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Pontifícia Universidade Católica De São Paulo Puc-Sp

Pontifícia Universidade Católica De São Paulo Puc-Sp

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Antônia Conceição dos Santos

CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO: O CONTROLE SOCIAL NAS GESTÕES DE CELSO PITTA E DE

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Antônia Conceição dos Santos

CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO: O CONTROLE SOCIAL NAS GESTÕES DE CELSO PITTA E DE MARTA SUPLICY

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em SERVIÇO SOCIAL, sob a orientação do Prof. Dr. Ademir Alves da Silva.

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

São Paulo 2012

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BANCA EXAMINADORA

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Dedico esta dissertação ao meu companheiro, Isaias, por todo o apoio, amor, compreensão, pelo compartilhamento de parte do trabalho, pela companhia ao longo da trajetória, que me levou à concretização desse sonho.

Dedico aos meus filhos, Júlia e Rafael, amores incondicionais, pelo apoio, encorajamento e amor.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Ademir Alves da Silva, pela orientação e sensibilidade, leveza e compreensão durante o processo de orientação.

Ao meu marido, Isaias, pelo carinho, compreensão e pelo compartilhamento de parte deste trabalho.

Aos meus filhos, Júlia e Rafael, amores incondicionais, pela força e incentivo.

Aos conselheiros do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, pela disposição e pelo carinho com que me acolheram durante as entrevistas, socializando o seu conhecimento e experiências.

À Maria Olinda Costa Santos Carreira, pelo incentivo e apoio.

Aos meus irmãos, Mirian, Geni, Wilson e Marcos, pelo carinho e pela força.

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“Odeio os indiferentes. [...] acredito que viver significa tomar partido. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.”

Gramsci, Escritos Políticos, 1910-1920

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SANTOS, Antônia Conceição dos. Conselho Municipal de Saúde de São Paulo: o Controle Social nas Gestões de Celso Pitta e de Marta Suplicy. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

RESUMO

O objeto desta dissertação é o exercício do Controle Social por meio do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, durante as gestões do prefeito Celso Pitta, do Partido Progressista Brasileiro, e da prefeita Marta Suplicy, do Partido dos Trabalhadores. O objetivo é caracterizar e analisar a estratégia conselhista, comparando as gestões, de modo a identificar as relações entre o Conselho e o Movimento de Saúde da Zona Leste, dada a importância deste na gênese daquele, e comparar as composições e o desempenho do Conselho nas gestões estudadas, apontando as respectivas contribuições para fortalecer ou diluir pactos e políticas em favor da garantia do direito universal à saúde, concebida como bem público. Busca-se estudar as duas gestões, representativas de projetos políticos oponentes, para entender como se processam as relações políticas entre o governo e a sociedade civil em conjunturas diferentes. A hipótese formulada é a de que os Conselhos de políticas públicas, em geral, e os Conselhos de Saúde, em particular, são, em princípio, espaços “vazios” que podem ser ocupados de diferentes formas e com distintos conteúdos. Sob essa perspectiva, entende- se que o Conselho Municipal de Saúde pode constituir-se em instrumento de efetiva luta democrática por avanços e conquistas no âmbito da Política de Saúde, mas pode, por outro lado, reduzir-se a instrumento de cooptação dos segmentos da sociedade ali representados, em prejuízo do controle social. Em contrapartida, os segmentos da sociedade civil representados no Conselho tendem a alterar o perfil do controle social e da fiscalização, adotando posturas de apoio e referendo às gestões consideradas democrático-populares com as quais politicamente se identificam, em prejuízo de sua autonomia. A pesquisa é de caráter qualitativo e tem como procedimentos metodológicos a pesquisa documental, bibliográfica e empírica, mediante a coleta de depoimentos de conselheiros de saúde representantes dos segmentos dos usuários, trabalhadores e gestores. O estudo adota como fio condutor as tensões e contradições do Conselho Municipal de Saúde. Busca não só a análise do Conselho em pauta, mas também contribuir para o aprimoramento democrático desse mecanismo de controle social.

Palavras-chaves: Conselho de Política Pública, Democracia, Estado, sociedade civil, controle social.

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SANTOS, Antônia Conceição dos. Local Health Council of São Paulo: the Social Control in the mandates of Celso Pitta and Marta Suplicy. Dissertation (Master in Social Service), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

ABSTRACT

The goal was characterize and analyze the council strategy comparing the mandates in order to identify the relations between the Council and the Health Movement of the East Zone of São Paulo, according to the importance of this in the genesis of that, and compare the conformation and the performance of the Council during the mandates studied, pointing the respective contributions to strength or attenuate alliances and policies in favor of the guarantee of the right to universal health, conceived as a public good. It was sought the study of the two managements that represents opposite political projects in order to understand how are processed the political relations between the government and civil society in different conjunctures. The hypothesis formulated was that the public policies Councils, generally, and the Health Councils, particularly, are in principle “empty” spaces that can be occupied in different ways and with different contents. Under this perspective, it is understood that the Local Health Council can be constituted in an instrument of effective democratic struggle for improvements and achievements in Health Policy, but, in other hand, can be reduced to an instrument of cooptation of the society section represented in it, in prejudice of the social control. Secondly. The section of the civil society represented in the Council tend to modify the profile of the social control and the surveillance, adopting posture support and acceptance of the mandates considered popular-democratic in which politically identified, in prejudice of their autonomy. The research is qualitative character and had as methodological procedures the document, bibliographic and empiric research through the gathering of testimonies of health counselors that represent the sections of users, workers and managers. The research followed the tensions and contradictions of the Local Health Council. It intended the analysis of the Council in the agenda, and contribute to the democratic improvement of this social control mechanism.

Key words: Public Policy Council, Democracy, State, civil society, social control.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 12

CAPÍTULO I - A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O CONTROLE SOCIAL...... 18

CAPÍTULO II - OS AVANÇOS E OS DESAFIOS DO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO...... 42 2.1 HISTÓRICO...... 42 2.1.1 O Conselho Municipal de são Paulo na gestão Celso Pitta...... 44 2.1.2 O Conselho Municipal de saúde de São Paulo na gestão Marta Suplicy...... 53 2.2 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO CONSELHO...... 58

CAPÍTULO III - O CONTROLE SOCIAL NAS GESTÕES CELSO PITTA E MARTA SUPLICY: TENSÕES E CONTRADIÇÕES NO ÂMBITO DO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO...... 62 3.1 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DEMOCRACIA REPRESENTATIVA...... 64 3.2 INTERESSE UNIVERSAL E INTERESSE CORPORATIVO...... 71 3.3 RELAÇÃO ENTRE GOVERNO E SOCIEDADE CIVIL...... 74 3.4 REPRESENTATIVIDADE E SEGMENTAÇÃO...... 77 3.5 AUTONOMIA E HETERONOMIA...... 85 3.6 COMPARAÇÃO ENTRE AS GESTÕES CELSO PITTA E MARTA SUPLICY...... 95 3.6.1 Gestão Celso Pitta...... 95 3.6.2 Gestão Marta Suplicy...... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 111

ANEXOS...... 118

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LISTA DE FIGURAS E QUADRO

Figura 1 - Primeira reunião do Conselho Municipal de Saúde de

São Paulo (1989)...... 43

Figura 2 - Ato Público na Avenida Paulista no ano de 2000...... 48

Figura 3 - Conferência Municipal de Saúde de São Paulo...... 52

Quadro 1 - Quadro-síntese das entrevistas com conselheiros...... 63

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LISTA DE SIGLAS

APM - Associação Paulista de Medicina CEBES - Centro Brasileiro de Estudos em Saúde CEB - Comunidades Eclesiais de Base CF - Constituição Federal CGU - Controladoria Geral da União CREMESP - Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo CRESS - Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo FESPSP - Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo FUMDES - Fundo Municipal de Saúde IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias MP - Ministério Público MSZL - Movimento de Saúde da Zona Leste NOB - Norma Operacional Básica PAS - Plano de Assistência à Saúde PPA - Plano Plurianual PPB - Partido Progressista Brasileiro PSF - Programa Saúde da Família PT - Partido dos Trabalhadores SINDSEP - Sindicatos dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo SUS - Sistema Único de Saúde TCM - Tribunal de Contas do Município TCU - Tribunal de Contas da União UBS - Unidade Básica de Saúde SIMESP - Sindicato dos Médicos de São Paulo UMPS - União dos Movimentos Populares de Saúde

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INTRODUÇÃO

O presente estudo consiste em uma análise comparativa do controle social do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo nas gestões do prefeito Celso Pitta (1997-2000) e da prefeita Marta Suplicy (2001-2004).

A escolha das duas gestões deriva do fato de ambas representarem projetos políticos opostos, bem como por se tratar de um momento histórico de forte inserção da própria pesquisadora no Conselho Municipal de Saúde, na qualidade de conselheira, representando o segmento dos trabalhadores. Posteriormente, assumi o cargo de Secretária Executiva. Essa experiência possibilitou-me conhecer a demanda imposta ao Conselho na sua totalidade.

A pesquisa busca respostas para várias indagações que emergiram ao longo de minha atuação no Conselho, desempenhando diferentes papéis. Outrossim, propicia uma reflexão sobre o Conselho Municipal de Saúde e seu papel na formulação e fiscalização das políticas públicas de saúde. Procura-se resgatar a sua origem histórica e os fatores sociais, ideopolíticos e culturais que engendraram a sua constituição, sua estrutura, dinâmica de funcionamento, representação e formas de articulação com o governo.

Entre as diversas indagações que surgiram, a que me levou a realizar a pesquisa foi a seguinte: O Conselho Municipal de Saúde de São Paulo altera o seu grau e a natureza de sua participação em gestões democrático-populares? A partir dessa indagação, foi formulado o seguinte objetivo para a pesquisa: Caracterizar e analisar a estratégia conselhista do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, comparando as gestões de Celso Pitta (1997-2000) e de Marta Suplicy (2001-2005), de modo a (1) identificar as relações entre o Conselho e o Movimento de Saúde da Zona Leste, dada a importância deste na gênese daquele; e (2) comparar as composições e o desempenho do Conselho nas gestões de Celso Pitta e de Marta Suplicy, apontando as respectivas contribuições para fortalecer ou diluir pactos e políticas em favor da garantia do direito à saúde, concebida como bem público.

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A hipótese formulada é a de que os Conselhos de Políticas Públicas, em geral, e os Conselhos de Saúde, em particular, são, em princípio, espaços “vazios” que podem ser ocupados de diferentes formas e com distintos conteúdos. Sob essa perspectiva:

1. O Conselho Municipal de Saúde de São Paulo pode constituir-se em instrumento de efetiva luta democrática por avanços e conquistas no âmbito da Política de Saúde, mas pode, por outro lado, reduzir-se a instrumento de cooptação dos segmentos da sociedade civil ali representados, em prejuízo do controle social. 2. Os segmentos da sociedade civil representados no Conselho tendem a alterar o perfil do controle e da fiscalização, adotando posturas de apoio às gestões consideradas democrático-populares com as quais estão politicamente identificados, em prejuízo de sua autonomia.

Será resgatada a trajetória da constituição do movimento de saúde da Zona Leste e as diversas lutas pela redemocratização do país e pela participação popular junto ao Estado, por se entender que o movimento de saúde da região foi um dos grandes protagonistas desse processo – aliás, não se pode perder essa dimensão histórica do movimento.

A história do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo está diretamente relacionada às lutas por direitos na área de saúde ocorridas nas décadas de 1970 e 1980 na Zona Leste de São Paulo e ao Movimento de Saúde da região, pelo seu valor histórico na constituição de uma política pública de saúde, conforme diretrizes introduzidas pela Constituição de 1988 e incorporadas pelo SUS, como uma política pública universal, equitativa e integral, com a participação social na sua formulação, fiscalização e controle.

Sob essa perspectiva, o aprofundamento do estudo leva-nos ao resgate do Movimento de Saúde da Zona Leste de São Paulo, dada a sua importância no processo de constituição do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, com base em análise da bibliografia, incluindo obras de autores como Gohn, Jacobi, Sader, Carreira, Carvalho e outros que deram sua contribuição sobre o tema que se tornou objeto de estudo de diversos pesquisadores.

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Vale registrar que, num primeiro momento, abordaremos o controle social de um modo geral, mas nosso foco é o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo. Por outro lado, a Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde, determina como instâncias colegiadas do controle social as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde. Todavia, tendo em vista os limites da presente pesquisa, não será possível pesquisar e investigar profundamente esse outro mecanismo de controle social, o das Conferências.1 O estudo envolve, porém, a apropriação de categorias conceituais como Democracia, Movimento Social, Sociedade Civil, Estado, Controle Social e Partido Político, entre outras.

Busca-se subsídio para o estudo da Participação Popular em autores como Pedro Jacobi (1989), Gohn (2001 e 2004) e Claúdia Maria Bógus (1998). Já para o estudo da relação entre Estado e Sociedade Civil, recorremos aos seguintes autores: Antonio Gramsci (1999), Carlos Nelson Coutinho (1999), Ivete Simionatto (1995), Evelina Dagnino (2002), Ilse Gomes Silva (2003) e Carlos Montaño (2010). Com relação ao estudo dos Movimentos Sociais Urbanos, nos baseamos em Eder Sader (1995), Ana Maria Doimo (1995), Pedro Jacobi (1989), Gohn (2004) e Dagnino (2002).

O ponto de partida é a questão da democracia participativa, haja vista a importância da reflexão acerca das formas e dos meios para efetivá-la, e a importância de se aprofundar o estudo sobre os novos mecanismos de participação democrática. Nesse sentido, a análise do controle social pelo Conselho Municipal de Saúde de São Paulo insere-se nesse amplo debate sobre a democracia participativa e representativa.

O percurso da pesquisa foi permeado por diversos conflitos e contradições por parte da pesquisadora, devido à sua inserção na área pesquisada, o que, por um lado, favoreceu a sua realização e, por outro, gerou dúvidas quanto ao objeto a ser

1 A Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. Em seu artigo 1º, estabelece que o SUS, de que trata a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: Conferências de Saúde e Conselhos de Saúde.

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esquadrinhado. Um dos objetivos iniciais era identificar as relações entre o Conselho e o Movimento de Saúde da Zona Leste - MSZL, dada a importância do segundo na gênese do primeiro, porém, ao longo da investigação, focamos apenas no estudo do Conselho, diante da complexidade de se apreender o controle social por ele desempenhado.

Cumpre registrar aqui ainda alguns obstáculos vencidos para a realização das entrevistas, dificultando o seu início conforme cronograma definido. Inicialmente, levantamos endereços e telefones de conselheiros em documentos e contatos realizados no Conselho Municipal de Saúde de São Paulo. Porém, foi difícil a localização dos sujeitos, considerando o tempo decorrido desde o fim do exercício nos mandatos a serem pesquisados.

Encontramos dificuldades também na pesquisa documental, pois não foi possível o levantamento de alguns documentos, principalmente aqueles relativos ao período da gestão do prefeito Celso Pitta, momento em que havia o Conselho de Saúde, legitimamente eleito pela sociedade civil, e o Conselho formal, indicado pelo governo para representar as Cooperativas do PAS - Plano de Assistência à Saúde. Assim, a pesquisa foi prejudicada e baseou-se nos depoimentos dos conselheiros entrevistados.

A intenção, a princípio, era entrevistar 12 conselheiros, sendo 4 representantes do segmento dos usuários, 4 representantes do segmento dos trabalhadores e 4 representantes do segmento do gestor. No decorrer do processo, decidimos entrevistar mais 4 conselheiros representantes dos usuários, observando a proporcionalidade na composição do Conselho de 50% de usuários, 25% trabalhador e 25% gestores.

Do prisma metodológico, foram utilizados procedimentos, instrumentos e técnicas da pesquisa qualitativa, pois, segundo Minayo (1993:21), ela trata com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Essa abordagem está em consonância com os propósitos de nossa pesquisa, ao permitir caracterizar a composição e o desempenho do Conselho, pela

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identificação das concepções dominantes e tendências quanto à gestão da política de saúde.

Para a construção do referencial histórico, teórico-conceitual e legal- normativo, foi realizada pesquisa bibliográfica na área das Ciências Sociais e Humanas, a partir da seleção de dissertações e teses correlatas ao objeto de estudo, livros e outros materiais impressos ou virtuais. Com a pesquisa documental levantamos dados do âmbito técnico-administrativo a partir das atas, resoluções, relatórios de gestão, PPA - Plano Plurianual e outros documentos disponíveis nos órgãos do Executivo e do Legislativo da municipalidade paulistana e no acervo do próprio Conselho Municipal de Saúde.

Visando a coligir dados empíricos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os conselheiros titulares e suplentes, totalizando 16 sujeitos das diferentes regiões da cidade e dos três segmentos ali representados, correspondendo a oito membros de cada gestão estudada. O critério de seleção e constituição dessa amostra consistiu em observar a proporcionalidade e representação no Conselho, sendo 50% de usuários, 25% de trabalhadores e 25% de gestores ou de serviços.

As entrevistas foram feitas pela própria pesquisadora, nas quais foi utilizada a técnica do gravador. Impressionou-me a receptividade dos conselheiros, que se dispuseram a compartilhar informações com dados e documentos que não foram encontrados no Conselho. Durante os encontros, ficou evidente o interesse dos conselheiros em contribuir para o desenvolvimento da pesquisa, e até mesmo algumas questões levantadas levaram a momentos de reflexão sobre o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo.

No primeiro capítulo, o estudo traz um breve histórico da gênese do Movimento de Saúde da Zona Leste, que, com seu protagonismo, serviu de base para a consolidação do Conselho de Saúde e o processo de institucionalização da participação social. Apontamos sua consonância com o modelo de democracia participativa e os limites desta no controle social do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo.

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No segundo capítulo, busca-se levantar a história do Conselho nas gestões do prefeito Celso Pitta e da prefeita Marta Suplicy, visando a apreender sua relação com os referidos governos. Essa abordagem deve-se principalmente à grande diferença político-ideológica das duas administrações, sendo que o governo Celso Pitta constituiu-se como sucessor dos governos autoritários anteriores, com componentes antidemocráticos, ao passo que o governo democrático-popular de Marta Suplicy representou um momento antagônico ao anterior, caracterizado pelo apoio e participação da sociedade civil e fortalecimento do controle social na cidade.

Já no terceiro capítulo o intuito é identificar e analisar as tensões e contradições do controle social exercido pelo Conselho Municipal de Saúde nas duas gestões, a partir dos depoimentos dos conselheiros entrevistados, procurando responder à indagação central da pesquisa, segundo as hipóteses levantadas.

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CAPÍTULO I – A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O CONTROLE SOCIAL

A criação de canais de participação da sociedade civil na gestão das políticas públicas no Brasil tem seu marco na década de 1980, após intenso processo de mobilização social pela redemocratização do país.

Segundo Kowarick (2000:38), os movimentos sociais representaram uma importante força na resistência democrática contra a ditadura militar, sendo que

Desde os anos 70, grupos e associações que discutiam as condições de espoliados da vida cotidiana, pressionavam de múltiplas formas os poderes públicos e, mais do que isso, trazendo à tona problemas que forjaram uma consciência de exclusão que passou a ser um elo de reivindicação entre moradores de numerosos bairros das periferias da Metrópole: naquela época, em grande parte devido à ação das Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), Clubes de Mães, Associação de Moradores, Associação de Jovens, e outras articulações ligadas às pastorais católicas. As pessoas passaram a se reconhecer, a perder o medo de pensar e agir, de forma ainda embrionária e fragmentada, começam a esboçar um campo de resistência e organização popular. (KOWARICK, 2000:38)

De acordo com Sader (1995) em sua análise sobre os Movimentos Populares de Saúde da região leste de São Paulo nas décadas de 1970 e 1980, esses novos personagens se puseram na cena histórica brasileira, criando condições para a participação social e política e para o exercício da democracia2. Nesse contexto, Carreira (1997:33) entende que existe uma polêmica referente a essa questão:

[...] Há autores que analisam as várias modalidades de participação, bem como a sua intensidade em determinados momentos históricos. Contudo, enquanto alguns estudos compreendem as formas participativas dentro de uma trajetória histórica, outros as veem como uma questão nova.

2 Uma excelente análise didática sobre o tema pode ser encontrada em: SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo - 1970-1980. : Paz e Terra, 1995.

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Para a autora, no século passado, a Zona Leste foi palco de grandes movimentos e lutas operárias, sendo que muitas delas se constituíram embriões desses novos movimentos ou personagens.

Foi um período de grandes mobilizações e lutas sociais pela redemocratização do país. No plano geral, a população reivindicava o reconhecimento dos direitos sociais, econômicos e políticos, a participação nas decisões e o fim da Ditadura Militar. Nesse sentido, Gohn (2001:51-55) acrescenta que estava em disputa a mudança do controle social exercido pelo Estado sobre a sociedade, bem como a alteração do modo de se fazer política no país.

O movimento pela melhora do sistema de saúde surgiu nesse período, na década de 1970, momento de forte repressão política e cultural, de lutas pelo acesso a serviços de saúde no município e agravamento do quadro político-social. Iniciou-se na Zona Leste em 1979, com a contribuição de sanitaristas, estudantes, militantes de esquerda e da Pastoral da Saúde. Formaram-se as primeiras Comissões de Saúde em 1977, no Jardim Nordeste e, em seguida, em São Mateus, as quais, além das donas de casa e da Igreja Católica, por intermédio das Comunidades Eclesiais de Base, tiveram forte contribuição dos operários que trabalhavam na região do ABC.

Para Bógus (1998:18), a história do movimento em defesa da saúde teve sua origem no final da década de 60, no bairro do Jardim Nordeste, Zona Leste, por meio de iniciativas de freiras da paróquia local, que se reuniam com mulheres dos Clubes de Mães, entidades com caráter assistencialista. Para a autora, as discussões evoluíram de uma abordagem individualista para outra comunitária. A partir da prática, foi se desenvolvendo a tomada de consciência acerca das questões sociais e das contradições de classe. E, com a percepção das questões políticas gerais, algumas dessas mulheres, juntamente a um grupo de médicos sanitaristas, iniciaram um processo, mediante reuniões nos bairros, nas casas, nas comunidades, para lutar por serviços de saúde, iniciando-se assim a luta política na área da saúde.

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A autora diz que “o movimento de saúde, então incipiente, foi gradativamente desvinculando-se da Igreja e suas ações foram perdendo o caráter mais pastoral do início”. Afirma ainda que estudantes e sanitaristas “desempenharam um papel importante no desenrolar dos movimentos reivindicativos, colocando o seu saber a serviço das classes populares”. Ao propagarem dados sobre os serviços, disponibilizaram informações que contribuíram para a clareza das reivindicações e a organização do movimento.

Na década de 70, a criação da Comissão de Saúde do Jardim Nordeste foi o marco do movimento de saúde. Bógus (1998) defende que essa Comissão estabeleceu as bases de tal movimento. Sua função era organizar a luta por meio de reuniões semanais na casa de uma das mulheres participantes. As reuniões eram abertas, e nelas se discutiam a situação do bairro, as reivindicações a serem feitas e a organização de assembleias, carreatas e caravanas para pressionar os dirigentes da Secretaria de Estado da Saúde.

Nos anos 1980 o regime militar apresentava sinais visíveis de desgaste e falta de legitimidade perante a opinião pública nacional e internacional, com forte reflexo nas políticas sociais. No sentido de manter a hegemonia política e econômica, e antecipando-se à possibilidade de um agravamento da crise política e um acirramento da luta de classes, o governo utilizou a estratégia de aproximação com a sociedade civil organizada, no intuito de encontrar saídas para os impasses sobre a gestão estatal.

O declínio do autoritarismo do regime militar e o processo de fortalecimento da redemocratização possibilitaram a abertura de novos canais de participação da população nos rumos do país. Na primeira metade da década de 1980, emergiram as primeiras práticas institucionalizadas da participação social, viabilizando a contribuição da sociedade civil na gestão das políticas públicas.

Segundo Gohn (2001:54),

A conjuntura política dos anos 80 construiu outras dimensões para a categoria participação. Para os que estavam engajados

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na busca de redemocratização do Estado, o processo concentrou-se na questão dos conselhos [...] firmaram-se as primeiras experiências de conselhos de gestão da coisa pública, que ia dos conselhos comunitários aos conselhos de escola; da saúde às câmaras de gestão de setores variados [...] e essa gama de experiências funcionava paralelamente aos conselhos populares dos movimentos sociais.3

Segundo a autora, os Conselhos Populares defendiam o princípio da democracia como valor universal e se fundamentavam no princípio da autonomia.

