Revista III-3(Pronta)

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Revista III-3(Pronta) Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação www.eptic.he.com.br Vol.III, n.3, Sep/Dic 2001 A concentração da propriedade de meios de comunicação e o coronelismo eletrônico no brasil Israel Fernando de Carvalho Bayma 1 A literatura política brasileira tem utilizado o termo coronelismo como uma forma peculiar de manifestação do poder privado, com base no compromisso e na troca de proveitos com o poder público. A ciência política trata como coronelismo a relação entre os coronéis locais, líderes das oligarquias regionais, que buscavam tirar proveito do poder público, no século XIX e início do século XX e não há como deixar de se associar esse termo aos atuais impérios de comunicação mantidos por chefes políticos oligárquicos, que têm, inclusive, forte influência nacional. O compadrio, a patronagem, o clientelismo, e o patrimonialismo ganharam, assim, no Brasil, a companhia dos mais sofisticados meios de extensão do poder da fala até então inventados pelo homem: o rádio e a televisão. Constituindo-se em um dos traços determinantes do atual poder oligárquico nacional, a posse de estações de rádio e de televisão por grupos familiares e pelas elites políticas locais ou regionais é o que se convencionou chamar de coronelismo eletrônico.2 Instrumentos de poder e de troca de favores e interesses, as concessões de rádio e televisão têm servido, no Brasil, como moeda de troca entre o Governo Federal e o setor privado. Entre 1985 e 1988, o então Presidente Sarney concedeu um grande número de licenças de emissoras de rádio e TV para empresas ligadas a parlamentares federais, os quais ajudaram a aprovar a emenda que lhe deu 5 anos. Já na era Fernando Henrique Cardoso, até setembro de 1996, foram autorizadas 1.848 licenças de RTV, repetidoras de televisão, sendo que 268 para entidades ou empresas controladas por 87 políticos, todos favoráveis à emenda da reeleição. 1Engenheiro Eletrônico. Trabalho desenvolvido como Assessor Técnico da Bancada do PT na Câmara dos Deputados em 27 de novembro de 2001. 2STADNIK,Célia A hipótese do fenômeno do Coronelismo Eletrônico e as ligações dos parlamentares federais e governadores com os meios de comunicação de massa no Brasil. Porto Alegre, Curso de Jornalismo, PUC/RS, mimeo, 1991. 140 Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação www.eptic.he.com.br Vol.III, n.3, Sep/Dic 2001 Embora as conseqüências do coronelismo eletrônico se projetem sobre toda a vida política do país, ele atua no reduzido cenário do governo local e, por ausência do poder público, no caso o Ministério das Comunicações, a ANATEL e Congresso Nacional, como incursão do poder privado no domínio político. Do ponto de vista legal, a outorga de permissão, concessão e autorização para executar serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens estão admitidas na alínea a, inciso XII, do art. 21, da Constituição Federal. A Constituição também estabelece, em seu art. 223, a atribuição para que o Poder Executivo possa outorgar concessão, permissão e autorização para o referido serviço, ao mesmo tempo em que condiciona a eficácia do correspondente ato à deliberação do Congresso Nacional. A legislação aplicável ao serviço de radiodifusão compreende o Código Brasileiro de Telecomunicações – a Lei nº 4.117, de 27 de fevereiro de 1962, e o Decreto-lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967. Já a outorga do Poder Público, para a execução de serviço de radiodifusão de sons e imagens, com fins educativos, é regulada pelo Decreto nº 52.795, de 31 de outubro de 1963, com a redação do Decreto nº 91.837/85, o Decreto nº 2.108/96 e a Portaria Interministerial nº 651/99 (MEC/MC). De acordo com esses instrumentos jurídicos, a outorga de concessão para execução de serviço de radiodifusão de sons e imagens, com fins exclusivamente educativos, independe de edital. Além disso, outros dispositivos vêm constituir o arcabouço legal das telecomunicações mais geral e da radiodifusão, em específico. O chamado paradoxo da radiodifusão, introduzido quando da revisão da Constituição Federal, em 1995, separou os serviços de rádio e a televisão dos chamados serviços de telecomunicações, distinguindo-os, assim, de seus congêneres próximos como a TV a Cabo, o MMDS, o DTH e mesmo as futuras novas modalidades de rádio por assinatura. Com a argumentação de que, face ao esgotamento do Estado em prover recursos para o desenvolvimento do setor de telecomunicações, caberia ao mercado explorar esses 141 Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação www.eptic.he.com.br Vol.III, n.3, Sep/Dic 2001 serviços, foi emendado o art. 21 da Constituição, determinando-se que os serviços de telecomunicações e os serviços de radiodifusão seriam executados diretamente pela União ou através de concessão, permissão e autorização. Os serviços de telecomunicações seriam, assim, explorados nos termos da lei, que hoje, são disciplinados pela Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Já