APOGEU, RUPTURA E OCASO DO INTERVENCIONISMO ARMADO NO BRASIL José Cimar Rodrigues Pinto* RESUMO O Brasil Até a Instauração D
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José Cimar Rodrigues Pinto APOGEU, RUPTURA E OCASO DO INTERVENCIONISMO ARMADO NO BRASIL José Cimar Rodrigues Pinto* RESUMO O Brasil até a instauração do Regime Civil e Militar de 31 de março de 1964 conviveu com o golpismo militar, o qual assolou todo o período republicano e contribuiu para corromper qualquer pretensão democrática da nação. Este artigo tem por finalidade perscrutar o processo que teria objetivado afastar a fração armada da atividade política após aquela data, por meio da análise do percurso das ações políticas e estratégicas que conduziram à ruptura com o paradigma anterior e que implicaram em alterações nas relações entre civis e militares e na restauração da soberania popular. No âmbito teórico e metodológico, a argumentação, de natureza hipotética dedutiva, ampara-se em trajetória dialética, tomando como ponto de partida o Modelo Moderador de Alfred Stepan (1971), ao qual antepõe estrutura de configuração contrária, denominada de Antimodelo de Enquadramento, cujo resultado, supõe-se, apresenta uma forma de relacionamento muito próxima daquela proposta por Samuel Phillips Huntington (1996), denominada de Controle Civil Objetivo. Ao final, conclui-se pela confirmação da hipótese de trabalho e, também, que a interferência dos governantes militares, ademais de recompor as linhas de obediência, proporcionou a possibilidade de alteração no rumo da doutrina democrática, no sentido de que seu desenvolvimento ficasse livre da tutela armada. Palavras-chave: Relações entre Civis e Militares. Brasil. Regime Civil e Militar de 1964. Contribuição Teórica. Modelo Interpretativo. MILITARY INTERVENTION IN BRAZIL: PINNACLE, DISRUPTION AND DECLINE ABSTRACT Brazil until the establishment of the Civil and Military Regime of March 31, 1964 coexisted with military coup, which ravaged the entire republican period and contributed to corrupt any democratic pretension of the nation. This article aims to examine the process that would have sought to withdraw the armed segment from political activity after that date, by means of an analysis of the course of political and strategic actions that led to a rupture with the previous paradigm and changes in civil and military relations and in the Brazilian democracy. In the theoretical and methodological framework, the argumentation, based on a hypothetical deductive approach, was supported by * Bacharel em Direito (UCAM), Pós-Graduado em Relações Internacionais (COPPEAD/UFRJ), Mestre em Estudos Estratégicos e Doutor em Ciência Política. Atualmente é Adjunto da Divisão de Assuntos Psicossociais da Escola Superior de Guerra. Email: [email protected] 132 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil a dialectical path assumption, taking as a starting point the Moderator Model of Alfred Stepan (1971), to which put an opposing configuration structure, so called Enframement Antimodel, which supposedly would result in a form of very close relationship with that proposed by Samuel Phillips Huntington (1996), named Civilian Objective Control. As a result, the study concludes by confirming the hypothesis of the work and, also, that the interference of the military rulers, besides restoring the lines of obedience, had provided the possibility of a change in the direction of the Brazilian democracy, in the sense its political development would be free from armed guardianship. Keywords: Civil-Military Relations. Brazil. Civil and Military Regime from 1964. Theoretical Contribution. Interpretative Model. APOGEO, RUPTURA Y OCASO DEL INTERVENCIONISMO ARMADO EN BRASIL RESUMEN Brasil hasta la instauración del Régimen Civil y Militar del 31 de marzo de 1964 convivió con el golpismo militar, el cual asoló todo el período republicano y contribuyó a corromper cualquier pretensión democrática de la nación. Este artículo tiene por finalidad desvelar el proceso que hubiera objetivado apartar la fracción armada de la actividad política después de esa fecha, por medio del análisis del recorrido de las acciones políticas y estratégicas que condujeron a la ruptura con el paradigma anterior y que implicaron en alteraciones en las relaciones entre civiles y militares y en la restauración de la soberanía popular. En el ámbito teórico y metodológico, la argumentación, de naturaleza hipotética deductiva, se ampara en trayectoria dialéctica, tomando como punto de partida el Modelo Moderador de Alfred Stepan (1971), al cual antepone estructura de configuración contraria, denominada de Antimodelo de Encuadramiento, cuyo resultado, se supone, presenta una forma de relación muy cercana a aquella propuesta por Samuel Phillips Huntington (1996), denominada de Control Civil Objetivo. Al final, se concluye por la confirmación de la hipótesis del trabajo y, también, que la interferencia de los gobernantes militares, además de la recomposición de las líneas de obediencia, proporcionó la posibilidad de alteración en el rumbo de la doctrina democrática, en el sentido de que su desarrollo quedaba libre de la tutela armada. Palabras clave: Relaciones entre civiles y militares. Brasil. Régimen Civil y Militar de 1964. Contribución Teórica. Modelo Interpretativo. 