ISSN 2175-6945

Os critérios de noticiabilidade empregados pelas revistas Veja e CartaCapital na cobertura das manifestações que mobilizaram o Brasil em junho de 20131

Angela Miguel CORRÊA (Mestranda)2 Danusa Santana ANDRADE (Doutoranda) 3 Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP.

Resumo

Amparado no suporte teórico da hipótese de newsmaking, este estudo levanta uma discussão sobre os critérios de noticiabilidade empregados pelas revistas Veja e CartaCapital nas edições de 26 de junho de 2013, na cobertura realizada sobre o início das manifestações que mobilizaram o Brasil ao pleitearem mudanças e melhorias em diversos setores do país, a começar pela redução das tarifas de ônibus em São Paulo. A pesquisa identifica os critérios de noticiabilidade empregados por essas revistas e apresenta como abordaram o episódio. Para isso, recorre ao método Análise de Conteúdo e aplica uma análise de enquadramento. O corpus do estudo constitui-se das reportagens divulgadas pelas revistas sobre o assunto – a CartaCapital dedicou duas reportagens em sua edição e a Veja, 10. Palavras-chave: História do Jornalismo; critérios de noticiabilidade; CartaCapital; Veja; análise.

Introdução Na história dos estudos sobre a mídia, essa área da pesquisa foi influenciada por diferentes teorias como: a teoria da informação, a teoria hipodérmica, a abordagem empírico-experimental, a abordagem dos efeitos limitados, a teoria funcionalista, a teoria crítica, a teoria culturológica, além das teorias do jornalismo: a teoria do espelho, a teoria do gatekeeper, a teoria organizacional, as teorias de ação política, as teorias construcionistas, a teoria estruturalista e a teoria interacionalista, que buscavam novas abordagens e que refletiam o contexto do ambiente em que afloraram.

1 Trabalho apresentado ao GT História do Jornalismo integrante do 11º Encontro Nacional de História da Mídia. 2 Mestranda em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo. Endereço eletrônico: [email protected]. 3 Doutoranda em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo. Endereço eletrônico: [email protected]. 2

Uma das tendências nesses estudos refere-se aos emissores e aos processos de produção nas comunicações – hipótese de newsmaking – que permeia dimensões importantes na construção de uma notícia. Amparado nesse suporte teórico, este estudo objetiva levantar uma discussão sobre os critérios de noticiabilidade empregados pelas revistas Veja e CartaCapital nas edições de 26 de junho de 2013, na cobertura realizada sobre o início das manifestações que mobilizaram o Brasil ao pleitearem mudanças e melhorias em diversos setores do país, a começar pela redução das tarifas de ônibus em São Paulo. Nesse contexto, o estudo pretende responder aos questionamentos: quais foram os critérios de noticiabilidade empregados por essas revistas? Elas contribuíram para o debate sobre o assunto? De que forma? A pesquisa parte da hipótese que o conteúdo noticioso desses magazines reflete as posições ideológicas deles e, na produção das reportagens, são empregados critérios de noticiabilidade que reflitam essa visão. Para responder a essas indagações, o estudo recorre ao método Análise de Conteúdo e à análise de enquadramento. A análise de enquadramento proposta por Porto (2002) oferece uma nova perspectiva para entender o papel da mídia. A Análise de Conteúdo, cristalizada na obra de Bardin (1977), é aplicada como referencial metodológico seja no seu aspecto quantitativo (estatístico), seja no qualitativo (inferencial) da análise. Trata-se de uma técnica de investigação que objetiva a interpretação das comunicações. Este breve ensaio apresenta-se como válido especialmente ao tentar entender alguns aspectos da produção de reportagens dessas revistas acerca do período histórico. Esses veículos devem, por suas funções sociais, estabelecer debates sobre assuntos de interesse da sociedade, além de cumprir o papel de vigilantes e fiscalizadores da coisa pública. Essas características de agentes sociais imprimem nessas revistas relevância suficiente para ser objeto de estudo científico. Neste sentido, Marques de Melo (1986, p. 105) sustenta que “na medida em que o jornalista assume o papel de agente social, responsável pela observação da realidade, ele se torna mediador entre os fatos de interesse público e a cidadania”. Este estudo está estruturado da seguinte forma: inicialmente a pesquisa apresenta uma síntese sobre as revistas Veja e CartaCapital; aborda os estudos sobre gatekeeper e sobre a hipótese de newsmaking para situar os critérios de noticiabilidade; realiza a análise das reportagens dos magazines e, por fim, propõe algumas considerações.

