José Cimar Rodrigues Pinto

APOGEU, RUPTURA E OCASO DO INTERVENCIONISMO ARMADO NO BRASIL

José Cimar Rodrigues Pinto*

RESUMO O Brasil até a instauração do Regime Civil e Militar de 31 de março de 1964 conviveu com o golpismo militar, o qual assolou todo o período republicano e contribuiu para corromper qualquer pretensão democrática da nação. Este artigo tem por finalidade perscrutar o processo que teria objetivado afastar a fração armada da atividade política após aquela data, por meio da análise do percurso dasações políticas e estratégicas que conduziram à ruptura com o paradigma anterior e que implicaram em alterações nas relações entre civis e militares e na restauração da soberania popular. No âmbito teórico e metodológico, a argumentação, de natureza hipotética dedutiva, ampara-se em trajetória dialética, tomando como ponto de partida o Modelo Moderador de Alfred Stepan (1971), ao qual antepõe estrutura de configuração contrária, denominada de Antimodelo de Enquadramento, cujo resultado, supõe-se, apresenta uma forma de relacionamento muito próxima daquela proposta por Samuel Phillips Huntington (1996), denominada de Controle Civil Objetivo. Ao final, conclui-se pela confirmação da hipótese de trabalho e, também, que a interferência dos governantes militares, ademais de recompor as linhas de obediência, proporcionou a possibilidade de alteração no rumo da doutrina democrática, no sentido de que seu desenvolvimento ficasse livreda tutela armada. Palavras-chave: Relações entre Civis e Militares. Brasil. Regime Civil e Militar de 1964. Contribuição Teórica. Modelo Interpretativo.

MILITARY INTERVENTION IN : PINNACLE, DISRUPTION AND DECLINE

ABSTRACT Brazil until the establishment of the Civil and Military Regime of March 31, 1964 coexisted with military coup, which ravaged the entire republican period and contributed to corrupt any democratic pretension of the nation. This article aims to examine the process that would have sought to withdraw the armed segment from political activity after that date, by means of an analysis of the course of political and strategic actions that led to a rupture with the previous paradigm and changes in civil and military relations and in the Brazilian democracy. In the theoretical and methodological framework, the argumentation, based on a hypothetical deductive approach, was supported by

* Bacharel em Direito (UCAM), Pós-Graduado em Relações Internacionais (COPPEAD/UFRJ), Mestre em Estudos Estratégicos e Doutor em Ciência Política. Atualmente é Adjunto da Divisão de Assuntos Psicossociais da Escola Superior de Guerra. Email: [email protected]

132 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil a dialectical path assumption, taking as a starting point the Moderator Model of Alfred Stepan (1971), to which put an opposing configuration structure, so called Enframement Antimodel, which supposedly would result in a form of very close relationship with that proposed by Samuel Phillips Huntington (1996), named Civilian Objective Control. As a result, the study concludes by confirming the hypothesis of the work and, also, that the interference of the military rulers, besides restoring the lines of obedience, had provided the possibility of a change in the direction of the Brazilian democracy, in the sense its political development would be free from armed guardianship. Keywords: Civil-Military Relations. Brazil. Civil and Military Regime from 1964. Theoretical Contribution. Interpretative Model.

APOGEO, RUPTURA Y OCASO DEL INTERVENCIONISMO ARMADO EN BRASIL

RESUMEN Brasil hasta la instauración del Régimen Civil y Militar del 31 de marzo de 1964 convivió con el golpismo militar, el cual asoló todo el período republicano y contribuyó a corromper cualquier pretensión democrática de la nación. Este artículo tiene por finalidad desvelar el proceso que hubiera objetivado apartar la fracción armada de la actividad política después de esa fecha, por medio del análisis del recorrido de las acciones políticas y estratégicas que condujeron a la ruptura con el paradigma anterior y que implicaron en alteraciones en las relaciones entre civiles y militares y en la restauración de la soberanía popular. En el ámbito teórico y metodológico, la argumentación, de naturaleza hipotética deductiva, se ampara en trayectoria dialéctica, tomando como punto de partida el Modelo Moderador de Alfred Stepan (1971), al cual antepone estructura de configuración contraria, denominada de Antimodelo de Encuadramiento, cuyo resultado, se supone, presenta una forma de relación muy cercana a aquella propuesta por Samuel Phillips Huntington (1996), denominada de Control Civil Objetivo. Al final, se concluye por la confirmación de la hipótesis del trabajo y, también, quela interferencia de los gobernantes militares, además de la recomposición de las líneas de obediencia, proporcionó la posibilidad de alteración en el rumbo de la doctrina democrática, en el sentido de que su desarrollo quedaba libre de la tutela armada. Palabras clave: Relaciones entre civiles y militares. Brasil. Régimen Civil y Militar de 1964. Contribución Teórica. Modelo Interpretativo.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem por finalidade explicitar o processo que objetivou afastar os militares da militância política a partir do Movimento Civil e Militar de 31 de

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 133 José Cimar Rodrigues Pinto

Março de 1964 (doravante MCM/64),1 por meio de ações políticas e estratégicas antagônicas às práticas, até então, vigentes, as quais conduziram à ruptura com o paradigma anterior – neste texto representado pelo Modelo Moderador de Alfred Stepan (1971) – e que implicaram em consequências definitivas para as relações entre civis e militares (doravante RCM) no Brasil, aproximando-as do paradigma do Controle Civil Objetivo. (HUNTINGTON, 1996). Ressalta-se, inicialmente, que, desde a Proclamação da República até aquele episódio demarcador, existiam mecanismos, inclusive constitucionais, concedendo aos militares prerrogativas excepcionais em momentos de crise: o da garantia da lei, da ordem e do funcionamento dos três poderes; e de que a obediência dos militares ao Poder Executivo somente deveria ocorrer “dentro dos limites da lei”.2 Em virtude dessa última prerrogativa, historicamente, as ordens do Executivo ficavam dependentes da decisão discricionária dos chefes militares, principalmente na ocorrência das frequentes crises, os quais, mancomunados com as lideranças políticas civis, mantinham posições de árbitros sobre a legalidade e a legitimidade das ordens dos governantes, não raras vezes, apeando-os do poder. Entre 1889 e 1964, sem considerar os golpes e contragolpes de Estado, ocorreram dezesseis episódios de violência política interna, envolvendo guerras, inclusive civis, revoluções, revoltas, sedições e intentonas. Somente entre 1930 e 1964, tais impasses provocaram oito intervenções militares, na forma de golpes ou contragolpes de Estado.3 Tal conjunto de experiências históricas, indutoras de conflitos entre éticas, valores, ideologias, convicções e interesses, gerou antagonismos que esfacelaram, repetidamente, o arremedo de projeto democrático liberal, baseado no modelo republicano que, apesar da excepcionalidade concedida, pressupunha a primazia do Poder Civil sobre o dos militares e que estava em vigor desde a Proclamação da República; o qual, a partir de 1946, tomou as feições do citado Modelo Moderador.

1 Dreifuss apresenta as características civis e militares daquele movimento. Cf. DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981. Daniel Aarão Reis aprofunda a noção de movimento civil e militar, demonstrando a continuidade da articulação civil em apoio a permanência dos governantes militares no poder. Cf. REIS, Daniel Aarão. Ditadura e Democracia no Brasil: Do golpe de 1964 à Constituição de 1988. : Zahar, 2014.REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. Juntos com outros intelectuais, esses autores permitem qualificar o período como sendo de um Regime Civil e Militar. 2 As Constituições de 1891 (art. 14), 1934 (art. 162) e 1946 (art. 176-178) seguiam esse mesmo entendimento quanto ao papel dos militares. 3 Revolução de 1930; Estado Novo, em 1937; deposição de Getúlio Vargas, em 1945; segunda deposição de Vargas, em 1954; Putsch militar de 1955 do General Henrique Duffles Teixeira Lott; golpe preventivo, em 1961, efetivado pelos ministros militares; contragolpe preventivo de , em 1961; e o Movimento Civil e Militar de 31 de março de 1964.

134 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

O contexto, brevemente relatado acima, motivou a presente pesquisa que teve por inspiração empírica a constatação de que o Brasil, de 1964 em diante, deixou de conviver com o golpismo militar, conforme se manifestava anteriormente, o qual, juntamente com outras formas de violência política, com origem nesse mesmo segmento armado, assolou todo o período republicano até aquela data, contribuindo para corrompê-lo e para impedir qualquer pretensão democrática da nação, uma vez que, ademais de outros aspectos, (DREIFUSS, 1981; BRASIL, 2010, p. 17) tornou-a dependente das intervenções armadas, como forma de destravamento das frequentes crises políticas, conforme demonstrado por Stepan (1971). Essa percepção, de ruptura no percurso do fenômeno do intervencionismo, ensejou a questão sobre: o que teria ocorrido no Regime Civil e Militar de 1964 (doravante RCM/64), (DREIFUSS, 1981; REIS, 2014) entre 1964 e 1985, que poderia ter desvinculado os militares ativos das atividades políticas? Tal constatação ganha maior relevância se for considerado: o entendimento de parcela da literatura acadêmica no sentido da permanência do envolvimento dos militares com a política (SODRÉ, 1979; STEPAN, 1971; PEIXOTO, 1982); ou, ao menos, a existência de uma alternância entre o soldado profissional, nos períodos de normalidade, com o soldado político e suas intervenções, nos momentos de conflito, em um continumm pelo porvir histórico (CARVALHO, 1978; FIGUEIREDO, 1980); vis a vis as graves crises ultrapassadas, sem nenhuma interferência militar. Assim sendo, a suposição que amparou esta investigação, no sentido de elucidar a questão alçada a juízo, consistiu em considerar uma interferência notável, durante o RCM/64, que objetivou a supressão da participação disseminada dos militares na política, instituindo, dentre várias alternativas, uma atitude de antítese àquela fórmula intervencionista de vigência entre 1889 e 1964, particularmente a que ficou representada pelo Modelo Moderador, alcançando, ao final, estrutura de RCM com características próximas a do Controle Civil Objetivo (doravante CCO) (HUNTINGTON, 1996). Tal suposição, de feição hipotética dedutiva, aplicável, exclusivamente, ao antimodelo, não constituirá o foco deste texto, no sentido de exposição de variáveis e testes, podendo, entretanto, consistir em objeto de outro ensaio. A lente estará direcionada para a inflexão dialética da antítese, de maneira a evidenciar suas características e contrastes, notadamente com a tese, representada pelo Modelo Moderador, e com a síntese, em outro estágio de equilíbrio, na democracia, sob um novo RCM, cujos contornos o aproximam do CCO. Embora tais estruturas de relacionamento avizinhem-se de tipos ideais, guardam grande convergência com a realidade, a qual, do mesmo modo que serviu para possibilitar as suas construções, proporciona a oportunidade para comprovar seus enunciados e confirmar seus juízos. Por isso, este texto, submetido à natural limitação do espaço, em busca de sustentação para seus raciocínios, apresentará, apenas, alguns fatores que possibilitem a verificação da efetividade da nova

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 135 José Cimar Rodrigues Pinto estrutura proposta como instrumento de análise, exatamente como procederam Huntington (1996) e Stepan (1971) nas suas obras. A fim de atender ao exposto, a argumentação do presente texto apresentará: aspectos que influenciaram o período anterior a 1964 e breve escorço do Modelo Moderador; a proposta de um Antimodelo, denominado de Enquadramento, e dos dados, fatos, eventos e influências que proporcionaram as bases para a sua caracterização; a estrutura de equilíbrio das RCM proposta por Huntington (1996), conforme entendimento deste autor, a qual inclui o CCO, e o grau de aderência do segmento militar aos parâmetros desta última estrutura ao final do RCM/64; e, finalmente, a síntese da investigação, privilegiando o exame das repercussões do eventual novo paradigma para as RCM e para a (re)instauração da democracia no Brasil.