Por outro lado, os Conselhos Comunitários foram criados por Decretos, ou seja, vinculavam-se institucionalmente ao regime militar, cumprindo o papel de apaziguar as tensões sociais e, “[...] não raro, praticavam políticas de cooptação de lideranças e incorporavam apenas os setores que apoiavam a facção política que estava no poder” (GOHN, 2001:54). Atuavam como espaços de negociação entre o movimento popular e certas áreas do poder público, e seu caráter era mais consultivo do que deliberativo.

Quando surgiram os primeiros Conselhos de Saúde, o objetivo era discutir os problemas relativos a essa área em reuniões mensais com médicos e profissionais dos Postos de Saúde. Essa experiência ampliou-se para outros bairros, seguindo-se a oficialização e implantação dos Conselhos Populares de Saúde em todas as regiões da cidade.

De acordo com Sader (1995:275-276), a Comissão de Saúde pretendia formalizar os Conselhos Populares de Saúde, e foi informada sobre um Decreto-Lei da Secretaria Estadual de Saúde autorizando a criação de tais Conselhos para atuarem nos Centros de Saúde. Esse Conselho deveria ser integrado pelos “notáveis do bairro”, como o Delegado de Polícia, o Presidente do Lions Clube, políticos, diretores de escola e membros do Rotary Clube.

As donas de casa reagiram e se organizaram no sentido de eleger o Conselho composto por usuários dos Centros de Saúde, que conheciam a realidade local e os problemas da região. Buscaram envolver a população nessa discussão e,

3 A história dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas pode ser encontrada em: GOHN, Maria da Glória. Conselhos Gestores e a participação sócio-política. São Paulo: Cortez, 2001.

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para tanto, elaboraram boletins, foram de casa em casa e em todas as seis Vilas do Jardim Nordeste, conseguindo assim reunir 13 nomes. Confeccionaram cédulas eleitorais, urnas e percorreram feiras, igrejas e residências por um período de 10 dias. Conseguiram eleger 12 donas de casa e obtiveram 8.146 votos, constituindo, assim, o primeiro Conselho de Saúde da Zona Leste, com mandato de dois anos.

Entende-se que essa conquista faz parte daquelas alcançadas ao longo do processo da luta democrática no sentido de combater uma cultura centralista e garantir a abertura de canais de participação popular junto ao Estado. Nesse contexto, Gouveia (1998:25 apud BÓGUS, 1998) destaca que havia vários entendimentos sobre a institucionalização do Movimento de Saúde da Zona Leste, destacando principalmente os partidos políticos e a avaliação que estes faziam sobre as eleições dos primeiros conselhos. O autor diz que:

A direita ridicularizava tal iniciativa considerando-a uma brincadeira de democracia, enquanto parte da esquerda ou a menosprezava, por não se tratar da luta econômica tradicional, ou estigmatizava a experiência, taxando-a de retrocesso que levaria à cooptação do movimento popular de saúde.

Para Sader (1995), esse processo culminou em um “canal institucionalizado para o controle do serviço por parte da população a ser atendida”. Dessa forma, houve um salto qualitativo das lutas imediatas pela reivindicação de direitos, do papel do Estado e das políticas públicas.

A discussão da política de saúde era considerada um dos eixos principais do debate em prol do desenvolvimento do país, visto que o momento era de intensa repressão e não possibilitava discussões sobre a realidade política e econômica do Brasil. Alguns setores da Igreja Católica, vinculados à Teologia da Libertação, desempenharam papel histórico nesse processo. As CEBs - Comunidades Eclesiais de Base discutiam o evangelho e outras questões como a democratização da sociedade, o poder político, a distribuição de renda nacional e o acesso a bens e serviços.

Nosso entendimento é de que, naquele momento histórico, as lutas imediatas representavam parte de um processo de luta pelo poder. Assim, à medida

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que as lutas específicas eram assumidas em caráter mais amplo, incorporando-se às lutas políticas gerais, avançava o nível de organização e politização das classes populares.

O agravamento das contradições sociais, a falta de equipamentos coletivos, a especulação imobiliária, a criação de loteamentos clandestinos, o encarecimento do solo urbano, a falta de serviços de saúde e toda uma gama de problemas urbanos levaram a população periférica a ampliar suas lutas e reivindicações. Esse processo não se deu de forma mecânica, mas como parte de um contexto social mais amplo que abarca desde os movimentos culturais até as mais variadas formas de participação social, que desempenharam um papel preponderante, criando-se, assim, formas de rejeição à ideologia dominante, na perspectiva de forjar uma nova ideologia que refletisse os anseios das classes populares. A ampliação das lutas de tais classes possibilitou um grande avanço na conscientização acerca das questões sociais, passando-se a um patamar superior, avançando do nível da economia para um questionamento profundo, em nível político, da sociedade.

De acordo com Antunes (1982:23),

Marx demonstrou os limites da luta estritamente econômica: luta contra os “efeitos” e a impossibilidade de uma separação mecanicista entre os dois momentos de luta de classes. Mostrou como é próprio de toda luta econômica transformar-se em luta política e inversamente. Porém, já demarcava o momento de unidade e contradição: se inserida e incorporada ao processo de superação da totalidade em seu conjunto dinâmico, a luta econômica torna-se um elemento importante para o avanço da consciência operária, por outro, se desvincula do objetivo final superador da ordem capitalista. Há a tendência de esgotar-se eternamente na luta contra os efeitos e não contra as causas do capitalismo.

Sob essa perspectiva, entende-se que o movimento de saúde da Zona Leste ensaiava a passagem da pura luta reivindicativa para uma ação política de participação na gestão dos serviços de saúde.

Nesse contexto, o movimento de saúde cresceu e consolidou-se. Algumas de suas lideranças foram eleitas para o Legislativo e para o Executivo. A síntese das

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lutas populares e da luta no parlamento consolidou-se na construção de um Sistema Único de Saúde universal - SUS e na garantia de espaços institucionalizados de participação popular nos órgãos estatais, por intermédio dos Conselhos de Políticas Públicas.

A intensa participação da sociedade nas lutas populares por saúde garantiu a regulamentação do Sistema Único de Saúde na Constituição Federal de 1988, o que significa um marco na garantia do direito à saúde. A Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080, promulgada em 19 de setembro de 1990, que regulamenta as ações e serviços de saúde no âmbito do SUS como dever do Estado e direito do cidadão, detalhou o funcionamento do Sistema e descentralizou a gestão das políticas públicas com a participação da sociedade civil no processo de tomada de decisão, fundamentado na promoção, proteção e recuperação da saúde e na gestão participativa. Essa Lei estabelece, em seu Artigo 2º, que:

A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Parágrafo 1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais [...] que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Parágrafo 2º - O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Parágrafo 3º - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

A Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, por sua vez, estabelece a participação da comunidade no SUS, ou seja, regulamenta a participação popular, instituindo instâncias colegiadas de controle social mediante as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde, nas três esferas de governo, compostos por representantes de usuários de serviços de saúde, de trabalhadores da saúde e de prestadores de serviços públicos e privados de saúde. A representação dos usuários totaliza 50% dos membros, e a dos demais segmentos, 25% por segmento.

Conforme a referida Lei, os Conselhos de Saúde são órgãos colegiados de caráter permanente e deliberativo, com a função de formular estratégias, inclusive

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nos aspectos econômico e financeiro, em cada esfera do governo. Assim, o Conselho delibera, controla e fiscaliza a execução da política pública de saúde, cabendo também a ele discutir as propostas de implementação das políticas públicas e melhoria no atendimento de saúde, bem como fiscalizar os custos e a execução dessas políticas; porém, a execução dessa política é de competência do executivo.

A Constituição Federal de 1988, no Artigo 198, incorporou as diretrizes da VIII Conferência Nacional de Saúde e sancionou a participação da sociedade nos processos decisórios e a descentralização da gestão das políticas públicas, estabelecendo novas formas de integração entre o governo e a sociedade civil. Ela insere em seus artigos as deliberações da VIII Conferência Nacional de Saúde.

No Brasil a luta vem de séculos, entretanto foi nas últimas décadas do século XX que esse direito à saúde foi mais discutido. Um dos marcos é a III Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em 1963, cujos objetivos foram frustrados pelo início da ditadura militar. Nela se definiu o direito de todos à saúde e a municipalização como caminho para se conseguir implantá-lo. Também merece destaque a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que aglutinou e consolidou todas as propostas da denominada Reforma Sanitária com respaldo da sociedade, de técnicos, prestadores de serviço e administradores públicos, bem como de representantes do Legislativo. Os resultados dessa CNS foram apresentados ao Congresso Nacional para discussão e incorporação à Constituição. (CARVALHO, 2003:9)

Cumpre registrar aqui ainda a contribuição do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde - CEBES, entre outros que tiveram papel relevante nesse processo, por intermédio de formação política, para o surgimento de intelectuais orgânicos que posteriormente constituíram o movimento sanitário e a consolidação da Reforma Sanitária de 1970 no Brasil.

Segundo apontamentos de Nelson Santos (apud JORGE, 2006:57), o CEBES teve papel relevante, e sua atuação suprapartidária deu origem ao movimento de Reforma Sanitária e, posteriormente, à reforma do Estado na área da saúde.

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A partir de 1975, quando se deu o crescimento dos movimentos pelas liberdades democráticas, em seu bojo é criado o Cebes, que consegue agregar, aglutinar, conduzir, e até comandar o movimento e engajamento crescente não só dos sanitaristas, mas de todos os estudiosos de saúde, inclusive da chamada medicina assistencial dos hospitais públicos, de ensino, e privados da área de previdência social – Inamps à época. O Cebes estendeu o leque de sanitaristas e estudiosos da previdência social aos intelectuais das universidades que estudavam políticas públicas, comparando o que acontecia nos outros países, principalmente os da chamada social- democracia européia, tendo a Reforma Sanitária Inglesa como um dos grandes modelos. 4

A área da saúde, conforme indica Jorge (2006:55), “estava incluída no processo de reavaliação política e de reavaliação da luta armada, pelos movimentos de resistência, e se apontava a necessidade de mobilização popular, se possível legal naquele período da ditadura”. Nesse sentido, Nelson Santos (apud JORGE, 2006:55) acrescenta que a retomada das iniciativas na área da saúde se deu no momento de endurecimento do regime militar, lembrando que as mortes de Vladimir Herzog e de Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1975, contribuíram para o fortalecimento dos movimentos por liberdades democráticas, sendo que a repressão militar naquele período, além de se mostrar contra os movimentos de luta armada, também se voltava a outros movimentos sociais que lutavam por direitos da população.

No sentido de fortalecer os movimentos sociais, especialmente a luta mais ampla pelo direito à saúde e pelo fim do regime militar, alguns agentes externos, sobretudo médicos sanitaristas, à luz da concepção de Gramsci, desempenharam o papel de intelectuais orgânicos e passaram a trabalhar e a residir na Zona Leste de São Paulo, exercendo função expressiva para a organização do movimento popular de saúde da Zona Leste. A união do movimento sanitário e dos movimentos sociais possibilitou o que José Gomes Temporão (apud JORGE, 2006:58), em seu depoimento, considera como a “síntese de luta política e de luta específica”, defendendo que o acesso à saúde plena não seria possível sem o retorno da democracia.

4 Uma excelente análise sobre o SUS pode ser encontrada em: FALEIROS, Vicente de Paula et. al. A construção do SUS: histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, 2006.

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A concepção de Gramsci sobre o intelectual orgânico assumiu importância a partir de sua interpretação sobre o papel que esse sujeito desempenha no seio do bloco histórico e na construção de uma nova ordem societária. Ainda sobre o papel do intelectual na construção de uma nova cultura, segundo Coutinho (1999:28-29), “a cultura torna-se condição necessária ao processo revolucionário, à instalação de uma nova ordem capaz de vivificar a liberdade e a democracia”. O autor entende que a cultura está relacionada com a compreensão de que a luta pela emancipação política do proletariado não se coloca apenas no terreno econômico, mas, dadas as condições de subalternidade intelectual às quais estiveram submetidas as classes trabalhadoras, torna-se necessário o encaminhamento de um novo projeto cultural que propicie o desenvolvimento de uma vontade social, de uma vivência democrática independente do domínio burguês.

Discorrendo sobre o papel do intelectual orgânico, Simionatto (1995:57-62) assevera que, “no plano político, a noção de intelectual traz como elemento novo a superação das relações entre dirigentes e dirigidos e traça o caminho para um projeto de sociedade regulada”. A autora diz ainda que “o modo de ser não pode consistir na eloquência, força motriz exterior e momentânea dos afetos e das paixões, mas numa inserção ativa na vida prática, como construtor, organizador, persuasor e permanente”.

Conforme preleção de Jorge (2006:56), o movimento sanitário, com a presença desses agentes, ganha maior abrangência e incorpora propostas reformistas, sustentadas no interior do próprio aparato estatal, no qual quadros oriundos e alinhados com o movimento assumem funções dirigentes. Segundo o autor, a VIII Conferência Nacional de Saúde é um marco histórico da mobilização instituinte da área da saúde, de reafirmação do princípio de participação e controle social, na direção da democratização do Estado. Dessa forma, a conquista do direito à saúde com controle social passou a ser preceito constitucional.

A implantação dos Conselhos requer a análise das práticas participativas, envolvendo a compreensão das relações entre Estado e sociedade civil, do processo saúde-doença, dos grupos sociais e do exercício da cidadania, pois a

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concepção de saúde como direito de todos, conforme estabelecido pela Constituição Federal, é o resultado de intensa luta social e política (CARVALHO, 1995:8-28).

O aprofundamento do presente estudo passa pela apreensão das seguintes categorias de análise, resumidas por Neder (2001:34):

Controle Social, do Estado para a sociedade. Característica do pensamento mercantilista, em que o bem-estar social era associado ao bem-estar do Estado, na era do monarquismo absolutista do século XVII. O Estado assumiu novas funções relativas a um controle e a uma intervenção crescente sobre o econômico e o social. Precisou adequar-se institucionalmente a essas novas funções, promovendo uma importante centralização administrativa, constituindo um arcabouço jurídico-legal considerável e formando uma burocracia estatal organizada e sofisticada a ponto de estar capacitada a representar os interesses do Estado, num contexto em que a sociedade devia servir o Estado. Participação comunitária: completando Estado. A idéia de participação comunitária apareceu no início do século XX, representando um novo padrão de relação Estado-sociedade no setor saúde, para dar resposta ao grave problema da relação entre pobreza e doença. O Estado promove a participação em ações simplificadas no âmbito dos serviços. Participação popular: combatendo o Estado. O Estado é visto como um opositor, contra o qual se dirigem a participação social e política. Participação social: controlando o Estado. O Estado de direito moderno reconhece a necessidade de defender a sociedade contra os eventuais excessos no funcionamento da máquina estatal mediante a divisão de funções entre os poderes e a existência de mecanismos recíprocos de controle, em nome da sociedade.

Segundo Neder (2001:34), a novidade nos anos 1980 foi que esse controle passava a ser feito pela sociedade, por meio da presença e da ação de segmentos sociais. Para o autor, a concepção de gestão pública do SUS é essencialmente democrática e compartilhada. O gestor não é senhor absoluto da decisão e submete suas ações ao controle da sociedade.

Conforme Gohn (2001:51), a conquista de direitos constitucionais e a participação popular nos processos decisórios implicam um novo paradigma na relação entre Estado e sociedade civil. Assim, o processo participativo e a

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articulação do poder com todos os envolvidos transformam os atores passivos em sujeitos ativos.

A realidade objetiva dos Conselhos de Saúde e, no presente estudo, do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo remete a uma análise mais aprofundada dos limites para viabilizar a democracia participativa no modelo de Estado burguês.

A abordagem de Poulantzas sobre a democracia participativa é um alerta “para a compreensão das formas de participação das classes sociais nos aparelhos do Estado” (SILVA, 2003:21).

Segundo Silva,

É necessário que se desvendem as características do Estado capitalista e as respectivas estruturas que garantem a manutenção do poder da burguesia e da reprodução do modo de produção. Nesse fenômeno, intercalam-se relações de poder entre as classes, entre classes e o Estado, os limites de acesso dos setores populares aos centros de poder e a relação de autonomia do Estado como campo de luta de classes. (SILVA, 2003:21)

Outro aspecto que permeia a relação entre governo e representantes da sociedade civil refere-se ao que Sader (1995:12) chama de “desconfiança com relação às instituições políticas e com os sistemas políticos de mediação” – concepção da qual compartilhamos. Essa desconfiança encontra-se presente não somente na sociedade civil, como também no governo. Os conselheiros de saúde têm função pública relevante e podem ser responsabilizados por isso, enquanto o governo se sente ameaçado e pressionado e também pode ser responsabilizado legalmente caso não submeta suas ações à deliberação e aprovação do Conselho.

Drummond (2006:2) afirma que o controle social exercido pelos Conselhos liga o governo e a sociedade, possibilitando novas formas de organização dos movimentos, como também os transforma. Para o autor,

A democracia participativa também se institucionaliza e se torna uma expressão plural da sociedade, não se impõe como um projeto hegemônico, mas vai minando a hegemonia das

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elites nos espaços dos conselhos, na conquista de lugares de voz, pressão, de fiscalização, numa guerra de posições, na expressão gramsciana.

Dessa forma, a política de saúde passa a fazer parte também da agenda dos movimentos, e não somente dos governantes, que, segundo os preceitos constitucionais, necessitam da aprovação e deliberação dos primeiros para a realização de suas ações.

Entende-se que o Conselho Municipal de Saúde, além de sua competência legal, deve manter uma permanente articulação com a sociedade civil e com os segmentos representados, no sentido de preservar sua identidade e autonomia, expressando, assim, as necessidades dos usuários.

A luta da sociedade civil organizada para garantir espaços de participação nos aparelhos do Estado faz lembrar a discussão de Gramsci sobre a guerra de posição que se constrói diante de uma aliança de classe visando à formação de um novo bloco histórico e à busca de uma contra-hegemonia. No entanto, ao contrário da perspectiva gramsciana, em contraposição à concepção de alguns setores da esquerda sobre o projeto de redemocratização, Gohn (2001:51) afirma que:

[...] na prática havia um conceito de participação baseado na concepção liberal de participação que tinha um caráter mecanicista e se restringia a uma aspiração à criação de canais, que viabilizassem a presença física de representantes da sociedade civil nas estruturas estatais.

Conforme a autora, do ponto de vista histórico os Conselhos, segundo a literatura, remontam ao início do século XX na Rússia czarista, denominados “Conselhos Operários Sovietes”, que existiram durante a revolução de 1905 e a revolução de 1917. A experiência reproduziu-se em diversas regiões da Europa envolvidas em conflitos de classe, por meio dos diferentes movimentos operários ou manifestações espontâneas. Durante a Revolução Francesa em 1789, na primeira fase, assim como na Comuna de Paris (1871), os Conselhos apareciam ainda que de forma incipiente (GOHN, 2001:65).

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Como vimos, a origem dos Conselhos tem relação histórica com a esquerda revolucionária na Europa, sendo que no Brasil essa experiência foi incorporada pelos militantes de esquerda e por sanitaristas que optaram por trabalhar na Zona Leste de São Paulo e passaram a residir na região como forma de se inserir na realidade local e de colocar seu saber a serviço das classes populares. Embora os Conselhos tenham sido inspirados na concepção de uma democracia participativa, não se pode negar que sua ideia inicial estava ligada aos movimentos espontâneos do proletariado e das massas excluídas, sendo prontamente reconhecidos pelos sanitaristas como forma legítima de organização e participação popular que, posteriormente, veio a constituir o movimento popular de saúde da Zona Leste.

Conforme Jacobi (1989:3), a análise do movimento de saúde e da participação social junto ao Estado requer um estudo sobre a relação dos movimentos com o Estado capitalista e a “dinâmica contraditória das classes sociais, expressa na aliança de frações de classe, cujos interesses conflitantes variam segundo o contexto”. E remete às relações de produção do modo capitalista, argumentando que o escamoteamento dessa discussão reduz a compreensão de como se dão as relações entre as classes sociais.

Para o autor, não se pode negar que o Estado capitalista é a expressão dos interesses das classes dominantes, e “não se pode negar também que se configura como condensação de uma relação de forças sociais, expressando as contradições das classes” (JACOBI, 1989:4). Segundo o autor, o Estado “assume o papel de articulador e organizador da sociedade independente de sua condição de suporte de certas relações de dominação, adotando o papel de fiador de relações sociais”. Afirma ainda que é função do Estado exercer as tarefas contraditórias, de legitimação e de acumulação, visando a construir bases de consensos que sustentem as ações de suas instituições.

Assim, as demandas sociais e a relação com o Estado passam a ser objeto de reflexão e, segundo o autor, a política do Estado capitalista se reflete como “um conjunto de estratégias mediante as quais se produzem e reproduzem constantemente as contradições de classe e a intensidade das lutas políticas”. Para

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o autor, mediante as políticas sociais, o Estado ameniza as tensões sociais, salvaguardando a reprodução do capital e da força de trabalho.

Nesse sentido, Ammann (1991:24-25) afirma:

O Estado representa para Poulantzas a condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classes, com uma autonomia relativa, sendo atravessado pela luta de classes em sua materialidade institucional. Sua função junto às classes dominadas é de organizá-las e de instaurá-las na qualidade de dominantes.

A autora diz ainda que as classes dominadas se inserem nas instituições estatais de maneira “específica, sendo que se fazem presentes através de blocos de poder”.

A temática dos Conselhos de políticas públicas remete, portanto, à reflexão sobre o papel do Estado na sociedade capitalista e sua relação com a sociedade civil com fundamento no referencial de Gramsci e sua concepção sobre a sociedade civil e a sociedade política. Entende-se por sociedade política os mecanismos pelos quais a classe dominante se mantém no domínio por intermédio de aparatos jurídicos, militares e de repressão (coerção). São os mecanismos pelos quais mantém o domínio da sociedade e a reprodução da ideologia dominante. Trata-se do Estado no sentido restrito, ou seja, o aparelho governamental encarregado da administração direta e do exercício legal da coerção sobre os dominados.

Por sociedade civil entende-se o conjunto de organizações responsáveis pela elaboração ou difusão das ideologias, como sistema escolar, igreja, partidos políticos, sindicatos (consenso), em que se concebe a síntese da sociedade política e da sociedade civil, sendo esta a portadora material da função da reprodução da hegemonia (BIANCHI, 2009:177).

Ainda sobre o conceito de sociedade política e sociedade civil, Bianchi (2009:178) afirma que “trata-se do Estado no sentido restrito, ou seja, o aparelho governamental encarregado da administração direta e do exercício legal da coerção” sobre os dominados, sendo que a união entre consenso e coerção é um dos

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principais argumentos da teoria de Gramsci sobre o Estado, entendido como sociedade civil e sociedade política. O autor compreende que existe uma série de aparelhos privados de hegemonia que compõem a sociedade civil e que não estão necessariamente dentro do aparato especial do Estado, como jornais, escolas, igrejas, literatura, entre outros. Afirma que a relação entre força e consenso é fundamental na teoria do Estado presente em Gramsci e permite pensar a unidade entre sociedade política e sociedade civil.

No sentido de compreender a participação das classes populares junto ao Estado ao referir-se a Poulantzas, Silva (2003:21) acrescenta que, “nesse fenômeno, intercalam-se relações de poder entre as classes, entre classes e o Estado, os limites de acesso dos setores populares aos centros de poder e a relação de autonomia do Estado com o campo da luta de classes”.

Para Silva (2003:20), a democracia participativa é uma inovação nos espaços de participação e força uma maior abertura no aparato do Estado, mesmo contra a vontade dos governos, pois, ao inserir a autogestão ou democracia direta na agenda política, rompe com a velha noção de que somente os especialistas é que devem determinar a forma de gestão.

Pode-se afirmar que os Conselhos de políticas públicas são um dos grandes mecanismos de controle para fazer valer a democracia, sendo que a participação social no Estado avança para uma sociedade democrática que passa a questionar os pressupostos do liberalismo, em que a sociedade é constituída por indivíduos livres, competitivos entre si, tendo o Estado como soberano com o papel principal de defesa da propriedade privada e de proteção aos indivíduos e seus interesses particulares, não os interesses das classes sociais.

