ELIANA MARIA DE ALMEIDA MONTEIRO DA SILVA TRABALHO DE PÓS-DOUTORADO ANTOLOGIA

COMPOSITORAS LATINO-AMERICANAS VIDA OBRA ANÁLISE DE PEÇAS PARA PIANO

DEPARTAMENTO DE MÚSICA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ECA/USP SUPERVISOR: PROF. DR. AMÍLCAR ZANI NETTO 2018 2

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Esta Antologia é dedicada às mulheres

E à minha saudosa amiga e incentivadora Leila Zidan.

É dedicada também ao Prof. James R. Briscoe,

Que me desafiou a realiza-la.

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Agradecimentos

Não haveria espaço suficiente para agradecer a todas as pessoas que, de alguma forma, me ajudaram a realizar esta antologia. Além do meu querido supervisor Amilcar Zani e da minha doce professora Heloisa Zani, marido, filhas, parentes próximos, amigas (os), colegas, funcionárias (os), enfim, uma vasta legião de apoiadoras e apoiadores possibilitaram as condições para que eu pudesse dispor de tempo e material para a pesquisa e redação do trabalho. A todas (os) minha profunda gratidão e carinho. Alguns fatos eu gostaria de mencionar como norteadores deste processo, como minha participação na rede “Sonora - músicas e feminismos”, onde ventilamos sem reservas nossas dúvidas, angústias e desejos para as mulheres na música; minha ida ao “III Colóquio Iberoamericano de Investigación Musical” no Chile, cuja temática foi “Música y Mujer em Iberoamérica: haciendo música desde la condición de género”, com o apoio da FUNARTE / Ministério da Cultura; o grupo de estudos Polymnia em parceria com Nilceia Baroncelli, Imyra Santana e Silvana Scarinci, para cujo site escrevo a coluna “Compositora do Mês” com a colaboração da minha filha Ligia Monteiro e meu “Duo Ouvir Estrelas”, com a cantora Clarissa Cabral. Este último me deu oportunidades de pesquisar e divulgar, além das obras para piano, composições para canto e piano de compositoras latino-americanas. Agradeço às compositoras Graciela Paraskevaídis (em memória), Tânia Leon, Nilceia Baroncelli, Silvia Berg, Silvia de Lucca, Maria Cecilia Villanueva, Gabriela Ortiz e Valéria Bonafé pela confiança e cópia das partituras aqui analisadas. Agradeço a Nilceia Baroncelli por inúmeras partituras e livros sobre compositoras deste continente, entre as quais estão presentes nesta antologia Teresa Carreño, Maria Galli, Gisela Hernandez e Isabel Aretz, além dela própria. Agradeço a Romina Dezillio, de Argentina, pelo contato de Maria Cecilia Villanueva. Sou grata também ao Claudio Vitale por outras partituras desta compositora, assim como pelas informações sobre seu estilo composicional. Agradeço a Daniela Fugellie, do Chile, por facilitar meu contato com a Biblioteca Nacional de seu país na busca pela partitura de Ida Vivado. Agradeço à Prof.a Adriana Lopes Moreira pela recomendação de minha pesquisa ao Depto. de Música da ECA-USP, assim como pela oportunidade de ser monitora em sua disciplina de Graduação “Percepção 6”. Agradeço mais uma vez aos professores Heloisa Zani e Amilcar Zani pela parceria na disciplina que ministramos na Pós-Graduacão, intitulada “Música Erudita do Século XX na América Latina: aspectos históricos e analíticos”. 6

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Compositoras Latino-americanas: Vida – Obra – Análise de peças para piano

Esta pesquisa de Pós-Doutorado enfoca a produção musical realizada por mulheres no âmbito da música erudita, utilizando como recorte a composição para piano do século XX na América Latina. Ela dá continuidade e soma-se às pesquisas de Mestrado e Doutorado que realizei anteriormente, sempre sob a supervisão do meu querido orientador Amilcar Zani, que enfocaram, respectivamente, a mulher compositora (“Clara Schumann: compositora x mulher de compositor”, ECA – USP / 2008), e a música para piano latino-americana (“Beatriz Balzi e o piano da América Latina: a música deste continente analisada a partir das gravações da pianista em sua série de CDs Compositores Latino-americanos”, ECA – USP – FAPESP / 2014). Esta Antologia atende, também, ao desafio proposto pelo musicólogo e professor estadunidense James R. Briscoe durante o I Simpósio de Pedagogia para História da Música, realizado pela USP Ribeirão Preto em 2010. Na ocasião eu apresentei uma comunicação intitulada “Menina não entra: a hegemonia masculina no repertório erudito ocidental”, que discutia a quase total exclusão das compositoras ocidentais do cenário musical erudito, apesar da existência de pesquisas que descortinavam este repertório. Entre as pesquisas existentes eu citei justamente o livro do próprio Briscoe Historical Anthology of Music by Women, bem como o de Nilcéia Baroncelli Mulheres Compositoras – Elenco e Repertório, ambos publicados em 1987. Empolgado pela repercussão de seu trabalho no Brasil, Briscoe recomendou que eu aprofundasse o assunto e empreendesse uma pesquisa sobre as músicas latino-americanas compostas por mulheres. Aconselhou que eu a publicasse em forma de antologia, com pequenas biografias, seleção de obras e uma partitura analisada de cada uma das autoras escolhidas. Aqui está, portanto, o trabalho realizado.

Em tempo: a sugestão do professor era que eu publicasse em inglês, para ter mais visibilidade. Esta sugestão está guardada para uma próxima edição da antologia. 8

Lista de Abreviaturas

Cp = Compasso SX = Sistema numerado (X = 1, 2, etc.) Sp = Soprano Ct = Contralto Tn = Tenor Bx = Baixo T = Tônica D = Dominante S = Subdominante Tr = Tônica relativa (se o acorde de relativa for maior a inicial é maiúscula - TR) Ta = Tônica antirrelativa (idem) XM = Intervalo maior (ex.: 2M equivale a segunda maior) Xm = Intervalo menor (ex.: 3m equivale a terça menor) XA = Intervalo aumentado (ex.: 4A equivale a quarta aumentada) Xj = Intervalo justo (ex.: 5j equivale a quinta justa) Xdim = Intervalo diminuto p. = Página (pode aparecer em maiúscula quando substituir a indicação por compasso) S. = Sistema

O = Série Original de uma peça dodecafônica. Pode vir acompanhada de números O1, O2, etc, indicando em que grau da escala cromática (Do = 0, Do# = 1, etc.) a série se inicia. R = Retrógrado da série original de uma peça dodecafônica (do último elemento para o primeiro). Também pode vir acompanhada de números R1, R2, etc, indicando em que grau da escala cromática esta série retrogradada se inicia. I = Inversão da série original (invertendo-se os intervalos entre os elementos, ex.: uma 4j acima vira uma 4j abaixo, etc.). Pode aparecer como I1, I2, etc.

RI = Retrógrado da inversão. Pode aparecer como RI1, RI2, etc. s.d. = Sem data

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Lista de compositoras catalogadas

1. Chiquinha Gonzaga (Brasil, 1847-1935) 2. Teresa Carreño (Venezuela, 1853-1917) 3. Maria Galli (Uruguai, 1872-1960) 4. Gisela Hernandez (Cuba, 1912-1971) 5. Ida Vivado Orsini (Peru / Chile, 1913-1989 6. Isabel Aretz (Argentina / Venezuela, 1913-2005) 7. Cacilda Borges Barbosa (Brasil, 1914-2010) 8. Eunice Katunda (Brasil, 1915-1990) 9. Esther Scliar (Brasil, 1926-1978) 10. Jacqueline Nova (Bélgica / Colômbia, 1935-1975) 11. Renée Pietrafiesa Bonnet (Uruguai, 1938) 12. Graciela Paraskevaídis (Argentina / Uruguai, 1940-2017) 13. Tania León (Cuba, 1943) 14. Nilceia Baroncelli (Brasil, 1945) 15. Maria Tereza Gutiérrez (Bolívia, 1954) 16. Silvia Berg (Brasil, 1958) 17. Silvia de Lucca (Brasil, 1960) 18. Maria Cecilia Villanueva (Argentina, 1964) 19. Gabriela Ortiz (México, 1964) 20. Valéria Bonafé (Brasil, 1984)

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Lista de obras analisadas

1. Atraente – Chiquinha Gonzaga (Brasil) 2. Le Sommeil de l’Enfant – Teresa Carreño (Venezuela) 3. Lontananza – Maria Galli (Uruguai) 4. Zapateo Cubano – Gisela Hernandez (Cuba) 5. Séries Alternadas para Piano – Ida Vivado Orsini (Peru / Chile) 6. Por la Senda de Kh’asana – Isabel Aretz (Argentina / Venezuela) 7. Estudo Brasileiro n. 1 - Cacilda Borges Barbosa (Brasil) 8. Sonatina – Eunice Katunda (Brasil) 9. Sonata para Piano - Esther Scliar (Brasil) 10. Transiciones – Jacqueline Nova (Bélgica / Colômbia) 11. Pieza nº 5 “A Becho” – Renée Pietrafiesa Bonnet (Uruguai) 12. viva voce – Graciela Paraskevaídis (Argentina / Uruguai) 13. Momentum – Tania León (Cuba) 14. Os Tons da Claridade – Nilceia Baroncelli (Brasil) 15. Variaciones para Piano – Maria Tereza Gutiérrez (Bolívia) 16. Dobles del Páramo – Silvia Berg (Brasil) 17. Sem título, só-nus – Silvia de Lucca (Brasil) 18. Tango Errante – Maria Cecilia Villanueva (Argentina) 19. Estudios entre Preludios nº 1 – Gabriela Ortiz (México) 20. Do livro dos seres imaginários – Valéria Bonafé (Brasil)

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SUMÁRIO i. Introdução 13 ii. Sobre mulheres e música: do acesso ao saber à autoria de composições eruditas 14 iii. Mulheres e música na América Latina 15 iv. Das análises das peças, escolha de repertório e biografias 16

Compositoras Latino-americanas: vida - obra - análise de peças para piano 17 1. Chiquinha Gonzaga (Brasil, 1847-1935) 19 2. Teresa Carreño (Venezuela, 1853-1917) 33 3. Maria Galli (Uruguai, 1872-1960) 39 4. Gisela Hernandez (Cuba, 1912-1971) 45 5. Ida Vivado Orsini (Peru / Chile, 1913-1989) 54 6. Isabel Aretz (Argentina / Venezuela, 1913-2005) 62 7. Cacilda Borges Barbosa (Brasil, 1914-2010) 71 8. Eunice Katunda (Brasil, 1915-1990) 76 9. Esther Scliar (Brasil, 1926-1978) 94 10. Jacqueline Nova (Bélgica / Colômbia, 1935-1975) 114 11. Renée Pietrafiesa Bonnet (Uruguai, 1938) 137 12. Graciela Paraskevaídis (Argentina / Uruguai, 1940-2017) 146 13. Tania León (Cuba, 1943) 154 14. Nilceia Baroncelli (Brasil, 1945) 165 15. Maria Tereza Gutiérrez (Bolívia, 1954) 174 16. Silvia Berg (Brasil, 1958) 196 17. Silvia de Lucca (Brasil, 1960) 203 18. Maria Cecilia Villanueva (Argentina, 1964) 211 19. Gabriela Ortiz (México, 1964) 220 20. Valéria Bonafé (Brasil, 1984) 229

Bibliografia 236

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i. Introdução A produção intelectual da mulher no âmbito artístico e musical começa a ser pesquisada e mencionada, principalmente, a partir do fim do século XX e início do XXI. Tal fato se deve ao surgimento, no final da década de 1970, da New Musicology, que trouxe à tona contribuições de setores minoritários da sociedade. Segundo Machado Neto e Tramontina (2011, p. 35): Dentre os diversos campos de pesquisa da chamada New Musicology, sobressai o da Crítica Feminista. Incitada pela inquirição dos estudos literários norte-americanos em meados da década de 1970 (McClary, 2002, p. 5-31), procurou, num primeiro momento (década de 1970 em diante), incluir a mulher nos estudos musicológicos como um todo. E o fez, tendo por referência a ótica patriarcal da “Teoria da História compensatória” (Citron, 1990, p. 103) e o conceito tradicional de genialidade a ela correlata, cujo objetivo era fazer ‘justiça’ às grandes artistas que, a despeito das adversidades, atingiram a excelência artística. [...] A partir de então, formou-se um corpus de biografias, edições de partituras e análise de obras de compositoras, bem como estudos sobre performers, professoras e patronas da música, responsável por expor rico material, até então, pouco conhecido.

A composição feita por mulheres, especialmente na música erudita1, surge e segue praticamente confinada em seu próprio gueto, como produção paralela e estranha ao meio acadêmico e musical. Porém, o aumento de biografias de compositoras, além dos novos sítios eletrônicos e blogs dedicados à produção musical feminina – como audiblewomen.com, polymnia.webnode.com, sonora.me, mujeresenlamusica.blogspot.com, mulheres- compositoras.blogspot.com, para citar alguns - demonstram um avanço na conquista de espaço e de representatividade daquelas pertencentes ao que a escritora Simone de Beauvoir (2009) chamou de “segundo sexo”. A presente Antologia vem contribuir para a ocupação dos espaços que já vem sendo realizada pelas mulheres ligadas à música erudita. Tendo como exemplo o trabalho desenvolvido pela pianista e pesquisadora Beatriz Balzi em sua série de CDs intitulada “Compositores Latino-americanos”, utiliza como critério de escolha a maior variedade possível de técnicas e estéticas que tiveram lugar neste vasto e heterogêneo continente 2, desde o fim do século XIX até o início do século XXI. Este é o período em que a música da América Latina adquiriu características próprias, tomando posse de suas raízes híbridas que refletem elementos de natureza indígena, europeia e africana. É também o período em que as mulheres vão assumindo mais responsabilidades no mundo profissional, experimentando estilos, técnicas e linguagens no que concerne à composição musical.

1 O termo erudito é adotado neste trabalho para referir-se à música de tradição escrita, trazida à América Latina pelos europeus no período colonial, e que obedece a regras e sistemas de composição. 2 O termo América Latina nasce, juntamente com o conceito de continente latino-americano, entre 1864 e 1867. Designando a região compreendida entre o México e o Uruguai, o termo foi cunhado por Maximiliano de Habsburgo quando enviado por Napoleão III da França para formar um império de língua latina que se opusesse ao avanço dos Estados Unidos rumo ao sul. 14

ii. Sobre mulheres e música: do acesso ao saber à autoria de composições eruditas3 De acordo com Nanny Drechsler (apud SPERBER, 1996, p. 10) “a origem e história da discriminação contra mulheres que compõem e fazem música está intimamente ligada ao desenvolvimento do Cristianismo Ocidental”. Mulheres eram vistas como ameaça à vida espiritual, já que sua figura era associada às práticas corporais, principalmente libidinosas. Os encantos da voz feminina eram considerados portadores de tentação, razão pela qual as mulheres foram proibidas de cantar nos coros e atividades religiosas até o fim da Idade Média. Não obstante, compositoras como a alemã Hildegard von Bingen (1098-1179) testemunham a atividade criativa e musical das mulheres, ainda que a quase totalidade de suas obras não tenha passado à posteridade (Ibid). O advento da visão antropocêntrica durante a Renascença Italiana, no século XVI, permitiu às mulheres a prática instrumental e vocal, assim como a composição. O mesmo ocorreu na França e na Inglaterra, onde os dotes musicais passaram mesmo a ser vistos como atributos da mulher burguesa bem-educada. Já o período subsequente, conhecido como Iluminista, foi responsável por disseminar, no decorrer do século XVIII, teorias diferencialistas e excludentes como as de Jean-Jacques Rousseau (1712-78), segundo a qual “a natureza da mulher a obrigava a uma atitude de complementação ao homem, único a encarnar a essência da intelectualidade” (ROUDINESCO; MANASSEIN apud MONTEIRO DA SILVA, 2010, p. 568). As ideias de Rousseau colaboraram com a criação do verbete femme na enciclopédia francesa editada entre 1751 e 1772, segundo o qual a mulher seria “sujeita a doenças, com órgãos fracos, ossos menos rígidos que os masculinos, caixa torácica estreita e andar cambaleante”. Seu verdadeiro destino resumir-se-ia à “procriação e à ausência de toda atividade profissional ou intelectual” (Idem, p. 569). Foi a partir do século XIX que mulheres como Clara Schumann puderam se aventurar, com timidez, no campo da criação musical novamente. O século romântico foi palco de lutas por independências em importantes países da Europa, possibilitando insurgências e mudanças sociais relevantes. Na América Latina, também a maioria das independências se deu entre 1810 e 1830, mas isso demorou a se refletir na disparidade cultural entre homens e mulheres. Graciela Paraskevaídis (1988, p. 21) conta que Na América Latina, as manifestações da criação musical feminina se dão a partir da segunda metade do século XIX, coincidindo com a do colega masculino. Timidamente. Epigonalmente. Como ocorre com os compositores, que só a partir de 1920 começarão a tomar e a assumir consciência latino-americana4.

No caso especial do Brasil, cuja independência se realizou no espectro da família real - com D. Pedro I ocupando o lugar de imperador-, as desigualdades sociais, raciais e de gênero demorariam muito tempo para entrar nas pautas de discussão de artistas, políticos e intelectuais. Somente no século XX as brasileiras alcançaram certa visibilidade no campo da composição erudita.

3 Texto publicado pela autora nas Actas do III Coloquio Ibermúsicas Chile em 2017. Dados na Bibliografia. 4 En América Latina, las manifestaciones de la creación musical femenina se dan a partir de la segunda mitad del siglo XIX, coincidiendo con la del colega masculino. Tímidamente. Epigonalmente. Como ocurre con los compositores, que recién a partir de 1920 comenzarán a tomar y a asumir conciencia latinoamericana. 15 iii. Mulheres e música na América Latina De acordo com Carmen Cecilia Piñero Gil (apud HERNANDEZ-CANDELAS, 2015, p. 16), mulheres praticavam a composição desde o século XVI no continente latino-americano, especialmente na Argentina, Brasil, México e Cuba. A musicóloga destaca a figura de Theodora Genes (cerca de 1530 a 1598), uma afrodescendente liberta da República Dominicana que tocava em orquestras em Santiago de Cuba, cujas composições integraram o repertório tradicional popular cubano e são executadas até os dias atuais. Não obstante a existência de casos isolados, Graciela Paraskevaídis (2000, p. 1) localiza a partir da segunda metade do século XIX as primeiras colaborações relevantes das mulheres na música, assim como as de seus pares homens. Isto se deveu ao fato de ter sido neste século que se deram quase todas as independências na América Latina 5, ainda que fosse perpetuada uma dependência econômica e cultural em relação aos países mais influentes do Hemisfério Norte Ocidental. Deste período, Graciela aponta a importância de mulheres desbravadoras como a brasileira Chiquinha Gonzaga (1847-1935), a venezuelana Teresa Carreño (1853-1917) e a mexicana Angela Peralta (1845-1883), entre outras. O século XX veria uma quantidade bem maior de compositoras no meio erudito, fruto do incentivo de governantes comprometidos com o propósito de formar patrimônios culturais autênticos de seus países, por meio de pesquisas de material autóctone. Neste contexto, a maior parte das compositoras do continente se vincularam ao movimento Nacionalista na primeira metade do século XX. Com algumas exceções, como a uruguaia Carmen Barradas – que aderiu ao movimento construtivista inovando, inclusive, a escrita musical – e a brasileira Eunice Katunda – que integrou um grupo de músicos interessados em conhecer e trabalhar com a música atonal e dodecafônica, o Música Viva -, as composições até 1950 são tonais e demonstram forte influência do Impressionismo francês e do Neoclassicismo germânico. Já a partir de 1960, com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da Guerra Fria entre as potências EUA e URSS, as compositoras latino-americanas foram estimuladas, assim como os compositores, a se embrenhar pelo universo da música experimental, serial e eletrônica. A criação de cursos, laboratórios e festivais de música contemporânea no continente – como o CLAEM, na Argentina, os Cursos Latinoamericanos de Música Contemporânea, no Uruguai, e o Festival Música Nova, no Brasil – proporcionaram o surgimento de diversas obras compostas por mulheres na América Latina, embora pouquíssimo se conheça sobre as mesmas por falta de divulgação e empenho dos órgãos responsáveis.

5 Datas das independências no continente: Haiti (1804), Paraguai (1811), Argentina (1816), Chile (1818), Colômbia e Venezuela (1819), México (1821), Brasil e Equador (1822), Peru (1824), Bolívia (1825), Uruguai (1828), Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua (1838), República Dominicana (1844), Cuba (1898) e Panamá (1903). 16 iv. Das análises das peças, escolha de repertório e biografias As obras para piano aqui analisadas procuram exemplificar as tendências, técnicas e estilos citados anteriormente neste trabalho. Pretendem também retratar e ajudar a compreender a atuação destas mulheres e como elas resolveram os problemas técnicos e estéticos propostos pela comunidade artística e musical em cada período. Como diria a pianista e pesquisadora Beatriz Balzi (apud, MONTEIRO DA SILVA, 2014, p. 61), “nem sempre podemos ter o melhor”, no sentido de que não é simples encontrar partituras de compositoras que abordem o que gostaríamos de mostrar, nem da maneira como desejaríamos. As obras escolhidas buscaram representar, ao menos, um país de cada uma das quatro regiões delineadas por pesquisadores da música erudita latino-americana como Gerard Béhague, Nicolas Slonimsky e José Maria Neves. São elas: América do Norte (México), Caribe (Cuba), Repúblicas Andinas (Chile, Colômbia e Venezuela) e Cone Sul (Argentina, Brasil e Uruguai). As análises se iniciam com uma peça da compositora brasileira Chiquinha Gonzaga e seguem cronologicamente de acordo com a data de nascimento das autoras. Embora a antologia enfoque a produção musical das mulheres durante o século XX na América Latina, a inclusão de peças do fim do século XIX se deve ao desejo de mostrar a transformação da linguagem composicional erudita no continente desde a pura imitação do estilo europeu até a inserção de elementos autóctones, passando pela busca de uma identidade de cada país até chegar na negação da obrigatoriedade de manter um estilo nacionalista. Da mesma forma, a inserção de peças compostas no século XXI quer mostrar a situação atual das compositoras no âmbito da música erudita, algumas mais atraídas pela escrita estruturada que dialoga com os períodos anteriores, outras mais interessadas nos efeitos sonoros e nas pesquisas de timbres relacionados ao piano. As pequenas biografias das autoras relatam suas conquistas e dificuldades para se impor num ambiente prevalentemente masculino, como é o da composição erudita no Ocidente de modo geral. A menção a outras obras do catálogo destas mulheres não pretende dar conta de toda a produção das mesmas, apenas convidar leitoras e leitores a mergulhar mais profundamente neste repertório. Por fim, o maior número de análises de peças brasileiras se dá por motivos óbvios, já que é aqui que nasci, vivo e trabalho, apesar dos muitos problemas enfrentados junto a mulheres de todas as áreas. Seguimos! Desejo uma boa leitura!

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Compositoras Latino-americanas: Vida – obra - análise de peças para piano

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1. Chiquinha Gonzaga (Brasil, 1847-1935) Conhecida como pioneira no âmbito da composição e da regência no país, Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu no (RJ), filha de militar “de ilustre linhagem no Império” com uma filha de escrava, Rosa (DINIZ, 2011, passim). Teve educação requintada, o que na segunda metade do século XIX no Brasil incluía o estudo de piano às moças. Aos onze anos compôs sua primeira música, a “Canção dos Pastores”, para a noite de Natal da família (BARONCELLI, 1987, p. 115). Por imposição do pai se casou aos 16 anos com jacinto Ribeiro do Amaral, militar de 24 anos, oriundo de família importante. Jacinto se opunha à apresentação pública de Chiquinha em concertos e saraus. Enamorada de João Batista de Carvalho, separa-se de Jacinto provocando um escândalo. O ex-marido a processa por abandono de lar e adultério. Tenta voltar com os filhos à casa do pai, que lhe renega a paternidade. Aluga então o porão de uma casa em São Cristóvão, que paga com aulas de piano, apresentações em festas e vendendo partituras de suas obras a domicílio. Passa a integrar o conjunto Choro Carioca, liderado por Joaquim Antonio da Silva Callado. Este convívio influencia fortemente sua composição musical. Seu primeiro sucesso como compositora veio em 1877, com a polca “Atraente”. A fama adquirida lhe proporcionou convites para compor operetas e músicas para teatro de revista. Foi chamada de ”Offenbach de saias”. O estilo ligeiro, de salão, marcou sua produção em peças que iam do romântico tradicional ao satírico e popular6. Além de operetas, criou uma infinidade de canções, peças para piano, marchas de carnaval, entre outros. Foi feminista, abolicionista e republicana. Este perfil lhe valeu a repulsa por parte da elite carioca. Sua peça Aperta o Botão foi confiscada e julgada subversiva. Foi a única mulher a participar da fundação da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), em 1917. Trabalhou até o fim de sua vida. Faleceu em 1935, no Rio de Janeiro.

6 O estilo romântico na América Latina herdou as duas vertentes europeias, quais sejam, a música leve de salão, derivada das antigas danças das suítes barrocas como polca, valsa, etc., e aquela cuja harmonia era desestabilizadora, angustiada, com profusão de cromatismos, e forma rebuscada (com introduções aos temas, extensões, pontes e codetas). As peças leves, porém, assimilaram características da música popular latino- americana, como ritmos sincopados, textos jocosos e “picantes”.

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De acordo com seu site pessoal, são obras da compositora7,8: Canção dos pastores, noite de Natal - com texto de José B. N. Gonzaga Filho, para canto (1858) Atraente – para piano (1877) Harmonias do Coração - para piano (1877) Não insistas, rapariga! - para piano (1877) Plangente - para piano (1877) Sultana - para piano (1878) Camilla - para piano (1879) Marcha Fúnebre - para piano (1879) Sonhando - para piano (1879) Teu sorriso - para piano (1879) Carlos Gomes – para piano (ca. 1880) Meu Deus por fim já creio, romance de Luiz, da opereta Festa de São João - para canto e piano (ca. 1880) Tango Brasileiro - para piano (ca. 1880) Dejanira - para piano (1881) Harmonia das Esferas - para piano (1881) Hip!!! - para piano (1881) Ismênia - para piano (ca. 1881) Manhã de amor - com texto de C. C., para canto e piano (1881) Oh! Mon étoile - com texto de C. C., para canto e piano (1881) Os Olhos Dela... - para piano (1881) Sedutor - para piano (1881) Suspiro - para piano (1881) Yo te Adoro - para piano (1881) Bionne, adeus - para piano (ca. 1883) XI - para piano (ca. 1883) Balada, da opereta A Corte na Roça - com texto de Francisco Sodré, para canto e piano (1884) Festa de São João, opereta em 1 ato e 2 quadros - para canto e piano (1884) Preludio, da opereta A Corte na Roça - para pequena orquestra (1884)

7 Cf: http://www.chiquinhagonzaga.com/acervo/?post_type=musica&cat=329#resultado. Acesso em: 17/2/2018. 8 Os textos/ letras de canções sem indicação de autoria são da própria compositora. 21

Recitativo, da opereta A Corte na Roça - para piano (1884) Viva o carnaval! - para piano (1884) Walkyria, da opereta A Corte na Roça - para piano (1884) Ai que broma! - para canto e piano (1885) Arcádia - para piano (1885) Filha da Noite - para piano (1885) Menina Faceira, da adaptação de comédia francesa A filha do Guedes - para canto e piano (1885) Musiciana - para piano (1885) Psyché - para piano (1885) Radiante - para piano (1885) Saci-pererê, da opereta A Corte na Roça - para piano (1885) São Paulo - para piano (1885) Se o Forreta está de veneta - para canto e piano (1885) Si fuera verdad!... - com texto de Luiz Murat, para canto e piano (1885) Tim-Tim - para piano (ca. 1885) Viver é Folgar! - para piano (1885) Yara, coração de fogo - para piano (1885) Cançoneta cômica, da cena cômica Há alguma novidade? - com texto de Moreira Sampaio, para canto e piano (1886) Diário de notícias - para piano (ca. 1886) Grata Esperança - para piano (ca. 1886) Mulher-homem - para piano (ca. 1886) Para a cera do Santíssimo - com texto de Artur Azevedo, para canto e piano (ca. 1886) Rondolini, Rondolinão, - com texto de Oscar Pederneiras, para canto e piano (1886) A sereia - para canto e piano (1887) Dança das Fadas - para piano (ca. 1887) Day-break, ainda não morreu - para piano (ca. 1888) Gruta das Flores - para piano (ca. 1887) Tango Característico - para piano (1887) Candomblé - para piano (ca. 1888) Carta a Zitinha - com texto de Filintro de Almeida, para canto e piano (1888) 22

É enorme! - para piano (ca. 1888) Hino `a redentora - para coro e piano (1888) Poesia e amor - com texto de Casimiro de Abreu, para canto e piano (1888) Satã - para piano (ca. 1888) As pombas - com texto de Raimundo Correia, para canto e piano (1889) Caramuru, deus do fogo - com texto de Furtado Coelho, para canto e piano (1889) Faceiro - para piano (ca. 1889) Io t’amo! - para piano (ca. 1889) Julia - para piano (1889) Laurita - para piano (ca. 1889) Leontina - para piano (ca. 1889) Pehô-Pekim - para piano (1889) Só no Choro - para piano (1889) ...a rir o santo dia... - para piano (da zarzuela A Dama de Ouros, ca. 1890) A meia noite!... – para piano (ca. 1890) Alegre-se!... - para piano (ca. 1890) Foi um sonho!... da peça anticlerical O crime do Padre Amaro - com texto de Ernesto Souza, para canto e piano (1890) Habanera - para piano (da zarzuela A Dama de Ouros, ca. 1890) Meditação, da peça O Crime do Padre Amaro - para piano (1890) Oh! Não me iludas... - para piano (ca. 1890) O Padre Amaro - para piano (1890) Tupã - para piano (ca. 1890) Mazurca - para piano (da zarzuela A Dama de Ouros, ca. 1890) Romance de amor, da ópera cômica Côra - com texto de Furtado Coelho, para canto e piano (ca. 1891) Dança Brasileira - para piano (ca. 1892) Perfume, Feno de Atkinsons - para piano (1892) Bella Fanciulla Io t’amo - para piano (ca. 1893) Ortruda - para piano (ca. 1893) Anitta – para piano (1894) Duquesne - para banda (1894) 23

Genéa - com texto de Paulo Araújo, para canto e piano (1894) L’ange du seigneur - para canto e piano (ca. 1894) Prece à Virgem - com texto de autoria desconhecida, para canto e piano (1894) Tambiquererê - para piano (1894) Gaúcho, o Corta-Jaca - para piano (ca. 1895) Rosa - para piano (1895) Zizinha Maxixe, opereta burlesca de costumes nacionais em 3 atos - para canto e piano (1895) Eis a sedutora - com texto de Eduardo Vitorino, para canto e piano (1896) Maxixe de Carrapatoso e Zé Povinho, da revista fantástica Amapá - para piano (1896) Na verdade tem razão, da revista fantástica Amapá - com texto de Moreira de Vasconcellos, para canto e piano (1896) Piu-Dudo, Beija-flor - para piano (1896) Valsa, da revista fantástica Amapá - para piano (1896) Água do Vintém - para piano (1897) Catita - para piano (ca. 1897) Evoé - para piano (ca. 1897) Heloisa - para piano (ca. 1897) Itararé - para piano (ca. 1897) Janniquinha - para piano (ca. 1897) Juraci - para piano (ca. 1897) O Jagunço - para piano (1897) Robertinha - para piano (1897) Toujours et Encore - para piano (ca. 1897) Cubanita - para piano (ca. 1898) Agnus Dei - para canto e piano (1899) Beijos - com texto de Luis Murat e Alfredo de Souza, para canto e piano (1899) Democrático - para canto e piano (ca. 1899) Desejos - com texto de Esculápio (Eduardo Fernandes), para canto e piano (ca. 1899) Diálogo e Valsa - para canto e piano (1899) Falena - para piano (1899) Maria - para piano (1899) O Bandolim - para piano (1899) 24

Ó abre alas - para canto e piano (1899) O Diabinho - para piano (ca. 1899) A Bela Jardineira – para piano (ca. 1900) Beijos do céu, um sonho - com texto de Raimundo Corrêa, para canto e piano (1900) Cananéia - para piano (ca. 1900) D. Adelaide - para canto e piano (ca. 1900) Dueto de amor - para canto e piano (ca. 1900) Machuca!... - com texto de Patrocínio Filho, para canto e piano (ca. 1900) Os namorados da lua - para canto e piano (ca. 1900) Roda Ioiô - com texto de Ernesto Souza, para canto e piano (ca. 1900) Taci! - com texto de autoria desconhecida, para canto e piano (1900) A Noite - para piano (1901) A brasileira - para canto e piano (ca. 1901) A morena - para canto e piano (ca. 1901) A mulatinha - para canto e piano (ca. 1901) Balada - para canto e piano (ca. 1901) Desalento, romance de Estela, do drama lírico O perdão - com texto de Avelino de Andrade, para canto e piano (1901) Elvira - com texto de Bruno Nunes, para canto e piano (1901) Morena - com texto de Guerra Junqueiro, para canto e piano (1901) Coco velho - para pequena orquestra (1902) Fado Gonzaga, da opereta de costumes Manobras do Amor - com texto de Duque Estrada, para canto e piano (1902) Trigueira!, desgarrada minhota - com texto de Julio Diniz, para canto e piano (ca. 1902) Espanha e Brasil - com texto de Patrocinio Filho, para canto e piano (1903) Quadrilha, da opereta sertaneja Jandyra - para piano (ca. 1903) Cá por coisas!... - com texto de Oscar Pederneiras Filho, para canto e piano (1904) Café de São Paulo, da revista de costumes e fatos nacionais e estrangeiros Cá e Lá - para canto e piano (ca. 1904) Coplas de Pedrinho, da peça de costumes cariocas Não venhas!... - com texto de Cardozo Junior, para canto e piano (1904) Dueto de amor de Marcolino e Lydia, da peça de costumes cariocas Não venhas!... - com texto de Cardoso Junior, para canto e piano (1904) 25

Dueto de Nery e Dorotea, da peça de costumes cariocas Não venhas!... - com texto de Cardoso Junior, para canto e piano (1904) Dueto de Pedrinho e Eunicia, da peça de costumes cariocas Não venhas!... - com texto de Cardoso Junior, para canto e piano (1904) Em guarda! - para piano (ca. 1904) Fado português de Marcolino, da peça de costumes cariocas Não venhas!... - para canto e piano (1904) Minha Pátria - para piano (1904) Modinha brasileira de Lidia, da peça de costumes cariocas Não venhas!... - com texto de Cardoso Junior, para canto e piano (1904) O Coió - com texto de Luiz Ribeiro, para canto e piano (1904) O namoro - com texto de Frederico de Jesus, para canto e piano (1904) Romance da Princesa, da peça fantástica A Bota do Diabo - com texto de Avelino de Andrade, para canto e piano (1904) Valsa de Lydia, da peça de costumes cariocas Não venhas!... - com texto de Cardoso Junior, para canto e piano (1904) Vamos à missa... - para canto e piano (1904) Cançoneta, da revista fantástica Nu e Cru - com texto de Antonio Quintiliano, para canto e piano (1906) Cantiga do sertão, da revista fantástica Nu e Cru - com texto de Antonio Quintiliano, para canto e piano (1906) Coplas dos ministros, da peça fantástica A Bota do Diabo - com texto de Avelino de Andrade, para canto e piano (1907) Dueto Luminárias e Diabo, da peça fantástica A Bota do Diabo - com texto de Avelino de Andrade, para canto e piano (1907) Marinagem, da peça fantástica A Bota do Diabo - com texto de Avelino de Andrade, para coro à capella (1907) Serenata, da peça fantástica A Bota do Diabo - com texto de Avelino de Andrade, para canto e piano (1907) Valsa da Rainha Saracura e do Príncipe D. Chichi, da peça fantástica A Bota do Diabo - com texto de Avelino de Andrade, para canto e piano (1907) Canção brasileira - com texto de Luiz Galhardo, para canto e piano (ca. 1908) Faceira - com texto de Cardozo Junior, para canto e piano (ca. 1908) Fado, da ópera cômica As Três Graças - com texto de Luiz Galhardo e Augusto de Castro, para canto e piano (1908) Alegre-se viúva – para piano (1909) 26

A sorte grande - para canto e piano (1909) Aurora - para canto e piano (1909) Ave Maria - para canto e piano (1909) Bijou - para piano (ca. 1909) Doce fado - para canto e piano (1909) Feijoada do Brasil - para canto e piano (1909) Prece a Nossa Senhora das Dores - para canto, violino e piano (1909) Santa - com texto de Alberto de Oliveira, para canto e piano (1910) Desgarrada, da opereta de costumes Manobras do amor - com texto de Osório Duque Estrada, para canto e piano (1911) Fado das tricanas de Coimbra - para canto e piano (1911) Lição de maxixe, da opereta Colégio d esenhoritas - com texto de Frederico Cardozo de Menezes, para canto e piano (1911) Lua Branca - para piano (1911) Lua Branca - com texto de autor desconhecido, para canto e piano (1911) Manobras do amor, opereta de costumes cariocas em 3 atos - com texto de Osório Duque Estrada, para canto e piano (1911) Marcha, cordão carnavalesco da burleta de costumes cariocas Forrobodó - para piano (1911) Meu Deus que maxixe gostoso, da revista pomadas e farofas - com texto de Frederico Cardoso de Menezes, para canto e piano (1911) Não sonhes - com texto de Luthegarda de Caires, para canto, harpa e piano (1911) Não se impressione, da burleta de costumes cariocas Forrobodó - com texto de Carlos Bettencourt e Luiz Peixoto, para canto e piano (1911) Serenata, da opereta de costumes Manobras do amor - com texto de Osório Duque Estrada, para trovador e coro (1911) Baile..., da burleta de costumes nacionais Pudesse esta paixão - para canto e piano (1912) Carnavalesco - com texto de Luiz e Calixto, para canto e piano (1912) Dueto dos pombos, da opereta Colégio de senhoritas - com texto de Paulo Araújo, para canto e piano (1912) Forrobodó, burleta de costumes cariocas em 4 atos - com texto de Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt, para canto e piano (1912) A fiandeira - para canto e piano (1913) Depois do forrobodó, burleta em 3 atos e 4 quadros - para canto e piano (1913) Teus olhares - com texto de Avelino de Andrade, para canto e piano (1913) 27

O beijo - com texto de J. Brito, para canto e piano (1914) Barcarola, da burleta de costumes nacionais A sertaneja - com letra de Viriato Correa, para coro e piano (1915) Dança nº 2 - para flauta, 1º e 2º violinos, viola, violoncelo e contrabaixo (1915) Desafio, a viola, da burleta de costumes nacionais, A Sertaneja - para canto e piano (1915) Hino à bandeira brasileira, da tragédia fantástica A desfilada dos mortos - com texto de Paulo Silva Araújo, para canto e piano (1915) O meu sertão, da burleta de costumes nacionais, A Sertaneja - para coro a 4 vozes (1915) Promessa!... - com texto de Paulo Araújo, para canto e piano (1915) Serenata, da burleta de costumes nacionais, A Sertaneja - com texto de Viriato Corrêa, para canto e piano (1915) Amarguras - com texto de Paulo da Silva Araújo, para canto e piano (1917) Serenata, da opereta de costumes portugueses A Avozinha - com texto de Mario Monteiro, para canto e piano (1917) Uma página triste - para orquestra de cordas (1918) Canção do corcundinha, da peça de costumes sertanejos Juriti - com texto de Viriato Corrêa, para canto e piano (1919) Fogo, foguinho, da peça de costumes sertanejos Juriti - com texto de Viriato Corrêa, para canto e piano (1919) Linda Morena - para piano (1919) Os oito batutas - para pequena orquestra (1919) Sou morena, da peça de costumes sertanejos Juriti - com texto de Viriato Corrêa, para canto e piano (1919) Desgarrada, da opereta-pastoral Estrela-Dalva - com texto de Mario Monteiro, para canto e piano (1920) Valsa, da opereta-pastoral Estrela-Dalva - para piano (1920) Barcarola, da opereta de costumes portugueses Redes ao Mar - para canto e piano (1921) Canção da viola, da opereta sertaneja Jandyra - com texto de Rubem Gill e Alfredo Bréda, para canto e piano (1921) Canção do tio Alonso, da opereta sertaneja Jandyra - com texto de Rubem Gill e Alfredo Bréda, para canto e piano (1921) Cuauhtémoc - com texto de Avelino de Andrade, para canto e piano (1922) Romance de Benta, da opereta de costumes portugueses e brasileiros O Minho em Festa - com texto de Cândido Costa, para canto e piano (1922) 28

Dueto de Mario e Beatriz, do símbolo Romeu e Julieta - com texto de Renato Vianna, para canto e piano (1924) O mar, da opereta Colégio de senhoritas - com texto de Holanda Cunha, para canto e piano (1926) Canção de Lauro, da peça rude Maria!... - com letra de Viriato Corrêa, para canto e piano (1933) Canção da sertaneja, da burleta de costumes nacionais A Sertaneja - com texto de Viriato Corrêa, para canto e piano (s.d.) Fado de Coimbra - para piano (s.d.) Habanera - para orquestra (s.d.) Iaiá Fazenda, etc. e... tal!... - com texto de F. P. Almeida Junior, para canto e piano (s.d.) Noivado - com texto de Lúcio Mendonça, para canto e piano (s.d.) Os mineiros - para pequena orquestra (s.d.) Prelúdio, da peça de costumes sertanejos Juriti - para orquestra de cordas (s.d.) Promessa!... - para piano (s.d.) Simpatia - com texto de Casimiro de Abreu, para canto e piano (s.d.) Viva la Gracia - para piano (s.d.) Vou dar banho em minha sogra - para piano (s.d.) Animatógrafo - para piano (s.d., publicada em 1998) Ada - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Aguará, garça vermelha - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) A guitarra - para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Amendoim - para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Amor - com texto de João de Deus Falcão, para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Angá - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Angelitude - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) A noiva - para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Araribóia - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Ari, filha do céu - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Borboleta - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Carijó - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Ceci - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) 29

Choro - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Compensação - com texto de Orlando Teixeira, para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Coro das bengalinhas, da peça teatral A Peroba - para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Coro de virgens e anjos - para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Fantasia, Ato 1. Introdução - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Fany - para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Gondoleira - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Guaianases - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Guasca - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Invocação - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) La Violette - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Marcha Heróica e Coro - para coro e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) O cozinheiro - para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Paraguaçu - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Passos no Choro - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Por que choraste? - com texto de Victor da Cunha, para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Prelúdios - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Sabiá da Mata - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Saudade - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Só na Flauta - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Tamoio - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Tango, da cena cômica Há alguma novidade? - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Tapuia - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Timbira - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Tupi - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Tupiniquins - para piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011) Vilancete - com texto de Haddock Lobo, para canto e piano (s.d., publicada pela 1ª vez em 2011)

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Atraente – Análise Musical O primeiro sucesso de Chiquinha Gonzaga é uma polca em Fá M, com métrica 2/4 e caráter Brilhante. Utiliza harmonia tonal e pode ser dividida em 6 seções: A, A, B, A, C e A. Seção A Esta seção vai do cp 1 ao 22, dedicando 5 compassos a uma introdução ao Tema 1 na região da Dominante (Do M)9.