2 MOLDURAS, QUADROS E RELACIONAMENTOS CIVIS E MILITARES

2.1 A Tese: Período Moderador

Alfred Stepan (1971), na sua teorização sobre o Modelo Moderador, refere-se, explicitamente, ao envoltório teórico que dominava o ambiente político brasileiro no contexto do seu estudo: o pretorianismo, (STEPAN, 1971, p. 49) conforme havia sido formulado por Rapoport (1963) e apresentado por Huntington (1975). Em resumo, o pretorianismo consiste na politização das forças e das instituições sociais, por meio de grupos – étnicos, religiosos, econômicos, territoriais, de status, ocupacionais ou técnicos; financeiros, empresariais, latifundiários e de proprietários rurais; intelectuais, estudantes, operários, camponeses; burocracias, inclusive a militar; classes; dentre outras –, e na inexistência de instituições para (ou elas são incapazes de) mediar a erupção dos conflitos gerados pela mobilização política continuada proveniente desses grupos. A par disso, Huntington (1996) em O Soldado e o Estado, apresentou, juntamente com o CCO, o Controle Civil Subjetivo (doravante CCS), (HUNTINGTON, 1996) configurando uma situação na qual a liderança civil admitia “em geral que o controle civil tem algo a ver com o poder relativo de grupos civis e militares. Presume-se daí que o controle civil é alcançado na medida em que se reduz o poder de grupos militares” (HUNTINGTON, 1996, p. 99). Nesse contexto, o objetivo colimado pelas lideranças civis consistiria na maximização do poder de grupos civis frente à fração bélica, tornando seus componentes espelhos das diversas representatividades daqueles segmentos no âmbito do Estado e das forças armadas e, ao mesmo tempo, negando-lhes a existência como uma esfera de (poder) independente. Na prática, entretanto, obtinha-se fragmentação, cizânia e impossibilidade de profissionalização das Forças Armadas, pois, com a incorporação do segmento castrense às suas políticas e estratégias, cada grupo civil procuraria incrementar

136 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil o seu próprio poder em relação ao dos outros, seja por meio de instituições governamentais, classes sociais ou formas constitucionais. O resultado seria a fragilização da segurança militar e nacional. Outro aspecto, não menos importante, ressaltado por Huntington (1996), diz respeito à constatação de que aquelas múltiplas formas de incorporação dos militares nas questões civis conduziriam à sua participação inevitável na política, redundando, afinal, em diminuição do controle civil, conforme aumentasse o envolvimento desse segmento na política institucional, classista e constitucional, não sendo improvável a preponderância incontrolável dos militares. Tal moldura teórica passa a ser incorporada nesta argumentação como representativa das condições que envolveram o quadro a ser explicitado no Modelo Moderador. Em decorrência do comprometimento do segmento armado com a atividade política no período que antecede ao MCM/64, ademais das citadas fragmentação, cizânia e falta de profissionalização de seus componentes, instaurou-se, desde a Proclamação da República, um vetor que iria se tornar cada vez mais influente: a negação do princípio da autoridade, vale dizer, uma anarquia. Depois, adentrariam as ideologias, as quais, nas suas pugnas no interior do segmento militar, iriam causar numerosos atos de violência e mortes, abrindo feridas irreconciliáveis. Essa matriz presente ao longo de toda a história republicana aparece em diversas ocasiões e em comentários dos chefes, incomodados, embora, muitas vezes, comprometidos, com a atividade política nos quartéis. Segundo o general Góis Monteiro, ainda no início do Governo Provisório de Getúlio Vargas “havia uma espécie de Exército duplo: o que obedecia às ordens do QG revolucionário e o que obedecia ao Ministro da Guerra” (MONTEIRO [19??] apud PEIXOTO, 1960, p. 46). Isso, em meio à arregimentação de componentes das Forças Armadas, levada a efeito por radicais de todos os matizes que iam dos comunistas aos integralistas, destes últimos, redundando em duas Intentonas. Referindo-se ao período getulista, Nélson Werneck Sodré (1979) registra que a “intromissão dos militares revolucionários na política e na administração do País trazia evidentes perturbações à vida costumeira das Forças Armadas” (SODRÉ, 1979, p. 245) contrariando os profissionais “que esposavam honestamente a tese que reservava aos quartéis a atividade do soldado” (SODRÉ, 1979, p. 245). Entre esses, destacar-se-ia Humberto de Alencar Castelo Branco, que, por ocasião da convocação da Assembleia Constituinte, em 1933, escreveu diversos artigos na Gazeta do Rio, sob o pseudônimo de Coronel Y, tratando, justamente, dessa questão, cujas ideias seriam utilizadas, posteriormente, no raiar de um novo regime4 (BRANCO, 1933). O fim do Estado Novo contribuiu para adicionar adeptos à participação militar na política. Adentraram novos personagens: os clubes militares, fomentadores

4 A transcrição dos artigos pode ser encontrada em PINTO, 2016, p. 395-415; e 2019, p. 429-448.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 137 José Cimar Rodrigues Pinto desse ativismo, apoiando ou opondo-se aos governantes, servindo mesmo como epicentro de agitações do segmento armado, cujas emanações espraiavam-se para as escolas e organizações militares, locais onde suas publicações eram lidas e debatidas. Para completar, os mais variados níveis hierárquicos, envolviam-se, diuturnamente, em disputas político-partidárias, as quais não ocorriam sem a participação estudantil, acadêmica, sindical, da imprensa e da opinião pública. Não fosse isso suficiente para gerar rachaduras intratáveis na estrutura, a partir do Ministério Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, as praças foram adicionadas ao caldeirão da anarquia. O Coronel Luiz Helvécio da Silveira Leite, em entrevista a José Amaral Argolo e Luiz Fortunato, explicita o fato de conhecimento generalizado para os militares da época:

Ele (Henrique Lott) criou uma rede direta com os sargentos. Um sargento de cada unidade deveria escrever diretamente a ele. Isso foi fatal, porque ele perdeu, digamos assim, uma pedra angular na questão da hierarquia. [...] Pois o ódio que isso proporcionou: Os sargentos escreviam diretamente. Qualquer incidente no interior do quartel...O sargento relator poderia se dirigir diretamente ao Ministro. Então, quando eu chegava para um colega, vinha a resposta: “Você não pode servir aqui. O seu nome está na ficha do Primeiro Exército...está na Segunda Seção do Gabinete do Ministro”. (ARGOLO, FORTUNATO, 2004, p. 92-93).

Desde a atuação acanhada, sempre condicionada pela liderança dos oficiais, as praças iriam atuar com maior destaque na Novembrada de 1955, adquirindo cada vez mais autonomia, até se tornarem protagonistas e, quase, roubarem a cena, entre 1961 e 1964, quando já figuravam entre os protagonistas principais da anarquia. Viriam a se tornar um dos estopins do Movimento Militar de 31 de Março de 1964. A participação ativa das praças fica evidenciada no relato abaixo do Governador Leonel Brizola sobre o Contragolpe Preventivo de 1961:

Durante toda a crise, e nas três Forças Armadas, em episódios escandalosos, os sargentos, a que se conferia o direito de cega obediência, e com muito mais forte razão que aos oficiais, manifestaram a firme vontade de desobedecer, por terem entendido que obedecer, no caso, era ir contra o país e o povo. Penetraram assim, no conteúdo da obediência militar e da hierarquia militar (BRIZOLA [19??] apud SODRÉ, 1979, p. 367).

138 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

A deterioração da hierarquia e da disciplina foi uma consequência natural desse estado de coisas. Numerosos eventos avisavam sobre a tempestade que se aproximava: os golpes frequentes, símbolos maiores da falência do sistema; as Manifestações dos Coronéis e dos Generais, depois acrescidas dos Sargentos, terminando nos Soldados e Marinheiros, assim mesmo, nessa (des)ordem. O esgarçamento do tecido militar chegara a um ponto em que a hierarquia, a disciplina, a ética e os valores militares estavam em farrapos. A substituição de ministros militares golpistas em 1961, insustentáveis no cargo em razão das suas atitudes, a assunção de dispositivo favorável ao novo governo e, ainda mais, apoiados no populismo e no sindicalismo, desencadearam uma conspiração permanente, amparada em estruturações políticas, militares e empresariais, com objetivos estabelecidos, estratégias e táticas que previam, até mesmo, atos de sabotagem (DREIFUSS, 1981). Na verdade, em meio a um ambiente que pode ser enquadrado tanto no CCS como no pretoriano, vale dizer, de envolvimento dos militares com a política, dificilmente eram alcançados os postos mais altos sem que mais de um político afiançasse a candidatura.5 Segundo Stepan (1971), para os militares brasileiros, as elites tradicionais, das quais eles dependiam, tinham interesses estreitos e pessoais, da mesma forma que as classes desfavorecidas, especialmente os trabalhadores sindicalizados, defensores de objetivos corporativos, sectários e mesquinhos, opostos, muitas vezes, ao bem-estar nacional (STEPAN, 1971, p. 35). Esse autor assinala, ainda, que o segmento castrense, ao contrário, considerava-se um grupo sem interesses especiais de classe, cujos ideais se dirigiam para o pleno desenvolvimento do país, autoimagem além daquela que visa, exclusivamente à defesa nacional, o que, também, contribuía para a legitimação do arbitramento de eventos políticos em momentos de crise. Isso, aliado à crença de ser o povo fardado, transformou-se em fundamento lógico para a ampliação do Poder Militar. (STEPAN, 1971, p. 35) Entretanto, o fato de serem, em sua maioria, de classe média, tornava- os partícipes das características desse segmento, tais como: heterogeneidade, ausência de objetivos aglutinadores da classe como um todo e temor pela ascensão das classes desfavorecidas (STEPAN, 1971, p. 37; NUN, 1965, p. 76). Apesar disso, por serem militares, em tese, possuidores de maior grau de articulação e coesão, constituíam o único setor, monitorado e/ou controlado pela classe média, com esses

5 De acordo com Francisco Dornelles, sobrinho e, à epoca, Secretário Particular do Primeiro-Ministro Tancredo Neves, em março de 1962, recebeu um telefonema da sua tia, casada com o irmão do General Castelo Branco, que lhe informava haver três vagas para General de Exército: duas seriam da indicação de João Goulart e a terceira seria de Tancredo Neves. Solicitava-lhe interferir, pois já havia entrado em contato com o seu irmão, pai de Francisco Dornelles, e ele dissera que se fosse falar seria para não ser promovido. Encaminhou, então, o pleito a Tancredo que “apadrinhou” a promoção. (TANCREDO, 2014).

