências interesse do conceito, mas o “Inadaptado” de Charlie Kaufman domina resultado final deixa bastante a (2002). Existe, no “Sinédoque, Nova Iorque” desejar. M.J.T.

46 • Sexta-feira 11 Setembro 2009 • Ípsilon