UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

DAS KALTE HERZ (1828) DE WILHELM HAUFF: NA FRONTEIRADO ORAL AO CULTURAL - UMA TRADUÇÃO COMENTADA DO ALEMÃO PARA O PORTUGUÊS

Rosanne Cordeiro Castelo Branco

Florianópolis 2020

Rosanne Cordeiro Castelo Branco

DAS KALTE HERZ (1828) DE WILHELM HAUFF: NA FRONTEIRA DO ORAL AO CULTURAL - UMA TRADUÇÃO COMENTADA DO ALEMÃO PARA O PORTUGUÊS

Tese apresentada ao curso de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do título de Doutora em Estudos da Tradução.

Orientadora: Profa. Dra. Luana Ferreira de Freitas Co-orientadora: Profa. Dra. Sylvia Maria Trusen

Florianópolis - SC 2020

Rosanne Cordeiro de Castelo Branco

DAS KALTE HERZ (1828) DE WILHELM HAUFF: NA FRONTEIRA DO ORAL AO CULTURAL - UMA TRADUÇÃO COMENTADA DO ALEMÃO PARA O PORTUGUÊS

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado pela banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profa. Marie Hélène Catherine Torres, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. José Guilherme dos Santos Fernandes, Dr. Universidade Federal do Pará

Prof. Julio Cesar Neves Monteiro, Dr. Universidade Federal de Brasília / POSTRAD

Certificamos que esta é uma versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de doutora em Estudos da Tradução.

______Prof.ª Drª. Andréia Guerini Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução

______Prof.ª Drª. Luana Ferreira de Freitas Orientadora

Ao meu pai (in memoriam), por me possibilitar o mundo dos livros e da filosofia.

AGRADECIMENTOS

De antemão, o meu reconhecimento e agradecimento à equipe de professores DINTER – PGET, Marie-Hélène Torres, Walter Carlos Costa, Luana Ferreira de Freitas, Adja Balbino, Viviane Heberle, Lincoln Fernandes e Evelyn Zea, por terem ouvido o canto dos pássaros da floresta do Norte, pela ousadia e pioneirismo de levar à Amazônia o projeto de Estudos da Tradução que possibilitará às novas gerações um olhar novo sobre o conhecimento em expansão e evolução no mundo científico. À coordenadora Profa. Dra. Andréia Guerini por envidar esforços e acreditar na concretização do projeto. Meu muito, muito, obrigada. A minha orientadora, a profa. Dra. Luana Ferreira de Freitas, e a co-orientadora, Profa. Dra. Sylvia Maria Trusen, pela confiança, paciência e troca de ideias, sobretudo por refinar as ideias sobre o que é ser um pesquisador. Aos professores Berthold Zilly e Marie-Hélène Torres, integrantes da Banca de Qualificação da primeira versão do trabalho, por suas sugestões e contribuições no enriquecimento do trabalho. À Profa. Dra. Rosiwitha, coordenadora do projeto de extensão de Oficina de tradução alemã na UFSC, à jornalista e tradutora Christina Michahelles e aos colegas da pós-graduação em tradução alemã, os meus sinceros e profundos agradecimentos, pela contribuição valorosa de um novo olhar tradutório. À eterna amiga e irmã, Profa. Dra. Cilene Rohr, pela valiosa ajuda na tradução, interlocuções e relevantes sugestões. À velha amiga e colega Sônia Célia que não mediu esforços em fazer a revisão com competência e seriedade, a quem agradeço de coração. À minha mãe, por caminhar ao meu lado nos meus sonhos. Ao meu anjo da guarda, mana e amiga, Jacqueline, minha incentivadora na minha evolução. Aos meus irmãos queridos e à família, obrigada pela força e incentivo. Às amigas Elizete Teixeira, Socorro Amaral e Astrid Kleis, sempre presentes no caminhar das horas. À amiga Lilian que não mediu esforços em me ajudar na organização e formatação do trabalho. À Marcinha, pelos dias e noites trocados de estudo, ideias e diversão. E ao seu esposo, pela presente colaboração na tese.

Ao grupo de colegas dos Estudos de Tradução, por dividirmos esses passos sobre pedras e, por vezes, tão prazerosos nos momentos de trocas de conhecimentos e de lazer. Aos demais colegas da PGET e aos colegas da Secretaria, por todo o apoio, disponibilidade e empenho no atendimento e no cumprimento das ações administrativas. À CAPES, pela concessão da bolsa para desenvolver o Estágio, no período de nove meses na UFSC e pelo incentivo à pesquisa, possibilitando um desenvolvimento consistente na pesquisa e construção desse trabalho. À UFSC e a essa cidade mágica e encantadora que é Florianópolis. Meu muito obrigada.

“Não devemos tornar o antigo novo para nós e nos arrumarmos e imaginarmos nele? Não devemos poder insuflar a nossa alma nesse corpo sem vida?” (Nietzsche)

“So ist jeder Übersetzer ein Phophet in seinem Volk” [Cada tradutor é um profeta entre seu povo] (Goethe)

RESUMO

Vinculada à linha de pesquisa da “Teoria, crítica e história da tradução”, a presente investigação é uma tradução comentada, para o português brasileiro, da novela de contos maravilhosos Das kalte Herz, em alemão, do escritor Wilhelm Hauff (1802 – 1827), constante na obra Das Wirtshaus im Spessart, publicada na Alemanha em 1828. Obra inédita no Brasil, a novela Das kalte Herz tem tradução em outros idiomas como o inglês e o espanhol, tendo sido narrada em filme na então Alemanha Oriental, em 1950 (Direção: Paul Verhoeven) e na Alemanha unificada, em 2016 (Direção: Johannes Naber). Por se encontrar inserida em uma época de transição de gêneros e conter elementos do romantismo e do realismo, a novela Das kalte Herz se caracteriza por gênero híbrido. Essa narrativa se constitui de elementos orais com origem nos Contos Maravilhosos (RÖHRIG, 2012) [Märchen] que ganham nova representação com os elementos culturais e sociais na construção do gênero denominado de Märchen-novelle (ARENDT, 2012). Esse processo vai se contextualizar no imaginário de Hauff na relação entre o Bem e o Mal, sob a influência das transformações sociais do início do século XIX, na Alemanha, cujo material se caracteriza em elementos estéticos que desaguam no mítico, cultural e ideológico. Essa investigação amplia os limites dos estudos literários adentrando nos aspectos da oralidade e sua interrelação com os elementos culturais e sociais em consonância com a obra literária traduzida comentada. Nossa tradução se fundamenta nos estudos descritivos da tradução, sob a ótica da preservação de ambas culturas, de saída e chegada, constituindo-se numa troca cultural onde são analisadas dentro da abordagem de José Lambert (2011) e Hendrik Van Gorp (1985) e conta com o aporte teórico de Jiří Levý ([1957]; 2011). A citada tradução atualiza a narrativa de Wilhelm Hauff, oriunda do início do século XIX, para uma tradução no século XXI.

Palavras-chaves: Estudos da Tradução. Wilhelm Hauff. Tradução literária comentada. Oralidade. Cultura.

ABSTRACT

Linked to the line of reserch “Theory, criticism and history of translation”, the present investigations a translation with commentaries to Brazilian Portuguese, of the German fable novel Das Kalte Herz, Wilhelm Hauff (1802–1827), part of Das Wirtshaus im Spessart, published in Germany in 1828. Unpublished in Brazil, the novel Das Kalte Herz has been translated into other languages as English and Spanish, having been adapted to film in former Eastern Germany, in 1950 (directed by Paul Verhoeven) and in unified Germany, in 2016 (directed by Johannes Naber). Das Kalte Herz characterizes itself by a hybrid genre named Märchen of both and Realism. This narrative has oral elements from Fairy Tales (Röhrig, 2012) - [Märchen] - that receive a new representation with the cultural and social elements in construction of genre novelle (Märchen–Novelle) - (Arendt, 2012). This process will be contextualized in Hauff's imaginary in the relationship between good and evil, under the influence of social transformations at the beginning of the in Germany, whose material is characterized by aesthetic elements that flow into the mythical, cultural and ideological. This investigation widens the limits of literary studies by entering into the aspects of orality and its interrelationship with cultural and social elements in consonance with the literary work translated into commentary. Our translation is based on descriptive studies of translation, from the point of view of the preservation of both cultures, source and target, consisting of a cultural exchange where they are analyzed within the approach of José Lambert (2011) and Hendrik Van Gorp (1985) and has the theoretical contribution of Jiří Levý ([1957]; 2011). This translation updates Wilhelm Hauff's narrative from the beginning of the 19th century for a translation into the 21st century.

Keywords: Translation Studies. Commented Literary Translation. Wilhelm Hauf. Orality. Culture.

ZUSAMMENFASSUNG

Mit der ForschungslinieTheorie, Kritik und Übersetzungsgeschichte “verbindet, die vorliegende Untersuchung konzentriert sich auf die kommentierte Übersetzungin das brasilianische Portugiesisch des Romans von Märchen [Märchen-novelle] von Wilhelm Hauff (1802–1827), der 1828 in Das Wirtshaus im Spessart in Deutschland veröffentlicht wurde. Unveröffentlichtes Arbeit noch in Brasilien, Das kalte Herz wurde bereits in andere Sprachen wie Englisch und Spanisch übersetzt und 1950 in der DDR (Regie: Paul Verhoeven) und 2016 im heutigen Deutschland (Regie: Johannes Naber) erzählt wurde. Der Roman Das kalte Herz spielt in einer Zeit des Übergangs zwischen Romantik und Realismus und zeichnet sich durch das Hybridgenre Märchen-novelle aus. Diese Erzählung besteht aus mündlichen Elementen aus den wunderbare Geschichten (RÖHRIG, 2012) - [Märchen], die mit den kulturellen und sozialen Elementen eine neue Repräsentation andere Konstruktion des Genres Märchen-novelle (ARENDT, 2012) erhalten. Dieser Prozess wird in Hauffs Vorstellung von der Beziehung zwischen Gut und Böse unter dem Einfluss sozialer Transformationen zu Beginn des 19. Jahrhunderts in Deutschland kontextualisiert, dessen Material durch ästhetische Elemente gekennzeichnet ist, die in das Mythische, Kulturelle und Ideologische einfließen. Diese Untersuchung erweitert die Grenzen der Literaturwissenschaft, indem sie sich mit den Aspekten der Oralität und ihrer Wechselbeziehung mit kulturellen und sozialen Elementen im Einklang mit der in Kommentare übersetzten literarischen Arbeit befasst. Unsere Übersetzung basiert auf deskriptiven Übersetzungsstudien unter dem Gesichtspunkt der Erhaltung beider Kulturen, Quelle und Ziel, die aus einem kulturellen Austausch bestehen, in dem sie im Rahmen des Ansatzes von José Lambert (2011) und Hendrik Van Gorp (1985) analysiert werden und hat den theoretischen Beitrag von Jiří Levý ([1957]; 2011). Diese Übersetzung aktualisiert Wilhelm Hauffs Erzählung vom Beginn des 19. Jahrhunderts für eine Übersetzung ins 21. Jahrhundert.

Schlüsselwörter: Übersetzungsstudien. Kommentierte literarische Übersetzung. Wilhelm Hauff. Oralität. Kultur.

LISTA DE IMAGENS

p. Imagem 1 Capa da obra Märchen, de Wilhelm Hauff / Museu Estadual de Berlim... 47 Imagem 2 Capas de publicações de Das kalte Herz...... 95 Imagem 3 Capas de publicações de Das kalte Herz...... 98 Imagem 4 O homenzinho de vidro na obra literária-caracterização...... 194 Imagem 5 Pedro Munk e o homenzinho de vidro (ilustração / internet)...... 195 Imagem 6 Pluderhosen (Bombacha)...... 196 Imagem 7 Pedro Munk e o Holandês Michel...... 214 Imagem 8 A jangada do carregamento de madeira...... 219 Imagem 9 Roca de Tear...... 241

LISTA DE QUADROS

p. Quadro 1 Publicação e Tradução de Das kalte Herz para o inglês...... 93 Quadro 2 Esquema da teoria da tradução de José Lambert e Hendrik van Gorp (1985)...... 155

LISTA DE ABREVIATURAS

CM Cultura Meta EDT Estudos Descritivos da Tradução ET Estudos da Tradução LIJ Literatura infanto-juvenil NE Nota do editor NT Nota da Tradutora TF Texto Fonte TM Texto Meta

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ------17

2 A GÊNESE DE DAS KALTE HERZ E O SEU TEMPO ------35

2.1 O PARADIGMA SOCIAL E CULTURAL NA ALEMANHA ------39

2.2 DO ROMÂNTICO EM MORGENLAND AO SOCIAL EM KUNSTMÄRCHEN 41

2.3 O GÊNERO LITERÁRIO: MÄRCHEN-NOVELLE ------56

2.3.1 Hauff: O despertar à criação do Novo Gênero ------58 2.3.2 Das kalte Herz e o gênero Märchen-Novelle ------65 2.3.3 Das kalte Herz e o Almanaque de Contos Maravilhosos ------71 2.4 DA PUBLICAÇÃO: ASPECTOS EDITORIAIS ------74

3 DO ORAL AO CULTURAL------81

3.1 A ORALIDADE EM DAS KALTE HERZ ------81

3.2 A CULTURA EM DAS KALTE HERZ ------88

4 HAUFF TRADUZIDO E RECEPÇÃO ------92

4.1 TRADUÇÃO E RECEPÇÃO DE HAUFF NO MUNDO ------92

4.2 TRADUÇÃO E RECEPÇÃO DE HAUFF NO BRASIL ------99

5 DAS KALTE HERZ: TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO ------105

6 COMENTÁRIOS SOBRE O PROJETO DE TRADUÇÃO DE DAS KALTE HERZ (1828) ------151

6.1 QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO ------151

6.1.1 A cultura na tradução e o segundo autor: Jiří Levý, José Lambert e Hendrik van Gorp ------151 6.2 A NARRATIVA HÍBRIDA: ESTRATÉGIA OU INTUIÇÃO CRIATIVA? ------159

6.3 PROJETO DE TRADUÇÃO ------162

6.4 COMENTÁRIOS DE TRADUÇÃO EM DAS KALTE HERZ ------167

6.4.1 Cânticos poéticos------169 6.4.2 Tradição Popular e Memória ------180 6.4.3 Provérbios ------185 6.4.4 Marcas do Orientalismo------189

6.4.5 Mitos e lendas: entre o religioso e o paganismo ------196 6.4.6 Sinais do Realismo social ------206 6.4.7 A dualidade Bem X Mal (produção em massa X trabalho artesanal) ----- 210 6.4.8 Formas de tratamento ------216 6.4.9 Arcadismo ------219 6.4.10 Outros Elementos ------223 6.4.11 Descrição, aparência, costumes e posição social ------232 6.4.12 Figuras de Linguagem ------234 6.4.13 Elementos Paratextuais e Metatextuais ------235 6.4.13.1 Notas de Rodapé na obra Das kalte Herz ------238

6.4.13.1.1 Notas do Editor ------238

6.4.13.1.2 Notas da Tradutora------246

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ------252

REFERÊNCIAS ------256

ANEXO A - OBRAS DE WILHELM HAUFF TRADUZIDAS PARA O PORTUGUÊS NO BRASIL ------267

ANEXO B - DAS KALTE HERZ, DE WILHELM HAUFF, EM OUTRAS CULTURAS (SÉCULOS XIX E XX) ------270

ANEXO C - PUBLICAÇÕES E REVISÃO DA LITERATURA ------272

ANEXO D – RETRATOS DE HAUFF ------274

ANEXO E – CAPAS DE LIVROS ------275

ANEXO F - AS REPRESENTAÇÕES DE PEDRO MUCK NA OBRA LITERÁRIA ------277

ANEXO G - CAPAS DAS EDIÇÕES DOS CONTOS HAUFFIANOS EM PORTUGUÊS ------278

ANEXO H - PUBLICAÇÕES DE HAUFF EM OUTRAS CULTURAS ------279

ANEXO I - MITOS AMAZÔNICOS ------280

17

1 INTRODUÇÃO

A presente investigação segue o caminho dos estudos descritivos da tradução, cuja tese se vincula à linha de pesquisa teoria, crítica e história da tradução. A pesquisa se efetiva na tradução comentada da novela de contos maravilhosos Das kalte Herz [“O Coração frio”] do escritor alemão Wilhelm Hauff (1802-1827). O presente trabalho tem por objetivo realizar a tradução comentada da obra Das kalte Herz, de Wilhelm Hauff, para o português brasileiro, e ampliar os limites dos estudos literários adentrando nos aspectos da oralidade e sua interrelação com os elementos culturais e sociais em consonância com a obra literária traduzida comentada. O Corpus dessa pesquisa, para tradução e comentário, Das kalte Herz,1 foi escrito em 1827 e publicado em 1828, após a morte prematura do escritor aos 25 anos. Essa narrativa encontra-se incorporada, e dividida em duas partes, à obra Das Wirtshaus im Spessart [A hospedaria em Spessart] e faz parte da trilogia dos almanaques denominada de Märchen- Almanachs für Söhne und Töchter gebildeter Stände [Almanaque de Contos para jovens e meninas instruídos]. Nossa pesquisa identificou a obra impressa, livro de bolso, Das kalte Herz und andere Märchen [“O coração frio e outros contos maravilhosos”] com publicação da editora Phillipp Reclam Jun , cujo organizador foi Max Drescher Berlin/Leipzig: Bonn [1908] e publicações online, uma delas denominada de Das Wirtshaus im Spessart- Das kalte Herz u.A.,2 em formato E-Book, publicada pela editora nexx-Verlag, no ano de 2015. No decorrer da pesquisa, adquiri novas publicações, em alemão em sebos da Alemanha e do Brasil, sobre as quais farei considerações, posteriormente. Entretanto, escolhi para corpus da pesquisa a edição de bolso, citada anteriormente, com a qual iniciei a investigação, em razão da presença de paratextos em notas de rodapé inseridos pelo editor da citada publicação, uma vez que Wilhelm Hauff não faz uso dessa ferramenta em sua obra. Na verdade, o editor da narrativa hauffiana, Max Drescher, opta por registrar evidências de sua interpretação da narrativa em notas de rodapé, buscando uma aproximação da obra com o leitor.

1 Opto por manter na pesquisa o título original da obra Das kalte Herz, por se tratar de uma metáfora. As traduções e citações na língua inglesa, alemã e espanhola são de minha autoria e opto por inseri-las no corpo do trabalho, cujas citações em língua estrangeira poderão ser lidas em notas de rodapé. Às demais traduções são dados os devidos créditos ao tradutor (a). 2 HAUFF, Wilhelm. Das Wirtshaus im Spessart, Das kalte Herz, u. A. (German Edition), 2015. NEXX. Edição do Kindle. (Disponivel em: www.nexx-verlag.de. Acesso em: 20 jan. 2018). 18

A minha opção pela edição impressa se deve ao considerar que versões online sofrem alterações quando de suas publicações, o que, seguramente, me fez optar pela versão impressa para proceder a tradução de Das kalte Herz, publicada, possivelmente, no ano de [1908]. Das kalte Herz pode ser classificada como infanto-juvenil e é, em geral, desconhecida pelo público leitor brasileiro. A literatura infanto-juvenil (LIJ) tem reconhecimento tardio na Europa (SHAVIT, 1986; 1991), que se dá sobretudo com a resistência da igreja à publicação de obras infantis na Alemanha (WILD, 2008) e tem como consequência a chegada tardia dessa produção literária infanto-juvenil (LIJ) ao Brasil, cujas traduções também sofrem ações protelatórias advindas desse processo. A tradução de Das kalte Herz me fez adentrar no imaginário, no tempo e no espaço de Wilhelm Hauff, doutor em filosofia e escritor de obras de gêneros diversos como romance histórico, novelas, artigos, contos, etc. Tal “mergulho” literário como leitora e pesquisadora me possibilitou adentrar no contexto hauffiano e na sua interrelação com seu espectro literário que se caracteriza como um vasto labirinto entre o fantástico e o maravilhoso e que desembocam nas questões sociais de sua época. Quando da primeira leitura da narrativa Das kalte Herz, supus estar diante de uma obra infantil, talvez levada pelo impulso das leituras e do efeito do discurso da então crítica literária da época e, por vezes, contemporânea, como veremos no desenvolver da pesquisa, cujo conceito acabou migrando para outros países, inclusive o Brasil. Por conseguinte, tais observações são repensadas e revistas com nossa análise, unido a evidências em pesquisas acadêmico-científicas sobre a recepção estética da obra, provocando uma nova conceituação por parte da crítica literária atual. No andar da pesquisa, procedo levantamento crítico com base em diversas publicações científicas sobre a narrativa, cujas abordagens são apreciadas no devido momento do nosso estudo. A escolha de Das kalte Herz como objeto de pesquisa deu-se por razões várias, dentre elas, pelo fato de ser híbrida, ou seja, ao se constituir de elementos que ora fixam a narrativa no maravilhoso e ora no fantástico, em uma relação permanente com a realidade. Ciente da identificação do público leitor à época com contos de fadas, Hauff se utiliza da estratégia de inserir alguns elementos do sobrenatural e de magia, criando uma intersecção com elementos sociais e culturais, esses caracterizados nos elementos da oralidade e da tradição popular, mantendo-se na fronteira da realidade social. A pesquisa evidencia que Das kalte Herz esteve à margem do conhecimento público e da crítica por dois séculos, sendo resgatada e reatualizada por pesquisadores no último século, levando ao reconhecimento, ainda que tardio, à sua leitura em outros continentes. 19

Diante disso, sigo a trilha teórico-acadêmica em busca dos conceitos relativos ao gênero literário da obra Das kalte Herz, cujo respaldo teórico-conceitual encontra amparo em abordagens críticas nas obras de Mikhail Bakhtin ([1979]; 1997; 2008), bem como, nas observações de Dieter Arendt (2012), em sua obra denominada de Märchen-Novellen3oder Das Ende der romantischen Märchen-Träume [“Novelas de Fábulas ou o fim dos Sonhos dos Contos Maravilhosos românticos”], e conta com o aporte teórico de Rölf Füllman (2010), em Einführung in die Novelle [Introdução à Novela], acompanhadas de observações críticas de estudiosos que investigam o respectivo gênero. Minha investigação segue a sustentação teórico-literária da obra Das kalte Herz, como gênero “novela de contos maravilhosos” [“Märchen-novelle”], embora a crítica literária alemã à época tenha conceituado a narrativa como um conto de fada infantil, cujas justificativas busco identificar e esclarecer, a fim de construir uma análise e tradução comentada consistente com fundamentação adequada. Ressalto, que, logo de princípio, constato no título da obra impressa Das kalte Herz und andere Märchen [“O coração frio e outros contos maravilhosos”], o destaque dado pelo editor Marx Drescher ao corpus da nossa pesquisa, Das kalte Herz frente às demais narrativas que compõem a obra. O citado realce se torna relevante no nosso trabalho, quando, no desenvolvimento da pesquisa, identifico traduções da narrativa Das kalte Herz para o inglês,4 cujos editores e tradutores demonstram a mesma inquietação em classificar a narrativa hauffiana no seu respectivo gênero. Essa abordagem vem reforçar a ideia de que a crítica literária alemã conceituou, precipitadamente, a narrativa como gênero infantil de contos de fadas, já explicitado anteriormente, sobre o que nos deteremos, no momento adequado. Por conseguinte, evidências e circunstâncias editorais com base em minha pesquisa possibilitam reflexões sobre o fenômeno da ambiguidade e indefinição literária sobre o gênero de Das kalte Herz à época e apontam justificativas e conjecturas sobre o novo posicionamento e revisão da crítica literária atual sobre a narrativa hauffiana. O escritor Wilhelm Hauff (1802-1827) se fez presente em um período intenso de diversidade e mudança de valores literários, culturais, sociais e ideológicos na Alemanha, em que o literário se encontra ainda ligado ao Iluminismo e em processo de renovação estética com

3 A tradução do gênero Märchennovelle [novela de contos maravilhosos] segue a denominação de Christine Röhrig (2014), cunhada em sua tradução Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, dos irmãos Grimm, somado à pesquisa etimológica da palavra Märchen por Sylvia Trusen, devidamente justificada em sua tese de doutorado (2006). 4 Ver: TALLES, Talling. The Fairytales of Wilhelm Hauff. Open Book Edition Publishers, 2013. p.181-203. (Disponível em: . Acesso em: 01.07.2019).

20 a chegada do romantismo. É evidente que essa indefinição literária provoca em Hauff inquietações e o coloca na fronteira do religioso e do profano; do cristão e do pagão; a relação com a mitologia do politeísmo; o retorno aos cânticos orais e manifestações culturais; às magias de Odin e Marlin; feitiços, bruxas e magia da floresta, unido à transição entre a burguesia e o capitalismo (SAFRANSKI, 2010). Em seguida, surgem as canções populares e baladas que resgatam mitos primitivos da mitologia germânica onde, segundo Maria Lucília Meleiro (1994):

O gosto romântico pelo afastamento da realidade objetiva, pela evasão e fuga para ambientes fora do tempo e mundos utópicos, a espantosa liberdade de criação concedida ao indivíduo, a aceitação da inspiração popular, o exacerbamento do sentimento nacional, apontam para uma restituição aos povos germânicos dos tesouros da sua antiga tradição mitológica. Procura-se restabelecer a integridade primitiva dos povos, compilando cuidadosamente as mais significativas manifestações poéticas de caráter popular à margem da cultura burguesa da civilização urbana. (MELEIRO, 1994, p.89).

Paralelamente, por força da razão kantiana, brota nos escritores à época o desejo à liberdade de sentidos retratada no olhar literário que resulta, segundo Safranski (2010, p.144), na “mitologia da razão” onde “o sensato nessa mitologia devia residir no princípio da identidade filosófica, ou seja, na suposição de que a sociedade e a natureza são regidas pela mesma razão que o espirito humano”. Unido ao movimento pré-romântico, o ressurgimento do interesse pela mitologia germânica se dá, sobretudo, com a iniciativa do filósofo Johann Gottfried Herder ao deixar registros e reflexões na obra Volksgeist (1760), com abordagens e peculiaridades do povo teutônico, de raça nórdica (GUINSBURG, 1985). No entanto, os critérios estéticos relativos aos mitos e à antiguidade se modificam e encontram nos resquícios do Oriente, elementos mágicos que se somam à imaginação em processo de evolução, expressos em obras que confirmam o quanto o Oriente tem representação no Ocidente (SAFRANSKI, 2010). A inserção de mitos, duendes e a floresta ganham destaque na narrativa hauffiana, os quais induzem ao leitor e à crítica a narrativa poético-infantil. No entanto, no desenrolar do enredo, o leitor muda sua perspectiva no olhar, ao constatar a profundidade temático-ideológica constante na narrativa advinda dos aspectos sociais, econômicos e culturais na Alemanha naquele momento e que se evidenciam na obra de Hauff. Na verdade, constata-se uma “simbiose” entre mitos, duendes e elementos da realidade, que irão caracterizar e revelar o novo momento estético e político que se anunciava na Alemanha naquele momento. A dicotomia entre realidade e fantasia vai permear e acompanhar a preocupação real de Hauff com a transformação social de seu tempo, cujo reflexo se cristaliza na obra hauffiana 21 através de abordagens e aspectos da cultura expansionista exploratória holandesa, sobretudo da madeira na Floresta Negra [schwarze Wald] na Alemanha do século XIX, que extrapola os objetivos da presente pesquisa, ficando para um segundo momento. A investigação revela que a narrativa Das kalte Herz se encontra na esfera da indefinição literária naquele século, uma vez que se apresenta em um período de transição, entre o romantismo e o realismo, denominado por Andrea Polaschegg (2005, p.14) de Existenz historischer Zwischen-Zeit5 [“A Existência em um período histórico intermediário”], cuja literatura encontra-se em um espaço fronteiriço e de transição que defino como “o entre-lugar”. Tal constatação me levou a questionar do porquê e quais estratégias foram adotadas por Hauff, para a construção de uma narrativa infanto-juvenil com elementos orais e culturais advindos da realidade social na Alemanha naquela época, quando “os contos maravilhosos” [“Märchen”] dos irmãos Grimm ganhavam espaço junto aos leitores e crítica literária. Para adentrar no imaginário poético-literário do jovem escritor, faço uma tradução comentada da novela Das kalte Herz para o português brasileiro, após quase dois séculos de sua publicação (1828) na Alemanha. A análise se dá de forma experimental e descritiva, conferindo ao tradutor a oportunidade de tecer considerações e comentar sua própria experiência diante de dificuldades frente à tradução na língua e cultura de chegada. Para isso, desenvolvo o embasamento teórico-crítico sobre o método prático de análise literária e tradutória de Das kalte Herz, observando o contexto de sua produção, cuja investigação é voltada para os estudos da tradução e conta com os conceitos teóricos de Jiří Levý, José Lambert e Hendrik van Gorp, além de considerações de Berman e Anthony Pym, este último relativo a aspectos da comunicação e interculturalidade literária (PYM, 1998). Essa investigação se detém no aporte teórico sobre a teoria da tradução do tcheco Jiří Levý6 ([1957]; 2011) cuja teoria defende a importância de elementos culturais no processo de tradução unido à interpretação e processo de decisão do tradutor como leitor frente à duas culturas que dialogam em uma interrelação com o leitor. Comungo da opinião de que as culturas são distintas e podem ou não ser interdependentes. Também entendo que culturas e traduções sofrem mutações com o tempo, mas que não se extinguem. Ao contrário, dialogam, amadurecem e atualizam a obra quando de sua recepção estética, além de manter sua recepção em um outro momento e época. Diante

5 [...] stehe seine literatur in einem Raum also, der im Irgendwo zwischen>nicht mehr< und >noch nicht< angesiedelt ist. (POLASCHEGG, 2005, p.14). Quando não se tratar de tradução nossa darei o crédito ao tradutor (a). 6 Todas as traduções da obra de Jiří Levý foram traduzidas por mim com base na obra em inglês The Art of Translation de 2011 (tradução de Patrick Corness). 22 disso, concebo que as civilizações sempre contaram com sua oralidade e cultura específicas, constituindo-se na base da manutenção de uma sociedade. Com isso, entendo que o tradutor, ao se encontrar diante de ambas culturas, não só faz uso da língua fonte (LF) unida a sua própria cultura fonte (CF), mas também faz uso do conhecimento e experiência de seu próprio mundo, no qual está inserido, desenvolvendo uma interpretação própria para alcançar a tradução mais adequada à cultura meta (CM) e ao texto meta (TM). Segundo Levý ([1957], 2011):

O tradutor é antes de tudo um leitor. O texto de uma obra se realiza como fato social, e produz efeito artístico, somente quando é lido. O leitor e o tradutor recebem a obra na forma de um texto e, no processo de sua percepção, o texto funciona como material objetivo que é transformado pelo sujeito destinatário, o leitor. Esse processo resulta em uma concretização pelo leitor. É assim que ocorre um ato específico de leitura. (LEVÝ, ([1957], 2011, p. 27. Tradução minha).7

Por conseguinte, Levý ([1957]; 2011), vê na comunicação constante no texto fonte (TF) o principal papel do tradutor sobre a obra, onde deverá passar pelos processos inerentes à tradução como a compreensão; a interpretação e finalmente, a conversão desse original. Entende Levý ([1957]; 2011) que:

O objetivo da tradução é a reprodução. Na prática, o procedimento envolve a substituição de um conjunto de material verbal por outro - o que envolve criatividade autônoma envolvendo todos os meios artísticos da língua-alvo. A tradução é, portanto, um processo criativo original que ocorre em um determinado ambiente linguístico. A tradução como obra. A arte de traduzir Arte é a reprodução artística, a tradução como processo é uma criação original e a tradução como forma de arte é um caso limítrofe na interface entre a arte reprodutiva e a arte criativa original. (LEVÝ ([1957], 2011, p. 57-58. Tradução minha ).8

Gideon Toury (1980) estabelece conceitos que vão fundamentar os estudos descritivos da tradução (DST), cuja teoria aponta a hierarquia de elementos que resultam na tradução do texto fonte (TF). Esse processo é regido por normas de tradução que fazem essa mediação no processo decisório. No entanto, José Lambert (1985) enfatiza a importância da inserção da narrativa no contexto histórico, destacando que todos os aspectos são relevantes e que têm sua própria função na tradução. Isso significa dizer que o autor, leitor e obra estão presentes num

7 The translator is first to fall a reader. The text of a work is realised as a social fact, and produces an artistic effect, only when it isread. The reader and the translator receive the work in the form of a text, and in the process of its perception the text functions as objective material which is transformed by the recipiente subject, the reader. This process results in a concretisation by the reader. This is how a specific act of reading occurs. 8 The translation is reproduction. In practice, the procedure involves substituting one set of verbal material for another – this entails autonomous creativity involving all the artistic means of the target language. Translation is therefore an original creative process taking place in a given linguistic environment. A translation as a work. The Art of Translation of art is artistic reproduction, translation as a process is original creation and translation as an art form is a borderline case at the interface between reproductive art and original creative art. 23 determinado momento histórico, enquanto, o tradutor, o leitor e a tradução se encontram submetidas às normas de um outro sistema. É fato, que essas abordagens possibilitam novos fenômenos quando da concretização da tradução. Essa abordagem enfatiza o quanto o valor histórico defendido pelos teóricos descritivistas possibilita nova perspectiva, rediscutindo teorias tradicionais de equivalência textual, que serão retomadas no andamento da pesquisa. A fim de estabelecer limites à minha análise, abordo a realidade transfigurada em símbolos na obra hauffiana, cujo efeito estético transcende espaço e tempo através da tradução. Entendo que para que um evento se torne arte é preponderante que ocorra o efeito estético dos elementos simbólicos inseridos na obra, cuja cultura transmite essa simbologia sígnica, de que “a arte é um fenômeno da cultura” (LOUREIRO, 2000, p.297-298). Consequentemente, a narrativa em foco nos leva a uma reflexão literária retratada nos elementos simbólicos inseridos por Hauff em Das kalte Herz que sugerem um efeito estético e que se unem às alegorias representadas nas personagens como sujeito social da época. Nosso aporte teórico relativo a culturas se detém nas reflexões de Peter Burke, Andrea Polaschegg, Wolfgang Welsche e Paes Loureiro. Por conseguinte, com relação à análise de elementos orais e poéticos na narrativa encontro respaldo teórico em Paul Zumthor e Henry Meschonnic que se complementam e dialogam com os conceitos literários sobre gêneros discursivos sob a ótica de Mikhail Bakhtin. Outrossim, procedo análise dos mitos germânicos presentes na obra hauffiana sob os conceitos de Maria Lucília Meleiro e Karin Volobuef. A obra Das kalte Herz und andere Märchen [1908], por se tratar de livro de bolso, não disponibiliza gráficos ou gravuras, mas nos oportuniza notas de rodapé que possibilitam uma análise dos elementos paratextuais sob a base teórica de Sardin (2007), Genette (2009) e conceitos de Torres (2017). Nesse caso, teço comentários sob a perspectiva de que “a nota de rodapé é uma continuidade do texto” (TORRES, 2017), cujas ideias, de alguma forma, se contrapõem às concepções pré-estabelecidas por Genette (2009). Somando-se a isso, procedo à recepção literária (online) de Hauff em pesquisas acadêmicas na Alemanha e em outros países, bem como, o percurso da tradução de sua obra no Brasil e no exterior, onde analiso as abordagens que ganharam destaque sobre a obra no desenvolvimento do trabalho. Durante o processo de leitura e elaboração da tradução da novela Das kalte Herz para o português brasileiro, surgem vários questionamentos, dentre eles, sobre a tradução do título Das kalte Herz, uma vez que, algumas traduções para o inglês (online) trazem a tradução do título como “O coração de pedra” [“Heart of Stone”], denominação essa referenciada no título 24 da obra no filme contemporâneo, divulgado em 2016.9 Tal constatação desperta inquietação no leitor/tradutor do idioma alemão, ao se deparar com a tradução semântica divergente e que restringe interpretações e a transcendência do imaginário do escritor. Certamente, a primeira leitura do mundo em que a obra está inserida advém do autor- leitor e, em seguida, do próprio tradutor-leitor que, ao adentrar na obra do autor, mergulha no mundo do autor e depois constrói a sua própria interpretação. À medida que a tradução de Das kalte Herz ganha forma, despontam o protagonista e variados personagens como o pequeno Muck, Michel holandês, vidreiros, relojoeiros e lenhadores [Glasbläser, Uhrmacher, Holzfällen] que sugerem a representação de práticas e diferentes classes de trabalho no contexto da tradição alemã, à época, unido à condição social e econômica desses personagens inseridos na narrativa. Esses elementos remetem à memória do leitor contemporâneo de que Wilhelm Hauff se encontra ainda sob os efeitos da Revolução Francesa (1789), cuja transformação se dá com os sinais da chegada da revolução industrial. Isso revela a constelação histórica em que Hauff se encontra envolvido, representada nas mudanças do seu tempo e na sua atuação nos movimentos políticos pela libertação e unidade alemã (GEERDTS, 1968). Wilhelm Hauff aos 23 anos de idade, torna-se escritor reconhecido na Alemanha por seus contos infantis e é destaque editorial de vendas com o Almanaque Cíclico de Narrativas Curtas [Almanach-Erzählzyklen] (BECKMANN, 1976; VOLOBUEF, 1999; POLASCHEGG, 2005; ARENDT, 2012). Retomo a concepção do filósofo Walter Benjamin (1994, p.198) de que “a prática de ouvir e contar histórias oriunda na experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores”. Isso me leva a crer que Hauff, ao se fazer atento às produções literárias de seu tempo e de seus contemporâneos, conta histórias como fizeram seus contemporâneos , os irmãos Grimm e E.T.A. Hoffmann. Segundo Dieter Arendt (2012, p.86), “as obras Phantasus de Tiecks e Serapions-Brüder de Hoffmann possibilitaram a Hauff o modelo para a elaboração do Almanaque Cíclico de Narrativas entre 1826 e 1828”.10 Segundo Polaschegg (2005, p.18) “a caracterização dos protagonistas de sua [Hauff] obra, dentre eles, Kalif Storch, Der kleine Muck, Zwerg Nase oder das kalte Herz o levou a uma narrativa popular moderna tornando esse autor emancipado”. Essa emancipação que se dá na construção da narrativa e personagens hauffianas que se revelam no caráter da verossimilhança

9 Ver o filme Heart of Stone. Disponível em: . Acesso em: 01.07.2019. 10 Tieckes Phantasus und Hoffmans Serapions-Brüder mögen ihm als Vorbild gedient haben für seine Almanach- Erzählzyklen zwischen 1826 und 1828. 25 cujo paradoxo retrata que “a criação literária repousa no fato do ser fictício, ou seja, a criação da fantasia comunica a impressão da mais lídima verdade existencial”, tanto quanto, “a visão fragmentária é imanente à nossa própria experiência” (CÂNDIDO, 2004, p.55). Por conseguinte, Bakhtin (1997) aponta “os gêneros do discurso” além dos “gêneros literários” e sugere outros padrões de análise das formas interativas do discurso, denominando- os de sistemas comunicativos que emergem de interações dialógicas, uma vez que cada um tem seu próprio campo de significação, tornando-os processos produtivos de linguagem. Confesso que, ao proceder uma leitura minuciosa da narrativa Das kalte Herz, constato elementos da realidade sociocultural dentre os caracteres míticos e poéticos advindos da oralidade, retratados no imaginário poético e colorido da região da floresta de Württemberg11 que vêm se somar à denúncia “subliminar” (grifo nosso) de Hauff sobre a exploração indiscriminada da Floresta Negra [Schwarzwald] alemã pelos holandeses. Acredito que tais constatações estéticas e inserções socioculturais acabam por colocar Hauff à frente de seu tempo, ganhando o reconhecimento pela crítica literária, após dois séculos, como um dos pioneiros do Kunstmärchen [contos artísticos maravilhosos] (TISMAR, 1977, p.31), o que, posteriormente, o insere no grupo de escritores de alto valor literário reconhecido pela crítica literária. Na concepção de Dieter Arendt (2012, p.9), esse gênero híbrido desponta como uma dissonância [“Dissonanz”], frente à moda corrente à época presente na linguagem romântica dos Contos Maravilhosos [Märchen] dos irmãos Grimms e “assume caminho contrário ao lugar histórico-literário cada vez mais competitivo da novela”12 [Novelle], caracterizado em uma inquietação literária causada pelo gênero de transição retratado na narrativa em questão. Na teoria dialógica dos gêneros, Bakhtin (1977) aborda as relações espaço-temporais das representações e da interatividade discursiva, onde o gênero adquire uma existência cultural. Essa universalidade retratada na cultura escrita e, conceituada por Bakhtin (1977), revela a dimensão do processo dialógico entre o oral e a escrita no intermédio da cultura. A inquietação literária hauffiana se dá em virtude das mudanças oriundas de fenômenos como o sistema burguês, econômico e social à época, que resulta na fase de transição da produção literária, fazendo com que a Alemanha viva um momento literário nostálgico, sobre o que, para alguns críticos, a obra de Hauff se insere no movimento denominado de

11 Região ao sul da Alemanha onde se localiza a Floresta Negra [Schwarzwald]. 12 [...] die als Widerspruch sowohl gegen das in der romantischen Umgangssprache modisch gewordene Märchen als auch gegen die zunehmend kurrent Novelle ihren literarhistorischen Ort hat. ARENDT, Dieter. Märchen- Novellen. Francke Verlag, 2012, S.9. 26

Biedermeier,13 caracterizado como burguês. Essa posição é contestada pela literatura crítica contemporânea contrariando a abordagem conservadora, cuja voz ressoa na pesquisadora Andrea Polaschegg (2005) ao enfatizar que:

Essa presença transhistórica de Hauff é incompatível com a imagem do poeta como o “autor representativo do início de Biedermeier” ou como o prisma de “todas as modas literárias dos anos vinte”, como é repetidamente esboçado nos estudos germânicos até os dias atuais. (POLASCHEGG, 2005, p.11).14

Esse movimento também denominado de Vormärz se voltava para valores que mantinham a formação pedagógica com critérios subjetivos e de forma ideológica que interferem no gênero da produção literária, como relata, Hans-Heino Ewers (2008, p.124): “Essa época [Vormärz] apregoava como solução para o estilo literário a elaboração de contos sentimentais com predileção por figuras para meninas, cuja representação se concretizava na total passividade, abnegação e indiscutível devoção”.15 Com uma construção e perspectiva diferenciadas, surge o “Almanaque de contos maravilhosos” de Wilhelm Hauff, denominado de Märchen-almanache -Söhne und Töchter gebildeter Stände [Almanaque de Contos Maravilhosos para meninos e meninas bem instruídos],16 publicado em três volumes, um por ano, de 1826 a 1828, e que teve boa aceitação pelo público leitor, sobre o que será discutido na tese. A opção por traduzir uma narrativa infanto-juvenil de Wilhelm Hauff para o português brasileiro advém da minha experiência há dez anos como professora e coordenadora de projeto de extensão de alemão para crianças em situação de vulnerabilidade social na Amazônia. O referido projeto encontra-se vinculado à Universidade Federal do Pará, denominado de Aprendendo Alemão na Amazônia: Interculturalidade e Consciência Ambiental. No projeto social eu e os bolsistas desenvolvemos atividades de ensino-aprendizagem da língua, literatura infantil e cultura alemãs, com base na interdisciplinariedade, onde são trabalhados temas transversais, como a conscientização ambiental através da importância da biodiversidade da floresta para a sobrevivência do homem e do planeta, o respeito às diferenças de gênero, a

13 Biedermeier ou Vormärz-movimento literário que defendia o retorno à burguesia e seus ideais de virtude (Heise, 1986, p.51). 14 Diese transhistorische Präsenz Hauffs verträgt sich nicht mit dem Bild des Dichters als. Repräsentative [m] Autor der frühen Biedermeier < oder als Prisma >. Alle [r] literarischen Moden der zwanziger Jahre <, wie es in der Germanistik bis heute immer wieder entworfen wird. 15 Da ist z.B. das sentimentale Märchen mit seiner besonderen Vorliebe für Mädchenfiguren, die in gänzlicher Passivität, vollständiger Ergebenheit und grenzenloser Selbsttopferungsbereitschaft unsägliche Mühsal ertragen, um schliesslich Erlösung zu finden. 16 Os almanaques tiveram grande divulgação editorial na Alemanha do século XIX e serviram de base para a tese da profa. Drª. Sabine Beckmann intitulada Die Beschreibung der kyklischen Kompositionen von Hauffs Märchenalmanachen. Bonn: Bouvier, 1976. 27 diversidade cultural e competências sociais, buscando recuperar a autoestima das crianças e sua reinserção na sociedade. Um fator de extrema importância do projeto é o de estimular nos discentes de germanística, habilidades voltadas para o ensino-aprendizagem da língua e literatura alemã, unido ao comprometimento com a responsabilidade social, repensando e respeitando as diferenças. Eu não tinha consciência dos processos tradutórios orais e culturais latentes e que já se faziam presentes no ensino-aprendizagem da língua e literatura alemãs para crianças na interação intercultural entre Alemanha e Amazônia. De fato, esse diálogo se mostrava evidente na troca e prática diária entre língua, cultura e sociedade, e através do respeito ao outro e suas diferenças culturais. Os estudos da tradução abrem a perspectiva da efetivação da tradução comentada da narrativa alemã infanto-juvenil que se detém no fato de ter que se fazer escolhas tradutórias, seja na abordagem linguística, literária e sociocultural, frente a temáticas variadas a serem exploradas, sem perder a cosmovisão do autor e do tradutor. Ressalto, porém, que consideramos o texto meta (TM) a recepção estética do texto fonte (TF) efetivada através da leitura e interpretação que se materializam em uma nova produção literária, concebida nas escolhas estéticas e criatividade do tradutor. Por conseguinte, o presente trabalho tem por objetivo: o de fazer uma tradução comentada da novela hauffiana alemã Das kalte Herz, identificando e comentando elementos culturais e orais contextualizados por Hauff no texto fonte (TF) e cultura fonte (CF) e que ganham uma nova dimensão literária em uma narrativa infanto-juvenil, na construção do texto meta (TM), na cultura meta (CM). Finalmente, proponho com essa pesquisa revelar que, no papel de observador literário e tradutor de seu tempo, Hauff faz uso de elementos da tradição oral e cultural, no intuito de inserir abordagens críticas e questionamentos em uma linguagem, supostamente, infanto- juvenil, bem como, para adultos, tornando-se provocativo e satírico, sobretudo quando faz uso da representação estética de “mitos e lendas” oriundos da Mitologia Germânica nórdica. Estes elementos parecem insistir em se metamorfosear e dialogar, numa esfera transcendental, com outro universo cósmico e que, ao transcender, se refazem e dialogam com outros imaginários, ganhando vida na literatura do Ocidente. No início de sua trajetória literária, Hauff escreve e publica vários contos infantis com abordagens sobre o Oriente, os quais ganham reconhecimento do público leitor à época, como também, o marginalizam junto à crítica literária alemã que o conceitua como escritor de contos 28 orientais na literatura infantil universal. Nesse caso, parto do pressuposto de que o discurso crítico constrói imagens que podem levar o leitor a caminhos que se desfazem com a crítica e pesquisa científica. Sabe-se que a crítica literária, através de palavras, pode moldar a recepção da obra, constituindo referências em relação à obra. Cabe notar, porém, que a obra se constrói na sua recepção crítica e nos discursos que veicula, reelaborando o novo diálogo discursivo na esfera “prosaica da linguagem” (BAKHTIN, 1977) constituído de fragmentos oriundos dos textos antigos. Ao dar ênfase à região de Württemberg, Das kalte Herz adentra no gênero regionalista pela crítica literária alemã, o que resulta em barreiras na divulgação e publicação de sua obra junto ao leitor da época. Muitas vezes o caráter inovador de uma obra provoca reações adversas por não se enquadrar no status quo, estabelecido no social e no estético. Quanto ao regionalismo na literatura, percebo uma analogia do contexto literário alemão com o brasileiro, retratada no olhar de Antônio Cândido (2006, p.195), ao denominar de “a universalidade da obra regional”, constituindo-se na transcendência da obra ao invés de estabelecer uma oposição entre o universal e o regional. A Germânia (antiga Alemanha) também vive esse processo de reconstituição política, econômica e social no início do século. No entanto, é relevante destacar que a narrativa Das kalte Herz ganha destaque por apresentar elementos estéticos diferenciados retratados na problematização social da Alemanha à época, elementos esses que serão analisados quando da tradução comentada da obra. Em razão disso, a pesquisa constata e revela o novo posicionamento da crítica literária contemporânea alemã com relação à obra de Wilhelm Hauff, contextualizados nas pesquisas científicas sobre o que faremos considerações no devido momento desse trabalho. A investigação revela também que a novela Das kalte Herz expõe a nova fase do protagonista Pedro Munk ao expressar o olhar sensível, crítico e irônico sobre os elementos do Oriente e sua representação estética em relação ao mito da floresta, embalados pelos cânticos orais e poéticos. Entendo que a canção mantém viva a tradição da cultura popular e retrata uma melancolia e, de certa forma, uma nostalgia nacionalista, que acabam por adentrar no pré- realismo literário, unido a elementos que retratam o bem e o mal nas relações humanas gerados com o novo sistema político que se anuncia - o capitalismo. Hauff contextualiza essa situação em vários momentos da obra, que se fazem presentes nos comentários dessa pesquisa, destacando-se a passagem em que se dá a exploração e o comércio de madeira por comerciantes 29 holandeses na Alemanha do século XIX, o que, de certa forma, anuncia aos leitores de seu tempo os primeiros sinais da chegada do novo sistema econômico. O capítulo 2 dessa pesquisa coloca o autor e obra no seu contexto temporal e literário, evidenciando aspectos históricos, econômicos, sociais e culturais do final do século XVIII e início do século XIX, adentrando nos labirintos da novela Das kalte Herz [“O coração frio”]. Há de se destacar que essa obra se constitui nos elementos oriundos do romantismo alemão retratados pelos irmãos Grimm, Schlegel, Tieck, e Schleiermacher pela política da Revolução Francesa (SAFRANSKI, 2010, p.159). Levar-se-á em consideração a chegada da burguesia, os reflexos da Revolução Industrial e a representação dos sinais do capitalismo retratados por Hauff no protagonista da novela, Pedro Munk, que ambiciona maior ganho de dinheiro e subestima a manutenção da tradição do trabalho manual retratado na produção artesanal do vidro. Hauff dá ênfase à revolução industrial e ao desmonte da tradição do trabalho laboral ao dialogar com o filósofo alemão Walter Benjamin (1994, p.168) quando em seu ensaio voltado para a obra de arte, expressa: “Generalizando, podemos dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido”. Nesse caso, Walter Benjamin critica a produção industrial em massa do produto manufaturado com a consequente extinção da tradicional produção artesanal.17 Ainda no mesmo capítulo destaco a relação entre o Romantismo e o Morgenland [Orientalismo], e abordo aspectos do “exotismo” na inter-relação desses dois movimentos, resultando em novas aspirações poéticas, literárias e satíricas, mostrando a nova perspectiva estética do não-exotismo na literatura. Em seguida, discuto gêneros discursivos sob a ótica de Mikhail Bakhtin a fim de construir uma análise sedimentada sobre o gênero literário Märchen-Novelle [“Novela de Contos Maravilhosos”] e sua inter-relação com o Künstmärchen [“Contos Maravilhosos de Arte”], uma vez que identifico na obra elementos que assertivam seu reconhecimento como Märchen-Novelle e, consequentemente, sua caracterização como Künstmärchen [Contos maravilhosos de Arte], em detrimento do Volksmärchen [Contos maravilhosos populares]. Os critérios para a análise encontram amparo, sobretudo, nas observações de Mathias Mayer & Jeans Tismar (2003), pesquisadores do gênero Künstmärchen e suas variações semântico- literárias na Europa.

17 Ver: JAMESON, Frederic. Pós-modernidade e Sociedade de Consumo. Tradução Vinícius Dantas. Revista Novos Estudos CEBRAP, São Paulo n.°12, p.16-26, jun. 1985. 30

Busco nas pesquisas acadêmicas contemporâneas as ações e estratégias implementadas por Hauff junto às editoras à época, objetivando a publicação de seus manuscritos. Tal pesquisa revela relatos e contatos esclarecedores sobre os processos de negociação empreendidos por Hauff com os editores e editoras, bem como, suas estratégias na obtenção da publicação de suas obras. Nossa pesquisa revela as dificuldades enfrentadas por Wilhelm Hauff na busca de publicação de suas obras, uma vez que a literatura infantil ainda sofria influência pedagógica do Iluminismo por não ser considerada texto para crianças, oriunda do ano de 1770 e adentrava no processo do romantismo com a publicação do Kinder- und Hausmärchen dos irmãos Grimm.18 Pesquisas como as de Susanne Fischer Wilhelm Hauffs Korrespondenz mit Autoren, Verlegern und Herausgebern (1992) [Correspondências de Hauff com autores, editores e organizadores] descrevem as ações implementadas por Wilhelm Hauff no contato com editores no objetivo de publicar suas obras, dentre elas O Almanaque de Contos Maravilhosos, cuja obra efetiva Hauff como escritor no mercado editorial, assegurando-lhe público. O capítulo 3 expõe a linha poética implementada por Hauff na busca de preservar os elementos da tradição oral (ZUMTHOR, 1997) na obra literária, uma vez que tinha a prática de selecionar e catalogar “canções populares” e “canções de guerra” (ORTIZ, 1985). Essas ações levam Hauff a fazer contato com elementos da cultura popular, do folclore e da Mitologia Germânica, assegurando uma obra literária híbrida com elementos do fantástico e do maravilhoso. Adentrar nos elementos orais significa imergir na dimensão poética presente na obra hauffiana através da composição do ritmo e oralidade interligados à tradução através da escrita, como ressalta Meschonnic (2010) “é a literatura que proporciona esse momento de transcendência onde a oralidade é o primado do ritmo no modo de significar” (MESCHONNIC, 2010, p. xxxvi). Ainda no capítulo investigo os elementos orais presentes na narrativa, relativos a mitos e lendas germânicas e reproduzidos nos cânticos poéticos que constituem a representação poética da Floresta Negra [Schwarzwald] alemã. Em seguida, analiso os elementos culturais (BURKE, 2010) presentes na narrativa, dentre eles os aspectos que se reportam ao orientalismo (SAID, 2007) e ao exotismo (SEGALEN, 2010) na literatura. Analiso as abordagens de caráter mitológico, político e social que estão caracterizados na preocupação de Wilhelm Hauff com a chegada do capitalismo na Alemanha e consequente destruição das tradições culturais daquela região, que se encontram

18 STEINLEIN, Rüdiger. Belustigung für Söhne und Töchter gebildeter Stände. In: POLASCHEGG, Andrea. Göttingen: Wallstein, 2005, S.199-200. 31 retratados no trabalho manual de vidros e relógios, unido à extinção do imaginário popular dos mitos e duendes que habitam a Floresta Negra. Ao considerar que a obra alemã Das kalte Herz ainda não dispõe de tradução para o português, objetivo encontrar respostas para algumas indagações que se fazem presentes na minha trajetória de análise relativas à novela infanto-juvenil Das kalte Herz [“O Coração Frio”] de Wilhelm Hauff, motivo da minha pesquisa, abordando os seguintes pontos: quais motivos impedem o reconhecimento da crítica literária à época? Por que o autor e sua obra não se tornam cânones junto a outras obras e autores contemporâneos? Por que a narrativa Das kalte Herz ficou por tanto tempo esquecida pela crítica literária quando já havia traduções para o inglês?. Quais as razões do despertar de pesquisadores e leitores alemães sobre Hauff e a narrativa Das kalte Herz a partir do final do século XX?. No âmbito da tradução de Das kalte Herz, quais dificuldades enfrenta o tradutor, na busca da tradução literária adequada à cultura alvo? A opção por uma tradução do texto da cultura de saída do século XIX para a cultura do texto de chegada, resulta em algum prejuízo na recepção estética e compreensão do texto meta (TM)? A tradução do texto fonte (TF) provoca conflitos linguísticos e/ou culturais nos sistemas literários no texto meta (TM)?. A resposta começa a se cristalizar quando se entende que, por razões várias, seja religiosa, política, cultural, de publicação ou ideológica, autores ficam à margem do cânone em determinado momento histórico. No século XXI, com o acesso à informação, as perspectivas e temáticas se tornam interdisciplinares e transversais, ampliando o olhar sobre obras que ficaram à margem da crítica por razões várias. Os Estudos da Tradução possibilitam novos horizontes e o acesso a novos objetos de pesquisa, frente à diversidade de conceitos e abordagens, incluindo obras que ficaram na obscuridade pela academia, sobre o que diálogo com o pensamento de José Lambert (2011, p.30) no contexto da publicação Em busca dos mapas-múndi das literaturas, onde observa a importância do “mapa das línguas, das literaturas e das comunicações estar sujeito a uma revisão fundamental”, frente ao “eurocentrismo nas pesquisas acadêmicas”. Lambert argumenta ainda que “toda forma de comunicação e sociedade gera ao mesmo tempo a tendência à estandardização e seu contrário, o que faz supor que a estandardização só é atingida no final de uma evolução” (LAMBERT, 2011, p.30). Esse autor acrescenta que:

Todas as nações tiveram seu nascimento e as línguas e as literaturas pretensamente nacionais são, por definição, resultado de uma conquista (política, por definição) que muitas vezes nem se realiza. Eis por que o mapa das línguas, das literaturas e das 32

comunicações está sujeito a uma revisão fundamental. Ela visa a homogeneizar a representação das unidades espaço-temporais. (LAMBERT, 2011, p.30).

No capítulo 4, busco captar o olhar dos tradutores estrangeiros sobre a obra de Wilhelm Hauff, unido à recepção da Literatura Infanto-juvenil (LIJ) desse autor no Brasil, onde constam traduções de contos infantis com o imaginário romântico infantil alemão, oriundos do final do século XVIII e início do século XIX. Para isso, apresento um levantamento das traduções de contos infantis de Hauff, no português brasileiro, sua representação no contexto literário, com destaque sobre a obra Contos Orientais, publicado pela editora Irmãos Pongetti, no Rio de Janeiro, em 1954, com tradução de Lina Hirsch. Observo que a tradutora Lina Hirsch opta por traduzir e adaptar o nome do autor Wilhelm Hauff, nominando-o de “Guilherme Hauff” (1954, p.7), acompanhado das ilustrações de Otto Büngne, cujas sinalizações tradutórias serão analisadas, posteriormente. Em seguida, discuto pesquisas que versam sobre a obra de Hauff e sua recepção na Alemanha e em outros países, com o foco na novela Das kalte Herz, contextualizando as novas perspectivas nos estudos acadêmicos sobre a obra de Wilhelm Hauff e, em particular, sobre Das kalte Herz nos séculos XX e XXI. Trato da recepção de Hauff no Brasil quando, em meados do século XX, os contos hauffianos são publicados no gênero da literatura infantil com elementos exóticos do Oriente. Os contos perpetuam no leitor brasileiro a percepção romântica alemã no início século XIX, mantendo os arquétipos de transferência simbólica inalterados. A pesquisa revela que a obra hauffiana em outros contextos ainda é tímida, mas que começa a ser descoberta no Brasil. Em contraponto, a pesquisa sobre as traduções relativas à obra de Wilhelm Hauff em outros continentes, unida à revisão da literatura sobre a obra desse escritor na Europa, evidenciam, ainda no século XIX, traduções da novela Das kalte Herz, para o inglês, como Popular Tales (Rugeley: John Thomas Walters; Londres: J. Burns, 1844).19 O reconhecimento do valor literário de Wilhelm Hauff se acentua no início do século XX, quando pesquisadores na Europa e, sobretudo, na Alemanha, comungam das observações e assertivas manifestadas pelo escritor suíço Robert Walser (1878-1956)20 sobre a perspectiva crítica e poética constante da obra de Wilhelm Hauff e, nesse particular, sobre a novela Das kalte Herz [O coração frio]. No capítulo 5, apresento o corpus da pesquisa, a tradução da novela Das kalte Herz para o português do Brasil em duas colunas paralelas. Cada página traduzida segue a numeração

19 BLAMIRES, David. The Fairtales of Wilhelm Hauff. Open Book Publishers. 2013. p.181-203. (Disponível em: https://books.openedition.org/obp/570>. Acesso em: 02.07.2019). 20 STEINLEIN, Rüdiger. In: POLASCHEGG, Andrea. Göttingen: Wallstein, 2005, S.197. 33 de páginas estabelecida no original. Essa metodologia assegura uma melhor identificação pelo leitor sobre o desenvolvimento da obra. No capítulo 6, faço uma explanação sobre o projeto de tradução e menciono o quadro teórico-metodológico, em que justifico o método de abordagem da tradução do teórico theco Jiří Levý (1957).21 Entendo que é através do olhar sobre o momento histórico e sociocultural em que o autor se encontra inserido que se obtém elementos que possam contribuir na elaboração da tradução da obra. Nesse mesmo tópico, apresento o projeto de tradução e argumentação sobre minhas escolhas relativas à oralidade e à cultura. Na sequência, procedo aos comentários e explicito com embasamento teórico as escolhas e tomadas de decisões, quanto à tradução de abordagens relativas à oralidade e a elementos culturais inseridos na narrativa. Quando se fizer necessário, far-se-á a análise de determinadas expressões populares e palavras de significado semântico oriundos da Região da Suábia daquele século, utilizadas por Hauff na obra e que sugerem ter relevância no contexto. Tomo como exemplos “Spinnrocken” (Hauff, p.11) [roca de fiar]; “Ehni” [Grossvater]22 (Hauff, p.12) e “Sechsbätzner” [seis Bätzner]23 (Hauff, p.6), bem como a relação do mundo da Floresta Negra [Schwarzwald], com os mitos “Nibelungos”24 (Hauff, p.7). Em virtude do hibridismo da obra, serão demonstradas as dificuldades e soluções encontradas na efetivação da tradução da narrativa, no objetivo de possibilitar uma recepção estética com base na cultura meta (CM), visando uma narrativa atualizada e o alcance da construção de um texto satisfatório à compreensão pelo público infanto-juvenil na língua portuguesa no Brasil. Nessa mesma análise, opto pela inclusão de notas de rodapé sob os conceitos paratextuais de Sardin(2007), Gerárd Genette (2009) e de Marie-Hélène Torres (2017), cuja decisão de tradução segue os padrões semânticos estabelecidos no texto fonte (TF),

21 A obra de Levý foi traduzida do theco para o alemão Die literarische Übersetzung. Theorie einer Kunstgattung por Walter Schamschula (1969), e para o inglês The Art of Translation por Patrick Corness (2011). Em português não há uma tradução do livro, mas há alguns trechos traduzidos pelo pesquisador, Filipe Neckel em seus artigos, Dissertação de Mestrado e Tese de Doutorado. 22 [Avô]. In: WERMKE, Matthias et al.: Duden. Das Herkunftswörterbuch. Etymologie der deutschen Sprache. Bd. 7. 3. Aufl. Mannheim: Bibliographisches Institut & F. A. Brockhaus AG 2001. S. 272. 23 [moeda suiça cunhada e que servia de dinheiro de compra]. Idem. 24 Povo formado por anões e gigantes na mitologia nórdica. A saga gerou a epopeia heroica europeia denominada de A Canção dos Nibelungos [Nibelungslied].No século XIX o assunto dos Nibelungos despertou o interesse de escritores que lhe deram nova configuração: ganham destaque o drama de Friedrich de la Motte Fouqué Der Helddes Nordens (1808-1810) e a trilogia dramática de Friedrich Hebbel Die Nibelungen (1862). (Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Nibelungos. Acesso em: 19.10.2019).

34 aproximando-o ao contexto da narrativa do texto meta (TM), dessa forma possibilitando uma melhor compreensão da obra pelo leitor brasileiro. Sigo no mesmo capitulo e procedo análise dos paratextos relativos às notas de rodapé inseridas pelo editor, uma vez que a obra não apresenta ilustrações. Entretanto, faço algumas considerações paratextuais sobre as ilustrações das capas de edições dos contos hauffianos em língua alemã publicadas em outros países, bem como, capas das edições dos contos hauffianos em português, editados no Brasil, cuja recepção estética revela o imaginário despertado pela obra nesses países de publicação. Essas publicações foram levantadas junto à internet, sebos e bibliotecas virtuais na Alemanha. Finalmente, teço as considerações finais com base na teoria leviniana e reflexões sobre as conclusões levantadas com a investigação. Esse trabalho possibilita um novo olhar sobre a produção literária do escritor alemão Wilhelm Hauff junto ao público brasileiro, viabilizando aos leitores da língua portuguesa, em especial no Brasil, a tradução da novela infanto-juvenil Das kalte Herz e sua interrelação com mitos, lendas germânicas e a floresta negra presentes na narrativa hauffiana. Com isso, efetivo o resgate da obra de Wilhelm Hauff caracterizado no olhar crítico e questionador desse autor sobre as mudanças sociais e políticas de seu tempo, reconhecendo-o como inovador e desafiador na criação literária de sua época. 35

2 A GÊNESE DE DAS KALTE HERZ E O SEU TEMPO

Quando me vejo a pensar e a escrever sobre o espaço e o tempo na vida literária desse escritor que, de alguma forma, passou a compartilhar das minhas horas e das minhas noites de leitura, meus olhos se voltam para o anúncio do jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (12.07.2018), que informa o lançamento do novo livro sobre a vida e obra de Wilhelm Hauff e que trata da recepção de suas narrativas na Alemanha, cuja publicação diz o seguinte:

Como um autor de contos maravilhosos, o falecido Wilhelm Hauff (1802-1827) ainda goza de uma popularidade indiscutível. A extensa obra, que ele criou em alguns anos, tem muito mais para oferecer: com romances, contos, ensaios e esboços satíricos, que se desenrolam em um panorama das formas poéticas mais populares e gêneros no período da nova restauração, quando o novo poeta se tornava confiável e propriamente criativo. Mesmo como um observador, conhecedor e crítico do mercado de livros e do gosto do público, Hauff é uma figura fascinante na história da literatura e mentalidade alemã. Este volume fala da vida de Hauff na Suábia do Biedermeier e de sua incrível carreira de escritor, ele esclarece em detalhes também todas as importantes obras sobretudo o Almanaque de Contos, ordenado de forma literária, cultural e política no contexto do seu tempo.25

No momento em que desenvolvo a investigação sobre a recepção literária da obra de Hauff, com o objetivo de adentrar no mundo da imaginação do autor, tendo como corpus do trabalho, a novela de contos maravilhosos26 Das kalte Herz [O Coração Frio], com origem no século XIX coloco meus olhos sobre a referida publicação. Na verdade, a citada publicação da obra desperta a minha curiosidade e atenção com relação ao clichê ou status quo relativo ao discurso presente no contexto editorial, denominando Hauff como “autor de contos de fadas” (grifo nosso), discurso esse que também se faz presente no Brasil no século XX. Com relação à afirmação de sua “popularidade indiscutível” (grifo meu) na mesma publicação, ressalto que seu caráter canônico encontra-se reconhecido como autor de contos de fadas infantis, conforme a crítica literária da época. Por conseguinte, essa investigação visa apontar características e comprovar as distorções na classificação da obra Das kalte Herz como gênero de conto infantil

25 Als Märchenautor genießt der früh verstorbene Wilhelm Hauff (1802-1827) bis heute eine ungebrochene Popularität. Das umfangreiche Werk, das er binnen weniger Jahre schuf, hat aber noch weit mehr zu bieten: Mit Romanen, Novellen, und satirischen Skizzen entfaltet es geradezu ein Panorama der beliebtesten poetischen Formen und Gattungen in der frühen Restaurationsepoche, die sich der selbstbewusste junge Dichter kreativ aneignete. Auch als ebenso kenntnisreicher wie kritischer Beobachter des Buchmarktes und des Publikumsgeschmacks ist Hauff eine faszinierende Gestalt der deutschen Literatur- und Mentalitätsgeschichte. Dieser Band erzählt von Hauffs Leben im biedermeierlichen Schwaben und von seiner erstaunlichen Schriftstellerkarriere, er erläutert aber auch detailliert alle wichtigen Werke einschließlich der berühmten Märchenalmanache und ordnet sie in den literarischen, kulturellen und politischen Kontext ihrer Zeit ein.. In: Frankfurter Allegemeine Zeitung (Disponível em: www.perlentaucher.de/buch/ulrich-kittstein/wilhelm-hauff. html. Acesso em: 13.07.2018). 26 Märchennovelle[novela de contos maravilhosos]. Gênero híbrido encontra-se no Spätromantik [romantismo tardio]. (VOLOBUEF, K. 1999, p.19/51). 36 e que resultaram em prejuízo na sua divulgação e reconhecimento pelo público no século XIX. Essas abordagens serão discutidas e analisadas no âmbito da pesquisa. As citações de Stefan Neuhaus (2002) reforçam nosso questionamento sobre o posicionamento negativo de críticos sobre a obra hauffiana, cuja transformação dar-se-á ao final do século XX. Neuhaus, no posfácio de sua obra Das Spiel mit dem Leser, Wilhelm Hauff: Werk und Wirkung27 [“O Jogo com o Leitor, Wilhelm Hauff: Obra e Efeito”], registra observações como as de Hans-Heino Ewers (1986), numa posição de neutralidade sobre a considerável popularidade de Hauff, ao afirmar que “Hauff não se encontrou no próprio estilo”.28 Assim como a posição de Johannes Barth (1992) para quem “Hauff tem uma visão ingênua e indecifrável de seu jovem leitor”29 deixando transparecer uma crítica negativa a Hauff junto a seu público leitor. Do mesmo modo, o posicionamento de Helmut Koopman (1975) no epílogo à edição de Winkler quando ressalta que “Wilhelm Hauff hoje é quase um desconhecido”.30 Entretanto, em contraponto a essas manifestações constata-se uma recepção estética crítica positiva à obra de Hauff com concepções inovadoras em pesquisas contemporâneas, entre elas o artigo Die Wiederkehr des Virtuosen [O retorno do virtuoso], de Gunter Oesterle (2015), constante na obra Wilhelm Hauff oder die Virtuosität der Einbildungskraft (2005) [Wilhelm Hauff ou a virtuosidade na força da formação] e que se constitui de uma seleção de ensaios sobre a obra do jovem escritor alemão. Nesse artigo, Oesterle (2015, p.83)31 ressalta o valor literário de Hauff ao afirmar que “ele foi um talento versátil de surpreendente produtividade e leveza formal”. Dentre outros, destaco a tese do americano Dietmer Claas (1984, p.9) sobre o conceito de “Jogo Fronteiriço” [Entgrenztes Spiel] que afirma “que sob um olhar pós-moderno [Hauff] aborda uma reflexão própria do texto literário e novas estruturas de ação”. É com base em observações críticas entre o antes e depois no espaço literário, entre o século XIX e o século XXI, que retomo e analiso conceitos que foram estabelecidos sobre a obra de Wilhelm Hauff na Alemanha e que ganharam eco em outros países, com o objetivo de repensar suas ideias no seu tempo, atualizando-as e retroalimentando-as com críticas e leituras atuais.

27 NEUHAUS, Stefan. Das Spiel mit dem Leser Wilhelm Hauff: Werk und Wirkung. Göttingen: Vandenhoek & Ruprecht, 2002, p.94. 28 Hauff habe nicht zu einem unverwechselbaren Stil gefunden. 29 Hauff nimmt den ungebrochen naiven Standpunkt seiner jungen Leser ein. 30 Wilhelm Hauff ist heute fast ein Unbekannter geworden. 31 Vielseitiges Talent von ertaunlicher Fruchtbarkeit und formaler Leichtigkeit. 37

Wilhelm Hauff teve pouco tempo para desenvolver sua criatividade e imaginação, porém, nos seus apenas 25 anos de vida, apresentou uma expressiva produção literária. Às vezes fico a imaginar, quão rica teria sido a produção literária de Hauff, caso tivesse tido a chance de dar continuidade a sua criação literária. Hauff produziu romances, inúmeras novelas, contos de fadas, ensaios, artigos, além de poemas. Neuhaus justifica que Wilhelm Hauff era um clássico da literatura alemã no século XIX e que “apesar da expressiva produção literária do autor, sua obra não teve o devido reconhecimento, ficando conhecido apenas pelos Contos de Fadas” (2002, p.7).32 Quando da sua pesquisa, Neuhaus contraria o posicionamento de críticos literários da época e realça que as ideias criativas de Hauff são acompanhadas de fantasia e originalidade e são motivo de imitação e epígono, o que o afasta, seguramente, do conceito de burguesia e do movimento literário denominado de Biedermeier ou Vormärz.33 A história literária registra a existência de obras que ficam à margem do reconhecimento de sua época, assim como Das kalte Herz. São textos revistos e investigados a posteriori, tornando-se material de pesquisa como acontece atualmente com a obra de Hauff. Stefan Neuhaus (2012) afirma que, à época, tanto a área científica quanto a crítica literária tiveram dificuldades para reconhecer a obra de Hauff. É possível que isso tenha acontecido porque ele retratou em Das kalte Herz a região da Suábia [Schwaben], o que levou a crítica a conceituá-la como literatura regionalista além de infantil, gêneros esses a que não se atribuía valor literário pela academia à época, como aconteceu, por exemplo, com obras no Brasil, como Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, O Quinze (1930), de Raquel de Queiroz, Capitães da Areia (1937), de Jorge Amado e Chove nos Campos de Cachoeira (1941), de Dalcídio Jurandir, dentre outros. Dieter Arendt (2012, p.87) ressalta o novo gênero literário que se constitui na obra de Wilhelm Hauff, reconhecendo que “com isso dá-se também o começo de um novo ciclo e caminho literário, e se estrutura, claramente, um novo gênero, construído a partir de fantasmas e ações de contos de fadas ao ilustrar novelas”.34 Essa parece ter sido uma opção inovadora e criativa de Hauff naquele momento, o que, a princípio, deve ter causado incômodo à crítica literária alemã, por não se fazer entender,

32 [...] ein beachtliches Werk vorgelegt,das allerdings seit langer Zeit,von den Märchen absehen, kaum noch Beachtung findet. 33 O Vormärz é considerado o período histórico entre o fim do Congresso de Viena (1815), ou a Revolução de julho na França (1830) e a Revolução de Março de 1848/49. A literatura do Vormärz é tratada como produto da época do Biedermeier (SAFRANSKI, 2010, p.16). 34 Damit erfönnet sich auch ein neuer literarischer Weg, und immer deutlicher strukturiert sich eine neue Gattung heraus: die aus märchenhaften Phantasmen strukturierte und mit märchenhaften Motiven dekorierte Novellen. 38 originando sua rejeição e, consequentemente, resultando no ostracismo de sua obra por dois séculos, cujo reconhecimento se impõe, comprovadamente, em expressivo material de pesquisa científica. Wilhelm Hauff nasceu em Sttutgart em 1802 e faleceu em 1827. Estudou teologia em Tübingen e cursou doutorado em Filosofia. Além de ter sido um grande conhecedor de poesia de seu tempo, tinha forte relação com Ludwig Tieck, e E.T.A. Hoffmann. Na condição de filósofo, Hauff mantinha estreita relação com filósofos da época como Schelling, Hördeling, Tieck e Mörick. Nesse momento tem destaque sua posição de cidadão político-social frente aos acontecimentos de seu tempo, além de se tornar membro de um movimento político. Afirma Ottmar Hinz (1998) que “Hauff engajou-se no Burschenschaft Germania e foi um membro bastante considerado”35 e acrescenta que “a pressão do Estado sobre os representantes da região de Württemberg foi tão grande que a Burschenschaft e outras associações estudantis foram desfeitas e seus membros foram presos e condenados” (HINZ, 1998, p.21).36 Para a maioria dos escritores e intelectuais alemães, os novos valores defendidos pela França significavam o começo de uma nova era, onde comungavam com as ideias de igualdade e liberdade. A primeira experiência literária de Hauff ocorreu em 1824 com a publicação de Anthologie Kriegs und Volkslieder37 [“Antologia de Canções Populares e de Guerra”], ficando conhecido por um expressivo círculo literário. Em seguida, num tardio verão de 1825, publicou a primeira parte da obra Mittheilungen aus den Memoiren des Satan38 [“Divulgações das memórias de Satanás”]. Surpreendentemente, e quase ao mesmo tempo, Hauff publicou o romance Der Mann im Mond oder Der Zug des Herzens ist des Schicksals Stimme [“O Homem na Lua ou O impulso do Coração é a Voz do Destino”]. A pesquisadora Sussane Fischer (1992) destaca a ousadia do escritor em romper com o status quo literário do seu tempo provocando a quebra do horizonte de expectativa do leitor.

O sucesso que iniciou cedo, (1802-1827) com As memórias de Satanás e a paródia literária O homem na lua garantiram a ele [Hauff] já em 1825 um primeiro êxito - é um fenômeno que se explica pela constelação favorável ao gosto do público, ao espírito do seu tempo e à estrutura específica dos textos hauffianos. (FISCHER, 1992, p.2).39

35 Hauff engagiert sich in der Burschenschaft Germania und wurde dort sogar Ehrenmitglied. 36 Der Druck des Bundes auf den württembergischen Landesherrn wurde so gross, dass die Burschenschaft und andere studentische Organisationen aufgelöst, Mitglieder verhafetet und verurteilt wurden. 37 NEUHAUS, Stefan, 2002, p.13. 38 HINZ, Ottmar. Wilhelm Hauff. Reinbek bei Hamburg, 1989 (Rowohlts Monographien 403). 39 Der frühzeitig einsetzende Erfolg (1802-1827) - mit den Memoiren des Satan und der literarischen Parodie Der Mann im Mond gelang ihm bereits 1825 der Durchbruch-ist ein Phänomen, das seine Erklärung nicht allein in 39

A relação de Hauff com as editoras, organizadores e publicações será abordada na subseção 2.4, uma vez que a pesquisa aponta para os questionamentos, a metodologia e estratégias empreendidos por Hauff com a finalidade de alcançar a publicação de seus manuscritos.

2.1 O PARADIGMA SOCIAL E CULTURAL NA ALEMANHA Ao tentar entender o espaço social e cultural em que Wilhelm Hauff está inserido, busco reconstruir os paradigmas social, cultural, histórico e ideológico de sua época, com o qual Hauff interage naquele momento. Isso tem a finalidade de tentar rever e apontar os elementos que serviram de representação estética em sua obra frente ao conceito literário, onde revelo os motivos que afastam Hauff dos elementos estritamente românticos e latentes no contexto literário do seu tempo. Para isso, adentro no contexto político, ao final do século XVIII, quando acontece a transformação do Estado moderno primitivo em uma República Democrática, sobre o que o filósofo alemão Habermas analisa com propriedade:

O novo tipo de identidade nacional permitiu combinar uma forma mais abstrata de integração social num padrão modificado de processo político: os que tinham estado submetidos a um governo mais ou menos autoritário adquiriram gradativamente a condição de cidadãos. O nacionalismo estimulou essa passagem da condição de súditos privados para a cidadania. (HABERMAS apud PIRES, 2009, p.6).

É compreensível que a consciência nacional do povo germânico proporcionasse um contexto cultural que facilitasse a mobilização política dos cidadãos, inclusive estimulados pela Revolução Francesa e pela premente Revolução Industrial. Ambos os movimentos desencadeiam processos sociais inovadores que resultam na formação de uma sociedade moderna, com novos ideais políticos, literários e sociais. Assim, justifica Guinsburg:

As instituições políticas tradicionais sofreram fortes abalos e as fronteiras entre os povos foram modificadas criando novo equilíbrio entre as nações. O nacionalismo nesse tempo irrompe impetuosamente em cena, arrastando consigo boa parte dos povos europeus em direção às suas aspirações políticas e sociais. (GUINSBURG, 1978, p.24).

Esse novo momento provoca a instauração de uma nova ordem político-social na Europa que determina o espírito da época entre 1770 e 1848, abalada por novas revoluções como a “Revolução Americana que assegura um governo constitucional e democrático aos Estados Unidos e a Revolução nos Países Baixos austríacos que reagem contra o Absolutismo ilustrado de José II” (GUINSBURG, 1978, p.24). Com o enfraquecimento do regime feudal, a einer günstigen Konstellation des Zusammentreffens von Publikumgeschmack, Zeitgeist und der spezifischen Struktur der Hauffschen texten findet. 40

Prússia, a Áustria e a Rússia formam uma Aliança da Paz [Heiligen Allianz], enquanto os soberanos das cidades criam uma Unidade pelos direitos do povo [völkerrechtlichen Verein] da Federação Alemã [Deutschen Bund]. Geerdts descreve as consequências políticas advindas desses movimentos. O sistema feudal estava extremamente abalado e a disseminação das novas forças produtivas capitalistas era avassaladora. Nos centros de desenvolvimento industrial, na Renânia, na Saxônia e na Silésia, uma nova classe começou a se formar, o proletariado (GEERDTS, 1968, p.303).40 Concomitantemente, o processo evolutivo na agricultura, na área técnica e nas relações comerciais ultramarinas, acabou por provocar uma expansão na área industrial com a eclosão de inventos que vieram a ser agregados à técnica de produção e, consequentemente, à divisão do trabalho, resultado oriundo da introdução da técnica de produção em série. Na opinião de Guinsburg (1978, p.28), “todos os setores das principais atividades do homem em sua luta econômica participaram, de certo modo, na Revolução Industrial, que no seu todo representou uma conjuntura onde as crescentes disponibilidades de terra, mão-de-obra e capital favoreciam a grande expansão industrial”. Com isso, a expansão comercial estabeleceu-se com a construção de estradas de ferro, resultado do avanço no aperfeiçoamento da metalurgia, fazendo chegar a primeira locomotiva a vapor empregada na tração por ferrovia, considerada um dos maiores resultados da revolução industrial. É importante acrescentar também que, em virtude da ampliação de pastos, consequentemente, ocorreram muitas derrubadas das florestas naquele período na Alemanha. Em seguida, Guinsburg (1978) destaca a profunda mudança social com a chegada da Revolução Industrial refletindo nas péssimas condições de trabalho e pagamentos irregulares que não contavam com amparo jurídico. Cita também a precariedade das instalações industriais provocando a criação de uma nova classe de subjugados, denominados de “escravos da Antiguidade à nova escravidão da Revolução Industrial” (GUINSBURG, 1978, p. 28-29). A aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão com ênfase à liberdade, igualdade e respeito à propriedade, possibilita um novo caminho na organização político-social do Estado. Esses movimentos fazem despontar o romantismo político através das ideias de Chateaubriand e Lamartine, na França, onde mais tarde, defende as ideias de

40 Das Feudalsystem war aufsschwerste erschüttert, die Ausbreitung der neuen, kapitalistischen Produktivkräfte war nicht aufzuhalten. In den Zentren der industriellen Entwicklung, im Rheinland, in Sachsen und in Schlesien, begann sich eine neue Klasse zu bilden, das Proletariat.

41 progresso, fraternidade e democracia do povo. Tais ideias acabam resultando em posições distintas sobre o nacionalismo entre a França e Alemanha.

Enquanto na França, o nacionalismo era essencialmente político-social, tal como é conceituado por Rousseau, o nacionalismo alemão adotaria o conceito de Volk (Povo), a comunidade popular, para expressar um ideal político por uma mística do irracional (GUINSBURG, 1978, p.43).

Naquele momento a manifestação de ideias liberais e humanistas era proibida na Alemanha. A censura reagia contra as obras de poetas e filósofos, bem como, as universidades eram vigiadas e os professores suspeitos eram proibidos de participar de associações. Wilhelm Hauff foi membro da Associação Estudantil denominada de Burschenschaft Germania,41 cujos membros frequentavam a universidade de Jena. Nessa universidade existia o movimento literário que defendia a autonomia da criação e ficção literária em contraste a mimeses do século XVIII. Os irmãos Friedrich e são os organizadores desse Círculo e editam em Berlim a revista Athenäum (1798), principal veículo de divulgação das ideias do grupo. “Tanto Novalis quanto Tieck colaboram com publicações na revista, através de aforismas e ensaios, sempre com ideias voltadas para o romantismo, de uma criação em constante devir” (HEISE, 1986, p.46). Essa revista atendia a todos os gêneros, inclusive à prática da tradução onde Schlegel se destaca como tradutor de grande talento das obras de Shakespeare. John Milton (2010, p.85) ressalta que o contato dos escritores alemães com as literaturas estrangeiras torna-se fator fundamental para a modernização da literatura alemã no período entre 1797 e 1833, por meio das contribuições das traduções de Wieland e Eschenburg, Schlegel e Tieck, somando-se às traduções da Odisseia (1781) e da Ilíada (1793) por Voss, dando à tradução um papel vital na evolução da literatura alemã.

2.2 DO ROMÂNTICO EM MORGENLAND AO SOCIAL EM KUNSTMÄRCHEN Pensar o Morgenland exige primeiro conhecer o universo histórico-literário do pré- romantismo e do romantismo na Alemanha. Guinsburg (1978) define o romantismo como um fato histórico que constrói uma nova consciência nas relações humanas e contribui para a evolução e processo de mudança no pensamento pós-Século das Luzes. Acrescenta ainda que “o romantismo, na sua propensão historicizante, reúne as sociedades em mundos comunidades, nações, raças que têm antes culturas do que civilizações e que secretam uma individualidade

41 [Studentenverbindung] Movimento/Liga Estudantil, fundado em 1815 na Alemanha, por ex-combatentes da guerra contra Napoleão Bonaparte, que seguiam princípios liberais e nacionalistas. (Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Burschenschaft. Acesso em: 16 agosto 2018). 42 peculiar, uma identidade.” (GUINSBURG, 1978, p.15). Entretanto, sabe-se que não existem fronteiras estanques quando se abordam aspectos e gêneros literários, sendo que muitas vezes a obra se encontra nessa linha tênue das fronteiras como é o caso da obra Das kalte Herz, corpus da pesquisa. Por outro lado, a história alemã, sob influência da crítica literária à época que classificava a obra Das kalte Herz como conto de fadas infantil, defende sua inserção no período romântico. Essa investigação desconstrói essa posição ao revelar que a obra é híbrida e encontra-se no período pré-realista. Sob o efeito do iluminismo e do racionalismo, a Alemanha pré-romântica passa a afirmar que “tudo é história e que isso vale não apenas para o homem e sua cultura, mas também para a natureza” (GUINSBURG, 1978, p.26). Contribui para esse entendimento o filósofo alemão Johann Gottfried Herder42 para quem o universo pode ser aprofundado a partir de uma perspectiva histórico-evolutiva e sua luta por uma criatividade alemã própria, destacando-se como propulsor das novas gerações. As ideias herderianas ganharam força sob a ótica da “fusão da natureza e cultura nas peculiaridades do povo teutônico da raça nórdica, os quais teriam marcado as suas produções em diferentes épocas com o Volksgeist [“Espirito do Povo”] e sua relação com a Mitologia Germânica, as reflexões de Lutero, as obras de Shakespeare, etc.” (SAFRANSKI, 2010, 15). Safranski (Idem; ibidem) relata ainda que esse reconhecimento deu a Herder a denominação de o “Rousseau alemão”. (Grifo do autor). Segundo Herder, “cada época possui seu próprio momento e desafio e uma verdade que precisa ser agarrada e modulada” (SAFRANSKI, 2010, p.27). Eloá Heise (1986) identifica também Herder como o escritor que exerce importante papel na Alemanha do século XIX e destaca que tanto a pesquisa quanto a produção de Herder contribuíram para a evolução do povo germânico:

Era uma influência vital para a época, vê uma correlação entre poesia e linguagem primitiva. Valoriza o poema e a canção populares; coleta e publica canções populares sob o título Vozes dos povos em canções (Stimmen der Völker in Liedern), obra de repercussão dentro e fora do país. (HEISE et al., 1986, p.27).

A obra de Herder ganha uma nova dimensão em virtude da sua experiência antropológica advinda de suas viagens marítimas e por terra, no contato com tribos, povos e culturas diversificadas que confirmam suas ideias sobre a “pluralidade do espirito dos povos” (SAFRANSKI, 2010, p.28). Ao pesquisar e colecionar canções populares, além de outros documentos das culturas dos povos, Herder torna-se um exemplo aos olhos dos escritores do

42 Johann Gottfried Herder(1744-1803) - filósofo e escritor alemão. 43 movimento romântico, estimulando-os a continuarem essa prática metodológica. As palavras de Herder ressoam:

Saibam, pois que eu mesmo tive oportunidade de ver resquícios vivos deste canto antigo, selvagem, ritmos, danças em meio a povos vivos, a quem nossos hábitos não conseguiram tirar completamente a língua, as canções e os hábitos, deixando-os com algo bastante mutilado ou com coisa alguma. (SAFRANSKI, 2010, p.29).

A época do romantismo encontra-se envolvida por um devir constante de elementos filosóficos e literários inovadores. Esse momento contou com a força das ideias do filósofo alemão Immanuel Kant, a teologia sentimental de Schleiermacher, o realismo mágico de Novalis relativa à manifestação da imaginação produtora do Eu Puro, além da autonomia da criação literária de Fichte, indicando que a Alemanha vivia um momento histórico bastante rico em ideias progressistas. Para que se entenda o desenvolvimento do movimento romântico é necessário compreender a ambiguidade e interferências literárias, sobretudo das traduções estrangeiras presentes no decorrer do século XVIII, resultado, também, das descobertas do período renascentista. Gerhart Hoffmeister (1990) registra a presença da literatura estrangeira e sua tradução no manifesto do escritor e tradutor alemão Ludwig Tieck, que prevê a extinção do exotismo do Oriente em prol da renovação na literatura alemã:

Tieck também testemunha o interesse literário mundial dos alemães: "Assim como agora os antigos nunca foram lidos e traduzidos, os admiradores leitores de Shakespeare não serão mais tão raros, os poetas italianos têm seus amigos, lê-se e se estuda os poetas espanhóis tão ativamente, como é possível na Alemanha [...], é de se esperar que as canções das regiões de Provenz, os romances do norte e as flores da imaginação indiana do estrangeiro não fiquem conosco por muito mais tempo (HOFFMEISTER, 1990, p.145).43

Com a finalidade de revigorar e renovar as formas de criação literária, os românticos vão em busca de contactar culturas de territórios distantes, pouco conhecidos, inexplorados e exóticos. Karin Volobuef (1999, p.114) enfatiza que dentre as terras visitadas no imaginário dos autores da época ganham destaque o Oriente de Hauff, o Egito de Novalis, as ilhas do Pacífico de Hoffmann, dentre outros, além da Itália, que exercia extrema atração entre os românticos.

43 Auch Tieck bezeugt das weltliterarische Interesse der Deutschen: »So wie jetzt wurden die Alten noch nie gelesen und übersetzt, die verstehenden Bewunderer des Shakespeare sind nicht mehr selten, die italienischen Poeten haben ihre Freunde, man liest und studiert die spanischen Dichter so fleißig, als es in Deutschland möglich ist [ ... ], es steht zu erwarten, daß die Lieder der Provenzalen, die Romanzen des Nordens und die Blüten der indischen Imagination uns nicht mehr lange fremd bleiben werden« (Minnelieder aus dem schwäb. Zeitalter, 1803, S.189). 44

É inspirado na Antiguidade Clássica e, em particular em Sócrates, que o homem volta a pensar sobre si mesmo: trata-se do início do Humanismo, que, como característica do século XVIII, apresenta-se sob duas formas de pensamento: a experiência racional e a experiência sensível. A partir daí, constata-se, que a evolução literária se dá em virtude da junção política, filosófica e cultural dos acontecimentos que estavam em constante movimento naquele momento histórico na Alemanha. É preciso ressaltar que o romantismo que abordo nessa investigação, é aquele que, no final do século XVIII e início do século XIX, contou com diversos círculos literários entre eles, “o círculo de Berlim com Ludwig Tieck, o círculo de Heidelberg com Achim Amin e Clemens Bretano, os círculos de Dresden e Munique, que se inspiravam no círculo de Heidelberg e, finalmente, o círculo de Jena dos irmãos Schlegel e Novalis” (SANTOS NETO, 2005, p.12). Em contraponto ao movimento de Jena que mantinha uma abordagem em consonância com a filosofia fichtiana, o movimento de Heidelberg vai interagir com aspectos voltados para o “sentimento nacionalista com interesse pelo passado histórico, cultura popular e pela mitologia” (VOLOBUEF, 1999, p.38). Os fortes movimentos literários, anteriormente citados, acabam gerando e reproduzindo grupos literários menores em regiões longínquas, sem grande repercussão nacional, mas que tiveram o poder de disseminar o caráter ideológico, cultural e literário da época, como o do romantismo da Suábia, do qual Wilhelm Hauff fez parte. Volobuef (1999) destaca que:

[...] os fortes grupos literários geram grupos românticos em regiões menores, como por exemplo em Halle, Munique ou Bamberg, que não tiveram tanta repercussão. Dentre esses círculos menores, é digno de menção o da Suábia, integrado por (1787-1862), Wilhelm Hauff (1802-1827), (1792-1850) e Justinus Kerner (1786-1862). O romantismo da Suábia voltou-se tanto para a criação lírica como para o estudo da mitologia, lendas e cantigas populares. (VOLOBUEF, 1999, p.39).

Paralelamente, a filosofia kantiana dá aos leitores acesso aos fundamentos do Idealismo e o contato com o novo conceito sobre o indivíduo. Essa fase é de grande importância na evolução cultural e literária alemã, uma vez que a língua alemã ainda se compunha de palavras e expressões francesas que, na concepção de Volobuef (1999, p.26), serão abandonadas tanto por Klopstock quanto por Lessing que se empenham na construção de uma expressão nacional, resultando no afastamento da influência e imitação literária francesa.