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 139 José Cimar Rodrigues Pinto atributos, razão pela qual ela apelava para as suas intervenções nos momentos de crise, pois não se sentia ameaçada por eles, uma vez que tenderiam a representá-la, além de protegê-la (STEPAN, 1971, p. 37). Para aquele autor, em virtude da herança cultural europeia das elites brasileiras, estas, historicamente, recusavam-se a aceitar a permanência dos militares no governo, o que se por um lado servia para esclarecer a natureza e os limites do papel a ser desempenhado pelos militares na política, por outro, configurava o componente principal do Modelo Moderador de relações entre civis e militares para o período (STEPAN, 1971, p. 50). Stepan (1971) explicita que “historicamente, os civis que formam as camadas politicamente importantes da sociedade brasileira sempre tentaram servir-se dos militares para atingir seus próprios objetivos políticos”, e eram correspondidos pela “diversidade e a abertura da instituição militar brasileira”, e por militares que “sempre foram altamente politizados”, além do mais, em “consequência das cisões internas das Forças Armadas e das tentativas que fizeram os grupos civis para atraí- los à política”, eles não eram unânimes em suas convicções políticas e ideológicas, refletindo a ampla diversidade da opinião pública (STEPAN, 1975, p. 53). O Modelo Moderador, dentre outras características, deveria manter o sistema político vigente em funcionamento, normalmente por meio de intervenções militares, amparadas em amplo consenso, que poderiam ocorrer para conquistar, manter ou impedir acesso de pretensos governantes ao Poder, o qual, após as intervenções militares, deveria ser devolvido aos civis. Para aquele autor, os principais componentes deste padrão de relacionamento civil e militar podem ser resumidos em alguns pontos básicos:

1) Todos os principais protagonistas políticos procuram cooptar os militares. A norma é um militar politizado; 2) Os militares são politicamente heterogêneos, mas também procuram manter um grau de unidade institucional; 3) Os políticos importantes garantem legitimidade aos militares, sob certas circunstâncias, para agirem como moderadores do processo político, controlando ou depondo o executivo, ou até mesmo evitando a ruptura do próprio sistema, especialmente quando isto envolve uma mobilização maciça de novos grupos anteriormente excluídos da participação no processo político; 4) A aprovação dada pelas elites civis aos militares politicamente heterogêneos para depor o executivo facilita bastante a formação de uma coalizão golpista vencedora. A negação, pelos civis, de que a deposição do executivo pelos militares seja um ato legítimo, inversamente, impede a formação de uma coalizão golpista vitoriosa; 5) Existe uma crença firme entre as elites civis e os oficiais militares de que, embora seja legítima para os militares a

140 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

intervenção no processo político e no exercício temporário do poder, é ilegítimo para eles assumir a direção do sistema político por longos períodos de tempo; e 6) Tomado genericamente, este valor-congruência é o resultado da socialização civil e militar através da educação e da literatura. (STEPAN, 1971, p. 50-51).

2.2 A Antítese: O Enquadramento

Os diagnósticos que serviram de base para a explicitação do Modelo Moderador por Alfred Stepan (1971), em grande parte, provenientes da realidade examinada, incluídos os militares entrevistados por ele, constituem demonstração cabal de que o segmento tinha conhecimento profundo das suas mazelas, desde épocas muita anteriores ao desenlace do seu movimento, conforme já foi citado. No contexto da lógica apresentada como fio condutor deste estudo, foi possível construir, abstratamente,um modelo antitético àquele vigente do período anterior ao RCM/64 – a partir dos contornos delineados pelo Modelo Moderador – capaz de permitir a realização das análises das ações que visaram a interrupção da marcha de corrupção e fragilização do sistema, via participação militar na política, na forma de um Antimodelo, o qual foi denominado de Enquadramento, demonstrando-se com a seguinte configuração: 1) Os protagonistas políticos foram cerceados na ação de cooptação dos militares e a norma é despolitizar os militares. 2) Tornou-se necessário homogeneizar, neutralizar e esterilizar politicamente os militares, ação que contribuiu para maior unidade institucional. 3) Não houve mais rupturas indutoras de intervenções militares; os políticos foram mantidos na função legitimadora, não mais para sustentar o sistema por ocasião das crises, mas para proporcionar-lhe continuidade e referendar reformas constitucionais e legislativas; ao mesmo tempo, houve relativo congelamento de novos grupos, cujos raros representantes se envolveram com parcelas marginais de militares. 4) Não houve mais necessidade de aprovação pelas elites civis, os militares extraiam sua força política da própria corporação e os civis passaram aser coadjuvantes, inclusive como auxiliares na formatação, estruturação e manutenção do regime. 5) Os governantes militares assumiram o sistema político e permanecem nele com respaldo político partidário e de votos parlamentares e populares e se viram em conflito com a sua própria ética profissional; o qual se resolveu em função das suas submissões às éticas: maquiavélica, dos meios e fins e da manutenção do

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 141 José Cimar Rodrigues Pinto poder; e weberiana, das responsabilidades;6 apoiadas em cuidadosa construção de legitimidade, tanto institucional como no segmento armado, o que lhes garantiu a permanência no poder. Ao galgarem o centro político, encimando o sistema militar, paradoxalmente, adquiriram as condições para adotar as medidas necessárias à ruptura com a prática das intervenções, retirando a fração castrense da atividade política 6) Tornou-se necessário recondicionar a mentalidade militar para afastá-la da crença de que deveriam, constantemente, salvar o país de si mesmo. A análise da dinâmica que conformou e foi condicionada por tal estrutura teórica utilizar-se-á de fatos históricos e eventos contributivos à extração das inferências causais e explanatórias em sustento à essa construção, à essa construção, cuja abordagem, a seguir, será dividida em três períodos característicos: Antes, Durante e Depois do Ato Institucional no 5 (doravante AI-5).

O Regime Civil e Militar Antes do Ato Institucional no 5

A rigor, as primeiras medidas tomadas antes da assunção do Presidente Castelo Branco nos Atos do Comando Supremo da Revolução, entre 9 e 13 de abril de 1964 já indicavam a prioridade atribuída ao setor militar, tendo sido cassados 186 militares, de um total de 353.7 (BRASIL, [19??], v. I) O peso dessas sanções, inicialmente, desabou sobre aqueles considerados comunistas, esquerdistas radicais, populistas ou membros do governo derrubado (ALVES, 1987; KLEIN, FIGUEIREDO, 1978; VASCONCELOS, 2010). Castelo Branco assumiu seu governo imbuído de um espírito reformista, civilista e legalista, apesar de estar sob a égide do Ato Institucional no 1 (doravante AI-1), seu viés autoritário, cuja duração deveria ser de dez meses. Coerente com as suas ideias, expostas sob o pseudônimo de Coronel Y, mirava na construção de Forças Armadas profissionais, as quais, a princípio, deveriam se afastar da política (BRANCO, 1933). Castelo Branco, entretanto, não se deu por satisfeito com essas primeiras atividades de depuração do tecido militar e encetou um processo de reformas de longo prazo. Apenas três meses após assumir a presidência, fez passar pelo Congresso a Emenda Constitucional no 9, de 22 julho de 1964 (BRASIL, 1964a) cujo artigo 138, parágrafo único, transferia para a inatividade os militares que ocupassem cargos políticos, os quais, até então, exerciam, tais afazeres alheios ao serviço, em constantes idas e vindas da caserna.

6 Para o conflito entre éticas: cf. Pinto, José Cimar Rodrigues, Relações Político Militares entre 1964 e 1985: O Desvelar de Duas Vocações, Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 66, Rio de Janeiro: ESG, 2017. pp. 169-197. Para os dados relacionados aos apoios: político, parlamentar e popular, idem, pp. 190-2. Disponível em: https://www.esg.br/esgbr/publi/periodicos-cientificos/revista_esg. 7 Os somatórios das cassações decorrentes das medidas governamentais foram feitos pelo autor com base nos registros constantes dos documentos em referência: Ministério da Aeronáutica,v. I e II.

142 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

Na Lei no 4.448, de 29 de outubro de 1964 (BRASIL, 1964b) que visou restaurar a supremacia do mérito e dos valores profissionais sobre as interferências políticas, foram reguladas, inicialmente, as promoções dos oficiais do Exército, que, as quais, posteriormente, seriam estendidas para as demais Forças Armadas. Ao longo do tempo, até o término daquele regime, tal mentalidade iria, cada vez mais, solidificar-se. Ressalta-se, ainda, dessa Lei, a regulamentação das promoções por escolha, as quais afetavam os oficiais superiores e generais, sob o escrutínio, exclusivo, de uma Comissão de Promoções de Oficiais (mais antigos) de cada força singular. Regulamentações similares seriam estabelecidas para as praças. Sob essas medidas, ficavam restringidas as interferências dos políticos na carreira dos militares. A Lei no 4.902, de 16 de dezembro de 1965, (BRASIL, 1965), chamada de Lei da Inatividade consubstanciou a perspectiva descortinada com a Emenda Constitucional no 9. Ademais de extinguir o posto de marechal, fato que, por pouco, não alcança o Ministro da Guerra, adentrou em importantes considerações, pois, fixava, pela primeira vez, idades limites para a permanência nos postos. Até aquela ocasião, os oficiais generais não tinham prazos definidos para permanecer no serviço ativo. Tal situação tendia a constituir e reforçar lideranças, que, no quadro vigente anterior, de pleno envolvimento com a política, acreditava- os junto às correntes político-partidários e habilitava-os a constituir caudais com numerosos seguidores, cujos desideratos não eram aqueles do apanágio militar e sim da lavra originada da vocação política.8 A Lei no 4.902 (BRASIL, 1965) teve, ainda, importante repercussão sobre os militares que exerciam atividade política, embora não partidária, inclusive as praças. Isso porque aumentou de vinte cinco para trinta anos o tempo de serviço. Ao conceder àqueles que tivessem alcançado o primeiro requisito (de 25 anos) a passagem para a inatividade, com todos os direitos advindos de legislações anteriores no pós-guerra, inclusive a promoção de um posto acima e a percepção de dois, possibilitou a seus integrantes, que atuavam politicamente ou simpatizam com o modus vivendi do período anterior, deixassem voluntariamente o serviço ativo. Sob as condições vigentes em seu governo – constitucionais, decorrentes dos Atos Institucionais, legais e regulamentares – Castelo Branco dispunha de amplo arsenal de providências que poderiam ser adotadas visando atingir seu principal objetivo no âmbito castrense: a retirada dos militares da participação disseminada na política como instituição, em grupos ou individualmente. As medidas disponíveis incluíam: cassação; transferência para a reserva remunerada ou a reforma; enquadramento individual e coletivo em prescrições contidas em leis, decretos e regulamentos; formatação da carreira de formaa