Figura 1 – Atraente, Seção A, introdução ao Tema 1, cp 1 a 5

Em seguida, o Tema 1 é apresentado na tônica Fá M entre os compassos 6 e 21, utilizando fraseologia de período10 formado por 2 sentenças11 de 8 compassos (4+4).

Figura 2 – Tema 1, anacrúsico, cp 6 a 9

9 Por enfocar os caminhos harmônicos escolhidos por esta e por outras compositoras ao longo deste trabalho, as harmonias serão apontadas sem distinção da inversão do acorde em que se encontram – a menos que a inversão 6 implique em mudança de função, como é o caso da D4 . 10 De acordo com Arnold Schoenberg (1991, pp. 48-51), o período é caracterizado pela presença de elemento novo na segunda semi-frase da primeira parte (chamada antecedente), repetindo a primeira semi-frase no início do consequente (segunda parte). 11 Schoenberg (Ibid.) denominou sentença a frase musical estruturada em duas partes, tendo na primeira (chamada início) duas semi-frases iguais e na segunda (chamada continuação) um elemento novo. 31

A harmonia é simples, baseada em acordes de T, D e DD. Apenas na anacruse da continuação da sentença 2 (cp 18 a 21), a compositora alcança a região de Sol m (Sr). O Tema 1 termina na tônica Fá M, com cadência DD, D7, T.

Figura 3 – Tema 1, Sentença 2, continuação, cps 18 a 21

Seção B Entre os compassos 23 e 37, a Seção B apresenta o Tema 2 na região de Do M (D). Também anacrúsico, mantém a fraseologia de período formado por 2 sentenças, a 1ª com 8 compassos (4+4) e a 2ª com 7. A compositora varia a segunda sentença, substituindo os arpejos por acordes.

Figura 4 – Tema 2, Sentença 1, início, cps 23 a 26 32

Figura 5 – Tema 2, Sentença 2, início, cps 31 a 34

Uma introdução variada, localizada entre o cp 37 (em elisão) e o 41, prepara a reexposição do Tema 1.

Figura 6 – Introdução variada, cps 37 a 41

Seção C A partir do cp 43, a Seção C apresenta o Tema 3 na região de Si b M (S). Anacrúsico como os anteriores, conserva a fraseologia de período com 2 sentenças de 8 cps cada. Esta seção se estende até o cp 58.

Figura 7 – Seção C, Tema 3, Sentença 1, início. Cps 43 a 46

Retoma da Capo, até o Fim marcado na casa 2 do Tema 1. 33

2. Teresa Carreño (Venezuela, 1853 - 1917) A compositora Teresa Carreño nasceu em Caracas, a 22 de dezembro de 1853. Iniciou os estudos de piano com o pai, Manuel Antonio Carreño, que chegou a ser ministro das Relações Exteriores da Venezuela. Devido à instabilidade política, Teresa e a família mudam-se para New York em 1862. Teresa conhece o compositor Louis Moreau Gottschalk, que lhe dá aulas de interpretação e a recomenda para apresentações públicas em teatros importantes dos EUA. Com o passar do tempo, a família Carreño passa a depender dos ganhos da menina, que assina seu primeiro contrato aos nove anos. Aos dez publica sua primeira composição e inicia uma carreira de intérprete considerada por muitos como pouco adequada à sua idade. A fim de conciliar estudos e concertos da menina, os Carreño mudam-se para Paris. Lá recebe elogios da imprensa e de mestres como Rossini e Liszt, por recitais que combinam composições próprias, de Thalberg, Beethoven e Gottschalk. Casa-se aos vinte anos com Emile Sauret, violinista francês. Nasce sua primeira filha, Emilita. Separa-se em 1877 e, sem condições de criar o bebê, deixa que uma amiga rica a adote até que a situação melhore. Esta seria uma grande mágoa em sua vida, já que após muitos anos tentaria reverter o processo sem sucesso. De volta a New York, une-se informalmente ao barítono Giovanni Tagliapietra. Nasce Lulu, que falece aos 3 anos. Cria uma empresa com a cantora Emma Donaldi para organizar e produzir os próprios concertos. Nascem Teresita e Giovanni. Em 1885 surge um convite para tocar em Caracas, onde é recebida com pompas e cerimonias. Compõe Hino a Bolivar para celebração de centenário, sob encomenda do governo venezuelano. Como o ambiente lhe parecesse favorável, decide buscar marido e filhos nos EUA para colocar em prática uma proposta de fundar uma companhia de ópera. A proposta não vinga e a família volta aos EUA em 1887. Uma nova separação leva Teresa e os filhos para Paris, onde no momento seu irmão era embaixador da Venezuela na França. .Realiza novas turnês de concertos e se casa pela 4ª vez, com o compositor Eugen DÁlbert. Nascem Eugenia e Hertha. O casal se divorcia em 1894, com Eugen acusando-a de adultério e insanidade mental. Com a saúde debilitada, Teresa morre aos 64 anos. Suas cinzas estão em Caracas, no Panteão da Venezuela.

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De acordo com Claudio Olivera (2016, pp. 70 e 71) e com o Norton/Grove Dictionary of Women Composers, são obras de Teresa Carreño12:

Gottschalk Waltz Op. 1 - para piano (s.d.) Caprice-Polka Op. 2 - para piano (s.d.) La Corbeille de Fleurs “Valse” Op. 9 - para piano (s.d.) Polka de Concert Op. 13 - para piano (s.d.) Reminiscences de Norma “Fantaisie” Op. 14 - para piano (s.d.) Ballade Op. 15 - para piano (s.d.) 1er Elégie “Plainte” Op. 17 - para piano (s.d.) 2e Elégie “Partie” Op. 18 - para piano (s.d.) Fantasie sur l’Africaine de Meyerbeer Op. 24 - para piano (s.d.) Le Printemps “Valse de Salon” Op. 25 - para piano (s.d.) Un Bal en Rêve “Fantaisie – Caprice” Op. 26 - para piano (s.d.) Un Revue á Prague “Caprice de Concert” Op. 27 - para piano (s.d.) Un Rêve en Mer “Etude-Meditation” Op. 28 - para piano (s.d.) Le Ruisseau “1er Etude de Salon” Op. 29 - para piano (s.d.) Mazurka de Salon Op. 30 - para piano (s.d.) Scherzo – Caprice Op. 31 - para piano (s.d.) Esquisses Italiennes n. 1: Venice “Reverie-Barcarolle” Op. 33 - para piano (s.d.) Esquisses Italiennes n. 2: Florence “Cantilene” Op. 34 - para piano (s.d.) Le Someil de l’Enfant “Berceuse” Op. 35 - para piano (s.d.) Polonaise Op. 35 - para piano (s.d.) Scherzino Op. 36 - para piano (s.d.) Highland “Souvenir d’Ecosse” Caprice Op. 38 - para piano (s.d.) Valse Gayo Op. 38 - para piano (s.d.) La Fausse Note “Fantaisie–Valse” Op. 39 - para piano (s.d.) Kleiner Walzes - para piano (s.d.) Danse de Gnome - para piano (s.d.) Etude- Mazurka La petite foiteuse “Caprice” - para piano (s.d.)

12 As obras para piano são da tese de Olivera, muitas das quais ele atesta que foram compostas entre 1862 e 1863 (período em que a compositora triunfou como criança prodígio). Os anos entre 1866 e 70 também foram frutíferos na criação para o instrumento, na opinião do autor. 35

Petite Berceuse - para piano (s.d.) Preludio - para piano (s.d.) Mi Teresita - para piano (s.d.) Notturno - para piano (s.d.) Petite dans Tzigane - para piano (s.d.) Sailing in the Twilight - para piano (s.d.) Marche Funébre - para piano (s.d.) Himno a Bolívar - para coro e orquestra (1883 ou 1885) Himno a El ilustre Americano - para coro e orquestra (1886) Quarteto de Cordas - para quarteto de cordas (1895) Serenade - para orquestra de cordas (1895)

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Le Sommeil de l’Enfant – Análise Musical Esta berceuse em Fá M, com métrica 6/8, pertence à vertente do Romantismo que enfoca a harmonia elaborada, profusão de cromatismos e acordes de sétima sem resolução. Foi composta em 1872. Tem forma A, A, B, A, C, A e Coda, lembrando um rondó pela repetição periódica da Seção A. O título, em vez de se ater ao gênero berceuse, é idílico e poético: “O sono da criança”. As seções também são repletas de introduções e codetas. Seção A Apresenta o Tema 1, tético, entre os compassos 1 e 16. A fraseologia é de período, sendo que o antecedente vai do cp 1 ao 7 (2 de introdução + 5) e o consequente vai do cp 7 – em elisão – ao cp 12 (2 de introdução + 4). A harmonia fica entre a T (Fá M) e a Ta (Lá m). Uma Codeta de 4 compassos (13 ao 16), anacrúsica, encerra o período confirmando a T.

Figura 8 – Seção A, cps 1 ao 7

Figura 9 – Seção A, cps 7 a 12

Figura 10 – Tema 1, cps 12 a 16, Codeta anacrúsica

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A partir do cp 16 (em elisão), Teresa repete a Seção A até o cp 28. Seção B Apresenta o Tema 2 entre o cp 29 e o 36. Este tema é anacrúsico e tem formato de período simétrico (4+4). Não obstante, sua harmonia é modulante, indo da T (Fá M) à região de Lá M (TA = mediante cromática)13 no final do consequente.

Figura 11 – Seção B, cps 29 a 32, antecedente Tema 2

Figura 12 – Tema 2, consequente, cps 33 a 36

Uma ponte entre os compassos 37 e 41 retorna de Lá M a Fá M (T), preparando a reexposição da Seção A. A compositora reexpõe A do cp 42 ao 55.

Entre os compassos 56 e 60 uma outra ponte leva a harmonia da T a Si M (distância de 4A, ou trítono), região do Tema 3. Para tanto, Teresa usa a enarmonia entre a nota Lá b (presente no acorde de Láb M, tR) e Sol#, fazendo uma sequência cromática descendente até Fá# M, D de Si M.

13 É chamada mediante cromática a região tonal ou acorde que dista uma terça do anterior, sendo da mesma qualidade. Ex.: Ré m e Fá m / Ré M e Fá# M.

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Figura 13 – Ponte prepara Tema 3 em Si M, cps 56 a 60

Seção C Apresentando o Tema 3, tético, entre os compassos 61 e 76, a compositora cria um período formado por 2 sentenças de 8 compassos cada (4+4) na região de Si M. A sentença 1 vai da T (Si M) à TA (Ré# M), voltando a usar mediante cromática. Já a sentença 2 vai da T (Si M) a Si# M, preparando a volta a Fa M (T) pela enarmonia de sua D (Do M).

Figura 14 – Tema 3, continuação da Sentença 2 prepara volta da tonalidade Fá M

Após retransição cromática de 3 compassos (78 a 80), ocorre a última exposição de A. A Seção A será reapresentada entre o cp 81 e o 95, com pouca variação ornamental.

Coda Entre o cp 96 e o 106, o a Coda baseia-se na continuação da sentença que forma o Tema 3 e termina confirmando a tonalidade de Fá M.

Figura 15 – Coda , cps 99 a 105

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3. Maria Galli (Uruguai, 1872 - 1960) A compositora Maria Felicia Antonia Galli Bagutti nasceu em Montevidéu a 13 de junho de 1872. Filha dos suíços Carlos Galli Agustoni e Aurora Bagutti, Maria Galli foi por algum tempo considerada suíça, já que seus pais voltaram ao país de origem logo após seu nascimento e lá nasceram seus irmãos Rafael, Carlos, Luiza e Felix. Iniciou os estudos de piano com Walter Lang, no Conservatório de Zurich. No mesmo estabelecimento cursou composição com Lothar Kempter. Aperfeiçoou-se em Milão com o compositor Luigi Nappelli e conquistou o primeiro prêmio em Lugano, com a obra Himno Triunfal. Aproximadamente em 1900 retornou com a família a Montevidéu, onde viveria até seu falecimento. Em 1902, Maria Galli recebeu o primeiro prêmio em seu próprio país, o que significou muito para ela e muitíssimo para as mulheres do Uruguai. A composição Marcha a Lavalleja foi escolhida entre produções de doze participantes para homenagear as festividades de inauguração do primeiro monumento ao Gal. Juan Antonio Lavalleja. Em 1904 a compositora passou a integrar o quadro de docentes do Conservatório Musical de Montevidéu, dando aulas de piano. Fez parte do trio formado por Eduardo Fabini e Avelino Baños, além de atuar como solista em importantes concertos com orquestra. Maria Galli fundou uma Escola Moderna de Piano e publicou seu método de ensino no livro El Mentor Pianístico. Teve muitos alunos e a eles deveu os cuidados nos últimos anos, em que viveu praticamente abandonada pelos parentes e amigos. A dois alunos muito próximos, a quem chamava de sobrinhos, ela deixou seus bens em testamento. Faleceu no dia 2 de novembro de 1960. Foi a primeira compositora uruguaia a abordar a produção sinfônica, a compor sonatas e também a ópera Edelweiss, que permaneceu inédita. Em suas composições nota-se, apesar da estilização romântica de influência europeia, a presença de danças típicas do Uruguai.

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Segundo catálogo publicado por Julio César Huertas, são obras da compositora 14,15: Edelweiss – Ópera em um ato e 4 quadros sem indicação de autor do libreto (inédita) Marcha a Lavalleja – Obra sinfônica, posteriormente transcrita para banda pela autora (1902) Regence (gavota) - Obra sinfônica, posteriormente transcrita para piano pela autora (1904) Lontananza (Romanza sin palavras) – Obra sinfônica, posteriormente transcrita para piano pela autora (1907) Vals Capricho – Obra sinfônica (1911) Nórdica – Obra sinfônica, posteriormente transcrita para piano (1912) Toccata nº 1 e 2 – Obras sinfônicas, posteriormente transcritas para piano pela autora (1912) Chanson Triste – Obra sinfônica, posteriormente transcrita para piano (1912) Marcha Nupcial - Obra sinfônica (1913) Victoire - Obra sinfônica (1913) Sonata nº 1 em Fá m – para piano (s.d.) Sonata nº 2 - para piano (inédita) Sonata nº 3- para piano (inédita) Sonata nº 4 - para piano (inédita) Inquietude - para piano (inédita) Libellule - para piano (s.d.) Passage des Bergers – para piano (s.d.) Sur la Plage (étude) – para piano (s.d.) Invocation - para piano (inédita) Berceuse - para piano (inédita) Rossignol - para piano (inédita) Festa – para piano (inédita) Capriccio - para piano (inédita) Minuetto Rococó - para piano (inédita) Furlana - para piano (s.d.) Ilusión - para piano (inédita) Grillo (polka) - para piano (inédita) Recuerdos de Andalucia (mazurca) - para piano (s.d.)

14 In: SORIANO, 1997, p. 33-35. 15 As datas disponibilizadas pelo catálogo indicam a estreia e não a criação das peças. 41

Mazurca de Concerto - para piano (inédita) Cinco Bocetos Uruguayos – para piano (s.d.) Seis Valses Boston - para piano (s.d.) Dos Tangos - para piano (inédita) Perché (romanza) – para canto e piano (inédita) La tua Stella (romanza) - para canto e piano (inédita) Tramonto (romanza) - para canto e piano (inédita) Vergin Santa (plegaria) - para canto e piano (inédita) Himno a la Educación Fisica – para canto e piano (s.d.) La Escuela – para coro a duas vozes (inédita) Plegaria – para violino e piano (inédita) Himno Triunfal – Obra sinfônica, posteriormente transcrita para banda pela autora (s.d.) Divertissement - Obra sinfônica, posteriormente transcrita para piano (s.d.) Suite Amoreuse - Obra sinfônica, posteriormente transcrita para piano (s.d.)

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Lontananza (Romanza sin Palavras) – Análise musical Lontananza foi composta originalmente para orquestra e estreada em 1907. A versão para piano aqui analisada foi realizada pela autora anos depois. Quando compôs a primeira versão de Lontananza, Maria Galli morava em Montevidéu com a família. Neste período o Uruguai começava a vivenciar a onda do movimento Modernista latino-americano, que reivindicaria novas propostas literárias, pictóricas e musicais, mais próximas da visão nacional e da realidade popular urbana de cada país. Diferentemente de suas obras posteriores, esta composição de Maria Galli não apresenta traços nacionalistas. Aproxima-se mais da chamada peça característica de salão, composta durante o século XIX na Europa para evocar sentimentos e sensações através, principalmente, do piano. É uma peça romântica, no estilo dos romances sem palavras de Félix e Fanny Mendelssohn. Na tonalidade de Mi b M e métrica quaternária (4/4), Lontananza pode ser dividida em três grandes seções A, B e A’. A Seção A, compreendida entre os compassos 1 e 44, apresenta um grupo temático formado pelos Temas 1a, 1b e 1a’. A Seção B é monotemática, estende-se do cp 45 ao 64 e insere ritmo pontuado e trechos sincopados, característicos das danças regionais do cone sul. A Seção A’ vai do cp 65 ao 125, retomando o formato de A e apresentando uma Coda em duas partes a partir do cp 110, com oito compassos cada. Seção A Inicia-se com o Tema 1a em Mi b M, anacrúsico e em forma de período. A textura é de melodia no registro médio, acompanhada por linha do baixo no registro grave e acordes no agudo.

Figura 16 - Lontananza, Seção A, tema 1a, cp 1-2

O antecedente vai do cp 1 ao 4, alternando-se entre D e T a cada compasso. O consequente vai do cp 5 ao 8, atingindo o acorde de Sol M7 (D7)Tr. Porém, em vez de ingressar na região de Do m (Tr) no cp 9, como seria de se esperar, a compositora se distancia da mesma e segue sem repouso harmônico por 3 compassos. Esboça um caminho por quintas usando acordes de Sol M e Do M, passa deste para Si M por cromatismo (alteração de semitom)16 e resolve o mesmo em mi m no cp 11. Através do mi total diminuto (considerando do# enarmônico de ré b) alcança

16 A modulação por cromatismo é uma constante na produção de compositores românticos europeus como Johannes Brahms, Clara Schumann e Felix Mendelssohn, em cujos romances esta Lontananza parece ter sido inspirada. 43 a Ta Sol m por semitom no cp 12. No cp 13 passa da Ta à D Sib M, mantendo-se nesta região até a entrada do Tema 1b, na segunda metade do cp 17. Assim como o Tema 1a, o Tema 1b inicia-se em anacruse, com a alternância dos acordes de T e D por 4 compassos (cp 18 a 21), agora na região de Si b M (D=T). A melodia é apresentada no plano inferior, acompanhada por acordes no plano superior.

Figura 17 - Seção A, tema 1b, cp 17 a 20

Apesar da similaridade com o Tema 1a, o Tema 1b tem figuras de maior duração no plano superior e introduz tercinas no inferior. A partir do cp 22 a compositora novamente se distancia de seu ponto de partida (Si b M), numa espécie de improvisação. Passa pelos acordes de Mi b M (S), Ré M (D)Tr, Sol m (Tr) e Si b M7 (T7=D7), no cp 28. O Tema 1a’ entra no cp 29, em Mi b M. Em forma de período, o Tema 1a’ apresenta um contracanto na voz tenor do antecedente (cp 29 a 32) e melodia em oitavas no plano superior do consequente (cp 33 a 44). Este é o trecho em que as intensidades são mais fortes, a amplitude melódica é maior (sons no extremo grave e extremo agudo) e a velocidade é alterada por indicações de affrettando e ritenuto, configurando o ponto culminante da Seção A.

Figura 18 - Contracanto no antecedente do tema 1a’, cp 29 - 30

Figura 19 - Melodia em oitavas, maior amplitude melódica e dinâmicas fortes no consequente do tema 1a’, cp 32 a 35 44

Seção B Inicia-se no cp 45 e apresenta o Tema 2 formado por duas linhas principais em contraponto, com comentários feitos por acordes em contratempo. A linha inferior apresenta motivo rítmico e melódico à maneira de ostinato.

Figura 20 - Seção B, Tema 2, cp 47-48

A Seção B tem andamento mais rápido que a anterior e está na região de Sol b M, mediante duplamente cromática de Mi b M. No cp 50, o acorde de Fá M (D)Ta resolve-se em

Si b m (Ta) e segue sem repouso harmônico passando pelos acordes de Lá b M (DD), Si b M (mediante cromática de Sol b M), Lá M e Ré M, ficando nesta região por 4 compassos (57 a 60). O acorde de Si b M (mediante cromática de Sol b M) é retomado nos compassos 63 e 64 para introduzir a Seção A’ no cp 65, com o Tema 1a em Mi b M (T). A Seção A’ repete os Temas 1a, 1b e 1a’, emendando numa Coda em duas partes. A primeira vai do cp 109 ao 116 e lembra o Tema 2 da Seção B, agora em Si M. A segunda parte vai do cp 117 ao 124, lembrando o Tema 1a’ pela melodia em oitavas no plano superior.

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4. Gisela Hernandez (Cuba, 1912-1971) A compositora Gisela Hernandez nasceu em 15 de setembro de 1912, em Cárdenas, Cuba. Nesta cidade iniciou os estudos musicais, na Escuela Santa Cecilia. Deu continuidade em Havana, estudando com Maria Muñoz de Quevedo no Conservatório Bach, entre 1929 e 1935, e com José Ardevol no Conservatório Musical de Havana, de 1940 a 1944. Entre 1944 e 1947, Gisela estudou no Peabody Institute of the Johns Hopkins University, nos EUA. Neste instituto teve como professores Gustav Strube e Theodore Chandler. Quando retornou a Cuba tornou-se regente do Coral de La Habana. Paralelamente organizou e dirigiu o Coro Feminino do Lyceum Lawn Tennis Club, em 1949. Dirigiu o Conservatório Hubert de Blanck até 1962, onde também deu aulas de Composição, Harmonia, Pedagogia e História da Música. Com Olga de Blank Martin criou o método Juegos Pedagogicos Musicales para sistematizar o ensino de leitura e escrita musical. Após a Revolução Cubana, em 1959, foi convidada a assessorar o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Cultura na formação de docentes. Trabalhou também na Radio Cubana, em 1969. Foi uma das fundadoras da editora Ediciones de Blanck, responsável pela publicação de diversas partituras e livros de música. Até o ano de seu falecimento ministrou cursos no Instituto Nacional de Cultura e na Escuela de Instructores de Arte. Como compositora, Gisela foi a primeira a escrever lieder em seu país. Foi também pioneira a compor villancicos. Integrou o importante grupo Renovação Musical de Havana, formado em 1942 por José Ardevol e seus alunos e vigente até 1948, explorando novas técnicas e linguagens abstratas - como o modalismo, polimodalismo, atonalismo e neoclassicismo. Rejeitou, nesta época, todo e qualquer pensamento nacionalista. São da década de 1940 a Suíte Coral (1942) e a Sonata dedicada a Ardevol (1943), entre outras obras. Pela Suíte Coral recebeu o Prêmio Nacional de Composição em 1944. Após 1950, quando houve um incentivo ao pan-americanismo cultural e instalação de uma Oficina Regional de Cultura de la Unesco no país, sua linguagem musical assimilou elementos do afro-cubanismo resultantes de pesquisas sobre materiais musicais autóctones. Algumas das canções populares que a inspiraram haviam sido utilizadas anteriormente por compositores como Amadeo Roldán e Alejandro García Caturla. Da década de 1950 são obras como Estudio en Son (1953) e Zapateo Cubano (1954), entre outras. Musicou também inúmeros poemas de autores como José Marti, Nicolas Guillén, Mirta Aguirre, Dulce Maria Loynaz e Federico Garcia Lorca.

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De acordo com catálogo disponibilizado pela EcuRed, são obras da compositora17:

Pequeña Suíte – para piano (1929) Tema y Variaciones – para piano (1930) Dos Prelúdios – para piano (1939) Pequeña Suíte - para violino e violoncelo (1941) Canción - com texto de Emilio Ballagas, para 4 vozes mistas (1942) Romance - com texto de Rodríguez Santos, para 7 vozes mistas (1942) Dos Canciones - com textos de Juan Ramón Jiménez, para 3 e 6 vozes mistas (1942) Suite Coral - com texto de Federico García Lorca, para 4 vozes mistas (1942) Soneto Coral - com texto de Luis de Góngora, para 5 voces mistas (1943) Preludio y Giga – para piano (1943) Sonata no. 1 en Do – para piano (1943) Única Mar – com texto de Mirta Aguirre, para voz e piano (1943) Mi Corazón lo Trajo el Mar – com texto de Mirta Aguirre, para voz e piano (1943) Dos Villancicos Tradicionales (Noche Buena; Tres Reyes) - com textos de Mirta Aguirre, para 2 e 3 vozes mistas (1943-1944) Romancillo – com texto de Federico García Lorca, para voz e piano (1944) Huerto de Marzo – com texto de Federico García Lorca ,para voz e piano (1944) Aleluya - com texto de Federico García Lorca, para 3 vozes mistas (1944) Sonatina Scarlatiana – para piano (1944) Solo por el Rocío – com texto de Federico García Lorca, para voz e piano (1944) Dos Cantos de Cuna – para voz e piano. Sem indicação de autoria do texto, provavelmente recolhido do folclore popular (1944-1948) De Prisa Tierra de Prisa – com texto de Juan Ramón Jiménez, para voz e piano (1945) Tránsito – com texto de Rabindranath Tagore, para voz e piano (1945) Sonatina - para violino e piano (1945) La Palma – com texto de Juan Ramón Jiménez, para voz e piano (1945) Hamlet - com texto de William Shakespeare, obra teatral para coro, solistas e orquestra (1948)

17 Cf: https://www.ecured.cu/Gisela_Hern%C3%A1ndez. Acesso em: 04/12/2016. 47

Dos Villancicos Cubanos (Son de Navidad; Palmas Reales) - com textos de Concha Méndez, para 4 vozes mistas (1948-1949) El Alcalde de Zalamea - com texto de Calderón de la Barca, obra teatral para coro, voz e guitarra (1949) Pedro de Urdemala - com texto de Miguel de Cervantes e Saavedra, obra teatral para orquestra de cordas, voz e violoncelo (1950) Estudio en Son – para piano (1953) Preludio Cubano – para piano (1953) Tríptico Cubano – obra sinfônica (1954) Zapateo Cubano – para piano (1954) Salmo Davídico - para coro e orquestra de cordas (1954) Diálogo – com texto de Dulce María Loynaz, para voz e piano (1955) Juana de Lorena - com texto de Maxwell Anderson, obra teatral (1956) Cubanas (Toque clave; Son, Guajira; Preludio en son) – para piano (1957) Víspera, 1 – para voz e piano. Texto de Mariano Brull (1957) Voy a Medirme el Amor – com texto de Dulce María Loynaz, para voz e piano (1958) 50 Canciones Infantiles Cubanas – com textos de José Martí, Mirta Aguirre, Adelaida Clemente, Nicolás Guillén, Emilio Ballagas, Dora Alonso, David Chericián e Gisela Hernández (1960-1970) Cubana No. 3 (guajira) - para 2 oboés, 2 violinos, viola, violoncelo e contrabaixo (1963) Miraba la Noche el Alma – com texto de Ángel Gaztelu, para voz e piano (1964) Si Acudirás – com texto de José Lezama Lima, para voz e piano (1964) Dones – com texto de Cleva Solís, para voz e piano (1964) Cómo Vendrás – sem indicação de autoria do texto, para voz e piano (1964) Blanca Nieves y los Siete Enanitos - música incidental, com texto de Dora Alonso (1965) Diálogo de Octubre - para dois solistas, coro e orquestra (1965) Canto X – com texto de Cintio Vitier, para voz e piano (1966) Corofonía - com texto de Nicolás Guillén, para 4 voces mistas (1967) Como Allá - com textos de José Martí, para 4 vozes mistas (1967) Iba Yo por un Caminho – com texto de Nicolás Guillén, para voz e piano (1970)

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Zapateo Cubano - Análise musical Composto em 1954, Zapateo Cubano tornou-se conhecida pela interpretação da pianista cubana Alicia Perea. É uma peça virtuosística, inspirada na dança popular homônima baseada no sapateado de homens e mulheres. Faz parte da fase em que Gisela Hernández se debruçou sobre pesquisas em materiais autóctones de Cuba, principalmente os relacionados ao afro- cubanismo. Em relação à forma, a peça pode ser dividida em três grandes seções tendo a harmonia como parâmetro: as Seções A e A’, que iniciam e encerram a obra, são escritas na tonalidade de Do M, enquanto a Seção B (central) está na região de Mi b M (mediante duplamente cromática). Cada seção é formada por trechos curtos e justapostos, separados entre si por barras de período (duplas) como uma espécie de colcha de retalhos. Os materiais são sempre os mesmos, com variações ornamentais baseadas, ora nas diferentes figuras rítmicas, ora nos registros do piano utilizados, no uso de arpejos, trinados e glissandi, ou ainda na mudança de andamento entre as subseções. Este formato remete-se à própria dança, cuja coreografia é variada de acordo com a formação dos homens e mulheres - em pares, em grupos e assim por diante. A Seção A, apresenta uma Introdução18 em duas partes, sendo a Parte 1 (cp 1 a 6) em acordes sucessivos e caráter maestoso (majestoso). Tais acordes são formados pela sobreposição de dois intervalos de 4j, separados por uma 2M. Embora a fórmula de compasso seja 6/8, o motivo rítmico desenhado pelos acordes sugere métrica ternária. A alternância de acento binário e ternário dentro do compasso binário composto é um dos traços típicos da rítmica do continente latino-americano. O andamento marca mínima pontuada = 72.

Figura 21 – Acordes da Introdução Parte 1, cp 1.

A Parte 2 (cp 7 a 17) apresenta melodia e acompanhamento lineares, baseados em notas dos acordes de T, S e D. Enquanto o motivo rítmico da linha superior aponta uma métrica binária composta, o da linha inferior desenha uma métrica ternária. O acompanhamento lembra o de canções populares cubanas acompanhadas por marimbas, com acentos marcando os passos do sapateado. O andamento marca semínima pontuada = 92, em caráter Ballabile e Grazioso.

18 Os trechos chamados de introdução aos temas, geralmente contendo duas partes, foram assim denominados por seu caráter suspensivo, pela extensão irregular em termos de números de compassos e pela ausência de direcionalidade no discurso, tanto harmonicamente quanto na construção das frases musicais. Tais aspectos foram encontrados nos temas e em suas variantes. 49

Figura 22 – Introdução Parte 2, cps 7 e 8.

Sempre na tônica da tonalidade Do M, o Tema 1 estende-se entre os compassos 18 e 25 em forma de período (4+4). Usa motivo de terças repetidas, com acompanhamento linear que lembra o canto da Introdução Parte 2. As marcações de dinâmica crescendo e diminuendo, bem como a indicação Molto expressivo e o andamento mais lento, com semínima pontuada = 72, diferem bastante daquela. A compositora também não acentua qualquer dos tempos.

Figura 23 – Tema 1, cps 18 e 19.

O Tema 2 surge entre os compassos 30 e 37 em forma de sentença (4+4). É precedido por uma curta introdução de 4 compassos (26 a 29), cujo acompanhamento lembra o da Parte 2 da Introdução da Seção A, porém em sentido descendente.

Figura 24 – Curta introdução ao Tema 2, cps 26 e 27.

Nos compassos 30 e 31, o plano inferior do Tema 2 mescla o acompanhamento da Introdução Parte 2 com o do Tema 1. Desta forma Gisela vai introduzindo novas ideias musicais e variando as já apresentadas. O andamento indica semínima pontuada = 96. 50

Figura 25 – Tema 2, cps 30 e 31.

Entre os compassos 38 e 45, o Tema 1 é variado e transposto para Sol M (D). O aqui chamado Tema 1’ retoma as díades, porém utiliza intervalos diversos em lugar das terças daquele. Mantém a forma de período (4+4), a expressividade, o andamento mais lento e as variações de dinâmica, como demonstra a Figura 6.

Figura 26 – Tema 1’, cps 42 e 43.

No cp 46 inicia-se uma transição em duas partes para a Seção B. A primeira parte é composta de 4 compassos em Do M seguidos de 2 em Lá b M (tA). A segunda parte tem 8 compassos em Lá b M (52 a 59) seguidos de 3 em Mi b M (tR). A transição termina no cp 62 com acordes de Si b M (D de Mi b M, tR), preparando a entrada da Seção B, na região de Mi b M.

Figura 27 – Transição para a Seção B, segunda parte, cps 61 e 62.

Na Seção B, foi chamado de Tema 1’’ a variação do tema inicial pelo uso de acordes oitavados no plano superior, oitavas no inferior e arpejos passando de um plano a outro em sentido ascendente. A região tonal é Mi b M (tR=T). O Tema 1’’ estende-se entre os compassos 63 e 70, em forma de período (4+4). Tem caráter oposto ao Tema 1: é Enérgico, fortíssimo (ff) e sua amplitude melódica abrange do registro grave ao extremo agudo do piano. A indicação de andamento é semínima pontuada = 50.

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Figura 28 – Tema 1’’, cp 63.

Um Tema 3 é apresentado entre os compassos 89 e 96, em forma de período (4+4). Este tema também é precedido de introdução em duas partes. A Parte 1 da introdução ao Tema 3 tem 10 compassos (71 a 80), nos quais justapõe trechos das introduções aos Temas 1 e 2. Em caráter virtuosístico, alterna acordes arpejados e oitavas no plano superior, sobre acordes arpejados no inferior. A dinâmica vai de ff a fff, com velocidade marcada em semínima pontuada = 80. Indicações de ritenuto dão expressividade ao trecho. Em relação à harmonia, começa na T da região de Mi b M e termina na D (Si b M).

Figura 29 – Parte 1 da introdução ao Tema 3, cps 71 a 74. Cps 71 e 72 mostram material da introdução ao tema 2. Cps 73 e 74 usam material da Introdução ao tema 1.

A Parte 2 da introdução ao Tema 3 tem 8 compassos (81 a 88) em que se alternam acordes de 2m, 7m, 7M e 9M, acompanhados por baixo ostinato em Si b (D). O andamento desta parte é Lento (semínima pontuada = 48). A dinâmica vai do p ao mf e deste ao pp.

Figura 30 – Parte 2 da introdução ao tema 3, cps 81 a 83.

O Tema 3 está em Mi b M, tem forma de período (4+4) e andamento cômodo – já que a compositora marca pio mosso (mais rápido) em relação à introdução que o prepara. Sua melodia é lírica, linear e sincopada, enquanto o acompanhamento tem baixo ostinato que oscila entre a S e a D. Inicia-se no cp 89 e se estende até o cp 96. 52

Figura 31 – Tema 3, cps 89 a 92.

Após um compasso de levare (97), a compositora faz uma espécie de improvisação sobre o Tema 3, que dura 20 compassos (98 a 117). O baixo ostinato do Tema 3 é mantido até o cp 107, quando em ambos os planos os 3 bemóis da região de Mi b M são substituídos por bequadros, antecipando uma volta a Do M, tonalidade da peça. A partir do cp 118 um Tema 3’ é apresentado em Do M, embora ainda com armadura de clave em Mi b M e bequadros nas notas Si, Mi e Lá. Com baixo ostinato variado melódica e ritmicamente em relação a c, tem andamento Meno mosso, caráter sensibile, dinâmica p e uso do registro extremo agudo do piano. Vai do cp 118 ao 125 em forma de período, após o qual um compasso de levare usando glissando (126) introduz um novo trecho improvisatório (cp 127 a 136) similar ao que sucedeu o Tema 3.

Figura 32 – Tema 3’, cps 118 e 119.

Entre os compassos 137 e 148 Gisela Hernandez evoca o Tema 2 em Lá b M (tA), variando-o através da escrita contrapontística. A partir do cp 143 ela novamente utiliza bequadros para aludir a um retorno a Do M. Este trecho, que funciona como transição para a Seção A’, termina com dois compassos similares aos que introduziram a Seção B. A Seção A’ retoma a T da tonalidade Do M, apresentando uma variante do Tema 1 acompanhada por variante do baixo ostinato do Tema 3. 53

Figura 33 – Tema 1’’’, cps 149 e 150.

Este Tema 1’’’ vai do cp 149 ao 156, após o qual segue-se uma Coda vibrante em três partes. A parte 1 da Coda vai do cp 157 ao 164, no formato da introdução ao Tema 2. A parte 2 recorda o Tema 1 em acordes nos dois planos, estendendo-se do cp 165 ao 172. A parte 3 da Coda (cp 173 a 176) confirma a tonalidade de Do M em acordes arpejados nos registros extremos do piano, com dinâmica que vai do ff ao ffff.

Figura 34 – Parte 3 da Coda confirma tonalidade de Do M em caráter virtuosístico.

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5. Ida Vivado Orsini (Peru / Chile, 1913-1989)19 De acordo com o arquivo Memoria Chilena da Biblioteca Nacional de Chile, Ida Vivado de Bontá nasceu em Tacna, Peru, em 30 de agosto de 1913. Conheceu o piano aos 4 anos, mostrando interesse e talento musical desde criança. Apesar disso, só teve aulas do instrumento a partir da década de 1930. Desde então passou a estudar com a pianista Anita Cortés. Ida estabeleceu-se no Chile em 1918. Ao entrar no Conservatório Nacional de Música, graduou-se em Licenciatura em Interpretação Superior com Menção em Piano em 1941. Lecionou piano na mesma instituição, formando uma vasta legião de pianistas. Estudou composição com Domingo Santa Cruz entre 1944 e 48 e música serial com Fré Focke em 1954. Aperfeiçoou-se também em piano com Elcira Castrillón e Alberto Spikin. Em 1958 recebeu uma bolsa para estudar música contemporânea na Itália. Seu marido, o pintor chileno Marco Bontá, era de origem italiana. Com ele viveu 23 anos, quando este veio a falecer. A união dos artistas marcou a música de Ida Vivado. Ida estudou instrumentação com Salvador Candianni em 1967. Entre 1971 e 73 coordenou a cátedra de teclados do Conservatório Nacional de Música. Seu estilo reúne atonalismo livre, serial e música folclórica latino-americana. Dedicou-se também a compor para fins didáticos, como provam seus Estudios. “Ordenados em dificuldades técnicas e complexidades sonoras crescentes, [os estúdios] têm o mérito de introduzir ao novo pianista no ambiente musical contemporâneo” (BUSTOS, 1978, p. 106)20. Ida trabalhou a composição com liberdade estética. Embora utilizasse harmonias dissonantes, a compositora não se furtou a inserir trechos melódicos expressivos ou emotivos em suas obras. Seu uso de elementos autóctones tampouco a encerraram numa postura nacionalista. Não obstante, Raquel Bustos reconhece em obras como Picaresca, para voz e orquestra, recursos como o uso do motivo rítmico formado por colcheia pontuada seguida de semicolcheia para dar à obra uma “fisionomia chilena” (Idem, p. 107)21. Foi presidenta da Asociación Nacional de Compositores (ANC) entre 1979 e 87. Faleceu em 1989 devido a uma doença cardíaca.

19 O Norton/Grove of women composers menciona a data de nascimento como 1908, mas a Biblioteca Nacional Chilena dá como 1913, pelo que decidi pela última. 20 Ordenados en dificultades técnicas y complejidades sonoras crecientes, tienen el mérito de introducir al novel pianista en un ambiente musical contemporáneo. 21 Em Series Alternadas, obra aqui analisada, este recurso é variado pelo uso de figuras com maior valor, como semínima pontuada seguida de colcheia.

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De acordo com Raquel Bustos (1978, pp. 110-112), são obras da compositora: Tres Poemas y una Canción: 1. Tránsito y permanência; 2. Luz; 3. Iniciación; 4. Canción - com texto de Alberto Spikin Howard, para canto e piano (1949) Tres Preludios y Tema con Variaciones - para piano (1952) Seis Danzas Antiguas: 1. Allegro; 2. Allegro Vivace; 3. Lento; 4. Allegro; 5. Gracioso; 6. Presto - para piano (1955) Suite: 1. Allegretto grazioso; 2. Molto Vivo; 3. Andante Marciale; 4. Lento, con gran expresión; 5. Molto Allegro - para piano (1955) Himno - para coro e piano (1960) Estudios: 1. El Do y el Re; Las cinco negras y cinco blancas; 3. Las siete blancas; 4. Los doce sonidos; 5. Tresillos; 6. Ritmo de tonada; 7. Ligados; 8. Octavas; 9. Rubato; 10. Acentos; 11. Ritmos; 12. Ritmo Libre; 13. Octavas quebradas; 14. Staccato; 15. Trinos - para piano (1966) Ocho Trozos: 1. Andante expresivo; 2. Allegro gracioso; 3. Lento, muy expresivo; 4. Allegro con gracia; 5. Allegro Rítmico; 6. Allegro; 7. Modulante; 8. Allegro - para piano a 4 mãos (1974) Dos Momentos: 1. Con expresión dolente; 2. Con gracia - para piano (1976) Picaresca - com texto da compositora, para voz e orquestra (1977) Añoranza - para piano (1977) 56

Séries alternadas para piano - análise musical Quem quer que estude a música erudita latino-americana do século XX, vai se deparar com nomes como Hans-Joachim Koellreutter, Juan Carlos Paz e Fré Focke como introdutores do dodecafonismo no Brasil, Argentina e Chile, respectivamente. Outros nomes logicamente existiram e difundiram a técnica dos 12 sons no continente, mas estes são os mais comumente citados. Como foi dito, Ida estudou música serial com Focke no Chile, o que me levou a procurar esta partitura em especial para analisar como exemplo desta experiência. Como o título sugere, a compositora alterna na peça duas séries de 12 sons, sendo uma a inversão da outra22. Apesar de empregar procedimentos típicos do dodecafonismo, Ida usa notas repetidas tanto no plano superior como no inferior (em que chega mesmo a usar baixo ostinato), o que denota liberdade no uso da técnica. A liberdade, porém, não é característica somente de Ida Vivado, uma vez que Focke tampouco empregava a técnica dodecafônica com rigidez. A compositora Leni Alexander, que também foi sua aluna, atesta que o compositor holandês, ex- aluno de Anton Webern, considerava o dodecafonismo “muito afastado de seu modo de pensar a música”23. Ao compositor agradava bem mais Alban Berg e mesmo o próprio Arnold Schoenberg que, apesar de criar a técnica de escrever com os 12 sons, era também um mestre na criação baseada no atonalismo livre e no expressionismo musical. Além de se encantar com a obra de Debussy (antagônica à de Schoenberg) e de Schubert! Podendo ser dividida em 4 seções (A, B, C e A’) seguidas de Coda, Séries Alternadas se inicia apresentando as 2 séries que se alternarão, com maior ou menor grau de variação, no decorrer da peça. Estas séries estão nas segundas partes do antecedente e do consequente do período que vai do cp 1 ao 15 (8+7), coincidindo com a extensão da própria Seção A. A Série 1 (S1) se insere no plano superior, entre os compassos 5 e 7. Já a Série 2 (S2) vai do cp 13 ao 15, no mesmo plano. Como já foi dito, S2 é a inversão de S1, a partir da mesma nota inicial Do#.