Para Silva (2003:18), a democracia participativa, embora aumente a participação, pertence à tradição liberal, uma vez que permanece o princípio ético dos direitos iguais a todo homem e toda mulher ao pleno desenvolvimento e ao emprego de suas capacidades. Entendemos que a visão de mundo liberal das classes populares se dá por meio da reprodução dos valores dominantes, incutidos

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mediante uma perspectiva ideológica da burguesia e seus mecanismos de dominação historicamente determinados.

A participação social na busca por direitos amplia o direito à saúde, que até então era privilégio daqueles inseridos no mercado de trabalho formal, sendo que, no período anterior à Constituição de 1988 e à criação do Sistema Único da Saúde, que garantiu o direito universal à saúde a todos os cidadãos, aqueles que não possuíam carteira de trabalho assinada eram tratados como indigentes.

Assim, o movimento de saúde ultrapassa as reivindicações de caráter imediatista para lutas mais abrangentes, no sentido de garantir uma política pública de saúde, bem como assegurar a participação efetiva na elaboração dessas políticas. Dessa forma, o movimento foi ganhando corpo, expressão e identidade.

Segundo Jacobi (1989:15),

Embora o elemento inovador nestes movimentos seja a sua relativa autonomia do Estado, de partidos e grupos políticos, eles não recusam de modo frontal a possibilidade de uma negociação, que institucionaliza as suas práticas, com frequência, o que remete, a nosso ver, a discussão para o complexo processo de sua constituição enquanto sujeitos coletivos, a formação de identidade cultural e políticas próprias e para a relação com o Estado e os partidos políticos.

Ao referir-se à relação da sociedade civil com o Estado, Bravo (1996:14) acrescenta que as relações de classe, dentro e fora do Estado, emergem de lutas por ganhos materiais. Nessa perspectiva, as classes trabalhadoras, dependendo de sua organização, podem conquistar uma democracia mais ampla, mesmo estando fora do poder. A autora faz referência a Poulantzas, que, ao criticar o Estado na União Soviética, considera que “os movimentos sociais, que concretizam aquelas lutas, são importantes, pois caracterizam o contexto onde as transformações políticas e econômicas têm lugar, incluindo as crises e a reação do Estado a elas”.

A classe dominada acaba incorporando valores e práticas da classe dominante e, no exercício do controle social, a responsabilidade de propor políticas públicas para um Estado burguês não condiz com a lógica da luta por qualidade na

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saúde. Nesse sentido, Silva (2003) diz que um dos maiores impedimentos para a democracia participativa é o papel desempenhado pelo Estado na manutenção das desigualdades sociais.

Os Conselhos de Saúde têm o papel de propor e fiscalizar as políticas públicas, mas quem as executa é o Estado. Desse modo, é possível construir consensos no âmbito de conquistas democráticas e ampliação dos canais de participação. Mas não é possível alterar o caráter de classe do Estado burguês.

Por outro lado, a participação popular nas decisões do Estado provoca uma reação nas relações de poder e na dinâmica política tanto nos partidos como nas instituições e no movimento popular, pois exige uma politização e organização das classes populares. As instituições, por sua vez, necessitam cada vez mais dar respostas à população, assim como os partidos políticos, que passam a ser mais pressionados.

Para Jocélio Drummond (2006:20),

O governo se faz responsável sem camuflar-se no marketing ou nas promessas, e a sociedade manifesta seu interesse e sua força, o que permite o entrecruzamento do instituído e do instituinte, num jogo regulado pela lei, mas exercido com força e pressão.

Para o autor, a transformação de atores passivos em sujeitos coletivos se dá por meio da participação e da nova articulação política com o Estado.

O Sistema Único de Saúde é participativo, com controle social sobre as políticas e ações dos serviços públicos de saúde. Até então, o controle social era praticado pelo Estado, e sua relação com a sociedade era autoritária e repressiva.

Esse processo de participação leva os Conselheiros de saúde a aprofundarem cada vez mais seus conhecimentos sobre o Estado, os interesses da classe dominante e da classe dominada, as diferentes formas de democracia e a participação da sociedade civil nas instituições públicas. Sob essa perspectiva, Jacobi (1989:4) afirma:

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A concepção pautada na polarização da relação Estado - movimentos sociais tende a negar um dado cada vez mais presente na dinâmica das sociedades capitalistas, ou seja, o de que o Estado, se bem age para assegurar a reprodução do capital, também se concretiza em domínios de ação funcionalmente vinculados à reprodução da força de trabalho, esfera vinculada à ação dos movimentos sociais.

O autor afirma ainda que

[...] o Estado assume o papel de articulador e organizador da sociedade independente de sua condição de suporte de certas relações de dominação, adotando o papel de fiador de relações sociais. Nestes termos, o Estado capitalista não é diretamente o Estado dos capitalistas (O’Donnell, 1980:81). Trata-se de um Estado que tem de exercer funções contraditórias, de acumulação e legitimação, para criar as bases de um consenso através da ação das suas instituições.

A institucionalização das formas de participação exige dos movimentos sociais o aprofundamento da atuação na gestão pública, ampliando as possibilidades para que se intensifique a busca por um maior controle e fiscalização das ações de saúde e o acesso a bens e serviços.

Segundo Carvalho (1995:8-28), durante o período de democratização do país, o movimento era voltado a transformar o caráter politicamente autoritário e socialmente excludente do Estado. A institucionalização da participação social é marcada por um enfoque mais fiscalizatório e menos de estímulo à ação, revelando o estágio da reforma democrática do Estado brasileiro e das propostas dos segmentos sociais. "Este marco inspira o advento recente dos conselhos de saúde na sociedade brasileira", completa o autor.

A temática do Controle Social pressupõe repensar o papel do Estado na sociedade em que vivemos. O Estado não pode ser concebido como uma entidade monolítica, mas deve ser analisado dialeticamente como fazendo parte de sistemas de pressão e contra pressão, em constante mutação e fragmentação. Ele tem um fluxo diferenciado, sobre o qual repercutem demandas e contradições da sociedade.

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A compreensão de um Estado democratizado, ágil e com forte poder regulador para enfrentar as desigualdades sociais tem como pressuposto a disposição de garantir a definição de políticas públicas permeadas pela pluralidade de interesses existentes na sociedade e de permitir a disputa de hegemonia nas decisões do governo (CARVALHO, 1995:8-28).

O Estado, além de ter uma hegemonia de classe, também é uma relação de forças, na qual pode estar presente, mesmo de forma desigual, a contra-hegemonia. Entretanto, se o Estado tem mantido seu caráter burguês no decorrer dos vários períodos da sociedade capitalista, também tem sofrido transformações.

O conceito de hegemonia nos leva a pensar o papel dos Conselhos em sua relação com o Estado. Implica o consentimento dos dominados, uma combinação de liderança (ou direção moral, política e intelectual) com dominação. É exercida por meio do consentimento e da força, da imposição e da concessão, e entre classes e blocos de classe e frações de classe. Pode se dar de forma ativa ou passiva. Nesse sentido, Simionatto (1995:43) afirma que, quando Gramsci fala da hegemonia como “direção intelectual e moral, afirma que essa direção deve exercer-se no campo das idéias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o consenso e de formar uma base social”.

A autora acrescenta que a hegemonia se constrói a partir da sociedade civil e suas diversas instituições. Pressupõe certa instabilidade, na medida em que existem forças contrárias que, de algum modo, resistem à hegemonia dominante, apresentando ou podendo propor projetos alternativos parciais ou globais. Para se construir uma prática hegemônica é preciso estar ligado a novos valores e interesses. É preciso que se constitua um projeto de sociedade que passe pela transformação social.

Simionatto (1995:40) afirma que:

A concepção de hegemonia remete ainda ao esclarecimento das relações entre infra-estrutura e superestrutura, à forma como as classes sociais se relacionam e exercem as suas funções no interior do “bloco histórico”. Neste, as forças

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dominantes sofrem a oposição das forças emergentes, dominadas, num processo de luta pelo encaminhamento de uma nova ordem social. Assim, falar de hegemonia implica falar também de crise de hegemonia, que se caracteriza pelo enfraquecimento da direção política da classe no poder, ou pelo enfraquecimento da direção política do seu poder de direção política e perda de consenso. Gramsci (1977:311) assim define este movimento: Se a classe dominante perdeu o consenso, ou seja, não é mais “dirigente”, porém, unicamente “dominante”, detentora da pura força coercitiva, isso significa precisamente que as grandes massas se separaram das ideologias tradicionais, que não crêem mais no que antes criam.

Assim, a contra-hegemonia deve ser pensada em sua totalidade, como a unificação da estrutura e da superestrutura, por meio de alianças e construção do consenso.

Somente a partir da tomada de consciência é possível que as classes subalternas se unifiquem e elaborem um projeto contra-hegemônico. Essa guerra de posição possibilitará a conquista da direção político-ideológica e do consenso, pois não há direção política sem consenso.

A hegemonia polariza interesses da burguesia no bloco do poder, sendo que as políticas de Estado atendem aos seus interesses na medida em que detém o aparelho de Estado. Assim, a contra-hegemonia significa criar uma nova cultura, visando à construção de um novo projeto político e ao consenso entre governantes e governados, dirigentes e dirigidos.

Para Gruppi (1991:3), a hegemonia opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer. Entende-se hegemonia como uma guerra de posições que se constrói mediante uma aliança de classe visando à formação de um novo bloco histórico. Para o autor, o proletariado precisa dar respostas às questões ideológicas.

Em consonância com o pensamento de Gruppi, Simionatto (1995:43) afirma que existem três momentos da consciência política e ideológica:

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O primeiro momento é o econômico-corporativo, cujas relações evidenciam “a unidade homogênea do grupo profissional e o dever de organizá-la, mas não ainda a unicidade do grupo social mais amplo”; o segundo momento “é aquele em que se adquire a consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico”. Um terceiro momento é a fase mais estritamente política, ou a fase da hegemonia propriamente dita, “na qual se atinge a consciência de que os próprios interesses corporativos, no seu desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo, de grupo meramente econômico, e podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos subalternos”.

A autora acrescenta que, nessa fase, “a clara passagem da estrutura para a superestrutura é mais complexa” (SIMIONATTO, 1995:44). Essa passagem do momento corporativo para o momento ético-político, essa tarefa “ontológica- dialética” de construir um novo bloco histórico, é denominada por Gramsci de “catarse”, ou seja, a passagem do momento egoístico-passional para o momento político.

Os homens devem buscar a própria concepção de mundo, para sair da subalternidade. Assim, é necessário assumir a consciência do significado do próprio operar, da efetiva posição de classe – e esse processo não é espontâneo, exige um encontro entre intelectuais e massa (SMIONATTO, 1995:44). É desse modo que vai se formando a consciência de classe, o constituir-se, o ir sendo dos grupos sociais subalternos, cuja ação aponta para a construção de um novo bloco histórico e a superação da ordem capitalista (SIMIONATTO, 1995:44).

É importante destacar que, no nosso entendimento, existem diferenças no modo de se fazer política de conciliação. Ressalta-se aqui a diferença de conciliar interesses da classe dominante e da classe dominada. Uma coisa é fazer conciliação entre iguais, outra é fazer conciliação entre classes antagônicas, em que os interesses são inconciliáveis.

Nas lutas que promoveram, os movimentos conquistaram seu reconhecimento como interlocutores junto ao Estado, garantindo a participação social nos processos decisórios. Entretanto, cabe destacar que o controle social

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passa por determinações jurídicas, socioculturais, institucionais e políticas que interferem na dinâmica e operacionalização de ações e na efetivação.

As observações dessa dinâmica e os resultados práticos, como se observará adiante, remetem à discussão sobre a democracia representativa e a democracia participativa, em consonância com a crítica que Poulantzas fez ao modelo socialista, destacando a importância da união das duas democracias no sentido de superar as distinções entre elas (SILVA, 2003:20).

No caso dos Conselhos de Políticas Públicas, entende-se o Estado como detentor dos aparelhos jurídicos e militares, nas funções de coerção e repressão, trazendo para si o poder de acatar ou não as deliberações do Conselho, realçando, assim, os limites da democracia participativa e as armadilhas e constrangimentos da democracia representativa.

Com base nos aportes teórico-conceituais até aqui enunciados, é possível compreender a importância do Conselho enquanto arena de expressão e confronto de posições que, embora circunscritas ao âmbito da Política de Saúde, vinculam-se a projetos societários mais amplos.

Ao operar como instância de mediação do conflito de concepções em torno das questões em pauta, o Conselho tem o papel decisivo de definir e legitimar a direção cultural, política, econômico-financeira e social a ser dada à política de saúde. Cultural ao reafirmar princípios e valores em favor da concepção de saúde como expressão de um conjunto de condições socioeconômicas, enfatizando a educação, a prevenção e a busca por uma melhor qualidade de vida. Política ao assumir que os modelos de gestão da política de saúde constituem expressão de interesses de classe social na relação contraditória entre a esfera pública e o âmbito do mercado. Econômico-financeira ao reafirmar o caráter de bem público da saúde, insurgindo-se contra o modelo médico-medicamentoso, privatista e lucrativista. Social ao pugnar pelo direito social à saúde, sob princípios universalistas.

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A luta contra-hegemônica, nesse caso, consiste em pôr em questão o consenso em torno do paradigma dominante em favor de um novo consenso – em outros termos, hegemonia – articulando os anseios da esfera da saúde com os anseios mais amplos por justiça social no contexto de uma nova ordem societária.

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CAPÍTULO II – OS AVANÇOS E OS DESAFIOS DO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO

2.1 HISTÓRICO

Para estudar o Conselho Municipal de Saúde durante as gestões do prefeito Celso Pitta e da prefeita Marta Suplicy, faz-se necessário um breve levantamento da história do Conselho desde a sua formação, para que se possa compreender o processo de sua institucionalização.

O Conselho Municipal de Saúde de São Paulo teve início em 1989, mediante a Portaria nº 1.166, de 24 de junho de 1989, da Secretaria Municipal de Saúde, no governo (1989-1992), que regulamentou o Artigo 218 da Lei Orgânica do Município. Era uma experiência nova para a sociedade civil e o governo, que ainda não tinham clareza de como se daria esse processo de participação popular na esfera pública. Nesse período, funcionava sem a formalidade legal. Em 27 de janeiro de 1992, o Regimento Interno foi aprovado e publicado no Diário Oficial do Município.

Em 07 de janeiro de 1998, foi instituído legalmente pela Lei nº 12.546 e regulamentado pelos Decretos nº 37.330, de 16 de fevereiro de 1999, nº 38.000, de 25 de maio de 1999, e, por último, nº 38.576, de 05 de novembro de 1999. Um ano antes da aprovação da Lei que cria o Conselho Municipal de Saúde na cidade de São Paulo, o governo já colocava em prática a participação popular na saúde. Destaca-se que o Secretário de Saúde naquele período era o médico sanitarista Eduardo Jorge Martins Sobrinho, um dos militantes ativos do Movimento da Reforma Sanitária no país e que, por um período, trabalhou e residiu na Zona Leste de São Paulo, tendo sido Deputado Constituinte e um dos grandes articuladores do SUS.

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Em seu depoimento, Jorge (2006:3) ilustra nossos argumentos:

Como Secretário, uma das primeiras reuniões que fiz foi com centenas de conselheiros populares de saúde. Combinamos duas coisas: primeiro, que iriam prosseguir e expandir para o resto da cidade a experiência dos Conselhos Populares de Saúde locais, ligados a cada Unidade Básica de Saúde. E segundo, íamos organizar um Conselho para a cidade que incorporasse a experiência deles, mas também se aproximasse das entidades dos trabalhadores da área da saúde e de outras instituições com interesse na saúde, inclusive empresariais e dos mais variados segmentos.

A foto apresentada a seguir, extraída do Boletim do Conselho Municipal de Saúde (2004:3), mostra a primeira reunião do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo.

Figura 1 - Primeira reunião do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo (1989).

Assim, a formação do primeiro Conselho era tripartite e com caráter deliberativo. Era composto por 28 membros, sendo 12 usuários, 8 trabalhadores e prestadores de serviço e 8 gestores.

Na gestão seguinte do Conselho, essa composição foi modificada no sentido de fortalecer a participação popular, passando a contar com 16 representantes de usuários das diferentes regiões da cidade, 8 gestores e 8 representantes dos trabalhadores e prestadores de serviço, totalizando 62 conselheiros titulares, divididos em 32 titulares e 32 suplentes. O segmento dos trabalhadores, após ampla

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mobilização de entidades de classe e dos sindicatos, aprovou, na Conferência Nacional de Saúde de 1992, a proposta de que os prestadores de serviços deveriam compor o segmento do governo. Assim, os trabalhadores passaram a ter 8 assentos, o segmento do governo, 4 e o segmento do prestador de serviço, 4. Essa estrutura permanece até os dias atuais.

O primeiro Conselho teve como principal função elaborar e criar os parâmetros para a consolidação do próprio Conselho. Para tanto, desenvolveu vários debates e plenárias com o objetivo de elaborar uma síntese do que viria a ser o Conselho Municipal de Saúde. Naquele momento as discussões pautavam-se pelo regimento interno e pela sua forma de atuação.

Segundo relatos de conselheiros entrevistados, nesse período ocorreram vários cursos de formação de conselheiros e do movimento popular de saúde, que contavam com o apoio de entidades da sociedade civil, dos trabalhadores e do Movimento de Saúde da Zona Leste. Além das discussões sobre o funcionamento e o Regimento do Conselho, que passava por diferentes entendimentos dos segmentos representados, a discussão do financiamento da saúde era um dos pontos consensuais naquele período.

Nesse momento, foram realizadas três Conferências Municipais de Saúde: em agosto de 1990, em maio de 1991 e em setembro de 1992. Observa-se que as Conferências se davam anualmente. Nelas a sociedade civil do município discutia as prioridades para a Política de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (JUNQUEIRA, 2002:32).

2.1.1 O Conselho Municipal de São Paulo na gestão Celso Pitta

Na década de 1990, o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo vivenciou um período de desrespeito por parte dos governos autoritários de (1993-1996) e Celso Pitta (1997-2000), do Partido Progressista Brasileiro, que exerceram seu papel de coerção e utilizaram o aparato estatal no sentido de

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desmobilizar a sociedade civil. Esses governos não respeitavam a participação popular e os mecanismos da democracia participativa. Foram marcados por momentos de conflito, tensão, resistência e denúncias sobre os desvios dos recursos do SUS, que eram utilizados em outras áreas da Secretaria.

O que, porém, mostrou a capacidade de organização do Conselho e da Sociedade Civil foi a mudança do sistema de saúde no município, que passou para o Plano de Assistência à Saúde - PAS, dividindo o município em módulos assistenciais gerenciados por Cooperativas Médicas privadas que passaram a responder pela gestão do serviço de saúde na cidade, como alternativa para a área no município. Sob o argumento de que a política municipal de saúde era ineficiente para prestar assistência aos munícipes, o PAS foi aprovado na Câmara Municipal de São Paulo pela Lei Municipal nº 11.866, de 13 de setembro de 1995, e foi implantado no município em janeiro de 1996. Antes de transformá-lo em Lei, o então prefeito Paulo Maluf tentou instituí-lo por intermédio do Decreto-Lei nº 35.037, de 06 de abril de 1995.

Em 17 de abril de 1995, o Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo, mediante uma liminar, recorreu ao Ministério Público do Estado de São Paulo. Na mesma data, havia uma Ação Civil Pública contra a Prefeitura Municipal de São Paulo apontando a inconstitucionalidade do PAS.

Outras medidas foram impetradas contra o PAS. A bancada de vereadores do PT da Câmara Municipal de São Paulo, em 03 de maio de 1995, solicitou, por meio de Mandado de Segurança no Tribunal de Justiça, a suspensão da sua implantação e a nulidade do Decreto nº 35.037, assim como a invalidação dos seus atos de implantação. Os recursos foram acatados pelo Tribunal de Justiça, que, em 07 de maio de 1995, determinou que a implantação do PAS teria efeito legal somente após determinação da Justiça afirmando a sua legalidade (COHN, ELIAS, 1999:48-50).

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Segundo Cohn e Elias (1999:15), para implantar o novo sistema, o município alegava que:

As principais dificuldades constatadas são: os custos, o baixo grau de eficiência e a baixa qualidade dos serviços prestados pelas “empresas públicas”. Ao mencionar a situação do atendimento no Brasil, o documento afirma, de modo bastante genérico e contradizendo estudos recentes, que o atendimento à saúde da “camada mais baixa da população” vem sendo feito principalmente pelo setor público (federal, estadual e municipal), e em menor escala pela iniciativa privada, e que apesar da variedade das instituições existentes, o resultado é insatisfatório. Os principais problemas identificados para a explicação deste diagnóstico são a centralização no nível operacional. Propõe-se, em seguida, um modelo alternativo, que contempla também duas demandas por parte da PMSP: regionalização do atendimento e administração e operação das unidades de saúde através de um modelo de gestão eficaz e contratada.

O novo modelo de saúde trazia como orientação a regionalização dos atendimentos, constituída por um conjunto de unidades que era gerido por uma cooperativa de trabalho. Considerando-se que os trabalhadores seriam os proprietários da unidade de serviços, deduzia-se daí que teriam maior interesse em oferecer um bom atendimento (COHN, ELIAS, 1999:16). O princípio da universalidade é considerado um “limite, uma vez que a diretriz da seletividade é clara”.

A sociedade civil organizada, por intermédio dos movimentos populares, entidades sindicais, Conselhos de Ética e de Fiscalização do Exercício profissional, Sindicatos e Associações de Trabalhadores, entre outros, realizaram um intenso processo de lutas e mobilizações contrárias à aprovação do projeto e à nova política de saúde no município. Entretanto, o Projeto de implantação das Cooperativas foi aprovado na Câmara Municipal e se tornou umas das grandes marcas dos governos de Paulo Maluf e Celso Pitta.

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Uma análise mais realista da influência dos movimentos sociais na condução da política do Executivo nos faz ver que, a despeito das grandes mobilizações quase que unânimes das organizações sociais, políticas e dos profissionais da saúde, não conseguiram modificar nem mesmo atrasar a política de implantação do PAS promovida pelo Executivo mediante Projeto de Lei com total subserviência da Câmara Municipal.

O Executivo Municipal possuía uma sólida maioria que se mostrou refratária a qualquer mudança no projeto de implantação do PAS, evidenciando mais uma vez o caráter meramente formal dos debates no Legislativo, que já vinham com questões fechadas pela base de sustentação do governo. Isso se deve principalmente à democracia formal que permeia o Legislativo brasileiro, que se compõe basicamente por maiorias cooptadas pelos respectivos Executivos e que seguem as orientações destes. Ainda, tendo em vista o baixo nível de politização da população, as diversas formas de aliciamento do eleitorado mostram que os representantes da população em geral não têm nenhum compromisso com seus representados, mas sim com o Poder Executivo, que garante benefícios e fatias do poder.

Em 30 de agosto de 1995, o Conselho Municipal de Saúde recorreu às instâncias judiciais para tentar barrar o Projeto de Lei 493/95, que instituía o PAS, impetrando um mandato de segurança, alegando que o projeto não estava tramitando de forma correta, pois não havia sido submetido à apreciação do Conselho, buscando, a partir de uma liminar, que a justiça suspendesse a tramitação do processo legislativo até que o Conselho se manifestasse sobre o referido processo, mas o pedido de liminar foi indeferido. Assim, o PAS foi aprovado pela Lei 11.866/95, de 13 de setembro de 1995.

A foto a seguir extraída do Boletim do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo (2004:1) permite observar um ato público realizado pela União dos Movimentos Populares de Saúde pelo fim do PAS e pela defesa do SUS.

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Figura 2 - Ato Público na Avenida Paulista no ano de 2000.

Após sua aprovação, o PT novamente recorreu ao Tribunal de Justiça, alegando ofensa aos preceitos da Constituição do Estado de São Paulo e à Constituição Federal. Mas a ação não foi julgada procedente.

Para fiscalizar o PAS, foi instituído um novo Conselho de Saúde mediante a Portaria nº 2405/98, de 07 de janeiro de 1998, e o Decreto nº 37.330, de 06 de fevereiro de 1999. Assim, o Conselho do PAS passou a ser indicado pelo prefeito, sendo remunerado e composto por representantes dos módulos regionais das Cooperativas e dos gestores da Secretaria de Saúde. Houve a dissolução do Conselho anterior, sob a justificativa de que aquele representava um organismo político-partidário. Naquele período, o Conselho deposto foi destituído de suas funções e passou a não contar com a estrutura mínima de funcionamento de que dispunha, passando a se reunir em espaços cedidos por entidades ou sindicatos.