O romantismo na Alemanha foi precedido pela corrente literária pré-romântica denominada (1767 - 1785), um movimento de protesto realizado por jovens intelectuais que herdaram o Iluminismo a valorização da liberdade e autodeterminação do indivíduo, mas que nutriram forte descrédito em relação à 45

possibilidade de realização desse ideal pela educação ou ensino. Eles protestaram contra a arbitrariedade do poder dos príncipes e contra os imperativos de Razão e virtude determinados pelo Iluminismo [...]. Trata-se da emancipação do indivíduo por meio do irracionalismo e do sentimento religioso. (VOLOBUEF, 1999, p.29).

A palavra romântica assume conotação crítica e histórica na escola germânica do ambiente universitário de Jena,44 numa geração anterior ao movimento de jovens do Sturm und Drang, assim como, o idealismo pós-kantiano, “originários na metafísica do espirito de Fichte e a metafísica da Natureza de Schelling, que derivam do criticismo de Kant” (GUINSBURG, 1978, p.52). Destaca Otto Maria Carpeaux que:

O romantismo alemão nasceu perto de Weimar, na cidade universitária de Iena, sob a influência de (1762-1814), mais um daqueles irracionalistas da Alemanha Oriental, homem de eloquência torrencial que nos Discursos à Nação alemã, dirigidos contra Napoleão e os franceses, criou os primeiros impulsos, o complexo de superioridade e os termos do futuro nacionalismo alemão. Como filósofo é Fichte o precursor do solipsismo o “eu” é o centro criador do mundo. Foi uma teoria para literatos que desejavam criar, na imaginação, um mundo novo. (CARPEAUX, 1994, p.10).

Esse período de transição que se situa entre o Ancien Régime e o liberalismo vai rever formas e modos de vida da sociedade pré-industrial e o ethos nascente da civilização urbana sob a economia de mercado, latentes entre as aspirações libertárias renovadoras das minorias intelectuais, entre o Império Napoleônico e a Restauração. A busca do sublime ou do exótico, dos recantos solitários que tranquilizam, das paisagens remotas que acendem o desejo da terra paradisíaca, ou de lugares em ruínas, abandonados pelo homem, que despertam a nostalgia da terra perdida por trás desses aspectos do culto da Natureza, enquadrados num confronto dramático com o mundo, está silhuetada a tácita insatisfação com o todo da cultura, misto de afastamento desencantado e de reprovação à sociedade, depois do assomo libertário do idealismo político de 1789. (GUINSBURG, 1978, p.69).

Assim, o romantismo alemão desponta no século XIX como um movimento de diversas tendências, uma vez que coexistem dois círculos literários que ganham notoriedade, os da Universidade de Jena e de Heidelberg, cuja distinção se dá nos elementos que representam a essência literária do pensamento do grupo.

A reflexão filosófica, a crítica literária e a livre fantasia se constituem do pensamento do grupo literário de Jena, enquanto a tradição nacional e mitológica, filologia, pesquisa histórica e orientação nacionalista representam o pensamento do grupo de Heidelberg (HEISE, 1986, p.42).

Em contraponto à Revolução Francesa que não teve grande repercussão nos processos políticos na Alemanha, a grande produção intelectual e artística dos escritores e filósofos torna- se a válvula propulsora do processo evolutivo da Alemanha naquele momento. A conjunção de

44 Primeiro Romantismo alemão ou Jenaromantik, em alusão à cidade onde se desenvolveu, perdurou entre 1795 e 1802. 46 várias ações contribuem para o início do processo de mudança e do movimento literário na Alemanha, entre elas, a permanente discussão dos jovens de Jena, a partir de 1796-1797, sobre a Doutrina das Ciências [Wissenschaftslehre] do filósofo Johann Gottlieb Fichte (Baumann & Oberle, 1985, p.128); a publicação em 1797 dos Volksmärchen [Contos de Fadas Populares] por Ludwig Tieck (sob o pseudônimo de Peter Leberecht); Schlegel troca o ideal da poesia grega e passa a defender a “poesia moderna, uma literatura desvinculada dos preceitos da antiguidade” (WELLEK, 1967, p.10-11).

Um grupo de escritores buscou, após os desapontamentos do resultado da revolução, sua salvação, não no desenvolvimento ulterior das ideias iluministas, mas no retorno a uma Idade Média harmoniosamente transfigurada. Seu anticapitalismo romântico, que surgiu a partir de um genuíno ultraje contra a desorganização da sociedade burguesa e do homem burguês, finalmente os levou aos braços da reação feudal. (GERRDTS, 1968, p.234).45

Goethe não comunga dessa agitação política e constata as consequências e a destruição provocadas pelo sistema político francês, manifestando ser “uma tirania da razão exercida por uma nova elite intelectual que sabe utilizar em seu interesse o instrumento moderno da mobilização de massas” (SAFRANSKI, 2010, p.36). No entanto, sabe-se que Goethe, frequentador da classe da nobreza, comungava das ideias de inovação poética e literária. Nos primeiros anos foram publicados inúmeros ensaios, poemas e dramas, cuja característica predominante é a de tomar partido político e de frequentemente ter uma tendência panfletária ou agitadora. No momento em que Goethe opta por voltar o olhar para a literatura como salvação contra a revolução, Schiller volta-se à criação da teoria estética moderna, que se tornou o prelúdio da revolução literária romântica por volta de 1800 e defende “o universo simbólico da cultura” (SAFRANSKI, 2010).

O romance histórico europeu surgiu na esteira do romance histórico inglês, criado em 1814 por com Waverley. Só há no romantismo alemão um único romance histórico de relevância, o Lichtenstein (1826) de Wilhelm Hauff. Na Alemanha, o gênero foi implantado ainda na primeira metade do século XIX por intermédio do romance Die Kronenwächter (1817), de . (VOLOBUEF, 1999, p.49).

O exotismo e o orientalismo encontravam-se esteticamente interligados e presentes no imaginário da literatura alemã no século XIX, o que pode ser comprovado pela capa de “contos maravilhosos” [Märchen] de Wilhelm Hauff, Editora Rikola [s.d.], obra que faz parte do acervo

45 Eine Gruppe von Schriftstellern suchte nach den Enttäuschungen über den Ausgang der Revolution ihr Heil, nicht in der Weiterentwicklung der Ideen der Aufklärung, sondern in der Rückkehr zu einem harmonisch verklärten Mittelalter. Ihr romantischer Antikapitalismus, der aus einer echten Empörung gegen die Desorganisation der bürgerlichen Gesellschaft und bürgerlichen Gesellschaft entstand, brachte sie schließlich in die Arme der feudalen Reaktion. 47 do Museu de Berlim, na Alemanha. A ilustração traz a presença de crianças com vestimentas de caráter oriental usando turbantes adornados de pedraria e penas coloridas. Embora a data da publicação não conste da obra, comprova-se a presença marcante de elementos do Oriente nos contos de Hauff. Imagem 1 - A obra Märchen [Contos de Fadas] no Museu Estadual de Berlim, Alemanha.

Hauffs Märchen. Foto: Fotograf unbekannt. © Museum Europäischer Kulturen, Staatliche Museen zu Berlin.46

É importante frisar que existem novas perspectivas sobre o “exotismo”, uma delas a do escritor Victor Segalen, sobre as quais farei algumas considerações, uma vez que expressam um olhar crítico diferenciado sobre o exotismo na atualidade. Para contextualizar “o exótico” na literatura alemã, faço uma abordagem crítica resumida sobre o orientalismo literário e suas implicações na Alemanha do século XVIII e XIX. O aprofundamento na pesquisa sobre o orientalismo na literatura alemã visa reconstruir a trajetória e inter-relações literárias e culturais com que Hauff manteve contato à época a ponto de inserir nos contos infantis, personagens, elementos e contextos do Oriente, que contribuíram para seu desenvolvimento literário. É válido ressaltar que o Oriente aparece em duas fases na obra hauffiana. Na primeira fase estão os contos infantis com a presença marcante do Oriente e, na segunda fase, os elementos orientais aparecem de forma sutil e irônica em Das kalte Herz. Tal afirmação se comprova quando dos comentários da obra.

46 Contos Maravilhosos de Hauff. Foto: Fotógrafo desconhecido. Museu de Culturas Européias, Museu Estadual de Berlim. Disponível em: https://www.deutsche-digitale-bibliothek.de/. Acesso em 03 dez. 2018 (tradução nossa). 48

Na verdade, Hauff expressa em Das kalte Herz suas inquietações através dos mitos da mitologia germânicos em um diálogo com a dissolução dos elementos exóticos do Oriente, representado na estética do espírito da floresta denominado de “Glasmännerlein” [“homenzinho de vidro”], como último respiro do que ficou da tradição popular. Por várias vezes constata-se o nome de “Morgenland” cujo significado é “Orient”, cunhado por Martinho Lutero,47 como tradutor da Bíblia, em 1545, na obra de Hauff. É evidente que o Oriente se encontra bastante presente no imaginário do Ocidente, bem como na relação de Hauff com a literatura àquela época (POLASCHEGG, 2008). A permanente reedição de obras como os Contos Árabes dá testemunho de que ainda permeiam no imaginário popular atual contos como de As Mil e uma Noites, Ali Babá e os quarenta ladrões, Alladin e a lâmpada maravilhosa, entre outros, transportando pessoas para o mundo fantástico e exótico do Oriente. Esse fascínio ou “devaneio coletivo europeu sobre o Oriente”48 também é encontrado em obras alemãs do século XIX, graças à sedução e ao encantamento dos elementos mágicos e exóticos trazidos de “além-mar” que exerceram grande influência nos escritores e filósofos alemães daquele século, como destacam Hofmann e Patrut (2015):

Numa contextualização histórica, traz a abordagem sobre o movimento literário romântico na Alemanha do século XIX, mais atentamente, para obras e escritores alemães que, sob a influência das navegações e do exotismo do Oriente, escreveram e/ou traduziram obras com elementos voltados para elementos do Oriente, exercendo grande influência nos leitores da época, como Schopenhauer, Goethe, Schlegel, dentre outros (HOFMANN; PATRUT, 2015, p.26).49

Hofmann e Patrut (2015) apontam escritores e obras que trouxeram a temática do Oriente para a literatura alemã e deixaram registros de seu posicionamento e simpatia quanto à relação com o exótico do Oriente.

F. Schlegel deu o sinal por volta de 1800: "Devemos procurar o supremo romântico no Oriente" (Discurso sobre mitologia), embora Schelling o preceda com suas especulações mitológicas ("Sobre mitos, ditos históricos e filósofos". “O mundo mais antigo”, 1793). Em 1808, foi publicado o trabalho de Schlegel “Sobre a linguagem e a sabedoria dos indianos”, em 1810 “História Mítica do Mundo Asiático”, de Görres e “Simbolismo e Mitologia dos Povos Antigos”, de F. Creuzer (J. Grimm, 1835 e mais tarde J. J. Bachofen, "The Maternity Law", 1861).50

47 Weisen aus dem Morgenland “Luthers Übersetzung von Gen. 25,6; Ri 6,3.33;7,12;8,10. Die Luther Bibel, 1545. In: POLASCHEGG, Andrea (2008, S.111). 48 Kiernan. Lords of human kind, p.331. In: SAID, Edward. 2007, p.89. 49 HOFMANN, Michael&PATRUT, Iulia. Einführung in die Interkulturelle Literatur. Damstadt: VBG, 2011. Elektronische E-Book (Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2018). 50 F. Schlegel gab um 1800 das Signal: »Im Orient müssen wir das höchste Romantische suchen« (Rede über. die Mythologie«), obwohl Schelling ihm mit seinen mythologischen Spekulationen vorausging (»Uber Mythen, historie Sagen und Philosoph der ältesten Welt«, 1793). 1808 erschien Schlegels Werk »Uber die Sprache und 49

Tal abordagem encontra respaldo nas palavras de Carpeaux (1994) ao citar ações de que destacam-no na compilação e na introdução de obras de especialistas ingleses e na introdução do budismo e da filosofia indiana na Europa. Havia uma tendência de tornar o Oriente conhecido pelo Ocidente. Para que isso se efetivasse “todo um arquivo interno é estruturado e construído por países como França, Inglaterra a partir da literatura que pertence a experiências como as de Marco Polo”. (SAID, 2007, p.96). É nesse processo de exploração de mercado que histórias e fábulas migram para o Ocidente dentre eles os contos árabes. Na concepção de Said (2007, p.31) “o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, um imaginário e um vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente”. Por outro lado, Jorge Luís Borges (1899-1986), em seu artigo “Siete Noches: Las mil y una noches” (1980, p.20-27)51 vê nos contos árabes As Mil e uma Noites o despontar do Oriente e sua significância para as nações ocidentais. Borges constrói um diálogo entre Oriente e Ocidente fazendo uma interligação entre fatos históricos, com o objetivo de afirmar elementos que contribuíram para a manutenção desse rico imaginário entre Oriente e Ocidente. Edward Said (2007) dialoga com Borges ao fazer a seguinte observação:

O interesse pelo Oriente tinha a sua própria tradição de classificação e hierarquia. Desde pelo menos o segundo século a.C., nenhum viajante ou potentado ocidental ambicioso e com os olhos voltados para o Oriente deixava de perceber que Heródoto –historiador, viajante, cronista de inesgotável curiosidade e Alexandre–rei guerreiro, conquistador científico - haviam estado no Oriente. (SAID, 2007, p. 95).

Diante de um número de traduções de As mil e uma Noites, compreende-se que Borges justifique a presença marcante do Oriente no imaginário popular europeu, com base nas observações do escritor e tradutor inglês (1785-1859) em relação às referências positivas relativas ao conto do Aladin e a Lâmpada Maravilhosa, ao afirmar que “Cada uno de esos libros es distinto, porque Las mil y una noches siguen creciendo, o recreándose.” (BORGES, 1980, p.27). Como reflexão poética sobre a influência do Oriente no Ocidente revela Borges no artigo “Siete Noches” que:

O Oriente é o lugar onde o sol nasce. Há uma bela palavra alemã que eu quero lembrar: Morgenland - para o Oriente - "terra da manhã". Para o oeste, Abenland, "terra da tarde". Você se lembrará de Der untergang des Abendlandes, de Spengler, isto é, "o caminho da terra da noite", ou, como é traduzido de maneira mais prosaica, O declínio

Weisheit der Indier«, 1810 Görres' »Mythengeschichte der asiatischen Welt« sowie F. Creuzers »Symbolik und Mythologie der alten Völker« (vgl. J. Grimm«, 1835 u. später J.J. Bachofen, »Das Mutterrecht«, (1861). 51 BORGES, Jorge Luís. “Siete Noches:Las mil y una noches’’ 1980, p.20-27. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2019. 50

do Ocidente. Acho que não devemos desistir da palavra Oriente, uma palavra tão bela, porque nela há, uma feliz coincidência, ouro. (BORGES, 1980, p. 23).52

O livro ganha sua primeira tradução no princípio do século XVIII e, ao final do século XIX, cada tradutor dá uma versão diferente do livro, ou seja, “Dos en francés, redactados por Galland y Mardrus; tres en inglés, redactados por Burton, Lañe y Paine; tres en alemán, redactados por Henning, Littmann y Weil; uno en castellano, de Cansinos - Asséns” (BORGES, 1980, p.23). Borges relata que:

Em 1704, foi publicada a primeira versão europeia, o primeiro dos seis volumes do orientalista francês Antoine Galland. Com o movimento romântico, o Oriente entra totalmente na consciência da Europa. Basta mencionar dois nomes importantes. O de Byron, mais alto por sua imagem do que por seu trabalho, e o de Hugo, mais alto de todas as formas. Surgem outras versões e logo ocorre outra revelação do Oriente: é aquela operada por volta de 1890 por Kipling: ‘Se você ouviu o chamado do Oriente, não ouvirá mais nada.’ (BORGES, 1980, p.22).53

Não é nosso objetivo aprofundar esse assunto, porém trata-se de registrar a abordagem crítica e contestadora sobre os conceitos implantados e disseminados pelo Ocidente sobre o Oriente, expressos por Edward Said (2007) quando de sua obra Orientalismo - O Oriente como invenção do Ocidente, uma vez que esse imaginário circulou e se fez presente na produção literária no Ocidente e, sobretudo, na Alemanha do Século XVIII e XIX, momento em que nosso escritor, Wilhelm Hauff, interagia com o mundo filosófico, literário e cultural. Segundo Said (2007), havia uma epidemia de temas orientais que sugestionavam todo grande poeta, ensaísta e filósofo do período. A primeira influência vem da obra “La Renaissance orientale” (entre 1765 e 1850), de Raymond Schwab, é quando Victor Hugo, em 1829, escreveu Les Orientales, e destacou que “No século de Luís XIV éramos helenistas, agora somos orientalistas” [Au siècle de Louis XIV on était helleniste, maintenant on est orientaliste] (tradução do autor). Said (2007) afirma:

O Orientalismo é um estilo de pensamento baseado numa distinção ontológica e epistemológica feita entre o ‘Oriente’ e o ‘Ocidente’. Assim, um grande número de escritores, entre os quais poetas, romancistas, filósofos, teóricos políticos, economistas e administradores imperiais, têm aceitado a distinção básica entre o Leste e o Oeste como ponto de partida para teorias elaboradas, epopeias, romances,

52 El Oriente es el lugar en que sale el sol. Hay una hermosa palabra alemana que quiero recordar: Morgenland - para el Oriente -, “tierra de la mañana”. Para el Occidente, Abenland, “tierra de la tarde”. Ustedes recordarán Der untergang des Abendlandes de Spengler, es decir, “la ida hacia abajo de la tierra de la tarde”, o, como se traduce de un modo más prosaico, La decadencia de Occidente. Creo que no debemos renunciar a la palabra Oriente, una palabra tan hermosa, ya que en ella está, por una feliz casualidad, el oro. (tradução minha). 53 En 1704 se publica la primera versión europea, el primero de los seis volúmenes del orientalista francés Antoine Galland. Con el movimiento romántico, el Oriente entra plenamente en la conciencia de Europa. Básteme mencionar dos nombres, dos altos nombres. El de Byron, más alto por su imagen que por su obra, y el de Hugo, alto de todos modos. Vienen otras versiones y ocurre luego otra revelación del Oriente: es la operada hacia mil ochocientos noventa y tantos por Kipling: “Si has oído el llamado del Oriente, ya no oirás otra cosa”. (tradução minha) 51

descrições sociais e relatos políticos a respeito do Oriente, seus povos, costumes ‘mentalidade’, destino e assim por diante. Esse Orientalismo pode acomodar Ésquilo, digamos, e Victor Hugo, Dante e Karl Marx. (SAID, 2007, p.29).

Andrea Polaschegg (2008, p.20) contra-argumenta e justifica essa interferência literária: “O aburguesar do Oriente literário na era do Iluminismo deveu-se essencialmente à tradução das ‘Mil e Uma Noites’, publicada em 1704 pelo orientalista francês Jean Antoine Galland”.54 Dessa forma, a tradução dos contos populares do Oriente das Mil e uma Noites, pelo orientalista francês somada às viagens de Flaubert, às aventuras de Napoleão no Egito, no fim do século XVIII, comprovam esse leque de influências na área literária e filosófica naquele período. Entretanto, de forma contestatória, afirma Edward Said (2007) que:

“[...] cada campo individual está ligado a todos os outros e de que nada que acontece em nosso mundo se dá isoladamente e isento de influências externas [...]”, o que vem assertivar que “o fato do Orientalismo fazer sentido depende mais do Ocidente que do Oriente, e esse sentido tem uma dívida direta com várias técnicas ocidentais de representação que tornam o Oriente visível, claro ‘presente’ no discurso a seu respeito”. (SAID, 2007, p.19).

Entre as contribuições advindas da Europa, Said menciona as que têm origem na Alemanha nos séculos XVIII e XIX, destacando o “filósofo e filólogo napolitano, Giambattista Vico, como a pessoa que disseminou as ideias a pensadores alemães como Herder e Wolf, posteriormente, continuados por Goethe, Humboldt, Dilthey, Nietzsche, Gadamer e, finalmente, os grandes filólogos românicos do século XX: Erich Auerbach, Leo Spitzer e Ernst Robert Curtius. [...]” (SAID, 2007, p.20). Said (Id., p.147) registra que Friedrich Schlegel aprendeu sânscrito em Paris e publicou Über die Sprache und Weisheit der Indier [Sobre a língua e a Sabedoria da Índia], em 1808, enquanto Scott Randall Paine (2007), no artigo intitulado “Filosofia e o Fato Obstinado da Religião: O Oriente Reorienta o Ocidente”,55 considera o filósofo alemão Artur Schopenhauer o mais destacado filósofo ocidental do século XIX a estudar o Budismo e o Hinduísmo. Na concepção de Said,

O princípio básico da relação foi estabelecido para o Oriente Próximo e para a Europa pela invasão napoleônica do Egito em 1798, uma invasão que foi de muitas maneiras o modelo de uma apropriação verdadeiramente científica de uma cultura por outra na aparência mais forte. Com a ocupação do Egito por Napoleão, foram postos em movimento processos entre o Oriente e o Ocidente que ainda dominam nossas perspectivas culturais e políticas contemporâneas. (SAID, 2007, p.76).

54 Zur Verbürglichung des literarischen Orients im Zeitalter der Aufklärung trug ganz wesentlich die ab 1704 erschienene Übersetzung der „Tausendundeinen Nacht“ durch den französischen Orientalisten Jean Antoine Galland bei“. POLASCHEGG, Andrea. Die Regeln der Imagination. p.27. In: GOER, Charis & HOFMANN, Michael. Der deutschen Morgenland.Wilhelm Fink, 2008. p.20. 55 Cf. PAINE, Scott Randall. Filosofia e o Fato Obstinado da Religião: O Oriente Reorienta o Ocidente. Revista de Estudos da Religião. São Paulo, SP.68-93, set. 2007. 52

Em contraponto, em uma abordagem crítica, Andrea Polaschegg (2008), no ensaio “Die Regeln der Imagination. Fascinationsgeschichte des deutschen Orientalismus zwischen 1770 und 1850” [As regras da Imaginação. A história da Fascinação no Orientalismo Alemão entre 1770 e 1850] comenta sobre o jogo de troca na dinâmica das diferentes artes e gêneros alemães nesse período, detendo-se a examinar o limite entre a estética e a ciência, sendo que ambas perspectivas demonstram diferentes momentos de fascinação e produção e contribuem para a história cultural alemã. Assim, segundo Polaschegg, as restrições da crítica literária a respeito da obra de Hauff, podem estar ligadas ao fato de que a produção hauffiana acontece em um período fronteiriço de mudança política, social, cultural e literária, como se pode deduzir da leitura do ensaio “Biedermeierliche Grenz-Tänze. Hauffs Orient” [O Jogo Fronteiriço com o Biedermeier. O Oriente de Hauff] (2005, p.134-159). Na concepção de Polaschegg (2008), foram os contos de Mil e uma Noites, unidos às histórias místicas de Scherazzade e dos contos árabes que tornaram o Oriente uma atração de protagonistas dentro da sociedade burguesa, provocando o surgimento de heróis na literatura do século XVIII. No ensaio “Der Paradigmenwechsel in der Jenaer Orientalistik in der Zeit der literarischen Klassik”56 [A mudança de paradigma no Orientalismo de Jena na época da Literatura Clássica], Stefan Heidemann (2008, p.243) destaca a importância das obras de Herder Vom Geist der Ebräischen Poesie [Do espírito da poesia hebraica] e de Goethe West- Östlichen Divan [O Divã Oriente - Ocidente] na mudança da concepção sobre o Orientalismo acadêmico em Jena, especificamente, na área da teologia voltada para a disciplina de filologia, o que resultou na abertura da disciplina na academia com abordagem para o desenvolvimento dos estudos orientais na Alemanha. Gerhard Hoffmeister (1990, p.147) transcreve a citação de Schlegel no discurso sobre mitologia, por volta de 1800, ao afirmar que “No Oriente, devemos procurar o supremo romântico” e destaca Schelling como o pioneiro nas especulações mitológicas com a publicação de “Sobre mitos, dizeres históricos e filosóficos - O mundo mais antigo”, em 1793. Com a descoberta do Oriente, registra-se um elemento novo nas publicações de autores com a presença do “exótico” no romantismo alemão tais como: Sobre a linguagem e a sabedoria da Índia, de Schlegel em 1810, História Mítica do Mundo Asiático, de Görres, em 1808, e Simbolismo e Mitologia dos Povos Antigos, de Friedrich Creuzer, em 1812.

56 Der Paradigmenwechsel in der Jenaer Orientalistik in der Zeit der literarischen Klassik, p. 243. In: GOER, Charis & HOFMANN, Michael. Der deutschen Morgenland. Wilhelm Fink, 2008. 53

2.2.1 O entrelugar: entre o Exótico e o Não-Exótico Segundo Hoffmeister (1990), o idealizador da moda do exotismo na França teria sido, possivelmente, Chateaubriand com a obra Natchez-Zyklus, cuja primeira publicação é em 1802 e impressões entre 1825 e 1826. Ao mesmo tempo, Theóphile Gautier, na França, contemporâneo de Victor Hugo, Balzac e Flaubert e reconhecido por suas viagens e pesquisas, faz uma célebre afirmação: “O que nos diferencia é o exotismo”.57 As manifestações literárias relativas ao “exótico” me servem de motivação a tentar compreender e caracterizar o tipo de exotismo que exerceu fascínio sobre a sociedade alemã do século XVIII e início do século XIX, e quais consequências, sobretudo literárias e culturais, resultaram desse processo. É oportuno o destaque do historiador Peter Burke (2010, p.34), ao mencionar que “o apelo do exótico estava no fato de ser selvagem, natural, livre das regras do classicismo”. Na busca de entender melhor a representação e o conceito de exótico na literatura atual, trilho o caminho da análise científico-antropológica de estudiosos modernos que refletiram sobre o exotismo no mundo contemporâneo. Sobre isso, tomo as reflexões do escritor bretão-francês Victor Segalen na obra Ensaio sobre o exotismo: uma estética da diversidade (2002) que aprofunda o discurso das teorias atuais sobre o pós-colonial.58 O conceito de Segalen tem base no pós-colonial voltado para a alteridade, diversidade e etnia, estabelecendo uma perspectiva contemporânea inovadora sobre o conceito do exótico. Dessa forma, desconstrói o conceito estabelecido no século XIX, que encontrava no caráter romântico a inserção de elementos orientais. Segundo Segalen (2002):

O exotismo não é, portanto, uma adaptação a algo; não é a perfeita compreensão de algo fora de si de que alguém conseguiu alcançar plenamente, mas a percepção aguda e imediata de uma incompreensibilidade eterna. (SEGALEN, 2002, p.21).59

Cabe retomar o conceito do exotismo e observar o quanto a representação estética do exótico romântico adentrou no imaginário do leitor e escritor na Europa do século XIX, cuja representação é constituída por elementos trazidos por viajantes que relatam sobre o que vivenciaram nas civilizações. Também no Brasil, essa representação se constrói e se mantém no imaginário popular e revela-se nos altos índices de audiência de mídias e novelas que

57 [Ce qui nous distingue c'est l'exotisme] In: Hoffmeister, 1990, p.147 (Journal des Goncourt). (Tradução do autor). 58 Ver: Stuart Hall (2006); Homi Bahba (2003); Spivak (2010). 59 Exoticism is therefore not an adaptation to something; it is not the perfect comprehension of something outside one’s self that one has managed to embrace fully, but the keen and immediate perception of an eternal incomprehensibility. (tradução nossa).

54 evidenciam o gosto pela temática do Oriente como é o caso das novelas “Caminhos das Índias” (2009) e “Órfãos da Terra” (2019), transmitidas pela televisão e que aproximam a cultura do Oriente com a do Ocidente. No mundo literário, o destaque é para a obra Relato de um certo Oriente (1989) do escritor Milton Hatoum, em que faz alusão ao Oriente em uma relação de dramas humanos com a Amazônia. Segalen observa que essa exploração e a expansão econômica incessantes nos mares e a busca por novas fontes de matéria-prima, mercados e mão-de-obra barata acabam por diluir, gradativamente, o imaginário europeu construído com a magia advinda do Oriente. O exotismo pré-revolução industrial reveste-se de novas intenções e segue o itinerário do capitalismo, que migra para outros continentes e, muitas vezes, expropria territórios e destrói culturas tornando- as colônias (SEGALEN, 2002). As ideias segalenas dialogam com críticas e abordagens pós- coloniais contemporâneas de Homi Bahba (2003), Stuart Hall (2006) e Spivak (2010), autores e teorias que serão retomados em um momento mais adequado da nossa pesquisa. Na Alemanha de 1800 adentram mitos e histórias simbólicas e surgem novos escritores, como Christoph Martin Wieland, autor do romance oriental Der goldene Spiegel [O espelho de ouro] sobre quem Polaschegg (2005, p.23) assegura que agiu como um impulsionador de contos orientais fazendo parte dessa tradição oriental, tanto quanto o poema dramático de Lessing Nathan der Weise [O Sábio Nathan]. Na verdade, essa literatura pós- iluminista associada à tradição oriental com personagens da sabedoria oriental, assegura a ponte para os que despontam no segundo momento de fascinação da época: “Geheimwissen” [conhecimento místico]. Entre 1782 e 1786, Johann Karl August Musäus publica uma seleção de contos com o título de Volksmärchen der Deutschen [Contos Populares Alemães] de tom alegórico e sarcástico relativo aos contos dos Irmãos Grimm, dos quais fazem parte personagens orientais como “Melechsalah” (POLASCHEGG, 2008, p.25). A técnica da cultura oriental sempre esteve em evidência como nos poemas e canções alemãs de Herder60 Lieder der Liebe, de Günderrode61 Zueignung, de Goethe62 West-Östlicher Divan e Libussa, de Grillparzer.63

60 Cf.: Johann Gottfried Herder: lieder der Liebe. Die ältesten und schönsten aus dem Morgenlande. In:Ders: Werke in zehn Bänden. Hg.v. Günter Arnold u.a. Frankfurt a. M. 1985-2000, Bd.3, S.431-482. 61 Cf.: Karoline von Gründerro: Zueignung. In: Dies.:Sämtiliche Werke und ausgewählte Studien 3 Bde Historische-kritische Ausgabe. Hg.v. Morgenthaler. Basel/Frankfurt a.M.1990. Bd.1,S.318. 62 Cf.: Johann Wolfgang Goethe West-östlicher Divan.In: Ders:Sämtliche Werk.Briefe, Tagebücher und Gespräch. Hg. Friedmar Apel u.a.Frankfurt a.M.1994. 63 Cf.: Franz Grillparzer: Libussa. Trauerspiel in fünf Aufzügen.In: Ders: Werke in sechs BändenHg.v.Helmut Bachmaier. Frankfurt a.M.1986. 55

Reiner Wild (2008) manifesta que “Herder entendeu o Oriente e sua literatura como um estágio da infância do desenvolvimento humano”, cujo entendimento encontra ressonância nas palavras de Polaschegg (2008, p.34) que considera ser Herder o mais importante multiplicador dessa inserção e representação do orientalismo alemão nos textos alemães. Segundo Said:

O Oriente foi proeminente não apenas como um destino concreto, mas sobretudo como um espaço imaginativo para a concepção de uma poética do realismo no século XIX. As fantasias orientais de Flaubert, apesar da influência de Creuzer, não se alinham com o paradigma romântico da Índia, mas focam no Egito desde a campanha do Egito de Napoleão de 1798, tornando-se sinônimo de um “moderno" “Oriente” (SAID, 2007, p.199-201).

É relevante constatar que os primeiros contos infantis de Hauff têm a presença marcante de elementos do Oriente e são bastante conhecidos pelo público da época, porém, perdem força literária à medida que o contexto político-social começa a mudar com a chegada da revolução industrial. Entretanto, Ottmar Hinz (1989, p.125) identificou o reconhecimento literário de Hauff pelo escritor alemão Robert Walser em sua “Prosaskizze Hauff” [jogo da prosa de Hauff], publicado em 1916:

Hauff escreveu um romance e numerosos contos, mas, na minha opinião [Walser], seus contos de fadas fazem dele o que ele é: um dos melhores poetas alemães. Seu romance pode ser bom; suas novelas podem ser excelentes em alguns lugares, mas os contos de fadas são fabulosamente lindos [...].64

Desse modo, a narrativa pré-realística Das kalte Herz, foco da nossa pesquisa, não traz a representação exótica e vibrante do orientalismo latente como nos contos maravilhosos hauffianos orientais, mas traz resquícios dos elementos simbólicos do Oriente que ganham destaque na caracterização satírica e irônica hauffiana. De forma engenhosa, Hauff engendra na narrativa Das kalte Herz a retirada lenta e gradual desses elementos do Oriente, como que prevendo a chegada dos “novos tempos”. Os vestígios desses elementos orientais estão representados na caracterização do mito da floresta, no “homenzinho de vidro” [Glasmännlein], como que um prenúncio e hesitação frente à transformação social que se anuncia com a chegada do capitalismo.

64 Hauff hat einen Roman und zahlreiche Novellen geschrieben, meiner Ansicht nach machen ihn aber seine Märchen zu dem, was er ist: zu einem der feinsten deutschen Dichter. Sein Roman mag gut sein; seine Novellen mögenstellenweise ausgezeichnet sein,die Märchen jedoch sind fabelhaft schön. STEINLEIN, Rüdiger. Belustigung für Söhne und Töchter gebildeter Stände. 2005. p.197. 56

2.3 O GÊNERO LITERÁRIO: MÄRCHEN-NOVELLE Para chegar à definição e constituição do gênero Märchen-Novelle, é necessário observar que é na Antiguidade que surgem elementos responsáveis pelas variações do gênero romanesco, tais como, o romance de provações, o romance de aprendizagem e autobiográfico, o romance satírico e de costumes, dentre outros, cujas variantes introduzem em sua composição o plurilinguismo dando origem a gêneros inferiores. Segundo Bakhtin (2002, p.168), são os romances sofistas que exercem influência sobre as variantes de gêneros no romance europeu até o século XIX, ou seja, o romance medieval, o romance galante dos séculos XV e XVI, o romance pastoril, o romance barroco e, finalmente, o romance de iluministas como Voltaire. É esclarecedor saber que o romance de cavalaria se constituía de elementos com origem nas primeiras lendas cristãs, lendas celtas e bretãs, cujo material heterogêneo encontra- se unido à tradução, à adaptação, à reinterpretação, à reacentuação e orientação quanto ao processo de formação da consciência literária (BAKHTIN, 2002). Bakhtin (2002, p.l75) vê na tradução e na remodelação os primeiros indícios da construção da prosa romanesca na Alemanha. Segundo ele, “pode-se mesmo dizer que a prosa romanesca europeia nasce e é elaborada num processo de tradução livre (transformadora) de obras de outrem” (grifo do autor). Bakhtin acrescenta:

O nascimento da prosa romanesca é evidentemente simbólico: ela é criada por uma aristocracia francesa germanizada, que recorre à tradução e à translação da prosa ou dos versos franceses. Assim teve início a prosa romanesca na Alemanha. (BAKHTIN, 2002, p.175).

Faço essa preleção, a fim de estabelecer uma trajetória conceitual para a terminologia do gênero Märchen-Novelle, bem como, buscar as justificativas para sua construção, constituída de elementos romanescos e de elementos do maravilhoso. Dessa mistura de estilos resultam segundo Volobuef (1999, p.51) várias denominações como romance de fábulas, novela de fábulas, dentre outros. No entanto, como tudo é passivel de transformação, o próprio gênero contos de fadas passa por um processo de discussão visto que se subdivide em outros subgêneros, o que veremos mais à frente. Por essa razão, opto por classificar Das kalte Herz como gênero novela de contos maravilhosos [Märchen-novelle]. Sabe-se que é justamente nos gêneros considerados inferiores, oriundos de palcos na feira, nas praças dos mercados, nas canções e anedotas de rua, que se encontram os elementos para a formação da representação da linguagem. Destaca Bakhtin (2002, p.193) que as formas do grande romance foram precedidas e preparadas pelos ciclos originais das novelas satíricas e 57 paródicas, resultando em vários tipos de classificação das novelas e de outros momentos análogos. Bakhtin relata que:

O romance aprende a utilizar todas linguagens, modos e gêneros, ele força a todos os mundos ultrapassados e obsoletos, social e ideologicamente alienados e distantes a falarem de si mesmos na sua própria linguagem e com o seu próprio estilo, mas o autor sobreedifica em cima dessas linguagens as suas intenções e os seus acentos que se combinam dialogicamente com elas (BAKHTIN, 2002, p.199).

As variantes do romance do século XIX e XX adquirem um caráter misto, hibridização que se verifica também na obra Das kalte Herz de Hauff pela presença da poesia, do maravilhoso e do social. Na questão terminológica, tomo as observações de Nádia Gotlib (1987, p.14-16) de que Novel tem origem no inglês é usado no século XVI a XVIII, denominando-se de short- story, no século XIX. Porém, Gotlib registra que para alguns a novella tem origem na obra italiana de Bocaccio, enquanto na Espanha o termo novel se revela nas novelas de Cervantes, em 1621. Arendt (2012, p.13) afirma que “No século do Iluminismo, o conto maravilhoso - como é definido se diferencia de sagas, lendas, novelas ou contos em geral - não era muito popular no contexto da poética tradicional”.65 Essa afirmação encontra respaldo e se complementa na observação de Neuhaus (2002, p.9) de que “as novelas precedem os contos maravilhosos e que é importante dizer que os contos maravilhosos, na terminologia e na perspectiva histórica e literária de hoje, são mais parecidos com novelas. Dessa forma, o termo novela de contos maravilhosos é introduzido”.66 Esse processo vai se concretizar após o movimento Querelle des Anciens et des Modernes [Querela dos Antigos e Modernos] e a iniciativa de Boileau e Perrault, na academia francesa, fazendo surgir como gênero moderno, o então denominado os contos de fadas [“Feen- Märchen”]. Na Alemanha é possível constatar o maravilhoso em obras de Johann August Musäus e sobretudo nas traduções de contos maravilhosos franceses, realizadas por Christoph Martin Wieland. Outrossim, Novalis, em 1789, defende que “a fábula se constitui de uma unidade

65 Das Märchen - wie immer man es definieren und definitorisch abgrenzen mag von Sage, Legende, Novelle oder von erzählten Geschichten überhaupt - stand im Jahrhundert der Aufklärung nicht hoch im Kurs im Rahmen der überkommenen Poetik. (ARENDT, 2012, S.13). 66 Die Novellen gehen den Märchen voraus, da behauptet werden soll, dass es sich auch bei den Märchen, in heutiger Terminologie und literarhistorischer Perspektive, eher um Novellen handelt. Deshalb wird der Begriff der Märchennovelle eingeführt. (NEUHAUS, 2002, p.9). 58 mística natural de espírito e natureza, alma e mundo, que o leitor está acostumado em contos maravilhosos e contos populares” (ARENDT, 2012).67

2.3.1 Hauff: O despertar à criação do Novo Gênero Sabe-se que a Inglaterra, de 1735, proibia o culto das forças criativas universais, ou qualquer forma de paganismo mitológico, uma vez que era considerado heresia e sujeito a sanções legais (MELEIRO, 1994). Por esse motivo, esses elementos míticos e de superstição foram adequados e dessa forma assimilados pelos leitores da época. Sabine Lommatzsch (1994) revela que os contos maravilhosos, acompanhados de magia e superstições, surgem ainda na era do Iluminismo, quando o inconsciente e o irracionalismo eram considerados tabus. Deduz-se assim, que esse gênero se desenvolve, concomitantemente, em confronto com a ideologia racionalista, como uma espécie de compensação. Nesse contexto, a literatura infanto-juvenil no romantismo exerce papel importante como força contrária ao Iluminismo [Gegenströmung zur Aufklärung]. Segundo Ewers:

Enquanto a literatura iluminista para crianças e jovens na Alemanha seguiu em grande parte o francês e, em parte, também modelos ingleses, sobretudo, na recepção dos pensamentos do rousseaunismo, a partir do final dos anos 70 demostrou uma certa independência, ao introduzir os primeiros passos da literatura infantil romântica alemã nas primeira, segunda e terceira décadas do século XIX, tornando-se a pioneira nessa categoria. (EWERS, 2008, p. 96).68

Essa abordagem dialoga com as ideias de Safranski (2010) ao defender que o emergir da cultura literária no final de século XVIII, bem como, a ânsia pelo secreto e fascinante tornam- se sintomas de uma mudança de mentalidade que rejeita o espirito racionalista. De fato há a forte resistência do sistema moralizante vigente à época que se constrói contra a criação e divulgação dos contos maravilhosos, das canções e rimas da tradição literária popular, os quais são rejeitados pelos iluministas que consideram os contos maravilhosos no mesmo patamar que os contos folclóricos ou contos populares, o que provoca uma forte crítica dos defensores do romantismo naquele período (WILD, 2008).

67 Novalis (1772-1801) (pseudônimo de Georg Friedrich Philipp von Hardenberg). No final do século XVIII surge o Círculo de Jena, que originou o primeiro romantismo alemão (Frühromantic). Seus principais representantes foram os irmãos Schlegel, Novalis, Tieck e Schleiermacher. Através de suas reflexões sobre a filosofia e as artes, esses pensadores criariam novos conceitos e ideias sobre estética, obra, criação e teoria. 68 Während die aufgeklärte Kinder- und Jugendliteratur Deutschlands zu einem beträchtlichen Teil französischen, teils auch englischen Vorbildern folgte und allenfalls in der Rezeption rousseauistischer. Gedanken ab dem ende der 70er Jahre eine gewisse Eigenständigkeit zeigt, darf die deutsche romantische Kinderliteratur der ersten zwei bis drei Jahrzehnte des 19.Jh.s als die erste ihrer Art gelten. 59

Paralelamente, a queda do Sacro Império Romano-Germânico, em 1806 une-se à frustração frente ao posicionamento político de Napoleão, que provoca nos escritores alemães o desejo de resgatar a própria “identidade alemã”, no intuito de alcançar uma Alemanha unificada. “O desejo de superar a alienação humana da natureza e recuperar a unidade original perdida torna-se o motivo definidor da poesia romântica” (LOMMATZSCH, 1994, p. 5).69 Para os românticos, despertar a consciência do povo para a perda política resume-se no momento mais importante para a restauração da unidade alemã. É sob a influência do Livro do povo [“Volksbuch”], de Ludwig Tieck, que um grupo de escritores encontra motivação e começa a trabalhar e pesquisar sobre as tradições populares. “Esses escritores passam a se reunir em Heidelberg e direcionam seus novos interesses românticos para contos de fadas, mitos, canções populares e outros documentos históricos” (SAFRANSKI, 2010, p. 166). Schlegel manifesta no fragmento 116 da revista Athenäum sua rejeição aos gêneros poéticos puros e clássicos frente ao novo gênero flexível que despontava como o romance. Segundo Volobuef (1999, p. 40), Schlegel defende a dissolução dos gêneros em favor de formas híbridas que comportem quaisquer elementos confluentes para formar o que denominou de “poesia universal”. Volobuef (1999) acrescenta que:

A recorrência ao maravilhoso, à magia e ao encantamento dos contos de fadas, bem como ao sobrenatural e ao aterrador das peças noturnas, foi expressão do desejo de renovação do mundo, do anseio por revitalização das percepções, do desejo catártico de descobrir o desconhecido em meio ao conhecido. (VOLOBUEF, 1999, p.111).

Com isso surgem as narrativas curtas que, por não se enquadrarem ao gênero do romance, exigiram maior atenção na classificação, como no caso do conto e da novela. Embora a novela surja na Idade Média, ela desponta na Alemanha com a publicação, em 1795, de Unterhaltungen deutscher Ausgewanderten [Conversa entre emigrados alemães] escrito por Goethe segundo o modelo de Decamerone (VOLOBUEF, 1999, p. 51). Por conseguinte, o conto se origina de anedotas e de fragmentos de histórias publicadas em antigos calendários e começa a ganhar forma definida a partir das narrativas de Johann Peter Hebel (VOLOBUEF, 1999). O surgimento da ficção em prosa curta denominada de conto ou novela resulta na ramificação do gênero em novos textos como os contos maravilhosos [Märchen], que se desdobrou em duas vertentes: os contos maravilhosos populares [Volksmärchen] e os contos maravilhosos artísticos [Kunstmärchen].

69 Die Sehnsucht, die Entfremdung des Menschen von der Natur zu überwinden und die verlorene ursprüngliche Einheit wiederzuerlangen, wird das bestimmende Motiv der romantischen Dichtung. 60

É necessário observar o processo de desenvolvimento e constituição de cada subgênero, a fim de que se possa caracterizar e fundamentar o gênero da narrativa Das kalte Herz, motivo de nossa investigação. A manifestação dos jovens românticos em despertar a identidade nacional provocou a busca e pesquisa sobre histórias populares (LÜTHI, 1964, .). Herder concebe a “Poesia popular” [Volkspoesie] como “Poesia natural” [Naturpoesie] onde “Natur” se traduz por algo que seja original, genuíno e inocente. Segundo Noguchi (1981, p.83).

Este abrangente conceito herderiano de poesia popular se desenvolveu em duas direções diferentes entre os românticos: na direção mais orientada para a estética e literária von August Wilhelm Schlegel, Johann Ludwig Tieck, , Achim von Arnim e outros, e no mítico popular, representado principalmente por Josepf Görres e os irmãos Grimm.70 (NOGUCHI, 1981, p.83).

Os irmãos Grimm defendiam a “Poesia Popular” como uma “Poesia da Natureza” sem caracterização na fantasia, mas sobretudo como a manifestação da poesia inerente ao próprio povo. Eles consideravam também que havia distinção clara entre a poesia popular [Volkspoesie] e a poesia artística [Kunstpoesie], uma vez que a poesia popular tem origem no caráter primitivo relativo ao mítico e ao lendário. Essa posição dos irmãos Grimm contava com a oposição clara do pensamento de Achim von Armin que não via distinção em ambas caracterizações (NOGUCHI, 1981). Por outro lado, Volobuef (1999, p.52) refere-se a “Volksmärchen” como narrativas de cunho mágico ou encantado que têm origem na oralidade e que eram transmitidas pelos camponeses europeus nas horas de lazer ou durante a realização de trabalhos manuais. Atualmente as discussões literárias abordam os contos maravilhosos românticos, considerando-os como intermediários entre o conto popular e o artístico, visto que resgata a narrativa de transmissão oral anônima, mas não chega a se caracterizar como criação específica de um dado autor (TISMAR, 1977, p.48). Os contos maravilhosos artísticos [Kunstmärchen] adentram no Romantismo como um gênero de caráter mais flexível e programático, possibilitando aos escritores usarem de total liberdade na criação, além de expressarem uma pluralidade de elementos que envolvem fatores sociológicos e psicológicos. Paralelamente, esse gênero se apresenta como um espaço de reflexão crítica, onde se inserem questionamentos sobre si e o mundo em que o autor encontra-

70 Dieser umfassende Herdersche Begriff der Volkspoesie hat sich dann bei denn Romantikern in zwei verschiedene Richtungen entwickelt: in die mehr ästhetisch-literarisch orientierte Richtung Von August Wilhelm Schlegel, Johann Ludwig Tieck, Clemens Brentano, Achim von Arnim.u.a. und in die mythisch-volksgebundene, die vor allem von Josepf Görres und den Brüdern Grimm vertreten wurden.

61 se inserido. Também a ordem social se faz presente e é retratada de forma crítica frente às arbitrariedades e injustiças sociais de sistemas vigentes. Dentre os estudos atuais cito o de Hugo Moser (1970, p.269-71) que caracteriza três tipos de contos maravilhosos artísticos [Kunstmärchen]: sendo o primeiro, aqueles que apresentam traços em comum com o conto maravilhoso popular; o segundo com uma dimensão mítica e simbólica; e, por último, o conto que resulta em uma maior complexidade psicológica dos personagens, a exploração dos elementos macabros, a definição nítida de tempo e espaço, a quebra da ilusão de verossimilhança. Em uma outra perspectiva, as observações de Wührl (1984, p.61) definem o gênero Kunstmärchen com elementos distintos e em três grupos: o primeiro compõe-se de textos com imagens oníricas em uma rede de conexões fundada na simbologia; o segundo volta-se para o alegórico, acompanhado de ambiguidade refletida na coexistência de dois sentidos para a narrativa, gerando uma expectativa e interpretação por parte do leitor; e, finalmente, o terceiro, que nasce da simbiose entre magia e a realidade, entre o prodigioso e o prosaico, com personagens socialmente delineados, dentre eles, estudantes e funcionários públicos que transitam em cidades alemãs do início do século XIX. Por conseguinte, ao contrário dos contos maravilhosos populares, os contos maravilhosos artísticos não se esgotam na narrativa de aventuras ou desventuras de um herói, abrindo uma perspectiva inovadora rumo à esfera social, política, estética, filosófica, etc., como afirma Tismar (1977). Concretamente, essa nova forma em consonância com elementos da realidade, fugira da previsibilidade no desfecho das ações no enredo, provocando uma pluralidade de problemas e soluções, de caráter tanto psicológico quanto sociológico, trazendo personagens com caraterísticas próprias inseridas em realidades diversas (VOLOBUEF, 1999). Com base nessas novas perspectivas e classificações, entendo que Das kalte Herz encontra-se inserido no gênero do conto maravilhoso artístico representado em uma simbiose entre magia e a realidade com personagens oriundos da Mitologia Germânica e do mundo socialmente real. Na Alemanha, Ludwig Tieck ganha destaque como um dos marcos iniciais do romantismo de contos de fadas artísticos alemães. Johannes Zechner (2016) comunga dessa ideia:

Ludwig Tieck (1773-1853) foi, por algum tempo, o mais influente escritor e um dos mais lidos. Suas obras revelaram um efeito de longo alcance na literatura e na arte do romantismo alemão e do século XIX. Como um dos contadores do primeiro romantismo e de grande expressão na popularidade contemporânea, Tieck com seus 62

poemas, contos de fadas e novelas, torna-se um dos "autores mais lidos", cujo impacto literário se “sobrepõe à Goethe, Schiller e Jean Paul”. (ZECHNER, 2016, p. 44).71

Entre 1805 e 1808, Achim von Arnim e Clemens Brentano, amigos de Tieck, publicam em Heidelberg a coletânea de canções populares A trompa mágica do jovem [Des Knaben Wunderhorn] após Tieck ter publicado Viagens de Franz Sternbald [Franz Sterbalds Wanderungen, 1798]. Sobre isso frisa Safranski que o livro das canções populares “foi o segundo livro mais utilizado pelos românticos, além de muito elogiado por Goethe” (SAFRANSKI, 2010, p.167). Por outro lado, a obra Piacevoli notti (1550 e 1553), do italiano Giovan Francesco Straparola é considerada a primeira obra de contos de fadas artísticos na Europa naquele século (KLOTZ, 1985, p.41). Entretanto, há entre os contos românticos artísticos e os contos populares uma grande diferença, quando se constroem narrativas populares compostas de situações da realidade em consonância com elementos do maravilhoso. Tismar (1977) descreve a diferença dos contos artísticos em relação aos contos populares ou folclóricos, dizendo que:

De acordo com o conceito mais antigo, os contos maravilhosos artísticos devem ser entendidos como um gênero de contos maravilhosos, que, em contraste com os contos folclóricos são passados anonimamente na tradição oral, trata-se de uma criação própria de um autor conhecido e único, cujo texto é geralmente escrito e divulgado por ele próprio. (TISMAR, 1977, p.1).72

Segundo Bakhtin (1997), a linguagem sugere que se pense o discurso no contexto enunciativo da comunicação, onde pressupõe que haja uma dinâmica dialógica entre “o enunciado” e o “discurso”. De fato, o gênero não pode ser pensado fora da dimensão espaço- temporal, uma vez que os gêneros discursivos são construídos com finalidades comunicativas e deve ser dimensionado como “manifestação da cultura”. Bakhtin (1997) “comunga da ideia de que os gêneros são elos de uma cadeia que não apenas une como também dinamiza as relações entre pessoas ou sistemas de linguagens e não apenas entre interlocutor e receptor”. De forma esclarecedora, Bakhtin (1986) expõe o processo evolutivo de libertação da obra de seu tempo histórico.

É no processo de sua vida póstuma que as obras se enriquecem com novos significados, novos sentidos: assim as obras deixam de ser o que eram na época de sua criação. Podemos dizer que nem Shakespeare nem seus contemporâneos

71 Ludwig Tieck (1773-1853) war zeitweise so literarisch einflussreich wie viel gelesen. 2 Seine Werke entfalteten eine „weitreichende Wirkung auf die Literatur und Kunst der deutschen Romantik und des 19. Jahrhunderts“ 3. Als der Frühromantikzugerechneter Autor war Tieck mit seinen Gedichten, Märchen und Novellen zeitlebens einer der „meistgelesenen Autoren“, seines chriftstellerische Wirkung wurde „höchstens von der Goethes, Schillers und Jean Pauls“ übertroffen. 72 Nach älterer Auffassung ist unter Kunstmärchen eine Gattung von Märchenerzählungen zu verstehen, die im Unterschied zu Volksmärchen nicht in mündlicher Überlieferung anonym tradiert, sondernals individuelle Erfindung eines bestimmten, namentlich bekannten Autors meist schriftlich festgehalten und verbreitet werden. 63

conheceram o grande Shakespeare que conhecemos agora. Não há a menor possibilidade de enfiar nosso Shakespeare na época elisabetana [...] [Shakespeare] cresceu graças àquilo que houve e há em suas obras, mas que nem mesmo ele nem seus contemporâneos puderam perceber e apreciar no contexto da cultura de sua época [...]. O autor é um prisioneiro de sua época, de sua contemporaneidade. As épocas posteriores o liberam-no desta prisão. (BAKHTIN, 1986, p.4-5).

O despontar do gênero Märchen-novelle” se constrói com o surgimento de “contos maravilhosos da arte romântica” [“romantische Kunstmärchen”]. Mayer & Tismar (2003, p.55-56) asseguram que os idealizadores do gênero Märchen- novelle foram Tieck e Hoffmann, cuja narrativa combina elementos do maravilhoso com os da novela, além do romance” e relatam que esse tipo de “gênero se trata de uma relação ambivalente com o contemporâneo”, cujos contos se constituem de elementos sociais. Várias designações foram propostas para a caracterização dessas formas mistas: “contos maravilhosos de novela”, como denominava Fouque (1817); “Märchen-novelle”, citado por Buchmann e Tieck (1910) e “Reality Tales”, sugerido por Benz (1908) (MAYER; TISMAR, 2003, p.56). Arendt (2010, p.11) reforça que “onde romances e contos de fadas são claramente delineados e adequadamente explicados em sua manifestação específica de gênero, isso não se aplica de maneira alguma ao acoplamento na forma da novela de contos maravilhosos”.73 Ou seja, o gênero Märchen-novelle se realiza efetivamente quando há uma inter-relação de ambos estilos, constituindo-se em uma simbiose. Observadas as definições sobre o conceito do gênero “Märchen-novelle”, pode-se caracterizar a narrativa Das kalte Herz como uma narrativa híbrida, constituída de elementos e personagens do maravilhoso e do fantástico unido a contextualizações sociais e culturais que resultam em uma novela de contos maravilhosos. Isso também se confirma porque o autor faz uso de personagens, muitas vezes, de forma satírica, além de inserir aspectos históricos, sociais e culturais de seu tempo. Mayer e Tismar (2003, p.58) dialogam com Safranski (2010) ao relatarem que após a publicação do Märchen [contos maravilhosos] de Goethe, a obra Der blond Eckbert, escrita por Tieck em 1796, é considerada o primeiro conto de arte maravilhoso romântico [Kunstmärchen]. Foi necessário um longo processo para que a literatura infantil alcançasse seu reconhecimento junto à crítica e à sociedade. Um dos meios de comunicação mais presentes e eficazes àquela época eram os jornais [Zeitschrifiten], que tiveram papel relevante junto ao público leitor na divulgação da literatura infantil. Reiner Wild (2008, p.72) relata que o primeiro

73 Wo Novelle und Märchen in ihrer gattungsspezifischen Erscheinungsform klar umrissen und hinreichend erläutert sind, gilt dies für die Verkoppelung in Form der Märchen-Novelle keineswegs. 64 jornal para crianças denominado de Leipziger Wochenblatt für Kinder [Revista semanal de Leipzig para crianças], data de outubro de 1772, e seu redator Johann Christoph Adelung era linguista e lexicógrafo. A iniciativa da editora Christian Feliz Weisses Kinderfreund Verlag de inserir no jornal diferentes gêneros literários resultou na criação de um jornal de modelo agradável aos leitores e acabou por difundir o texto impresso, mantendo ainda a linguagem paternalista e conservadora da época. Outra contribuição importante nesse período foi a publicação de uma seleção de cartas para crianças [Sammlung Briefe für Kinder, 1785] que se tornou um meio de comunicação muito eficaz, cuja leitura resulta em elemento de aprendizado direcionado à educação literária das crianças burguesas. Nesse momento, também surgem textos de diferentes gêneros para crianças como Hellmanns Unterhaltungen mit seinen Kindern (1801) que, embora fossem de autores anônimos, agradaram sobremaneira ao público adulto assim como seus primeiros leitores. O fato desse imaginário ter origem nas manifestações populares através da literatura oral, torna evidente que não se constitui de impressões burguesas, tendo obtido boa aceitação pelo jovem público leitor (WILD, 2008). Essas iniciativas provocaram uma aproximação entre a literatura popular e a literatura juvenil que passam a conviver, contribuindo para a evolução da literatura alemã. Ressalte-se que nesse período não havia a produção da literatura infantil. Zohar Shavit ([1986]; 1991, p.1),74 afirma que a existência de livros para crianças era um fenômeno relativamente novo e que a literatura para crianças só começou a se desenvolver depois que a literatura para adultos se estabeleceu. Durante o século VXIII, raras vezes, foram escritos livros específicos para crianças e que a indústria de livros para crianças só começou a florescer na segunda metade do século XIX. Enquanto isso, despontam na Alemanha iniciativas que contribuem para o avanço da literatura infantil, dentre elas a divulgação de narrativas infantis como Palmblätter. Erlesen morgenländischen Erzählungen für die Jugend [“Páginas de Palmas. Narrativas orientais selecionadas para a juventude”] com textos escritos por August Jacob Liebeskind (1786-1800). Essa publicação acompanha o prefácio de Gottfried Herder, que tece elogios à abertura do espaço de inovação literária, manifestando sua posição contrária à literatura moralizante do

74 La literatura para niños sólo comenzó a desarrollarse después de que la literatura para adultos había llegado a ser una institución bien establecida. Hasta el siglo XVIII raras veces se escribieron libros específicamente para niños, y toda la industria de los libros para niños sólo comenzó a florecer en la segunda mitad del siglo XIX. 65

Iluminismo à época sobre o que afirma Reiner Wild (2008), tivera papel importante nesse processo:

Também o prefácio de Herder, no qual ele justifica a narrativa como uma leitura infantil, era frequentemente lido e entendido como uma crítica ao Iluminismo. Sem dúvida, Herder contribuiu significativamente para a reavaliação da infância no final do século XVIII, em particular através de seu trabalho sobre a filosofia da história, no qual ele resume o curso da história humana em, entre outras coisas, metáforas da idade (e, portanto, também o Oriente e sua literatura como um estágio infantil da infância, compreendido como desenvolvimento humano). (WILD, 2008, p.79).75

Para o entendimento de Das kalte Herz como gênero Märchen-Novelle na Alemanha é essencial contextualizar os elementos que colaboram para a construção desse gênero que surge durante o processo de transição literária na Alemanha, entre romantismo e realismo, em que se encontra inserida a narrativa hauffiana. Primeiro, busco a trajetória do como surge o gênero novela na Alemanha. Füllmann (2010) relata que após o final do Renascimento a novela italiana de Boccacio é considerada um gênero padrão tendo sido adotado e bem aceito na Alemanha. Os primeiros sinais da novela despontam na Alemanha ainda na Idade Média, retratada em versos e com características diversas e diferentes daquelas apresentadas no romantismo. Registra também que, no período de 1692 a 1697, surgem novelas de um mundo curioso nas cidades de Frankfurt e Gotha.76 Registre-se que é na cidade de Ulm (Alemanha), entre 1472 e 1473, que surge a primeira tradução da novela de Boccacio com o pseudônimo de Arigo (autor desconhecido) que resulta na publicação de Goethe da obra Unterhaltungen deutscher Ausgewanderten [Conversa entre emigrados alemães], com base no modelo do Decamerone (1348~1353) de Boccacio (FÜLLMANN, 2010).

2.3.2 Das kalte Herz e o gênero Märchen-Novelle Com a finalidade de construir a tradução do corpus a que me propus, é necessário estabelecer elementos que possibilitem a análise da obra de Hauff em relação ao gênero e ao conceito que definem o Märchen-novelle. Dessa forma, retomo abordagens e definições literárias de pesquisadores e escritores relevantes à época e que, possivelmente, estes exerceram

75 Auch Herders Vorrede, in der er die morgenländische Erzählung als kindliche Lektüre rechtfertigt, wurde häufig so gelesen und als Kritik an der Aufklärung überhaupt verstanden. Herder hat zweifellos Wesentliches zur Neubewertung von Kindheit am Ende des18.Jh.s beigetragen, insbesondere durch seine geschichts- philosophischen Arbeiten, in denen er den Gang der Menschheitsgeschichte unter anderem in Lebensaltermetaphern fasst (und so auch den Orient und seine Litratur als eine Kindheits-Stufe der menschlichen Entwicklung verstand). 76 1692 bis 1697 erschienen in Frankfurt und Gotha Novellen aus der gelehrten und curiosen Welt. 66 influência sobre Hauff na construção da narrativa Das kalte Herz. Dentre eles, destaco a observação de Friedrich Schlegel na publicação do fragmento 429 da revista Athenäum, onde afirma que “a novela deve ser e tornar-se nova e marcante em todos os pontos do seu ser” (FÜLLMANN, 2010, p.48). Outrossim, abordo a observação do então jurista, poeta e novelista Theodor Storm77 quando registra em um breve prefácio denominado de Eine zurückgezogene Vorrrede, em 1881, suas primeiras definições sobre o conceito da novela e a constitui como uma narrativa com grande afinidade com o drama, citando elementos que a caracterizam e relacionam com problemas sociais. Storm ([1881], 1958, p.524) relata:

A novela, tal como se desenvolveu nos últimos tempos, sobretudo nos últimos séculos [...] já não é mais como era antes, a breve descrição de um acontecimento que cativa por ser incomum oferece uma nova e surpreendente opção; a novela de hoje é irmã do drama e da forma mais estrita de poesia em prosa. Como o drama, ela trata dos problemas mais profundos da vida humana; e, ao mesmo tempo, para sua conclusão traz um conflito central a partir do qual o todo se organiza e, consequentemente, traz uma forma mais fechada e a eliminação de tudo o que não é essencial; não apenas aceitando, mas adequando-os às mais altas demandas da arte (STORM, [1881], 1958, p.524).78

Além disso, sabe-se que Hauff interagia com obras como as do escritor Gottfried Keller e Jeremias Gotthelfs, sobre o que Arendt destaca “a partir do meio do século, [Hauff] encontra o seu ponto culminante nas fabulosas e novelísticas histórias de Gottfried Keller e Jeremias Gotthelf, Imagem do Gatinho e A Aranha Negra” (2012, p.87).79 Hans-Heino Ewers (2008) destaca que Hauff faz uso de “elementos inovadores” relativos ao sistema burguês da época que o distinguem dos contos com origem no movimento do Biedermeier, cujo conceito literário trata do retorno ao classicismo:

Em certo contraste com o colorido exótico das localidades, está a mentalidade burguesa específica dos heróis de conto de fadas de Hauff, alienados por sua arrogância e sentimentalismo. Com sua mistura altamente eficaz de burguesia e aventuras coloridas, os contos de fadas de Hauff formam um agradável contraste com o conto de fadas do Biedermeier. (EWERS, 2008, p.124-125).

Embora Volobuef não classifique a narrativa hauffiana Das kalte Herz como Märchen- novelle, a escritora ressalta que o conto maravilhoso artístico [Kunstmärchen] se constitui como

77 Theodor Storm(1817-1888) poeta e autor de novelas e contos do realismo alemão. 78 Die Novelle, wie sie sich in neueren Zeit, besonders in den letzten Jahrhunderten ausgebildet hat[...] ist nicht mehr wie einst, die kurzgehaltene Darstellung einer durch ihre Ungewöhnlichkeit fesselnden und einen neuen überraschenden Wendepunkt darbietenden Begebenheit; die heutige Novelle ist die Schwester des Dramas und diestrengste Form derProsadichtung. Gleich dem Drama behandelt sie die tiefsten Probleme des Menshenlebens; gleich diesem verlangt sie zu ihrer Vollendung einen im Mittelpunkt stehenden Konflikt, von welchem aus das Ganze sich organisiert, und demzufolge die geschlossenste Form und die Ausscheidung alles Umwesentlichen; sie duldet nicht nur, sie stellt auch die höchsten Forderungen an die Kunst (Werke. Stuttgart 1958. III, 524) Storm, Theodor. 79 Jenseits der Jahrhundertmitte findet sie ihren Höhepunkt in Gottfried Kellers und Jeremias Gotthelfs ebenso märchenhaften wie novellistischen Erzählungen Spiegel das Kätzchen und die schwarze Spinne. 67 um texto de escritura definida, esteticamente complexa e que traduz a individualidade poética do escritor. Esse gênero absorve com frequência elementos temáticos da narrativa popular, cuja estrutura e desenvolvimento são inconfundíveis com manifestação de estilo único e personalizado (VOLOBUEF, 1999, p.57).

De acordo com a concepção mais antiga, entende-se por Künstmärchen [Contos maravilhosos artísticos] um gênero de narrativas de contos maravilhosos que, diferentemente, dos Contos Maravilhosos Populares, não são transmitidos de forma anônima na tradição oral, mas consistem em invenção de autor conhecido e que, na maioria das vezes, são registrados e difundidos de forma escrita. (MAYER; TISMAR, 2003, p.1).80

Para o entendimento sobre a hibridização entre o estranho e maravilhoso de Das kalte Herz enveredo em questões que possibilitem um esclarecimento do entrelaçamento de fenômenos literários, com a intenção de encontrar a fundamentação do gênero de Das kalte Herz. Na busca da compreensão do gênero entre aspectos moralizantes e alegóricos dos contos maravilhosos defendidos, anteriormente, por alguns estudiosos, sigo em busca de abordagens que refutam esse posicionamento. Para isso, busco entender a construção da raiz etimológica da palavra “Märchen”. Lüthi, 1996 (apud TRUSEN, 2012, p.56) relata que “Märchen” e “Märlein”, têm origem medieval na palavra “maerlin”, e que são formas diminutivas de “Mär”. Sabe-se que a terminação -chen tem caracterização de diminutivo no idioma alemão, o que significaria no contexto literário um desprestigio ou o que não inspira verdade. Por outro lado, Clausen-Stolzenburg, 1995 (apud TRUSEN, 2012, p.57) em um estudo sobre o acervo dos irmãos Grimm, comprova que sua produção provem da oralidade e da tradição medieval. Ao considerar que Das kalte Herz se compõe de elementos da Mitologia Germânica Nórdica, ou seja, de tradição medieval e de canções poéticas, tais elementos me possibilitam afirmar que estou diante de um conto de gênero maravilhoso, uma vez que constam no seu contexto fenômenos da tradição como espíritos da floresta, bem como, elementos da realidade social representados por personagens da realidade. A obra Märchen-Novellen oder das Ende der romantischen Märchen-Träume [Novelas de Fábulas ou o Fim dos Sonhos dos Contos de Fadas], de Dieter Arendt, publicada em 2012, rediscute várias narrativas concebidas como esse gênero, dentre elas a narrativa hauffiana.

80 Nach älterer Auffassung ist unter Kunstmärchen eine Gattung von Märchenerzählungen zu verstehen, die im Unterschied zu Volksmärchen nicht in mündlicher Überlieferung anonym tradiert, sondern als individuelle Erfindung eines bestimmten, namentlich bekannten Autors meist schriftlich festgehalten und verbreitet werden 68

Na verdade, a obra Das kalte Herz insere-se em um momento de transição na literatura alemã que ocorre, entre o movimento romântico e o realismo, comprovando o processo de mutação e de transição dessa obra, cuja existência se constrói frente aos movimentos históricos, sociais e literário na Alemanha naquela época. Sobre isso, Dieter Arendt (2012) assim se expressa:

Entre o conto maravilhoso atemporal e as lacunas de temporalidade no maravilhoso abre-se com isso uma contradição flagrante, uma dissonância impressionante. Mas essa disparidade entre a tradição ingênua do conto maravilhoso e a consciência sentimental é apenas o sintoma da época e não se dá apenas no grande número de contos e novelas, mas sim se fixam, programaticamente, naqueles círculos narrativos em torno deles. (ARENDT, 2012, p.96).81

Supõe-se que o conto maravilhoso artístico surgiu por motivos literários e, sobretudo, políticos em contraponto ao processo de crescimento do conto maravilhoso popular que ganhava espaço rapidamente no meio literário europeu. Isso resulta na reação por parte dos escritores à época em virtude da disseminação entre os leitores de contos maravilhosos na Alemanha e no resto da Europa, em contraponto à manutenção do status quo de uma sociedade inerte à mudança inconteste do sistema político europeu que despontava com a chegada da revolução industrial. Arendt (2012) aborda esse momento de transição literária como uma força contrária ao que os contos maravilhosos tinham construído até aquele momento:

No entanto, há muito sabemos que o chamado conto de fadas de arte nada mais é do que a interação desarmônica de contos de fadas e novelas, uma dissonância que tem seu lugar histórico-literário como uma contradição contra o conto de fadas que se tornou moda na linguagem coloquial romântica e contra a novela cada vez mais presente. (ARENDT, 2012, p.9).82

Os contos maravilhosos artísticos perdem, de certa forma, seu espaço frente às narrativas dos irmãos Grimm, com exceção de alguns autores que fizeram com que os contos artísticos se mantivessem na ativa, exercendo seu papel social e cultural (Arendt, 2012). Ewers (2016) também compartilha e complementa essa opinião, afirmando que os contos artísticos [Kunstmärchen] não sobrevivem no meio literário, exceção feita às obras de autores como Wilhelm Hauff e , como vemos a seguir.

Restringe o conceito de conto de fadas ao ideal de Grimm: não só a história do gênero anterior foi desacreditada, mas também sua continuação mais ou menos direta nos

81 Zwischen dem zeitlosen Märchen-Wunder und der wunderlosen Zeitlichkeit klafft damit ein eklatanter Widerspruch, eine auffallende Dissonanz. Aber eben diese Disparatheit zwischen naiver Märchen-Tradition und sentimentalischer Bewusstheit ist das Symptom der Zeit und ist nicht nur zahlreichen Märchen-Novellen, sondern auch in den sie umgreifenden Erzählkreisen längst programmatisch fixiert. 82 Wir wissen indessen längst, dass das so genannte Künstmärchen nichts anders ist als das disharmonische Ineinander von Märchen und Novelle, eine Dissonanz,die als Widerspruch sowohl gegen das in der romantischen Umgangsprache modisch gewordene Märchen als auch gegen die zunehmend kurrent Novelle ihren literarhistorischen Ort hat. 69

séculos XIX e XX. Para a ideia culturalmente dominante da natureza do conto de fadas em nossas sociedades, os chamados contos de fadas artísticos dos séculos 19 e 20 desempenham um papel comparativamente menor até os dias atuais. Uma exceção são, na melhor das hipóteses, os romances de Wilhelm Hauff e Hans Christian Andersen, mas quem ainda conhece os poemas de Ludwig Tieck, E.T.A. Hoffmann, Fouqué, Eichendorff, Mörike, Keller, Storm ou Hofmannsthal? Ou os de Oscar Wilde? (EWERS, 2016, S.6).83

Abordo, a seguir, as observações de Ewers no ensaio de 2016, “Seit wann brauchen Kinder Märchen? zur entstehung und zur erfolgsgeschichte eines romantischen mythos”.84 [Até quando as crianças precisam de contos de fadas? sobre o surgimento e a história de sucesso de um mito romântico]. O crítico literário aborda recorrências sobre pesquisas que versam sobre a manutenção das leituras sobre contos de fadas para crianças, bem como, sobre os poemas de autores, uma vez que são pouco lidos. Entende-se que pesquisas científicas se renovam e se atualizam e estas podem responder a perguntas que não haviam sido respondidas no passado. Entretanto, o ensaio me chamou a atenção pelo fato de Ewers ressaltar a importância de Hauff e Andersen junto ao público leitor alemão na atualidade. O referido posicionamento de Ewers revela uma mudança na recepção estética da obra hauffiana pelo crítico alemão, quando em 1986, em uma citação de Arendt (2012)85 coloca em suspeição a popularidade de Hauff e questiona seu estilo. É com base em constatações como essas que entendo que nossa investigação ganha respaldo e comprova a revisão na retomada de pesquisas e redimensionamento da obra hauffiana na sua recepção estética. Por outro lado, a fusão da vida cotidiana e do sobrenatural encontra-se também no centro da insistência de Tieck em usar o conto de fadas ao lado da novela como uma forma de prosa curta e de escolha em seus trabalhos anteriores. Portanto, não surpreende que textos como Der blonde Eckbert (O louro Eckbert, 1797), Der Runenberg (A montanha rúnica, 1804) e Die Elfen (Os Elfos, 1811) tenham sido classificados como "Märchen-novellen" [“novelas de fábulas”], "Kunstmärchen" [“fábulas artísticas”] ou "märchenhafte Erzählungen" [“histórias de contos maravilhosos”].

83 Einengung des Märchenbegriffs auf das Grimm’sche Ideal zutage: Es wurde hierdurch nicht nur die vorausgegangene Gattungsgeschichte diskreditiert, sondern auch deren mehr oder weniger direkte Fortschreibung im 19. und 20. Jahrhundert. Für die in unseren Gesellschaften kulturell dominante Vorstellung vom Wesen des Märchens spielen die sogenannten Kunstmärchen des 19. und 20. Jahrhunderts bis in unsere Tage eine vergleichsweise geringe Rolle. Eine Ausnahme bilden allenfalls die Märchennovellen eines Wilhelm Hauff und eines Hans Christian Andersen, doch wer kennt noch die Märchendichtungen eines Ludwig Tieck, E. T.A. Hoffmann, Fouqué, Eichendorff, Mörike, Keller, Storm oder Hofmannsthal? Oder diejenigen von Oscar Wilde. 84 EWERS, Hans-Heino: Seit wann brauchen Kinder Märchen? zur entstehung und zur erfolgsgeschichte eines romantischen mythos. FORSCHUNG, Zeitschrift, 29.01.2016, p.6. Disponível em: . Acesso em: 12 novembro 2019. 85 Ver capítulo 2, p.37. 70

Ao optar em seguir um novo caminho literário, através de elementos do maravilhoso unido a ocorrências da realidade social, Wilhelm Hauff desponta como um dos precursores do Kunstmärchen [Contos Artísticos] ao invés de Volksmärchen [Contos Populares], embora constem em Das kalte Herz elementos da cultura popular oriundos da mitologia germânica. Diante disso, Hauff no papel de observador do mundo no qual se encontrava inserido, resolve ousar frente ao estabelecido pelo status quo literário e ideológico à época e se envereda na desconstrução de padrões na escrita das narrativas dos contos infantis alemães, constituído ainda por elementos e aspectos advindos do período romântico. Klotz (2002 apud TRUSEN, 2006) relata que:

É bem verdade que o valor doravante concedido ao Märchen- e, diga-se de passagem, não foi de imediato–só constituiria primazia dos românticos tardios pelo enfoque particular que estes dão ao gênero. De modo geral, o maravilhoso e o fantástico já foram objeto de interesse de outros românticos, a exemplo de Goethe, Tieck, Friedrich de la Motte-Fouqué. Todavia, o maravilhoso explorado pela estética romântica nesta primeira fase constituiria antes aproveitamento pessoal e artístico, comumente designado por Kunstmärchen por oposição ao Volksmärchen. O substantivo Kunst, anteposto ao nome Märchen, indica per si uma antinomia, como se viu, aliás, na análise de Martín-Barbero. Designando tratar-se de um artefato de cunho artístico, o termo não apenas se opõe a popular, considerado anônimo, mas sutilmente sugere que Volksmärchen não é Kunst, dado que se opõe à arte (KLOTZ, 2002 apud TRUSEN, 2006, p.30).

Sylvia Trusen (2006) ressalta que a contradição entre os termos não passou despercebida à visão romântica e, particularmente, ao olhar atento de Jacob Grimm em sua polêmica com Arnim em torno da exploração artística do material popular, sobre o que acrescenta Wellek que:

[...] em 1806, Achim von Armin manifesta seu entusiasmo acerca das canções populares, e, um ano depois Joseph Görres publicou Die deutschen Volksbücher [Livros populares alemães], em que analisa textos antigos, especialmente baladas alemãs do século XVI, e procura apontar neles a recorrência de temas medievais, orientais, etc. (WELLEK, 1967, p.248, 255).

Na realidade, a ficção em prosa no romantismo, de expressão menor - denominada de conto ou novela - torna-se um gênero bastante expressivo e ganha novas ramificações, dentre elas o conto de fadas, tendo seguido duas vertentes: o Volksmärchen [contos de fadas populares] e o Kunstmärchen [contos de fadas artísticos] (VOLOBUEF, 1999, p.52). Sylvia Trusen (2006, p.12), chama a atenção para estudos sobre livros infantis que justificam a adequação de passagens emblemáticas que ilustram o elo criado entre a literatura chamada folclórica, ou popular, e a destinada ao público infantil. Em seguida, Trusen aborda as narrativas colhidas e selecionadas pelos irmãos Grimm que recaem em traduções ou quiçá em adaptações, alude às observações dos irmãos Grimm, quando já faziam a distinção entre 71 poesia da natureza e poesia artística. Observo que essa discussão poética já se fazia presente nos grupos de escritores de Jena e Heidelberg:

Discuta-se e diga-se o que se quiser, mas há uma diferença, desde sempre existente entre os povos, entre Poesia da natureza e Poesia artística, seja ela dramática ou poética, poesia dos cultos ou dos incultos. A Poesia artística desnuda aquilo que está na sensibilidade do indivíduo, e irriga o mundo com sua opinião e experiência diante do movimento da vida. (GRIMM, 1978 apud TRUSEN, 2006, p.103).

Na concepção de Therese Poser (1981, p.54), “falar dos contos de fadas populares é se referir às narrativas de cunho mágico ou encantado que eram transmitidos oralmente pelos camponeses europeus nas horas de lazer ou durante a realização de trabalhos manuais em grupo”. Eloá Heise (1986) denomina como “tradição” esses elementos poéticos, elementos esses também marcantes nas observações de Peter Burke (2010). Heise declara que:

O conto de fadas adquire status de forma literária com a tendência antimimética do Romantismo. Permite a aproximação entre tradição popular (volksmärchen) e tradição intelectual (kunstmärchen), objetivando o conceito de poesia universal. (HEISE, 1986, p.44).

Peter Burke (2010) vê no processo de tradição oral e cultural a presença da voz da tradição que transmite de geração a geração e observa que o povo é instintivo e enraizado na tradição e no solo da região.

2.3.3 Das kalte Herz e o Almanaque de Contos Maravilhosos Oesterle (2005) assegura que Hauff estava atento às obras de romancistas europeus, destacando-se como um grande leitor. A trajetória de Hauff se constrói na criação de histórias reunidas em sua obra O Almanaque de contos maravilhosos [“Märchenalmanache”] publicado em três anos sucessivos na forma de almanaques - Die Karawane [“A Caravana”] (1825), Der Scheik von Alessandria e seine Sklaven [“O Cheique de Alexandria e seus escravos”] (1826) e Das Wirtshaus im Spessart [“A pensão na floresta de Spessart”] (1827). Sabine Beckmann (1976, p.5), em sua tese de doutoramento denominada de Wilhelm Hauff-SeineMärchenalmanache als zyklische Kompositionen destaca que Die Karawane surge em 08 de novembro de 1925. É válido constatar que esse almanaque se compõe de elementos que revelam as primeiras representações do Oriente na recepção estética de Hauff em sua obra. Aos vinte quatro anos, Hauff leciona durante dois anos como professor particular aos filhos do ministro de guerra de Würtemberg, o barão de Hügel, o que o inspira e possibilita a criação da sua primeira obra Kriegs-und Volkslieder [“Cantos de guerra e populares”]. 72

Nos três anos seguintes Hauff seleciona narrativas próprias e de outros escritores que comporão os três almanaques. Nessa pesquisa nos detivemos no terceiro almanaque de Hauff que se insere a narrativa Das kalte Herz. A obra de Hauff se destaca com uma vasta produção e com uma variedade de estilos, como artigos para jornais, paródias, poemas, cartas, novelas e romance histórico. A baronesa Hügel, para cujos filhos Hauff ministrou aulas, reconheceu seu talento e o encorajou a publicar seus contos. Em 1826, após uma viagem de meio ano através da França, Bélgica, Holanda e o Norte da Alemanha, surgiu seu segundo almanaque de contos intitulado Der Sheik von Alessandria und seine Sklaven [O Cheique de Alexandria e seus escravos], publicado em 1827 e o terceiro Das Wirtshaus im Spessart [A taberna em Spessart], que foi publicado após seu falecimento, em 1828, onde se insere a narrativa Das kalte Herz, corpus de nossa pesquisa. Após sua morte prematura aos 25 anos de idade, o escritor da região da Suábia, até então pouco conhecido, ganhou espaço no mercado editorial e aos poucos ganhou popularidade (BECKMANN, 1976). Oesterle (2005) ressalta que:

Nesse paratexto, Hauff apresenta dois tipos de romancistas: Por um lado, os melhores e mais famosos romancistas como Lope de Vega, Boccaccio, Goethe, Calderon, Tieck, Scott, Cervantes "os mágicos", que o [Hauff] ajudam a adentrar na força da magia e a “transformar tudo o que eles mentiram na mais bela verdade. Por outro lado, em contraponto a esses gênios, “nós, pequeninos, não temos escolha a não ser espionar um romance”.86 (OESTERLE, 2005, p.84).

No paratexto, Hauff registra de sua recepção estética dos romancistas mais famosos da época e presentes em suas leituras e que contribuem para sua produção literária. Por outro lado, esse registro aponta o caráter irônico de Hauff sobre os caminhos que devem ser traçados por alguém que objetiva ser um bom autor. Essas observações encontram ressonância nos argumentos de Dieter Arendt (2012, p.86), ao afirmar que as obras Phantasus de Tieck e o Serapions-Brüder de E.T.A. Hoffmann agradaram bastante a Wilhelm Hauff, a ponto de servirem de modelo à criação do Almanaque do Ciclo de Narrativas [“Almanach-Erzählzyklen”], entre 1826 e 1828. Essas constatações ganham credibilidade nas palavras de Ewers (2008, p.119) ao destacar que Tieck e E.T.A Hoffmann fizeram surgir o modelo de narrativas maravilhosas românticas, onde aborda o maravilhoso com elemento da realidade [Das wirklichkeitsmärchen].

86 Hauff führt in diesem Paratext zwei Typen von Novellendichtern ein: Auf der einen Seite existieren >>die besten und berühmtesten Novellendichter Lopez de Vega, Boccaz, Goethe, Calderon, Tieck, Scott, Cervantes<< die mit Hilfe einer ihnen zur Verfügung stehenden „ magische(n) Springwurzel“ alles was sie gelogen haben zur schönsten Wahrheit umschaffen. Im Unterschied zu diesen Genies bleibt auf der anderen Seite>>uns geringen Burschen nichts übrig, als nach einer Novelle zu spionieren“. OESTERLE, G. In: POLASCHEGG, 2005, S.84. 73

Safranski (2010, p.85-86) destaca que Tieck contribui para o descobrimento filológico como também poético dos antigos livros populares alemães, da canção dos Nibelungos e da lírica trovadoresca europeia. Em contraponto, Mayer e Tismar (2003, p.100) asseguram que, “embora Tieck e Hoffmann tenham dado início a um novo gênero de contos com elementos românticos, Hauff se destaca por criar seu próprio estilo ao aglutinar elementos do maravilhoso com situações sociais e do cotidiano”. Essa hibridização entre maravilhoso e realismo se volta para a obra de Wilhelm Hauff, cujo estudo é retomado por pesquisadores, quase dois séculos após, dentre eles a pesquisa científica que hora desenvolvo. As reflexões de Polaschegg (2005, p.83) asseveram minha investigação, quando no seu artigo Die Wiederkehr des Virtuosen [“O retorno do virtuoso”] frisa que:

O poder dessas três características, energia, adaptação ao mercado e técnica virtuosa, parece ser tão forte e abrangente que o interesse da pesquisa na natureza literária específica de Hauff foi marginalizado em comparação com o foco quase exclusivo na análise sociológica de um autor de sucesso. Do ponto de vista do uso engenhoso dos mecanismos de mercado, Wilhelm Hauff torna-se um com significado sócio Histórico paradigmático. (POLASCHEGG, 2005, p.83).87

Polaschegg (2005) afirma o comprometimento de Hauff com a organização da obra, assegurando uma boa publicação, bem como, sua chegada às mãos dos leitores. A primeira impressão da publicação denomina-se de Märhchen - Almanach auf das Jahr 1826, für Söhne und Törchter gebildeter Stände contou com a organização de Wilhelm Hauff, impressão e publicação da editora Verlag J.B. Metzler’schen Buchhandlung, em 1826 (BECKMANN, 1976, p.322). Declara Beckmann que as narrativas de Hauff reapareceram no ano seguinte, em forma de almanaque com o título de Märchen-Almanachs für Söhne und Töchter gebildeter Stände [Almanaque de Contos para jovens e meninas instruídos], e dessa vez contou com a colaboração dos irmãos Franckh [Kupfern Stuttgart bei Gebrüder Franckh] na organização, publicado em 1827. Por conseguinte, em 1828, após a morte de Wilhelm Hauff, surgiu a publicação da obra “Das Wirtshaus im Spessart”, que reúne todos os três almanaques e traz um prefácio de Helmut Koopman (BECKMANN, 1976). Optei por registrar no subcapítulo o processo de impressão e as publicações sob os cuidados de Hauff a fim de que os leitores entendam as interfaces e as direções do registro

87 Die Wirmächtigkeit dieser drei topoi, Elektrizismus, Marktanpassung und virtuose Technik, scheint so stark und umfassend zu sein, dass das interesse der Forschung an hauffs spezifischer Literarizität gegenüber der fast ausschliesslichen Konzentration auf die soziologische Analyse eines Erfolgsautors marginalisiert wurde. Unter dem Gesichtspunkt der raffinierten Nutzung von Marktmechanismen avanciert Wilhelm Hauff zu einem mit paradigmatischer sozialhistorischer Aussagekraft. 74 desses almanaques que sofrem algumas alterações no caminhar das publicações e que, consequentemente, resultam em novas constatações como as de Mayer e Tismar (2003) ao mencionarem que:

[...] nem todos os contos do segundo almanaque vêm de Hauff e nem todas as histórias de Hauff no Märchenalmanachen podem ser consideradas contos de fadas. Alguns são lendas, outros são histórias de aventura, além de histórias satíricas como a do O macaco como um ser humano. (MAYER; TISMAR, 2003, p.100-101).

A narrativa Das kalte Herz, quando da primeira publicação encontra-se inserida no terceiro almanaque de contos, como já mencionado, juntamente com uma variedade de outros contos, sagas e lendas nórdicas, sobretudo da Escócia, cuja investigação vem confirmar esse fato. Entendemos que a publicação de Das kalte Herz juntamente com outros gêneros acabou por acarretar sérios danos ao reconhecimento da obra dentro do universo literário. É válido o registro de que Max Drescher, editor da obra, corpus desse trabalho, Das kalte Herz und andere Märchen, dá destaque à novela, Das kalte Herz, dos demais contos inseridos na obra, desde o seu título. Acredito que essa mudança de comportamento em relação à novela se dá em razão da constatação do engano da crítica e editoras em relação à obra, como retratação ao efeito negativo sobre a obra hauffiana. É bem verdade, que aquelas conceituações se perpetuaram por quase dois séculos na Alemanha, ou seja, de que Das kalte Herz se classificava apenas como conto infantil. Entendo que o acesso às traduções em inglês, elaboradas ainda no século XIX, colaboraram sobremaneira para a mudança dessa tomada de posição pela crítica literária e científica alemãs. Veremos no desenvolvimento da pesquisa esses levantamentos e observações sobre as traduções para o inglês.

2.4 DA PUBLICAÇÃO: ASPECTOS EDITORIAIS Ao se pensar em traduzir um texto, leva-se em conta vários contextos de abordagem como o literário, cultural, editorial e social, tanto do texto fonte (TF) como do texto meta (TM). Sabe-se que Martinho Lutero, ao ser excomungado pela igreja católica, se refugia em um mosteiro e torna-se tradutor, concretizando a tradução da Bíblia do latim para a língua alemã. Segundo Stéfano Pachoal (2006, p.16), é apenas no ano de 1683 que o número de publicações em alemão na Alemanha supera as publicações em latim. Entretanto, com o romantismo valoriza-se a literatura e verifica-se nos círculos burgueses e pequeno-burgueses um extraordinário crescimento no número de leitores ao final 75 do século XVIII. É exatamente nos séculos XVIII e XIX que surgem a criação do sistema de propriedade dos textos e as regras sobre os direitos do autor e de reprodução, resultando no controle da sociedade com sinais do capitalismo. Segundo Safranski (2010):

(...) entre 1750 e 1800 dobra o número de pessoas com capacidade para a leitura. Mais ou menos 25 por cento da população pertence, ao final do século, ao público potencialmente leitor. [...] entre 1790 e 1800 aparecem dois mil e quinhentos romances no mercado, tantos quanto o total nos noventa anos anteriores. Há uma procura crescente por livros pelos leitores o que favorece, positivamente, às editoras e publicações de obras literárias. A ordem à época era atender essa demanda crescente. (SAFRANSKI, 2010, p.47).

Nessa época, “ávido por leitura, o público aprende a arte de ler depressa, uma vez que as condições sócio-políticas e geográficas contribuíam para que a indústria de livros e jornais florescesse de forma rápida na Alemanha” (SAFRANSKI, 2010). É incontestável que a tradução teve papel primordial na evolução literária na Alemanha e esse trânsito intenso entre livros e leitores provocou o surgimento de tradutores como Schlegel que traduziu Shakespeare (HEISE, 1986, p.198) e Tieck que se especializou na tradução de Dom Quixote (SAFRANSKI, 2010, p.86-87), dentre outros. Diante do fluxo e produção intensa de novas obras, Schlegel se posiciona frente a esse momento de transição da produção literária na Alemanha, diante de obras que caem no esquecimento do público leitor:

Dentre os vários romances, escreve Friedrich Schlegel em 1797, que a cada feira acrescem nossos registros de livros, concluem em sua maioria seu círculo de existência inexpressiva de modo tão veloz – recluindo-se ao esquecimento e à sujeira de livros velhos nas bibliotecas presenciais – que o crítico de arte tem de estar sem vacilo em seu encalço, se não quer passar pelo dissabor de aplicar seu julgamento a uma obra que na verdade nem mais existe. (SAFRANSKI, 2010, p.48).

Por conseguinte, em meados do século XVIII surgem pouco mais de três mil livros para crianças os quais eram utilizados nas escolas e apenas, ao final do século XVIII, é que a literatura infantil ganha um impulso de dois por cento na produção (SAFRANSKI, 2010). Isso faz com que ocorram mudanças nas editoras e na forma de agir no comércio de livros. Sobre esse assunto, Reiner Wild (2008, p.43) ressalta que “as formas tradicionais de fabricar e distribuir livros foram substituídas por formas mais modernas e capitalistas onde o comércio de publicações e livros foram mercantilizados”.88 É válido registrar que, em razão disso, o número de escritores homens tem um avanço considerável, enquanto o número de escritoras permanece pequeno. É natural que, consequentemente, ocorra uma mudança considerável no status e condição social desses escritores, que se tornam produtores livres para o mercado literário.

88 Die traditionellen Formen der Herstellungen und Verteilung von Büchern wurden durch modernere, kapitalistische abgelöst; Verlagswesen und buchhandel wurden kommerzialisiert. 76

Polaschegg (2005) ressalta que essa nova condição teve grande importância para a regularização legal das publicações com a criação dos direitos autorais, utilizados até aquele período, momento em que Wilhelm Hauff se empenha na publicação dos seus manuscritos. Polaschegg (2005, p.13) destaca que:

A curta carreira deste poeta [Hauff] não é apenas significativamente influenciada pela estreita relação entre a literatura e o mercado, mas também pela interação entre a literatura e o direito, num momento em que surgem e se estabelecem instâncias legais e instituições da literatura tais como direitos autorais [Copyright] ou a proteção dos nomes dos autores ou pseudônimos.89 (POLASCHEGG, 2005, p.13).

Stefan Neuhaus (2002, p.13) destaca que Hauff realizou sua primeira atividade literária com a edição de uma antologia de canções de guerra e folclóricas em 1824, não tendo havido reação do público leitor à época muito menos da crítica. É com a segunda publicação que Hauff se torna conhecido pelo público leitor. Paralelamente, Hauff termina seus romances O homem na lua e O trem do coração da voz do destino, ambos produzidos em 1825, e o último com publicação em 1826, os quais foram vendidos por 400 florins ao seu editor, Gottlob Franckh. Dessa forma, foi com o romance O homem na Lua que Hauff aumentou sua popularidade na Alemanha. Entretanto, nossa pesquisa revela que a citada obra não conta com traduções em outros idiomas, inclusive no português do Brasil. Não é por acaso que jornais atuais online trazem artigos de pesquisadores que destacam Hauff como “Ein genialer Handwerke im Literaturbetrieb” [Um habilidoso artesão no comércio da literatura].90 Essa publicação revela que, embora os livros de Hauff sejam conhecidos hoje pelos leitores, eles desconhecem suas habilidades, as quais denomino de estratégias, implementadas por Hauff no exercício de redator e editor junto à editora Cotta. Para fundamentar esse argumento, tomo as observações do redator do artigo Tilman Spreckelsen (2018) onde cita o lançamento de duas obras que abordam essa temática, dentre elas a de Susanne Fischer (1992), com a qual faremos algumas elucidações, a seguir. Spreckelsen denomina “Wilhelm Hauff als Visionär des modernen Buchmarkts” [“Wilhelm Hauff como o visionário do mercado moderno de livros”].