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1. Veja e CartaCapital: interpretação e opinião sobre os fatos Esta seção levanta um breve resgate sobre as revistas Veja e CartaCapital, objetivos da presente análise. Lage (2005, p. 153) pondera que “os magazines de informação geral flutuam entre a interpretação e a opinião manifesta. Esta, quando torna evidente a postura dominante na sociedade – isto é, nas elites –, tende a não ser percebida como tal: o que está escrito parece constatação ou evidência”. A revista CartaCapital, que integra o grupo da Editora Confiança, foi fundada em 1994 pelo jornalista ítalo-brasileiro , ex-diretor de redação da Veja. Segundo Mesquita (2008), a revista passou por algumas alterações quanto à sua periodicidade em sua história recente. Mensal na criação, depois quinzenal e em agosto de 2001, passou a circular semanalmente. Desde 2008, CartaCapital mantêm parceria com a The Economist e publica semanalmente conteúdos da edição inglesa, relatórios ao longo do ano e o anuário traduzido The World in. Conforme o Grupo de Mídia São Paulo, no relatório do Mídia Dados 2013, em 2012 a circulação da revista, em média, por edição, foi de 28,9 mil. Em seu portal, a CartaCapital anuncia que atualmente a tiragem semanal é de 65 mil exemplares, auditados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC). Contudo, Mesquita (2008) pondera que mais do que sua modesta tiragem, a revista conquistou importância nacional pela sua atuação crítica em relação à imprensa em geral. Mesquita (2008) explica que a CartaCapital também tem posição política declarada em seu editorial. “Principalmente durante o período da campanha eleitoral de 2006, não raras vezes a revista – representando o posicionamento de seu diretor, Mino Carta – declarou explicitamente o estreitamento entre suas idéias e as de Luiz Inácio Lula da Silva (MESQUITA, 2008, p. 58)”. A CartaCapital sustenta ter uma visão crítica dos acontecimentos da política, economia e cultura, no Brasil e no mundo. Sustenta, ainda, que nasceu calcada no tripé do bom jornalismo baseado na fidelidade à verdade factual, no exercício do espírito crítico e na fiscalização do poder. A revista Veja existe desde 1968. Fundado por Victor Civita, o projeto de Veja (MESQUISTA, 2008) ganhou força em 1967, um ano antes em que a lançou a revista Realidade, que teve grande aceitação do público e que rendeu à editora considerável consistência jornalística. 4

Conforme Mesquita (2008), a história da revista começa dez anos antes de sua fundação, em 1958, quando , filho de Victor Civita, volta dos Estados Unidos com uma ideia fixa na cabeça: montar uma revista aos moldes da Time. Veja integra um dos 190 títulos da Abril, como divulga o Grupo de Mídia São Paulo, no Mídia Dados 2013. A média de circulação semanal da revista, em 2012, segundo o Mídia Dados 2013, foi de 1.071,5 mi. A Veja publica todas as semanas dois suplementos regionais: Veja São Paulo e Veja Rio. Periodicamente faz edições especiais e edições regionais, como Veja Belém, Veja Belo Horizonte, Veja Brasília, Veja Porto Alegre, Veja Goiânia, etc. A Abril apresenta como missão contribuir para a difusão de informação, cultura e entretenimento, para o progresso da educação, a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento da livre iniciativa e o fortalecimento das instituições democráticas do país. Ao analisar o peso político da Veja, Mesquita (2008) aponta que a revista é um dos semanários com maior ênfase nas temáticas políticas. Lage (2005, p. 151) sustenta que “por detrás da revista, há compromissos nem sempre evidentes” e faz uma ponderação sobre a revista Veja:

Revista opinativa, centenas de milhares de pessoas consomem suas matérias como se fossem relatos fidedignos. No entanto, o texto, se olhado atentamente, revela-se estranho: se um funcionário tem a incubêmbia de selecionar currículos de pessoas indicadas para cargos públicos, diz-se que o homem “bisbilhota” a vida desses candidatos; se o presidente da República assina expedientes de rotina sem ler – coisa inevitável para qualquer executivo, chama-o de “nefelibata”. É algo capaz de impressionar quem não conhece bem o sentido de “bisbilhotar” e de “nefelibata”. E esses são só exemplos de uma coleção muito rica de inventos presunçosos (LAGE, 2005, p. 153).

As revistas CartaCapital e Veja possuem abordagens distintas em seus textos noticiosos. A primeira assume que é favorável ao governo; a segunda, apesar de não declarar sua conduta, não se posiciona de forma velada. Adotando as definições formuladas por L. Althusser sobre ideologia, Lúcia Santaella (1980), a entende como um sistema de representações, dotados de uma existência e de um papel histórico no seio de uma sociedade. Santaella (1980, p. 51) sustenta que “[...] numa sociedade de classes, ideologia é sempre a da classe dominante, pois, é essa, através do usufruto do poder, que dá nome e sentido às coisas”.

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2. Noticiabilidade como componente da hipótese de newsmaking Nesta seção, para situar a noticiabilidade de um evento, serão abordadas algumas dimensões do conceito de gatekeeper (relevante para se entender o processo de seleção de uma notícia) e da hipótese de newsmaking, estudos sobre os emissores e sobre os processos de produção nas comunicações de massa. Este último âmbito, conforme Wolf (2005), tornou-se uma corrente de pesquisas e sua relevância tem a ver com o fato de ele oportunizar a união dos campos sociológico e o da comunicação. Traquina (2005) sustenta que na literatura acadêmica sobre o jornalismo, a teoria do gatekeeper foi a primeira a surgir. O conceito de gatekeeeper, segundo Wolf (2005) foi elaborado por Kurt Lewin em um estudo sobre hábitos alimentares realizado em 1947. Já White, “usou esse conceito para estudar o desenvolvimento do fluxo de notícias dentro dos canais organizacionais dos aparatos de informação e, sobretudo, para definir os pontos que funcionam como cancelas, determinam se a informação passa ou é rejeitada (WOLF, 2005, p. 185)”. Conforme Wolf (2005), White realizou um estudo de caso observando como age um jornalista com 25 anos de carreira e que tem como tarefa selecionar as notícias a serem publicadas para analisar a atividade de gatekeeping no sentido de seleção. Essa e outras pesquisas apontaram que, na seleção e no filtro das notícias, “[...] as normas ocupacionais, profissionais e organizacionais parecem mais fortes do que as preferências pessoais (WOLF, 2005, p. 185)”. Wolf (2005) sustenta que os estudos sobre os gatekeepers correlacionam o conteúdo dos jornais com o trabalho de seleção das notícias, que fica a cargo do guardião do portão, da cancela. Traquina (2005, p. 70), explica que essa teoria avança “uma concepção bem limitada do trabalho jornalístico, sendo uma teoria que se baseia no conceito de seleção, minimizando outras dimensões importantes do processo de produção das notícias”. A hipótese de newsmaking, conforme Wolf (2005) é uma abordagem sobre a produção de notícias que compara a imagem da realidade social, fornecida pela mídia, com a organização e a produção rotineira dos aparatos jornalísticos. Silva (2013) recorda que os estudos sobre as rotinas jornalísticas não são recentes e remetem às pesquisas norte-americanas na passagem da primeira para a segunda metade do século XX. “Um desses estudos pioneiros consiste na análise funcionalista conduzida nos anos 1950 por Warren Breed (1960) sobre o “controle 6 social” estabelecido nas redações jornalísticas nos Estados Unidos (SILVA, 2013, p. 3)”. Sobre a hipótese de newsmaking, Wolf (2005) sustenta que na produção das notícias, existe de um lado a cultura profissional e de outro, restrições ligadas à organização do trabalho. “Determina-se, assim, um conjunto de critérios de relevância, que definem a noticiabilidade (newsworthiness) de cada evento, ou seja, a sua “aptidão” para ser transformado em notícia (WOLF, 2005, p. 195)”. Fernandes (2004, p. 2) sustenta que a noticiabilidade “[...] tem como componente os valores/notícia que buscam responder à clássica pergunta: quais os acontecimentos que são considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem noticiados?”. Fernandes (2004) fez um levantamento com importantes autores como J. Galtun e M. Ruge (1965), P.J. Shoemaker (1991), Fraser Bond (1962), Nilson Lage (2001) e concluiu que entre os principais critérios de noticiabilidade estão: oportunidade; proximidade; importância; impacto ou conseqüência; interesse; conflito ou controvérsia; negatividade; freqüência; dramatização; desvio; sensacionalismo; proeminência das pessoas envolvidas; novidade; excentricidade; singularidade; momento do acontecimento; intensidade ou magnitude; inexistência de dúvidas sobre o seu significado; proeminência das nações envolvidas; surpresa; composição tematicamente equilibrada do noticiário; valores-sócio-culturais; continuidade.