8 Cf. PINTO, op. cit., 2017.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 143 José Cimar Rodrigues Pinto excluir indesejáveis; negativa de promoções, particularmente para os últimos postos da carreira; exclusão da interferência política partidária; punições penais ou administrativas, a partir dos regulamentos disciplinares das forças singulares; negativas de engajamentos e reengajamentos; dentre outras. Com tais instrumentos, milhares de remanescentes do período anterior seriam alcançados ou deixariam o serviço militar voluntariamente, em decorrência das novas regulamentações (ALVES, 1987; KLEIN, FIGUEIREDO, 1978; VASCONCELOS, 2010). Ao mesmo tempo, ficavam lançadas as bases para e extinção de duas das principais influências políticas sobre as Forças Armadas: a partidária e a ideológica. Castelo Branco apontou a direção geral do movimento, inexorável, na direção do afastamento dos militares da política, iniciado com os expurgos nos segmentos mais ativos da esquerda, mas que alcançou, também a 9 direita (CHIRIÓ, 2009; ARGOLO, FORTUNATO, RIBEIRO, 1996; ARGOLO, FORTUNATO, 2004). Duas áreas eram consideradas muito sensíveis: a Vila Militar, em razão da massa crítica de poder de que dispunha, capaz de iniciar e manter movimentos sediciosos, e por sua histórica participação na política; e as academias e escolas militares. Castelo Branco enfrentou inúmeras crises, muitas originadas desses setores. Mesmo assim, não abria mão das suas orientações. Em meio a uma dessas instabilidades, em uma das escolas mais ativas politicamente, a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), na Vila Militar, assim se referiu:

Agora, parece que me é permitido vos falar e mesmo de vos perguntar qual é a vossa posição. Será a de solidariedade ao Governo? Não. Porque o Exército não é um partido político para apresentar solidariedade ao Governo ou a quem quer que seja. Quem tem o direito de apresentar solidariedade tem o direito de apresentar também desaprovação. O Governo espera vosso apoio? Não. O Exército Nacional não é uma associação para manifestar, aqui, ali e acolá, o seu apoio a este ou àquele elemento porque também terá o direito de desapoiar. [...] Infeliz o Exército que deve estar em suas posições de combate para dar apoio ou solidariedade aos governantes ou à oposição. Desgraçado do Governo que esteja à espera dessa solidariedade e desse apoio. (VIANA FILHO, 1975, p. 97).

Apesar das suas convicções, Castelo Branco, na dimensão política, seria tolhido por vetores que configurariam verdadeira tripolaridade paradoxal, a qual engolfou seu governo e o seguinte em diversos curtos-circuitos e, pelo menos em duas oportunidades, quase os derrubou, ocasiões que ficariam bem demarcadas pela emissão do AI-2 e do AI-5, conforme serão explicitados a seguir.

9 Cf. as ações repressivas sobre parcela da direita em Chirió e Argolo et al.

144 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

Trata-se, no primeiro polo, da hostilidade dos “revolucionários” para com os comunistas e a esquerda em geral, identificados como ameaças à continuidade do regime e à almejada despolitização da fração armada, a qual ficou consubstanciada no constrangimento, perseguição e exclusão de seus militantes (ALVES, 1987; KLEIN; FIGUEIREDO, 1978; VASCONCELOS, 2010); no segundo, a radicalização do segmento esquerdista, visando o encurralamento do regime e, se possível, a sua derrocada, para cuja finalidade erigiu uma rede de poder capaz de instaurar “resistências” significativas, (FOUCAULT, 2007), cujo clímax iria ocorrer com a deflagração da luta armada (MELLO, 1979; MACIEL; NASCIMENTO, 2012) e, na terceira das polaridades, o desafio aposto pela linha dura e os radicais da direita, cujas ações ora se opunham à esquerda ou aos governantes, ora se somavam a um ou outro, o que provocou reação daqueles últimos no sentido da suas supressões (ARGOLO, FORTUNATO, RIBEIRO, 1996; ARGOLO, FORTUNATO, 2004; CHIRIÓ, 2009). Conforme exposto, o primeiro desses focos de tensão foi extirpado do interior das forças armadas logo no início do processo “revolucionário”, remanescendo raros focos, como é o caso da célula comunista de Capitão Carlos Lamarca e do Sargento Darcy Rodrigues, no 4o Regimento de Infantaria, de Quitaúna, São Paulo (MACIEL; NASCIMENTO, 2012, p. 305). Entretanto, diversos elementos, radicais ou não, permaneceram em ação, mantendo ativo esse primeiro polo e contribuindo para engrossar o segundo, o qual passaria a estruturar as resistências da esquerda, configuradas, principalmente, em três vetores de maior duração: no radicalismo parlamentar, acadêmico/estudantil e na luta armada. Já o terceiro desses polos de tensão provinha do interior do segmento armado e se orientou em duas tendências principais: 1) da linha dura: na permanência da propositura do endurecimento do regime; e nas teses da soberania militar, dos governantes como delegados da revolução, da opinião dos quartéis e da participação política dos militares; e 2) dos radicais de direita: por meio de infiltração no sistema de inteligência; no extremismo e no terrorismo. Em ambas, as teses das forças autônomas são capazes de impor as revoluções imaginadas pelas diversas correntes de pensamento que apoiaram o Movimento (ARGOLO, FORTUNATO, RIBEIRO, 1996; ARGOLO, FORTUNATO, 2004; CHIRIÓ, 2009). Arthur da Costa e Silva, sucessor de Castelo Branco, assumiu sem instrumentos de exceção, em virtude da revogação do AI-2, e deu continuidade ao processo de enquadramento iniciado por seu antecessor. No campo estritamente militar, as medidas políticas, militares e administrativas adotadas anteriormente, intocadas e aprofundadas, começaram a fazer efeito. Uma das mais notáveis foi o súbito desaparecimento do protagonismo dos oficiais subalternos, intermediários, com a exceção da EsAO, e superiores. Os soldados, marinheiros, cabos, sargentos, subtententes e suboficiais, após a dura repressão, desvaneceram do cenário político. E, também, os Clubes Militares, de

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 145 José Cimar Rodrigues Pinto oficiais e praças. Observava-se, entretanto, o crescimento da participação dos oficiais generais (CHIRIÓ, 2012, p. 134). O significado desse fenômeno está diretamente relacionado ao restabelecimento da ordem, da hierarquia, da disciplina e das regras de precedência em um ambiente claramente mais homogêneo, escoimado dos radicais de esquerda e de direita, estes escaldados por prisões, transferências e expurgos; e dotado de mecanismos capazes de eliminar qualquer divergência política, administrativa ou disciplinar. Novos atores, porém, apresentavam-se. Entre eles, destaca-se o Centro de Informações do Exército (CIE), inaugurado em julho de 1967, no ministério de Aurélio de Lyra Tavares, o qual não se restringia à mera coleta de informações, como o Serviço Nacional de Informações (SNI), e avançava para uma postura operacional ativa e queria fazer brotar novos e disseminados rebentos radicais. (ARGOLO; FORTUNATO; RIBEIRO, 1996, ARGOLO; FORTUNATO, 2004) Costa e Silva enfrentou diversos desafios: da esquerda reorganizada no parlamento, na área acadêmica e estudantil e na instauração da luta armada. Esta última, em evento marcante, realizou atentado no aeroporto de Recife, contra esse general, então candidato, que não alcançou sucesso por acaso, apesar de causar mortos e feridos, dentre eles um almirante (MELLO, 1979, p. 355). Baseado nos órgãos de inteligência do governo, o Secretário Geral do Conselho de Segurança apresentou uma avaliação com elementos informativos de todo o Sistema Nacional de Informações dando conta de que o plano de agitação comunista tinha muita profundidade; contava com o apoio dos deputados esquerdistas que, usando das suas imunidades, insuflavam a mobilização; e recebia apoio estrangeiro; tudo com o objetivo de enfraquecer o governo, levando-o à derrocada (MELLO, 1979, p. 564). A ação “desarmada” comunista fazia tanto ou mais efeito que a luta armada. A opção do Partido Comunista Brasileiro de tomar o poder por vias da mobilização não era irrealista. As esquerdas reunidas em frente parlamentar, acadêmica, estudantil e na luta armada conduziriam os órgãos de inteligência a considerar que “se desenvolvia no País um processo de guerra revolucionária, isto é, a luta de facções da população empenhadas em tomar o poder, para implantar uma nova ordem social, com base na ideologia marxista-leninista a que essas facções estavam convertidas” (MACIEL; NASCIMENTO, 2012, p. 334). A linha dura, por sua vez, explicitou suas teses: em junho de 1967, o coronel Rui Castro (1967), diretor da Biblioteca do Exército, propôs que “o pensamento militar na posição de grande mudo é coisa do passado” (CASTRO, 1967 p. 1); e, juntamente, com o Coronel Boaventura, no mesmo mês, solicitaram ao Ministro do Exército “para protestar contra os empecilhos à participação política”; contexto no qual “o oficial livra-se dos intermediários hierárquicos – reivindica, aliás, um canal direto de acesso ao presidente e acusa seus superiores diretos de trair seu pensamento – ao mesmo tempo em que reconhece a autoridade ministerial” (CHIRIÓ, 2012, p. 102).

146 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

O Aviso no 212, de 11 de julho de 1967 (BRASIL, 1967), trouxe a resposta, por considerar que tal proposta consistia, entre outros motivos, prática “condenável para o moral e a disciplina”, pois afetava “os princípios da ética, lealdade, obediências as normas... e o bom nome da classe”; recomendando, afinal, o não encaminhamento de petições às autoridades governamentais ou do ministério, sem passar pelos canais hierárquicos. Da mesma forma do que acontecia na esquerda, expandiam-se os movimentos de direita radical, os quais passaram a atuar dentro dos órgãos de inteligência. Muitos dos militantes, a partir de então, seriam egressos dos órgãos de informação, particularmente do CIE, integração que iria facilitar muito o recrutamento, a coleta de dados e a seleção de objetivos. Conforme Maud Chirió (2012), diferentemente da atuação da linha dura na fase anterior “Não se trata mais de orientar o poder, mas de agir na sua sombra, em contradição flagrante com a exigência de apolitismo dos oficiais que, não obstante, o Executivo tenta há quatro anos restabelecer em proveito próprio” (CHIRIÓ, 2012, p. 125). Pela esquerda, em 3 de julho, “dezenas de estudantes portando metralhadoras, fuzis, revólveres e coquetéis molotov ocuparam as faculdades de Direito, Filosofia e Economia da Universidade de São Paulo (USP), fazendo ameaças de colocação de bombas e prisão de generais” (MACIEL; NASCIMENTO, 2012, p. 271). Esse evento, juntamente com o seguinte, a Passeata dos Cinquenta Mil, em 4 de julho de 1968, sucessora da anterior, dos Cem Mil, ambas ocorridas no Rio de Janeiro, iria demarcar com nitidez a bifurcação do movimento estudantil: no descenso da mobilização de rua e no encaminhamento para a luta armada dos mais radicais. A agitação esquerdista, cujo clímax ocorreu com o discurso de Márcio Moreira Alves, no contexto de conflito estudantil ocorrido na Universidade de Brasília, com feridos entre policiais e estudantes, mais as pressões e constrangimentos da linha dura e dos radicais, novos levantes de tropas e reações militares conduziriam Costa e Silva, sob ameaça de golpe ou destituição, à edição do AI-5, em 13 de dezembro de 196810 (MELLO, 1979, p. 647).