89 Dabei ist die kurze Karriere dieses Dichters nicht allein massgeblich durch die enge Koppelung von Literatur und Markt geprägt, sondern ebenso nachhaltig durch die Wechselwirkung zwischen Literatur und Recht, und zwar zu einer Zeit, in der rechtliche Instanzen und Institutionen der Literatur wie das Copyright oder der Schutz etablierter Autornamen oder Pseudonyme erst entstehen. 90 Seine Märchen kennt jeder, seine Tätigkeit als einflussreicher Redakteur ist praktisch unbekannt: Zwei neue Bücher widmen sich Wilhelm Hauff als einem Visionär des modernen Buchmarkts. SPRECKELSEN, Tilman. Frankfurter Allgemeine, 18.07.2018 (Disponível em: . Acesso em: 25.06.2019). 77

Segundo Hinz (1989, apud NEUHAUS, 2002, P.15), Hauff tinha planos de lançar seu próprio periódico denominado de “O Narrador” [“der Erzähler”]. Segundo consta, durante sua viagem pela Alemanha, Hauff manteve contato e trocou ideias com o famoso editor de Stuttgart, Johann Friedrich von Cotta, de cuja relação resulta, em janeiro de 1827, a efetivação de Hauff como redator do jornal Morgenblatts für gebildeten Stände, da editora Cotta, onde permaneceu até a sua morte em 18 de novembro de 1827. A pesquisa de Susanne Fischer (1992) abrange as correspondências de Wilhelm Hauff, contatos literários e editoriais, os quais sugerem que Hauff empreendia várias ações no intuito de garantir sua posição como escritor freelancer em uma base ampla, não apenas como autor de ficção, mas também como redator e organizador, revisor e funcionário de várias revistas. Fischer (1992) assegura que Hauff defendia que o reconhecimento social e o avanço material eram essenciais em sua prática profissional. No alcance de seus objetivos profissionais e literários, Hauff construiu uma boa relação com editores, organizadores e autores, alicerçando a base para a divulgação de sua obra e, consequentemente, para seu sucesso e popularidade. Segundo Steinlein (2005, p.201), Em razão de sua obra não gozar de grande reputação junto aos editores alemães, as ações empreendedoras de Hauff se constituíam em estratégias frente a críticas sobre sua produção literária. Em razão disso, Hauff expressa na “Folha de conversa literária” [“Literarischen Coversationsblattes”], publicada em 28.12.1825, que “é muito gratificante encontrar um talento que cresce com a profissão de entreter os pequeninos de maneira inocente e sobretudo sem fantasma”.91 Aqui percebe-se que Hauff tinha convicção de seu talento e trabalho. Com isso, Hauff tentou convencer e transformar, positivamente, sua obra junto à empresa e perante os leitores. O que se comprova de fato é que sua estratégia de publicação funcionou, uma vez que essa investigação aborda uma narrativa hauffiana. Certamente, aceitar e suplantar desafios tornou-se uma característica de Hauff. Também buscou manter bons contatos com editoras em razão da grande variedade de suas atividades em busca de melhores condições de trabalho e de publicação. Essa junção de fatores contribuiu e possibilitou a Hauff novas perspectivas na vida literária. Para alcançar seus objetivos de publicação e divulgação, Hauff planeja ações e estratégicas efetivas no alcance de bons resultados. As constatações de Fischer (1992) quanto às estratégias implementadas por Hauff para enfrentar o desafio se confirmam nas afirmações de Polaschegg (2005) ao mencionar que:

91 Sehr erfreulich,einmal auf ein Talent zu treffen, das dem Berufe, die Kleinen harmlos und doch nicht geistlos zu unterhalten, wirklich gewachsen ist. STEINLEIN, Rüdiger. In: POLASCHEGG, 2005, p.201. 78

Também em 1827 e 1828, surgem os volumes e Hauff cuida meticulosamente do formato, tipografia e equipamento. O almanaque também deve ter a aparência de um valor de prestígio como uma fita de presente representativa e, assim, aumentar o sucesso de vendas. (POLASCHEGG, 2005, p.200).92

Hauff se inseriu no momento em que a literatura se torna o elo de informações, das mudanças, da crítica e sobretudo o meio para a educação, uma vez que se forma um novo público leitor de literatura. O almanaque de contos de Hauff despertou profunda curiosidade da editora à época, com a estratégia editorial implementada por Hauff e seu espírito inovador e desafiador àquela época de transição. Certamente que essa nova ideia de Hauff na criação de um almanaque com contos infantis causara um efeito de transgressão e de pura ousadia sob a ótica de editores que se encontravam ainda sob “os efeitos e critérios literários advindos da literatura infantil oriundos do Iluminismo e do filantropismo, com origem na década de 1770”. (STEINLEIN, 2005, p.199). Consequentemente, Hauff só publicaria em 1825 e, além disso, deparou-se com o sucesso dos irmãos Grimm no meio literário, cuja publicação com 50 textos selecionados na obra Kinder- und Hausmärchen, em 1812, torna-se um marco, caracterizado por Polaschegg (2005, p.200) como “uma jogada inteligente e bem sucedida de Wilhelm Grimm” na área do mercado de livros. O que significa afirmar que os irmãos Grimm também implementam estratégias para publicação, dentre elas, a de selecionar contos orais na região onde residiam, além de transcrevê-las e adaptá-las ao público infantil. Os irmãos Grimm reuniram estórias da tradição oral na cidade de Hesse, cujo material era coletado também por colaboradores que os enviavam aos Grimm (BURKE, 2010). Tais observações se confirmam e dialogam com as reflexões de Sylvia Trusen (2006, p.13-14), ao comprovar que “os Grimm foram exímios adaptadores daquelas narrativas ao gosto do seu público, convertendo-as, como afirmam no prefácio à edição de 1819, em Erziehungsbuch, “um livro educativo”. Com o objetivo de esclarecer a opção de adaptação de contos orais, justificam os irmãos Grimm (1982) a decisão de compilar contos orais e transformá-los em narrativas infantis.

Esta é a razão pela qual quisemos prestar um serviço não apenas à História da Poesia e à Mitologia. Também foi nossa intenção fazer com que a Poesia que está aí viva, que ela atue e alegre, se alegrar puder. E que ela possa, desse modo, servir também como livro educativo (...). Nós procuramos encontrar aquela pureza escondida na verdade existente por trás de cada narrativa. Ao lado disso, eliminamos

92 Auch bei 1827 und 1828 erscheinenden Folgebänden kümmerte sich Hauff penibel umFormat, Typographie und Ausstattung. Die Almanache sollten auch durch das äussere Erscheinungsbild einen Prestigwert als repräsentative Geschenkbändchen besitzen und so den Verkaufserfolg erhöhen. 79

minuciosamente nesta nova edição qualquer passagem inapropriada para a infância”. (GRIMM apud TRUSEN, 2006, p.14).

Argumenta Steinlein (2005), quando da tentativa de publicação, que Hauff não alcança de imediato a credibilidade junto à primeira editora a quem confiou seus manuscritos. Talvez por contar com a concorrência literária e estratégica dos irmãos Grimm naquele momento, bem como, por optar em publicar seus contos em forma de almanaque, o que se tornou um obstáculo, no primeiro momento.

Hauff percebe ter chegada uma chance muito boa. Assim, ele tenta a Metzler, editora de Stuttgart, à qual ele ofereceu o manuscrito de sua primeira coleção de contos maravilhosos na primavera de 1825, acompanhada da carta com o argumento de que a ideia do citado almanaque talvez não seja bem-vinda, especialmente nas classes mais altas (STEINLEIN, 2005, p.200).93

Entretanto, uma segunda editora, Franckh, a quem Hauff confiou o manuscrito dos dois volumes, se preocupou em registrar na obra hauffiana, quando da publicação, que a mesma não se direcionava apenas aos jovens, mas também aos adultos. Tal atitude revelou que a referida editora agiu de forma estratégica a fim de alcançar, a contento, a venda da publicação da obra hauffiana.

A editora Franckh, na qual os dois volumes do Almanaque surgiram, registra um anúncio no segundo volume e expressa sua expectativa de que neste livro a apresentação do que está dentro e fora de um dos livros de leitura mais populares não se volta apenas para os jovens, mas sobretudo para os adultos. (POLASCHEGG, 2005, p.200).94

As inquietações relativas à diversidade de gênero nas narrativas hauffianas se fazem presentes nas traduções para o inglês, em 1844, quando a publicação dos contos de Hauff sugeria leitura destinada a adultos, o que resultou na seleção por gênero dos contos hauffianos quando de sua nova tradução para o inglês, denominando-se de O pequeno homem de vidro e outras histórias, publicado em 1893 (TALLES, 1913). A narrativa Das kalte Herz teve sua primeira tradução para a língua inglesa no ano de 1893, registrada pelo pesquisador Talling Talles (2013), no seu artigo online “The Fairytales of Wilhelm Hauff”. No artigo, Talles registra as inúmeras traduções da novela Das kalte Herz de Hauff para a língua inglesa, o que será abordado no subcapítulo 4.1 que trata da tradução e recepção de Hauff no mundo.

93 Hauff scheint eine Chancen sehr genau eingeschätzt zu haben. So versucht er dem Stuttgarter Verleger Metzler, dem er im Frühjahr 1825 das Manuskript seiner ersten Märchensammlung anbot, in dem begleitbrief die Sache mit dem Argument schmackhaft zu machen, dass die Idee eines solchen Almanachs neu und besonders in höheren Ständen vielleicht nicht unwillkommen ist. 94 Der Verleger Franckh, bei dem die beiden Folgebände des Almanach erschienen, formuliert in einer Annonce des zweiten Bandes die Erwartung, dass dieser „seines Innern als auch seiner äussern Aussttatung wegen eines der beliebtesten Lesebücher nicht bloss für die Jugend, sondern auch wohl für Erwachsene seyn werde. 80

Dessa forma, justifico a presença nessa investigação sobre o empenho editorial que Hauff empreendeu junto às editoras no objetivo de dar visibilidade aos eleitores de sua obra e alcançar o reconhecimento esperado.

81

3 DO ORAL AO CULTURAL

3.1 A ORALIDADE EM DAS KALTE HERZ Adentrar no mundo poético da narrativa Das kalte Herz de Wilhelm Hauff é imergir no universo, popularmente, conhecido dos “contadores de histórias” ou narradores orais. A pesquisa trata, essencialmente, da tradução comentada da novela de contos maravilhosos Das kalte Herz cuja análise está direcionada aos elementos poéticos e míticos presentes na narrativa, na busca de identificar e atualizar os mitos da mitologia germânica quando da sua inserção cultural na narrativa hauffiana. O medievalista Paul Zumthor (1997) ressalta a importância de dar voz às civilizações arcaicas e culturas que vivem à margem, uma vez que exercem papel importante na perpetuação das tradições que contribuem para a manutenção dessas sociedades, frente ao “refinamento da técnica”, hoje denominada de “tecnologia”. Destaca Zumthor que:

A voz é querer dizer e vontade de existência, lugar de uma ausência, que, nela, se transforma em presença; ela modula os influxos cósmicos que nos atravessam e capta seus sinais: ressonância infinita que faz cantar toda matéria. como o atestam tantas lendas sobre plantas e pedras enfeitiçadas que, um dia, foram dóceis. (ZUMTHOR, 1997, p.10).

Destaca Zumthor que certas canções tiveram papel relevante ao evocar nossa própria experiência comum, uma vez que as cantarolávamos diariamente e acrescenta:

É assim que o idioma puramente oral que foi o das sociedades arcaicas e de nossa infância marcou definitivamente nosso comportamento linguístico [...] em razão de uma reminiscência corporal profunda, subjacente a qualquer intenção da linguagem. Produzindo desejo e, ao mesmo tempo, que é produzido por ele, o som vocal sempre fabrica o discurso. (ZUMTHOR, 1997, p.14).

Na Inglaterra, os escoceses são os pioneiros a descobrirem a cultura popular, enquanto Sir Walter Scott95 coletava baladas na fronteira. Na Alemanha surgem novos termos como Volkslied, Volksmärchen e Volkssage. Herder denominou de Volkslieder ao conjunto de canções que compilou em 1774 e 1778. Segundo Burke (2010, p.27), tanto Herder quanto os irmãos Grimm tiveram papel importante na disseminação das ideias relativas a coletar canções de tradição popular. Com isso, surgem novas coletâneas de canções populares nacionais e dentre elas a coletânea Arnim e Brentano de canções alemãs, Der Knaben Wunderhorn, que se baseou na tradição oral e folhetos impressos, publicada em 1806 e 1808 (BURKE, 2010, p.26-28).

95 Walter Scott era poeta e antiquário (1771-1832) escreveu The lay of the last ministrel (1805) e coletava baladas. (BURKE, 2010). 82

A balada popular ganha importância junto àqueles que eram considerados “homem de gosto”, em detrimento do “homem vulgar”, em virtude do avanço do processo de transformação social que se anunciava com o desenvolvimento das cidades e a chegada da revolução industrial (BURKE, 2010, p.29). Burke destaca que:

Entalhadores, cantores, contadores de estórias e o seu público formam um grupo que está face a face, partilhando os valores básicos e os mitos e símbolos que expressam esses valores. O artífice ou o cantor caça, pesca ou cultiva o solo como outros membros da comunidade e estes entalham ou cantam como ele, ainda que não o façam tão bem nem com a mesma frequência. (BURKE, 2010, p.50).

A inserção de canções e profissões (relojoeiros, carvoeiros, etc.) em Das kalte Herz chama a atenção para a observação de Burke (2010, p.64) ao apontar que cada ofício tinha sua própria cultura com canções, capelas e danças. Dentre as canções e lendas coletadas e publicadas no século XVI, destacam-se as canções dos mineiros que tinham relação com os espíritos das minas (Berggeist, Bergmönch e o Bergmännlein, também conhecido por Zwerg, anão), os quais guardavam os tesouros e precisavam ser apaziguados com oferendas. Essa constatação nos leva à representação do protagonista Pedro Munk96 na narrativa Das kalte Herz, cujo pai exerce a função de carvoeiro e trabalha em minas. Também constato a presença da personagem “homenzinho de vidro” [Glasmännlein], por se tratar de um “duende” protetor da floresta e dos tesouros que nela habitam e que mantém diálogo com o protagonista, o carvoeiro Pedro Munk. É perceptível que Pedro Munk, em Das kalte Herz, como protagonista, representa a personificação do estado de hesitação e insegurança na relação do homem com o mundo. Esse protagonista representa também essa transformação/metamorfose em que Hauff está inserido frente à perda, incondicional, da magia e da tradição oral diante do processo da revolução industrial. Os mitos são o sustentáculo na manutenção da voz, assegurando vida à floresta e ao imaginário popular Segundo Paes Loureiro (1995).

O poético e o mítico sempre apresentaram constantes afinidades. Algumas vezes parecem imagens de espelhos paralelos. O mito, muitas vezes, expressa a poética das coletividades humanas, ao relatar sua história idealizada. O poético, por seu lado, mitifica as palavras e os sentimentos, no ato de torná-los poetizados. Mítico e poético são produtos de um imaginário estetizante e, no entanto, apresentam-se como verdades aparentes ou formas de verdades, legitimadas pelo livre jogo entre a imaginação e o entendimento [...]. (LOUREIRO, 1995, p.66).

No fragmento acima, o poeta e escritor amazônico Paes Loureiro (1995) ressalta a interdependência e afinidade que o poético e o mito mantém para sua sobrevivência no imaginário popular. Quando das minhas leituras e reflexões sobre Das kalte Herz, tento penetrar

96 Peter Munk – opto por traduzir por Pedro Munk, a fim de aproximar a obra hauffiana ao leitor brasileiro. 83 no imaginário do narrador empírico, como que buscando as imagens captadas pelo olhar de Hauff sobre a floresta negra e os mitos e lendas que lá residem por força do imaginário popular. Para desenvolver e aprofundar essa temática, retomo as pesquisas sobre fenômenos populares implementadas por Johann Gottfried Herder (1744-1803) pioneiro em defender a inter-relação entre natureza e cultura, sobre o que, Guinsburg argumenta:

Herder teve papel preponderante no Pré-Romantismo na Alemanha, sobretudo ao levantar a fusão entre natureza e cultura nas peculiaridades do povo teutônico (germânico), da raça nórdica, as quais teriam marcado as suas produções em diferentes épocas com o Volksgeist 97 [Espírito do povo]. (GUINSBURG, 1978, p.15).

São as ideias de Herder sobre o conceito do popular estar interligado com o cultural que norteiam o novo olhar de que “a língua é o repositório cultural de um povo, fruto do acúmulo de tradições e criatividade durante séculos e acúmulos de história” (GUINSBURG, 1978, p.43). Esse reflexo se concretiza nas experiências dos povos, que revelam a teoria estética de Herder sobre a experiência do sentir [Gefühl] e nos períodos primitivos de cada nação. Faz-se necessário destacar que Herder interage com filósofos da Ilustração e estuda a Enciclopédia. Tanto Gotthold Lessing (1729-1781) quanto Johann Lavater (1741-1801) interagiram com esse filósofo, além de Herder ter sido um dos idealizadores do movimento Sturm und Drang junto com Johann Goethe (1749-1832) e Schiller (1759-1805). Na percepção de Arendt (2012), Hauff faz uso das estratégias literárias de caráter romântico para expressar suas intenções e preocupações com relação ao momento histórico de seu país e com a perda iminente dos elementos orais, míticos e culturais, consequentemente, da ingenuidade da imaginação. As tradições orais possibilitaram perpetuar mitos, contos maravilhosos, lendas e fábulas às gerações seguintes. A partir do século XVIII e do Romantismo, esses tipos de gêneros passam a fazer parte do imaginário e da produção cultural e intelectual do Ocidente. Desde então, a tradição popular entrou na literatura e passou a constituir uma representação trazendo elementos mágicos e/ou diabólicos que ganham vida no mundo da literatura. Segundo Volobuef (1999):

(...) o manancial dos antigos mitos, das crenças no sobrenatural e do continuado poder alegórico dos contos de encantamento se mantém presente, transfigurado pela ótica de escritores, poetas e dramaturgos, assim como de cineastas, cartunistas e artistas em geral. (VOLOBUEF, 1999, p.1).

97 O termo Volksgeist atribui uma alma comum à comunidade de um povo. Ele é um conceito geral semelhante ao Zeitgeist ou Weltgeist e, portanto, pertence ao mundo intelectual do século XIX. Muitas vezes, o termo alma popular é usado, o que significa tanto quanto alma, mente, consciência de um povo. Disponível em: . Acesso em: 02 mai. 2019. 84

Nas palavras de Meinecke, a concepção evolutiva de Herder se resumia em combinar a singularidade do espírito de cada época e de cada povo, focalizando o olhar sobre a cadeia de variações que iniciada nos tempos primitivos, ainda continuava na atualidade. Esta cadeia de variações “é o fio ininterrupto da cultura do gênero humano que passa sobre os povos e épocas”. (MEINECKE apud GOMÉZ, 2011, p.8). Ortiz (1985) considera as ideias de Herder, relativas aos mitos, à tradição oral e às lendas, expressas em suas obras “A poesia da natureza” e “A poesia da cultura” como o impulso que estimula os românticos a mudar a sua metodologia na construção literária, como foi o caso dos Grimm. Essa afirmação encontra ressonância no pensamento de Peter Burke (2010) ao considerar que Herder com o relativismo histórico e evolutivo possibilitou uma nova dimensão cultural contextualizando as lendas, costumes e língua tornando a cultura popular um fator motivador da unidade nacional. É importante destacar que Hauff fez parte do grupo de pensadores literários da Suábia, onde também mantinha relação com o grupo do romantismo de Heidelberg, permanecendo atento às pesquisas e às mudanças literárias e sociais contrárias ao Iluminismo. Hauff recorre também à prática de selecionar e catalogar “canções populares” e “canções de guerra”. Como na narrativa hauffiana, os cânticos orais se fazem presentes na obra de vários escritores, dentre eles Ludwig Tieck que era um entusiasta dos livros populares, cujas canções se encontram em sua obra Sämmtliche Werke (1792). Outrossim, no final do século XVIII, o centro invadia a periferia. O processo de transformação social concebe aos descobridores uma consciência ainda maior da importância da tradição fazendo com que intelectuais europeus manifestassem interesse por elementos oriundos do “povo” (BURKE, 2010, p.42). Esse fato fez crescer o interesse na coleta de costumes e tradições populares, dentre elas as narrativas orais, resultando na criação da Sociedade dos Antiquários, em 1718 na Inglaterra, por John Brand98 e, posteriormente, em 1820, a Sociedade Céltica, presidida pelo escritor Sir Walter Scott (ORTIZ, 1985). Assegura Burke (2010, p.33):

O povo era natural, simples, analfabeto, instintivo, irracional, enraizado na tradição e no solo da região, sem nenhum sentido de individualidade (o indivíduo se dispersa na comunidade). Para alguns intelectuais, principalmente no final do século XVIII, o povo era interessante de uma certa forma exótica. (BURKE, 2010, p.33).

98 John Brand publica Observations on Popular Antiquities, livro que se torna referência para os folcloristas.In: ORTIZ, Renato. 1985, p.3. 85

Milman Parry (1971) e Peter Burke (2010) relatam que tanto a Ilíada quanto a Odisseia eram poemas homéricos originados, circulados e atualizados na cultura oral. Essas constatações vêm ao encontro das pesquisas e ideias valorativas sobre a Poesia Oral. O medievalista suíço, Paul Zumthor destaca que:

Por “índice de oralidade” entendo tudo o que, no interior de um texto informa-nos sobre a intervenção da voz humana em sua publicação-quer dizer, na mutação pela qual o texto passou, uma ou mais vezes, de um estado virtual à atualidade e existiu na atenção e na memória de certo número de indivíduos. (ZUMTHOR, 1993, p.35).

Na Inglaterra e na Alemanha, na segunda metade do século XVIII, há um interesse crescente pelo folclore. Segundo Zumthor (1993) é possível afirmar que a descoberta do folclore ocorre nessa época. Dito isso, tratava-se de um folclore nacional e local (no âmbito de uma nação). A canção popular, o conto, a lenda heroica e histórica e a saga eram elementos novos e eficazes para a humanização e uma condensação do espaço que a pátria representa. Por esse motivo, surgem duas forças conflitantes: a pagã- “popular” [grifo do autor], de uma parte; e cristã-erudito-escrito, da outra (ZUMTHOR, 1993, p.118). Segundo Safranski, são os românticos que romantizam a poesia popular, originando contos de fadas, canções e mitos (2010). Ao abordar a resistência de uma linguagem canônica única na criação da prosa romanesca, Bakhtin (2002, p.166-67) ressalta que “o mito nacional resiste ao plurilinguismo e que essa descentralização ideológica-verbal só ocorre quando a cultura nacional perde o seu caráter fechado e autônomo e quando toma consciência de si entre as outras culturas e línguas”. Esse autor acrescenta ainda que:

Nesse momento, dá-se o despertar das fronteiras da língua, fronteiras sociais, nacionais e semânticas; a língua revelar-se-á em todo o seu caráter humano; atrás das palavras das formas, dos estilos começarão a transparecer os personagens nacionais e tipicamente sociais, as representações dos falantes, e ainda atrás de todos os estratos da linguagem, mesmo os mais intencionais, as linguagens de gêneros ideológicos elevados. (BAKHTIN, 2002, p.166-67).

Na verdade, para Bakhtin (2002, p.166-67), a libertação da linguagem literária se dá com a desintegração e a queda da autoridade religiosa, política e ideológica a que está ligada. Herder tinha a habilidade de diferenciar o espírito de cada época e de cada povo, constatando a cadeia de variações que tinham origem nos tempos primitivos e que se perpetuam na atualidade. Herder era um colecionador de canções populares e tinha consciência de suas próprias raízes culturais, dessa forma não deixou de envidar esforços em incentivar esses valores no povo germânico (SAFRANSKI, 2010). Aqui, subjaz a presença latente das 86 manifestações do tradutor e escritor Herder na defesa de elementos relativos à natureza e ao que deixou registrado em sua obra as “Vozes do Povo”. Meleiro (1994, p.93) relata que a Germânia recupera seu espaço cultural, produto do alargamento do espólio primitivo indo-germânico, ao tomar consciência do seu passado, tradições, lendas, lutas, combates, contos, canções, línguas, dialetos, sabedoria popular, gesta de deuses e heróis, sem esquecer as explorações dos cavaleiros teutônicos. É no espírito criativo do homem que se manifestam as formações culturais históricas, tornando-o singular e único, o que advém da formação dos povos de épocas anteriores que se estabelecem através da história e de experiências anteriores (GOMÉZ, 2011). Na concepção de Safranski (2010):

Era a hora do romantismo político. O trabalho sobre a consciência individual alemã com a exaltação dos espíritos populares e da mitologia germânica, a coleta da poesia popular, a visão da educação nacional de Fichte–tudo isso podia confluir e criar um clima público que urgia a participação ativa das forças nacionais e patrióticas. (SAFRANSKI, 2010, p.170).

Tomo como exemplo nos antigos livros populares, a lenda das Crianças de Haimon [Haimonskindern]; Brentano e Achim von Arnim, cuja coletânea tem origem em poemas e canções populares como A trompa mágica do jovem [Des Knaben Wunderhorn], e as narrativas orais populares transcritas pelos irmãos Grimm. Esse retorno às manifestações populares se dá com a iniciativa de escritores que se voltam para o período medieval. Mme de Stäel ([1813]; 1968), ao comentar sobre a cultura germânica, afirma que:

As histórias cavalheirescas são nacionais na Alemanha e que o gosto pelas lendas do passado se projeta no futuro, como uma esperança de renovação de valores, e mutação no contexto mental e no pensamento artístico (STÄEL, 1968 apud MELEIRO, 1994, p.144).

Lüthi (1964) confirma essas observações quando discorre sobre a forma adotada pelos escritores em selecionar histórias orais e canções populares na Alemanha e esclarece:

É importante destacar que, o ato de pesquisar e recontar histórias na Alemanha encontra sua prática na seleção de histórias, canções populares e baladas medievais oriundos da iniciativa de Achim von Arnim (1781-1831), Clemens Brentano (1778- 1842) e Joseph Görres (1776-1848) (LÜTHI, 1964, p.31-41).

Essas constatações se fazem necessárias para a construção do mundo literário e contemporâneo com que Hauff interagia naquele período. Observa-se que Hauff lia seus contemporâneos como Ludwig Tieck, Jean Paul e E.T.A. Hoffman (ARENDT, 2012, p.86). Essa afirmação se verifica no conto O louro Eckbert, escrito em 1796, e que tem por tema os prazeres e temores de uma solidão na floresta, que Tieck vivenciou na época das montanhas do 87

Fichtelgebirge e insere na narrativa a “canção da solidão da floresta” (SAFRANSKI, 2010, p.95). Dessa forma, observa-se uma relação de intertextualidade entre o conto de Tieck e a novela de Hauff, uma vez que na narrativa de Tieck se inserem tanto a presença de elementos de exaltação à floresta, quanto a presença de cânticos orais. Essa constatação assegura a inter- relação de Hauff com as leituras e com o mundo estético-literário das narrativas de Tieck. Das kalte Herz revela o olhar para a oralidade poética e nesse ponto retomo Meschonnic (2010) que define:

O pensamento poético é a maneira particular pela qual um sujeito transforma, inventando-se, os modos de significar de sentir, de pensar, de compreender, de ler, de ver – de viver na linguagem [...]. É isso que fica para traduzir. É isso que constrói a modernidade de um pensamento, mesmo já pensado de há muito. Pois ele continua a agir. A ser ativo no presente (MESCHONNIC, 2010, p.xxxvii).

A explicação de Meschonnic (2010) quanto à tradução de um texto poético e sua atualização na modernidade, construído na linguagem, vem afirmar que a tradução reconstrói algo pensado anteriormente, reintroduzindo-o na sociedade moderna, dessa forma, mantendo o pensamento poético vivo. É necessário pensar que Wilhelm Hauff se encontrava inserido no seu tempo histórico e interagia com leituras e interferências literárias contemporâneas que defendiam a presença do místico e do esotérico nas narrativas da época. Argumenta Safranski (2010, p.51) que “os curandeiros que antes haviam sido presos nas workhouses [Arbeithaus], reaparecem e são ouvidos nas cidades como profetas que falam sobre o fim do mundo ou a volta do Messias”. Novalis (2010, p.103) também se tornou uma figura mítica e muitos o tratavam como feiticeiro e mago, lembrando que a personagem “homenzinho de vidro” [Glasmännlein], em Das kalte Herz, traz a representação tanto de um bruxo como de um mago da floresta. Peter Burke (2010, p.34) considera que “o apelo estético do inculto, do não clássico e do primitivo” tinha origem nos poemas ossiânicos,99 cuja popularidade foi intensa por toda a Europa no final do século XVIII e início do século XIX. Meleiro (1994, p.15) relata que Schiller, grande conhecedor da mitologia grega, argumentava que uma nação prescinde de mitologia, quando encontra sua expressão. Esse olhar revela que o mito intervém no devir histórico.

99 Cf. ou Oiséan MacFinn era um bardo gaélico (dito do século III) cujas obras foram traduzidas pelo poeta escocês Macpherson nos anos de 1760. (BURKE, 2010, p.34). 88

Em Das kalte Herz, os espíritos da floresta têm representação nos mitos e ganham vida nos personagens da ficção, uma vez que exercem seu papel e interagem com Pedro Munk na narrativa.

3.2 A CULTURA EM DAS KALTE HERZ O conceito de “cultura” é bastante abrangente pois se trata de um fenômeno que é pesquisado em várias áreas científicas, como literatura pós-colonial, antropologia, sociologia, psicologia e, dentre as quais, destaca-se a dos Estudos da Tradução. Não obstante as diferentes abordagens científicas sobre o fenômeno da “cultura”, estabeleço limites relativos aos aspectos culturais que serão investigados na narrativa Das kalte Herz, e discutidos ao longo dessa pesquisa, no contexto literário, sob a ótica dos Estudos da Tradução. Diante disso, tento levantar alguns parâmetros conceituais sobre cultura, a fim de construir sua representação nos conceitos estabelecidos por teóricos que pensam e discutem a cultura nos aspectos literários e sua relação com os Estudos da Tradução. Para isso, busco nas palavras do medievalista Zumthor (1997, p.65) a sua definição sobre “cultura” que a concebe como fator de unificação das atividades sociais e individuais ligados à civilização, em um determinado tempo e espaço.

Eu [Zumthor] entendo por cultura, segundo uma opinião bastante geral, um conjunto – complexo e mais ou menos heterogêneo, ligado a uma certa civilização material - de representações, comportamentos e discursos comuns a um grupo humano, em um dado tempo e espaço. Do ponto de vista do uso, uma cultura surge como a faculdade entre todos os membros do grupo, de produzir signos, de identificá-los e interpretá- los da mesma maneira; ela constitui, assim, o fator de unificação das atividades sociais e individuais. (ZUMTHOR, 1997, p.65).

O historiador e estudioso da cultura popular moderna Peter Burke (2010) considera a “cultura” como algo impreciso e com muitas definições concorrentes. Segundo esse autor (2010, p.11), “cultura” se trata de “[...] um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados. Logo, faz parte de todo um modo de vida, mas não é idêntica a ele”. Wolfgang Welsch (1995) estabelece a “cultura” em três patamares, ou seja, “estar ligada à representação e valores que constituem um determinado grupo social; a utilização da essência da cultura no próprio desenvolvimento da sociedade; e, cada cultura é específica e inerente a um determinado grupo social”, como esclarece, a seguir:

Em primeiro lugar, a cultura deve caracterizar a vida de uma respectiva sociedade como um todo e deve fazer com que toda ação e tudo que está em sua volta se torne 89

um elemento inconfundível dessa cultura. Em segundo lugar, ela deve ser a cultura de um determinado povo que busca no caminho da cultura sua essência específica para o desenvolvimento. Com isso, o terceiro lugar está interligado a uma fronteira com o que está lá fora: Cada cultura deve ser específica da cultura de um determinado povo e que permaneça diferente das culturas de outros povos. (WELSCH, 1995, p.1).100

Para Welsch, a cultura perdura, sob um conceito geral, até o final do século XVII, ideias do professor de direito natural Samuel von Pufendorf (WELSCH, 1995). Com a emancipação das fronteiras, surgem novos paradigmas identificados por “interculturalidade” e “transculturalidade” para descrever o processo de mudança no qual o mundo está inserido. No entanto, nossa reflexão tem por objetivo reforçar que a evolução cultural continua sua trajetória, como no século XIX e intensifica suas inter-relações, ultrapassando fronteiras, que resultam na emancipação de civilizações e, como consequência, faz surgir novos paradigmas, como a perspectiva crítica do pós-colonial na literatura e na cultura (LESKOVEC, 2011). Safranski (2010, p.29) esclarece que o discurso herderiano de que “a pluralidade faz florescer a riqueza humana” resulta na disseminação da ideia de que o ser humano é uma espécie de indivíduo que vive em grupos familiares, tribos, povos e em nações que constituem os espíritos dos povos [Volksgeist]. Possivelmente, Herder antecipava o que viria a ser estudado, posteriormente, por Stuart Hall, Homi Bhabha e Spivak, nos séculos seguintes, ao indagarem a relação da cultura com a identidade e subordinação, cuja pesquisa ficará para uma outra oportunidade. Certamente, a iniciativa de Herder de colecionar canções populares e documentos de outras culturas de outros povos, possibilitou aos românticos o acesso a novas identidades culturais e a acreditarem na proposta de irem em busca de um novo caminho político e literário para a Alemanha naquele século. Hauff fez transparecer na narrativa Das kalte Herz a dicotomia entre a manutenção da essência da tradição popular retratada nos mitos da floresta, assim como, no enfrentamento do novo caminho cultural resultante das transformações sociais, políticas e culturais que se anunciavam na Europa naquele período. Em contraponto à frustração causada pela tão sonhada Revolução Francesa que não resultou em fatos políticos positivos para os românticos, na Alemanha despontam reações

100 Die Kultur soll erstens das Leben der jeweiligen Gesellschaft im ganzen wie im einzelnen prägen, sie soll jede Handlung und jeden Gegenstand zu einem unverwechselbaren Bestandteil gerade dieser Kultur machen. Sie soll zweitens die Kultur eines bestimmten Volkes sein, das auf dem Weg der Kultur sein spezifisches Wesen zur Entfaltung bringt. Damit ist drittens eine Abgrenzung nach aussen verbunden: Jede Kultur soll als Kultur eines bestimmten Volkes von den Kulturen anderer Völker spezifisch unterschieden sein und bleiben. 90 inovadoras como as de Schiller (1990) sobre um novo conceito que reconstrói a cultura, também denominado de Bildung, por meio da educação estética do homem, abordando o jogo de símbolos, rituais, tabus, voltados para os instintos, unindo-se aos valores empreendidos por Herder. À reconstrução da cultura alemã, Schiller (1990) defendia o “antagonismo das forças” como o instrumento propulsor da cultura e acreditava na ideia de que “os contrários” se fazem necessários para provocar a evolução de uma sociedade. Constata-se, assim, que Hauff se encontrava no momento de discussão estética, filosófica e de evolução literária na Alemanha. É válido observar que o exercício de selecionar elementos da sabedoria popular não ocorre apenas na Alemanha, mas também na França, onde “Rabelais, recolhia sabedoria na corrente popular dos antigos dialetos, dos refrões, dos provérbios, das farsas dos estudantes, na boca dos simples e dos loucos” (BAKHTIN, 2010, p.1) [grifos do autor]. Não se pode esquecer que a tradução está ligada à língua e à cultura, assim, quando abordo a questão do gênero, não devo enclausurar o texto, mas sobretudo transcendê-lo, buscando a sua pluralidade. Toury ([1995]; 2012) argumenta que o papel social do tradutor está ligado à função de proceder a tradução com base em normas estabelecidas pelo ambiente cultural. Destaca Pym (2017, p.148), que o conceito de normas é importante para as relações entre a pesquisa descritivista e outros paradigmas da teoria da tradução. Outrossim, segundo Toury:

As atividades de tradução deviam ser consideradas como tendo significado cultural. Consequentemente, ser tradutor culmina principalmente na capacidade de exercer um papel social, ou seja, cumprir uma função que lhe foi concedida por uma comunidade.[...] A aquisição de um conjunto de normas para a determinação da adequação deste tipo de comportamento, [...] é, portanto, um pré-requisito para se tornar tradutor dentro do ambiente cultural (TOURY, [1995], 2012, p.53).101

Berman (2002) dá ênfase ao papel do tradutor frente ao texto de não menosprezar a “rede cultural” e suas transformações, uma vez que tanto a obra quanto a tradução encontram- se entrelaçadas pelas épocas e espaços em que estão inseridos. Berman esclarece que:

Fazer a história da tradução é redescobrir pacientemente essa rede cultural infinitamente complexa e desconcertante na qual. em cada época, ou em espaços diferentes, ela se vê presa. E fazer do saber histórico assim obtido uma abertura do nosso presente. (BERMAN, 2002, p.14).

101 Translation activities should rather be regarded as having cultural significance. Consequently, translatorship amounts first and foremost to being able to play a social role, i. e., to fulfill a function allotted by a community […]. The acquisition of a set of norms for determining the suitability of that kind of behavior, […] is therefore a prerequisite for becoming a translator within a cultural environment. 91

Por outro lado, Lambert (2011) faz alusão à tradução com abordagem sobre o jogo de símbolos inerente a uma sociedade, e que se reproduz no inconsciente coletivo oriundo de normas que se encontram envolvidas por algum contexto. Lambert acrescenta que as discussões sobre novas perspectivas na abordagem da tradução fazem surgir o novo paradigma que resulta na tradução cultural que vai também retomar a questão intercultural, ao se referir à comunicação intercultural no âmbito das fronteiras. Finalmente, a perspectiva cultural de Levý ([1957]; 2011) detém-se no destaque que o pensador tcheco dá a importância aos elementos culturais no processo da tradução unido à interpretação estética do tradutor no encontro entre duas culturas que se constituem e dialogam. Para Levý ([1957]; 2011, p.23), a tradução é um processo de comunicação que tem o objetivo de transmitir uma informação. O tradutor estará diante de um certo número de opções, cujo contexto impõe um certo número de escolhas que farão parte de “um jogo de informação completa” (grifo do autor), que se dá por conhecimento e por decisões prévias. Segundo Levý, “os tradutores decodificam a mensagem contida no texto do autor original e a reformulam (codificam) em seu próprio idioma. A mensagem contida no texto traduzido é então decodificada pelo leitor da tradução. É estabelecida uma cadeia binomial de comunicação” (LEVÝ, 2011, p.23) (tradução nossa). Assim, a mensagem traduzida que se constitui na contextualização semântica, advém sobretudo da enunciação que se revela nas relações de linguagem e elementos culturais inerentes ao determinado contexto social. Essa abordagem ganha representação nos aspectos culturais e na experiência hauffiana, uma vez que envolve elementos que se constituem de resquícios culturais e mitológicos oriundos da mitologia nórdica, bem como, de elementos da oralidade como os cânticos poéticos. Ao tratar do gênero infanto-juvenil na narrativa hauffiana, objetivo efetivar a tradução sem enclausurar o texto e busco reforçar sua pluralidade, possibilitando sua recepção estética preservando os elementos culturais da obra. Diante disso, essa investigação abordará a cultura e seu processo de recriação pelo tradutor (LEVÝ, 2011) sob a ótica dos Estudos da Tradução, observando como a cultura fonte (CF) coloca-se frente à cultura meta (CM), exigindo ao tradutor fazer escolhas no caráter interpretativo, usando de sua criatividade no processo tradutório. 92

4 HAUFF TRADUZIDO E RECEPÇÃO

4.1 TRADUÇÃO E RECEPÇÃO DE HAUFF NO MUNDO Com o objetivo de mapear a trajetória da obra Das kalte Herz nos séculos XIX, XX e XXI em outros países, procedi, inicialmente, ao levantamento da publicação da novela Das kalte Herz em outras culturas, bem como, sua recepção estética através da publicação de pesquisas científicas sobre sua obra. Quando do levantamento de traduções e de pesquisas e obras relacionadas com a novela hauffiana desenvolvidos em outros idiomas, constato que a narrativa Das kalte Herz, inicialmente, gozou de grande prestígio na Inglaterra ainda na era da rainha Vitória, como também foi utilizada como material didático ou paradidático (de apoio) para cursos de língua alemã em Toronto, no Canadá, a partir de 1886. Por outro lado, a investigação revela que é em Londres, no ano de 1844, acontece a primeira tradução de Das kalte Herz do alemão para o inglês. Relata Talling Talles (2013, p.181)102 que a narrativa “The Cold Heart” [“Das kalte Herz”], com tradução para o inglês, teve boa aceitação pelo público leitor e “se mostrou como uma das narrativas mais populares, sendo impressa uma dúzia de vezes em uma variedade de formas até 1914”. Hauff não era um colecionador que selecionava contos orais inseridos no contexto da tradição sociocultural como os Grimm, mas compôs seus próprios contos com base em um rico material imagético de fontes tradicionais e literárias da época. A pesquisa revela que Hauff reuniu na segunda coleção alguns contos de autores de países como a Escócia no seu segundo almanaque de contos e esses contos nem sempre foram incluídos nas edições em inglês de Hauff (TALLES, 2013, p.181). Essa constatação comprova que Hauff era um escritor muito atento às produções literárias de seu tempo e tinha conhecimento e acesso aos contos orais da tradição cultural, sobretudo da sua região, a floresta negra. É importante observar que Hauff compôs bastante e em várias categorias e gêneros, durante o pouco tempo de existência dos seus 25 anos. Por outro lado, os editores ingleses, àquela época, optam pela divisão da obra Das Wirtschau im Spessart em duas categorias denominadas de Saïds Schicksale e Die Höhle von Steenfoll, com indicações ao público infantil e ao adulto. A opção de editoras por uma publicação direcionada a dois públicos alvos, comprova a dificuldade dos editores à época quanto à classificação do gênero de Das kalte Herz. Na verdade, por tratar-se de uma obra

102 Cfe. Talles, Talling.The Fairytales of Wilhelm Hauff. Open Book Edition Publishers. 2013, p.181-203. (Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2019). 93 híbrida, com elementos do romantismo e do realismo, provocava inquietação junto aos editores quanto a sua classificação. Por isso, sua classificação no gênero Märchen-Novelle. Considerando as publicações da narrativa hauffiana em anos subsequentes voltadas ao público de língua inglesa, apresento uma amostragem, possibilitando aos leitores uma visualização do número de publicações para o inglês, o que, de certa forma, contribuiu para a retomada de novas pesquisas sobre sua obra, possibilitando sua divulgação e o acesso a leitores de outros países.

Quadro 1 - A Tradução de Das kalte Herz para o inglês Obra Organizadores Local Editora Ano Popular Tales Rugeley: John Thomas Londres J. Burns 1844 Walters The Juvenile Englishman's Sem registro Londres James Burns 1845 Library Select Popular Tales MA Faber Leipzig Tauchnitz 1867 The Juvenile Englishman’s Percy E. Pinkerton, Londres Swan 1881 Library Sonnenschein & Allen Select Popular Tales from the S. Mendel Londres George Bell & 1886 German of Wilhelm Hauff Sons Select Popular Tales Agnes & Long Londres Henry, Digby 1890 The Little Glass Man and Other James Burns Nova York; Cassell; T. 1893 Stories Londres Fisher Unwin Título sem registro WT Stead Londres Books for the 1898 Bairns Título sem registro Cicely McDonnell Londres Dean & Son 1903 Título sem registro Sybil Thesiger Londres James Finch & 1905 Co. Título sem registro L.L. Weedon Londres; Ernest Nister; 1910 Nova York EP Dutton & Co Título sem registro Sem registro Londres Holden & 1914 Hardingham Fonte: Talles, Talling. The Fairytales of Wilhelm Hauff. 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2019.

Diante da diversidade de publicações para a língua inglesa, constato que a obra de Wilhelm Hauff não passou desapercebida aos olhos dos editores de língua inglesa no século 94

XIX e início do século XX. Na verdade, Hauff despertou a curiosidade dos editores à época talvez por se tratar de uma obra híbrida que contém elementos do maravilhoso e do fantástico, além do fato de inserir elementos sociais. Enquanto isso, a crítica literária alemã à época, considera que a obra de Hauff tem relação com o movimento literário do Biedermeier e a vincula aos contos de fadas infantis, o que contribui para o ostracismo de sua obra junto à comunidade científica alemã. Em meados do século XX, as publicações e traduções hauffianas se efetivam em países como Estados Unidos (1844) e Canadá (1886), como já comprovado e comentado. Mesmo tendo sua obra traduzida para o inglês, Hauff ficaria esquecido na Alemanha por mais de um século. Na verdade, as pesquisas na Alemanha têm início em 1922 e provocam o renascimento e o redescobrir de sua obra. Ressalto que, embora a novela hauffiana não apresente àquela época tradução na região do Canadá, há um número considerável de publicações da narrativa na língua alemã nesse país, acompanhada do vocabulário, notas explicativas e exercícios de tradução, como material de apoio para a aprendizagem da língua alemã,103 no período de 1886 e 1912. A pesquisa revela a recepção estética de Das kalte Herz, em alemão, no Canadá ainda no século XIX. Outrossim, as pesquisas de campo e as novas publicações indicam o novo momento da recepção estética da obra hauffiana em outros países, o que há de se considerar que a novela Das kalte Herz começa a gozar de algum prestígio junto à comunidade científica. Primeiramente, a novela ganha espaço literário com a publicação, ainda na língua alemã, em países do leste europeu como Tchecoslováquia [s.d.] e Rússia (1979) e, em seguida, em países como a Finlândia (1910) e a Espanha, denominado de El Corazón Frio [s/d], respectivamente. Registro a publicação da narrativa, sem data, do alemão para o espanhol na forma online,104 no século XX. A confirmação da recepção e da tradução da obra de Hauff em espanhol se concretiza com o artigo de Hans Christian Hagedorn, em 2010, denominado de “Nachträge zur Rezeption Wilhelm Hauffs in Spanien und Hispanoamerika. Editionsgeschichte, Übersetzungen, Studien, Wirkung” [Abordagens sobre a recepção de Wilhelm Hauff na Espanha e na América Hispânica. História da edição, traduções, estudos, impacto] sobre o que objetivo desenvolver novas pesquisas em outro momento. Ressalto que, em 2011, das kalte Herz ganha a versão para o teatro, com o texto “Das kalte Herz-kein

103 Ver Anexo B. 104 Disponivel em: https://www.curso-de-aleman.de/uebungen/inhaltsangabe_uebungen/maerchen/das_kalte_ herz/ das_kalte_herz_inhaltsverzeichnis.htm> Aprender alemão grátis. Acesso em: 09 fev. 2019. 95

105 Märchen” com texto de Gerhild Steinbuch e direção de Shirin Khodadadian. Ou seja, a expansão territorial no caráter estético da narrativa Das kalte Herz possivelmente, é resultado de sua tradução e publicação para o inglês em vários estados americanos (Nova Iorque, Boston, etc), o que contribuiu para sua descoberta e inserção em pesquisas científicas junto à academia, inclusive na Alemanha. Em seguida, apresentamos os paratextos nas capas de publicações de Das kalte Herz em outros países que demonstram percepções diferenciadas e inseridas no respectivo imaginário cultural do local de publicação e, possivelmente, de seu editor.

Imagem 2 - Capas de publicações de Das kalte Herz.

Edição em finlandês: 1910. Edição em inglês: 2008 Editora: Teuvo Parkala. Editora: Mondial

105 Disponível em: Acesso em: março de 2020. 96

Edição:idioma inglês 2008. Edição: idioma inglês ([s.d.]). Editora: Dodo Press. Editora: Wentworth Press.

Edição em alemão. Impressa na Edição em inglês e russo: 1979. Os irmãos Czechoslovakia. Editora Karl Müller Grimm e Wilhelm Hauff- Contos de fadas Erlangen ([s.d.]). em russo [ and Wilhelm Hauff - Fairy Tales in Russian 2 volumes (Russisch) – Leningrad, Publicação: Publishing house “Hudozhnik RSFSR”.

Na publicação finlandesa, de 1910, constato uma interação entre a personagem homenzinho de vidro com características humanas e a outra personagem que supõe representar 97 o Pedro Munk, embora aponte uma dubiedade entre o protagonista Pedro Munk ou um outro personagem da floresta. Na publicação tcheca, sem data, resulta na representação das duas personagens(homenzinho de vidro e Michael holandes) escondidos na floresta negra, com o registro da hospedaria. Na obra russa, com publicação em 1979, percebe-se não haver preocupação em caracterizar as personagens dentro do contexto alemão.Ao contrário, trata-se de uma alegoria da personagem homenzinho de vidro unido à manutenção da caracterização de uma personagem feminina na tradição russa. No entanto, nas publicações em lingua inglesa, uma sem registro de data e a outra com publicação em 2008, verifico uma distinção,onde a primeira não contém ilustração,o não registro do ano de publicação e nem do tradutor, sobre o que se deduz ser uma obra publicada ainda em data remota. No entanto, as duas obras publicadas em inglês, em 2008, trazem ilustrações distintas: uma retrata o homenzinho de vidro como bruxo que lembra Merlin em conversa com Pedro Munk; a outra ilustração é alegórica e fantasiosa do Michel holandes,com uma representação de uma personagem de cor escura com brincos que lembra o grupo étnico aborígeno da Austrália.Essa personagem se apresenta em conversa com Pedro Munk, embora o mesmo se encontre de costas,caracterizando a indefinição da personagem na ilustração. Das kalte Herz está presente em várias publicações na coletânea Das Wirtschaus im Spessart, com publicação de contos e sagas, preservando a tradição de sua publicação juntamente com outras narrativas. Entretanto, essa investigação demonstra que na primeira década do século XX despontam publicações online apenas da novela Das kalte Herz, inclusive com videos e audios, o que caracteriza uma mudança de estratégia das editoras após a obra se tornar objeto de novas pesquisas. Essa nova opção de publicação preserva a singularidade da obra hauffiana e dá maior visibilidade da narrativa ao público leitor (ver as publicações abaixo). A pesquisa destaca também vários filmes adaptados de Das kalte Herz. Também constato a presença da obra em CDs e multimídias infantis. A representação dos paratextos nas capas das publicações abaixo demonstra a ambiguidade no olhar do próprio editor, quanto a obra ser do gênero infantil ou juvenil.

98

Imagem 3 - Capas de publicações de Das kalte Herz

Edição: alemã ([s.d]) - Editora: elv. Edição: alemã (2017) Hörspielmärchen (contos para ouvir) www.youtube.com

Seguramente, há um expressivo crescimento no aprofundamento dos estudos e análises da obra de Hauff, sobretudo nas pesquisas voltadas para a novela de contos maravilhosos Das kalte Herz. Esse processo se justifica talvez estimulado pelas contextualizações e interpretações adversas, bem como, pelo fato de que foi uma narrativa que esteve à margem de outras obras literárias, o que, de certa forma, ocultou o olhar crítico e pioneiro desse escritor jovem e ousado na abordagem e no tratamento de problemas sociais e culturais de seu tempo. Em seguida, faço um levantamento das pesquisas relacionadas à obra de Hauff, em especial à Das kalte Herz. Com base nessa pesquisa, verifico quais temáticas os pesquisadores aprofundam suas análises, unidas à intertextualidade e diálogo da novela Das kalte Herz com outras narrativas em outros países que abordam elementos do maravilhoso, do fantástico e da realidade social. As investigações sobre a obra hauffiana têm início no ano de 1922, no século XX, com abordagens voltadas para estudos linguísticos e literários, cujas pesquisas transitam sobre temáticas variadas. Os estudos abordam e discutem fenômenos relacionados ao aspecto poético; de estilística; sua relação com a floresta de Württemberg; o pacto com o demônio; o espaço árabe na ficção hauffiana; os almanaques hauffianos, dentre outros.106

106 Ver Anexo C. 99

Chama a atenção pesquisas sobre a intertextualidade com outros escritores como é o caso de Das motiv des kalten Herzens in Hans Christian Andersens Die Schneekönigen und Wilhelm Hauffs Das kalte Herz [O motivo do coração frio em Hans Christian Andersen A princesa da Neve e Das kalte Herz de Wilhelm Hauff ”],107 de Katja Pawlik (2016). Ressalto que, segundo Ewers (2008, p.122), “os primeiros contos maravilhosos de Hans Christian Andersen encontraram grande ressonância no mundo de língua alemã, o que fez com que esses contos merecessem um lugar na história do nascimento da literatura infantil alemã”.108 Outra publicação atual e que reúne temáticas de abordagens variadas em alemão, é a obra Wilhelm Hauff oder die Virtuosität der Einbildungskraft, de Andrea Polaschegg e Erhard Schütz (2005), como organizadores, que agrupa vários artigos, pesquisas e críticas que atualizam e modernizam a obra hauffiana.

4.2 TRADUÇÃO E RECEPÇÃO DE HAUFF NO BRASIL Nesse capítulo busco reconstruir a trajetória das traduções da obra de Wilhelm Hauff para o português no Brasil, ressaltando que a narrativa Das kalte Herz, cujo corpus é motivo do meu trabalho, não apresenta, até o presente momento, tradução para o português. Parto de uma pequena retrospectiva, destacando como e quando começou o processo de tradução de livros infantis no Brasil e as motivações, interesses e procedimentos efetivados por livreiros e editoras que optaram por investir em obras infantis alemãs. Inicialmente, abordo a pesquisa de Lucila Bassan Zorzato, denominada de A presença da literatura infanto-juvenil alemã no Brasil: estudo da circulação de obras entre o público leitor (1832–2005), publicada em 2014, que vem se somar à pesquisa de Ruth Vilela Alves de Souza, denominada de A presença dos autores alemães nos livros infantis brasileiros, publicada em 1979. Sabe-se que no Brasil, a literatura infantil surge tardiamente se comparada à Europa, quando a partir do século XVII circulam textos apropriados ao público jovem, alcançando no século XIX lugar privilegiado no mercado editorial, destacando-se autores de referência como

107 Der gemeinsame Kontext erschließt sich durch das Moment des Verlusts des warmen Herzens, das sowohl in der Schneekönigin als auch im Kalten Herzen eine Veränderung versinnbildlicht; es spiegelt einen Wandel des Subjekts, einen gesellschaftlichen Wandel und einen Wandel von Ansichtsweisen, ja in gewisser Weise einen paradigmatischen Wandel wider. In: PAWLIK, Katja. Das Motiv des kalten Herzens in Hans Christian Andersens Die Schneekönigin und Wilhelm Hauffs Das kalte Herz (German Edition) GRIN Verlag. Edição do Kindle. 108 Hans Christian Andersens frühe Märchenerzählungen stiessen im deutschen Sprachraum schnell auf eine grosse Resonanz, so dass ihnen ein Platz auch in einer Geschichte der deutschen Kinderliteratur gebührt. EWERS, Hans- Heino. In: WILD, Reiner (Hrsg.), 2008. p.122.

100

Perrault, os irmãos Grimm e Andersen. No Brasil, o aproveitamento desse material, de origem oral é difundido em fins do século XIX, a partir da tradução do acervo estrangeiro. Segundo Ruth de Souza (1979, p.8), são os irmãos Laemmert, Eduardo e Henrique, nascidos em Baden (Alemanha) e proprietários da livraria Universal Laemmert e da tipografia do mesmo nome que iniciam a divulgação no Brasil dos clássicos da literatura infantil. Eles foram os pioneiros na tradução de livros infantis alemães para o português brasileiro e os primeiros a editarem no Brasil as Aventuras do Barão Münchhausen, no ano de 1848. Por conseguinte, Olavo Bilac com o pseudônimo de “Puck” e Monteiro Lobato, escritores e tradutores, foram os pioneiros em traduzir e reescrever as obras infantis alemãs para a língua portuguesa. Ruth de Souza (1979) destaca que a Companhia Melhoramentos de São Paulo, fundada pelos irmãos Weiszflog, muito contribuiu para a divulgação de autores alemães. É a partir de 1915, sob a direção do professor Lourenço Filho, que constam algumas obras na Biblioteca Infantil do Rio de Janeiro, dentre elas os contos dos Grimm, de Wilhelm Hauff e as fantásticas histórias do Barão de Münchhausen (SOUZA, 1979, p.12). A implementação de uma pesquisa sobre o levantamento das obras infantis estrangeiras traduzidas para a língua portuguesa no Brasil, através de investigação em bibliotecas, sebos e em fontes na internet, possibilitou uma dimensão da presença da obra hauffiana no Brasil do início do século XX. O levantamento das traduções de narrativas e contos de Hauff proporciona a dimensão do registro dessas obras e de sua recepção no Brasil. Entretanto, a pesquisa revela que a representação estético-literária da obra de Wilhelm Hauff é implantada, perpetuada e concretizada no imaginário do leitor brasileiro como literatura infantil e está presente apenas nos contos Orientais, sobre o que buscamos questionar na nossa investigação .Esse fato possibilita análise sobre quais fatores, positivos e/ou negativos, foram gerados pelas respectivas traduções e adaptações e como contribuíram para a construção do olhar literário do autor brasileiro sobre a obra hauffiana. Nossa investigação sobre as obras de Wilhelm Hauff traduzidas no Brasil (ver Anexo B), denota que a tradução da obra hauffiana no Brasil se pautou, essencialmente, nos contos infantis orientais. Essa constatação é relevante e determinante para o não acesso a outros gêneros da obra de Hauff pelo leitor brasileiro. Em seguida, busco esclarecimentos que justifiquem a presente publicação de contos orientais infantis de Hauff no Brasil. Nelly Novaes Coelho (1987, p.23) demonstra esse interesse e busca respostas junto a orientalistas como T. Benfey, Huet e De Sacy, para seu estudo sobre a trajetória da tradução infantil e juvenil e sua reprodução no Brasil. Sua 101 investigação se detém no percurso da coletânea indo-europeia Calila e Dimna e afirma ser uma das fontes mais antigas do folclore Europeu e do sul-americano. Esses contos estão em sânscrito e têm origem na Índia. Essa coletânea ganha novas traduções como a persa e a árabe, chegando às versões do hebraico e do latim, no século XV, com traduções e reproduções neolatinas e anglo-saxônicas. Segundo Coelho, essas fábulas chegam ao Brasil com os portugueses através da tradução francesa de La Fontaine e são adaptadas à literatura brasileira por Monteiro Lobato no livro Fábulas de Narizinho, com publicação em 1921. É válido registrar que a origem do gênero de literatura infantil no Brasil se dá através da tradução dos contos árabes efetivada a partir de livros europeus pelos portugueses entre o final do século XIX e início do século XX (ARROYO, 1968). Fernando de Oliveira (2015, p.31) registra do prefácio de Machado de Assis (1882) sobre suas observações positivas a Carlos Jansen,109 pela adaptação dos Contos Mil e uma noites a partir da versão alemã de Frans Hoffman, por privilegiar “um repositório de cousas alegres e sãs”, diferentemente da fabulação oriental. Suponho que referências como as de Machado de Assis sobre traduções de contos orientais resultaram em estímulo a tradutores no Brasil a buscarem a tradução dos contos orientais hauffianos. Essa temática exige maior aprofundamento e novas pesquisas, o que o farei no momento de continuidade da pesquisa. Outrossim, como em um processo inovador, em 2017, surge a publicação da obra O Macaco como Homem com tradução e adaptação de Myriam Ávila, cuja primeira publicação ocorreu em 2011, o que parece indicar que ainda é muita tímida a divulgação da obra hauffiana no Brasil e no espaço científico. Na verdade, não consta registro do interesse ou de aquisição das editoras sobre as demais obras do escritor Wilhelm Hauff à época no Brasil, o que de certa forma caracteriza um desconhecimento pelas editoras sobre as obras de Hauff. Isso se justifica uma vez que esse autor foi ignorado pela crítica literária alemã à época. Outro obstáculo se evidencia na publicação da novela Das kalte Herz em estar publicada juntamente com outros contos e sagas, inclusive de outros países como os contos da Bélgica e Escócia, o que gerou uma concepção errônea da crítica, classificando-a como gênero

109 Filho de Anton Herbert Jansen e de Henriette Charlotte de Wied-Neuwied, Carl Jacob Anton Christian Jansen, conhecido como Carlos Jansen, nasceu em 1829, na cidade de Colônia, Alemanha, e morreu em 1889, no Rio de Janeiro, sede da Corte Imperial. Jansen se mudou para o Brasil em 1851, como soldado voluntário para servir em Porto Alegre - RS. No período em que residiu nessa cidade, atuou como jornalista e, após desligar-se do serviço militar, trabalhou como professor no Colégio de Porto Alegre. Após curta temporada residindo em Buenos Aires, Argentina, Jansen retornou ao Brasil, porém acabou fixando residência na sede da corte, Rio de Janeiro, dedicando- se ao jornalismo, à escrita de livros didáticos, às traduções e à literatura (HOHLFELDT, 2003).

102 infantil, não obstante já houvesse publicação em inglês com publicações em gêneros específicos. Outro fato considerável e relevante com relação à dispersão junto à obra pela crítica, é a inserção de elementos considerados pecaminosos como os da mitologia germânica e culturais, unido a posicionamentos críticos em relação ao social e ao sistema econômico que se anunciava naquele momento. E, finalmente, por Hauff ter falecido com 25 anos de idade, no auge da sua produção literária, perdendo a chance de dar vasão e continuidade à produção literária e à publicação de sua produção. A falta de interesse dos editores e, consequentemente, dos tradutores em investir na publicação das obras de Hauff, resultaram no seu anonimato junto aos leitores e, sobretudo, em razão da publicação apenas de contos orientais no Brasil. Por esse motivo, ressalto a manutenção da ideia distorcida inserida no status quo do público leitor da obra hauffiana, cuja temática do Orientalismo infantil se perpetuou no imaginário popular brasileiro. Por outro lado, pode-se dizer que os elementos do Oriente se tornam o fato motivador para que a obra hauffiana fosse reconhecida pelas editoras e publicadas no Brasil. Tal justificativa se constrói na observação de Ruth de Souza (1979, p.25) ao afirmar que os primeiros contos publicados foram O cheique de Alexandria, Contos Orientais e Pedrinho carvoeiro, traduzidos por Lina Hirsch, sem citação de data pela pesquisadora. A nossa investigação revela a presença de duas traduções dos contos infantis de Wilhelm Hauff para a língua portuguesa no Brasil no século XX, ambas denominadas de “Contos Orientais” e traduzidas por Lina Hirsch, sendo uma publicação sem data, pela Livraria J. Leite,110 e uma segunda edição, publicada pela editora Irmãos Pongetti, no Rio de Janeiro, com registro em 1954. A constatação de ambas publicações terem o mesmo título “Contos Orientais” e serem da mesma tradutora Lina Hirsch, impossibilitou a confirmação, pelo menos nesse primeiro momento, sobre qual edição é a primeira ou segunda publicação no Brasil, ou trata-se de republicação da mesma obra (ver Anexo A). Ressalte-se que na tradução de 1954, Lina Hirsch opta por fazer adaptações na tradução a começar pelo nome do autor, nominando-o de “Guilherme Hauff”, visto que Guilherme trata-se de um nome mais comum no Brasil. Essa decisão da tradutora reflete a preocupação de Lina Hirsch em adequar a obra hauffiana, possibilitando o acesso ao leitor de

110 Disponível em: Acesso em: 02 set.2018. 103 língua portuguesa. Somado a isso, os contos acompanham ilustrações com a temática voltada para o Oriente e elaboradas por Otto Büngne. É relevante destacar que a análise da tradução dos “Contos Orientais”, de 1954, com a primeira edição alemã de 1825/1826, será motivo de estudo e análise, em um segundo momento, por não se tratar do foco da nossa presente pesquisa. A obra Os Contos Orientais, de 1954, conta com vários elementos paratextuais inseridos pela tradutora com o objetivo de contextualizar o tema bem como aproximar a obra ao leitor, o que colabora para a construção do imaginário sobre o Oriente pelo leitor brasileiro. Os registros paratextuais relativos às ilustrações com elementos do oriente estão presentes na capa da obra que traz a caracterização de uma mesquita do Oriente. Também nas “orelhas ou desdobros”, como conceitua Genette (2009), a tradutora destaca a biografia literária de Hauff na Alemanha e insere o desenho de sua imagem na orelha do livro, na intenção de apresentá-lo ao leitor brasileiro. Para Genette ([1981]; 2009).

“Palimpsestes” ou “Paratextos” trata-se do acompanhamento de certo número de produções verbais ou não, como um nome de autor, um título, um prefácio, ilustrações que nunca sabemos se devemos ou não considerar parte dele, mas que em todo caso, cercam a obra literária, para torná-la presente, para garantir sua presença no mundo, sua “recepção” e seu consumo, sob a forma, pelo menos hoje de um livro” (GENETTE, 2009, p.19).

Todos os capítulos de Contos Orientais acompanham ilustrações feitas pelo ilustrador Otto Büngne, embora não constem notas de rodapé. Nesse sentido, a representação do Oriente nas obras de Hauff ganha um impulso no século XX, reforçando a temática oriental junto ao leitor brasileiro. Considerando o exposto, supõe-se ser essa a primeira edição no Brasil das obras de Wilhelm Hauff com a temática oriental, cujas consequências resultam no desconhecimento pelo público leitor do Brasil sobre seu universo de ideias, voltadas para questões como as que busco discutir na presente investigação. Por todo o ano de 1997, a tradutora Verônica Sônia Kuhle, concluiu a tradução de uma série denominada de “Contos Orientais de Hauff-Série Caravana” do número 1 a 6, todos publicados pela editora Kuarup, onde constam os seguintes contos: Conto do Falso Príncipe; A História do pequeno Muck; A salvação de Fatme; A história da mão decepada; A história do navio mal-assombrado; A caravana e A história do Califa-Cegonha. Em seguida, os contos O Navio Fantasma e O Califa Cegonha, de Hauff, são retraduzidos para o português, ainda no ano de 2007 e são publicados na coletânea Clássicos Universais, Série Encantos, 1ª edição, pela Global Editora, cujo primeiro conto tem tradução de Michele Lacocca com adaptação de Ana 104

Maria Machado e, o segundo conto, com tradução de Maria Lúcia Machens e adaptação de Ana Maria Machado. Após 2007, a obra de Wilhelm Hauff entra no esquecimento pelas editoras brasileiras ocasionando total desconhecimento sobre a obra hauffiana pelo leitor brasileiro. Apenas nos anos de 2011 e 2017, respectivamente, é que Wilhelm Hauff, finalmente, é redescoberto no Brasil e reaparece na Coleção Reencontro Infantil, com tradução e adaptação de Myriam Ávila do conto O Macaco como Homem, ambas publicações da editora Scipione. As constatações levantadas demonstram os motivos que retardam o reconhecimento e interesse pela obra de Hauff, vinculando-o a obras infantis orientais. Tais elementos me fizeram encarar o desafio de possibilitar aos brasileiros o acesso à obra Das kalte Herz e toda a sua fantasia do maravilhoso e do fantástico, unido a aspectos do social e cultural daquela época. Para isso, realizei a tradução de Das kalte Herz sob a ótica metodológica leviniana, dispondo-a em duas colunas, respectivamente, e possibilitando ao leitor uma melhor visualização do processo tradutório.

105

5 DAS KALTE HERZ: TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO A seguir, apresento minha tradução para o português da novela de contos maravilhosos Das kalte Herz, de Wilhelm Hauff, seguida da minha proposta de análise da tradução. A novela se encontra na obra Das kalte Herz und andere Märchen, publicada pela editora Bong: Berlin/ Leipzig, em [1908].

DAS KALTE HERZ O CORAÇÃO FRIO

Wilhelm Hauff, [1908] .Texto organizado Rosanne Castelo Branco, 2020 pelo editor Max Drescher.

Wer durch Schwaben reist, der sollte nie Quem viaja pela Suábia111 jamais a esquece e vergessen, auch ein wenig in den sempre lança um olhar, ainda que de passagem, Schwarzwald hineinzuschauen; nicht der para a Floresta Negra; não por causa das árvores, Bäume wegen, obgleich man nicht überall embora não se encontre em todos os lugares solch unermessiliche Menge herrlich quantidade incomensurável de pinheiros aufgeschossenerer Tannen findet, sondern esplêndidos desabrochando, mas por causa das wegen der Leute, die sich von den andern pessoas, que se diferenciam estranhamente das Menschen ringsumher merkwürdig outras à sua volta. Elas são mais altas do que as unterscheiden. Sie sind grösser als pessoas comuns, de ombros largos, membros gewöhnliche Menschen, breitschultrig, von fortes, e é como se o cheiro livre e revigorante starken Gliedern, und es ist, als ob der que flui dos pinheiros pela manhã lhes desse um stärkende Duft, der morgens durch die Tannen fôlego mais leve, um olhar mais brilhante, como strömt, ihnen von Jugend auf einen freieren se tivesse dado também uma coragem mais Atem, ein klareres Auge und einen festeren, firme e agreste à juventude dos habitantes dos wenn auch rauheren Mut als den Bewohnern rios e planícies. E não é só pela postura e porte der Strömtäler und Ebenen gegeben hätte. que essas pessoas se distinguem dos homens que Und nicht nur durch Haltung und Wuchs, auch vivem na floresta, mas também por seus durch ihre Sitten und Trachten sondern sie costumes e vestes. Os habitantes da floresta sich von den Leuten, die ausserhalb des negra de Baden têm as vestes mais belas; os Waldes wohnen, streng ab. Am schönsten homens deixam a barba crescer de forma natural kleiden sich die Bewohner des badenschen ao redor do queixo; seus gibões pretos, suas Schwarzwaldes; die Männer lassen den bart enormes pantalonas franzidas e as meias wachsen, wie er von Natur dem Mann ums vermelhas e chapéus pontudos, cercados por um Kinn gegeben ist; ihre schwarzen Wämser, disco largo, dão a eles um ar estranho, mas ihre ungeheuren, enggefalteten Pluderhosen, alguma coisa de sério e venerável. Lá ihre roten Strumpfe und die spitzen Hüte, von habitualmente as pessoas costumam se ocupar einer weiten Scheibe umgeben, verleihen com a fabricação de vidro, confeccionam ihnen etwas Fremdartiges, aber etwas Ernstes, relógios e os enviam a meio mundo. Ehrwürdiges. Dort beschäftigen sich die Leute gewöhnlich mit Glasmachen; auch verfertigen sie Uhren und tragen sie in der halben Welt umher.

Auf der andern Seite des Waldes wohnt ein Do outro lado da floresta vive uma parte desse Teil desselben Stammes; aber ihre Arbeiten mesmo grupo, mas seus ofícios lhes deram haben ihnen andere Sitten und Gewohnheiten outros costumes e hábitos diferentes dos

111 Suábia-região histórica no sul da Alemanha que abrangia grande parte do estado de Baden-Württemberg. Possui dialeto local, schwäbisch (Disponível em: wikipedia. Acesso em: 15.03.2018). (Nota da tradutora). 106

gegeben als den Glasmachern. Sie handeln mit fabricantes de vidro. Eles negociam com sua ihrem Wald; sie fällen und behauen ihre floresta. Derrubam e cortam seus pinheiros, Tannen, flössen sie durch die Nagold in den atravessam o Nagold até o Neckar e, da parte Neckar und von dem oberen Neckar den mais alta do Neckar, descem pelo Reno Holanda Rhein hinab, bis weit hinein nach Holland, adentro, e do mar se conhece a floresta negra e und am Meer kennt man die Schwarzwälder suas balsas longas. Eles param em cada cidade, und ihre langen Flössen; Sie halten an jeder ao longo do rio caudaloso e, orgulhosamente, Stadt, die am Strom liegt, an und erwarten aguardam, onde negociarão por vigas e tábuas; e stolz, ob man ihnen Balken und Bretter negociam bastante dinheiro com os Mynheers abkaufen werde; ihre stärksten und längsten por vigas mais fortes e mais longas, com as quais Balken aber verhandeln sie um schweres Geld constroem embarcações. Essas pessoas já estão an die Mynheers112, welche Schiffe daraus acostumadas a uma vida rude e andarilha. Sua bauen. Diese Menschen nun sind an ein alegria está no navegar sobre sua madeira na rauhes, wanderndes Leben gewöhnt. Ihre direção dos rios abaixo, e sua aflição, a de Freude ist, auf ihrem Holz die Ströme retornar andando pela margem. Por isso, suas hinabzufahren, ihr Leid, am Ufer wieder vestes luxuosas são tão diferentes da dos heraufzuwandeln. Darum ist auch ihr vidreiros do outro lado da floresta negra. Eles Prachtanzug so verschieden von dem der usam gibões de linho escuro, extensos Glasmänner im andern Teil des suspensórios verdes sobre os peitos largos e Schwarzwaldes. Sie tragen Wämser von calças de couro preto, de cujo bolso se destaca dunkler Leinwand, einen handbreiten grünen uma régua de bronze como distintivo de honra. Hosenträger über die breite Brust, Beinkleider Seu orgulho e sua alegria, porém, são suas botas, von schwarzem Leder, aus deren Tasche ein possivelmente as maiores, e que estão na moda Zollstab von Messing113 wie ein Ehrenzeichen em qualquer parte do mundo; pois elas podem hervorschaut; ihr stolz und ihre Freude aber ser esticadas dois palmos acima do joelho e, sind ihre Stiefeln, die grössten assim, os balseiros podem caminhar dentro da wahrscheinlich, welche auf irgendeinem Teil água, a três pés de profundidade sem molhar os der Erde Mode sind; denn sie können zwei pés. spannen weit über das Knie hinaufgezogen werden, und die Flözer können damit in drei Schuh tiefem Wasser umherwandeln,ohne sich die Füsse nass zu machen.

Noch vor kurzer Zeit glaubten die Bewohner Não muito tempo atrás, os habitantes desta dieses Waldes an Waldgeister, und erst in floresta acreditavam em espíritos da floresta e, neuerer Zeit hat man ihnen diesen törichten só recentemente, se livraram dessas superstições Aberglauben benehmen können. Sonderbar ist tolas. É curioso, segundo a lenda que também os es aber, dass auch die Waldgeister, die der espíritos que habitam a floresta negra, Sage nach im Schwarzwalde hausen, in diese distingam-se em diferentes trajes. Assim, verschiedenen Trachten sich geteilt haben. So asseguro que o homenzinho de vidro, um bom hat man versichert, dass das Glasmännlein, espírito de três palmos e meio de altura, sempre ein gutes Geistchen von dreieinhalbe Fusse aparece de chapeuzinho pontudo com uma aba Höhe, sich nie anders zeige als in einem grande, de colete e pantaloninhas franzidas e spitzen Hütlein mit grossem Rand, mit Wams meinhas vermelhas. Já o holandês Michel que und Pluderhöschen und roten Strümpfchen. perambula no outro lado da floresta, dizem ser Der Holländer-Michel aber, der auf der um gigante de ombros largos vestido como um

112 Mynheers: Mijnheer 1. Niederländische Anredeeines Herrn; 2. Niederländer (denominação burlesca dos holandeses) (nota da tradutora) (Disponível em: https://www.duden.de/rechtschreibung/Mijnheer). Acesso em: 03.05.2018. 113 Zollstab von Messing – régua de bronze - tipo de artefato com origem no século XIX que tinha a função de medir a madeira que era extraída para venda. (Burke, 2010, p.67). (Nota da tradutora). 107 andern Seite des Waldes umgeht, soll ein balseiro e muitos, que gostariam de vê-lo, riesengrosser, breitschultriger Kerl in der garantem que não pagariam do seu próprio bolso Kleidung der Flözer sein, und mehrere, die ihn o couro de suas botas. Dizem sem exagero que gesehen haben wollen, versichern, dass sie die era “Tão grande que um homem comum em pé Kälber nicht aus ihrem Beutel bezahlen não alcançaria o pescoço dele”. möchten, deren Felle man zu seinen Stiefeln brauchen würde. „So, gross, dass ein gewöhnlicher Mann bis an den Hals hineinstehen könnte“, sagten sie und wollten nichts übertrieben haben.

Mit diesen Waldgeistern soll einmal ein Dizem que uma vez um jovem da floresta junger Schwarzwälder eine sonderbare negra tinha histórias estranhas para contar sobre Geschichte gehabt haben, die ich erzählen os espíritos da floresta, as quais eu quero narrar. will. Es lebte nämlich im Schwarzwald eine Vivia na floresta negra uma viúva, a senhora Witwe, Frau Barbara Munkin; ihr Gatte war Barbara Munkin. Seu esposo fora carvoeiro e Kohlenbrenner gewesen, und nach seinem após sua morte, ela iniciou seu filho de 16 anos Tode hielt sie ihren sechzehnjährigen Knaben no mesmo negócio. nach und nach zu demselben Geschäft an.

Der junge Peter Munk, ein schlanker O jovem Pedro Munk, um garoto magro, Bursche, liess es sich gefallen, weil er es bei ficava satisfeito com o trabalho de seu pai, seinem Vater auch nicht anders gesehen hatte, porque ele nunca o vira fazer outra coisa e, die ganze Woche über am rauchenden Meiler durante toda a semana, permanecia sentado zu sitzen oder, schwarz und berusst und den junto à carvoaria, preto e coberto de fuligem, e Leuten ein Abscheu, hinab in die Städte zu assustava as pessoas quando ia às cidades para fahren und seine Kohlen zu verkaufen. Aber vender seu carvão. Mas um carvoeiro tem ein Köhler hat viel Zeit zum Nachdenken über bastante tempo para pensar sobre si e sobre os sich und andere, und wenn Peter Munk an outros, e quando Pedro Munk se sentava junto à seinem Meiler sass, stimmten die dunkeln carvoaria, as árvores sombrias em volta e o Bäume umher und die tiefe Waldesstille sein profundo silêncio da floresta levavam seu Herz zu Tränen und unbewusster Sehnsucht. coração às lágrimas e à inconsciente melancolia. Es betrübte ihn etwas, es ärgerte ihn etwas, er Algo o entristecia e o preocupava, mas não sabia wusste nicht recht was. Endlich merkte er sich ao certo o quê. Finalmente, ele percebeu o que o ab, was ihn ärgerte, und das war - sein Stand. incomodava, era sua condição. “Um carvoeiro >>Ein schwarzer, einsamer Kohlenbrenner preto e solitário!” disse ele. “É uma vida !<< sagte er sich. „Es ist ein elend Leben. Wie miserável. Como são distintos os fabricantes de angesehen sind die Glasmänner, die vidro, os relojoeiros e até mesmo os músicos das Uhrmacher, selbst die Musikanten am noites de domingo! Mas quando Pedro Munk Sonntag abends! Und wenn Peter Munk,rein aparece limpo e de banho tomado, vestido com gewaschen und geputzt, in des Vaters o gibão de botões prateados do pai e com meias Ehrenwams mit silbernen Knöpfen und mit vermelhas novinhas, e, se de repente, alguém nagelneuen roten Stümpfen erscheint, und vem por atrás de mim e pergunta, quem é esse wenn dann einer hinter mir hergeht und garoto esguio? E elogia as meias e minha marcha denkt,wer ist wohl der schlanke Bursche? Und imponente – ora, se ele me olhar só de passagem lobt bei sich die Strümpfe und meinen e em volta, dirá certamente: – “Ah, é apenas o stattlichen Gang >>–sieh,wenn er vorübergeht carvoeiro Pedro Munk”. und schaut sich um, sagt er gewiss:>Ach, es ist nur der Kohlen – munk – Peter.<<

Auch die Flözer auf der andern Seite waren Também os balseiros da outra margem eram ein Gegenstand seines Neides. Wenn diese alvo de sua inveja. Quando esses gigantes da 108

Waldriesen herüberkamen, mit stattlichen floresta apareceram em suas roupas pomposas, Kleidern, und an Knöpfen, Schnallen und carregando em seus corpos meia centena de Ketten einen halben Zentner Silber auf dem prata, seja em fivelas, botões ou correntes, Leib trugen, wenn sie mit ausgespreizten estando com as pernas esparramadas e olhar Beinen und vornehmen Gesichtern dem Tanz distinto para ver a dança, praguejavam em zuschauten, holländisch fluchten und wie die holandês e fumavam compridos cachimbos de vornehmsten Mynheers aus ellenlangen Colônia, como os mais nobres holandeses. kölnischen Pfeifen rauchten, da stellte er sich Então, ele se imaginava tal qual um balseiro, als das vollendetste Bild eines glücklichen como o modelo mais perfeito da felicidade Menschen solch einen Flözer vor. Und wenn humana. Mas quando esses afortunados diese Glücklichen dann erst in die Taschen colocavam as mãos nos bolsos e tiravam um fuhren, ganze Hände voll grosser Taler114 punhado de táleres e jogavam seis batzners herauslangten und um Sechsbätzner115 como se fossem dados, cinco florins para um würfelten, fünf Gulden hin, zehn her, so lado, dez para outro, ele então perdia os sentidos wollten ihm die Sinne vergehen, und er e entrava sorrateiramente em sua cabana, pois schlich trübselig nach seiner Hütte; denn an em muitas noites de folga tinha visto alguns manchem Feiertagabend hatte er einen oder desses “cavalheiros do comércio de madeira”, den andern dieser „Holzherren“ mehr perderem mais do que o pobre pai Munk havia verspielen sehen, als der arme Vater Munk in ganhado em um ano. einem Jahr verdiente. Es waren vorzüglich drei dieser Männer, Havia, em especial, três desses homens, dos von welchen er nicht wusste, welchen er am quais ele não sabia qual admirar mais. Um deles meisten bewundern sollte. Der eine war ein era gordo e grande, de rosto vermelho, e era o dicker, grosser Mann mit rotem Gesicht und homem mais rico da vizinhança. Costumava ser galt für den reichsten Mann in der Runde. Man chamado de “o gordo Ezequiel”. Duas vezes por hiess ihn den dicken Ezequiel. Er reiste alle ano, ele viajava para Amsterdã com a madeira e Jahre zweimal mit Bauholz nach Amsterdam tinha a sorte de vendê-la muito mais cara do que und hatte das Glück, es immer um so viel os outros e, enquanto os outros voltavam a pé, teurer als andere zu verkaufen, dass er, wenn ele voltava para casa numa esplêndida die übrigen zu Fuss heimgingen, sttalich carruagem. O segundo era o homem mais herauffahren konnte. Der andere war der comprido e magro da floresta, e costumavam längste und magerste im ganzen Wald, man chamá-lo de “o comprido Schlurker”. Sua nannte ihn den langen Schlurker, und diesen extraordinária ousadia excitava a inveja de beneidete Munk wegen seiner ausnehmenden Munk. Ele contradizia pessoas de renomada Kühnheit; er widersprach den angesensten importância, ocupava mais espaço do que quatro Leuten, brauchte, wenn man noch so gedrängt homens corpulentos. Não importava o quão im Wirtshaus116 sass, mehr Platz als vier der lotada estivesse a hospedaria, ele colocava os Dicksten; denn er stützte entweder beide dois cotovelos sobre a mesa ou espichava uma Ellbogen auf den Tisch oder zog eines seiner de suas longas pernas no banco e, apesar de tudo langen Beine zu sich auf die Bank, und doch isso, ninguém se atrevia a se opor a ele, já que wagte ihm keiner zu widersprechen, denn er tinha uma quantidade prodigiosa de dinheiro. O hatte unmenschlich viel Geld. Der dritte war terceiro era um jovem bonito, que sendo o ein schöner junger Mann, der am besten tanzte melhor dançarino da redondeza era chamado de

114 Taler- Silbermünze in Deutschland bis in die Mitte des 18. Jahrhunderts. In: Duden online. moeda de prata usada na Europa cunhada em 1518, com origem na República Tcheca. (Disponível em: wikipedia. Acesso em: 26.04.2018). (Nota da tradutora). 115 Batzen(r)- moeda utilizada na Suíça e no sul da Alemanha no período de 1492 a 1850. (Disponível em: wikipedia. Acesso em: 25.04.2018). (Nota da tradutora). 116 Wirtshaus/Gasthaus(s) – alojamento para pernoite até o século XVIII, hoje denominado de hospedaria/taberna, onde vende bebidas e petiscos. (Disponível em: de.wikipedia.org. Acesso em: 25.04.2018). (Nota da tradutora). 109

weit und breit und daher den Namen “o rei do salão de baile”. Ele fora pobre e serviu Tanzbodenkönig hatte. Er war ein armer como empregado a um madeireiro quando, de Mensch gewesen und hatte bei einem repente, tornou-se imensamente rico, alguns Holzherrn als Knecht gedient; da wurde er auf diziam que ele havia encontrado um pote cheio einmal steinreich; die einen sagten, erhabe de dinheiro debaixo de um velho pinheiro, unter einer alten Tanne einen Topf voll Geld enquanto outros afirmavam que ele havia gefunden, die andern behaupteten, er habe pescado no Reno, perto de Bingen, um pacote de unweit Bingen im Rhein mit der Stechstange, moedas de ouro, com uma lança igual à que os womit die Flözer zuweilen nach den Fischen balseiros lançam nos peixes. Esse pacote fazia stechen, einen Pack mit Goldstücken parte do grande tesouro dos Nibelungos e foi heraufgefischt, und der Pack gehöre zu dem enterrado ali. Logo ele ficou rico e estimado grossem Niebelungenhort117, der dort como um príncipe por jovens e velhos. vergraben liegt; kurz, er war auf einmal reich geworden und wurde von jung und alt angesehen wie ein Prinz.

An diese drei Männer dachte Kohlenmunk - O carvoeiro Pedro Munk sempre pensava Peter oft, wenn er einsam im Tannenwald nesses três homens quando estava sozinho sass. Zwar hatten alle drei einen Hauptfehler, sentado na floresta de pinheiros. Os três tinham, der sie bei den Leuten verhasst machte; es war na realidade, um grande defeito que os fazia dies ihr unmenschlicher Geiz, ihre serem odiados por todos: eram avarentos, Gefühllosigkeit gegen Schuldner und insaciáveis e impiedosos com seus devedores e Arme;denn die Schwarzwälder sind ein com os pobres. E as pessoas da floresta negra gutmütiges Völklein.Aber man weiss, wie es eram naturalmente um povo de bom coração. No mit solchen Dingen geht; waren sie auch entanto, sabe-se como são as coisas nessa wegen ihres Geizes verhasst, so standen sie questão. Embora eles fossem odiados por sua doch wegen ihres Geldes in Ansehen; denn avareza, ainda assim, eram respeitados por causa wer konnte Taler wegwerfen wie sie, als ob do seu dinheiro, afinal, quem mais jogava táleres man das Geld von den Tannen schüttelte? fora como eles, como se o dinheiro nascesse em árvores? „ So geht es nicht mehr weiter “, sagte Peter “Isso não pode mais continuar assim”, disse eines Tages schmerzlich betrübt zu sich; denn um dia Pedro a si mesmo, sentindo-se aflito, pois tags zuvor war Feiertag gewesen und alles no dia anterior fora feriado e todos estavam na Volk in der Schenke; „ wenn ich nicht bald auf estalagem. “Se eu não prosperar em breve, den grünen Zweig komme, so tu ich mir etwas tirarei minha vida; ah, se eu fosse tão admirado zuleid; wär‘ ich doch nur so angesehen und e tão rico quanto o gordo Ezequiel, ou tão reich wie der dicke Ezechiel oder so kühn und ousado e poderoso quanto o comprido so gewaltig wie der lange Schlurker oder so Schlurker, ou tão renomado quanto o rei do salão berühmt und könnte den Musikanten Taler de baile, e pudesse jogar aos músicos táleres em statt Kreuzer zu werfen wie der vez de sofrimento! Mas, afinal, como um jovem Tanzbodenkönig ! Wo nur der Bursche das consegue dinheiro?” Pensou em todos os meios Geld her hat ?“ Allerlei Mittel ging er durch, para conseguir dinheiro, mas nenhum o satisfez; wie man sich Geld erwerben könne, aber até que por fim pensou nos contos daquelas keines wollte ihm gefallen; endlich fielen ihm pessoas que, em tempos antigos, haviam se auch die Sagen von Leuten bei, die vor alten tornado ricas através do holandês Michel, ou do Zeiten durch den Holländer -Michel und homenzinho de vidro. Enquanto seu pai era vivo,

117 Nibelungos – Povo formado por anões e gigantes na mitologia nórdica. Habitavam no Niflheim, terra gelada e esquecida. A saga gerou a epopeia heroica europeia denominada de A Canção dos Nibelungos (Disponível em: Wikipédia. Acesso em: 26.04.2018) (Nota da tradutora). Safranski (2010, p.96-97), Tieck na narrativa popular e Wagner na música fazem uso da canção dos Niebelungos. 110 durch das Glasmännlein reich geworden outras pessoas pobres costumavam fazer visitas waren. Solang sein Vater noch lebte, kamen e falava-se por longas horas sobre as pessoas oft andere arme Leute zum Besuch, und da ricas e os meios pelos quais elas haviam wurde oft lang und breit von reichen alcançado suas riquezas; nessas conversas, o Menschen gesprochen, und wie sie reich homenzinho de vidro desempenhava com geworden; da spielte nun oft das frequência um papel notável. Se Pedro forçasse Glasmännlein eine Rolle; ja, wenn er recht um pouco a memória, quase conseguia recordar nachsann, konnte er sich beinahe noch des o versinho que precisa ser repetido perto do Versleins erinnern, das man am Tannenbühl in pinheiro, no coração da floresta, para fazer o der Mitte des Waldes sprechen musste, wenn homenzinho aparecer. Começa assim: es erscheinen sollte. Es fing an:

„Schatzhauser im grünen Tannenwald, “Guardião do tesouro dos pinheiros verdes Bist schon viel hundert Jahre alt; Já estais aqui há centenas de anos, Dir gehört all Land,wo Tannen stehn –„ Toda terra te pertence, onde estão os pinheiros”

Aber er mochte sein Gedächtnis anstrengen, Mas podia forçar a memória o quanto quisesse wie er wollte, weiter, konnte er sich keines e não conseguia se lembrar. Muitas vezes Verses mehr entsinnen. Er dachte oft, ob er pensava em perguntar a um idoso qualquer, o nicht diesen oder jenen alten Mann fragen verso inteiro, mas um certo medo de trair seus sollte, wie das Sprüchlein heisse; aber immer pensamentos o impedia e, além disso, concluiu hielt ihn eine gewisse Scheu, seine Gedanken que a lenda do homenzinho de vidro não deveria zu verraten, ab; auch schloss er, es müsse die ser muito conhecida e que poucos conheciam o Sage vom Glasmännlein nichts sehr bekannt encantamento, já que não havia muitas pessoas sein und den Spruch müssen nur wenig ricas na floresta – e, afinal, por que seu pai e wissen; denn es gab nicht viele reiche Leute outras pessoas pobres não haviam tentado a im Wald, und – warum hatten denn nicht sein sorte? Por fim, um dia, conseguiu que sua mãe Vater und die andern armen Leute ihr Glück falasse sobre o homenzinho. Ela contou-lhe o versucht ? Er brachte endlich einmal seine que ele já sabia, pois lembrava apenas a primeira Mutter auf das Männlein zu sprechen, und linha do verso, mas acrescentou que o diese erzählte ihm, was er schon wusste, fantasminha se mostraria apenas para aqueles kannte auch nur noch die erste Zeile von dem que nasceram em um domingo, entre onze e duas Spruch und sagte ihm endlich, nur Leuten, die horas. Ele próprio seria adequado para evocá-lo an einem Sonntag zwischen elf und zwei Uhr se soubesse o verso todo, já que nasceu num geboren seien, zeige sich das Geistchen. Er domingo ao meio-dia. selbst würde wohl dazu passen, wenn er nur das Sprüchlein wüsste; denn er sei Sonntag mittags zwölf Uhr geboren.