Segundo a Lei 12.546, de janeiro de 1998, em seu artigo 6º, as funções dos membros do Conselho Municipal de Saúde e dos seus respectivos suplentes não são remuneradas a qualquer título, sendo consideradas serviços de relevância pública, para todos os fins de direito.

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Por intermédio de representação, em novembro de 1995, o Conselho Municipal de Saúde recorreu à Promotoria de Justiça e Cidadania solicitando que o Ministro da Saúde tomasse providências administrativas para garantir o pleno e efetivo funcionamento do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, alegando que o município não estaria formulando uma política municipal de saúde, esvaziando o papel do Conselho Municipal de Saúde e contrariando as exigências do Artigo 4, incisos II e III, da lei 8.142/90. Assim, solicitava a suspensão da transferência de recursos federais do SUS para o município de São Paulo (COHN, ELIAS, 1999:5).

Segundo Cohn e Elias (1999:5), em 1º de dezembro de 1995, o Ministério Público propôs uma Ação Civil Pública contra a municipalidade, alegando irregularidades na contratação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).5 A Prefeitura Municipal de São Paulo recorreu de todas as ações, que foram seguidas por vários impasses judiciais, sendo uma delas contra o CREMESP e SIMESP, Associação Paulista de Medicina, Federação Nacional dos Médicos e Sindicato dos Servidores Públicos Municipais. Para os autores, a alegação era a seguinte:

[...] Que os mesmos se contenham nos limites de seus estatutos, leis e normas, não mais interferindo no sentido de tumultuar os atos da administração pública e seus servidores. Alega que tais entidades se opõem ao PAS por “mero espírito de emulação, com propósitos políticos menos confessáveis, minando a execução de um plano inovador, moderno, salutar bastante para solucionar e colocar um ponto final no corporativismo dominante. (COHN, ELIAS, 1999:53)

A Justiça não acatou o pedido de liminar, mas expediu uma notificação para que as entidades se “contivessem nos limites de seus estatutos”.

A Justiça concedeu liminar suspendendo definitivamente a implantação do PAS, em 19 de janeiro de 1996, porém o município e a Câmara Municipal de São Paulo recorreram. Novamente o município recorreu, suspendendo a liminar. O impasse continuou até o julgamento do mérito.

5 Uma análise detalhada sobre o PAS no município e as diversas ações impetradas na Justiça pelas entidades e pela municipalidade, poderá ser encontrada em COHN, Amélia; ELIAS, Paulo (Orgs.). O Público e o Privado na Saúde: o PAS em São Paulo. São Paulo: Cortez/ CEDEC, 1999.

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Em 30 de agosto de 1995, o Conselho Municipal ajuizara um Mandado de Segurança com o argumento de que o Projeto de Lei não havia sido apreciado e deliberado pelo seu plenário.

[...] A não observância da legislação da saúde é apontada quando a implantação do PAS suprimiu a prévia deliberação do Conselho Municipal de Saúde, garantido pela Lei 8.142, como órgão deliberativo de estratégias e de controle da execução da política de saúde. Afirma-se não ser lícito o município, por opção administrativa, preterir um posicionamento do Conselho Municipal de Saúde sobre o plano que pretende seja implantado na rede pública. (COHN, ELIAS, 1999:60)

Ressalta-se que, nesse período, representantes do Conselho Municipal de Saúde participaram de diversas reuniões e manifestações em Brasília. Os recursos provinham dos sindicatos de trabalhadores e entidades de classe, entre elas o Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo - 9ª região. O pedido de liminar foi indeferido.

O modelo de Cooperativas Médicas era privativista, baseado na lógica do lucro, e violava os princípios e diretrizes do SUS, na medida em que transferia recursos públicos para a iniciativa privada, desrespeitando o Conselho Municipal, que é um órgão normativo e deliberativo que tem a competência legal, além de outras funções, de indicar seus representantes no Conselho Gestor do Fundo Municipal de Saúde (FUMDES). Vale destacar que o Conselho do Fundo é uma instância à parte do Conselho Municipal de Saúde, apesar da recomendação da VI Conferência Nacional de Saúde, realizada em dezembro de 2000, no sentido de que os Fundos Municipais de Saúde devem ser controlados pelos Conselhos Municipais de Saúde, que poderão criar uma comissão específica para esse fim. (SACARDO et. al., 2002:29)

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Os embates entre o governo e a sociedade civil nesse período demonstram que o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, assim como os Conselhos de Políticas Públicas, possui a árdua tarefa de fiscalizar as políticas de saúde implantadas, bem como zelar pela aplicação da Lei nº 8080, que tem como princípios básicos a universalidade, a integralidade, a equidade, a hierarquização e o controle social. Por outro lado, demonstram a força e resistência da sociedade civil organizada, sob a perspectiva de construir uma nova hegemonia.

Os diversos recursos impetrados no Ministério Público e Judiciário possibilitaram o retorno das atividades do Conselho. Assim, a vitória do Conselho fragilizou o governo, que cedeu às pressões populares, publicando o Decreto-Lei nº 38.576, de 05 de novembro de 1999. Esse Decreto regulamentou a Lei 12.546, de 07 de janeiro de 1998, que dispõe sobre o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, os Conselhos Regionais de Saúde, os Conselhos Distritais de Saúde e os Conselhos Gestores de Unidades de Saúde.

Assim, o Conselho Municipal deu início ao processo eleitoral para a realização da VII Conferência Municipal de Saúde, realizada nos dias 7 e 8 de dezembro de 1999. Dessa forma, o Conselho Municipal de Saúde, legalmente eleito, passa a vigorar. Entretanto, apesar do seu reconhecimento legal, o governo continuou desrespeitando-o e não acatando as suas deliberações.

Durante esse governo foram realizadas as seguintes Conferências:

VII Conferência Municipal de Saúde;6 IX Conferência Municipal de Saúde; e X Conferência Municipal de Saúde.

Ilustramos esse período com a foto de uma Conferência Municipal de Saúde, cedida por uma conselheira.

6 No Conselho Municipal de Saúde de São Paulo não consta a realização da VIII Conferência, porém alguns conselheiros informaram que ocorreu um equívoco na numeração da Conferência. Assim, da VII Conferência passou-se para a XIX, deixando de constar a VIII.

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Figura 3 - Conferência Municipal de Saúde de São Paulo.

Destacamos a seguir o pronunciamento do Secretário de Saúde Jorge Roberto Pagura, que fez as seguintes considerações, na 15ª Reunião Ordinária do Conselho Municipal de Saúde, realizada em 17 de fevereiro de 2000. Destaca-se que foi a primeira reunião do Conselho Municipal de Saúde, após a eleição dos conselheiros na Conferência Municipal de Saúde realizada em dezembro de 1999.

“Hoje acho que é o momento de consolidação de um grande trabalho, executado por várias pessoas, que não vou nominá- las. Chegou o momento, que parecia praticamente impossível diante dos problemas políticos que tem havido nos últimos anos. Depois de um ano, depois de toda a pactuação, depois da Conferência Municipal de Saúde, chega agora realmente a vez de arregaçar as mangas e poder trabalhar pela saúde de São Paulo.”

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Um dos itens de pauta da Reunião era a aprovação do Regimento Interno do Conselho Municipal de Saúde. Assim, na 5ª Reunião Plenária, de 27 de junho de 2000, foi aprovado o Regimento Interno. Em 07 de julho de 2000, foi homologado em publicação no Diário Oficial do Município. Em 18 de outubro de 2000 foi modificado em seu Artigo 13, parágrafo 6, e Artigo 16, parágrafo 3, e em 19 de outubro de 2001 foi modificado no Artigo 24. Todas as modificações foram amplamente discutidas e aprovadas pelo Conselho Municipal de Saúde.

2.1.2 O Conselho Municipal de saúde de São Paulo na gestão Marta Suplicy

A prefeita Marta Suplicy foi eleita em 2000 e seu mandato ocorreu entre 2001 e 2004, com amplo apoio dos movimentos sociais e do movimento de saúde, entre outros.

Ao assumir o cargo, iniciou, na Secretaria Municipal de Saúde, o processo de retomada dos serviços que eram gerenciados pelo PAS nos governos anteriores, passando a gestão dos serviços à Secretaria Municipal de Saúde. Uma das metas era a municipalização da saúde, a descentralização administrativa, a modernização gerencial por meio da implantação das Autarquias Hospitalares, a implantação de Distritos de Saúde e adoção do Programa de Saúde da Família (SÃO PAULO, 2002a).

A cidade de São Paulo, naquele período, possuía 10,5 milhões de habitantes, com profundas desigualdades sociais, econômicas e socioculturais, que se refletiam nas taxas de morbimortalidade, caracterizada por doenças do aparelho circulatório, neoplasias e causas externas, que em 2001 provocaram quase 65% dos óbitos, sendo que em 2001 mais de 70% dos óbitos entre a população acima de 60 anos se deram por doença do aparelho circulatório e por neoplasias. Contava com 171 hospitais e 26.965 leitos, sendo 17.614 integrados ao SUS.

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Segundo dados do Plano Municipal de Saúde de 2002, a estimativa era de que 60% da população seria usuária e dependente do SUS, com uma oferta de 2,8 leitos/1.000 habitantes. A oferta de leitos hospitalares e ambulatórios especializados concentrava-se na região central da cidade, o oposto da periferia, onde se verificava uma deficiência desses serviços e onde a exclusão social e as condições precárias de vida determinam a incidência de doenças e mortes que poderiam ser prevenidas a partir de ações básicas de saúde.

A rede de saúde do município encontrava-se sob a gerência das Cooperativas do PAS, ou seja, as Unidades Básicas de Saúde, os 12 hospitais, os prontos-socorros e as unidades de pronto-atendimento, sendo que o modelo cooperativo do PAS oficialmente teve seu fim em junho de 2001.

A nova gestão deparou-se com problemas de Recursos Humanos, já que, durante a vigência do PAS, segundo sua legislação, os funcionários da Secretaria Municipal de Saúde podiam aderir ao Plano e trabalhar nas Cooperativas, sem prejuízo de suas funções, porém com uma remuneração superior à dos funcionários da Secretaria Municipal de Saúde. Aproximadamente 7 mil funcionários afastaram- se para trabalhar nas Cooperativas. Os funcionários que não aderiram ao PAS foram transferidos para outras Secretarias Municipais.

Segundo Silva et. al. (2004:20),

No final de 2000, o quadro de pessoal da saúde encontrava-se dividido em três segmentos totalmente desarticulados: os trabalhadores do PAS, divididos entre os contratados e os estáveis da Prefeitura, os trabalhadores da saúde que ficaram na SMS, e os que foram “exilados” em órgãos da Prefeitura.

Conforme a autora, o PAS provocou uma desorganização dos serviços em toda a rede municipal de saúde. Havia problemas referentes ao suprimento de materiais e medicamentos, falta de medicamento, baixo estoque de material hospitalar e equipamentos, além de sucateamento da rede de laboratórios.

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Nesse contexto, o Conselho Municipal de Saúde, na 25ª Reunião Ordinária, de 18 de janeiro de 2001, aprovou o Pleito de Gestão Plena da Atenção Básica apresentado pela Secretaria Municipal de Saúde.

Na 44ª reunião ordinária, de 15 de agosto de 2002, o Conselho aprovou a agenda do Plano Municipal de Saúde, com avaliações e acompanhamentos trimestrais. Segundo dados colhidos na Ata, transcrevemos a exposição de um gestor da Secretaria Municipal, Osvaldo Antonio Donini, sobre a Agenda do Plano Municipal de Saúde:

[...] É um plano estratégico, de grandes diretrizes da Secretaria para o ano 2002, onde os Distritos de saúde vão estabelecer onde aplicar e adequar esse plano nas suas realidades locais. E os chamados “compromissos sociais” são os projetos prioritários da Secretaria Municipal de Saúde.

Em sua fala, o conselheiro representante do governo diz que os compromissos sociais são:

1- Garantir assistência humanitária ao parto, pré-natal, puerpério e ao recém- nascido. 2- Estruturar o sistema de acolhimento nas unidades de saúde. 3- Reestruturar o atendimento das urgências e emergências, que nos projetos prioritários da Secretaria estarão junto às ações que façam frente à situação de violência da cidade. 4- Implementar ações de prevenção e tratamento do álcool e drogas. 5- Controlar o Aedes aegypti. 6- Eliminar a circulação do vírus da dengue. 7- Implementar o Programa de Saúde da Família.

A Secretaria estabeleceu cinco grandes prioridades, no sentido de cumprir com as diretrizes do SUS:

A reconstrução da SMS A municipalização

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A distritalização A modernização gerencial A adoção do PSF enquanto estratégia de reorganização da rede de atenção básica

Nos aspectos referentes ao controle social, o governo baixou a Lei nº 13.325, de 08 de fevereiro de 2002, que dispõe sobre os Conselhos Gestores nas Unidades do Sistema Único de Saúde. Foram realizadas as seguintes Conferências:

XI Conferência Municipal de Saúde XII Conferência Municipal de Saúde

Realizaram-se também as seguintes Conferências temáticas:

1ª Conferência Municipal de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica 1ª Conferência Municipal da População Negra Conferência Municipal de Ciência e Tecnologia 2ª Conferência Municipal de Saúde Bucal 1ª Conferência Municipal de Saúde do Trabalhador

Independentemente da regulamentação dos Conselhos Gestores do SUS, o movimento de saúde entendeu a importância de dar continuidade aos Conselhos Populares de Saúde na cidade, considerando que esses, por não terem vinculação institucional, têm o papel de lutar em defesa da qualidade de vida e de saúde, estimular a participação organizada da população e contribuir com os Conselhos Gestores do SUS. Constituem-se como formas autônomas de organização da população em torno de seus interesses e necessidades. Segundo Tatagiba (2002:54), “os Conselhos Populares são espaços públicos criados pelos próprios movimentos sociais, que têm como características um nível menor de formalização e o não envolvimento institucional”.

Já em 2001, a UMPS - União dos Movimentos de Saúde realizou as eleições dos Conselhos Populares de Saúde, após amplo processo de mobilização. Foram

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cerca de 250 mil votos, na cidade, distribuídos em 23 Distritos de Saúde, onde foram eleitos 3.336 conselheiros e 166 Conselhos Populares de Saúde. Somente em São Mateus, o resultado foi de 30 mil votos, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde.

Em 2004, novamente ocorreram eleições para os Conselhos Populares de Saúde em todas as regiões da cidade, mas um número reduzido de lideranças se envolveu no processo. Nessa eleição foram eleitos 5.248 conselheiros. Comparando-se com a eleição de 2001, houve uma baixa de 83,4%.

Entre as questões observadas naquele período, percebe-se que muitas lideranças do movimento de saúde deslocaram-se para a burocracia estatal, assumindo cargos no governo democrático-popular ou em mandatos parlamentares, especialmente do Partido dos Trabalhadores. Esse deslocamento de campo de atuação interfere na luta popular e no controle social, conforme foi demonstrado pela pesquisa empírica, objeto do terceiro capítulo deste estudo. A inserção de setores de intelectuais orgânicos nos governos petistas determinou a busca de alianças e acordos em nome da governabilidade. Essas flexibilizações teriam levado o PT a:

[...] migrar da condição de partido movimentista e revolucionário [...] para a de partido governante, capaz de conciliar os interesses de diversos segmentos da sociedade, tanto os incluídos entre as chamadas classes populares como aqueles pertencentes a outros segmentos sociais – e notadamente aqueles segmentos aos quais o difuso ideário petista se contrapunha: a burguesia, o empresariado e os setores da classe média. (COELHO NETO, 2005:472)

Para Coelho Neto (2005), os projetos de esquerda deixaram de exprimir e dirigir a luta política dos trabalhadores e passaram a ser expressão de projetos burgueses, excluindo a classe do novo projeto político, uma vez que

[...] os intelectuais orgânicos de esquerda, agora são intelectuais orgânicos da classe dominante. Abandonaram a organização das classes populares em troca da organização do Estado burguês. Desta forma, reduz a luta de classes a denúncias. [...] o trunfo da esquerda para disputar a hegemonia entre os demais setores da classe dominante é a sua condição de força hegemônica nas classes subalternas. (COELHO NETO, 2005:512)

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É possível, portanto, estabelecer um nexo entre a alteração da participação popular nos governos do Partido dos Trabalhadores e a dinâmica do controle social, no caso, do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, que muitas vezes submete sua agenda à agenda do governo, diluindo, assim, a capacidade de contestação e controle.

2.2 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO CONSELHO

As Resoluções do Conselho Nacional nº 33, de 15 de janeiro 1993, e nº 333, de 04 de novembro de 2003, determinam as formas de funcionamento dos Conselhos e a forma de representação dos usuários. A Resolução nº 33 recomenda que o Presidente do Conselho seja eleito pelos segmentos dos usuários. Recomenda também que as reuniões sejam realizadas pelo menos uma vez por mês e que as decisões sejam homologadas pelo chefe do Poder Executivo da pasta. Por outro lado, a Resolução nº 333 avança no âmbito de fortalecimento dos usuários e determina que a autonomia dos Conselhos deve ser preservada, indicando que esses tenham dotação orçamentária própria. A resolução destaca também a importância da articulação do Conselho com o Ministério Público, o Conselho Nacional, o Conselho Estadual e demais Conselhos de Fiscalização das Políticas Públicas.

Quanto a essa última recomendação, observa-se que a articulação entre os Conselhos ainda é um dos grandes desafios. Nesse sentido, Souto et. al. (2003:11) dizem que:

[...] há uma pré-condição para a possibilidade efetiva de articulação entre os conselhos que é a vontade política dos governos e da sociedade civil de fazer dos conselhos instâncias efetivas e reais de democratização da gestão pública.

Acrescentam ainda que, no que se refere aos movimentos, é necessário que ultrapassem as questões específicas, no sentido de construir uma agenda dos movimentos e conselhos.

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Conforme o Decreto-Lei nº 38.576, de 05 de novembro de 1999, o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo será presidido pelo Secretário Municipal de Saúde, considerado membro nato, com direito a voz. O voto se dará apenas nos casos de empate. A indicação dos usuários, trabalhadores e prestadores ocorrerá em plenárias convocadas para esse fim, enquanto os representantes do governo serão indicados pelo Secretário Municipal de Saúde, para um mandato de 2 anos, com recondução do cargo para mais 2 anos.

Segundo a legislação, a estrutura do Conselho deverá ser composta por Plenário, Comissão Executiva e Secretaria Geral. O Plenário é formado por todos os conselheiros, sendo que as reuniões são ordinárias e extraordinárias. Para subsidiar as discussões do Plenário, este poderá contar com o apoio de Comissões técnicas ou temáticas.

A Comissão Executiva, por sua vez, tem a função de encaminhar e executar as deliberações do Plenário e é composta por 4 representantes dos usuários, 2 representantes dos trabalhadores, 2 representantes dos prestadores de serviço (públicos ou privados) e 2 representantes do governo, sendo coordenada por um conselheiro eleito pela Comissão Executiva e referendado pelo Plenário.

Já a função das comissões temáticas é subsidiar a Comissão Executiva e o Plenário, sendo que os conselheiros municipais de saúde têm o papel de apreciar, analisar e deliberar sobre as matérias submetidas a discussão ou votação, podendo valer-se de assessoria técnica e administrativa, apresentar moções, propor diligências sobre assuntos de interesse da saúde, requerer votação em regime de urgência, acompanhar e verificar o funcionamento dos serviços de saúde. (SACARDO et. al., 2002:31)

O apoio administrativo e a infraestrutura do Conselho pelo Executivo, além de serem uma exigência legal para o seu funcionamento, estão relacionados com o entendimento, respeito e reconhecimento que o gestor possui ou não sobre o controle social e a democracia participativa.

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Com base em nossa experiência, observamos que, durante os dois períodos em estudo, o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo não contou com apoio e recursos da gestão de Celso Pitta, como vimos anteriormente. Na gestão da prefeita Marta Suplicy, o Conselho contou com suporte administrativo, material e humano.

As deliberações do Conselho se dão por um quórum de metade dos membros mais um, conforme Regimento Interno, aprovado em reunião plenária. O Secretário preside as reuniões e é considerado membro nato, tendo o direito de voz e o de voto, porém esse último somente em caso de empate. O Conselho se manifesta por meio de resoluções, moções e recomendações. As recomendações têm caráter normativo e recomendativo. O Secretário de Saúde é quem homologa as resoluções e as recomendações normativas. Vale esclarecer que as recomendações normativas são Plano Municipal de Saúde, Relatório Orçamentário, Plano Municipal de Saúde, Relatório de Gestão, entre outros. As decisões recomendativas são, entre outras, moções, crítica, descontentamento, recomendação de estudos. Essas precisam apenas ser aprovadas pelo Plenário (SACARDO et. al., 2002:31).

Cabe também ao Secretário da Saúde homologar os Relatórios das Conferências de Saúde e acatar as propostas deliberadas nesse espaço de controle social. Entretanto, observa-se que nem sempre as deliberações são acatadas pelo Executivo, que se compromete apenas a convocar e realizar tais Conferências, em respeito à Lei nº 8.142.

Segundo Kayano et. al. (2007:113), nesse ponto, chama atenção o fato de que as Conferências não repercutem no cotidiano do Conselho. “Aliás, essa seria uma agenda de investigação importante: confrontar a pauta do Conselho e as deliberações das Conferências.” Os autores entendem o seguinte:

Decidimos fugir de uma imagem idealizada do Conselho - que muitas vezes emerge da análise do desenho institucional - que afirma “que o Conselho pode tudo”; e ou de um olhar fatalista que, com base na realidade afirma: o Conselho não serve para nada. (KAYANO et. al., 2007:113)

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Os Conselhos são órgãos estratégicos da democracia participativa, “em temas como orçamento da saúde, relação com o setor privado, organização dos serviços, política de recursos humanos, epidemias, saneamento básico, ações de vigilância e muitas outras” (NEDER, 1994:42). Por outro lado, há o desafio de ir além dessas funções legais, colocando, assim, em discussão a representatividade dos conselheiros e sua articulação com os segmentos representados.

Entende-se que é preciso também representar o conjunto dos usuários dos serviços de saúde para que o SUS deixe de ser uma sigla e passe a ser um sistema de saúde efetivamente para todos. Não basta apenas criar mecanismos de participação popular. É preciso que esse reconhecimento seja autêntico e efetivo. É esse reconhecimento que confere poder e legitimidade à representação, de forma a assegurar ações necessárias para o fortalecimento do SUS.

Os avanços e retrocessos no desempenho do papel do Conselho serão objeto do próximo capítulo, em que se faz a análise e interpretação dos depoimentos dos conselheiros das duas gestões em apreço.

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CAPÍTULO III – O CONTROLE SOCIAL NAS GESTÕES CELSO PITTA E MARTA SUPLICY: TENSÕES E CONTRADIÇÕES NO ÂMBITO DO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO

Segundo o que estabelece a legislação, os Conselhos de Saúde constituem estratégias de democratização da gestão das políticas públicas. A expectativa é a de aproximar gestores e usuários dos serviços, com base nos princípios e diretrizes de cada área. O Conselho deve favorecer a participação da sociedade civil nas decisões relativas às políticas públicas, mas, no caso do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, observam-se óbices de ordem técnica e política para o seu efetivo funcionamento sob o paradigma da Democracia Participativa. Sob essa perspectiva, e de modo a atingir os propósitos da presente pesquisa, identificando potencialidades e limites do Conselho, foram realizadas entrevistas conforme o roteiro apresentado a seguir. E, no quadro-síntese a seguir, podem-se conferir os principais aspectos dos depoimentos coligidos.

1 - Quais as principais deliberações do Conselho que representaram avanço na política de saúde no município? 2 - Quais as principais deliberações que representaram retrocesso na política de saúde no município? 3 - Qual a principal contribuição à política de saúde? 4 - Quais foram os principais equívocos? 5 - Quais foram as principais dificuldades técnicas? 6 - Quais foram as principais dificuldades políticas? 7 - O Conselho Municipal de Saúde influenciou a política de saúde? 8 - Havia autonomia do segmento? 9 - Havia autonomia do Conselho Municipal de Saúde?

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Quadro 1 - Quadro-síntese das entrevistas com conselheiros.