2.3 O Regime Civil e Militar durante o AI-5

Apesar das propaladas intenções de redemocratização, tanto de Castelo Branco, quanto de Costa e Silva, o Brasil adentrou no período mais obscuro de toda

10 Em 12 de dezembro, após a negativa para o prosseguimento da ação no Supremo Tribunal Federal contra o Deputado Márcio Moreira Alves, resultante da votação no Congresso, o Ministro do Exército, Lyra Tavares, recebeu, em seu gabinete no Rio de Janeiro, numerosos oficiais generais sediados na cidade, ocasião em que foi constrangido por alguns. Nessa ocasião, o General de Exército Moniz de Aragão, afirmou, sob o silêncio dos demais que “se o Presidente está vacilando, então deve ser ultrapassado”, alusão clara ao golpe, ao que Tavares respondeu, “que fizesse, mas sem o Ministro.” (MELLO, 1979, p. 647)

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 147 José Cimar Rodrigues Pinto a etapa autoritária imprensado pela resultante advinda das radicalizações da direita e da esquerda. Costa e Silva tentou, ainda, a edição de uma Emenda Constitucional, a fim de revogar o AI-5 e obter os instrumentos que lhe permitissem enfrentar as tempestades que se aproximavam. A Emenda ficou conhecida como a Constituição que não foi (VIEIRA, 2002). Em 19 de maio de 1969, um expoente militar da linha dura foi alcançado pelas cassações: o Coronel Francisco Boaventura Cavalcanti Junior, cuja justificativa, que acompanhava o ato, acusava-o de que “divorciou-se dos deveres fundamentais do militar, tomando posição incompatível com a condição de Oficial Superior do Exército ativo e com as normas basilares da organização das Forças Armadas” (BRASIL, 1969, p. 4238-4239). Teria terminado assim, não fosse o General de Exército Augusto César Moniz de Aragão, da mesma corrente de pensamento, ter tomado a defesa de Boaventura. A questão proporcionou a oportunidade de desatar um dos nós que agrilhoavam o pensamento de muitos militares, inclusive entre aqueles dos mais altos níveis hierárquicos. Nesse caso, se os governantes militares seriam delegados de uma vontade militar, ou ainda, a quem pertenceria a legitimidade do governo: se as Forças Armadas, a tese, implícita, da soberania militar ou dos quartéis; ou ao povo e suas instituições. Moniz de Aragão, por meio de carta ao Ministro do Exército, sob o pretexto de defender Boaventura, mas procurando firmar sua liderança na “opinião militar”, força sua posição. Ao não obter a resposta desejada, realizou reunião no Departamento de Provisão Geral que chefiava e proferiu críticas ao círculo presidencial, as quais foram transcritas em nova carta dirigida ao seu superior e distribuída em diversos comandos, nas escolas militares, Congresso e, até mesmo, em representações diplomáticas (MELLO, 1979, p. 765-777; CHIRIÓ, 2012, p. 140). Nessa missiva, seu autor explicitava a questão essencial: “Os oficiais das Forças Armadas, porque se julgam responsáveis pelo regime revolucionário, entendem que têm o direito e o dever não só de fiscalizar e apreciar os atos do Governo, que imaginam sua criatura, como até de afastá-lo se dele discordarem” (CHAGAS, 1979, p. 99). Era a ideia que persistia, desde o início do movimento, de que o governante seria um delegado da opinião militar, seja lá o que isso fosse, ou mesmo que existisse. O General Antônio Carlos Muricy, Chefe do Estado Maior do Exército, assim “como Lyra, interpreta o discurso de Aragão como legitimação de um controle coletivo dos quartéis sobre o governo. Para o primeiro, isso denota uma ‘tentativa de diminuição da autoridade governamental’” (CHIRIÓ, 2012, p. 141). A vocação política e a vocação militar estavam em choque.11 O Ministro do

11 Sobre essas duas vocações, cf. in Pinto, op. cit., 2017.

148 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

Exército apresentou a única solução viável. Em reunião do Alto Comando sobre o Caso Aragão, assim coloca a questão:

A afirmação de um General de Exército, no sentido de que cabe aos oficiais das Forças Armadas fiscalizar os atos do Governo e até afastá-lo do Poder se dele discordarem, provocaria, como consta que já está sendo feita, a pergunta demolidora da Revolução: E o Povo? E as Classes Produtoras? E os Sindicatos de Classes? E os outros Poderes da República? etc. etc. (BRASIL, 1967, p. 2)

A argumentação equilibrava-se sobre o fio da navalha, embora o Congresso estivesse fechado, mas significava que o regime não renunciara às referências democráticas e nem aceitava o retrocesso para o entrelaçamento do político com o militar. Para a surpresa de Moniz de Aragão, a reação dos Generais de Exército foi de repulsa. Ao mesmo tempo que hipotecaram seu apoio ao Ministro do Exército, propugnaram pela, inédita, exclusão de um membro do Alto Comando, o que foi feito. Ele perderia, também, o cargo que ocupava, permanecendo sem função até o próximo governo (CHIRIÓ, 2012, p. 141). Em 29 de agosto de 1969, o Presidente Arthur da Costa e Silva sofreu o primeiro acidente vascular cerebral, o qual o impossibilitaria de governar e o levaria a morte menos de quatro meses depois; fato que instaurou maior risco para o projeto de retirada dos militares da política e fragilização do regime, em virtude da sua dependência da coesão dos militares. Qualquer fissura, poderia virar uma fratura e acabar em derrocada. Isso porque a Junta Militar, que assumiu o poder, ao elidir a previsão constitucional para a sucessão presidencial, responsabilizando-se pelas prerrogativas presidenciais, reinstaurou a atividade política no interior das Forças Armadas, deflagrou o processo de sucessão sem regras claras e dependente de interpretações regionais e setoriais, ocasião que ensejou reações e indisciplina. Um dos que se insurgiram, Ernesto de Mello Batista, Almirante de Esquadra, detentor do mais alto posto da Marinha do Brasil, ensejou a edição do Ato Institucional no 17 (BRASIL, 1969), cuja finalidade era reforçar a cadeia hierárquica na prerrogativa de decidir a sucessão. Acabou preso e transferido para a inatividade. Naquele documento, ficava enfatizada a linha de pensamento do enquadramento, o qual, após reiterar os princípios da hierarquia e da disciplina, explicitava:

Art. 1o - O Presidente da República poderá transferir para a reserva, por período determinado, os militares que hajam

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 149 José Cimar Rodrigues Pinto

atentado, ou venham a atentar, comprovadamente, contra a coesão das forças armadas, divorciando-se, por motivos de caráter conjuntural ou objetivos políticos de ordem pessoal ou de grupo, dos princípios basilares e das finalidades precípuas de sua destinação constitucional. (BRASIL, 1969, p. 1).

O recado era claro: nem mesmo um oficial ocupante do posto mais alto da hierarquia estava isento de cumprir as determinações advindas dos superiores, mormente quando emanadas dos supremos mandatários. Nos dois turbulentos meses de governo da Junta Militar, a coesão militar foi colocada à prova como nunca fora; a vocação política e a vocação militar estiveram a um passo da improvável fusão; as conquistas de Castelo Branco e Costa e Silva ficaram por um fio, pois a ebulição política na tropa, causada pelo sequestro do Embaixador estadunidense e pela sucessão presidencial, ressuscitou o espírito autonomista das camadas mais baixas da hierarquia que, na altura do problema de saúde do Presidente, já estavam devidamente controladas. Finalmente, chegou-se a um consenso com a indicação e a eleição de Emílio Garrastazu Médici. Para o bem e o mal, o novo governo herdou um aparato político, jurídico, institucional e militar cuja estrutura possuía maior coerência, harmonia e convergência do que aqueles dos seus antecessores. Tal instrumental de poder, inclusive repressivo, à disposição do Presidente da República, permitia, pela primeira vez, a imposição unilateral das decisões governamentais, vale dizer, sobre as hostes militares, situacionistas, oposicionistas, da cidadania e da guerrilha. No âmbito militar, a convivência respeitosa e harmônica do Presidente com os Ministros Militares, particularmente com o Ministro do Exército, o General Orlando Geisel, restaurou o rumo do regime, abalado no período da Junta Militar, na direção do afastamento dos militares da política. Logo no início do governo, esse ministro, em reunião com o Alto Comando do Exército, explicitou claramente o novo patamar que havia sido alcançado:

Queiramos ou não, estamos metidos na política. O general muitas vezes é obrigado a aparentar que não está metido em coisa alguma, que cuida apenas da parte profissional, mas o general, evidentemente, tem que se meter na parte política; mete-se pelos bastidores... Capitão, major, coronel e o próprio general de brigada devem deixar de fazer política; política é só nos altos escalões12. (GASPARI, 2002, p. 137).

12 Ata da 48a Reunião do Alto Comando do Exército. De acordo com observação de Maud Chirió, com a qual concordamos, a data aventada por Gaspari, de 26 de julho de 1979, está errada, pois o encontro teria ocorrido em novembro de 1969.

150 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

Em outra dimensão, em 14 de junho 1971, ocorreu um episódio envolvendo a linha dura da Força Aérea Brasileira, representada pelo próprio Ministro, Marechal do Ar Márcio de Souza e Mello, e radicais de direita atuantes na repressão. Tratou-se da morte de Stuart Angel Jones, militante radical de extrema esquerda, atuante no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Capturado por elementos do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), subordinado diretamente a Souza e Mello, desapareceu após ter sido conduzido às dependências do Quartel General da 3a Zona Aérea, cujo comandante era o Major Brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, conhecido radical de direita; e os indícios apontavam a responsabilidade, mesmo que indireta, para este e mais seis oficiais membros do CISA (CHIRIÓ, 2012, p. 178). Este fato desagradou o Presidente da República, o qual, em despacho sobre a lista de oficiais-generais a serem promovidos em dezembro na Força Aérea, discordou da inclusão daqueles envolvidos no episódio de Stuart Angel, o que gerou um desentendimento com o Ministro da Aeronáutica, conduzindo-o à demissão pelo Presidente . De acordo com Burnier (2005):

Esse desentendimento provocou uma verdadeira mudança na orientação da presidência da República com relação aos oficiais revolucionários da Aeronáutica e foi aí que se iniciou realmente a derrocada da oficialidade que tinha tomado parte da Revolução de 64 que começou a ser ignorada nas promoções. (BURNIER, 2005, sem paginação).