Als dies der Kohlenmunk - Peter hörte, war Quando o carvoeiro Pedro Munk ouviu isso, er vor Freude und vor Begierde, dies ficou quase fora de si de alegria e desejo de Abenteuer zu unternehmen, beinahe ausser experimentar a aventura. Pareceu-lhe suficiente sich. Es schien ihm hinlänglich, einen Teil des saber parte do verso e nascer num domingo para Sprüchleins zu wissen und am Sonntag que o homenzinho de vidro se mostrasse a ele. geboren zu sein, und Glasmännlein musste Um dia, quando vendera seu carvão e por isso sich ihm zeigen. Als er daher eines Tages não acendera mais nenhuma outra pilha, vestiu o seine Kohlen verkauft hatte, zündete er keinen gibão pomposo de seu pai, suas novas meias neuen Meiler an, sondern zog seines Vaters vermelhas, colocou o melhor chapéu, pegou a Staatswams und neue rote Stümpfe an, setzte vara de espinheiro negro de um metro de den Sonntagshut auf, fasste seinen fünf Fuss comprimento e despediu-se de sua mãe dizendo: hohen Schwarzdornstock in die Hand und “Eu preciso ir à repartição na cidade, pois logo 111

nahm von der Mutter Abschied: „ Ich muss sortearão quem vai para o exército e, quero aufs Amt in die Stadt; denn wir werden bald insistir mais uma vez com o funcionário que vós spielen118 müssen, wer Soldat wird, und da sois viúva e eu sou vosso único filho”. A mãe will ich dem Amtmann nur noch einmal elogiou sua decisão, ele partiu, no entanto, para einschärfen, dass Ihr Witwe seid und ich Euer o Tannenbühl que fica no ponto mais alto da einziger Sohn.“ Die Mutter lobte seinen floresta negra, e não há uma aldeia ou mesmo Entschluss, er aber machte sich auf nach dem uma cabana num raio de duas horas ao redor Tannenbühl. Der Tannenbühl liegt auf der dali, pois as pessoas supersticiosas acreditavam höchsten Höhe des Schwarzwaldes, und auf que não era seguro. Elas não estavam mesmo zwei Stunden im umkreis stand damals kein dispostas a derrubar madeira naquela região, Dorf, ja nicht einmal eine Hütte; denn die embora os pinheiros fossem altos e excelentes, abergläubischen Leute meinten, es sei dort pois muitas vezes os machados dos cortadores unsicher. Manschlug auch, so hoch und de lenha saíam dos cabos e caiam em seus pés, prachtvoll dort die Tannen standen, ungern ou as árvores caiam de repente, ferindo os Holz in jenem Revier; denn oft waren den homens ou até mesmo os matando. Mesmo se Holzhauern, wenn sie dort arbeiteten, die Äxte precisasse usar as mais belas árvores dali apenas vom Stiel gesprungen und in den Fuss como lenha, os balseiros nunca pegavam um gefahren, oder die Bäume waren schnell tronco do Tannenbühl para uma jangada; pois umgestürzt und hatten die Männer mit reza a lenda que tanto homens quanto a madeira umgerissen und beschädigt oder gar getötet; seriam amaldiçoados se uma árvore do auch hätte man die schönsten Bäume von Tannenbühl estivesse na água. Daí que as dorther nur zu Brennholz brauchen könne, árvores de lá cresciam tão sombrias e altas que denn die Flossherren nahmen nie einen parecia noite em pleno meio-dia, e ali, a coragem Stamm aus dem Tannenbühl unter ein Floss de Pedro Munk dava lugar ao pavor, pois não auf, weil die Sage ging,dass Mann und Holz ouvia vozes e nem passos, exceto os seus, verunglücke, wenn ein Tannenbühler mit im nenhum machado, e até os pássaros pareciam Wasser sei. Daher kam es, dass im evitar a escuridão entre os pinheiros. Tannenbühl die Baüme so dicht und so hoch standen, dass es am hellen Tag beinahe Nacht war, und Peter Munk wurde es ganz schaurig dort zu mut; denn er hörte keine Stimme, keinenTritt als den seinigen, keine Axt; selbst die Vögel schienen diese dicht Tannennacht zu vermeiden.

Kohlenmunk-Peter hatte jetzt den höchsten O carvoeiro Pedro Munk chegara agora ao Punkt des Tannenbühls erreicht und stand vor ponto mais alto do Tannenbühl e estava diante einer Tanne von ungeheurem Umfang, um die de um pinheiro de enorme circunferência, onde ein holländischer Schiffsherr an Ort und Stelle um holandês, construtor de navios, teria dado viele hundert Gulden gegeben hätte. „ Hier “, centenas de florins. E pensou ele: “aqui, vive dachte er, „ wird wohl der Schatzhauser tranquilamente o guardião do tesouro”, e tirando wohnen “, zog seinen grossen Sonntagshut, o grande chapéu, fez uma reverência diante da machte vor dem Baum eine tiefe Berbeugung, árvore, pigarreou e disse, com a voz trêmula: räusperte sich und sprach mit zitternder “desejo-lhe uma abençoada noite, senhor Stimme: „ Wünsche glückseligen Abend, Herr homenzinho de vidro.” Mas não houve resposta, Glasmann “. Aber es erfolgte keine Antwort, e tudo permanecia quieto como antes, “talvez eu und alles umher war so still wie zuvor. „ tenha que dizer o versinho”, pensou longamente Vielleicht muss ich doch das Verslein e murmurou:

118 Losen, mit der Möglichkeit, sichfreizuziehen - jogar a sorte e tornar-se livre. (In:Duden online) (Nota da tradutora) 112 sprechen “, dachte er weiter und murmelte:

„Schatzhauser im grünen Tannenwald, “Guardião do tesouro da floresta dos pinheiros verdes, Bist achon viel hundert Jahre alt; Já estás aqui há centenas de anos; Dir gehört all Land,wo Tannen stehn-„ Toda terra te pertence, onde estão os pinheiros”

Indem er diese Worte sprach, sah er zu Para seu grande espanto, ao repetir as seinem grossen Schrecken eine ganz kleine, palavras, ele viu uma figura singular e muito sonderbare Gestalt hinter der dicken Tanne pequena, que saía de trás do pinheiro. Teve a hervorshauen; es war ihm, als habe er das impressão de que vira o homenzinho de vidro tal Glasmännlein gesehen, wie man es como era descrito: gibãozinho preto, meinhas beschrieben das schwarze Wämschen, die vermelhas, chapeuzinho, tudo certinho, até o roten Strümpfchen, das Hütchen, alles war so, rostinho pálido, mas delicado e astuto, tal qual selbst das blasse, aber feine und kluge como as pessoas tanto falavam, pensou ele. E Gesichtchen, wovon man erzählte, glaubte er acreditava que o tinha visto. Mas, infelizmente, gesehen zu haben. Aber ach, so schnell es tão depressa quanto surgira o homenzinho de hervorgeschaut hatte, das Gläsmannlein, so vidro também desaparecera. Após breve schnell war es auch wieder verschwunden ! >> hesitação, falou Pedro Munk, “Senhor homem Herr Glasmann << rief nach einigem Zögern de vidro, seja bondoso e não me faça de bobo. – Peter Munk,>> seid so gütig und haltet mich Se você pensa que não o vi, está enganado. Vi nicht für Narren. – Herr Glasmann, wenn Ihr muito bem que você espia por detrás da árvore”. meint ich habe Euch nicht gesehen, so Ainda sem resposta, vez por outra, acreditava täuschet Ihr Euch sehr, ich sah Euch wohl ouvir uma risadinha baixa e rouca atrás da hinter dem Baum hervorgucken.<< Immer árvore. Por fim, sua impaciência superou seu keine Antwort, nur zuweilen glaubte er ein medo que, até aquele momento, o continha. leises, heiseres Kichern hinter dem Baum zu “Espera garotinho”, gritou ele, “eu já te pego”. vernehmen. Endlich überwand seine Ao dizer isso, pulou para atrás da árvore, mas Ungeduld die Furcht, die ihn bis jetzt noch não havia guardião de tesouro da floresta dos abgehalten hatte.>> Warte, du kleiner pinheiros verdes algum, apenas um pequeno e Bursche <<, rief er,>> dich will bald haben ! gracioso esquilo que escalava a árvore para << sprang mit einem Satz hinter die Tanne, caçar. aber da kein Schatzhauser im grünen Tannenwald, und nur ein kleines, zierliches Eichhörnchen jagte an dem Baum hinauf.

Peter Munk schüttelte den Kopf; er sah ein, Pedro Munk sacudiu a cabeça. Ele viu que, até dass er die Beschwörung bis auf einen certo ponto, tinha conseguido realizar o gewissen Grad gebracht habe und dass ihm encantamento, e faltava-lhe talvez apenas mais vielleicht nur noch ein Reim zu dem uma rima no verso para evocar o homenzinho de Sprüchlein fehle, so könne er das vidro, e tentou outras vezes, mas não conseguiu Glasmännlein hervorlocken; aber er sann hin, pensar em nada. O esquilo exibia-se nos ramos er sann her und fand nichts. Das Eichhörnchen mais baixos do pinheiro e parecia encorajá-lo ou zeigte sich an den untersten Ästen der Tanne zombá-lo. Ele se limpava, rolava sua linda cauda und schien ihn aufzumuntern oder zu e o olhava com seus olhos astutos. Por fim, verspotten. Es putzte sich, es rollte den quase teve medo de ficar sozinho com o animal schönen Schweif, es schaute ihn mit klugen que, às vezes, parecia ter a cabeça de um homem Augen an; aber endlich fürchtete er sich doch e usar um chapéu de três pontas, às vezes era beinahe, mit diesem Tier allein zu sein; denn como um esquilo, porém com meias vermelhas bald schien das Eichhörnchen einen e sapatos pretos nas patas traseiras. Em suma, Menschenkopf zu haben und einen era uma pequena criatura engraçada, mas ainda 113

dreispitzigen Hut zu tragen, bald war es ganz assim Pedro carvoeiro sentia um temor, wie ein anderes Eichhörnchen und hatte nur an imaginando que nada daquilo estava certo. den Hinterfüssen rote Strümpfe und schwarze Schuhe. Kurz, es war ein lustiges Tier; aber dennoch graute Kohlenpeter; denn er meinte, es gehe nicht mit rechten Dingen zu.

Mitschnelleren Schritten, als er gekommen Pedro partiu com passos mais rápidos do que war, zog Peter wieder ab. Das Dunkel des havia chegado. A escuridão da floresta de Tannenwaldes schien immer schwärzer zu pinheiros parecia tornar-se cada vez mais werden, die Bäume standen immer dichter, sombria, as árvores ficavam cada vez mais und ihm fing an so zu grauen, dass er im Trab impenetráveis e ele começou a sentir tanto terror davon jagte, und erst, als er in der Ferne que disparou de lá e só se acalmou quando ouviu Hunde bellen hörte und bald darauf zwischen cachorros latindo ao longe e, logo depois, den Bäumen den Rauch einer Hütte, erblickte, avistou fumaça de uma cabana entre as árvores. wurde er wieder ruhiger. Aber als er näher Mas ao se aproximar e ver a vestimenta do povo kam und die Tracht der Leute in der Hütte da cabana, descobriu que, devido ao seu medo, erblickte, fande er, dass er aus Angst gerade tomara a direção contrária e chegara aos die entgegengesetzte Richtung genommen balseiros em vez dos vidreiros. As pessoas que und statt zu den Glasleuten zu den Flözern viviam na cabana eram lenhadoras, um idoso, gekommen sei. Die Leute, die in der Hütte seu filho, o proprietário, e alguns netos adultos. wohnten, waren Holzfäller, ein alter Eles receberam o carvoeiro Pedro Munk que Mann,sein Sohn, der Hauswirt und einige pediu hospitalidade por uma noite e, sem erwachsene Enkel. Sie nahmen Kohlenmunk perguntar seu nome ou residência, deram-lhe – Peter, der um ein Nachtlager bat, gut auf, vinho de maça para beber e, à noite foi servido ohne nach seinem Namen und Wohnort zu para o jantar um grande galo silvestre, a melhor fragen, gaben ihm Apfelwein zu trinken, und refeição da floresta negra. abends wurde ein grosser Auerhahn, die beste Schwarzwaldspeise, aufgesetzt.

Nach dem Nachtessen setzten sich die Após a refeição, a dona da casa e suas filhas Hausfrau und ihre Töchter mit ihren pegaram suas rocas e sentaram-se em volta de Kunkeln119um den grossen Lichtspan, den die uma grande fogueira que com a mais fina resina Jungen mit dem feinsten Tannenharz entretinha os meninos. O avô, o convidado e o unterhielten, der Grossvater, der Gast und der proprietário fumavam e olhavam as mulheres, Hauswirt rauchten und schauten den Weibern enquanto os garotos estavam ocupados zu; die Bursche aber waren beschäftigt, Löffel esculpindo colheres e garfos de madeira. A und Gabeln aus Holz zu schnitzeln. Draussen tempestade parecia uivar dos pinheiros na im Wald heulte der Sturm und raste in den floresta e, de vez em quando, ouvia-se explosões Tannen, man hörte da und dort sehr heftige muito fortes, e era como se as árvores inteiras Schläge, und es schien oft, als ob ganze estivessem quebrando e desabando. Os jovens Bäume abgeknicktwürdenund destemidos estavam prestes a correr para zusammenkrachten. Die furchtlosen Jungen testemunhar este maravilhoso e terrível wollten hinaus in den Wald laufen und dieses espetáculo, mas o avô conteve-os e com um furchtbar schöne Schauspiel mit ansehen; ihr olhar severo disse estas palavras: “Eu não Grossvater aber hielt sie mit strengem Wort aconselho nenhum de vós a ir lá fora agora”, und Blick zurück. „ Ich will keinem raten, dass gritou ele, “por Deus, esse nunca voltaria, pois er jetzt vor die Tür geht “, rief er ihnen zu,>> esta noite o holandês Michel está construindo bei Gott, der kommt nimmermehr wieder; uma nova jangada na floresta.” denn der Holländer - Michel haut sich heute

119 Spinnrocken- roca de fiar - aparelho rústico para fiar (Nota do editor). (Tradução minha). 114

nacht ein neues G’stair Flossgelenke im Wald <<.

Die Kleinen staunten ihn an; sie mochten Os jovens o olhavam com espanto, von dem Holländer - Michel schon gehört provavelmente já ouviram falar do holandês haben, aber sie baten jetzt den Ehni120, einmal Michel, mas imploravam ao avô que contasse recht schön von jenem zu erzählen. Auch uma história interessante sobre ele. Pedro Munk, Peter Munk, der vom Holländer - Michel auf que ouvira do outro lado da floresta histórias der andern Seite des Waldes nur undeutlich incertas sobre o holandês Michel, concordou hatte sprechen hören, stimmte mit ein und com o pedido, perguntando ao velho quem era e fragte den Alten, wer und wo er sei. „ Er ist onde estava. “Ele é o senhor da floresta e o fato der Herr dieses Waldes, und nach dem zu de não ter ouvido falar sobre ele na sua idade schliessen, dass Ihr in Eurem Alter dies noch significa que você é um nativo do outro lado do nicht erfahren, müsst Ihr drüben über dem Tannenbühl ou, quem sabe, de ainda mais Tannenbühl oder wohl gar noch weiter zu distante. Do holandês Michel e sua lenda vou Hause sein.Vom Holländer - Michel will ich lhes contar o que sei. Assim contava aos Euch aber erzählen, was ich weiss und wie die pouquinho meu avô que há mais de cem anos, Sage von ihm geht “. Vor etwa hundert não havia por toda parte pessoas mais corretas Jahren,so erzählte es wenigstens mein Ehni, do que as da floresta negra. Agora, como há war weit und breit kein ehrlicheres Volk auf muito dinheiro no país, as pessoas são Erden als die Schwarzwälder. Jetzt, seit so viel desonestas e ruins. Os jovens rapazes dançam Geld im Land ist, sind die Menschen aos domingos, gritam e praguejam, o que é unredlich und schlecht. Die jungen Bursche horrível. Antigamente era bem diferente, e se ele tanzen und johlen am Sonntag und fluhen, aparecesse pela janela agora, então, eu diria dass es ein Schrecken ist; damals war es aber como sempre digo que o holandês Michel é a anders, und wenn er jetzt zum Fenster dort causa de todo essa perdição. Há cem anos ou hereinschaute, so sag ich’s und hab es oft mais viveu um comerciante de madeira muito gesagt, der Holländer-Michel ist schuld an all rico que tinha muitos criados por todo Reno. Ele dieser Verderbnis. Es lebte also vor hundert fazia negócios que eram muito prósperos e era Jahren und drüber ein reicher Holzherr, um homem piedoso. Certa noite, uma pessoa que derviel Gesind hatte; er handelte bis weit in ele nunca tinha visto chegou à sua porta. Suas den Rhein hinab, und sein Geschäft war vestes eram como as dos garotos da floresta gesegnet; denn er war ein frommer Mann. negra, mas tinha a cabeça maior do que qualquer Kommt eines Abends ein Mann an seine Türe, um deles, e ninguém jamais pensara que pudesse dergleichen er noch nie gesehen. Seine haver alguém grandão assim. Este pediu Kleidung war wie die der Schwarzwälder trabalho, e o comerciante de madeira, vendo que Burschen, aber er war einen guten Kopf höher ele era forte e capaz de carregar grandes pesos, als alle, und man hatte noch nie geglaubt, daß calculou seu salário e o levou ao serviço. O es einen solchen Riesen geben könne. Dieser Michel era um trabalhador como ele nunca havia bittet um Arbeit bei dem Holzherrn, und der tido antes. Ao derrubar árvores, ele o fazia por Holzherr, der ihm ansah, daß er stark und zu três homens comuns e, quando seis homens großen Lasten tüchtig sei, rechnet mit ihm puxavam uma das extremidades de um tronco, seinen Lohn, und sie schlagen ein. Der Michel ele carregava a outra sozinha. Depois de ter war ein Arbeiter, wie selbiger Holzherr noch trabalhado na derrubada de madeira por meio keinen gehabt. Beim Baumschlagen galt er für ano, ele procurou um dia seu mestre e, nervoso, drei, und wenn sechs an einem Ende disse: “já cortei madeira por tempo suficiente schleppten, trug er allein das andere. Als er aqui, gostaria de ver o que acontece com meus aber ein halb Jahr Holz geschlagen, trat er troncos, que tal eu ir na jangada uma vez?” eines Tages vor seinen Herrn und begehrte

120 Grossvater – avô. (Nota do editor). 115 von ihm: » Hab' jetzt lang genug hier Holz gehackt, und so möcht' ich auch sehen, wohin meine Stämme kommen, und wie wär' es, wenn Ihr mich auch 'nmal auf das Floß ließet ? «

Der Holzherr antwortete: » Ich will dir nicht Ao que o madeireiro respondeu: “não tenho im Weg sein, Michel, wenn du ein wenig nada contra você querer conhecer o mundo, hinaus willst in die Welt, und zwar beim Michel, no entanto, eu preciso de homens fortes Holzfällen brauche ich starke Leute, wie du como você para derrubar a madeira, e no rio tudo bist, auf dem Floß aber kommt es auf depende de habilidade, mas que seja, desta vez, Geschicklichkeit an, aber es sei für diesmal. « como você deseja”.

Und so war es; das Floß, mit dem er abgehen E, foi assim. A jangada com a qual Michel sollte, hatte acht Glaich (Glieder), und waren deveria partir tinha oito troncos e eram algumas im letzten von den größten Zimmerbalken. das maiores vigas. Mas o que aconteceu? Na Aber was geschah ? Am Abend zuvor bringt noite anterior, o grande Michel trouxe oito vigas der lange Michel noch acht Balken ans para a água, mais grossas e mais longas do que Wasser, so dick und lang,als man keinen je já se vira, e carregava cada uma delas sobre o sah, und jeden trug er so leicht auf der Schulter ombro com facilidade como se fosse uma vara wie eine Flözerstange, so daß sich alles de remo, de modo que todos ficaram entsetzte. Wo er sie gehauen, weiß bis heute maravilhados. De onde ele as tirou, ninguém noch niemand. Dem Holzherrn lachte das sabe até hoje. O coração do comerciante de Herz, als er dies sah; denn er berechnete, was madeira pulava de alegria ao ver isso, pois diese Balken kosten könnten; Michel aber calculava o valor dessas vigas, mas Michel sagte: » So, die sind für mich zum Fahren; auf disse: “bem, estas são para eu guiar, com aquelas den kleinen Spänen dort kann ich nicht pequenas eu não conseguiria viajar.” Seu senhor fortkommen. Sein Herr wollte ihm zum Dank queria dar-lhe um par de botas de presente mas ein paar Flözerstiefel schenken; aber er warf ele as jogou num canto e trouxe um par muito sie auf die Seite und brachte ein Paar hervor, maior e que ninguém nunca vira. Meu avô me wie es sonst keine gab; mein Großvater hat garantiu que pesavam meia centena de libras e versichert, sie haben hundert Pfund gewogen tinham um metro e meio de comprimento. und seien fünf Fuß lang gewesen.

Der Floß fuhr ab, und hatte der Michel A jangada partiu, e se Michel antes havia früher die Holzhauer in Verwunderung surpreendido os lenhadores, agora fora a vez dos gesetzt, so staunten jetzt die Flözer; denn statt balseiros, pois sua jangada, em vez de descer o daß das Floß, wie man wegen der ungeheuern rio lentamente como pensavam que seria, em Balken geglaubt hatte, langsamer auf dem razão das enormes vigas, disparou como uma Fluß ging, flog es, sobald sie in den Neckar flecha. Assim que chegaram ao Neckar, se o rio kamen, wie ein Pfeil; machte der Neckar eine fizesse uma curva, ou se chegasse a qualquer Wendung und hatten sonst die Flözer Mühe parte onde os balseiros tivessem dificuldade em gehabt, das Floß in der Mitte zu halten, um manter o fluxo médio ou estivessem em perigo nicht auf Kies oder Sand zu stoßen, so sprang de encalhar num cascalho, Michel sempre jetzt Michel allemal ins Wasser, rückte mit pulava na água, empurrando a jangada para a einem Zug das Floß links oder rechts, so daß direita ou para a esquerda, para que deslizasse es ohne Gefahr vorüberglitt, und kam dann sem perigo. Se chegassem a uma parte onde o rio eine gerade Stelle, so lief er aufs erste G'stair corria direto, Michel saltava com frequência (Gelenk) vor, ließ alle ihre Stangen beisetzen, para a jangada mais avançada, deixava todos steckte seinen ungeheuren Weberbaum in den enfiarem suas estacas, fixava o seu próprio Kies, und mit einem Druck flog das Floß mastro imenso no cascalho e, com um único dahin, daß das Land und Bäume und Dörfer empurrão, fazia a jangada disparar, de modo que 116 vorbeizujagen schienen. So waren sie in der parecia que a terra, as árvores e as aldeias Hälfte der Zeit, die man sonst brauchte, nach voavam por eles. Assim, eles gastavam metade Köln am Rhein gekommen, wo sie sonst ihre do tempo que precisavam para chegar de Ladung verkauft hatten; aber hier sprach Colônia ao rio Reno, onde eles vendiam sua Michel: » Ihr seid mir rechte Kaufleute und madeira, mas aí disse o Michel: “para mim vocês versteht euren Nutzen ! Meinet ihr denn, die são verdadeiros mercadores. Reconheçam seu Kölner brauchen all dies Holz, das aus dem valor! Vocês acham que esse pessoal de Colônia Schwarzwald kommt, für sich ? Nein, um den quer toda a madeira da floresta negra para si? Eu halben Wert kaufen sie es euch ab und lhes digo que não, eles compram de vocês pela verhandeln es teuer nach Holland. Lasset uns metade do valor e vendem caro à Holanda. die kleinen Balken hier verkaufen und mit den Vamos vender nossas pequenas vigas aqui e ir großen nach Holland gehen; was wir über den para a Holanda com as grandes, o que gewöhnlichen Preis lösen, ist unser eigener conseguirmos acima do preço normal é nosso Profit. « lucro”.

So sprach der arglistige Michel, und die Assim, falou o malicioso Michel, e os outros anderen waren es zufrieden; die einen, weil sie ficaram felizes. Alguns porque gostariam de ir à gerne nach Holland gezogen wären, es zu Holanda, outros por causa do dinheiro. Apenas sehen, die anderen des Geldes wegen. Nur ein um homem foi honesto e tentou alertá-los de einziger war redlich und mahnte sie ab, das colocar em risco a propriedade de seu senhor ou Gut ihres Herrn der Gefahr auszusetzen oder enganá-lo com o preço mais alto. No entanto, ihn um den höheren Preis zu betrügen; aber sie eles não o ouviram e esqueceram suas palavras, hörten nicht auf ihn und vergaßen seine mas Michel não as esqueceu. Eles desceram, Worte, aber der Holländer - Michel vergaß sie então, o Reno com a madeira e Michel, guiando nicht. Sie fuhren auch mit dem Holz den a jangada, levou-os para Roterdã. Ali foram Rhein hinab, und Michel leitete das Floß und oferecidos quatro vezes mais o preço da madeira brachte sie schnell bis nach Rotterdam. Dort do que em Colônia e, particularmente, as bot man ihnen das Vierfache von dem grandes vigas de Michel foram mais bem früheren Preis, und besonders die ungeheuren avaliadas. Quando os moradores da floresta Balken des Michel wurden mit schwerem negra viram o dinheiro, ficaram fora de si de Geld bezahlt. Als die Schwarzwälder so viel tanta alegria. Michel dividiu o dinheiro, Geld sahen, wußten sie sich vor Freude nicht reservando um quarto para o patrão e distribuiu zu fassen. Michel teilte ab, einen Teil dem os outros entre os três homens. E sentaram-se Holzherrn, die drei anderen unter die numa taverna, junto a marinheiros e outros maus Männer.Und nun setzten sie sich mit Matrosen elementos. Eles gastavam e desperdiçavam seu und anderem schlechten Gesindel in die dinheiro em bebidas e jogos de azar, enquanto o Wirtshäuser, verschlemmten und verspielten sujeito honesto que os havia dissuadido foi ihr Geld; den braven Mann aber, der ihnen vendido por Michel a um comerciante de abgeraten, verkaufte der Holländer - Michel escravos e desde então nunca mais se ouviu falar an einen Seelenverkäufer, und man hat nichts dele. Dali em diante, a Holanda era um paraíso mehr von ihm gehört. Von da an war den para os rapazes da floresta negra e o holandês Burschen im Schwarzwald Holland das Michel seu rei. Durante muito tempo os Paradies und Holländer -Michel ihr König; die madeireiros não tomaram conhecimento do Holzherren erfuhren lange nichts von dem negócio e não sabiam a origem do dinheiro, das Handel, und unvermerkt kamen Geld, Flüche, pragas, dos modos corruptos, da embriaguez e schlechte Sitten, Trunk und Spiel aus Holland jogos de azar que eram importados da Holanda. herauf.

Der Holländer - Michel war, als die Quando a história veio à tona, não se Geschichte herauskam, nirgends zu finden, encontrava o Michel em lugar nenhum, mas aber tot ist er auch nicht; seit hundert Jahren morto ele não está. Há cem anos ele tem 117 treibt er seinen Spuk im Wald, und man sagt, assombrado a floresta e diz-se que já ajudou daß er schon vielen behilflich gewesen sei, muitos a ficarem ricos à custa de suas almas e reich zu werden, aber auf Kosten ihrer armen mais não direi. É bem sabido, porém, que até os Seele, und mehr will ich nicht sagen. Aber so dias atuais, em noites barulhentas, ele procura os viel ist gewiß, daß er noch jetzt in solchen melhores pinheiros no Tannenbühl, onde as Sturmnächten im Tannenbühl, wo man nicht pessoas não devem derrubar madeira e meu pai hauen soll, überall die schönsten Tannen o viu quebrar um de quatro pés de diâmetro, aussucht, und mein Vater hat ihn eine vier como se quebrasse uma cana. Com estes, ele Schuh dicke umbrechen sehen wie ein Rohr. presenteia os que se desviam do caminho certo e Mit diesen beschenkt er die, welche sich vom vão até ele, à meia-noite trazem suas balsas para Rechten abwenden und zu ihm gehen; um a água e ele vai para a Holanda com eles. Se eu Mitternacht bringen sie dann die G'stair ins fosse senhor e rei na Holanda, eu o fuzilaria com Wasser, und er rudert mit ihnen nach Holland. uma cartucheira, pois todas as embarcações de Aber wäre ich Herr und König in Holland, ich Michel, mesmo as que têm apenas uma viga, ließe ihn mit Kartätschen in den Boden devem afundar. Por isso é que ouvimos falar de schmettern; denn alle Schiffe, die von dem tantos naufrágios, de outra forma, como poderia Holländer - Michel auch nur einen Balken uma embarcação bela e forte, do tamanho de haben, müssen untergehen. Daherkommt es, uma igreja, afundar sem razão aparente? Mas ao daß man von so vielen Schiffbrüchigen hört; passo que Michel derruba um pinheiro na wie könnte denn sonst ein schönes, starkes floresta durante uma noite barulhenta, um dos Schiff, so groß als eine Kirche, zugrund gehen seus antigos salta do barco, a água entra e tudo auf dem Wasser ? Aber sooft Holländer - se perde, homens e ratos. Essa é a lenda do Michel in einer Sturmnacht im Schwarzwald holandês Michel, e é verdade, todo o mal eine Tanne fällt, springt eine seiner alten aus contado sobre a floresta negra vem dele, ah sim, den Fugen des Schiffes; das Wasser dringt ein, ele pode tornar alguém rico!” acrescentou o und das Schiff ist mit Mann und Maus velho, misteriosamente, “mas eu não quero nada verloren. Das ist die Sage vom Holländer – dele. Por dinheiro algum, ficaria no lugar do Michel, und wahr ist es, alles Böse im gordo Ezequiel e do comprido Schlurker. Dizem Schwarzwald schreibt sich von ihm her; » oh que até o rei do salão de baile se entregou a ele”. ! Er kann einen reich machen «, setzte der Greis geheimnisvoll hinzu, » aber ich möchte nichts von ihm haben; ich möchte um keinen Preis in der Haut des dicken Ezechiel und des langen Schlurkers stecken; auch der Tanzbodenkönig soll sich ihm ergeben haben ! «

Der Sturm hatte sich während der Erzählung A tempestade havia diminuído durante a des Alten gelegt; die Mädchen zündeten narrativa do velho, as moças timidamente schüchtern die Lampen an und gingen weg; acenderam as lâmpadas e se retiraram, enquanto die Männer aber legten Peter Munk einen os homens colocavam um saco de folhas no Sack voll Laub als Kopfkissen auf die banco ao lado do fogão como travesseiro para Ofenbank und wünschten ihm gute Nacht. Pedro Munk, e desejaram a ele boa noite.

Kohlenmunk - Peter hatte noch nie so O carvoeiro Pedro Munk nunca tivera sonhos schwere Träume gehabt wie in dieser Nacht; tão pesados como naquela noite. Às vezes, bald glaubte er, der finstere, riesige Holländer imaginava que o tenebroso e gigantesco Michel - Michel reiße die Stubenfenster auf und abrira bruscamente a janela e com seu reiche mit seinem ungeheuer langen Arm monstruoso e longo braço trouxera uma bolsa einen Beutel voll Goldstücke herein, die er cheia de moedas de ouro, que quando balançava, untereinander schüttelte, daß es hell und produzia um som agradável. Logo pensou ver 118 lieblich klang; bald sah er wieder das kleine, novamente o pequenino, o simpático freundliche Glasmännchen auf einer homenzinho de vidro andando pela sala com ungeheuren grünen Flasche im Zimmer uma tremenda garrafa verde e pensou ter ouvido umherreiten, und er meinte das heisere Lachen a risada rouca como na floresta de pinheiros. wiederzuhören wie im Tannenbühl; dann Então, novamente algo zumbiu em seu ouvido brummte es ihm wieder ins linke Ohr: esquerdo o seguinte verso:

»In Holland gibt's Gold! “Na Holanda tem muito ouro Könnet's haben, wenn Ihr wollt Se você quiser, pode ter Um geringen Sold Por um pouco de dinheiro Gold, Gold!« Ouro, ouro!”

Dann hörte er wieder in sein rechtes Ohr das Então de novo, ouviu em seu ouvido direito, a Liedchen vom Schatzhauser im grünen cançãozinha do guardião do tesouro dos Tannenwald, und einezarte Stimme flüsterte: pinheiros verdes, e uma voz suave sussurrou- » Dummer Kohlenpeter, dummer Peter Munk, lhe: “tolo carvoeiro Pedro, tolo Pedro Munk, não kannst kein Sprüchlein reimen auf stehen, und consegue encontrar uma rima, mesmo tendo bist doch am Sonntag geboren Schlag zwölf nascido em um domingo, precisamente às doze Uhr. Reime, dummer Peter, reime ! « horas. Rima Pedro, rima seu tolo!”

Er ächzte, er stöhnte im Schlaf, er mühte Ele gemia e murmurava em seu sono tentando sich ab, einen Reim zu finden, aber da er in encontrar uma rima, mas como nunca havia feito seinem Leben noch keinen gemacht hatte, war uma em sua vida, seu esforço em sonho era em seine Mühe im Traume vergebens. Als er aber vão. Quando acordou aos primeiros raios da mit dem ersten Frührot erwachte, kam ihm manhã, seu sonho lhe parecia estranho, sentou- doch sein Traum sonderbar vor; er setzte sich se à mesa com os braços cruzados e meditou mit verschränkten Armen hinter den Tisch sobre os sussurros que ainda soavam em seus und dachte über die Einflüsterungen nach, die ouvidos. E disse a si mesmo: “rima Pedro ihm noch immer im Ohr lagen; » reime, carvoeiro, rima seu tolo”, e batia na testa, mas dummer Kohlenmunk – Peter, reime «, sprach nenhuma rima vinha. Ainda estava sentado, er zu sich und pochte mit dem Finger an seine olhando tristemente para baixo e pensando em Stirn, aber es wollte kein Reim uma rima, quando três homens passaram pela hervorkommen. Als er noch so da saß und casa indo em direção à floresta, um deles trübe vor sich hinschaute und an den Reim auf cantava: stehen dachte, da zogen drei Burschen vor dem Hause vorbei in den Wald, und einer sang im Vorübergehen:

»Am Berge tat ich stehen, “Na montanha parei, Und schaute in das Tal, Para o vale olhei, Da hab ich sie gesehen E pela última vez Zum allerletztenmal.« os avistei.”

Das fuhr wie ein leuchtender Blitz durch Essas palavras reluziram nos ouvidos de Peters Ohr, und hastig raffte er sich auf, Pedro que mais que depressa saiu da casa, stürzte aus dem Haus, weil er meinte, nicht pensando não ter escutado direito, pulou nos três recht gehört zu haben, sprang den drei rapazes, e de forma rude e repentina, pegou o Burschen nach und packte den Sänger hastig cantor pelo braço e disse: “pare, amigo, o que foi und unsanft beim Arm. » Halt, Freund ! « rief que você rimou agora há pouco? Diga – me, por er, » was habt Ihr da auf stehen gereimt, tut favor, o que estava cantando”. mir die Liebe und sprecht, was Ihr gesungen. «

» Was ficht's dich an, Bursche ? « “O que há de errado com você, rapaz?” 119 entgegnete der Schwarzwälder. » Ich kann retrucou o morador da floresta negra. “Eu canto singen, was ich will, und laß gleich meinen o que eu quiser e solte meu braço ou eu...” Arm los, oder - «

» Nein, sagen sollst du, was du gesungen “Não! Você tem que me dizer o que estavas a hast ! « schrie Peter beinahe außer sich und cantar!”, gritou Pedro, quase fora de si e packte ihn noch fester an; die zwei anderen apertando-o com mais força. Quando os outros aber, als sie dies sahen, zögerten nichtlange, dois viram isso, não demoraram a começar a sondern fielen mit derben Fäusten über den socar o pobre Pedro com seus punhos enormes, armen Peter her und walkten ihn derb, bis er e o bateram até que a dor o fez soltar o terceiro vor Schmerzen das Gewand des dritten ließ homem, e exausto caiu de joelhos. “Você teve o und erschöpft in die Knie sank.» Jetzt hast du que merecia”, disseram eles, rindo, “e aprenda dein Teil «,sprachen sie lachend, » und merk seu tolo, nunca mais tocar em pessoas como nós dir, toller Bursche, daß du Leute, wie wir sind, pelo caminho.” nimmer anfällst auf offenem Wege. «

» Ach, ich will mir es gewißlich merken ! « “Ah! Vou me lembrar disso”, retrucou Pedro erwiderte Kohlenpeter seufzend, » aber so ich carvoeiro. “Mas já que apanhei, sejam generosos die Schläge habe, seid so gut und saget e digam o que ele estava cantando”. Eles riram e deutlich, was jener gesungen ! « Da lachten sie zombaram dele de novo, mas o sujeito que havia aufs neue und spotteten ihn aus; aber der das cantado, repetiu-lhe a canção, depois foram gesungen, sagte es ihm vor, und lachend embora rindo e cantando. und singend zogen sie weiter.

» Also sehen «, sprach der arme “Então, é ver”, disse o pobre Pedro Geschlagene, indem er sich mühsam machucado, levantando-se devagar com muita aufrichtete, » sehen auf stehen jetzt, dificuldade e dolorido; - “então é o verbo ver no Glasmännlein, wollen wir wieder ein Wort lugar de ficar, homenzinho de vidro, vejamos zusammen sprechen. « Er ging in die Hütte, como é que fica agora, vejamos novas holte seinen Hut und den langen Stock, nahm combinações de palavras”. Ele entrou na cabana, Abschied von den Bewohnern der Hütte und pegou seu chapéu e seu bastão comprido, trat seinen Rückweg nach dem Tannenbühl despediu-se dos moradores da cabana e deu an. Er ging langsam und sinnend seine Straße, meia-volta para o Tannenbühl”. Seguiu seu denn er mußte ja einen Vers ersinnen; endlich, caminho, devagar e pensativo, pois precisava als er schon in dem Bereich des Tannenbühls inventar um verso, por fim, quando já estava no ging und die Tannen höher und dichter ambiente do Tannenbühl, e os pinheiros eram wurden, hatte er auch seinen Vers gefunden mais altos e mais próximos, achou seu verso, e und machte vor Freude einen Sprung in die deu um pulo de alegria. De repente, viu saindo Höhe. Da trat ein riesengroßer Mann in de trás das árvores, um homem gigantesco Flözerkleidung und eine Stange so lang wie vestido como um balseiro, ele segurava na mão ein Mastbaum in der Hand hinter den Tannen um bastão tão grande quanto o mastro de um hervor. Peter Munk sank beinahe in die Knie, navio. Pedro Munk quase caiu de joelhos quando als er jenen langsamen Schrittes neben sich o viu andando lentamente ao seu lado, pois wandeln sah; denn er dachte, das ist der pensou que aquele não era outro senão o Holländer - Michel und kein anderer. Noch holandês Michel. Ainda assim, a figura terrível immer schwieg die furchtbare Gestalt, und se manteve em silêncio, e Pedro lançava um Peter schielte zuweilen furchtsam nach ihm olhar de lado, de vez em quando. Ele tinha, de hin. Er war wohl einen Kopf größer als der fato, a maior cabeça que Pedro já vira, seu rosto längste Mann, den Peter je gesehen; sein não era mais jovem e ainda nem tão velho, mas Gesicht war nicht mehr jung, doch auch nicht estava cheio de sulcos e rugas, ele usava um alt,aber voll Furchen und Falten; er trug ein gibão de linho, e as enormes botas, puxadas por Wams von Leinwand, und die ungeheuren seu calção de couro, eram bem conhecidas de 120

Stiefel, über die Lederbeinkleider Pedro pela lenda. heraufgezogen, waren Peter aus der Sage wohlbekannt.

» Peter Munk, was tust du im Tannenbühl ? “O que você está fazendo no Tannenbühl, « fragte der Waldkönig endlich mit tiefer, Pedro Munk?”, perguntou finalmente o rei da dröhnender Stimme. floresta, com uma voz profunda e estrondosa.

» Guten Morgen, Landsmann «, antwortete “Bom dia, compatriota”, respondeu Pedro, Peter, indem er sich unerschrocken zeigen querendo se mostrar destemido, mas tremendo wollte, aber heftig zitterte, » ich will durch den violentamente, disse: “eu quero voltar para casa Tannenbühl nach Haus zurück. « pelo Tannenbühl”.

» Peter Munk «, erwiderte jener und warf “Pedro Munk!”, respondeu Michel, lançando einen stechenden, furchtbaren Blick nach ihm um olhar penetrante e terrível para ele, “o seu herüber, » dein Weg geht nicht durch diesen caminho não passa por esse bosque”. Hain.«

» Nun, so gerade just nicht «, sagte jener, » “Bem, não exatamente”, disse Pedro, “mas aber es macht heute warm, da dachte ich, es como está um dia quente, pensei que seria mais wird hier kühler sein. « agradável por aqui.”

» Lüge nicht, du, Kohlenpeter ! « rief “Não minta, Pedro carvoeiro”, gritou Michel, Holländer - Michel mit donnernder Stimme, » com uma voz trovejante, “ou eu te derrubo com oder ich schlag ' dich mit der Stange zu Boden; este bastão, pensa que não o vi implorando ao meinst, ich hab' dich nicht betteln sehen bei pequenino?” acrescentou suavemente. “Ora, ora dem Kleinen ? « setzte er sanft hinzu. » Geh, foi um truque bobo, e ainda bem que você não geh, das war ein dummer Streich, und gut ist sabe o versinho, o pequeno é um avarento, não es, daß du das Sprüchlein nicht wußtest; er ist dá muito e quando dá, quem recebe não tem uma ein Knauser, der kleine Kerl, und gibt nicht vida muito alegre. Você é um pobre e tolo Pedro, viel, und wem er gibt, der wird seines Lebens e minha alma se entristece por você; você, um nicht froh.Peter, du bist ein armer Tropf und sujeito tão vigoroso e bonito, certamente poderia dauerst mich in der Seele; so ein munterer, fazer algo melhor na vida do que carvão. schöner Bursche, der in der Welt was Enquanto outros ganham grandes táleres e anfangen könnte, und sollst Kohlen brennen ! ducados, você mal pode gastar alguns centavos, Wenn andere große Taler oder Dukaten aus é uma vida miserável.” dem Ärmel schütteln, kannst du kaum ein paar Sechser aufwenden; 's ist ein ärmlich Leben. «

» Wahr ist's, und recht habt Ihr, ein elendes “Tu tens razão, é uma vida miserável.” Leben. «

» Na, mir soll's nicht drauf ankommen «, “Bem, isso não importa”, continuou o fuhr der schreckliche Michel fort, » hab ' assustador Michel, “pois já salvei mais de um schon manchem braven Kerl aus der Not bom moço, e você não seria o primeiro. Diga geholfen, und du wärest nicht der erste. Sag ' quantas centenas de táleres você precisa para einmal, wieviel hundert Taler brauchst du fürs começar ?”. erste ? »

Bei diesen Worten schüttelte er das Geld in Ao dizer essas palavras, ele sacudiu as moedas seiner ungeheuren Tasche untereinander, und em seu bolso enorme, e soou como no sonho es klang wieder wie diese Nacht im Traum. daquela noite. Mas com essas palavras, o Aber Peters Herz zuckte ängstlich und coração de Pedro palpitava de medo e dor, schmerzhaft bei diesen Worten, es wurde ihm sentia-se frio e quente, e o holandês Michel não kalt und warm, und der Holländer - Michel parecia ser um tipo que dá dinheiro por caridade, 121 sahnicht aus, wie wenn er aus Mitleid Geld sem exigir nada em troca. Então, lhe ocorreu as wegschenkte, ohne etwas dafür zu verlangen. palavras misteriosas do velho homem sobre as Es fielen ihm die geheimnis vollen Worte des pessoas ricas, e instigado por uma inexplicável alten Mannesüber die reichen Menschen ein, ansiedade e medo, ele gritou “Muito obrigado, und von unerklärlicher Angst und Bangigkeit mas não desejo ter qualquer coisa com vosmecê, gejagt, rief er: » Schönen Dank, Herr ! Aber já vos conheço bem”. E começou a correr o mais mit Euch will ich nichts zu schaffen haben, rápido que podia. O espírito da floresta, no und ich kenn ' Euch schon «, und lief, was er entanto, caminhou ao seu lado com passos laufen konnte. Aber der Waldgeist schritt mit desmesurados, murmurando e ameaçando: ungeheuren Schritten neben ihm her und “você ainda vai se arrepender, Pedro, está escrito murmelte dumpf und drohend: » Wirst's noch em sua testa e lê-se em seus olhos. Você não me bereuen, Peter, auf deiner Stirne steht's escapa. Não corra tão rápido, ouça ao menos geschrieben, in deinem Auge ist's zu lesen; du uma palavra racional, logo adiante é o meu entgehst mir nicht. Lauf nicht so schnell, höre limite!”. nur noch ein vernünftges Wort, dort ist schon meine Grenze ! «

Aber als Peter dies hörte und unweit vor ihm Mas quando Pedro ouviu isso e viu, a pouca einen kleinen Graben sah, beeilte er sich nur distância de si uma pequena vala, apressou-se noch mehr, über die Grenze zu kommen, so ainda mais para ultrapassar o limite, de modo daß Michel am Ende schneller laufen mußte que Michel teve que acabar correndo mais, und unter Flüchen und Drohungen ihn perseguindo-o com maldições e ameaças. O verfolgte. Der junge Mann setzte mit einem jovem passou por cima da vala com um salto verzweifelten Sprung über den Graben; denn desesperado; pois viu que o espírito da floresta er sah, wie der Waldgeist mit seiner Stange levantou a mão segurando uma vara e tentou ausholte und sie auf ihn niederschmettern esmagá-lo com ela; finalmente alcançou o outro lassen wollte; er kam glücklich jenseits an, lado e a vara lacrou-se no ar, como contra uma und die Stange zersplitterte in der Luft, wie an parede invisível, e um longo pedaço caiu ao lado einer unsichtbaren Mauer, und ein langes de Pedro. Stück fiel zu Peter herüber.

Triumphierend hob er es auf, um es dem Triunfante, ele o pegou para jogá-lo no rude groben Holländer - Michel zuzuwerfen; aber holandês Michel; mas naquele instante sentiu o in diesem Augenblick fühlte er das Stück Holz pedaço de madeira mover-se em sua mão e, para in seiner Hand sich bewegen, und zu seinem seu horror, percebeu que segurava uma enorme Entsetzen sah er, daß es eine ungeheure serpente, que se erguia em direção ao seu rosto Schlange sei, was er in der Hand hielt, die sich com a língua venenosa e os olhos brilhantes. Ele schon mit geifernder Zunge und mit a soltou, mas ela já se contorcia em volta do seu blitzenden Augen an ihm hinaufbäumte. Er braço e, com a cabeça vibrando, se aproximava ließ sie los; aber sie hatte sich schon fest um ainda mais do rosto dele. Nesse instante, no seinen Arm gewickelt und kam mit entanto, um imenso galo silvestre voou baixo, schwanken dem Kopfe seinem Gesicht immer agarrou a cabeça da serpente com o bico e a näher; da rauschte auf einmal ein ungeheurer carregou no ar. O holandês Michel, que Auerhahn nieder, packte den Kopf der observara tudo isso do outro lado da vala, Schlange mit dem Schnabel, erhob sich mit ihr esbravejou, gritou e se enfureceu ao ver a in die Lüfte, und Holländer – Michel, der dies serpente carregada por outro animal mais alles von dem Graben aus gesehen hatte, violento que ela. heulte und schrie und raste, als die Schlange von einem Gewaltigeren entführt ward.

Erschöpft und zitternd setzte Peter seinen Exausto e trêmulo, Pedro continuou seu Weg fort; der Pfad wurde steiler, die Gegend caminho, este se tornou mais íngreme, a região 122 wilder, und bald befand er sich an der mais selvagem e logo ele se viu diante do grande ungeheuren Tanne. Er machte wieder seine pinheiro. Fez novamente uma reverência ao Verbeugungen gegen das unsichtbare invisível homenzinho de vidro, como havia feito Glasmännlein und hub dann an: no dia anterior, e disse:

»Schatzhauser im grünen Tannenwald, “Guardião do tesouro da floresta de pinheiros verdes, Bist schon viel hundert Jahre alt; Já estás aqui há cem anos, Dein ist all Land, wo Tannen stehn, Toda terra te pertence, onde os pinheiros estão Läßt dich nur Sonntagskindern sehn.« Deixai os nascidos aos domingos te ver”

» Hast's zwar nicht ganz getroffen; aber weil “Não acertastes ao todo, mas como és o du es bist, Kohlenmunk – Peter, so soll es carvoeiro Pedro Munk, vou deixar passar”, disse hingehen «, sprach eine zarte, feine Stimme uma voz suave e delicada. Atônito, olhou em neben ihm. Erstaunt sah er sich um, und unter volta, e eis que debaixo de um belo pinheiro einer schönen Tanne saß ein kleines, altes estava sentado um homenzinho velho com gibão Männlein in schwarzem Wams und roten preto, meias vermelhas e um grande chapéu na Strümpfen und den großen Hut auf dem Kopf. cabeça. Ele tinha um rostinho fino e afável e uma Er hatte ein feines, freundliches Gesichtchen barbinha tão delicada quanto uma teia de aranha, und ein Bärtchen so zart wie aus Spinnweben; fumava um cachimbo de vidro azul, er rauchte, was sonderbar anzusehen war, aus espetacularmente estranho, e quando Pedro se einer Pfeife von blauem Glas, und als Peter aproximou, observou atônito, que as roupas, os näher trat, sah er zu seinem Erstaunen, daß sapatos e o chapéu do homenzinho também eram auch Kleider, Schuhe und Hut des Kleinen aus de vidro colorido, que era tão flexível como se gefärbtem Glas bestanden; aber es war ainda estivesse quente, dobrando-se como pano geschmeidig, als ob es noch heiß wäre; denn a cada movimento do pequeno homem. es schmiegte sich wie Tuch nach jeder Bewegung des Männleins.

» Du hast dem Flegel begegnet, dem “Você passou pelo grosseiro holandês Holländer – Michel ? « sagte der Kleine, Michel?”, perguntou o homenzinho, rindo indem er zwischen jedem Wort sonderbar estranhamente entre cada palavra. “Ele queria te hüstelte, » er hat dich recht ängstigen wollen, assustar, mas eu peguei seu porrete mágico que aber seinen Kunstprügel habe ich ihm ele nunca mais vai recuperar”. abgejagt, den soll er nimmer wiederkriegen. «

» Ja, Herr Schatzhauser «, erwiderte Peter “Sim, senhor guardião do tesouro”, respondeu mit einer tiefen Verbeugung, » es war mir Pedro, com uma profunda reverência: “eu estava recht bange. Aber Ihr seid wohl der Herr terrivelmente assustado. Mas suponho que era Auerhahn gewesen, der die Schlange você, o galo silvestre que matou a serpente; por totgebissen; da bedanke ich mich isso o agradeço. Venho a você, no entanto, para schönstens.Ich komme aber, um mir Rat zu pedir um conselho, estou em péssimas condições holen bei Euch; es geht mir gar schlecht und e dificuldades, a queima de carvão não é hinderlich; ein Kohlenbrenner bringt es nicht lucrativa e como ainda sou jovem, acho que weit, und da ich noch jung bin, dächte ich poderia fazer algo melhor; e quando vejo muitas doch, es könnte noch was Besseres aus mir vezes o que outros alcançaram em tão pouco werden; und wenn ich oft andere sehe, wie tempo; menciono aqui o Ezequiel e o rei de salão weit die es in kurzer Zeit gebracht haben; de baile que possuem rios de dinheiro”. wenn ich nur den Ezechiel nehme und den Tanzbodenkönig, die haben Geld wie Heu. «

» Peter «, sagte der Kleine sehr ernst und “Pedro”, disse o homenzinho, com muita blies den Rauch aus seiner Pfeife weit hinweg; seriedade, soprando ao longe a fumaça de seu 123

» Peter, sag mir nichts von diesen. Was haben cachimbo,” não fale comigo sobre esses sie davon, wenn sie hier ein paar Jahre dem homens. De que adianta eles estarem Schein nach glücklich und dann nachher desto aparentemente felizes por alguns anos se mais unglücklicher sind ? Du mußt dein Handwerk tarde serão infelizes? Vós não deveis desprezar nicht verachten; dein Vater und Großvater seu oficio, seu pai e seu avô eram pessoas waren Ehrenleute und haben es auch honestas, e tinham o mesmo ofício, Pedro getrieben, Peter Munk ! Ich will nicht hoffen, Munk! Não quero acreditar que é o amor pela daß es Liebe zum Müßiggang ist, was dich zu ociosidade que o faz vir até mim.” mir führt. «

Peter erschrak vor dem Ernst des Männleins Pedro ficou corado e surpreso com a seriedade und errötete. » Nein «, sagte er, » Müßiggang do homenzinho. “Não”, disse ele, “ociosidade é ist aller Laster Anfang, aber das könnet Ihr mir a raiz de todo vício, mas vós não podeis me nicht übelnehmen, wenn mir ein anderer Stand culpar por eu querer uma condição melhor do besser gefällt als der meinige. Ein que a minha. Um carvoeiro é, na verdade, uma Kohlenbrenner ist halt so gar etwas Geringes pessoa insignificante neste mundo, os auf der Welt, und die Glasleute und Flözer und fabricantes de vidro, os balseiros e os fabricantes Uhrmacher und alle sind angesehener. « de relógios são pessoas muito mais distintas”.

» Hochmut kommt oft vor dem Fall «, “Quanto maior o orgulho maior a queda”, erwiderte der kleine Herr vom Tannenwald respondeu gentilmente, o homenzinho da etwas freundlicher. » Ihr seid ein sonderbar floresta de pinheiros. “Vós humanos sois uma Geschlecht, ihr Menschen ! Selten ist einer raça singular! É raro alguém se contentar com a mit dem Stand ganz zufrieden, in dem er condição em que nasceu e cresceu, se você fosse geboren und erzogen ist, und was gilt's, wenn um fabricante de vidro, desejaria ser du ein Glasmann wärest, möchtest du gern ein comerciante de madeira e, se fosse comerciante Holzherr sein, und wärest du Holzherr, so de madeira, você teria o lugar do engenheiro stünde dir des Försters Dienst oder des florestal ou a residência do oficial de justiça. Amtmanns Wohnung an. Aber es sei: Wenn Mas tudo bem, se você prometer trabalhar duro, du versprichst, brav zu arbeiten, so will ich dir eu te ajudo a conseguir algo melhor. Pedro, eu zu etwas Besserem verhelfen, Peter. Ich concedo três desejos àqueles nascidos num pflege jedem Sonntagskind, das sich zu mir zu domingo, que sabem como me encontrar. Os finden weiß, drei Wünsche zu gewähren. Die dois primeiros são completamente livres de ersten zwei sind frei; den dritten kann ich qualquer condição, o terceiro eu posso recusar, verweigern, wenn er töricht ist. So wünsche se for uma tolice. Portanto, faça agora seu dir also jetzt etwas; aber Peter,etwas Gutes pedido, mas lembre-se, Pedro, algo bom e útil.” und Nützliches ! «

» Heisa ! Ihr seid ein treffliches “Ah tá, vós sois um excelente homenzinho de Glasmännlein, und mit Recht nennt man Euch vidro, e é justo que as pessoas vos chameis de Schatzhauser, denn bei Euch sind die Schätze guardião do tesouro, pois com vosmecê, os zu Hause.Nu und also darf ich wünschen, tesouros estão protegidos. Pois bem, já que eu wonach mein Herz begehrt, so will ich denn posso desejar o que meu coração anseia, meu fürs erste, daß ich noch besser tanzen könne primeiro desejo é que eu possa dançar melhor als der Tanzbodenkönig; und jedesmal noch que o rei do salão de baile; e ter sempre mais einmal so viel Geld ins Wirtshaus bringe als dinheiro que ele quando estiver na hospedaria”. er. «

» Du Tor ! « erwiderte der Kleine zürnend. “Tolo!”, respondeu o homenzinho com raiva. » Welch ein erbärmlicher Wunsch ist dies, gut “Que desejo insignificante é esse, poder dançar tanzen zu können und Geld zum Spiel zu bem e ter dinheiro para jogar! Tolo Pedro! Você haben ! Schämst du dich nicht, dummer Peter, não se envergonha de trair sua própria dich selbst so um dein Glück zu betrügen ? felicidade? Que bem fará a você e a sua pobre 124

Was nützt es dir und deiner armen Mutter, mãe saber dançar? De que lhe servirá o dinheiro, wenn du tanzen kannst ? Was nützt dir dein se deseja gastá-lo todo na hospedaria, igual ao Geld, das nach deinem Wunsch nur für das dinheiro do infeliz rei do salão de baile? E então Wirtshaus ist und wie das des elenden não terás nada para a semana inteira e morrerás Tanzbodenkönigs dort bleibt ? Dann hast du de fome. Outro desejo, concedo a você wieder die ganze Woche nichts und darbst wie livremente, mas tenha o cuidado de desejar algo zuvor. Noch einen Wunsch gebe ich dir frei; mais sensato”. aber sieh dich vor, daß du vernünftiger wünschest ! «

Peter kratzte sich hinter den Ohren und Pedro coçou a orelha e, após hesitar, disse: sprach nach einigem Zögern: » Nun, so “desejo a melhor e mais rica fábrica de vidro da wünsche ich mir die schönste und reichste Floresta Negra, com tudo equipado e com Glashütte im ganzen Schwarzwald mit allem dinheiro para geri-la”. Zubehör und Geld, sie zu leiten. «

»Sonst nichts?« fragte der Kleine mit “Nada mais?”, perguntou o homenzinho, com besorglicher Miene. »Peter, sonst nichts?» uma expressão de ansiedade, “Nada mais, Pedro?” » Nun Ihr könnet noch ein Pferd dazutun “Bem! Você pode acrescentar um cavalo e um und ein Wägelchen - « carrinho.”

» Oh, du dummer Kohlenmunk – Peter ! « “Ah tolo carvoeiro Pedro Munk”, gritou o rief der Kleine und warf seine gläserne Pfeife homenzinho, enquanto atirava, desgostoso, seu im Unmut an eine dicke Tanne, daß sie in cachimbo de vidro contra um pinheiro grosso, de hundert Stücke sprang. » Pferde ? Wägelchen? modo que se partiu em cem pedaços. “Cavalos? Verstand, sag' ich dir, Verstand, gesunden Carrinhos? Juízo, eu lhe digo, juízo, bom senso Menschen verstand und Einsicht hättest du e compreensão, é o que você deveria ter wünschen sollen, aber nicht Pferdchen und desejado, e não cavalinhos e carrinhos! Bem, Wägelchen. Nun,werde nur nicht so traurig, não fique tão triste, vejamos o que podemos wir wollen sehen, daß es auch so nicht zu fazer para que tudo dê certo, pois o segundo deinem Schaden ist; denn der zweite Wunsch desejo não é de todo estúpido. Uma boa fábrica war im ganzen nicht töricht. Eine gute de vidro unirá o homem e seu mestre, você só Glashütte nährt auch ihren Mann und Meister; deveria ter desejado inteligência e juízo; cavalo nur hättest du Einsicht und Verstand dazu e carro viriam naturalmente”. mitnehmen können, Wagen und Pferde wären dann wohl von selbst gekommen. «

» Aber, Herr Schatzhauser «, erwiderte “Mas senhor guardião do tesouro”, respondeu Peter, » ich habe ja noch einen Wunsch übrig; Pedro, “eu ainda tenho um último desejo; e da könnte ich ja Verstand wünschen, wenn er posso muito bem desejar juízo, já que preciso mir so nötig ist, wie Ihr meinet. « tanto dele, como o senhor imagina. ”

» Nichts da; du wirst noch in manche “De maneira alguma; você ainda terá alguns Verlegenheit kommen, wo du froh sein wirst, problemas e ficará contente por ainda ter um wenn du noch einen Wunsch frei hast; und nun desejo, e agora pegue o caminho de casa. Aqui mache dich auf den Weg nach Hause. Hier está”, disse o pequeno fantasma dos pinheiros, sind «, sprach der kleine Tannengeist, indem tirando do bolso uma pequena bolsa. “Aqui estão er ein kleines Beutelein aus der Tasche zog, » dois mil florins, e que isso seja o suficiente, e hier sind zweitausend Gulden, und damit não venha me pedir dinheiro novamente, pois se genug, und komm mir nicht wieder, um Geld o fizer, terei de pendurá-lo no pinheiro mais alto. zu fordern, denn dann müßte ich dich an die É assim que sempre agi, desde que vivo na höchste Tanne aufhängen ! So hab' ich's floresta. Três dias atrás, faleceu o velho 125 gehalten, seit ich in dem Wald wohne. Vor Winkfritz, que tinha uma grande fábrica de vidro drei Tagen aber ist der alte Winkfritz na floresta de baixo. Vá lá amanhã de manhã e gestorben, der die große Glashütte gehabt hat faça uma oferta justa por ela! Mantenha-se bem, im Unterwald. Dorthin gehe morgen frühe und e seja dedicado, irei vê-lo de vez em quando, e o mach ein Bot auf das Gewerbe, wie es recht ajudarei com conselhos e apoio, desde que não ist ! Halt dich wohl, sei fleißig, und ich will tenha perdido o bom senso. Mas digo-lhe dich zuweilen besuchen und dir mit Rat und seriamente que seu primeiro desejo foi mal. Tat an die Hand gehen, weil du dir doch Pedro, evite visitar a hospedaria! Ninguém que keinen Verstand erbeten. Aber, das sag' ich dir o fez prosperou por muito tempo.” Enquanto ernstlich, dein erster Wunsch war böse. Nimm falava com ele, o homenzinho pegara do bolso dich in acht vor dem Wirtshauslaufen, Peter ! um cachimbo novo, do mais belo dos vidros e 's hat noch bei keinem lange gut getan.« Das encheu de abetos e enfiou na boca pequena e Männlein hatte, während es dies sprach, eine desdentada. Então, pegou um copo enorme, neue Pfeife vom schönsten Beinglas colocou-o no sol e acendeu seu cachimbo. Ao hervorgezogen, sie mit gedörrten fazer isso, ofereceu gentilmente sua mão a Tannenzapfen gestopft und in den kleinen, Pedro, e acrescentou mais algumas palavras de zahnlosen Mund gesteckt. Dann zog es ein conselho salutar que ele poderia seguir, soprou e ungeheures Brennglas hervor, trat in die soprou ainda mais rápido, e finalmente Sonne und zündete seine Pfeife an. Als er desapareceu em uma nuvem de fumaça que damit fertig war, bot er dem Peter freundlich cheirava a genuíno tabaco holandês, e, die Hand, gab ihm noch ein paar gute Lehren lentamente se curvando, desapareceu no meio auf den Weg, rauchte und blies immer dos topos dos pinheiros. schneller und verschwand endlich in einer Rauchwolke, die nach echtem holländischem Tabak roch und, langsam sich kräuselnd, in den Tannenwipfeln vorschwebte.

Als Peter nach Hause kam, fand er seine Ao chegar em casa, Pedro encontrou sua mãe Mutter sehr in Sorgen um ihn; denn die gute muito preocupada, pois a boa mulher pensava Frau glaubte nicht anders, als ihr Sohn sei zum que seu filho havia sido, de fato, recrutado para Soldaten ausgehoben worden. Er aber war soldado. Ele, no entanto, estava em grande fröhlich und guter Dinge und erzählte ihr, wie alegria e cheio de esperança, e relatou-lhe como er im Walde einen guten Freund getroffen, der havia se encontrado com um bom amigo na ihm Geld vorgeschossen habe, um ein anderes floresta, que havia lhe adiantado dinheiro para Geschäft als Kohlenbrennen anzufangen. começar um outro ofício. Embora sua mãe Obgleich seine Mutter schon seit dreißig tivesse vivido por trinta anos em uma cabana de Jahren in der Köhlerhütte wohnte und an den carvoeiros, e estivesse tão acostumada a ver Anblick berußter Leute so gewöhnt war als rostos cheios de fuligens, como toda mulher de jede Müllerin an das Mehlgesicht ihres moleiro está acostumada a ver a cara farinhenta Mannes, so war sie doch eitel genug, sobald de seu marido, ela logo ficou vaidosa e ihr Peter ein glänzenderes Los zeigte, ihren desprezou sua condição anterior, assim que früheren Stand zu verachten und sprach: » Ja, Pedro lhe mostrou um lote esplêndido, e disse: als Mutter eines Mannes, der eine Glashütte “na verdade, como a mãe de um homem que besitzt, bin ich doch was anderes als possui uma fábrica de vidro, eu realmente sou Nachbarin Grete und Bete und setze mich in diferente das vizinhas Grete e Bete, e no futuro Zukunft vornehin in der Kirche, wo rechte me sentarei à frente na igreja, onde as pessoas do Leute sitzen.« Ihr Sohn aber wurde mit den bem se sentam”. Seu filho, contudo, chegou a Erben der Glashütte bald handelseinig; er um acordo com o herdeiro da fábrica de vidro. behielt die Arbeiter, die er vorfand, bei sich Ele manteve os trabalhadores que já estavam ali und ließ nun Tag und Nacht Glas machen. e os fez trabalhar dia e noite na fabricação de Anfangs gefiel ihm das Handwerk wohl. Er vidro. No começo ele gostou do trabalho. Ele 126

pflegte gemächlich in die Glashütte costumava ir em silêncio até a cabana de vidro, hinabzusteigen, ging dort mit vornehmen onde se movia com passos elegantes e mãos Schritten, die Hände in die Taschen gesteckt, enfiadas nos bolsos, olhando aqui e ali, dizendo hin und her, guckte dahin, guckte dorthin, isso ou aquilo, que seus trabalhadores riam sprach dies und jenes, worüber seine Arbeiter muitas vezes. Seu maior deleite era ver o sopro oft nicht wenig lachten, und seine größte de vidro, e às vezes ele se punha a trabalhar e Freude war, das Glas blasen zu sehen, und oft formava as figuras mais curiosas com massa machte er sich selbst an die Arbeit und formte ainda macia. Mas logo, perdeu o prazer do aus der noch weichen Masse die trabalho; primeiro vinha apenas por uma hora do sonderbarsten Figuren. Bald aber war ihm die dia à cabana, depois apenas a cada dois dias e, Arbeit entleidet, und er kam zuerst nur noch finalmente, apenas uma vez por semana, de eineStunde des Tages in die Hütte, dann nur modo que seus operários faziam exatamente o alle zwei Tage, endlich die Woche nur einmal, que queriam. E tudo ocorria na hospedaria. No und seine Gesellen machten, was sie wollten. domingo, depois de voltar do Tannenbühl, ele Das alles kam aber nur vom Wirtshauslaufen. entrou na hospedaria e, naquele momento, quem Den Sonntag, nachdem er vom Tannenbühl pulava no salão era o rei do salão – de – baile, e zurückgekommen war, ging er ins Wirtshaus, o gordo Ezequiel já estava sentado diante da und wer schon auf dem Tanzboden sprang, jarra de cerveja e jogava suas coroas de táleres. war der Tanzbodenkönig, und der dicke Então, Pedro rapidamente enfiou a mão no bolso Ezechiel saß auch schon hinter der Maßkanne para saber se o homenzinho de vidro tinha und knöchelte121 um Kronentaler. Da fuhr mantido sua palavra e, eis que seu bolso estava Peter schnell in die Tasche, zu sehen, ob ihm cheio de ouro e prata. Ele também sentiu uma das Glasmännlein Wort gehalten, und siehe, coceira e espasmos nas pernas, como se seine Tasche strotzte von Silber und Gold. quisessem pular e dançar. Quando a primeira Auch in seinen Beinen zuckte und drückte es, dança acabou, ele tomou o seu lugar junto à wie wenn sie tanzen und springen wollten, parceira ao lado do rei – do – salão – de – baile, und als der erste Tanz zu Ende war, stellte er e se este último pulava três pés de altura, Pedro sich mit seiner Tänzerin oben an neben den saltava quatro, e se ele marcava passos belos e Tanzbodenkönig, und sprang dieser drei graciosos, Pedro se enroscava e torcia as pernas Schuh hoch, so flog Peter vier, und machte de tal maneira que todos os espectadores dieser wunderliche und zierliche Schritte, so ficavam completamente maravilhados com verschlang und drehte Peter seine Füße, daß deleite e admiração. Mas quando se ouvia no alle Zuschauer vor Lust und Verwunderung salão de dança que Pedro comprara uma fábrica beinahe außer sich kamen. Als man aber auf de vidro, e quando as pessoas viram que ele, ao dem Tanzboden vernahm, daß Peter eine passar pelos músicos, jogava algumas moedas Glashütte gekauft habe, als man sah, daß er, para eles, houve um espanto sem fim. Alguns so oft er an den Musikanten vorbeitanzte, achavam que ele havia encontrado um tesouro ihnen einen Sechsbätzner zuwarf, da war des na floresta, outros opinavam que ele havia Staunens kein Ende. Die einen glaubten, er conseguido alguma fortuna, mas todos o habe einen Schatz im Walde gefunden, die respeitavam agora, e o consideravam um homem anderen meinten, er habe eine Erbschaft feito, simplesmente porque ele tinha muito getan, aber alle verehrten ihn jetzt und hielten dinheiro. Naquela mesma noite, ele perdeu vinte ihn für einen gemachten Mann, nur weil er florins em jogo, e ainda assim seus bolsos Geld hatte. Verspielte er doch noch an tilintaram e formigaram como se houvesse cem demselben Abend zwanzig Gulden, und nichts táleres neles. destominder rasselte und klang es in seiner Tasche, wie wenn noch hundert Taler darin wären.

121 Knöchelte – würfelte – jogava (Nota do editor), (tradução nossa). 127

Als Peter sah, wie angesehen er war, wußte Quando Pedro constatou como era isto, não er sich vor Freude und Stolz nicht zu fassen. conseguia mais se conter de alegria e orgulho. Er warf das Geld mit vollen Händen weg und Jogou um punhado de dinheiro e distribuiu teilte es den Armen reichlich mit, wußte er intensamente entre os pobres, sabendo bem doch, wie ihn selbst einst die Armut gedrückt como a pobreza o havia tocado anteriormente. hatte. Des Tanzbodenkönigs Künste As proezas do rei- do – salão – de-baile foram wurdenvor den übernatürlichen Künsten des completamente apagadas pelas do novo neuen Tänzers zuschanden, und Peter führte dançarino, e Pedro foi apelidado de o jetzt den Namen Tanz – Kaiser. Die “imperador do salão de baile”. Nem os jogadores unternehmendsten Spieler am Sonntag wagten mais ousados haviam apostado tanto quanto ele nicht so viel wie er, aber sie verloren auch em um domingo, nem haviam perdido tanto. E nicht so viel. Und je mehr er verlor, desto quanto mais ele perdia mais ele ganhava. E era mehr gewann er. Das verhielt sich aber ganz exatamente isso que havia exigido do so, wie er es vom kleinen Glasmännlein homenzinho de vidro. Desejava ter sempre tanto verlangt hatte. Er hatte sich gewünscht, immer dinheiro em seu bolso quanto o gordo Ezequiel. so viel Geld in der Tasche zu haben, wie der E foi para esse mesmo homem que perdeu o dicke Ezechiel. Und gerade dieser war es, an dinheiro. Se ele perdesse vinte ou trinta florins welchen er sein Geld verspielte. Und wenn er de uma só vez, eles seriam imediatamente zwanzig, dreißig Gulden auf einmal verlor, so substituídos em seu próprio bolso, assim que hatte er sie als bald wieder in der Tasche, Ezequiel os embolsasse. Aos poucos, ele levava wenn sie Ezechiel einstrich. Nach und nach adiante sua diversão e jogos de azar, mais do que brachte er es aber im Schlemmen und Spielen os piores companheiros da floresta negra, e era weiter als die schlechtesten Gesellen im mais chamado de “Pedro, jogador de apostas” do Schwarzwald, und man nannte ihn öfter que “imperador do salão de baile”; pois agora Spielpeter als Tanzkaiser; denn er spielte jetzt jogava quase todos os dias da semana. Como auch beinahe an allen Werktagen. Darüber sequência de sua imprudência, sua fábrica de kam aber seine Glashütte nach und nach in vidro faliu gradualmente. Ele havia fabricado Verfall, und daran war Peters Unverstand tanto vidro quanto pode, mas não conseguia Schuld. Glas ließ er machen, so viel man achar o segredo de vender de maneira lucrativa. immer machen konnte; aber er hatte mit der Por fim, acumulou tanto vidro a tal ponto de não Hütte nicht zugleich das Geheimnis gekauft, saber o que fazer com ele, e vendeu-o pela wohin man es am besten verschleißen könne. metade do preço a revendedores itinerantes para Er wußte am Ende mit der Menge Glas nichts pagar seus trabalhadores. anzufangen und verkaufte es um den halben Preis an herumziehende Händler, nur um seine Arbeiter bezahlen zu können.

Eines Abends ging er auch wieder vom Certa noite, voltando da hospedaria para casa, Wirtshaus heim und dachte trotz des vielen apesar da quantidade de vinho que bebera para Weines, den er getrunken, um sich fröhlich zu se divertir, ele pensava com terror e pesar sobre machen, mit Schrecken und Gram an den o declínio de sua fortuna. De repente percebeu Verfall seines Vermögens. Da bemerkte er auf alguém andando ao seu lado, olhou em volta e einmal, daß jemand neben ihm gehe; er sah eis que era o homenzinho de vidro. Então sich um, und siehe da es war das furioso, jurou e perjurou que o homenzinho era Glasmännlein. Da geriet er in Zorn und Eifer, culpado por todo o seu infortúnio. vermaß sich hoch und teuer und schwur, der Kleine sei an all seinem Unglück schuld.

» Was tu' ich nun mit Pferd und Wägelchen “O que eu faço agora com cavalo e carrinho?” ? « rief er. Ele gritou.

» Was nutzt mir die Hütte und all mein Glas “De que me serve a cabana e todo o vidro? 128

? Selbst als ich noch ein elender Quando eu era apenas um miserável queimador Köhlersbursch war, lebte ich froher und hatte de carvão, vivia mais feliz e não tinha keine Sorgen. Jetzt weiß ich nicht, wann der problemas. Agora, não sei quando o oficial de Amtmann kommt und meine Habe schätzt und justiça virá avaliar meus bens para quitar as versteigert, der Schulden wegen ! « dívidas.”

» So ? « entgegnete das Glasmännlein. » So “Ah sim?” Respondeu o homenzinho de ? Ich also soll schuld daran sein, wenn du vidro, “Eu sou, então, a causa de sua unglücklich bist ? Ist dies der Dank für meine infelicidade? É essa a gratidão pelas minhas Wohltaten ? Wer hieß dich so töricht benfeitorias? Quem mandou você desejar wünschen ? Ein Glasmann wolltest du sein tolices? Um fabricante de vidro você queria ser, und wußtest nicht, wohin dein Glas verkaufen e não sabia onde o seu vidro vender? Eu lhe disse ? Sagte ich dir nicht, du solltest behutsam para ser cauteloso no que você desejava! Bom wünschen ? Verstand, Peter, Klugheit hat dir senso e prudência, Pedro, é o que lhe faltou.” gefehlt. «

» Was, Verstand und Klugheit ! « rief jener. “O que? Bom senso e prudência!”, exclamou » Ich bin ein so kluger Bursche als irgendeiner Pedro. “Eu sou um jovem tão perspicaz quanto und will es dir zeigen, Glasmännlein «, und qualquer um, e vou provar a você, homenzinho bei diesen Worten faßte er das Männlein de vidro”, e o agarrou rudemente pelo colarinho unsanft am Kragen und schrie: » Hab ' ich dich enquanto falava essas palavras e gritou. “Agora jetzt, Schatzhauser im grünen Tannenwald ? te peguei guardião do tesouro da floresta! E Und den dritten Wunsch will ich jetzt tun, den quero já meu terceiro desejo, e você vai me sollst du mir gewähren. Und so will ich hier conceder. Terei, no ato, duzentos mil táleres e auf der Stelle zweimalhunderttausend harte uma casa e ai de mim!” - gritou ele sacudindo a Taler und ein Haus und o weh ! « schrie er und mão, pois o homenzinho da floresta havia se schüttelte die Hand; denn das Waldmännlein transformado em um vidro incandescente e hatte sich in glühendes Glas verwandelt und queimado sua mão como fogo brilhante. Nada brannte in seiner Hand wie sprühendes Feuer. mais podia ser visto. Aber von dem Männlein war nichts mehr zu sehen.

Mehrere Tage lang erinnerte ihn seine Durante vários dias, sua mão inchada geschwollene Hand an seine Undankbarkeit lembrou-lhe sua ingratidão e tolice. Logo, und Torheit. Dann aber übertäubte er sein porém, silenciou sua consciência, dizendo: “se Gewissen und sprach: » Und wenn sie mir die eles venderem minha fábrica de vidro, e tudo Glashütte und alles verkaufen, so bleibt mir mais, ainda me resta o gordo Ezequiel. Enquanto doch immer der dicke Ezechiel. So lange der ele tiver dinheiro aos domingos, também não me Geld hat am Sonntag, kann es mir nicht fehlen. faltará.” «

Ja, Peter ! Aber wenn er keines hat ? –; Und “Sim, Pedro! Mas, e se ele não tiver nada?” E so geschah es eines Tages und war ein assim aconteceu um dia, e foi um exemplo wunderliches Rechenexempel. Denn eines singular na aritmética. Pois num domingo, ele Sonntags kam er angefahren ans Wirtshaus, chegou na hospedaria, e as pessoas esticavam as und die Leute streckten die Köpfe durch die cabeças para fora das janelas e um dizia: “lá vem Fenster, und der eine sagte, da kommt der o jogador Pedro”, e o outro: “sim, o imperador Spielpeter, und der andere, ja, der Tanzkaiser, do salão de baile. O rico fabricante de vidro”, e der reiche Glasmann, und ein dritter schüttelte um terceiro balançava a cabeça, dizendo: “tudo den Kopf und sprach: » Mit dem Reichtum está muito bem com sua riqueza, mas as pessoas kann man es machen, man sagt allerlei von falam muito sobre suas dívidas, e alguém na seinen Schulden, und in der Stadt hat einer cidade disse que o oficial de justiça não demora gesagt, der Amtmann werde nicht mehr muito para embargá-lo.” Nesse momento, o rico 129 langesäumen zum Auspfänden.« Indessen Pedro saudou os convidados nas janelas, de grüßte der reiche Peter die Gäste am Fenster maneira distinta e solene, desceu de sua vornehm und gravitätisch, stieg vom Wagen carruagem e gritou: “Boa noite, Estalagem do und schrie: » Sonnenwirt, guten Abend, ist der Sol. O gordo Ezequiel já está aqui? Uma voz dicke Ezechiel schon da ? « Und eine tiefe profunda chamou: “entre, Pedro, seu lugar está Stimme rief: » Nur herein, Peter ! Dein Platz guardado, estamos todos aqui com as cartas”. ist dir aufbehalten, wir sind schon da und bei Pedro Munk entrou na sala e colocou den Karten. « So trat Peter Munk in die imediatamente a mão no bolso e percebeu, por Wirtsstube, fuhr gleich in die Tasche und estar bastante cheio, que Ezequiel deveria ser merkte, daß Ezechiel gut versehen sein müsse; abastecido em abundância. denn seine Tasche war bis oben angefüllt.

Er setzte sich hinter den Tisch zu den Sentou-se à mesa entre os outros e jogou, anderen und gewann und verlor hin und her, perdendo e ganhando alternadamente, assim und so spielten sie, bis andere ehrliche Leute continuaram jogando até a noite, quando todas nach Hause gingen, und spielten bei Licht, bis as pessoas sóbrias foram para casa. Depois de zwei andere Spieler sagten: » Jetzt ist's genug, continuarem por algum tempo à luz de velas, und wir müssen heim zu Frau und Kind. « dois dos jogadores disseram: “agora basta, Aber Spielpeter forderte den dicken Ezechiel devemos ir para casa para nossas esposas e auf zu bleiben. Dieser wollte lange nicht, filhos”. Mas o jogador Pedro pediu a Ezequiel endlich aber rief er: » Gut, jetzt will ich mein para ficar. Este não estava disposto, mas, por Geld zählen, und dann wollen wir knöchern, fim, disse: “bem, deixa eu contar meu dinheiro e den Satz um fünf Gulden; denn niederer ist es depois jogamos cinco florins na aposta; pois doch nur Kinderspiel. « Er zog den Beutel und qualquer valor menor que esse é brincadeira de zählte und fand hundert Gulden bar, und criança”. Ele sacou a bolsa e contou cem florins, Spielpeter wußte nun, wieviel er selbst habe, e o jogador Pedro sabia quanto ele mesmo tinha und brauchte es nicht erst zu zählen. Aber e não precisava contar. Mas se antes Ezequiel hatte Ezechiel vorher gewonnen, so verlor er vencera, agora ele perdia uma aposta atrás da jetzt Satz für Satz und fluchte greulich dabei. outra, e praguejou bastante. Se ele lançasse uma Warf er einen Pasch, gleich warf Spielpeter dobradinha, Pedro imediatamente lançava outra, auch einen und immer zwei Augen höher. Da e sempre dois pontos acima. Por fim, ele colocou setzte er endlich die letzten fünf Gulden auf os últimos cinco florins na mesa e disse: “mais den Tisch und rief: » Noch einmal, und wenn uma vez, e se eu perder essa também, não vou ich auch den noch verliere, so höre ich doch desistir; você então me emprestará um pouco do nicht auf; dann leihst du mir von deinem dinheiro que você ganhou agora, Pedro! Um Gewinn, Peter ! Ein ehrlicher Kerl hilft dem sujeito honesto ajuda ao outro”. anderen.«

» Soviel du willst, und wenn es hundert “Quanto você quiser, até cem florins”, disse o Gulden sein sollten «, sprach der Tanzkaiser, “imperador de salão de baile” alegre com seu fröhlich über seinen Gewinn, und der dicke ganho, e o gordo Ezequiel sacudiu os dados e Ezechiel schüttelte die Würfel und warf tirou quinze. “Ah, agora vamos ver!”, exclamou fünfzehn. » Pasch ! « rief er, » jetzt wollen wir ele, mas Pedro tirou dezoito e, neste momento, sehen ! « Peter aber warf achtzehn, und eine uma voz rouca e bem conhecida disse atrás dele: heisere bekannte Stimme hinter ihm sprach: » “Então, essa foi a última”. So, das war der letzte. «

Er sah sich um, und riesengroß stand der Olhou em sua volta e atrás de si estava a figura Holländer - Michel hinter ihm. Erschrocken gigantesca do holandês Michel. Aterrorizado, ließ er das Geld fallen, das er schon ele deixou cair o dinheiro que já havia recolhido. eingezogen hatte. Aber der dicke Ezechiel sah Mas o gordo Ezequiel, não vendo Michel, exigiu den Waldmann nicht, sondern verlangte, der que Pedro lhe adiantasse dez florins para jogar. 130

Spielpeter sollte ihm zehn Gulden vorstrecken Como num sonho, Pedro rapidamente colocou a zum Spiel; halb im Traum fuhr dieser mit der mão no bolso, mas não havia dinheiro e Hand in die Tasche, aber da war kein Geld, er procurou no outro bolso, mas foi em vão, ele suchte in der anderen Tasche, aber auch da virou ao avesso, e não caiu um quinto, nesse fand sich nichts, er kehrte den Rock um, aber instante ele recordou seu primeiro desejo, isto é, es fiel kein roter Heller heraus, und jetzt erst ter sempre tanto dinheiro no bolso quanto o gedachte er seines eigenen ersten Wunsches, gordo Ezequiel. Agora tudo desaparecera como immer soviel Geld zu haben als der dicke fumaça. Ezechiel. Wie Rauch war alles verschwunden.

Der Wirt und Ezechiel sahen ihn staunend O dono da taverna e Ezequiel olharam-no com an, als er immer suchte und sein Geld nicht espanto, enquanto ele ainda procurava seu finden konnte, sie wollten ihm nicht glauben, dinheiro e não conseguia encontrá-lo, eles não daß er keines mehr habe, aber als sie endlich acreditavam que ele não tivesse nada, mas selbst in seinen Taschen suchten, wurden sie quando revistaram seus bolsos, e não zornig und schwuren, der Spielpeter sei ein encontraram nada, ficaram enfurecidos, e böser Zauberer und habe all das gewonnene juravam que o jogador Pedro era um bruxo Geld und sein eigenes nach Hause gewünscht. maligno que desejava manter em casa todo seu Peter verteidigte sich standhaft; aber der próprio dinheiro ganho no jogo. Pedro defendeu- Schein war gegen ihn. Ezechiel sagte, er wolle se insistentemente, mas as circunstâncias die schreckliche Geschichte allen Leuten im estavam contra ele. Ezequiel disse que contaria Schwarzwald erzählen, und der Wirt essa história terrível para todas as pessoas da versprach ihm, morgen mit dem frühesten in floresta negra, e o dono da hospedaria prometeu die Stadt zu gehen und Peter Munk als que iria, na manhã seguinte até a cidade informar Zauberer anzuklagen, und er wolle es erleben, que Pedro Munk era um feiticeiro, e acrescentou setzte er hinzu, daß man ihn verbrenne. Dann que não tinha dúvidas de que ele seria queimado fielen sie wütend über ihn her, rissen ihm das vivo. Depois disso, caíram furiosamente sobre Wams vom Leib und warfen ihn zur Tür ele, rasgaram o casaco e o chutaram porta a fora. hinaus.

Kein Stern schien am Himmel, als Peter Nenhuma estrela brilhava no céu, enquanto trübselig seiner Wohnung zuschlich; aber Pedro se esgueirava tristemente em direção à sua dennoch konnte er eine dunkle Gestalt casa, mas ainda assim pode reconhecer erkennen, die neben ihm herschritt und distintamente uma forma escura caminhando ao endlich sprach: » Mit dir ist's aus, Peter Munk, seu lado, que finalmente disse: “ Está tudo all deine Herrlichkeit ist zu Ende, und das hätt' acabado para você, Pedro Munk, todo o seu ich dir schon damals sagen können, als du esplendor chegou ao fim, e eu teria te avisado, nichts von mir hören wolltest und zu dem mas você não me deu ouvidos, em vez disso, dummen Glaszwerg liefst. Da siehst du jetzt, correu para o bobo anão de vidro. Você vê agora was man davon hat, wenn man meinen Rat o que acontece quando se despreza meu verachtet. Aber versuch es einmal mit mir, ich conselho. Mas tente comigo pelo menos uma habe Mitleiden mit deinem Schicksal. Noch vez, eu sinto muito pelo seu destino. Ninguém se keinen hat esgereut, der sich an mich wandte, arrependeu de vir até a mim, e se você não se und wenn du den Weg nicht scheust, morgen importar com a caminhada até o Tannenbühl, eu den ganzen Tag bin ich am Tannenbühl zu estarei lá o dia todo amanhã e você poderá falar sprechen, wenn du mich rufst. « Peter merkte comigo, se me chamar.” Pedro agora percebia wohl, wer so zu ihm spreche, aber es kam ihn claramente quem estava falando com ele, mas ein Grauen an. Er antwortete nichts, sondern sentindo uma sensação de espanto, não lief seinem Haus zu. respondeu e correu para casa.

Als Peter am Montagmorgen in seine Quando Pedro chegou à sua fábrica na manhã Glashütte ging, da waren nicht nur seine de segunda-feira, não apenas encontrou seus 131

Arbeiter da, sondern auch andere Leute, die trabalhadores, mas também outras pessoas que man nicht gerne sieht, nämlich der Amtmann ninguém gosta de ver, o oficial de justiça e três und drei Gerichtsdiener. Der Amtmann auxiliares. O oficial desejou bom dia a Pedro, wünschte Peter einen guten Morgen, fragte, perguntou-lhe como havia dormido e depois wie er geschlafen, und zog dann ein langes tirou do bolso uma longa lista de credores de Register heraus, und darauf waren Peters Pedro e disse com um olhar severo: “você pode Gläubiger verzeichnet. » Könnt Ihr zahlen pagar ou não? Seja breve, pois não tenho tempo oder nicht ? « fragte der Amtmann mit a perder e você sabe que são três léguas até a strengem Blick. » Und macht es nur kurz, prisão.” Pedro, em desespero, confessou que não denn ich habe nicht viel Zeit zu versäumen, tinha mais nada, dizendo ao oficial que podia und in den Turm ist es drei gute Stunden. « Da avaliar todas as instalações, cavalos e carroças. verzagte Peter, gestand, daß er nichts mehr Mas, enquanto examinavam e valorizavam as habe, und überließ es dem Amtmann, Haus coisas, Pedro disse a si mesmo: “bem, é apenas und Hof, Hütte und Stall, Wagen und Pferde um curto caminho até o Tannenbühl e, como o zu schätzen; und als die Gerichtsdiener und homenzinho não me ajudou, tentarei agora pelo der Amtmann umhergingen und prüften und menos uma vez com o homem grande.” Ele schätzten, dachte er, bis zum Tannenbühl ist's correu em direção ao Tannenbühl tão rápido nicht weit, hat mir der Kleine nicht geholfen, como se os oficiais estivessem em seus so will ich es einmal mit dem Großen calcanhares. Ao passar pelo local onde o versuchen. Er lief dem Tannenbühl zu, so homenzinho de vidro falara com ele pela schnell, als ob die Gerichtsdiener ihm auf den primeira vez, sentiu como se uma mão invisível Fersen wären, es war ihm, als er an dem Platz o estivesse detendo, mas ele se afastou e correu vorbeirannte, wo er das Glasmännlein zuerst adiante até chegar à fronteira que ele havia gesprochen, als halte ihn eine unsichtbare marcado bem. E quase sem fôlego, foi Hand auf, aber er riß sich los und lief weiter chamando: “holandês Michel, senhor holandês bis an die Grenze, und kaum hatte er » Michel!”, E de repente o gigantesco balseiro Holländer – Michel, Herr Holländer – Michel com seu bastão estava diante dele. ! « gerufen, als auch schon der riesengroße Flözer mit seiner Stange vor ihm stand.

» Kommst du ? « sprach dieser lachend, » “Você vem?”, disse ele, rindo. “Eles queriam haben sie dir die Haut abziehen und deinen arrancar sua pele e vender aos seus credores? Gläubigern verkaufen wollen ? Nun, sei ruhig Bem, fique tranquilo, como eu sempre disse, ! Dein ganzer Jammer kommt, wie gesagt, von toda a sua tristeza vem do pequeno homenzinho dem kleinen Glasmännlein, von dem de vidro, aquele beato separatista. Quando se dá Separatisten und Frömmler her.Wenn man algo, deve-se dar corretamente e não como schenkt, muß man gleich recht schenken, und mesquinharia. Mas venha, continuou ele, nicht wie dieser Knauser. Doch komm, folge voltando-se para a floresta, siga-me até a minha mir in mein Haus; dort wollen wir sehen, ob casa, lá veremos se podemos negociar.” wir handelseinig werden. «

»Handelseinig? « dachte Peter. » Was kann “Negociar?”, Pensou Pedro. “O que ele pode er denn von mir verlangen, was kann ich an querer de mim, o que posso vender para ele? ihn verhandeln ? Soll ich ihm etwa dienen, Talvez devo servi-lo, ou o que será que ele oder was will er ? « Sie gingen zuerst über quer?” Subiram a primeira colina por um einen steilen Waldsteig hinan und standen caminho íngreme da floresta, quando de repente dann mit einemmal an einer dunklen, tiefen, pararam diante de um desfiladeiro, escuro e abschüssigen Schlucht; Holländer-Michel profundo. O holandês - Michel saltou tão sprang den Felsen hinab, wie wenn es eine facilmente como se descera os degraus de sanfte Marmortreppe wäre; aber bald wäre mármore de uma escada. Logo, Pedro quase caiu Peter in Ohnmacht gesunken, denn als jener quando o viu lá embaixo, erguendo-se como um 132 unten angekommen war, machte er sich so campanário, alcançando-lhe um braço tão groß wie ein Kirchturm und reichte ihm einen comprido quanto uma árvore tecelã, e com uma Arm,so lang als ein Weberbaum,und eine mão tão larga quanto a mesa da hospedaria, e Hand daran, so breit als der Tisch im chamando com uma voz que soava como os tons Wirtshaus, und rief mit einer Stimme, die profundos de um sino da morte: “sente-se na heraufschallte wie eine tiefe Totenglocke, » minha mão, segure firme pelos dedos e você não setz dich nur auf meine Hand und halte dich cairá ! ” Pedro, tremendo, fez como foi an den Fingern, so wirst du nicht fallen ! « ordenado, sentou-se sobre a mão e se segurou Peter tat zitternd, wie jener befohlen, nahm pelo polegar do gigante. Platz auf der Hand und hielt sich am Daumen des Riesen.

Es ging weit und tief hinab, aber dennoch Eles agora desciam um longo caminho muito ward es zu Peters Verwunderung nicht profundo, mas, para espanto de Pedro, não dunkler, im Gegenteil, die Tageshelle schien estava mais escuro, pelo contrário, a luz do dia sogar zuzunehmen in der Schlucht, aber er parecia aumentar no abismo, mas os olhos de konnte sie lange in den Augen nicht ertragen. Pedro não podiam suportá-la. A estatura de Der Holländer - Michel hatte sich, je weiter Michel diminuiu à medida que Pedro descia Peter herabkam, wieder kleiner gemacht und mais, e estava agora em seu tamanho normal stand nun in seiner früheren Gestalt vor einem para adentrar uma casa, exatamente como a dos Haus, so gering oder gut, als es reiche Bauern ricos camponeses da floresta negra. A sala em auf dem Schwarzwald haben. Die Stube, que Pedro era conduzido não diferia em nada da worein Peter geführt wurde, unterschied sich aparência de solidão daquelas de outras pessoas. durch nichts von den Stuben anderer Leute als dadurch, daß sie einsam schien.

Die hölzerne Wanduhr, der ungeheure O relógio de madeira de parede, o fogão de Kachelofen, die breiten Bänke, die ladrilho holandês, os largos bancos e os Gerätschaften auf den Gesimsen waren hier utensílios das prateleiras eram os mesmos como wie überall. Michel wies ihm einen Platz os de todo lugar. Michel disse-lhe para se sentar hinter dem großen Tisch an, ging dann hinaus à mesa grande, depois saiu do quarto e voltou undkam bald mit einem Krug Wein und com uma jarra de vinho e copos. Depois de Gläsern wieder. Er goß ein, und nun enchê-los, eles começaram uma conversa, e o schwatzten sie, und Holländer - Michel holandês Michel discorreu sobre os prazeres do erzählte von den Freuden der Welt, von mundo, falou sobre países estrangeiros, e lindos fremden Ländern, schönen Städten und rios e cidades, de modo que Pedro, por fim, Flüssen, daß Peter, am Ende große Sehnsucht desejando ansiosamente tais visões, disse danach bekommend, dies auch offen dem francamente a Michel seu desejo. Holländer sagte.

