AN AFFAIR to REMEMBER / 1957 (O Grande Amor Da Minha Vida)
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CINEMATECA PORTUGUESA–MUSEU DO CINEMA DEBORAH KERR – ATÉ À ETERNIDADE 6 de maio de 2021 AN AFFAIR TO REMEMBER / 1957 (O Grande Amor da Minha Vida) um filme de Leo McCarey Realização: Leo McCarey / Argumento: Leo McCarey e Delmer Daves, baseado no argumento de Leo McCarey e Mildre Cram, para o filme Love Affair de 1939 / Fotografia: Milton Krasner / Direcção Artística: Lyle Wheeler e Jack Martin Smith / Décors: Walter M. Scott e Paul S. Fox / Efeitos Especiais: L. B. Abbott / Conselheiro para a cor: Leonard Doss / Guarda-Roupa: Charles Le Maire / Música: Hugo Friedhofer, dirigida por Lionel Newman / Canções: “An Affair to Remember”, cantada por Vic Damone e Deborah Kerr, “Continue”, “You Make It Easy To Be True”, “Tomorrow Land”, Tiny Little Scout”, músicas de Harry Warren e letras de Harold Adamson / Montagem: James B. Clark / Interpretação: Cary Grant (Nickie Ferrante), Deborah Kerr (Terry Mckay), Richard Denning (Kenneth). Neva Patterson (Lois), Cathleen Nesbitt (a avó), etc. Produção: Leo McCarey para a Twentieth Century-Fox / Cópia: da Cinemateca Portuguesa–Museu do Cinema, 35mm, cor, CinemaScope, legendada em português, 114 minutos / Estreia Mundial: Nova Iorque, 11 de Julho de 1957 / Estreado em Portugal: Cinema Tivoli, a 7 de Outubro de 1957. _____________________________ Quem diz melodrama, olhando para Hollywood, logo pensa em An Affair to Remember que, o tempo, os múltiplos “remakes” e as múltiplas referências (em outros filmes, em romances, peças teatrais, etc.) transformaram na quintessência do género. Mas An Affair to Remember era o regresso do criminoso ao local do crime. Ou seja, era o regresso do grande Leo McCarey (lembram-se da retrospectiva que a Cinemateca lhe dedicou há já mais de vinte anos?) ao filme de 1939, Love Affair. Exactamente a mesma história, só que sem “scope” e sem cores. Qual é a melhor? Love Affair (enorme sucesso de 1939) ou An Affair to Remember? Há quem jure por um, há quem jure por outro. Produtor e realizador de An Affair to Remember (como sucedeu com todos os seus filmes a partir de Make Way for Tomorrow), Leo McCarey terá tido alguma influência no título? É que parece a primeira piada ... Que nesta segunda versão tenha caído a palavra love para só ficar a palavra affair (e é o affair a coisa a lembrar) pode dar a subentender que o que McCarey sobretudo recordava era o fabuloso negócio que o filme de 1939 fora. Ora se McCarey tinha sido perito em negócios a partir de Love Affair, deixara de o ser a partir de Good Sam filme de 1948. Durante dez anos, pouco mais ou menos (1939 a 1948) foi o cineasta de Hollywood que ganhou mais dinheiro. A partir de 1948, começou a escorregar. My Son John (1952) foi um desastre total. Bem precisado andava McCarey que se lembrassem do jeito dele para “affairs”. Tão mais precisado quanto, durante cinco anos, o celebradíssimo Leo esteve desempregado, a tentar montar uma comédia musical baseada na vida de Marco Polo, com Mario Lanza no protagonista. McCarey queixou-se de ter perdido nesses preparativos 126.000 dólares, só a escolher (e a pagar) as melhores canções. Depois, foi para as montanhas escrever o “script” (em 1953). Quando voltou, o tenor Lanza, que era magrinho, tinha engordado imenso. Nem pensar nele para Marco Polo... “My heart was broken”, escreveu o realizador. E partiu para a Europa - onde esteve dois anos - à procura doutro actor. Não conseguiu e voltou a Hollywood, em 1955, de mãos a abanar. Foi em desespero de causa que se decidiu ao “remake” de Love Affair. Cary Grant e Deborah Kerr retomaram os papéis quase vinte anos antes interpretados por Charles Boyer e Irene Dunne e, pela primeira vez na obra do realizador, apareceram a cor e o “scope”. Mas não foram apenas essas as novidades. O argumento foi consideravelmente retrabalhado e McCarey afirmou um dia que a principal razão porque voltou a pegar num filme de que tanto gostara (e de que tanto se gostou) foi a de saber se continuava a ser tão bom argumentista e tão bom realizador como vinte anos antes. “Todas as noites, ficava acordado para tentar melhorar o filme: escrevi mais ou menos um terço de diálogos novos. E hei-de me lembrar sempre do dia em que encontrei Deborah Kerr em Madrid e em que esta me disse: ‘Lembras-te do diálogo da cena na amurada: o inverno deve ser muito frio para os que não têm memória que os aqueça e já perdemos a primavera... Lembras-te disso, Leo?’ Respondi-lhe: ‘Evidentemente que me lembro, não me deitei toda a noite para chegar a esta frase’”. Mas McCarey disse também que fez este “remake” porque era a sua história de amor favorita. “Como, pelo menos, duas gerações de jovens não tinham visto a primeira versão, tive a sensação que a devia contar de novo para eles.” E notou, um dia, que, para ele, a principal diferença entre as duas versões era a diferença entre Charles Boyer e Cary Grant. “Cary Grant nunca consegue disfarçar completamente o extraordinário sentido de humor que tem (...) é por isso que a segunda versão, mesmo nas cenas de amor mais comoventes, é sempre um tanto ou quanto cómica.” O que não impediu o cineasta de incluir sempre este filme (como a versão de 39) entre os seus favoritos, e o que não impediu o filme de ser, à época, um novo gigantesco êxito comercial, o último grande êxito comercial de McCarey. Tão gigantesco que se fariam mais três “remakes” nos anos 90, possivelmente a pensar nas muitas gerações de jovens que não tinham visto nem Love Affair nem An Affair to Remember. Tão gigantesco que dos dois “affairs” é o mais lembrado e muitos o julgam o “affair” inicial. Cinquenta anos se passaram e, provavelmente, hoje, mais três ou quatro gerações vão ser confrontadas com este sublime melodrama. E, provavelmente também, vão sentir o constrangimento ou a pressão a que obras destas normalmente obrigam. Vamos de caras ao assunto: como olhar a sequência da visita à avó e particularmente nela o plano da capela, com Deborah Kerr e Cary Grant a rezarem perante uma imagem tão “saint- sulpiciana”? É fácil recuperar pelo lado “kitsch”. Mas, reparar- se-á que nesse fabuloso plano, com a pose estudada de Deborah e o estudado desajeitamento do sinal de cruz de Grant, está contida toda a comédia e todo o drama do filme, fingindo sempre tão sinceramente que não chegamos a saber se é dor a dor que deveras se sente. Cada um deles (actor como o realizador) está e não está ali “para nos comer melhor” e para melhor se comerem uns aos outros. Cada um finge com a sua própria verdade e cada um é verdadeiro só na medida em que melhor finge. Recordemos, para o ilustrar, outra sequência de antologia: a chegada do navio chamado “Constituição”, com os noivos respectivos de Grant e Kerr à espera deles. Os beijos atirados pelos protagonistas são mais ou menos sinceros do que os olhares que entre si se trocam de cada um dos lados do écran a aproveitar genialmente o “scope”? Pelo argumento, sabemos que são menos, mas o jogo vai suficientemente longe para que o argumento acabe por dizer mais do que diz. Como se os actores estivessem sempre conscientes da sua própria representação e das emoções que provocam, parecendo reparar nisso só no último minuto (como sucede na sequência a bordo em que jantam sozinhos perante as gargalhadas gerais). Como de si próprios dizem, estão sempre a esconder o que é óbvio para toda a gente ou estão sempre a tornar óbvio o que nem eles próprios sabem muito bem? An Affair to Remember é um pouco como os quadros que Grant pinta: “trompe-l’oeil” com alguma falta de memória, isto é contando com a falta de memória do espectador. “Beauty makes me cry” diz Deborah Kerr numa das sequências mais melodramáticas do filme, de noite a bordo, com estrelinhas e tudo. Mas quem se lembre de tudo, sabe que outras coisas a faziam igualmente chorar: uma cigarreira, diamantes, champagne rosé, a inscrição da dita cigarreira e as coisas que o miúdo refere quando diz que o mandavam sair sempre que falavam de Cary Grant na frente dele. E, curiosamente, Deborah Kerr repete a frase, aquando duma “beleza” que só vemos da cintura para baixo: o primeiro beijo nas escadas do barco, escadas que depois servirão para fazer tudo andar à roda. E tudo anda à roda neste filme de aparências e em que as aparências estão mesmo para iludir. O que não quer dizer, como tanto se tem sublinhado, que McCarey seja cínico ou dúplice. Mas apenas que há um olho que se humedece e outro que jamais se embacia, que a paixão romântica é igual à paixão céptica. Por isso este filme acaba num pedestal e por isso desde o início sabemos o que acontece a esses pedestais. An Affair to Remember... Mas a memória é tão curta e os “affairs” são tão compridos... JOÃO BÉNARD DA COSTA ___________________________________________________________________ Texto originalmente escrito antes da entrada em vigor do novo Acordo Ortográfico .