Logo em seguida, em cumprimento às determinações regulamentares de renovação obrigatória de 25% dos oficiais em serviço ativo, a cada ano, em 31 de dezembro de 1971, Burnier não foi promovido, sendo transferido compulsoriamente para a reserva remunerada, assim como outros oficiais-generais do seu círculo mais próximo, oriundos da área de informações (CHIRIÓ, 2012, p. 179). A atitude de Médici, em relação a essas veleidades autonomistas transmitiu o entendimento para os meios políticos e militares de que o Presidente da República utilizara o evento para mandar um recado claro contra a articulação entre comandos militares da linha dura e representantes dos porões de que não compactuaria com tais atitudes, pelo menos no âmbito militar, atitude que reforçava a linha dos comandantes que não aceitavam os excessos, mas, logicamente, empurravam seus membros mais radicais para a clandestinidade (CHIRIÓ, 2012, p. 179). Seu sucessor, assumiu, sob a égide da “Abertura”, a qual seria submetida a novos desafios, uma vez que a convergência de objetivos entreas oposições e os governantes, sob o novo ritmo, rompeu a harmonia que havia sido estabelecida no governo anterior entre moderados, linhas duras e radicais, dessa vez, colocando o arcabouço do enquadramento, novamente, à prova.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 151 José Cimar Rodrigues Pinto

Além disso, moderados e radicais da oposição discordavam do ritmo do retraimento dos governantes militares da política. O Brasil preparava-se para o embate democrático e os diversos segmentos começavam suas ações de retorno. Nesse contexto, dois eventos tornaram-se marcantes e ilustram os desafios apostos ao novo rumo e ao envolvimento dos militares com a política. Desde a criação dos Centros de Operações de Defesa Interna/Destacamentos de Operações e Investigações (CODI/DOI), replicações da estrutura da Operação Bandeirantes (OBAN), existiam denúncias de realização de torturas por esses órgãos, sem que fossem tomadas medidas firmes no sentido de apurá-las e coibi- las. Nos primeiros excessos autonomistas da comunidade de informações, no caso da Força Aérea, quando Médici os enfrentou, houve deslocamento das atividades repressivas para áreas clandestinas de atuação. Geisel, pelo menos formalmente, posicionou-se frontalmente contra qualquer desvio de conduta daqueles órgãos. Ele “faz da luta contra os excessos e indisciplinas dos órgãos de repressão um dos elementos principais da descompressão autoritária; elemento presente desde o discurso inaugural da distensão” (CHIRIÓ, 2012, p. 176). Entretanto, após o desbaratamento da guerrilha, os órgãos de informação, sem um inimigo para sua autojustificação como atividade relevante, passaram a reprimir as atividades dos partidos comunistas na clandestinidade. Assim, em 24 de outubro de 1975, o jornalista e militante comunista Vladimir Herzog, após campanha realizada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo contra as atividades que desenvolvia na Televisão Cultura, foi convocado a prestar esclarecimentos no CODI/DOI do, então, II Exército, desse ente federativa, comandado pelo General de Exército Ednardo D’Ávila Mello, anticomunista da linha dura. No dia seguinte, voluntariamente, dirigiu-se àquelas dependências, onde após ser interrogado, veio a falecer, tendo as apurações, posteriormente confirmadas em Inquérito Policial Militar (doravante IPM) e amparadas em laudos periciais, concluído pelo seu suicídio. Seus companheiros de cárcere alegaram terem escutado solicitações por instrumentos para tortura. O rabino que procedeu suas exéquias, teria, também, constatado sinais de violência em seu corpo. Nesse mesmo contexto, de diligências para apurar a atuação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 17 de janeiro de 1976, foi preso, interrogado e veio a falecer o operário Manoel Fiel Filho, nas dependências do mesmo CODI/DOI em circunstâncias similares às de Vladimir Herzog (FIEL FILHO, 1976). O IPM instaurado para apurar o fato em trinta dias, após concluir pela tese de suicídio, foi encaminhado à Justiça Militar, cujo procurador encarregado do caso pediu seu arquivamento sob a alegação de que “As provas apuradas são suficientes e robustas para nos convencer da hipótese do suicídio de Manoel Fiel Filho” (FIEL FILHO, 1976, p. 4).

152 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

Portanto, era claramente um desafio dos radicais e da linha dura aos rumos estabelecidos pelo Presidente da República. Para o, então, Governador do Estado de São Paulo, em depoimento à Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, pessoa de confiança do Presidente, tratava-se “de um plano para tirar o Geisel do poder”, acrescentando “ter presenciado uma reunião de Geisel com dirigentes militares após a morte do primeiro, na qual Geisel disse que não toleraria mais esse tipo de crime nas dependências do Exército” (COSTA, 2013). Geisel não titubeou. Apesar das conclusões dos IPMs terem sido referendadas pela Justiça Militar, determinou a exoneração do Comandante do II Exército. Cumpria suas promessas e mandava mais um sinal eloquente para a linha dura e os radicais. Após isso, “Nenhum preso político morre mais sob tortura nas prisões brasileiras depois de Manoel Fiel Filho”. A partir de 1977, “nenhum assassinato ou desaparecimento político de cidadão brasileiro em solo nacional é mais registrado” (CHIRIÓ, 2012, p. 186-187). No segundo episódio, o desafio veio do próprio Ministro do Exército, Sylvio Couto Coelho da Frota, anticomunista ferrenho e representante da linha dura. Frota (2006), em diversas ocasiões, apresentou divergências com o governante máximo e seus colaboradores. Entretanto, a mais ameaçadora das suas posições referia-se à ressurreição da ideia de que o Presidente seria um delegado da opinião militar13 (FROTA, 2006). A noção havia sido explicitada pela Liga Democrática Radical (Lider), extinta, juntamente com o Movimento Anticomunista (MAC), em novembro de 1965, por suas atividades radicais de direita;14 (LIGA DEMOCRÁTICA RADICAL, 1965, p. 3) ideias, depois, expostas pelo General Moniz de Aragão. No estado de centralização hierárquica e disciplinar daquela época, como já foi dito, por mais vaga e indeterminada que fosse essa noção, corresponderia aos componentes dos Altos Comandos das Forças, sobressaindo-se, naturalmente, o do Exército, cujos supremos intérpretes seriam os ministros militares e, primus inter pares, o próprio Frota. Ora, Geisel percebia, por trás das teses daquele ministro, intenções de repetir a caminhada que acabara com a imposição da candidatura do Marechal Costa e Silva e, agora, o regime precisava trilhar outro rumo que não aquele. Ao observar a inclinação de Geisel pelo, então, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), General João Batista de Oliveira Figueiredo, para seu sucessor, Sylvio Frota resolveu pavimentar a sua própria candidatura. Em consequência, no ano de 1977, formou-se um “um grupo frotista” na Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

13 Tal ideia pode ser encontrada em diversas passagens de suas memórias. 14 Segundo a qual “o Chefe do Governo nada mais é do que um Delegado do Comando Supremo da Revolução e, consequentemente, não pode agir em nenhuma hipótese contrariamente aos ideais revolucionários que se sobrepujaram à própria Constituição.” Cf. In Jornal do Brasil, em 23 abr. 1965, p. 4.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 153 José Cimar Rodrigues Pinto

Frota, naturalmente, poderia articular o recebimento de apoio para as suas teses por parte do Alto Comando, o que não seria difícil obter, uma vez que, ademais das discordâncias existentes com as decisões presidenciais pelos representantes da linha dura e radicais, o preferido não era general de exército, a cláusula pétrea daquela oficialidade e, pelo andar do calendário, não poderia alcançar aquele posto até a eleição sem a preterição de concorrentes na ativa, o que desagradaria outros tantos, pela perda de seus preferidos. A futurologia do pretérito diria que Frota, com o aval de seus generais, poderia impor condições ao Presidente, ou fazer algo pior, conforme disse Paulo Egydio. Diante dessas dificuldades, Geisel resolveu demitir Sylvio Frota, em 12 de outubro de 1977, um domingo. Em evento protagonizado pelo Chefe do Gabinete Militar, o General Hugo de Abreu, em pleno aeroporto de Brasília, diante dos automóveis enviados pelo Ministro do Exército para buscar os generais que chegavam para reunião convocada por ele, formulava convite do Presidente da República para encontro com aquele governante, logrando desviá-los do seu destino. Após a adesão dos generais, Geisel demitiu seu Ministro do Exército e seus fiéis seguidores, tais como: o Chefe do CIE, General Antonio Silva Campos, (FROTA, 2006, p. 529-530) o General Adyr Fiúza de Castro, criador do CIE (SOARES; D’ARAUJO; CASTRO, 1995, p. 197); o Tenente Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, Chefe da Seção de Operações do CIE (GASPARI, 2016, p. 22) e sessenta comandantes de unidades (JORNAL DO BRASIL, 1977, p. 4). Juntamente com esses representantes do radicalismo foram obliteradas suas teses e possibilidades de retrocesso no processo de enquadramento. Tais atitudes inauguravam uma nova etapa no enfrentamento da linha dura e na contenção dos radicais. A consequência, lógica, foi a ruptura da sinergia entre esses dois segmentos, uma vez que os primeiros perdiam a capacidade de uso instrumental dos últimos, como mecanismo de pressão sobre o regime e como apoio à liderança que exerciam sobre os segmentos mais conservadores. A retomada da convergência de rumos entre um governo que desejava institucionalizar suas relações com as Forças Armadas em geral e o Exército em particular, ao mesmo tempo em que reforçava as figuras simbólicas deseus ministros, retirava dos comandantes militares de área, vale dizer, os comandantes de exército, a autonomia que sempre detiveram. Pelo menos sobre os assuntos com repercussão política. Dessa ocasião em diante, estavam traçados novos limites de tolerância, mais estreitos do que aqueles propalados por Orlando Geisel em sua célebre reunião. Eram os últimos elos dos círculos hierárquicos que faltavam a serem enquadrados. Entretanto, ainda faltavam os elos funcionais e pessoais representados pelos radicais de direita que operavam nos porões, nas cercanias dos altos escalões.

154 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

2.4 O Regime Civil e Militar Depois do AI-5

O último dos governantes militares, João Batista de Oliveira Figueiredo, assumiu sob condições mais democráticas, uma vez que o instrumental de exceção fora revogado. Com a Carta Magna vigente, a partir de 1982, foram eleitos diversos políticos da esquerda, condição que não ocorria desde a extinção do Partido Comunista em 1947, por Eurico Gaspar Dutra. Entretanto, a linha dura não perdera a esperança de reassumir protagonismo, pois dispunha de seguidores, inclusive na alta hierarquia, particularmente no Exército. Um deles era Gentil Marcondes Filho, Comandante do I Exército no primeiro biênio do governo de João Figueiredo. Justamente no Rio de Janeiro, um dos focos dos radicalismos. Em seu currículo constava ter sido Chefe do Estado Maior de Ednardo D’Ávila Mello por ocasião das mortes de Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho, a quem se subordinava o CODI/DOI. Na época, sob os auspícios de diversos grupos radicais de direita seriam realizados inúmeros atentados, antes do clímax, no Riocentro (ARGOLO, FORTUNATO, RIBEIRO, 1996; ALVES, 1987, p. 279-280). Este último episódio, desfechado em 30 de abril de 1981, não foi efetivado, admite-se, pelo amadorismo e imperícia de seus agentes, embora demonstrando a recidiva do conluio entre os órgãos encarregados da repressão, leia-se CODI/ DOI, e a alta estrutura militar, no caso o Comando do I Exército e elementos radicais na clandestinidade. Sua finalidade clara era obstar a continuidade da Abertura, particularmente no passo importante que significava a reforma partidária e as eleições gerais de 1982, e intentar a repetição do jogo de Costa e Silva e Sylvio Frota no sentido de uma possível continuidade do regime. Cercado de negociações com os grupos radicais, envolvendo, inclusive o Chefe da Agência Central do SNI, General Newton Cruz, o Inquérito, conforme a unanimidade da época, em seguida confirmada por testemunhos e pesquisa histórica, consistiu em grosseira fraude; e “os responsáveis pelos atentados terroristas não seriam processados e julgados; em troca, os setores de linha-dura aceitariam a política eleitoral e deixariam de se opor à realização de eleições em novembro de 1982” (ALVES, 1987, p. 280). O acordo retirava o respaldo da linha dura ao terrorismo de direita, ao mesmo tempo em que garantia o não aprofundamento da apuração, a qual, certamente, alcançaria militares de postos mais altos da hierarquia da ativa – dessa vez encastelados não tanto nos comandos, mas na medula do sistema de informações, leia-se CIE e SNI – e na reserva (ALVES,1987, p. 280). Era a última pedra a ser removida do envolvimento político dos militares, a essa altura, massivamente recolhidos às suas atividades castrenses e afastados da política, caminho que os elementos radicais remanescentes se recusavam a

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 155 José Cimar Rodrigues Pinto seguir, insuflados por representantes da linha dura com intenções de permanecer no poder. Ao se encerrar o governo do último presidente militar, o projeto de retirada dos militares da atuação disseminada na política estava bem adiantado em consonância com aquelas linhas abstratas delineadas no Antimodelo do Enquadramento; ou seja, ao final desta fase, nenhum setor da estrutura militar atuava politicamente, no sentido de envolvimento ideológico, partidário, ou como ativistas, seja individual ou coletivamente, exceto aqueles a quem caberia conduzir a cruz de duas faces: os ministros militares. A linha dura militar fora extinta como poder articulado, restando indivíduos isolados, e as articulações entre comandos e os porões foi interrompida, por meio de negociação, apesar de algumas recidivas da direita radical, as quais, por repulsa da maioria dos militares e insignificância, não impactaram os avanços alcançados. O próximo governo teria que enfrentar desafios políticos, econômicos e sociais, não mais militares ativistas, pois eles estavam, pela primeira vez na República, fora da política.