» Wenn du im ganzen Körper Mut und “Se você tivesse coragem e força em seu Kraft, etwas zu unternehmen, hattest, da corpo para realizar algo, poderia, então, fazer konnten ein paar Schläge des dummen tremer as batidas de seu tolo coração; e sobre as Herzens dich zittern machen; und dann die ofensas contra a honra e os infortúnios, será que Kränkungen der Ehre, das Unglück, wozu soll um sujeito racional deveria se preocupar com tal sich ein vernünftiger Kerl um dergleichen coisa? Você sentiu isso em sua cabeça quando bekümmern ? Hast du's im Kopfe empfunden, eles te chamaram de trapaceiro e canalha? Ou als dich letzthin einer einen Betrüger und lhe doeu o estômago, quando o oficial de justiça schlechten Kerl nannte ? Hat es dir im Magen veio expulsá-lo de sua casa? Diga-me, onde foi wehe getan, als der Amtmann kam, dich aus que você sentiu dor? dem Haus zu werfen ? Was, sag an, was hat dir wehe getan ? «

133

» Mein Herz «, sprach Peter, indem er die “No meu coração”, respondeu Pedro, Hand auf die pochende Brust preßte, denn es colocando a mão em seu peito pulsante, pois ele war ihm, als ob sein Herz sich ängstlich hin sentiu como se seu coração estivesse girando und her wendete. angustiante pra lá e pra cá dentro dele.

»Du hast, nimm es mir nicht übel, hundert “Não me leve a mal, mas você jogou fora Gulden an schlechte Bettler und anderes centenas de florins a mendigos e outros criados; Gesindel weggeworfen; was hat es dir genützt e o que você lucrou com isso? Eles desejaram- ? Sie haben dir dafür Segen und einen lhe bênçãos e saúde por isso? Você ficou mais gesunden Leib gewünscht; ja, bist du saudável por isso? Por metade desse dinheiro deswegen gesünder geworden ? Um die Hälfte você teria mantido um médico. Benção!? Que des verschleuderten Geldes hättest du einen benção é ser apreendido e despejado! E o que te Arzt gehalten. Segen, ja ein schöner Segen, levou, tantas vezes, a colocar a mão no bolso e wenn man ausgepfändet und ausgestoßen wird esticá-la a um mendigo com chapéu ! Und was war es, das dich getrieben, in die esfarrapado? Seu coração! De novo seu coração. Tasche zu fahren, so oft ein Bettelmann seinen Nem seus olhos, nem sua língua, nem seus zerlumpten Hut hinstreckte ? Dein Herz, auch braços, nem suas pernas, mas sim seu coração; wieder dein Herz, und weder deine Augen como diz o ditado, você tem levado muito a sério noch deine Zunge, deine Arme noch deine seu coração”. Beine, sondern dein Herz; du hast dir es, wie man richtig sagt, zu sehr zu Herzen genommen.«

» Aber wie kann man sich denn “Mas como se acostumar de outra maneira? angewöhnen, daß es nicht mehr so ist ? Ich Eu me esforço de todas as maneiras para gebe mir jetzt alle Mühe, es zu unterdrücken, reprimi-lo, mas ainda assim, ele pulsa e dói”. und dennoch pocht mein Herz und tut mir wehe. «

» Du freilich «, rief jener mit Lachen, » du “Claro que sim!”, exclamou o outro rindo, armer Schelm, kannst nichts dagegen tun; aber “pobre ladino, contra isso, nada podes fazer; mas gib mir das kaum pochende Ding, und du wirst dê-me essa coisa pulsante e verá como se sentirá sehen, wie gut du es dann hast.« bem depois”.

» Euch, mein Herz ? « schrie Peter mit “Dar a vós meu coração?”, exclamou Pedro, Entsetzen, » da müßte ich ja sterben auf der horrorizado. “Nunca! Pois senão morrerei!” Stelle ! Nimmermehr ! «

» Ja, wenn dir einer Eurer Herren Chirurgen “Sim, se um de seus cirurgiões operasse você das Herz aus dem Leibe operieren wollte, da e tirasse seu coração, você morreria, mas comigo müßtest du wohl sterben; bei mir ist dies ein é diferente, venha, entre aqui e veja você anderes Ding; doch komm herein und mesmo”. Com essas palavras, ele se ergueu e überzeuge dich selbst ! « Er stand bei diesen abriu a porta de um aposento e levou Pedro para Worten auf,öffnete eine Kammertüreund dentro. Ao pisar o limiar, seu coração contraiu- führte Peter hinein. Sein Herz zog sich se compulsivamente, mas não se importou, pois, krampfhaft zusammen, als er über die a visão que se apresentava era singular e Schwelle trat; aber er achtete es nicht; denn surpreendente. Em várias prateleiras de madeira, der Anblick, der sich ihm bot, war sonderbar estavam copos cheios de um líquido und überraschend. Auf mehreren Gesimsen transparente, e cada um continha um coração. von Holz standen Gläser, mit durchsichtiger Todos foram rotulados com nomes que Pedro Flüssigkeit gefüllt, und in jedem dieser Gläser leu com curiosidade; havia o coração do oficial lag ein Herz; auch waren an den Gläsern Zettel de justiça em E., o coração do gordo Ezequiel, o angeklebt und Namen darauf geschrieben, die do “rei do salão de baile”, o do guarda florestal; 134

Peter neugierig las; da war das Herz des havia o coração de seis mercadores de milho, Amtmanns in E, das Herz des dicken Ezechiel, oito oficiais recrutas, e de três corretores; em das Herz des Tanzbodenkönigs, das Herz des suma, era uma coleção dos corações mais Oberförsters; da waren sechs Herzen von respeitáveis num raio de vinte léguas. Kornwucherern, acht von Werbeoffizieren, drei von Geldmaklern kurz, es war eine Sammlung der angesehensten Herzen in der Umgebung von zwanzig Stunden.

»Schau!« sprach Holländer-Michel, »diese “Veja!” Disse o holandês Michel, “tudo isso alle haben des Lebens Ängste und Sorgen abalou os temores e preocupações da vida; weggeworfen, keines dieser Herzen schlägt nenhum desses corações bate mais de temor e mehr ängstlich und besorgt, und ihre desconforto, e seus antigos donos sentem-se ehemaligen Besitzer befinden sich wohl felizes agora que se livraram do hóspede dabei, daß sie den Gast aus dem Hause problemático”. haben.«

»Aber was tragen sie denn jetzt dafür in der “Mas o que eles carregam agora em seus Brust?« fragte Peter, den dies alles, was er peitos?”, perguntou Pedro confuso com o que gesehen, beinahe schwindeln machte. viu.

»Dies«, antwortete jener und reichte ihm aus “Isso”, respondeu o outro, mostrando-lhe um einem Schubfach ein steinernes Herz. coração de pedra que tirara de uma pequena gaveta.

»So?« erwiderte er und konnte sich eines “Certo!”, disse Pedro, sem conseguir reprimir Schauers, der ihm über die Haut ging, nicht o frio que o estremeceu. “Um coração de erwehren. » Ein Herz von Marmelstein ? mármore? Mas, escute senhor Michel, esse Aber, horch einmal, Herr Holländer – Michel, coração deve estar muito frio no peito”. das muß doch gar kalt sein in der Brust. «

» Freilich, aber ganz angenehm kühl. “Verdade, porém, bem agradável. Por que um Warum soll denn ein Herz warm sein ? im coração deveria estar aquecido se no inverno seu Winter nützt dir die Wärme nichts, da hilft ein calor é de pouca utilidade? E um bom e forte guter Kirschgeist mehr als ein warmes Herz, licor ajuda mais que um coração, e no verão, und im Sommer, wenn alles schwül und heiß quando tudo é quente e abafado, você não ist du glaubst nicht, wie dann ein solches Herz imagina o quanto esse coração é refrescante. E, abkühlt. Und wie gesagt, weder Angst noch como dito antes, tal coração não sente nem medo Schrecken, weder törichtes Mitleiden noch e nem temor, nem compaixão tola ou outra anderer Jammer pocht an solch ein Herz. « tristeza.

» Und das ist alles, was Ihr mir geben könnet “E isso é tudo o que você pode me oferecer?”, ? « fragte Peter unmutig, » ich hoff' auf Geld, perguntou Pedro, indignado: “eu procuro und Ihr wollet mir einen Stein geben ! « dinheiro e você quer me dar uma pedra!”

» Nun, ich denke, an hunderttausend Gulden “Bem, cem mil florins, parece-me suficiente hättest du fürs erste genug. Wenn du es para o momento! Se você empregar geschickt umtreibst, kannst du bald ein corretamente, pode em breve ser um Millionär werden «. milionário.”

» Hunderttausend? « rief der arme Köhler “Cem mil!”, exclamou com alegria o pobre freudig. » Nun, so poche doch nicht so carvoeiro. “Bem, em meu peito, o coração não ungestüm in meiner Brust ! Wir werden bald pulsa com tanta veemência, logo estaremos fertig sein miteinander. Gut, Michel; gebt mir quites. Muito bem, Michel; me dê a pedra, o den Stein und das Geld, und die Unruh könnet dinheiro e você pode tirar o inquietante da 135

Ihr aus dem Gehäuse nehmen!« carcaça!”

»Ich dachte es doch, daß du ein vernünftiger “Sempre achei você um sujeito sensato”, Bursche seiest«, antwortete der Holländer, respondeu Michel, com um sorriso amigável; freundlich lächelnd, » komm, laß uns noch “venha, vamos beber outro copo, e então lhe eins trinken, und dann will ich das Geld pago o dinheiro”. auszahlen. «

So setzten sie sich wieder in die Stube zum Eles voltaram para o outro cômodo, sentaram- Wein, tranken und tranken wieder, bis Peter in se e beberam vinho, um copo após o outro até einen tiefen Schlaf verfiel. que Pedro caiu em um sono profundo.

Kohlenmunk-Peter erwachte beim O carvoeiro Pedro Munk foi acordado pela fröhlichen Schmettern eines Posthorns, und explosão alegre de uma corneta e se viu sentado siehe da, er saß in einem schönen Wagen, fuhr em uma bela carruagem, dirigindo em uma auf einer breiten Straße dahin, und als er sich estrada larga. Ao colocar a cabeça para fora viu aus dem Wagen bog, sah er in blauer Ferne no horizonte distante a floresta negra. A hinter sich den Schwarzwald liegen. princípio, mal podia acreditar que estava Anfänglich wollte er gar nicht glauben, daß er sozinho na carruagem; pois até suas roupas eram es selbst sei, der in diesem Wagen sitze; denn diferentes das que usara no dia anterior; mas auch seine Kleider waren gar nicht mehr ainda tinha uma lembrança tão clara que, dieselben, die er gestern getragen; aber er desistindo de todas essas reflexões, exclamou: erinnerte sich doch an alles so deutlich, daß “eu sou o carvoeiro Pedro Munk e não outro, erendlich sein Nachsinnen aufgab und rief: » isso é certo.”. Der Kohlenmunk - Peter bin ich, das ist ausgemacht, und kein anderer. «

Er wunderte sich über sich selbst, daß er gar Ficou surpreso por não conseguir sentir-se nicht wehmütig werden konnte, als er jetzt mais melancólico, uma vez que, pela primeira zum erstenmal aus der stillen Heimat, aus den vez, deixara sua casa tranquila e a floresta onde Wäldern, wo er so lange gelebt, auszog; selbst vivera por tanto tempo. Nem mesmo quando nicht, als er an seine Mutter dachte, die jetzt pensou em sua mãe que, nesse momento, deveria wohl hilflos und im Elend saß, konnte er eine se sentir desamparada e miserável, nem assim Träne aus dem Auge pressen oder nur seufzen; conseguia derramar uma lágrima ou soltar um denn es war ihm alles so gleichgültig » Ach, suspiro, pois era indiferente a tudo. “Bem”, disse freilich «, sagte er dann, » Tränen und Seufzer, ele, “de fato, lágrimas, suspiros, saudades de Heimweh und Wehmut kommen ja aus dem casa e tristeza procedem do coração, mas graças Herzen, und Dank dem Holländer - Michel ao holandês Michel, o meu é de pedra e frio”. das meine ist kalt und von Stein. «

Er legte seine Hand auf die Brust, und es war Colocando a mão sobre o peito, ele o sentiu ganz ruhig dort und rührte sich nichts.» Wenn quieto e sem emoção. E revistando a carruagem, er mit den Hunderttausenden so gut Wort hielt ele disse: “se Michel mantiver sua palavra wie mit dem Herz, so soll es mich freuen «, também sobre os cem mil florins, como ele fez sprach er und fing an, seinen Wagen zu com o coração, ficarei muito feliz.” Em sua untersuchen. Er fand Kleidungsstücke von busca, encontrou artigos de vestuário de todo aller Art, wie er sie nur wünschen konnte, aber tipo que poderia desejar, mas sem dinheiro. Por kein Geld. Endlich stieß er auf eine Tasche fim, descobriu uma bolsa contendo milhares de und fand viele tausend Taler in Gold und táleres em ouro e papeis de casas comerciais em Scheinen auf Handlungshäuser in allen großen todas as grandes cidades. “Agora eu tenho o que Städten. » Jetzt hab' ich's, wie ich's wollte «, eu queria”, pensou ele, se ajeitando no canto da dachte er, setzte sich bequem in die Ecke des carruagem e indo em direção ao vasto mundo. Wagens und fuhr in die weite Welt.

136

Er fuhr zwei Jahre in der Welt umher und Por dois anos ele viajou pelo mundo e de sua schaute aus seinem Wagen links und rechts an carruagem olhava as casa de cima, à direita e à den Häusern hinauf, schaute, wenn er anhielt, esquerda, mas sempre que descia, não olhava nichts als das Schild seines Wirtshauses an, para nada, exceto a placa de sua hospedaria, e lief dann in der Stadt umher und ließ sich die corria pela cidade para ver as melhores schönsten Merkwürdigkeiten zeigen. Aber es curiosidades. Mas nada o alegrava, nem fotos, freute ihn nichts, kein Bild, kein Haus, keine nem casa, nem música, nem dança. Seu coração Musik, kein Tanz; sein Herz von Stein nahm de pedra não o permitia, e seus olhos e ouvidos an nichts Anteil, und seine Augen, seine estavam embotados para qualquer coisa bela. Ohren waren abgestumpft für alles Schöne. Nenhuma diversão lhe foi deixada além daquilo Nichts war ihm mehr geblieben als die Freude que ele sentia ao comer, beber e dormir, e assim an Essen und Trinken und der Schlaf, und so ele vivia correndo pelo mundo sem qualquer lebte er, indem er ohne Zweck durch die Welt objetivo, comendo por diversão e dormindo de reiste, zu seiner Unterhaltung speiste und aus tédio. Langeweile schlief.

Hier und da erinnerte er sich zwar, daß er De vez em quando se lembrava de ter sido fröhlicher, glücklicher gewesen sei, als er mais alegre e mais feliz, quando era pobre e noch arm war und arbeiten mußte, um sein obrigado a trabalhar para sobreviver. Então, as Leben zu fristen. Da hatte ihn jede schöne belas imagens do vale o detiveram, a música e o Aussicht ins Tal, Musik und Gesang hatten canto, e por horas a fio esperava com alegria a ihn ergötzt, da hatte er sich stundenlang auf refeição frugal que sua mãe levava à carvoaria. die einfache Kost, die ihm die Mutter zu dem Ao refletir sobre o passado, pareceu-lhe muito Meiler bringen sollte, gefreut. Wenn er so estranho que agora não conseguisse nem rir, über die Vergangenheit nachdachte, so kam es enquanto antigamente ele ria de qualquer piada. ihm ganz sonderbar vor, daß er jetzt nicht Quando os outros riam, ele apenas mexia a boca einmal lachen konnte, und sonst hatte er über por educação, mas seu coração não simpatizava den kleinsten Scherz gelacht. Wenn andere com o sorriso. Sentiu, de fato, que estava lachten, so verzog er nur aus Höflichkeit den extremamente tranquilo; porém ainda não era Mund, aber sein Herz lächelte nicht mit. Er feliz. Não era saudade de casa, nem era tristeza, fühlte dann, daß er zwar überaus ruhig sei; mas um vazio, um sentimento desolador, um aber zufrieden fühlte er sich doch nicht. Es fastio e uma vida sem alegria que finalmente o war nicht Heimweh oder Wehmut, sondern levaram para a casa. Öde, Überdruß, freudenloses Leben, was ihn endlich wieder zur Heimat trieb.

Als er von Straßburg herüberfuhr und den Assim que deixou Estrasburgo, ele avistou a dunklen Wald seiner Heimat erblickte, als er floresta escura de sua terra natal; quando reviu zum erstenmal wieder jene kräftigen as figuras robustas, os semblantes amistosos e Gestalten, jene freundlichen, treuen Gesichter confiáveis da floresta negra, quando os sons der Schwarzwälder sah, als sein Ohr die caseiros, fortes e profundos, mas harmoniosos, heimatlichen Klänge, stark, tief, aber soaram em seus ouvidos, ele rapidamente wohltönend vernahm, da fühlte er schnell an colocou a mão sobre o coração, pois seu sangue sein Herz; denn sein Blut wallte stärker, und corria mais rápido, achando que deveria se er glaubte, er rnüsse sich freuen und müsse alegrar e chorar ao mesmo tempo, mas como ele weinen zugleich, aber wie konnte er nur so podia ser tão tolo, se tinha um coração de pedra töricht sein, er hatte ja ein Herz von Stein; und e as pedras estão mortas e não podem nem sorrir Steine sind tot und lächeln und weinen nicht. nem chorar?.

Sein erster Gang war zum Holländer – Seu primeiro caminho foi para o holandês Michel, der ihn mit alter Freundlichkeit Michel que o recebeu com a antiga gentileza. aufnahm. » Michel, sagte er zu ihm, » gereist “Michel”, disse ele, “Viajei e vi muita coisa, mas 137 bin ich nun und habe alles gesehen, ist aber tudo é aborrecedor e só encontrei tédio. De fato, alles dummes Zeug, und ich hatte nur a pedra que carrego comigo no peito protege-me Langeweile. Überhaupt, Euer steinernes Ding, de muitas coisas; eu nunca fico com raiva, nunca das ich in der Brust trage, schützt mich zwar fico triste, mas também nunca me sinto alegre, e vor manchem; ich erzürne mich nie, bin nie parece que só vivo pela metade. Você não pode traurig; aber ich freue mich auch nie, und es lançar um pouco mais de vida em meu coração ist mir, als wenn ich nur halb lebe. Könnet Ihr de pedra, ou melhor, me devolver meu antigo das Steinherz nicht ein wenig beweglicher coração? Durante vinte cinco anos, me machen ? Oder gebt mir lieber mein altes Herz acostumei a ele, embora às vezes fizesse alguma ! ich hatte mich in fünfundzwanzig Jahren coisa tola, mas era um coração feliz e alegre.” daran gewöhnt, und wenn es zuweilen auch einen dummen Streich machte, so war es doch munter und ein fröhliches Herz. «

Der Waldgeist lachte grimmig und bitter: » O espírito da floresta riu sarcástico e feroz, e Wenn du einmal tot bist, Peter Munk «, disse: “Quando você estiver morto, Pedro Munk, antwortete er, » dann soll es dir nicht fehlen, não lhe faltará, você terá, então, de volta seu dann sollst du dein weiches, rührbares Herz coração suave e suscetível, e assim sentirá o que wieder haben, und du kannst dann fühlen, was vier, seja alegria ou tristeza; mas aqui em cima, kommt, Freud' oder Leid; aber hier oben kann nunca mais poderá ser seu”. De fato, Pedro, você es nicht mehr dein werden ! Doch, Peter, viajou bem, mas da maneira como viveu sua gereist bist du wohl, aber, so wie du lebtest, viagem não lhe permitiu satisfação. Se assente konnte es dir nichts nützen. Setze dich jetzt agora aqui em algum lugar da floresta, construa hier irgendwo im Wald, bau' ein Haus, heirate, uma casa, case-se e empregue seu capital, não treibe dein Vermögen um, es hat dir nur an tinhas trabalho, porque estavas ocioso, você Arbeit gefehlt, weil du müßig warst, hattest du estava entediado, por isso coloca toda a culpa Langeweile, und schiebst jetzt alles auf dieses neste coração inocente.” Pedro viu que Michel unschuldige Herz. « Peter sah ein, daß Michel estava certo em relação à ociosidade e, portanto, recht habe, was den Müßiggang beträfe, und propôs a si mesmo tornar-se mais e mais rico. nahm sich vor, reich und immer reicher zu Michel deu-lhe mais cem mil florins e eles se werden. Michel schenkte ihm noch einmal separaram como bons amigos. hunderttausend Gulden und entließ ihn als einen guten Freund.

Bald vernahm man im Schwarzwald die Logo se espalhou pela cidade, a notícia de que Märe, der Kohlenmunk-Peter oder Spielpeter o carvoeiro Pedro Munk ou o jogador Pedro sei wieder da und noch viel reicher als zuvor. havia retornado, e muito mais rico do que antes. Es ging auch jetzt wie immer; als er am Tudo estava como sempre; como quando era Bettelstab war, wurde er in der Sonne zur Türe mendigo e foi jogado porta à fora, mas agora que hinausgeworfen, und als er jetzt an einem fazia sua entrada triunfal, numa tarde de Sonntagnachmittag seinen ersten Einzug dort domingo, todos acenavam com a mão, hielt, schüttelten sie ihm die Hand, lobten sein elogiavam seu cavalo, perguntavam sobre sua Pferd, fragten nach seiner Reise, und als er viagem, e de quando começou a jogar táleres wieder mit dem dicken Ezechiel um harte com o gordo Ezequiel. Ele estava em alta Taler spielte, stand er in der Achtung so hoch credibilidade. Ele não lida mais com fabricação als je. Er trieb jetzt aber nicht mehr das de vidro e sim com o comércio de madeira, Glashandwerk, sondern den Holzhandel, aber embora apenas na aparência. Seu principal nur zum Schein. Sein Hauptgeschäft war, mit comércio era negociar com o milho e o dinheiro. Korn und Geld zu handeln. Der halbe Aos poucos, metade das pessoas da floresta Schwarzwald wurde ihm nach und nach negra eram seus devedores; mas ele emprestava schuldig; aber er lieh Geld nur auf zehn dinheiro somente a dez por cento de juros, ou 138

Prozente aus oder verkaufte Korn an die vendia milho aos pobres que, por não terem Armen, die nicht gleich zahlen konnten, um como pagar à vista, compravam o milho três den dreifachen Wert. Mit dem Amtmann stand vezes mais caro. Ele tinha, agora, uma forte er jetzt in enger Freundschaft, und wenn einer amizade com o oficial de justiça, e se alguém Herrn Peter Munk nicht auf den Tag bezahlte, deixasse de pagar na data certa ao Sr. Pedro so ritt der Amtmann mit seinen Schergen Munk, o oficial vinha com seus capangas, hinaus, schätzte Haus und Hof, verkaufte avaliava a casa e a propriedade, vendia tudo de flugs und trieb Vater, Mutter und Kind in den imediato, e jogava pai, mãe e filho na floresta. Wald. Anfangs machte dies dem reichen Peter No início, isso foi um desalento para Pedro, pois einige Unlust; denn die armen os pobres miseráveis sitiaram em tropas, na Ausgepfändeten belagerten dann haufenweise porta de sua casa, os homens imploravam por seine Türe, die Männer flehten um Nachsicht, misericórdia, as mulheres tentavam comover o die Weiber suchten das steinerne Herz zu coração de pedra, e os filhos gemiam por um erweichen, und die Kinder winselten um ein pedaço de pão, mas ele pegou alguns cães de Stücklein Brot; aber als er sich ein paar caça enormes e obedientes, e logo colocou um tüchtige Fleischerhunde angeschafft hatte, fim na cantoria dos gatos, como ele costumava hörte diese Katzenmusik, wie er es nannte, chamá-los. Ele assoviou e os lançou nos bald auf; er pfiff und hetzte, und die pedintes, que se dispersaram gritando. Mas a que Bettelleute flogen schreiend auseinander. Am mais lhe trazia reclamações era “avelha” que não meisten Beschwerde machte ihm das » alte era outra senão a senhora Munk, mãe de Pedro. Weib «. Das war aber niemand anders als Frau Ela estava na miséria e na angústia depois que Munkin, Peters Mutter. Sie war in Not und sua casa e seu barracão foram vendidos, e seu Elend geraten, als man ihr Haus und Hof filho, ao retornar rico, não a procurou mais. Ela verkauft hatte, und ihr Sohn, als er reich ainda foi, algumas vezes, à casa dele, apoiando- zurückgekehrt war, hatte nicht mehr nach ihr se em uma vara, pois estava velha, fraca e umgesehen. Da kam sie nun zuweilen, alt, enferma. Mas não se aventurou a entrar, pois, em schwach und gebrechlich, an einem Stock vor outra ocasião, ele a expulsara; e muito lhe das Haus. Hinein wagte sie sich nimmer, denn entristecia ter que depender das graças de outras er hatte sie einmal weggejagt; aber es tat ihr pessoas, enquanto seu próprio filho poderia ter wehe, von den Guttaten anderer Menschen lhe preparado uma velhice confortável. Mas o leben zu müssen, da der eigene Sohn ihr ein coração de pedra já não era mais tocado pelas sorgenloses Alter hätte bereiten können. Aber feições pálidas e conhecidas, ou pelo olhar das kalte Herz wurde nimmer gerührt von dem suplicante e a mão murcha estendida da figura Anblicke der bleichen, wohlbekannten Züge, decrépita, aos sábados, quando ela batia na von den bittenden Blicken, von der welken, porta, resmungando, ele colocava a mão no ausgestreckten Hand, von der hinfälligen bolso tirava seis batzners, embrulhava-os em um Gestalt; mürrisch zog er, wenn sie sonnabends pedaço de papel e o enviava por um criado. Ele an die Türe pochte, einen Sechsbätzner ouviu sua voz trêmula, que o agradeceu, e o hervor, schlug ihn in ein Papier und ließ ihn desejou bênçãos neste mundo, ele a ouviu hinausreichen durch einen Knecht. Er rastejar tossindo enquanto se afastava da porta, vernahm ihre zitternde Stimme, wenn sie mas não pensou em nada, exceto que ele havia dankte und wünschte, es möge ihm wohl gastado, de novo, seis-batzners por nada. gehen auf Erden, er hörte sie hüstelnd von der Türe schleichen, aber er dachte weiter nicht mehr daran, als daß er wieder sechs Batzen umsonst ausgegeben.

Endlich kam Peter auch auf den Gedanken Por fim, Pedro começou a pensar em se casar. zu heuraten. Er wußte, daß im ganzen Ele sabia que todo pai na floresta negra, lhe daria Schwarzwald jeder Vater ihm gerne seine sua filha, com alegria; mas ele era meticuloso Tochter geben werde; aber er warschwierig in em sua escolha; pois desejava que 139 seiner Wahl; denn er wollte, daß man auch também nesse quesito sua sorte e compreensão hierin sein Glück und seinen Verstand preisen fossem agraciadas. Assim, andava por toda a sollte; daher ritt er umher im ganzen Wald, floresta, olhando em todas as direções, mas schaute hier, schaute dort, und keine der nenhuma das lindas garotas da floresta negra schönen Schwarzwälderinnen deuchte ihm parecia bonita o suficiente para ele. Finalmente, schön genug. Endlich, nachdem er auf allen um dia, quando olhava em vão para o salão de Tanzböden umsonst nach der Schönsten dança, ele ouviu que a garota mais bonita e ausgeschaut hatte, hörte er eines Tages, die virtuosa de toda a floresta era a filha de um pobre Schöne und Tugendsamste im ganzen Wald lenhador. Ela levava uma vida tranquila e sei eines armen Holzbauers Tochter. Sie lebe isolada, cuidava muito da casa de seu pai e nunca still und für sich, besorge geschickt und emsig era vista no salão de dança, nem mesmo para o ihres Vaters Haus und lasse sich nie auf dem Pentecostes ou para o festival. Quando Pedro Tanzboden sehen, nicht einmal zu Pfingsten soube dessa maravilha da floresta negra, oder Kirmes. Als Peter von diesem Wunder resolveu cortejá-la e, tendo perguntado onde des Schwarzwaldes hörte, beschloß er, um sie ficava a cabana, cavalgou até lá. zu werben, und ritt nach der Hütte, die man ihm bezeichnet hatte.

Der Vater der schönen Lisbeth empfing den O pai da bela Elizabete recebeu o grande vornehmen Herrn mit Staunen und erstaunte cavalheiro com surpresa, mas ficou ainda mais noch mehr, als er hörte, es sei dies der reiche espantado quando soube que era o rico Pedro Herr Peter und er wolle sein Schwiegersohn que desejava ser seu genro. Pensando que todas werden. Er besann sich auch nicht lange, denn as suas preocupações e pobreza terminariam, ele er meinte, all seine Sorge und Armut werde não hesitou muito em dar o seu consentimento, nun ein Ende haben, sagte zu, ohne die schöne sem sequer perguntar à bela Elizabete. E a boa Lisbeth zu fragen, und das gute Kind war so criança era tão obediente que se tornou a senhora folgsam, daß sie ohne Widerrede Frau Peter Munk sem objeções. Munkin wurde.

Aber es wurde der Armen nicht so gut, als Mas a pobre menina não se saiu tão bem como sie sich geträumt hatte. Sie glaubte ihr sonhara. Ela acreditava que entendia bem da Hauswesen wohl zu verstehen, aber sie konnte administração de uma casa, mas nunca Herrn Peter nichts zu Dank machen; sie hatte conseguia satisfazer o Sr. Pedro; ela tinha Mitleiden mit armen Leuten, und da ihr compaixão das pessoas pobres e, como seu Eheherr reich war, dachte sie, es sei keine marido era rico, achava que não era pecado dar Sünde, einem armen Bettelweib einen Pfennig uma moeda a uma pobre mulher ou um trago a oder einem alten Mann einen Schnaps zu um homem pobre e idoso; mas no dia em que reichen; aber als Herr Peter dies eines Tages Pedro descobriu, disse a ela, com um olhar de merkte, sprach er mit zürnenden Blicken und repreensão e com a voz rouca: “por que você rauher Stimme: » Warum verschleuderst du desperdiça minha propriedade com maltrapilhos mein Vermögen an Lumpen und Straßenläufer e vagabundos? Por acaso tem alguma coisa sua ? Hast du was mitgebracht ins Haus, das du nessa casa que você pode dar? Com o bastão de wegschenken könntest ? Mit deines Vaters mendigante do seu pai não dá para aquecer uma Bettelstab kann man keine Suppe wärmen, sopa e você esbanja dinheiro como uma und wirfst das Geld aus wie eine Fürstin ? princesa? Se eu te surpreender novamente, você Noch einmal laß dich betreten, so sollst du vai sentir o peso da minha mão!” A bela meine Hand fühlen ! « Die schöne Lisbeth Elizabete chorou em seu aposento por causa da weinte in ihrer Kammer über den harten Sinn crueldade de seu marido, e muitas vezes ihres Mannes, und sie wünschte oft, lieber desejava estar na pobre cabana de seu pai, e não heim zu sein in ihres Vaters ärmlicher Hütte, com um rico, porém avarento, Pedro, do coração als bei dem reichen, aber geizigen, frio. Ah, se ela soubesse que ele tinha um 140 hartherzigen Peter zu hausen. Ach, hätte sie coração de mármore e não poderia amá-la, nem gewußt, daß er ein Herz von Marmor habe und a qualquer outra pessoa, talvez ela não se weder sie noch irgendeinen Menschen lieben admirasse. Assim, tornou-se frequente, ela se könne, so hätte sie sich wohl nicht gewundert. sentar na frente da casa e, ao passar um mendigo So oft sie aber jetzt unter der Türe saß, und es tirando o chapéu e pedindo esmola, ela cerrava ging ein Bettelmann vorüber und zog den Hut os olhos para não ver a aflição e fechava a mão und hub an seinen Spruch, so drückte sie die com força para não colocar, involuntariamente, Augen zu, das Elend nicht zu schauen, sie a mão no bolso e tirar uma moedinha. Isso ballte die Hand fester, damit sie nicht causou uma reputação negativa para Elizabete, unwillkürlich in die Tasche fahre, ein em toda a floresta se dizia que ela era ainda mais Kreuzerlein herauszulangen. So kam es, daß sovina do que Pedro Munk. Mas certo dia, a die schöne Lisbeth im ganzen Wald senhora Elizabete estava sentada na frente da sua verschrien wurde und es hieß, sie sei noch casa, tecendo e sussurrando uma canção, pois geiziger als Peter Munk. Aber eines Tages saß estava alegre que o tempo estava bom e Pedro Frau Lisbeth wieder vor dem Haus und spann fora cavalgar pelo campo, quando um velhinho und murmelte ein Liedchen dazu; denn sie war apareceu na estrada, carregando um grande saco munter, weil es schönes Wetter und Herr Peter pesado, e de longe, ela o ouviu ofegante. ausgeritten war über Feld. Da kommt ein altes Tomando partido, ela olhou para ele e pensou Männlein des Weges daher, das trägt einen em como era cruel colocar um fardo tão pesado großen, schweren Sack, und sie hört esschon sobre um homem idoso. von weitem keuchen. Teilnehmend sieht ihm Frau Lisbeth zu und denkt, einem so alten, kleinen Mann sollte man nicht mehr so schwer aufladen.

Indes keucht und wankt das Männlein heran, Enquanto isso, o homenzinho aproximou-se e, und als es gegenüber von Frau Lisbeth war, cambaleando e ofegante, quase caiu sobre o peso brach es unter dem Sacke beinahe zusammen. de seu saco, bem nesse momento, a senhora » Ach, habt die Barmherzigkeit, Frau, und Elisabete se aproximou. “Oh, tenha compaixão reichet mir nur einen Trunk Wasser! « sprach de mim, boa mulher, e me dê um gole de água”, das Männlein. » Ich kam nicht weiter, muß disse o homenzinho, “não consigo continuar, elend verschmachten.« vou morrer de exaustão”.

» Aber Ihr solltet in Eurem Alter nicht mehr “Mas em sua idade, o senhor não deveria so schwer tragen «, sagte Frau Lisbeth. carregar tanto peso”, disse ela.

» Ja, wenn ich nicht Boten gehen müßte, der “Não deveria, se não fosse obrigado a Armut halber und um mein Leben zu fristen «, trabalhar como portador da pobreza para antwortete er, » ach, so eine reiche Frau wie prolongar minha vida”, respondeu ele. “Ah, Ihr weiß nicht, wie wehe Armut tut und wie senhoras tão ricas como você não sabem o quão wohl ein frischer Trunk bei solcher Hitze. « dolorosa é a pobreza e como uma bebida refresca nesse calor.”

Als sie dies hörte, eilte sie in das Haus, nahm Ao ouvir isso, ela correu para a casa, pegou einen Krug vom Gesims und füllte ihn mit uma jarra da prateleira e encheu-a de água, mas Wasser; doch als sie zurückkehrte und nur ao retornar e dar alguns passos, viu o noch wenige Schritte von ihm war und das homenzinho sentado em sua bolsa, tão decrépito Männlein sah, wie es so elend und e miserável, e sentiu pena dele, lembrou-se de verkümmert auf dem Sack saß, da fühlte sie que seu marido não estava em casa, e largou a inniges Mitleid, bedachte, daß ja ihr Mann jarra e pegou uma taça, encheu-a de vinho, nicht zu Hause sei, und so stellte sie den pegou uma fatia de pão de centeio e deu ao pobre Wasserkrug beiseite, nahm einen Becher und homem. “Tome aqui”, disse ela, “um gole de füllte ihn mit Wein, legte ein gutes vinho vos fará melhor do que a água, uma vez 141

Roggenbrot darauf und brachte es dem que o senhor é muito idoso; mas não beba tão Alten.» So, und ein Schluck Wein mag Euch depressa e coma um pouco de pão.” besser frommen als Wasser, da Ihr schon so gar alt seid «,sprach sie, » aber trinket nicht so hastig und esset auch Brot dazu ! «

Das Männlein sah sie staunend an, bis große O homenzinho olhou-a atônito, até que Tränen in seinen alten Augen standen; es trank grandes lágrimas aparecerem em seus olhos und sprach dann: » Ich bin alt geworden, aber envelhecidos; ele bebeu e disse: “eu estou velho, ich hab' wenige Menschen gesehen, die so mas vi poucas pessoas serem tão compassivas e mitleidig wären und ihre Gaben so schön und saberem como gastar seus presentes tão herzlich zu spenden wüßten wie Ihr, Frau generosa e cordialmente como você, senhora Lisbeth. Aber es wird Euch dafür auch recht Elizabete. Mas vós sereis recompensada na terra, wohl gehen auf Erden; solch ein Herz bleibt por isso tal coração não ficará sem recompensa.” nicht unbelohnt. «

» Nein, und den Lohn soll sie zur Stelle “Não, “ela terá sua recompensa de imediato”, haben « schrie eine schreckliche Stimme, und gritou uma voz terrível, e, quando olharam em als sie sich umsahen, war es Herr Peter mit volta, descobriram que era o senhor Pedro com blutrotem Gesicht. o rosto vermelho escarlate.

» Und sogar meinen Ehrenwein gießest du “Até meu melhor vinho você desperdiça com aus an Bettelleute, und meinen Mundbecher mendigos e dá meu próprio cálice para os lábios gibst du an die Lippen der Straßenläufer ? Da, de vagabundos? Tome sua recompensa!” nimm deinen Lohn ! « Frau Lisbeth stürzte zu Senhora Elisabete se prostrou diante dele e seinen Füßen und bat um Verzeihung; aber implorou perdão, mas o coração de pedra não das steinerne Herz kannte kein Mitleid, er tinha pena, e girando o chicote que segurava, ele drehte die Peitsche um, die er in der Hand a atingiu com a alça de ébano em sua bela fronte hielt, und schlug sie mit dem Handgriff von com tanta veemência, que ela afundou sem vida Ebenholz so heftig vor die schöne Stirne, daß nos braços do velho homem. Quando viu o que sie leblos dem alten Mann in die Arme sank. fizera, arrependeu-se imediatamente, abaixou-se Als er dies sah, war es doch, als reute ihn die para ver se ainda havia vida nela, mas o Tat auf der Stelle; er bückte sich herab, zu homenzinho disse numa voz bem familiar: schauen, ob noch Leben in ihr sei, aber das “poupe sua preocupação, Pedro, ela era a mais Männlein sprach mit wohlbekannter Stimme: bela e adorável flor da floresta negra, mas você » Gib dir keine Mühe, Kohlenpeter; es war a esmagou e nunca mais irá florir. ” dieschönste und lieblichste Blume im Schwarzwald, aber du hast sie zertreten, und nie mehr wird sie wieder blühen. «

Da wich alles Blut aus Peters Wangen, und Pálido, Pedro disse: “então, é você o Senhor er sprach: »Also Ihr seid es, Herr Guardião do tesouro? bem, o que está feito, está Schatzhauser? Nun, was geschehen ist, ist feito, e assim tinha que acontecer. Mas eu espero geschehen, und es hat wohl so kommen que vosmecê não me denuncie.” müssen. Ich hoffe aber, Ihr werdet mich nicht bei dem Gericht anzeigen als Mörder. «

»Elender ! « erwiderte das Glasmännlein. » “Miserável!”, respondeu o homenzinho de Was würde es mir frommen, wenn ich deine vidro, “o que eu ganharia se levasse sua parte sterbliche Hülle an den Galgen brächte ? Nicht mortal para a forca? Não são tribunais terrestres irdische Gerichte sind es, die du zu fürchten que você deve temer, mas um outro e mais hast, sondern andere und strengere; denn du severo, porque vendestes a tua alma ao hast deine Seele an den Bösen verkauft. « maligno.”

142

» Und hab' ich mein Herz verkauft «, schrie “E eu vendi meu coração”, gritou Pedro, “a Peter, » so ist niemand daran schuld als du und culpa é toda sua e de seus tesouros enganosos, deine betrügerischen Schätze; du tückischer seu espírito malicioso me levou à ruína, você me Geist hast mich ins Verderben geführt, mich forçou a procurar ajuda de outro, e a getrieben, daß ich bei einem anderen Hilfe responsabilidade é toda sua.” Mal pronunciara suchte, und auf dir liegt die ganze essas palavras e o homenzinho cresceu e inchou, Verantwortung.« Aber kaum hatte er dies ficou alto e largo, dizem que seus olhos se gesagt, so wuchs und schwoll das tornaram tão grandes quanto pratos de sopa, e Glasmännlein und wurde hoch und breit, und sua boca vomitava chamas como um forno seine Augen sollen so groß gewesen sein wie aquecido. Pedro caiu de joelhos e seu coração de Suppenteller, und sein Mund war wie ein pedra não protegeu seus membros de tremer geheizter Backofen, und Flammen blitzten como uma folha de álamo. O espírito da floresta daraus hervor. Peter warf sich auf die Knie, o agarrou pela nuca, como se tivesse garras de und sein steinernes Herz schützte ihn nicht, abutres, girou-o, como uma tempestade fazia daß nicht seine Glieder zitterten wie eine girar as folhas secas, e o jogou no chão de modo Espe. Mit Geierskrallen packte ihn der que suas costelas se quebraram dentro dele. “Seu Waldgeist im Nacken, drehte ihn um, wie ein verme”, gritou ele com uma voz que rugia como Wirbelwind dürres Laub, und warf ihn dann um trovão, “eu poderia esmagá-lo se quisesse, zu Boden, daß ihm alle Rippen knackten. » pois, você se rebelou-se contra o senhor da Erdenwurm ! « rief er mit einer Stimme, die floresta, mas por causa dessa mulher morta que wie der Donner rollte, » ich könnte dich me alimentou e me refrescou, eu lhe dou um zerschmettern, wenn ich wollte; denn du hast prazo de oito dias. Se não te arrependeres, gegen den Herrn des Waldes gefrevelt. Aber voltarei e esmagarei os teus ossos, e morrerás um dieses toten Weibes willen, die mich com teus pecados.” gespeist und getränkt hat, gebe ich dir acht Tage Frist. Bekehrst du dich nicht zum Guten, so komme ich und zermalme dein Gebein, und du fährst hin in deinen Sünden. «

Es war schon Abend, als einige Männer, die Já era noite quando alguns homens que vorbeigingen, den reichen Peter Munk an der passavam viram o rico Pedro Munk deitado no Erde liegen sahen. Sie wandten ihn hin und chão. Eles o sacudiram algumas vezes para ver her und suchten, ob noch Atem in ihm sei; se ainda respirava, mas por um longo tempo aber lange war ihr Suchen vergebens. Endlich pareceu em vão. Finalmente, um deles entrou na ging einer in das Haus und brachteWasser casa, apanhou um pouco de água e borrifou no herbei und besprengte ihn. Da holte Peter tief rosto dele. Pedro deu um suspiro profundo, abriu Atem, stöhnte und schlug die Augen auf, os olhos, olhou a sua volta por um longo tempo schaute lange um sich her und fragte dann e perguntou pela esposa, Elizabete, mas nach Frau Lisbeth; aber keiner hatte sie ninguém a havia visto. Ele agradeceu aos gesehen. Er dankte den Männern für ihre homens pela ajuda, arrastou-se até a casa, Hilfe, schlich sich in sein Haus und suchte procurou em todos os lugares, mas era em vão. überall; aber Frau Lisbeth war weder im A senhora Elisabete não estava nem no porão Keller noch auf dem Boden, und das, was er nem no sótão, e seu pior pesadelo era a mais für einen schrecklichen Traum gehalten, war amarga verdade. Como estava agora, bittere Wahrheit. Wie er nun so ganz allein completamente sozinho, estranhos pensamentos war, da kamen ihm sonderbare Gedanken; er surgiram em sua mente, ele não temia nada, pois fürchtete sich vor nichts, denn sein Herz war seu coração era frio, mas quando ele pensou na ja kalt; aber wenn er an den Tod seiner Frau morte de sua esposa, veio-lhe à mente a sua dachte kam ihm sein eigenes Hinscheiden in própria, e quão carregado ele fortemente partiria den Sinn, und wie belastet er dahinfahren com as lágrimas dos pobres, com milhares das werde, schwer belastet mit Tränen der Armen, maldições daqueles que não conseguiram 143 mit tausend ihrer Flüche, die sein Herz nicht amolecer seu coração, com as lamentações dos erweichen konnten, mit dem Jammer der desgraçados sobre os quais ele colocara seus Elenden, auf die er seine Hunde gehetzt, cães, com o desespero silencioso de sua mãe, belastet mit der stillen Verzweiflung seiner com o sangue da boa e bela Elizabete; e ele não Mutter, mit dem Blute der schönen, guten podia nem mesmo dar uma satisfação ao seu Lisbeth; und konnte er doch nicht einmal dem pobre velho pai, quando ele viesse perguntar: alten Mann, ihrem Vater, Rechenschaft geben, “Onde está minha filha, sua esposa?” Como, wenn er käme und fragte: » Wo ist meine então, perguntaria Àquele, a quem pertencem Tochter, dein Weib ? « Wie wollte er einem todas as florestas, todos os lagos, todas as anderen Frage stehen, dem alle Wälder, alle montanhas e a vida dos homens?. Seen, alle Berge gehören und die Leben der Menschen?

Es quälte ihn auch nachts im Traume, und À noite, em seus sonhos, era atormentado e alle Augenblicke wachte er auf an einer süßen acordado a todo instante, por uma voz doce que Stimme, die ihm zurief: » Peter, schaff dir ein lhe chorava: “Pedro, tenha um coração mais wärmeres Herz ! « Und wenn er erwacht war, quente!” E quando acordou, fechou, de novo, os schloß er doch schnell wieder die Augen, denn olhos rapidamente, e a voz que proferiu essa der Stimme nach mußte es Frau Lisbeth sein, advertência, não poderia ser outra senão a de sua die ihm leise diese Warnung zurief. Den Elizabete. No dia seguinte, entrou na hospedaria anderen Tag ging er ins Wirtshaus, um seine para desviar seus pensamentos, e lá encontrou o Gedanken zu zerstreuen, und dort traf er den gordo Ezequiel. Ele sentou-se ao lado dele e dicken Ezechiel. Er setzte sich zu ihm, sie começaram a conversar sobre vários assuntos, sprachen dies und jenes, vom schönen Wetter, sobre o bom tempo, sobre a guerra, sobre os vom Krieg, von den Steuern und endlich auch impostos e, por último, também sobre a morte, e vom Tod und wie da und dort einer so schnell como aqui ou ali, tal pessoa havia morrido gestorben sei. Da fragte Peter den Dicken, was repentinamente. E, então, Pedro perguntou ao er denn vom Tod halte, und wie es nachher gordo o que ele achava da morte e como seria sein werde. Ezechiel antwortete ihm, daß man depois dela. Ezequiel respondeu que o corpo se den Leib begrabe, die Seele aberfahre enterra, mas que a alma ou vai para o céu ou para entweder auf zum Himmel oder hinab in die o inferno. Hölle.

» Also begräbt man das Herz auch ? « fragte “Então o coração também é enterrado?” der Peter gespannt. Perguntou Pedro, nervoso

» Ei freilich, das wird auch begraben.« “Sem dúvida, é também enterrado.”

» Wenn aber einer sein Herz nicht mehr hat “Mas suponhamos que alguém não tenha mais ? « fuhr Peter fort. coração?” Continuou Pedro.

Ezechiel sah ihn bei diesen Worten Após essas palavras, Ezequiel lançou lhe um schrecklich an. » Was willst du damit sagen ? olhar terrível. “O que você quer dizer com isso? Willst du mich foppen ? Meinst du, ich habe Você zomba de mim? Acha que não tenho kein Herz ? « coração?”

» Oh, Herz genug, so fest wie Stein «, “Ah, sim! coração suficiente, firme como erwiderte Peter. pedra”, respondeu Pedro.

Ezechiel sah ihn verwundert an, schaute sich Ezequiel olhou espantado para ele, e, espiou um, ob es niemand gehört habe, und sprach em volta para ver se não foram ouvidos, e então dann: » Woher weißt du es ? Oder pocht disse: “como você sabe disso? Ou quem sabe o vielleicht das deinige auch nicht mehr ? « seu próprio não bate mais dentro de seu peito?”

» Pocht nicht mehr, wenigstens nicht hier in “Não bate mais, pelo menos, não no meu 144 meiner Brust ! « antwortete Peter Munk. » peito”, respondeu Pedro Munk. “Mas diga-me, Aber sag mir, da du jetzt weißt, was ich meine, agora que você já sabe o que quero dizer, o que wie wird es gehen mit unseren Herzen ? « acontecerá com nossos corações?”

» Was kümmert dich dies, Gesell ? « fragte “Por que isso o preocupa, companheiro?”, Ezechiel lachend. » Hast ja auf Erden vollauf respondeu Ezequiel sorrindo. “Você tem tudo zu leben und damit genug. Das ist ja gerade para viver aqui na terra, e isso é o suficiente. De das Bequeme in unseren kalten Herzen, daß fato, o conforto de nossos corações frios é que uns keine Furcht befällt vor solchen nenhum medo nos oprima diante de tais Gedanken.« pensamentos.”

» Wohl wahr, aber man denkt doch daran, “É verdade, mas ainda assim não posso deixar und wenn ich auch jetzt keine Furcht mehr de pensar nisso e, embora não tenha medo agora, kenne, so weiß ich doch wohl noch, wie sehr ainda me lembro bem de como temia o inferno ich mich vor der Hölle gefürchtet, als ich noch quando ainda era um garotinho inocente.” ein kleiner, unschuldiger Knabe war. «

»Nun gut wird es uns gerade nicht gehen «, “Ora, bem não estamos”, disse Ezequiel. sagte Ezechiel. » Hab' mal einen Schulmeister “Certa vez, perguntei a um professor sobre isso, darüber gefragt, der sagte mir, daß nach dem e me disse que, depois da morte, os corações são Tod die Herzen gewogen werden, wie schwer pesados, como se tivessem o peso dos pecados. sie sich versündigt hätten. Die leichten steigen Os leves sobem, os pesados afundam e creio que auf, die schweren sinken hinab, und ich denke, nossas pedras pesarão bem.” unsere Steine werden ein gutes Gewicht haben. «

» Ach, freilich «, erwiderte Peter, » und es “Sem dúvida”, respondeu Pedro, “e muitas ist mir oftselbst unbequem, daß mein Herz so vezes me incomoda que meu coração seja tão teilnahmslos und ganz gleichgültig ist, wenn desprovido de simpatia, e tão indiferente quando ich an solche Dinge denke.« penso em tais coisas.”

So sprachen sie; aber in der nächsten Nacht Assim terminaram a conversa; mas na noite hörte er fünf oder sechsmal die bekannte seguinte Pedro ouviu novamente a voz familiar, Stimme in sein Ohr lispeln: » Peter, schaff dir sussurrando em seu ouvido cinco ou seis vezes, ein wärmeres Herz ! « Er empfand keine Reue, “Pedro, tenha um coração mais quente!” Ele não daß er sie getötet, aber wenn er dem sagte, sentia arrependimento por ter matado sua seine Frau sei verreist, so dachte er immer esposa, mas quando dizia aos servos que ela dabei: » Wohin mag sie wohl gereist sein ? « tinha partido em uma jornada, ele pensava Sechs Tage hatte er es so getrieben, und consigo: “para onde ela foi?” Seis dias haviam immer hörte er nachts diese Stimme, und se passado, e ele continuava a ouvir a voz immer dachte er an den Waldgeist und seine durante a noite, e sempre pensava no espírito da schreckliche Drohung; aber am siebenten floresta e em sua terrível ameaça, mas na sétima Morgen sprang er auf von seinem Lager und manhã, ele pulou de onde dormia e gritou: “ora rief: » Nun ja, will sehen, ob ich mir ein bem, vou ver se consigo um coração mais wärmeres schaffen kann; denn der quente, pois a pedra fria no meu peito torna gleichgültige Stein in meiner Brust macht mir minha vida tediosa e desolada.” Colocou sua das Leben nur langweilig und öde.« Er zog melhor vestimenta, montou em seu cavalo e schnell seinen Sonntagsstaat an und setzte cavalgou em direção ao Tannenbühl. sich auf sein Pferd und ritt dem Tannenbühl zu.

Im Tannenbühl, wo die Bäume dichter Tendo chegado à parte do Tannenbühl onde as standen, saß er ab, band sein Pferd an und ging árvores são mais sombrias, ele desceu do cavalo schnellen Schrittes dem Gipfel des Hügels zu, e, em passos rápidos, seguiu em direção ao topo 145 und als er vor der dicken Tanne stand, hub er da colina. Estando diante do pinheiro vultoso, seinen Spruch an: repetiu o seguinte verso:

»Schatzhauser im grünen Tannenwald, “Guardião do tesouro da floresta dos pinheiros verdes, Bist viele hundert Jahre alt, Já estás aqui há cem anos, Dein ist all' Land, wo Tannen stehen, Toda terra pertence a ti, onde os pinheiros estão, Läßt dich nur Sonntagskindern sehen.« Deixai os nascidos aos domingos te ver.”

Da kam das Glasmännlein hervor, aber nicht O homenzinho de vidro apareceu nada gentil freundlich und traulich wie sonst, sondern e nem amigável como antigamente, e sim düster und traurig; es hatte ein Röcklein an sombrio e triste. Ele usava uma sainha de vidro von schwarzem Glas, und ein langer preto, e um longo crepe de luto pendia de seu Trauerflor flatterte herab vom Hut, und Peter chapéu, e Pedro sabia bem por quem ele wußte wohl, um wen er trauerte. lamentava.

» Was willst du von mir, Peter Munk ? « “O que você quer de mim, Pedro Munk?”, fragte es mit dumpfer Stimme. perguntou ele com uma voz abafada.

» Ich hab' noch einen Wunsch, Herr “Eu tenho mais um desejo, Sr. Guardião do Schatzhauser «, antwortete Peter mit tesouro”, respondeu Pedro, com olhar abatido. niedergeschlagenen Augen.

» Können Steinherzen noch wünschen ? « “Um coração de pedra ainda pode desejar?”, sagte jener. » Du hast alles, was du für deinen disse o outro. “Você tem tudo o que sua mente schlechten Sinn bedarfst, und ich werde corrupta precisa, e, dificilmente, eu poderia schwerlich deinen Wunsch erfüllen. « cumprir seu desejo.”

» Aber Ihr habt mir doch drei Wünsche “Mas você prometeu conceder-me três zugesagt; einen hab' ich immer noch übrig. « desejos e ainda me resta um último.”

» Doch kann ich ihn versagen, wenn er “Eu posso recusar se for tolice”, continuou o töricht ist «, fuhr der Waldgeist fort, » aber espírito da floresta, “mas diga, quero ouvir o que wohlan, ich will hören, was du willst. « você deseja.”

» So nehmet mir den toten Stein heraus und “Então, tire a pedra morta de dentro mim e me gebet mir mein lebendiges Herz «, sprach dê um coração vivo”, disse Pedro. Peter.

» Hab' ich den Handel mit dir gemacht ? « “Por acaso fui eu que fiz o negócio com fragte das Glasmännlein, » bin ich der você?”, perguntou o homenzinho de vidro. “Por Holländer Michel, der Reichtum und kalte acaso sou o holandês Michel, que dá riquezas e Herzen schenkt ? Dort, bei ihm mußt du dein corações frios? É a ele que você deve procurar e Herz suchen.« recuperar seu coração.”

» Ach, er gibt es nimmer zurück «, “Ah, ele nunca vai me devolver”, respondeu antwortete Peter. Pedro.

» Du dauerst mich, so schlecht du auch bist “Apesar de você ser mal, eu sinto pena de «, sprach das Männlein nach einigem você”, falou o homenzinho, depois de algumas Nachdenken. » Aber weil dein Wunsch nicht considerações. “E como não desejou tolice, não töricht ist, so kann ich dir wenigstens meine posso recusar ajuda. Ouça bem. Você não pode Hilfe nicht versagen.So höre. Dein Herz recuperar seu coração pela força, mas sim, por kannst du mit keiner Gewalt mehr bekommen, estratégia, mas talvez você não tenha wohl aber durch List, und es wird vielleicht dificuldade; pois Michel sempre será um nicht schwerhalten; denn Michel bleibt doch estúpido, embora se considere muito perspicaz. 146 nur der dumme Michel, obgleich er sich Vá direto a ele, e faça o que lhe digo!” Ele ungemein klug dünkt.So gehe denn instruiu Pedro, e lhe deu uma cruzinha de vidro geradewegs zu ihm hin und tue, wie ich dich puro, e disse: “ele não poderá atentar contra a heiße ! « Und nun unterrichtete er ihn in allem sua vida, mostre isso e ele o deixará livre. und gab ihm ein Kreuzlein aus reinem Glas: » Quando tiver obtido seu desejo, retorne até a Am Leben kann er dir nicht schaden, und er mim. wird dich frei lassen, wenn du ihm dies vorhalten und dazu beten wirst. Und hast du denn, was du verlangt hast, erhalten, so komm wieder zu mir an diesen Ort ! «

Peter Munk nahm das Kreuzlein, prägte sich Pedro Munk pegou a cruzinha, registrou todas alle Worte ins Gedächtnis und ging weiter as palavras em sua memória e continuou seu nach Holländer - Michels Behausung. Er rief caminho até a cabana do holandês Michel. Ele dreimal seinen Namen, und alsobald stand der pronunciou seu nome três vezes e imediatamente Riese vor ihm. » Du hast dein Weib o gigante apareceu. “Você matou sua esposa?”, erschlagen ? « fragte er ihn mit schrecklichem perguntou ele com uma risada assustadora. “Eu Lachen.» Hätt' es auch so gemacht; sie hat também a teria matado, pois ela deu suas dein Vermögen an das Bettelvolk gebracht. riquezas aos mendigos. Você terá que deixar o Aber du wirst auf einige Zeit außer Landes país por um tempo, pois haverá balbúrdia gehen müssen, denn es wird Lärm machen, quando não a encontrarem. Você precisa de wenn man sie nicht findet; und du brauchst dinheiro e veio busca-lo ?” wohl Geld und kommst, um es zu holen ? «

» Du hast's erraten «, erwiderte Peter, » und “Você adivinhou”, retrucou Pedro, “e desta nur recht viel diesmal, denn nach Amerika vez será uma grande soma, pois é um longo ist's weit.« caminho até América.”

Michel ging voran und brachte ihn in seine Michel liderou o caminho até entrarem em sua Hütte; dort schloß er eine Truhe auf, worin cabana e lá, ele abriu um baú contendo muito viel Geld lag, und langte ganze Rollen Gold dinheiro e tirou grandes rolos de ouro. Enquanto heraus. Während er es so auf den Tisch contava na mesa, Pedro disse: “você é um hinzählte, sprach Peter: » Du bist ein loser charlatão, Michel. Você mentiu ao dizer que eu Vogel, Michel, daß du mich belogen hast, ich tinha uma pedra no meu peito e que você tinha hätte einen Stein in der Brust und du habest meu coração.” mein Herz ! «

» Und ist es denn nicht so ? « fragte Michel “E não é assim, então?”, perguntou Michel, staunend. » Fühlst du denn dein Herz ? Ist es espantado. “Você sente seu coração? Ele não é nicht kalt wie Eis ? Hast du Furcht oder Gram, frio como gelo? Você sente algum medo ou kann dich etwas reuen ? « tristeza? Você se arrepende de alguma coisa ?”

» Du hast mein Herz nur stillstehen lassen, “Você só fez meu coração parar de bater, mas aber ich hab' es noch wie sonst in meiner ainda o tenho no meu peito, e Ezequiel também. Brust, und Ezechiel auch, der hat es mir Ele me disse que você nos enganou. Você não é gesagt, daß du uns angelogen hast; du bist capaz de tirar um coração do peito sem causar nicht der Mann dazu, der einem das Herz so danos, para isso você teria de saber fazer unbemerkt und ohne Gefahr aus der Brust feitiçaria.” reißen könnte; da müßtest du zaubern können. «

» Aber ich versichere dir «, rief Michel “Mas eu lhe garanto”, exclamou Michel com unmutig, » du und Ezechiel und alle reichen raiva, “você, Ezequiel e todas as pessoas ricas Leute, die es mit mir gehalten, haben solche que se venderam para mim têm corações tão 147 kalten Herzen wie du, und ihre rechten Herzen frios quanto o seu, e os verdadeiros estão aqui no habe ich hier in meiner Kammer. « meu aposento.”

»Ei, wie dir das Lügen von der Zunge geht ! “Ah! como você pode mentir com tanta « lachte Peter. » Das mach du einem anderen veemência”, disse Pedro, rindo, “tente enganar weis ! Meinst du, ich hab' auf meinen Reisen outro! você acha que eu não vi esses truques por nicht solche Kunststücke zu Dutzenden dezenas em minhas jornadas? Os corações aqui gesehen ? Aus Wachs nachgeahmt sind deine no aposento são feitos de cera. Tu és um homem Herzen hier in der Kammer. Du bist ein rico, eu confesso, mas feiticeiro você não é.” reicher Kerl, das geb' ich zu; aber zaubern kannst du nicht. «

Da ergrimmte der Riese und riß die Nisso, o gigante ficou enfurecido e abriu a Kammertüre auf. » Komm herein und lies die porta do aposento, dizendo: “entre, leia todos os Zettel alle, und jenes dort, schau, das ist Peter rótulos. Olhe, ali está o coração de Pedro Munk; Munks Herz; siehst du, wie es zuckt ? Kann você vê como pulsa? Isso pode ser de cera?” man das auch aus Wachs machen ? «

» Und doch ist es aus Wachs «, antwortete “Claro que é de cera”, respondeu Pedro. “Um Peter. » So schlägt ein rechtes Herz nicht; ich coração genuíno não bate assim. Eu ainda tenho habe das meinige noch in der Brust. Nein, o meu no peito. Não! Feiticeiro você não é.” zaubern kannst du nicht ! «

» Aber ich will es dir beweisen ! « rief jener “Mas vou provar para você”, gritou o outro, ärgerlich. » Du sollst es selbst fühlen, daß dies com raiva. “Você precisa sentir que este é o seu dein Herz ist. « Er nahm es, riß Peters Wams coração.” Ele abriu o colete de Pedro, tirou a auf und nahm einen Stein aus seiner Brust und pedra e mostrou-o. Então, tomando o coração, zeigte ihn vor. Dann nahm er das Herz, ele resfolegou e colocou-o cuidadosamente em hauchte es an und setzte es behutsam an seine seu devido lugar, e, imediatamente, Pedro sentiu Stelle, und alsobald fühlte Peter, wie es como ele batia, e alegrou-se novamente. pochte, und er konnte sich wieder darüber freuen.

» Wie ist es dir jetzt ? « fragte Michel “Como você se sente agora?”, perguntou lächelnd. Michel, sorrindo.

» Wahrhaftig, du hast doch recht gehabt «, “É verdade, você estava certo”, respondeu antwortete Peter, indem er behutsam sein Pedro, pegando cuidadosamente a pequena cruz Kreuzlein aus der Tasche zog. » Hätt' ich doch do bolso. “Eu nunca acreditaria que essas coisas nicht geglaubt, daß man dergleichen tun poderiam ser feitas. ” könne ! «

»Nicht wahr ? Und zaubern kann ich, das “Você vê que eu entendo de feitiçaria, não é siehst du; aber komm, jetzt will ich dir den verdade? Mas, agora, vou substituir a pedra Stein wieder hineinsetzen.« novamente.”

» Gemach, Herr Michel ! « rief Peter, trat “Devagar, senhor Michel”, exclamou Pedro, einen Schritt zurück und hielt ihm das dando um passo para trás e segurando a Kreuzlein entgegen. » Mit Speck fängt man cruzinha, “ratos são pegos pelo queijo, e desta Mäuse, und diesmal bist du der Betrogene. « vez você foi enganado” e, imediatamente, Und zugleich fing er an zu beten, was ihm nur começou a repetir as orações que lhe vieram à beifiel. mente.

Da wurde Michel kleiner und immer kleiner, Então, Michel foi diminuindo até cair no chão fiel nieder und wand sich hin und her wie ein gemendo e se contorcendo como um verme, e 148

Wurm und ächzte und stöhnte, und alle todos os corações começaram a bater e Herzen umher fingen an zu zucken und zu convulsionar, ecoavam como uma oficina de pochen, daß es tönte wie in der Werkstatt relógios. eines Uhrmachers.

Peter aber fürchtete sich, und es wurde ihm Pedro estava aterrorizado, e bastante ganz unheimlich zumut, er rannte zur Kammer perturbado, saiu correndo do aposento e da casa und zum Haus hinaus und klimmte, von Angst e, tomado pela angústia, subiu numa rocha getrieben, die Felsenwand hinan; denn er íngreme; pois ouviu Michel levantar-se, hörte, daß Michel sich aufraffte, stampfte und chutando e proferindo maldições sobre ele. tobte und ihm schreckliche Flüche Quando chegou ao topo, desceu para o nachschickte. Als er oben war, lief er dem Tannenbühl; uma terrível tempestade de trovões Tannenbühl zu; ein schreckliches Gewitter começou; um relâmpago caiu perto dele, zog auf, Blitze fielen links und rechts an ihm partindo as árvores, mas ele chegou em nieder und zerschmetterten die Bäume, aber er segurança ao recinto do homenzinho de vidro. kam wohlbehalten in dem Revier des Glasmännleins an.

Sein Herz pochte freudig, und nur darum, Seu coração pulsava com alegria apenas por weil espochte. Dann aber sah er mit Entsetzen bater. Mas agora ele via com horror sua vida auf sein Leben zurück wie auf das Gewitter, passada, igual a tempestade que destruiu a bela das hinter ihm rechts und links den schönen floresta à sua esquerda e à sua direita. Pensou na Wald zersplitterte. Er dachte an Frau Lisbeth, sua esposa, uma bela e boa mulher, que ele havia sein schönes, gutes Weib, das er aus Geiz assassinado por avareza, sentia-se um pária da gemordet, er kam sich selbst wie der Auswurf humanidade e chorou amargamente ao alcançar der Menschen vor, und er weinte heftig, als er a colina do homenzinho de vidro. an Glasmännleins Hügel kam.

´=Schatzhauser saß schon unter dem O guardião do tesouro estava sentado debaixo Tannenbaum und rauchte aus einer kleinen de um pinheiro e fumava um pequeno cachimbo, Pfeife; doch sah er munterer aus als zuvor. » parecia, contudo, mais sereno do que antes. “Por Warum weinst du, Kohlenpeter ? « fragte er. que chora, Pedro?”, perguntou ele, “você não » Hast du dein Herz nicht erhalten ? Liegt recuperou seu coração? Ou o frio ainda está no noch das kalte in deiner Brust ? « seu peito ?”

» Ach, Herr ! « seufzte Peter, » als ich noch “Oh, Senhor”, suspirou Pedro, “quando eu das kalte Steinherz trug, da weinte ich nie, tinha um coração de pedra e frio, nunca chorava, meine Augen waren so trocken wie das Land meus olhos estavam sempre secos como a terra im Juli; jetzt aber will es mir beinahe das alte no mês de julho, mas meu velho coração quase Herz zerbrechen, was ich getan ! Meine se rompe agora por causa do que fiz. Levei meus Schuldner habe ich ins Elend gejagt, auf Arme devedores à miséria, lancei cães sobre os doentes und Kranke die Hunde gehetzt, und Ihr wißt e pobres, e você mesmo sabe como bati com o es ja selbst wie meine Peitsche auf ihre schöne chicote sobre a linda testa de minha mulher. ” Stirne fiel ! «

» Peter ! Du warst ein großer Sünder ! « “Pedro, você foi um grande pecador”, disse o sprach das Männlein. » Das Geld und der homenzinho. “O dinheiro e a ociosidade o Müßiggang haben dich verdorben, bis dein corromperam, até que seu coração se Herz zu Stein wurde, nicht Freud ', nicht Leid, transformou em pedra e não mais conhecia keine Reue, kein Mitleid mehr kannte. Aber alegria, tristeza, arrependimento ou compaixão. Reue versöhnt, und wenn ich nur wüßte, daß No entanto. o arrependimento reconcilia, e se eu dir dein Leben recht leid tut, so könnte ich soubesse que você estava sofrendo com sua vida schon noch was für dich tun.« passada, teria feito algo por você.”

149

» Will nichts mehr «, antwortete Peter und “Não desejo mais nada”, respondeu Pedro, ließ traurig sein Haupt sinken. » Mit mir ist es abaixando a cabeça tristemente. “Está tudo aus, kann mich mein Lebtag nicht mehr acabado para mim, não tenho mais alegria na freuen; was soll ich so allein auf der Welt tun minha vida. O que farei sozinho no mundo? ? Meine Mutter verzeiht mir nimmer, was ich Minha mãe nunca me perdoará pelo que fiz a ela, ihr getan, und vielleicht hab' ich sie unter den e talvez a tenha levado ao túmulo, pelo monstro Boden gebracht, ich Ungeheuer ! Und que sou! E Elisabete, minha esposa, também, Lisbeth, meine Frau ! Schlaget mich lieber prefiro que me mate, senhor guardião do auch tot, Herr Schatzhauser; dann hat mein tesouro, e assim, finalmente, minha vida elend Leben mit einmal ein Ende. « miserável terminará.”

» Gut «, erwiderte das Männlein, » wenn du “Bem”, respondeu o homenzinho, “se você nicht anders willst, so kannst du es haben; não deseja mais nada, posso fazê-lo; meu meine Axt habe ich bei der Hand. « Er nahm machado está à mão. “Calmamente pegou o ganz ruhig sein Pfeiflein aus dem Mund, cachimbo da boca, bateu as cinzas e colocou-o klopfte es aus und steckte es ein. Dann stand no bolso. E subiu devagar, indo para trás dos er langsam auf und ging hinter die Tannen. pinheiros. Mas Pedro sentou-se na grama e Peter aber setzte sich weinend ins Gras, sein chorou, sua vida já não tinha valor algum para Leben war ihm nichts mehr, und er erwartete ele e aguardava pacientemente o golpe mortal. geduldig den Todesstreich. Nach einiger Zeit Após um curto tempo, ouviu passos suaves atrás hörte er leise Tritte hinter sich und dachte: » de si e pensou: “chegou a hora. ” Jetzt wird er kommen.«

» Schau dich noch einmal um, Peter Munk ! “Olhe para cima mais uma vez, Pedro Munk”, « rief das Männlein. Er wischte sich die gritou o homenzinho. Pedro limpou as lágrimas Tränen aus den Augen und schaute sich um e olhou para cima, e viu sua mãe e Elisabete, sua und sah seine Mutter und Lisbeth, seine Frau, esposa, que o olhavam gentilmente. Então, die ihn freundlich anblickten. Da sprang er pulou de alegria, dizendo: “você não está morta, freudig auf: » So bist du nicht tot, Lisbeth; und Elisabete, nem a senhora, minha mãe; e vocês auch Ihr seid da, Mutter, und habt mir me perdoaram? ” vergeben ? «

» Sie wollen dir verzeihen «, sprach das “Elas vão perdoar você”, disse o homenzinho Glasmännlein, » weil du wahre Reue fühlst, de vidro, “porque você sente verdadeiro und alles soll vergessen sein. Zieh jetzt heim arrependimento e tudo será esquecido. Vá para in deines Vaters Hütte und sei ein Köhler wie casa agora, para a cabana de seu pai e seja um zuvor; bist du brav und bieder, so wirst du dein carvoeiro como antes, seja obediente e honesto, Handwerk ehren, und deine Nachbarn werden honre seu oficio e seus vizinhos o terão em alta dich mehr lieben und achten, als wenn du zehn estima e vão amá-lo mais do que se você Tonnen Goldes hättest. « So sprach das possuísse dez toneladas de ouro.” Dizendo isso, Glasmännlein und nahm Abschied von ihnen. o homenzinho de vidro os deixou.

Die drei lobten und segneten es und gingen Os três o elogiaram e o abençoaram, e foram heim. para casa.

Das prachtvolle Haus des reichen Peters A casa esplendorosa do abastado Pedro não stand nicht mehr; der Blitz hatte es angezündet existia mais, pois foi atingida por um raio e und mit all seinen Schätzen niedergebrannt; pegou fogo com todos os seus tesouros, mas eles aber nach der väterlichen Hütte war es nicht não estavam longe da cabana de seu pai e weit; dorthin ging jetzt ihr Weg, und der große seguiram para lá sem se importar muito com sua Verlust bekümmerte sie nicht. grande perda.

Aber wie staunten sie, als sie an die Hütte Mas qual não foi a surpresa quando chegaram kamen ! Sie war zu einem schönen à cabana! Ela foi transformada em uma bela 150

Bauernhaus geworden, und alles darin war fazenda, e tudo era simples, porém bom e limpo. einfach, aber gut und reinlich.

» Das hat das gute Glasmännlein getan ! « “Isso é obra do bondoso homenzinho de rief Peter. vidro!”, exclamou Pedro.

» Wie schön ! « sagte Frau Lisbeth. » Und “Que lindo!”, disse a senhora Elizabete; “e hier ist mir viel heimischer als in dem großen aqui me sinto mais à vontade do que na casa Haus mit dem vielen Gesinde.« maior, com tantos criados.”

Von jetzt an wurde Peter Munk ein fleißiger Dali em diante, Pedro Munk tornou-se um und wackerer Mann. Er war zufrieden mit homem trabalhador e honesto. Ele estava dem, was erhatte, trieb sein Handwerk contente com o que tinha. Continuou seu unverdrossen, und so kam es, daß er durch comércio alegremente, e assim foi que ele se eigene Kraft wohlhabend wurde und tornou rico por seu próprio esforço, além de angesehen und beliebt im ganzen Wald. Er respeitado e amado em toda a floresta. Ele não zankte nie mehr mit Frau Lisbeth, ehrte seine brigou mais com sua esposa, honrou sua mãe e Mutter und gab den Armen, die an seine Türe ajudava os pobres que vinham à sua porta. pochten. Als nach Jahr und Tag Frau Lisbeth Depois de doze meses, a senhora Elizabete lhe von einem schönen Knaben genas, ging Peter presenteou com um lindo garotinho, Pedro foi nach dem Tannenbühl und sagte sein até o Tannenbühl e repetiu o verso como antes. Sprüchlein. Aber das Glasmännlein zeigte Mas o homenzinho de vidro não apareceu. “Sr. sich nicht. »Herr Schatzhauser ! « rief er laut, Guardião do tesouro”, chamou ele em voz alta, » hört mich doch;ich will ja nichts anderes, als “apenas me escute. Não vos pedirei nada, a não Euch zu Gevatter bitten bei meinem Söhnlein ser que seja padrinho do meu filhinho.” Mas não ! « Aber es gab keine Antwort; nur ein kurzer recebeu resposta, apenas uma rajada de vento Windstoß sauste durch die Tannen und warf passou pelos pinheiros e lançou na grama alguns einige Tannenzapfen herab ins Gras. » So will abetos. “Bem, tomarei isso como lembrança, já ich dies zum Andenken mitnehmen, weil Ihr que você não quer se mostrar”, exclamou Pedro, Euch doch nicht sehen lassen wollet «,rief e colocando os abetos no bolso, ele voltou para Peter, steckte die Zapfen in die Tasche und casa. Quando, porém, tirou o paletó, e sua mãe ging nach Hause; aber als er zu Hause das virou os bolsos antes de guardá-lo, caíram quatro Sonntagswams auszog und seine Mutter die grandes rolos de dinheiro, e quando os abriram, Taschen umwandte und das Wams in den eram bons e novos Táleres de Baden, e não uma Kasten legen wollte, da fielen vier stattliche falsificação. Era o presente do padrinho, do Geldrollen heraus, und als man sie öffnete, homenzinho do Tannenbühl para o pequeno waren es lauter gute, neue badische Taler, und Pedro. kein einziger falscher darunter. Und das war das Patengeschenk des Männleins im Tannenwald für den kleinen Peter.

So lebten sie still und unverdrossen fort, und Assim, viveram tranquilos e alegres, e, muitas noch oft nachher, als Peter Munk schon graue vezes, Pedro Munk já de cabelos grisalho, dizia: Haare hatte, sagte er: » Es ist doch besser, “É melhor ser feliz com pouco do que ter muito zufrieden zu sein mit wenigem, als Gold und ouro com injustiça e um coração frio.” Güter haben und ein kaltes Herz.«

151

6 COMENTÁRIOS SOBRE O PROJETO DE TRADUÇÃO DE DAS KALTE HERZ (1828)

6.1 QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO

6.1.1 A cultura na tradução e o segundo autor: Jiří Levý, José Lambert e Hendrik van Gorp Aqui relato algumas abordagens teóricas que contribuíram para minha reflexão sobre a tradução e sobretudo para as decisões que se fizeram necessárias no processo tradutório da novela de contos maravilhosos Das kalte Herz, publicada em 1828, de Wilhelm Hauff. O fio condutor dessa pesquisa na retextualização da narrativa para a língua portuguesa ampara-se nos estudos da tradução e na crítica literária, com base nos novos paradigmas sobre a língua fonte (LF) e cultura fonte (CF). É importante destacar teóricos no processo evolutivo dos Estudos da Tradução como Even-Zohar (1978), Gideon Toury (1980), Jiří Levý ([1957]; 2011), José Lambert (1989), dentre outros (PYM, 2017, p.131). Esses teóricos substituem o debate sobre fidelidade e equivalência pela análise e pelo papel do texto traduzido no seu novo contexto unido à defesa de que “os métodos científicos podem ser aplicados a produtos culturais” (PYM, 2012, p.213). Essa nova perspectiva da tradução foge da análise única do aspecto linguístico e, sobretudo, privilegia a abordagem de fatores antes ignorados, como o momento histórico, social e cultural, por considerar que esses fatores também exercem influência na recepção da obra na cultura meta, resultando em um processo tradutório como um todo. Segundo Bassnett (1980; 1991; 2003), entre os expoentes desse novo paradigma se destaca:

O grupo de Tel Aviv, cujos principais expoentes são Itamar Even-Zohar e Gideon Toury que desenvolveu o conceito de polissistema literário já esboçado nos anos 70 e forneceu uma metodologia, na qual podemos investigar todo o processo de absorção de um texto traduzido por uma dada cultura num determinado tempo histórico. (BASSNETT, 2003, p. xvi).

A análise descritiva ganha evidência no modelo israelense de Gideon Toury (1980) que estrutura seu conceito de norma enfatizando a importância do texto de chegada, defendendo que “as traduções devem ser tratadas como fatos das culturas de chegada” (BASSNETT, 2003, p.154). Essa perspectiva touryana estabelece um novo paradigma sobre os estudos descritivos da tradução, sobretudo a literária. Na concepção de Torres (2011, p.18), “Toury fornece-nos a noção de ‘tradução assumida’ [assumed translations]”, ou seja, aquela em que “todos os enunciados são apresentados ou vistos como estando dentro da cultura-alvo”. Também assegura que a tradução “é um tipo de atividade que inevitavelmente envolve pelo menos duas línguas e 152 duas tradições culturais, ou seja, pelo menos dois conjuntos de normas em cada nível” (TORRES, 2014, p. 26). A evolução nos estudos da tradução, a partir de 1980, volta-se para o aspecto prático na abordagem descritiva, detendo-se na análise de práticas e normas adotadas quando da efetivação da tradução. Essa abordagem conta com a perspectiva de José Lambert (1985), ao defender que a tradução da obra literária se sustenta na incompatibilidade de sistemas, inclusive o linguístico, considerando-o relativo, em defesa do caráter histórico, o que, consequentemente, leva o tradutor a tomar decisões acerca das próprias concepções aceitas por seus próprios meios (LAMBERT, [1989]; 2011, p.197). Essas observações encontram ressonância na reflexão bermaniana de que “a prática da tradução se efetiva em cada época ou espaço histórico distintos, concretizado na sua inter-relação com a literatura, com as línguas, diferentes culturas e aspectos linguísticos” (BERMAN, 2002, p.13). Minha tradução e análise literária alicerçam-se na teoria da tradução de Jiří Levý,122 nas traduções, nas pesquisas científicas, artigos, dentre outros, que abordam o pensamento e reflexões desse teórico tcheco, cujas obras começaram a ser traduzidas e discutidas no âmbito dos Estudos de Tradução. Na concepção de Levý,

Os artistas originais [devem ser] capazes de apreender a realidade que retratam e que os tradutores apreendam as obras que estão interpretando. Um bom tradutor deve ser antes de tudo um bom leitor. Decorre do que foi dito sobre o processo de percepção que o tradutor busca chegar ao sentido da obra em três dimensões, o que não quer dizer que isso deva ocorrer de forma consciente e em etapas separadas. (LEVÝ, [1957]; 2011, p.31-32. Tradução minha). 123

Pensar a teoria da tradução sob a ótica de Levý é entender que o processo da tradução se ampara no processo de criação do próprio tradutor, cabendo a esse tradutor a “tomada de decisão” [“translation as a decision-making process”] (LEVÝ, [1966], 2012), diante de suas respectivas escolhas e opções que se apresentam. Isso dependerá do contexto e tempo em que a obra está inserida. Segundo o teórico, o tradutor se vê diante de várias opções quando traduz, levando-o a tomar decisões diante do número de alternativas que surgem durante o processo tradutório. Isso significa considerar que, segundo os Estudos descritivos da Tradução (EDT), o texto fonte (TF) e o texto meta (TM) estabelecem uma interlocução, uma vez que envolvem elementos estéticos da obra traduzida, eliminando o entendimento de que a tradução é uma

122 Há mais de 50 anos, o tcheco Jiří Levý (1926-1967) publicou sua obra Umeni Prekladu (1963) relativa aos Estudos da Tradução, hoje considerada um marco para a teoria da tradução literária (NECKEL, 2011). 123 Original artists are expected to be able to apprehend the reality they depict, and translators are expected to apprehend the works they are rendering. A good translator must be above all a good reader. It follows from what has been said about the perception process that the translator seeks to arrive at the sense of the work in three dimensions, which is not to say that this is bound to occur consciously and in separate stages. 153 transferência textual, considerando elementos históricos que são reconduzidos quando do processo tradutório. Sob a ótica de Levý, três são os agentes que compartilham do processo tradutório: escritor, tradutor e leitor. O primeiro leitor é o tradutor que faz uso do texto original e constrói a realidade apresentada em um texto traduzido. Levý argumenta que “traduzir é comunicar”, isto é, “tradução é comunicação. Mais precisamente, os tradutores decodificam a mensagem contida no texto do autor original e a reformulam (codificam) em seu próprio idioma” (LEVÝ, [1957], 2011, p.23).124 A essência do processo tradutório leviniano encontra respaldo na recepção estética da obra que se sustenta na compreensão e interpretação da obra pelo tradutor. Entretanto, no artigo Translation as a Decision Process, Levý ([1966], 2012) considera a tradução sob dois pontos de vista: Do ponto de vista teleológico, a tradução é um processo de comunicação: seu objetivo é transmitir a informação do original ao leitor estrangeiro. Do ponto de vista do trabalho do tradutor, a qualquer momento desse trabalho (isto é, do ponto de vista pragmático), traduzir é um processo de tomada de decisão: uma série de um certo número de situações consecutivas – movimentos, como em um jogo – que impõem ao tradutor a necessidade de escolher dentre um certo número (muitas vezes exatamente definível) de alternativas (LEVÝ, [1966], 2012, p.1 Tradução minha).125

Levý destaca a importância dos elementos culturais no processo da tradução unido à interpretação estética do tradutor no encontro entre duas culturas que se constituem e dialogam. Ademais, Neckel (2012, p.4) acrescenta que esse saber possibilitaria ao tradutor remover da tradução seu caráter “suspeito”, que o prenderia em um nível de invisibilidade, de forma que o tradutor deixe de ser um “humilde mediador” e consiga emergir como autor que realmente é. Entendo que o tradutor, ao se encontrar frente a duas culturas, faz uso do conhecimento da língua somado às suas experiências (Dasein) da interpretação, juntamente com a recepção estética da linguagem de ambas culturas, com o objetivo de encontrar a tradução mais adequada ao contexto e ao texto alvo. A abordagem de Levý estabelece que:

É possível considerar uma tradução como a expressão da individualidade criativa do tradutor e, consequentemente, identificar a contribuição do estilo pessoal do tradutor e da interpretação para a estrutura resultante do trabalho. O tradutor é um autor associado a uma determinada época e cultura nacional, cuja poética pode ser estudada

124 Translation is communication. More precisely, translators decode the message contained in the text of the original author and reformulate (encode) it into their own language. The message contained in the translated text is then decoded by the reader of the translation. 125 From the teleological point of view, translation is a process of communication: the objective of translating is to impart the knowledge of the original to the foreign reader. From the point of view of the working situation of the translator at any moment of his work (that is from the pragmatic point of view), translating is a decision process: a series of a certain number of consecutive situations—moves, as in a game—situations imposing on the translator the necessity of choosing among a certain (and very often exactly definable) number of alternatives. (Tradução:Gustavo Althoff e Cristiane Vidal, 2012) 154

como uma exemplificação das diferenças na evolução literária de duas nações e das diferenças entre as poéticas de duas épocas. (LEVÝ, [1957], 2011, p.14. Tradução minha).126

Nesse momento, faço uma analogia entre a ação do tradutor caracterizada por Levý e a reflexão de Bakhtin (1992) quando distingue em seu manuscrito “O Autor e o herói na atividade estética”, o sujeito-autor do “autor-criador”. Bakhtin (1992, p.25) defende que “o ato criativo envolve um complexo processo de transposições refratadas da vida para a arte, onde o autor-criador compõe o objeto estético. Destaca, ainda, que a voz segunda é a voz criativa do autor-criador, e não se trata da voz do escritor” e enfatiza que o autor-criador se torna a voz social que dá unidade ao todo artístico. Há uma relação dialógica entre o conceito bakhtiniano do autor e o papel do tradutor na teoria de Levý, para quem o tradutor exerce o papel do “autor-criativo” quando do processo da tradução como criação. Vejo que tais observações têm ressonância nas observações de Zilly (2017) ao denominar o tradutor de “recriador”, ou seja, caracteriza o tradutor como um novo criador, acrescentando que:

[...] o tradutor - ao analisar, recapitular e atualizar o processo de produção do texto - acrescenta à cooperação entre criador e crítico uma terceira função, a do recriador. Ele enfoca, examina reconstrói não apenas na anatomia e a fisiologia do texto, mas lhe dá outra vida, em outra figuração. (ZILLY, 2017, p.9).

É diante desse novo olhar da forma programática em que a tradução se torna um fenômeno cultural que adentra nos espaços interdisciplinares abordando novas áreas de análise (LAMBERT, [1989]; 2011, p.95). Os estudos da tradução vivem um momento de novas discussões teóricas e metodológicas, unido a avanços tecnológicos atuais. Entendo que tais conceitos interagem com novos desdobramentos críticos que acreditam ser “a tradução uma obra nova, ou seja, a tradução não se trata de uma cópia em uma outra língua, mas é uma obra ‘emancipada’ e com igual valor de um original cada vez mais questionado” (HEIDERMANN, 2009, p.26). Diante de posicionamentos distintos, mas complementares, Lambert (1989; 1995) destaca a “internacionalização da comunicação” como fator de aproximação entre fronteiras que possibilitam o elo e o “diálogo entre culturas”, fazendo com que a tradução ganhe novo

126 It is possible to investigate misunderstandings which from the perspective of the poetics of translation are merely accidental evidence of extraneous factors; that is to say linguistic knowledge and thoroughness in the approach to the translation task. It is possible to consider a translation as the expression of the translator’s creative individuality and accordingly to identify the contribution of the translator’s personal style and interpretation to the resultant structure of the work. The translator is an author associated with a particular time and national culture, whose poetics can be studied as an exemplification of differences in the literary evolution of two nations and differences between the poetics of two epochs. 155 papel no processo nas relações dos sistemas de comunicação (TORRES, 2014, p.9). Essa observação lambertiana tem interlocução com o conceito teórico sobre tradução cultural defendida por Jiří Levý ([1957]; 2011):

Os tradutores são as pessoas que estão em posição de expandir o conhecimento dos leitores sobre culturas estrangeiras, abrindo assim o caminho para futuros tradutores da mesma cultura, que então poderão esperar um leitor mais bem informado. De acordo com os requisitos de uma dada situação histórica, os tradutores podem até influenciar deliberadamente a convergência ou divergência de duas culturas. (LEVÝ, ([1957]; 2011, p.71, tradução minha).127

Por conseguinte, Jiří Levý ([1965]; 2012)128, no artigo publicado na Alemanha e traduzido para o inglês, “Will Translation Theory be of Use to Translators?” com tradução para o português intitulada de “Übersetzen: Terá a Teoria da Tradução serventia aos Tradutores?”, aponta que o estudo da teoria da tradução comporta um sentido importante, quando se observa que a tradução se compõe de um processo comunicativo (grifo do autor). Segundo Levý ([1965]; 2012, p.68), esse processo se concretiza em um “mundo [...] composto por objetos e fenômenos cujos contornos variam de cultura para cultura, unido a convenções e relações sociais, sendo a mensagem do autor da obra decodificada (decifrada/interpretada) pelo tradutor- leitor e, novamente, lida e interpretada pelo leitor da tradução.”. Corroboram com esse novo pensamento, José Lambert e Hendrik Van Gorp (1985) no artigo On Describing Translations129 e explicam o esquema de sua abordagem teórica, destacando a presença do segundo autor quando da tradução, retratado no tradutor, resultando em um segundo texto e autor.

Quadro 2 - Esquema da teoria da tradução de José Lambert e Hendrik van Gorp (1985).

Author 1’----Text 1’-----Reader 1’ ≅ Author 2’---Text 2’ ---Reader 2’ [Autor 1 --- Texto 1----Leitor 1] ≅ [Autor 2---Texto 2---Leitor 2]

Fonte: Lambert e Van Gorp (1985, p.42-53).

127 Translators are the people who are in a position to expand readers’ knowledge of foreign cultures, so opening up the way for future translators of the same culture, who will then be able to expect a better informed readership. According to the requirements of a given historical situation, translators can even deliberately influence the convergence or divergence of two cultures. 128 LEVÝ, Jiří. Übersetzen: Terá a Teoria da Tradução serventia aos Tradutores?/ “Will Translation Theory be of Use to Translators?”, In: Rolf Italiaander (ed.). Tradução de Alice Leal, Scientia Traductionis, n.11. 2012. In: Vorträge und Beiträge vom Internationalen Kongress literarischer Übersetzer in Hamburg 1965, Frankfurt am Main: Athenäum Verlag, 77-82. 129 LAMBERT, José & Hendrik VAN GORP. ‘On describing Translations’ In: Theo HERMANS, 1985 (ed.). The Manipulations of Literature. Studies in Literary Translation. London & Sydney: Croom Helm, 1985, p.42-53.

156

O presente esquema revela o processo tradutório segundo o pensamento de ambos os teóricos, Lambert e Van Gorp, para quem segundo o texto “dependerá das prioridades e escolhas do comportamento do tradutor que, por sua vez, deve ser visto em função das normas dominantes do sistema-alvo” (LAMBERT; VAN GORP, 1985, p.3-4). A esse respeito, os pesquisadores relatam que essas posições teóricas baseiam-se no esquema (LAMBERT; LEFEVERE, 1978), cujos parâmetros básicos se originam nos fenômenos translacionais, como apresentado por Itamar Even-Zohar (1978) e Gideon Toury (1980) no contexto do polissistema. Lambert (2011, p.188) ao se reportar ao ramo descritivo dos Estudos da Tradução (LAMBERT, 1995; TOURY, 1980;1995), dá ênfase ao modelo tripartide de Toury (1980, p.19- 34), ressaltando a necessidade de um processo metodológico, a fim de que teorias e hipóteses sejam conectadas a situações histórico/culturais específicas.

As relações exatas entre os sistemas literários das culturas alvo e fonte têm que ser examinadas, o que é precisamente o objetivo do nosso esquema. Tanto o sistema de origem (literário) quanto o sistema de destino (literário) são sistemas abertos que interagem com outros sistemas. (LAMBERT; VAN GORP, 1985, p.3).

Lambert e Van Gorp (1985) sustentam a ideia de que, embora o caráter estilístico de uma tradução se reporte ao texto alvo (TA), suas referências socioculturais ainda podem ser extraídas do texto fonte (TF), sobre o que, entendo, podem estar relacionadas a contextos socioculturais do texto-alvo, provocando uma intertextualidade e, seguramente, uma interculturalidade. Por esse motivo, os citados teóricos defendem que “a tradução é essencialmente o resultado de estratégias de seleção dentro de um sistema de comunicação, devendo-se observar as normas e modelos dominantes que determinam essas estratégias” (LAMBERT; VAN GORP, 1985, p.5). Sobre o processo de mudança a que está sujeita a tradução, Zilly (2017) esclarece que:

[...] depois de ter decorrido mais de meio século, é natural que mudanças na fortuna crítica, na língua de chegada, nas concepções e estratégias tradutórias, no gosto literário do público possam ter criado a expectativa de novas traduções que não apenas emendem pontuais imperfeições encontráveis em qualquer tradução, mas que deem aos leitores da cultura-alvo outra ideia do texto, descobrindo e realçando nele outras qualidades. (ZILLY, 2017, p.7).