S1 (ou O1): [1, 2, 5, 4, 7, 6, 10, 11, 8, 0, 3, 9]

Figura 35 - Série 1, Seção A, cps 5 a 7, plano superior

22 Em uma peça dodecafônica tradicional não tratar-se-ia a Série 2 como uma nova série, já que é a inversão da Série 1. Porém, nesta peça a compositora não utiliza mais desdobramentos da serie original (O), tratando a inversão (I) como material a ser alternado à primeira série apresentada. 23 “Aunque todavia existe la creencia, él nunca la usó, porque encontraba aquella técnica demasiado lejana a su modo de pensar la música” (ALEXANDER, 1997, passim). 57

S2 (ou I1): [1, 0, 9, 10, 7, 8, 4, 3, 6, 2, 11, 5]

Figura 36 - Série 2, Seção A, cps 13 a 15, plano superior

Como foi dito em nota de rodapé de sua biografia, nesta peça Ida Vivado emprega uma célula rítmica característica da música vernácula chilena - a colcheia pontuada seguida de semicolcheia -, dobrando os valores das figuras. Esta célula forma o motivo rítmico aqui chamado de m r 1, no qual semínima pontuada e colcheia são associadas a duas colcheias (ou a uma semínima) para se adequar à métrica ternária. O m r 1 aparece tanto no plano superior como no inferior do sistema, em momentos diversos da Seção A. Ele está no plano superior nas primeiras partes do antecedente e do consequente do período (cp 1 a 4 e 9 a 12). Já no plano inferior, ele faz parte do baixo ostinato que acompanha a melodia em toda a Seção A.

Figura 37 - m r 1 no plano superior, cp 1

Figura 38 - m r 1 no plano inferior, cp 3

Entre o antecedente e o consequente do período que forma a Seção A há uma modulação do baixo ostinato para uma 4j (5 semitons) acima do original.

Figura 39 - baixo ostinato do plano inferior, cp 9

A métrica desta seção é regular e o andamento marca mínima pontuada = 58, Allegretto giocoso. A textura é de melodia acompanhada. 58

A partir do cp 16, uma ponte de 9 compassos leva à Seção B. Tal ponte conserva a melodia no plano superior, entre os compassos 16 e 17; apresenta uma melodia descendente em contraponto a 2 vozes no cp 18; este contraponto dá liberdade às linhas superior e inferior do cp 19 ao 21 e o plano inferior passa a ser acompanhado pelo superior nos compassos 22 a 24.

Figura 40 - Ponte, melodia descendente em contraponto a 2 vozes, cp 18

Figura 41 - Ponte, melodia passa ao plano inferior, cp 22

Esta textura de melodia acompanhada com planos invertidos em relação à Seção A permanece pelos 8 compassos da Seção B, que vai do cp 25 ao 36. Nesta seção as séries não aparecem, dando lugar, majoritariamente, ao uso de 4j, 4 dim, 4A e 5j24. A métrica é variável entre 2/4, 3/4 e 4/4.

Figura 42 - Intervalos de 4ªs e 5ªs na Seção B, cps 26 e 27

Apesar de não fazer uso das séries alternadas, a mudança de função dos planos mantém a coerência entre as seções A e B pelo próprio conceito de alternância.

24 Arnold Schoenberg e os compositores da 2ª Escola de Viena fizeram amplo uso do intervalo de 4ª e suas variantes. Claude Debussy também. 59

Seção C A Seção C vai do cp 37 ao 53. Nesta seção o plano inferior recorda as notas do baixo ostinato apresentado no consequente da Seção A. Utilizando acordes e métrica binária, mantém o ritmo pontuado através do uso de pausas. A compositora emprega enarmonia substituindo o Mi b pelo Ré#.

Figura 43 - Seção C, plano inferior, cp 37

De caráter mais livre e improvisatório, a Seção C alterna trechos em registro médio a outros no agudo. Os grupos alterados marcam presença, apresentados em semicolcheias e fusas. A métrica varia entre 2/4 e 3/4. O contraponto a 2 vozes em melodias descendentes apresentado na ponte para a Seção B é apresentado em fusas nos compassos 51 e 52.

Figura 44 - Seção C, contraponto a 2 vozes, cps 51 e 52

A Seção A’ caracteriza-se pela reutilização das duas séries da seção inicial da peça. S1 aparece entre o cp 54 e 55 no plano superior, enquanto S2 está entre os compassos 58 e 59, no plano inferior. Esta seção vai do cp 54 ao 69 e se relaciona com a Seção A, também, pelo uso de baixo ostinato no acompanhamento.

Figura 45 - Seção A’, S1 no plano superior, cps 54 e 55

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Ida varia a S2 nesta seção, substituindo o Do natural por Si e omitindo o Mi b que havia entre os sons Mi e Fá#.

Figura 46 - Seção A’, S2 no plano inferior com variações assinaladas, cps 58 e 59

Apesar de usar as duas séries que dão nome à obra, as partes iniciais do antecedente e do consequente da Seção A não são reexpostas. Não obstante, a coerência é mantida pelo uso do esquema de pergunta e resposta presente no período da seção inicial, sendo cada parte equivalente a 4 compassos (54 a 57 e 58 a 61). Após o cp 62, pergunta e resposta são definidas pelo emprego do registro agudo na primeira e médio-grave na segunda. A métrica da Seção A’ é variável entre 2/4, 3/4 e 4/4, como na Seção B. Há uma maior valorização do timbre, pela inserção de recursos como trinados. Estes surgem no plano superior dos compassos 58 e 59; 61 e 62.

Figura 47 - Trinado no plano superior da Seção A’, cps 58 e 59

Uma nova ponte de 6 compassos (70 a 75) liga a Seção A’ à Coda. O contraponto a 2 vozes apresentado entre os compassos 70 e 71 remete esta ponte à apresentada entre as seções A e B. Entretanto, as linhas melódicas são entrecortadas por pausas.

Figura 48 - Ponte para Coda, cps 70 e 71

O recurso timbrístico do trinado dá sequência à ponte, onde é usado no plano inferior dos compassos 71 a 75. 61

Figura 49 - Trinado no plano inferior da Seção A’, cps 71 a 75

A partir do cp 76, a Coda realiza colagem de referências às seções anteriores, como demonstram os exemplos que se seguem. O primeiro deles traz a S2 no plano superior dos compassos 76 a 79, lembrando as Seções A e A’.

Figura 50 - Coda, S2 no plano superior, cps 76 a 79

A Seção B é lembrada pelo uso do intervalo de 4j e suas variantes.

Figura 51 - Intervalos de 4j e 4A lembram Seção B na Coda

Baixo ostinato em acordes remetem à Seção C.

Figura 52 - Coda, cps 86 e 87

A peça se encerra lembrando as duas linhas melódicas em contraponto apresentadas anteriormente, desta vez em movimento contrário, culminando no intervalo de 4j no registro grave do piano.

Figura 53 - Coda, cps 92 e 93 62

6. Isabel Aretz (Argentina / Venezuela, 1913-2005) Isabel Aretz nasceu em Buenos Aires, a 13 de abril de 1913. Nesta cidade diplomou-se na Escola Normal de Música, ingressando no Conservatório Nacional para estudar piano e composição com Rafael González e Athos Palma (PLISSON, 1994, p. 229). Uma vez formada, em 1933, vai estudar etnomusicologia com Carlos Vega no Museu de Ciências Naturais. Complementam seus estudos as disciplinas Antropologia, com José Imbelloni, e Etnografia, com Enrique Palavecino. Detentora de uma bolsa de estudos, embarca para o Brasil a fim de estudar orquestração com Heitor Villa-Lobos. Desta época é a peça Puneñas. Em 1940 volta à Argentina para pesquisa de campo, viajando a regiões como Tucumã, Catamarca e La Rioja em busca de materiais autóctones do folclore musical. Publica, em 1943, a “Primera selección de canciones y danzas tradicionales argentinas”, ao que se seguirá “El folklore musical argentino” em 1952. Este último reúne transcrições de melodias e ritmos transmitidos oralmente pelas populações habitantes fora dos centros urbanos, com exemplos analisados e contextualizados. Já “Música tradicional de La Rioja” é sua tese de Doutorado, concluído em 1967. O casamento com o etnomusicólogo venezuelano Luis Felipe Jamón y leva-a à Venezuela em 1947. Segue fazendo pesquisa de campo pela América Latina afora, ao mesmo tempo em que publica suas próprias composições. Funda e dirige o Instituto Interamericano de Etnomusicologia y Folklore, o INIDEF, em Caracas. Esta fundação atrairá estudiosos e pesquisadores de todo o continente. Como compositora, insere em sua obra o conhecimento da música folclórica e regional latino-americana. Elementos da música indígena e afro-americana são mesclados a técnicas da música tradicional e contemporânea ocidental, como colagem, modos simétricos e preocupação com o timbre. Exemplos desta prática são as obras Birimbao, composta em 1968, a cantata-balé Yekuana, com a qual vence concurso de composição em Caracas em 1972, Kwaltaya, de 1980, e Hombre al Cosmos, criada em 1993. Todas combinam o uso de fita magnética gravada com vozes ou instrumentação acústica. Isabel volta à Argentina empenhada em fundar um instituto de pesquisa em etnomusicologia na Universidad Tres de Febrero, para a qual doa grande parte de sua biblioteca e composições pessoais. A morte a surpreende em plena atividade, em 2005. É autora de inúmeros artigos e livros sobre o folclore musical latino-americano. Seu livro “America Latina en su Música” é fonte obrigatória para quem se interessa pela música deste continente.

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De acordo com Gérard Béhague (apud SADIE; SAMUEL, 1995, p. 22), são obras da compositora: Sonata - para piano (1931) De mi infância - para piano (1935) Por la senda de Kh’asana - para piano (1935) Altiplano - para uma voz, flauta e piano (1937) Puneñas - para orquestra (1937) Série Infantil - para cordas (1939) Primera série criolla - com textos de M. Silvano de Régoli, para voz e piano (1937 a 40) 2 Acuarelas - para cordas (1940) Segunda serie criolla - para piano (1942) Serie Criolla - para pequena orquestra (1949) Poema Araucano - para soprano e pequena orquestra (1950) Segunda Serie Criolla - para cordas (1950) El llamado de la tierra - para balé, sem indicação de instrumentação (1952) Soneto de la fé em Cristo - para soprano e cordas (1954) Tres prelúdios negros - para piano (1954) Tocuyana - suíte balé para vozes e orquestra (1957) Ahónaya - para balé, sem indicação de instrumentação (1958) Movimiento de percusión - para balé, sem indicação de instrumentação (1960) Tres cantos índios - para voz e piano (1960) Comentarios musicales a 3 poemas de Andrés Eloy Blanco - para piano (1961) Páramo - para balé, sem indicação de instrumentação (1961) Simiente - cantata com texto de J. Liscano, para narrador (a), coral a 4 vozes e orquestra (1964) 5 fulfas sobre melodias folklóricas venezolanas - para voz e piano (1965) Sonata 1965 - para piano (1965) Tres em sonata - para violino, viola e piano (1965) Suite para cravo e clavicordio - para cravo e clavicordio (1967) Berimbao - para 4 tímpanos e fita magnética (1968) Yekuana - cantata-balé com texto de D. Barandiaran, para 8 vozes solistas, orquestra e fita magnética (1971) Argentina hasta la muerte - para narrador (a), orquestra de câmara e 2 fitas magnéticas (1975) 64

Gritos de uma ciudad - para 2 narradores (as), pequena orquestra e fita magnética (1979) Kwaltaya - etnodrama em 3 cenas, para soprano e fita magnética (1982) Constelación Espectral - para orquestra (1982) Padre Libertador - oratório com textos de E. Blanco, A. Baeza Flores e Pablo Neruda, para narrador (a), vozes solistas, coro e fita magnética (1982) Hombre al cosmos (3 encuentros siderales) - para piano e fita magnética (1993)

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Por la senda de Kh’asana – Análise Musical A peça aqui analisada faz parte das composições de juventude de Isabel Aretz. Demonstra a influência do professor Athos Palma, compositor cujo estilo absorveu a estética impressionista francesa, bastante em voga na América Latina na década de 1920. O impressionismo marca também esta composição de Isabel, no sentido do uso do modo pentatônico e da colagem de materiais sem preocupação com a direcionalidade ou coerência. O uso de acordes formados por sobreposição de quartas, quintas e trítonos (4A) também remetem à estética de Debussy, entre outros, e explicam o interesse da compositora em estudar, alguns anos depois, com o brasileiro Villa-Lobos. Por la senda de Kh’asana pode ser dividida em 6 seções: A, B, C, B’, D e A’. O caráter melancólico e o andamento lento de A e A’ se alternam com a leveza, rapidez e uso do registro agudo das seções centrais25. É também nas seções centrais que a compositora emprega o modo pentatônico (aqui chamado MP), em 4 transposições:

MP 1: Do, Mi b, Fá, Sol e Si b MP 2: Si b, Ré b, Mi b, Fá e Lá b MP 3: Si, Ré, Mi, Fá # e Lá MP 4: Do #, Mi, Fá #, Sol # e Si

Seção A Iniciando-se por 2 acordes, sendo um formado pela sobreposição de 6m e 4A e outro por 6m e 4j, a Seção A vai do cp 1 ao 26 com armadura de clave em Lá M/ Fá # m, embora soe totalmente atonal. A métrica varia entre 2/8, 4/8 e 6/8 entre os compassos 1 e 17, variando entre 2/8 e 4/8 entre o cp 18 e o 26. O andamento é lento, com indicação de colcheia = 58.

Figura 54 - acordes iniciais da Seção A, cp 1

Um motivo rítmico e melódico principal m r/m p, apresentado no plano superior, serve de base para esta seção. Apresentado na Introdução de 5 compassos (1 a 5) que abre a peça, o

25 Este contraste de velocidade e caráter entre seções, assim como o uso de modos pentatônicos, lembram gêneros “criollos” como o triste e o yaraví, comuns às regiões altiplânicas da América do Sul onde a música indígena foi pouco aculturada pela europeia devido às próprias dificuldades geográficas de acesso. Para mais informações, vide analise de Yanahuara, de Carlos Sanchez Málaga, em MONTEIRO DA SILVA, 2014, pp. 130 a 134. 66 m r/m p é sincopado e sofrerá variação em relação à duração das figuras, bem como em relação ao registro do piano em que aparece e à terminação.

Figura 55 - m r/m p, cps 2 e 3

Figura 56 - m r/m p variado em relação às durações e alturas, cps 4 e 5

Após a Introdução, a fraseologia encontrada na Seção A baseia-se em períodos de 8 compassos (4+4). A textura desta seção é de melodia acompanhada e as dinâmicas ficam em torno de p e pp.

Figura 57 - Seção A, antecedente do período, cps 6 a 9

Entre o primeiro e o segundo períodos há uma ponte de 4 compassos, entre o cp 14 e o cp 17. Nesta ponte, baseada no m r/m p var, os dois planos ocupam o registro agudo, antecipando o que acontecerá na Seção B.

Figura 58 - Ponte entre os períodos, Seção A, cps 14 a 17

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Encerram a Seção A dois acordes como os da Introdução, no registro grave do cp 26.

Figura 59 - Fim da Seção A, cp 26

Seção B Usando o modo pentatônico 1 (MP 1) no plano superior e atonalismo livre no inferior, a Seção B vai do cp 27 ao 50 podendo ser dividida em 3 pequenas seções b1, b2 e b1’. Todas as pequenas seções têm fraseologia de período (4+4).

Figura 60 - Modo Pentatônico 1 usado na Seção B

A pequena seção b1 vai do cp 27 ao 34 utilizando polimétrica entre 2/16 e 2/8, que podem ser sobrepostas ou justapostas. O andamento é rápido, marcando colcheia = 176.

Figura 61 - Pequena seção b1, antecedente do período, cps 27 a 30

A pequena seção b2 tem o antecedente do período no registro agudo e o consequente no médio. A polimétrica é mantida nesta e na pequena seção b1’. Já a dinâmica varia entre as pequenas seções, começando em mp e crescendo até alcançar o f em b1’. A fim de incrementar este aumento de intensidade esta última emprega oitavas, principalmente no plano inferior. A compositora insere também o Ré b em b1’, integrante do MP 2 que será usado na Seção C. 68

Figura 62 - Pequena seção b1’, antecedente do período, cps 43 a 46

Seção C Esta seção emprega o MP 2, é formada por 2 períodos (4+4), e tem textura contrapontística. Começa no cp 51 e termina no 66. O primeiro período tem métrica variável entre 2/8 e 4/8 (sem sobreposições) e o segundo é regular, marcando 2/8. Mais lírica que a seção anterior, a Seção C tem indicação suave y tranquilo e seu andamento marca colcheia = 144. Funciona como uma espécie de “trio” entre as seções B e B’26.

Figura 63 - Modo Pentatônico 2

Assim como a Seção B, esta seção usa o registro agudo do piano.

Figura 64 - Seção C, antecedente do 1º período, cps 51 a 54

26 Em peças como minueto e scherzo é comum haver uma parte central mais lírica chamada trio. 69

Seção B’ A Seção B’ vai do cp 67 ao 82, inserindo o MP 3 na linha melódica superior. Este é alternado ao MP 1 a cada 2 compassos, podendo o último sofrer variações. Ocupa o registro médio do piano. O andamento é colcheia = 176 e a métrica varia entre 2/16 e 2/8, podendo haver sobreposições.

Figura 65 - Modo Pentatônico 3

A Seção B’ é formada por 2 períodos (4+4), sendo que o primeiro apresenta dinâmica mp e o segundo varia entre f e ff.

Figura 66 - Seção B’, período 1, cps 67 a 74, plano superior

Seção D A última seção antes da Seção A’ emprega o MP 4 nos 2 planos em acordes. Apresenta polimétrica, sobrepondo 2/16 a 2/8 em toda a sua extensão, que vai do cp 83 ao 94. A fraseologia apresenta um período (4+4) seguido de 4 compassos, que emendam numa transição para A’. O andamento marca colcheia = 160.

Figura 67 - Modo Pentatônico 4

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Figura 68 - Seção D, antecedente do período, cps 83 a 86

A transição vai do cp 95 ao 102, indo do registro agudo ao grave do piano. A dinâmica cresce acompanhada do aumento de velocidade até a suspensão por fermata no cp 102, ao que se segue a Seção A’ em andamento lento e dinâmica pp.

Seção A’ A seção de encerramento da peça inicia-se com uma lembrança da ponte de 4 compassos que separou os 2 períodos da Seção A, no registro agudo.

Figura 69 - Seção A’, cps 103 a 106

Após os 4 primeiros compassos, um período (4+4) recorda o m r/m p var, com métrica variável entre 2/8 e 4/8, atonal. As dinâmicas ficam em torno de pp e p.

Figura 70 - Seção A’, antecedente do período final, cps 107 a 110 71

7. Cacilda Borges Barbosa (Brasil, 1914-2010) Nascida no Rio de Janeiro (RJ) em 18 de maio de 1914, Cacilda foi pianista, regente, compositora, e educadora musical. Teve importante atuação na composição de métodos de ensino da música, bem como na criação de obras eruditas e populares. Filha de músicos - sua mãe tocava violino e o pai bandolim e instrumentos de sopro -, ingressou no Instituto Nacional de Música de sua cidade (na época Distrito Federal) em 1928. Lá estudou com Lima Coutinho, Lorenzo Fernandez, Paulo Silva, Francisco Braga, Paulino Chaves e Francisco Mignone. De acordo com Beatriz Balzi (2000, p. 2), estudou posteriormente canto com Maria Figueiró Bezerra e Vera Janacópulos, e instrumentação com Ernst Widmer. Participou dos projetos educacionais de Heitor Villa-Lobos na década de 1930, chegando a dirigir o Serviço de Música do Rio de Janeiro e criar uma orquestra jovem. Regeu diversos grupos corais e instrumentais, dirigindo 40.000 vozes de alunos da rede pública escolar na Semana da Pátria de 1971. Foi maestrina da orquestra da Rádio Mayrink Veiga. Criou a metodologia de ritmoplastia de danças brasileiras do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, bem como viajou aos EUA, Europa e Ásia em busca de novos métodos de ensino musical. Leandro Benites de Barros (2008, p. 2) afirma que “em geral o estilo das obras de Cacilda Borges Barbosa tem as peculiaridades da tradição carioca, com larga utilização do contraponto, e presença da melódica do chorinho”. Sobre seus estudos para piano, Barros aponta que são dos únicos “de autor brasileiro que sistematizam o aprendizado do piano através de uma série de peças progressivas” (Ibid.). Foi das primeiras professoras de composição no país, e das pioneiras no uso da eletrônica em composição, utilizando fitas magnéticas (ANTONIO, apud SADIE; SAMUEL 1995, p. 35). Faleceu em 6 de agosto de 2010.

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De acordo com Nilceia Baroncelli (1987, p. 28), são obras da compositora: Estudos Brasileiros para canto vol. I e II - para canto (1950) Seis Estudos Brasileiros para piano - para piano (1950) Uirapiranga, balé - para orquestra (1955) Concerto para trombone e piano - para trombone e piano (1959) Lamentações onomatopaicas - para canto (1966) Solo - para flauta doce e piano (1967) Segunda Missa Brasileira - sem indicação de instrumentação (1968) Cota Zero - para coral, percussão, flauta doce, vibrafone e contrabaixo (1969) Missa em Fugas - sem indicação de instrumentação (1971) Chilbraseando - para 20 instrumentos de percussão (1973) Trio para trombones - para trombones (1973) Tríptico, fuga a 4 vozes - para órgão (1978) Diorama 1 a 6, estudos baseados na rítmica brasileira - para piano (1988) Pé de Vento - para coral (s.d.) Procissão da Chuva - com texto de Wilson Rodrigues, para coro (s.d.) Eu vou para Itaparica - para coro (s.d.)

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Estudos Brasileiros n° 1 – Análise musical Composto em meados de 1950 e editado em 1965, pela Ricordi Brasileira, faz parte de uma série de estudos realizados pela compositora com finalidade didática, para trabalhar a condução de vozes em contraponto, a polirritmia e os processos de modulação. Entretanto, o aspecto melódico e expressivo se faz notar como característico desta musicista, que também compôs canções de cunho popular. Com grande domínio das técnicas da composição, como demonstra esta peça polifônica, Cacilda Barbosa criou um estudo sério e bem elaborado sem que, com isso, se tornasse tedioso praticá-lo. Pelo contrário, é uma peça que agrada à primeira audição, além de divulgar os aspectos típicos da música brasileira, como o ritmo do tango-choro. A década de 1950 marcou a querela entre aquelas (es) que defendiam a música dodecafônica e as (os) nacionalistas, sendo a primeira vertente difundida pelo maestro e compositor Hans-Joachim Koellreutter e a segunda por Camargo Guarnieri. Cacilda claramente abraçou esta última, que também utilizava o contraponto em grande medida. A peça Estudos Brasileiros nº 1 pode ser dividida em 3 partes, A, B, A’. O que diferencia estas seções é a textura de melodia acompanhada, embora com acompanhamento contrapontístico, da Seção A, enquanto a Seção B é polifônica a 3 vozes. A métrica é regular, em 4/4.

Seção A A seção A vai do cp 1 ao 16, apresentando 2 temas. O Tema 1 apresenta fraseologia em forma de sentença (4 + 4), é anacrúsico e vai da tônica da tonalidade, Lá m, à sua D Mi M.

Figura 71 - Seção A, Tema 1, cps 1 e 2.

Uma ponte de 2 compassos e meio (9 a 11) leva ao Tema 2, passando pelo círculo de 5ªs. A compositora cria uma polirritmia entre os planos no cp 10 da ponte, que será repetida no Tema 2 (segunda metade do cp 13 e cp 14) e na transição para a Seção B (cps 15 e 16). 74

Figura 72 - Ponte para Tema 2, cps 9 a 11.

O Tema 2 vai da segunda metade do cp 11 à primeira do cp 15. Este tema inicia-se na região de Sol m (ss) e termina na D desta, Ré M.

Figura 73 - Tema 2 da Seção A, cps 11 a 13.

A partir da segunda metade do cp 15 uma transição modulante leva à Seção B, em Si m (Sr de Lá m). No contexto da região de Sol m, Si m é Ta.

Figura 74 - Transição para Seção B, cps 15 e 16.

A seção B (cp 17 a 28), na região de Si m, apresenta um Tema 3 tético, em forma de período, com 8 compassos (4 + 4), e sua transposição, aqui chamada Tema 3’. O Tema 3 inicia- se com uma melodia no registro médio grave com acompanhamento contrapontístico no plano 75 superior, invertendo a textura do Tema 1 da Seção A. Porém, Cacilda elabora e dá mais independência às vozes, formando uma polifonia que se desprende da textura de melodia acompanhada do Tema 1. A polirritmia entre os planos, exemplificada na ponte entre os Temas 1 e 2 e na transição para a Seção B, também é incrementada no Tema 3.

Figura 75 - Tema 3, melodia no plano inferior, cp 17.

O Tema 3’ transpõe o antecedente do Tema 3 para Mi m (s) entre os compassos 25 e 28.

Figura 76 - Seção B, Tema 3’, cps 25 e 26.

A partir do cp 29 uma transposição do Tema 1 para Si m prepara a Seção A’, com o Tema 1 na tonalidade de Lá m. O Tema 2 não é reexposto na Seção A’, que vai do cp 35 ao 42.

Figura 77 - Transposição do Tema 1 prepara Seção A’, cps 29 e 30.

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8. Eunice Katunda (Brasil, 1915-1990) Eunice do Monte Lima Catunda nasceu em 14 de março de 1915, no Rio de Janeiro. Filha da pintora Grauben e de Rubens do Monte Lima, iniciou seus estudos de piano aos cinco anos, estreou como concertista aos doze e solou com orquestra aos dezessete. Sua habilidade ao instrumento impressionou o professor Oscar Guanabarino, que a tinha como uma das alunas preferidas. Tornou-se grande intérprete das composições de Heitor Villa-Lobos, a quem divulgou dentro e fora do Brasil. Estrear peças inéditas ao piano foi uma das grandes contribuições da artista, além de suas próprias criações. Eunice mudou-se para São Paulo após casar-se em 1934 com o matemático Omar Catunda. É dele o sobrenome que viria a adotar no meio musical, trocando o C por K por ocasião do divórcio, na década de 1960. Antes disso, abraça a composição na década de 1940, estimulada por Mozart Camargo Guarnieri. A causa nacionalista é uma das tantas que conquistarão a compositora, radical e intensa em tudo o que se embrenhava. Uma de suas maiores militâncias se deu em relação à música contemporânea, na segunda metade da década de 1940. Esta se deveu ao encontro, em 1946, com o músico alemão Hans Joachim Koellreutter, no Rio de Janeiro. Por intermédio de Koellreutter, passa a integrar o grupo Música Viva, por ele criado a exemplo do grupo alemão de mesmo nome. O grupo brasileiro, que contava com músicos como Claudio Santoro, Edino Krieger, Cesar Guerra-Peixe e o próprio Koellreutter, tinha por princípio divulgar músicas pouco conhecidas e, principalmente, dodecafônicas, utilizando mídias como o rádio e periódicos. A militância dos membros do Música Viva viria a causar uma grande polêmica com os adeptos do nacionalismo, na década de 1950. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da Guerra Fria entre EUA e URSS, artistas da América Latina se dividiram entre tendências alinhadas com uma ou com outra potencia. Eunice Katunda, Claudio Santoro e outros compositores se filiaram ao Partido Comunista, o que representou uma mudança de posicionamento estético, de volta ao uso de material folclórico nacional como elemento composicional. Eunice viaja à Bahia para recolher cantos e danças regionais em terreiros de Candomblé. Porém, assim como seus colegas de grupo Música Viva, a compositora não se contentará em restringir suas criações e segue usando técnicas da música atonal e do estilo impressionista, como uso de escalas simétricas, polimodalismo, colagem e sobreposição de camadas texturais. Esta seria a marca de suas composições, que sintetizam elementos de procedência diversa, sempre bastante elaborados27.

27 O nome de Eunice Katunda é um dos poucos a figurar em publicações internacionais, como Enzyklopäedie der Modern Musik, The Musical Larousse e International who is who of music (apud KATER, 2001, p. 11), New Music at Darmstadt, e Le Musiche degli anni cinquenta. A compositora também foi tema de programas de rádio como o Le Grand Caleidophone, na França, em 2015, e de várias pesquisas acadêmicas, como Louvação a Eunice: um estudo de análise da obra para piano de Eunice Katunda, de Iracele Lívero, Análise comparativa das peças Sonatina (1946) e Sonata de Louvação (1958) de Eunice Katunda, de Tânia Neiva e Katunda, Barbosa e Resende: compositoras brasileiras acima de qualquer suspeita, da autora deste texto. Sem falar no livro Eunice Katunda, musicista brasileira, de Carlos Kater. Todas as referencias constam da bibliografia. 77

De acordo com catálogo publicado por Carlos Kater (2001, pp. 85 a 113), são obras da compositora28,29: Variações sobre um tema popular (ou 13 variações) – para piano (1943) Lamento Arabo – para contralto e cordas (1944) Negrinho do Pastoreio – para solistas (soprano, mezzo e contralto) e coro feminino a capela ou acompanhado de flauta, violão e percussão (matraca, triângulo, reco-reco, tímpanos). (1946, cópia definitiva 1979) Cantos à Morte (ou Quatro Cantos à Morte) – para piccolo, flauta, oboé, corne inglês, 2 clarinetas, 2 fagotes, contrafagote, 2 trompetes, 4 trompas, 3 trombones, piano, cordas (1946) Sonatina (ou Sonatina 1965) – para piano (1946) Salmo 82 – para vozes masculinas, 2 fagotes e percussão ou para barítono e mezzo-soprano, coro de sopranos, 2 pistons, 2 fagotes, contrafagote e percussão (caixa e tímpanos). (1947) Quatro Epígrafes (ou Quatro Epigramas) – para piano (1948) Lirici Greci (ou Três Líricas Gregas) – para 2 sopranos, 2 contraltos, flauta, harpa, 2 violinos, viola, violoncelo, vibrafone e tam-tam (1949) Quinteto Schoenberg (ou Ommagio a Schoenberg) – para clarineta-baixo, viola, violoncelo e piano (1949) Pacto de Paz (ou A Paz Mundial, ou Apelo de Estocolmo) – para 5 solistas (vozes mistas), coro misto, piccolo, flauta, 2 fagotes, violão, 2 violas e percussão (chocalho, triângulo, pratos, caixa- clara, surdo, tímpanos). (1951) Estudos Folclóricos (ou Dois Estudos Folclóricos); Canto Praiano e Canto de Reis – para piano (1952) Lundu da Menina – para voz, flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), 3 trompetes, 2 trombones, cordas e percussão (1955) Toada do Amor Caboclo – provavelmente para voz, flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), 3 trompetes, 2 trombones, cordas e percussão (1955) Moda do Corajoso – provavelmente para voz, flauta, oboé, saxofones, piano e cordas (1955) A Negrinha e Iemanjá – para solistas (mezzo e tenor), flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), 3 trompetes, 2 trombones, piano, cordas e percussão (1955) Seresta para 4 saxofones (1955) Concerto para piano e orquestra (ou Impressões de Candomblé) - provavelmente para piano, flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), 3 trompetes, 2 trombones, cordas e percussão (1955)

28 Dados na Bibliografia. 29 As datas referem-se à composição das obras. Não foram citadas transcrições ou arranjos feitos por Eunice sobre obras de outros compositores. As obras que se apresentam em forma de ciclos têm seus títulos seguidos de ponto e vírgula, aos quais se seguem os nomes das peças compreendidas, separados por vírgulas. 78

Alma Brasileira - para flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), 3 trompetes, 2 trombones, piano, cordas e percussão (1955) Três Pontos de Santo; Chariô, Aruanda e Estrala Brilhante – para 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), 3 trompetes, 2 trombones, piano, cordas e percussão (1955) Benditos da Mariquinha - para flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), piano, cordas e percussão (1955-56) Lamento do Cativeiro - para voz, flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), piano, cordas e percussão (1955-56) La Pañaderita – para coro misto (1955-56) Reisado – para coro misto (1955-56) Aboio – para quinteto vocal (1955-56) Murucututú - para quinteto vocal (1955-56) Moçambiqueiros - provavelmente para flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), 3 trompetes, 2 trombones, piano, cordas e percussão (1955) Concerto Negro; Moçambiqueiros, Impressões de Candomblé e Água de Oxalá - para flauta, oboé, 5 saxofones (2 altos, 2 tenores, barítono), 3 trompetes, 2 trombones, piano, cordas e percussão (1955-56) Dois Poemas Baianos – para coro misto (1956) Canções de Belisa – para voz feminina solista, coro, flauta e percussão Estro Africano nº1 (ou Duas Cantigas das Águas); Louvor de Oxum e Louvor de Yemanjá – para canto e piano (1957) Estro Africano nº2 (ou Águas de Oxalá) – para canto (barítono, baixo ou contralto), piano e atabaque (1956-57) Momento de Lorca – para piano (1957) Duas Devoções Nordestinas; Bom Jesus do Calvário e Encomenda de Almas – para canto e piano (1957) Trovador Obstinado – para piano (1958) Impressões de Candomblé – para 2 pianos e atabaque (1958) Quatro Momentos de Rilke; Alguém Chora no Mundo, Alguém Ri no Mundo, Alguém Caminha no Mundo e Alguém Morre no Mundo – para piano (1958) Seresta do Maior Amor – para canto e piano (1958) Sonata de Louvação; Dos Bardos do meu Sertão e De Acalantos e Noites – para piano (1958) Brasília (ou Cantata Brasília) – para tenor solista, coro misto, flautas, oboés, corne inglês, clarinetas, clarone, fagotes, contra-fagote, trompas, trompetes, trombones, tuba, celesta, violinos, violas, violoncelos, contrabaixos e percussão. (1960) 79

A Moça Fantasma – para oscilador de frequência, cristais, citara, violão, piano, percussão e fita magnética (1960, revisada em 1971) Duas Líricas Gregas; Aóion (ou Prenúncio do Sol) e Pois que tão Raramente (ou A Flauta) – para canto e piano (1961) Canções à maneira de época; Assim como as Folhas, O mais que perfeito, Anunciação, O Anjo das Pernas Tortas, Não Comerei, O Espectro da Rosa, Ser Subjetivo, Refrão de Infância e Teu Nome – para canto e piano (1963) Estro Romântico; Consciência de ser, O Sono da Amada, Rosa dos Quatro Espinhos e Dialética – para canto e piano (1963) Suite Nazareth; Preludio, Valsa, Chorinho e Velha Seresta – para violão (1963) Cantiga de Cego – Para viola e piano (1964) Seis Líricas Gregas; Voce di Bauci (Canto Fúnebre), Al Amico di um Tempo, Lo Stellato, E il Sonno, La Stella Matutina e Il Mito di Ariane di Metinna – para solistas (vozes mistas), coro misto, clarineta, piano, viola e percussão (pratos, glockenspiel, vibrafone, celesta, tímpanos). Afora a primeira, as demais líricas são para vozes e percussão (1964) Duas Serestas – para piano (1965) Seresta Piracicaba – para piano (1965) Cantata do Soldado Morto (ou Canto do Soldado Morto) – para solistas (mezzo, tenor e barítono), coro misto, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 2 trompetes, 1 trombone, piano, cordas e percussão (pratos, caixa-clara, 2 tímpanos). (1966) Oratório à Santa Cecília (ou Cantata Cecília) – para solistas, coro e orquestra (1966) A Blindman’s Song – para violino e piano (1967) Líricas Brasileiras – para canto e piano (1955) Seresta em Lá – para piano (1967) Cinco Serestas – para piano (1967) Due Lirici di Ungaretti – para canto e piano (1967) Três Momentos em New York; Evocação de Jazz, Branca de Neve Invernal e Velha Modinha – para piano (1969) O Filho do Homem – para 3 vozes mistas (1971) Seresta à Música (ou Ode à Cecília) – para coro misto (1966-72) Quatro Incelenças (ou Quatro Cantigas de Velório); Incelenças dos Cravos e Rosas, Incelenças do Anjo-Serafim, Incelenças do Anjo do Céu e Incelenças das Ave-Marias – para canto e piano (1972) Trenodia al Poeta Morto; Sono uma Creatura e Non Gridate Piu – para sexteto vocal, com transcrição para quinteto vocal e redução para piano feitas pela compositora (1972) 80

Sete Líricas Brasileiras (reunião das peças Líricas Brasileiras, Seresta do Maior Amor e Quatro Incelenças em formato de um novo ciclo) – para canto e piano (1972) Prelúdio para Violão - para violão (1972) Duas Serestas – para violão (1972) Cantos de Macunaíma; Muiraquitã – para soprano e quinteto de sopros (1972) Prelúdio nº 1 – para violão (1973) Cânticos de Macunaíma (ou Cantos de Macunaíma); Muiraquitã-Tembetá e Tristezas de Macunaíma – para quinteto vocal e percussão (caxixi, caracaxá) (1973). Posteriormente a compositora fez uma redução da primeira parte da obra para piano (1983) Música de Casamento – para 2 sopranos e barítono, 2 flautas, craviola, órgão, triângulo e adufe (1975) Salmo Verde; A Terra, Os Colonos e O Trabalho – para solistas (soprano, tenor e baixo), coro misto, flauta, 2 fagotes, quarteto de cordas e percussão (caxixi, reco-reco, triângulo, campainhas, pandeiro e campana em Mi). (1976) Ode aos Marinheiros (ou Ode aos marítimos, ou Cantata dos marinheiros) – para solistas (tenor, barítono e baixo), coro misto, piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 3 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, harpa, piano, cordas e percussão (chocalhos, caxixi, reco-reco, agogô, matraca, pratos, gongo, caixa-clara e tímpanos). (1976) Poemas para Carla (ou Prelúdios para Carla) – para piano (1977) Três Peças para dois Pianos e Percussão; As Icamiabas, Oxalufã e Deuses Antigos - para 2 pianos e percussão (1979) Expressão Anímica – para piano (1979) La Dame et la Licorne, Petite Suíte; La Dame et sa Servante, Les Lievres, La Licorne, Les Etendards Lunaires, Les Fruits et les Joyaux e Le Lion – para piano (1982) 81

Sonatina, ou Sonatina 1965 (1946) – Análise musical Embora tenha sido chamada de Sonatina 1965 num segundo momento, Eunice Katunda concebeu sua sonatina em 1946. A nova data surgiu 19 anos depois, quando a compositora realizou algumas modificações para que a obra fosse apresentada por seu aluno Marco Antônio Abussamara em viagem de concertos ao Canadá74. Esta obra contém três movimentos, sendo que o primeiro inclui uma Introdução na qual a compositora apresenta o material usado em toda a obra. Quase totalmente contrapontística, somente no segundo movimento esta sonatina utiliza textura de melodia acompanhada por baixo e acordes. O terceiro movimento assume a forma de fuga, preparada no movimento inicial. É uma obra atonal livre.

1º movimento: O primeiro movimento desta Sonatina conserva a forma clássica tripartida (A B A’) e bitemática. Como foi dito anteriormente, inicia-se com uma Introdução de 12 compassos que apresenta os motivos principais da obra. A indicação de caráter da Introdução é Calmo, deciso e o andamento marca semínima em 76. A métrica é ternária. O motivo rítmico e melódico inicial m r/m 1 aparece na voz superior (soprano) dos compassos 1 e 2 e é repetido, e/ou variado, nas demais vozes ao longo da Introdução. Os intervalos principais são 2m, 2M (e suas inversões) e 4j ou 4A. A 3m aparece para finalizar os motivos (vide Tema 1 da Seção A).

Figura 78 - m r/m 1, cp 1-2, sp

Figura 79 - m r/m 1, cp 3-4, tn.

Embora adote o atonalismo livre, Eunice usa procedimentos do serialismo, como a distribuição dos intervalos principais no sentido horizontal e vertical.

74 Cf.: KATER, 2001, p. 89. 82

Figura 80 – Introdução, cps 1 e 2.

O segundo motivo m r/m2 aparece na voz superior do compasso 4 e amplia a ideia de arco descendente e ascendente do primeiro motivo. Introduz valores de menor duração, como as semicolcheias, dando mais movimento e um caráter mais leve que o m r/m 1.

Figura 81 - m r/m 2, cp 4, sp.

Assim como o motivo inicial, o m r/m 2 aparece variado e/ou transposto nos compassos que se seguem.

Figura 82 - m r/m 2, cp 8, sp.

Na transição para a Seção A, o m r/m 1 aparece com valores inteiros (colcheias) e arco invertido (ascendente e descendente). O intervalo central vai sendo aumentado, para gerar expectativa e tensão. A contração da métrica de 3/4 para 2/4 potencializa este procedimento.

Figura 83 – m r/m 1 sendo transfigurado para gerar tensão na transição para a Seção A, cps 10 a 12.

No plano inferior da transição, o mesmo m r/m 1 é variado de forma a oferecer um contraponto à linha superior. Volta a adotar figuras pontuadas seguidas de outras de menor valor e o arco descendente e ascendente do início. Imita o procedimento da voz superior em relação ao aumento intervalar, colaborando também para gerar o clima de suspense do trecho. Este perfil aparecerá no plano superior da retransição para a Seção A’ do 1º movimento. 83

Figura 84 – Contraponto criado pela variação do m r/m 1 no plano inferior da transição para a Seção A, cps 10 a 12.

A dinâmica da Introdução varia entre f e ff, dando um caráter majestoso ao início desta sonatina. A compositora varia o timbre pela articulação, ora indicando um toque metálico, ora martelato. A entrada da Seção A é preparada por um rallentando nos compassos 11 e 12.

Seção A Com indicação de caráter Animato e andamento mais movido que a Introdução (semínima = 116), a Seção A apresenta dois temas contrastantes, tradicionais na forma sonata clássica. Precedido por um motivo de preparação em semicolcheias ininterruptas (aqui chamado de m r/m p 1), o Tema 1 ocupa três compassos e usa os intervalos do m r/m 1 da Introdução: 2m, 2M, 4j e 4A. Assim como na Introdução, o intervalo de 3m é usado para finalizar. O tema é apresentado sem acompanhamento, como ocorre ao sujeito de uma fuga barroca.

Figura 85 – m r/m p 1 seguido de Tema 1, cps 13 a 16, sp.

A mesma linha melódica é apresentada oitava abaixo após 4 compassos do início do tema, caracterizando um contraponto a duas vozes.

