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Título Entre Linhas Autor Carlos Carvalhal Design e paginação Jusko® Impressão Cafilesa 1ª edição Novembro 2014 ISBN 978‑989 ‑655 ‑247 ‑3 Depósito legal www.primebooks.pt clientes. [email protected] Índice Prefácio 9 Zé António 13 Paulo Futre 15 Recuperação entre jogos 20 A harmonia de uma orquestra e o futebol 24 Noção de jogar à zona 28 Ter a bola 33 Testes físicos 37 Espaços, linhas e momentos no jogo 41 Amizade e solidariedade... na tarefa 46 Pré‑época 50 Paragens no Campeonato 54 Parar para subir e... descer 58 As lesões e o paradigma do futebol italiano 62 Fadiga mental 65 Mourinho, Lampard e o intervalo de tempo entre dois jogos 69 Como se formatou uma ideia 73 Modelo de jogo 77 A natureza do jogo... do caos à ordem 83 Da teoria à prática e da prática à teoria 87 Intensidade. Um conceito abstrato? 92 Jogadores ou processo? 96 A especificidade ou Especificidade99 “He understands the game...” 105 Os erros vistos pela natureza “sistémica” do jogo 109 Transições ofensivas 113 Momento de transição defensiva 117 As análises de jogo... ou o perigo de fragmentar sem entender 120 A fluidez do jogo124 Pressionar ou bascular 128 Jogador de qualidade ou jogador com qualidades 130 Defesas centrais 133 Trinco ou pivot defensivo, um olhar por dentro do campo 138 Espaços “cegos” 141 Será possível haver pressão numa panela sem testo? 144 Rotatividade 148 A estratégia... 152 Criatividade: reflexão sobre uma palestra de Sir Ken Robinson 155 Quando tudo se começa a... perder 160 Partir do que conheço melhor para o que conheço pior... 168 Futebol: um palco para todos 173 Do tático à desmotivação 176 Diário de um aspirante a crack 180 Combustível do ser humano 186 Liderar num contexto de extrema dificuldade 189 Liderar: um exemplo prático 192 Cultura e futebol – Turquia 196 Cultura e futebol – Emirados Árabes Unidos 201 Prefácio — Carlos, vem pra dentro, é hora de jantar! Ou de fazer os deveres, chamava ‑se assim ao TPC na altura, os deveres, que era mesmo uma obrigação, isso ou o jantar signi‑ ficava o fim da pelada de rua. O grito dado pela mãe na soleira da porta, a mim e a outros Carlos, a ti também, presumo, quase ao mesmo tempo em Braga e em Paredes, fosse “no campo da escola ou num espaço lá perto em terra batida”, escreves, era igual na minha terra, nasceu depois o Tribunal com nome em latim onde era terra batida, lá onde nasce a paixão, ou nas‑ cia, que hoje há retângulos uniformes de relva falsa à espera de mensalidades antes do talento, e crescem de outra maneira estes putos da bola. Nós não, era tudo autêntico, mais perigo‑ so, tanto que às vezes caíamos sobre a pedra que fazia de poste, ou havia risco de caírem as próprias balizas, velhas, quando as havia. Ninguém marca ao homem na rua, embora não o sou‑ besse na altura, joga ‑se em função da bola, zona da mais pura, que jogar à bola também era “andar na zona”, no bem bom segundo a minha avó, também aprendi música, teclas de piano em vez de xilofone, mas o meu som eleito era o do pontapé na bola, do grito do golo em vozes esganiçadas de criança. Ia o Carlos ao 1º de Maio, vantagens de cidade grande, via eu os ídolos no pelado das velhas Laranjeiras alisado por uma car‑ rinha que arrastava uma rede antes dos jogos — Raios, perdemos, logo hoje que queria tanto ganhar. 9 CARLOS CARVALHAL É talvez o único dérbi de que me lembro da curta carreira, quer dizer, lembro ‑me de outro, mas prefiro esquecer o resultado, também com o Penafiel, este não é tão traumático. Nas velhas Laranjeiras, com mais público do que hoje num jogo dos se‑ niores, eu vaidoso de braçadeira (tenho lá em casa o retrato do futebolista enquanto jovem), mas eles ganharam 4‑2 sem espi‑ nhas. Seguimos a par, Carlos, naquelas primeiras semanas em que era só correr e subir bancadas, tipo tropa, também eu ia de livros para os treinos, lembrou ‑mo há pouco o meu Mister dos juniores, ganhaste avanço depois no futebol, com muito mais dérbis, e equipas, e transferências (ainda tenho cromos teus, misturados em pontas de inveja), jogador a sério, se bem que nunca se é jogador a brincar, quem calçou chuteiras sabe que lá dentro é para ganhar, como contas neste livro balneário aden‑ tro, com estórias sem H, dessas de contar mil vezes à mesa do restaurante entre amigos, dos bons e maus ambientes, do jogo especial, do colega maluco, dessa relevante divisão de cabina, e podia ser do mundo, entre “índios” e “anjinhos”. — Se o jogo é um todo, porquê treiná‑lo em fatias? Perceber isto foi entender a essência e mudar a forma de o ver, e