3. CartaCapital e Veja: Análise de Conteúdo e de enquadramento Esta seção estabelece e analisa o corpus da pesquisa, as reportagens das edições de 26 de junho dos referidos magazines sobre o início das manifestações que mobilizaram o país. O estudo recorre ao método Análise de Conteúdo e à análise de enquadramento, buscando, desta forma, maior clareza e compreensão dos fatos. No levantamento realizado nas edições de 26 de junho, foram verificados o total de seis textos jornalísticos na CartaCapital e 22 na Veja, sendo três e 11 títulos, duas e 10 reportagens, respectivamente. A CartaCapital também publicou uma entrevista pingue-pongue e a Veja, um box e uma retranca. A revista CartaCapital disponibilizou 9 das 82 páginas da edição ao assunto e a Veja contemplou o tema em 28 de suas 134 páginas em uma edição histórica. A totalização das páginas inclui as capas das revistas que as dedicaram para abordar o assunto. A maioria desses conteúdos foi 7 disponibilizada em páginas espelhadas: CartaCapital dispôs o assunto em quatro páginas espelhadas e Veja, em 12. Com o objetivo de estabelecer um marco teórico e conceitual claro e sistemático, Porto (2002), oferece sugestões preliminares sobre o conceito de enquadramento: a) especificar os níveis de análise do conceito (neste estudo serão utilizados como norte os enquadramentos noticiosos, que representam, segundo o autor, padrões de apresentação, seleção e ênfase utilizados por jornalistas para organizar seus relatos); b) identificar as principais controvérsias e os enquadramentos a elas relacionados (nesta fase o pesquisador deve analisar não só os enquadramentos dominantes, mas também incluir as interpretações promovidas por movimentos sociais ou de oposição – a análise deve deixar claras as razões que levam ao predomínio de certos enquadramentos em detrimento de outro); c) desenvolver uma análise de conteúdo sistemática (sem este tipo de método, conforme o autor, pesquisadores tendem a encontrar os enquadramentos que procuram ou que comprovam suas hipóteses). Porto (2002) menciona que enquadramentos noticiosos representam o ponto de vista adotado pelo texto noticioso que destaca determinados elementos de uma realidade em face de outros. “Nesta categoria estão, por exemplo, o “enquadramento de interesse humano”, que focaliza a cobertura de indivíduos, ou o “enquadramento episódico”, com sua ênfase em eventos” (PORTO, 2002, p. 15). Já na segunda fase sugerida por Porto (2002), a de identificar as principais controvérsias e os enquadramentos a elas relacionados, “[...] é importante ressaltar que atores sociais distintos possuem capacidades diferenciadas para influenciar os processos de enquadramento da mídia (PORTO, 2002, p. 17)”. A primeira etapa da Análise de Conteúdo está centrada em levantamentos estatísticos, o que Bardin (1977) denomina como taxiometria. Aqui serão mensurados basicamente aspectos quantitativos do material jornalístico. Essa fase está centrada em levantamentos estatísticos para mensurar basicamente aspectos quantitativos do material jornalístico. Para realizar as duas análises, de conteúdo e de enquadramento, o estudo apresenta na tabela 1, o levantamento estatístico das fontes utilizadas nas reportagens. Nas tabelas 2 e 2.1 o estudo levanta as descrições das reportagens e das imagens disponibilizadas em oito páginas da revista CartaCapital e em 27 páginas da Veja na cobertura sobre o assunto. Esses dados servirão para embasar a Análise de Conteúdo, 8 para identificar os enquadramentos noticiosos empregados e para aferir as controvérsias e enquadramentos a elas relacionados. A tabela 1 apresenta: levantamento estatístico das fontes utilizadas nas reportagens de CartaCapital e Veja; fontes favoráveis ao Movimento Passe Livre ou às manifestações; fontes contrárias ao MPL ou às manifestações; fontes ligadas ao governo; fontes de oposição ao governo; especialistas ou dados de pesquisas.