Figura 86 –Preparação e reapresentação da linha melódica do Tema 1 no plano inferior, cps 17 a 20.

84

Ao mesmo tempo, no plano superior, uma espécie de contra-sujeito (ainda aludindo à fuga barroca) leva a linha melódica para o registro agudo, iniciando uma ponte em duas partes para o Tema 2.

Figura 87 – Espécie de contra-sujeito leva a linha melódica superior ao registro agudo, cps 17 a 20.

A primeira parte da ponte apresenta textura de melodia acompanhada. Enquanto a melodia superior apresenta melodia descendente, o baixo é formado por nota pedal (Do# 3) seguida de saltos em direção ao registro médio. A métrica é variável entre 2/4 e 3/4.

Figura 88 – Primeira parte da ponte para Tema 2, cps 20 e 21.

A segunda parte varia o m r/m p 1, associando-o à ideia de arco descendente e ascendente do m r/m 1. Este m r/m p 1 variado é apresentado nos dois planos em contraponto, em progressão ascendente e compasso binário.

. Figura 89 – Segunda parte da ponte para Tema 2, cps 24 a 26.

O Tema 2 remete-se ao m r/m 2 da Introdução, ao qual é aplicada a textura de melodia acompanhada apresentada na primeira parte da ponte (vide Fig. 38). Assim como o Tema 1, este tema surge precedido por um motivo preparatório em figuras ininterruptas, o m r/m p 2, só que em colcheias e em ambos os planos. A ideia do arco descendente e ascendente permanece no plano superior do Tema 2. A métrica varia entre 2/4 e 3/4, como a primeira parte da ponte.

85

Figura 90 – m r/m p 2 e Tema 2, cps 27 a 29.

A Coda da Exposição, ou Seção A, inicia-se no compasso 36 com o Tema 1 no plano inferior e o m r/m p 1 sendo repetido no plano superior. Após dois compassos os planos se invertem.

Figura 91 – Coda da Seção A, cps 36 a 39.

Uma extensão de dois compassos encerra a Seção A com o silenciamento de uma das vozes em contraponto. A seção termina em monodia como no início, porém, no plano inferior e no registro grave.

Figura 92 – Compassos finais da Seção A.

Seção B A seção de desenvolvimento (ou elaboração) inicia-se com uma forma-motivo rítmica e melódica derivada da colagem entre o primeiro e o último compassos do Tema 1. Esta forma- motivo fm r/m 1 é mostrada nos dois planos em cânone, à distância de um compasso e com intervalo de 4A entre elas (sem contar a oitava). 86

Figura 93 – Tema 1 com enfoque nos compassos externos que formarão a fm r/m 1.

Figura 94 – Início da Seção B mostrando a fm r/m 1 nos dois planos, cps 42 a 44.

Outras formas-motivo são criadas a partir do Tema 1, como a que utiliza o m r/m p 1 e o compasso inicial do tema:

Figura 95 – fm r/m 2, cps 47 e 48.

O mesmo se dá com o Tema 2, restrito ao m r/m p 2 seguido do compasso inicial. Esta forma-motivo é apresentada em progressão ascendente na figura que se segue:

Figura 96 – fm r/m 3, cps 51 e 52; 53 e54.

A partir do compasso 71 uma retransição de 4 compassos leva à Seção A’, ou reexposição. A compositora usa como material a linha do baixo da transição para a Seção A, no plano superior, em contraponto com o Tema 1 no plano inferior.

87

Figura 97 – Retransição para A’, cps 71 a 74.

Seção A’ A reexposição é literal. Uma codeta de 2 compassos encerra o 1º movimento em dinâmica ff utilizando os registros extremos do piano. 2º movimento: Além da forma A, A’, B A’’, o 2º movimento difere dos demais (tripartidos) pelo uso da textura de melodia acompanhada. Na Seção A o acompanhamento é feito por baixos sustentados e acordes, enquanto nas Seções B e A’ o mesmo é feito por arpejos. O material deriva dos motivos da Introdução apresentada no movimento inicial: intervalos de 2M, 2m, 4j e 4A, assim como certos ritmos formados por colcheias e semicolcheias. A métrica mescla as duas usadas no 1º movimento, binária e ternária, no uso do binário composto. A indicação de andamento e caráter é Andante – Calmo, marcando colcheia em 80. As dinâmicas ficam em torno de p, pp e ppp, somente marcando f no compasso 7. A articulação é molto cantábile.

Seção A Em termos de fraseologia, a Seção A apresenta uma sentença formada por 2 períodos de 8 compassos cada (4+4). A frase inicial do Período 1 lembra o m r/m 1 da Introdução nos compassos 1 e 2 pelo uso de figuras de maior valor (semínimas e colcheias) e dos intervalos citados, enquanto a frase subsequente (compassos 3 e 4) lembra o m r/m 2 pelo ritmo formado por colcheias e semicolcheias. O mesmo padrão é mantido no Período 2 da sentença, que vai do cp 1 ao 1675.

Figura 98 – Período 1, frase 1, cps 1 e 2, plano superior.

75 Foi observado um erro na partitura manuscrita pela omissão de uma barra de compasso dividindo o compasso 11 em dois. Neste trabalho assume-se que o mesmo equivale aos compassos 11 e 12. 88

Figura 99 – m r/m 1, Introdução do 1º movimento, cps 1 e 2, sp.

Figura 100 – Período 2, frase 2, cp 3, plano superior.

Figura 101 – m r/m 2, Introdução do 1º movimento, cp 4, sp.

Um levare no compasso 17 cria suspensão devido ao uso de fermata e respiração nos dois planos, preparando a Seção A’.

Seção A’ A partir do cp 18 inicia-se a Seção A’, constituída por uma sentença de 8 compassos baseada na frase inicial deste 2º movimento. O m r/m 2 não é lembrado nesta seção, que utiliza somente semínimas (simples ou pontuadas) e colcheias. Eunice lembra a verticalização dos intervalos apresentada na Introdução no plano superior da Seção A’. Este procedimento será lembrado também nos compassos finais do 2º movimento.

Figura 102 – Seção A’, cps 18 e 19, plano superior.

A partir do compasso 26 inicia-se uma transição para a Seção B, de 3 compassos. Esta transição anuncia a mudança da melodia para o plano inferior, bem como a do acompanhamento para arpejos em vez de acordes. Os arpejos mantêm os intervalos de 2M, 2m, 4j e 4A.

89

Figura 103 – Transição para Seção B, cps 26 a 28

Seção B Esta seção vai do compasso 29 ao 38. Diferencia-se das demais pela melodia no plano inferior, pelo uso de arpejos como acompanhamento no registro agudo e pelas frases assimétricas que não constituem sentenças ou períodos. Assemelha-se a um grande recitativo, embora conserve as ideias melódicas apresentadas na Seção A e variadas na A’.

Figura 104 – Seção B, cps 29 a 32.

Seção A’’ Introduzida por uma retransição de 3 compassos, a Seção A’’ é um período de 8 compassos (4+4) como a Seção A’. Difere por usar os arpejos da Seção B no plano inferior como acompanhamento, embora em colcheias em vez de semicolcheias.

Figura 105 – Seção A’’, cps 42 a 44.

90

Como foi dito anteriormente, os compassos finais recordam a verticalização dos intervalos apresentada nos primeiros compassos da Introdução (1º movimento), reforçando a coerência entre os movimentos da Sonatina.

Figura 106 – Seção A’’, cps 47 e 48, plano superior

3º movimento: O terceiro movimento da Sonatina tem a forma de fuga, introduzida no movimento inicial pelo uso de cânones entre as diversas vozes em contraponto. Nesta fuga a 3 vozes, o sujeito aparece no registro agudo iniciando-se na nota Do#, evocando o Tema 2 do 1º movimento preparado pelo m r/m p 2, em colcheias. A diferença daquele é que aqui o motivo preparatório é formado por notas repetidas.

Figura 107 – Sujeito da fuga, cps 1 a 3.

A resposta inicia-se na nota Si b à distância de dois compassos, no registro médio-grave.

Figura 108 – 3º movimento, cps 3 a 5.

A terceira aparição do sujeito se dá no cp 6, a partir da nota Si. É acompanhado por motivo em saltos no plano inferior, que lembra a segunda parte da ponte para o Tema 2, do 1º movimento.

91

Figura 109 – Terceira apresentação do sujeito, cps 6 e 7.

Ao mesmo tempo Eunice introduz a terceira voz deste movimento, como um contra- sujeito na voz mezzo-soprano.

Figura 110 – Terceira voz introduzida no cp 6.

As três vozes são apresentadas na Seção A deste movimento. No compasso 16 tem início um episódio baseado no m r/m 1 da Introdução do 1º movimento. O episódio é preparado por dois compassos em homofonia.

Figura 111 – Homofonia de acordes prepara episódio na Seção A, cps 14 e 15.

Figura 112 – m r/m 1 é lembrado no plano superior do episódio, cps 16 e 17.

92

Este motivo da Introdução é justaposto ao sujeito da fuga na transição para a Seção B do 3º movimento, no plano inferior.

Figura 113 – Transição para a Seção B mostra m r/m 1 e sujeito da fuga no plano inferior, cps 21 a 24.

Seção B No compasso 29 inicia-se a Seção B do 3º movimento, mostrando o sujeito a partir da nota Ré do registro médio. A resposta surge uma 4j acima à maneira de stretto, antes do sujeito ser totalmente apresentado.

Figura 114 – Seção B, cps 29 a 31.

Sujeito e motivo do episódio são elaborados nesta seção, cujo ponto culminante ocorre nos compassos 47 e 48. Neste trecho o sujeito é mostrado nas duas vozes agudas em homofonia, com intervalo de 7m (ou 15m, levando-se em consideração a oitava). A dinâmica é fff e a articulação indicada é martelato.

Figura 115 – Ponto culminante do 3º movimento, cps 47 e 48.

Há um corte abrupto no compasso 51, após o qual a Seção A’ reexpõe as três entradas do sujeito no clima inicial do movimento. É uma reexposição concisa, que termina lembrando a transição para a Seção B: sobrepondo m r/m 1 e sujeito, ambos nas notas originais. 93

Figura 116 – Seção A’, cps 61 e 62.

94

9. Esther Scliar (Brasil, 1926-1978) Natural de (RS), Esther morou em Rivera, Uruguai, nos primeiros anos de vida. De acordo com Maria Aparecida Gomes Machado (2002, p. 17) estudou em Livramento devido à deportação da mãe por motivos políticos. A mãe termina abandonando a família quando a compositora tinha 5 anos. O pai, por sua vez, entrega as duas filhas para os tios paternos, intelectuais e amantes de música. Residem em , RS, onde Esther estuda piano com Eva Kruter Kotlhar. Em 1938 o pai de Esther se casa novamente e vai com as filhas para Porto Alegre. Nesta cidade diploma-se em piano no Instituto Belas Artes, ingressando no curso de composição em 1946. Em 48 muda-se para o Rio de Janeiro, onde estuda harmonia, contraponto e composição com Hans-Joachim Koellreutter. Passa a integrar o Grupo Música Viva. Viajou à Europa para curso de regência com Herman Scherchen e frequentou cursos e congressos de música dodecafônica. De volta ao Rio retoma as aulas de composição com Koellreutter e estuda piano com Eunice Katunda e Josá Kliass. Estudou também composição com Claudio Santoro e Edino Krieger. Em 1950 Esther faz a primeira tentativa de suicídio. Vive um momento de “angústia pela incerteza do futuro diante da impossibilidade de seguir a carreira de concertista” (MACHADO, Op. Cit., p. 19). Passa a residir com a irmã em Porto Alegre e se torna pianista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), além de lecionar piano, teoria musical e harmonia. Filia-se à Juventude Comunista do PCB. Com Madeleine Ruffier transforma o Coro da Associação Juvenil Musical de Porto Alegre, do qual foi fundadora, no Coral de Câmara da Faculdade de Filosofia da URGS. Compõe várias obras para conjuntos vocais. Retorna ao Rio de Janeiro em 1956, onde viverá até seu falecimento. A convite de Geni Marcondes leciona na Escola da Associação dos Servidores Públicos do RJ. Teve importante atuação no campo didático, lecionando, entre outros, no Instituto Villa-Lobos e na Pró-Arte do Rio. Sua obra é diversificada, abarcando desde trilhas de filmes até peças para instrumentos solistas, coro infantil e adulto, orquestra e quarteto. Orquestrou, entre outras, a Marcha dos Deputados de Geni Marcondes para o documentário Revolução na América do Sul, de Augusto Boal. Em 1966 foi premiada na II Semana do Cinema Brasileiro, em Brasília, pela trilha sonora do filme A Derrota, de Mario Fiorani. Sofre um derrame em 1968, desenvolvendo uma hipocondria obsessiva. É demitida do Instituto Villa-Lobos pelo decreto AI-5. Ainda assim, segue compondo obras vocais sobre textos de autores como Giuseppe Ungaretti, José Carlos Capinam, Cecilia Meireles e Carlos Drummond de Andrade. Em 1975 integra o corpo docente da Escola de Música Villa-Lobos a convite de Aylton Escobar. Participa da II Bienal de Música Brasileira Contemporânea em 1977 e ministra aulas no 7º Curso Latino-americano de Música Contemporânea, em São João Del Rey, MG. Seu “temperamento minucioso e autocrítica exacerbada” refletem-se no rigoroso uso das formas tradicionais (HOLANDA; GERLING 2005, p. 854). Grande parte de sua obra foi publicada após a morte por suicídio, aos 51 anos. 95

De acordo com Maria Aparecida Machado (Op. Cit., p. 27 a 35), são obras de Esther Scliar: Ao sair da lua - para 3 vozes (1950) A pedrinha vai - para sp, ct, tn e bx (1952) Beira Mar - para sp, ct, tn e bx (1953) Maracatu Elefante - para sp, ct, tn e bx (1953) Vira a Moenda - para sp, ct, tn e bx (1953) Dorme-Dorme - para sp, ct, tn e bx (1953) Papagaio louro - para sp, flauta e piano (texto de Geni Marcondes, 1953) Flor da Noite - para ct, tn e piano (texto de Geni Marcondes, 1953) Acalanto - para sp, piano e glockenspiegel (texto de Geni Marcondes, 1953) Oração à manhã - para coro, metais, harpa e percussão (texto de Geni Marcondes, 1953) Por sete mares - para ct, flauta, saxofone, harpa e piano (texto de Geni Marcondes, 1953) Uma, duas angolinhas - para vozes, flauta, clarinete e fagote (1953) Toada de Nanã - Vozes, flauta block, flauta transversal, violino, violoncelo, piano, xilofone baixo, metalofone, glockenspiegel e percussão (1953) No Parque: 1. A gangorra; 2. Carrossel; 3. Amarelinha - para coro infantil a 2 vozes (1953) Bumba meu Boi - para 3 flautas block sp, piano, glockenspiegel sp e ct, xilofone ct e bx, metalofone ct, e percussão (1953) Romeiro de São Francisco - para sp, ct, tn e bx (1953) Si quizieras que cantemos - para sp, ct, tn e bx (1953) La Virgen de las Mercedes - para sp, ct, tn e bx (1953) A Esquila - para voz e piano (texto de Laci Osório, 1954) Novos Cantares - para voz e piano (texto de Federico Garcia Lorca, 1954) Boiadeiro - para voz e piano (sobre toada de boiadeiro, 1954) Duas Toadas para piano - para piano (1954) 1ª Modinha “O Perigo” - para voz e piano (texto de Langston Hughes, 1954) 2ª modinha “Nada mais que a alma de uma rosa” - para voz e piano (texto de Juan Jamos Jimenez, 1954) Eu plantei a cana - para 3 vozes (folclore brasileiro, 1954) João Pestana - para 2 vozes (sem indicação de texto, 1954) Eu fui chamado para cantar no limoeiro - para sp, ct, tn e bx, cordas e piano (folclore brasileiro, 1956) 96

Cantiga do Cacau - para sp, ct, tn e bx (sobre cantos de plantadores, 1957) Abertura e Orquestração - para flauta, fagote, violoncelo, cravo, glockenspiegel e caixa clara (para a peça Guerras do Alecrim e da Manjerona de Antonio José da Silva “O Judeu”, 1957) Sonata para flauta e piano - para flauta e piano (1960) A Marcha dos Deputados - sem indicação de instrumentação (orquestração de obra de Geni Marcondes, 1960) Sonata para Piano - para piano (1961) O Menino Ruivo - para coro misto a capella (1962) Desenho Leve - para sp, ct, tn e bx ( texto de Cecilia Meireles, 1962) Canção da Terra - para voz, flauta, clarinete, fagote, viola, violão, piano e glockenspiegel, 1962) Preludio - para sopros, cordas, piano, celesta, harpa, xilofone, glockenspiegel e percussão (para a peça Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, 1962) Música de Cena - sem indicação de instrumentação (para a peça Uma Mulher de Gravata de Leonardo Fróes, 1962) Música de Cena - para voz, flauta, clarinete, fagote, viola, violão, piano e glockenspiegel (para a peça As Famosas Asturianas de Lope de Veja, 1963) Tiridum das Profecias para sp, ct, tn e bx (para a peça Uma Mulher de Gravata de Leonardo Fróes, 1963) Canto Menor com Final Heroico - para sp, ct, tn e bx (texto de Reynaldo Jardim, 1964) Lua, Lua, Lua - para sp, ct, tn e bx (texto de Lucia Candall, 1965) Pachamana - para sp, ct, tn e bx (sobre canto Inca, 1965) Para Peneirar - para sp, ct, tn e bx (sem indicação de texto, 1965) Entre o Ser e as Coisas - para voz e piano (texto de Carlos Drummond de Andrade, 1965) Movimento de Quarteto - para quarteto de cordas (1966) Trilha para o filme “A Derrota” de Mario Fiorani - com instrumentação variada de acordo com o tema de cada personagem (1966) Busca da Identidade entre o Homem e o Rio - para sp, ct, tn e bx (texto de José Carlos Capinam, 1971) Sentimento del Tempo - para coro misto a 6 vozes (texto de Giuseppe Ungaretti, 1973) Trilha para Curta Metragem - para flauta block, flauta doce, viola, violoncelo, violão, piano, xilofone, metalofone, bongô, bloco chinês, jogo de sinos e guizo (1973) Ofulú Lorerê ê - para sp, ct, tn e bx (sobre canto de Oxalá, 1974) Praia do Fim do Mundo - para Coro a 3 vozes iguais (texto de Cecília Meireles, 1976) Toada de Gabinete - para Coro a 3 vozes iguais (sobre cantos de violeiros da Paraíba, 1976) 97

Estudo nº 1 para violão - para violão (1976) Imbricata - para flauta, oboé e piano (1976) Intermorfose - para sopros, 2 violões e piano (1977) Invenção a 2 vozes - para saxofones sp e ct (1978, inacabada) Abra a Porta - para Coro infantil a 2 vozes (sobre folclore espanhol, s. d.) Baiano do Boi - para Coro infantil a 2 vozes (sobre folclore do Rio Grande do Norte, s.d.) Colonha - para Coro infantil a 2 vozes (sobre canto pernambucano, s.d.) Girassol - para Coro infantil a 2 vozes (sobre folclore mineiro, s.d.) Lá vai a Garça - para Coro infantil a 2 vozes (sobre folclore nordestino, s.d.) Ó, ó menino, ó - para Coro infantil a 2 vozes (sobre folclore português, s.d.) Spanish Ladies - para Coro infantil a 2 vozes (sobre folclore inglês, s.d.) Pequena Suíte Infantil: Ao sair da lua; Chô, chô passarinho; Eh boi bonito, eh boi bumbá; Pai João entrou na roda; Borboleta Inamorata e Senhora que o velho quer acordar - para Coro infantil (s.d.) Canções a 2 Vozes: A Gotinha; Lua, lua, lua; Na Gangorra e Olha a Palma do Coqueiro - para Coro infantil (texto Lucia Candall com exceção da última, baseada no folclore brasileiro. S.d.) Canções a 3 Vozes: Carolin Cacao; Eu plantei a cana; João Pestana; Vamos à Loanda e Zumba, Zumba la Pandereta - para Coro infantil (sobre folclore de regiões diversas, s.d.) Transcrições de melodias registradas por meios não mecânicos: Bambu - para Coro infantil (s.d.) Boi Espácio - para Coro infantil (s.d.) Canción galega - para Coro infantil (s.d.) Dengo - para Coro infantil (s.d.) Dominó - para Coro infantil (s.d.) Dorme, neném - para Coro infantil (s.d.) Grilinho - para Coro infantil (s.d.) Lampeão - para Coro infantil (s.d.) Lampião estava dormindo - para Coro infantil (s.d.) Lundú para Coro infantil (s.d.) Marinheiro - para Coro infantil (s.d.) O Bom Pintor - para Coro infantil (s.d.) Omulú - para Coro infantil (s.d.) Quem me dera um cavalo corredor - para Coro infantil (s.d.) 98

Sabiá cantando - para Coro infantil (s.d.) Toada de Nanã - para Coro infantil e flauta block (s.d.) Vem cá, Siriria - para Coro infantil (s.d.)

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Sonata para Piano - Análise Musical De acordo com Maria Aparecida Gomes Machado (Op. Cit., p. 21), esta obra foi composta em 1961. Conquistou o 1º Prêmio no Concurso Nacional de Composição promovido pelo MEC, no Rio de Janeiro, e foi publicada pela Goldberg Edições Musicais em 1997. Contendo 3 movimentos, utiliza a forma sonata clássica - tripartida e bitemática - no movimento inicial. Uma Introdução de 2 compassos inicia a Seção A, apresentando os elementos básicos a serem variados nos 2 Temas principais. Embora seja atonal, alguns elementos rítmicos (como a síncopa) e melódicos (como o uso de notas repetidas, melodias modais e baixo ostinato) remetem à estética nacionalista. O segundo movimento, por exemplo, é definido por Maria Aparecida como remetente a uma seresta, por sua “melodia introspectiva, melancólica e saudosista” (Idem, p. 59).

1º movimento (cp 1 a 247) Seção A A Seção A vai do cp 1 ao 71. Como foi dito, uma Introdução apresenta os materiais escolhidos por Esther nos 2 compassos iniciais. Em termos de intervalos, predominam a 4j, a 3M e a 2M (e suas inversões). Aliados a ritmos específicos, cada um destes intervalos compõe um motivo melódico. Os últimos formam, respectivamente, arcos ascendentes e descendentes. São aqui denominadas m r/m 1, 2 e 3.

Figura 117 - Introdução com motivos rítmicos e melódicos 1, 2 e 3, cps 1 e 2.

A Introdução inicia-se com textura de monodia simples, passando a oitavada no cp 2. Esta é substituída a partir do cp 3, quando o Tema 1 alterna textura de melodia acompanhada com contraponto paralelo a 2 vozes. Os motivos principais são variados neste tema. A métrica passa da regular 4/4, da Introdução, a variável, no Tema 1. Há uma polarização em torno da nota Ré. 100

Figura 118 - Seção A, Tema 1, cps 3 a 5.

A partir do cp 15 as linhas do contraponto paralelo se desprendem e passam a ser trabalhadas em movimento contrário até o cp 18, quando a voz inferior assume a liderança no cânone que vai até o cp 20.

Figura 119 - Seção A, contraponto em movimento contrário, cps 15 a 18.

Figura 120 - Cânone iniciado pela voz inferior cita frase inicial do Tema 1, cps 18 a 20.

Esther aumenta a densidade rítmica inserindo mais figuras de menor valor entre os compassos 23 e 26.

Figura 121 - Seção A, cps 23 a 26. 101

O aumento da densidade rítmica prepara o que Maria Aparecida Machado (2002, p. 51) chama de stretto, localizado entre os compassos 26 e 29. Este stretto insiste na repetição em cânone do trecho sincopado do Tema 1.

Figura 122 - Seção A, Tema 1, stretto, cps 26 a 29.

Entre os compassos 30 e 33, uma espécie de cadenza leva à Codeta do Tema 1.

Figura 123 - Seção A, cadenza do Tema 1, cps 30 a 33.

A Codeta do Tema 1 reexpõe os compassos iniciais do mesmo e termina liquidando os elementos como no stretto. Se estende entre os compassos 34 e 38.

Figura 124 - Seção A, Codeta do Tema 1, cps 34 a 38.

Uma ponte em 2 partes leva ao Tema 2. A Parte 1 se estende entre os compassos 38 (em elisão) e 40, enquanto a Parte 2 vai do cp 41 ao 43.

102

Figura 125 - Ponte para Tema 2, Parte 1, cps 38 a 40.

Figura 126 - Ponte para Tema 2, Parte 2, cps 41 a 43.

Tema 2 Em caráter mais lírico e métrica regular 4/4, o Tema 2 apresenta melodia modal em Mi b dórico, acompanhada por uma espécie de baixo ostinato linear descendente. O ritmo anacrúsico do Tema 1 é mantido no Tema 2, bem como a síncopa.

Figura 127 - Tema 2, cps 44 a 46.

O m r/m 1, com intervalo de 4j, aparece no início da frase variado pela nota de passagem. Já os arcos ascendente do m r/m 2 e descendente do m r/m 3 têm seus intervalos ampliados.

Figura 128 - Nota de passagem varia m r/m 1, cp 44. 103

Figura 129 - m r/m 2 com intervalo ampliado, cp 45.

Figura 130 - m r/m 3 com intervalos ampliados, cp 463

A Codeta do Tema 2 vai do cp 66 ao 72. Inicia-se citando este tema e termina com monodia oitavada, como a Introdução, porém no registro grave.

Figura 131 - Codeta do Tema 2, monodia oitavada, cps 69 a 72.

Seção B A Seção B, ou elaboração, inicia-se no registro médio-grave e vai do cp 72 até o 154. Tem métrica variável e inverte o sentido do m r/m 1, em 4j. O intervalo inicial também é substituído pela 4A, ou trítono.

Figura 132 - Seção B, cps 72 e 73.

104

Diversos trechos da Seção A são elaborados, variados e colados em ordem diferente da original76. A Parte 2 da ponte para o Tema 2, por exemplo, é variada logo após a variação do Tema 1.

Figura 133 - Seção B, cps 75 e 76 lembram Parte 2 da ponte para o Tema 2.

O contraponto paralelo a 2 vozes do Tema 1 (cp 5) é citado literalmente entre os compassos 88 e 100.

Figura 134 - Seção B, cps 88 a 100.

O cânone iniciado pela voz inferior no cp 18 da Seção A surge nesta seção no cp 107, com melodia oitavada no plano inferior.

Figura 135 - Seção B, cps 107 e 108.

76 A técnica da colagem não é comum à sonata de tradição germânica, mas sim à escola francesa de Debussy e russa da Stravinsky. Seu uso por Esther Scliar denota uma proximidade com a linguagem de Villa-Lobos, cuja obra é fortemente influenciada por estes dois compositores. 105

Esther evita citar diretamente o Tema 2, que será objeto principal da reexposição, iniciando a Seção A’ no cp 155. Após a reexposição literal do Tema 2 na nova seção, o Tema 1 surgirá transposto um tom acima, no cp 206.

Figura 136 - Seção A’, reexposição variada do Tema 1, cp 206.

A transposição dos elementos do Tema 1 para um tom acima na Seção A’ se estende até o cp 237. Após este trecho, uma Coda de 11 compassos se inicia citando o Tema 1 um semitom acima, passa a uma 3M acima e emenda numa sucessão de semicolcheias ininterruptas.

Figura 137 - Coda, citação do Tema 1 um semitom acima, cps 237 e 238.

O 1º movimento termina citando o trecho sincopado do Tema 1 numa monodia a 4 vozes, por 3 compassos no registro grave.

Figura 138 - Coda, cps 245 a 247.

106

2º movimento (cp 1 a 112) Em forma A B A’, porém sem elaborar temas da parte inicial na seção central77, este movimento tem indicação Solene e andamento em semínima = 52. A métrica é regular 4/4 e o canto se desenrola, no plano superior, no registro médio-grave do piano. Seção A A Seção A vai do cp 1 ao 48. Uma introdução de 2 compassos apresenta os materiais do tema desta seção, aqui chamado de Tema a. Estes, por sua vez, remetem a 2 dos 3 motivos principais do 1º movimento: o intervalo de 4j (do m r/m 1) e o arco ascendente (do m r/m 2). A síncopa também está presente na introdução e no Tema a, formando um baixo ostinato por 3 compassos (1 a 3).

Figura 139 - Seção A, introdução, cps 1 e 2.

O arco descendente (do m r/m 3) também será lembrado no início do Tema a, que incorpora os 3 materiais no decorrer da sentença que o conforma. A sentença do Tema a vai da anacruse ao cp 3 até o cp 6 (2 + 2). Seu início está no modo Sol # dórico, mas a inserção gradual de cromatismos vai tirando o ouvinte desta zona de conforto, pelo uso dos 12 sons. Note-se o acompanhamento em oitavas, que será usado também na Seção B deste movimento.

Figura 140 - Seção A, Tema a, início da sentença, cps 3 e 4.

77 A forma A B A’ sem elaboração de temas na seção central é também conhecida como forma lied. Nesta, a seção central em geral traz um novo tema, como é o caso deste movimento. 107

Esther varia o motivo inicial do Tema a justapondo trechos em métrica binária e outros em ternária. A alternância e/ou superposição destas métricas é característica da música latino- americana.

Figura 141 - Seção A, cps 12 e 13.

Figura 142 - Seção A, cps 13 e 14.

Entre a anacruse do cp 46 e o cp 48 este motivo é apresentado em progressão descendente, preparando a entrada da Seção B no cp 49.

Figura 143 - Seção A, cps 46 a 48.

Seção B Esta seção vai do cp 49 ao 102, em andamento mais vivo (semínima = 84) e caráter de tocata. As notas repetidas, o ritmo sincopado e o uso do registro médio-grave dão à mesma um timbre percussivo. A métrica é regular, 2/4, até o cp 77. O intervalo de 4j do m r/m 1 do movimento inicial permanece nesta seção.

108

Figura 144 - Seção B, cps 49 a 51.

O acompanhamento em oitavas, utilizado a partir do cp 52, ganha protagonismo a partir do cp 59. A partir daí a monodia se instala e a seção adquire caráter de estudo, alternando trechos a uma ou a duas vozes em homofonia.

Figura 145 - Seção B, cps 54 a 56.

Figura 146 - Seção B, cps 64 a 66.

O acompanhamento em oitavas e o ritmo sincopado retornam, já no final da seção, entre o cp 84 e o 86. A partir do cp 87, uma transição monódica em oitavas leva a A’, terminando com acordes em intervalo de 4j nos dois planos, no cp 92.

Figura 147 - Seção B, cp 92.

109

A Seção A’ começa no cp 93, repetindo literalmente o Tema a até o cp 98. A partir do cp 99 uma Coda inicia-se com a transposição do motivo em tercinas do plano superior do cp 3 por 2 compassos, emenda em trecho em colcheias com textura de melodia acompanhada e termina, assim como a Seção A deste movimento, com monodia em oitavas em direção ao registro grave do piano.

3º movimento (cp 1 a 238) Pode ser dividido em 3 seções, A, B, A’, todas complexas e multifacetadas. Maria Aparecida (Idem, p. 64) aponta o caráter de toccata e a presença de 4 materiais diversos na Seção A, aqui organizados nas pequenas seções a1, a2, a3, a2’e a1’. Interessante notar o formato simétrico da exposição dos materiais, tendo a pequena seção a3 como eixo. Esta é a única seção que apresenta textura de melodia acompanhada, as demais são contrapontísticas.

Secão A A pequena seção a1 inicia-se citando o intervalo de 4j em sentido ascendente do m r/m 1 do 1º movimento. Uma sentença de 8 compassos (4 +4) mostra um baixo ostinato linear e cromático, que se remete ao Tema 2 do 1º movimento. A métrica é regular, 2/4, e a indicação de andamento é semínima = 116.

Figura 148 - Seção A, pequena seção a1, cps 1 a 5.

A sentença inicial é transportada 8ª acima a partir do cp 9, mas toma outras direções. A linha melódica do plano superior atinge o registro agudo em dinâmica crescente, voltando à região inicial no cp 16. No cp 17 começa a pequena seção a2 em formato mais livre, com fraseologia irregular e intervalos maiores entre os sons das duas linhas melódicas. O uso do pedal de sustentação auxilia na mudança do caráter de toccata e dá ao trecho um aspecto de improviso. 110

Figura 149 - Pequena seção a2, cp 17.

Nos cps 25 e 26 há uma quebra rítmica na linha melódica inferior provocada por acentos pontuais, ocasionando polirritmia entre os planos. Este motivo rítmico e melódico é aqui chamado de m r/m 4 e lembra a codeta do Tema 2 do 1º movimento pelos arpejos (embora em sentido contrário). Estas referências reforçam a preocupação com a coerência por parte da compositora.

Figura 150 - m r/m 4, pequena seção a2, cps 25 e 26, plano inferior.

Figura 151 - 1º movimento, codeta do Tema 2, plano superior. Cps 69 e 70.

O m r/m 4 aparecerá ainda nos compassos 35/36 e 49/50 desta pequena seção. A partir do cp 32 a métrica regular dá lugar à variável. Esta pequena seção termina no cp 51. A pequena seção a3 ocupa 8 compassos (entre o 52 e o 59). Em andamento piu calmo, inicia-se com fraseologia de sentença, como a1, e termina como a2, com frases disformes. A métrica é variável. O modo octatônico é empregado na melodia do plano superior.

Figura 152 - Pequena seção a3, início da sentença, cps 52 a 54. 111

Após esta pequena seção que serve de eixo, a2’ vai do cp 60 ao 74 e a1’ vai do 75 ao início do 83. A andamento inicial é retomado, bem como a métrica variável de a2 (em a2’) e a regular de a1 (em a1’). Entre os compassos 83 (em elisão) e 93 se estende uma transição que cita a melodia de a3 acompanhada por um m r/m 4 variado.

Figura 153 - Transição cita a3 e m r/m 4 nos cps 86 e 87.

Seção B Iniciando-se no cp 93 esta seção é um microcosmos da própria forma sonata: apresenta uma pequena seção b1 com dois temas contrastantes, sendo o primeiro contrapontístico e o segundo em textura de melodia acompanhada, uma pequena seção b2 que elabora o material destes temas e uma pequena seção b1’ em que reexpõe os temas de b1 de forma concisa. Na pequena seção b1, o Tema 1 remete-se à pequena seção a2 pelos arpejos anacrúsicos que vão do grave ao agudo, substituindo semicolcheias por colcheias. Vai do cp 93 ao início do cp 101, com fraseologia de período (4 + 5). Uma ponte de 3 compassos (cp 101 em elisão ao cp 103) leva ao Tema 2, que começa no cp 104.

Figura 154 - Seção B, Tema 1, cps 93 a 97.

O Tema 2 vai do cp 104 ao 121, apresentando uma sentença de 9 compassos (4 + 5) seguida de trecho de 10 compassos com fraseologia irregular. A síncopa do Tema 1 do 1º movimento está de volta nos dois planos. A indicação expressivo e o andamento mais lento (semínima = 63) dão a este tema um caráter lírico e melancólico.

112

Figura 155 - Seção B, Tema 2, cps 104 a 107.

O cp 122 inaugura o trecho de elaboração, aqui chamado de b2. Um trecho de 18 compassos em métrica variável prepara a citação variada dos elementos dos temas. O Tema 1 é variado entre os compassos 140 e 144, enquanto o Tema 2 é variado do cp 144 ao 147.

Figura 156 - Pequena seção b2, Tema 1 variado, cps 140 a 144.

Figura 157 - b2, Tema 2 variado, cps 144 e 145.

A retransição para A’ começa lembrando seu trecho mais significativo, ou, o eixo de simetria que é a pequena seção a3. Sua linha melódica em modo octatônico é citada no plano inferior, nos compassos 156 e 157. A retransição termina no cp 161.

Figura 158 - Retransição para A’, cps 156 e 157, plano inferior.

Seção A’ 113

A seção de reexposição começa no cp 162 fazendo um retrógrado dos dois compassos iniciais deste 3º movimento, inclusive na ordem de aparição das linhas melódicas. Seria um espelhamento perfeito, não fosse pela omissão do grupo central de semicolcheias da linha melódica do plano inferior e da variação na duração e na oitava das notas Lá e Mi do plano superior. O uso do efeito espelho reforça a ideia da compositora de trabalhar com simetrias, como foi visto na ordenação das pequenas seções da Seção A.

Figura 159 - Seção A’, cps 162 e 163.

Figura 160 - trecho original da Seção A, cps 1 e 2.

A pequena seção a1’’ se estende do cp 162 ao 198; a2’’ vai do cp 198 (em elisão) ao 209; a3’ vai do cp 210 ao 216. Daí em diante uma Coda se inicia com o motivo octatônico de a3 levemente ampliado pela nota Mi inicial.

Figura 161 - Coda do 3º movimento, cps 216 e 217, plano inferior.

O 3º movimento se encerra com a melodia inicial de a1 em oitavas, no cp 238.

114

10. Jacqueline Nova (Bélgica / Colômbia, 1935-1975) Jaqueline Nova nasceu em Gante, na Bélgica, em 1935, e faleceu na Colômbia, em 1975. Filha de mãe belga e pai colombiano, Nova mudou-se para Bucaramanga (CO) ainda na primeira infância, razão pela qual é citada pelos livros de música como compositora colombiana. Iniciou sua educação musical aos sete anos, tendo aulas particulares de piano. Aos vinte anos passou a morar e estudar piano em Bogotá, ingressando no Conservatório da Universidade Nacional três anos depois78. Na universidade inicia a carreira de composição, sob orientação de Fabio González Zuleta. Foi a primeira compositora a se graduar neste estabelecimento, desafiando vários tabus nos idos de 1960-70. A escolha da composição por si só já representava uma ousadia para uma mulher da burguesia tradicional colombiana, às quais era mais conveniente o estudo do piano. O uso de novas tecnologias e de sonoridades pouco convencionais vêm somar-se a este universo, respondendo a reflexões e questionamentos de ordem pessoal da compositora. Jacqueline Nova foi bolsista do CLAEM (Centro Latinoamericano de Altos Estudios Musicales do Instituto Di Tella, Buenos Aires, AR) no biênio 1967-68. Nesta ocasião conheceu Graciela Paraskevaídis, compositora argentina e uruguaia que lá havia estudado no biênio anterior e que mantinha contato com alunos e professores do estabelecimento. Juntas formaram um trio com o guatemalteco Joaquín Orellana, ao qual muitas vezes se juntava a brasileira Marlene Fernandes para estudos, discussões e trabalhos. Jacqueline teve aulas e assistiu a palestras dos compositores Gilbert Amy, John Cage, Luigi Nono, Vladimir Ussachevsky, Gerardo Gandini, Alberto Ginastera e Francisco Kröpfl, entre outros. Ana Maria Romano aponta três momentos na vida de Jacqueline, os quais teriam refletido em sua composição. Esta visão é corroborada por palavras da própria compositora, que afirmou: Poderíamos nos deter a pensar alguma vez nos diferentes tipos de argumentos ou textos usados por cada compositor em suas obras. Quase caberia fazer uma análise psicológica do compositor como homem ao estudar os argumentos literários, as abordagens, os poemas que insere em suas composições, em suas experiências musicais79.

Seguindo este raciocínio, a primeira etapa seria entre 1964 e 67, a segunda entre 1967 e 68 e a terceira entre 1969 e 75, ano de seu falecimento. Na fase inicial, estariam indagações que mais tarde conformariam o estilo da autora, como a busca pela variedade de recursos psicológicos, técnicos e materiais, provenientes do confronto entre as experiências adquiridas na vida e no estudo com o âmago e os processos internos de cada artista. A segunda fase seria marcada pela descoberta dos meios eletrônicos num nível que não seria possível na Colômbia de então, possibilitada pela vivência como bolsista no CLAEM de

78 As informações desta biografia foram retiradas do artigo “Jacqueline Nova y el maravilloso mundo del ruído”, escrito por Ana Maria Romano na revista Arcadia em 19/07/2013, e da palestra “Jacqueline Nova em el contexto latino-americano de su generación”, ministrada em sua homenagem por Graciela Paraskevaídis em 15/06/2000. Dados na Bibliografia. 79 Podríamos detenernos a pensar alguna vez en los diferentes tipos de argumentos o textos que utiliza xada compositor en sus obras. Casi podríamos hacer un análisis psicológico del compositor como hombre al estudiar los argumentos literarios, los planteamientos, los poemas que integra a sus composiciones, a sus experiencias musicales. (NOVA, apud PARASKEVAÍDIS, 2000, pg. 7). 115

Buenos Aires. Os recursos da eletrônica seriam incorporados por Jacqueline de forma permanente, com ou sem o uso de instrumentos acústicos. A terceira etapa encontra a compositora de volta à Colômbia, empreendendo atividades em que que confrontou o meio musical conservador e militou pela música de vanguarda. Entre elas destaca-se o ciclo de palestras radiofônicas intitulado “Asimetrías”, apresentado na Radiodifusora Nacional de Colombia, entre 1969 e 70, bem como a criação da Agrupación Nueva Música inspirada no grupo homônimo argentino, que abriu possibilidades para compositores interessados na escrita musical contemporânea. Um câncer nos ossos interrompeu brutalmente as atividades e a vida de Jacqueline Nova em 1975. Sua obra Omaggio a Catullus traz texto significativo sobre o período que antecede sua morte: Oh deuses! Se vossa é a misericórdia, ou se os que um dia há de levar a morte recebem de vós a suprema ajuda, contemplem-me em minha miséria, e se minha vida tiver sido pura arranquem de mim este mal que me destrói; que se abate sobre mim como um torturador lento e que expulsa do coração toda alegria80.

A música de Jacqueline Nova, no entanto, continua a chamar atenção não só pela qualidade da elaboração, mas também por ser das poucas de seu tempo e lugar a integrar elementos e técnicas como serialismo, aleatoriedade, músicas indígenas e música popular, além de utilizar meios eletrônicos juntamente com instrumentos da orquestra tradicional.