Tratando-se de pesquisa com base em reflexões teóricas relativas aos estudos descritivos da tradução de um texto literário, faço uma pequena explanação do caminho teórico dessa abordagem, a fim de dar maior visibilidade aos procedimentos adotados quanto aos comentários, decisões e estratégias tomadas a quando da tradução. 157

É Theo Hermans (1999) que, na sua obra Translation in Systems: Descriptive and System-oriented Approaches Explained, retoma parte da origem histórica dos Estudos Descritivos da Tradução, seguindo as ideias de Holmes.130 Anthony Pym (2017, p.149) questiona “o paradigma da equivalência”, cuja análise tem início no texto de partida e seu papel no contexto de origem. Pym esclarece, que “o paradigma descritivista” se dirige ao texto de chegada e sua posição no sistema de chegada. Na verdade, Pym interage com os conceitos de Toury (1995; 2012) ao recomendar que se deve “começar a análise (realce do autor) pela tradução em vez de começar pelo texto de partida” (2017, p.149). Em suas abordagens, Toury ([1995]; 2012, p.53) assegura que “as traduções devem ser tratadas como fatos das culturas de chegada”. Toury complementa:

As atividades de tradução devem ser consideradas como tendo significado cultural. Consequentemente, a tradução significa, antes de tudo, desempenhar um papel social, ou seja, cumprir uma função atribuída por uma comunidade [...]. Portanto, a aquisição de um conjunto de normas para determinar a adequação desse tipo de comportamento [...] é um pré-requisito para se tornar um tradutor em um ambiente cultural (TOURY, [1995]; 2012, p.53).

Cabe lembrar que são os teóricos israelenses, como Even-Zohar (1978) e Toury (1995) que, no início dos anos de 1970, mantêm o foco da pesquisa voltado para Estudos Descritivos da Tradução (Descriptive Translation Studies-DST), cuja base se constrói no Formalismo russo e no Estruturalismo tcheco. Desse modo, comungo das posições teóricas de Jiří Levý ([1957]; 2011) ao considerar que as opções de escolha do tradutor advêm da sua percepção e recepção do texto fonte (TF), constituindo-se no texto meta (TM), o que resulta de sua interpretação. Dessa forma, a tradução se dá quando da interpretação e da leitura da obra. Entende-se que o tradutor necessita interpretar, quando da tradução, e que o texto pode suscitar várias interpretações, dependendo dos aspectos histórico-cultural e ideológico do tradutor-leitor. Ressalto que Das kalte Herz, de Wilhelm Hauff, não possui tradução para a língua portuguesa e que, em razão disso, construo a tradução partindo da concepção de que esta constitui processo de decisão criativa do tradutor (Jiří Levý [1957]; 2011) relativa à língua e cultura metas, acompanhada do conceito crítico de Torres (2017, p.18), procedendo a tradução textual com “comentário crítico autoral”. Destaco que a presente análise não encontra parâmetro em uma tradução pré-existente na língua portuguesa brasileira, o que acarreta para a tradutora maior responsabilidade sobre as

130 HOLMES, J.S. (1988) “The Name and Nature of Translation Studies” In: VAN DEN BROECK, R. (Ed.) (1988), Translated, Amsterdam: Rodopi, 67-80. 158 decisões e escolhas a serem tomadas, segura de que a referida tradução redundará em provocações e novos pontos de vista sobre o tema. Essa posição dialoga com a observação de Torres (2017, p.18) que define o “caráter descritivo relativo ao comentário como parte de uma tradução onde reflete sobre as tendências tradutórias e os efeitos ideológico-políticos sobre as decisões de tradução”. Consequentemente, não sigo normas prescritivas no fazer tradutório, uma vez que elaboro um projeto de tradução que leva em conta justamente a singularidade da narrativa objeto deste estudo, levando em consideração a alteridade concernente ao confronto entre o sistema da língua e a cultura meta (CM). Confesso que a citada reflexão me faz ver que traduzir e comentar a novela de contos maravilhosos Das kalte Herz não é tarefa fácil para o tradutor, mesmo sendo uma obra infanto- juvenil. O desafio da tradução exige do tradutor ser conhecedor não só do idioma do texto fonte (TF), nesse caso, o alemão, como também o idioma da língua meta (LM), o português. Também faz-se necessário ter conhecimento geral de elementos políticos, sociais, culturais e linguísticos que constituem o espaço-temporal da narrativa, seja no texto fonte (TF) como no texto meta (TM), em que o autor, o tradutor e o leitor encontram-se inseridos. Como afirma Torres (2017, p.19), o tradutor tem que optar por decisões na tradução e fazer “escolhas em função dos objetivos prefixados e das prioridades estabelecidas”. Hermans (2014), por outro lado, relaciona a prática da tradução à reprodução de discursos pré-existentes, mas sobretudo por manter posicionamentos diante desses valores. Sobre isso, esclarece que “a tradução importa enquanto prática social e cultural não tanto por proporcionar reproduções de discursos anteriores em outras línguas, mas por negociar e se posicionar perante os valores que transmite” (HERMANS, 2014, p.293). Após as devidas preleções, adentro na cosmovisão de Wilhelm Hauff através da compreensão e recepção dos elementos orais e culturais do texto fonte (TF) buscando atualizá- los na elaboração do texto meta (TM) . Ao implementar conceitos do estudo da tradução sob a ótica de Jiří Levý ([1957]; 2011) e de José Lambert e Hendrik Van Gorp (1985) com o objetivo de construir uma tradução voltada ao texto meta (TM), tento identificar elementos que provocam interferências sociais, culturais e ideológicas que são determinantes nas decisões de Hauff sobre a construção do texto fonte (TF). Dessa forma, estabeleço parâmetros de abordagens, uma vez que não há tradução anterior à minha na língua portuguesa. Assim, destaco as decisões tomadas na construção textual relativas à metodologia, anteriormente citada, e à tradução comentada para a língua portuguesa, cujos conceitos me 159 servem de alicerce na tomada de decisões sobre retextualizar a narrativa hauffiana para uma tradução atualizada do texto meta (TM) na cultura brasileira, do século XXI.

6.2 A NARRATIVA HÍBRIDA: ESTRATÉGIA OU INTUIÇÃO CRIATIVA? Para que se entenda como se dá a relação híbrida do conto maravilhoso com a novela, faz-se necessário retomar alguns conceitos que abrangem os elementos do maravilhoso e do fantástico, o que torna a narrativa pré-realística. Assim, levo em conta os conceitos que envolvem o Volksmärchen [Contos maravilhosos orais ou populares] e o Kunstmärchen [Contos maravilhosos artísticos], uma vez que são esses gêneros literários que dão início a todo um processo de hibridização para a construção do Märchennovelle. Para isso, retomo a conceituação de Bakthin (2002) ao dimensionar os gêneros discursivos como uma “finalidade comunicativa e expressiva, retratada na ‘manifestação da cultura’, cujo gênero não pode ser pensado fora da dimensão espaço-temporal”. Isso se dá no caráter da “teoria dialógica dos gêneros”, relativa à “interatividade discursiva”. Para Bakthin (2002, p.86), “o enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social”. Tismar (2003, p.100) assegura que Wilhelm Hauff constrói seus contos maravilhosos com elementos convencionais de uma novela, caracterizados por narrativas com elementos sociais. Hauff possui uma peculiaridade e criatividade que lhe são próprias, o que o destaca dos escritores contemporâneos de sua época como Tieck e Hoffmann. Acrescenta Tismar (2003):

Mais forte que Tieck em “Phantasus” ou em Hoffmann nos “irmãos Serapion”, ele [Hauff] luta por manter a credibilidade do que está narrado, permitindo, de alguma forma, a presença de figuras no interior das narrativas que participam nos atos de trama e que sem dúvida são melhor legitimadas à trama e são como fragmentos interdependentes da narrativa (inclusive são na maioria contos maravilhosos) (TISMAR, 2003, p.100).131

Inicialmente, enveredo no ambiente de transição político-literária e cultural em que Hauff se encontra naquele momento na Alemanha. Observo que tais ocorrências culturais exercem grande transformação na obra de Hauff, levando-o a romper com os mitos clássicos e a adentrar nos mitos da tradição germânica unido a elementos grimminianos.

131 Stärker als Tieck im »Phantasus« oder Hoffmann in den »Serapions-Brüdern« strebt er dabei Glaubwürdigkeit des Erzählten an, indem er beispielsweise Figuren der Binnenerzählungen auch in den Rahmenhandlungen auftreten läßt -, wobei die in den Rahmen einmündenden Geschichten zweifellos besser legitimiert sind als die unverbindlichen Erzählstüke (darunter sind die meisten Märchen). 160

Segundo Arendt (2012, p.10) “o olhar penetrante da novela disfarça facilmente o fenômeno paralelo da narrativa: os contos maravilhosos”.132 Assim, não dá para descrever a história do conto maravilhoso distinto da novela, pois ambos os gêneros se encontram interligados por uma força retratada na influência mútua e demarcatória em relação ao romance, denominada de biunívoca por Volobuef (1999, p.52). Na concepção de Tismar (2003, p.100), Wilhelm Hauff alcançou uma popularidade independente e crescente por mérito próprio, talvez intuitiva e desafiadoramente, por estar inserido numa posição intermediária na história literária alemã, retratada no período de transição política denominada de Biedermeier, entre 1815 e 1848. Essas palavras têm ressonância nos comentários de Volker Klotz (1985, p.210) ao mencionar que:

Os contos maravilhosos hauffianos chegam aos leitores de forma disfarçada e com um propósito, o de neutralizar a resistência da sociedade leitora sob a influência moralizante do movimento Biedermeier. Ao fazer uso do elemento da “culpa”, cuja representação da redenção está retratada no protagonista “o carvoeiro Muck” junto ao espírito do bem “Glasmännlein”, a novela Das kalte Herz acaba correspondendo, mesmo que de forma sutil, à moralidade do Biedermeier, ao contextualizar reivindicações de vida plena e autorrealizáveis nas aventuras extravagantes das histórias, o que contribuiu para o surgimento de outras formas literárias (KLOTZ, 1985, p.210).

Por conseguinte, a força da descrição realista, muitas vezes, quebra o poder do imaginário. Entretanto, o narrador de Das kalte Herz opta por iniciar a história como um relato de viagem: “quem viaja pela Suábia...” - o que desconecta a narrativa do modelo tradicional dos contos maravilhosos - mundialmente conhecido como “Era uma vez...” [“Es war einmal...”]. Em seguida, o narrador insere na narrativa seu posicionamento onde afirma que “ já não se acredita mais em espíritos da floresta” (HAUFF, [1908], p.4). Por outro lado, o narrador aponta para o fato de que “a crença repousa em uma lenda e que os mitos da tradição germânica se encontram presentes na Floresta Negra” (HAUFF, [1908], p.4). Esses elementos revelam o imaginário hauffiano na fronteira do maravilhoso e do fantástico. Sobre isso, Todorov (2013, p.150) afirma que “o fantástico é a hesitação experimentada por um ser que não conhece as leis naturais, diante de um conhecimento aparentemente sobrenatural. [...] A fé absoluta, como a incredulidade total nos levam para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida”. Na verdade, o narrador empírico expressa essa hesitação presente nesses dois pólos que se traduzem no maravilhoso e no fantástico.

132 Der penetrante Blick auf die Novelle verstellt leicht das parallele Phänomen des Erzählens: das Märchen. 161

ALEMÃO PORTUGUÊS Noch vor kurzer Zeit glaubten die Não muito tempo atrás, os habitantes Bewohner dieses Waldes an desta floresta acreditavam em espíritos da Waldgeister,und erst in neuerer Zeit hat floresta e, só recentemente, se livraram man ihnen diesen törichtenAberglauben dessas superstições tolas. É curioso, no benehmen können. Sonderbar ist es aber, entanto, que também os espíritos da dass auch die Waldgeister, die der Sage floresta que, segundo a lenda, habitam na nach im Schwarzwalde hausen, in diese Floresta Negra, distingam-se em diferentes verschiedenen Trachten sich geteilt haben. trajes. [grifo meu] (HAUFF, [1908], p.4) [grifo meu]

Nesse excerto, é possível identificar na narrativa uma hesitação permanente no narrador aliada à crença no sobrenatural presente nas lendas e nos espíritos da floresta. É oportuna a observação de Todorov (2013):

Estamos no fantástico-maravilhoso, por outras palavras, na classe de narrativas que se apresentam como fantásticas e que terminam no sobrenatural. São essas as narrativas mais próximas do fantástico-puro, pois este, pelo próprio fato de não ter sido explicado, racionalizado, nos sugere a existência do sobrenatural. O limite entre os dois será, portanto, incerto; entretanto, a presença ou a ausência de certos pormenores nos permitirá sempre decidir. (TODOROV, 2013, p.159).

A narrativa inicia com um estado de dúvida presente no narrador frente à existência ou não dos espíritos da floresta. Ao longo da narrativa, “o sobrenatural” ganha credibilidade e se alicerça nos discursos diretos entre os espíritos da floresta e o protagonista Pedro Munk. De fato, esse discurso personifica os espíritos, uma vez que ganham “voz” e apresentam um discurso de cunho moralizante definido pela descrição realista de forças entre o bem versus o mal. É adequada a abordagem de Todorov (2013, p.38) ao esclarecer que “o texto deve obrigar o leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados”. Karin Volobuef justifica que:

O recurso do maravilhoso, à magia e ao encantamento dos contos de fadas, bem como ao sobrenatural e ao aterrador das peças noturnas, foi expressão de desejo de renovação do mundo, do anseio por revitalização das percepções, do desejo catártico de descobrir o desconhecido em meio ao conhecido. (VOLOBUEF, 1999, p.111).

As constatações apontadas pela pesquisa sugerem indícios sobre o suposto engano da crítica literária alemã à época sobre a recepção estética da novela de contos maravilhosos Das 162 kalte Herz, ao classificá-la como um conto de fadas infantil, além de fazer parte de uma publicação com outros contos e sagas. Tismar (2003) acredita que Hauff, de certa forma, fora o precursor na Alemanha desse gênero híbrido de publicação, ao afirmar que é a partir da publicação de Hauff que começam a surgir obras que apresentam contos de fadas que se unem a outros gêneros, despontando obras com elementos realistas unidos ao fantástico.

6.3 PROJETO DE TRADUÇÃO Para a escolha da categoria tradutória, parto do princípio de que o público-alvo suposto e imaginado para leitor da tradução da narrativa hauffiana no português, será o infanto-juvenil, o que contradiz a crítica literária alemã à época que considera a obra Das kalte Herz um conto de gênero infantil. É importante frisar que a concepção de que Das kalte Herz trata-se de uma obra infanto-juvenil se respalda na pesquisa de tradutores ingleses133 e pesquisadores contemporâneos, como Stefan Neuhaus (2002), Andrea Polaschegg (2005) e Dieter Arendt (2012), dentre outros, já bastante discutida e fundamentada durante essa pesquisa. Uma análise detalhada da novela revela que Hauff usa uma linguagem popular com palavras do Arcadismo, condizente com o momento histórico-social em que se encontra inserido, porém com a presença de inserções pré-realísticas, retratando o “entre-lugar”134 que se constitui na composição entre tradição oral e na cultura ideológico-social daquela época. A escolha dessa narrativa alemã, corpus deste trabalho, justifica-se por se tratar do gênero novela de contos maravilhosos [Märchennovelle], gênero pouco explorado por pesquisadores brasileiros, além de se tratar de um texto híbrido, conformado por elementos míticos do fantástico-maravilhoso com características sociais e, sobretudo, por não ter tradução para o português no Brasil. Embora Das kalte Herz não se direcione exclusivamente a crianças, entendo que a abordagem da pesquisadora e escritora Riitta Oittinen (2005) se adequa às estratégias a serem adotadas pelo tradutor frente à uma obra de gênero infanto-juvenil a ser traduzida:

la lectura es la clave cuando se traduce para niños. Em primer lugar, tenemos la experiencia lectora real del traductor, que hace la traducción según su interpretación del original; y em segundo lugar, está la experiencia lectora de los futuros lectores, imaginados por el traductor [...] (OITTINEN, 2005, p.23).

133 Ver: TALLES, Talling. The Fairytales of Wilhelm Hauff. Open Book Edition Publishers. 2013, p.181-203. (books.openedition.org/obp). 134 Termo cunhado por Silviano Santiago (1978). 163

Oittinen (2005) privilegia o tradutor como leitor unido à sua interpretação quando da tradução, tanto quanto ressalta a importância da experiência leitora e do perfil desses futuros leitores. A escritora deixa claro a importância de o tradutor ter conhecimento do perfil do público a quem a obra se destina. Ao considerar que a obra está voltada para público específico é de suma importância fazer algumas considerações relativas à obra e ao seu público leitor. O motivo da obra Das kalte Herz atender ao público leitor infanto-juvenil, faz-me retomar as palavras de Shavit (1986, p.65-67) para quem “a literatura infantil tem um duplo leitor: a criança e o adulto”. “Essa observação se faz consistente quando Shavit aponta a ambivalência dos textos com base nas ideias de Yuri Lotman135 acrescentando que os textos ambivalentes são flexíveis e imprevisíveis e têm “possibilidades ocultas”, ou seja, em princípio foram escritos para adultos e são convertidos em literatura infantil. Durante o trabalho de pesquisa, detectaram-se vários motivos que contribuem para o longo período em que a obra ficou na obscuridade junto ao público leitor. Essa constatação me faz ver que a narrativa Das kalte Herz obteve uma classificação inadequada pela crítica literária. Na verdade, a crítica não percebeu a dimensão contextual oriunda da presença do maravilhoso e do fantástico unidos ao social que resultam em uma novela de contos maravilhosos, o que contextualiza o olhar inovador e moderno de Hauff na construção da obra literária. Por esse motivo, entendo que Das kalte Herz encontrou obstáculos que prejudicaram sua recepção estética, caindo no ostracismo literário e resultando na falta de compreensão pelo público quanto ao gênero da obra. Sábia e astuta a decisão de Hauff em inserir elementos míticos, mágicos e ideológicos na obra em estudo, possibilitando uma ambivalência à novela. A contextualização histórica, cultural e social contribui para aprofundar as questões apontadas na narrativa. Essa hibridização provocou na crítica uma inquietação e, possivelmente, incredulidade em relação à obra. Atualmente são várias as linhas de pesquisa que abordam a tradução, desde a que trabalha com a equivalência de forma linear de um texto de uma língua a outra, assim como aquela que defende ser a tradução um produto de criação, assegurando tratar-se de um novo texto em uma nova cultura. Com base nessa última observação, retomo a relação do tradutor com seu poder de decisão ao discutir sobre o leitor frente à tradução de um texto infanto-juvenil. Aqui retomo as palavras de Levý ([1957]; 2011) quando propõe que a tradução modificaria o efeito sobre o leitor, somando-se à individualidade e à originalidade do tradutor.

135 Iúri Lotman (1922-1993) - semioticista russo. 164

A seguir, um exemplo do processo de decisão do tradutor frente a diferenças culturais que determinadas palavras implicam:

ALEMÃO PORTUGUÊS „denn die Schwarzwälder sind ein “e as pessoas da floresta negra eram gutmütiges Völklein“ (HAUFF, [1908], naturalmente um povo de bom coração.” S.7). [grifo meu] [grifo meu]

Nesse fragmento, há dois vocábulos na língua alemã que exigiram decisão por parte da tradutora quanto à escolha tradutória na língua meta (LM): “Schwarzwälder” (denominação regional para os moradores da floresta negra) e “Völklein” (povinho). “Schwarzwälder” é um substantivo composto (Schwarz+Wald -/er/), cuja tradução literal seria “floresto-negrenses”, o que soaria estranho na língua meta (LM), a língua portuguesa. Nesse sentido, traduzo “schwarzwälder”, de acordo com a minha interpretação no papel de tradutora, por “pessoas e/ou moradores da floresta negra”. Desse modo, preservo o caráter semântico da palavra na sua essência conotativa no texto fonte (TF) para a cultura meta (CM), porque inexiste denominação no português para a palavra em discussão. Em relação ao vocábulo diminutivo “Völklein”, cujo significado semântico em português é “povinho” contém conotação pejorativa no âmbito cultural da língua meta (LM), a portuguesa brasileira, além de carregar certa ambiguidade, contribuindo para uma compreensão errônea do leitor da cultura meta (CM). Na verdade, há um sentido dúbio dado à palavra “Volk” na língua fonte (LF) e que busco eliminar na língua meta (LM). É importante ressaltar também que o sufixo diminutivo –lein carrega uma carga semântica afetiva, mas, simultaneamente, depreciativa, denotando algo que é inferior ou menor (TRUSEN, 2012). Assim, mantenho o vocábulo “povo”, eliminando a ambiguidade que se encontra no texto fonte (TF), preservando a semântica na representação cultural da palavra no texto meta (TM). É possível que Hauff, ao fazer uso do vocábulo “Völklein”, demonstre amabilidade para com seus concidadãos da região da Suábia, onde se localiza a Floresta Negra, uma vez que foi nessa região que passou sua infância. Por conseguinte, sigo a sugestão teórica de Levý ([1957]; 2011) de fazer minha própria “escolha”, preservando a cultura meta (CM), diante do impasse e dupla interpretação que o vocábulo evoca na língua portuguesa. 165

Nesse caso, tomo a decisão pelo vocábulo “povo” ciente do processo de criação de um novo texto, a fim de não construir uma tradução de valor semântico contestável e ambíguo. Opto por preservar o sentido na língua e cultura meta (CM), assegurando a comunicação semântica da palavra em língua portuguesa para o leitor brasileiro, resultando em uma compreensão satisfatória e adequada ao contexto cultural meta (CM). Uma outra possibilidade seria traduzir literalmente “Völklein” por “pessoinhas”, mas soaria também pejorativo, senão vejamos: “e as pessoinhas da floresta negra eram naturalmente boas de coração.” Descaracterizaria o sentido da palavra “povo” na língua meta (LM). É notório, que dificilmente se faz uso desse tipo de vocábulo, em razão da conotação inadequada ao contexto e a possibilidade de uma duplicidade de sentidos no contexto semântico. As palavras de Meschonnic (2010, p.42) ilustram bem esse contexto “é nas ideias de linguagem tanto quanto no texto que deve trabalhar o tradutor”, o que significa dizer que a elaboração do texto da tradução se constrói, sobretudo, na compreensão da linguagem e no sentido das palavras que compõem o próprio texto. Ao fazer referência às “ideias de linguagem” (grifo meu), Meschonnic (2010) dialoga com Bakthin ([1934~1935] 2008, p.40), ao afirmar que “as ideias do escritor, quando entram na obra mudam sua forma de existência, transformam- se em imagens artísticas das ideias, isto é, não são as ideias do escritor como tais que entram no objeto estético, mas sua refração”. Por um outro ângulo, ao olhar para o processo na tradução, constato nas abordagens de Bakthin (2008, p.43) sua inter-relação com a alteridade, ao afirmar que “tenho que passar pela consciência do outro para me constituir (ou, num vocabulário mais hegeliano, o eu-para- mim-mesmo se constrói a partir do eu-para-os-outros)”. Na verdade, o tradutor entra nesse processo dialético com o texto fonte (TF) em busca do sentido textual que alcance a comunicação na língua e cultura meta (CM), elaborando uma nova criação. Como se sabe, o tradutor depara-se muitas vezes com a diversidade de significado de uma mesma palavra em uma segunda língua e na cultura meta, situação em que caberá ao tradutor decidir que sentido atribuirá à palavra nesse contexto da linguagem, dissolvendo a barreira de comunicação com o leitor fim. Nossa análise e comentários foram construídos e elaborados com base na prática tradutória que consiste em escolhas e decisões tomadas, sempre sob os conceitos teóricos de Levý ([1957]; 2011), cuja prática se efetiva na total decisão do tradutor frente à recepção estética do leitor no texto meta (TM). 166

A análise resulta na coerência e consistência relativas às observações e constatações do tradutor, cuja prática tradutória atestará a eficácia dessas decisões frente ao contexto da obra de Wilhelm Hauff, com uma diferença de dois séculos de publicação, uma vez que agora é traduzida e atualizada para leitores do século XXI. Não pretendo com nosso método e nessa investigação reconstruir e discutir todas as constelações críticas e imaginárias inseridas por Hauff em sua obra, que aprofundarei em um segundo momento. Diante do exposto, apresento nessa seção os comentários da tradução, esperando que sirvam de elo a questões históricas e intertextuais sobre contextos envolvendo temáticas sobre a oralidade e a cultura por coabitarem o mesmo universo imaginário hauffiano. Complemento essa análise com comentários sobre outras temáticas que interferem no aspecto semântico (linguística e literário) e provocam a revisão crítica da obra, desta forma, reestabelecendo a credibilidade da produção literária de Hauff junto à comunidade acadêmica, de leitores e da crítica literária. Destaco, a seguir, as temáticas que despertaram minha atenção e que exigiram aprofundamento crítico e de análise textual, a fim de possibilitar uma tradução comentada clara e objetiva sobre as decisões e escolhas tomadas pela tradutora. Para alcançar os objetivos aqui propostos, busco amparo teórico-metodológico no pensamento de Jiří Levý ([1957]; 2011) unido ao pensamento de Lambert e van Gorp (1988), muito já mencionado nesse estudo, tendo em vista os critérios de abordagem desses teóricos sobre a efetivação da tradução. Assim, busco preservar o sentido na linguagem literária com base no alcance da comunicação na construção do texto meta (TM) em plena harmonia com a cultura meta (CM). Das kalte Herz constitui-se de elementos orais e populares unidos a elementos que retratam o social e o cultural, os quais se revelam na novela de contos maravilhosos [Märchennovelle]. Portanto, o escopo de nossa tradução é trazer os elementos oriundos da mitologia germânica juntamente com elementos da tradição popular que constituem a cultura popular da época, para uma representação na língua portuguesa sem perder suas especificidades e essência na oralidade poética germânica. Destaco que a narrativa Das kalte Herz foi escrita no início do século XIX e está sendo traduzida para o século XXI. A sequência de análise compõe-se de excertos do texto fonte e da sua respectiva tradução, em colunas paralelas, a fim de possibilitar uma melhor visualização pelo leitor das 167 diferenças entre ambas, o alemão e a língua portuguesa brasileira, no caráter da linguagem, da semântica e da estrutura linguística. Essas abordagens textuais e semânticas expressam o porquê das opções, as quais exigiram da tradutora pesquisa e análise, resultando em escolhas tradutórias (LEVÝ, ([1957]; 2011), para o alcance de uma tradução na cultura meta (CM). Diante do exposto, apresento as temáticas que se destacaram quanto às diferenças e distorções na tradução, cujas dificuldades e opções são, devidamente, explicitadas com suas respectivas traduções.

• Marcas da Oralidade e Cânticos poéticos • Tradição popular e Memória • Sinais do Orientalismo • Mitos e lendas • Elementos Bíblicos • Sinais do realismo social • À sombra do capitalismo: entre o Bem e o Mal • Provérbios • Formas de Tratamento • Arcadismo • Figuras de Linguagem • Outros elementos • Elementos paratextuais e metatextuais

6.4 COMENTÁRIOS DE TRADUÇÃO EM DAS KALTE HERZ O registro linguístico, em Das kalte Herz, é o formal, porém, a história é simples e direta. Por considerar o texto uma simbiose entre elementos do sobrenatural, do maravilhoso e do social, opto por manter a tradução literal do título da obra “O coração frio” [“Das kalte Herz”] para a língua portuguesa, respeitando o caráter semântico disposto por Hauff, no intuito de provocar o horizonte de expectativa do leitor, colocado à interpretação. Enquanto os contos de fadas tradicionais evitam a descrição supérflua e se concentram em fundamentos da trama, Hauff permite-se fazer uso de mais detalhes e se insere mais no estilo da novela, fazendo uso de elementos do fantástico-maravilhoso unidos à realidade social. 168

Como um bom contador de histórias, Hauff mantém um ritmo narrativo constante de uma dimensão textual, conseguindo prender a atenção do leitor enquanto vai desdobrando a história e alimentando a sua trama. Faz isso, pontuando a ação com trechos de diálogos e construindo o suspense. Em relação ao estilo, Hauff mantém a relação dialógica, constitutiva da linguagem, mantendo a “fronteira dos sentidos centrada na alteridade”, que se interpenetram (BAKHTIN, 2008). Na concepção de Bakhtin (2002), o processo de construção do romance extingue a língua como único centro semântico-verbal do mundo ideológico, ou seja, uma descentralização e uma dispersão da consciência literária.

O plurilinguismo exterior irá reforçar e aprofundar as diversas linguagens internas da própria língua literária, irá debilitar o poder das lendas e das tradições que ainda paralisam a consciência linguística, decomporá o sistema do mito nacional, organicamente soldado à língua e, propriamente, destruirá totalmente o sentimento mítico e mágico da linguagem e da palavra. (BAKHTIN, 2002, p.165).

Ciente das diferenças relativas à estrutura do alemão e do português, uma vez que uma língua é germânica e a outra latina, busco encontrar a afinidade tradutória do texto fonte (TF) com o texto meta (TM) no âmbito descritivista. Busco relacioná-los não só no caráter estético da obra traduzida, por não se tratar apenas de uma transferência textual mas, sobretudo, por preservar a mensagem contida no contexto, através da comunicação textual que se dá na produção da tradução, bem como assinalar as alterações que se sucedem a partir do processo tradutório no contexto literário. Destaco, a seguir, os desafios e as soluções tradutórias encontrados no enfrentamento da tradução dessa obra exemplar de Wilhelm Hauff. Reafirmo o que já foi expresso na introdução, de que a nossa análise encontra-se amparada nos Estudos da Tradução, precisamente, na tradução comentada. Como se sabe, essa nova forma de pensar a tradução desponta com os avanços da Teoria Descritivista da Tradução (DST), onde se insere a tradução comentada. Esse novo paradigma é repensado e redimensionado por Pascale Sardin (2007) em Da nota do tradutor como comentário: entre texto, paratexto e pretexto; também por Adriana Zavaglia et all. (2015), no ensaio A tradução comentada em contexto acadêmico: reflexões iniciais e exemplos de um gênero textual em construção e por Marie-Hélène Torres (2017) na publicação Por que e como pesquisar a tradução comentada? cujos diálogos trazem à tona a discussão sobre a construção desse novo paradigma, relativo à tradução literária. Jenny Williams e Andrew Chesterman, em sua obra The Map (2002, p.7), no item “Areas in Translation Research” e no subitem “Texts Analysis and Translation”, ambos discutem o tema em translation with commentary e 169 annotated translation. Segundo eles, a tradução comentada ou anotada trata-se de uma tradução introspectiva e retrospectiva, uma vez que o tradutor traduz o texto e comenta as decisões tomadas frente à obra. Tanto Pascale Sardin (2007) quanto Adriana Savaglia (2015) destacam a importância que as notas e/ou comentários representam no processo tradutório, uma vez que a tradução exige comentários e posições críticas do tradutor. Torres (2017, p.15) refere-se ao comentário como gênero de tradução comentada (grifo da autora), como um processo que se constitui da “crítica e da história da tradução, promovendo uma autoanálise pelo tradutor- pesquisador acerca da tradução na sua relação com o comentário”. Na concepção de Torres (2017, p.18), esse processo é denominado de metatexto e “está na tradução comentada, onde está incluída a tradução por inteiro; objeto do comentário e a tradução está dentro do corpo textual”. Nesse contexto, entendo que a tradução comentada ganha uma perspectiva diferenciada nos Estudos da Tradução diante de perspectivas tradutórias anteriores.

6.4.1 Cânticos poéticos136 A narrativa Das kalte Herz leva o leitor ao mundo dos cânticos poéticos que para Meschonnic (2010, p.xxxvi) está relacionado à oralidade, onde “o ritmo é a organização do movimento da palavra”. É o que não se vê, mas o que se sente. “A oralidade é o primado do ritmo no modo de significar”. Convém observar que o medievalista Paul Zumthor (1993, p.18-19) distingue três tipos de oralidade relativas a situações de cultura. “Uma primária que não comporta nenhum contato com a escritura” e que se encontra “nas sociedades desprovidas de todo sistema de simbolização gráfica ou nos grupos sociais isolados e analfabetos”; a oralidade mista, “cujo traço comum coexiste com a escritura, no seio de um grupo social, ou seja, procede da existência de uma cultura escrita”; e oralidade segunda, quando interage com a escritura e “se recompõe num meio onde está tende a esgotar os valores da voz no uso e no imaginário, partindo de uma cultura letrada”. Faço essa abordagem, a fim de demonstrar que entre os séculos VI e XVI, prevalece a oralidade mista ou segunda, de acordo com as regiões, épocas e classes sociais. Essas declarações ressoam nas palavras do medievalista quando ressalta que “não é um acaso se a descoberta dos textos da Idade Média pelos eruditos românticos coincidiu com aquela que fizeram das poesias populares de seu tempo”, cujos elementos foram classificados como “populares”, eruditos ou letrados, na verdade, corteses (ZUMTHOR, 1993, p.18).

136 Algumas lendas carolíngeas deram origem às canções de gesta, escritas dois a três séculos após a morte de Carlos Magno (742-814). Eram cantadas e recitadas por menestréis e jograis. Depois foram refeitas e reunidas em ciclos. Muitas se perderam, restando apenas fragmentos anônimos e sem data precisa. (MELEIRO, 1994, p.42). 170

O que significa dizer que muitas das culturas populares provêm das tradições medievais. É providencial a constatação de que esse fragmento revela o imaginário de Hauff relativo a suas leituras e de sua relação com a literatura medieval. De fato, Hauff destaca na narrativa a presença dos Nibelungos,137 povo esse formado por anões e gigantes e que gerou o poema épico, escrito na Idade Média, por volta de 1200, em alto alemão médio, denominado de A canção dos Nibelungos [“Niberlungenlied”]. É importante ressaltar que Tieck, na narrativa popular, e Wagner, na música, usaram a “Canção dos Nibelungos”, no desenvolvimento de texto literário e musical (SAFRANSKI, 2010, p.96-97).

ALEMÃO PORTUGUÊS [...]die einen sagten, er habe unter einer alguns diziam que ele havia encontrado alten Tanne einen Topf voll Geld um pote cheio de dinheiro debaixo de um gefunden, die andern behaupteten, er habe velho pinheiro, enquanto outros afirmavam unweit Bingen im Rhein mit der que ele havia pescado no Reno, perto de Stechstange, womit die Flözer zuweilen Bingen, um pacote de moedas de ouro, nach den Fischen stechen, einen Pack mit com uma lança igual à que os balseiros Goldstücken heraufgefischt, und der Pack lançam nos peixes. Esse pacote pertencia gehöre zu dem grossem Niebelungenhort, ao tesouro dos Nibelungos e foi enterrado der dort vergraben liegt; kurz,er war auf ali. Logo, ele ficou rico e estimado como einmal reich geworden und wurde von um príncipe por jovens e velhos. jung und alt angesehen wie ein Prinz. [grifo meu] (HAUFF, [1908], S. 6-7) [grifo meu]

Quanto à tradução do excerto, constato uma estrutura alemã que não condiz com a portuguesa, o que dificulta sobremaneira a tradução para a língua meta (LM). Dessa forma, procedo à quebra do parágrafo, criando dois outros parágrafos, extinguindo a possibilidade de uma subordinada relativa e possibilitando um sentido contextual mais consistente para a língua meta (LM). Dessa forma, torno o texto mais fluido, coeso e de fácil compreensão aos olhos do leitor da língua portuguesa e, sobretudo, sem perdas semânticas. Hauff vivia uma atmosfera de mudança social e cultural de uma Alemanha que buscava a própria identidade. Esse momento de transição reflete-se na obra hauffiana. Os

137 Nibelungos – Povo formado por anões e gigantes na mitologia nórdica. Habitavam no Niflheim, terra gelada e esquecida. A saga gerou a epopeia heroica europeia denominada de A Canção dos Nibelungos. In: D’ONOFRIO, Salvatore,1990, p.166-167. 171 cânticos poéticos encontram-se presentes na obra de vários escritores138 contemporâneos de Hauff, os quais promovem a reconstrução literária através da pesquisa sobre tradições populares. Os temas medievais e orientais foram retomados e inseridos nas obras desses escritores, o que, certamente, influenciou Hauff a fazer uso desses elementos em sua produção literária.

[...] em 1806, Achim von Armin manifesta seu entusiasmo acerca das canções populares, e, um ano depois Joseph Görres publicou Die deutschen Volksbücher [Livro das criações do povo alemão], em que analisa textos antigos, especialmente baladas alemãs do século XVI, e procura apontar neles a recorrência de temas medievais, orientais etc. (WELLEK, 1967, p.248-255).

O olhar sobre a narrativa Das kalte Herz e sua oralidade exige que se examinem construções da narrativa, originárias de interferências literárias à época, sobretudo oriundas da Mitologia Germânica e da tradição popular que contribuem para a imaginação de Hauff no seu respectivo tempo e história. A presença frequente dos cânticos poéticos na novela Das kalte Herz com evocação de espíritos da floresta, acaba por imprimir elementos da tradição oral com o objetivo de manter a voz viva do “povo” e, por conseguinte, o elo com os cânticos orais. Zumthor (1997, p.39) assegura que “o registro escrito de narrativas ou poemas até então de pura tradição oral não acaba, necessariamente, com ela, cujo desdobramento ocorre, mas a mantém e a perpetua nas versões orais”. Safranski (2010, p.95), ao considerar que os cânticos poéticos são marcas da oralidade, assegura também que são versos produzidos num momento de “solidão da floresta”.

ALEMÃO PORTUGUÊS

»In Holland gibt's Gold! "Tem muito ouro na Holanda! Könnet's haben, wenn Ihr wollt você pode ter, se você quiser Um geringen Sold por um pouco de dinheiro Ouro, ouro!" Gold, Gold!« (S.16) [grifo meu]

Esse canto poético traz a presença das minas de ouro que atraía estrangeiros como os holandeses. Ao final do século XVIII e início do século XIX, a Floresta ganha forte significado junto às comunidades dos pequenos povoados dos estados alemães. A floresta era representada nas artes e literatura com traços estéticos idílicos do período romântico e torna-se o símbolo da unidade alemã para um povo que ansiava por uma Alemanha coesa e uniforme e que se

138 Existem registros da coletânea de baladas russas por Kirsha Danilov (1804); da coletânea Arnim-Bretano de canções alemãs, baseadas na tradição oral e folhetos impressos (1806 e 1808); das baladas suecas por Afzelius- Geijer (1814); das baladas servias por Vuc Stefanovic Karadzic (1814); e das canções filandesas por Elias Lönnrot (1835). (BURKE, 2010, p.27-28). 172 mantinha dividida em condados. Johannes Zechner (2016, p.1) argumenta que “o motivo concreto para a marcante aquisição da natureza no século XIX deve-se sobretudo à grande popularidade e à sua exuberância junto às manifestações literárias oriundas de Tieck, Eichendorff, Arndt e Riehl”. A observação citada me faz refletir sobre a representação estética que Hauff imprime à floresta em sua obra, assegurando sua perpetuação na inter-relação com os cânticos poéticos e, consequentemente, sua manutenção na tradição popular. Na busca de construir e entender o imaginário hauffiano, decidi investigar a recepção das leituras efetivadas por Hauff, tendo constatado uma profunda intertextualidade com a obra de Tieck. De fato, o escritor Ludwig Tieck (1773–1853) faz parte do Círculo Heidelberg (grupo pertencente ao romantismo alemão) e que, ao retornar de uma viagem à Ásia e à África, a inspiração o levou a produzir, em 1796, um conto maravilhoso denominado de O louro Eckbert, que integra a antologia Volksmärchen, abordando os prazeres e temores de uma solidão na floresta, onde consta “a canção da solidão da floresta” (SAFRANSKI, 2010). A presença da floresta em pleno diálogo com os cânticos poéticos deixa supor que Hauff fora leitor da obra de Tieck como também de Eichendorff, cuja intertextualidade desponta na criação estético-literária de Hauff. A floresta se faz presente de forma singular no contexto de Das kalte Herz, mantendo-se viva na memória do protagonista, através do narrador fictício que compartilha a presença da “floresta” (grifo nosso) em suas lembranças retratadas nos cânticos poéticos.

ALEMÃO PORTUGUÊS „ [...] und wenn Peter Munk an seinem “[...] e quando Pedro Munk se sentava Meiler sass, stimmten die dunkeln Bäume junto à carvoaria, as árvores sombrias umher und die tiefe Waldesstille sein murmuravam em volta e o profundo Herz zu Tränen und unbewusster silêncio da floresta levava seu coração às Sehnsucht.“ lágrimas e à inconsciente melancolia”. ( HAUFF, [1908], S.5) [grifo meu] [grifo meu]

Esse excerto revela uma forte marca da oralidade inserida na cultura do homem da floresta e que se manifesta no cantar dos versos em um jogo de palavras. Na verdade, retrata a tentativa do homem de fugir da solidão através da narrativa oral. Esses cânticos nos “impulsionam para regiões distantes e desconhecidas”, argumenta Safranski (2010, p.191). Os românticos sentiam essa atração pelo desconhecido e pela magia. Na tradução ficou evidenciado o animismo atribuído à “floresta” na narrativa hauffiana, onde o narrador confere-lhe “vida” através da “voz”. O protagonista afirma de forma 173 poética e singular que as florestas “murmuravam”, ocorrendo uma prosopopeia, isto é, a personificação de algo ou objeto, nesse caso “a floresta”. Essa passagem revela também o processo de antropomorfização do inanimado em algo do mundo real, sem contar o fato de que “die Stimme” significa “voz”, contextualizada no verbo “stimmen” [falar]. O verbo “umherstimmen” [murmurar em volta] é um verbo separável de seu prefixo [trennbareverb]. Aos ouvidos de Pedro Munk “a voz” ressoa como um “canto da floresta”, tornando-os parceiros na solidão e na ausência de “algo” que se perdeu. Nessa passagem Hauff expressa seu desencanto frente à perda da tradição oral e de sua magia presente nos mitos da Floresta Negra. A expressão “inconsciente melancolia” [“unbewusster Sehnsucht”], de certa forma, antecipa a presença do fenômeno do “inconsciente”, termo a partir do qual, anos mais tarde, Sigmund Freud (1856-1855) aprofunda sua teoria. Sobre a tradução do pensamento poético, Meschonnic declara que:

O pensamento poético é a maneira particular pela qual um sujeito transforma, inventando-se, os modos de significar, de sentir, de pensar, de compreender, de ler, de ver–de viver na linguagem.[...] É isso que fica para traduzir. É isso que constrói a modernidade de um pensamento, mesmo já pensado de há muito. Pois ele continua a agir. A ser ativo no presente (MESCHONNIC, 2010, p.xxxviii).

A observação de Meschonnic (2010) destaca que “a linguagem é o que fica para traduzir no pensamento poético”. Diante do exposto, entendo que a mensagem inserida através da canção poética é fruto do olhar de Hauff reproduzido na linguagem daquele século e que se reconstrói na atualidade e nos leva a repensar o presente. Em termos de tradução é preciso dizer que existem situações de estrutura textual totalmente incompatíveis do alemão com as da língua portuguesa. Há casos em que não se revela o verbo que fará o elo entre os vários substantivos compostos como em “die tiefe Waldesstille sein Herz zu Tränen und unbewusster Sehnsucht” [as árvores sombrias murmuravam em volta e o profundo silêncio da floresta levava seu coração às lágrimas e à saudade inconsciente]. Diante do impasse, decidi conjugar o verbo “levar” no tempo imperfeito “levava”, possibilitando uma estrutura frasal compatível com a cultura meta (CM), a fim de que a tradução do texto fonte (TF) possibilite um texto meta (TM) com maior leveza e coesão, além de um contexto semântico compatível com a conotação do texto meta, ajudando o leitor a chegar a uma melhor compreensão na língua meta (LM), o português brasileiro. Assim se efetiva a atuação do tradutor de forma livre e criativa (LEVÝ, [1957]; 2011) na manutenção de normas textuais que visem aproximar o leitor da tradução em pauta no seu 174 devido momento histórico, preservando assim os elementos denotativos e conotativos que constituem o tecido de significância do texto meta (TM). A seguir reproduzo o excerto do cântico poético que Hauff insere em Das kalte Herz, sobre o qual faço as seguintes observações:

ALEMÃO PORTUGUÊS >>Schatzhauser im grünen Tannenwald, “Guardião do tesouro da floresta dos Bist schon viel hundert Jahre alt; pinheiros verdes, Dir gehört all Land,wo Tannen stehn - << Já estás aqui há centenas de anos; (HAUFF, [1908], S.8) A ti pertence toda a terra, onde ficam os [grifo meu] pinheiros –” [grifo meu]

Não era possível efetivar-se uma tradução sem que ocorressem perdas semânticas afirmavam críticos como Boécio (480-524); Juan Vives (1532); Lutero (1546) e Schleiermacher (1813) (HEIDERMANN, 2009). Paul Ricoeur (2012, p.8) declara essa sensação de perda ao mencionar que “a felicidade é momentânea, historicamente circunscrita, de traduzir, implica a aceitação de uma perda: o abandono do sonho de tradução perfeita, de um absoluto linguístico que aboliria a diferença entre o próprio e o estrangeiro”. A tradução vivia seu momento de transição e discussão sobre a literariedade e a estrangeirização, também denominada de domesticação. Entretanto, autores modernos como Holmes (1970); Even-Zohar (1978); Toury ([1995]; 2012); Meschonnic ([1999]; 2010); Jiří Levý ([1957]; 2011) e Lambert ([1985]; 2011) inserem novas perspectivas para a tradução. No caso do cântico poético, o ritmo e a melodia inseridos pelo autor se perpetuam no sentido e na essência poética que se revelam e transcendem no processo tradutório. Para Meschonnic (2010, p.xxviii), “o limite da tradução poética é justamente o sentido” e acrescenta que “entende o ritmo como a organização e a própria operação do sentido do discurso” (MESCHONNIC, 2010, p.43). Ha expressões que apresentam dificuldades no processo tradutório, ou seja, situações em que não há uma correspondência direta e efetiva do texto fonte (TF) com o texto meta (TM). Não se pode esquecer também que se está lidando com uma canção poética de tradição popular, cujas palavras têm origem no primitivismo popular (BURKE, 2010, p.34). Diante disso, tomo a observação de Bassnett (2003, p.167) de que “o tradutor deve, portanto, libertar-se das restrições impostas pelas convenções que regeram a tradução em diferentes momentos da História e tratar o texto como ponto de partida [...].” Assim, nessa tradução, precisei, pois, 175 buscar formas e palavras que possibilitassem transcender o real significado da palavra, através da interpretação, a fim de alcançar o sentido da língua meta (LM) e cultura meta (CM). Nesse verso, Hauff evoca o “mito da floresta” denominado de “Schatzhauser” e que traduzo por “Guardião do tesouro”, e explico o porquê dessa decisão. Diante de um elemento com características do gênero fantástico na narrativa como o “espírito da floresta” [Waldgeist], o tradutor encontra-se diante do impasse da tradução, por tratar-se de denominação oriunda da mitologia germânica ou de tradição popular, na maioria das vezes de difícil localização e tradução em dicionários mitológicos. É como tentar traduzir os nomes dos seres sobrenaturais que protegem a floresta Amazônica, como Mapinguari; Curupira; Matinta Perera; Cobra grande; Boto; etc. (ver Anexo I), mitos da cultura indígena que sofreram fusão com mitos urbanos. Ou, é como tentar traduzir mitos das canções populares da Suécia, inspirados na sociedade gótica (BURKE, 2010). Optei por traduzir “Schatzhauser” por “Guardião do Tesouro”, baseado no processo decisório de tradução levyniana (LEVÝ, [1957]; 2011), considerando a etimologia da palavra, composta por “tesouro+casa” [Schaz+Haus], cujo significado redundaria em “Casa do tesouro”. Nesse caso, a tradução literal não possibilita a leveza poética que a canção exige e a expressão não condiz com a representação do imaginário inerente ao mito da floresta, a que Hauff se propõe na novela. Assim, optei por denominá-lo de “Guardião do Tesouro”, resguardando a representação estética e poética caracterizada no “espírito de mito ou de bruxo” como protetor da floresta. Uma das marcas da oralidade e da cultura popular é a invocação de espíritos no objetivo de alcançar a riqueza material, prática de que Pedro Munk faz uso no decorrer da narrativa. De fato, a marca da oralidade no elemento mítico retratado no “duende ou anão” encontra-se em versos que aparecem em outras obras de Hauff, dentre elas o conto “A História do Pequeno Muck”139, uma caracterização alegórica do Oriente, em que as crianças zombam do anãozinho, o pequeno Muck, cantando versinhos. Retomo a ideia já demonstrada em capitulo anterior de que Hauff tem dois momentos da representação do protagonista Pedro Munk: o personagem com elementos do Oriente caracterizado na literatura infantil e o outro com elementos da mitologia Germânica em diálogo pré-realístico. Na análise do protagonista, percebe-se que Pedro Munk passa por um processo evolutivo e de transformação em suas ideias na obra hauffiana e ganha uma nova representação

139 HAUFF, Wilhelm. A História do Pequeno Muck. Tradução de Veronica Sonia Kühle; ilustração de Ruth Koser-Michaelis. – Porto Alegre: Kuarup, 1987. p.10. 176 na narrativa Das kalte Herz. Hauff registra essa evolução cultural e literária na novela dos contos maravilhosos. A título de ilustração, registro uma canção que cita a personagem Pedro Munk com elementos do Oriente em narrativa anterior à Das kalte Herz, com tradução de Veronica Sonia Kühle. Faço essa observação pelo fato do protagonista Pedro Muck se encontrar presente em contos anteriores à novela Das kalte Herz o que, de certa forma, justifica e perpetua sua trajetória como personagem em narrativas seguintes. Por exemplo, no conto infantil A História do Pequeno Muck, com tradução no português em 1987 e que integra o primeiro almanaque de contos hauffianos, em 1825, Pedro Muck revela seu lado humorístico e zombeteiro em relação a elementos orientais envolvidos com elementos sociais, o todo unido às brincadeiras de “esconde-esconde” de crianças. Embora não seja o foco da nossa investigação, constato na tradução desse excerto, a seguir, do conto “A História do Pequeno Muck”, distorções no contexto semântico, na tradução de Verônica Sonia Kühle, em 1987. A tradução da estrofe “Gehst nur all‘ vier Wochenaus” [“E aparece quatro vezes”] é traduzida por “uma vez por mês” e a frase “Hast ein Köpflein wie ein Berg” [“Tens uma cabecinha como uma montanha”] por “Sua cabeça é uma montanha” em que a proposta tradutória resulta em uma abordagem semântica fora do contexto proposto pelo texto fonte (TF). Essa ocorrência pode ter origem no texto fonte (TF) com o qual a tradutora trabalhou ou, como segunda hipótese, a ocorrência de erro na publicação da gráfica, ou ainda, ser parte da decisão e criação da tradutora.

ALEMÃO PORTUGUÊS „Kleiner Muck, kleiner Muck, “Pequeno Muck, pequeno Muck Wohnst in einem grossen Haus, Você mora numa casa enorme Gehst nur all‘vier Wochen aus, E aparece apenas uma vez por mês. Bist ein braver, kleiner Zwerg, Você é um bravo, meu anãozinho. Hast ein Köpflein wie ein Berg, Sua cabeça é uma montanha. Schau dich einmal um und guck, Olhe ao seu redor e veja, Lauf und fang uns, kleiner Muck.“ Corra e pegue-nos, pequeno Muck.” (HAUFF, [1903] S. 54)140 [grifo meu] (HAUFF, 1987, p.10) [grifo meu]

140 “Die Geschicht von dem kleinem Muck”. In: HAUFF, Wilhelm. Märchen von W. Hauff. Berlin.: Drud und Verlag, von U. Weichert, [1903]. 177

Entre as canções e lendas coletadas e publicadas no século XVI, surgem as canções dos mineiros que tinham relação com os espíritos das minas (Berggeist, Bergmönch e o Bergmännlein, também conhecido por anão), os quais guardavam os tesouros e precisavam ser apaziguados com oferendas (BURKE, 2010, p.64). Como se observa, a representação do anão teria relação com o já citado Schatzhauser, uma vez que exercia o mesmo papel de “guardião da floresta”, nesse contexto, “guardião dos tesouros”.

As cavernas são áreas sobrenaturais que também são vistas como portões de mundos subterrâneos. Nelas encontraram-se locais de culto da fé humana. Em termos populares, dizia-se que os gnomos viviam lá e que, portanto, as cavernas só eram acessíveis sob perigo. Muitas vezes até mesmo dragões perigosos devem viver lá, que guardam um tesouro especial e precisavam ser mortos com muita coragem. (BOTTKE, 2007, p.27).141

Sina Bottke (2007), em sua pesquisa sobre esse elemento denominado “anão e duende” da mitologia germânica, destaca que os anões caracterizam uma ambiguidade com elementos pré-humanos e exercem a função de protetores, além de terem plenos poderes.

Anões têm um papel bastante ambíguo. Eles também incorporam seres de um mundo pré-humano e protegem seus tesouros do homem. Eles são frequentemente creditados com tremendos poderes. No norte da Alemanha, eles são engenhosos, mas hostis e fazem uso da astúcia como superação. Então, em muitos contos populares eles apresentam-se como espertos (BOTTKE, 2007, p.26).142

Meleiro (1994) destaca o filólogo britânico J.R.R. Tolkien, como um dos grandes pesquisadores da mitologia germano-céltica e que narra no seu livro infanto-juvenil O Hobbit (1937) as aventuras de um grupo de anões que procuram um formidável tesouro guardado por um dragão. Em um certo momento, eles encontram nas profundezas da terra outros habitantes e inquietantes gnomos. É de fácil constatação do quanto esses seres sobrenaturais denominados por anões e gnomos encontravam-se bastante presentes no imaginário popular e na oralidade no espaço temporal hauffiano. O importante dessa investigação é a constatação de que o elemento mítico “gnomo” tem origem celta-germânica e se encontra presente no imaginário popular dos mineiros

141 Höhlen sind andersweltliche Bereiche, die auch als Tore zu unterirdischen Welten gesehen werden. In ihnen fand man Kultstätten des menschlichen Glaubens. Im Volkstümlichen sagte man, dass dort Gnome lebten und dass somit die Höhlen nur unter Gefahr zugänglich waren. Oft sollten dort sogar gefährliche Drachen leben, die einen speziellen Schatz hüteten und erst durch viel Mut getötet werden mussten. 142 Zwerge besitzen eine eher zwiespältige Rolle. Sie verkörpern ebenfalls Wesen einer vorhumanen Welt und schützen ihre Schätze vor den Menschen. Ihnen werden oft gewaltige Kräfte zugeschrieben. Im Nordgermanentum sind sie kunstreiche aber unfreundliche und nur durch List zu überwindende Gesellen. So auch in vielen Volkssagen treten sie als schwer. 178 germânicos à época, migrando para as obras de Hauff, com a caraterização de “anão” cujo protagonista constrói sua própria trajetória, através do imaginário hauffiano.

ALEMÃO PORTUGUÊS >>Am Berge tat ich stehen “Na montanha parei, Und schaute in das Tal, Para o vale olhei, Da hab ich sie gesehen E pela última vez os avistei”. Zu allerletztenmal. << [grifo meu] (HAUFF, [1908], S.17) [grifo meu]

A hibridização entre o “protagonista” e o “narrador empírico” fica latente, uma vez que esse pensamento é projetado sob duas perspectivas, a do narrador e a de Pedro Muck. Segundo Rosenfeld (2004, p.25), apenas o gênero narrativo pode dispor de formas do discurso ambíguo, projetadas em duas perspectivas: a da personagem e a do narrador”. Sabe-se que em um poema lírico-musical, a personagem do poema não se define nitidamente, muito menos a voz de quem fala. Trata-se do eu-lírico que se manifesta no monólogo, numa fusão com o mundo, a própria essência e transcendência do poeta. Como define Emil Staiger (1972, p.49) “a poesia lírica manifesta-se como arte da solidão que em estado puro é receptada apenas por pessoas que interiorizam essa solidão”. No entanto, é perfeitamente normal supor que haja referência direta de vivências reais que podem estar transfiguradas pela imaginação ou pela linguagem poética. No canto poético revelam-se “recordações” (grifo nosso) contidas e relativas à Floresta Negra e também aos mitos e lendas de tradição popular. Desse modo, a floresta se constitui de lendas e mitos e que, para que ela se mantenha viva e vibrante, é necessário “dar voz ao seu contar” na tradição oral, como assegura Walter Benjamin (1994). Durante a tradução é perceptível que a aliteração nas palavras se descaracteriza com a tradução, pois não é possível fazer as rimas como o texto de saída hauffiano exige, afinal estamos diante de línguas distintas com peculiaridades próprias – a alemã e a portuguesa. Mesmo assim, busco manter o mínimo de rima poética, sem descaracterizar a essência da mensagem. O efeito sonoro e musical extingue-se com a tradução, porém a linguagem poética se mantém. Sobre isso, Meschonnic (2010, xxxvi) observa com propriedade, “é a literatura que proporciona esse momento de transcendência onde a oralidade é o primado do ritmo no modo de significar”. 179

Por outro lado, a tradução desse canto poético de Hauff consistiu em manter essa ambiguidade das vozes que se apresentam e a percepção e sensação de que algo se perdeu. Na estrofe “E pela última vez os avistei” [“Da hab ich sie gesehen zu allerletztenmal”], o narrador lírico expressa uma sensação de ausência ou perda de algo que lhe é valoroso, inserindo uma expectativa e a decisão a serem tomadas pelo leitor sobre o que o narrador lírico não mais avistará. Tanto podem ser “os pinheiros verdes da floresta” quanto os “mitos e lendas” que povoam a mente do narrador. Ao deixar transparecer esse estado de ânimo retratado nesse algo subjetivo, Hauff provoca no leitor curiosidade na busca de suas próprias respostas. Afinal, nada permanecerá como antes com a chegada dos “novos tempos” (grifo nosso) que resultará na perda da oralidade e da tradição diante do inexorável - a revolução industrial. Segundo Zumthor:

(...) a voz é querer dizer e vontade de existência, lugar de uma ausência que, nela, se transforma em presença; ela modula os influxos cósmicos que nos atravessam e capta seus sinais: ressonância infinita que faz cantar toda matéria... como o atestam tantas lendas sobre plantas e pedras enfeitiçadas que um dia foram dóceis (ZUMTHOR, 1997, p.11).

Em 1822, desponta a novela Aus dem Leben eines Taugennichts de Eichendorff, traduzida por Müller (2007, p.35), cuja intertextualidade se evidencia nos elementos estéticos e poéticos caracterizados no olhar do narrador lírico direcionado ao infinito, representado nos montes e no fundo dos vales. Sabe-se que os românticos tinham uma relação de identidade e afinidade com a floresta junto com à sensação de solidão, nostalgia e infinitude.

ALEMÃO PORTUGUÊS Wohin ich geh’und schaue, A cada passo eu lanço In Feld und Wald und Thal, meu olhar dos montes Vom Berg hinab in die Aue. Para o fundo dos vales. (Eichendorff, 1822) (Eichendorff, 2007, p.15-16)143

Nesse contexto, Hauff dialoga com Eichendorff no caráter poético e estético da canção. Supõe-se que Hauff, no papel de leitor e escritor de poemas, tivera acesso à obra de Eichendorff. Hauff falece em 1825, após a publicação do poema de Eichendorff (1822), o que revela ser Hauff contemporâneo de Eichendorff com acesso às canções desse poeta alemão. Chama a atenção a proximidade entre as imagens poéticas e o diálogo entre os poetas retratadas na contemplação e infinitude do olhar sobre o vale nas montanhas.

143 Tradução de Monika Müller, 2007. 180

6.4.2 Tradição Popular e Memória Hauff deixa transparecer o que já era sentido por escritores no início do século XIX, a iminência da extinção do folclore e da tradição popular. Herder constata a “retração da cultura popular” (BURKE, 2010, p.41) pois “a grande tradição é cultivada em escolas ou templos e se mantém na vida dos iletrados”. Essa manifestação encontra ressonância em outros escritores como Walter Scott e Arnim, provocando uma busca por baladas, canções e panfletos satíricos, entre outros. Hauff compartilha desse momento e opta por revelar em sua obra Das kalte Herz de forma imagética, a extinção gradativa da tradição popular. Para isso, promove a renovação dos mitos e lendas, através da relação do protagonista Pedro Muck carvoeiro com dois espíritos que residem na floresta negra: o Glasmännlein [homenzinho de vidro] e o gigante holandês Michael. A inserção do protagonista carvoeiro junto com a crença e o temor a espíritos da floresta, não se dá por acaso, uma vez que, naquela época, o trabalho em minas era uma prática exploratória natural e os mineiros buscavam encontrar metais preciosos (BURKE, 2010). Meleiro (1994) destaca a importância na relação entre a tradição metalúrgica e a tradição alquímica:

É atribuído a Colbus Fribergius. O Bergbuchlein que faz uma súmula para os homens do século XVI, das tradições metalúrgicas e alquímicas antigas, através do diálogo entre Daniel, um conhecedor das antigas tradições mineralógicas, Bergverstanding, e um jovem aprendiz de mineiro, Knappius, o Jovem. [...] os metais são purificados e rectificados na terra, sob a influência dos astros e, se nada obstar, todos com o tempo se transformarão em ouro (MELEIRO, 1994, p.109).

O contexto seguinte aborda a tentativa de Hauff de retomar a memória coletiva presente no imaginário do leitor representada no conhecimento e no relato dos mais velhos. Ao deixar transparecer no contexto a progressiva extinção da narrativa oral, bem como dos mitos e lendas germânicas, Hauff tenta atrair seus leitores para essa realidade e busca recuperar a tradição oral. Os momentos de hesitação, de incredulidade e medo retratados no protagonista, Pedro Muck, unidos a sua falta de sorte, acabam por gerar a perda na crença na tradição oral.

ALEMÃO PORTUGUÊS Aber er mochte sein Gedächtnis Mas podia forçar a memória o quanto anstrengen, wie er wollte, weiter, konnte er quisesse e não conseguia se lembrar de sich keines Verses mehr entsinnen. Er nenhum verso. Muitas vezes pensava em dachte oft, ob er nicht diesen oder jenen perguntar a este ou aquele velho, como alten Mann fragen sollte, wie das se diz no versinho; mas um certo medo de 181

Sprüchlein heisse; aber immer hielt ihn trair seus pensamentos o impedia; além eine gewisse Scheu, seine Gedanken zu disso, concluiu que a lenda do verraten, ab; auch schloss er, es müsse die homenzinho de vidro não devia ser Sage vom Glasmännlein nichts sehr muito conhecida, e que poucos bekannt sein und den Spruch müssen conheciam o encantamento; já que não nur wenig wissen; denn es gab nicht viele havia muitas pessoas ricas na floresta – e, reiche Leute im Wald, und – warum hatten por que afinal seu pai e outras pessoas denn nicht sein Vater und die andern pobres não haviam tentado a sorte? armen Leute ihr Glück versucht? (HAUFF, [1908], S.17) [grifo meu] [grifo meu]

Na tradução, busco manter a semântica textual na cultura meta (CM), onde “alten Mann” [homem velho] traduzo por “aquele velho”, deixando subentendida a palavra “homem”, evitando a redundância do texto, a fim de manter a coerência e coesão textual. Também na frase “wie das Sprüchlein heisse” [“como se diz o versinho”], mantive a expressão semântica, embora o verbo “heissen” signifique chamar, mas na prática do discurso oral não se chamam versos, se dizem ou se recitam versos. No contexto popular, afirma-se que na floresta evocam-se espíritos com versos e, não, ao contrário. Ao mesmo tempo, Hauff insere no texto palavras como “encantamento” (LIMA, 1984, p.9) que se refere ao processo de desaparecimento sobrenatural de algo ou alguém que se metamorfoseia em espírito da floresta. Aqui faço uma analogia com a cultura amazônica, pois na floresta não se diz que “alguém morreu”, mas que “a pessoa se encantou”. Trata-se de palavra simbólica muito presente na linguagem de pessoas que residem na região da floresta. Em seguida, a memória se faz presente na voz do narrador por meio da recordação relativa à situação social do pai de Pedro Munk presente na expressão “afinal porque seu pai e outras pessoas pobres não haviam tentado a sorte?” [“warum hatten denn nicht sein Vater und die andern armen Leute ihr Glück versucht?”]. O narrador se reporta a uma ação do passado, fazendo referência à memória de suas vivências. Ao considerar a tradução do texto fonte (TF) para o texto meta (TM), tomo a frase “warum hatten denn nicht sein Vater und die andern armen Leute ihr Glück versucht?”. Optei por inserir no texto meta (TM) a palavra “afinal”, com que busco manter a sensação de indefinição e de dúvida expressos pelo protagonista. Assim se mantém a coesão textual, assegurando a comunicação e a mensagem pretendidas pelo narrador empírico. O advérbio de modo “afinal” significa “por fim ou finalmente” e indica algo que deveria ter se concretizado. 182

ALEMÃO PORTUGUÊS Vor etwa hundert Jahren, so erzählte es Assim, aos pouquinhos contava meu wenigstens mein Ehni, war weit und breit avô que, há mais ou menos cem anos, não kein ehrlicheres Volk auf Erden als die havia por toda parte pessoas mais corretas Schwarzwälder. Jetzt, seit so viel Geld im do que as da floresta negra. Agora, como Land ist, sind die Menschen unredlich und há muito dinheiro no país, as pessoas são schlecht. (HAUFF, [1908], S.12) [grifo desonestas e ruins. (p.12) [grifo meu] meu] Sein Herr wollte ihm zum Dank ein Seu senhor queria dar-lhe um par de Paar Flözerstiefel schenken; (S.14) aber er botas de jangadeiro de presente, (p.14) mas warf sie auf die Seite und brachte ein Paar ele as jogou num canto e trouxe um par hervor, wie es sonst keine gab; mein muito maior e que ninguém nunca vira, e Großvater hat versichert, sie haben meu avô me garantiu que pesavam meia hundert Pfund gewogen und seien fünf centena de libras e tinham um metro e Fuß lang gewesen. meio de comprimento. (HAUFF, [1908], S.14) [grifo meu] [grifo meu]

A memória cultural é presença marcante na narrativa hauffiana, o que se evidencia quando, além da voz do narrador empírico apresenta-se um segundo narrador contando uma nova história dentro da narrativa principal. Segundo Genette em Discurso da Narrativa (1972, p.238), trata-se do narrador metadiegético. Na verdade, Pedro Munk narra o que contava seu avô. A memória insere-se na constância das vozes nas personagens que contam histórias. Hauff opta por inserir os contadores de histórias que constituem a manutenção da tradição oral. Para reforçar seu posicionamento em relação à preservação da tradição, Hauff faz uso da expressão “mein Ehni” [meu avô]. Trata-se de expressão carinhosa relativa a “Opa” [vovôzinho]. Supõe- se que essa expressão seja da arcádia e faça parte da língua ou dialeto que se usava na Floresta Negra. O excerto seguinte, “sie haben hundert Pfund gewogen” que traduzo por [“pesavam meia centena de libras”] traz a expressão “hundert Pfund” que exige a seguinte explicação: O verbete “Pfund” tem significado de “libra”, cujo vocábulo gótico é emprestado do latim e pode ser considerado a centésima parte de um centavo, segundo o dicionário Grimm online. Por outro lado, o dicionário Langenscheidt (2001, p.994), traduz o verbete “Pfund” por “meio quilo”. Diante disso, sigo a observação leviniana de que o tradutor frente ao impasse da tradução deve proceder escolhas tradutórias que façam com que a mensagem e a comunicação cheguem ao 183 leitor, possibilitando um compreensão do contexto. Assim, poder-se-ía traduzir por “meia centena de peso” ou “meia centena de libras”, sobre o que optei por respeitar o espaço histórico- temporal da obra Das kalte Herz na cultura fonte (CF) e optei por “meia centena de libras”, uma vez que o verbete “libra” consta de nota de rodapé na nossa tradução e por tratar-se de valor monetário da época. No mesmo fragmento consta a frase “seien fünf Fuß lang gewesen” que traduzo por [“tinham um metro e meio de comprimento”], conforme definição do dicionário Duden online. Por outro lado, esclareço que a tradução do excerto na forma literal se constitui de “cinco pés/passos à frente de comprimento”. Dessa forma, optei pela tradução que possibilite um contexto semântico voltado para a cultura meta (CM). Esclareço que a narração textual seguirá o contexto natural expresso pelo narrador no contexto estabelecido no texto fonte (TF), no alcance do contexto da cultura meta (CM), assegurando um sistema comunicativo aberto (LEVÝ [1957]; 2011). Assim, no contexto dos diálogos presentes na narrativa hauffiana procuro assegurar uma linguagem natural baseada no texto meta (TM). Desse modo, mantenho as caracterizações da época, do século XIX, mas com a leveza na linguagem que se constrói no maravilhoso das fábulas, preservando o caráter mágico inserido na narrativa híbrida que constitui a novela de contos maravilhosos.

ALEMÃO PORTUGUÊS Mit diesen Waldgeistern soll einmal ein Dizem que uma vez um jovem da junger Schwarzwälder eine sonderbare floresta negra tinha histórias estranhas Geschichte gehabt haben, die ich para contar sobre os espíritos da floresta, erzählen will. Es lebte nämlich im as quais eu quero narrar. Vivia na Schwarzwald eine Witwe, Frau Barbara floresta negra uma viúva, a senhora Munkin; ihr Gatte war Kohlenbrenner Barbara Munkin; seu esposo fora carvoeiro gewesen, und nach seinem Tode hielt sie e após sua morte, ela iniciou seu filho de ihren sechzehnjährigen Knaben nach und 16 anos no mesmo negócio. nach zu demselben Geschäft an. (HAUFF, [grifo meu] [1908] S.5) [grifo meu]

Nos fragmentos “Dizem que uma vez um jovem da floresta negra tinha histórias para contar, as quais eu quero narrar” [“Mit diesen Waldgeistern soll einmal ein junger Schwarzwälder eine sonderbare Geschichte gehabt haben, die ich erzählen will”] e [“as quais eu quero narrar”], constato a presença do narrador extradiegético que dialoga com o narrador autodiegético (GENETTE, 1972). No primeiro momento, há uma certa indefinição sobre quem 184 narra as histórias. Entretanto, na frase seguinte, o narrador se mostra incisivo ao ponto de se expor e se revelar ao leitor como contador de histórias usando a primeira pessoa, eu. Por conseguinte, o tempo verbal na terceira pessoa do plural “dizem” expressa uma indefinição do sujeito na frase e determina o discurso do narrador empírico. Esse fragmento revela uma contradição, quando o narrador, ainda no início da narrativa, afirma sua descrença em histórias orais ao citá-las como estranhas, mas, em seguida, se contradiz ao expressar que quer narrá-las. Hauff vivia um momento de extrema turbulência literária e sociocultural e expõe essa instabilidade em Das kalte Herz. Todorov (2013, p.152-153) afirma que para criar a ambiguidade necessária, faz-se a hesitação entre o real e o ilusório, o que caracteriza o elemento fantástico. No contexto, traduzo a subordinada relativa “die ich erzählen will”, por “as quais” por se reportar às “histórias estranhas”, mantendo o significado semântico do texto fonte (TF) no texto meta (TM).

ALEMÃO PORTUGUÊS Der Holländer-Michel war, als die Quando a história veio à tona, não se Geschichte herauskam, nirgends zu encontrava o Michel em lugar nenhum, finden, aber tot ist er auch nicht; seit mas morto ele não está; há cem anos ele hundert Jahren treibt er seinen Spuk im tem assombrado a floresta e diz-se que já Wald, und man sagt, daß er schon vielen ajudou muitos a ficarem ricos à custa de behilflich gewesen sei, reich zu werden, suas almas e mais não direi. aber auf Kosten ihrer armen Seele, und mehr will ich nicht sagen. ([HAUFF, (HAUFF, [1908]. p.15) [grifo meu] [1908], S15) [grifo meu]

Nesse contexto, Hauff insere a ambiguidade, uma vez que, ao assustar as pessoas da floresta, Michel holandês representa o mal, mas também ajuda àqueles que necessitam de dinheiro, embora à custa de suas almas. Nesse momento, Hauff faz uma analogia com o protagonista Faust do poema trágico de Goethe, publicado em 1808, que vende sua alma ao demônio em troca da vida eterna. Bahktin (2002, p.93) afirma que a dialogicidade interna torna-se essa força criativa, nas divergências individuais e contradições fecundadas pelo plurilinguismo social. Esse diálogo de vozes unido a essa ambiguidade revela o contraste de valores inerentes à personagem e aguça a expectativa do leitor. Neste caso, insere a dúvida no leitor. Afinal, o Michel holandês é um espírito mau ou bom para os homens? Por conseguinte, o excerto revela não só a imortalidade 185 do espírito do Michel holandês, mas sobretudo destaca a manutenção e o trânsito desse imaginário na tradição popular uma vez que as pessoas acreditam na sua existência. No fragmento “e mais não direi” [“mehr will ich nicht sagen”], se dá “a dialética da pessoalidade e da impessoalidade entre o eu do narrador implícito e o eu do narrador empírico” onde ocorre o fenômeno literário e define que “o narrador se apega a uma das personagens e observa tudo através dos seus olhos” (TODOROV, 2013, p.62). Em seguida, no mesmo fragmento, mantenho a força da ação do vocábulo e advérbio de intensidade “mais” inserido por Hauff no início da frase, afirmando ao leitor o fim da ação. Trata-se de um discurso direto na primeira pessoa. Em seguida, opto pela exclusão do verbo modal “wollen” que acompanha o infinito “sagen” (modal + infinito) e significa “quero dizer”, o que revela hesitação na personagem e que interfere no caráter semântico inserido por Hauff. Entendo que a construção do discurso direto na frase “e mais não direi” expõe o narrador implícito e atende ao objetivo proposto pelo narrador empírico. Assim, proponho o tempo “futuro” do verbo “dizer” cuja mensagem mantém a semântica textual e condiz com a cultura meta (CM) da língua portuguesa. Por outro lado, opto por iniciar o fragmento com a conjunção temporal que revela uma subordinada temporal “Quando a história veio à tona” [“als die Geschichte herauskam”], embora essa frase se apresente como frase intercalada na estrutura do alemão. No português, essa frase passa para a primeira posição, procurei assegurar os elementos semânticos inseridos por Hauff no texto meta (TM), a fim de não acarretar perdas no sentido semântico na cultura meta (CM).

6.4.3 Provérbios Herder contrastava a cultura popular [Kultur des Volkes] com a cultura erudita [Kultur der Gelehrten]. Segundo Burke (2010, p.26), Herder dá o termo Volkslieder aos conjuntos de canções que compilou em 1774 e 1778 e abre novas perspectivas para o surgimento de novas denominações como Volksmärchen e Volkssage para diferentes tipos de contos populares. Na verdade, o apelo estético do inculto, não clássico e do “primitivo” faziam parte do movimento primitivismo cultural (BURKE, 2010, p.34). Burke (2010) menciona em sua obra Cultura Popular na Idade Moderna:

O que há de novo em Herder, nos Grimm e seus seguidores é, em primeiro lugar, a ênfase no povo, e, em segundo, sua crença de que os usos, costumes, cerimônias, superstições, baladas, provérbios, etc. faziam cada um deles, parte de um todo, expressando o espírito de uma nação[...] (BURKE, 2010, p.32).

186

A consciência de que o provérbio constitui expressão popular e oral com representatividade em um grupo social exige um amparo teórico junto às ideias de Jiří Levý, orientando decisões face a provérbios e expressões que têm origem na oralidade, inerentes ao tempo e espaço de uma determinada comunidade. Na concepção de Levý ([1957]; 2011), o provérbio pode ser considerado uma unidade autônoma, e, portanto, a instrução é ‘encontrar um provérbio, cujo significado tenha a mesma correspondência. Para isso, resgato alguns princípios levinianos apresentados no artigo Translation as a Decision Process (2012) sobre seu conceito de “escolha”. Penso que ao traduzir provérbios, devo levar em conta que essas expressões podem sugerir mais de um sentido e que se faz necessário o conhecimento profundo da língua e da semântica dentro de uma determinada época, cultura e lugar para que se tome a decisão mais adequada. Outro fator inerente à época são os dialetos presentes nas diversas aldeias e regiões da Germânia e da Europa naquele momento. Muito embora não tenhamos aprofundado essa questão, busco manter a coerência da comunicação no aspecto conotativo, evitando maiores perdas semânticas na tradução da obra. A pesquisadora Natalia Davis (1965) traz a sugestiva observação sobre os colecionadores de provérbios do século XVI que condiz com a importância do provérbio e sua expressão em cada cultura:

Colete e use os provérbios pois existem preciosidades entre eles, mas use seu julgamento e gosto sobre o que incluir; estude os provérbios cuidadosamente, mesmo se eles refletirem costumes diferentes dos seus; observe o que eles significam para o povo que os utiliza. (DAVIS, 1965).144

Ciente de que cada cultura e sociedade possuem seu próprio sistema (SHAVIT, 1986), tento delimitar a literatura oral com base em Zumthor (1997, p.49-50), ao assegurar que nesse conceito se inserem todos os tipos de enunciados metafóricos ou ficcionais que ultrapassem o valor de um diálogo entre indivíduos, como mitos, contos, lendas, provérbios, adivinhações, rituais, epopeias e canções. Ao considerar que esses elementos orais, dentre eles os provérbios, migram para outros continentes, levo em consideração o sentido semântico do provérbio no sistema linguístico e cultural de saída, cuja tradução resulta em uma correlação, quando possível, com o sentido do proverbio na língua (LM) e cultura metas (CM). Essa posição encontra ressonância nas ideias de Lambert e Van Gorp (1978) ao defenderem que, embora a tradução objetive o texto alvo

144 In: Ortiz, 1985, p.29. 187

(TA), em razão do caráter estilístico, quando da tradução, em certas ocasiões, poderá se reportar ao texto fonte (TF), em virtude dos aspectos socioculturais (LAMBERT; VAN GORP, 1985, p.5). Berman (2013) aborda a tradução do provérbio e considera que traduzir não significa necessariamente buscar equivalências, uma vez que os elementos que constituem a mensagem do provérbio se inserem no contexto cultural, mas que encontram ressonância em outras culturas. ALEMÃO PORTUGUÊS Mit Speck fängt man Mäuse, und “ratos são pegos pelo queijo, e desta vez diesmal bist du der Betrogene .” você foi enganado” (HAUFF, [1908], S.49) [grifo meu] [grifo meu]

Ciente de não buscar a equivalência do provérbio ora expresso e considerá-lo uma unidade autônoma específica de cada cultura, realizo a tradução semântica contextualizando o provérbio na narrativa de Hauff na língua meta (LM), o português. Dessa forma, objetivo manter o estilo do autor relativo à inclusão de provérbios na narrativa, unido ao sentido semântico na cultura meta (CM). O vocábulo “Speck” em alemão significa “toucinho”, “gordura” ou “sebo”. A tradução literal da expressão “Mit Speck fängt man Mäuse” seria “com toucinho fisga-se ratos”. Porém, na língua portuguesa, essa tradução não condiz com o imaginário semântico e cultural da língua meta. Assim, a escolha da tradutora foi por “ratos são pegos pelo queijo”. Como a representação estética se constrói na interpretação e recriação do tradutor (LEVÝ, [1957]; 2011), opto pela inclusão da palavra “queijo” ao invés de “toucinho”, assegurando mensagem conotativa ao leitor condizente com a recepção estética e com o imaginário na cultura meta (CM). Em seguida, mantenho o contexto semântico da frase seguinte no citado provérbio, sem causar danos ao contexto.

ALEMÃO PORTUGUÊS denn wer konnte Taler wegwerfen wie Pois, quem pode jogar taleres fora como sie, als ob man das Geld von den Tannen eles fazem, como se o dinheiro nascesse schüttelte? (HAUFF, [1908], S.7). [grifo em árvores? [grifo meu] meu]

Trata-se de um provérbio popular com características específicas do tempo histórico e do espaço da narrativa Das kalte Herz, uma vez que o vocábulo “Tannen” se reporta a “pinheiros”, tipo de arbusto da Floresta Negra. 188

Diante disso, opto por manter o significado de “taleres” no alemão por se tratar de valor monetário (moeda em bronze) da época, acompanhado de “nota de rodapé” inserida na tradução da narrativa com a intenção de provocar a curiosidade do leitor. Por conseguinte, a contextualização da linguagem faz-se na preservação do sentido semântico da expressão para a língua meta (LM). A conotação desse provérbio no alemão encontra ressonância com o contexto do provérbio na língua portuguesa. Porém, a minha intenção é de possibilitar um melhor entendimento pelo leitor fim, uma vez que o provérbio exige uma tradução com correspondência para a cultura meta (CM). O contexto da frase “als ob man das Geld von den Tannen schüttelte?” condiz com a frase no português “como se o dinheiro nascesse em árvores”. Dessa forma, a tradução literal do alemão “como se, balançando os pinheiros, conseguisse o dinheiro”, permite a compreensão textual, porém a conotação semântica perde a similaridade com a conotação do advérbio na língua portuguesa. Nesse caso, opto por preservar a semântica da cultura meta (CM). Dessa forma, mantenho a expressão monetária da época “Taler”, mas trago o contexto semântico para a língua e cultura meta (CM).

ALEMÃO PORTUGUÊS „Es ist doch besser, zufrieden zu sein “É melhor ser feliz com pouco do que mit wenigem, als Gold und Güter haben termos ouro e bens e um coração frio.” und ein kaltes Herz.” (HAUFF, [1908], S.52)

É raro acontecer uma tradução literal entre o alemão e a língua portuguesa, sem perda semântica, por serem línguas de origens distintas - uma latina e outra anglo-saxônica. Porém, a tradução livre é um novo texto onde o tradutor faz uso de sua criatividade nessa elaboração (LEVÝ, [1957]; 2011). Nesse fragmento, a tradução na língua meta (LM) do provérbio coaduna-se com o aspecto funcional da língua fonte (LF) e mantém a relação semântica com a língua meta (LM), cujo significado condiz com o português brasileiro. Algumas escolhas do tradutor podem atender, em determinadas situações, mais ao texto e cultura fonte (CF), como afirmam Lambert e Van Gorp (1985). Contudo, algumas normas linguísticas e textuais da língua meta (LM) coadunam-se com a cultura meta (CM), sendo mais condizentes com a estrutura e formação do texto fonte (LEVÝ, [1957]; 2011).

189

ALEMÃO PORTUGUÊS „Hochmut kommt oft vor dem Fall.” “Quanto maior o orgulho maior a (HAUFF, [ 1908 ], S. 22) queda”

No caso desse provérbio, optei por adequá-lo à língua e cultura meta, a fim de tornar a recepção estética mais adequada ao leitor de língua portuguesa. Na verdade, não encontro na língua portuguesa uma forma similar de expressão para representar esse provérbio. A palavra “Hochmut” [soberba; altivez; arrogância] não possibilita uma conotação adequada na cultura meta (CM), além de se tratar de palavra composta (hoch + mut) no alemão. Dessa forma, procurei um provérbio na língua portuguesa que tivesse relação com o contexto conotativo do vocábulo na narrativa alemã. Selecionei a palavra “orgulho” por apresentar o mesmo sentido, sem desconstruir a mensagem do contexto relativa ao “Hochmut”.

6.4.4 Marcas do Orientalismo Stefan Neuhaus (2012, p.8) revela que:

Caso se precisasse designar um candidato polêmico, então poder-se-ia afirmar que Hauff se trata do tio dos contos de fadas da literatura de língua alemã, como uma resposta da Suábia aos contos de 1001 Noites.145 (NEUHAUS, 2012, p.8).

Por volta de 1800, ocorre uma fuga da mitologia da Antiguidade, refletida no classicismo de Winckelmann, por parte dos escritores alemães que saem em busca de novos elementos que irão encontrar no Oriente, na Índia, na China e no Egito. Com isso, despontam as publicações de Görres (1810) História dos mitos do mundo asiático; a obra de Creuzer a Simbologia e mitologia dos antigos povos e a obra de Friedrich Schlegel, Fala sobre a Mitologia (1799). Segundo Safranski, a constatação da importância desse novo elemento literário no imaginário alemão fica evidente nas palavras de Friedrich Ast (1808) ao mencionar que “enquanto não tivermos reconhecido o Oriente, nosso conhecimento do Ocidente será sem base e sem utilidade” (apud SAFRANSKI, 2005, p.147). Sobre isso, Polaschegg (2005) afirma que:

De fato a busca febril por volta de 1800 - pelo que há de melhor nas raízes antes e depois na história da linguagem, na cultura e na poesia como o que foi encontrado nos mitos e símbolos de Joseph Görres e Friedrich Creutzer ou na teoria da linguagem de

145 Wenn man es auf einen polemischen Nenner bringen möchte, dann könnte man sagen: Hauff gilt als einer der Märchenonkel der deutschsprachigen Literatur, als die schwäbische Antwort auf 1001 Nacht. 190

Friedrich-Schlegel – torna-se como um historicismo da forma de vida e se apresenta como objetivo desprovido de propósito. (POLASCHEGG, 2005, p.16).146

É verdade que Hauff escreveu vários contos infantis que tinham forte representação do imaginário do Oriente envolto por elementos de humor e sátira, porém o que se verifica na narrativa Das kalte Herz é que Hauff insiste em manter a presença desses elementos que se caracterizam como alegorias, talvez no intuito de chamar atenção para a transição social e cultural que a Alemanha vivia naquele momento. Observa-se uma hesitação hauffiana entre o ontem e o amanhã, revelada na presença da grande instabilidade política e cultural com as quais Hauff convivia naquele momento. Segundo Polaschegg:

Essa brincadeira divertida com a diferença cultural do Ocidente e do Oriente, como a leve variante da epistemologia e moralidade do Iluminismo, continua como uma opção do Orientalismo literário até meados do século XIX e encontra um clímax importante nos contos maravilhosos orientais de Wilhelm Hauff. (POLASCHEGG, 2008, p.27).147

Segundo Tismar (1977), Hauff usa estratégias para alcançar o público leitor e para isso utiliza elementos do Oriente em seus textos, chegando a caracterizar a novela como originária da região da Suábia, local de origem do escritor.

Os contos maravilhosos de Hauff, com seu planejamento quase estratégico dos (jovens) destinatários, visam mais diretamente o entretenimento do que os contos de arte românticos canonizados. Hauff evita a arte ambiciosa e a superficialidade da moda. Finalmente, sua ambiguidade também se manifesta na escolha dos temas. Muitos contos maravilhosos brincam na área oriental ("A História do Pequeno Muck", "O Nariz dos Anões"), alguns contos com origem na Europa Ocidental, especialmente em sua terra natal da Suábia ("O Coração Frio").148 (TISMAR, 1977, p.52).

Dentre os elementos mágicos presentes em Das kalte Herz encontra-se a garrafa mágica verde (HAUFF, [1908], p.16) citada pelo protagonista, cuja imagem remete à representação do gênio da lâmpada maravilhosa. Essa referência cultural que se identifica com figuras humanas e sobrenaturais, encontra-se presente no imaginário dos leitores dos contos

146 Selbst die um 1800 noch fieberhaft betriebene Suche nach vor- oder besser aussergeschichtlichen Wurzeln von Sprache, Kultur und Poesie – wie sie sich in den Mythen- und Sylbolgeschichten von Joseph Görres und Friedrich Creutzer oder in FriedrichSchlegels Sprachtheorie findet – ist angesichts einer um fassenden Historisierung der Lebenswelt ziel – und gegenstandslos geworden. 147 Dieses unterhaltsame Spiel mit der west-östlichen Kulturdifferenz, gleichsam die leichtfüssige Variante der aufklärerischen Epistemologie und Moral, besteht als eine Option des literarischen Orientalismus bis zur Mitte des 19. Jahrhunderts fort und findet in den orientalisierenden Märchen Wilhelm Hauffs einenwichtigen Höhepunkt. 148 Hauffs Märchen zielen mit ihrer nahezu strategischen Planung des (jugendlichen) Adressatenkreises unvermittelter als die kanonisierten Kunstmärchen der Romantik auf Unterhaltung. Dabei scheut Hauff ambitionierten Kunstanspruch ebenso wie modische Seichtheit. Schließlich manifestiert sich auch in der Auswahl der Stoffe seine Zwiespältigkeit. Viele Märchen spielen im orientalischen Bereich (»Die Geschichte von dem kleinen Muck« »Der Zwerg Nase«), einige im westeuropäischen, speziell in seiner schwäbischen Heimat (»Das kalte Herz«). 191 orientais daquele tempo como “Aladim e a lâmpada maravilhosa”. No fragmento, a seguir, há elementos que evidenciam a representação estética do Oriente. Constato na narrativa resquícios do orientalismo em diálogo com os mitos germânicos na obra hauffiana. O leitor sente a perda desse horizonte mágico que ainda vibra na essência imaginária de Hauff. Quando o narrador afirma que o homenzinho de vidro anda com uma tremenda garrafa verde, Hauff dá novamente vida à presença do Oriente no imaginário do leitor e do Pedro Muck que vive como oriental na primeira fase da obra literária hauffiana.

ALEMÃO PORTUGUÊS „[...] bald sah er wieder das kleine, [...] logo pensou ver novamente o freundliche Glasmännchen auf einer pequenino, o simpático homenzinho de ungeheuren grünen Flasche im Zimmer vidro andando pela sala com uma umherreiten.” tremenda garrafa verde. (HAUFF, [1908], p.16) [grifo meu] (HAUFF, [1908], p.16) [grifo meu]

A princípio, o excerto não apresenta dificuldade no momento da tradução, uma vez que há um diálogo com elementos dos contos orientais. Porém, no contexto semântico, destaca- se a palavra “ungeheuren”, para a qual os dicionários Duden, Grimm e Langenscheidt propõem significados como “enorme” e “monstruoso”. Decido seguir o critério teórico de recriação levyniana e dar mais liberdade à língua meta (LM). Para isso, eu limito-me a não alterar o conteúdo e manter a carga semântica da expressão. Assim, uso o adjetivo “tremendo”, cujo significado denota “temor”, “terrível”, “horror”, além de possibilitar a conotação do sobrenatural. Essa opção se constrói na tradução com base na cultura meta (CM), a língua portuguesa, voltada, em particular, para a linguagem da literatura infanto-juvenil. Na narrativa hauffiana o “homenzinho de vidro” concede à Pedro Muck três desejos e estabelece regras para obtê-los, mantendo o mesmo discurso semântico e representação estética de elementos dos contos orientais, como se vê a seguir.

ALEMÃO PORTUGUÊS Ich pflege jedem Sonntagskind, das Eu concedo três desejos àqueles sich zu mir zu finden weiß, drei nascidos num domingo, que sabem como Wünschezu gewähren. Die ersten zwei me encontrar. Os dois primeiros são sind frei; den dritten kann ich verweigern, completamente livres de qualquer wenn er töricht ist. So wünsche dir also condição e o terceiro eu posso recusar, caso seja uma tolice. Portanto, faça agora 192

jetzt etwas; aber Peter, etwas Gutes und seu pedido; mas, lembre-se, Pedro, algo Nützliches!« bom e útil.” [HAUFF, [1908], p.22–23] [grifo meu] [grifo meu]

Nesse fragmento, Hauff estabelece a intertextualidade (KRISTEVA, [1967]; 2012) no contexto da representação literária ao inserir elementos do Oriente presentes no imaginário popular vindos dos contos orientais As Mil e uma Noites. Esses elementos têm afinidade com o sobrenatural de origem germânica presentes nas lendas e mitos populares. Esses “espíritos” [grifo nosso] moram na floresta e se encontram na narrativa, a exemplo do homenzinho de vidro [Glasmännlein] e o Gigante Michael. Na tradução do fragmento, destaco a frase “wünsche dir also jetzt etwas; aber Peter, etwas Gutes und Nützliches!” que traduzo por [“Portanto, faça agora seu pedido; mas, lembre- se, Pedro, algo bom e útil.”]. Nesse caso, o verbo “wünschen” [desejar] sugere o vocábulo “desejo”, porém optei por um contexto mais adequado à cultura meta (CM). Faço uso do imperativo no verbo “faça” seu “pedido”, expressão essa muito presente no contexto brasileiro e sobretudo na região de floresta na interação com mitos, lendas e o religioso. É providencial o registro de Maria Lucia Meleiro (1994, p.12) sobre a descoberta, na Islândia, em 1643, de uma coleção de poemas antigos mitológicos, compostos no século XI pelo sacerdote islandês Soemund Sigfusson. Hoje os poemas estão reunidos no Edda Poético ou Antigo e falam da vida dos deuses, dos seres sobrenaturais, dos anões e dos gigantes. Essas figuras sobrenaturais e mitológicas migram para obras de vários autores europeus e para a novela hauffiana. Das kalte Herz possui resquícios do Oriente evidenciados na vestimenta do homenzinho de vidro [Glasmännlein]. Esse “duende”149 nórdico ora se apresenta como bruxo da floresta com representação no sobrenatural e ora se apresenta com caracteres humanos. Essa metamorfose na caracterização do “homenzinho de vidro” revela uma certa inquietação própria de Hauff frente à transição literária, social, cultural e política de seu tempo. Apesar de tudo, o narrador insiste em provar a importância de continuar a acreditar nas tradições culturais.

