O Anticomunismo E Os Órgãos De Informação Da Ditadura Nas Universidades Brasileiras
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contemporanea Historia y problemas del siglo XX | Año 3, Volumen 3, 2012, ISSN: 1688-7638 Dossier | 133 O anticomunismo e os órgãos de informação da ditadura nas universidades brasileiras Rodrigo Patto Sá Motta1 Resumen Abstract A proposta do artigo é investigar a in- The article aims at researching brazilian fluência da tradição anticomunista no golpe anticommunist tradition influence in the 1964 de 1964 e nas políticas adotadas pelo regime coup and also in the policies adopted by the militar brasileiro. Na introdução se apresen- military regime. In the first part the basis of tam as bases de tal tradição, que remontam aos such tradition that began in the 1930’s are anos de 1930, e o modo como ela foi apropria- explained and furthermore it is analysed the da nos anos 1960. A parte principal do texto é ways of it’s appropriation in the sixties. The dedicada a analisar a atuação dos órgãos de in- main part of the text is dedicated to analyse the formação criados pela ditadura, sobretudo no actions of the information agencies created by que tange às tentativas de controle dos espaços the dictatorship in it`s attempt to control the universitários. Nesta análise, confere-se ênfase universities. The text emphasizes the influence à influência dos valores anticomunistas sobre of anticommunist ideas in such actions, in the as ações dos aparatos de informação atuantes context of the information apparatus struggles nas Universidades, em sua luta para derrotar against the left wing enemies. a esquerda. Key words: Dictatorship, anticommunism, Palavras chave: Ditadura, anticomunismo, information agencies agências de informação 1 Departamento de História, Universidade Federal de Minas Gerais (ufmg), Grupo de Pesquisa História Política-Culturas Políticas na História (http://www.fafich.ufmg.br/hcpcph/). Contemporánea03_2012-11-23.indd 133 11/23/12 8:00 PM 134 | Patto Sá Motta contemporanea Quando o tema do anticomunismo vem à tona no debate político ou acadêmico, é comum associa-lo à eclosão da Guerra Fria e à influência da política externa norte-americana. Nessa vertente, os eua são vistos como responsáveis pela introdução da questão anticomunista e por manipularem os latino-americanos para obter seu apoio nas disputas da Guerra Fria.2 De fato, a entrada dos Estados Unidos no cenário mundial como potência hegemônica trouxe impactos importantes na percepção do “perigo comunista” e reforçou a matriz liberal do anticomunismo. Entretanto, antes da Guerra Fria já havia grupos militantes da luta contra o comunismo atuando em vários países, entre eles o Brasil. O objetivo deste artigo é mostrar que o anticomunismo, uma das principais motivações dos militares golpistas que derrubaram o governo de João Goulart em 1964, se inspirou em uma tradição que remontava à década de 1930. Outro propósito é analisar a importância dos valores anticomunistas nas ações do aparato repressivo e de informações construído pelos militares no sistema universitário. O anticomu- nismo forneceu aos agentes de repressão uma razão de ser e um sentido de missão, ao apontar o alvo principal que deveriam mirar. Assim, eles atuaram na tentativa de impedir a contratação de professores marxistas, bloquear a circulação de textos e ideias socialistas e também evitar os con- tatos culturais com países do bloco soviético. Mas o trabalho desses agentes encontrava desafios e limites na própria complexidade do regime militar brasileiro, que tinha formato modernizador- -autoritário. De um lado, os líderes do regime desejavam combater a esquerda, porém, de outro, queriam modernizar as instituições acadêmicas e universitárias que receberam mais investimen- tos financeiros, verbas para pesquisa e pós-graduação e tiveram suas instalações ampliadas para comportar o aumento no número de estudantes, que foram multiplicados em dez vezes durantes os vintes anos do poder militar (de 140.000 para 1.400.000 universitários entre 1964 e 1984). Assim, os agentes repressivos tinham que controlar instituições universitárias que passavam por crescimento frenético, com a entrada de massas de novos estudantes, muitos deles receptivos a ideias radicais. Por vezes, as administrações universitárias contrataram professores com valores de esquerda, implicando desafios aos projetos de “saneamento ideológico”. Outra dificuldade para os combatentes anticomunistas foi a estratégia dúbia do governo militar diante dos países socialistas, como se verá a seguir. Anticomunismo não significa apenas um conjunto de opiniões divergentes em relação a um projeto político, mas um movimento, uma causa que mobilizou aderentes fervorosos, crentes que a salvação do país (e do mundo) dependia da repressão ao comunismo. Não se pode dizer que o anticomunismo