pensar, como se físico, técnico, tático e emocional surgissem à vez em cada jogo – agora corre, ora passa, é a vez de pensares na equipa, supera ‑te –, que disparate, dizemos hoje, disparate não que tenha sido, outro era o tempo, dos “picos de forma”, mesmo se havia Quinito à frente do seu tempo, mas que seja ainda, dizes que já pensavas nisso quando jogavas, prenúncio de treinador, que acrescentou conhecimento e experiências, sem dogmas, e os expõe em livro aberto para que tantos de nós possamos lê ‑lo melhor, ao jogo através do livro, jogo ca‑ ótico que se organiza, orientação com aleatório, dar princípios à rebeldia, ordem que respeita o caos, tática e talento a par. E perceber o jogador pelo “olhómetro” sem desprezar a ci‑ ência, dominar os momentos do jogo como as transições que tantos renegavam, alguns não entendem, mas todos citam, 10 ENTRE LINHAS criar um “jogar” com impressão digital e depois treinar para jogar, esse jogar, que mais que a vontade de vencer conta a vontade de se preparar para vencer, no esforço das rotinas que impedem o erro, repetir em busca da perfeição coletiva, como numa orquestra que integra um tocador de piano, ou xilofone. “Cada vez penso mais e corro menos.” Carvalhal cita Puyol para, depois da evolução traçada, chegar ao modelo em que acredita, de um jogo inteligente, pensado para controlo e do‑ mínio dos espaços, incluindo os “cegos”, que também há lu‑ gares “à sombra” num relvado, da qualidade da posse e cir‑ culação, das referências para uma pressão eficaz, do perfil de central, de médio defensivo, dos exemplos de como tudo se constrói, no concreto. A zona triunfa como conceito, mas a história também se faz homem a homem: o Futre genial com quem o Carlos cresceu, Maradona, o génio acima dos outros, com quem privou há pouco, mais José Mourinho que joga todas as competições a top e despreza a rotatividade, Ferguson numa das lendárias reacções à derrota testemunhada in loco, até Guardiola já na construção do novo Bayern, ele que decerto aprovaria quando os técnicos da formação do Braga pediam no tempo do pequeno Carvalhal: “Joga o mais simples e, se possível, curto.” Sentir o futebol é vivê ‑lo, do berço ao futuro. Está tudo aqui. Vinicius, que era um génio, explica: nunca pense que está sozi‑ nho quando você vive futebol, respira futebol. Carlos Daniel 11 00. Zé António Estava no balneário do estádio do Desportivo das Aves, onde era treinador na época 2000/01, tinha acabado o meu banho e oiço o roupeiro aos gritos para o Firmino (um anão, muito boa pessoa): — Quem deixou a porta do autocarro aberta? Estamos lixa‑ dos... Íamos sair rumo a Lisboa para jogar com o Benfica e não es‑ tava a entender nada do que estava a acontecer! Pergunto ao Firmino e ele responde muito alarmado: — O Zé Maria entrou para o autocarro, estamos feitos. Percebi o problema. O Zé Maria era um adulto, na casa dos 40 anos, que tinha Trissomia 21 e era ajudante do roupeiro. Era dotado de uma força incrível e a partir do momento que se sentava no autocarro ninguém o tirava de lá, nem de guindaste! A estratégia era manter a porta do autocarro fechada até à úl‑ tima, mas naquele momento alguém se descuidou. Conclusão: havia que marcar mais um quarto, o Zé Maria também ia para estágio. Foi neste simpático clube que contactei pela primeira vez com um lateral direito muito profissional e sério, equilibrado no bi‑ nómio defesa ‑ataque, com um espírito do tipo “mais vale que‑ brar que torcer”. Amigo do amigo, de conversa muito fácil, traços que ainda hoje conserva. Claro que me estou a referir àquele a quem dedico este livro por inteiro, estou a referir ‑me 13 CARLOS CARVALHAL ao Zé António. Seguimos juntos para o Leixões e vivemos mo‑ mentos de grandes emoções. O Zé António e mais uns quantos Bebés do Leixões retornaram a “casa” para escrever uma das páginas mais bonitas do clube e do futebol português. Sob a liderança do presidente Zé Manel Teixeira, tiramos literalmente o cube do “buraco” da 3a divi‑ são e em duas épocas fomos à final da Taça de Portugal (feito único em toda a história do futebol português), disputamos a Supertaça, entramos no quadro da UEFA (ainda hoje a primei‑ ra equipa de um terceiro escalão a consegui‑lo em toda a sua história) e, já sem mim, a equipa só parou na 1ª Liga de futebol profissional. Neste fantástico período deu para tudo, chorar de alegria, de tristeza, rir, abraçar... Os momentos maus (poucos) e muito bons (muitos) são excelentes para revelar o verdadeiro carácter das pessoas. O Zé é daquelas personalidades e amizades que ficam para a vida.