INFLUÊNCIA NA AUTONOMIA GESTÃO GESTÃO CONTRIBUIÇÃO À PRINCIPAIS DIFICULDADE DIFICULDADE AUTONOMIA Nº CONSELHEIROS SEGMENTO AVANÇOS RETROCESSO PERDAS POLÍTICA DE DO PITTA MARTA POLÍTICA DE SAUDE EQUÍVOCOS TÉCNICA POLÍTICA DO SEGMENTO SAÚDE CONSELHO

Coordenadorias de 1 R.C.S. Usuários X Autarquias Hospitalares Controle Social Autarquias Hospitalares Não Sim Sim Sim Sim Não Saúde

2 L.A.F. Usuários X Espaço para o CMS Não houve Fim do Conselho do PAS Não houve Não Sim Sim Sim Sim Relativa

Suspensão dos recursos 3 E.J.P. Usuários X Fim do PAS PAS Não houve Não Sim Sim Sim Sim Relativa do PAS

4 J.A.C. Usuários X Fim do PAS PAS Defesa do SUS O PAS O PAS Sim Sim. Sim Sim Relativa

Forlalecimento do 5 C.M.O. Usuários X PSF e Autarquias Não teve Não houve Não Sim Sim Sim Sim Relativa controle social

Manutenção das 6 R.J. Usuários X PSF Autarquias e OS Controle Social Não Sim Sim Sim Sim Relativa Autarquias

Conferência a cada dois Lei dos Conselhos Implantação do PSF sem 7 F.I.C. Usuários X Fim do PAS anos; parcerias sem Não Sim Sim Sim Sim Relativa Gestores organizar as UBS unidade

Falta de autonomia do 8 M.C.I.B. Usuários X PAS Não houve PAS Não Sim Sim Não Sim Relativa CMS

Fortalecimento do 9 I.B.P. Trabalhadores X Coordenadoria de Saúde Autarquias Hospitares Autarquias Hospitalares Não Sim Sim Sim Sim Não Controle Social

Descentralização dos Falta de promoção à 10 N.A.B. Trabalhadores X Fim do PAS Organizações Sociais Sim Sim Sim. Sim Sim Relativa Serviços saúde

Rejeição ao PAS; Criação do Conselho do Luta pela implantação do 11 H.C. Trabalhadores X aprovação do Regimento Não houve Não Sim Sim Sim Sim Relativa PAS SUS em SP Interno do CMS Luta pelo fim do PAS e 12 P.F.C. Trabalhadores X Não lembra Resistência ao PAS Não houve Sim Sim Sim. Sim Sim Relativa retorno ao SUS Reorganização da SMS Resgatar o papel do CMS muito subdividio 13 E.T.J. Gestores X dentro dos princípios Não lembra Não Sim Sim Sim Sim Relativa CMS em grupos constitucionais Criação de uma Comissão de Recuperar o espaço O PAS, foi de cima para 14 E.V.E. Gestores X Não lembra Sim Sim Sim Sim Sim Relativa acompanhamen-to do para reuniões baixo PAS Coordenadorias de Saúde e dos Distritos 15 O.A.D. Gestores X Sanitários de Saúde; Não lembra Muito Foi um aprendizado Não Sim Sim Sim Sim Relativa implantação do PSF e Autarquias Hospitalares Não dá para responder sobre os avanços porque 16 J.D.M. Gestores X A discussão era política Não teve Briga entre SUS e PAS Não Não Não Não Sim Sim a discussão era meramente política

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Nos depoimentos coligidos em nossa pesquisa, é possível identificar algumas tensões e contradições da trajetória do Conselho de Saúde da cidade de São Paulo, as quais passam a ser discutidas no presente capítulo.

3.1 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

O debate da democracia tornou-se central no final do século XX. Na busca de apreender essa categoria, sem a qual não seria possível o estudo do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo e do controle social, encontramos apoio nas preleções de Silva (2003:13), autora que retoma a questão da democracia elitista e da democracia participativa, afirmando a importância desses dois conceitos. Esse resgate vincula-se diretamente a um dos eixos centrais do controle social, tendo em visto que seu estudo está permeado pela participação da sociedade civil mediante a democracia participativa junto ao Estado.

Conforme afirma a autora,

A democracia é um modelo que desde a Grécia antiga recebe severas críticas das classes dominantes. O principal temor dos antidemocráticos era o rumo político que a participação das classes populares poderia tomar. As classes dominantes passaram a aceitar a democracia somente quando perceberam que ela poderia ser uma forte aliada na dominação de classe.

A democracia elitista/pluralista se dá por meio de uma disputa pelos votos da população e está relacionada a bens políticos. Para a autora, esse modelo ressalta a importância do consenso em torno de regras estabelecidas como condição para manter a estabilidade do sistema e a necessidade de uma burocracia especializada com “legitimidade para tomar as decisões”. Conforme a autora, tal modelo foi sistematizado por Joseph Schumpeter, em 1942, e aprimorado por outros autores, entre eles Robert Dahl.

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Para os teóricos da democracia elitista/pluralista, o que preocupa é a participação da sociedade nas decisões, e não a apatia política. “Ao indivíduo restam apenas as eleições como única forma de controle sobre os líderes eleitos.” Sob essa perspectiva, o indivíduo não possui condições de tomar decisões políticas e sociais, visto que delega ao outro, por intermédio do voto, essa responsabilidade.

Segundo a autora, a democracia participativa teve seu início na Europa, nos anos 1960, a partir de intensas mobilizações sociais, políticas e sindicais para reivindicar maior participação social na definição de políticas, indo além dos movimentos sociais, o que levou alguns governos da chamada "nova esquerda” a assumir essa forma como modelo. Para a autora, um dos grandes problemas é o questionamento de como atingi-la.

A autora diz que,

De modo geral, a democracia participativa funciona como democracia direta na base e como um sistema representativo nos outros níveis. [...] Centram-se nos procedimentos necessários para assegurar a responsabilidade do Estado perante os seus eleitores. Porém, para que fosse realmente efetivada, era imperativo resolver dois problemas: as desigualdades econômicas, posto que a existência de tal situação, concretamente, impede os indivíduos de participarem em iguais condições da vida social e política do país, e a noção dos indivíduos como consumidores, substituindo-a pela percepção de executores e de agentes do desenvolvimento de suas capacidades. (SILVA, 2003:16)

No depoimento do conselheiro P.F.C. é possível identificar essa visão sobre a democracia participativa e representativa quando diz:

Uma das grandes perdas para o Controle Social está relacionada à confusão de papéis. Sempre fiz essa crítica, tanto quando fui conselheiro no Conselho Estadual de Saúde, como no Conselho Municipal de Saúde, que os Conselhos não podem reproduzir o modelo de democracia representativa. Eles tendem a reproduzir esse modelo, ou seja, se tem um mandato com responsabilidade para cumprir mediante uma legislação, esse mandato me afasta daquilo que é o essencial, a organização do segmento para a participação.

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Com base em minha experiência, também é possível afirmar que a confusão de papéis advém das imensas tarefas burocráticas que o conselheiro assume no exercício do seu mandato, bem como do fato de o exercício de conselheiro ser algo novo, exigindo um processo contínuo de amadurecimento.

O Regimento Interno do Conselho Municipal de Saúde, capítulo II, artigo 3º, explicita as suas competências (2003:51-65):

I- Deliberar sobre as estratégias e atuar no controle da execução da Política Municipal de Saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros; II- Deliberar, analisar, controlar e apreciar, no nível municipal, o funcionamento do Sistema Único de Saúde; III- Aprovar, controlar, acompanhar e avaliar o Plano Municipal de Saúde; IV- Apreciar, previamente, emitindo parecer sobre o Plano e aplicação de recursos financeiros transferidos pelos Governos Federal, Estadual e do orçamento municipal consignados ao Sistema Único de Saúde; V- Apreciar a movimentação de recursos financeiros do Sistema Único de Saúde, no âmbito municipal e pronunciar-se conclusivamente sobre os relatórios de gestão do Sistema Único de Saúde apresentados pela Secretaria Municipal de Saúde; VI- Acompanhar e fiscalizar os procedimentos do Fundo Municipal de Saúde - FUMDES, através de Comissão de análise do FUMDES; VII- Propor critérios para criação de Comissões necessárias ao efetivo desempenho do Conselho Municipal de Saúde, aprovando, coordenando e supervisionando suas atividades; VIII- Promover a articulação interinstitucional e intersetorial para garantir a atenção constitucionalmente estabelecida; IX- Solicitar aos órgãos públicos integrantes do Sistema Único de Saúde do Município a colaboração de servidores de qualquer graduação funcional, para participarem da elaboração de estudos, ou ainda, prestarem esclarecimentos sobre as atividades desenvolvidas pelo órgão a que pertencem; X- Apreciar a alocação de recursos econômicos, financeiros, operacionais e humanos dos órgãos institucionais integrantes do Sistema Único de Saúde; XI- Estabelecer diretrizes e instruções gerais para a formação dos Conselhos Gestores de nível local, distrital, regional e municipal, nos serviços privados, conveniados e contratados; XII- Estimular a participação do controle popular através da sociedade civil organizada, nas instâncias colegiadas gestoras das ações de saúde em nível distrital regional das Unidades; XIII- Aprovar as diretrizes e critérios de incorporação ou exclusão ao Sistema Único de Saúde, de serviços privados e ou pessoas físicas, de acordo com as necessidades de assistência à população do respectivo sistema local e da

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disponibilidade orçamentárias, a partir de parecer emitido pelos órgãos técnicos da Secretaria Municipal de Saúde, bem como controlar e avaliar sua atuação, com a colaboração dos Conselhos das Administrações Regionais de Saúde e/ou Distritos de Saúde, podendo a qualquer tempo propor exclusões ou incorporações por não atendimento às diretrizes e critérios acima; XIV- Possibilitar a ampla informação das questões de saúde e o amplo conhecimento do Sistema Único de Saúde à população e às instituições públicas e entidades privadas; XV- Ter todas as informações de caráter técnico- administrativos, econômico-financeiro, orçamentário e operacional, sobre os recursos humanos, convênios, contratos e termos aditivos, de direito público, que digam respeito à estrutura e pleno funcionamento de todos os órgãos vinculados ao Sistema Único de Saúde; XVI- Manter diálogos com dirigentes dos órgãos vinculados ao Sistema Único de Saúde, sempre que entender necessário; XVII- Aprovar o regimento, a organização, e as normas de funcionamento da Conferência Municipal de Saúde, reunida, ordinariamente a cada ano, e convocá-la, nos termos da lei; XVIII- Elaborar, aprovar e alterar o seu Regimento Interno; XIX- Elaborar propostas, aprovar e examinar quaisquer outros assuntos que lhes forem submetidos, dentro de sua competência.

Uma tarefa difícil, uma vez que muitos conselheiros vêm de uma militância política em movimentos sociais e possuem poucos conhecimentos técnicos, administrativos e financeiros. Desse modo, ao assumirem o papel de conselheiros, precisam se apropriar de trâmites e conhecimentos burocráticos que demandam tempo e disponibilidade, o que muitas vezes os afasta dos movimentos de origem, dificultando assim a mobilização popular.

Contam, para isso, com o apoio da Secretaria Geral do Conselho, que é uma unidade de apoio administrativo e técnico do Colegiado Pleno e da Comissão Executiva, por meio de um corpo técnico e administrativo integrado por assessores, assistentes técnicos e pessoal administrativo.

A institucionalidade absorve o tempo e a criatividade dos conselheiros, que, levados pelas inúmeras tarefas, se distanciam dos movimentos e são absorvidos pela burocracia. Essa constatação é visível no depoimento do conselheiro P.F.C., ao falar sobre a representação:

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Porque no limite você tem uma lei, por outro lado, deixa transparecer que a representação tem uma institucionalidade absoluta, a meu ver, ela não tem. Representação é um movimento constante, permanente da sociedade que em determinados momentos até atribui a seus representantes, a um dos seus membros, uma representação para fazer parte de algum mecanismo conselhal, mas eu não acho que o mecanismo conselhal, mesmo num modelo menos tenso, como os Conselhos Gestores de Unidades de Saúde, atuantes que são, seja um modelo que garanta que o Sistema Único de Saúde e a política de Saúde caminhem na direção de interesses populares. Isso aconteceu mais fortemente quando o movimento social ainda lutava por essa representação. Ele conseguia mais coisas na direção de suas necessidades do que depois que institucionalizou.

Uma coisa não exclui a outra, mais uma vez foi conquistada a institucionalidade, seja na Constituição Federal, na Lei 8.080, na Lei 8.142, na legislação estadual, na municipal, na conjuntura política das décadas de 1970 e 1980, no processo de redemocratização do país, marcado por forte mobilização popular.

Não obstante, a institucionalização das práticas participativas por intermédio do Conselho de Saúde, apesar de ter criado um canal de participação, causou, na verdade, o enfraquecimento e a substituição dos movimentos sociais, pois, ao mesmo tempo que o órgão faz parte da estrutura do Estado, ele se internaliza na estrutura burocrática, se afastando dos movimentos de saúde, que, aos poucos, se tornam domesticados e frágeis à medida que “apostam todas suas fichas” na representação institucional.

Faz-se necessário aos Conselhos criarem mecanismos de interface com os movimentos locais, tais como boletins periódicos, fortalecimento dos Fóruns de discussão, apoio logístico e fortalecimento dos Conselhos Gestores de Unidades e movimentos, programas de interface por meio da intranet e internet, provendo debates, discussões e conectando os movimentos de base com os Conselhos Municipal e Nacional de Saúde.

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Outro fator que determinou esse afastamento foi a vitória do Partido dos Trabalhadores e partidos progressistas, que absorveram diversas lideranças para cargos executivos. Muitos sujeitos foram demandados para processos de reconstrução do Estado democrático, alguns como lideranças, outros como gestores. Assim, houve um enfraquecimento do movimento social e popular na representação da saúde.

Segundo o depoimento de um conselheiro, P.F.C.:

[...] Se houve uma perda grande foi nesse aspecto, uma certa confusão entre organização do movimento e representação legítima dos interesses dos usuários e do cidadão para uma representação institucionalizada em que as pessoas acabavam meio que absorvidas, engolidas pela função, alguns até se perderam, acabaram contaminados por essa posição de ter uma representação em um órgão colegiado, deliberativo.

A questão da institucionalidade também é retratada na fala da conselheira N.A.B.:

[...] Controle Social começa aí, não é ditar política para o governo fazer, dizendo que a política que o governo está fazendo está errada e não é a que nós queremos. Eu não preciso deliberar isso, eu preciso cobrar, fiscalizar. Quando pensamos a Lei 8.142, pensamos na fiscalização de quem manda, daquele que tem o poder nas mãos. A palavra deliberação ultrapassou o limite da competência do que é um Conselho, e aí eu estou dizendo no Conselho de Saúde, porém isso acontece em outros Conselhos, porque queremos deliberar e não queremos fiscalizar. A questão da institucionalidade nesse sentido é complicada.

A relação da origem dos Conselhos com os movimentos sociais e a luta pela redemocratização traz à tona essa discussão, na medida em que esses arranjos buscavam a participação popular na tomada de decisão do poder público e na democratização do Estado. Porém, a participação nos Conselhos de Saúde é um processo de contínuo amadurecimento e aperfeiçoamento, e a maioria dos conselheiros iniciou esse processo tendo muitas vezes de dividir tarefas profissionais, pessoais, familiares, políticas, do movimento com as de conselheiro.

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Entende-se que a burocracia e as limitações impostas pela democracia participativa não impedem a participação popular no processo de tomada de decisões estatais, pois o mecanismo de participação da sociedade é uma das poucas formas de exercer o controle social. Nosso entendimento sobre a democracia participativa vai ao encontro do pensamento de Silva (2003:19) quando afirma que,

[...] mesmo nas propostas de democracia participativa, o conteúdo liberal da participação política dos trabalhadores se mantém, visto que não ocorrem mudanças significativas na concepção de indivíduo como consumidor de bens públicos e na naturalização da desigualdade social. Portanto, ainda permanecem os princípios da defesa da propriedade privada, da naturalização da exploração do homem pelo homem e da maximização dos interesses no mercado, dificultando ou afastando qualquer perspectiva de transformação.

Entendemos a saúde como um bem público e o SUS como um grande modelo de inclusão social, sendo que os princípios da universalidade e da integralidade garantem a todo cidadão que esteja em território nacional o direito à saúde, desde as ações primárias até o atendimento de alta complexidade. Mas os princípios da universalidade e da integralidade, por sua grandeza e pela imaturidade da democracia, ainda não conseguiram a sua plenitude.

Compreendemos a saúde como um bem público, porém, sob imensa pressão do interesse mercadológico, que é crescente no município de São Paulo. Sem contar que o país esteve sob o regime militar até o final da década de 1980 e, portanto, tivemos uma democracia participativa ainda incipiente nesses últimos vinte anos.

Conforme Poulantzas (1986:26), “o Estado concentra, em seu seio, e de modo específico, não apenas a relação de forças entre as frações do bloco no poder, mas igualmente a relação de forças entre este e as classes dominadas”. Essa relação de forças é política e coloca na trama os interesses de classes, indo além da função do Estado.

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A democracia participativa é um processo em construção não só de acúmulo, mas de vivência e aprendizado, o que a torna um desafio. Ela só se dá quando se reflete nos nossos atos e analisamos criticamente os erros e os acertos para o aperfeiçoamento de instituições e métodos que desenvolvam e fortaleçam novas práticas e vivências democráticas. Entendemos que todos querem e almejam a democracia participativa, porém um dos grandes desafios consiste em como efetivá-la.

3.2 INTERESSE UNIVERSAL E INTERESSE CORPORATIVO

As entrevistas indicaram que os interesses corporativos são fortes entre os segmentos representados, prevalecendo, às vezes, aos interesses universais. Porém, em momentos decisivos os diferentes segmentos se unem na defesa destes últimos. E os interesses corporativos permanecem mais em questões pontuais.

Observamos que, no processo de efetivação da democracia, o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo exerceu papel determinante na construção da saúde pública e consolidação do SUS, pois os segmentos buscaram exaustivamente uma posição de consenso, destacando-se aí a grande importância das discussões e embates, que, em seu conjunto, elevam o nível de entendimento dos conselheiros, os quais, mesmo discordando de questões menores, abrem mão de suas propostas na busca da construção de políticas consensuais voltadas para os interesses da população.

Em seu depoimento, a conselheira I.B.P. fala sobre a 11ª Conferência Municipal de Saúde, realizada em 06 de novembro de 2001, em que foram aprovadas as Autarquias Hospitalares, lembrando que alguns trabalhadores que já haviam se posicionado contra a proposta mudaram seu posicionamento.

Tivemos companheiros trabalhadores que se indispuseram até um determinado momento contra e durante a Conferência mudaram seu posicionamento votando a favor.

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As entrevistas apontam ainda que os interesses corporativos às vezes se fazem presentes nos aspectos referentes às questões pontuais, porém o que nossa experiência mostrou foi que, em momentos de embates políticos no que tange a assuntos conflitantes, na maioria das vezes, esses interesses tornam-se menores, conforme depoimento da conselheira citada.

A pesquisa permite constatar que um momento relevante em que não houve consenso foi durante a aprovação das Autarquias Hospitalares. Como exemplo desse aprendizado democrático podemos citar o episódio da aprovação do regime de Autarquia no município de São Paulo, em que os representantes dos trabalhadores se posicionaram de forma contrária, pois essa nova forma de gestão causaria uma fragmentação da administração dos serviços de saúde, enquanto que os usuários e o governo se colocaram favoráveis a esse regime, posição essa que acabou prevalecendo. Hoje conselheiros que foram favoráveis a essa gestão assumem que estavam equivocados, fazendo uma autocrítica, revendo suas posições. Essa é uma fase muito importante do reposicionamento e dos avanços dos recursos da democracia participativa.

As Autarquias Hospitalares constituíram a forma de gestão encontrada pelo Secretário Eduardo Jorge para a rede hospitalar do município. Na época os usuários eram favoráveis, mas muitos trabalhadores votaram contra. Como não havia consenso no Conselho, o Secretário de Saúde, Eduardo Jorge Martins Sobrinho, levou a questão para ser aprovada na 11ª Conferência Municipal de Saúde, realizada em 2001.

A conselheira I.B.P., representante dos trabalhadores, é clara ao falar sobre essa questão:

[...] a criação das Autarquias foi referendada numa Conferência Municipal de Saúde realizada na Associação Paulista de Odontologia - APCD. A relação e forma de fortalecimento para aprová-la se deram mais junto aos usuários, principalmente os da saúde, de todas as regiões da cidade. A maioria dos trabalhadores era contra.

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A conselheira R.C.S., do segmento dos usuários, ao falar sobre as Autarquias, faz uma autocrítica, ponderando o posicionamento do Conselho Municipal de Saúde na ocasião da aprovação dessa forma de gestão:

[...] Naquele momento nós usuários aprovamos as Autarquias. Hoje eu avalio que foi um erro. A maioria dos trabalhadores foi contra. Eles tinham maior dimensão do problema, por isso votaram contra.

O conselheiro J.A.C., ao referir-se às dificuldades políticas, diz:

[...] Tivemos dificuldades com o Eduardo Jorge, que, com o propósito de fazer mudanças na política, acabou levando a deliberação sobre as Autarquias para serem aprovadas na Conferência. Ele se colocou contra o Conselho e achou que essa seria a única forma de aprovar.

Por sua vez, o conselheiro R.J., representante dos usuários, ao referir-se a essa questão, lembra que:

[...] um momento em que foi difícil o consenso foi durante a proposta de Autarquias Hospitalares. A maioria dos trabalhadores foi contra. Tinha a herança do PAS e nós fomos contra no Conselho. Tudo caminhava para que a Conferência não aprovasse, mas o Secretário de Saúde, Eduardo Jorge, articulou para ser aprovada, houve uma manobra para isso. Esse tema passou sem o debate, sem a discussão na Conferência. Ele usou o seu prestígio e sua popularidade. Ele era muito querido e respeitado. Para os trabalhadores foi um baque. Entendíamos que era um governo, uma gestão que foi eleita para consertar a casa.

Conselheiros oriundos das entidades de trabalhadores, do movimento social ou do movimento de saúde levam para o debate posições específicas do seu segmento. Da maneira como é feito o debate, essas posições tendem a prevalecer, em detrimento de posições globais, o que não deixa de ser um processo natural, pois é uma das mazelas da democracia participativa o fato de, em última análise, não ser possível isolar os representantes dos interesses que, por vezes, são contraditórios. Esses sujeitos, no Conselho, em vez de defenderem uma política de saúde universal, muitas vezes passam a defender interesses do próprio segmento, perdendo o foco da complexidade de sua função enquanto conselheiro, problema

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esse que somente será corrigido com o amadurecimento da democracia participativa.

Concebe-se a política como lugar dos interesses universais, e o Conselho tem condições de traduzir em ações esses interesses. Porém, no embate entre grupos, os interesses corporativos e de segmentos ocupam lugar de relevância, pois há uma pressão das corporações, dos partidos e de grupos para garantir os seus interesses e posições.

Em termos ideais, imagina-se um Conselho representativo, autônomo, fiscalizador, que represente os interesses da sociedade e dos usuários do SUS, independente de segmentos e corporações, que represente os interesses de toda a sociedade civil e o interesse comum dessa sociedade. Todavia, na prática, nossa experiência nos mostra que os segmentos e corporações ali representados foram eleitos para defender as agremiações a que estão vinculados, e muitas vezes isso requer um processo de mediação entre o interesse dessas corporações e os interesses universais, que devem prevalecer.

3.3 RELAÇÃO ENTRE GOVERNO E SOCIEDADE CIVIL

Um dos elementos mais complexos da busca da efetivação do controle social com relação ao Conselho de Saúde é a falta de uma política de Estado da Saúde que tenha desdobramentos a longo prazo, dados os interesses e imediatismos das administrações, que são substituídas a cada quatro anos, implicando quase sempre uma radical mudança na política de governo na área da saúde.

O Conselho de Saúde, na maioria das vezes, não consegue alterar a execução dessa política, mesmo que contrarie os princípios e diretrizes básicos do SUS, pois o governo eleito tem o poder de execução e atropela as instâncias deliberativas do Conselho, que não possuem instrumentos efetivos de determinação da política de saúde.

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A alternância de governo, um dos princípios básicos da democracia representativa, nesse caso, torna-se um complicador, visto que interrompe a política do governo anterior e submete o Conselho a essa ciranda partidária, comprometendo o atendimento à população, haja vista que esse princípio da democracia acaba sendo utilizado como justificativa para suspender programas e políticas de governo, em detrimento do atendimento da saúde à população.