seja uma doutrina, pois ele contém matrizes ideológicas diferentes, prin- cipalmente no caso do Brasil (catolicismo, nacionalismo e liberalismo), mas as representações nele inspiradas originaram uma tradição peculiar. Esses valores já circulavam no final do século xix, quando foram utilizados contra líderes pioneiros da revolução social, mas se tornaram mais fortes após a Revolução de 1917, que resultou na associação indelével de comunismo com o bolchevismo, tornados sinônimos a partir daí. O experimento dos soviets foi representado como a concretização dos ideais socialistas, o que permitia caracterizar o comunismo como uma uto- pia realizável. Como no mesmo ano de 1917 ocorreram greves importantes no Rio de Janeiro 2 “Criou-se uma ameaça tanto para os Estados Unidos quanto para a América Latina originária de um movi- mento político «desviante» - «a ameaça comunista». Esta, por sua vez, justificou a ajuda externa especializada em segurança nacional para combatê-la. Em outras palavras, os Estados Unidos criaram os argumentos para justificar a existência desse perigo específico e, a seguir, mostraram-se dispostos, mediante pagamento, a proteger os países ameaçados através da ajuda policial e também militar”. Cf. Huggins, Martha K. Polícia e política. Relações Estados Unidos/América Latina (São Paulo: Cortez, 1998), 232. Contemporánea03_2012-11-23.indd 134 11/23/12 8:00 PM contemporanea O anticomunismo | 135 e em São Paulo, a sensação de “perigo vermelho” iminente em terras brasileiras tornou-se mais verossímil. Não obstante, somente nos anos 1930 a presença do comunismo no cenário público tornou-se mais visível, quando o pequeno Partido Comunista criado em 1922 passou a ocupar espaço mais significativo, com a adesão de intelectuais, militares (entre eles o mítico Luiz Carlos Prestes) e o aumento no recrutamento de trabalhadores. Em 1935 os comunistas, que compunham a alma da Aliança Nacional Libertadora, entidade organizada no formato das frentes populares, lideraram uma tentativa de insurreição armada, rapidamente destruída pelas forças da ordem. Tratou-se de levante essencialmente militar que envolveu quartéis em Natal (Rio Grande do Norte), Recife (Pernambuco) e Rio de Janeiro (então a capital federal), mas o plano dos revolucionários era armar brigadas populares que serviriam como forças auxiliares. A insurreição de 1935, que nas versões oficiais foi batizada pejorativamente de Intentona Comunista (intento louco, assassino) provocou importantes desdobramentos políticos. O presidente Getúlio Vargas, então enfraquecido e sob muitas críticas, aproveitou-se do evento para fortalecer seu poder e editar medidas excepcionais, como a decretação do Estado de Guerra e algumas emendas à Constituição. Formou-se uma “União Sagrada” reunindo grupos conservadores e liberais em torno de Vargas, em nome da de- fesa da ordem e do combate ao comunismo. O novo contexto político, que abriu caminho para o golpe autoritário de novembro de 1937, quando Vargas tornou-se ditador, começou a ser desenhado sob a fumaça dos combates de 1935. O impacto da chamada Intentona Comunista foi enorme, notadamente entre as lideranças ca- tólicas e os militares. Afinal, não era rebelião comum, mas tentativa dos comunistas de tomarem o poder que, caso bem sucedida, poderia ter provocado grandes transformações na organização social brasileira. A comoção tornou-se maior quando a imprensa divulgou que estrangeiros liga- dos à Internacional Comunista participaram da frustrada tentativa revolucionária, o que serviu de confirmação ao argumento de se tratar de ameaça à integridade da pátria. Os eventos de novembro de 1935 foram marcantes na construção da tradição anticomunista, na medida em que foram apropriados para consolidar as representações do comunismo como fe- nômeno negativo. O episódio foi mitificado e originou a formação de verdadeira legenda negra em torno da Intentona Comunista, reproduzida ao longo dos anos. O levante foi representado como exemplo de manifestação das características maléficas atribuídas aos revolucionários que, segun- do as versões anticomunistas, teriam cometido vários crimes ignóbeis durante os quatro dias da revolta (estupros, assassinatos a sangue frio, roubo), considerados uma decorrência necessária dos ensinamentos da “ideologia malsã”. As representações anticomunistas tiveram recepção particularmente forte entre os militares, graças a argumentos peculiares desenvolvidos nas representações sobre 1935. Argumentou-se que o levante foi uma traição às Forças Armadas, já que os líderes da insurreição eram oficiais do Exército e voltaram suas armas contra companheiros de farda. Além disso, foi construída a versão que os oficiais comunistas mataram colegas enquanto eles dormiam indefesos em suas camas, uma evidência da sua vilania e covardia, tema que seria repetido pelas décadas seguintes.