Páginas Número Fontes Fontes Fontes Fontes Especia- analisadas e total de favoráveis ao contrárias ao ligadas de listas ou veículo fontes MPL ou às MPL ou às ao oposi- dados de manifestações manifestações governo ção ao pesquisas governo CartaCapital: 27 3 2 11 4 7 p. 24 a 30, 32 e 33, totalizando 8. Veja: 51 9 22 3 17 p. 60 a 74, 76, 78 a 82, 84, 86 a 91, totalizando 27. Tabela 1. A tabela 1 demonstra que a CartaCapital utilizou 27 fontes em sua cobertura. Destas, três foram favoráveis ao MPL ou às manifestações, duas contrárias, 11 ligadas ao governo, quatro de oposição ao governo e sete especialistas ou dados de pesquisas. A Veja recorreu a 51 fontes. Destas, nove foram favoráveis ao MPL ou às manifestações, 22 ligadas ao governo, três de oposição ao governo e 17 especialistas ou dados de pesquisas. Com relação aos especialistas e dados de pesquisas, a CartaCapital recorreu ao Vox populi /CartaCapital. Já a Veja usou um levantamento realizado pelo Departamento de Inteligência e Pesquisa de Mercado da Abril. Ao comparar o número de páginas dedicadas pela CartaCapital (oito) com o espaço destinado pela Veja para tratar do assunto (27 páginas), nota-se uma discrepância, já que a revista CartaCapital, quanto ao número inferior de páginas e de reportagens (duas), consultou mais fontes (27) do que a Veja (51). A média de CartaCapital foi de 13,5 fontes por reportagem; já a média de Veja foi de 5,1. A pesquisa não considerou as citações de agentes sociais, somente levou em conta as citações diretas e indiretas das fontes. 9

Na tabela 2, são apresentadas as descrições das reportagens e das imagens da cobertura da revista CartaCapital na edição de 26 de junho que publicou duas reportagens: A massa incontrolável (p. 24 a 30), A política oxigenada (p. 32-33), além de a entrevista pingue-pongue Sem medo das ruas (p. 29), que integra a reportagem A massa incontrolável.