Portanto, a falta de uma política de Estado na área da saúde seria a responsável, em última análise, pela piora no atendimento de saúde da população. Em que pese a vontade e a combatividade dos conselheiros, estes efetivamente não conseguem exercer o controle social com efetividade, ficando na dependência de outras instituições, como Ministério Público, Conselhos Nacionais de Saúde e da Justiça, Tribunal de Contas da União, entre outros, tornando-se reféns dessa estrutura perversa.

É isso que se depreende do depoimento da conselheira N.A.B., do segmento dos trabalhadores, que, ao se referir às dificuldades políticas, diz:

[...] as dificuldades políticas influenciam nas decisões, na autonomia, na capacidade de negociação e no protagonismo nas Conferências, porque fazemos uma política de governo, e não uma política de Estado. Trabalhamos de acordo com o governo que está no momento.

Ainda com relação à alternância de governos, a conselheira M.C.I.B., representante dos usuários, expressa sua visão sobre a questão:

[...] a mudança de governo afeta a política de saúde, pois, enquanto não tivermos uma política de saúde de Estado, não conseguiremos avançar. Um governo melhora uma coisa, daí vem o outro e desfaz tudo em nome do seu governo, assim é difícil uma construção. Para mim isso representa um retrocesso enquanto política e controle social.

Quanto à relação entre governo e sociedade, é possível verificar que havia tensões, tendo em vista o depoimento do conselheiro O.A.D., representante do segmento do governo:

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[...] As políticas defendidas pela Secretaria Municipal de Saúde nem sempre eram as políticas aceitas pelo governo municipal. Nós éramos os gestores da política municipal de saúde. Havia conflitos entre Política de Saúde e Política do governo central, que muitas vezes eram conflitantes. Nós defendíamos a política da Secretaria, que nem sempre era a política de governo.

Conforme declaração do conselheiro J.A.C., representante dos usuários, verificamos o seguinte:

[...] Nos momentos de mudança de governo, temos um pouco de dificuldade. Às vezes muitas coisas que eram interessantes acabam sendo perdidas, o governo que entra acaba não levando adiante a proposta do anterior, e nós do controle social ficamos nessa ciranda. Até entendermos a nova política de governo, temos dificuldades, mas, no final, acabamos nos afinando. As mudanças mexiam um pouco com a discussão política. Há pessoas que às vezes tinham dificuldade de entender o que estava em jogo, não digo o colegiado como um todo, mas algumas pessoas, e a falta de entendimento acaba afetando a discussão da política de saúde. Tínhamos diversas facções. Uns defendiam determinados setores da política, ideologias partidárias diferentes, mas a dificuldade era grande quando se entrava na questão do Estado, da política de saúde.

A conselheira N.A.B., representante dos trabalhadores, afirma que:

Alguns instrumentos de gestão, como o PPA - Plano Plurianual, contribuem para garantir a questão da autonomia e ajudaram a melhorar a atuação do controle social e nossa autonomia.

O PPA é um plano que estabelece as metas e os gastos a serem efetivados pelo governo. É aprovado no segundo ano de mandato do governo, para vigorar até o final do primeiro ano do governo seguinte. Assim, desvincula por um ano a política de Estado da política de governo. Dessa forma, o controle social consegue acompanhar a política implantada nos quatro anos. Uma observação importante é que o mandato dos conselheiros não coincide com o mandato do governo municipal. Os conselheiros são eleitos a cada dois anos.

A alternância de governos é, sem dúvida, um importante componente da democracia, uma vez que possibilita mudanças segundo os paradigmas resultantes da vontade popular soberana. Contudo, essas mudanças, que produzem efeitos imediatos no âmbito do governo, colocam um desafio para o controle social, pois,

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dependendo da orientação político-ideológica e do caráter democrático ou autoritário do novo governo, pode haver grandes obstáculos para a ação do Conselho Municipal de Saúde, que, em menor ou maior grau, responderá às medidas implementadas de uma forma mais radical ou não, colocando em xeque posições historicamente construídas.

Algumas vezes a alternância possibilita que algum membro do Conselho reproduza práticas do Parlamento, tentando obstruir pautas importantes pelo simples fato de serem propostas feitas pelo governo ao qual se opõe, a par da ausência de discussões mais profundas e da possibilidade de construção do consenso.

Podemos observar essa questão por meio do depoimento do conselheiro P.F.C., representante do gestor, que diz:

No governo Maluf nós tínhamos ainda uma força inicial muito grande do próprio período da prefeita Luiza Erundina, e isso sustentou um pouco a agenda de articulação do Conselho. Por conta dos enfrentamentos do Conselho com o governo na gestão do prefeito Paulo Maluf e Celso Pitta, ele acabou vítima desse processo, ao mesmo tempo não foi capaz de achar o caminho, acabou ficando numa agenda de profunda resistência ao governo. Num certo momento é estratégia, como foi o caso do governo Pitta, onde tudo era fechado, o governo não respeitava, não ouvia. Mas, no caso do governo que eu representava, todas as propostas eram levadas para discussão no Conselho e tivemos problemas em decorrência dessa postura.

3.4 REPRESENTATIVIDADE E SEGMENTAÇÃO

Outro elemento que leva a uma distorção no exercício do controle social é a forma como é realizado o processo eleitoral, em que as representações são segmentadas. Na maioria das vezes são feitas indicações de entidades que se cristalizam em posições ligadas a mandatos parlamentares, partidos políticos e entidades sindicais, levando para o Conselho as disputas internas dessas instituições.

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Conforme o Decreto-Lei 38.576/1999, o mandato do conselheiro é de dois anos, podendo ser reconduzido por mais dois, desde que eleito ou indicado por suas representações. As entidades e, em alguns casos, os conselheiros se revezam, ficando dois anos afastados do cargo, o que prejudica a formação de novos quadros e a formação de lideranças comprometidas com o controle social.

O Decreto estabelece a composição para o Conselho Municipal de Saúde:

I. Dezesseis representantes da sociedade civil, assim distribuídos: a) seis representantes de Movimentos Populares de Saúde, sendo um representante da região leste, um representante da região norte, um representante da região centro, um representante da região sul, um representante da região oeste e um representante da região sudeste; b) cinco representantes de Movimentos Sociais; c) dois representantes das Associações de Portadores de Patologias; d) um representante de Entidades Sindicais Gerais Patronais; e) um representante de Entidades Sindicais Gerais de Trabalhadores; e f) um representante de Associação de Portadores de Deficiência.

II. Oito representantes dos trabalhadores da saúde, sendo: a) dois de Entidades Sindicais Gerais; b) dois de Conselhos de fiscalização do exercício profissional de atividade-fim da saúde; c) um de Conselhos de fiscalização de exercício profissional de atividade-meio; d) dois de Entidades Sindicais de categorias profissionais da área da saúde; e e) um de Associações profissionais liberais da área da saúde.

III. Seis representantes das Instituições Governamentais, assim distribuídos: a) um representante dos Institutos de Ensino Superior e Institutos de Pesquisa públicos;

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b) um representante dos Institutos de Ensino Superior e Institutos de Pesquisa privados; e c) quatro representantes do Governo Municipal.

IV. Dois representantes de prestadores de serviços e fornecedores ou produtores de materiais de saúde, sendo: a) um representante de Entidades Prestadoras de Serviços de Saúde sem finalidade lucrativa; b) um representante de Entidades Prestadoras de Serviços de Saúde ou Produtoras de materiais de saúde.

Segundo o Decreto, a representação da sociedade civil é paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos com representação no Conselho Municipal de Saúde, e a cada titular corresponde um suplente, sendo 32 titulares e 32 suplentes, totalizando 64 conselheiros.

O Decreto estabelece distinção entre governo e sociedade civil e, apesar de preconizar a paridade de representação das duas instâncias, determina uma composição que, a rigor, atribui a maioria dos assentos à sociedade civil, absorvendo as pressões e reivindicações do momento histórico em que foi instituído o Conselho. É o que se depreende dos percentuais de representação dos segmentos: 50% de usuários, 25% de trabalhadores e 25% de gestores, concebidos os dois primeiros como “sociedade civil”.

Sob essa perspectiva, Tatagiba (2002:50) entende que os Conselhos são espaços de representação plural e paritária. Enquanto espaços públicos dialógicos e deliberativos, a representação deve ser paritária no sentido de garantir o mecanismo de equilíbrio entre as decisões. A autora afirma que os Conselhos de Saúde se distinguem dos outros Conselhos por terem uma representação paritária dos usuários diante dos demais segmentos.

Para Tatagiba (2002:50), “dessa forma, a paridade no caso da saúde significa, na verdade, uma super-representação do segmento dos usuários”. A

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autora destaca que os Conselhos devem ser vistos como espaços deliberativos, públicos e dialógicos. São uma novidade histórica, e distinguem-se da experiência de outros Conselhos. Entende que o caráter deliberativo dos Conselhos é a sua principal força “enquanto espaços potencialmente capazes de induzir à reforma democrática do Estado” (2002:55).

O Decreto-Lei 38.576/1999 especifica o que se entende por Movimento Social e o que se entende por Movimento Popular de Saúde, para efeito das eleições para o Conselho Municipal.

[...] Entende-se por Movimento Popular de Saúde a organização da sociedade civil, constituída, dotada de ampla publicidade, com existência mínima de 12 meses anteriores à publicação deste Decreto, cujos objetivos constitutivos e prática corrente têm na saúde e no usuário sua ênfase fundamental, verificada a sua estrutura organizacional, possuam documentação comprobatória de existência e representatividade da área, de forma a possibilitar sua habilitação para se fazer representar no Conselho Municipal de Saúde.

Por Movimento Social o Decreto define:

[...] a organização da sociedade civil, constituída, dotada de ampla publicidade, com existência mínima de 12 meses anteriores publicação do presente Decreto, cujos objetivos constitutivos e prática corrente estejam voltados para grupos específicos de interesses e verificados a sua estrutura organizacional, como endereço notório, diretoria, órgãos colegiados, estatutos e demais documentos, de forma a possibilitar sua habilitação para se fazer representar no Conselho Municipal de São Paulo.

Ainda segundo o Decreto, os representantes do Movimento Popular de Saúde são indicados pelo conjunto de movimentos, em plenárias regionalizadas especialmente convocadas para esse fim. Aqueles do Movimento Social, por sua vez, são indicados por intermédio de Entidades e Associações do Movimento Social em foro próprio. Já trabalhadores são indicados por meio de Plenárias específicas pelas Entidades e Conselhos que representam o conjunto do segmento. Os representantes dos Institutos de Ensino Superior e Institutos de Pesquisa são indicados pelo conjunto de Institutos e Universidades públicos e privados, assim

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como no caso das Entidades Prestadoras de Serviços e Produtores de materiais de saúde, cuja indicação se faz pelo conjunto de Entidades que compõem esse segmento, enquanto o governo indica técnicos da SMS de sua confiança para representar a Secretaria Municipal de Saúde.

Consideramos importante documentar a composição do Conselho e a forma como se dá o processo eleitoral, bem como a representação dos segmentos, pois entendemos que explicita a forma de representação principalmente da sociedade civil como está desenhada no Decreto que cria o Conselho.

Segundo Macciocchi (1980:150), Gramsci faz sutil distinção entre “sociedade civil” e “sociedade política” na sociedade de classes. O Estado seria a sociedade política (representando o momento da força e da coerção), e a sociedade civil seria formada por complexa rede de funções educativas e ideológicas (direção e hegemonia). Sociedade política e sociedade civil seriam, portanto, dois níveis de superestrutura.

Admitida a separação entre “sociedade política” e “sociedade civil”, que, no entanto, é suplantada pela unidade representada pelo “Estado” (diferente de governo), resta evidente a importância das estratégias conselhistas para democratizar o governo, e não necessariamente o Estado.

Persiste a questão quanto ao papel do Estado na sociedade de classes. Ampliar a participação da “sociedade civil” nos governos não significa alterar o projeto de dominação de classe sustentado e reproduzido pelo Estado. Ou seja, dentro das circunstâncias e dos limites históricos, o que se pode almejar é a ampliação do papel social do Estado, acionando os privilegiados instrumentos que detém em favor da igualdade e da justiça social. Em outros termos, democratizar governos representa a possibilidade de pôr em questão e ampliar o papel do Estado. Esse aspecto será retomado no final do capítulo.

A questão da representação, apesar de não ser nosso foco na pesquisa, permeou diversos depoimentos. A conselheira M.C.I.B., representante dos usuários, entende que:

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[...] O Conselho deveria começar pela base com conselheiros que conheçam a realidade local, usuário do SUS. Entram pessoas que não têm o menor conhecimento da área da saúde, às vezes nem usam o SUS. Não estou dizendo que não tenha que ser dividido em segmentos, mas hoje é movimento popular de saúde, movimento social, trabalhadores com suas diversas Entidades. Não tinha que ter nome de Entidades. Isso é carta marcada, não é livre. A partir do momento em que a pessoa, para ser conselheiro, precisa participar de um movimento ou de uma Entidade, já não é livre, já é carta marcada. Ele tem que ser cidadão livre e para mim isso começa na base, a partir do momento que é usuário dos SUS.

O depoimento da conselheira N.A.B. elucida bem essa questão:

[...] Não dá para entender o Conselho através de siglas. A lei diz que tem que ser a sociedade civil organizada. Não diz que tem que ser dividido entre movimento de saúde, movimento social etc. Ela deixa clara a questão do governo e dos trabalhadores.

Essas distorções no Decreto ocorrem em consequência da conjuntura em que foi pensado em 1999, no governo do prefeito Celso Pitta, que não acatou nem respeitou o Conselho Municipal como órgão democraticamente eleito. Esse Decreto passou por um processo de amplas discussões pelas entidades e movimentos e, naquele momento, foi considerado um avanço, como forma de fazer valer as regras democráticas e o respeito à legislação e ao controle social, mas, a nosso ver, requer um aprofundamento e um amadurecimento, para que distorções não ocorram, haja vista o ainda frágil exercício da democracia participativa. O Regimento Interno e o Decreto só foram implantados no final do governo Pitta. Até aquele momento não existia participação, pois o prefeito havia criado o Conselho do PAS, que era composto por representantes das Cooperativas.

A questão da representação não é vista da mesma maneira pela conselheira L.A.F., representante dos usuários, que entende que o Decreto 38.576/1998 foi um avanço para o controle social. Segundo ela, o Decreto foi elaborado pelos conselheiros à época e foi discutido por mais de seis meses. Assim, é possível compreender que os conselheiros nesse período do governo Pitta foram protagonistas de muitas leis que hoje estão em funcionamento, e consideram que essa era a melhor forma de expressar, com maior ou menor representatividade, os

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interesses dos diferentes segmentos da sociedade. O modelo de composição do Conselho foi elaborado atendendo a parâmetros que melhor representavam as organizações e forças sociais naquele momento.

A conselheira L.A.F. afirma que a participação do Conselho na discussão do Decreto que regulamenta o órgão foi intensa, com a participação de todos os segmentos envolvidos e a Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Saúde de São Paulo.

[...] o Decreto nomeou as cadeiras no Conselho. Antes as vagas eram só do Movimento de Saúde. Depois desse Decreto, o governo chamou a gente para discutir, porque nós sentávamos na Câmara Municipal de São Paulo com a Comissão de Saúde para discutir o Decreto.

O referido Decreto baseou-se na Resolução nº 33, de 15 de janeiro de 1999, do Conselho Nacional de Saúde. Em 2003, ela foi aperfeiçoada mediante a Resolução nº 333, de 04 de novembro de 2003. Esta resolução faz recomendações para a constituição e estruturação de Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde em todo o território nacional. Estabelece que os Conselhos devem ser compostos por representantes do governo, de profissionais de saúde, de prestadores de serviços de saúde e de usuários, sendo 50% de entidades filantrópicas.

Os usuários deverão ser representados, conforme a Resolução, pela seguinte composição:

representantes de entidades congregadas de sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais; representantes de movimentos comunitários organizados na área da saúde; representantes de conselhos comunitários, associações de moradores ou entidades equivalentes; representantes de associações de portadores de deficiências; representantes de entidade de defesa do consumidor; e representantes de associações de portadores de patologias.

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Segundo a Resolução, o Presidente deverá ser eleito entre os membros do Conselho em reunião plenária. Dispõe ainda que cada Conselho deverá observar a realidade local para definir a composição, sendo que a Resolução recomenda que não seja inferior a 10 membros nem superior a 20 membros.

No caso do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, o número de conselheiros é de 62, visto que o município de São Paulo possuía um contingente populacional, segundo dados do IBGE, censo de 2000, de aproximadamente 10.434.252.

Com relação à Presidência do Conselho Municipal de Saúde, desde a sua constituição é assumida pelo Secretário Municipal de Saúde, embora a Resolução nº 33, de 15 de janeiro de 1993, recomende que o Presidente seja indicado por seus membros. A propósito, durante vários momentos, ocorreu a discussão em paralelo, nunca no âmbito de reunião plenária, sobre o fato de que o Presidente deveria ser eleito pelo Plenário do Conselho, porém esse item nunca foi pautado e requer mudança no Regimento Interno de 2000. Na ausência do Secretário, a reunião é conduzida pelo coordenador da Comissão Executiva, que é eleito pelo Plenário do Conselho.

Segundo a Resolução nº 33, de 15 de janeiro de 1993, a representação de órgãos e/ou entidades poderá ser modificada de acordo com a realidade local, desde que respeitado o princípio da paridade. Vale notar ainda que a atividade de conselheiro é considerada de relevância pública, e não poderá ser remunerada. Quanto à estrutura do Conselho, a Secretaria Municipal de Saúde deverá dar apoio e suporte administrativo para o funcionamento do Conselho Municipal de Saúde, mediante dotação orçamentária.

A resolução citada foi baixada em um momento histórico com relação ao acúmulo de forças e tipo de organização dos movimentos sociais, que buscavam uma participação mais democrática junto ao Estado. O mecanismo de participação criado cristalizou-se, no caso do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, por intermédio de grupos ocupados basicamente por entidades ou movimentos representados por pessoas que se revezavam nesses órgãos, havendo pouca

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alternância das representações, contribuindo assim para a falta de oxigenação das lideranças, mantendo-se uma burocracia que reproduz velhas práticas, semelhantes às do Parlamento.

Os depoimentos apontaram que há um descontentamento com a forma de representação no Conselho, deixando claro que existe uma disputa entre os segmentos, que deveriam ter unidade no sentido de fortalecer o controle social no município. Porém, nossa experiência mostra que, em momentos decisivos, quando ocorre desrespeito aos princípios básicos do SUS e ao controle social, há uma união dos diferentes segmentos em defesa de tal Sistema.

3.5 AUTONOMIA E HETERONOMIA

No que concerne à questão da autonomia, observou-se que os interesses corporativos, partidários e a pressão do próprio governo tendem a alterar as discussões no âmbito mais amplo dos interesses comuns, universais. Entendemos que, no embate político, é processo que faz parte da trama democrática e política. Os conselheiros tendem a apoiar os partidos políticos com os quais se identificam, em contrapartida, muitas vezes, acabam tornando-se reféns das suas filiações partidárias, qualquer que seja o partido a que estejam vinculados.

As entrevistas revelam que uma das grandes tensões está relacionada à questão da autonomia, que interfere no pleno exercício do controle social. Conforme depoimentos de vários conselheiros, há um visível descontentamento com a estruturação do Conselho, sendo que alguns relatos apontam para essa questão como uma das formas de perda de autonomia, pois submete a Secretaria Geral do Conselho ao governo. De acordo com o Decreto 38.576/1999, a indicação do Secretário Geral, assim como dos integrantes do corpo técnico e administrativo, é competência do Secretário Municipal de Saúde, sendo que os funcionários são concursados. O governo também deverá proporcionar as condições para o funcionamento do Conselho por meio de suporte orçamentário e financeiro,

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administrativo e técnico, com a colaboração dos órgãos e entidades ali representados.

Segundo a Resolução nº 33, de 15 de janeiro de 1993, “as dimensões de cada estrutura da Secretaria Executiva componente do Conselho Estadual ou Municipal de Saúde deverão ser discutidas e definidas caso a caso, para evitar-se superdimensionamento”. A Resolução estabelece que a Secretaria Executiva seja subordinada ao Plenário do Conselho. Porém, no Conselho Municipal de Saúde de São Paulo ela é vinculada ao governo.

Essa questão aparece com clareza no depoimento do conselheiro E.T.J., representante do gestor:

[...] Ele é formado por três partes, mas fica muito na dependência do governo. Sempre entendi que o Conselho tinha que ter uma independência, ter sede própria e autonomia financeira. Ele vive dentro do Gabinete do Secretário, ocupa um espaço cedido pela Secretaria Municipal de Saúde, com funcionário dessa Secretaria. Assim, ele perde uma parte da sua autonomia. Fica muito sob a influência do Poder Executivo. Fica à mercê das benesses do governo, por exemplo, a luz, o telefone, a água, o prédio, a manutenção é o governo que fornece. O Conselho tinha que ter uma estrutura total para gerir sua infraestrutura, para ter a sua própria vivência, administrando os seus recursos. Faço uma analogia que não sei se é a mais correta: tenho um filho maior de idade, dou uma mesada a ele, seu quarto, seu computador, sua televisão e tudo o que ele precisa, ele pode tomar suas decisões, mas eu pago as contas dele. Isso não é autonomia, ele tem que ter uma independência maior, senão não consegue caminhar com suas próprias pernas, tomar suas decisões, não pode se atrelar. Eu via uma relação muito próxima, uma fronteira muito delicada de relação entre governo municipal, uma proximidade grande, facilitava alguns trâmites. Isso não dá. Os Conselhos têm que ter uma autonomia total, tinham que ter uma arena independente, pois o governo vai lá e decide, é a casa do governo. Ele tinha que ter um espaço e recursos próprios, tinha que ter liberdade, nesse sentido teria um pouco de autonomia. O Conselho tem autonomia para tomar as decisões, porém, acho que isso influencia. Tem autonomia, porém, não tanto. Ou você tem autonomia, ou não tem. Não tem meio-termo.

O depoimento da conselheira F.I.C., representante dos usuários, vai ao encontro do relato do conselheiro supracitado quando se refere à questão da autonomia relacionada à estrutura administrativa do Conselho. Ela diz o seguinte:

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[...] Temos que avançar nessa questão da autonomia. Ficamos subordinados a fazer o que a Secretaria Municipal de Saúde manda. Não acho que trabalhador tenha que ser subordinado ao Conselho, existem interesses dos dois lados, mas temos que pensar uma forma, às vezes o poder fala mais alto, seja de um lado, seja do outro. Com essa estrutura que existe o trabalhador tem que fazer o que o governo manda. Se o governo diz que não é para fazer uma Ata, ele não pode fazer, porque é o governo quem paga. É uma controvérsia, pois o trabalhador está lá a serviço do Conselho e deveria dar o respaldo que nós precisamos. Não é ele quem delibera, não é ele quem vai tomar as decisões. Isso fere a autonomia e precisa ser resolvido. Uma questão que deixa claro essa questão “falta de autonomia” é referente à autorização de recursos para os Conselheiros viajarem para participar de Congressos, Seminários e outros. Até hoje, para o conselheiro ir viajar, é necessário que um funcionário seja responsável financeiramente pelas suas despesas financeiras, e a prestação de contas tem que sair em nome desse funcionário. Se ele disser que não aceita ser o titular do adiantamento, o que é um direito seu, o conselheiro não viaja. Penso que as despesas deveriam sair em nome do Secretário, já que pela lei não pode sair em nome dos conselheiros.

Esse depoimento nos faz resgatar o pensamento de Dagnino (2002:283), ao referir-se à questão do partilhamento de poder entre o governo e o Conselho Municipal de Saúde, sendo que historicamente o poder sempre esteve centralizado nas mãos do governo. A autora afirma que existem vários mecanismos que interferem em uma partilha de poder e que têm sua origem em posturas políticas contrárias ou resistentes à democratização da sociedade e estão relacionados “com características estruturais do funcionamento do Estado”.