149 Duendes são pequenos seres fantásticos originários da mitologia nórdica, com orelhas pontudas e pele esverdeada. Eles interagem com humanos, podem ter poderes mágicos, gostam de brincar e são, por vezes, perversos. Gnomos são figuras subterrâneas e mineradores. Parecem anões velhos - tipo os amigos da Branca de Neve - e não têm poderes especiais. In: SANTINI, Fernanda, Promissão, SP (Disponível em:. Acesso em: 17.02.2020). 193

Ao tentar passar para o leitor que o espírito da floresta se materializa em vidro, o narrador revela o processo de decomposição do “mito” oriundo da tradição cultural representada na própria personagem que por ser de vidro remete a uma certa inconsistência na sua materialidade no imaginário popular. Ao mesmo tempo, o vidro caracteriza o vínculo com a tradição artesanal cultural da região da floresta negra. A seguir, comento duas representações estéticas do “homenzinho de vidro” inseridas em obras literárias e que permearam o inconsciente coletivo do público leitor à época. Na mesma obra literária encontram-se duas imagens paratextuais distintas que caracterizam o “homenzinho de vidro” [Glasmännlein] e retratam a ambiguidade da personagem na imaginação do editor da obra. Na ilustração (A) o Glasmännlein caracteriza-se como “duende” que lembra o “anãozinho” da floresta, acompanhado de “um anel de brilhante na mão”, reportando-se à época do ouro e das minas de extrativismo mineral (BURKE, 2010). Essa figura paratextual revela-se na contextualização literária com elementos oriundos da trajetória do Classicismo adentrando no Renascimento. Percebe-se a representação estética do maravilhoso na caracterização das demais personagens na ilustração, cujo protagonista Glasmännlein é relegado ao segundo plano na perspectiva da imagem. Essa constatação caracteriza a relevância do maravilhoso frente ao aspecto mitológico. Na ilustração (B), o homenzinho de vidro encontra-se em destaque no primeiro plano da ilustração, ou seja, no centro da imagem e parece com um personagem híbrido, caracterizado como “gnomo” composto de elementos de “bruxo” (cachimbo e chapéu pontiagudo) e vestimenta com caracterização da burguesia. Nessa ilustração, também estão presentes o protagonista Pedro Muck, com roupas de inspiração renascentista, além da presença de uma senhora e de uma jovem que supõe-se sejam a mãe e a esposa de Pedro Muck, personagens da novela Das kalte Herz.

194

Imagem 4 - O homenzinho de vidro na obra literária - caracterização.

HAUFF, W. Märchen. Edição: [1903], W. Märchen. Edição: [1903], Berlin Berlin Drud und Verlag von U.Weichert p.1 Drud und Verlag von U.Weichert p.113. Figura A Figura B

A figura mitológica do “homenzinho de vidro” ganha uma representação híbrida ao fazer uso de uma calça típica do Oriente, cujo chapéu sofre transformações. É um chapéu pontudo e de aba redonda, característica dos bruxos do Ocidente. Lembro que o homenzinho de vidro possui dons mágicos. No próximo excerto, Hauff expressa sua crença nos seres sobrenaturais da floresta, frente ao cumprimento de desejos junto a espíritos da floresta, quando evocados. Na concepção de Wild (2008), Hauff traz para a literatura uma forma poética de escrever fazendo uso de elementos do Oriente numa relação de beleza com a Schwarzwald [Floresta Negra] na Alemanha.

195

Imagem 5 - Pedro Munk e o homenzinho de vidro (ilustração / internet) “Assim, asseguro que o homenzinho de vidro, um bom fantasminha de três palmos

e meio de altura, sempre aparece de

chapeuzinho pequeno com uma aba

grande, de colete e pantaloninhas franzidas e meinhas vermelhas”. (HAUFF, [1908],

p.4)

[“So hat man versichert, dass das

Glasmännlein, ein gutes Geistchen von

dreieinhalbe Fusse Höhe, sich nie anders zeige als in einem spitzen Hütlein mit

grossem Rand, mit Wams und

Pluderhöschen und roten Strümpchen”] Fonte:de.wikipedia.org.Carl_Offterdinger.Pe terMunkunddasglasmaennchen.jpg. Acesso em: [HAUFF, [1908], p. 4] 04.03.2018. Pedro Munk e o fantasminha (tradução nossa).

Nesse contexto, pode-se observar uma representação da metamorfose do duende (anãozinho) da floresta com o fantasminha de características orientais como colete, pantalonas franzidas e meias vermelhas, como as “bombachas”, da tradição do Rio Grande do Sul, no Brasil, também denominada de Pluderhosen, em 1550, e se destaca como calça de seda com listas alongadas que se fecham ao tornozelo. Faço uso desse contexto apenas como analogia com a vestimenta, uma vez que Hauff expressa com muita veemência as características da vestimenta do homenzinho de vidro [Glasmännlein].

196

Imagem 6 - Pluderhosen (Bombacha)

(Disponível em: https://www.google.com.br/bom bacha. Acesso em: 10.10.2018) – (Disponível em: https://wanderlord.com/trousers- unisex-clothing/pluderhosen/. Acesso em: 10.10. 2018).

A expressão „dreieinhalbe Fusse Höhe” se traduz, literalmente, por “três e meio palmos até à altura dos pés”. Fica claro que o contexto semântico não está ao alcance do leitor brasileiro, exigindo, assim, maior atenção por parte da tradutora. Ao se tratar de uma expressão relativa à medidas característica da linguagem popular, se assim se pode denominar, decidi traduzir a expressão para a cultura meta (CM), ou seja, na linguagem popular brasileira e o resultado foi “três palmos e meio de altura”. O Michel holandês retrata o imaginário do homem rude da floresta com características e vestimentas medievais, oriundos de personagens lendários como esclarece o narrador ao se reportar ao imaginário da lenda. Na verdade, são espíritos que se reportam a elementos simbólicos que estão relacionados às lendas da Floresta Negra.

6.4.5 Mitos e lendas: entre o religioso e o paganismo Sabe-se que a Inglaterra, de 1735, proibia o culto das forças criativas universais ou qualquer forma de paganismo mitológico, uma vez que era considerado heresia e sujeito a sanções legais (MELEIRO, 1994). O medo e a maldição sempre se faziam presentes no discurso popular religioso originário do período da escolástica.

ALEMÃO PORTUGUÊS Nu, sei ruhig! Dein ganzer Jammer Bem, fique tranquilo, como eu disse, kommt, wie gesagt, von dem kleinen toda a sua tristeza vem do pequeno Glasmännlein, von dem Separatisten und 197

Frömmler her. (HAUFF, [1908], S.31-32) homenzinho de vidro, aquele beato [grifo meu] separatista. [grifo meu]

“Beato” é uma expressão que tem vários significados na língua portuguesa: a popular que é de conotação jocosa refere-se à pessoa que frequenta a igreja, mas não respeita seus dogmas, ou seja, é considerado um usurpador das leis religiosas, além de pecador. O outro é religioso e tem relação com o praticante fervoroso dos dogmas religiosos, também denominado de carola. De fato, a expressão “carola” por se encontrar muito presente nas regiões do Brasil, migra para a literatura brasileira. Porém, também no sentido religioso, o beato é considerado um bem-aventurado, uma pessoa quase santa, ou seja, é o estágio anterior à elevação do indivíduo à santidade. No excerto em questão, o contexto semântico do vocábulo beato tem forma jocosa e crítica relativa ao personagem “homenzinho de vidro”, cujo sentido pode-se interpretar como uma crítica de Hauff à posição medíocre da sociedade em relação à moralidade e aos valores da igreja. A narrativa revela-se no diálogo das personagens Michel holandês e Pedro Munk, cuja intriga se direciona ao homenzinho de vidro. Objetivo aqui atender à compreensão do leitor e traduzo a frase intercalada “wie gesagt” por [“como eu disse”] ao invés de [“como dito”]. Neste caso, a estrutura narrativa alemã não condiz com a do português e opto por antecipar a frase intercalada “como eu disse” possibilitando uma conotação semântica mais adequada à cultura meta (CM), uma vez que o tempo verbal “como dito” acarreta a perda do contexto semântico na língua portuguesa.

ALEMÃO PORTUGUÊS weil die Sage ging, dass Mann und “[...] pois reza a lenda que tanto Holz verunglücke, wenn ein homens quanto a madeira seriam Tannenbühler mit im Wasser sei. amaldiçoados se uma árvore do [HAUFF, [1908], p.4] Tannenbühl estivesse na água”. [grifo meu] [grifo meu]

O narrador sugere ao leitor a expectativa do cumprimento de uma maldição e coloca sua afirmação na condição da existência da lenda. Nesse momento, o narrado empírico expressa a credulidade tanto na maldição quanto na lenda. Diante disso, volto meu olhar para o contexto semântico da expressão “weil die Sage ging”, uma vez que a tradução literal resulta em “porque / pois diz a lenda”. Mantenho a tradução na contextualização da língua e da cultura meta (CM) unido ao caráter hibrido do maravilhoso e do fantástico envolto pelo mistério. 198

A expressão “reza a lenda” é muito corriqueira e popular na abordagem de lendas e tradições populares na língua portuguesa. Nessa abordagem o verbo “rezar” tem a conotação do verbo “dizer”. Essa expressão revela uma simbiose entre a linguagem bíblica e a linguagem mítica, oriunda da tradição oral popular. Essa expressão encontra-se presente na literatura e é comum em todo o Brasil. Por conseguinte, faz-se presente também na região da floresta em virtude do convívio diário do leitor com lendas e mitos amazônicos. Na Amazônia, a voz dos mitos tem presença marcante. O fragmento possibilita ao leitor a manutenção do imaginário poético da lenda unido à maldição relacionada à floresta. Nesse excerto, o narrador empírico induz o leitor a estar sujeito à aplicação das leis da maldição da floresta frente à constatação da extração das árvores pelos holandeses. Hauff é testemunha ocular da devastação da Floresta Negra no século XIX.

ALEMÃO PORTUGUÊS « Wie wollte er einem anderen Frage Como então perguntaria Àquele, a stehen, dem alle Wälder, alle Seen, alle quem pertencem todas as florestas, Berge gehören und die Leben der todos os lagos, todas as montanhas e a Menschen? (HAUFF, [1908], S.44) vida dos homens? [grifo meu] [grifo meu]

O moralismo e a reverência “Àquele” que se supõe que seja “Deus” encontram-se retratados na manifestação de Pedro Munk ao afirmar que todos têm que responder por seus atos perante Deus no seu juízo final, revelando as profecias do Messias. Na narrativa, Pedro Muck assume todas as suas culpas relativas às ações durante sua existência. Na verdade, Hauff evidencia a relação profética entre a mitologia e o cristianismo. Nesse momento, é possível supor tratar-se da voz da consciência do narrador empírico ao questionar seus próprios atos como pessoa humana frente à crença na tradição popular e frente ao seu próprio Deus cristão. Nesse momento, o narrador insere uma ambiguidade entre a crença nos mitos relativos à tradição popular e a crença nos símbolos religiosos. A estrutura frasal da narrativa nesse fragmento exige atenção e conhecimento da língua fonte (LF) quando da tradução e exige a tomada de decisão (LEVÝ, [1957]; 2011) pela tradutora frente à diferença na estrutura narrativa de ambas as línguas. Então, nesse fragmento, justifico a subordinada relativa com o pronome relativo dativo “dem” [a quem] e o verbo “gehören” [pertencer] que resulta em “a quem pertencem”. Nesse caso apresenta-se a criação artística do tradutor na busca de uma conotação textual condizente 199 com a perspectiva da cultura meta (CM) no alcance de uma recepção estética pelo leitor de língua portuguesa, evitando perdas semânticas tanto no texto fonte (TF) quanto no texto meta (TM).

ALEMÃO PORTUGUÊS [...] so weiß ich doch wohl noch, wie “ainda me lembro bem de como temia o sehr ich mich vor der Hölle gefürchtet, inferno quando ainda era um garotinho als ich noch ein kleiner, unschuldiger inocente” Knabe war.« (HAUFF, [1908], S.45) [grifo meu] [grifo meu]

Entre dogmas bíblicos como o “temor ao pecado” e ao “inferno” e sua relação com a “inocência infantil”, o narrador implícito revela ao leitor sua incredulidade frente ao religioso que se dissipa com a perda da inocência e que se vê representada pelos problemas sociais latentes diante dos sinais da chegada da nova era com a revolução industrial. Em relação à tradução, mantenho a narrativa com o foco na compreensão textual, assegurando o contexto no texto meta (TM). Para isso, mantenho os tempos verbais com o verbo “wissen” no contexto de presente, embora a segunda frase se encontre no passado. Nesse caso, ressalto a presença na frase da partícula de realce “doch” que dá leveza à intenção da mensagem conotada, bem como, uma aproximação do narrador empírico ao leitor. Assim, soluciono o impasse, visando a compreensão textual e sua interpretação através da autonomia e criação do tradutor. Também faço uso do advérbio “bem” para compor a expressão popular do português “Ainda me lembro bem”. Essa expressão possui teor semântico de saudosismo e memória da infância latentes em Hauff e presentes na obra. A preposição alemã “vor” [diante de] deixaria a frase “diante ou frente ao inferno”. No entanto, optei por uma expressão mais simples e em harmonia com a cultura brasileira de caráter religioso. Assim, evito a dubiedade no discurso do contexto cultural meta e asseguro a conotação e a interpretação do texto. A tradução ficou “como temia o inferno”, caracterizado no temor e medo prometidos aos devotos de doutrinas religiosas que não cumprem os dogmas.

ALEMÃO PORTUGUÊS Der Wirt und Ezechiel sahen ihn O dono da taverna e Ezequiel olharam- staunend an, als er immer suchte und sein no com espanto, enquanto ele ainda Geld nicht finden konnte, sie wollten ihm procurava seu dinheiro e não conseguia nicht glauben, daß er keines mehr habe, encontrá-lo. Eles não acreditavam que ele 200

aber als sie endlich selbst in seinen não tivesse nada, mas quando revistaram Taschen suchten, wurden siezornig und seus bolsos e não encontraram nada, schwuren, der Spielpeter sei ein böser ficaram enfurecidos e juravam que o Zauberer und habe all das gewonnene jogador Pedro era um bruxo maligno Geld und sein eigenes nach Hause que desejava ter todo seu dinheiro gewünscht. (HAUFF, [1908], S.30) ganho em sua casa. [grifo meu] [grifo meu]

A denominação de “bruxo maligno” na narrativa contém duas referências muito simbólicas com relação ao período histórico do narrador empírico. O “bruxo” dialoga com Faust150 de Goethe, recorrente em momento anterior, cujo protagonista vendeu sua alma para o demônio, no caso retratado pelo “maligno” que representa o “demônio”. O medo e a culpa são sentimentos presentes na doutrina católica àquela época. São dois elementos semânticos que refletem o paganismo e o caráter religioso. Esclarece Meleiro (1994, p.94), que os antigos germanos consultavam o espírito dos antepassados, Syppenfylgia, através de videntes e temiam os “espíritos de opressão” [Drückgeister]. Todas essas entidades eram olhadas pelos cristãos como demoníacas e as perseguições às bruxas se assentavam na firme convicção de que estas tinham relação com o Maligno. Outro elemento presente na narrativa, cuja atividade é condenável pela igreja, é a prática do jogo a dinheiro. A personagem do gordo Ezechiel é a do jogador que esbanja dinheiro na taberna que também é frequentada por Pedro Munk. A tradução desse excerto exigiu da tradutora um cuidado na compreensão e interpretação evitando problemas na questão semântica, uma vez que a estrutura textual da narrativa alemã é incompatível com a língua meta (LM), a língua portuguesa. Na frase intercalada “wurden sie zornig und schwuren”, constam dois verbos “werden” e “schwören” (infinitivos), seguida da voz do narrador implícito que expressa o discurso na voz do dono da taverna e de Ezequiel. Em seguida, fez-se necessária a inserção do conectivo/conjunção “que”, resultando em uma oração subordinada objetiva direta e possibilitou uma maior adequação na tradução e na compreensão textual do leitor de língua portuguesa.

150 Trata-se de uma das representações mais presentes na memória literária, cujo alquimista Faust vivera no século XVI, e é considerado pela sociedade alemã um “curandeiro ou bruxo” que produzia “porções” na vida real, antes de se tornar protagonista na obra fáustica goetheana. 201

ALEMÃO PORTUGUÊS »Peter! Du warst ein großer Sünder!« “Pedro, tu foste um grande pecador!” sprach das Männlein. » (HAUFF, [1908], fala o homenzinho. p.51) [grifo meu] [grifo meu]

Nesse fragmento, excepcionalmente, a tradução efetiva-se de forma literal com estruturas iguais de ambos idiomas não resultando em problemas no caráter semântico na língua meta (LM). O “homenzinho de vidro” revela Pedro Munk como “um grande pecador”, conferindo- lhe o sentimento de “culpa”, sentimento esse muito presente no cristianismo e no judaísmo. O pecado encontra-se presente em vários momentos da obra hauffiana. Trata-se da voz da consciência do narrador empírico, retratando o momento de indefinição religiosa. Para Bakhtin (2008, p.40), “quando as ideias do escritor entram na obra, mudam sua forma de existência: transformam-se em imagens artísticas das ideias”. Seguramente, Hauff vivia o momento de conflito existencial frente ao processo de transformação e transição literária e político-social, que redundariam na desconstrução dos valores morais e religiosos.

ALEMÃO PORTUGUÊS »Nun gut wird es uns gerade nicht “Ora, bem não estamos”, disse gehen«, sagte Ezechiel. »Hab' mal einen Ezequiel. “Certa vez, perguntei a um Schulmeister darüber gefragt, der sagte professor sobre isso, e me disse que, mir, daß nach dem Tod die Herzen depois da morte, os corações são pesados gewogen werden, wie schwer sie sich como se tivessem o peso dos pecados. Os versündigt hätten. Die leichten steigen leves sobem, os pesados afundam e creio auf, die schweren sinken hinab, und ich que nossas pedras pesarão bem.” denke, unsere Steine werden ein gutes [grifo meu] Gewicht haben.« [HAUFF, [1908], p.45] [grifo meu]

Esse fragmento apresenta dois elementos que se destacam por caracterizarem dogmas da igreja: o inferno e o pecado. Levý ([1975]; 2011), ao abordar a tradução artística de uma obra, destaca que o tradutor precisa conhecer a realidade que se oculta por trás do texto. Nesse contexto, o narrador explicita sua incredulidade frente aos dogmas que lhes foram impostos pela igreja católica quando criança e questiona a crença na existência do 202 inferno. Em seguida, contradiz-se ao se posicionar frente ao leitor sobre o peso dos pecados que surgem após a morte, referindo-se à Bíblia, quando todos serão questionados sobre seus pecados. Subjetivamente, o narrador revela a balança que revelará o peso dos pecados daqueles que terão direito a irem para o céu e o inferno. Nessa abordagem, o narrador revela uma inquietação latente unida à ambiguidade com relação à credulidade relativa à doutrina religiosa. O contexto expressa o grande conflito religioso inerente ao narrador retratado nas dúvidas e nas hesitações frente ao leitor. Quanto à tradução, esse excerto apresenta construções difíceis de serem traduzidas, por apresentarem diversos tempos verbais, unidos à passiva, além de expressão textual que não condiz com a estrutura literal da língua portuguesa. Início com a frase “Nun gut wird es uns gerade nicht gehen”. Trata-se de uma expressão idiomática. É uma construção difícil de tradução literal e linear em relação à lingua portuguesa. Essa expressão exige da tradutora o conhecimento linguístico pois embora se apresente um tempo futuro composto (werden + gehen), optei por manter a frase no tempo presente contextualizado na expressão, “Ora, bem não estamos”. A presença do verbo “haben” [ter] conjugado como “hätten” [tivessem], no pretérito imperfeito do subjuntivo, expressa uma hesitação/dúvida sobre algo, nesse caso, sobre “o peso dos pecados”. Trata-se de um discurso direto entre as personagens. Assim, decidi fazer uso do caráter interpretativo, possibilitando uma tradução voltada para o texto meta (TM) assegurando o caráter comunicativo da mensagem.

ALEMÃO PORTUGUÊS Er brachte endlich einmal seine Mutter Por fim, um dia, conseguiu que sua mãe auf das Männlein zu sprechen, und diese falasse sobre o homenzinho. erzählte ihm, was er schon wusste, kannte Ela contou-lhe o que ele já sabia, pois auch nur noch die erste Zeile von dem lembrava apenas da primeira linha do Spruch und sagte ihm endlich, nur Leuten, verso, mas acrescentou que o fantasminha die an einem Sonntag zwischen elf und se mostraria apenas para aqueles que zwei Uhr geboren seien, zeige sich das nasceram em um domingo, entre onze e Geistchen. Er selbst würde wohl dazu duas horas. Ele próprio seria adequado passen, wenn er nur das Sprüchlein wüsste; para evocá-lo se soubesse o verso todo, já denn er sei Sonntag mittags zwölf Uhr que nasceu num domingo ao meio-dia. geboren. [grifo meu] [HAUFF, [1908], p.8] [grifo meu] 203

Pedro Muck observa que o encantamento concretiza-se quando se cumpre regras estabelecidas pela comunidade local da floresta, cujas normas fazem parte da tradição popular. Nesse fragmento, o narrador relata práticas pagãs relativas à tradição popular muito perseguidas pelo cristianismo. Revela Burke (2010, p.142) que “os músicos alemães eram acusados, não raro, de feitiçaria, e também os skomorokhi tinham a fama de feiticeiros, decerto devido aos seus truques de prestidigitação”. Na verdade, eram tratados de nômades, viajantes que nem sempre tinham boa fama, cujos filhos eram considerados “sem honra” [“unehrlich”], bem como os filhos de carrascos e coveiros. Retomo a reflexão de Paes Loureiro, ao afirmar que:

os mitos, suas invenções no âmbito da visualidade, sua produção artística, são verdade de crença coletiva, são objetos estéticos legitimados socialmente, cujos significados reforçam a poetização da cultura da qual são originados. (LOUREIRO, 1995, p.85).

O fragmento expõe as diferentes formas textuais na estrutura do alemão e da língua portuguesa, cujas diferenças procurei suavizar e adequar para o texto meta (TM). Para isso, adequei a subordinada relativa “die an einem Sonntag zwischen elf und zwei Uhr geboren seien” na forma textual da língua portuguesa para [“aqueles que nasceram em um domingo, entre onze e duas horas”], assegurando a essência da mensagem e uma melhor recepção estética do leitor brasileiro.

ALEMÃO PORTUGUÊS Wünsche glückseligen Abend, Herr Desejo-lhe uma abençoada noite, Sr. Glasmann. Aber es erfolgte keine Antwort, homenzinho de vidro. Mas não houve und alles umher war so still wie zuvor. >> resposta e tudo permanecia quieto como Vielleicht muss ich doch das Verslein antes. “Talvez eu tenha que recitar o sprechen<>Schatzhauser im grünen Tannenwald, “Guardião do tesouro da floresta dos Bist achon viel hundert Jahre alt; pinheiros verdes, Dir gehört all Land, wo Tannen stehn< Já estás aqui há centenas de anos; [HAUFF, [1908], p.9-10] Toda a terra te pertence, onde estão os [grifo meu] pinheiros.” [grifo meu]

204

Esse fragmento revela o discurso do narrador empírico que se confunde com o discurso do protagonista. A invocação do espírito do “homenzinho de vidro” através do cântico poético ratifica a interação e crença de Hauff com elementos pagãos retratados nos espíritos da floresta. Meleiro (1994, p.135) frisa que “a ausência do temor a Deus e uma vida ímpia terão como resultado final legítimo, e esperado, a eterna condenação às penas infernais, sem esperança de perdão”. Invocar espíritos é uma prática muito comum em civilizações primitivas. Quanto ao canto poético, mantive a linha melódica e o ritmo da canção. Entretanto, faço uma tradução literal na última estrofe, possibilitando uma fluidez textual e uma melhor compreensão semântica para a língua portuguesa. Faço isso, por ser comum na língua alemã e, sobretudo, na canção poética, a posição primeira da frase que o poeta ou escritor deseja enfatizar. A hesitação de Pedro Muck quanto à duvida de ter visto ou não o homenzinho de vidro na floresta, remete-se à interpretação do poeta amazônico Paes Loureiro (1995) ao afirmar que “a floresta esconde olhos que espreitam, que perscrutam, que vigiam. A floresta não tem um só olho, eles são incontáveis, infinitas faces misteriosas da floresta. [...], dela envolve sempre uma atmosfera de mistério” (1995, p.203). Hauff reporta-se à lenda para resgatar a oralidade presente na tradição popular e aos acontecimentos sinistros que compõem a tradição oral e que não têm explicação científica e pragmática. Hauff estabelece uma relação entre a maldição da floresta e o medo manifestado por Pedro Muck. O medo frente a elementos que provocam “a impressão de estranheza”, coloca-se na posição de “experiência dos limites” (TODOROV, 2013, p.159) e torna-se um elemento essencial para a manutenção da lenda. Esclarece Todorov que:

Estamos no fantástico-maravilhoso, em outras palavras, na classe de narrativas que se apresentam como fantásticas e que terminam no sobrenatural. São essas as narrativas mais próximas do fantástico puro, pois este, pelo próprio fato de não ter sido explicado, racionalizado, nos sugere a existência do sobrenatural. O limite entre os dois será, portanto, incerto; entretanto, a presença ou a ausência de certos pormenores nos permitirá sempre decidir. (TODOROV, 2013, p.159).

Para justificar a recorrência do maravilhoso e fantástico na literatura romântica alemã, Volobuef (1999, p.111) relata que Hauff tinha a intenção de “conferir à sua paisagem um clima de solidão e abandono, reflexo do estado de ânimo do protagonista”, bem como “para escapar à banalidade e à monotonia do cotidiano”. Assim, Volobuef relata:

O recurso ao maravilhoso, à magia e ao encantamento dos contos de fadas, bem como, ao sobrenatural e ao aterrador das peças noturnas, foi expressão do desejo de renovação do mundo, do anseio por revitalização das percepções, do desejo catártico de descobrir o desconhecido em meio ao conhecido. (VOLOBUEF, 1999, p.111). 205

O estado de hesitação e de indefinição que viviam a Alemanha e a Europa se revelam na ansiedade hauffiana frente ao desconhecido e à transformação ideológica, social e cultural que se anunciavam naquele século.

ALEMÃO PORTUGUÊS „Also Ihr seid es, Herr Schatzhauser? “então, sois vós, Sr. Guardião do Nun, was geschehen ist, ist geschehen, und tesouro? Bem, o que está feito, está feito, e es hat wohl so kommen müssen. Ich hoffe assim tinha que acontecer. Mas eu espero aber, Ihr werdet mich nicht bei dem que vosmecê não me denuncie ao juiz Gericht anzeigen als Mörder.” [...] „Und como assassino.” [...] “E eu vendi meu hab‘ ich mein Herz verkauft”, schrie Peter, coração”, gritou Pedro. “A culpa é toda „so ist niemand daran Schuld als du und sua e de seus tesouros enganosos; teu deine betrügerischen Schätze; du espírito malicioso me levou à ruína; me tückischer Geist hast mich ins forçastes a procurar ajuda de outro, e a Verderben geführt, mich getrieben, daß responsabilidade é toda tua.” ich bei einem anderen Hilfe suchte, und [grifo meu] auf dir liegt die ganze Verantwortung.” (HAUFF, [1908], p.43) [grifo meu]

Nesse fragmento Pedro Muck ameaça o “homenzinho de vidro”. Mais uma vez revela- se o sentimento da “culpa” [Schuld] muito utilizado pelos dogmas da igreja, no intuito de manter os fiéis crédulos para não irem ao inferno dantesco. São ações morais que têm relação com o “mal” que têm origem no Maligno. Em seguida, o narrador ressalta a troca de valores morais do bem pelo mal como ambição, acusação ao outro, sentimento de culpa, malícia etc. O texto é do início do século XIX e faz uso do tratamento “sois vós” [Also Ihr seid es, Herr Schatzhauser?] relativo à segunda pessoa do plural. Ao mesmo tempo, recordo que os contos orais maravilhosos trazem essa forma na linguagem e no tratamento. Por conseguinte, segundo Levý ([1975]; 2011), o tradutor também tem que ouvir a voz do narrador no espaço-temporal em que ele se expressou. Dessa forma, optei por manter o discurso direto de caráter maravilhoso no tratamento da segunda pessoa no singular (tu) e segunda pessoa do plural (vós), assegurando o discurso maravilhoso. Por outro lado, suavizo, quando possível, o texto na linguagem não formal para não perder a essência poética da narrativa hauffiana para o texto meta (TM).

206

6.4.6 Sinais do Realismo social O realismo se apresenta em Das kalte Herz através do caráter histórico unido aos elementos sociais e culturais inseridos por Wilhelm Hauff. O momento político-social em que Hauff se encontra tem reflexo na sua produção literária e ganha evidência na sua obra. Durante os primeiros dez anos do século XIX, ocorre a queda do império alemão bem como a guerra e a ocupação napoleônica, fatos que repercutem sobremaneira na Alemanha e no resto da Europa. Isso resulta em uma profunda mudança social e política na Alemanha, trazendo à tona fenômenos sociais novos, como a chegada do capitalismo e a Revolução Industrial. Na concepção de Bottke (2007, p.8) “os contos de fadas de Hauff lidam com as mudanças sociais e a situação histórica no início do século XIX. Naquela época, os fabricantes de vidro alemães, os comerciantes de madeira da Suábia e os balseiros se enfrentavam”.151

ALEMÃO PORTUGUÊS “Ein schwarzer, einsamer “Um carvoeiro preto e solitário!” disse Kohlenbrenner !” sagte er sich. “Es ist ein ele. “É uma vida miserável. Quão distintos elend Leben. Wie angesehen sind die são os fabricantes de vidro, os relojoeiros e Glasmänner,die Uhrmacher, selbst die até mesmo os músicos nas noites de Musikanten am Sonntag abends! Und domingos! Mas quando Peter Munk wenn Peter Munk, rein gewaschen und aparece limpo e de banho tomado, vestido geputzt, in des Vaters Ehrenwams mit com o gibão de botões prateados do pai e silbernen Knöpfen und mit nagelneuen com meias vermelhas novinhas, e, se roten Stümpfen erscheint, und wenn dann então, alguém vem por atrás de mim e einer hinter mir hergeht und denkt, wer pensa, quem é esse garoto esguio? E ist wohl der schlanke Bursche? Und lobt elogia as meias e minha marcha imponente bei sich die Strümpfe und meinen – ora, se ele me ultrapassar e olhar bem, stattlichen Gang – sieh, wenn er dirá certamente: – ‘Ah, é apenas o vorübergeht und schaut sich um, sagt er carvoeiro Peter Munk.” gewiss: ‚Ach, es ist nur der Kohlen- [grifo meu] munk-Peter. ” (HAUFF, [1908], p.5). [ grifo meu]

151 Hauffs Märchen befasst sich mit den gesellschaftlichen Veränderungen und der historischen Situation zu Beginn des 19. Jahrhunderts. Zu dieser Zeit standen sich die alemannischen Glasmacher und die schwäbischen Holzhändler und Flößer gegenüber. 207

Hauff insere na narrativa Das kalte Herz as mudanças sociais e econômicas da sociedade alemã naquele período e reporta-se à diferença de classes. Com isso, menciona a classe social de carvoeiros que vivia do extrativismo nas minas. Esse contexto dialoga com o relato de Peter Burke (2010, p.64), de que “o grupo de mineiros tratava-se de grupo orgulhoso face ao risco de trabalho, os metais preciosos que descobriam, a diferença entre suas tarefas e as ‘normais’, e a concentração de mineiros em poucas regiões”. (grifo do autor). Os trens e a construção das estradas de ferro tornam-se fatos econômicos propulsores dessa nova geração que veio se unir à exploração da madeira. A crítica social e econômica são pertinentes no conto de Hauff ao revelar a diferença de classes. Na verdade, Pedro Muck tem que escolher entre a chance de alcançar a burguesia através da exploração dos pobres ou escolher o lado bom do Schatzhauser, o espírito bom da floresta, conservando o coração bom. São contrastes sociais presentes nos habitantes da Floresta Negra registrados por Hauff em Das kalte Herz. Pedro Munk repensa sua condição social ao entrar em contato com o mundo social da cidade. O protagonista constata a importância da posição social e sua relação com a boa aparência. Na condição de carvoeiro, Pedro Munk vive uma situação financeira bastante precária e objetiva e tenta mudá-la a qualquer custo. Na tradução, mantive a voz do narrador empírico na preservação da interrogação e afirmações, sem acarretar perdas semânticas.

ALEMÃO PORTUGUÊS Der junge Peter Munk,ein schlanker “O jovem Pedro Munk, um garoto magro, Bursche, liess es sich gefallen,weil er es ficava satisfeito com o trabalho de seu pai, bei seinem Vater auch nicht anders porque ele nunca o vira fazer outra coisa gesehen hatte, die ganze Woche über am que durante toda a semana permanecia rauchenden Meiler zu sitzen oder, schwarz sentado junto à carvoaria, preto e coberto und berusst und den Leuten ein Abscheu, de fuligem, e assustava as pessoas quando hinab in die Städte zu fahren und seine ia às cidades para vender seu carvão.” Kohlen zu verkaufen. (HAUFF, [1908], (HAUFF, [1908], p.5). p.5).[grifo meu]

Nesse excerto, o narrador empírico ressalta a condição humana de classes de trabalhadores e faz uso do protagonista para expressar esse tipo de realidade social à época. As 208 reflexões de Hauff sobre a condição de trabalho de seu pai objetivam levar ao leitor a consciência crítica sobre a situação social dos mineiros naquele período. Segundo Burke (2010), as minas de extrativismo de minérios, como carvão e ouro, se faziam muito presentes na Alemanha. Hauff foi testemunha ocular dessas atividades na Floresta Negra. Mantenho a tradução literal da palavra “Schwarz” que traduzo por “preto” e o vocábulo “Abscheu” com significado de horror/abominação substituo-o pelo verbo “assustar” conjugado, conotado em “assustador”, discurso que condiz com o aspecto maravilhoso. Dessa forma, efetivo uma tradução voltada ao texto meta (TM), caracterizando a imagem de Pedro Munk coberto de fuligem e sua humilhação perante a sociedade aristocrata da época.

ALEMÃO PORTUGUÊS

“sieh, wenn er vorübergeht und schaut “ora, se ele me olhar só de passagem sich um, sagt er gewiss: Ach, es ist nur e em volta, dirá certamente: – “Ah, é der Kohlen-munk-Peter.” (Hauff, apenas o carvoeiro Pedro Munk” (Hauff, [1908], p.5) [grifo meu] [1908], p.5) [grifo meu]

Na tradução desse excerto, a estrutura textual alemã não condiz com a estrutura da língua portuguesa, onde a frase principal “sagt er gewiss” [“dirá certamente”] não vem em primeiro plano. Dessa forma, efetivo a tradução para a cultura meta (CM) e faço uso do conector condicional “se” para enfatizar o sentido semântico, mantendo a coesão textual, evitando maiores perdas semânticas. Por se tratar do discurso direto do protagonista, tento manter o dialogismo da obra com o leitor, mantendo a linguagem cultural e buscando a leveza na comunicação.

ALEMÃO PORTUGUÊS Allerlei Mittel ging er durch,wie man Pensou em todos os meios para sich Geld erwerben könne, aber keines conseguir dinheiro, mas nenhum o satisfez; wollte ihm gefallen; endlich fielen ihm até que por fim pensou nas sagas auch die Sagen von Leuten bei, die vor daquelas pessoas que, em tempos alten Zeiten durch den Holländer- antigos, haviam se tornado ricas através Michel und durch das Glasmännlein do holandês Michel, ou do homenzinho reich geworden waren. ([HAUFF, de vidro. [1908], S.7) [grifo meu] [grifo meu]

209

Nesse contexto o narrador resgata as lendas relativas aos espíritos da floresta e da tradição popular. Trata-se de uma crítica sobre a forma do enriquecimento das pessoas sobre os contos orais e mitos da Floresta Negra. Quanto à tradução do fragmento, optei por manter a palavra “sagas” ao invés de traduzi-la por contos ou lendas, respeitando a época em que a obra foi escrita e a tradição oral que se faziam latentes na voz dos contadores de histórias.

ALEMÃO PORTUGUÊS Sein Hauptgeschäft war, mit Korn und Seu principal comércio era negociar Geld zu handeln. Der halbe Schwarzwald com o milho e o dinheiro. Aos poucos, wurde ihm nach und nach schuldig; aber er metade das pessoas da floresta negra eram lieh Geld nur auf zehn Prozente aus oder seus devedores; mas ele emprestava verkaufte Korn an die Armen, die nicht dinheiro somente a dez por cento de gleich zahlen konnten, um den juros, ou vendia milho aos pobres que, dreifachen Wert . Mit dem Amtmann por não terem como pagar à vista, stand er jetzt in enger Freundschaft, und compravam o milho três vezes mais wenn einer Herrn Peter Munk nicht (S. 39) caro. Ele tinha, agora, uma forte amizade auf den Tag bezahlte, so ritt der Amtmann com o oficial de justiça, e se alguém mit seinen Schergen hinaus, schätzte Haus deixasse de pagar na data certa ao Sr. Pedro und Hof, verkaufte flugs und trieb Vater, Munk, o oficial vinha com seus capangas, Mutter und Kind in den Wald. ([HAUFF, avaliava a casa e a propriedade, vendia [1908], S.38-39) [grifo meu] tudo de imediato, e jogava pai, mãe e filho na floresta. [grifo meu]

O narrador coloca em suspeição a forma ilícita de ganhar dinheiro refletido na especulação financeira àquela época e retrata a diferença de classes presente na sociedade alemã. Nesse fragmento, também a moral é questionada ao relatar comportamentos ilícitos através de empréstimos de valores a pessoas de menor poder aquisitivo, “procedimento esse inerente a empresas e países que só objetivam lucro, protagonizando a chegada do capitalismo selvagem” (grifo nosso). Traduzo a frase “um den dreifachen Wert” por [“tinham que comprá-lo três vezes mais caro”] ao invés de [“pelo triplo do preço”]. A presente decisão objetiva a clareza semântico-textual na recepção do leitor de lingua portuguesa. O fragmento não apresenta maiores problemas na tradução, talvez por se tratar de um assunto bastante recorrente no mundo 210 atual, a especulação monetária. Nesse caso, mantenho a tradução na cultura meta (CM) o que acontece também com a palavra „Schergen” que traduzo por “capangas”, palavra muito comum na literatura policial e que condiz com a expressão do dicionário Duden online.

6.4.7 A dualidade Bem X Mal (produção em massa X trabalho artesanal) A dualidade “Bem versus Mal” se caracteriza na descrição dos habitantes da Floresta Negra e expõe a dimensão realista do contexto no qual a narrativa de Hauff se insere. A clareza dos detalhes define o mundo burguês e as questões sociais que se apresentam na divisão do trabalho e nas personagens e suas relações sociais. Hauff destaca que de um lado da floresta são realizados trabalhos que não afetam a dignidade e o caráter dos seus trabalhadores e tampouco destroem a floresta. Do outro, contudo, vive-se da exploração e da venda de madeira retirada da floresta. Thomas Mann (1947, p.263) resume bem esse processo de transformação social e cultural por que passam o alemães, ao afirmar que “a encontrar Deus depois de passar pela destruição do dogma, à vida social depois da experiência da solidão, à saúde depois de conhecer a doença e a morte”. Arendt (2012) aponta a contradição na composição da novela, uma vez que seus elementos perdem o caráter enigmático, sobressaindo aspectos conflituosos sobre o social e a diferença de classes. É válido lembrar que Marx e Engels publicam sua obra sobre o capital e trabalho denominada de “O Manifesto Comunista” [“Manifest der Kommunistischen Partei”], em 1848, onde se verifica a discussão e a presença sobre a luta de classes. De fato, os problemas sociais na Alemanha tornam-se frequentes e ganham visibilidade em obras que abordam os processos sociais à época e que culminam com a chegada de uma sociedade capitalista unida ao despontar da industrialização do novo século. Dessa forma, pode-se afirmar que Hauff torna-se protagonista desse processo social ao destacar na novela a presença da diferença de classes. Arendt ressalta:

A contradição banida no gênero e refletida no gênero, com seus mitos da vida cotidiana, reflete com muita precisão o zeitgeist econômico. Nesse sentido, os romances de contos de fadas combinam a tradição romântica com o presente e o futuro, cria uma visão do novo século chamado realístico - ou se poderia dizer: o século capitalista? (ARENDT, 2012, p.97).152

152 Der in die Gattung gebannte und in der Gattung reflektierte Widerspruch trifft mit seinen Mythen des Alltags sehr genau den ökonomischen Zeitgeist. Insofern verbindet die Märchen-Novellen romantische Tradition mit der Gegenwart und mit der Zukunft, sie entwirft eine Vision des neuen sogennanten realistischen Jahrhunderts -oder soll man sagen:des kapitalistischen Jahrhundert? 211

ALEMÃO PORTUGUÊS Auf der andern Seite des Waldes wohnt Do outro lado da floresta vive uma parte ein Teil desselben Stammes; aber ihre desse mesmo grupo; mas seus trabalhos Arbeiten haben ihnen andere Sitten und lhes deram outros costumes e hábitos Gewohnheiten gegeben als den diferentes dos fabricantes de vidro. Eles Glasmachern. Sie handeln mit ihrem fazem negócios com sua floresta. Eles Wald; sie fällen und behauen ihre derrubam e cortam seus pinheiros, Tannen, flössen sie durch die Nagold in atravessam pelo Nagold até o Neckar e, da den Neckar und von dem oberen Neckar parte mais alta do Neckar, descem pelo den Rhein hinab, bis weit hinein nach Reno, Holanda adentro. Holland.(HAUFF, [1908], p.3).[grifo meu] [grifo meu]

Nesse trecho da narrativa, o narrador ainda não apresentou os moradores que vivem do outro lado da Floresta Negra. Contudo deixa evidente sua preferência por estes moradores. Ao mesmo tempo, Hauff contrasta os moradores da floresta que vivem da extração da madeira e da destruição da floresta. No momento seguinte, surgem os fabricantes de vidro em contraste com extrativistas de madeira. O narrador dá destaque e faz distinção na profissão das pessoas que trabalham na fabricação de vidro e na confecção de relógios que representam a tradição. No outro lado da floresta, por sua vez, estão os outros moradores que se diferenciam destes. Essa afirmação hauffiana deixa transparecer a inquietude do narrador frente à transformação social e cultural de seu tempo. O fragmento faz alusão ao contraste de ações e costumes culturais. E para isso, a frase se compõe da presença de um conector de comparação “als” [do que] que se interpõe e aponta uma dicotomia divergente entre a tradição na fabricação de vidros e os extrativistas da madeira, resultando em uma demonstração de negócios e costumes. Na tradução para a língua portuguesa, o contexto semântico não fica claro no texto meta (TM), por isso opto por acrescentar o vocábulo “diferentes”, contextualizando de forma clara a mensagem, possibilitando uma recepção mais adequada ao texto meta (TM), unido a uma coerência textual que possibilite uma melhor compreensão pelo leitor. Nesse contexto, Hauff decide demonstrar geograficamente de como a madeira é transportada à Holanda através dos rios que cortam e interligam as duas regiões. 212

No contexto da cultura meta (CM), a compreensão do leitor brasileiro será de identidade na cultura meta (CM), uma vez que há décadas o Brasil convive com a extração ilegal da madeira na floresta brasileira que é exportada para outros países. Ressalto que embora não seja o foco da nossa pesquisa nesse momento, considerei relevante e optei por registrar a observação hauffiana nesse contexto. Com isso, Hauff aponta a impossibilidade de uma relação harmônica entre o mundo do capitalismo e as leis da floresta baseadas no modo de vida simples. Outro elemento relevante é o destaque que Hauff empreende à caracterização da vestimenta. A vestimenta traz uma forte relação com a descrição de época e garante o desenvolvimento do enredo no âmbito da temática da narrativa. A chegada do capital contempla mudanças nas negociações econômicas. As novas formas de comercialização do dinheiro desfavorecem as formas do trabalho artesanal habitual e transformam as pessoas em algo ruim ou com total falta de valores, destruindo suas essências. Para demonstrar sua tese de desmantelamento da pureza do trabalho tradicional, Hauff dialoga por meio de um narrador empírico que, a todo momento, busca enredar os leitores para que percebam as implicações geradas pelo capitalismo. A descrição da aparência e da vestimenta revelam nuances desse enredamento. Momentos antes de o narrador descrever as vestes dos moradores da região de Baden, ele diz:

ALEMÃO PORTUGUÊS “Am schönsten kleiden sich die “Os habitantes da Floresta Negra de Bewohner des badenschen Baden vestem-se da forma mais bela”. Schwarzwaldes.” (HAUFF, [1908], p.3) [grifo meu] [grifo meu]

Uma das características da língua fonte (LF), o alemão, é exatamente inserir na frase inicial o contexto mais relevante no parágrafo e que desperte o olhar do leitor. Nesse fragmento, trata-se da frase “vestem-se da forma mais bela” [“Am schönsten kleiden”]. A presença da contração da preposição com o artigo “an + dem” [am] resulta na presença de um complemento na declinação dativa. Entretanto, a língua e a cultura metas exigem uma tradução condizente com a estrutura textual semântica na língua portuguesa, apresentando uma conotação cuja interpretação aborde de forma clara e concisa o contexto na cultura meta (CM). Diante da diferença estrutural entre o alemão e o português, optei pela fluidez textual na língua meta (LM) e recoloco a frase principal do português no primeiro plano da frase, possibilitando ao leitor uma compreensão textual semântica mais adequada ao contexto da língua meta (LM), o português, não ocorrendo perdas semânticas. 213

As palavras de Meschonnic (2010, p.xxxvii) reverberam na afirmação de que o que fica para traduzir encontra-se no “modo de significar, de sentir, de pensar e compreender e de viver a linguagem. Isso se constrói na modernidade do pensamento, mesmo já pensado de há muito”.

ALEMÃO PORTUGUÊS Noch vor kurzer Zeit glaubten die Não muito tempo atrás, os habitantes Bewohner dieses Waldes an desta floresta acreditavam em espíritos Waldgeister, und erst in neuerer Zeit da floresta e, só recentemente, se hat man ihnen diesen livraram dessa tola superstição. É törichtenAberglauben benehmen curioso, no entanto, que também os können. Sonderbar ist es aber, dass auch espíritos da floresta que, segundo a lenda, die Waldgeister, die der Sage nach im habitam na Floresta Negra, distinguem-se Schwarzwalde hausen, in diese em diferentes trajes. Assim, assegura-se verschiedenen Trachten sich geteilt haben. que o homenzinho de vidro, um bom So hat man versichert, dass das fantasminha de três palmos e meio de Glasmännlein, ein gutes Geistchen von altura, sempre aparece de chapeuzinho dreieinhalbe Fusse Höhe, sich nie anders pequeno com uma aba grande, de colete e zeige als in einem spitzen Hütlein mit pantaloninhas franzidas e meinhas grossem Rand, mit Wams und vermelhas. Já o holandês Michel, que Pluderhöschen und roten Strümpfchen. perambula do outro lado da floresta, Der Holländer-Michel aber, der auf der dizem ser um gigante de ombros largos andern Seite des Waldes umgeht, soll ein vestido como balseiro. riesengrosser, breitschultriger Kerl in der [grifo meu] Kleidung der Flözer sein[...]. (HAUFF, [1908] , p.4) [grifo meu]

A primeira característica se apresenta na descrição delicada e bem definida da personagem “homenzinho de vidro” [Glasmännlein]. Ele tem um rostinho fino e afável [feines und freundliches Gesichtchen]. A descrição do homenzinho transmite, ademais, a uma figura frágil. No caso do holandês Michel, a descrição é reduzida a uma indefinição. Sabe-se apenas que tem uma cabeça grande. Seu rosto não é jovem e nem velho, mas possui rugas e sulcos. O homenzinho tem um rostinho e uma barbinha, enquanto Michel holandês tem uma cabeça de grande proporção e botas enormes. Esses elementos definem e afirmam a simpatia do leitor pelo homenzinho de vidro e o horror a Michel holandês. 214

Esses personagens fazem parte do projeto do narrador hauffiano de impor a dualidade do capitalismo do mal retratado no trabalho mecanicista versus trabalho tradicional que expressa o bem. Isso se evidencia na narrativa Das kalte Herz de forma metafórica na face do homenzinho que é velho e tem traços bem definidos e claros e, por isso, ele representa o tradicional, o artesanal, o antigo e familiar, além de constar na tradição mítica. O Michel holandês, no entanto, não é nem jovem, nem velho, não tem traços evidentes e transita entre cores sombrias. Ele representa a ameaça e a chegada do capitalismo como modelo econômico, cujas regras ainda não são bem definidas e por isso, questionáveis. Arendt (2012) faz a seguinte consideração:

A novela de contos maravilhosos - note-se primeiramente – empreende um cenário romântico com as imagens dos contos maravilhosos do gigante denominado de Holländer Michael e o anão Schatzhauser, pintado com mitos tradicionais, aparentemente antigos. No entanto, não é uma mitimização das forças da natureza ou dos poderes sobrenaturais, mas das forças econômicas, nem o trovão nem o raio são colocados como figuras míticas, mas os poderes presentes, que parecem sobre- humanos, que são muito pouco ou, supostamente, administráveis. (ARENDT, 2012, p.97).153

Imagem 7 - Pedro Munk e o Holandês Michel

Homenzinho de vidro Michel holandês

Fonte:Wikipedia.org/wiki/Datei: Das Wirtshaus im Spessart Bertall- Peter Munk und der Hollaender – Edição em alemão: [s.d.] Michel. jpg (Acesso em: 20 de mar. 2018) Editora: Verlag Karl Müller (Czechoslovakia)

153 Die Märchen-Novelle-dies ist zunächst zu beachten-entwirft mit den Märchen-Bildern des Riesen mit Namen Holländermichael und des Zwergen Schatzhauser eine romantische Kulisse, bemalt mit scheinbar alten, überkommenen Mythen. Indessen handelt es sich nicht um eine Re-Mythisierung von Naturgewalten oder von übernatürlichen Mächten, sondern von ökonomischen Kräften; weder Donner noch Blitz werden zu mythischen Gestalten hypostasiert, sondern gegenwärtige Kräfte, die zwar übermenschlich scheinen, aber beherrschbar sind oder wenigstens sein sollen. 215

Outro elemento que marca a defesa do narrador pela pureza da tradição é a descrição física:

ALEMÃO PORTUGUÊS “die Männer lassen den bart wachsen, “os homens deixam a barba crescer wie er von Natur dem Mann ums Kinn como ela se apresenta, em volta do queixo, gegeben ist.” (HAUFF, [1908], p.3). [grifo na forma natural ao homem” [grifo meu] meu]

As expressões “natural” e “natureza” têm a mesma relação semântica voltadas para o sentido de “espontâneo” e “físico”, conforme o dicionário Houaiss (2009). No entanto, na tradução optei pelo termo “natural ao homem” ao invés da expressão “natureza do homem” como opção tradutória semântica na língua meta (LM) - língua portuguesa brasileira. Tal decisão define-se no objetivo de uma melhor adequação da frase ao contexto semântico da narrativa na língua meta (LM), uma vez que revela o “ato físico inerente ao corpo humano”, ou seja, a defesa da não interferência no curso da natureza. E, embora, diga-se que as vestimentas transmitem uma aparência estranha a esses homens, ainda assim, o narrador expressa sua empatia por esse grupo de pessoas.

ALEMÃO PORTUGUÊS “verleihen ihnen etwas Fremdartiges, “conferem-lhes algo estranho, embora aber etwas Ernstes, Ehrwürdiges.” com alguma coisa de sério e venerável.” (HAUFF, [1908], S.3). [grifo meu] [grifo meu]

A palavra composta “Fremdartiges” se compõe da palavra “Fremd” que chama minha atenção por dispor da conotação de “forasteiro”, “estrangeiro” e “desconhecido”. Porém, a composição da palavra “Fremd” com o sufixo “artig” na língua fonte (LF) alemã, confere-lhe o significado de “algo estranho”, conforme o dicionário Langenscheidt (2001). Por conseguinte, o dicionário Duden Online apresenta o verbete “ungewöhnlich” que significa “insólito”; “estranho”; “desacostumado”. Na tentativa de assegurar uma estrutura semântico-textual mais adequada à cultura meta (CM), opto pela expressão “algo estranho”, considerando que se constitui de pleno sentido na língua meta (LM) portuguesa, possibilitando uma boa compreensão pelo leitor.

216

ALEMÃO PORTUGUÊS Diese Menschen nun sind an ein Essas pessoas já estão acostumadas a uma rauhes, wanderndes Leben gewöhnt. Ihre vida rude e andarilha. Sua alegria está no Freude ist, auf ihrem Holz die Ströme navegar sobre sua madeira na direção dos hinabzufahren, ihr Leid, am Ufer wieder rios abaixo, e sua dor, a de retornar heraufzuwandeln. (HAUFF, [1908], S.4). andando pela margem. [grifo meu] [grifo meu]

O comentário do narrador manifesta o registro dos sentidos opostos representado na palavra positiva “alegria” [Freude] e de aspecto negativo em “rude” [rauhes] e “dor/sofrimento” [Leid] em relação à “vida” [Leben]. Esse contexto revela a ideia de que desse trabalho advém satisfação e sofrimento. Entendo que todo esse preâmbulo minucioso serve à tese de Hauff de uma dualidade entre forças do “bem” e do “mal” concomitantes aos princípios do trabalho artesanal e do capitalismo. Além disso, a dualidade se prefigura nas vestimentas e no caráter das personagens principais que o narrador apresenta: o homenzinho de vidro e o holandês Michel.

6.4.8 Formas de tratamento A questão que ressalto são as formas de tratamento e o uso predominante do discurso direto. Quando se dá voz às personagens, a forma de tratamento usual é o pronome da 2ª pessoa do plural “vós” que corresponde ao pronome “Sie”, “você” na língua portuguesa. Isso marca o discurso da narração e o discurso das personagens da época e as formas de tratamento. Também essa forma de tratamento é marca característica dos contos maravilhosos [Märchen]. A predileção pelo discurso direto constitui um equilíbrio entre as descrições e os acontecimentos na narrativa. Como no exemplo: “[...] quero insistir mais uma vez com o funcionário que “vós sois viúva” e “eu sou vosso único filho.” (HAUFF, [1908], p.9) (sublinhado pelo editor). Porém, a referida tradução do diálogo, acima, é literal e demonstra total descompasso com o discurso textual da língua meta (LM), a língua portuguesa, bem como, não condiz com o discurso do público alvo, no caso o infanto-juvenil. Ressalto que a minha tradução versa em acompanhar o amparo teórico levyniano de tradução com criação livre, respeitando a cultura meta (CM). Entretanto, entendo que algumas expressões devem ser mantidas a fim de restabelecer o aspecto temporal da obra, suavizando o texto no caráter poético e cultural da língua e cultura metas (CM). 217

Diante disso, busco as observações de Lambert e van Gorp (1985) ao tratarem da seleção de estratégias dentro de um determinado sistema comunicativo, quando o principal papel do tradutor é o de selecionar as prioridades, ou seja, apontar as normas e padrões dominantes quanto ao sistema de chegada. Esse esquema de ligação comunicativa se estabelece como uma relação aberta que objetiva superar concepções antigas relativas à “fidelidade” e à “qualidade” no âmbito da tradução, fugindo de questões normativas. Dessa forma, esclareço que a abordagem da narração textual seguirá o contexto natural expresso pelo narrador no contexto estabelecido no texto fonte (TF), mas sempre voltado para o contexto da cultura meta (CM), assegurando um sistema comunicativo aberto. Diante disso, no contexto dos diálogos presentes na narrativa hauffiana procuro assegurar uma linguagem natural baseada no texto meta (TM), mantendo a leveza na linguagem na caracterização do gênero maravilhoso. Assim, preservo o caráter mágico inserido na narrativa híbrida e possibilito uma novela de contos maravilhosos atualizada, mas sem perder seu espaço-temporal.

ALEMÃO PORTUGUÊS „Herr Glasmann“, rief nach einigem Após breve hesitação, falou Pedro Zögern Peter Munk, „seid so gütig und Munk, “homem de vidro, seja bonzinho e haltet mich nicht für Narren. – Herr não me faça de bobo. Homem de vidro, se Glasmann, wenn Ihr meint ich habe Euch você pensa que não o vi, está muito nicht gesehen, so täuschet Ihr Euch sehr, enganado. Vi muito bem que você espia ich sah Euch wohl hinter dem Baum por detrás da árvore.” “Eu quero contar-lhe hervorgucken.” „Vom Holländer-Michel sobre o holandês Michel”. “mas não desejo will ich Euch aber erzählen.” „Aber mit pedir nada, pois já o conheço muito bem.” Euch will ich nichts zu schaffen haben, Eu venho aqui apenas para pedir-lhe und ich kenn' Euch schon.” Ich komme conselho.” Ah vai, você é um excelente aber, um mir Rat zu holen bei Euch.” homenzinho de vidro, e é justo que as „Heisa! Ihr seid ein treffliches pessoas o chamem de guardião do tesouro, Glasmännlein, und mit Recht nennt man pois com vosmecê, os tesouros estão em Euch Schatzhauser, denn bei Euch sind casa. Dar a você meu coração?” “Bem, um die Schätze zu Hause. Euch, mein Herz?” gole de vinho fará bem a você melhor do „So, und ein Schluck Wein mag Euch que a água, uma vez que você é muito besser frommen als Wasser, da Ihr schon idoso.” “Não lhe pedirei nada, a não ser, so gar alt seid.” „ich will ja nichts anderes, que você seja padrinho do meu filhinho.” als Euch zu Gevatter bitten bei meinem 218

Söhnlein!” „So will ich dies zum “Bem, eu tomarei isso como recordação, Andenken mitnehmen, weil Ihr Euch doch já que você não quer aparecer.” nicht sehen lassen wollet.” (HAUFF, [1908], p.10). [grifo meu] [grifo meu]

Como se pode constatar todo o diálogo na língua alemã se apresenta na segunda pessoa do plural (Ihr/Euch), considerando essa forma de tratamento ser a marca característica dos contos de fadas maravilhosos [Märchen]. No entanto, nos diálogos presentes na narrativa, opto por estabelecer um discurso natural na narrativa e faço uso do pronome “você” criando uma relação de intimidade e aproximação entre o leitor e o protagonista da narrativa. Embora a estrutura verbal do alemão do século XIX faça uso do tratamento na segunda pessoa do plural, opto por trazer a tradução para a cultura meta (CM), promovendo uma linguagem “menos coloquial” e um discurso de melhor compreensão ao público leitor. A seguir destaco alguns vocábulos e expressões que impuseram dúvida e dificuldade no enfrentamento da tradução. Minha observação leva em consideração a “tomada de decisão” em que Levý classifica um determinado paradigma. Como Levý ([1975]; 2011, p.162) mesmo destaca, deve-se encontrar soluções para a tradução dentro do seu valor contextual, ou seja, do “princípio da precisão seletiva” [The principle of selective accuracy]. É com o olhar no contexto e na cultura meta (CM) que analiso a palavra “Flözer”154 (HAUFF, [1908], p.5-6) que significa “jangadeiro” na cultura fonte (CF), o alemão. Trata-se de uma profissão que usa o transporte para trabalhar em diversos mercados: pesca, transporte, etc. Na verdade, a tradução de” Flözer” como “jangadeiro” inspira inconsistência semântica na cultura meta (CM). Na língua portuguesa o vocábulo “jangadeiro” reporta-se às jangadas que usam velas e que se lançam ao mar em busca da pesca, o que pode ser feita uma analogia, mas não define o tipo de jangada à época do século XIX. No Norte do Brasil denomina-se essa profissão de “canoeiro”, em razão da aquisição de um vocábulo de origem indígena que deriva do transporte fluvial de pessoas pelos rios por “canoa”, o que não é o caso. Constato que a jangada, àquela época, constituía-se de toras amarradas e descia pelo rio, fazendo o carregamento de madeiras. Em Das kalte Herz, a palavra “Flözer” refere-se aos homens que transportam a madeira rio abaixo. Também pensei no termo “madeireiro” ,termo esse que na cultura meta (CM) tem a conotação de quem extrai e comercializa a madeira.

154 Flösser. Disponível em: https://de.m.wikipedia.org/wiki/Fl%C3%B6%C3%9. Acesso em: 20.09.2018. 219

Finalmente, optei pelo referente denotativo “balseiro”, fazendo alusão à “balsa”, na cultura meta (CM), por considerar o uso do transporte “balsa” ser muito comum nos rios do Brasil. Assim, preservo o sentido do vocábulo e o caráter regionalista no contexto meta, assegurando uma compreensão adequada pelo leitor na cultura meta (CM). Imagem 8 - A jangada do carregamento de madeira.

A jangada da madeira (Frances Anne Hopkins, 1868).155 (tradução da tradutora)

6.4.9 Arcadismo Algumas dificuldades e dúvidas se encontram nas seguintes expressões:

ALEMÃO PORTUGUÊS „so lang als ein Weberbaum.” (HAUFF, “tão comprido quanto uma árvore [1908], p.32) tecelã.” „Nun, so gerade just nicht.” (HAUFF, “Bem, não exatamente” [1908], p.19).

A comprovação junto aos dicionários sobre a ausência do verbete “Weberbaum” sugere a probabilidade de que o termo seja um neologismo ou um dialeto que, segundo Bakhtin (2002):

Ao entrar na literatura e participar da linguagem literária, os dialetos perdem evidentemente, no solo dessa linguagem, sua qualidade de sistemas sociolinguísticos fechados; eles se deformam e basicamente deixam de ser aquilo que eram enquanto dialetos. Porém, por outro lado, esses dialetos ao entrar na linguagem literária e conservando nela sua elasticidade linguística dialetológica, sua condição de língua

155„The Lumber Raft“. Disponível em: . Acesso em: 20.09.2018. 220

alheia, deformam igualmente a linguagem literária em que penetram e ela também deixa de ser aquilo que era: um sistema sociolinguístico fechado. (BAKHTIN, 2002, p.101).

Desse modo, com base nos conceitos teóricos levinianos, opto pela solução tradutória para “árvore tecelã”, colocação que também não existe na língua portuguesa, mas possui uma conotação poética e estética condizente com a representação do homem, cujos braços crescem como se fossem uma árvore. Na verdade, os galhos tecem espalhando-se para os lados. Percebe- se na narrativa o uso de arcaísmos e que, possivelmente, refletem a atmosfera antiga dos contos maravilhosos e ajudam a estimular a imaginação. Segundo Bosi (1994, p.610-17):

O arcadismo - ‘um Neoclassicismo mitigado’ - só muito espaçadamente apresenta ponto de contato com elementos pré-românticos (tais como impetuosidade e rebeldia, pela expansão dos sentimentos, disposição à melancolia, etc.) mantendo-se fiel às máximas da poética clássica, respeitando a verossimilhança, guiando-se pela verdade, buscando o Belo supremo, expressão da natureza última das coisas (BOSI, 1994, p.610-17).

Com relação ao segundo excerto, constato uma expressão idiomática, o que me impede de traduzir literalmente, e busco a tradução de acordo com o contexto da língua meta (LM), a fim de evitar perdas semânticas. Ressalto a seguir alguns exemplos:

ALEMÃO PORTUGUÊS „Und hier ist mir viel heimischer als in e aqui me sinto mais à vontade do que dem großen Haus mit dem vielen na casa maior com tantos criados. Gesinde.” (HAUFF, [1908], S.51) „Und nun setzten sie sich mit Matrosen E então sentaram-se numa taverna, junto und anderem schlechten Gesindel in die a marinheiros e outros péssimos criados. Wirtshäuser” (HAUFF, [1908], S.33) „Es lebte also vor hundert Jahren und Há cem anos ou mais, viveu um drüber ein reicher Holzherr, der viel comerciante de madeira muito rico que Gesind hatte” (HAUFF, [1908], S.51) tinha muitos criados.

A palavra Gesindel156 é raramente usada hoje em dia, mas era muito frequente antigamente e Hauff faz uso da palavra diversas vezes na narrativa. O termo denota os criados e sua condição social, no caso, inferior, na hierarquia de uma casa.

156 WERMKE, Matthias et al.: Duden. Das Herkunftswörterbuch. Etymologie der deutschen Sprache. Bd. 7. 3. Aufl. Mannheim: Bibliographisches Institut & F.A.Brockhaus AG 2001. S.272. 221

Nesse contexto, Hauff aborda outras classes de trabalhadores como marinheiros e criados, onde ressalta a diferença de classes.

ALEMÃO PORTUGUÊS „Du hast, nimm es mir nicht übel, Não me leve a mal, mas você jogou fora hundert Gulden an schlechte Bettler und centenas de florins a mendigos e outros anderes Gesindel weggeworfen” criados. [HAUFF, [1908], S.33) [grifo meu] [grifo meu]

Nesse fragmento, constato a presença de palavras que se reportam a elementos constitutivos do arcadismo como Gulden e Gesindel que não se encontram mais presentes na linguagem popular atual. Para possibilitar uma recepção que tenha relação adequada com a língua meta (LM) do português, início o fragmento com a frase intercalada “Não me leve a mal” [nimm es mir nicht übel], uma vez que na lingua portuguesa, essa expressão é usual e enfatiza a idéia que virá completar o contexto. Como já se sabe, por terem origens diferentes, o alemão e o portugues têm estruturas narrativas distintas. Assim, organizo o parágrafo e evito distorções na compreensão do texto, alcançando sua comunicação. Também optei por manter a espécie monetária à época, denominada de “florim”. Um arcaísmo que chama a atenção é “Kammertür” (HAUFF, [1908], S.34). Trata-se de palavra composta formada pelas palavras “câmara e porta” [Kammer + tür]. O substantivo câmara é usado desde o alto médio alemão. O significado original era “quarto de dormir, despensa, tesouraria, tesouro público ou tribunal”.157 Para atualizar o contexto da narrativa, mas não perder a essência do arcadismo, optei pela palavra “aposento”, ao invés de “quarto” que é um termo bastante comum e mais moderno. O termo “Schelm” aparece uma única vez na novela:

ALEMÃO PORTUGUÊS “du armer Schelm, kannst nichts “tu, pobre ladino, contra isso, nada dagegen tun” [HAUFF, [1908], S.34]). podes fazer”. [grifo meu] [grifo meu]

De origem incerta, essa palavra tem um sentido pejorativo de alguém que é “rejeitado” ou um “trapaceiro”,158 um “patife” ou “ladino”, conforme dicionários Duden e Grimm online.

157 Cf. Bosi, 1994, p.381. 158 Cf. Bosi, 1994. p.710. 222

Na tradução optei por “ladino” e mantive o termo “pobre” [“arme”] deixando mais fluido o texto. ALEMÃO PORTUGUÊS „Bald vernahm man im Schwarzwald “Logo se espalhou pela cidade, die Märe, der Kholenpeter...” [HAUFF, histórias de que Pedro carvoeiro...” [grifo [1908], S.38]). [grifo meu] meu]

Nos dicionários Duden (Deutsches Universal Wörterbuch) e Grimm - Wörterbuchonline o verbete “die Mär” significa “narrativa, história estranha, não confiável ou falsa”. Sylvia Trusen (2012) trata do gênero maravilhoso a partir de pesquisa etimológica da palavra “Mär”. Dessa forma, Trusen (2012, p.55) menciona a variação histórica e linguística do vocábulo e seu significado. Max Lüthi complementa que:

As palavras alemães < Märchen, Märlein > ( do alemão medieval maerlîn ) são formas diminutivas de < Mär > (do alemão medieval alto, mârî; do alemão medieval, maere, feminino e neutro, informação, notícia, narrativa, rumor); designavam, portanto, originalmente uma história curta. Como outros diminutivos, foram desde cedo submetidos a uma depreciação do sentido e empregados para histórias inventadas, não verdadeiras. (LÜTHI, 1996, p.1).

O que significa dizer que a palavra Märchen, derivada de “Maer”, se une ao sufixo diminutivo – chen, o que a faz cair em descrédito junto ao público leitor, uma vez que indicava histórias inventadas e não verdadeiras. De certa forma, tal fato tornava o conto depreciativo junto ao leitor. Não é nossa intenção aprofundar o assunto por não ser a abordagem da nossa pesquisa, mas a investigação torna-se relevante, uma vez que espelha o processo de depreciação sofrido pelo maravilhoso junto ao público leitor. A constatação da origem da palavra “Mär” do alto alemão medieval, como afirma Lüthi (1996), resulta na tradução da palavra “Märe” por fábulas ou histórias no plural, segundo consta na obra Teutsch Spraach, publicada em 1561 (TRUSEN, 2012).

ALEMÃO PORTUGUÊS [...]ließ ihn hinausreichen durch einen “...e o enviava por um empregado.” Knecht. (HAUFF, [1908], (S. 39) [grifo meu] [ grifo meu] hatte bei einem Holzherrn als Knecht “servira como empregado a um gedient. (HAUFF, [1908], S. 39) madeireiro” [grifo meu] [ grifo meu ]

223

O termo “knecht” foi traduzido por “empregado” devido à conotação da palavra germânica ocidental “knechta”,159 cujo sentido atual é “menino”, “jovem” ou “trabalhador”.

ALEMÃO PORTUGUÊS „Zollstab von Messing” “Régua de bronze” (HAUFF, [1908], S.04)

A expressão “régua de bronze” exigiu pesquisa etimológica, reflexão e discussão uma vez que esse tipo de artefato tem origem no século XIX e tinha a função de medir a madeira que era extraída para venda. Peter Burke (2010, p.67) argumenta que “os artesãos tinham seus mitos próprios e sua cultura própria, no que se refere às próprias habilidades passadas de geração a geração. Isso se evidencia nas roupas da profissão e nos utensílios usados. Por exemplo, os carpinteiros tendiam a usar aventais de couro e a carregar uma régua no bolso bem como cada profissão tinha sua própria canção”. Na narrativa hauffiana, a régua de bronze tinha o papel de medir a madeira extraída da Floresta Negra pelos negociantes de madeira. O uso de arcaísmos na narrativa assegura uma atmosfera do passado, porém Hauff faz uso de outros meios para manter a atmosfera mágica do maravilhoso dos contos de fadas, como nomes exóticos de animais ou de pessoas, lugares distantes ou objetos incomuns. Muitas vezes, nos contos de fadas, os nomes das ocupações das personagens são usados como nomes próprios como por exemplo: carvoeiro Pedro Munk, relojoeiros, madeireiros, proprietário, oficial de justiça, guarda florestal, etc. As personagens principais são Pedro Munk, Bárbara Munk (mãe de Pedro), Elisabete (esposa de Pedro), o gordo Ezequiel, o homenzinho de vidro e o holandês Michel. Todos foram traduzidos pelos seus correspondentes em português para possibilitar ao leitor de língua portuguesa uma maior aproximação com a narrativa.

6.4.10 Outros Elementos Uma observação evidente e que está presente também em outras narrativas de Hauff é o uso frequente de diminutivos formados comumente pelo sufixo -lein, e alguns casos pelo sufixo -chen, com ou sem o trema, a saber, alguns exemplos:

159 Cf. Bosi, 1994, p.418. 224

Sufixo -chen, sem Umlaut: Geistchen; Liedchen. Sufixo -chen com Umlaut: Pluderhöschen; Bärtchen; Wägelchen. Sufixo com -lein: Hütlein; Völklein; Verslein; Sprüchlein; Kreuzerlein; Röcklein e Söhnlein.

Com relação a esses diminutivos, cito alguns casos que na tradução para o português não foram possíveis, devido a certo estranhamento que causa na língua e na cultura metas, o português. O diminutivo „Sprüchlein” (HAUFF, [1908], p.17) foi substituído por “versinho” para assegurar o diminutivo na narrativa, pois as variantes o “dizerzinho” ou “ditozinho” soariam estranhas ao leitor do texto. E, por fim, em „das Geistchen” (HAUFF, [1908], p.8) opto por manter a expressão “o fantasminha” por entender que “o espiritozinho” causaria estranheza ao leitor, semanticamente. Nesse caso, levo em conta o perfil do leitor (OITTINEN, 2005), a quem se direciona a obra, o infanto-juvenil. Por esse motivo, não optei por traduzir pela palavra “o espiritozinho” pois soaria pejorativo e não adequado ao contexto. Contudo, o holandês Michel é descrito no aumentativo como sujeito grande e de ombros largos e vestimenta de balseiro. É bom lembrar que holandês Michel representa a força do mal que reside na floresta. Na opinião de Bottke:

O holandês Michel se apresenta em primeiro lugar com a avareza fria, a qual pode sucumbir, se alguém se deixar seduzir. O homenzinho de vidro (Schatzhauser) deve representar o trabalho árduo burguês, portanto a autoajuda pelo trabalho e a satisfação com o seu próprio estado. (BOTTKE, 2007, p.24).160

ALEMÃO PORTUGUÊS er trug ein Wams von Leinwand, und ele usava um gibão de linho, e as die ungeheuren Stiefel, über die enormes botas, puxadas por seu calção de Lederbeinkleider heraufgezogen, waren couro, eram bem conhecidas de Pedro Peter aus der Sage wohlbekannt. (HAUFF, através da lenda. [grifo meu] [1908], S.19)[grifo meu]

Nesse excerto denota-se a insistência do narrador em descrever as vestes do holandês Michel, caracterizando-o como um gigante. O aumentativo muitas vezes utilizado pelo narrador caracteriza o holandês Michel com aspecto temível e mal. O contraste com a personagem

160 Der Holländer Michel steht in erster Linie für die kaltherzige Geldgier, der man erliegen kann, wenn man sich verführen lässt. Das Glassmännlein (Schatzhauser) soll den bürgerlichen Gewerbefleiss also die Selbsthilfe durch Arbeiten und die Zufriedenheit mit dem eigenen Stand darstellen. 225

Glasmännlein corrobora as prerrogativas da tese do narrador, isto é, o homenzinho de vidro é delicado em sua aparência e seus trajes o remetem aos trabalhadores fabricantes de vidro da Floresta. Em contraponto, o holandês Michel se veste como os balseiros e, portanto, representa os trabalhadores do outro lado da floresta, que vivem da exploração da madeira. Esses dois personagens representam, no âmbito do imaginário fantástico, os dois grupos de homens que constituem os contrários e, consequentemente, recaem na dialética do enredo hauffiano. Postas em jogo as dualidades da premissa do narrador, introduz-se a personagem principal da história, Pedro Munk, que vai transitar e interligar os dois mundos diversos do cenário da Floresta. O jovem Pedro Munk, ou também nomeado pelo epíteto, carvoeiro Pedro Munk, é apresentado como herdeiro do trabalho de seu pai que era carvoeiro, cuja morte deste, faz com que a mãe de Pedro o leve para o mesmo ramo de trabalho de seu pai, perpetuando a vida pobre e miserável. Por isso, o desejo de Pedro Munk de suplantar as dificuldades e ganhar logo dinheiro a qualquer custo e preço está bastante presente na narrativa.

ALEMÃO PORTUGUÊS >>Er ist der Herr dieses Waldes,und “Ele é o senhor da floresta, e o fato de nach dem zu schliessen, dass Ihr in Eurem não ter ouvido falar sobre ele na sua idade, Alter dies noch nicht erfahren, müsst Ihr significa que você é um nativo do outro drüben über dem Tannenbühl oder wohl lado do Tannenbühl ou quem sabe de ainda gar noch weiter zu Hause sein. Vom mais distante. Do holandês Michel eu Holländer-Michel will ich Euch aber quero lhes contar o que sei e como se dá erzählen,was ich weiss und wie die Sage a lenda dele. Há mais ou menos cem anos, von ihm geht. Vor etwa hundert Jahren, so não existiam pessoas mais corretas do que erzählte es wenigstens mein Ehni, war as da floresta negra, pelo que costumava weit und breit kein ehrlicheres Volk auf contar meu avô. Agora, como há muito Erden als die Schwarzwälder. Jetzt, seit so dinheiro no país, as pessoas são desonestas viel Geld im Land ist, sind die Menschen e ruins. Os jovens rapazes dançam aos unredlich und schlecht. Die jungen domingos, gritam e praguejam, o que é Bursche tanzen und johlen am Sonntag und horrível; antigamente era bem diferente, e fluhen, dass es ein Schrecken ist; damals se ele aparecesse pela janela agora, então, war es aber anders,und wenn er jetzt zum eu diria como sempre digo que o holandês Fenster dort hereinschaute, so sag ich’s Michel é a causa de toda essa corrupção. und hab es oft gesagt,der Holländer- [grifo meu] Michel ist schuld an all dieser Verderbnis. 226

(HAUFF, [1908], S.12) [grifo meu]

O momento na narrativa em que Pedro Munck chega na aldeia acaba por demarcar que esse grupo se encontra do outro lado da floresta, contrário aos vidreiros que vivem da exploração da madeira, porém em uma relação equilibrada e sustentável com a natureza. Esse grupo é uma retomada da cultura primitiva e tradicional, cuja forma de vida é singular, retratada em atos simples como sentar-se ao redor da fogueira após o jantar para contar histórias. Aqui retomo as palavras de Walter Benjamin (1994, p.197-98), ao afirmar que “a arte de narrar está em vias de extinção [...] e que a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores”. Seguramente, o sistema medieval contribuiu para essa interlocução entre migrantes oriundos de terras distantes que vinham em busca de trabalho e que interagiam e contavam suas histórias, dentre eles camponeses e marujos (BENJAMIN, 1994). Em Das kalte Herz, Hauff insere o contexto do ancião junto aos filhos e netos que se reúnem para ouvir histórias narradas pelo idoso, contextualizando a representação da tradição cultural do narrar. Essa ação inserida por Hauff nas narrativas significa a importância da transmissão das narrativas orais para as gerações seguintes, cujo legado Hauff faz questão de registrar na novela. O narrador empírico faz-se presente nesse contexto, onde surge a voz do segundo narrador na personagem do “velho” contador de histórias. É importante destacar que Pedro Munk tem origem em uma outra aldeia do outro lado da floresta e se desloca para ouvir a narrativa oral que será transmitida por essa família da floresta às novas gerações. A expressão “von ihm geht” insere uma inquietação no contexto semântico da língua meta (LM), o português, significando [isso tem origem nele] ou [isso vem dele], pois se trata de preposição (von) + pronome dativo (ihm) + verbo ir (gehen). Tal expressão faz referência a Michel holandês ser possuidor de sua própria lenda. Destaco que a lenda trata-se de uma narrativa oral construída no imaginário popular, o que determina a presença da cultura em torno do holandês Michael como espírito da floresta. A lenda é narrativa oral no contexto do narrar, mas passa a caracterizar o ato de pertencimento “a quem” ou “àquele” que construímos na imaginação, tornando-o visível à memória coletiva. Esses elementos simbólicos na concepção de Jung (1964) são denominados de “arquétipos” oriundos da mitologia primitiva, das lendas folclóricas e dos rituais primitivos. Ao considerar essa abordagem, opto por manter o título de pertencimento da lenda ao holandês Michel, pelo fato dele ser um espírito que reside na floresta e no imaginário popular. Dessa forma, a tradução da primeira frase é literal “was ich weiss” e fica [“o que sei”] e a frase seguinte 227

“und wie die Sage von ihm geht” traduzo por [“e como se dá a lenda dele”]. Nessa segunda frase com abordagem sobre a lenda de Michel Holandês, a tradução volta-se para a cultura meta (CM), cujo contexto semântico objetiva alcançar a compreensão do leitor.

ALEMÃO PORTUGUÊS Das Eichhörnchen zeigte sich an den O esquilo exibia-se nos ramos mais untersten Ästen der Tanne und schien ihn baixos do pinheiro e parecia encorajá-lo ou aufzumuntern oder zu verspotten. Es zombá-lo. Ele se limpava, rolava sua linda putzte sich, es rollte den schönen Schweif, cauda e o olhava com seus olhos astutos; es schaute ihn mit klugen Augen an; aber por fim, quase teve medo de ficar sozinho endlich fürchtete er sich doch beinahe, mit com o animal; às vezes, parecia ter a diesem Tier allein zu sein; denn bald cabeça de um homem e usar um chapéu schien das Eichhörnchen einen de três pontas, às vezes era como um Menschenkopf zu haben und einen esquilo, porém com meias vermelhas e dreispitzigen Hut zu tragen, bald war es sapatos pretos nas patas traseiras. Em ganz wie ein anderes Eichhörnchen und suma, era uma pequena criatura engraçada, hatte nur an den Hinterfüssen rote mas ainda assim Pedro carvoeiro sentia um Strümpfe und schwarze Schuhe. Kurz, es temor, imaginando que nada daquilo war ein lustiges Tier; aber dennoch graute estava certo. [grifo meu] Kohlenpeter; denn er meinte, es gehe nicht mit rechten Dingen zu. (HAUFF, [1908], S.12) [grifo meu]

Nesse fragmento, Pedro Munck revela uma hesitação diante da mutação do esquilo no homenzinho de vidro [Glasmännlein], cuja passagem me faz recordar a figura híbrida de “Macunaíma” presente na obra do escritor Mário de Andrade. Esse processo performático revela-se também na obra do escritor e poeta paraense, Paes Loureiro (1995, p.205), ao descrever que o mito da floresta amazônica “se transforma em macaco, em quati, em cobra, em lagartixa, em tudo”. Aqui está presente esse diálogo no imaginário poético através da metamorfose dos mitos. Nesse momento, o narrador transparece a sua inquietação por se encontrar no espaço fronteiriço entre o mito presente na tradição popular e o que é real, na materialização da realidade cultural. O narrador empírico encontra-se entre o físico e o metafísico; entre o real e o imaginário e manifesta seu temor ao dizer que “nada daquilo estava certo”. 228

Embora o esquilo não seja um animal presente na região do Brasil, optei por manter o animal esquilo a fim de manter a semântica textual e coerência com o ambiente da Floresta Negra da Alemanha. Quanto à tradução, o fragmento não apresenta grandes dificuldades para a língua meta (LM), exigindo apenas adequação semântica e a inserção do advérbio “às vezes” em substituição de [“denn bald”] como ajuste textual, uma vez que o texto caracteriza-se por uma indecisão frente a duas situações distintas, imaginação e realidade.

ALEMÃO PORTUGUÊS Der Holländer-Michel war, als die Quando a história veio à tona, não se Geschichte herauskam, nirgends zu finden, encontrava o Michel em lugar nenhum, aber tot ist er auch nicht; seit hundert mas morto ele não está; há cem anos ele Jahren treibt er seinen Spuk im Wald, und tem assombrado a floresta e diz-se que já man sagt, daß er schon vielen behilflich ajudou muitos a ficarem ricos à custa de gewesen sei, reich zu werden, aber auf suas almas é claro, e mais não direi. Kosten ihrer armen Seele, und mehr will [grifo meu] ich nicht sagen. (HAUFF, [1908], S.15) [grifo meu]

O discurso afirmativo “e mais não direi” trata-se de tradução literal do texto fonte (TF) para o texto meta (TM). Também demonstra uma forma do discurso que representa uma ambiguidade entre a voz do narrador empírico com a voz da personagem, neste caso o velho contador de histórias. Também a expressão popular “e diz-se que”, popularmente, denominado para “diz que” deixa subentendido de que alguém contou “essa prosa”, expressão muito usada na oralidade nas regiões de floresta e opto por manter a cultura meta (CM), uma vez que essa expressão é muito utilizada nas regiões não urbanas do Brasil, o que se torna um facilitador no entendimento por parte do leitor de língua portuguesa.

ALEMÃO PORTUGUÊS Triumphierend hob er es auf, um es Triunfante, ele o pegou para jogá-lo no dem groben Holländer-Michel rude holandês Michel; mas naquele zuzuwerfen; aber in diesem Augenblick instante sentiu o pedaço de madeira mover- fühlte er das Stück Holz in seiner Hand se em sua mão e, para seu horror, percebeu 229

sich bewegen, und zu seinem Entsetzen sah que segurava uma enorme serpente, que se er, daß es eine ungeheure Schlange sei, erguia em direção ao seu rosto com a was er in der Hand hielt, die sich schon mit língua venenosa e os olhos brilhantes. Ele geifernder Zunge und mit blitzenden a soltou; mas ela já se contorcia em volta Augen an ihm hinaufbäumte. Er ließ sie do seu braço e, com a cabeça vibrando, se los; aber sie hatte sich schon fest um seinen aproximava ainda mais do rosto dele; nesse Arm gewickelt und kam mit instante, no entanto, um imenso galo schwankendem Kopfe seinem Gesicht silvestre voou baixo, agarrou a cabeça da immer näher; da rauschte auf einmal ein serpente com o bico e a carregou no ar. ungeheurer Auerhahn nieder, packte den [grifo meu] Kopf der Schlange mit dem Schnabel, erhob sich mit ihr in die Lüfte. (HAUFF, [1908], S.20) [grifo meu]

Esse fragmento se caracteriza por uma referência religiosa, ao se reportar à passagem bíblica de Moisés sobre a famosa batalha entre Arão, Moisés e os magos do Faraó, cujo cajado vira serpente para provar que Moisés é a voz de Deus quando da libertação do povo hebreu.161 No entanto, no contexto hauffiano, a cobra assume uma nova representação estética relativa à feitiçaria ou magia oriunda do homem do mal, Michel holandês, uma vez que a serpente se aproxima da face do Pedro Muck, dando a entender que iria picá-lo. Com relação à feitiçaria e à magia, Átila Almeida (2017, p.11-26) traz em sua pesquisa de doutorado considerações interessantes ao ver a magia como uma “forma alternativa de racionalidade” de caráter “desviante”, uma vez que não se aclimata à ciência e muito menos à religião. Ou seja, há outras maneiras de se buscar compreender o mundo e dar-lhe sentido, seja de uma forma natural ou dentro de sua abordagem na sociedade. Quanto à feitiçaria, a “bruxa” é a personagem que compõe a história da feitiçaria. Afirma Almeida (2017, p.40) que há relação da feitiçaria com uma sociedade paralela e herética, onde se acredita que se cumpre a perseguição à cristandade através de suas práticas mágicas. No entanto, Hauff retrata “o bruxo” como homem, no sexo masculino, como uma pessoa do bem e de dons mágicos. Trata-se de uma simbiose entre magia e feitiçaria voltadas para o bem e para a moralidade. Aqui me reporto a pessoa de Faust que viveu no século XVI e era alquímico e popularmente chamado de “bruxo”. Décadas depois migra para a literatura.

161 Êxodo 7:1-12. 230

Nessa abordagem religiosa, opto por uma coerência na tradução entre o texto fonte (TF) e o texto meta (TM), voltado para a cultura meta (CM), embora conste no texto fonte o nome de uma ave denominada de “Tetraz” ou “galo silvestre” [Auerhahn], cuja tradução optei por “galo silvestre”, por ser mais fácil à compreensão do leitor brasileiro, ao se tratar de uma ave com características do gavião, mas que não se cria no espaço brasileiro.

ALEMÃO PORTUGUÊS Und nun unterrichtete er ihn in allem Ele instruiu Pedro e lhe deu uma und gab ihm ein Kreuzlein aus reinem cruzinha de puro vidro, e disse: “ele não Glas: »Am Leben kann er dir nicht poderá atentar contra a sua vida e, ao schaden, und er wird dich frei lassen, mostrar isso a ele, o deixará livre e wenn du ihm dies vorhalten und dazu pedirá por isso. Quando tiver obtido seu beten wirst. Und hast du denn, was du desejo, retorne até a mim. [grifo meu] verlangt hast, erhalten, so komm wieder zu mir an diesen Ort!« (HAUFF, [1908], S.47) [grifo meu]

A inter-relação do paganismo com o cristianismo contextualiza-se na presença da cruz, cujo símbolo se insere no contexto e faz referência ao exorcismo, prática essa muito utilizada pela igreja católica até o século XVIII para a exclusão do demônio ou espírito presente no corpo de uma pessoa. Ressalte-se ainda que constatam-se semelhanças dessa prática em diversas doutrinas (umbanda, espiritismo, protestantismo, neopentecostal etc.) no Brasil no século XXI. Trata-se de comportamentos e práticas oriundas da Idade Média. Marcante é a presença do “homenzinho de vidro” e o destaque dado por Hauff à “cruzinha de puro vidro”, o que caracteriza uma referência à classe de fabricantes de vidro à época, cujas atividades artesanais estão presentes na tradição cultural na virada do século XVIII. Quanto à tradução, a oração intercalada “was du verlangt hast” [“o que tu desejas”] insere-se no contexto, fazendo com que o tradutor evite a tradução literal para a língua portuguesa, a fim de possibilitar uma tradução semântica que permita uma melhor clareza do texto. Na concepção de Berman (2013, p.50), o tradutor faz uso de formas sincréticas ao optar pela adaptação ou pastiche, ou seja, ora traduz “literalmente”, ora traduz “livremente” (grifo do autor). Nesse caso, opto por traduzir “livremente” a fim de alcançar um discurso semântico adequado e de acesso ao entendimento pelo leitor na recepção estética.

231

ALEMÃO PORTUGUÊS Es waren vorzüglich drei dieser Havia, em especial, três desses homens, Männer, von welchen er nicht wusste, dos quais ele não sabia qual mais admirar. welchen er am meisten bewundern sollte. Um deles era gordo e grande, de rosto Der eine war ein dicker, grosser Mann vermelho, e era o homem mais rico da mit rotem Gesicht und galt für den vizinhança; costumava ser chamado de reichsten Mann in der Runde. Man hiess “o gordo Ezequiel”. Duas vezes por ano, ihn den dicken Ezequiel. Er reiste alle ele viajava para Amsterdã e tinha a sorte de Jahre zweimal mit Bauholz nach vender madeira muito mais cara do que Amsterdam und hatte das Glück, es immer outros, e voltar para casa numa esplêndida um so viel teurer als andere zu verkaufen, carruagem, enquanto os outros tinham que dass er, wenn die übrigen zu Fuss caminhar. O segundo era o homem mais heimgingen, sttalich herauffahren konnte. comprido e magro da floresta, e Der andere war der längste und costumavam chamá-lo de “o comprido magerste im ganzen Wald, man nannte Schlurker”; sua extraordinária ousadia ihn den langen Schlurker, und diesen excitava a inveja de Munk; ele beneidete Munk wegen seiner contradizia pessoas de renomada ausnehmenden Kühnheit; er widersprach importância, ocupava mais espaço do que den angesensten Leuten, brauchte, wenn quatro homens corpulentos, não importava man noch so gedrängt im Wirtshaus sass, o quão lotada estivesse a estalagem, ele mehr Platz als vier der Dicksten; denn er colocava os dois cotovelos sobre a mesa ou stützte entweder beide Ellbogen auf den espichava uma de suas longas pernas no Tisch oder zog eines seiner langen Beine banco, e, apesar de tudo isso, ninguém se zu sich auf die Bank, und doch wagte ihm atrevia a se opor a ele, já que tinha uma keiner zu widersprechen,denn er hatte quantidade prodigiosa de dinheiro. O unmenschlich viel Geld. Der dritte war terceiro era um jovem bonito, que sendo ein schöner junger Mann, der am besten o melhor dançarino da redondeza, era tanzte weit und breit und daher den chamado de “o rei do salão de baile”. Namen Tanzbodenkönig hatte. (HAUFF, [grifo meu] [1908], p.6). [grifo meu]

Nesse excerto, Hauff registra os três personagens que caracterizam valores como poder, ambição, avareza e prazer que os levam ao status social que tanto Peter Munk desejava alcançar.

232

6.4.11 Descrição, aparência, costumes e posição social Nesse caso, a narrativa presta-se a uma experimentação que sustenta pontos de vista favoráveis a determinados princípios tradicionais do trabalho em detrimento das novas regras do capitalismo. As estratégias narrativas revelam o pensamento de um narrador, cujo discurso se constrói através do imaginário que guarda em si mesmo um conhecimento alicerçado na experiência e revela as minúcias das pessoas e dos lugares que são apresentados, desde o início da história:

ALEMÃO PORTUGUÊS Wer durch Schwaben reist, der sollte Quem viaja pela Suábia não pode deixar nie vergessen, auch ein wenig in den de lançar um olhar, ainda que de Schwarzwald hineinzuschauen; nicht der passagem para a Floresta Negra; não por Bäume wegen, obgleich man nicht überall causa das árvores, embora não se encontre solch unermessiliche Menge herrlich em todos os lugares quantidade aufgeschossenerer Tannen findet, sondern incomensurável de pinheiros esplêndidos wegen der Leute, die sich von den andern desabrochando, sobretudo por causa das Menschen ringsumher merkwürdig pessoas, que se diferenciam unterscheiden. (HAUFF, [1908], p.3) estranhamente das outras à volta. [grifo meu] [grifo meu]

O narrador convida o leitor a olhar a Floresta Negra e enfatiza que se deve atentar para as diferenças marcantes entre as pessoas que habitam o local. No entanto, ele não economiza na descrição e adverte para “a quantidade incomensurável de pinheiros esplêndidos desabrochando”. A tradução do termo “incomensurável” [unermessiliche] transmite a sensação de uma floresta infinita e sobrenatural. Por outro lado, a opção por “estranhamente” [merkwürdig] acentua a diferença entre os habitantes da floresta. Com o objetivo de possibilitar uma boa compreensão e interpretação pelo leitor, tomo a expressão “um pouco” [ein wenig] e a traduzo por “ainda que de passagem”, onde desperto um olhar enigmático e de admiração para o contexto cultural da língua e cultura metas (CM).