1 INTRODUÇÃO Este artigo tem por finalidade explicitar o processo que objetivou afastar os militares da militância política a partir do Movimento Civil e Militar de 31 de Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 133 José Cimar Rodrigues Pinto Março de 1964 (doravante MCM/64),1 por meio de ações políticas e estratégicas antagônicas às práticas, até então, vigentes, as quais conduziram à ruptura com o paradigma anterior – neste texto representado pelo Modelo Moderador de Alfred Stepan (1971) – e que implicaram em consequências definitivas para as relações entre civis e militares (doravante RCM) no Brasil, aproximando-as do paradigma do Controle Civil Objetivo. (HUNTINGTON, 1996). Ressalta-se, inicialmente, que, desde a Proclamação da República até aquele episódio demarcador, existiam mecanismos, inclusive constitucionais, concedendo aos militares prerrogativas excepcionais em momentos de crise: o da garantia da lei, da ordem e do funcionamento dos três poderes; e de que a obediência dos militares ao Poder Executivo somente deveria ocorrer “dentro dos limites da lei”.2 Em virtude dessa última prerrogativa, historicamente, as ordens do Executivo ficavam dependentes da decisão discricionária dos chefes militares, principalmente na ocorrência das frequentes crises, os quais, mancomunados com as lideranças políticas civis, mantinham posições de árbitros sobre a legalidade e a legitimidade das ordens dos governantes, não raras vezes, apeando-os do poder. Entre 1889 e 1964, sem considerar os golpes e contragolpes de Estado, ocorreram dezesseis episódios de violência política interna, envolvendo guerras, inclusive civis, revoluções, revoltas, sedições e intentonas. Somente entre 1930 e 1964, tais impasses provocaram oito intervenções militares, na forma de golpes ou contragolpes de Estado.3 Tal conjunto de experiências históricas, indutoras de conflitos entre éticas, valores, ideologias, convicções e interesses, gerou antagonismos que esfacelaram, repetidamente, o arremedo de projeto democrático liberal, baseado no modelo republicano que, apesar da excepcionalidade concedida, pressupunha a primazia do Poder Civil sobre o dos militares e que estava em vigor desde a Proclamação da República; o qual, a partir de 1946, tomou as feições do citado Modelo Moderador. 1 Dreifuss apresenta as características civis e militares daquele movimento. Cf. DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981. Daniel Aarão Reis aprofunda a noção de movimento civil e militar, demonstrando a continuidade da articulação civil em apoio a permanência dos governantes militares no poder. Cf. REIS, Daniel Aarão. Ditadura e Democracia no Brasil: Do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. Juntos com outros intelectuais, esses autores permitem qualificar o período como sendo de um Regime Civil e Militar. 2 As Constituições de 1891 (art. 14), 1934 (art. 162) e 1946 (art. 176-178) seguiam esse mesmo entendimento quanto ao papel dos militares. 3 Revolução de 1930; Estado Novo, em 1937; deposição de Getúlio Vargas, em 1945; segunda deposição de Vargas, em 1954; Putsch militar de 1955 do General Henrique Duffles Teixeira Lott; golpe preventivo, em 1961, efetivado pelos ministros militares; contragolpe preventivo de Leonel Brizola, em 1961; e o Movimento Civil e Militar de 31 de março de 1964. 134 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil O contexto, brevemente relatado acima, motivou a presente pesquisa que teve por inspiração empírica a constatação de que o Brasil, de 1964 em diante, deixou de conviver com o golpismo militar, conforme se manifestava anteriormente, o qual, juntamente com outras formas de violência política, com origem nesse mesmo segmento armado, assolou todo o período republicano até aquela data, contribuindo para corrompê-lo e para impedir qualquer pretensão democrática da nação, uma vez que, ademais de outros aspectos, (DREIFUSS, 1981; BRASIL, 2010, p. 17) tornou-a dependente das intervenções armadas, como forma de destravamento das frequentes crises políticas,