Ainda com relação à autonomia, a conselheira I.B.P., representante dos trabalhadores, relata o seu entendimento sobre a questão:

[...] O Conselho não tem autonomia. Mesmo no governo Marta tinha algumas orientações que vinham da administração e mesmo que você quisesse fazer de outra forma, você sempre tinha um conselheiro do lado, um gestor que vem negociar com você para ver a sua disposição para negociar. Isso é muito frequente. Aí você tem que fazer as ponderações, ou traz para o seu segmento para discutir e avaliar, porque ali não era eu que estava dando a resposta, mas defendia em nome do segmento que eu representava e precisava levar para eles para me respaldarem, ou arcará com o júbilo de ter feito a escolha certa ou a crítica de fazer algo errado. Paguei altos

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preços e até hoje algumas relações ficaram estremecidas. Expus-me muito com relação às Autarquias. Tivemos alguns companheiros que eram contra até um determinado momento e durante a Conferência.

Esse depoimento condiz com o do conselheiro O.A.D., representante do governo:

O Conselho tem que ter autonomia para não estar amarrado às pressões externas. Ele responde aos segmentos, mas tem que ter o dever de dizer para ele o que está acontecendo e, quando receber uma pressão deles, ter a coragem de dizer o que está errado. À época da Marta havia muita pressão aos conselheiros ligados à coligação do governo, nos sindicatos, entidades, movimentos que tinham cadeira no Conselho e que, de uma forma ou outra, eram politicamente ligados ao governo.

A questão da autonomia aparece forte quando comparadas as duas gestões de governo, a do prefeito Celso Pitta e a da prefeita Marta Suplicy.

A conselheira N.A.B., representante dos trabalhadores, afirma:

[...] Considero que temos autonomia nas ações e deliberações das políticas implementadas e regimentadas pelo Ministério da Saúde, mas não temos autonomia endógena na fiscalização da política implementada por quem está na gestão do poder no momento, porque quem senta no Conselho é cooptado pela política, e aí não faz a fiscalização como deveria ser feita. É o caso que aconteceu no governo Marta, nossa autonomia foi jogada ao léu. Ela fingia que fazia e nós fingíamos que fiscalizávamos. Em momentos que tínhamos que ser mais críticos, mais incisivos. Bastava usar a Lei 8.142 e a legislação municipal. Se tivéssemos aplicado a Lei não teríamos deixado acontecer o que está acontecendo hoje. Não teria implantado nenhuma AMA, nem Organizações Sociais.

Muitos conselheiros apontaram que, para fazer valerem as deliberações do Conselho, é necessário recorrer ao Ministério Público, vinculando esse ato às questões de autonomia. No depoimento de L.A.F., conselheira representante dos usuários, podemos verificar com clareza esse fato:

O Conselho sempre brigou pela autonomia, é uma briga antiga. Quando as pessoas não dizem amém a tudo o que o governo propõe, ele se torna autônomo. Isso está diretamente relacionado à forma como somos tratados. Quando não somos

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respeitados recorremos ao Ministério Público, se somos respeitados resolvemos as questões conflituosas através da negociação.

A conselheira C.M.O., representante dos usuários, faz observações semelhantes quando diz que:

O Conselho Municipal de Saúde tem autonomia até o momento em que não precisa de homologação das suas ações. Se for uma resolução que propõe mudança, aí sim muitas vezes essa autonomia é questionada e precisamos recorrer ao Ministério Público.

O depoimento do conselheiro J.A.C., representante dos usuários, foi bem claro ao dizer:

[...] num governo que não respeita nada do que o Conselho faz, que não respeita as suas deliberações, temos que recorrer ao Ministério Público. Sentimos isso quando não aprovamos uma questão e somos desrespeitados. Daí, perguntamos: onde fica a autonomia do Conselho? Essa é uma discussão muito presente no dia a dia dos conselheiros, pois, quando não somos respeitados, recorremos ao Ministério Público para fazer valer nossos direitos.

Já a conselheira C.M.O., representante dos usuários, trouxe para a discussão a vinculação de alguns conselheiros a partidos políticos e a sindicatos, assim como a uma ideologia partidária.

Existiam alguns conselheiros ligados a parlamentares. Muitas vezes não era a fala de um conselheiro, mas a quem ele estava vinculado, se era um sindicato, ia pela visão do sindicato, se era a um partido, ia pela visão do partido a que estava ligado, e lá havia conselheiros ligados a diferentes partidos. Se era ligado a um parlamentar, defendia as propostas ligadas ao mandato que pertencia e assim por diante. Felizmente eram ligados a grupos de esquerda, o que não é ruim.

O conselheiro R.J., representante dos usuários, quando perguntado sobre a questão da autonomia, diz:

[...] Legalmente o Conselho deveria ter, porém ele não tem, porque não há respeito. Um momento em que isso ficou evidente foi durante a aprovação das Autarquias Hospitalares

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durante o governo da prefeita Marta Suplicy. Não houve consenso no Conselho sobre a aprovação, e o Secretário Eduardo Jorge, na época, levou o tema para ser aprovado na 11ª Conferência Municipal de Saúde. Esse debate já se dava contra as organizações sociais, porém o governo, na figura do Secretário Municipal de Saúde, faz essa jogada política. Daí, a gente não consegue entender. Negociação, de que adianta? Entende-se que é uma jogada política.

A conselheira I.B.P., representante dos trabalhadores, afirma:

O Conselho não tem autonomia, mesmo na gestão Marta Suplicy, pudemos vivenciar isso. Você sempre recebia algumas orientações vindas da própria administração, da Secretaria. Mesmo que você quisesse fazer de outra forma, você sempre tinha um conselheiro ao seu lado, você sempre tem um gestor lá para ver a sua disposição de negociar. Aí você tem que fazer ponderações, ou você leva para o seu segmento para discutir e avaliar a proposta, porque não era eu que estava dando a resposta, eu representava um segmento e não podia falar em meu nome, ou arcava com o júbilo de ter feito a escolha certa ou com a crítica de fazer algo errado. Paguei altos preços e algumas relações ficaram estremecidas. Expus-me muito com relação às Autarquias. Tivemos alguns companheiros que se colocaram até um determinado momento contra e na Conferência votaram a favor. Foi muito difícil resgatar a confiança. As Autarquias mexeram muito com a vida do trabalhador.

Outra conselheira, N.A.B., representante dos trabalhadores, entende que os instrumentos de gestão colaboram para o alcance da autonomia. Alguns instrumentos de gestão, como o PPA - Plano Plurianual, contribuem para garantir a questão da autonomia e ajudaram a melhorar a atuação do controle social.

Os depoimentos evidenciaram aquilo que nossa experiência questionava, o que mostra a importância da pesquisa científica. Constatou-se que o Conselho tem autonomia, mas não plena. Há necessidade de um amadurecimento, sendo que a participação deve crescer com o acúmulo adquirido ao longo da história. Tem de haver autonomia, em que pesem alguns vícios, e isso é muito propagado por aqueles que são contrários ao poder deliberativo do Conselho, encontrados na dependência político-partidária.

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É possível afirmar que há uma autonomia incompleta, e acreditamos que os vínculos partidários não são nefastos, desde que usados com ética e respeito pelos interesses da maioria, e mais, fazem parte da trama política. Negar a relação com o partido é negar a própria história da luta de classes.

A autonomia é um processo crescente e requer amadurecimento que só é adquirido com a prática, a crítica dela e a autocrítica. Não é uma questão que se resolve em curto prazo. Com relação à participação popular, podemos afirmar que ela foi intensa e busca superar os entraves políticos e burocráticos. Isso é um estímulo para que se continue esse processo de participação e um processo de longo aprendizado democrático.

Dos 16 conselheiros entrevistados, 13 responderam que a autonomia do Conselho é relativa, e apenas 1 (um) conselheiro respondeu que o Conselho possui autonomia e 2 (dois) responderam que ele não tem autonomia.

Segundo o conselheiro H.C., do segmento dos trabalhadores,

[...] o conselheiro pode ter todo o conhecimento do seu bairro, mas, se não tem noção de administração, aí não tem condições de aprovar ou desaprovar um ato administrativo. Se não tem conhecimento sobre saúde pública, sobre a política de saúde, aí fica na dependência de informações de terceiros e influências do ponto de vista político-partidário.

O conselheiro E.V.E., segmento do gestor, ao ser questionado se o Conselho Municipal de Saúde tem autonomia, afirma:

[...] Depende. Tem, mas nem sempre sabe usar. O Conselho tem que ser autônomo a partir do momento em que a política não influa nas decisões. Basta seguir a legislação. O Conselho tem que estar atento para não ficar amarrado às pressões externas, precisa ter essa maturidade. O conselheiro responde aos segmentos, mas tem que ter a clareza de dizer a ele o que está acontecendo, pois é o conselheiro que está sentado ali discutindo a política de saúde. Quando receber alguma pressão externa, deve ter a coragem de dizer o que está certo ou o que está errado. À época da Marta havia uma pressão grande sobre os conselheiros ligados à coligação do governo, sindicatos, movimentos e entidades ligados ao governo. Não

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que eu ache que o governo da Marta tenha feito tudo errado, pelo contrário, fez muitas coisas boas.

O conselheiro O.A.D., segmento do gestor, considera o seguinte a propósito da autonomia:

[...] À época em que fui conselheiro no governo Marta, a autonomia era relativa. Se hoje tem eu não sei, porque não estou acompanhando o Conselho Municipal de Saúde, me afastei. O Conselho tinha o seu Regimento Interno amplamente debatido, tinha as comissões técnicas e, sempre que solicitavam, tinham um profissional técnico para assessorá-los. Tinha local próprio de reunião, pessoal de apoio técnico e administrativo e contava com uma estrutura de funcionamento. À época o governo levava para discussão todas as políticas e propostas de governo, pelo que eu me lembro nenhuma proposta foi rejeitada, pode até ter sido modificada aqui ou ali, mas, de uma maneira geral, foram aceitas, apoiadas e aprovadas pelo Conselho.

A maioria dos conselheiros entrevistados, quando questionados sobre a autonomia, respondeu que o Conselho tem ou, se não tem, deveria ter. A maioria dos conselheiros afirmou que na gestão Marta Suplicy o Conselho teve mais autonomia e foi mais deliberativo; já na gestão Pitta não havia nenhuma autonomia. Porém, alguns conselheiros, principalmente os ligados ao segmento dos trabalhadores, afirmaram que tiveram problemas na gestão do governo Marta Suplicy, principalmente no momento em que foram aprovadas as Autarquias Hospitalares.

O conselheiro P.F.C., segmento dos trabalhadores, ao ser questionado sobre a autonomia, diz o seguinte:

[...] O Conselho tem autonomia, porém não consegue fazer valer suas deliberações, tendo que recorrer muitas vezes ao Ministério Público.

Com base na Lei 8.142, Artigo 1, parágrafo 2º, entende-se que é preceito legal o chefe do poder legalmente constituído, no caso, o Secretário Municipal de Saúde, homologar as decisões do plenário, que são materializadas em resoluções. Entretanto, o Secretário Municipal de Saúde não está subordinado ao Conselho Municipal de Saúde. Conforme se depreende desse artigo, há um aspecto

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contraditório que contribui para a falta de autonomia e independência do Conselho: na medida em que não existem instrumentos legais e eficazes para que o Conselho viabilize suas decisões ao Executivo, cria-se uma contradição, pois, não tendo autonomia e força de lei, é obrigado a recorrer ao Ministério Público.

Por outro lado, existe um entendimento por parte de representantes da sociedade civil de que o Conselho está acima do Secretário e de que suas decisões devem ser acatadas por este, superestimando assim o papel do Conselho. Outra questão relaciona-se à posição segundo a qual o Conselho possui amplos poderes para propor e controlar as políticas de saúde e ações do governo. Existem várias determinações para esse entendimento que não correspondem à realidade.

O titular da Pasta da Saúde, no exercício de um cargo de confiança, responde pela delegação de um mandato popular por meio da eleição do prefeito(a) que o nomeia. E o Conselho, igualmente representativo de uma base de eleitores dos diversos segmentos sociais que o compõem, tende a disputar legitimidade e hegemonia para suas proposições, contribuindo para a democratização do governo, consoante ao que se espera dos conselheiros.

Conforme afirma Bravo (2007:93), “os conselhos não podem ser nem supervalorizados, nem subvalorizados”. São fundamentais para o controle das políticas públicas, e devem ser percebidos “como uma das múltiplas arenas em que se trava a luta hegemônica no país”. A autora faz referência a Dagnino (2002:284), que afirma que “é um equívoco atribuir aos espaços de participação da sociedade o papel de agentes fundamentais na transformação do Estado e da sociedade”, devendo-se considerar a capacidade de negociação sem perda de autonomia, visando a ampliar a participação e construção de políticas públicas.7

Cabe, entretanto, destacar que a autonomia do Conselho requer constante articulação com a sociedade civil, esta entendida sob a perspectiva gramsciana. A sociedade civil é o espaço de luta de classes pela hegemonia e conquista de poder

7 Ver página 37 do nosso trabalho onde Bravo, 1996, trata dessa questão.

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político, não havendo distinção entre sociedade política e sociedade civil, ou seja, Estado e sociedade civil. As duas se unem organicamente (GRAMSCI, 1999:471).

A conselheira C.M.O., em seu depoimento, relata que a autonomia é uma das questões que o Conselho precisa amadurecer. No seu depoimento, diz que é um tema que está relacionado a fatores políticos:

[...] Para mim, é uma dificuldade política. O Conselho tem o papel de ser autônomo por conta das entidades, dos movimentos. Ele tem autonomia enquanto organização lá fora, como instituição. Porém, não tinha autonomia enquanto Conselho. Hoje tem mais. Sempre teve dificuldade.

A conselheira refere-se a uma autonomia formal, mas não real. Minha experiência e a pesquisa mostram que o Conselho possui uma autonomia relativa, porque está relacionada aos instrumentos que possui para alterar a realidade. Ele materializa suas ações por meio das resoluções, que devem ser homologadas pelo Secretário Municipal de Saúde. Ele não é um ente acima do bem ou do mal, é composto por diferentes segmentos que determinam o grau da sua autonomia. Entende-se que o Conselho formalmente é autônomo, mas na prática não existe uma autonomia plena.

Outra questão importante diz respeito à autonomia do conselheiro perante o seu segmento. Ficou clara a consciência dos conselheiros de que estão lá representando o segmento ao qual pertencem, e não a si próprios. Dentre os vários depoimentos destacamos o da conselheira I.B.P., que retrata bem essa questão:

[...] as questões mais polêmicas não eram acordadas em uma única reunião plenária. Ia para discussão com as entidades e com movimentos. Cada conselheiro discutia com mais pessoas para levar a decisão e depois fechar. Tivemos um Grupo de trabalho de saúde e, quando era mais complicado, chamávamos uma reunião extraordinária do Conselho para podermos levar a discussão para o Grupo de Trabalho e amadurecer a proposta.

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3.6 COMPARAÇÃO ENTRE AS GESTÕES CELSO PITTA E MARTA SUPLICY

3.6.1 Gestão Celso Pitta

A gestão do prefeito Celso Pitta foi, do ponto de vista ideológico, “de direita”, um governo conservador que se baseou na centralização do poder, caracterizado pelo desrespeito à sociedade civil e ao mecanismo conselhal de gestão participativa.

O Conselho Municipal de Saúde enfrentou vários embates nesse governo, a começar pela luta pelo espaço, conforme podemos constatar no depoimento da conselheira L.A.F., representante dos usuários, ao referir-se às deliberações do Conselho que representaram avanços para a política municipal de saúde.

[...] a conquista do espaço para o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo. Os governos Maluf/Pitta, eles fecharam tudo. Nós ficávamos com as caixinhas de papelão procurando um lugar para nos reunirmos. Fizemos uma ação no Ministério Público Estadual, o governo recorreu, ficamos mais de um ano para ganhar em primeira instância. As deliberações não eram acatadas, e a gente entrava novamente com ação no Ministério Público. Uma das primeiras deliberações era aquela das escadarias, na época nos reuníamos no hall da escadaria da Secretaria Municipal de Saúde. Ela foi julgada na 9ª Vara Judicial. Nós ganhamos e eles recorreram, daí ficou mais um ano e pouco para ser julgada. Como estávamos em época de transição, ficamos esperando o julgamento. Lembro-me que a Marta já tinha ganhado as eleições e um dia o Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Saúde, o Dr. Paulo Carrara, nos falou da ação, disse que tínhamos ganhado há meses e o governo anterior não havia nos falado. Havíamos ganhado em junho de 1999. Ficamos sabendo somente quando o PT ganhou as eleições. Daí conseguiu todo o espaço que temos hoje, é um direito garantido por lei.

Essa conquista pode ser comprovada na fala do Secretário Geral do Conselho à época, segundo Ata da 15ª Reunião Ordinária, de 17 de fevereiro de 2000:

[...] gostaria de dizer que, dentro da pasta de vocês, existe também um projeto de área física do Conselho. Nós estamos

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ampliando para criar as condições, pedimos mil desculpas pela reunião ter sido feita aqui. O projeto da reforma atrasou um pouco no 4º andar [...] os conselheiros vão estar sentados todos em torno da mesa, nós vamos ter melhores condições de trabalho, nós estamos também terminando de montar a equipe do Conselho, nós estamos criando uma boa estrutura funcional de apoio aos conselheiros e a gente pode dispor disso.

A conselheira L.A.F., representante dos usuários, ao falar daquele período, relata ainda:

O Conselho eleito democraticamente continuou funcionando, mas nós não tínhamos espaço para reunião. Nós éramos muito unidos. Nossas reuniões eram em espaços cedidos pelas entidades parceiras, como o Sindicato dos Médicos, havia um Sindicato na Rua Brigadeiro Luís Antônio, na Câmara Municipal de São Paulo, nos reuníamos também na Secretaria de Estado da Saúde, na Avenida Dr. Arnaldo. Fazíamos visitas e fiscalização nos equipamentos de saúde e nos Hospitais. Íamos com representantes dos Conselhos de Fiscalização de Ética Profissional, representando os trabalhadores e representantes dos usuários. Lembro que essas visitas eram muito importantes, pois denunciávamos o descaso que havia com a política de saúde, a falta de funcionários e equipamentos, entre outras coisas. Fizemos uma visita ao Hospital em Itaquera, o antigo Hospital Planalto, hoje Waldomiro de Paula. Nós entramos e ficamos trancados em uma sala por 4 horas esperando autorização da Secretaria de Saúde para fazer a visita. Quando veio a autorização, foi somente para os profissionais do Conselho de Fiscalização e Ética, nós usuários não estávamos autorizados. Argumentamos que os profissionais estavam como conselheiros municipais, e não como Conselho de Fiscalização, reforçamos que nós todos estávamos lá como Conselho Municipal. Daí entramos novamente com um mandato de segurança para poder visitar os equipamentos. Fizemos também uma visita no Hospital Nova Cachoeirinha. Lá vimos várias irregularidades e encaminhamos para o Secretário Municipal de Saúde, que não tomou providências. Esperamos o prazo e fizemos nova resolução. Ele não deu satisfação para o Conselho. Depois de algum tempo veio um questionamento do Ministério Público sobre a morte, não me lembro ao certo, mas eram uns 21 bebês. Nós estávamos respaldados, tínhamos relatórios de visitas e respondemos ao Ministério Público que o Conselho Municipal de Saúde havia cumprido o seu papel e que a Secretaria Municipal de Saúde não havia cumprido o dela.

Foi um período muito rico na história do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo em conjunto com o movimento de saúde, o movimento social, entidades sindicais, Conselho de Ética e Fiscalização do Exercício Profissional e demais

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movimentos da sociedade civil. Terminada a gestão da prefeita Luiza Erundina, em que foi constituído, passou por esse período de enfrentamento na gestão do prefeito Celso Pitta, que, de certa forma, contribuiu para a unificação da luta e defesa do SUS no município, consolidando-se para o exercício do controle social e para o cumprimento da finalidade de sua criação.

O desrespeito ao Conselho democraticamente eleito levou o órgão a reunir todas as forças da sociedade civil e serviu como cimento na unificação do próprio Conselho, que, após grandes embates com o apoio da sociedade civil, do Ministério Público, do Conselho Nacional de Saúde e dos Tribunais de Justiça, conseguiu derrotar a política de Saúde do então prefeito, abrindo novos caminhos para uma nova política de saúde.

Conforme o depoimento da conselheira L.A.F.,

[...] a postura autoritária do governo e o desrespeito ao Conselho Municipal de Saúde contribui para a sua derrota eleitoral nas eleições de 1999 e para o fim do PAS.

Os conselheiros entendem que todas as ações do Conselho na época podem ser consideradas como avanço e que não houve retrocesso. Segundo a mesma conselheira, “qualquer coisinha que fazíamos era uma vitória. Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance”. Entendem ainda que a principal contribuição do Conselho à política de saúde no município de São Paulo foi o fato de ter provado judicialmente e perante a opinião pública que o Conselho criado pelo prefeito era apenas formal. Fora criado no sentido de cumprir os parâmetros legais, com a finalidade de receber recursos do SUS.

No que se refere à contribuição do Conselho Municipal de Saúde durante a gestão Pitta, os conselheiros afirmam que o Conselho contribuiu para o fortalecimento do SUS no município principalmente por ter impedido o repasse de recursos federais e por ter provado para a opinião pública que o Conselho biônico era apenas formal e existia no sentido de receber os recursos do governo federal, sem a participação social.

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Durante a gestão Pitta, não consideram que o Conselho cometeu erros nem equívocos. A mesma conselheira diz ainda:

[...] Fizemos tanta coisa, pode ser até que erramos, mas se houve erros eu não vejo. Dificuldade de ordem técnica não teve, porque o governo não apresentava nada para discussão. O movimento de saúde da Zona Leste realizava cursos de formação e nós buscávamos formação constantemente. Tínhamos muita assessoria.

A propósito, Bógus (1998:12) afirma:

Conscientes disso, as dirigentes do Movimento de Saúde da Zona Leste, que desde a década de 70 vêm se formando politicamente, de modo informal, através da prática do Movimento, têm se preocupado em ampliar essa formação entre militantes, que poderiam assumir o papel de Conselheiros de Saúde. Os cursos de formação política para conselheiros, planejados e executados pelo Movimento de Saúde da Zona Leste entre 1987 e 1992, foram um conjunto de práticas educativas adotadas pelo mesmo Movimento, para estender a formação a novos membros. Foi uma estratégia política e educacional para o desenvolvimento de uma ação junto aos Conselhos mais propositiva do que fiscalizadora, identificando e lidando com conflitos, confrontos e dúvidas existenciais e, com isso, fazendo face às possíveis ações de cooptação e manipulação.

As questões referentes às dificuldades de ordem técnica e política apontaram que, no período da gestão do prefeito Celso Pitta, o Conselho não apreciava questões de ordem técnica, em decorrência da não apresentação por parte do governo. Foi um período em que ocorreram embates de ordem política, visto que havia forte mobilização da sociedade civil pela retomada do Sistema Único de Saúde na cidade de São Paulo.

O conselheiro H.C. afirma o seguinte:

[...] havia dificuldade de ordem técnica e política. Política porque não se respeitava a discussão democrática, o poder deliberativo do Conselho. Na época do Pitta não havia debate democrático, a participação popular não existia. O Conselho criado pelo governo aprovava o que as Cooperativas exigiam.

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Já o conselheiro P.F.C. faz uma análise que vai além da gestão do período em questão. Considera que existe uma dificuldade do conselheiro em entender o papel do controle social.

[...] é preciso ler o orçamento do ponto de vista do conselheiro, pois a peça orçamentária é algo que nem o Secretário consegue ler. Para isso existem economista, contador, pessoal do financeiro. Os conselheiros queriam ler o orçamento como técnicos.

Compreende-se que é importante que o Conselho desenvolva itens que se queira acompanhar no orçamento. Existe uma dificuldade muito grande em entender o seu papel articulador entre demanda e oferta. Os conselheiros consideram que o mais importante é fiscalizar o Executivo. No entanto, o mais importante é trabalhar as demandas dos usuários do serviço de saúde e a oferta de serviços, atentos e críticos à agenda de investimentos e ao plano municipal de saúde, observando possíveis desvios de recursos e se o plano está sustentado no orçamento e no plano de investimentos.

Existem vários órgãos para acompanhar os recursos de custeio da Secretaria Municipal de Saúde, como o Denasus, Tribunal de Contas do Município, Ministério Público, CGU - Controladoria Geral da União, que têm essa responsabilidade. Isso não quer dizer que o Conselho Municipal de Saúde não possa perceber e fazer uma denúncia sobre um gasto mal feito ou sobre algum desvio, mas quem verifica se os planos de governo estão sendo sustentados no orçamento do ponto de vista de investimento aplicado são os Tribunais de Contas do Município e da União.