80 ¡Oh dioses! Si vuestra es la misericordia / o si los que un día ha de llevar la muerte / han recibido de vosotros la suprema ayuda, / contempladme en mi miseria, / y si mi vida ha sido pura / arrancad de mí este mal que me destruye; / que se cierne sobre mí como en atormentador letargo / y que expulsa del corazón toda alegría. (NOVA, apud PARASKEVAÍDIS, 2000, p. 7). 116

De acordo com Ana Maria Romano Gómez (2002, p. 34), são obras da compositora81: Ensaio - para cordas (1963) Estudio - para piano (1963) Fantasia - para piano (1963) Cantos Medievales - para voz (1964) L‘adieu - com texto de Guillaume Apollinaire, para canto e piano (1964) L´amour est mort – com texto de Guillaume Apollinaire, para canto e piano (1964) Les méfaits de la lune - com texto de Paul Verlaine, para voz feminina e piano (1964) Pequeña Suíte - para quarteto de cordas (1964) Preludio - para oboé, clarinete e fagote (1964) Scherzo (bitonal) - para viola e violoncelo (1964) Suite - para orquestra de cordas (1964) 3 danzas medievales - para flauta, trompa, viola e tambor (1964) Transiciones – para piano (1964-65) Doce móviles – para conjunto de câmara (1965) Ensayo - para orquestra (1965) Mesures pour violoncelle et piano - para violoncelo e piano (1965) A veces un no niega - com texto de Pedro Salinas, para canto e piano (1966) Au clair de la lune - para voz e piano (1966) Cuanto tempo fuiste dos - com texto de Pedro Salinas, para soprano e piano (1966) Metamorfosis III - para orquestra (1966) Uerjayas: Invocación a los dioses - sobre canto de nascimento dos índios Tunebos – para soprano, coro masculino (falado) e orquestra (1966) Asimetrías – para flauta, 5 tímpanos e 3 tam-tams ou lâminas de ferro (1967) De las hojas secas del verano - com texto de José Pubén, para voz e piano (1967) Música para “Macbeth” - peça cênica para conjunto de câmara (1967) Perforaciones - para piano (1967) Signos - para violino (1967) Música para “Las piedras de Machu Picchu” - eletroacústica (1968) Oposición-Fusión – eletroacústica (1968)

81 Cf: http://www.musigrafia.org/acontratiempo/files/ediciones/revista- 12/pdf/Rev12_05_Recorrido%20biografico.pdf. Acesso em: 22/2/2018. 117

Proyecciones - para orquestra e projetor (1968) Secuencias - para piano (1968) Y el movimento se detiene en el aire - com texto da autora, para 4 grupos vocais (1968) LM-A 11 - para vozes, cordas, percussão e fita magnética (1969) Luz-sonido-movimiento - instalação eletroacústica (1969) 14-35 - para orquestra e vozes transformadas em laboratório (1969) Música para “Julio César” - peça cênica para vozes e sons eletrônicos (1969) Resonancias I – para piano e sons electrónicos (1969) Signo de interrogación - para distintas fontes sonoras (1969) Sintesis - para vozes, cordas, mimo e sons eletrônicos (1969) WZK - experiência radiofônica (1969) Espacios para sonido, luz, voz, movimiento, oscuridad, silêncio - experiência audiovisual (1969-70) HK-70 - para piano, contrabaixo, percussão e fita gravada (1970) Sinkronización - para voz, piano, harmônio, percussão e sons eletrônicos (1970) Uerjayas, Canto de los nacimientos - para vozes e sons eletrônicos (1970) Pitecanthropus - para orquestra, vozes e sons eletrônicos (1971) Salmos - para vozes (1971) Ballet - para uma voz (1972) Creación de la tierra – eletroacústica (1972) Hiroshima - com texto de Dora Castellanos, oratório para orquestra, contralto, contratenor, 16 vozes femininas, coro e sons eletrônicos (1972) Omaggio a Catullus – com texto de Catulo, para percussão, piano, harmônio, vozes faladas e sons eletrônicos (1972-74) Música para “Camilo, el cura guerrillero” (filme) - peça eletroacústica (1974) Música para “Las Camas”- instalação eletroacústica (1974)

118

Transiciones (1964-65) – Análise musical De acordo com Martha Enna Rodríguez M. (2002, p. 64)82, a obra Transiciones foi dedicada por Jacqueline à pintora Julia Acuña e compõe-se de quatro peças: Transiciones I, II, III e IV. Como foi dito anteriormente, faz parte de um período de buscas da compositora por uma linguagem que se destacasse da música erudita tradicional, mas, ao mesmo tempo, não rompesse com aquela totalmente. O uso do conceito de “transição”, ou, passagem de um estado ou ideia a outro (a), permitiu a Jacqueline usar um vocabulário sonoro mais flexível e instável, próprio deste artifício musical tão usado entre temas e seções contrastantes nas formas clássicas83. Na conhecida forma sonata clássica, reconhece-se um trecho que corresponde à transição por sua instabilidade tonal, métrica, rítmica ou outra. A (o) ouvinte percebe que está se distanciando de um lugar conhecido para penetrar outro que não se sabe como será. A obra de Jacqueline capta este sentido do termo transição, uma vez que a métrica variável, a ausência de padrões melódicos e as mudanças bruscas de intensidade são a própria matéria com que a autora trabalha as quatro peças da obra. Os traços mais recorrentes são intervalos de 7M e m, 9M e m, 2M e m, 4j e 4A. Há também alguns motivos rítmicos que garantem a coerência entre as seções e entre os movimentos do ciclo.

Transiciones I Pode ser dividida em Introdução, A, B, A’ e Coda. A Introdução tem andamento Largo, baseada em acordes de 9M, 9m, 7M e 7m. Nos 2 compassos iniciais a compositora apresenta os 12 sons da escala cromática, 5 no primeiro e 7 no segundo. Os sons do cp 1 podem ser agrupados num cluster em torno do conjunto de 2 teclas pretas do piano, enquanto os sons do cp 2 formariam um cluster em torno do conjunto de 3 teclas pretas do instrumento.

Figura 162 – Transiciones I, Introducão, cp 1.

82 Cf: http://www.musigrafia.org/acontratiempo/files/ediciones/revista- 12/pdf/Rev12_11_Transiciones,%20para%20piano.pdf. Acesso em: 23/2/2018. 83 Embora, entre temas, seja também usado o termo “ponte”. 119

Figura 163 – Sons apresentados no cp 1.

Figura 164 – Transiciones I, cp 2.

Figura 165 – Sons apresentados no cp 2 (além da manutenção do baixo ostinato do cp 1).

O que poderia se tornar um padrão – agrupamentos em torno dos conjuntos de 2 e 3 teclas pretas do piano, ou o uso dos 12 sons a cada 2 compassos e assim por diante – não se comprova. Como numa transição ininterrupta, os desenhos vão sendo remodelados, podendo surgir novamente a qualquer momento. Este é o caso, por exemplo, do baixo ostinato na linha inferior dos compassos 1 e 2. Suspenso abruptamente no cp 3, ele será anunciado no plano intermediário dos compassos 12 e 13 e retornará à região grave do piano nos compassos 14 e 15.

Figura 166 – Retorno do baixo ostinato inicial, cps 12 a 15. 120

A Introdução vai do compasso 1 ao 22. Tem caráter dramático, pela presença de acordes em semibreves na região aguda do piano acompanhados por baixo ostinato no extremo grave. A métrica deste trecho varia entre 2/4, 3/4, 4/4, 5/4, 3/8, 6/8 e 9/8. A dinâmica oscila entre ppp, pp, p, mf, ff e fff. A amplitude melódica (ou tessitura) vai do Do 1 ao Do 7. É uma grande preparação para uma Seção A leve e com caráter de dança, que poderia ser uma vertente da Giga barroca feita na segunda metade do século XX. Seção A No cp 23 inicia-se a Seção A em andamento Vivo. Contrariamente à Introdução, esta seção não utiliza pedal de sustentação. Sua amplitude melódica também é menor, não fazendo uso de acordes em figuras longas. Estende-se até o cp 47, sendo que conserva métrica regular 6/8 do início ao cp 33. A intensidade, por sua vez, varia entre o mf inicial e o fff, no mesmo cp 33.

Figura 167 – Seção A, cps 23 a 27.

A melodia se forma a partir dos sons Sib, Lá, Mi, Fá# e Do, pertencentes ao modo octatônico (Do, Do#, Ré#, Mi, Fá#, Sol, Lá, Sib)84. Estes serão reexibidos no final da Seção A em forma de grupo alterado, no cp 45.

Figura 168 – Seção A, cps 45 a 47.

Após esta citação, o Ré no registro agudo antecipa a entrada de outros graus da escala cromática, na Seção B.

84 Este modo foi bastante utilizado pelas (os) compositoras (es) da América Latina durante o século XX, especialmente na segunda metade – quando as obras de Claude Debussy e de Olivier Messiaen foram mais divulgadas no continente.

121

Seção B Nesta seção, Jacqueline trabalha com os 12 sons da escala cromática. O Ré inicial no registro agudo do piano é replicado no registro grave.

Figura 169 – Seção B, cps 48 e 49.

A Seção B é mais pontilhista85 que a Seção A, com sons esparsos tanto no tempo (com o auxílio de pausas) como no espaço (com o auxílio de uma pauta extra). A compositora utiliza também mais compassos assimétricos (5/8, 7/8), que divide com linhas pontilhadas para evidenciar os pontos de apoio (vide exemplo anterior). Há um aumento na amplitude melódica, atingindo as regiões extremas do piano. A variação de intensidade vai de p a ff no compasso final (61). A métrica é variável, mudando, praticamente, a cada compasso.

Seção A’ A partir do cp 62, alguns materiais da Seção A são retomados de forma variada. O intervalo inicial daquela, 7M, aparece invertido (9m, ou, 2m separada por uma oitava), e o motivo em tercinas surge nas duas vozes em paralelo.

Figura 170 – Seção A’, cps 62 a 64.

85 De acordo com Flo Menezes (2006, p. 176), o pontilhismo é uma técnica que, inspirada na pintura, “caracteriza- se por movimentos oscilatórios de caráter adirecional”. Alterna, no que se refere às alturas, sons graves e agudos, frequentemente intercalados por pausas. Há uma clara dispersão dos sons, uma espacialização na textura. 122

No cp 74 a compositora recorda a célula rítmica usada no compasso inicial da Introdução.

Figura 171 – Seção A’, cp 74.

Figura 172 – Introdução, cp 1, com destaque para célula rítmica citada.

A partir do cp 78, também os acordes em figuras longas da Introdução serão lembrados, na Coda que vai do cp 78 ao 99.

Figura 173 – Coda, cps 78 a 80.

Não obstante a indicação de andamento que marca semínima = 84, a Coda apresenta flutuações no mesmo, assim como na dinâmica. Marcações como alargando e espressivo também contribuem para garantir um encerramento expressivo à primeira peça de Transiciones. 123

Transiciones II O formato Introdução, seções centrais e Coda permanece nesta segunda peça do ciclo. Mas, desta vez, as seções centrais são 4, formando o esquema Introdução, A, B, C, D e Coda. A Introdução tem 10 compassos e pode ser dividida em três pequenas seções. A pequena seção a vai do cp 1 ao 4, b vai do 5 ao 7 e a’ vai do 8 ao 10. Nas duas seções iniciais, Jacqueline apresenta os dois materiais melódicos principais: material 1 (mat 1) e mat 2. O mat 1 é um conjunto de 5 sons Do#, Ré, Mi b, Fá e Lá b, que recebe a designação 5-36 [0 1 2 4 7] na lista de conjuntos (set classes) formulada por Allen Forte. Já o mat 2 utiliza os 12 sons da escala cromática86.

Figura 174 – Transiciones II, cps 1 e 2. Apresentação do mat 1 na pequena seção a.

Figura 175 – mat 2, apresentado na pequena seção b, cps 5 e 6.

86 Note-se a coerência entre o procedimento adotado na Introdução de Transiciones I e nesta Introdução, no que se refere a apresentar um número reduzido de sons – 5, para ser mais exata – num momento inicial e o restante da escala cromática num segundo momento. Há semelhança também entre 4 dos 5 elementos do conjunto da peça I, 5-1 [0 1 2 3 4], e da peça 2, 5-36 [ 0 1 2 4 7]. 124

O mat 2 tem também dois elementos rítmicos e melódicos distintos (mat 2x e mat 2y), que serão variados durante a peça. Ambos estão localizados na pauta superior do cp 5, como mostra a figura anterior, sendo que o mat 2x concentra acordes de fundamental, 4j e 8ª, e o mat 2y é formado por uma sequência de 3 sons separados por intervalos de 3m e 2m (nesta ordem).

Figura 176 – mat 2x.

Figura 177 – mat 2y.

Em termos de ritmo, ambos os materiais lembram o compasso inicial de Transiciones I, mat 2x pela semicolcheia seguida de colcheia pontuada (que aparece na pauta central daquela) e mat 2y pela tercina do baixo. Além dos diferentes materiais melódicos e rítmicos, as pequenas seções a e b diferem entre si pela dinâmica (p em a e fff em b), e pelo caráter (lânguido em a e con fúria – risoluto em b). Há também mais sons repetidos em a do que em b, seja em forma de sons isolados ou em acordes.

Seção A Iniciando-se no cp 11, a Seção A é também uma pequena forma ternária a b a’ que discorre entre os sons da região médio-aguda do piano. Jacqueline pede uma sonoridade transparente e indica andamento pela marcação de semínima = 60. A pequena seção a vai do cp 11 ao 16, sendo que os dois compassos iniciais apresentam um baixo ostinato que se mantém por toda a seção (com exceção do cp 24). O conjunto de sons do baixo ostinato é formado por 5 elementos, remetendo-se ao mat 1 da Introdução. No cp 11, por exemplo, os 5 elementos formam o conjunto 5-18 [0 1 4 5 7]87, apenas um elemento diferente do mat 1 [ 0 1 2 4 7].

Figura 178 – Seção A, peq. seção a cp 11, baixo ostinato.

87 Na já citada lista de set classes de Allen Forte. 125

O mat 2x também surge variado nesta secão a, a partir do cp 13, pela ausência da oitava no acorde.

Figura 179 – Pequena seção a, cp 13, plano superior.

A pequena seção b, que vai do cp 17 ao 24, usará tanto as semicolcheias ininterruptas do baixo ostinato de a como a célula rítmica e as quartas do mat 2x. Este material é variado até o cp 23, crescendo em intensidade e tensão. No cp 24 há uma ruptura no baixo ostinato pela entrada de um Do# no registro grave – único nesta região na Seção A.

Figura 180 – Pequena seção b, cps 22 a 24.

A pequena seção a’ se inicia no cp 25 retomando o baixo ostinato, agora unindo os sons Si e Do numa díade por dois compassos. No cp 27 o mat 2x é retomado, desta vez com a presença das oitavas. Esta pequena seção se encerra no cp 30, fechando a Seção A.

Figura 181 – Pequena seção a’, cps 26 e 27.

Seção B 126

Em caráter Grave – Maestoso, a Seção B inicia-se no cp 31 condensando as ideias dos materiais 2x e 2y. A sequência de 3 sons separados por intervalos de 3m e 2m, do mat 2y, é agregada ao formato de acorde do mat 2x: fundamental, 4j e 8ª.

Figura 182 – mat 2x e mat 2y condensados na Seção B, cp 31.

O mesmo mat 2y aparece em cânone entre a voz superior dos acordes e uma quarta linha melódica, que ora aparece abaixo, ora acima dos acordes.

Figura 183 – mat 2y em cânone, cps 31 a 34. As tercinas do mat 2y marcam a Seção B, assim como os acordes em 4j e 8ª do mat 2x. A célula rítmica do mat 2x (que, por sua vez, remetia-se à Introducão de Transiciones I) é também usada pontualmente nos compassos 37, 38, 40 e no encerramento desta seção, cp 45.

Figura 184 – Materiais 2 x e 2 y encerram Seção B, cps 44 e 45. Seção C 127

Jacqueline Nova segue variando os materiais 2x e 2y na Seção C de Transiciones II, que começa no cp 46. A linha do baixo lembra o ostinato da Seção A, pela insistência nos sons Ré, Sol e Sol#. A indicação de caráter é Impetuoso.

Figura 185 – Seção C, cp 46.

Diferentemente das Seções A e B, com métrica mais constante, esta seção varia a métrica a cada compasso pelo menos até o cp 56, a partir do qual a mudança passa a ser um pouco mais espaçada. No cp 65, a citação da célula rítmica do mat 2x dá início a um processo de diluição da massa sonora pela inserção de pausas. Este processo lembra o pontilhismo apontado na Seção B de Transiciones I.

Figura 186 – mat 2x e pontilhismo na Seção C, cps 65 a 67.

Uma espécie de levare no cp 75 marca a passagem da Seção C para a Seção D.

Figura 187 – Levare, cp 75.

Seção D 128

Esta seção, que começa no cp 76, faz amplo uso dos sons repetidos. Este recurso torna esta seção mais estática e contemplativa.

Figura 188 – sons repetidos caracterizam Seção D, cps 78 e 79.

No cp 88, o mat 1 é citado literalmente por dois compassos, encerrando a Seção D e emendando na Coda.

Figura 189 – Seção D, cps 88 e 89.

Coda Com indicação de caráter Deciso, a Coda vai do cp 90 ao 96 lembrando os acordes em valores longos da Coda de Transiciones I. Inicia-se com dinâmicas exageradas (sfff), diminuindo até atingir o silêncio no cp 96.

Figura 190 – Coda de Transiciones II, cps 94 a 96.

Transiciones III 129

A terceira peça do ciclo inicia-se na página 12 e vê abolidas as barras de compasso88. Utiliza uma marcação de dinâmica em cada evento sonoro e trabalha com os 12 sons da escala cromática, que marca num sistema de 4 pautas. Os intervalos mais frequentes são a 4A e a 5j.

Figura 191 – Transiciones III, P. 12, S. 3.

Os eventos de intensidade mais forte se encontram nas regiões extremas do piano, enquanto no centro a marcação oscila entre pp e mf. Usa o pedal de sustentação para prolongar os eventos do registro grave. Apesar da ausência de barras de compasso, diferentes materiais possibilitam a divisão desta peça em Introdução, Seções A, B, C, D e Coda – como a anterior Transiciones II. A Introdução se estende da P. 12, S. 3 à P. 13, S. 1 em andamento Tranquilo. A partir do final do S. 1 da P. 13, a Seção A começa em caráter Leggiero e andamento em semínima = 63. O intervalo de 4A prevalece nesta seção, no motivo melódico em semicolcheias que lembra o apresentado na Seção A de Transiciones II. O uso de figuras de menor valor, como a semicolcheia, aumenta a sensação de movimento neste trecho da peça.

Figura 192 – Seção A, P. 13, S.1 e S.2. O trecho que se segue apresenta acordes de 5dim (enarmônico da 4A) no registro grave em dinâmica ff.

88 Devido a ausência de barras de compasso, os exemplos serão marcados de acordo com a página e o sistema indicado (ex.: P. X, S. X). 130

Usando pedal de sustentação, a compositora muda o timbre através do recurso de posicionar a mão direita sobre o encordoamento do piano enquanto a esquerda toca o teclado. Jacqueline sugere liberdade ao intérprete pela indicação sin metrónomo.

Figura 193 – Acordes tocados pela mão esquerda enquanto direita se coloca sobre o encordoamento, P. 13, S. 2.

Seção B Na P. 14, S. 1 começa a Seção B, apresentando um motivo de seis colcheias (m 6 c) formado pelos sons Do#, Ré, Láb, Sol, Fá e Si. Este motivo será invertido horizontalmente na P. 14, S. 2, usando o efeito retrógrado.

Figura 194 – Motivo de seis colcheias (m 6 c), Seção B, P. 14, S. 1.

Figura 195 – Retrógrado do m 6 c, P. 14, S. 2.

Se tirados da ordem apresentada, os sons do m 6 c formam 3 intervalos de 4A: Do# - Sol; Ré – Láb; Fá – Si. O acorde que o sucede na P. 14, S. 1, em mínimas, segue o mesmo padrão intervalar de duas 4A sobrepostas (Lá – Ré#; Sib – Mi). Este acorde, idêntico ao usado na P. 12; S. 3 da Introdução, aparece duplicado oitava abaixo e repetido em semicolcheias. 131

Figura 196 – Acordes de 4A sobrepostas, P. 14, S. 1.

Seção C Após abolir as barras de compasso e usar técnicas estendidas (como apoiar uma mão sobre o encordoamento do piano enquanto a outra toca o teclado), Jacqueline Nova usa recursos da chamada forma aberta na Seção C de Transiciones III. Utilizando quadrados denominados A, B e C, em cada um a compositora marca um padrão melódico e rítmico a ser executado pela (o) intérprete pelo tempo determinado em segundos, mas sem explicitar quantas vezes o padrão deve ser repetido e em que velocidade.

Figura 197 – Seção C, quadrado A.

No quadrado B a autora deixa, inclusive, a altura a escolha da (o) pianista, marcando altura libre.

Figura 198 – Seção C, quadrado B. 132

Figura 199 – Seção C, quadrado C.

Seção D Esta seção inicia-se na P. 15, S. 1, invertendo verticalmente o m 6 c da Seção B.

Figura 200 – Inversão vertical do m 6 c, P. 15, S. 1.

O trecho em acordes com timbre modificado pela colocação da mão direita sobre o piano também é retomado e encerra esta seção no início do S. 3 da P. 15.

Coda No mesmo S. 3 da P. 15, a Coda começa recordando o intervalo de 9m (no caso, 8A) da Introdução de Transiciones I.

Figura 201 – Intervalos de 9m nas pautas externas iniciam a Coda, P. 15, S. 3. 133

Ela se estenderá até a P. 16, S. 2, terminando com o retrógrado (um pouco variado em relação aos registros e ao uso da mão sobre o encordoamento no acorde final) de todo o sistema inicial da Introdução de Transiciones III.

Figura 202 – Encerramento de Transiciones III (P. 16, S. 1 e 2), com retrógrado variado da Introdução.

Figura 203 – Introdução de Transiciones III, P. 12, S. 3.

Transiciones IV A quarta e última peça do ciclo retoma as barras de compasso, elimina o uso de técnicas estendidas e os trechos em forma aberta de Transiciones III. Usa os 12 sons da escala cromática apresentando-os paulatinamente do cp 1 ao 11. Diferentemente das peças anteriores, nesta peça a autora não faz introdução. Antes, divide-a em duas seções A e B, seguidas de Coda. Seção A 134

Também dividida em duas pequenas seções a e b, a Seção A vai do cp 1 ao 31. Na pequena seção a são apresentados dois períodos (p1 e p2), sendo que p1 tem antecedente que vai do cp 1 ao 4 e consequente do cp 6 ao 11. Antecedente e consequente são separados por um compasso de silêncio, o cp 5. Por sua vez, o p2 apresenta seu antecedente do cp 12 ao 14 e o consequente do 15 ao 17. Esta concisão de extensão entre p1 e p2 se deve à supressão dos acordes que apareciam no final de cada semifrase de p1, como mostra a figura a seguir.

Figura 204 – Transiciones IV, Seção A, antecedente de p1, cp 1 a 4.

O andamento marcado na pequena seção a é semínima = 60. A indicação de Cantabile aparece no início do p1, seguida de Doloroso, marcado sobre o acorde que encerra o antecedente no cp 4. Estas indicações de humor, juntamente com o contraste de dinâmicas, dão à pequena seção a um caráter expressivo e dramático. A partir do cp 18, o caráter muda pela indicação Agitato, pelo uso de figuras de menor valor e pela dinâmica f. É onde se inicia a pequena seção b, cujas síncopas acompanhadas por semicolcheias ininterruptas recordam outra pequena seção b, da Seção A de Transiciones II.

Figura 205 – Pequena seção b, cp 18.

Outras citações de peças anteriores aparecem em b de Transiciones IV, como a célula rítmica formada por semicolcheia seguida de colcheia pontuada da Introdução de Transiciones I. 135

Figura 206 – Transiciones IV, pequena seção b, cp 24.

Nos compassos 29 e 30 a autora cita o próprio antecedente do p1, condensando-o ainda mais do que ocorria no p2. Aqui, os acordes que encerravam a semifrase inicial são sobrepostos à linha melódica no registro médio.

Figura 207 – Seção A, pequena seção a’, cps 29 e 30.

Seção B Iniciando-se no cp 32, esta seção tem andamento mais movido (semínima = 80) e presença de baixo ostinato ininterrupto até o cp 42, quando termina. O baixo ostinato funde elementos da pequena seção b de A, como semicolcheias e síncopas, além de citar a célula da Introdução de Transiciones I.

Figura 208 – Baixo ostinato da Seção B, cp 32.

No plano superior, 2 vozes em contraponto variam os motivos do ostinato, em caráter improvisatório. 136

Coda A partir do cp 43, a Coda se inicia com um cânone a 2 vozes no registro médio e agudo, baseado no motivo rítmico que se segue.

Figura 209 – Cânone a 2 vozes, cp 43.

Este cânone, associado a acordes quartais apresentados nas peças anteriores, leva gradativamente as 2 vozes para a região grave do piano. Transiciones IV termina no cp 50.

Figura 210 - Transiciones IV, cps 49 e 50.

137

11. Renée Pietrafesa Bonnet (Uruguai, 1938) De acordo com seu sítio eletrônico pessoal89, Renée Pietrafesa Bonnet nasceu em Montevidéu e iniciou os estudos de música com a mãe, conhecida pianista e pedagoga. Posteriormente estudou órgão com Angel Turriziani e composição com Héctor Tosar, até ser agraciada com uma bolsa de estudos do governo francês para estudar música eletroacústica com Pierre Schaeffer, no G.R.M. Na capital francesa fez curso de regência com Jacques Mercier, no Studio de Musique Experimentale du Centre Américain, e dirigiu o primeiro atelier de iniciação à música eletroacústica do Centre Cultural Censier, na Universidade de Paris. Sua atuação em museus e salas de concerto fazendo intervenções despertou o interesse da cineasta Eva Houdova, que lhe dedicou o filme “Renée Pietrafesa, compositora e intérprete” em 1977. Em 1984 foi nomeada “Chevalier des Arts et des Lettres” pelo Ministro de Cultura da França. Participa como compositora e/ou regente residente em diversos países, tais como Alemanha, Itália, Espanha, Argentina e Brasil. No Uruguai participou de ações para fins sociais como o concerto “Por la Vida”, no Teatro Solis de Montevidéu, com apoio da UNICEF. Entre os diversos prêmios que recebeu, destaca-se o “Morosoli 2005” por sua trajetória na música erudita. É membro da Sociedade Uruguaia de Música Contemporánea de (SUMC), e do Núcleo Música Nueva. Além da música de concerto, interpreta e divulga a música popular uruguaia e latino-americana. Organiza e realiza atividades multidisciplinares em seu Espacio Renée Bonnet. É docente na Escuela Universitária de Música de Montevidéu. Foi uma das fundadoras e atua como regente do conjunto Ars Musicae, criado para difundir a música de câmara original composta em diferentes períodos. O conjunto privilegia a audição de obras pouco executadas do repertório geral, e inéditas, compostas no século XX.

89www.pietrafesa.org 138

De acordo com seu site pessoal, são obras de Renée Pietrafiesa90: A los olvidados - para eletroacústica (1972) Pequena mutación Impro Bruselas - para piano (1974) Helicoidal - para piano a 4 mãos (1975) Travesuras - para orquestra (1975) Pieza nº 1 - para piano e encordoamento (1976) Preludio nº 2 - para piano preparado (1976) A 4 - para flauta, oboé, clarinete e piano preparado (1977) A 3 o sugerencias - para violino, viola e sintetizadores (1979) Translaciones “A mim madre Renée Bonnet” - para piano (1982) Momentos - para piano (1982) Momentos - para soprano, flauta e piano (1982) Por que? - para piano (1982) Translaciones (version II) - para orquestra (1982-85) Fantasia Trio - para flauta, fagote e piano (1983) Integración 7 “Religiosa o del más acá” - para voz, clarinete, órgão, sintetizador, vibrafone, pratos e fita magnética (1984) Electra - peça cênica com texto de Sófocles (1984) Historias Nuevas - para orquestra (1985) Integración 8 - para orquestra sinfônica (1986) Kaspar - peça cênica com texto de P. Handke (1986-96) Pieza nº 1 - para piano preparado (1987) Doña Rosita la soltera - peça cênica com texto de Federico García Lorca (1987-96) Pieza nº 4 - para piano preparado (1989) Beauté Magique - peça cênica com texto de Cantos de Maldoror de Lautréamont (1989) Pieza nº 5 “A Becho” - para piano (1990) Improvisación sobre tema Quiché “Pleno” - para órgão (1990) Las Troyanas (1990-96, sobre texto de Euripedes) Llamados (versão II de A 3 Movimientos) - para orquestra (1991) Fantasía - para piano y orquestra (1992) Metáfora de los Ciegos - peça cênica com texto de M. Maeterlinck (1992)

90 Cf: http://www.pietrafesa.org/obras.htm. Acesso em 7/2/2018. 139

Tango Nocturno “a Chopin et Debussy” - para piano (1993) Preludio - para cravo (1994) Pieza pour piano préparé et bande magnétique sur des chansons et danses du folklore rural uruguayen - para piano preparado e fita magnética (1994-95)

Resonancias, pequena reflexión “A los niños de la calle” - para piano (1995) Apuntes "Hommage aux enfants de la rue" - para piano (1995) Sobre canciones y danzas campesinas uruguayas - para piano (1995) Augurios Impro 21 - para piano (1995) Mutabile Impro 19 - para piano preparado, violão e cítara sobre cantos e danças do Uruguai (1995) Tres movimentos para flauta barroca y clave - para flauta barroca e cravo (1995) Resonancia por la Paz - para piano (1995) Improvisación continuo “Caminando...” - para piano preparado, violão, cítara e fita magnética sobre cantos e danças do Uruguai (1995) Pieza para guitarra - para violão (1995) Fantasía - para orquestra sinfônica (1996) Fantasia - para piano preparado (1996) Translationes “Déjennos la esperanza” - para orquestra sinfónica (1996) A la parrilla - improvisação sobre “Media Caña”, de Francisco José Debali, para cravo (1996) A la parrilla - improvisação sobre “Triste”, de A. Ginastera, “Girandbinas”, de H. Villa-Lobos e “El arbol de vido”, de C. Guastavino, para piano (1996) Candombe : "Y llegara otro viento fresco" - para piano e fita magnética, depois de “Mushuc Huaira Huacamusjum” (1996) 3 Rituales: Nueva Siembra - para orquestra (1996-97) Pieza para flauta y piano - para flauta e piano (1997) Impro 20 - para piano (1998) ...Y todavia más... Candombe Impro 22 - para piano (1998) Asi que pasen 5 años - peça cênica sobre textos de Federico García Lorca, para sons eletrônicos e acústicos (1998) “Quetzal”, A la Libertad - peça eletroacústica (2000) Fantasía 2000 - para piano (2000) Canciones y danzas - para piano, sobre cantos e danças folclóricas uruguaias (2000) Mutabile y danza - para piano (2000) Impro 20 candombe 2000 - para piano (2000) 140

Mutabile 2000-2001 - para piano (2000) Proyección 2001 - para orquestra (2001) Piano - para piano (2002) Poema ritual Tiempo del corazón - para piano (2002) Por la vida - para piano (2002) Desde la cruz del Sur 2002 - para orquestra (2002) Improvisación 2002 - a Héctor Tosar, para piano (2002) TanMilonCan - para piano a 4 mãos (2002) “Mujeres” de Luis Mais, 4 momentos - peça cênica (2004) “Almuerzo com Ludwig” de Thomas Bernhard, 3 momentos - peça cênica (2005) ¿Que le pregunto? - peça eletroacústica, inclui voz de Pierre Schaefer (2006) Y llegará otro viento fresco - para piano (2007) Para Ars Musicae - para orquestra (2012) Sintonías - improvisações para piano e percussão em parceria com Juanita Fernández (2014)

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Pieza nº 5 “A Becho” (1990) – Análise Musical. Composta para piano preparado, a Pieza nº 5 tem caráter improvisatório, tempo rubato e é interpretada pela própria compositora como se tivera influência jazzística, com ritmos pontuados. Inicia-se com um recitativo, apresentando os 18 sons em que houve intervenção da autora no instrumento por meio de parafusos colocados no encordoamento. Um acorde de 10 sons encerra o trecho em suspensão, marcada por fermata. A peça é atonal livre, mas apresenta trechos que lembram o serialismo pelo uso do retrógrado. A forma da peça é A B A C A’.

Figura 211 – Recitativo em tempo livre, cp 1

Seção A Apresenta o Tema 1, tético, formado por período de 10 compassos (5+5), em andamento lento. Tanto o antecedente como o consequente terminam em fermata.

Figura 212 - Tema 1, antecedente, cps 2 a 6 (plano superior)

O Tema 2, inspirado numa vidala91, começa no cp 12 em andamento andante. Este tema é formado por 3 frases anacrúsicas, de 4, 5 e 3 compassos.

Figura 213 – Tema 2, frase 1, cps 13 a 16 (plano superior)

A frase 2 do Tema 2 é a mais utilizada na Seção B desta obra. Divide-se em 2 partes a e b, sendo que a vai do cp 18 ao 20 e b vai do cp 21 ao 22.

91 Na partitura dada por Graciela Paraskevaídis à pianista Beatriz Balzi, a palavra vidala está marcada a caneta junto à indicação de andamento do Tema 2. A anotação é provavelmente de Renée, pois a letra se parece com a da dedicatória endereçada a Graciela. 142

Figura 214 – Tema 2, frase 2 parte a, cps 18 a 20 (plano superior)

Figura 215 – Tema 2, frase 2 parte b, cps 21 e 22 (plano superior)

A frase 3 se destaca pela métrica variável 4/4, 3/4 e 4/4. É também a única desta seção em dinâmica f. As demais ficam entre p e mf.

Figura 216 – Tema 2, frase 3, cps 23 a 25 (plano superior)

Um retrógrado do recitativo inicial, apresentado no cp 26, leva à Coda da Seção A. A Coda tem 3 compassos (27 a 29) e apresenta material novo em notas repetidas.

Figura 217 – Material novo em notas repetidas, Coda, cps 28-29 (plano superior)

Seção B A partir do cp 30, desenvolve-se a Seção B retomando a frase 2 do Tema 2 pela parte a. A melodia do plano superior surge uma oitava abaixo do original, acompanhada por díades em intervalos de 2m92.

92 O intervalo de 2m foi apresentado no acorde de 10 sons que encerrou o recitativo inicial da peça. 143

Figura 218 – Variação do Tema 2, frase 2 parte a, cps 31 a 33

A parte b desta frase 2 do Tema 2 será utilizada, também uma oitava abaixo, entre o cp 47 e 48 (com anacruse). As díades em 2m também surgem no acompanhamento deste trecho, com alguma variação intervalar.

Figura 219 – Variação do Tema 2, frase 2 parte b, cps 47 e 48

Na Seção B, o retrógrado do recitativo inicial também é usado de maneira variada. No lugar das semibreves aparecem semínimas. Este novo canto, mais movido pelo uso de figuras de menor duração, se contrapõe a um baixo-ostinato em intervalos de 2m que utiliza as semicolcheias introduzidas na Coda da Seção A, no plano intermediário, e à memória desta mesma Coda pelas notas repetidas, no baixo. Procedimentos como estes demonstram preocupação com a coerência por parte de Renée Pietrafesa, pois nenhum material é desprezado.

Figura 220 – Retrógrado do recitativo é variado no plano superior da Seção B, cps 38 a 43

144

Seção C Esta é a seção que compreende o ponto culminante de tensão e densidade melódica93 da obra. Assim como o recitativo inicial, toda a seção ocupa um único compasso, o de número 49. Acordes em homofonia se sucedem em alternância. Um deles (aqui chamado acorde 2) remete-se ao acorde de 10 sons que encerra o recitativo inicial (dividido nos dois planos, 5+5), enquanto o outro (acorde 1) tem igual número de eventos simultâneos, mas se restringe às teclas brancas do instrumento. O acorde 1 também se divide em dois blocos de 5 sons cada, localizados nos registros extremos do piano.

Figura 221 – Acordes 1 e 2 da Seção C, cp 49

Em procedimento bastante usado no estilo Minimalista, Renée aumenta paulatinamente o número de repetições do acorde 2 após cada intervenção feita pelo acorde 1. A dinâmica cresce e o andamento acelera, à medida que o número de acordes repetidos caminha de 1 a 9.

Figura 222 – repetição aditiva de acordes lembra Minimalismo, cp 49

Seção A’ A Seção A’ começa no cp 50 variando a frase 1 do Tema 2 até o cp 55. A inserção de silêncios dá à vidala um caráter meditativo após o ponto culminante da Seção C.

93 Segundo John D. White, o termo densidade pode ser empregado no âmbito melódico para definir texturas mais ou menos diáfanas em termos de quantidade de eventos sonoros simultâneos. (Cf.: WHITE, 1994, p. 125). 145

Figura 223 – Variação do Tema 2, frase 1, cps 50 a 53 (plano superior)

No cp 56 a frase 2 do Tema 2 é apresentada a partir do final da parte a.

Figura 224 – Seção A’, cps 57 a 59 (plano superior)

O Tema 1 é variado na Seção A’ em um período que vai do cp 60 ao 65 (3+3). No cp 66, a Coda desta seção lembra os acordes do recitativo inicial e as notas repetidas da Coda da Seção A.

Figura 225 – Coda da Seção A’, cp 66

A peça termina com o recitativo original, acompanhado por díades em intervalo de terças maiores e/ou menores no plano inferior. O uso deste intervalo, assim como da variação motívica e da forma cíclica, remete ao estilo de Renée Pietrafesa de combinar aspectos da música atonal e serial realizada no século XX a outros dos períodos clássico, romântico e até barroco. O recurso do preparo do piano alarga ainda mais o espectro proposto pela compositora, combinando também estéticas da música de tradição europeia com as inovações norte- americanas surgidas após a Segunda Guerra Mundial. Conforme disse sobre ela Bernard Bistes (1978)94, Habiendo nacido revolucionaria en el seno de la tradición, [Renée Pietrafesa] sabe hacernos compartir, sin esfuerzo, de manera natural, los últimos descubrimientos musicales, a menudo desconcertantes. Esta iniciación es un privilegio y este privilegio es indispensable para que la música pueda ser revelada a todos los melómanos y no sea reservada únicamente a los más selectos intelectuales. Renée Pietrafesa no teme enfrentar este don de comunicación que posee en alto grado: es su compañero desde siempre.

94 Cf.: www.pietrafesa.org. 146

12. Graciela Paraskevaídis (Argentina/Uruguai, 1940-2017) A compositora argentino/uruguaia Graciela Paraskevaídis nasceu em Buenos Aires, em 1 de abril de 1940. Estudou composição no Conservatório Nacional de Música desta cidade, tendo como mestre Roberto García Morillo. Entre 1965 e 1966 foi bolsista no Centro Latinoamericano de Altos Estudios Musicales del Instituto Torcuato Di Tella, tendo contato com Gerardo Gandini, Iannis Xenakis, entre outros. Em 1968 partiu para uma viagem de estudos na Alemanha, com bolsa da Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD). Estudou composição com Wolfgang Fortner no Institut für Neue Musik da Musikhochschule Freiburg im Breisgau, até 1971. A partir de 1975 instalou-se em Montevidéu como co-cidadã uruguaia. Desenvolveu atividades como docente, pesquisadora, musicóloga e organizadora de cursos e festivais voltados à divulgação da música contemporânea latino-americana. Em 1979 foi convidada pelo DAAD para uma residência artística com foco no ensino de música latino-americana em universidades alemãs. Foi também convidada do Programa de Artistas em Berlim em 1984 e da Schloss Solitude em 1998. Recebeu Medalha Goethe em 1994, pelo conjunto de atividades musicais e culturais desenvolvidas na Alemanha. Em Montevidéu foi professora da Escuela Universitária de Música da Universidad de la Republica. Integrou a equipe organizadora dos Cursos Latinoamericanos de Música Contemporánea, entre 1975 e 1989. Foi membro do Núcleo Música Nueva de Montevideo e participou da Sociedade Uruguaya de Música Contemporánea. Juntamente com Max Nyffeler fundou o site www.latinoamerica-musica.net, do qual foi redatora e responsável. Criou também o site pessoal www.gp-magma.net, onde publicou partituras e artigos de sua autoria. Graciela considerava como marco inicial de sua carreira criativa a composição Magma 1, de 1966-67. Seguem-se a esta, outras seis peças com o mesmo título para diferentes combinações instrumentais. Seu principal interesse era o som como ponto de partida do processo criativo, elemento que modelava de acordo com as possibilidades de contenção ou liberação de energia e expansão espacial. Sua escrita utilizou processos de justaposição e/ou superposição de materiais, visando combinações texturais. Teve influência da música religiosa ortodoxa grega, relacionada à sua infância e ascendência, das composições de Edgar Varèse, Luigi Nono e de latino-americanos como Eduardo Fabini (cuja biografia escreveu), Silvestre Revueltas, entre outros95. Os títulos de suas peças são escritos, salvo exceções, com letra minúscula. Em 2006 recebeu o Prêmio Morosoli, do Uruguai. Faleceu, vítima de câncer, em 2017.

1

95 Cf: CORRADO, 2014, pp. 9-12. 147

De acordo com seu site pessoal, são obras de Graciela Paraskevaídis 96: magma 1 – para trompetes em Do e em Si b, quatro cornes, dois trombones e tuba (1966-67) La terra e la morte - para coro misto a cappella, com texto de Cesare Pavese (1968) Magma II - para 4 trombones (1968) “libertà va cercando ...” - para coro misto a cappella, com texto de Dante Alighieri (1969) Aphorismen - para 2 recitantes, piano, percussão e fita magnética com texto de Karl Kraus (1969) E desidero solo colori - para coro feminino a cappella, com texto de Cesare Pavese (1969) mellonta tauta - para acordeom (1970) Die Hand voller Stunden - para 9 vozes mistas a cappella, com texto de Paul Celan (1970) Schatten - para soprano e barítono amplificados, com texto de Karl Kraus (1970) Schattenreich - para quarteto vocal, com texto de Hans Magnus Enzensberger (1972) magma III - para flauta, trombone, violoncelo e piano (1974) magma IV - para quarteto de cordas (1974) huauqui - peça eletroacústica (1975) magma V - para quatro quenas (1977) A entera revisación del público en general - peça eletroacústica (1978/81) todavia no - para três flautas e três clarinetes (1979) magma VI - para 2 trompetes e 2 trombones (1979) y ... es como todo - para 2 flautas, 2 clarinetes, trompete e trompa (1980) un lado, otro lado - para piano (1984) magma VII - para flautim, 2 flautas, flauta em sol, clarinete em mi b, 2 clarinetes em si b, clarinete baixo, 2 trompetes, 2 trompas, 2 trombones (1984) más fuerza tiene - para clarinete (1984) tres piezas infantiles - para piano (1986) el grito en el cielo – para coro misto a capella, sem texto (1987) dos piezas para pequeño conjunto - para oboé, clarinete, trompete, claves e piano (1989) sendas - para flauta, oboé, clarinete, fagote, trompete, trompa, trombone e piano (1992) el nervio de arnold - para violão (1992) “algún sonido de la vida” - para 2 oboés (1993) nada – para soprano (1993)

96 Cf: http://www.gp-magma.net/es_obras.html. Acesso em: 13/2/2018. 148 ta - para flauta, oboé, clarinete e piano (1994) otra vez – para piano (1994) pero están - para flauta, oboé e soprano (1994) No quiero oír ya más campanas - para flautim, flauta, flauta em sol, oboé. corne inglês, clarinete em mi b, clarinete em si b, clarinete baixo, sirene, 2 trompas, 2 trombones e tuba (1995) dos piezas para oboe y piano: I. ...pelo grito demente...; II. ...como se ouvisse - para oboé e piano (1995) en abril – para piano (1996) hacen así - para quarteto de percussão: xilofone, wood-block, gongo e 4 pares de claves (1996) ...a hombros del ruiseñor – Piano (1997) Alter Duft [Viejo perfume] - para clarinete, violão, bandolim, violino, viola e violoncelo (1997) libres en el sonido presos en el sonido – para flauta, clarinete, piano, violino e violoncelo (1997) suono sogno - para violino (1997) discórdia - para 9 vozes solistas a cappella, sem texto (1998) contra la olvidación - para piano (1998) solos - para flauta em sol e violão (1998) piezas de bolsillo – para quatro percussionistas (1999) dos piezas para piano - para piano (2001) ... il remoto silenzio - para violoncelo (2002) Soy de um país donde – para trompete, trompa, trombone e tuba (2002) Aruaru - para mezzo-soprano, clarinete, violino, violoncelo e piano, com texto de Vicente Huidobro (2003) ¿Y si fuera cierto? - para flauta em sol, corne inglês e piano (2003) wandernde klänge [sonidos errantes] - para clarinete baixo, trompete, violão, bandolim, violino, viola e violoncelo (2004) “...y allá andará, segun se dice...” - para pinkillos, tarkas, sikus, wankaras e duas claves (2004- 2005) tris - para oboé, fagote e contrabaixo (2005) ático - para flautim e flauta doce sopranino (2006) réplica - para cravo (2007) alibi – para quarteto de saxofones (2008) cada cual – para piano a quatro mãos (2010) bajo otros cielos - para aerófonos e percussões altiplânicas (2011) 149 sin ir más lejos – para flauta em Sol, piano e percussão (2010) un par - para piano (2015) viva voce – para piano (2015)

150

viva voce – Análise musical

No âmbito melódico Graciela utilizou, principalmente, o intervalo de 4A (ou trítono). Apresentou-o inicialmente entre os sons Si e Fá do registro extremo grave do piano, em forma de cluster nas teclas brancas (Si, Do, Ré, Mi, Fá). Os sons do cluster configuram o conjunto 5- 12 [0 1 3 5 6], inversionalmente simétrico.