2.5 A Síntese: Controle Civil Objetivo

O Controle Civil Objetivo (CCO) consiste em uma das possibilidades de um “sistema” que abrange as RCM como um todo, vale dizer que tal estrutura maior abarca, também, outras configurações, inclusive o CCS. A essência dessa estrutura repousa sobre a noção basilar de “equilíbrio” e não na de controle, como é entendida hodiernamente, seja no sentido de poderes, seja decorrente de homeostase. Em razão dos múltiplos critérios que impactam esse balanceamento, ele pode ocorrer de infinitas maneiras. Em princípio, tais emanações devem ser visualizadas a partir de três pontos nodais, cada um submetido a duas esferas de tensão opostas entre si, uma civil e outra militar. O arcabouço completo dessa estrutura, extraído da obra O Soldado e o Estado, sob a ótica deste autor, está representado no Quadro 1 mais abaixo. Para Samuel P. Huntington (1996), o Controle Civil Objetivo (CCO) seria “aquele que eleva ao máximo a segurança militar” da sociedade, devendo ser entendido como sendo correspondente à mentalidade militar padrão: realista e conservadora (HUNTINGTON, 1996, p. 17). Mas não existe isolado, razão pela qual é fundamental entender, mesmo que graficamente, seu contexto. Por meio da utilização desse critério de análise, poder-se-ia verificar o grau em que o RCM aumenta ou diminui a segurança militar e nacional da sociedade. Mais do que isso, utilizando-o como parâmetro seria “possível sugerir as mudanças nos elementos componentes do sistema” necessárias para aproximá-lo do equilíbrio (HUNTINGTON, 1996, p. 17).

156 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

Por isso, o CCO, abaixo, sombreada no Quadro 1, configuraria a forma de relacionamento ideal, aquela que maximiza o profissionalismo militar, afastando-os da política, em contraposição às diversas manifestações do Controle Civil Subjetivo (CCS), tendentes a envolvê-los na política institucional, classista ou constitucional.

Quadro 1: Estrutura Teórica do Equilíbrio das Relações Civis e Militares

Fonte: Elaboração própria (2018) com base em Samuel P. Huntington na obra O Soldado e o Estado, 1996

A essência desse modelo consistiria no “reconhecimento do profissionalismo militar autônomo” (HUNTINGTON, 1996, p. 102); vale dizer, de uma esfera militar funcionalmente, embora não politicamente, independente. Em vez de espelhos de grupos civis representantes do Estado, seriam instrumentos diretos desse mesmo Estado na consecução da sua atividade primordial de proporcionar segurança à sociedade. Huntington (1996) explicita que, para atingir a finalidade de minimizar o poder dos militares em relação aos grupos civis, dever-se-ia torná-los politicamente estéreis, neutros, profissionais, pois “Um corpo de oficiais altamente profissional

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 157 José Cimar Rodrigues Pinto mantém-se pronto a realizar os desejos de um grupo civil que detenha autoridade legítima, dentro do Estado” (HUNTINGTON, 1996, p. 99). Entretanto, “Qualquer outra redução de poder militar, além do ponto em que o profissionalismo é maximizado, só redunda em benefício de um determinado grupo civil e só serve para realçar o poder desse grupo em sua luta com outros grupos civis” (HUNTINGTON, 1996, p. 99). Segundo autor:

A distribuição de poder político que mais facilita o profissionalismo militar é também, portanto, o ponto mais baixo ao qual o poder militar pode ser reduzido sem posar de favorito entre grupos civis. Em virtude disso, a definição objetiva de controle civil proporciona um singular e concreto padrão de controle civil politicamente neutro e que todos os grupos sociais podem reconhecer (HUNTINGTON, 1996, p. 99).

Além disso, deveria existir uma única fonte de autoridade legítima reconhecida, pois do contrário, “Onde há autoridades ou ideias conflitantes quanto a saber a quem cabe a autoridade, o profissionalismo se torna uma coisa difícil e até impossível de alcançar” (HUNTINGTON, 1996, p. 53-54). Nesse contexto, estariam incluídas ideologias constitucionais e lealdades classistas ou governamentais, as quais colocariam “considerações e valores políticos” acima dos militares. Ademais, as lealdades pessoais ganhariam maior importância para as instâncias políticas do que a competência profissional (HUNTINGTON, 1996, p. 53-54). Isso exposto, de forma a operacionalizar o segmento de interesse deste estudo, extraído da Estrutura Teórica do Equilíbrio, o Quadro 2, abaixo, propõe acréscimos, no sentido de explicitar outros dois aspectos – segurança militar/ nacional e autonomia –, não mencionados no Quadro 1, mas que são fundamentais para a análise da convergência do CCO com as condições alcançadas ao final do RCM/64. Ressalta-se que, no sistema de Huntington (1996), a Segurança Interna foi considerada como da alçada de outros componentes responsáveis pela segurança estatal, supõe-se, capazes de fazer frente a eventuais desafios, o que não ocorreu no caso brasileiro, razão pela qual foi incorporada ao quadro abaixo. Tendo sido feito o acompanhamento do processo em estudo, por meio da evolução do Antimodelo de Enquadramento, a título de apreciação final, realiza-se uma apresentação, em caráter qualitativo, relacionado aos critérios acima expostos, explicitando a aderência dos militares brasileiros aos pressupostos de Huntington (1996) para o CCO. Essa avaliação estática, cuja concordância gramatical da avaliação qualitativa é feita com a primeira coluna, naturalmente, sofrerá alterações com a incorporação da dinâmica civil ao processo, a qual, embora excluída desta apreciação, poderá magnificar ou minimizar os efeitos abaixo estimados.

158 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

Quadro 2: Avaliação Qualitativa do Grau de Aderência das RCM no Brasil ao CCO

Fonte: Elaboração própria com base em Samuel P. Huntington na obra O Soldado e o Estado. 3 CONCLUSÃO Conforme constou na proposta exordial, neste artigo procurou-se apresentar parcela de pesquisa motivada pela constatação, inicialmente empírica, de que a sociedade brasileira convive, há um longo tempo, com a abstinência da participação do segmento militar ativo na política, notadamente por meio do golpismo militar, conforme havia prevalecido até 31 de março de 1964. Para preencher o questionamento sobre o que teria ocasionado tal resultado, foi eleita a suposição de uma interferência notável durante o RCM/64 que teve a finalidade de suprimir a participação disseminada dos militares na política, conduzindo os governantes militares a adotarem atitudes continuadas para remover as características, até então, vigentes. Da análise das RCM, a partir do MCM/64, até o seu término, verificou-se a consistência de uma trajetória dialética, a qual, a partir do Modelo Moderador, sofreu a intromissão de uma antítese, representativa do processo levado em curso, denominada de Antimodelo de Enquadramento, cujo resultado final aproximou os militares brasileiros das características propostas por Huntington (1996) no Controle Civil Objetivo de acordo com o novo modelo, segundo o entendimento aqui exposto, as Forças Armadas acatariam a condição de grand muet15e voltariam para as suas atividades na caserna.

15 O papel de grande mudo, de autocontrole e subordinação ao espírito democrático, ademais de outras crises da Nova República, ficaria mais evidenciado por ocasião dos processos de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 159 José Cimar Rodrigues Pinto

Essa modificação implementada que conduziu o processo a convergir com o Segundo Ponto de Equilíbrio (do controle civil objetivo) e, no segmento ideológico, com o Primeiro Ponto de Equilíbrio (da mentalidade realista e conservadora), atuou no sentido de afastar o segmento armado da política, tornando-o mais profissional, resultado que impactou todo o edifício e reforçou os vértices formais e informais da autoridade militar. Tal constatação permite, então, que se aborde uma última conjectura, merecedora de maiores explorações científicas: quais os efeitos dessa alteração para o sistema político e para a democracia no Brasil? Percebe-se que, enquanto o subsistema castrense, na sua evolução dialética, adquiriu características que o aproximavam das estruturas militares de democracias avançadas, para obstar qualquer otimismo, a democracia brasileira pode não ter conseguido avançar na mesma direção e, em muitos aspectos,voltado àquelas condições anteriores a 1964, aparentemente vítima de uma dependência da trajetória (path dependence). Para citar, apenas, algumas dessas mazelas, alongando o período da análise já para os tempos recentes: a estrutura política fragmentária, herdada do RCM/64, não recebeu aperfeiçoamentos e, ao contrário, ampliou essa dispersão, conduzindo o sistema a frequentes crises de hegemonia, duas redundando em impedimentos presidenciais;16reiterados indícios de corrupção disseminada no tecido político; deficiente institucionalização e má organização dos sistemas de segurança estaduais que resultam em instabilidades nesse setor e exigem frequentes intervenções militares sob égide constitucional; falência institucional persistente das instâncias governativas nas unidades da federação; entre outras. Tais características, agravadas pela longa permanência autoritária, aparentemente, legaram um ambiente político frágil, sem a muleta intervencionista militar fora da constitucionalidade para se apoiar, implicando que não é diante da presença das contrapartes civis que o poder militar tem se manifestado, ainda quando constitucionalmente, mas por suas ausências e falências institucionais. Nesse contexto de desequilíbrios, somente uma hierarquia muito bem estruturada, secundada por disciplina sólida, poderia proporcionar a coesão necessária para que a autoridade militar, por ocasião de crises e conflitos de ameaça ao amálgama social, autoimponha-se limitações impedindo o retorno do país ao estágio primitivo dos golpes, até que os poderes constituídos restabeleçam a necessária estabilidade e harmonia. Habituados ao cálculo dos riscos, aparentemente, os governantes militares trataram de transferir para as lideranças civis uma estrutura castrense confiável, apolítica,

16 Para citar apenas um exemplo desse mal-estar da sociedade, vislumbrado desta vez fora do período de análise que motivou este trabalho. Tome-se o remédio constitucional da remoção do Presidente da República por meio do impeachment: foram quatorze proposições contra Fernando Henrique Cardoso; trinta e quatro contra Luís Inácio Lula da Silva; e dez contra Dilma Rousseff, somente no primeiro mandato. Cf. in http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2015/09/quando-o- pt-pediu-o-impeachment-de-fernando-henrique-cardoso.html.