3.6.2 Gestão Marta Suplicy

Na gestão da prefeita Marta Suplicy, iniciou-se o processo de implantação do SUS, que foi marcado pela reconstrução da Política Municipal de Saúde após o desmonte ocorrido no governo anterior, o atraso histórico deixado para a cidade de São Paulo e a desorganização dos serviços. Assim, tornaram-se necessárias novas

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medidas para a implantação do SUS no município – e, para tanto, foram adotados procedimentos de transição do sistema de cooperativas – e a rearticulação da participação popular e do controle social.

A reorganização da saúde no município partia das seguintes prioridades: reconstrução da SMS; a modernização gerencial; os distritos sanitários da saúde; a municipalização; e a implantação do (PSF) Programa de Saúde da Família. Inicialmente, a atenção se dirigiu ao Programa de Saúde da Família, que tinha como foco a reorganização da atenção básica no município. A partir dessas premissas, buscou-se a implementação dos princípios básicos do SUS, ou seja, a universalidade, a igualdade, a equidade e a integralidade das ações, para assim colocar em sintonia as políticas municipal e nacional de saúde, e a implantação de cinco Autarquias Hospitalares para a reorganização da Rede Hospitalar.

A conselheira F.I.C., representante dos usuários, ao falar sobre as deliberações do Conselho Municipal de Saúde que representaram avanços na política de saúde, diz o seguinte:

[...] uma das primeiras ações foi a anulação do PAS. A questão da aprovação dos planos de criar as Autarquias, embora a gente tivesse problemas, acho que foi importante. O governo não deu a devida importância às Autarquias, teria que ter jogado um peso maior para que nós pudéssemos fazer a defesa das Autarquias. Era uma proposta boa, porém abriu brecha para que o governo do José Serra e do consolidasse as Organizações Sociais no município. O governo da Marta priorizou muito mais a Atenção Básica de Saúde do que os Hospitais e nós do movimento também. Temos que fazer essa autocrítica. Era um momento para termos entrado mais para dentro. Não conseguimos perceber isso, só percebemos quando a gestão terminou. Nessa gestão houve a criação da Lei dos Conselhos Gestores, e o Conselho Municipal de Saúde contribuiu muito. Outra iniciativa importante foi a criação dos PSF.

A conselheira destaca como relevante a anulação do PAS e foca-se na questão das Autarquias Hospitalares. Afirma que houve problemas, como já apontamos anteriormente, relacionados à gestão das Autarquias, destacando que o governo priorizou as ações da Atenção Básica de Saúde mediante a implantação do PSF e não dispensou o devido cuidado à Rede Hospitalar.

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Nesse sentido, a mesma conselheira aponta como retrocesso e como um equívoco do CMS a entrega dos serviços a diversos parceiros sem unidade programática e sem o devido controle social:

[...] a gente acabou deliberando e hoje percebe que entregar a cidade a vários parceiros foi um retrocesso. Retalhou a Secretaria e isso não foi bom para o controle social. Os parceiros para o PSF continuam praticamente os mesmos até hoje. A parceria é diferente da Lei das Organizações Sociais que hoje fazem a gestão da saúde em São Paulo. As parcerias começaram na Marta, não que esteja errado. Foi muito diferente, tinha parceria, mas quem fazia a gestão era a Prefeitura. Porém, deu brecha para retalhar a cidade. Mesmo na gestão da Marta tinha diferenças de salários, cada parceiro pagava um salário. Acabou com o PAS, mas entregou a diversos parceiros sem ter uma política de que todos os trabalhadores trabalhassem e recebem iguais. Acabou com o PAS, mas tinha que ter organizado a cidade primeiro, os serviços e naquele momento foi o PSF. Temos que falar o que há de positivo, mas não podemos deixar de fazer as críticas. Entregou para vários parceiros sem ter uma política igual, cada um trabalhava de um jeito.

A conselheira I.B.P., representante dos trabalhadores, ressalta a importância da descentralização dos serviços de saúde, destacando o papel do Conselho Municipal de Saúde na aprovação da medida:

[...] essas deliberações foram importantes para ajudar a reconstruir o SUS no município e mexeram não só com os usuários, mas com todos os segmentos, que foram a criação das Supervisões de Saúde para trabalhar com a realidade de cada região e o investimento na organização do controle social com a eleição dos representantes de todos os segmentos para as Supervisões de Saúde e das Unidades Básica de Saúde. Outra questão que eu não poderia deixar de ressaltar foi a importância dada para a organização, formação e capacitação dos trabalhadores para o controle social.

Ao referir-se aos retrocessos, a mesma conselheira afirma:

[...] uma das coisas que não sai da cabeça enquanto história e o desenvolvimento dela estão se dando agora é que, com o fim do PAS, o governo Marta terceirizou alguns setores da área da saúde, como a área técnica de apoio e diagnóstico terapêutico, laboratório, banco de sangue, raio x, gasoterapia e eletrocardiograma, dando abertura para que houvesse agora uma expansão grande no processo de privatização,

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terceirização e parcerias. Outra questão que incomodou muito foi que, quando sentimos um pouco de segurança e alegria, quando o governo, assim que tomou posse, pouco tempo depois, publicou a realização de um concurso público, nos sentimos contemplados, logo em seguida tomamos conhecimento de que as contratações seriam em regime de trabalho diferente. CLT para os funcionários da Rede Hospitalar e regime estatutário para os funcionários da Atenção Básica.

O que esse depoimento revela é o descontentamento de alguns representantes dos trabalhadores e usuários com relação ao regime de Autarquias Hospitalares, que gerou formas de relação de trabalho diferenciadas para a rede e a passagem para parceiros do gerenciamento dos PSF, sendo que alguns conselheiros atribuem ao governo Marta o início do processo de terceirização e, consequentemente, a abertura de espaços para a privatização dos serviços de saúde. Podemos constatar isso no depoimento da conselheira N.A.B., que diz:

[...] um dos retrocessos foi deixar passar a lei das Organizações Sociais. Deixou caminho aberto para o que está acontecendo. Deixou brecha para que o governo José Serra e Gilberto Kassab consolidasse a privatização da saúde através das Organizações Sociais.

As Organizações Sociais na Saúde são objeto da Norma Operacional Básica de 1996 e da Lei Federal nº 9.637 de 1998, no âmbito da Reforma de Estado de Bresser Pereira e da Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000.

Segundo Junqueira (2002:25), a NOB/96 e as Leis federal e municipal sobre as Organizações Sociais criam mudanças estruturais no financiamento e nas relações de trabalho do SUS por meio de dois subsistemas:

a - “Subsistema” de atenção básica, executada por meio do Programa de Saúde da Família (PSF), e baseado na atenção simplificada dirigida aos pobres. Este “subsistema” compraria serviços das OS, que compõem o segundo subsistema; b - “Subsistema” de atenção hospitalar, centrado nas internações e procedimentos de alta complexidade, no interior do qual as OS competem entre si para prover serviços de “menor custo e melhor qualidade”.

No município de São Paulo, o Programa de Saúde da Família é gerenciado por parceiros mediante fundações e organizações sociais. Segundo a autora, sob

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essa lógica, o município teria condições de agilizar a contratação de funcionários sem a necessidade de concurso público, somente mediante processo seletivo, de contar com um processo de compras “mais ágil e menos corrupto” e cobranças de metas por meio de contrato de gestão.

É preciso ressaltar que a atenção básica prevê a promoção, prevenção, educação e atenção primária à saúde.

Em seu depoimento, a mesma conselheira manifesta ainda seu entendimento sobre as Organizações Sociais:

[...] ao deixar que o governo implantasse as OS, perdeu-se o controle e o compromisso da assistência e da promoção da saúde e o controle social, porque quem fiscaliza e quem produz? Começou não fiscalização, um dos elos da fiscalização e o controle dos serviços prestados.

A conselheira N.A.B. não critica o posicionamento do Conselho à época. Entende que o Conselho agiu de forma correta ao aprovar as Autarquias e o regime de parcerias com as entidades, pois o momento exigia união entre o governo e a sociedade civil.

Já a conselheira F.I.C. diz o seguinte:

[...] o PSF teve uma repercussão grande na cidade e foi um avanço na questão da Atenção Básica. Quando o Conselho deliberou as equipes do PSF, foi por conta do investimento na Atenção Básica, porque era uma forma de conseguir investimento na Atenção Básica, porque o governo estava em reconstrução e era uma forma de dar atenção à saúde e era uma melhor forma de dar atenção à saúde. Com relação às Autarquias, nos deliberamos porque havia muitos problemas nos Hospitais e achamos por bem aprovar a implantação das cinco Autarquias.

A conselheira entende que não houve retrocesso na política de saúde, mas afirma que, se houve, foi no sentido de reorganizar os serviços no município. Segundo ela,

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[...] as deliberações do Conselho nunca representaram retrocesso enquanto política. Se houve retrocesso foi na forma de organizar os serviços na cidade, por exemplo, o PSF. Com relação às Autarquias, elas tinham que dar conta da demanda do seu território, porque antes tinha um projeto de que as UBS é que deveriam atender a população. Porém, elas não davam conta de atender a população, porque não tinha profissionais de saúde, principalmente médicos. Daí a população acabava indo procurar os hospitais, que ficaram superlotados, porque as UBS passaram a não funcionar.

Com relação à participação da sociedade civil no governo, o Conselho Municipal de Saúde, durante o período, chegou a mais de 300 conselhos distritais, locais, de autarquias e outros. De 30 conselheiros, passou para mais de 4 mil. Foram realizados diversos cursos de formação de conselheiros para a atuação nos Conselhos Gestores de Saúde e no Conselho Municipal de Saúde.

O conselheiro E.J.P., ao referir-se ao controle social no período, afirma que “[...] no governo da Marta houve mais controle social, já no governo Pitta tivemos muitos problemas”.

Conforme atas do Conselho Municipal de Saúde, o PSF foi aprovado em abril de 2001, com um voto a mais que o número necessário. Com relação às Autarquias Hospitalares, a aprovação se deu na XI Conferência Municipal de Saúde, realizada em 06 de novembro de 2001, por 70% de votos favoráveis e 30% contrários. A Conferência contou com aproximadamente 2.000 delegados. Após sua aprovação, foi transformada em Lei, na Câmara Municipal de São Paulo.

Conforme relatório de gestão (2004), a Secretaria de Saúde, à época, contava com 75% de Conselhos Gestores nas Unidades de Saúde, sendo que os planos municipais foram analisados e aprovados pelo Conselho Municipal de Saúde, demonstrando assim o respeito à participação popular na elaboração e fiscalização das políticas públicas de saúde.

Sobre esse assunto, os conselheiros afirmam que o governo fortaleceu o controle social e o movimento popular de saúde, mediante a lei de criação dos Conselhos Gestores de Saúde, fortalecendo assim o SUS. Com relação a dificuldades de ordem técnica, a maioria respondeu que todas as propostas eram

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levadas para discussão no Conselho Municipal de Saúde e que a maior parte dos conselheiros encontrava dificuldades para interpretar leis e orçamento.

A mesma conselheira diz ainda que:

[...] havia dificuldade de compreensão das leis. Esse conhecimento da legislação teria ajudado e muito. Naquela época poucas pessoas tinham conhecimento da legislação e havia várias interpretações. Cada conselheiro com sua formação acabava tendo divergência entre si. Hoje sabem interpretar.

Com relação às expectativas quanto ao governo democrático-popular, podemos afirmar que:

1. A transição do PAS para o SUS foi feita sem condições. Acertou no conteúdo, mas errou na forma pela qual os serviços foram implantados. As parcerias não tinham unidade programática e não havia controle social. 2. A aprovação das Autarquias Hospitalares se deu mediante pressão do Secretário Eduardo Jorge, que conduziu e sustentou sua aprovação para a Conferência Municipal de Saúde. 3. As parcerias criaram regimes de trabalho diferenciados, em que se instaurou a falta de isonomia salarial. 4. A implantação das Organizações Sociais contribuiu para a consolidação do regime no município pelas gestões futuras; 5. No governo popular a “cobrança” por parte do Conselho Municipal foi menor por ser um governo historicamente aliado do controle social.

No que diz respeito à postura do Conselho Municipal de Saúde, podemos notar que no governo conservador prevalece o denuncismo, enquanto no governo popular o Conselho Municipal “baixa a guarda”, por conta do projeto político partidário que neutraliza a combatividade tanto do movimento como do Conselho Municipal de Saúde.

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O governo Marta tinha como aliados históricos os movimentos sociais e os trabalhadores, bem como a trajetória de luta pelo processo de democratização do país e democratização do Estado por intermédio da participação popular.

Finalmente, em face das constatações e das evidências coligidas pela pesquisa, cabe retomar a hipótese do presente trabalho: Os Conselhos de políticas públicas, em geral, e o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, em particular, são, em princípio, espaços vazios que podem ser ocupados de diferentes formas e com distintos conteúdos. Sob essa perspectiva:

1) O Conselho Municipal de Saúde pode constituir-se em instrumento de efetiva luta democrática por avanços e conquistas no âmbito da Política de Saúde, mas pode, por outro lado, reduzir-se a instrumento de cooptação dos segmentos da sociedade civil ali representados, em prejuízo do controle social.

2) Os segmentos da sociedade civil representados no Conselho tendem a alterar o perfil do controle e da fiscalização, adotando posturas de apoio às gestões consideradas democrático-populares, em prejuízo de sua autonomia.

A pesquisa apontou que no governo conservador o Conselho vivenciou o período mais rico da sua história, conseguindo mobilizar diversos setores da sociedade civil, derrotando, assim, a política de saúde implementada, contribuindo para a derrota eleitoral do governo nas eleições seguintes. Já na gestão democrático-popular, pudemos constatar que houve momentos de cooptação por parte do governo, que contava com os segmentos ali representados para respaldar a sua política. Foi um governo que ampliou os espaços de participação popular e implantou os Conselhos Gestores nas Unidades Básicas de Saúde, fortalecendo assim o controle social.

A análise do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo requer um estudo mais aprofundado das classes sociais e do projeto político a que os segmentos representados estão vinculados. Entendemos que o posicionamento do Conselho deveria ir além das questões político-partidárias, mas, se seguirmos essa lógica, estaremos concebendo o Conselho como um órgão neutro, desvinculado de

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questões políticas, partidárias e ideológicas. Aliás, a dinâmica do Conselho mostra diferentes momentos conjunturais que requerem posicionamento político, mesmo que na construção de políticas pontuais ou de alcance limitado, que não chegam a produzir mudanças mais profundas na sociedade.

Admitida a não neutralidade político-ideológica dos integrantes do Conselho, há, então, de se reconhecer e valorizar, no seu interior, a disputa por hegemonia em favor de propostas para a área da saúde que sejam informadas e impulsionadas por valores e desafios de um projeto societário radicalmente democrático, sob a perspectiva da justiça social.

Considerando que vivemos em uma sociedade dividida em classes sociais antagônicas, não é possível analisar o controle social somente do ponto de vista da legislação, pois o mote passa por questões mais profundas do funcionamento da sociedade e sua relação com o Estado.

A noção de Estado abrange sociedade civil e política, assegurada a hegemonia de uma classe sobre a outra. Para Gramsci (1999:471), não existe distinção entre Estado e Sociedade Civil. O conceito de sociedade civil tem uma dimensão política, ou seja, espaço de luta de classe por hegemonia e conquista do poder político por parte das classes subalternas.

A partir dessas considerações, pode-se afirmar que não existe neutralidade política e que a sociedade civil não é homogênea, mas um espaço de confronto de interesses contraditórios, de setores que representam interesses do capital e do trabalho, a partir de um potencial transformador. Nela se processa a organização dos movimentos sociais, que representam os interesses das classes subalternas.

Assim, podemos dizer que o controle social não é do Estado ou da sociedade civil, mas das classes sociais. A partir dessa concepção de Estado, quando incorpora as demandas das classes subalternas é que se abre a possibilidade de o Estado ser controlado por essas classes, a depender da correlação de forças existente entre os segmentos organizados.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo traz elementos para a compreensão do controle social da saúde no município, nos aspectos relativos à participação social e política no âmbito do SUS - Sistema Único de Saúde.

Este estudo teve como objetivo caracterizar e analisar a estratégia conselhista na área da Política de Saúde de São Paulo, comparando as gestões Celso Pitta (1997-2000) e Marta Suplicy (2001-2005), buscando apreender as relações entre os governos e o Conselho Municipal de Saúde.

As lutas populares pela redemocratização do país e pela participação da sociedade civil junto ao Estado e a mobilização da sociedade em favor da saúde pública asseguraram, na Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde como uma política de inclusão social, como dever do Estado e direito do cidadão, garantindo também os mecanismos de participação da sociedade civil nos processos decisórios por meio dos Conselhos de Saúde. Assim, a participação social na área da saúde se deu com as lutas que antecederam o processo constituinte, efetivando- se nas gestões progressistas.

Consideramos importante entender a relação do Conselho com o movimento de saúde da Zona Leste, dada a sua importância na formação e constituição do Conselho, que desde a sua origem busca a democratização e ampliação dos canais de participação da sociedade civil.

O estudo possibilitou compreender como se deu o controle social da política de saúde no município de São Paulo e seu posicionamento nas duas gestões examinadas, identificando a tendência tanto dos movimentos sociais e populares de saúde como do Conselho Municipal em alterar o grau e a natureza da participação em gestões democrático-populares.

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Buscamos entender como se dá a participação social em espaços institucionalizados, e se essa institucionalização interfere no controle social. Os conselheiros municipais são sujeitos sociais com papel estratégico na fiscalização, formulação e deliberação da Política Pública de Saúde. Porém, o desafio a ser enfrentado requer que o Conselho supere os limites entre função consultiva e deliberativa – aliás, em alguns momentos, pareceu mais consultivo do que deliberativo. Como vimos, a questão da autonomia aparece como um dos limites impostos ao Conselho e está relacionada à orientação política de cada governo e à relação política dos membros do Conselho com o gestor.

O presente estudo mostrou como o Conselho se comporta diante das diferentes conjunturas que favorecem ou não uma prática de contestação ou de adesão, conforme o projeto societário em disputa. Possibilitou também um entendimento dos próprios limites da democracia participativa, a partir dos arranjos institucionais e burocráticos do Estado.

Os instrumentos de participação direta da sociedade civil no exercício do poder político destacam a soberania popular como princípio essencial da democracia participativa, pois não bastam apenas direitos políticos, faz-se necessária também a conquista de direitos sociais. Impõe-se, nesse caso, que os avanços na participação popular adentrem os espaços estatais e ampliem não só a participação institucional, mas ainda criem condições de organização autônoma. Trata-se, portanto, de atuar ao mesmo tempo em duas vertentes, na via institucional e na criação de mecanismos que vinculem essa luta à participação e organização autônoma da população, que servirá não apenas como forma de conquista de direitos, mas principalmente como espaço de organização e fortalecimento dos movimentos.

Dessa forma, a articulação permanente com a sociedade civil é uma das tarefas do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, além de sua competência legal.

Com base nessa análise da construção da democracia participativa, identificamos avanços e recuos das qualidades e limitações que regem essa dinâmica, que tem desdobramentos nas atuais formas de representação

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participativa. O estudo possibilitou a compreensão de que a consolidação da participação não é um fato pré-determinado, possuiu avanços, recuos e, às vezes, desvios, que devem ser estudados profundamente para que possamos aprender com as falhas decorridas no processo e aprimorar as formas de organização e lutas sociais e democráticas.

As informações coligidas demonstram que o Conselho Municipal de Saúde tem o desafio de fiscalizar e formular políticas públicas e, por outro lado, incorporar- se às demandas institucionais. A atuação institucional no Conselho, por vezes, ocupa espaços de uma agenda política e de organização dos movimentos sociais, afastando-os, assim, do processo autônomo de organização e lutas do movimento.

Nesse sentido, observamos que essa participação deve estar vinculada às organizações populares para que se tenha uma maior sustentação da sociedade civil junto ao Estado, que, por ser detentor do poder jurídico, institucional, exerce coerção no sentido de desmobilizar o controle social, pois tem a hegemonia de classe e estabelece uma relação desigual com o Conselho, em disputa pela hegemonia política no controle social.

Buscou-se, com esta análise, subsidiar de forma crítica os avanços da participação política nesses espaços, chamando a atenção para questões que envolvem a dinâmica das relações entre governo e sociedade civil e o cotidiano do Conselho Municipal de Saúde, além das tensões e contradições existentes no exercício do controle social. Este pressupõe negociação entre a sociedade civil e o governo na busca de consensos para a construção da política pública de saúde.

O estudo mostrou a importância de repensar o controle social na saúde, concebendo o Estado como arena de expressão e confronto de posições que, embora – no caso em análise – circunscritas ao âmbito da Política de Saúde, vinculam-se a projetos societários mais amplos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS

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ANEXOS

ANEXO 1 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, Antônia Conceição dos Santos, por meio deste termo de consentimento livre e esclarecido, convido-o(a) a participar como voluntário(a) da Pesquisa “Conselho Municipal de Saúde de São Paulo”, que tem como objetivo desenvolver uma reflexão sobre a estratégia conselhista do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, comparando as gestões de Celso Pitta e Marta Suplicy, desenvolvida por mim, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC, para o meu projeto de Pesquisa de Mestrado, orientado pelo Professor Doutor Ademir Alves da Silva. O objetivo é caracterizar e analisar a estratégia conselhista, comparando as gestões, de modo a identificar as relações entre o Conselho e o Movimento de Saúde da Zona Leste, dada a importância deste na gênese daquele, e comparar as composições e o desempenho do Conselho nas gestões estudadas, apontando as respectivas contribuições para fortalecer ou diluir pactos e políticas em favor da garantia do direito universal à saúde, concebida como bem público. A sua colaboração é voluntária, por meio de resposta a um questionário após sua autorização consentida. Durante todo o período da pesquisa você tem o direito de tirar qualquer dúvida ou pedir qualquer outro esclarecimento sobre o projeto de pesquisa, bastando para isso entrar em contato com essa pesquisadora pelo e-mail [email protected], telefone 11 25484943 ou 87966582. Poderá também entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa para esclarecimentos de dúvidas sobre questões referentes à ética ou denúncias, situado à rua General Jardim, 36, Vila Buarque, fone 33972464, e-mail [email protected]. A pesquisa não oferece riscos e você poderá retirar-se a qualquer momento sem sofrer danos ou prejuízos de qualquer natureza ou constrangimento. O acesso e análise dos dados coletados serão efetuados pela pesquisadora e seu orientador, sendo que as informações dessa pesquisa serão confidenciais e serão divulgadas apenas em eventos ou publicações científicas, não havendo identificação dos voluntários, a não ser entre os responsáveis pelo estudo, sendo assegurado o sigilo sobre a sua participação. Asseguro que a utilização das informações obtidas mediante as análises documentais e entrevistas estão de acordo com as exigências estabelecidas pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa/CONEP do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/96, cap. IV. A pesquisa contribuirá para o fortalecimento e aprimoramento do controle social no Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, bem como para a participação popular e o exercício da cidadania. São Paulo, 18 de abril de 2012.

______Pesquisador Responsável Sujeito da Pesquisa

119

ANEXO 2 - ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

ROTEIRO PARA ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

1 - Mencione três deliberações do Conselho que, a seu ver, representaram avanços na Política Municipal de Saúde. 2 - Mencione três deliberações que, a seu ver, representaram retrocesso na Política de Saúde. 3 - Qual foi a principal contribuição do Conselho à Política de Saúde no município de São Paulo no período em que exerceu seu mandato? 4 - Quais foram os principais equívocos e erros? 5 - Houve perdas? Quais? 6 - As dificuldades foram de ordem técnica ou política? Quais? 7 - No seu entendimento, o Conselho influenciou as decisões da Política de Saúde? 8 - Diante do segmento que representou, havia autonomia para aprovar as deliberações? 9 - Você considera que o CMS tem autonomia? Dê exemplos.

120

ANEXO 3 - QUESTIONÁRIO

QUESTIONÁRIO

1. IDENTIFICAÇÃO

NOME:______

IDADE: ______

OCUPAÇÃO: ______

CONSELHEIRO: ( ) SUPLENTE ( ) TITULAR

2. REPRESENTAÇÃO

( ) GOVERNO ( ) SOCIEDADE CIVIL ( ) SEGMENTO

3. GESTÃO

( ) MARTA SUPLICY ( ) CELSO PITTA

4. QUANTOS MANDATOS EXERCEU?

1º ______ANO______

2º______ANO______

3º______ANO______

4º______ANO______

5º______ANO______