Figura 226 – Cluster sobre teclas brancas no âmbito de uma 4A (P. 1, S. 1) 97

O mesmo intervalo é apresentado no registro extremo agudo do instrumento, após o desaparecimento do som do cluster inicial. Desta vez a compositora cria uma espécie de trilo contínuo com os sons Si e Fá, em meio aos quais delineia uma melodia que ultrapassa tanto os limites da 4A como o das teclas brancas do piano. Nota-se, no entanto, a presença da 4A em vários trechos desta linha melódica, grafada no plano inferior do exemplo a seguir (Do-Fá#, Mi-Sib).

Figura 227 - Trilo contínuo entre os sons Si e Fá e melodia em semínimas (P. 1, S. 2).

Em relação à forma, a peça pode ser dividida em duas seções seguidas de Coda. Cada uma das seções, aqui chamadas A e B, apresenta pequenas subseções com andamentos e características próprias98. Há uma curta introdução em cada parte e na Coda.

97 Como não há divisão por barras de compasso, usou-se como parâmetro a página e o sistema em que ocorrem os eventos. 98 A não-discursividade é uma característica da composição de Graciela Paraskevaídis. Apesar da austeridade na quantidade de materiais, pois são usadas as mesmas figuras rítmicas e conjuntos de alturas inter-relacionados, não há um pensamento direcional, de variação progressiva. Os materiais são justapostos e/ou sobrepostos, assim como as subseções. 151

Seção A Nesta seção a introdução é feita pelo cluster apresentado no exemplo inicial desta peça. Sua duração é flexível, uma vez que Graciela insere indicações como senza tempo e lascia vibrare para os sons sustentados pelo pedal. Após este evento, a pequena seção a1 se estende pelos sistemas 1 e 2, na região extremo aguda. A indicação de andamento é semínima = 96. A pequena seção a2 retoma o cluster da introdução no extremo grave e o trilo de a1 no extremo agudo, só que entrecortado por pausas. O cluster é repetido variando a intensidade, que vai do p ao fff. A indicação de andamento é semínima = 40.

Figura 228 – Pequena seção a2 varia elementos da introdução e de a1 (P. 1, S. 3).

Na pequena seção a3 a textura de melodia acompanhada por trilo, de a1, é variada, sendo o trilo apresentado em tercinas e a melodia em colcheias. O intervalo de 4A é mostrado entre os sons Ré-Láb e Mi-Sib. A indicação de andamento é a mesma de a1, semínima = 96. Uma transição ocupa o primeiro sistema da página 2, variando o material da introdução de A no cluster de teclas brancas Fá, Sol, Lá, Si (4A). Este é apresentado em mínimas e repetido quinze vezes, lembrando o trilo contínuo da subseção a1. Ao mesmo tempo um acorde no âmbito de uma 4A é repetido em colcheias. A dinâmica das duas camadas texturais é fff e a indicação de andamento é semínima = 96.

Figura 229 – Transição (P. 2, S. 1).

152

Com introdução idêntica à da Seção A (cluster nas teclas brancas no extremo grave) inicia-se a Seção B, na página 2. Esta antecede a pequena seção b1, apresentada na mesma região do piano e variando elementos de a1, com trilo formado pelos sons Si-Fá em diferentes oitavas sobre pedal de Lá. A melodia começa com a alternância dos sons Sib e Láb, passando à 4A Do-Fá# após uma interrupção nos dois planos por pausas. No final desta pequena seção a compositora insere o som Mib na pauta superior, que comporá outra 4A com o som pedal Lá. A pequena seção b1 contrasta com a1 pela região do piano e pela dinâmica ppp. A indicação de andamento é a mesma, semínima = 96.

Figura 230 – Melodia acompanhada por trilo no registro extremo grave marca subseção b1(P. 2, S. 2).

A pequena seção b2 não apresenta trilos, clusters ou acordes rebatidos (como os da transição), somente duas linhas melódicas em contraponto. Remete-se a a2 pelo uso das duas regiões extremas do piano simultaneamente, além das pausas que ocasionalmente interrompem a melodia do plano superior. É uma pequena seção relativamente longa, mais virtuosística pelo uso dos registros extremos e da dinâmica fortíssima. Caracteriza-se como uma subseção final, que antecede a Coda. A indicação de andamento é semínima = 96.

Figura 231 – Pequena seção b2 antecede a Coda em caráter virtuosístico (P. 2, S. 4).

A Coda inicia-se no segundo sistema da página 3, também com uma pequena introdução. Esta apresenta uma díade de semibreves na região central do piano (usada pela primeira vez), sustentada por doze tempos. No extremo agudo uma melodia melancólica recorda momentos do que foi cantado nas seções anteriores - como o conjunto 3-2 [0 1 3] formado pelos sons Lá, Sib e Do, que se insere no conjunto do cluster inicial 5-12 [0 1 3 5 6], e a 4A Si-Fá - em dinâmica mp. A indicação de andamento é semínima = 40. 153

Figura 232 – Coda: melodia melancólica recorda elementos das Seções A e B.

Segundo Arnold Schoenberg (1991, p. 224), Coda é uma “adição extrínseca” a uma obra recém-criada, que deve servir para “dizer algo a mais do que já foi dito”. No caso de viva voce a compositora introduz, principalmente, o som Réb e o uso da região central do piano. Assim como as Seções A e B, a Coda divide-se também em pequenas partes, aqui nomeadas c1, c2 e c3. c1 apresenta o conjunto 3-2 [0 1 3] nos sons Mi, Fá# e Sol, em diferentes oitavas da região aguda do instrumento. A indicação de andamento é semínima = 30.

Figura 233 – Coda, c1 (P. 3, S. 2).

Os sons Mi, Fá# e Sol do conjunto 3-2 [0 1 3] surgem, na região extremo aguda, na segunda parte da Coda, c2. Aparecem acompanhados pelo trilo de a1, Si-Fá, em dinâmica fff e indicação de andamento semínima = 96. Já em c3 Graciela retoma a introdução de A, com cluster nas teclas brancas em semibreves e dinâmica ffff. Sobre esta esteira sonora, que dura 24 tempos em semibreves sustentadas, os sons Mi, Fá# e Sol deitam seu canto em dinâmica p e andamento semínima = 30.

Figura 234 – Coda, c3 (P. 3, S. 4).

154

13. Tania León (Cuba, 1943) Tania Justina de León nasceu em Havana, em 14 de maio de 1943, iniciando os estudos de piano aos quatro anos de idade. Formou-se Bacharel em Música em 1963, especializando- se em Educação Musical no Conservatório de Música Carlos Alfredo Peyrellade. Desde cedo interessou-se pela composição, criando pequenas peças inspiradas na música popular do país em meio aos estudos de piano, violino e teoria musical. A música popular nas escolas de Havana era tão estimulada quanto a erudita, o que deu à compositora uma formação ampla e diversificada. Devido ao sucesso como pianista e ao isolamento político do país, Tania procurou ampliar o espectro de sua carreira artística no exterior. Em 1967 recebe um prêmio do programa Freedom Flights para estudar em Nova Iorque, EUA, o que lhe põe em contato com as aulas de composição de Ursula Mamlok. Integra a New York College Music Orchestra, a New York University Orchestra e a Buffalo Simphony Orchestra. A convite de um amigo atua como pianista substituta nos ensaios do Dance Theatre of Harlem. Sua capacidade de improvisar, dirigir e acompanhar o grupo de dança leva-a a ser contratada como Diretora Musical do Dance Theatre of Harlem de 1969 a 1980. Para a companhia Tania criou quatro ballets: Tones, Haiku, The Beloved e Dougla, estes últimos em parceria com Judith Hamilton e Geoffrey Holder. Assume nacionalidade estadunidense. Não obstante, seu estilo composicional mescla elementos da música atonal, experimental e de vanguarda realizada no ocidente durante o século XX, com a tradicional música popular e vernácula de Cuba e do Caribe. A improvisação está presente em seus trabalhos, assim como os ritmos de origem africana. Como influências, a compositora cita Igor Stravinsky e Charles Ives 99. O trabalho com intérpretes como Paquito D’Rivera e Michel Camilo também a aproximaram do jazz (SPINAZZOLA, 2006, p. 13). Suas atuações incluem trabalhos junto à Ópera Metropolitana de Gewandhausorchester, em Leipzig, Orquestra Beethovenhalle, em Bonn, e Orquestra Sinfônica de Sudáfrica (VALDÉS, 2005, p. 214).

99 Para mais informações vide http://polymnia.webnode.com/news/compositora-do-mes-tania-leon/. 155

De acordo com seu site pessoal, bem como o livro de Alicia Valdéz (dados na bibliografia), são obras de Tânia León100: The Beloved (balé) – com Judith Hamilton, para flauta, clarinete, oboé, fagote, piano, violoncelo e contrabaixo (1972) Tones (balé) – para tímpano, 2 percussionistas, piano e cordas (1972) Haiku (balé) – para flauta, fagote e 5 percussionistas (1973) La Ramera de la Cuena – musical (1974) Dougla (balé) – com Geoffrey Holder, para 2 flautas e percussão (1974) Namiacs Poems - para vozes e ensemble misto (1975) Spiritual Suite – para narrador (a), solistas e coros mistos (1976) Latin Lights – para orquestra (1979) Concerto Criollo - para orquestra (1980) Maggie Magalita - música incidental para teatro com texto de Wendy Kasselman, para flauta, clarinete, violoncelo, 2 percussionistas, piano e violão (1980) Pet’s Suite - para flauta e piano (1980) Belé (balé) - com Geoffrey Holder, para piano, percussão e cordas (1981) Sonata para violoncelo (1981) Permutation Seven - para flauta, clarinete, trompete, percussão, violino e violoncelo (1981) The Golden Windows - peça em 3 atos, com texto de Robert Wilson, para flauta, oboé, trompete, percussão-cravo-piano e cordas (1982) De-Orishas - com texto de Betty Neals, para coro a 4 vozes (1982) Ascend - para 4 fagotes, 4 trompetes, 3 trombones, tuba e 3 percussionistas (1983) Four Pieces for violoncelo solo (1983) Momentum - para piano (1984) ¡Paisanos, Semos! - para violão (1984) Batá – para orquestra (1985) A la par - para piano e percussão (1986) Ritual – para piano (1987) Elegia a Paul Robeson - para violino, violoncelo e piano (1987) Pueblo Mulato: 3 canciones - com textos de N. Guillén, para soprano solo, violão, oboé, contrabaixo, percussão e piano (1987) Kabiosile - para orquestra (1988)

100 Cf: http://www.tanialeon.com/composer.html. Acesso em: 13/2/2018. 156

Heart of Ours, A Piece - com texto de R. Sandecki; American Indians, para tenor solo e coro masculino (1988) Parajota Delaté - para flauta, clarinete, violino, violoncelo e piano (1988) Batéy - com Michel Camilo, textos de Tania e Michel, para 2 sopranos, 2 tenores, contratenor e baixo (1989) Journey - para vozes agudas, flauta e harpa (1990) To and Fro - 4 canções sobre poemas de Alison Knowles , para vozes medias e piano (1990) Carabalí - para orquestra (1991) Indigena - para flauta, oboé, clarinete, fagote, trompa, trompete, piano, percussão e quarteto de cordas (1991) Ajiaco - para guitarra elétrica e piano (1992) Arenas d’un tiempo - para clarinete, violoncelo e piano (1992) Crossings - para fagote, 4 trompetes, 4 trombones e tuba (1992) Son Sonora - para flauta e violão (1993) Scourge of Hyacinths - ópera de câmara sobre libretto da compositora (1994) Para viola y orquesta - para orquestra (1994) sin normas ajenas - para flauta, oboé, clarinete, piano, 2 percussionistas, 2 violinos, viola e violoncelo (1994) “Or like a...” - com texto de John Ashberry, para barítono, violoncelo e percussão (1994) Hechizos - para ensemble de sopros, piano/celesta/cravo, quarteto de cordas e 2 percussionistas (1995) Seven Spirituals - orquestração (1995) Tau - para baixo, oboé e teclados, todos elétricos (1995) Singin’ Sepia - 5 canções sobre poemas de Rita Dove, para soprano, clarinete, violino e piano a 4 mãos (1996) De Color - para violino e marimba (1996-97) Drummin’ - para flautas, clarinetes, fagotes, saxofones, trompa, trompete, trombone, bateria, piano (sintetizador), quarteto de cordas e ensemble de percussão étnica (1997) Saóko - para quinteto de metais (1997) Sol de Doce - com texto de Pedro Mir, para 12 vozes solistas (1997) Bailarín - para violão (1998) Entre nós - clarinete, fagote e piano (1998) Scourge of Hyacinths - ópera completa, sobre libretto da compositora (1999) Horizons – para orquestra (1999) 157

May the road be free - com texto de John Marsden, para coro infantile e percussão (1999) Alegre - para ensemble de sopros (2000) Turning - ciclo de canções para soprano, piano e violoncelo (2000) Satiné - para 2 pianos (2000) Caracol - para violino, viola, violoncelo, percussão e piano (2000) De Memorias - para flauta, oboé, clarinete, fagote e trompa (2000) At the Fountain of Mpindelela - para solo vocal (2000) Ivo, Ivo - com texto de Manuel Martin, para soprano, clarinetes, viola, violoncelo e contrabaixo (2000) Fanfarria - para 4 trompetes, 3 trombones e percussão (2000) Desde... - para orquestra (2001) Rezos - com texto de Jamaica Kincaid, para coro a 4 vozes (2001) Canto - para barítono, clarinetes, marimba, violoncelo e piano (2001) Axon - para violino e computador interativo (2002) A row of buttons - para sopranos e contraltos (2002) Love after love - com texto de Derek Walkott, para soprano e marimba (2002) Duende - para barítono, 3 tambores bata, 4 percussionistas e 1 percussionista latino101 (2003) Mística - para piano (2003) Hebras d’Luz - para viola elétrica (2004) La Tina - para piano (2004) Variación - para piano (2004) Samarkand - com texto de Wole Soyinka, para narrador, vozes, coro infantil, saxofone/flauta, 2 percussionistas, 3 tambores bata, piano e 2 violoncelos (2005) Didn’t my Lord deliver Daniel - arranjo para orquestra (2005) Tumbau - para piano (2005) Reflections - com texto de Rita Dove, para soprano, clarinete, sax, piano, trompete, quarteto de cordas e 2 percussionistas (2006) Metisse - para coro a 4 vozes e percussão (2006) Para Noah - para piano (2006) Toque - para clarinete, saxofone alto, piano, 2 percussionistas, violino e contrabaixo (2006)

101 A especificação de um percussionista latino é bem interessante, dado que a compositora morava nos EUA quando da criação da obra. Aparentemente ela achava muito difícil explicar a um não latino o ritmo ou o caráter do mesmo que ela desejava. 158

Raices (Tabla Rasa) - para flauta, violino, voz, piano, contrabaixo, atabaque solo, 2 percussionistas (2007) Atwood Songs - com texto de Margareth Atwood, para soprano e piano (2007) Albanico – para violino e computador interativo (2007) Alma - para flauta e piano (2007) Ancient - para 2 sopranos, flauta, clarinete, percussão, viola e violoncelo (2008) Ácana – para orquestra (2008) Tiempo en clave - para viola e percussão (2008) Estampas - com texto de Maya Islas, Iraida Iturralde e Alina Galiano, para coro a 4 vozes (2008) Inura (balé) – para vozes, cordas e 5 percussionistas (2009) Esencia - para quarteto de cordas (2009) Cuarteto n. 2 - para quarteto de cordas (2011) Rimas Tropicales - com texto de Carlos Pintado, para coro feminino (2011) Homenatge – para piano (2011) Origines - para ensemble de metais (2012) going... gone - para piano (2012) A tres voces - para trio de cordas (2012) ¡del Caribe, Soy! - para flauta e piano (2014) Ethos - para piano e quarteto de cordas (2014) Mi amor es - com texto de Carlos Pintado, para barítono e piano (2015) One Mo’ Time - para flauta, clarinete, violino, violoncelo e piano (2016) Pa’lante - para ensemble de sopros sinfônicos (2016) Pinceladas - para fagote e piano (2016) Cumba Cumbakin - para ensemble de sopros, tímpano, 3 percussionistas e contrabaixo (s.d.) Drume negrita - para 12 vozes solistas (s.d.) El Manisero - para 12 vozes solistas (s.d.)

159

Momentum – Análise Musical De acordo com Spinazzola (2006, p. 14), o aspecto mais marcante do estilo composicional de Tania León é a “vitalidade rítmica que satura sua música”102. O autor salienta o amplo uso de ritmos e acentos latino-americanos, que a compositora associa a elementos melódicos e harmônicos de outras procedências. A música cubana passa a integrar mais suas obras a partir da composição de Four pieces for violoncelo, escrita em 1983 para o pai após visita da artista à terra natal e o falecimento do progenitor. A peça Momentum, aqui analisada, foi composta em 1984 em Nova Iorque, e traz algumas características do ritmo latino-americano como síncopas, polirritmias e justaposição das métricas binária e ternária. No âmbito melódico, Tania abusa dos intervalos de 2M e 2m (e suas inversões), bem como da 4A. Efeitos dissonantes também são provocados pela inserção de semitons a trechos que apresentam intervalos de 3M e 3m, bem como suas inversões 6M e 6m. O uso de blue notes (terças, quintas e sétimas bemolizadas), bem como o de notas de acordes sobre os graus I, IV e V da harmonia tradicional dão a Momentum, apesar de atonal, ares de blues (Idem, p. 26). Estes procedimentos podem ser vistos no Tema 1 da Seção A da peça, mostrado a seguir a título de exemplo. Os graus são marcados assumindo-se que a compositora pensou na região de Mi M para este trecho.

Figura 235 – Tema 1 da Seção A de Momentum, p. 3, sistemas 1 e 2.

Momentum pode ser dividida em 3 seções A, B e A’, precedidas de Introdução. A compositora alterna trechos em que usa barras de compasso como divisórias e outros em que estas não aparecem. Nestas partes os procedimentos serão marcados com número de página (P) e de sistema (S) correspondente, como na figura anterior. Como foi dito anteriormente, é uma composição atonal.

102 “Perhaps the most important aspect of León’s compositional style is the rhythmic vitality that saturates her music”.

160

A Introdução ocupa a primeira página da peça, que recebe a numeração P 2. Pode ser dividida em 2 partes, sendo que a Parte 1 expõe alguns elementos do que será o Tema 1 da Seção A, como semicolcheias e blue notes, enquanto a Parte 2 introduz ideias do Temas 2 daquela seção, como tercinas e baixo ostinatos. A Parte 1 da Introdução vai da P 2, S 1 até a P 3, S 2. Inicia-se com uma nota Si b no registro médio grave, cujo timbre é modificado pelo procedimento de pressionar a corda com uma mão enquanto a outra toca a tecla no instrumento (vide sinal de + sobre a nota na figura a seguir). A compositora marca andamento Adagio, com colcheia entre 50 e 60. Este trecho inicial dá o tom da expressividade que caracteriza a peça, pelo aumento de intensidade e de velocidade que ocorre até a Parte 2.

Figura 236 – Introdução, Parte 1, P 2, S 1 e 2.

A Parte 2 vai da P 2, S 2 à P 3, S 1. Marcando colcheia entre 72 e 78 e Andante rubato, emprega basicamente tercinas nos dois planos e explora o acorde de Do# M em 1ª inversão. A alternância entre síncopa e tercina cria um ritmo repetitivo que prepara o baixo ostinato do Tema 2. A dinâmica faz o caminho inverso da Parte 1, indo do mf ao mp.

Figura 237 – Introdução, Parte 2, P 2, S 3.

A Parte 2 termina numa espécie de cadenza que emenda na Secão A. Esta cadenza inicia- se citando a nota Si com timbre modificado no registro médio grave e leva a dinâmica do pp ao f da Seção A. Como indica a marcação rubato no início desta parte, Tania varia bastante a 161 velocidade neste trecho. Acelera pouco a pouco as fusas do plano superior e pede ritenuto para preparar a entrada do Tema 1 na Seção A.

Figura 238 – Introdução, Parte 2, cadenza, P 2, S 4 a P 3, S 1.

Seção A Apresentando o Tema 1 citado anteriormente, esta seção vai da P 3, S 1 à P 4, S 5. O Tema 1 é um Adagio com influência do blues, dado que pode ser conferido pelo uso de acordes tradicionais do sistema tonal com notas bemolizadas (estas são colocadas no plano superior, mas seu efeito sonoro é percebido). Se estende entre a P 3, S 1 até a P 4, S 1.

Figura 239 – Notas bemolizadas no Tema 1 da Seção A.

Uma ponte na P 4, S 2 leva ao Tema 2. As tercinas que caracterizam o Tema 2 são anunciadas pelos últimos acordes da ponte.

Figura 240 – Seção A, ponte para o Tema 2, P 4, S 2.

162

O Tema 2 vai da P 4, S 3 à mesma página, S 5. É um tema menos lírico que o anterior, e tem métrica variável demarcada por barras de compasso (a partir do cp 2 até o cp 7). Apresenta baixo ostinato em tercinas e explora os intervalos de 9M e 9m. Não faz uso de pedal de sustentação e marca articulação staccato. Predominam dinâmicas em torno de f.

Figura 241 – Seção A, Tema 2, cps 3 e 4.

Seção B No cp 8 inicia-se a Seção B, rítmica e percussiva. Tem os compassos demarcados por barras e sua métrica é variável. Apresenta mudanças súbitas de intensidade entre os compassos 20 e 23. A seção termina no cp 28. Como uma colagem de trechos baseados em diferentes padrões repetitivos, esta seção varia os vários elementos mostrados anteriormente. O primeiro trecho, entre os compassos 8 e 10, retoma a ideia de ostinato aplicada ao Tema 2 da Seção A. Acordes substituem as tercinas daquele. O padrão do acorde lembra o apresentado no Tema 1, P 3, S 1.

Figura 242 – Seção B, ostinato rítmico e percussivo, cp 8.

Figura 243 – Acorde do Tema 1, Seção A, P 3, S 1, plano superior.

163

O trecho seguinte também apresenta ostinato baseado em material do Tema 1 da Seção A. O motivo melódico citado aparece nos dois planos em homofonia.

Figura 244 – Seção B, cp 11.

Figura 245 – Motivo do Tema 1, Seção A, P 3, S 1, plano superior.

O Tema 2 é variado na Seção B entre os compassos 20 e 23. O motivo de seu baixo ostinato em tercinas aparece em semicolcheias nos dois planos em homofonia.

Figura 246 – Seção B, semicolcheias em homofonia lembram ostinato do Tema 2. Cp 20.

Figura 247 – Tema 2, baixo ostinato, cp 3, plano inferior.

164

Entre os compassos 29 e 33 uma transição sincopada e rítmica leva à Seção A’. O cp 34 apresenta suspensão, após a qual uma espécie de cadenza, como a da Introdução, prepara a reexposição variada do Tema 1.

Figura 248 – Transição para a Seção A’, com suspensão no cp 34.

A partir do cp 35 a Seção A’ reapresenta os Temas 1 e 2, com ligeiras variações, num só bloco, sem divisão de compassos. A peça termina lembrando o baixo em estilo blues do Tema 1, assim como as notas Si e Si b com timbre modificado pela pressão no encordoamento do piano, da Introdução.

Figura 249 – Seção A’, final, P 8, S 5.

165

14. Nilceia Baroncelli (Brasil, 1945)103 Nilcéia Cleide da Silva Baroncelli (Cambé, PR, 1945), escritora e musicista radicada em São Paulo, é diplomada em Piano pelo Conservatório Musical Campinas e Bacharel em Língua e Literatura de Expressão Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Dedica-se desde 1976 a pesquisar obras de mulheres compositoras. Publicou em 1987 o livro “Mulheres Compositoras – elenco e repertório” e, em 1992, produziu e apresentou pela Rádio Cultura FM de São Paulo a série de mesmo nome, reprisada em 1993. Exerceu o jornalismo em grandes empresas. Como musicista, foi Arquivista da Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural São Paulo, Chefe do Arquivo de Partituras e pianista da Escola Municipal de Bailados, ambos do Teatro Municipal de São Paulo. Publica comentários sobre mulheres compositoras no blog www.mulheres- compositoras.blogspot.com e sobre música, literatura e atualidades, no blog www.escrevo- existo.blogspot.com . Escreve arranjos de peças de caráter brasileiro para o Duo Brasil Brejeiro (piano a 4 mãos) no qual atua em parceria com Wirley Francini. Outros arranjos do mesmo gênero, que escreveu, foram estreados pelo Duo Maltese. Compõe para piano, câmara, orquestra de cordas e solistas de canto. Entre seus intérpretes estão o baixo Estêvão Maya-Maya, os mezzo-sopranos Clarissa Cabral, Malu Mestrinho e Regina Elena Mesquita; os sopranos Heloísa Petri e Victoria Kerbauy, e as pianistas Eliana Monteiro da Silva, Maria José Carrasqueira, Sylvia Maltese e Valdilice de Carvalho. A Orquestra de Cordas Laetare, sob regência de Muriel Waldman, estreou sua Suite Singela, e as transcrições de Nuvens e Tocata, de Emilia De Benedictis, para arcos. O Trio América estreou sua Cantiga de amigo, com Regina Elena Mesquita, intérprete que apresentou outras peças suas, principalmente Minha imagem belle-époque em diversos teatros brasileiros e no México. Clarissa Cabral e Eliana Monteiro da Silva, especializadas em Clara Schumann, colocaram o nome de sua canção Ouvir estrelas, com texto de Olavo Bilac, no duo que mantêm, e sempre iniciam seus recitais apresentando essa obra. As pianistas Sylvia Maltese e Valdilice de Carvalho gravaram peças de sua autoria, respectivamente Adágio, no CD Mulheres compositoras – França-Brasil, e Fim de filme, no CD Em tempo de valsa. Estas três músicas podem ser ouvidas no YouTube. Em 2014, foram estreadas suas peças Cubanos e brasileiros, por Valdilice de Carvalho, piano (São Paulo e Buenos Aires); Lírica XVI, texto da Marquesa de Alorna, por Heloisa Petri, soprano e Rosana Civile, piano (Praça das Artes, São Paulo); Carroça de tolda, canção, texto de Helena Kolody, por Malu Mestrinho, mezzo-soprano e Marcelo Fernandes, violão, no V Festival Internacional de Música de Campina Grande, Paraíba, e Ser ou não ser, texto de José Bonifácio de Andrada e Silva Sobrinho, por Vivian Guedes, soprano e Diógenes Jr., piano (Teatro Municipal de São Caetano do Sul).

103 Texto gentilmente enviado pela compositora em 4/3/2018. 166

Em 2016, o soprano Pergy Grassi estreou a versão para canto, com texto de sua autoria, da obra Nuvens, de Emilia De Benedictis, e a adaptação para canto com texto da liturgia, da Ave, Maria, da mesma compositora, ambas acompanhadas pelo organista Newton de Lima, na Igreja de Santa Teresinha, em São Paulo. Participou da Série Concertos “O Compositor é Vivo!”, do SESC Vila Mariana, com apresentação de obras para piano solo, piano e violino e canto e piano, com reprise, a convite de Musicalis – Núcleo de Música, na Sala Cultura Inglesa do Centro Brasileiro Britânico. Nesse mesmo auditório, estreou em outubro, a peça Adágio, para piano e orquestra de cordas, com a Orquestra de Cordas Laetare sob regência de Muriel Waldman. Na Sala do Conservatório, da Praça das Artes, o barítono Sandro Bodilon, com Rosana Civile ao piano, interpretou a canção Na rua Aurora nasci, texto de Mário de Andrade. Em novembro desse mesmo ano, foi a compositora convidada no “V Seminário da Canção Brasileira”, promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais, palestrando e tendo um recital só de suas obras, com estréia de cinco canções. Em 2018, a pianista Regina Schlochauer estréia Delicada, valsa, na Série “Pocket Concert”, na Pinacoteca Benedito Calixto, em Santos.

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De acordo com relação de obras redigida pela própria Nilceia Baroncelli, são suas obras:104 Toada - para piano (1961) Modinha brasileira - com texto da compositora, para canto (mezzo-soprano) e piano (1963) Pau de sebo - com texto da compositora, para canto (bx) e piano (1971) Canon modal a 2 vozes - com texto da compositora, para coro (1974) Patchwork, colagem de clichês de jazz - para piano (1974) Só na tina – Uma canção de lavadeiras - para flauta e piano (1974) Horoscopeça - para conjunto de percussão (1975) Mito-homem - com texto da compositora, para coral a 4 vozes (1975) Retorno - com texto da compositora, para canto (bx) e piano (1975) Canção infantil para Anchieta - com texto da compositora, para coro infantil port.-tupi e piano (1981) Cantiga de amigo: “Par Deus, coytada vivo...” - com texto de Pero Gonçalves Porto Carrero, Lírica 505 do Cancioneiro da Vaticana, para canto (mezzo-soprano), piano, flauta e cello (1983). Versão com nova instrumentação (2003) Sinfonia de fanfarras, de J. Mouret, 1°. Movimento – Rondó - arranjo para quinteto de arcos, trompete e órgão (1983) Rondó, da Sinfonia de fanfarras - arranjo para a peça de Jean Mouret, para órgão (1988) Minha imagem “Belle-èpoque” - com texto da compositora, para canto (mezzo-soprano) e piano (1989) Lírica XVI (1ª. versão) - com texto da Marquesa de Alorna, para canto (sp) e piano (1996) Três poemas de Mário de Andrade (Ciclo da morte): 1. “Na rua Aurora nasci...”; 2. Quarenta anos, soneto: “A vida para mim...”; 3. “Quando eu morrer, quero ficar...” - para canto (bx) e piano (1997) Grande fantasia triunfal sobre o tema do Hino Nacional Brasileiro - arranjo da peça de L. M. Gotschalk, para 2 pianos (1998) Novelinho - para piano (1999) Dona Linda, valsa saltitante - para piano (2001) Luar da Bela Vista - para piano (2001) Pra você ficar feliz, choro - para piano (2001) Minueto em sol maior e Minueto em lá menor, ambos do Pequeno livro de Ana Magdalena Bach, de J. S. Bach - arranjo para 2 violões (2002)

104 A relação integra o documento enviado a mim pela compositora em 4/3/2018, junto com sua biografia. 168

Suíte singela: 1. Baião; 2. Berceuse; 3. Valsa; 4. Toada; 5. Marcha-rancho - para orquestra de cordas (2002-3) Suite singela (arranjo do original para Arcos) - para piano a 4 mãos (2002/3) A Carolina - com texto de Machado de Assis, para canto (bx) e piano (2004) Convidativa, valsa - para piano (2004) Nuvens - arranjo para peça de Emilia De Benedictis, para orquestra de cordas (2005) Os rios - com texto de Olavo Bilac, para canto (bar) e piano (2005) Fim de filme - para piano (2006) Tocata em choro - para piano (2006) Cubanos e brasileiros, síntese de ritmos - para piano (2007) Delicada, valsa - para piano (2007) O fio de Ariadne - para piano (2007) Ouvir estrelas - com texto de Olavo Bilac, para canto (mezzo-soprano) e piano (2007) A Dinamene - com texto de Luís Vaz de Camões, para canto (bx) e piano (2008) Adágio - para piano (2008) Elegia - para violino e piano (2008) Por toda a vida, valsa para balé - para piano (2008) Primavera! - com texto de Florbela Espanca, para canto (sp) e piano (2008) Amor obscuro - com texto de Alceu Wamosy, para canto (bar e bx) (2009) Enigmática, valsa - para piano (2009) Graciosa, gavota e musete - para piano (2009) Os tons da claridade - para piano (2009) Palavras ao mar , valsa - para piano (2009) Rosária e as rosas..., tango brasileiro - para piano (2010) Sonatina - para piano (2010) Maira, valsa - para piano (2012) Num leque - com texto de Marcelo Gama, para canto (bar) e piano (2009), versão para bx (2012) Acalanto para Henrique - para piano (2013) Carroça de tolda - com texto de Helena Kolody, para canto (mezzo-soprano) e violão (2013) Filigranas - com texto de Joaquim Dias da Rocha Filho, para canto (sp) e piano (2013) Lírica XVI (2ª. versão) - com texto da Marquesa de Alorna, para canto (sp) e piano (2013) Palmas e “clecs” - para oboé e público (2013) 169

Prelúdio coral - para piano (2013) Carroça de tolda - com texto de Helena Kolody, para canto (mezzo-soprano) e piano (2015) O fio de Ariadne - para orquestra de cordas (2015) Ô abre alas - arranjo da peça de Chiquinha Gonzaga, para orquestra de cordas (2015) Ponteio - arranjo da peça de Clorinda Rosato, para orquestra de cordas (2015) Tocata - arranjo da peça de Emilia De Benedictis, para orquestra de cordas (2015) Noventa rosas para D. Thereza, valsa hesitação105 - para piano (2016) Adágio - para piano e orquestra de cordas (2017) Luar da Bela Vista - para flauta e violoncelo (2017) Soneto: “Que tens, meu coração?” - com texto de Beatriz Brandão, para canto (sp) e piano (2017) Variações sobre o tema de O Gaúcho – Corta-Jaca - arranjo da peça de Chiquinha Gonzaga, para orquestra de cordas (2017) À maneira de sonatina - para 2 flautas doces (2018) Água órfã - com texto da compositora, para coro a 4 vozes mistas a cappella (2018) Rubrica - com texto de Ilka Brunhilde Laurito, anto (ct) e piano (s.d) Ser ou não ser - com texto de José Bonifácio de Andrada e Silva Sobrinho, para canto (tn) e piano (s.d) Soneto de Camões: “Amor é fogo...” - com texto de Luís Vaz de Camões, para canto (mezzo- soprano) e piano (s.d) Tão só - arranjo da peça de Izaías Bueno de Almeida, para piano (s.d)

Canto e Piano (Autoria de Texto em Músicas de Terceiros)

Quatro letras - poema musicado por Rachel Peluso (inédito), para sp (1998) O espaço do ausente - poema musicado por Renée Fonna Sizudo (1999) Noturno nr. 2 - texto para música de Emilia De Benedictis, para mezzo-soprano, inédito (2001) Lírica - texto para música de Otávio Pinto, para mezzo-soprano (2005) Nuvens - texto para música de Emilia De Benedictis, para mezzo-soprano, inédito (2007) Interlúdio para Cristina - texto para música de Maria App. Côrtes Macedo, para sp (2014) Viagem - texto para música de Emilia De Benedictis, para sp, inédito (2015)

105 Esta peça foi dedicada à minha mãe, Thereza, em seu aniversário de 90 anos. 170

Os Tons da Claridade – Análise Musical A generosidade de Nilceia é reconhecida por todas (os) que dela se aproximaram em busca de informação sobre as mulheres compositoras. Além de compartilhar seu conhecimento sobre o assunto, a compositora compõe e dedica peças a intérpretes que mergulham neste universo. A peça Os Tons da Claridade, aqui analisada, faz parte deste panorama, tendo sido composta em 2009 e a mim dedicada. O termo “claridade”, expresso no título, remete-se a Clara Schumann, tema de minha pesquisa de Mestrado recém terminada em 2009. A peça baseia-se num tema de 8 compassos, em Lá M, e emprega harmonia tonal cromática. Explora as relações de mediante cromática e insere semitons aos acordes, dando- lhes “tons” e cores especiais. O tema apresenta semínimas e colcheias, lembrando o tema de Robert Schumann cujas variações de Clara Schumann Op. 20 sobre o mesmo eu analisava na minha dissertação de Mestrado. Nilceia variou este tema aumentando a extensão dos acordes do plano superior e a densidade rítmica (mais figuras no mesmo espaço de tempo) do inferior na Seção A’ de sua composição. É uma obra pensada na intérprete para quem foi dedicada. Os Tons da Claridade pode ser dividida em 4 seções, A, B, A’ e A. Escrita em harmonia tonal cromática, tem na Seção A 2 temas, um na tônica Lá M e outro na região da dominante Mi M. Sob indicação de lento e expressivo, a compositora marca semínima = 72.

Seção A O Tema 1 desta seção vai do cp 1 ao 8 com fraseologia em forma de sentença (4 + 4). Inicia-se em dinâmica p e cresce até alcançar o mf no cp 9, início do Tema 2. Utiliza mínimas e semibreves no plano inferior como notas pedal, enquanto cromatismos são inseridos nos arpejos do acompanhamento e nos acordes do plano superior. Estes cromatismos são responsáveis pelos diferentes “tons” que colorem a obra, formando acordes de 5A, 7M e 9M, entre outros.

Figura 250 – Pedal de Lá e cromatismos no Tema 1 da Seção A, cps 1 e 2. Note-se o acorde de 7M no cp 1.

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O Tema 1 tem caráter intimista e passa pelos acordes de T, D, S, Sr e tR, até atingir a DD (Si M) no cp 8. No cp 9 inicia-se o Tema 2, na região de Mi M (D). Estendendo-se do cp 9 ao 16, o Tema 2 é mais eloquente e apaixonado. Tem dinâmicas mais fortes e utiliza a nota Mi como pedal, repetindo-a por todo o trecho. As figuras também são mais longas que no tema anterior. Aqui a fraseologia não se encaixa nos modelos de período ou sentença, pois o tema tem uma única frase de 5 compassos, com 3 de extensão. Nilceia explora a relação entre tons maiores e menores, característica da música latino- americana, no Tema 2. Isso pode ser conferido na sobreposição do Fá M ao Lá m no cp 12.

Figura 251 – Tema 2 da Seção A, cps 9 a 13, com cp 12 assinalado.

Figura 252 – Seção A, Tema 2, extensão cps 14 a 16.

Seção B Esta seção vai do cp 17 ao 24, lembrando o motivo rítmico e melódico inicial do Tema 1 no cp 17. A tonalidade de Lá M daquele é mantida, assim como o pedal de Lá em mínimas no plano inferior e o acorde de 7M iniciando a frase. A compositora também brinca com os modos maior e menor nesta seção, como atesta o uso do Do natural no cp 17. 172

Figura 253 – Seção B, cps 17 e 18.

Figura 254 – Motivo rítmico e melódico do Tema 1, cp 1, plano superior.

A fraseologia do Tema 2 da Seção A, com extensão que repete a semi-frase final, é utilizada na Seção B. Nesta, a repetição do cp 20 se dá em forma de progressão descendente, até alcançar o acorde em semibreves no plano superior do cp 23, mantido no cp 24.

Figura 255 – Seção B, cps 20 a 24.

Seção A’ A Seção A’ varia o Tema 1 da Seção A entre os compassos 25 e 30.

Figura 256 – Seção A’, cps 25 e 26. 173

No cp 31 uma transição breve leva de volta à Seção A, reexpondo-a, literalmente, com seus Temas 1 e 2.

Figura 257 - Transição para Seção A, cp 31.

Figura 258 - Caligrafia de Nilceia Baroncelli na dedicatória à autora deste trabalho.

174

15. Maria Teresa Gutiérrez (Bolívia, 1954) De acordo com Camila Nicolini (2004, p. 16), a compositora nasceu em Cochabamba, em 1954. Concluiu Licenciatura em Música em 1998, é professora e Chefe de Matérias Teóricas do Conservatório Nacional de Música de La Paz, além de lecionar na Escuela Nacional de Música Luis Felipe Arce. Tem participado ativamente das atividades de estudo, análise e divulgação da música contemporânea boliviana, que amadureceu, principalmente, após a criação dos Festivais Bolivianos de Música Contemporanea, em 1992. A música boliviana foi fortemente influenciada, na década de 1960, pelo retorno do compositor e maestro Alberto Villalpando à Bolívia, após estudar no CLAEM de Buenos Aires com mestres como Alberto Ginastera, Olivier Messiaen, Luigi Nono, entre outros. Em 1970 foi criado o Taller de Música de la Universidad Católica de La Paz, de onde saíram diversos compositores e compositoras de reconhecido talento e sólida formação. Após 1980, as técnicas de vanguarda apreendidas no período citado foram mescladas com o interesse na música local do país, através de projetos como a Orquestra Experimental de Instrumentos Nativos (OEIN) de Cergio Prudencio. Maria Teresa Gutierrez pertence à geração de musicistas que desponta na década de 90, formados, em sua maioria, na Universidad Unión Evangélica Boliviana106.