para os serviços de radiodifusão seria mantido o arcabouço legal vigente, ou seja, a Lei nº 4.117/62. No que diz respeito à radiodifusão cabe à Agên cia Nacional de Telecomunicações, a ANATEL, a competência pelo gerenciamento do espectro, a Lei nº 9.472, em seu artigo 215, revogou a Lei nº 4.117, salvo quanto a matéria penal não tratada nessa lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão. Ao tratar da propriedade dos meios de comunicação o art. 12 do Decreto n º 236, define que cada entidade só poderá ter concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão, em todo o país, dentro dos seguintes limites: I - Estações radiodifusoras de som: a) Locais: Ondas Médias – 4 Freqüência Modulada – 6 b) Regionais: Ondas Médias – 3 Ondas Tropicais – 3 sendo no máximo 2 por Estado c) Nacionais: Ondas Médias – 2 Ondas Curtas – 2 II - Estações radiodifusoras de som e imagem - 10 em todo território nacional, sendo no máximo 5 VHF e 2 por Estado. Estabelece, também, que cada estação de ondas curtas só poderá, fora dessas limitações, utilizar uma ou várias freqüências que lhe tenham sido consignadas em leque. Ao mesmo tempo, não são computadas as estações repetidoras e retransmissoras de televisão, pertencentes às estações geradoras. Ao dispor sobre os limites à concentração da propriedade ficam explícitos na lei que não poderão ter concessão ou permissão às entidades das quais faça parte acionista ou cotista que integrem o quadro social de outras empresas executantes do serviço de radiodifusão, além dos limites já fixados. Além disso, nenhuma pessoa poderá participar da direção de mais de uma empresa de radiodifusão, em localidades diversas, em excesso aos limites estabelecidos. Ao tratar, mais uma vez, da concentração de propriedade, notadamente das organizações de sistemas de redes, o Decreto estabelece que as empresas concessionárias ou permissionárias de serviço de radiodifusão não poderão estar subordinadas a outras entidades que se constituem com a finalidade de estabelecer direção ou orientação única, através de cadeias ou associações de qualquer espécie. 142 Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação www.eptic.he.com.br Vol.III, n.3, Sep/Dic 2001 Embora a Constituição Federal disponha sobre o “princípio de complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”, a radiodifusão brasileira conhece, tão somente as emissoras estatais e privadas. As estatais, que pertencem à União, aos Estados, e aos Municípios. As demais emissoras são as privadas e às vezes identificadas como comerciais. Desde 1994, o Governo Fernando Henrique Cardoso tem afirmado que o processo licitatório de emissoras de rádio e televisão não mais repetiria o ciclo histórico, “em que as concessões de meios de comunicação de massa eram um poderoso trunfo político que o governo usava para arregimentar e agradar aliados”. Já em 1997, o Governo Federal afirmava que “todo o serviço de radiodifusão no país seria outorgado por critérios públicos e transparentes”. Ora, à época, o Ministro das Comunicações repetia que não mais seriam distribuídas emissoras de rádio e TV para empresas ligadas a deputados e senadores, teve que comparecer à Câmara dos Deputados para prestar esclarecimentos sobre a compra de votos de deputados favoráveis à emenda da reeleição. Já em 2000, mais uma vez, a imprensa denunciava que renascia um símbolo no Governo FHC: o balcão de concessões de emissoras de rádio e televisão. O Decreto nº 3.451, de 9 de maio de 2000, em seu artigo 47, transformava canais do PBRTV para o correspondente Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão sem, sequer, passar pelo Congresso Nacional. Ou seja, mais de 5.636 repetidoras de serviços de sons e imagens (RTV) de atuais autorizadas poderiam transformar-se em concessionárias geradoras educativas. Com a possibilidade da abertura ao capital estrangeiro em até 30%, essas emissoras podem passar a valer muito dinheiro. Pode ser até verdade que muitas emissoras educativas não têm fins lucrativos, mas há que se duvidar de que a Fundação Médico- Hospitalar, de Sérgio Naya, não tenha fins lucrativos. Embora tendo projetado uma arquitetura de serviços coerente com a década de sessenta, quando se destacavam as tecnologias eletromecânicas, os transmissores a válvulas e as radiocomunicações em OM e OT, o Código Brasileiro de Telecomunicações está técnica e tecnologicamente revogado. Anterior mesmo à disseminação dos canais de FM, e ao conhecimento das tecnologias das informações e comunicação, o CBT deu o mesmo tratamento jurídico do rádio à televisão. Quando da sua aprovação a televisão era um 143 Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação www.eptic.he.com.br Vol.III, n.3, Sep/Dic 2001 serviço local e não se falava, ainda, em microondas, satélite, fibra óptica etc. Em anos de existência o CBT já foi muito deformado; mais de dois terços de seus artigos foram revogados por leis e decretos editados ao longo de mais de três décadas.
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