160 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil constitucionalista e legalista, funcionalmente, embora não politicamente, autônoma, para atuar, apenas, na hora mais indesejável, a da ruptura, a qual, apesar dos infortúnios, passados mais de trinta anos da restauração democrática, ainda, não se apresentou. Portanto, as novas fontes de tensão para as relações entre civis e militares, com possibilidade de afetar o equilíbrio complexo entre os controles e as autonomias que devem presidi-las, advêm das falências do Poder Civil. Algumas foram elencadas acima, mas são inúmeras e estão disseminadas por todo o tecido estatal, com a notável exceção do subsistema jurisdicional, e continuam a aumentar, sob novos influxos. Até que se possa analisar tais impactos, em estudo futuro, alguns desses resultados podem ser observados em obras sobre o tema em períodos posteriores, as quais, agora, poderão ser reestudadas à luz dessa modesta e, torcemos para que seja, útil contribuição.

REFERÊNCIAS:

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1987.

ARGOLO, José Amaral; RIBEIRO, Kátia; FORTUNATO, Luiz Alberto M. A direita explosiva no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1996.

ARGOLO, José do Amaral; RIBEIRO, Kátia; FORTUNATO, Luiz Alberto M.Dos quartéis à espionagem: caminhos e desvios do poder militar. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.

BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Diário Oficial da União, de 19 maio 1969, n. 92, Seção 1, Parte 1, fls. 4238-9. Brasília: Imprensa Nacional. Disponível em: http://www. jusbrasil.com.br/diarios/2973805/pg-14-secao-1-diario-oficial- da-uniao-dou-de-19-05-1969/pdfView. Acesso em: 15 fev. 2016.

BRASIL. Ato Institucional n. 17, de 14 de outubro de 1969. Autoriza o Presidente da República a transferir para reserva, por período determinado, os militares que hajam atentado ou venham a atentar contra a coesão das Forças Armadas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br//CCCIVIL_03/AIT/ait-17-69.htm.Acesso em: 18 fev. 2016.

BRASIL. Emenda Constitucional n. 9, de 22 de julho de 1964. Altera os artigos 38, 39, 41, 45, 81, 82, 83, 95, 132, 138 e 203 e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1964a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc09-64.htm. Acesso em: 04 jan. 2016.

BRASIL. Lei n. 4.448, de 29 de outubro de 1964. Regula as Promoções de Oficiais do Exército. Brasília, DF: Presidência da República, 1964b. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4448.htm. Acesso em: 04 jan. 2016.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 161 José Cimar Rodrigues Pinto

BRASIL. Lei n. 4.902, de 16 de dezembro de 1965. Dispõe sobre a inatividade dos militares da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. Brasília: Presidência da República, 1965a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4902. htm. Acesso em: 23 out. 2014.

BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Atos da Revolução de 1964: De 9 de abril de 1964 a 15 de março de 1967, v. I. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Fundo Polícias Políticas do arquivo do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara (DOPS/GB). [19??]. Pasta Secreto n. 77.

BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Atos da Revolução de 1964: De 13 de dezembro de 1968 a 31 de dezembro de 1970, v. II. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Fundo Polícias Políticas do arquivo do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara (DOPS/GB). [19??]. Pasta Secreto n. 77.

BRASIL. Ministério do Exército. Aviso n. 212, 11 de julho de 1967. Brasília, 28 jul. 1967. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2912340/pg-19-secao- 1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-28-07-1967. Acesso em: 11 nov 2014.

BRASIL. Ministério do Exército. Ata da 42ª reunião do ACE. Rio de Janeiro, 21 jul. 1969, Arquivo Nacional (Brasília Arquivos do SNI, Atitudes do Gen Ex Moniz de Aragão - A0063230).

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IPEA 46 anos: o Brasil em 4 décadas. Brasília: IPEA, 2010.

BRASIL. Senado Federal. A Constituição que não foi:história da Emenda Constitucional no 1, de 1969. BASTOS, Simone Vieira (Org.). Brasília: Senado Federal, 2002.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Dados Estatísticos. v. 8. Eleições Federais e Estaduais realizadas no Brasil em 1965 e 1966. Brasília: Imprensa Nacional, 1971.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Dados Estatísticos. v. 9. Eleições Federais e Estaduais realizadas no Brasil em 1970. Brasília: Imprensa Nacional, 1973.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Dados Estatísticos. v. 11. Eleições Federais e Estaduais realizadas no Brasil em 1974. Brasília: Imprensa Nacional, 1977. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Dados Estatísticos. v. 10. Eleições Municipais realizadas no Brasil em 1972. Brasília: Imprensa Nacional, 1988.

162 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

BRANCO, Humberto de Alencar Castelo. ECEME Arquivo do Marechal Castelo Branco. Diversos artigos: coluna assumptos militares. Jornal Gazeta do Rio. Rio de Janeiro, 1933. Pasta J, Pensamento Civil e Militar, Plásticos 1 e 2.

BURNIER, João Paulo Moreira. João Paulo Moreira Burnier (depoimento, 1993). Rio de Janeiro, CPDOC, 2005. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/historiaoral/ arq/Entrevista633.pdf. Acesso em: 10 fev. 2011.

CASTRO, Rui. “Declarações”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano LXXVII, n. 61, 17 jun.1967. Disponível em:https://news.google.com/ newspapers? nid=0qX8s2k1IRw C&dat=1919670617&printsec=frontpage&hl=pt-BR. Acesso em: 16 jan. 2015.

CHAGAS, Carlos. 113 dias de angústia: impedimento e morte de um presidente. Porto Alegre: L&PM, 1979.

CHIRIÓ, Maud. A política nos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

COSTA, Marina Timóteo da. Paulo Egydio: Mortes de Herzog e Manuel Fiel Filho aconteceram para desestabilizar Geisel. O Globo. Rio de Janeiro, não paginado. 26 nov. 2013. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/paulo-egydio-mortes-de-herzog-manuel-fiel-filho- aconteceram-para-desestabilizar-geisel-10887565. Acesso em: 25 mar. 2016.

DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981.

FIEL FILHO, Manoel. Cópia xerográfica do Parecer do Procurador da Justiça Militar, de 28 abr. 1976. Disponível em: http: //verdadeaberta.org/upload/009%20-%20Manoel%20 Fiel%20Fillho%20relat%C3%B3rio%20da%20morte.pdf. Acesso em: 25 mar. 2016.

FROTA, Sylvio. Ideais Traídos. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Roberto Machado (Org.). 23. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2007.

GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia da Letras, 2002.

GASPARI. A ditadura acabada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016.

HUNTINGTON, Samuel P. A ordem política nas sociedades em mudança. Tradução de Pinheiro de Lemos. São Paulo: Forense/ EDUSP, 1975.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 163 José Cimar Rodrigues Pinto

HUNTINGTON, Samuel P. O Soldado e o Estado: teoria e política das relações entre civis e militares. Tradução de José Lívio Dantas. Rio de Janeiro: Bibliex, 1996.

JORNAL DO BRASIL (Brasil). Rotina do Exército levou Bethlem a mudar comandos no 1° mês de Ministério. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 13 nov. 1977. p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_09&pasta=ano%20 197&pesq=Bethlem. Acesso em: 15 out. 2016.

KLEIN, Lúcia; FIGUEIREDO, Marcus Faria. Legitimidade e Coação no Brasil Pós-64. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978.

LIGA DEMOCRÁTICA RADICAL (Brasil). Manifesto. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, p. 3. 23 jun. 1965. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader. aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=liga%20democratica%20radical. Acesso em: 18 abr. 2019.

MACIEL, Lucio, NASCIMENTO, José Conegundes. ORVIL: tentativas de tomada do poder. Salto: Shoba, 2012.

MELLO, Jayme Portella de. A revolução e o governo Costa e Silva. Rio de Janeiro: Guavira, 1979.

O GLOBO (Brasil). Figueiredo eleito propõe a conciliação nacional. O Globo. Rio de Janeiro, p. 1. 16 out. 1978. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta- ao-acervo /?navegacaoPorData=197019781016. Acesso em: 15 out. 2016.

O GLOBO (Brasil). Geisel: primeiro Presidente eleito por Colégio Eleitoral. O Globo. Rio de Janeiro, p. 1-1. 16 jan. 1974. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/ consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=197019740116. Acesso em: 15 out. 2016.

PEIXOTO, Alzira Vargas do Amaral. Getúlio Vargas, Meu Pai. Porto Alegre: Globo, 1960.

PEIXOTO, Antônio Carlos. O Exército e a Política no Brasil: Uma Crítica aos Modelos de Interpretação. In: ROUQUIÉ, Alain (Org.). In Os Partidos Militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record, p. 27-42, 1982.

PINTO, José Cimar Rodrigues. Relações entre cívis e militares: a influência da direita radical entre 1954 e 1964. 2011. 182 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança, Departamento de Ciência Política, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011.

164 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 Apogeu, Ruptura e Ocaso do Intervencionismo Armado no Brasil

PINTO, José Cimar Rodrigues. Relações Civis e Militares entre 1964 e 1985: Contribuição Teórica e Interpretativa. 2016. 419 f. Tese (Doutorado) - Curso de Ciência Política, Departamento de Ciência Política, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016.

PINTO, José Cimar Rodrigues. Relações Político-Militares entre 1964 e 1985: O Desvelar de Duas Vocações. In Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 66, p. 169-197, 2017.

PINTO, José Cimar Rodrigues. O Fio da espada: as forças armadas e a política no Brasil (1930/1985). Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 2019.

RAPOPORT, David. A comparative theory of military and political types. In: HUNTINGTON, Samuel P. (Ed.). Changing Patterns of Military Politics. Nova Iorque: Free Press, 1963. p. 71-100.

REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

SOARES, Gláucio Ary Dillon, D’ARAUJO, Maria Celina de, CASTRO, Celso (org.). A volta aos quartéis. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.

SODRÉ, Nelson Werneck. A História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

STEPAN, Alfred. Os Militares na Política. Rio de Janeiro: Artenova, 1971.

TANCREDO, A Travessia. Direção de Silvio Tendler. Produção de Cláudio Pereira Roberto D’ Ávila. 2011. (104 min.), DVD, son., color. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=BDmpIoadSPc. Acesso em: 24 jan. 2016.

VASCONCELOS, Cláudio Beserra. A política repressiva aplicada a militares após o golpe de 1964. Tese de Doutorado em História Social – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2010.

VIANA FILHO, Luís. O Governo Castelo Branco. Porto Alegre: José Olympio, 1975.

Recebido em: 16 out. 2018 Aceito em: 20 fev. 2019

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 34, n. 71, p. 132-165, maio/ago. 2019 165