106 Cf.: La Patria, 2014, p. 1. Dados na bibliografia. 175

Catálogo de obras Não foi possível ter acesso ao catálogo de obras de Maria Teresa Gutiérrez. Além das variações aqui analisadas, as únicas composições encontradas em programas de concertos disponíveis na internet foram as peças: Árbol – para piano Pequeñas Danzas - para piano Feria – para quinteto de sopros 176

Variaciones para Piano (1995) – Análise Musical. Do ciclo Variaciones para piano constam um Tema e 10 variações107. De acordo com Nicolini (Op. Cit., p. 16), “cada variação se articula com a seguinte a partir de um nexo particular”. Na minha concepção este nexo é dado, principalmente, pela presença e variação de dois motivos rítmicos e melódicos: o m r/m 1, que conforma a primeira seção do Tema, e o m r/m 2, que surge na primeira variação. Nicolini identifica na obra diversas técnicas e linguagens, como atonalismo livre e serial, uso da escala octatônica e politonalidade. O ritmo é sempre irregular com métrica variável. As variações trabalham aspectos diversos do Tema e de seus desdobramentos, como é o caso do motivo que surge da primeira variação do ciclo. Isto confere complexidade à obra e a distancia do caráter ornamental das variações criadas nos séculos XVIII e mesmo por algumas e/ou alguns mestres do Romantismo. A irregularidade formal, com seções às vezes muito concisas ao lado de outras mais extensas na mesma peça, demonstra a preocupação da compositora em estar atenta às propostas que ganharam espaço durante o século XX na América Latina. O mesmo pode ser observado em relação ao aspecto melódico, com variações atonais e dodecafônicas, e, em menor proporção, aos aspectos rítmico e timbrístico. A obra se inicia com um Tema atonal livre, em forma A B A’. A Seção A ocupa os 2 primeiros compassos, numa espécie de introdução108. A indicação de andamento é de semínima = 60 e a dinâmica vai do f ao ff. Esta seção apresenta o motivo rítmico e melódico 1 (m r/m 1) no plano inferior, acompanhado por um acorde em notas longas no plano superior109. Os intervalos do m r/m 1 são 2m e 2M, enquanto os do acorde são 4j e 4A. Estes intervalos serão predominantes em todo o ciclo de variações.

Figura 259 – Tema, Seção A, cps 1 e 2. O m r/m 1 é apresentado no plano inferior.

107 Maria Teresa Gutiérrez não nomeia as peças de seu ciclo como Tema, Variação I, etc. O Tema não tem título e as demais peças vem numeradas a partir do número II, em números romanos. Aqui chamei de Tema e Variações para melhor ilustrar os procedimentos da compositora, entendendo o vínculo de todas as peças com a inicial. 108 A justificativa de delimitar uma seção tão curta como 2 compassos se deve à mudança de andamento, dinâmica e caráter expressivo deste trecho em relação às demais seções do Tema. Também se deve ao fato das outras seções serem equivalentes em extensão (9 e 10 compassos, respectivamente) e de poderem ser identificadas outras seções de 2 compassos em outras variações do ciclo. 109 O m r/m 1 é apresentado oitavado no registro grave. 177

Seção B No cp 3 inicia-se a Seção B, mudando a textura e o andamento até o cp 11. A indicação de andamento desta seção é semínima = 40. A dinâmica inicia-se em p e alcança o f no cp 9.

Figura 260 – Tema, Seção B, cps 3 a 5

A síncopa que aparece na Seção A é replicada em vários pontos da Seção B. O ritmo é bastante irregular, devido ao uso de figuras de diferentes valores. Há uma citação variada do m r/m 1, bem como do acorde que o acompanha, entre os compassos 9 e 11110. Assim como a anterior, esta seção termina em suspensão, com fermata111.

Figura 261 – Citação do m r/m 1 e do acorde apresentados na Seção A, cps 9 a 11.

Seção A’ A mudança de textura após o acorde suspenso do cp 11 indica o início da Seção A’, no cp 12. Esta é contrapontística, apresentando duas linhas melódicas em movimento contrário. A indicação de andamento retoma a da Seção A, com semínima = 60. O plano inferior cita o m r/m 1 com figuras de menor valor, enquanto o acorde que o acompanhava originalmente aparece no plano superior do cp 14.

110 O trecho da citação coincide com os compassos em dinâmica f. 111 Tanto as síncopas como o uso de fermata para encerrar trechos e seções aparecem nas demais variações do ciclo. 178

Figura 262 – Seção A’ contrapontística retoma m r/m 1 e acorde dos compassos 1 e 2.

O Tema se encerra no cp 21, citando as notas e os dois intervalos principais do m r/m 1.

Figura 263 – Tema, Seção A’, cps 20 e 21.

Variação I (na partitura, peça II) Esta peça, cuja indicação de andamento é semínima = 50, também pode ser dividida em 3 seções A, B, A’, tendo a central 2 compassos, como a Seção A do Tema. Isto porque estes 2 compassos citam o m r/m 1 e dividem a peça em 2 partes semelhantes A e A’, com a presença massiva dos grupos alterados tercina e quintina. A Seção A tem métrica variável e é monódica, com a linha melódica ocupando os registros grave e médio grave. Os grupos alterados aparecem após o terceiro compasso e a seção se encerra, no cp 9, com acordes nos dois planos. É possível identificar o uso das 3 vertentes do modo octatônico, entre as quais a compositora transita usando justaposição de trechos curtos. Octatônica 1

Octatônica 2

179

Octatônica 3

Figura 264 – Justaposição de octatônicas 1, 2 e 3 entre os compassos 1 e 3 da Seção A.

Um novo motivo rítmico e melódico é apresentado no cp 3, em tercinas. Assim como o mr/m 1, este m r/m 2 será variado em diversas das variações que se seguem.

Figura 265 – m r/m 2, cp 3.

A justaposição de octatônicas segue até o cp 9, quando acordes nos dois planos encerram a Seção A e anunciam a Seção B. A nova seção traz a citação do m r/m 1 em figuras de diferentes valores em relação ao original.

Figura 266 – Fim da Seção A, cp 9, e Seção B, cps 10 e 11.

180

A Seção A’ se inicia no cp 12 com a monodia da Seção A no plano superior, agora acompanhada por acordes que lembram o encerramento daquela112. A justaposição de octatônicas dá lugar ao uso dos 12 sons da escala cromática. Já os grupos alterados são mantidos no decorrer da seção. O m r/m 2 aparece agora, variado, nos grupos regulares de semicolcheias.

Figura 267 – Seção A’, cps 12 e 13.

No cp 20 há uma polirritmia entre linhas melódicas apresentadas nos dois planos, único trecho da peça em que isso ocorre. O compasso final cita o acorde inicial do Tema no plano superior, e as notas do m r/m 1 no inferior, também em acorde.

Figura 268 – Variação I, cps 20 a 22.

Variação II (na partitura, peça III) Seguindo o formato das anteriores, esta variação pode ser dividida em 3 seções A, B e C, uma de 2 compassos e outras mais longas, de extensão equivalente. Como o Tema, a Seção A é a mais curta e traz as notas do m r/m 1 no plano inferior. Esta monodia será usada como baixo ostinato por toda a variação.

112 Mais do que o encerramento da Seção A, em acordes formados por 2M e 9m, os acordes da Seção A’ lembram o encerramento da Seção B do Tema, com acordes formados por 2M e 7M. 181

Figura 269 – Monodia da Seção A que servirá de baixo ostinato nas demais seções. Cps 1 e 2.

Além do uso de baixo ostinato, outra novidade nesta peça é a métrica regular 2/4, com exceção do cp 13 da Seção A’, escrito em 3/4. O ritmo do plano superior das seções B e C também se baseia num motivo estático, que pode ter duas terminações a e b. A indicação de andamento é semínima = 60.

Figura 270 – motivo rítmico usado no plano superior das Seções B e C, terminação a (m r a).

Figura 271 – motivo rítmico usado no plano superior das Seções B e C, terminação b (m r b).

Figura 272 – Seção B com motivos rítmicos e baixo ostinato assinalados, cps 3 a 6.

182

Seção C Esta seção tem extensão de 9 compassos (1 a mais que a anterior) e mantém o padrão da Seção B. Este é rompido no cp 13 pela mudança de métrica para 3/4/ e pela citação do acorde inicial do Tema no plano superior. Outros 2 compassos em acordes encerram a Variação II.

Figura 273 – Seção C, cps 13 a 15.

Variação III (na partitura, peça IV) A terceira variação se relaciona diretamente com a anterior, tanto pela métrica regular 2/4 como pelo uso de díades em intervalo de 2M. A indicação de andamento é, também, semínima = 60. Construída em um só bloco, apresenta diálogo entre os planos superior e inferior do tipo pergunta e resposta, iniciado por dois compassos que introduzem a melodia no cp 3. A melodia é apresentada primeiramente no plano inferior, no registro médio grave, acompanhada por motivo em colcheias no plano superior. Esta textura é invertida no cp 6. A frase termina com díades nos dois planos, em ritmo sincopado, no cp 9.

Figura 274 – Variação III, cps 3 a 9.

A partir do cp 9 a melodia é retomada no plano inferior em anacruse. A resposta surge, novamente, no plano superior. As semi-frases tem as alturas invertidas horizontalmente, ensaiando o procedimento retrógrado que será usado nas últimas variações do ciclo, dodecafônicas. 183

Figura 275 – Cps 9 a 11, plano inferior.

Figura 276 – Cps 3 a 5, plano inferior.

O penúltimo compasso mostra os planos invertidos em relação à conclusão do diálogo citado anteriormente.

Figura 277 – Cp 14 inverte planos do cp 8.

Variação IV (na partitura, peça V) A inversão dos planos continua a ser trabalhada na quarta variação. Também são retomadas as tercinas e quintinas da Variação I, a citação do m r/m 1 e do m r/m 2, e a divisão da peça em 3 seções A, B, A’. Assim como as duas que a antecedem, a indicação de andamento é semínima = 60. A Seção A apresenta melodia no plano superior acompanhada por acordes no inferior. Os acordes se baseiam no que encerra a Seção B do Tema. O m r/m 2 aparece logo no início da peça, no plano superior.

Figura 278 – Variação IV, Seção A, cp, 1 e 2.

184

A Seção B vai do cp 5 ao 10, em duas partes B1 e B2. B1 cita o m r/m 1 em colcheias e semínimas, enquanto B2 apresenta acordes em movimento ziguezague entre os planos superior e inferior.

Figura 279 – Variação IV, Seção B, parte 1. Cps 5 e 6.

Os acordes de B2 seguem o padrão apresentado na Seção A desta variação, que são, por sua vez, baseados no Tema.

Figura 280 Seção B, parte 2, cps 7 a 10.

A Seção A’ retoma a melodia com a presença de grupos alterados acompanhada por acordes, agora em planos invertidos em relação à Seção A. O m r/m 2 é citado parcialmente no cp 10 e com intervalos variados no cp 11.

Figura 281 – Seção A’ inverte planos da melodia acompanhada e cita m r/m 2, cps 10 e 11.

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A Variação IV se encerra no cp 13 com indicação de ritenuto, pela primeira vez neste ciclo. A diminuição de andamento prepara a variação seguinte.

Figura 282 – O último compasso da Variação IV indica ritenuto.

Variação V (na partitura, peça VI) Pela primeira vez neste ciclo a compositora valoriza mais o timbre, pelo uso de acordes arpejados em diferentes sentidos (ascendente e descendente). O m r/m 2 é citado em figuras de diferentes valores entre si. Esta variação se inicia com indicação de andamento semínima = 50 e tem métrica variável.

Figura 283 - Acordes arpejados, cps 1 e 2, plano inferior.

Pode ser dividida em três seções A, B e C, sendo que a central ocupa 3 compassos (8 a 10). A Seção B se destaca pelo adensamento da textura, provocado pelo uso de trêmulo no cp 8 e de linhas em contraponto e polirritmia nos compassos 9 e 10. Esta polirritmia nos remete à Variação I, cp 20.

Figura 284 – Trêmulo adensa textura da Seção B, cp 8. 186

Figura 285 – Variação V, cps 9 e 10. Polirritmia remete-se à Variação I.

A Seção C, localizada entre os compassos 11 e 15, inicia-se com uma espécie de recitativo de 2 compassos. Marcando semínima = 40, este trecho termina suspenso em fermata após indicação de ritenuto.

Figura 286 – Seção B, cps 11 e 12.

No cp 13 Maria Teresa retoma a semínima em 50. As duas linhas melódicas em movimento contrário lembram a Seção A’ do Tema.

Figura 287 – Seção C, cps 13 e 14.

A peça se encerra com acordes arpejados nos dois planos.

187

Figura 288 – Variação V, Seção C, cp 15.

Variação VI (na partitura, peça VII) Esta variação é a mais movida do ciclo. Com métrica variável e andamento inicial de semínima = 80, pode ser dividida em 2 seções A e B, seguidas de Coda. Ambas as seções apresentam 2 partes, caracterizadas pelo contraste entre a textura contrapontística, baseada em linhas melódicas, e a vertical, baseada em acordes. Este procedimento foi usado por Maria Teresa na seção central da Variação III, deste ciclo. A Seção A1 é contrapontística a 4 vozes, e se estende entre os compassos 1 e 7 terminando em fermata. Os sons do m r/m 1 são citados nos compassos 1 e 2 do plano superior. Predomina a métrica variável entre 2/4, 3/4, 4/4 e 3/8.

Figura 289 – Seção A1 da Variação VI cita notas do m r/m 1.

Na parte 2 desta seção, a compositora marca semínima = 60, dinâmicas em torno de p e usa acordes (díades) nos dois planos. A Seção A2 vai do cp 8 ao 10, em métrica regular 3/8. Apresenta ritenuto no cp 10, preparando a entrada da Seção B.

Figura 290 – Seção A, parte 2, cps 8 a 10. 188

A Seção B inicia-se no cp 11 utilizando contraponto a 2 vozes com acordes ocasionais. Esta parte foi chamada de B1 e se encerra no cp 17. Assim como a parte 1 da Seção A, predomina a métrica variável.

Figura 291 – Seção B1, cps 11 e 12.

A Seção B2 inicia-se no cp 17, em elisão, utilizando acordes e oitavas. No cp 20, também em elisão, inicia-se uma Coda de 8 compassos, em contraponto a 3 vozes. O m r/m 2 é lembrado nos dois planos do cp 25.

Figura 292 – Coda da Variação VI, cps 25 a 27. Contraponto a 3 vozes.

Variação VII (na partitura, peça VIII) Nesta variação, pela primeira vez no ciclo, a compositora cita o m r/m 1 em oitavas, como no Tema. O motivo aparece no plano superior, acompanhado por acorde no inferior. Maria Teresa emprega ritmos pontuados, repetindo o som Mi (em vez do Ré#) nas extremidades.

Figura 293 – Variação VII, m r/m 1 variado, cp 1. 189

Assim como várias anteriores, esta peça pode ser dividida em 3 seções, sendo uma delas extremamente curta e concisa. Esta é a Seção A, que ocupa o primeiro compasso e é delimitada por barra dupla (vide figura anterior). A Seção B vai do cp 2 ao 6, com melodia em oitavas acompanhada por baixo linear. Este é formado pela sucessão de motivos que variam o m r/m 2, ora em tercinas, ora em semicolcheias.

Figura 294 – Seção B, cp 3.

A Seção C retoma os acordes arpejados da Variação V, usando-os nos dois planos num efeito timbrístico que, ao mesmo tempo, confere coerência ao ciclo por não deixar qualquer elemento pontualmente isolado. O ritmo pontuado da Seção A também é lembrado nesta seção, tanto no plano superior (cp 7), como no inferior (cp 9).

Figura 295 – Seção C, cps 7 a 9.

Nesta variação a métrica varia entre 3/4 e 2/4. O andamento inicia-se mais lento, com semínima = 40, e passa para semínima = 60. As intensidades variam entre pp, p e mp, alcançando dinâmicas mais fortes entre os compassos 5 e 8 - ou, final da Seção B e início da C. A Variação termina com acordes em homofonia nos dois planos, em movimento contrário.

190

Variação VIII (na partitura, peça IX) Podendo ser dividida em 3 seções A, B, A’, seguidas de Coda, esta variação é contrapontística e trabalha linhas melódicas em movimento contrario, como a Seção A’ do Tema. O acorde inicial da Seção A lembra o acorde que acompanha o m r/m 1 no início do ciclo, no plano superior, sem o som central.

Figura 296 – Variação VIII, cp 1.

Não faz uso de fermata para delimitar seções, mas encerra a Seção A, no cp 5, usando figuras de maior duração. A dinâmica também colabora para dar ao trecho ar de conclusão, acentuando o ponto de chegada.

Figura 297 – Término da Seção A, cps 4 e 5.

A Seção B é concisa e se estende entre os compassos 6 e 7. No cp 8 começa a Seção A’, retomando as semicolcheias em movimento contrário até o cp 10. A partir do cp 11, a Coda vai do registro agudo ao grave do piano em acordes de 4j (ou seu intervalo complementar 5j) e 4A. Num gesto tipicamente pianístico, a nota Lá é tocada pela mão esquerda no registro agudo, encerrando a variação, após um ritenuto, em dinâmica pp.

191

Figura 298 – Coda, cps 11 a 14.

Variações IX e X (na partitura, peças X e XI) As variações IX e X são dodecafônicas e se baseiam na mesma série original. Distinguem-se pelo maior uso de acordes em intervalo de 9M e 9m na Variação X, remetendo- se ao acorde inicial do Tema. A Variação IX é mais linear e utiliza as séries horizontalmente, sem fundir os planos (exceção é o compasso final, em acordes). Na Variação X a compositora arrisca cruzar os planos superior e inferior.

Variação IX Em termos de forma, pode-se dividir a Variação IX em 3 seções A, B e C. A Seção A vai do cp 1 ao 2, B vai do cp 3 ao 12 e C ocupa os compassos 13 e 14. As seções A e C têm 2 compassos cada, sendo que A é linear e C baseia-se em acordes. A série original (O) é mostrada na Seção A, enquanto sua inversão (I) aparece na Seção C. A série original se inicia no oitavo elemento da escala cromática, Sol#, considerando que a escala vai do 0 ao 11 (0 = Do, 1=Do#, 2=Ré, 3=Ré#, 4=Mi, 5=Fá, 6=Fá#, 7=Sol, 8=Sol#, 9=Lá,

10=Lá#, 11=Si). Por esta razão a série original nesta peça é denominada O8. As notas da série original são Sol#, Do#, Lá, Do, Lá#, Si, Sol, Ré, Fá#, Ré#, Fá e Mi. Daqui por diante me referirei a elas pelos números correspondentes.

O8 {8, 1, 9, 0, 10, 11, 7, 2, 6, 3, 5, 4}

Não obstante, a numeração que aparece nos exemplos se refere à ordem das notas marcadas na série que lhes corresponde. A figura que se segue mostra a Seção A.

192

Figura 299 – Variação IX, Seção A, cps 1 e 2. Os números se referem à ordem das notas na serie correspondente (O8).

Como foi dito anteriormente, a Seção C desta variação apresenta a inversão da série original. Por estar em acordes, sua visualização é um pouco mais difícil.

I8 {8, 3, 7, 4, 6, 5, 9, 2, 10, 1, 11, 0}

Há uma alteração no 11º elemento da serie na Seção C, pois o Si dá lugar ao Ré que já havia sido usado. Não foi possível constatar se foi proposital ou se é erro da edição.

Figura 300 – Seção C, série I8, cps 13 e 14.

Para melhor acompanhar a análise das variações IX e X as séries original (O), retrógrada (R), invertida (I) e o retrógrado da inversão (RI) foram colocadas no quadrado mágico113. A Original deve ser lida da esquerda para a direita, a Retrógrada da direita para a esquerda, a Invertida de cima para baixo e a Inversão da Retrógrada de baixo para cima.

113 O quadrado mágico é um dispositivo facilitador para a visualização das possibilidades de variação de uma série dodecafônica. Ficou conhecido por seu criador Milton Babbitt (KOSTKA, apud COELHO DE SOUZA, 2009, pp. 127-128). 193

A compositora empregou mais vezes a serie original O (5 vezes), seguida pela retrógrada R (4 vezes) e pela invertida I (2 vezes). Seguem alguns exemplos destas aplicações, além dos já mostrados nas seções A e C, que podem ser conferidos no quadro mágico.

Figura 301 – Série Retrógrada iniciada no 4º grau da escala cromática, Seção B, cps 3 a 5, plano superior.

Figura 302 – Série Original iniciada no 10º grau, Seção B, cps 3 a 5, plano inferior.

194

Variação X A última variação também pode ser dividida em 3 seções A, B e C. A Seção A tem 2 compassos (1 e 2) e termina em suspensão pelo uso de fermata seguida de pausa. Emprega a série original (O) iniciando-se pelo 6º grau da escala cromática.

Figura 303 – Variação X, Seção A, série O iniciando-se no 6º grau.

A Seção B vai do cp 3 ao 10, apresentando ritmos sincopados como os de A e fazendo amplo uso de figuras de pouca duração, como semicolcheias e fusas. Assim como a anterior, utiliza métrica regular em 2/4 e dinâmicas em torno de mf. Emprega 4 vezes a série O e 4 vezes a R. A compositora cruza os planos em relação à nota inicial: usa R4, R1, O5 e O8 no plano superior e R1, R4, O8 e O5 no inferior.

Figura 304 – Seção B, cruzamento de planos, cps 3 a 6.

195

Figura 305 – Seção B, cruzamento de planos, cps 7 a 10.

A Seção C apresenta figuras mais longas, como colcheias, e usa métrica variável. As dinâmicas ficam entre f e ff, diminuindo nos dois compassos finais. Esta seção vai do cp 11 ao 19, empregando as séries O, R e R I, esta última nos dois planos do cp 16. Maria Teresa cruza as linhas nos compassos 14 e 15, usando séries originais iniciadas, respectivamente, no 6º e 7º graus. Para melhor visualizar o cruzamento de vozes foram usadas cores distintas.

Figura 306 – Cruzamento de linhas e séries, Seção C, cps 14 e 15.

A última variação termina sem se remeter aos dois motivos rítmicos e melódicos principais, m r/m 1 e m r/m 2. Utilizando a série R4, Maria Teresa termina o ciclo diminuindo a intensidade e atingindo os registros extremos do piano.

Figura 307 – Série R iniciada no 4º grau encerra o ciclo nos cps 17 a 19. 196

16. Silvia Berg (Brasil, 1958) Silvia Maria Pires Cabrera Berg nasceu em São Paulo, capital, Brasil, em 4 de abril de 1958. Filha de Maria Alice Pires Cabrera e Pedro Cabrera, formou-se Bacharel em Música com Habilitação em Composição pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade São Paulo (ECA-USP). Nesta instituição estudou composição com Willy Corrêa de Oliveira, harmonia e contraponto com Olivier Toni e piano com Amílcar Zani. Entre 2011 e 2013 foi a primeira mulher a assumir a chefia do Departamento de Música da FFCLRP/USP, além de atuar como compositora, regente e educadora. A carreira e a vida de Silvia Berg foram marcadas por sua experiência no exterior, mais precisamente na Dinamarca, Europa. Durante a formação, Silvia contou com uma bolsa de estudos do CNPq e uma bolsa-viagem do Grupo Ultragás que possibilitaram seus estudos de pós-graduação em Musicologia na Universidade de Oslo, Noruega, de onde seguiu para Copenhague. Nesta última consolidou sua atuação nas áreas de Educação Musical, Regência e Composição, casando-se e fixando residência por 24 anos até regressar ao Brasil, em 2008. Foi estudando e trabalhando a prática coral no Conservatório Real de Copenhague, com os professores Dan-Olof Stenlund e Margrethe Enevold, que a compositora ingressou no universo da voz, objeto principal de suas pesquisas. Entre 1985 e 1995 atuou no Det Kongelige Danske Musik konservatoriums vekor, vindo a fundar e reger, entre 1999 e 2000, o Ensemble resund - voltado à pesquisa, composição e execução da música contemporânea. Pesquisou também a música vocal antiga na Universidade de Copenhague, cujas técnicas segue relacionando com a escrita vocal de seu tempo em pesquisas e na produção de material sobre metodologia de ensino e desenvolvimento de conceitos para o aprimoramento do conhecimento da voz. Silvia trouxe para o Brasil sua experiência europeia, onde “o modelo utilizado é o do ‘mestre-de-capela’, isto é, profissionais capazes de ensinar, ensaiar, reger e compor”114. Segundo a musicista, ao chegar ao Brasil constatou “a necessidade desse trabalho interdisciplinar capaz de integrar a teoria, a criação e a praxis musical ao ensino de todos os níveis”115. Entusiasta da música contemporânea, recebeu diversos prêmios pelo caráter inovador de seu trabalho para divulga-la, o que inclui pesquisa e realização de concertos didáticos para crianças. Divulgou também a música brasileira na Europa enquanto esteve à frente do K benhavns Kammerkor e do Grupo AmaCantus, ambos da cidade de Copenhague. Como compositora, têm tido suas obras executadas em concertos e festivais na Europa, América Latina e USA, destacando-se sua participação no ISCM World Music Days de Zagreb em 2005, como única representante do Brasil. Participou também do projeto de encomendas Monarca: mujeres de Mexico da pianista Ana Cervantes, com a obra El sueño... el vuelo, que já recebeu mais de 20 programações em concertos internacionais no México, EUA e Cuba. É das poucas compositoras com partituras editadas na Europa, pela Editora Alain Van Kerckoven Éditeur Brussels. Vem pesquisando a composição de Hildegard von Bingen (1098-1179), visitando arquivos e estabelecimentos em Rüdesheim e Bingen, Alemanha, em 2015.

114 Informação verbal concedida a esta autora em entrevista via correio eletrônico. 115 Ibid. 197

De acordo com o Currículo do Sistema Lattes da compositora116, são suas obras: Cronos - para 2 pianos (1983) Toccata - para piano solo (1997) Casa de pedra - para 2 marimbas (1998) Zapp - para trompa solo (1998) A terceira margem do rio - para flauta, baixo, clarinete, cello, violão, piano e percussão (1998) Limiar - para quarteto de cordas e piano (1999) Paisaje, el silencio madrugada - para mezzosoprano, clarinete, baixo em si b, cello, harpa e percussão (1999) De Sancta Maria: projeções de Hildegard von Bingen - para coro, órgão e cordas (1999) Pindsvineskindet - para mezzosoprano, clarinete, cello, harpa e percussão (1999) Det var en lørdag aften - para mezzosoprano, clarinete, cello, harpa e percussão (1999) Campanis cum cymbalis - para coro a 4 vozes, órgão e trompete (1999-2000) Aftendaermring - sem identificação de instrumento (2000) Três canções com texto de H. C. Andersen - para coral (2000) Psalme - para coral (2000) Den korteste nat - para coral (2000) Três canções infantis - para vozes agudas, com texto de Cecília Meireles (2000) Jul - para vozes femininas, cello e piano (2001) Ubi caritas - para coro a 4 vozes e piano (2001) O porto e outros portos - para piano (2001) Pendulo - para piano solo (2002) Old bossa remixed - para piano (2003) Lembranças de um mundo antigo: 1. Agreste; 2. Retrato de Cora; 3. Jogo - para piano (2003) Água nocturna - para coro a 4 vozes (2003) Vinter - para coro a 4 vozes (2003) Waving surfaces: Simple lines; Chorus; Waterlines - para piano (2004) Borders - para 2 marimbas (2005) The angels will lift you up - para cello solo (2005) Dobles del páramo - para piano (2006)

116 Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4796120H5. Acesso em 15/2/2018. 198

O jardim selvagem II - para flauta/flautim, oboé, clarinete, baixo, trompa, piano, contrabaixo e percussão (2006) Songs of Liu Ta-Pai: 1. The Lone tree and others; 2. On a River In Late Autumn; 3. Quiet night - para coro a 4 vozes (2006) O pássaro imaginário - para flauta solo (2007) Springtime Songs - para coral (2007) Three pieces for harpsichord: 1. Some few words; 2. About remembering; 3. Rhymes dance - para cravo (2007) Autumm - para piano solo (2007)

En gansk useriøs hekselater - para coro a 4 vozes (2007) Processions - para quinteto de sopros e piano (2008) De que são feitos os dias? - para vibrafone, trompete e percussão, com texto de Cecilia Meireles (2008) Malabares - para orquestra (2009) Aspectos de uma casa: 1. A fragrância das rosas brancas; 2. Sobre as memórias - para piano (2008-2009) Oração para aviadores - com texto de Manuel Bandeira, para canto (2010) O amor - com texto de Manuel Bandeira, para canto. (2010) El sueño... el vuelo - para piano (2010)

Fanfarra e Pastoral I - sem indicação de instrumentos (2012)

Ätherisch - para oboe, fagote, guitarra, baixo e bateria (2012)

199

Dobles del Páramo – Análise musical 117 A peça Dobles del Páramo para piano solo foi encomendada pela pianista mexicana Ana Cervantes em setembro de 2006 como parte do projeto Rumor de Páramo, que possibilitou a gravação do CD Solo Rumores onde a obra se insere. Para tal Silvia recebeu o apoio da The Danish Arts Agency, um dos maiores reconhecimentos a artistas contemporâneos oferecidos pelo Danish Ministry of Culture, como representante cultural da Dinamarca. O projeto Rumor de Páramo homenageou o escritor mexicano Juan Rulfo e o 50º aniversário da primeira edição de seu livro Pedro Páramo. Neste, o autor conta a história de um influente político da cidade de Comala, procurado pelo filho quando da morte de sua ex- mulher. A solidão e o abandono da cidade encontrada pelo rapaz são ilustradas por Silvia Berg por silêncios, acordes e arpejos sustentados por notas longas e pedais. Durante o livro o leitor vai percebendo que todas as personagens estão mortas, inclusive o narrador, filho de Pedro Páramo. Dobles del Páramo evoca esta atmosfera fantasmagórica. Entre os livros enviados à compositora por ocasião da encomenda da peça, a pianista Ana Cervantes incluiu algumas fotografias também assinadas por Juan Rulfo. Uma imagem com sinos antigos e mulheres sentadas, tendo ao fundo as montanhas áridas do deserto mexicano, chamou a atenção de Silvia pela intensidade, além da “impressão imediata de correspondência sonora” (Cf: BERG, 2009, passim). A justaposição de temporalidades apresentada no texto, onde passado e presente se confundem, soma-se à complexidade da trama construída de realidade e imaginação do narrador. Estes elementos são representados por ecos, que podem ligar ou dispersar estruturas aparentemente diversas. Silvia Berg explora os efeitos timbrísticos ligados à ressonância de acordes nas regiões extremas do piano. Esta é uma das preocupações da compositora em toda a sua produção, especialmente na pianística. A polifonia é também sua paixão, já que trabalha com corais e tem na música de Hildegard von Bingen fonte de inspiração. Dobles del Páramo faz uso destas práticas para aludir a um cenário de distanciamento, solidão e memória, como o descrito pelo conto de Juan Rulfo e registrado na fotografia a que teve acesso a compositora. Dobles del Páramo é atonal, composta a partir de um material básico escolhido subjetivamente: as notas Mi b, Fá e Do (BERG, Op. Cit. p. 2). Sobre esta célula são realizados espelhamentos e filtragens, que dão origem a coleções apresentadas durante o percurso. Os intervalos predominantes são 2M, 3m e 4j, aplicados aos três sons previamente escolhidos. Também são utilizadas as séries harmônicas de Mi b, Fá e Do. A variação motívica (ou, da célula inicial) garante a coerência e organicidade do discurso, sem se abster, no entanto, de liberdades em nome da expressividade. A métrica é regular, em compasso 4/4. Em relação à forma, Dobles utiliza o modelo A B A’. A Seção A inicia-se no cp 1 e vai até o cp 48, B vai do cp 49 ao 80 e A’ vai do cp 81 ao 128. Todas as seções são também subdivididas em partes menores.

117 Esta obra foi analisada pela própria compositora no livro “Silvia Maria Pires Cabrera Berg: obras para piano solo (1998-2008). Dados na bibliografia. 200

Seção A Uma Introdução de 8 compassos apresenta a célula inicial (Mi b, Fá, Do), sendo a última nota (Do) preparada por seu espelhamento uma 2M (Ré) acima e uma abaixo (Si b) antes do cp 4. As dinâmicas fortes conferem dramaticidade à abertura da peça.

Figura 308 - Dobles del Páramo, Introdução, cps 1 a 4.

A partir do cp 9 os sinos representados pelas notas longas, em geral semibreves, ecoam em grupos assimétricos de semicolcheias apresentadas no registro agudo do piano. A pequena seção a1 vai do cp 9 ao 24.

Figura 309 - Seção A, pequena seção a1, compassos 9 a 11.

Os grupos assimétricos passarão ao registro grave na segunda subseção de A. Apesar das dinâmicas suaves, as vozes representadas pelas semicolcheias ganham visibilidade, enquanto os sinos têm sua intensidade proporcionalmente diminuída. A pequena seção a2 vai do cp 25 ao 32.

Figura 310 - Sextinas murmuram no registro grave, compassos 25-26.

201

Na pequena seção a1’ as notas rápidas alternam-se entre os registros grave e agudo do piano, dando espaço para o surgimento de uma espécie de ostinato na região central do instrumento. Este ostinato, marcado por acentos, mantém o intervalo de 2M da célula inicial. As fusas substituem os grupos assimétricos de semicolcheias no registro agudo.

Figura 311 - Ostinato na região central sobressai às notas rápidas dos planos agudo e grave do piano, compassos 35-36.

Seção B A Seção B contrasta com A e A’ pela textura polifônica. Dividida em pequenas seções, a pequena seção b1 vai do cp 49 ao 72 e se assemelha a um coral.

Figura 312 - Textura coral na pequena seção b1, compassos 49-50

A pequena seção b2 compreende os compassos 73 a 80, dando liberdade às linhas em contraponto. Os intervalos e as notas se mantém em toda a Seção B, porém o caráter muda totalmente, evocando melancolia e lirismo.

202

Figura 313 - Linhas melódicas em contraponto na pequena seção b2, compassos 73 a 76.

Tanto melancolia como lirismo são aspectos ausentes na aridez das seções que iniciam e encerram a obra e podem aludir ao próprio significado da palavra páramo, qual seja, a vegetação que cobre e dá um sopro de vida às montanhas das regiões altas e desérticas do México.

Seção A’ A Seção A’ retoma os sinos representados pelas semibreves e as vozes que ecoam no registro agudo, agora em fusas como as da pequena seção a1’. A partir do cp 121 a nota Mi b que inicia a peça aparece no registro médio-agudo e é repetida até o final.

203

17. Silvia de Lucca (Brasil, 1960) A compositora Silvia de Lucca é natural de São Paulo, nascida em 24 de setembro de 1960. Filha de Olinda Pires de Luca, descendente de poloneses, e de Renato Luiz de Lucca, descendente de portugueses e italianos, iniciou os estudos de piano aos oito anos, graduando- se em 1982 em Piano Superior e em Psicologia. Complementou sua formação cursando o Mestrado na ECA-USP e, posteriormente, especializando-se em Composição nos Conservatórios de Zurique e Genebra. Foi orientada por Schnoremberg, Santoro, Ficarelli e Escobar, no Brasil, e por Lehmann e Balissat no exterior. O interesse pela composição sempre existiu. Criativa, Silvia conta que desde criança inventava músicas, roupas, desenhos, coreografias e brincadeiras118. A partir dos 15 anos passou a escrever músicas que compunha espontaneamente, impressionando amigos e parentes a quem mostrava. O primeiro prêmio em concurso veio aos 17 anos, ao qual muitos se seguiram. Foi após dividir o primeiro lugar num concurso de composição da TV Cultura de São Paulo, aos 22 anos, que intérpretes experientes começaram a encomendar-lhe obras. Aos poucos, a musicista foi se acostumando a ser chamada de compositora, título que a princípio não a deixava confortável. A conscientização profissional reafirmou-se quando, participando de um festival de música em Brasília, o professor e trombonista Radegundes Feitosa disse-lhe que o público é quem elege seus compositores e não o contrário. Dali por diante entendeu que sua trajetória estava traçada, e encaminhou-se para aparelhar-se da melhor forma possível, em cursos dentro e fora do Brasil. Para Silvia de Lucca a técnica não deve ser um fim, mas um meio a serviço do conteúdo, da expressão e da comunicação. Para ela o conteúdo é algo pessoal, que pode ser estimulado e desenvolvido durante a formação, com o cuidado de não inibir a liberdade criativa. Neste sentido preocupa-se com os processos de aprendizagem, propondo projetos como “Eu adoro música, mas não entendo nada!”, no qual atua desde 1992. Foi também membro atuante do movimento nacional Quero Educação Musical na Escola, que colaborou com a volta da disciplina ao currículo escolar do Ensino Fundamental no país. Assim como a composição, a prática do ensino fez parte de sua vida desde a adolescência. Dos 13 aos 16 anos dirigiu uma bandinha infantil com cerca de 30 crianças, às quais também lecionava teoria musical. Participou como violista de Encontros de Orquestras Jovens na cidade de Tatuí, bem como de festivais de música em Brasília, Campos do Jordão, Curitiba, Londrina e Teresópolis. Atuou também como pianista acompanhadora de cantores, instrumentistas e corais, sendo auxiliar de regência dos corais Faap e Santo Américo. Como compositora participou de eventos como Festival Música Nova (várias edições), Bienal de Música Brasileira Contemporânea, Encontro de Compositores Latino-americanos, Festival Internacional de Mulheres Compositoras, entre outros. Teve concertos dedicados à sua produção musical em São Paulo (Brasil) e Zurique (Suíça). Seu catálogo de composições exibe obras para diferentes formações instrumentais: solos, câmara, orquestra de cordas e sinfônica.

118 Informação fornecida pela compositora em entrevista à autora deste texto via correio eletrônico, em 6/3/2016. 204

Silvia assim define sua abordagem dos materiais no ato de compor: “No meu caso pessoal, a processo criativo é muito guiado por sensações causadas por imagens em movimento. São visões com sensações representadas em sons. Dificilmente um som me vem à imaginação isolado, de forma ‘pura’”119.

119 DE LUCCA, Op. Cit., passim. 205

De acordo com seu site pessoal, são obras da compositora120: Chacona - para piano (1982) Quinteto nº 1 - para 3 trompetes e 2 trombones (1982) Meditação - para 2 trompetes e trombone (1983) Orientando - para oboé, 2 violas e violoncelo (1983) Eros - para clarinete (1984) Vertigo - para violino e violoncelo (1985) Três Estágios para Metais - para 2 trompetes, trompa, trombone e tuba (1986) Contrastes - para contrabaixo (1988) Três Poemas - para violão (1989) Dois Ensaios - para clarinete (1989) Reflexos - para 4 tímpanos (1990) Quadri della Natura - para violino, violão e contrabaixo (1990) Contrastes 2ª versão - para contrabaixo (1991) Avant-Retard - para flauta em Do e em Sol (1991) De Minas - para marimba, violoncelo e piano (1992) Cordas Vocais - para orquestra de cordas (1992) Im Sonnenschein (À Luz do Sol) - para mezzo-soprano, violino, viola e contrabaixo (1993) Em memória - para orquestra sinfônica (1993) Dionysiaque - para clarone e percussão (1994) R.S.V.P. - para mezzo-soprano/contralto, clarinete, marimba e orquestra de cordas (1995) Quinteto Puelli - para quarteto de cordas e piano (1998) Colar de Pérolas - para orquestra sinfônica (1999) Gaudeamus - para orquestra sinfônica (2003) Sem título, só-nus - para piano (2005) Cordas Sapecas - para violoncelo (2006) Villalobiando - para violino, viola, violão e violoncelo (2006) Sun d’Oro Suite - para orquestra de cordas (2007) Três correntes de outono - para orquestra de cordas (2007) Preludio Encontro das Águas - para violoncelo (2010)

120 Cf: http://silviadelucca.art.br/catalogo-musical/. Acesso em: 15/2/2018. 206

The same question - para mezzo-soprano, quarteto de cordas e piano (2012) Circuloníricos - para 8 percussionistas e piano (2013)

207

Sem título, só-nus – Análise musical A composição Sem título, só-nus foi encomendada por Sérgio Igor Chnee em 2005 para integrar um projeto que abarcava a criação de quatorze peças para piano relacionadas às Estações da Via Sacra de Jesus Cristo, cada uma de autoria de um artista convidado. Silvia de Lucca escolheu a cena nº 10, correspondente ao quadro E tiraram-Lhe as vestes. Para representar a situação de extrema penúria e negação de recursos a que Cristo foi submetido, a compositora selecionou um material baseado nos menores intervalos da escala diatônica: 2M e 2m. Combinando-os de modo a formarem coleções simétricas, como a octatônica121, acordes diminutos ou acordes quartais, Silvia criou pequenos motivos que se repetem obstinadamente nas três ou mais camadas que dialogam em contraponto. Sem título, só-nus é uma peça dramática. Trabalha um material reduzido em termos de quantidade, compensando esta austeridade com contrastes entre regiões do piano e dinâmicas exacerbadas. A forma da peça é A B A’. É atonal e todos os 12 sons da escala cromática estão presentes. O apelo visual provocado pelos efeitos sonoros é evidente para quem já tenha participado ou assistido a alguma procissão referente à Paixão de Cristo na Semana Santa brasileira. Ouvem- se sinos, passos pesarosos e murmúrios de orações, além de gemidos de tristeza e dor. Seguem os motivos que permeiam Sem título, só-nus e a colocação dos mesmos na partitura: a b c d

Figura 314 - Motivo 1 e variações: intervalo de 2M.

Figura 315 - Motivo 1 e variações na Seção A’, cp 29. De cima para baixo: c, d, b, a do exemplo anterior.

121 O modo ou coleção octatônica é formada pela sequência de 2m e 2M alternadas. 208

Figura 316 - Motivo 2, baseado no intervalo de 3m.

Figura 317 - Motivo 2 em bloco vertical, formando acorde diminuto, cp 1.

Figura 318 - Motivo 2 na linha do baixo, seção A, cps 4 e 5.

Figura 319 - Coleção octatônica.

Figura 320 - Coleção octatônica na voz superior da Seção B, compassos 22 a 25.

209

Figura 321- Acorde quartal no plano inferior e inversão (5j) na pauta superior. Seção A, cp 9.

“Dada a simultaneidade de diferentes alturas e a complexidade da trama procedente”, escreve a compositora na partitura inédita, “optei em escrever a música em três pautas, o que embora seja uma excepcionalidade para o executante” (de Lucca, 2005). Com esta escrita menos usual, Silvia chamou a atenção do (a) intérprete para a “compreensão e interpretação das diferentes ideias conexas” (Ibid).

Seção A As ideias vão sendo apresentadas aos poucos, durante os 21 compassos iniciais da peça que configuram a Seção A. O movimento pendular das semínimas em intervalo de 2M sugerem um caminhar pesaroso e ininterrupto. Em uma figuração em semifusas, o intervalo de 2M Mi-Fá por vezes parece representar uma espécie de sineta usada em procissões.

Figura 322 - Semifusas imitam sineta nos compassos 13-14.

Entre os compassos 16 e 21, o Motivo 1 e suas variações (a, b, c e d) ocupam as camadas sobrepostas em intensidade crescente, numa espécie de transição para a Seção B, mais lírica.

210

Figura 323 - Motivo 1 e variações formam a transição para a Seção B, cp 18.

Seção B Em dinâmicas suaves e andamento mais lento, a Seção B se estende do cp 22 ao 27 expondo os Motivos 1 e 2 e a coleção octatônica. Esta é a única parte lânguida e etérea da peça.