ALEMÃO PORTUGUÊS Auch die Flözer auf der andern Seite Também os balseiros da outra margem waren ein Gegenstand seines Neides. eram alvo de sua inveja. Quando esses Wenn diese Waldriesen herüberkamen, mit gigantes da floresta apareceram em suas stattlichen Kleidern, und an Knöpfen, roupas pomposas, carregando em seus 233

Schnallen und Ketten einen halben Zentner corpos meia centena de prata, seja em Silber auf dem Leib trugen, wenn sie mit fivelas, botões ou correntes, estando com ausgespreizten Beinen und vornehmen as pernas esparramadas e olhar distinto Gesichtern dem Tanz zuschauten, para ver a dança, praguejando em holandês holländisch fluchten und wie die e fumando compridos cachimbos de vornehmsten Mynheers aus ellenlangen colônia, como os mais nobres holandeses, kölnischen Pfeifen rauchten, da stellte er ele, então, se imaginava tal qual um sich als das vollendetste Bild eines balseiro, como um modelo mais perfeito glücklichen Menschen solch einen da felicidade humana. Flözer vor. (HAUFF, [1908], p.5-6) [grifo meu] [grifo meu]

O fragmento frisa a importância da roupa como objeto essencial da aparência. Pedro anseia por prestígio, por isso, ele usa a roupa de seu falecido pai e vai à cidade, acreditando que assim será respeitado, mas sua condição de carvoeiro torna-se um status social indesejado. No discurso, não se sabe, porém, se ele viveu alguma situação de rebaixamento por sua condição social ou se ele está imaginando que as pessoas o veem como um simples carvoeiro sem importância, pois, o narrador nos dá a dimensão da fala de Pedro, e através da mensagem, é provável que esteja pressupondo o que outros pensam sobre ele. Pedro é jovem e, como todo jovem, ele anseia mudar sua condição de vida. Contudo, ele deseja ser não somente como os prestigiosos fabricantes de vidros e os relojoeiros, mas sobretudo, quer ser rico como os balseiros. Sobre o fragmento “da stellte er sich als das vollendetste Bild eines glücklichen Menschen solch einen Flözer vor” traduzo por “ele, então, se imaginava tal qual um balseiro, como um modelo mais perfeito da felicidade humana”, na busca de manter uma semântica adequada à língua e cultura metas, assegurando a fluidez da mensagem. A seguir, acrescento a expressão “tal qual” e também traduzo “Bild” por “modelo” invés de “imagem,” que seria uma tradução literal. Por conseguinte, o contexto “felicidade humana” se adequa melhor à expressão “homem feliz”. Nessa decisão tento manter a conotação de algo subjetivo inerente ao olhar do protagonista que é a sensação de “grandeza” e de “poder”, cuja impressão se origina da vestimenta. Ressalto que essa atitude é muito comum no comportamento humano que resulta na “soberba” e na “arrogância” e no reconhecimento do outro pela vestimenta ou por conter bens. Na verdade, Hauff põe sempre em questionamento valores e comportamentos humanos. 234

6.4.12 Figuras de Linguagem

ALEMÃO PORTUGUÊS Als er von Straßburg herüberfuhr und Assim que deixou Estrasburgo, ele den dunklen Wald seiner Heimat erblickte, avistou a floresta escura de sua terra natal; als er zum erstenmal wieder jene kräftigen quando reviu as figuras robustas, os Gestalten, jene freundlichen, treuen semblantes amistosos e confiáveis da Gesichter der Schwarzwälder sah, als floresta negra, quando os sons caseiros, sein Ohr die heimatlichen Klänge, stark, fortes e profundos, mas harmoniosos, tief, aber wohltönend vernahm, da fühlte er soaram em seus ouvidos, ele rapidamente schnell an sein Herz; denn sein Blut wallte colocou a mão sobre o coração; pois seu stärker, und er glaubte, er rnüsse sich sangue corria mais rápido, achando que freuen und müsse weinen zugleich, aber deveria se alegrar e chorar ao mesmo wie konnte er nur so töricht sein, er tempo, mas como ele podia ser tão tolo, se hatte ja ein Herz von Stein; und Steine tinha um coração de pedra e as pedras sind tot und lächeln und weinen nicht. estão mortas, não sorriem e não choram (HAUFF, [1908], S.37) ? [grifo meu] [grifo meu] Kohlenmunk-Peter hatte noch nie so O carvoeiro Pedro Munk nunca tivera schwere Träume gehabt wie in dieser sonhos tão pesados como naquela noite. Nacht. (HAUFF, [1908], S.16) [grifo meu] [grifo meu]

Por se tratar de uma obra composta de elementos do fantástico e do maravilhoso, é natural que Das kalte Herz faça uso de figuras de linguagem. Nesse excerto observo contextos com a presença de figuras de linguagem denominada de prosopopeia ou de personificação. No primeiro momento, o narrador apresenta a Floresta Negra como uma figura “robusta”, “amistosa” e “confiável”, características inerentes ao ser humano, ressaltando a relação de cumplicidade e de intimidade do protagonista com a Floresta Negra. No momento seguinte, a prosopopeia se repete quando o personagem questiona o fato das pedras mortas não terem vida, uma vez que elas não podem sorrir e nem chorar”. É fato que no idioma alemão o advérbio de negação “nicht” ao final de uma frase após o verbo intensifica o sentido da mensagem na frase. Dessa forma, mantenho na tradução o 235 mesmo caráter semântico do texto fonte (TF), cujo fragmento „und Steine sind tot und lächeln und weinen nicht” traduzo para “e as pedras estão mortas, não sorriem e não choram?”. No segundo fragmento, observo a expressão “schwere Träume” que traduzo por “sonhos pesados”, onde se evidencia uma metáfora, ao se fazer uso de um adjetivo que demonstra o estado de inquietação da personagem e intensifica o efeito do imaginário, provocando no leitor interpretações. Na verdade, o narrador tenta passar ao leitor o estado de insegurança, inquietação e hesitação do protagonista diante do estado de pavor e medo.

6.4.13 Elementos Paratextuais e Metatextuais A tradução comentada da novela infanto-juvenil Das kalte Herz, de Wilhelm Hauff, levanta a discussão sobre os elementos que dão sustentação à compreensão do texto, quando de sua leitura, possibilitando uma recepção estética mais consistente da obra. É necessário frisar que a obra Das kalte Herz und andere Märchen [1908], [“O coração frio e outros contos”], que detém no seu conteúdo o corpus dessa pesquisa, trata-se de obra impressa e foi a primeira a que tive acesso. Porém, por se tratar de livro de bolso, o editor Max Drescher optou por excluir ilustrações, mas registra, quando da referência bibliográfica ([1908], p.02), de que “Ortografia e pontuação foram cuidadosamente adaptados ao uso atual, acrescentaram-se os comentários”.162 Dessa forma, entendo que o organizador/editor Max Drescher opta por adaptar a ortografia e a pontuação da narrativa original de Hauff, publicada em 1828, para uma publicação supostamente de [1908], com o objetivo de possibilitar ao leitor uma recepção estética mais adequada à época da nova publicação. Verifico que, apesar de buscar manter a essência da obra, a narrativa sofre e sucumbe em razão do tempo e constato na nova publicação uma arcaização vocabular, o que certamente provocou o editor a tomar a decisão por inserir notas de rodapé. Para fazer uma análise da tradução das notas de rodapé inseridas na obra Das kalte Herz, abordo reflexões teóricas sobre fenômenos paratextuais e metatextuais, a fim de alicerçar e estabelecer critérios para a presente abordagem. Genette (2009, p.323) enfatiza como prática pioneira na questão de comentário, os relatos de Rousseau e Chateaubriand, no século XVIII e início do XIX, em suas “Memórias” sobre definir critérios para sua redação, embora tal iniciativa ainda não estabeleça comentários sobre a construção da obra. Em seguida, Genette considera Edgar Alan Poe (1845) como o

162 Orthographie und Interpunktion wurden behutsam dem heutigen Gebrauch angeglichen, die Anmerkungen beigefügt. 236 pioneiro da prática de pensar paratextos. Sobre isso, Genette (2009, p.323) cita no ensaio The Philosophy of Composition o seguinte relato: “Pensei muitas vezes no quão interessante seria se pudéssemos ler o artigo de um escritor que quisesse - e que soubesse - retraçar detalhadamente, passo a passo o processo pelo qual uma de suas obras chegou ao término definitivo de sua realização”. É fato que Schlegel (“bhagavad-gita”); Humboldt (“introdução a agamemnon”); Holderlin (“observações sobre o Édipo”), entre outros, preocupam-se em se expressar espontaneamente com base na inspiração e não demonstram interesse em relatar o processo de tradução e nem de elaboração da obra. Retomo o pensamento de Torres (2017, p.15-18), ao argumentar ser a tradução comentada um gênero acadêmico-literário e tem como uma de suas características a natureza metatextual sobre o que diz “está na tradução comentada, incluída a tradução por inteiro; objeto do comentário, a tradução está dentro do corpo textual” (TORRES, 2017, p.18). Sob a ótica de Jiří Levý ([1957]; 2011), a tradução é um processo criativo e de decisão do tradutor, tornando-se independe e inerente à interpretação e às escolhas desse tradutor, colocando-o no mesmo nível de igualdade de criação com o autor. Entende-se que essa posição do tradutor também provoca um novo efeito através desse texto na recepção literária do leitor final. Genette (2009, p. 09) aponta o processo evolutivo por que passam as novas edições e reconhece o papel do paratexto junto ao texto ao assegurar que “a presença do paratexto é para torná-lo [texto] presente, para garantir sua presença no mundo, sua ‘recepção’ e seu consumo, sob a forma, pelo menos hoje, de um livro”. Também reconhece que “com as mudanças tecnológicas atuais os caminhos e domínios do paratexto se modificam sem cessar, conforme as épocas, as culturas, os gêneros, os autores e as edições de uma mesma obra” (GENETTE, 2009, p.11). Esse autor reconhece que “o mundo midiático possibilita uma variedade de discursos em torno do texto que se desconhecia no mundo clássico, uma vez que os manuscritos tinham origem na transmissão oral, o que podemos considerar um paratexto”. Genette (2009, p.285) argumenta que “As notas de rodapé sempre foram motivo de controvérsias por críticos e pesquisadores e pode ser considerado como leitura facultativa e endereçar-se, por conseguinte, apenas a alguns leitores [...]”. Sardin (2007) destaca o processo da exegese e hermenêutica no exercício da tradução, uma vez que o leitor-tradutor exerce, no primeiro momento, a compreensão literal para, posteriormente, efetivar a interpretação. Assim, Sardin (2007, p.121-122) revela que é ilusório imaginar que o tradutor jamais aparece como o autor. Ao contrário, é exatamente na “nota que 237 emerge a própria voz do tradutor, que traz, o mais próximo possível do texto, a natureza dialógica da tradução e o conflito de autoridade que aí se forma”. Sardin argumenta que:

A tradução exige comentários e posições críticas, e não é surpreendente que o tradutor às vezes preceda seu texto com uma longa nota introdutória na qual ele explica, ou explica a si mesmo, isto é, prático exegese ou justificativa 2; porque, se no plano macroestrutural, uma tradução é, como produto acabado, muitas vezes objeto de um juízo de valor, declarada "boa" ou "má", "fiel" ou "infiel", provavelmente é porque no nível microestrutural, supõe um exercício recorrente de interpretação, uma arte de variações e de escolha, da qual o END participa naturalmente. (SARDIN, 2007, p.122).

A argumentação de Sardin (2007) dialoga com a concepção de Torres (2017) de que as notas de rodapé são comentários ao texto e se tornam metatextos (ou seja, o texto dentro do texto). Torres esclarece que “a nota (a nota de rodapé) não é uma ruptura do texto ou dentro do texto, mas sim uma leitura em paralelo, uma leitura hipertextual” (TORRES, 2017, p.17). Isso significa dizer que as notas contribuem para a compreensão e interpretação da narrativa. Segundo Marsch (1995), as notas de rodapé [Fußnoten] e os comentários se estabeleceram nos trabalhos científicos da era moderna e têm sua origem nos glossários dos textos clássicos.

Os glossários das tradições eclesiásticas ou as famosas notas sobre os códigos legais básicos do início da Idade Média não são apenas bem conhecidas pelos teólogos e juristas. Pode parecer óbvio ver nele as origens de notas de rodapé posteriores em obras históricas. No entanto, essas observações e as notas de rodapé de hoje são bem diferentes. (MARSCH, 1995, p.1).163

Embora o caráter histórico das notas de rodapé na literatura alemã não seja o foco de nossa pesquisa, não me furto em registrar as notas de rodapé nessa publicação de Das kalte Herz, de [1903], corpus de nossa investigação, ao considerar que as notas fazem parte do contexto literário da narrativa. Essa ação tem por fim analisar a carga semântica dessas notas, com a intenção de aproximar a obra ao leitor, bem como, possibilitar uma melhor compreensão da narrativa por esse público. A seguir, faço algumas observações sobre as notas e comentários elaborados e inseridos na narrativa hauffiana.

163 Die Glossen zu kirchlichen Ueberlieferungen oder die beruehmten Anmerkungen zu grundlegenden juristischen Kodices des fruehen Mittelalters sind nicht nur Theologen und Juristen ein Begriff. Es mag naheliegen, darin auch die Urspruenge fuer spaetere Fussnoten in historischen Arbeiten zu sehen. Dennoch unterscheiden sich diese Anmerkungen und die heutigen Fussnoten betraechtlich. MARSCH,Ulrich. rezension zu GRAFTON, Anthony: Die tragischen Ursprünge der deutschen Fußnote. Berlin: Berlin Verlag, 1995. S.1-2. Disponível em: . Acesso em 12 dez. 2019.

238

6.4.13.1 Notas de Rodapé na obra Das kalte Herz

6.4.13.1.1 Notas do Editor

De início, é válido o registro de que Hauff não faz uso de notas de rodapé em Das kalte Herz. Então, trato aqui das notas inseridas pelo editor e pela tradutora. Foram encontradas sete notas de rodapé de naturezas variadas, inseridas pelo editor quando da publicação de Das kalte Herz und andere Märchen, supostamente, em 1908. Vão desde caracteres verbais, semânticos, expressões de tratamento até palavras do arcaísmo. E por se tratar de uma narrativa do início do século XIX, opto por inserir algumas notas de abordagens relativas à cultura, a fim de possibilitar uma recepção estética mais adequada ao leitor do texto meta (TM), como veremos a seguir. Aqui faço uma análise dos termos inseridos em notas, bem como tento esclarecer e entender o porquê de o editor fazer escolhas sobre algumas expressões do alemão da Germânia.

ALEMÃO PORTUGUÊS „[...] Ich muss aufs Amt in die “Eu preciso ir à repartição na cidade, Stadt;denn wir werden bald spielen pois devemos jogar a sorte pois logo müssen, wer Soldat wird, und da will ich escolherão quem vai para o exército, e dem Amtmann nur noch einmal quero insistir mais uma vez com o einschärfen,dass Ihr Witwe seid und ich funcionário que vós sois viúva e eu sou Euer einziger Sohn.<< ([1908], S.9) [grifo vosso único filho”. [grifo meu] meu]

N. T. Spielen – losen, mit der möglichkeit, sich freizuziehen (Bong, [1908], p.9, nota do editor) - jogar na sorte com a possibilidade de circular livremente, ou de se tornar livre (tradução minha).164

Ao dar ênfase ao verbo “spielen”, o editor Max Drescher da publicação de 1908, ou seja, quase um século após a publicação de Hauff, vê a necessidade de explicitar o verbo “spielen” ao considerar a variedade de significados que o verbo suscita na língua alemã, dependendo apenas do contexto em que está inserido. Essa nota de rodapé complementa a compreensão do texto e registra a intenção do editor em proteger a semântica do verbo no contexto com origem em sua interpretação. O verbo “spielen” apresenta vários significados dentre eles “jogar, brincar e tocar instrumento”, dependendo apenas do contexto em que está inserido para ser traduzido corretamente.

164 Estão presentes em cada fragmento as notas de rodapé do editor com tradução da tradutora. 239

No excerto acima, o significado semântico que o verbo sugere tem relação com a forma cultural relativa à expressão do provérbio com origem na língua portuguesa denominado de “devemos jogar a sorte”. Burke (2010, p.62) ressalta que os coletadores de contos orais deram a devida importância a elementos e expressões que até então eram ignorados pela sociedade alemã burguesa e que por esse motivo eram acusados pela igreja, à época, de heresia ou de “maleficia”, além de condenados por praticarem o mal por uso de meios sobrenaturais, também conhecido por “caça às bruxas”. Nesse caso, tratando-se de expressão popular caracterizada por provérbio, comumente usada fora do contexto literário, a minha perspectiva condiz com a expressão “jogar a sorte”, correspondendo ao contexto semântico e cultural do qual o protagonista Pedro Munk faz parte. O referido protagonista participa no contexto de uma concorrência seletiva para adentrar no exército. Nesse caso, optei por manter a forma de tratamento usual, cujo pronome está na 2ª pessoa do plural “vós” e o uso do discurso direto, dando voz às personagens. Isso marca o discurso da narração e o discurso das personagens da época, assim como as formas de tratamento. Também essa forma de tratamento é marca característica dos contos de fadas maravilhosos [Märchen].

ALEMÃO PORTUGUÊS „Nach dem Nachtessen setzten sich die Após a refeição, a dona da casa e suas Hausfrau und ihre Töchter mit ihren filhas pegaram suas rocas de tear e se Kunkeln um den grossen Lichtspan,den sentaram em volta de uma grande fogueira, die Jungen mit dem feinsten Tannenharz que com a mais fina resina entretinha os unterhielten“ (Hauff, [1908]S.11) [grifo meninos. [grifo meu] meu]

N. T. Spinnrocken (Bong, [1908], p.11, nota do editor) - Spindel (Fuso de tear/tradução nossa).

A inserção na novela da expressão “Kunkeln” nos remete às reflexões de Toury (1995) quando relata que, ao se traduzir, deve-se pensar que:

[...] traduções [devem] ser referidas como fatos da cultura que os recebe, com a posição concomitante de que qualquer que seja sua função e identidade, elas são determinadas dentro da cultura e refletem sua própria constelação. (TOURY, 1995, p.136).

240

Busco compreender o porquê de Hauff optar pela palavra “Kunkeln” ao invés de “Spindel”, uma expressão utilizada por seus contemporâneos à época, como os irmãos Grimm (2003), conforme esclareço a seguir. O arcaísmo vocabular de “Kunkeln” (HAUFF, [1908], p.11) se dá em uma palavra que tem origem popular no alto médio alemão [mittelhochdeutsch]. O historiador Peter Burke (1978, p.31-49) declara que os escritores, a partir da década de 1770, objetivaram despertar a compreensão do povo alemão através do resgate da “poesia popular” [Volkspoesie], dos contos e dos cânticos coletados na tradição oral. Além dos irmãos Grimm, Hauff também compartilha desse processo e mantém sua fidelidade à tradição da cultura popular engendrada por seus pares, embora a novela Das kalte Herz apresente sinais do realismo próximo. Os dicionários Duden online, Grimm online e Langenscheidt (2001) trazem um significado mais moderno para “roca” denominado de “Spindel”, cuja palavra se encontra na versão grimmiana alemã do conto infantil a Bela adormecida, de 2003, denominado em alemão por “Dornröschen”165 [“A rosa de espinhos”]. A ferramenta “roca”, por ser artesanal e de pedra, foi muito utilizada nas aldeias das regiões mais longínquas na Europa, cujo manuseio se faz com as mãos e com os pés, junto a um carretel para confeccionar linhas para tecidos. Registro que a imagem desse produto artesanal para alisar fios de tear tecidos faz-se presente em contos infantis como os da “Bela adormecida”166 e no conto “Rumpelstiltskin”,167 ressaltando que nesse último conto, cujo tradutor (a) se faz anônimo (a), opta por manter as palavras “carretel” e “roca” (1994, p.149-150). Retomo o pensamento do teórico Toury (1995) sobre a tradução de que temos que levar em conta que “a palavra é que se encontra dentro da sua cultura e reflete sua própria constelação”. Ciente de que a literatura infanto-juvenil lida com a transversalidade cultural e de sentidos inseridos no seu respectivo momento histórico, opto pela manutenção da “palavra do arcadismo” “roca” na tradução do texto fonte (TF) para o texto meta (TM). Nesse caso, levo em conta a importância dos elementos da tradição oral e da cultura fonte inseridos por Hauff,

165 Ver: Die Kinder – und Hausmärchen der Brüder Grimm, illustriert von Werner Klemke. Kinder buchverlag, Basel, 2003, S.225-228. 166„Dornröschen“, “A Rosa dos Espinhos” (Esta é considerada que tem origem na versão Sol, Lua e Talia de Giambattista Basile, extraído de Pentamerone, a primeira versão a ser publicada data de 1634, como na versão do escritor francês Charles Perrault publicada em 1697, no livro Contos da Mãe Ganso sob o título de A Bela Adormecida no Bosque, que por sua vez também se inspirou no conto de Basile. (Disponível em: https:// pt.wikipedia.org/wiki/A_Bela_Adormecida. Acesso em: 03.12.2019). 167 HILL, Richmond (Org.) Um Tesouro de Contos de Fadas. Transedition Limited, Oxford, England, 1994. Ilustração deAnni-Claude Martin. (nome do tradutor não consta na obra). 241 bem como da preservação dos aspectos lúdicos relativos à representação estética desse imaginário literário voltado ao maravilhoso na novela. Com isso, entendi que a narrativa consiste de uma tradução com elementos da cultura popular alemã da época, mantendo-se a palavra “roca”, ao invés de “fuso de tear”. Na verdade, a simples equivalência semântica no seu significado não trará contribuição substancial ao entendimento sobre a expressão pelo leitor, cuja ilustração possibilitará essa compreensão e transcendência na perspectiva do imaginário. De fato, o momento histórico atual se constitui de novos valores simbólicos com os quais as crianças e os jovens interagem à produção têxtil industrial e eletrônica. Apesar disso, não vejo empecilho para o bom entendimento pelo público leitor. Ao contrário, aguça a curiosidade do leitor em busca do conhecimento. Por outro lado, a imagem de “fiar” encontra- se no imaginário dos leitores de literatura infantil, antes da era tecnológica, mas se perpetua à medida que se mantém a oralidade desse imaginário poético.

Imagem 9 – Roca de tear.

Fonte: Ilustração: Anni-Claude Martin (Um Tesouro de Contos de Fadas, Transedition Ltda. 1994, p.152-153).

ALEMÃO PORTUGUÊS Die Kleinen staunten ihn an;sie Os jovens o olhavam com espanto; mochten von dem Holländer-Michel schon provavelmente já ouviram falar do gehört haben, aber sie baten jetzt den holandês Michel, mas imploravam ao avô Ehni,einmal recht schön von jenem zu que contasse uma história interessante erzählen.Auch Peter Munk,der vom sobre ele. Pedro Munk, que já ouvira, do 242

Holländer-Michel auf der andern Seite des outro lado da floresta, histórias incertas Waldes nur undeutlich hatte sprechen sobre o holandês Michel, concordou com o hören,stimmte mit ein und fragte den pedido, perguntando ao velho quem era e Alten,wer und wo er sei. (HAUFF, [1908], onde ele estava. [grifo meu] S.12) [grifo meu]

N.T. Ehni – Grossvater (Bong, [1908], p.12, nota do editor) – avô (tradução nossa).

O fato de a Floresta Negra fazer fronteira com a França e a Suíça, transitam e migram expressões idiomáticas para a Alemanha e vice-versa, bem como, coexistem vários dialetos. A palavra “Ehni”168 é uma recorrente expressão da região dos vilarejos e vem do arcadismo, segundo consta no dicionário Duden e Grimm online, com origem no alto alemão da região da Suíça onde tem vários significados: 1. Großvater (avô); 2a. Alter, älterer Mann (idoso; velho homem); 2b. Erwachsener (adulto). O destaque dado à palavra “Ehni” na narrativa diz respeito à presença do avô no contexto, ao se referir a uma pessoa idosa. Outrossim, o contexto induz o leitor a reforçar o imaginário já constituído pelo discurso popular de que as pessoas mais velhas, dado a sua vivência e experiência, são exímios contadores de histórias. Como já citado, Walter Benjamin (1994) relaciona o contador de histórias aos narradores que migram de outras regiões e que têm a prática de ouvir e contar histórias além de interagir com outros grupos de culturas diversificadas. Dessa interação resulta a manutenção dessas tradições, tornando-as vivas no meio social. As sociedades, de modo geral, procuram manter suas tradições através dos contadores de histórias que transmitem sua cultura de pai para filho, inclusive em grupos que não interagem com a civilização urbana como a sociedade indígena denominada de povos isolados e os quilombolas na Amazônia. Sabe-se que a manutenção de um povo se dá através da cultura e suas tradições. (BURKE, 2010). Observo que o editor dessa publicação, em que Das kalte Herz se insere, opta por registrar em nota que “Ehni” se refere ao avô [Grossvater], talvez por identificá-lo como o contador de histórias advindo da cultura e das tradições populares, embora não haja citação ou identificação nominal desse personagem na narrativa. Na minha concepção, o avô exerce o papel da “memória viva” sobre as tradições com origem nos mitos germânicos que residem na floresta.

168 Disponível em: . Acesso em: 04.12.2019. Disponível em: . Acesso em: 04.12.2019. 243

O dicionário Duden traduz o verbete “Ehni” por “Opa” [avozinho] expressão diminutiva com contextualização de docilidade e de expressão infantil. Diante dessa constatação, consultei outras publicações em alemão em outros países169 onde consta a novela Das kalte Herz e verifico que, em ambas as publicações, a palavra “Ehni” se mantém sem nenhuma alteração ou observação dos editores e sem registros de notas de rodapé. Por considerar ser uma obra infanto-juvenil opto pela palavra “avô”, seguindo a sugestão do editor da obra sobre a qual desenvolvo a pesquisa.

ALEMÃO PORTUGUÊS »Heisa! Ihr seid ein treffliches “Ah vai, vós sois um excelente Glasmännlein, und mit Recht nennt man homenzinho de vidro e é justo que as Euch Schatzhauser, denn bei Euch sind die pessoas vos chamem de guardião do Schätze zu Hause. Nu - und also darf ich tesouro, pois convosco os tesouros estão wünschen, wonach mein Herz begehrt, so protegidos. Pois bem, já que eu posso will ich denn fürs erste, daß ich noch besser desejar o que meu coração anseia, meu tanzen könne als der Tanzbodenkönig; und primeiro desejo é que eu possa dançar jedesmal noch einmal so viel Geld ins melhor que o rei do salão de baile; e ter Wirtshaus bringe als er.<< sempre mais dinheiro que ele quando (Hauff, [1908], S.23) estiver na taverna.”

N.T. O rei do “pé de valsa” que se aplica aqui corresponde à sua aparência anterior como um padrão de um homem que tem dinheiro ilimitado, mais abaixo, na página 27. Se para Pedro o gordo Ezequiel tem o lugar da imagem da riqueza, então está em desacordo com o curso da história, que Hauff evidentemente fez durante a rápida transcrição do almanaque de contos de fada de 1828. (Bong, [1908], p.23. Nota do editor)170 (tradução minha).

Quanto à presente nota de rodapé, o editor registra sua própria percepção relativa à caracterização da personagem “o gordo Ezequiel” quebrando o “horizonte de expectativa do leitor” (GADAMER, 1979) e faz uma inter-relação com a transcrição da obra publicada em 1828 relativa ao Almanaque de Contos, ao qual ainda não tivemos acesso. Entendo que o referido paratexto trata-se de um elemento textual e tem o objetivo de tornar mais visível ao leitor o aspecto semântico da obra. No entanto, nesse caso, embora o editor objetive possibilitar ao leitor uma melhor compreensão do contexto, entendo que o

169 Das Wirtshaus im Spessart, Klagenfurt, Alemanha, Eduard Kaiser Verlag [s/d]; Das Wirtshaus im Spessart,Verlag Karl Müller, [s/d]. 170 Der Tanzbodenkönig gilt hier, was auch seinem bisherigen Auftreten entspricht, als Mutter eines Mannes, der unbeschränkt über Geld verfügt.Wenn weiter unten, von Seite 27 an, für Peter der dicke Ezechiel als Vorbild des Reichen an seine Stelle ritt, so handelt es sich um eine Unstimmigkeit im Gang der Erzählung, die Hauff offenbar bei der raschen Niederschrift für den Märchenalmanach von 1828 unterlaufen ist. (Nota do autor).

244 mesmo projeta diversas interpretações, causando a falta de clareza no leitor. Digo isso, uma vez que o leitor, dificilmente, terá acesso à publicação original do Almanaque de Contos, de Hauff, publicada em 1828, onde poderia sanar ou alcançar a compreensão imposta pelo editor. Hans Robert Jauss (1974) encontra no pensamento de Hans Georg Gadamer (1979) o parâmetro mais adequado para definir a recepção de uma obra. Sobre essa perspectiva, Jauss ressalta que “cada leitor pode reagir individualmente a um texto, mas a recepção é um fato social [...] uma medida comum localizada entre essas reações particulares; esse é o horizonte que marca os limites” (JAUSS, 1974, p.157), ou seja, sua recepção dependerá do contexto, tempo e espaço em que o leitor está inserido. Na verdade, o discurso sobre a nota do editor não é explícita e nada esclarecedora, provocando no leitor uma nova expectativa sobre a obra. Diante dessa constatação, entendo que se a nota de rodapé não estiver clara, poderá deixar lacunas e criar dificuldades na elucidação textual, bem como, na compreensão pelo leitor. Dessa forma, eu optei por retirar, quando da tradução, a nota de rodapé, acima referida.

ALEMÃO PORTUGUÊS >>Ja, als Mutter eines Mannes,der eine “na verdade, como a mãe de um homem Glashütte besitzt, bin ich doch was anderes que possui uma fábrica de vidro, eu als Nachbarin Grete und Bete und setze realmente sou diferente das vizinhas Grete mich in Zukunft vornehin in der e Bete, e no futuro me sentarei à frente Kirche,wo rechte Leute sitzen.<< da igreja, onde as pessoas do bem se (Hauff, [1908], S.25) [grifo meu] sentam.” [grifo meu]

N.T. Bete-Koseform von Elisabeth. (Bong, [1908], p.25. Nota do editor) - nome de carinho; apelido de Elisabeth (tradução nossa).

Quando considero que a narrativa hauffiana com a qual trabalho foi publicada em 1908, entendo que o editor não podia supor que “Bete” tornar-se-ia um apelido comum nos séculos seguintes, por isso se justifica o fato do mesmo enfatizar naquele momento “a abreviação” para o nome próprio de Elizabeth. Por outro lado, esclareço que a minha tradução de Das kalte Herz excluirá essa nota de rodapé por considerar que no século atual a abreviação já é de conhecimento público. O fragmento também destaca a presença da igreja e insere uma crítica à distinção social presente na diferença de classe estabelecida pela igreja e expressa na frase “no futuro me sentarei à frente da igreja, onde as pessoas do bem se sentam” [“setze mich in Zukunft vornehin in der Kirche, wo rechte Leute sitzen”]. 245

Nesse excerto, percebe-se a mensagem irônica manifestada pelo narrador, relativa às pessoas do bem se sentarem à frente da igreja, o que significa supôr que as pessoas do mal se sentam nos lugares que ficam atrás. Nesse caso, Hauff ironiza e opta por criticar a postura da igreja em suas ações ditas religiosas e de forte distinção de classe. O citado fragmento exigiu bastante atenção da tradutora ao se confrontar com aspectos relativos à questão estrutural e morfossintática do texto. De início, constatei um complemento adnominal seguido de subordinada relativa [..als Mutter eines Mannes, der eine Glashütte besitzt]. Também a frase principal está intercalada [bin ich doch was anderes als Nachbarin Grete und Bete]. No alemão, o leitor/tradutor tem que estar atento à frases intercaladas, a fim de não trazer maiores problemas ao contexto semântico do texto meta (TM). Entretanto, mantenho a tradução relativa ao contexto do texto fonte (TF), uma vez que o contexto na tradução meta (TM) não perde sua construção semântica tornando-se plenamente compreensível pelo leitor da cultura meta (CM). No entanto, opto por suprimir essa nota por não considerá-la necessária ao entendimento do leitor do momento histórico atual.

ALEMÃO PORTUGUÊS Das alles kam aber nur vom E tudo isso veio da frequência à taverna. Wirtshauslaufen. Den Sonntag, nachdem No domingo, depois de voltar do er vom Tannenbühl zurückgekommen war, Tannenbühl, ele entrou na taverna e, ging er ins Wirtshaus, und wer schon auf naquele momento, quem pulava no salão dem Tanzboden sprang, war der era o rei do salão-de-baile; e o gordo Tanzbodenkönig, und der dicke Ezechiel Ezequiel já estava sentado diante da jarra saß auch schon hinter der Maßkanne und de cerveja e jogava suas coroas de táleres. knöchelte um Kronentaler. [grifo meu] (HAUFF, [1908], S.26) [grifo meu]

N.T. Würfelte. (Bong, [1908], p.26. Nota do editor) - jogava (tradução nossa).

Nessa nota constato que houve uma preocupação do editor em explicitar ao leitor o verdadeiro significado do verbo “knöcheln”, pois segundo os dicionários Langencheidt e Duden online, a palavra faz referência ao substantivo masculino “der Knöchel”, cujo significado é tornozelo e/ou articulação, não fazendo menção ao verbo inserido na narrativa. O Duden cita como verbo fraco “knobeln” = “mithilfe von Würfeln” (jogar com a ajuda de dados - tradução minha). 246

Quando o texto traz uma ocorrência de palavra que não se encontra em dicionários, supõe-se que a palavra tem origem no arcadismo e que sofreu mutação, como também pode ter havido um erro gráfico na edição da obra daquele ano. Ou, ainda, que Hauff criara essa palavra, o que é plenamente plausível. Dessa forma mantive a tradução para “jogava”, preservando a contextualização do editor no paratexto.

6.4.13.1.2 Notas da Tradutora

Aqui registro as notas de rodapé que optei por inserir na tradução comentada, com a finalidade de tornar mais visível ao leitor palavras e expressões que possibilitem um melhor entendimento da narrativa hauffiana.

ALEMÃO PORTUGUÊS Wer durch Schwaben reist, der sollte Quem viaja pela Suábia, jamais a nie vergessen,auch ein wenig in den esquece e sempre lança um olhar, ainda Schwarzwald hineinzuschauen; que de passagem, para a Floresta Negra; ( HAUFF, [1908], S.3)

N.T.Suábia-região histórica no sul da Alemanha que abrangia grande parte do estado de Baden-Württemberge com dialeto local schwäbisch (Disponível em wikipedia. Acesso em: 15.03.2018).

A nota referida tem o objetivo de situar o leitor de língua portuguesa no espaço histórico e geográfico em que Hauff desenvolve o enredo e insere a narrativa, uma vez que se trata da região no sul da Alemanha, Baden–Württemberge, onde se localiza a Floresta Negra [Schwarzwald] alemã. Na estrutura da narrativa alemã, verifico elementos que dificultam a tradução literal, do alemão para o português, sempre lembrando que a estrutura alemã não coincide com a estrutura da língua portuguesa brasileira. Logo me chama a atenção, a frase intercalada subordinada relativa “der sollte nie vergessen” [a qual jamais esqueci], bem como o verbo que se separa [trennbareverbe] “hineinzuschauen” [olhar em volta]. A tradução segue o carater interpretativo, com base na individualidade criativa do tradutor defendida pelo teórico Jiří Levý (1957]; 2011).Também conta com o conceito de Torres (1996, p.197) quando expressa que “a interpretação literária - enquanto compreensão (significado) e leitura interpretativa - influencia a escolha da equivalência textual por parte do tradutor”. Assim, mantenho a essência do contexto narrativo de forma a preservar a linguagem textual no seu aspecto semântico e poético e também asseguro a estrutura da narrativa no português brasileiro. Destaca Meschonnic (2010, p.xxvi) que “a tradução é um ato de 247 linguagem”. De fato, ao decidir por um estilo mais poético, a tradutora, de certa forma, impõe sua compreensão do texto ao leitor, mas sem desqualificar o texto meta (TM). É importante frisar que a tradução literal do alemão para o português redundaria em um contexto semântico com problemas na compreensão para o leitor. Com a tradução proposta, a narrativa flui sem perdas no contexto da mensagem e mantém a essência poética na língua meta.

ALEMÃO PORTUGUÊS Sie halten an jeder Stadt, die am Strom Eles param em cada cidade, ao longo do liegt, an und erwarten stolz, ob man ihnen rio caudaloso e aguardam, Balken und Bretter abkaufen werde; ihre orgulhosamente, onde negociarão por stärksten und längsten Balken aber vigas e tábuas; e negociam bastante verhandeln sie um schweres Geld an die dinheiro com os holandeses por vigas mais Mynheers, welche Schiffe daraus bauen. fortes e mais longas, com as quais ( HAUFF, [1908], S.4 ) constroem embarcações.

N.T. Mynheers:=Mijnheer 1. niederländische Anrede eines Herrn; 2. Niederländer (denominação burlesca dos holandeses).171

“Mynheers” caracteriza-se por uma denominação caricata popular dada aos holandeses à época que atravessavam a fronteira da Holanda com a Germânia e adentravam na Floresta Negra. Lá eles buscavam extrair a madeira na região do Tannenbühl, onde se localizavam os pinheiros. O enredo da novela hauffiana dispõe do seu espaço-temporal na Floresta Negra, cuja personagem, o gigante Michel, constitui-se na representação do mal relativo ao povo holandês. Por esse motivo, optei por destacar a palavra “Mynheers” que tem origem na Arcádia e se trata de expressão pejorativa, caracterizada por uma expressão popular ou ainda por uma designação imposta por um grupo cultural, cuja “exatidão é relativa à polidez do sentido” (MESCHONNIC, 2010). Por se tratar de um vocábulo de conotação pejorativa, a caracterização histórica e temporal é de difícil interpretação para a língua portuguesa. Dessa forma, optei por manter a tradução do verbete para “holandeses” na cultura meta (CM).

ALEMÃO PORTUGUÊS Und wenn diese Glücklichen dann erst Mas quando esses afortunados in die Taschen fuhren, ganze Hände voll colocavam as mãos nos bolsos e tiravam

171 (Disponível em: . Acesso em: 20.07.2018). 248

grosser Taler herauslangten und um um punhado de táleres e jogavam seis Sechsbätzner würfelten, fünf Gulden hin, batzners como se fossem dados, cinco zehn her, [...] (HAUFF, [1908], S.6) florins para um lado, dez para outro, [...]

N.T.Taler - moeda de prata usada na Europa cunhada em 1518, com origem na República Tcheca. (Disponivel em: wikipedia.org. Acesso em: 26.04.2018). Batzen(r)- moeda utilizada na Suíça e no sul da Alemanha no período de 1492 a 1850.

As denominações das palavras “taler”, “batzer” e “Gulden” têm origem na Idade Média e tinham significado monetário com valor de troca. O caráter ficcional da novela não extingue a ideia de que Hauff quis passar uma determinada mensagem ao leitor ao fazer uso do recurso da caracterização das moedas de origens distintas. Entendo que tais moedas de diferentes origens caracterizam a diversidade no fluxo de estrangeiros na região da Suábia. Levo em conta o caráter histórico-cultural das moedas da época e decidi por manter a denominação das moedas, possibilitando ao leitor a contextualização monetária da época.

ALEMÃO PORTUGUÊS Niebelungenhort. Lugar dos niebelungos (HAUFF, [1908], S.7)

N.T. Nibelungos - poema épico escrito na idade média em alto médio alemão, por volta de 1200. Disponível em: wikipedia.org. Acesso em: 26.04.2018.172

A nota é providencial, por tratar-se de uma saga poética da mitologia nórdica, cuja canção encontra-se presente em citações de escritores como Tieck que insere a canção em uma narrativa popular e Wagner se apropria dela na música sobre a canção dos Nibelungos. (SAFRANSKI, 2010, p.96-97). Goethe, ao se referir a aspectos da tradução, considera que a prosa pode suprimir as características da arte poética, mas faz menção aos Nibelundos que “se tivessem sido transpostos em prosa qualificada e carimbada mesmo como livro popular, muito se teria ganho” (HEIDERMANN, 2010, p.31). Por se tratar de um poema da oralidade, Goethe supôs que o texto estaria melhor qualificado em prosa. Entretanto, Goethe não previu que nos séculos seguintes, o poema manteria seu valor literário e continuaria gerando pesquisas científicas e tradutórias.

172 Povo formado por anões e gigantes na mitologia nórdica. Habitavam no Niflheim, terra gelada e esquecida. As lendas misturam antigas tradições orais com personagens históricos, no séculos V e VI. A saga gerou a epopeia heroica europeia denominada de A Canção dos Nibelungos (Disponível em: . Acesso em: 26.04.2018). 249

ALEMÃO PORTUGUÊS Er widersprach den angesensten ele contradizia pessoas de renomada Leuten, brauchte, wenn man noch so importância, ocupava mais espaço do que gedrängt im Wirtshaus sass, mehr Platz quatro homens corpulentos. Não importava als vier der Dicksten; o quão lotada estivesse a hospedaria, [...] (HAUFF, [1908], S.6)

N.T.Wirtshaus/Gasthaus(s) – hospedaria/ alojamento/ taberna para pernoite até o século XVIII, hoje denominado de taberna, onde vende-se bebidas e petiscos.173

Opto por inserir a nota de rodapé relativa ao verbete “Wirtshaus”, cuja tradução é “taberna”, conforme dicionários e site online. O termo “taberna” está em processo de extinção linguística nas grandes cidades de língua portuguesa e trata-se de uma palavra regionalista ainda utilizada nas perifierias urbanas e regiões longínquas do Brasil e faz referência à pequena loja de produtos comestíveis e miudezas. Na cultura fonte (CF), na língua alemã, ainda no século XVIII, o vocábulo tem a conotação de “alojamento”, “hospedaria” e “albergue” com a função de pernoite e à pequena venda de miudezas e bebidas. Unido a isso, proporciona a interação de pessoas, que se encontram para contar e trocar suas próprias histórias, essas denominadas de “causos” no Norte do Brasil, cujos fatos culturais constituem e promovem a manutenção da oralidade poética. Dessa maneira, optei por manter na tradução o vocábulo “hospedaria” que condiz mais com a época histórica da narrativa embora a tradução se volte para a cultura meta (CM). Opto por colocar a nota com a tradução de hospedaria, por ter relação com hóspedes e pernoite.

ALEMÃO PORTUGUÊS “Sie tragen Wämser von dunkler “Eles usam gibões de linho escuro, Leinwand, einen handbreiten grünen extensos suspensórios verdes sobre os Hosenträger über die breite Brust, peitos largos e calças de couro preto, de Beinkleider von schwarzem Leder, aus cujo bolso se destaca uma régua de bronze deren Tasche ein Zollstab von Messing como distintivo de honra” wie ein Ehrenzeichen hervorschaut.” (HAUFF, [1908], S.04)

N.T.Zollstab von Messing – régua de bronze - tipo de artefato com origem no século XIX que tinha a função de medir a madeira que era extraída para venda. (BURKE, 2010, p.67).

173 Disponível em: . Acesso em: 25.04.2018). (Nota do tradutor). 250

A decisão pela inserção da locução nominal “Zollstab von Messing” como nota de rodapé faz-se necessária, por tratar-se de objeto artesanal utilizado no século XIX denominado de “régua de bronze”. Esse vocábulo exigiu pesquisa etimológica, uma vez que esse tipo de artefato tinha a função de medir a madeira que era extraída para venda na Alemanha. Ressalto que esse artefato atravessa o século XX como material industrializado denominado polietileno (plástico). Peter Burke (2010, p.67) ratifica a presença desse artefato e argumenta que “os carpinteiros tendiam a usar aventais de couro e a carregar uma régua no bolso [...]”. E acrescenta, “era questão de apenas uma ou duas gerações antes que o objeto artesanal, feito à mão, começasse a ceder ao objeto padronizado, feito à máquina e produzido em massa. A expansão do mercado também destruiu a cultura material local”. (BURKE, 2010, p.128). Destaco que o referido utensílio da fase industrial encontra-se em fase de extinção no século XXI em razão do grande avanço e uso de produtos tecnológicos.

ALEMÃO PORTUGUÊS [...]und rief mit einer Stimme, die [...] e chamando com uma voz que heraufschallte wie eine tiefe Totenglocke, soava como os tons profundos de um sino » setz dich nur auf meine Hand und halte da morte: “sente-se na minha mão, segure dich an den Fingern, so wirst du nicht firme pelos dedos e você não cairá!” Pedro, fallen !« Peter tat zitternd, wie jener tremendo, fez como foi ordenado, sentou- befohlen, nahm Platz auf der Hand und se sobre a mão e se segurou pelo polegar hielt sich am Daumen des Riesen. do gigante. (HAUFF, [1908], p.32) [grifo meu] (HAUFF, [1908], p.32) [grifo meu]

N.T. Totenglock – sino da morte (sino que é tocado em funerais) N.T. Daumen des Riesen – polegar do gigante

Tratando-se de obra infanto-juvenil, opto por inserir a nota da palavra composta “Totenglock” que traduzi por [“sino da morte”]. Essa nota refere-se ao artefato artesanal “sino” que foi muito utilizado pela igreja na região da Baviera, sul da Alemanha, onde se localiza a Floresta Negra. Esse sino confeccionado em bronze era tocado nos momentos solenes dos funerais. Em Das kalte Herz, Hauff faz uso do sino como a representação de um “agouro”, ou seja, um presságio/mal sinal de que algo ruim está para acontecer. Esse tipo de representação do mal faz-se muito presente nos contos maravilhosos através de animais como o “corvo” e o “gato preto”. 251

Também apresento a nota de rodapé da locução nominal “Daumen des Riesen” que traduzi por [“polegar do gigante”]. Essa opção é pertinente em razão da semelhança e intertextualidade da representação na obra hauffiana com a obra “O Polegarzinho”, publicado em 1697, trata-se de um antigo conto maravilhoso europeu que foi recontado pelo escritor francês Charles Perrault. É importante ressaltar que os irmãos Grimm também elaboram uma adaptação do conto denominado de “O pequeno Polegar” [“Daumesdick”] com a primeira publicação em 1812. Após a efetivação da pesquisa com a tradução comentada da obra Das kalte Herz compartilho da ideia de Torres ao afirmar que “parte do exercício da tradução em si, trabalha com a crítica e a história da tradução e promove uma autoanálise por parte do tradutor- pesquisador acerca da tradução na sua relação com o comentário” (TORRES, 2017, p.15). Diante disso, esclareço que elaborei uma recepção nova da obra hauffiana em um momento histórico novo, acompanhada de uma língua e cultura distintas, o português e a cultura brasileira. A escolha de fragmentos para a efetivação da tradução concretiza-se, sobretudo, nos aspectos da oralidade poética e aspectos culturais presentes em Das kalte Herz, escolhas que não se esgotam frente à variedade de elementos a serem explorados na obra em questão. Assim, transitei no imaginário hauffiano em situações diversas que exigiram pesquisa e reflexão e, sobretudo, o uso do poder de decisão no processo tradutório, unido à análise de elementos paratextuais e a inclusão de notas de rodapé. Dessa forma, espero ter despertado no leitor a curiosidade de conhecer a obra O Coração Frio, de Wilhelm Hauff com nossa tradução atualizada para o século XXI.

252

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A narrativa Das kalte Herz, publicada em 1828, rompe com o gênero literário romântico dos contos de fadas estabelecido pela crítica e editoras. Hauff empreende essa iniciativa e alcança êxito com seu propósito, embora tardiamente, inserindo elementos que agradam aos leitores, unido a questões sociais e culturais que o incomodam à época. Hauff ousa com a criação de uma obra de gênero híbrido, a novela de contos maravilhosos [Märchennovelle], introduzindo o fantástico e o maravilhoso unidos a elementos da realidade, cuja estética expressa a fronteira entre o romântico e o realismo. Embora a crítica literária tenha menosprezado por longo tempo esse tipo de gênero literário, destaco o importante papel da literatura infanto-juvenil, uma vez que se constitui como leitura essencial na formação de leitores. O exercício do meu trabalho há dez anos com literatura infanto-juvenil alemã e amazônica voltada para crianças que sofrem violência na Amazônia, em uma relação transversal e intercultural, possibilita-me afirmar o quanto a literatura gera ação pró-ativa e afirmativa na capacitação e apropriação da cidadania pelo leitor na primeira fase de sua vida. Ressalto que o escopo da tradução e do público alvo a ser atingido, motivaram, sobremaneira, a tradutora na construção da tradução de forma coerente e criativa, de forma a alcançar o texto traduzido para a cultura meta (CM). A investigação revela, através da tradução comentada e da análise, o quão consistente é a estratégia da narrativa e dos recursos empreendidos por Hauff os quais asseguram ao escritor alcançar seus leitores na Alemanha do século XIX. Para isso, Hauff faz uso de elementos orais e culturais advindos da tradição popular como os mitos da Floresta Negra oriundos da mitologia Germânica e os cânticos poéticos. Tais elementos exigiram uma pesquisa consistente no aprofundamento da tradição popular germânica e no arcadismo, o que revelou o limiar da fronteira com a nova cultura da era moderna que se anunciava no espaço hauffiano naquele momento com a chegada da revolução industrial. Seguramente, “a busca de uma nova mitologia” (SAFRANSKI, 2010, p.238) pelos românticos advém da experiência com os momentos evolutivos da sociedade do início do século XIX. Hauff capta esse momento de transição literária e sócio-política na sociedade alemã europeia de seu tempo. De fato, como que tomado pelo ímpeto do Volksgeist hederiano, Hauff desconstrói os elementos das fábulas da literatura clássica e escreve uma novela com elementos do maravilhoso e do fantástico acrescidos de inserções da realidade social. Esses elementos se metamorfoseiam para retratar a distinção de classes representada entre o “Bem” e o “Mal” que 253 se resume na obra Das kalte Herz para proclamar o que se anuncia com a modernidade caracterizados nas ações do homem. Hauff revela na narrativa suas inquietações relativas a questionamentos sobre o paganismo e o religioso, expressos em passagens bíblicas como a do cajado que vira uma serpente representada por Moisés no Velho Testamento e aos dogmas religiosos, dentre eles, a culpa, o pecado e o demônio. A tradição popular representa o ato de resistência frente ao momento de indefinição e de hesitação latentes no narrador, cujo processo evolutivo cultural torna-se inevitável frente ao desenvolvimento econômico gerado pela revolução industrial e o prenúncio do sistema capitalista. Desse modo, o objetivo dessa pesquisa se concretiza na tradução comentada de Das kalte Herz e nos inúmeros elementos estéticos utilizados por Hauff os quais visam o despertar do leitor de seu tempo para os processos de mudança social e política a que a Europa se submeteu naquele momento. Efetivamente o status quo estabelecido pela crítica literária sobre Hauff, denominando-o de escritor de contos orientais infantis, não anula o brilho e o reconhecimento do valor de sua obra literária. O olhar inovador de Hauff não teve a compreensão adequada pela crítica, provocando uma incredulidade junto a leitores quanto ao gênero da narrativa. A classificação da narrativa Das kalte Herz no gênero de literatura infantil, unida ao fato de sua publicação se dar ao lado de contos de fadas e sagas, confundiu, sobremaneira, o público leitor à época, resultando no obscurantismo da novela de fábulas na área científica, inclusive no Brasil, cuja constatação é revelada por meio da presente pesquisa. Para efetivar a tradução de Das kalte Herz, levei em conta as relações dessa obra no determinado sistema sociocultural em que se encontra inserida (EVEN-ZOHAR, 1990), cuja observação se soma aos conceitos levinianos (LEVÝ, 2011) de criação e visibilidade do tradutor. A tradução de Das kalte Herz para o português no Brasil une-se às novas perspectivas empreendidas por pesquisas científicas em outros países, com as quais interajo e dialogo nesse trabalho e que me proporcionam um novo olhar crítico e científico sobre a obra hauffiana. A nossa tradução deve ser analisada sob os seguintes pontos de vista: da língua e da cultura metas, tornando o texto aberto à tradução livre, estabelecido o contexto, onde o tradutor fica visível diante da compreensão e da interpretação do texto pelo leitor, unindo-se ao ato de criação do tradutor frente às dificuldades e às peculiaridades nas diferenças semânticas. Essa decisão se ampara nas ideias de Levý ([1957]; 2011), cujo tradutor usa da sua individualidade e criatividade ao proceder a tradução, resultando no poder de decisão e de interferência no sistema literário, oriundo da livre escolha na busca de um sentido semântico, com a finalidade de alcançar a comunicação plena na construção do texto meta (TM). 254

Quero registrar que, quando do início da investigação para realização da presente tese, tive acesso apenas ao livro impresso e de bolso denominado de Das kalte Herz und andere Märchen [O coração frio e outros contos maravilhosos] com publicação da editora Phillipp Reclam Jun Stuttgart ([1908]), cujo organizador foi Max Drescher, sobre o que justifico a minha opção pela obra ainda na introdução. Das kalte Herz trata-se de narrativa infanto-juvenil que, embora mantenha algumas características de estilo canônico da época em que foi escrita, como expressões do arcadismo, provérbios, figuras de linguagens e canções poéticas, não se destaca apenas no aspecto linguístico, mas, sobretudo, nos elementos estéticos, literários e sociais que constituem a narrativa. Hauff revela aos olhos do leitor características como a ambição, a malícia, a avareza e a vaidade, unidas ao sentimento de culpa e de medo que são inerentes ao ser humano e inseridos no Novo Testamento. Como se vê, existe um místico de sagrado e profano e do bem e do mal nas personagens já comentadas na análise, cuja dualidade expõe os contrários, gerando a perspectiva do “novo horizonte” cultural, cuja simbiose dos contrários resulta no que é inexorável e dialético (HEGEL, 1999). A narrativa se destaca na inserção de uma hesitação latente e frequente no narrador, levando o leitor a uma expectativa inquietante frente à decisão no desfecho do enredo, quando Hauff se reconcilia com o maravilhoso e retoma elementos dos contos de fadas, cujo protagonista, Pedro Munk, reconhece suas falhas humanas e se reconcilia com a família. Sobre o desfecho da narrativa híbrida, entendo como um ato ousado e criativo do autor em ultrapassar valores estéticos e de gênero estabelecidos pela crítica literária à época, cuja estratégia literária e editorial de Hauff se resumem em possibilitar ao leitor elementos sociais latentes, causando uma perplexidade e excitação e, ao mesmo tempo, inserindo uma nova perspectiva estética nesse leitor ainda sob efeito da abordagem literária do Biedermeier. A meu ver, a catarse da narrativa hauffiana encontra-se na representação estética das personagens Glasmännerlein e Michel holandês. Isso Se desfaz na construção do herói ou anti- herói frente às ferramentas motivadoras representadas na transformação social e cultural que se anunciam na Germânia naquele momento. A personalização das personagens, mesmo como espíritos míticos, reflete essa hibridização, cuja característica da estética se rompe com a ascensão de elementos inerentes à vida humana como o poder, o medo, a ambição, o pecado, a natureza, etc. Embora relevante, destaco que o tema sobre o expansionismo relativo aos holandeses sobre a Alemanha não é central na discussão de nossa pesquisa, porém retrata o desconforto e a preocupação de Hauff sobre a transformação social da época, plenamente 255 justificada na lucidez do escritor expressa na sua obra. Hauff registra o caráter expansionista e exploratório dos holandeses na Alemanha que redundaria na chegada do capitalismo A nossa investigação resulta na conclusão de que Das kalte Herz se trata de uma novela de contos maravilhosos [Märchennovelle], com elementos do fantástico-maravilhoso em uma simbiose e diálogo com temáticas como o poético, o cultural, o social e a política. Nossa investigação se constitui na tradução comentada da novela Das kalte Herz e caracteriza os elementos estéticos que se fazem presentes nesse “entre-lugar” da tradição oral e da cultura ideológica social. Essa tese teve como objetivo efetivar uma tradução comentada da novela Das kalte Herz, cuja análise descritiva se faz mediante leitura crítica que possibilite ao leitor o acesso a elementos estéticos e literários inseridos na obra, contextualizando o processo de transição cultural em que Hauff se encontra. Com isso, busco desconstruir conceitos pré-concebidos sobre a obra desse escritor alemão, inclusive no Brasil. A pesquisa revela que a obra hauffiana teve um grande impulso nas pesquisas científicas em outros países, mas ainda se faz tímida no Brasil. Concluo e reflito sobre as palavras de Berman (2013, p.52), ao considerar a importância de que cada cultura deve saber se apropriar das produções dos sentidos estrangeiros, esclarecendo que a tradução envelhece e exige que seja retraduzida, uma vez que não corresponde mais às expectativas de um novo público-leitor. Diante dessa constatação, desejo que a nossa tradução tenha o devido tempo de maturação, a fim de atender às expectativas do público infanto-juvenil de língua portuguesa, despertando essa nova geração de leitores e pesquisadores para a obra de Wilhelm Hauff no século XXI. Dessa forma, resgato o reconhecimento da narrativa Das kalte Herz no seu devido espaço e valor literário, revelando a contemporaneidade da obra às próximas gerações.

256

REFERÊNCIAS

Prämierliteratur

DRESCHER, Max (Hrgs.). Das kalte Herz und andere Märchen. Berlin/Leipzig: Bong, [1908].

HAUFF, Wilhelm Die Geschicht von dem kleinem Muck. Märchen von W.Hauff. Berlin.: Drud und Verlag, von U.Weichert, [1903].

HAUFF, Wilhelm. Märchen Von W. Hauff. Mit viele Ilustrationen und Farbenbildern. Berlin, n. 43. Berlin: Drud und Verlag von U. Weichert, 1903.

HAUFF, Wilhelm. Das Wirtshaus im Spessart, Das kalte Herz, u. A. (German Edition), 2015. NEXX Verlag. Edição do Kindle. Disponivel em: www.nexx-verlag.de. Acesso em: 20 jan. 2018.

HAUFF, Wilhelm. Das Wirtshaus im Spessart. Karl Müller Verlag Erlangen. Illustrationen Christian Manhart, Czechoslovakia, [s/d].

Sekünderliteratur

ALMEIDA, Átila Augusto Vilar de. A crença na magia a partir da literatura medieval: estudo comparativo nas narrativas inglesas e francesas (1135-1200). 2017. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de História, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2017.

ARENDT, Dieter. Märchen-Novellen oder Das Ende der romantischen Märchen- Träume. Tübingen Francke Verlag, 2012.

ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira: ensaio de preliminares para sua história e suas fontes. São Paulo: Melhoramentos, 1968.

BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. Tradução: Aurora F. Bernadini. São Paulo: Unesp/Hucitec, 1986, p. 4.

BAKHTIN, Mikhail. Os Gêneros Discursivos. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Tradução: Maria Ermantina Galvão Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 277- 289.

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução: Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. 5ª ed. HUCITEC, São Paulo, 2002.

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento. O Contexto de François Rabelais. Tradução: Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.

257

BASSNETT, Susan. Estudos de Tradução. Fundamentos de uma Disciplina. Tradução Vivina de Campos Figueiredo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.

BECKMANN, Sabine. Wilhelm Hauff. Seine Märchenalmanache als kyklischen Kompositionen. Bonn: Bouvier Verlag Herbert Grundmann, 1976.

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre Literatura e história da cultura. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet. Prefácio: Jeanne Maria Gagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas. v.1).

BERMAN, Antoine. A Prova do Estrangeiro. Trad. Maria E. Pereira Chanut. Bauru: EDUSC, 2002.

BERMAN, Antoine. A tradução e a Letra ou o Albergue do Longínquo. Tradução: Marie- Hélène C. Torres, Mauri Furlan, Andreia Guerini. 2.ed. Florianópolis: Copiart, PGET/UFSC, 2013.

BORGES, Jorge Luís. Siete Noches: Las mil y una noches. 1980, p.21-27. Artigo online. Disponível em: http://biblio3.url.edu.gt/Libros/borges/Siete_noches.pdf. Acesso em: 20 março 2019.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.

BOTTKE, Sina. O Coração Frio - Ideologia e Orientação. Editora GRIN. 2007, p.8, Kindle online.

BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. Europa 1500-1800. Tradução: Denise Bottman. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010.

CANDIDO, Antônio; ROSENFELD, Anatol; PRADO, Décio de Almeida; GOMES, Paulo Emílio Salles. A Personagem de Ficção. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.

CANDIDO, Antônio. A personagem do Romance. In: CANDIDO, Antônio. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2004. p.51-80.

CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Alemã. Prefácio Willi Bolle. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.

CEIA, Carlos. E-Dicionário de termos literários. Disponível em: https://edtl.fcsh.unl.pt/. Acesso em: 11 dez. 2019.

COELHO, Nelly Novaes. A tradução: núcleo geratriz da literatura infantil/juvenil. Edição nº 17. Ano: 1987. p.21-32. Disponivel: < https://periodicos.ufsc.br/ index.php/ desterro/article/view/8972> Acesso em: 28.10.2020

DAVIS, Nathalie. Society and Culturein Early Modern France. Stanford: University Press, 1965.

D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental. S.P.: Ática, UNESP, 1990.

258

EVEN-ZOHAR, Itamar. Polysistem Studies. Poetics Today. International Journal for Theory and analysis of Literature and Comunication, [s.l.], v.11, n.1,spring, 1990.

EWERS, Hans-Heino. Romantik. In: WILD, Reiner (Hrsg.). Geschichte der deutschen Kinder- und Jugendliteratur. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2008, p.124.

EWERS, Hans-Heino. Seit wann brauchen Kinder Märchen? zur entstehung und zur erfolgsgeschichte eines romantischen mythos. Forschung Zeitschrift, 29.01.2016, p.6. Disponível em: . Acesso em: 12 novembro 2019.

FERNANDES, Frederico. De Narrativas Orais e suas abordagens interdisciplinares. IPOTESI, Juiz de Fora, v.12, n.2, p.179-182, jul./dez. 2008.

FISCHER, Susanne. Wilhelm Hauffs Korrespondenz mit Autoren, Verlegern und Herausgebern. Aspekte sozialer Tauschbeziehungen im literarischen Leben um 1825. In: Archiv für Geschichte des Buchwesen 37, 1992, S. 99-166.

FRANKFURTER Allegemeine Zeitung. Disponível em www.perlentaucher.de/buch/ulrich- kittstein/wilhelm-hauff.html. Acesso em: 13 jul. 2018.

FÜLLMAN, Rölf. Einführung in die Novelle. Darmstadt: WBG acadêmico, 2010. E-book. Kindle.

GADAMER, Hans Georg. Verdad y Método. Salamanca: Sígueme, 1979.

GEERDTS, Hans Jürgen (Hsrg.). Deutsche Literaturgeschichte in Einem Band. Volk und Wissen Volkseingener Verlag. Berlin, 1968.

GOMÉZ, Barbara Natalia. Conceitos fundamentais para compreender a Filosofia da História de Johann Herder. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011. p.1-12.

GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Tradução: Álvaro Faleiros. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009.

GOER, Charis; HOFMANN, Michael (Hrsg.) Der Deutschen Morgenland. Bilder des Orients in der deutschen Literatur und Kultur von 1770 bis 1850. München: Wilhelm Fink, 2008.

GOETHE, J. W. Três trechos sobre Tradução. In: HEIDERMANN, Werner (Org.). Clássicos da Teoria da Tradução. Antologia Bilíngue. Tradução: Rosvitha Friesen Blume. Florianópolis: UFSC, 2010, p.29-35.

GÓMEZ, Bárbara Natalia. Conceitos fundamentais para compreender a filosofia da historia de Johann Herder. In: XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, 2011, São Paulo. Anais [...]. São Paulo, 2011. p.10.

GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. 3ªed. São Paulo: Ática, 1987.

259

GRAFTON, Anthony. Die tragischen Ursprünge der deutschen Fußnote. Berlin: Berlin Verlag 1995. Rezensiert von: Ulrich Marsch, Max-PlanckGesellschaft Muenchen.S.1-2.

GRIMM, J.; GRIMM, W. Contos maravilhosos infantis e domésticos. Tradução: Christine Röring. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

GRIMM. Die Kinder – und Hausmärchen der Brüder Grimm. Ilustriert von Werner Klemke. Basel: Kinder buchverlag, 2003. S.225-228.

GUERINI, Andréia et al. (orgs.). Literatura e Tradução. Textos selecionados de José Lambert. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011.

GUINSBURG, Jacó. O Romantismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985.

HABERMAS, Jurgen. Realizações e Limites do Estado Nacional Europeu. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org.) Um Mapa da questão Nacional. Rio de Janeiro. Contraponto, 2000.

HAGEDORN, Hans Christian. Nachträge zur Rezeption Wilhelm Hauffs in Spanien und Hispanoamerika. Editionsgeschichte, Übersetzungen, Studien, Wirkung Estudios filológicos alemanes: revista del Grupo de Investigación Filología Alemana, ISSN 1578-9438, Nº.21, 2010, págs. 61-114. Disponível: Acesso em: 26.10.2020.

HAUFF, Wilhelm. A História do Pequeno Muck. Tradução de Veronica Sonia Kühle. Ilustração de Ruth Koser-Michaels. Porto Alegre: Editora Kuarup, 1987.

HEGEL, G.W.F. Estética. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: parte II. 2ªed. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1998.

HEIDEMANN, Stefan. Der Paradigmenwechsel in der Jenaer Orientalistik in der Zeit der literarischen Klassik. Disponível em: https://brill.com/view/book/edcoll/9783846744 284/B9783846744284_s017.xml?rskey=iIM2LK&result=4. Acesso em: 20 maio 2018, p.243- 257.

HEIDERMANN, Werner. Estudos da Tradução III. Florianópolis: Editora CCE/UFSC, 2009.

HEIDERMANN, Werner (org.). Clássicos da teoria da tradução. 2. ed. Florianópolis: UFSC/Núcleo de Pesquisas em Literatura e Tradução, 2010.

HEISE, Eloá; RÖHL, Ruth. História da Literatura Alemã. São Paulo: Ática, 1986.

HERMANS, Theo. Translation in Systems: Descriptive and System-Oriented Approaches Explained. Manchester, St. Jerome, 1999, 195p. Tradução de Martín José Fernández Antolín, Universidad de Valladolid. Hermēneus. Revista de Traducción e Interpretación Núm. 3 - Año 2001.

260

HERMANS, Theo. Positioning translators: Voices, views and values in translation. Language and Literature, Newbury Park, Califórnia, v.23, n.3, p.285-301, 2014.

HINZ, Ottmar. Wilhelm Hauff. Reinbek bei Hamburg 1989 (Rowohlts Monographien 403).

HOFFMEISTER, Gerhard. Deutsche und europäischen Romantik. Stuttgart: Metzler, 1990.

HOFMANN, Michael; PATRUT, Iulia. Einführung in die Interkulturelle Literatur. Damstadt: VBG,2015. Elektronische E-Book (htpp:dnb.d-nb.de). Acesso em: 30 jan. 2018.

HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

JAUSS, Hans Robert. Literaturgeschichte als Provokation. Frankfurt, Suhrkamp, 1970.

KLOTZ, Volker. Das europäische Künstmärchen. Fünfundzwanzig Kapitel seiner Geschichte von der Renaissance bis zur Moderne. Sttugart. J. B. Metzler. 1985.

KRISTEVA, Júlia. Introdução à Seminálise. São Paulo: Debates, 1969.

LAMBERT, José; VAN GORP, Hendrik. On describing Translations. In: HERMANS, Theo. The Manipulations of Literature. Studies in Literary Translation. London & Sydney: Croom Helm, 1985, p. 42-53.

LESKOVEC, Andrea. Einführung in die interkulturelle literaturwissenschaft. Darmstadt: WBG, 2011.

LEVÝ, Jiří. Translation as a Decision Process /A Tradução como processo de tomada de decisão (1966). Tradução: Gustavo Althoff e Cristiane Vidal. Revista Scientia Traductionis, Florianópolis, n.11, p.72-96, 2012.

LEVÝ, Jiří. Übersetzen: Terá a Teoria da Tradução serventia aos Tradutores?/“Will Translation Theory be of Use to Translators?”. In: Rolf Italiaander (ed.).Tradução de Alice Leal Scientia Traductionis, n.11. 2012. In:Vorträge und Beiträge vom Internationalen Kongress literarischer Übersetzer in Hamburg 1965, Frankfurt am Main: Athenäum Verlag, 77-82.

LEVÝ, Jiří. The Art of Translation. Philadelphia: John Benjamins Publishing, 2011. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=OatxAAAAQBAJ. Acesso em: 02 out 2018.

LIMA, Zeneida. O Mundo Místico dos Caruanas e a revolta de sua ave. Belém: Cejup, 1984.

LOCICERO, Donald. Novellen theorie. The praticality of the theoretical. Paris: The Hague Mouton, 1970, p.14.

LOMMATZSCH, Sabine. Tiecks Märchenkonzeption am Beispiel des Blonden Eckbert im Vergleich zur Märchenkonzeption von Novalis am Beispiel des Klingsohr-Märchens (in Heinrich von Ofterding). Studienarbeit. GRIN Verlags programm. Norderstedt, Germany, 1994. 261

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica. Uma poética do imaginário. Belém (PA): Cejup, 1995.

LÜTHI,Max. Märchen. 2.Aufl.Stuttgart: J.B. Metzlersche Verlagsbuchhandlung, 1964. (Sammlung Metzler, M 16).

MANN, Thomas. Doutor Fausto. Tradução Herbert Caro. Cia. das Letras. 2015.

MARSCH, Ulrich. Rezension zu: Grafton, Anthony. Die tragischen Ursprünge der deutschen Fußnote. Berlin: Berlin Verlag, 1995. ISBN 3-8270-0159-5, In:H-Soz-Kult, 14.07.1997, Disponível em: www.hsozkult.depubluicationreview/id/reb-2317. Acesso em: 12 dez. 2019.

MAYER, M.; TISMAR, J. Kunstmärchen. Stuttgart: Verlag Sammlung Metzler, 2003, band 155.

MELEIRO, Maria Lucilia F. A Mitologia dos Povos Germânicos. Editorial Presença: Lisboa, 1994.

MESCHONNIC, Henri. A Poética da Tradução. Tradução: Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Perspectiva, 2010.

MILTON, John. Teoria e Prática. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

MORE: Mecanismo online para referências, versão 2.0. Florianópolis: UFSC Rexlab, 2013. Disponível em: http://www.more.ufsc.br/. Acesso em: 30.08.2020.

MOSER, Hugo. Sage und Märchen in der deutschen Romantik: In: STEFFEN, Hans. (Ed.) Die Deutsche Romantik; Poetik, Formen und Motiv. 2. Aufl. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht 1970. p.253-76.

MÜLLER, Monica. Aus Dem Leben Eines Taugenichts. Novela de Joseph von Eichendorff: uma tradução comentada. 2007. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.

NECKEL, Filipe Mendes. Die literarische übersetzung: apresentação da obra de Jiří Levý acompanhada de uma tradução comentada. 2011. 416f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.

NECKEL, Filipe Mendes. Breve Introdução ao Pensamento Tradutológico de Jiří Levy. Scientia Traductionis - PGET/UFSC. Florianópolis, n.11, p.10-23, 2012.

NEUHAUS, Stefan. Das Spiel mit dem Leser Wilhelm Hauff: Werk und Wirkung. Göttingen: Vandenhoek & Ruprecht, 2002.

NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Tradução: Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Lafonte, 2017.

262

NOGUCHI, Yoschico. Volksmärchen und Kunstmärchen. Zu einer Auseinandersetzung zwischen Achim Von Arnim und den Brüdern Grimm. p.83-92. file:///C:/Users/rosan/Desktop/ARTIGOS.TESE/1981volks.pdf> Acesso em: 22out2020.

OITTINEN, Riitta. Traducir para Niños. Traducción de Isabel Pascua Febles e Gisela Marcelo Wirnitzer, Universidad de Las Palmas de Las Canarias. La Caia de Canarias, 2005.

OLIVEIRA, Fernando Rodrigues de. As primeiras manifestações discursivas sobre a literatura infantil brasileira: o processo de construção de saberes. In: História do ensino da literatura infantil na formação de professores no estado de São Paulo (1947-2003) [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, p.29-85. ISBN 978-85- 7983-668-8. Available from SciELO Books .

ORTIZ, Renato. Cultura Popular. Românticos e Folcloristas. Texto 3. Universidade católica de São Paulo - S.P., 1985.

ORTIZ, Renato. Românticos e Folcloristas: Cultura Popular. São Paulo: Olho d'Água, 1992.

OSTERKAMP, Ernst; POLASCHEGG, Andrea; SCHÜTZ, Erhard (Hrsg.). Wilhelm Hauff oder Die Virtuosität der Einbildungskraft. Göttingen, Alemanha: Wallstein Verlag Gmbh, 2005.

PACHOAL, Stefano. Procedimentos e tendências da tradução na Alemanha no século XVII. 2006. Tese (Doutorado em Língua e Literatura Alemã) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

PAINE, Scott Randall. Filosofia e o Fato Obstinado da Religião: O Oriente Reorienta o Ocidente. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, p.68-93, set. 2007.

PAWLIK, Katja. Das Motiv des kalten Herzens in Hans Christian Andersens "Die Schneekönigin" und Wilhelm Hauffs "Das kalte Herz" (German Edition). Universität Potsdam: GRIN Verlag. 2006. E-book kindle.

PAZ, Octavio. Signos em Rotação. 3ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996.

PELINSER, André Tessaro. Crítica literária: memórias e imagens do regionalismo literário brasileiro. Crítica Cultural, Palhoça, SC, v.7, n.2, p.230-241, jul./dez. 2012.

PIRES, Débora Castanheira. O Nacionalismo Pré-Romântico de Herder. 2009. 68 f. Monografia (Bacharelado em Direito) Departamento de Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

POLASCHEGG, Andrea & Schütz (Hrsg.).Wilhelm Hauff oder Die Virtuosität der Einbildungskraft. Wallstein Verlag, 2005.

POLASCHEGG, Andrea. Die Regeln der Imagination. Faszinationsgeschichte des Deutschen Orientalismus zwischen 1770 und1850. In: GOER, Charis; HOFMANN, Michael. Der Deutschen Morgenland. Paderborn, Alemanha: Wilhelm Fink, 2008, p.13-36.

263

PYM, Anthony. Explorando as Teorias da Tradução. Tradução: Rodrigo Borges de Faveri, Claudia Borges de Faveri, Juliana Steil.1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2017.

RICOEUR, Paul. Sobre a Tradução. Tradução Patricia Lavelle. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2011.

RÖHRIG, CHRISTINE. Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos. São Paulo. Cosacnayfe, 2014.

ROSENFELD, Anatol. Literatura e Personagem. Perspectiva, 2004.

SAFRANSKI, Rüdiger. Romantismo: uma questão alemã. Tradução: Rita Rios. São Paulo: Estação Liberdade, 2010.

SAID, Edward. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. Tradução Rosaura Eichenberg. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SANTIAGO, Silviano. O entre-lugar do discurso latino-americano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. São Paulo: Perspectiva/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia. 1978.

SANTOS NETO, Artur Bispo dos. A Filosofia do Romantismo. Maceió: EDUFAL, 2005.

SARDIN, Pascale. Da nota do tradutor como comentário: entre texto, paratexto e pretexto. Disponível em: https://journals.openedition.org/palimpsestes/99. Acesso em: 10 set. 2020.

SCHILLER, Friedrich von. A Educação Estética do Homem numa série de Cartas (Über die ästhetische Erziehung des Menschen in Eine von Briefe). São Paulo: Iluminuras, 1990.

SEGALEN, Victor. Essay on Exoticism, An esthetics of Diversity. Durbam & Londres: Duke University Press, 2002.

SHAVIT, Zohar. La nocion de niñez y los textos para niños. Tradução: Desiderio Navarro. Critérios. La Habana. n.29, p.134-161, enero-junio, 1991.

SIMONI, K.; PAPPEN, P. H. Traduzir o Brasil literário: história e crítica, de Marie- Hélène Catherine Torres. Tradterm, Florianópolis, n.28, p.388-395, 2017.

SOUZA, Ruth Villela Alves de. A presença dos autores alemães nos livros infantis brasileiros. Rio de Janeiro: Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, 1979.

SPRECKELSEN, Tilman. Ein genialer Handwerke im Literaturbetrieb. Frankfurter Allgemeine, 18.07.2018. Disponível em: www.faz.net/aktuell. Acesso em: 25 jun. 2019.

STÄEL, Mme. De. De l'Allemagne de (1813). Garnier-Flammarion. 1968, 2.vol.

STEIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1972.

264

STORM, Theodor. Eine zurückgezogene Vorrede. Werke. (1881), Stuttgart: 1958. III, 524.

TALLES, Talling. The Fairytales of Wilhelm Hauff. Cambridge: Open Book Edition Publishers, 2013. Disponível em: www.books.openedition.org/obp. Acesso em: 01 jul. 2019.

TISMAR, Jens. Künsmärchen. Stuttgart: J. B. Metzler, 1977.

TODOROV, Tzvetan. As Estruturas Narrativas. Tradução: Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Perspectiva, 2013.

TORRES, Marie Hélène Catherine. Traduzir o Brasil literário: história e crítica, volume 2 / Marie Hélène Catherine Torres; Supervisão de tradução de Germana Henriques Pereira de Sousa, Tradução de Clarissa Prado Marini, Sônia Fernandes e Aída Carla Rangel de Sousa. - Tubarão: Ed. Copiart; Florianópolis: PGET/UFSC, 2014.

TORRES, Marie Hélène Catherine. Por que e como pesquisar a tradução comentada? In: FREITAS, Luana F.; TORRES, Marie Hélène; COSTA, Walter (Org.) Literatura Traduzida. Tradução Comentada e Comentários de Tradução. Fortaleza: Substância, 2017, p.15-36. (Transletras).

TOURY, Gideon. Descriptive Translation Studies – And Beyond. Amsterdam/Philadelphia: Benjamins, 1995/2012.

TRUSEN, Sylvia Maria. O Acervo dos Irmãos Grimm: Leitura, Tradução e Melancolia na coletânea Kinder-und HausMärchen. 2006. 230f. Tese (Doutorado em Letras) - Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

TRUSEN, Sylvia Maria. Do enredo de um nome: Märchen, Maere, Maerlin. Revista fronteira Z, São Paulo, n.9, p.53-62, dez. 2012.

VOLOBUEF, Karin. Frestas e Arestas. A Prosa de Ficção do Romantismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: UNESP, 1999.

VOLOBUEF, Karin. (Org.) Mito e Magia. São Paulo: UNESP, 2011.

WELLEK, René. História da crítica moderna. Trad. Livio Xavier. São Paulo: Herder Edusp, 1967. p.5-32 e 247-63.v.5: “O romantismo”.

WELSCH, Wolfgang. Migration und Kultureller Wandel, Schwerpunktthema der Zeitschrift für Kulturaustausch. 45. Jg. 1995 / Stuttgart 1995. p.1.

WERMKE, Matthias et al.: Duden. Das Herkunftswörterbuch. Etymologie der deutschen Sprache. Bd. 7. 3. Aufl. Mannheim: Bibliographisches Institut & F. A. Brockhaus AG 2001. S.272.

WILD, Reiner(Hrsg.) Geschichte der deutschen Kinder- und Jugendliteratur. J. B. Metzler, Stuttgart, Weimer, 2008.

265

WILLIANS, Jenny; CHESTERMAN, Andrew. The Map: a beginner’s guide to doing research in Translation Studies. Manchester: St. Jerome Publishing, 2002.

WIND, Tonia L. Uma breve caminhada pela tradução literária: mediando palavras e culturas. Revista Letras Raras, v.3, n.2, p.99-116, 2014.

WÜHRL, Paul-Wolfgang. Das Deutsche Künstmärchen. Geschichte, Botschaft und Erzählstrukturen. Heidelberg: Quelle & Meyer, 1984. (Uni-Taschenbücher für Wissenschaft, 1341).

ZAVAGLIA, Adriana et al. (org.) A tradução comentada em contexto acadêmico: reflexões iniciais e exemplos de um gênero textual em construção. Aletria, Belo Horizonte, v.25, n.2, p.331-352, 2015.

ZECHNER, Johannes. Der Deutsche Wald. Eine Ideengeschichte zwischen Poesie und Ideologie: 1800-1945. Phillip Zabern. 2016.

ZILLY, Berthold. Procuro chocar e estranhar o leitor. Grande Sertão: Veredas – a poética da tradução e da criação. Revista Fronteira Z, São Paulo, n.19, p.04-31, dez. 2017.

ZORZATO, Lucila Bassan. A presença da literatura infanto-juvenil alemã no Brasil: estudo da circulação de obras entre o público leitor (1832-2005). 2014. 494f. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Universidade Estadual Paulista, Assis, 2014.

ZUMTHOR, Paul. Introdução à Poesia Oral. Tradução: Jerusa Pires Ferreira. São Paulo, HUCITEC, 1997.

ZUMTHOR, Paul. A Letra e a Voz. A literatura Medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Dicionários consultados:

Langenscheidt Taschenwörterbuch. Langenscheidt Verlag. Berlin/München. 2001. Duden (Deutsches Universal Wörterbuch) https://www.duden.de/rechtschreibung/Gestruepp Grimm - Wörterbuchonline http://woerterbuchnetz.de/cgi-bin/WBNetz/ wbgui_py?sigle= DWB dicionário Houaiss https://www.dicio.com.br/houaiss/2009

Consultas Online:

Frankfurter Allegemeine Zeitung, Disponível: http://www.faz.net/aktuell/2018, publicação online). Acesso em 13.07.2018. www.perlentaucher.de/buch/ulrich-kittstein/wilhelm-hauff.html>. Acesso em: 13.07.2018. https://www.curso-de-aleman.de/ uebungen/ inhaltsangabe_uebungen /maerchen/ das_ kalte_herz/seite001/seite_001.htm. Acesso em 9.02.2019. 266

ANEXOS

267

ANEXO A - OBRAS DE WILHELM HAUFF TRADUZIDAS PARA O PORTUGUÊS NO BRASIL

TITULO DO AUTOR TRADUTOR LÍNGUA-EDITORA COLEÇÃO DATA LIVRO

O Macaco Wilhelm Adaptação de Alemão para o Scipione Reencontro 2017 como Hauff Myriam Ávila português Infantil Homem O Macaco Wilhelm Adaptação de Alemão para o Scipione Reencontro 2011 como Hauff Myriam Ávila português Infantil Homem O Califa Wilhelm Maria Lucia Alemão para Global Clássicos 2007 Cegonha Hauff Machens português Editora Universais - Série Adaptação: Temas Encantos Ana Maria principais: Edição: 1ª Machado Valores edição humanos, relacionamento e comportamento. Temas transversais: Ética e pluralidade cultural. Interdisciplinari dade: Língua Portuguesa e Arte.

O Navio Wilhelm Michele Alemão para Global Clássicos 2007 Fantasma Hauff Iacocca português Editora Universais - Tema(s) Série Adaptação: principal(is): Encantos Ana Maria Suspense, Edição: 1ª Machado mistério e edição

268

sobrenatural; Tema(s) transversal(is): Ética e pluralidade cultural; Interdisciplinari dade: Língua Portuguesa, Arte, História e Geografia.

O Anão Wilhelm Tradução: Alemão para Editora 2000 Narigão Hauff Ruth Salles; português Ática Ilustração de ------ Contos Wilhelm Tradução e Alemão para RJ: Livraria s.d. Orientais Hauff adaptação: português J. Leite ------Lina Hirsch A Wilhelm Verônica Alemão para Editora Contos 1997 Caravana Hauff Sônia Kuhle português Kuarup orientais de e a história Hauff - Série do Califa- Caravana, 1 Cegonha. A história Wilhelm Verônica Alemão para o Editora Contos 1997 do navio Hauff Sônia Kuhle português Kuarup orientais de mal- Hauff - Série assombrado Caravana, 2 A história Wilhelm Verônica Alemão para o Editora Contos 1997 da mão Hauff Sônia Kuhle português Kuarup orientais de decepada Hauff - Série Caravana, 3 A Wilhelm Verônica Alemão para o Editora Contos 1997 salvação Hauff Sônia Kuhle português Kuarup orientais de de Fatme Hauff - Série Caravana, 4 269

A História Wilhelm Verônica Alemão para o Editora Contos 1997 do Hauff Sônia Kuhle português Kuarup orientais de pequeno Hauff - Série Muck Caravana, 5 O conto Wilhelm Verônica Alemão para o Editora Contos 1997 do falso Hauff Sônia Kuhle português Kuarup orientais de Príncipe Hauff - Série Caravana, 6

Contos Wilhelm Lina Hirsch Alemão para p Livraria J. Contos Sem Orientais Hauff português Leite data Contos Hauff, Tradução e Alemão para o Pongetti Contos 1954 Orientais Guilherme adaptação: português Orientais Lina Hirsch

270

ANEXO B - DAS KALTE HERZ, DE WILHELM HAUFF, EM OUTRAS CULTURAS (SÉCULOS XIX E XX)

TITULO TRADUTOR DO AUTOR Não há LÍNGUA / EDITORA LOCAL DATA LIVRO tradução Das kalte Wilhelm Notas, glossário, Inglês / Williamson Toronto 1886 Herz Hauff Apêndice Texto & Company gramatical; Alemão explanação abreviações. Das kalte Wilhelm Notas, glossário, Inglês / D. C. Heath Toronto 1886 Herz/Kalif Hauff Apêndice Texto & Co. Storch gramatical; Alemão Das kalte Wilhelm Notas, glossário, Inglês / D. C. Heath Boston 1886 Herz – Hauff Apêndice Texto & Co. Märchen gramatical; Alemão Das kalte Wilhelm Notas em inglês, Inglês / The Copp, Toronto 1887 Herz Hauff glossário e Texto Clark apêndice Alemão Company gramatical. Das kalte Wilhelm Notas em inglês, Inglês / The Copp, Toronto 1894 Herz/Kalif Hauff glossário e Texto Clark Storch exercício. Alemão Company, Limited Das kalte Wilhelm Com Inglês / Henry Holt New 1897 Herz-Ein Hauff Vocabulário Texto and York Märchen Alemão Company für Söhne und Töchter gebildeter Stände Das kalte Wilhelm Notas e Inglês / Morang Toronto 1909 Herz Hauff vocabulário Texto Educational Alemão Company Limited 271

Das kalte Wilhelm Introdução, Inglês - Copyright London 1912 Herz Hauff Notas, Prefácio e American Exercícios e Introdução; Book vocabulário. Texto em Company Alemão Das kalte Wilhelm Introdução, Inglês - Henry Holt New 1912 Herz Hauff Notas, Prefácio e and York Exercícios e Introdução; Company vocabulário. Texto em Alemão Das kalte Wilhelm Introdução, Inglês - Henry Holt New 1912 Herz-Ein Hauff Notas, Prefácio e and York Märchen Exercícios e Introdução; Company für Söhne vocabulário. Texto em und Alemão Töchter gebildeter Stände Das kalte Wilhelm Introdução, Inglês - Henry Holt New 1912 Herz-Ein Hauff Notas, Prefácio e and York Märchen Exercícios e Introdução; Company für Söhne vocabulário. Texto em und Alemão Töchter gebildeter Stände El Corazón Wilhelm Vokabular Espanhol - https://www. Página da [s.d.] Frio Hauff Tradução curso-de- Internet online aleman.de/ue - Online bungen/inhal tsangabe_ue bungen/maer chen/das_kal te_herz/seite 001/seite_00 1.htm 272

ANEXO C - PUBLICAÇÕES E REVISÃO DA LITERATURA

Wolff,Sigmund. Der Einfluss der Romantik auf Wilhelh Hauff.Diss.Würzburg, 1922. Schwab, Gustav. Wilhelm Hauffs Leben.In: Wilhelm Hauffs Sämtliche Schriften. Hrsg. v. G. Schwab.1. Stuttgart, 1930.S.7-36. Müller, Günther. Die Bedeutung der Zeit in der Erzählkunst.Bonner Antrittsvorlesung 1946. Bonn, 1947. Jaschek, A. Wilhelm Hauff. Stellung zwischen Romantih und Realismus. Darmstadt. 1957. Otte, Irmgard. Das Bild der Dichterpersönlichkeit Wilhelm Hauff und das Bild des Menschen in seinen Werken. Diss. München, 1967. Würth,Hans M. Die Erzählungen Wilhelm Hauffs. Eine Untersuchung der inhaltlichen und formalen Eigenarten.Diss.New Brunswick,New Jersey,1967. Neuhaus, Volker. Typen multiperspektivischen Erzählens,Köln und Wien, 1971.(Literatur und Leben. Hrsg. V. Richard Alewyn und Herbert Singer.NF.Bd.13) Beckmann, Sabine. Wilhelm Hauff.Seine Märchenalmanache als zyklische Kompositionen. Bouvier Verlag Herbert Grundmann, Bonn, 1976. Pfäfflin, Friedrich. Wilhelm Hauff: Der Verfasser des "Lichtenstein" Chronik seines Lebens und Werkes. Stuttgart: Fleischhauer & Spohn, 1981. Hinz, Ottmar. Wilhelm Hauff: mit Selbstzeugnissen und Bilddokumenten. Reinbek Bei Hamburg: Rowohlt, 1989. Scheck, U. Wuchs und Wucher in Wilhelm Hauff das kalte Herz. Natur, Räume, Landschaften: 2. Internationales Kingstoner Kompositum, 1996, 157-168. Foldenauer, K. Wilhelm Hauff.: Das kalte Herz: Eine Erzählung vom Schwarzwald. Karlruhe pädagogische Beiträge23 (1991)12-22. Borissova, B. Gedanken zum Phantastischen in Hauffs Märchen Das kalte Herz. In: Einen Stein für den grossen Bau behauen; Studien zur deutsch Literatur. Wroclaw (1993): S.203- 2013. (Acta Uniwersitatis Wratislaviensis, nº1436). Kloudová, Ivana. Sprachliche Charakteristik der HauffschenMärchen. Brno: Masarykova univerzita, 1998. Kittstein, Ullrich. Das literarische Werke. Wilhelm Hauff im Kontext seiner Epoche. In: Kittstein, Ulrich: Wilhelm Hauff. Aufsätze zu seinem poetischer Werk. Mit einer Bibliographie der forschungsliteratur. St. Ingbert. 2002. 273

POLASCHEGG, Andrea & Schütz (Hrsg.). Wilhelm Hauff oder Die Virtuosität der Einbildungskraft. Wallstein Verlag, 2005. Höhne, M. Tradition und Moderne im deutschen Wald: Wilhelm Hauffs das kalte Herz. 2015. Scheufele, U. Der Teufelpakt in Wilhelm Hauffs Das kalte Herz. Universität, online, [s.d.]. Práce, Bakalárská. Lexikalische Charakteristik von Hauffs Märchen. Masarikova Univerzita. Filosofická Fakulta. Brno, 2007. Al-Taie, H.M.S. Bagdad und der arabische Raum als fiktive Orte in der deutschen Literatur an ausgewählten Beispielen “West-östlicher Divan” von Jochen Wolfgang vo Goethe und “Märchen-Almanach” von Wilhelm Hauff, Tese. Phillips-Univertisäts Marburg, 2017.

274

ANEXO D – RETRATOS DE HAUFF

Retratos de Wilhelm Hauff174

174 Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=fotos+de+wilhelm+hauff+pdf&sxsrf=ACYBGNR tmjw_uzuvK1fOXnHokOaDF9wjlg:1574759856970&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=RRaZpDnT2pg--M% 253A%252CeHYUuNcrKpuQfM%252C_&vet=1&usg=AI4_-kS6jOaGGEdnqGmBm-IDKdK0Ag2LkA&sa= X&ved=2ahUKEwiHjYbPxYfmAhVTIrkGHXIUBIkQ9QEwCHoECAoQHg#imgrc=U_eHuk65MCyr2M. Acesso em: 26/11/2019. 275

ANEXO E – CAPAS DE LIVROS

Capas de edição da novela em obras literárias (alemão)

Edição alemã: [1903] Berlin Drud und Edição alemã: [s.d.] Editora Null Papier Verlag von U.Weichert

Edição alemã:[s.d.] Editora elv. Edição alemã:[s.d.]

276

Edição alemã:[s.d.]Printed in Edição alemã:[s.d.] Czechoslovakia Karl Müller Verlag Erlangen, ([sd]).

Edição Alemã: [s.d.]. Editora: Klagenfurt, Edição alemã: [s.d.]. Editora Klosden Eduard Kaiser Verlag.

277

ANEXO F - AS REPRESENTAÇÕES DE PEDRO MUCK NA OBRA LITERÁRIA

Edição em alemão[s.d.]. Lau Verlag CD Edição Português (Brasil): Contos Orientais Língua alemã [s.d.]. de Hauff (série Caravana) Edição: 1987.

Edição: Alemã: 2016 Thomas Anker Edição portuguesa (Brasil): 2011 Ilustração: Karl Walser. Meu conto de Fada favorito: O pequeno Mouk Editora ciranda cultural – 1ª edição Com textos p ouvir em português.

278

ANEXO G - CAPAS DAS EDIÇÕES DOS CONTOS HAUFFIANOS EM PORTUGUÊS

Edição: Português Edição: Português Figura: Contos Orientais, Livraria J Leite Figura: Contos Orientais, Pongetti, Rio, (Rio [s.d.]). edição de 1954.

279

ANEXO H - PUBLICAÇÕES DE HAUFF EM OUTRAS CULTURAS

Pesquisa realizada online

Edição em inglês: [s.d.] Edição em inglês: [s.d.] Editora Two German Tales Editora Dodo Press

Edição em inglês: 1979 Edição finlandesa: 1910 (idioma Brothers Grimm and Wilhelm Hauff finlandês). 1979 Fairy Tales in Russian 2 A ilha Norfolk (em inglês: Norfolk volumes (Russisch) – Leningrad. Island, pronunciado: [ˈnɔrfək ˈaɪlənd]; Editora russa: Publishing house “Hudozhnik RSFSR”. 280

ANEXO I - MITOS AMAZÔNICOS

Curupira Mapinguari Matinta Perera

MITOS da Amazônia

• Curupira: (personagem mito-poético) é típico da floresta amazônica. É um índio protetor das árvores e animais. Protege a floresta de pessoas que visam sua exploração e destruição. Suas pegadas enganam os caçadores e seringueiros que se perdem nas florestas. • Mapinguari: Na mitologia indígena, seria um índio, um pajé que descobriu o segredo da imortalidade, mas o preço que pagou por isso, foi ser transformado em um animal. Conta a história que o Mapinguari é um macacão enorme e peludo chamado de coatá. É um animal que habita em cavernas nos lugares altos em terra firme, e vive nas densas florestas amazônicas. (MACHADO, 1987, p.33). • Matinta Perera: (espirito que protege a floresta), espécie de bruxa e fuma cigarro de palha.