Figura 324 - Seção B, cps 22 e 23. De cima para baixo cada pauta exibe um motivo: Motivo 2 (linha inferior da primeira pauta), Motivo 1a e Motivo 1 c. A linha superior da primeira pauta tem coleção octatônica.

Seção A’ Iniciando-se no compasso 28, esta seção retoma o movimento implacável do início, em dinâmicas fortes e acentos em todos os tempos. Predomina o Motivo 1, exceto pelos compassos 35 e 36, onde o Motivo 2 é citado. É interessante a inserção das notas do acorde de Ré M nos compassos 32 a 34, como uma sonoridade luminosa em meio ao discurso repetitivo.

Figura 325 - Notas do acorde de Ré M, cps 32 e 33.

A peça termina com a inclusão de silêncios e a paulatina diminuição da intensidade. A imagem da caminhada lenta e pesarosa se dissipa, para reaparecer, com outros contornos, na estação seguinte da Via Sacra. 211

18. María Cecilia Villanueva (Argentina, 1964) De acordo com a própria compositora122, seu nascimento se deu em La Plata, Argentina, em 1964. Estudou piano com Leticia Corral e Elizabeth Westerkamp antes de cursar composição com Mariano Etkin, na Facultad de Bellas Artes, Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Foi professora convidada do Segundo Taller Internacional para Jovenes Compositores AntiquaNova, no Festival Distat Terra, em 2016. Antes disso foi compositora residente da Akademie Schloss Solitude Stuttgart, bem como do Künstlerhof Schreyahn e Künstlerdorf Schöppingen, todos na Alemanha. Sua música tem sido executada em importantes festivais e ciclos de música contemporânea, entre os quais a compositora destacam-se o Pro Musica Nova em Bremen; os Festivais Latinoamericanos de Música em Caracas; o Musiktriennale em Colônia; o ISCM World Music Days em Essen; o Neue Musik Rümlingen na Suíça; a Musik Biennale em Berlim; os Sonidos de las Américas em Nova Iorque; o Forum Neue Musik em Frankfurt e o Musica Viva em Munique. Importantes orquestras e grupos de câmara interpretam obras suas, como a Orquesta Sinfónica Nacional de Argentina, as alemãs WDR, HR e BR, e os ensembles Resonanz, Aventure, Musik Fabrik e KNM Berlin. Recebeu o Premio Forum Junger Komponisten em 1989 (Radio WDR, Colônia, Alemanha). Em 2001 foi laureada com o Premio Internacional de Composição "Elizabeth Schneider" em Friburgo de Brisgovia e em 2003 recebeu o Premio de la Ciudad de Buenos Aires, na Argentina. É Professora de Composição na Facultad de Bellas Artes da UNLP, onde atuou como Co-Directora do Proyecto de Investigación en Análisis Musical. Sobre sua estética composicional, Maria Lihuen Sirvent e Edgardo Jose Rodriguez (2016, p. 1) associam-na com tendências de vanguarda que vigoraram na Argentina na década de 1960, tais como: uso do silêncio como articulador formal ou material estrutural; timbre como parâmetro central ao qual os demais são submetidos e reinterpretação de gestos e práticas de outros compositores. Os autores apontam ainda a influência marcante do CLAEM (Centro de Altos Estudios Musicales do Instituto Di Tella em Buenos Aires) na disseminação destes princípios composicionais, de onde saíram compositoras e compositores vinculados a estas linhas de pensamento.

122 Informações coletadas nos sítios eletrônicos www.latinoamerica-musica.net e https://www.facebook.com/fundacionmusicaantiquanova/photos/a.366600836832289.1073741857.10069518675 6190/635088989983471/?type=3&theater. Acesso em 21/01/2018. 212

De acordo com o site Wikiwand e com o soundcloud de Cecilia Villanueva, são obras da compositora123: Escenario - para orquestra Erosiones - para orquestra (1987-88) Birlibirloque - para flauta, clarinete, trombones, piano e quarteto de cordas (1988) Música descalza - para flauta, oboé, clarinete, percussão, piano, violino, viola e violoncelo (1989) A cada brisa - para voz, flauta, clarinete, vibrafone e viola (1989) Tulipanes Negros - para clarinete baixo e contrabaixo (1990) En el gris - para 2 percussionistas (1992) Travesía - para clarinete, violoncelo e piano (1994) Espera - obra cênica para mezzosoprano, violoncelo, 4 percussões e fita magnética (1995) Partida - para grande ensemble (1996) Lazos - para conjunto de cordas (1996) Noche de Ronda - instalação sonora (1997) Em Línea - para grande ensemble (1999) Intonso - para flautas, clarinete, fagote e contrabaixo (2001) Retrato del pasado - para quarteto de cordas Tango Errante - para piano (2002) Lebende Steine - para trio de violoncelos (2004) Cuatro Esquinas - para piano a 4 mãos (2006) Gaudeamus - para flauta, clarinete, fagote e vibrafone (2006) Escenario - para piano e orquestra (1989, revista em 2007) FA - para violino e violoncelo (2011) Stanze - para violoncelo (2013) Eslabones - para 3 contrabaixos e 2 percussionistas (2014) FA - para viola e violoncelo (2017)

123 Cf: (https://www.wikiwand.com/es/Mar%C3%ADa_Cecilia_Villanueva) e (https://soundcloud.com/maria- cecilia-villanueva). Acesso em 7/2/2018.

213

Tango Errante – Análise musical Sobre Tango Errante, Maria Cecilia escreveu124: Esta obra foi composta a pedido da pianista argentina Haydée Schvartz, herdeira da International Tango Collection do pianista estadunidense Yvar Mikhashoff, de quem foi discípula. Com o fim de ampliar esta coleção e incluir tangos de compositores argentinos contemporâneos - curiosamente não havia nenhum até então, apesar de ser a Argentina o país de origem do tango - a pianista pediu a um grupo de compositores a realização de obras breves 125. Foi com satisfação que recebi a informação do vínculo desta obra com a coleção de Mikhashoff, já que, em minha tese de Doutorado, eu havia analisado outros 3 tangos da coleção: Los Tres Padres, de Gilberto Mendes (BR), Tanguitis, de Alfredo Rugeles (VE) e ¿Y ahora?, de Coriún Aharonián (UY) - todos gravados pela pianista Beatriz Balzi. Uma continuação da primeira coletânea, no século XXI, me pareceu muito oportuna e interessante. O formato, segundo Maria Cecília, podia ser bastante flexível, sem necessidade de relação explícita com a dança: “qualquer característica do gênero podia ser o ponto de partida para a composição” 126. A compositora escolheu priorizar o “aspecto rítmico e a elaboração de alguns gestos melódicos característicos” 127, bem como a “aproximação ao percussivo, à instabilidade agógica e à marcação rítmica, sobretudo aquela utilizada no tango instrumental por certas orquestras ‘típicas’ tradicionais” 128. Para dar ênfase ao ritmo e ao timbre, a melodia é entrecortada e quase ausente, sem citações. A este aspecto hesitante se deve o título da peça: “um ininterrupto ir e vir entre fragmentos, mais ou menos próximos de diferentes tipos de gestos do tango” 129. A obra, que data de 2002, é dedicada a Haydée Schvartz, que além de encomendá-la é grande amiga da compositora. De acordo com as barras de período presentes na partitura - inclusive com indicações de mudança de andamento entre os trechos - a peça pode ser dividida em 4 seções A, B, C e D, unidas por pequenas transições. A estas segue-se uma Coda em 5 partes. A Seção A, que vai do cp 1 ao 25, apresenta um material melódico enxuto, que se inicia pela 2m Do-Ré b e vai, aos poucos, ampliando o espectro através de sons inseridos à distância

124 Informações enviadas por correio eletrônico à autora deste trabalho, em 26/01/2018. 125 Esta obra fue compuesta a pedido de la pianista argentina Haydée Schvartz, heredera de la International Tango Collection del pianista estadounidense Yvar Mikhashoff, de quien fuera discípula. Co el fin de ampliar esa colección e incluir tangos de autores argentinos contemporáneos - curiosamente no había ninguno en ella, a pesar de ser la Argentina el país de origen del tango - la pianista pidió a un grupo de compositores la realización de obras breves (VILLANUEVA, 2018, passim). 126 Cualquier característica del género podía ser el punto de partida para la composición (Ibid.). 127 Aspecto rítmico y a la elaboración de algunos giros melódicos característicos (Ibid.). 128 Aproximación a lo percusivo, a la inestabilidad agógica y a la marcación rítmica, sobretodo la desarrollada en el tango instrumental por ciertas orquestras “típicas” tradicionales (Ibid.). 129 Un ininterrumpido ir y venir de fragmentos más o menos cercanos a diferentes tipos de giros del tango (Ibid.). 214 de semitons acima e abaixo deste intervalo até atingir uma 4j (ou, um hexáfono cromático)130,131. O hexáfono de Maria Cecilia vai do som Si b ao Mi b (ou enarmônicos). Os novos sons são inseridos nos compassos pares (2, 4, 6 e 10, sendo que o 8º é de silêncio). O número 2 e seus múltiplos estão presentes na maioria dos procedimentos desta seção (intervalo 2m, 4j, hexáfono - ou 6 semitons - e transformações nos compassos pares). A métrica também é binária 2/4, com exceção dos compassos de silêncio e do 25, que encerra a seção.

Figura 326 - Sons iniciais de Tango Errante, cp 2.

Figura 327 - 3º som do hexáfono, cp 4.

Figura 328 - 4º e 5º sons, cp 6.

130 Este procedimento remete ao descrito e teorizado pelo compositor uruguaio Héctor Tosar em seu livro El grupo de los sonidos (1992). Tosar influenciou uma legião de alunos na segunda metade do século XX. 131 Tosar assim descreve como concebeu suas Três piezas para piano: “Ao redor da 9m DO#-RÉ, que permanece fixa desde o começo da peça, se constituem 2 trífonos do seguinte tipo: um, subindo 2 semitons a partir do som superior e baixando 1 desde o inferior, e outro fazendo o contrário. Obtém-se RÉ, RÉ#, MI, DO#, DO, SI. Todos estes sons constituem um hexáfono cromático integrados pelos 6 semitons compreendidos entre o SI e o MI”. 215

Figura 329 - 6º som do hexáfono, cp 10.

Os compassos de silêncio entrecortam toda a Seção A. Além do ritmo sincopado e das apojaturas, que caracterizam o tango, tais suspensões dão a toda a peça um caráter ansioso e expressivo típico do gênero. As dinâmicas são exacerbadas, indo do p ao ff em curtos espaços de tempo. A indicação de andamento é semínima entre 96 e 100, com caráter feroce, deciso ed agitato sempre. Maria Cecilia utiliza notação tradicional, com exceção do uso da clave de Fá em pauta extra para indicar 8ª abaixo.

Figura 330 - Seção A, cps 13 e 14.

Uma transição de 2 compassos (um de silêncio) leva à Seção B.

Figura 331 - Transição para Seção B, cps 26 e 27.

216

Seção B Iniciando-se no cp 28, a segunda seção é menos entrecortada por silêncios. Em 46 compassos (termina no cp 73), apenas 4 são preenchidos com pausas. A compositora agrega mais um semitom (Lá) ao hexáfono inicial (Si b a Mi b).

Figura 332 - Seção B, cps 31 a 33.

Ela também amplia a tessitura alcançando mais uma oitava acima e abaixo dos registros usados na Seção A.

Figura 333 - Seção B, cp 44.

Apesar deste aumento de amplitude melódica, as intensidades diminuem nesta seção. Aliado ao menor uso de silêncios, as dinâmicas em torno de mp e p contribuem para dar um caráter mais fluido a esta parte da peça. A métrica é variável, embora predomine o binário da seção anterior. O andamento sugerido é semínima = 90 (mais lento que na Seção A), com alguns trechos em rubato. 217

Figura 334 - Seção B, cp 70.

A transição para a Seção C ocupa o registro grave, em andamento um pouco mais lento (semínima = 82) e intensidade que vai do mf ao p.

Figura 335 - Transição para Seção C, cps 74 a 77.

A Seção C, que vai do cp 78 ao 135, aumenta a densidade melódica pelo uso de acordes com 5 sons simultâneos.

Figura 336 - Seção C, cp 78. 218

Aumenta também a densidade rítmica pelo aumento do número de figuras de menor duração.

Figura 337 - Seção C, cp 80.

O andamento retorna ao da Seção B, semínima em 90. Há predominância de sons no registro grave, principalmente em oitavas. Não obstante, a compositora sugere leveza e um caráter jocoso - seja pelas intensidades entre pp e mp, seja pela indicação leggero, poco flessibile e giocoso - como mostrou a figura anterior.

A transição para a Seção D tem 6 compassos, inicia-se como a transição para C e retoma o andamento daquela com alguma variação (semínima entre 82 e 85). Acrescenta também dois compassos finais (140 e 141), em que a compositora insere um gesto virtuosístico que vai do agudo ao grave do piano em dinâmica crescente, anunciando o caráter da nova seção.

Figura 338 - Transição para Seção D, cps 140 e 141.

Seção D Mais virtuosística, a última seção de Tango Errante explora o registro agudo alcançando o Mi natural e ampliando o hexáfono inicial, que agora conta com 8 sons cromáticos (de Lá a Mi). Mantém a densidade melódica e rítmica da Seção C, bem como trechos em caráter mais leve e jocoso. Inicia-se no cp 142 e termina no 169.

219

Figura 339 - Seção D, cps 145 e 146.

A Coda é uma colagem de 5 partes que lembram as seções da peça e suas transições. A Parte 1, que vai do cp 170 ao 174, tem semínima entre 82 e 85, inicia-se no registro grave e utiliza o agudo no final, como a transição para D. O trecho que lhe dá sequência, Parte 2, se estende entre os compassos 175 e 177, tem como indicação de andamento semínima = 90 e explora a região aguda do piano, como a Seção D (inclusive utilizando o som Mi natural). A Parte 3 lembra a seção inicial, entrecortada por compassos de silêncio. Tem início no cp 178 e termina no 183. Por sua vez, a Parte 4 usa os acordes de 5 notas no único compasso que ocupa, de número 184. A Parte 5 (cp 185 a 189) encerra a obra com a indicação Poco agitato, con gracia. Desta forma Maria Cecilia Villanueva lembra o caráter de dança do tango.

220

19. Gabriela Ortiz (México, 1964) A mexicana Gabriela Ortiz nasceu na Cidade do México. Seus pais eram músicos folcloristas, membros do Ensemble Los Folkloristas, criado em 1966 para divulgar a música tradicional do México e da América Latina. Foi aluna do compositor Mario Lavista no Conservatório Nacional de Música, e de Federico Ibarra na Universidade Nacional do México. Vencedora do British Council Fellowship, estudou em Londres com Robert Saxton e formou- se PhD em composição eletroacústica na mesma cidade, na City University, sob orientação de Simon Emmerson. Leciona composição na Universidade do México e na The Jacobs School of Music of Indiana University. Suas obras tem sido comissionadas por solistas de renome, além de grupos e orquestras de reconhecimento internacional, tais como Los Angeles Philarmonic Orchestra, BBC Scottish Symphony Orchestra, Malmo Symphony Orchestra, South West Chamber Music, The Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, Orquesta Simon Bolivar, Kronos Quartet, Amadinda Percussion Quartet, Percussion Claviers de Lyon e Cuarteto Latinoamericano. Foi nomeada por duas vezes ao Grammy Latino, venceu o Premio Nacional de Artes y Literatura em 2016 e é membro da Academia de Artes y Letras de seu país. Recebeu o 1º Lugar no concurso Nacional "Silvestre Revueltas" Música Nueva Fin de Milenio em 2000 e no concurso de composição "Alicia Urreta" em 1988, entre outros. Gabriela utiliza, em sua linguagem musical, um vocabulário amplo e diverso. Síntese de tradição e vanguarda, combina elementos da música erudita, do folclore e do jazz. Procura unir elaboração estrutural à livre improvisação, dando ênfase à expressividade. No ciclo Estudios entre Preludios, por exemplo, presta homenagem a compositores que marcaram sua trajetória - como György Ligeti, Béla Bartók e John Cage - pelo emprego de elementos usados por eles em suas composições. A temática da mulher também marca a produção desta compositora, uma vez que se inspira em personagens fortes do imaginário mexicano para algumas de suas criações. Exemplos desta prática são a ópera Únicamente la verdad! o La verdadera historia de Camila la Texana e Estudio entre Preludios nº 3, dedicado a Jesusa Palancares, protagonista do romance "Hasta no verte Jesús mío" de Elena Poniatowska.

221

De acordo com seu site pessoal, são obras da compositora132: Danza – Para piano preparado (1984) Patios Serenos – para piano (1985) Cuarteto - para quarteto de cordas (1987) Estudio Tongolele - para sax alto (s.d.) Canto a Hanna - para flauta tenor (s.d.) Elegia – para 4 sopranos, flauta, 2 percussionistas, piano/celesta, harpa e orquestra de cordas (1991) En Pares - para grande ensemble (1993) Concierto Candela - para percussão e orquestra (1993) Altar de Neón - para quarteto de percussão e orquestra (1995) Atlas-Pumas – Para violino e marimba (1996) Altar de Muertos – Para quarteto de cordas, tambores pré-hispânicos, máscaras e arte cênica (1997) Sydolira – para violão (2000) Puzzle-Tocas - para quinteto de sopros (2000) Altar de Piedra - para 3 percussionistas, tímpanos e orquestra (2001-2002) Huítzitl - para flauta barroca (s.d.) Huítzitl - para flauta piccolo (s.d.) Divertimento - para clarinete solo (s.d.) Unicamente la verdad - Opera (2004-2008) Estudios entre Preludios - Piano (2005-2007) Fronteras hibridas – Para orquestra (2006) Luz de Lava - para soprano, flauta, coro e orquestra (2010) Altar de Fuego - para orquestra (2010) Su-Muy-Key - para piano (s.d.) Exilios - para flauta e quarteto de cordas (s.d.) Exilios - para clarinete e quarteto de cordas (s.d.) Lío de 4 - para quarteto de cordas (s.d.) Canto en soledad - para 3 flautas (s.d.) De ida y vuelta - para 2 violões (s.d.)

132 Cf: http://www.gabrielaortiz.com/. Acesso em 7/2/2018. 222

Tepito: Barrio de Resistencia - para flauta, clarinete, violoncelo e piano (s.d.) Mambo Ninon - para saxofone alto e piano (s.d.) Concierto Voltaje - para tímpano e orquestra (2013) Corpórea - para grande ensemble (2014) Liquid Borders - para 4 percussionistas (s.d.) Canciones de Agua - para soprano e piano (s.d.) Tres Haikus - para mezzosoprano, flauta e violoncelo (texto de Maria Baranda) (s.d.) Tres Toritos - para 3 flautas (s.d.) Ríos - para 3 percussionistas, flauta/piccolo, saxofone alto e violoncelo (s.d.) Ríos 1 - para 5 percussionistas (s.d.) Rio Bravo - para 6 vozes femininas e copos de cristal (s.d.) Río Bravo 1 - para mezzosoprano, violino e copos de cristal (s.d.) Río Bravo 2 - para mezzosoprano, flauta e 6 copos de cristal (s.d.) De ánimos y quebrantos - para flauta, percussão, violino, viola e violoncelo (s.d.) Vitrales de Ambar - para flauta, clarinete, trompa, percussão, piano, violino, viola e violoncelo (s.d.) Vanix - para grande ensemble (s.d.) A tarde ser - para 2 violoncelos e piano (s.d.) Aroma Foliado - para quarteto de cordas (s. d.) Trifolium - para violino, violoncelo e piano (s.d.) El águila bicéfala - para flauta, clarinete, violino, violoncelo e piano (s.d.) La montaña de los signos - para 3 flautas (s.d.) Seis piezas para Violeta - para piano e quarteto de cordas (s.d.) Alien Studies - para flauta, clarinete, violino, violoncelo e contrabaixo (s.d.) Baalkah - para soprano e quarteto de cordas (s.d.) Denibée-Yucañana - para flauta, contrabaixo e percussão (s.d.) Alien Toy - para 3 saxofones, baixo elétrico, guitarra, percussão e bateria (s.d.) 100 watts - para clarinete, fagote e piano (s.d.) 5 pa’ 2 - para flauta e violão (s.d.) Río de mariposas - para 2 harpas e tambor de aço (s.d.) Apariciones - para quinteto de sopros e quarteto de cordas (s.d.) Téenek-Invenciones de Territorio - para orquestra (s.d.) 223

Hominum-Concierto - para orquestra (s.d.) Altar de Viento - para flauta e orquestra (s.d.) La Calaca - para orquestra de cordas (s.d.) Papalotes - para orquestra jovem (s.d.) La Calaca - para orquestra (s.d.) Zócalo-Tropical - para flauta, percussão e orquestra (s.d.) Zócalo-Bastilla - para violino, percussão e orquestra (s.d.) Patios - para orquestra sinfônica (s.d.) Altar de Luz - para fita magnética (instalação em parceria com Maria Baranda) (s.d.) Códigos Secretos - para flauta e sons eletroacústicos (s.d.) Things like that happen - para violoncelo e fita magnética (s.d.) El Trompo - para vibrafone e fita magnética (s.d.) Five Micro Etudes - para fita magnética (s.d.) Magna sin - para tambor de metal e fita (s.d.) Ana y su sombra - ópera de câmara para crianças (s.d.)

224

Estudios entre Preludios nº 1 – Análise musical Em entrevista concedida por skype, Gabriela contou que iniciou a série Estudios entre Preludios em 2005 para fazer experimentações sonoras ao piano utilizando peças curtas. Inspirando-se em compositores que marcaram sua trajetória composicional, dedicou- lhes em cada par de peças – no formato Preludio e Estudio - um dos movimentos 133, em que explorou elementos por eles trabalhados. Segundo a autora o ciclo não está encerrado, pretende continua-lo para abordar outros parâmetros musicais. Dedica-se a peças como estas entre a criação de obras mais longas que lhe são encomendadas, como uma espécie de descanso. O primeiro Estudio tem dedicatória a György Ligeti. Nele a compositora pesquisou aspectos ligados à independência entre as mãos, assim como a polirritmia. No segundo Estudio, oferecido a Béla Bartók, Gabriela criou ritmos aditivos e métricas assimétricas, a exemplo do que fazia o húngaro em obras como os Mikrokosmos. No quarto par de peças, é o Preludio que faz tributo a John Cage, pelo uso de piano preparado e sonoridades que remetem ao ciclo Sonatas e Interlúdios do compositor norte-americano. Os demais Preludios tem influência das sonoridades impressionistas de Claude Debussy e Toru Takemitsu, seja pela cor, pela sensualidade ou pela harmonia134. Exceção entre as peças, Estúdios entre Preludios nº 3 foi encomendado pela pianista Ana Cervantes para um projeto relativo a mulheres mexicanas. Gabriela escolheu homenagear Jesusa Palancares, heroína da novela Hasta no verte Jesús mío, de Elena Poniatowska. Jesusa teria sido uma mulher comum, sofrida, como tantas que vivem no México. Lutara na revolução de 1910 e representa um símbolo de coragem e esperança para as mulheres do país. A peça Estudios entre Preludios 1 demonstra uma grande habilidade composicional de Gabriela Ortiz no trato da música atonal livre e serial. O Preludio 1 explora mais as sonoridades diáfanas, por meio do uso constante do pedal de sustentação, do registro agudo e do predomínio de intensidades fracas. A simetria está presente na escolha dos sons empregados, como foi mostrado, mas não se faz notar auditivamente. Já no Estudio 1 a autora coloca sonoridades secas, pulsação constante e acentos. É um movimento virtuosístico, que explora a independência entre as mãos e a polirritmia. Apesar do ambiente musical ligado ao folclore mexicano em que foi criada, Gabriela não pensa nestes aspectos quando compõe. Ela diz que tudo isto está em seu DNA, mas que não faz distinções quando prepara uma nova obra. Logicamente a polirritmia pensada a partir de Ligeti, como aparece no seu Estudio 1, remete-se à polirritmia presente na música e nas danças mexicanas. É este caldeirão de influências que torna a composição de Gabriela Ortiz tão instigante.

133 Embora tratem-se de peças independentes, e não de movimentos no sentido de partes de uma grande forma – como no caso da sonata ou da sinfonia -, o termo movimento está sendo aqui aplicado a cada Preludio e/ou Estudio para diferenciar da nomenclatura peça, aplicada ao par completo (Estudios entre Preludios 1, 2, etc). 134 Gabriela diz se inspirar nestes compositores por serem dos poucos que tem a harmonia como preocupação no século XX, quando o timbre passa a ser objeto de maior atenção na música erudita. 225

Em Estudios entre Preludios nº 1, ambos os movimentos são atonais e estão relacionados pela presença marcante dos intervalos de 2M e 3m. No Prelúdio, o compasso inicial apresenta o conjunto 4-23 [0 2 5 7]135, em que uma 3m (2-5) separa duas 2M (0-2 e 5- 7). Este pensamento se inverte no Estudio, que apresenta no compasso inicial o conjunto 4-26 [0 3 5 8]. Neste último a 2M está no centro (3-5), rodeada por duas 3m (0-3 e 5-8). Gabriela trabalha também com eixos de simetria para inserir os sons no Preludio e no Estudio. No Prelúdio, o eixo se forma a partir dos sons Do # e Ré (1-2)136, terminando nos sons Sol e Lá b (7-8). Os demais sons podem ser dispostos em intervalos de semitom, formando o círculo que se segue:

Figura 340 - Eixo de simetria formado pelos sons do Preludio 1, de Gabriela Ortiz.

A compositora inicia a peça pelo som Fá, inserindo em seguida o Do, o Si b e o Ré # (ou Mi b). Aplicado ao gráfico mostrado no exemplo anterior, este caminho desenha dois triângulos simétricos separados pelo eixo 1-2 / 7-8, no sentido horário:

Figura 341 - A partir do som Fá, os demais são inseridos no Preludio segundo o gráfico.

135 O conjunto de alturas, ou pitch-set class, é formado com a substituição de notas por números equivalentes à sua posição na escala cromática, ordenados do menor intervalo entre os elementos para o maior. O musicólogo Allen Forte os sistematizou, colocando-os numa lista de acordo com a quantidade de elementos de cada conjunto. Antes do conjunto, que aparece entre colchetes, o primeiro número à esquerda significa quantos elementos tem no conjunto e o segundo, em que ordem o conjunto aparece na lista de Forte (Cf.: STRAUS, 2005, pp. 261-264). 136 Número equivalente à posição dos sons na escala cromática, considerando DO = 0. 226

Figura 342 – Disposição dos sons na partitura de Preludio 1, realçando os 4 sons iniciais. Cps 1 a 3.

Após os primeiros quatro sons, a ordem de entrada dos outros oito formam dois grupos de quatro sons, com conjuntos idênticos: {Mi, Sol, Fá #, Do #} = 4 - 13 [0 1 3 6] {Ré, Si, Lá b, Lá} = 4 - 13 [0 1 3 6]

O conjunto 4 -13 [0 1 3 6] é um subconjunto da coleção octatônica OCT0,1, que será usada no Estudio 1.

Em Estudio 1, nota-se o uso da coleção octatônica em suas três transposições:

OCT0,1 [0 1 3 4 6 7 9 10]

OCT1,2 [1 2 4 5 7 8 10 11]

OCT2,3 [2 3 5 6 8 9 11 0]

Gabriela esboça um tema nos três compassos iniciais, que vai sendo expandido paulatinamente até a inserção dos 12 sons da escala cromática.

Nestes compassos iniciais ela usa a coleção OCT1,2 [1 2 4 5 7 8 10 11], inversionalmente simétrica, nos dois planos. O gráfico a seguir mostra o eixo de simetria a partir dos sons Fá e Sol (5-7), após os quais os demais são inseridos por intervalos de 3m. Note-se a similaridade entre o som inicial do Preludio e do Estudio: Fá.

Figura 343 – Eixo de simetria formado pelos sons do Estudio 1, de Gabriela Ortiz. 227

Figura 344 - Disposição dos sons na partitura de Estudio 1, mostrando os 8 sons iniciais. Cps 1 a 3.

Os demais sons entrarão nos compassos 4 a 6, completando 12 sons que serão usados no decorrer do Estudio 1. Estes últimos formam o conjunto 4-28 [0 3 6 9], subconjunto da OCT0,1, em concordância com o procedimento praticado por Gabriela em Preludio 1.

Em relação ao ritmo destes dois movimentos, a simetria também está presente. No compasso inicial do Preludio 1 Gabriela apresenta um motivo rítmico formado por quatro semicolcheiase uma tercina, aqui chamados de material a e b.

Figura 345 – Materiais a e b do motivo rítmico de Preludio 1.

Este motivo será mostrado em rotação no compasso seguinte. Remetendo-se ao conjunto 4 -23 [0 2 5 7] apresentado no início deste Preludio 1 – onde uma 3m separa duas 2M - o motivo rítmico e sua rotação são separados por material novo, aqui chamado de x:

Figura 346 – Disposição simétrica de motivos rítmicos em Preludio 1, cps 1 e 2.

Já no Estudio 1 esta simetria pode ser vista na maneira como Gabriela adiciona uma colcheia às três colcheias do motivo inicial. A compositora adota procedimento de adição a cada três compassos até chegar a 12 colcheias no cp 27, quando recomeça o processo no cp 30. 228

Aqui, em lugar de espelhamento (no qual haveria uma subtração das colcheias até voltar às três figuras iniciais) nota-se um paralelismo de procedimentos entre as seções A e A’ do Estudio 1. Não obstante, pode-se conferir prática similar à apresentada na Figura 12 no aspecto melódico do Estudio 1, em que Gabriela apresenta duas células melódicas a e b que serão mostradas em rotação após material x:

Figura 347 – Simetria na disposição do material melódico do Estudio 1.

Em relação à forma, o Preludio 1 apresenta duas Seções A e A’, com 11 compassos cada, separadas por um compasso de transição (cp 12). Já o Estudio 1 tem forma A A’ B, em que a textura tem papel preponderante, uma vez que A tem linha melódica no plano superior acompanhada por tríades no inferior, A’ inverte este modelo e B apresenta as duas linhas em contraponto paralelo, distando um compasso entre si. As tríades são apresentadas em ambos os planos da Seção B. Todas as tríades do Estudio

1 apresentam o conjunto 3-11 [0 3 7], subconjunto da OCT0,1.

229

20. Valéria Bonafé (Brasil, 1984) 137 A compositora Valéria Bonafé nasceu em São Paulo, Brasil, em 19 de abril de 1984. Filha de Yolanda e Hermínio Bonafé, iniciou os estudos de música aos 11 anos, com Silene Barione. “Minha adolescência passei ao piano”, conta no encarte do CD Ressonâncias 138, que exibe uma de suas obras para o instrumento. Já o interesse pela composição surgiu mais tarde, durante seu curso de graduação na ECA-USP. Nesta faculdade conheceu Willy Corrêa de Oliveira, Heloísa Zani, Marcos Branda Lacerda e outros professores que marcaram sua formação. Na composição foi orientada por Aylton Escobar e Silvio Ferraz. Complementou os estudos fazendo Mestrado e Doutorado na mesma instituição, com auxílio FAPESP. Entre 2012 e 2013 a agência de fomento proporcionou-lhe uma bolsa para realizar estágio de pesquisa na Musikhochschule Stutgartt, Alemanha, sob orientação de Marco Stroppa. Suas composições, geralmente voltadas à música acústica e instrumental, têm sido apresentadas em concertos e festivais de música contemporânea. Entre estes merecem destaque a Bienal de Música Brasileira Contemporânea, várias edições do Festival Música Nova e a Bienal Música Hoje, no Brasil. No exterior participou como compositora no Sonic Festival, nos EUA, Le mois des compositeurs, na França, HighSCORE Festival, na Itália, e Festival tonArt, na Alemanha. Participou também de masterclasses, entre outros, com Emmanuel Nunes, Tristan Murail e Stefano Gervasoni. A colaboração artística com intérpretes é uma das atividades apreciadas por Valéria, que já trabalhou com orquestras brasileiras como a Sinfônica do Paraná, Sinfônica da UFRJ e Sinfônica da USP. Atuou também junto a grupos internacionais, como o Télemaque Ensemble e Ensemble Recherche. Dentre os temas por ela escolhidos desponta a dimensão espacial (não- física) da música. Valéria diz prezar uma relação dialética com a história e a tradição musical. Adota como técnica o confronto com o repertório ocidental consagrado, ora desdobrando ideias, ora provocando debates. Considera burocrático o ambiente de concerto do tempo em que vivemos, tendendo a um engessamento do processo criativo. Por este motivo procura encontrar no ambiente acadêmico um espaço para exercitar e viabilizar sua produção artística.

137 O site pessoal de Valéria Bonafé (www.valeriabonafé.com) foi usado como fonte de informações, além de entrevistas com a compositora realizadas em 2015 e 2016. 138 Dados na bibliografia. 230

De acordo com seu site pessoal, são obras da compositora: duplex - para trompete (2006) tátil - para piano (2007) lagoa - para orquestra (2008) círculos - para flauta, oboé, clarinete, trompa e quarteto de cordas (2009) do livro dos seres imaginários - para piano (2010) Ian - para trompete, trombone, contrabaixo e piano (2011) estudo sobre os estados da matéria - para viola solo (2012) olinda - para flauta, clarinete, trompa, trompete, violino, violoncelo e percussão (2012) gioco - para quarteto de cordas (2012) forquilha, couro e tripa de milho - para flauta alto e vibrafone (2013) a menina que virou chuva - para orquestra (2013) a terceira margem do rio - para flauta baixo, corne inglês, clarinete baixo e percussão (2014) trajetórias - para voz, flauta baixo, clarinete baixo, acordeom, viola, violoncelo, contrabaixo e percussão (2015) memos from stuttgart - para sax alto e eletrônica (2017) l-131 - para gongo, grupo instrumental e vozes gravadas (2017) l-131 - concert version for bombo, ensemble and recorded voices (2018)

231

Do livro dos seres imaginários (Kami; Odradék; Shang Yang; Haokah) – Análise musical O ciclo inspirado em O Livro dos seres imaginários de Jorge Luis Borges teve início em 2010. Sem se basear num processo descritivo, a compositora estabeleceu com cada um dos seres escolhidos – Kami, Odradék, Shang Yang e Haokah - uma relação calcada no material sonoro, que inclui o preparo do piano com objetos pré-estabelecidos entre cordas previamente demarcadas. Tais materiais são barras de borracha com espessuras variadas (fig. 348, desenhos 1, 2 e 4) e arruelas de metal (fig. 348, desenho 3). Obtendo sonoridades particulares, Valéria Bonafé possibilitou aos seus seres impulsionar, envolver e modular cada gesto na música. O resultado é um conjunto de peças curtas e atonais, que estimulam a idealização de cenas no imaginário da musicista - e do público ouvinte.

Figura 348 - Bula com indicações para preparo do piano em Do livro dos seres imaginários.

As quatro peças aqui analisadas foram as primeiras escritas para o projeto. São inspiradas nos seguintes seres imaginados por Borges: “Kami, ser sobrenatural que jaz sob a terra; Odradek, concebido originalmente por Kafka no conto A preocupação de um pai de família; Shang Yang, o pássaro da chuva; e Haokah, o deus do trovão”. A compositora as dedica a Daniela Bonafé, “um ser imaginante”. Foram gravadas pela pianista Lidia Bazarian no CD Imaginário, além de constarem do site da autora 139. Alguns gestos adotados por Valéria neste ciclo podem ter sido influenciados por similares utilizados por Luciano Berio, compositor italiano estudado pela musicista em sua pesquisa de Mestrado. Sequências de acordes rápidos, ostinatos, arpejos dirigidos a um som longo e sustentado e polirritmia são alguns padrões que permeiam as quatro peças. O diálogo entre estática e movimento direcionado, apontado em obras de Berio na dissertação da mesma, é uma constante no ciclo, sendo a estática representada por movimentos pendulares e coleções de notas simétricas, e o movimento direcionado representado pela adição de sons da escala cromática a acordes e/ou trechos lineares, uso de coleções assimétricas e mudanças no ritmo quebrando a calmaria. Este tipo de gestualidade também remete-se à tradição da música erudita ocidental, confrontada pela autora, como o diálogo entre acordes (representando a estática) e arpejos (representando o movimento direcionado) em sonatas de Haydn e Beethoven. Não obstante o vocabulário musical adquirido durante sua trajetória profissional, a compositora conta que o material escolhido para as peças foi-lhe estimulado pela leitura mesma dos textos de Borges. Isso pode ser observado pela particularidade dos elementos ali dispostos,

139 Cf: https://www.valeriabonafe.com/do-livro-dos-seres-imaginarios. Acesso em: 17/2/2018. 232 desde os objetos que preparam o piano até a figuração rítmica e melódica criada para cada ser imaginário. Em Do livro dos seres imaginários, a compositora Valéria Bonafé insere alguns de seus elementos recorrentes, como a ideia da água, na chuva anunciada pelo pássaro Shang Yang, o baixo ostinato, de Haoká, o preparo do piano, em todas, e os acordes com 4 ou mais notas.

Kami

Em uma página famosa, lemos: “Sob a terra – de planícies juncosas – jazia um kami (um ser sobrenatural) com o formato de um barco e que, ao mover-se, fazia a terra tremer, até que o Magno Deus da ilha de Cervos enfiou a lâmina de sua espada na terra e atravessou sua cabeça. Quando o kami se agita, o Magno Deus se apoia na empunhadura, e o kami se aquieta outra vez” (BORGES, 1981, p. 126. Aspas e grifos do autor).

A peça que faz referencia ao ser sobrenatural que vive sob a terra com a cabeça presa à lâmina da espada do magno Deus da ilha de Cervos inicia-se com um acorde formado por notas longas em dinâmica P, cujos reflexos ressoam no arpejo descendente que se segue, com os mesmos sons. Este pequeno trecho, cujas notas são prolongadas pelo pedal de sustentação e fermatas, funciona como uma introdução, criando um clima de suspense em relação ao que está por vir. O que se segue é um ostinato formado por duas notas à distância de 2M (Mi/Fá#), que podem representar o movimento sutil do kami provocando a ira da divindade.

Figura 349 - Kami, cps 1 a 3. Introdução suspensiva e ostinato em 2M.

A partir dessa apresentação dos materiais, que incluem intervalos de 3M, 3m e 2M, vai se desenrolar o discurso até a total inclusão dos 12 sons da escala cromática no cp 7. Aos poucos o ostinato Mi/Fá# incorpora os sons alterados pelos objetos colocados no encordoamento do piano, nas notas Mi b e Fá (Eb 4 e F 4, conforme Fig. 41), e vai intensificando-se até alcançar o ponto culminante da peça no cp 12. Este pode ser interpretado como o movimento crescente do ser subterrâneo causando o tremor da Terra. 233

Figura 350 - Ostinato Mi/Fá# agrega novos sons e intensifica-se até ponto culminante. Cps 11 e 12.

Odradék A segunda peça do ciclo é inspirada no ser assim descrito por Borges: Tem o aspecto de um fuso de linha, plano e em forma de estrela, e a verdade é que parece feito de linha, mas de pedaços cortados de linha, velhos, enredados e misturados, de diferentes tipos e cores. (...) Odradek é extremamente móvel e não se deixa capturar (BORGES, 1981, p. 159).

O formato de uma estrela de 5 pontas é representado por quintinas sucessivas na pauta inferior que, assim como Odradék, têm movimento contínuo e ininterrupto. Seu conjunto de notas é fixo (Mi b, Sol#, Lá, Si e Do), variando a ordem e combinação. Deriva do modo octatônico, cujas 8 notas aparecem no decorrer da peça:

Figura 351 - Modo octatônico em Odradék.

O movimento das quintinas é ocasionalmente conturbado pelo aumento de figuras no mesmo espaço de tempo. A compositora pede que o intérprete dê destaque a esses momentos, que anunciam um acorde de 4A no registro grave em ff, alcançado por meio de um cruzamento de mãos.

Figura 352 - Aumento de densidade rítmica direcionado ao trítono no registro grave em Odradék.

234

Em Odradék são utilizados clusters diatônicos, nas notas brancas ou pretas, e cromáticos. A presença dos mesmos indica o ponto culminante da peça, no 2º sistema da p. 2.140 A peça termina com a diluição dos elementos por adição de silêncios.

Shang Yang “Além do dragão, os agricultores chineses dispõem do pássaro chamado shang yang para conseguir chuva”, explica Borges em seu livro (BORGES, Op. Cit., p. 165). Segundo o escritor, o pássaro tem uma única pata e anuncia precipitações quando faz bagunça. A bagunça de shang yang é representada por Valéria mediante apojaturas e notas rápidas no registro agudo. Após várias acrobacias a chuva aparece nos dois planos, em grupos alterados e sobrepostos de modo a produzir polirritmia.

Figura 353 - Bagunça do pássaro seguida de chuva, cps 14 e 15.

A terceira peça do ciclo é a única que não utiliza nenhuma das notas preparadas anteriormente com a colocação de objetos sobre as cordas. Neste sentido relaciona-se com a forma “variações” no repertório tradicional erudito, em que uma geralmente aparece em modo diferente das demais (por exemplo, em modo menor, quando o tema e as outras variações estão em modo maior). Para conseguir diferentes efeitos timbrísticos, o pedal tonal é acionado prolongando determinadas notas e acordes enquanto outras são tocadas. Em relação ao material melódico, Valéria cria sequências (mais uma alusão ao compositor Berio) que são combinadas, prolongadas e variadas em diversos trechos da peça. A sequência apresentada no cp 13, por exemplo, é repetida do início do cp 35 ao meio do 36 (com a inversão dos valores das figuras), ao que se segue uma variação do trecho que vai até o fim do cp 38. Esta nova sequência, decorrente da variação, será reapresentada nos compassos 39- 40 e 41-42.

140 Odradék não é dividida por barras de compasso. Tampouco apresenta fórmula de compasso. 235

Figura 354 - Sequência cp 13.

Haokah O ser imaginário Haokah é o deus do trovão. Fazendo uso de baquetas faz ressoar o tambor que o produz. É um ser extraordinário, que chora quando fica contente e ri quando está triste. Além disso, sente o frio como calor e vice-versa. A linha inferior é ocupada por um ostinato que lembra as baquetas de seu tambor. A alusão ao temperamento contraditório de Haokah se dá pela dinâmica mf indicada para este ostinato percussivo, contrastando com o f das partes recitativas em notas rápidas. Este contraste pouco usual chega a dificultar a prática do intérprete.

Figura 355 - Contraste de dinâmicas entre o ostinato e o recitativo, cps 9 e 10.

A última peça funciona como uma coda do ciclo, por reunir alguns elementos composicionais apresentados nas peças que a precedem. As notas Mi e Fá em ostinato, por exemplo, remetem-nos à peça inicial kami, embora o intervalo aqui seja de 2m. O movimento ininterrupto sem descanso lembra Odradék. Já a repetição de sequências com prolongamentos e variações alude a Shang Yang.

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