Descrição das reportagens por páginas Descrição das imagens Na reportagem A massa incontrolável (p. 24 a Imagem ocupando meia página espelhada - 30), CartaCapital aborda o êxito do multidão em torno do Teatro Municipal do Movimento Passe Livre; fala das antipatias e manifestante segurando a enfrentadas pelo PT e como o partido aderiu placa da Rua da Assembléia, no Rio (p. 24- ao movimento; aborda a violenta ofensiva da 25). Polícia Militar de São Paulo, o despreparo de policiais no Rio, os excessos da polícia em Fotos de protestantes em capitais ocupando Belo Horizonte, o perfil dos manifestantes e o a maior parte das páginas. 26 e 27. caráter das manifestações. Também fala da mudança de atitude de políticos e da posição Nas páginas 28 e 29, a predominância é de de Fernando Henrique Cardoso e de Aécio texto. Aparecem fotos pequenas de Neves atacando o PT. Alckmin, Haddad, Paes e Hoffman (p. 28). A reportagem também contempla entrevista pingue-pongue com Rui Falcão, presidente do Na página 29 aparece uma foto de Rui PT e aborda ações positivas de Lula, além de Falcão, presidente do PT, com imagem da apontar a limitação de Dilma que emitiria bandeira do partido ao fundo. sinal de inflexão se trocasse ministros como Cardozo e Hoffman; também trata questões Foto do Ministro Eduardo Cardozo com ar sobre reservas indígenas. de preocupação e a legenda: A oposição é mais confiável que o ministro Cardozo (p. 30). Já na reportagem A política oxigenada (p. 32 e 33), a revista analisa as manifestações como A página 33 é ilustrada com imagem de a verdadeira face da política daqui para a manifestantes com cartazes. frente; condena a brutalidade policial e a situa como o lado mais visível de uma democracia parlamentar acabada. A reportagem também fala com admiração do papel dos manifestantes na luta por direitos.

Tabela 2

Na tabela 2.1 são apresentadas as descrições das reportagens e das imagens da cobertura da revista Veja que publicou 10 reportagens: Os sete dias que mudaram o Brasil (p. 60 a 62); A história em movimento (p. 64-65); O poder acuado (p.66 a 71); O ministro chefe da oposição (p. 72 a 76); Uma vitória parcial (p. 78-79); Um chute na Copa (p. 80-81); A conta é para todos (p. 82); Cartel da roda presa (p. 86-87); Os organizadores do caos (p. 88 e 89) e Depois da catraca, os casarões (p. 90-91).

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Descrição das reportagens por páginas Descrição das imagens Na reportagem Os sete dias que mudaram o Uma imagem de manifestantes ocupa todo o Brasil (p. 60 a 63), a Veja aborda o pontapé das espaço das páginas 60 e 61 (o texto é impresso manifestações, fala da fragilidade do governo sobre a imagem). As páginas 62 e 63, da mesma diante do cenário e o critica. forma, são ilustradas pela imagem de uma multidão no Rio de Janeiro. Já na reportagem A história em movimento (p. 64 e 65), Veja aborda a visão de especialistas e A foto que ilustra a reportagem A história em relembra antecedentes históricos de protestos e movimento (p. 64 e 65), ocupa toda a página seus resultados. espelhada e mostra manifestantes com a bandeira do Brasil. A reportagem O poder acuado (p. 66 a 71) fala que a Presidente Dilma reconheceu o momento Um cordão de militares protege o Palácio do novo do País e da raiva dos esquerdistas no Planalto (p. 66 e 67); multidão em torno da Brasil. Fala da situação da Presidente coagida no Esplanada dos Ministérios (68 e 69), onde dia 20 de junho, da impotência do PT que perdeu também e aparece uma tira de fotos de brasileiros as ruas. Também abordou como o governo reagiu dando opiniões sobre o evento (o que se segue até e como as suas pesquisas de marketing falharam. a p. 91); nas páginas 70 e 71, ainda aparece foto Trata com descrição do MPL, relembra de protestos em 1968 na França que resultou na manifestações que resultaram em eleições na eleição de Georges Pompidou (foto ao lado). França e nos Estados Unidos.

Na reportagem O Ministro chefe da oposição (p. Nas páginas 72 e 73 o Ministro Gilberto aparece 72, 73, 74 e 76, Veja acusa os assessores do com ar de preocupação e, ao fundo, é estampada Secretário-geral da Presidência, Gilberto foto da primeira manifestação ocorrida um dia Carvalho de organizar a primeira manifestação e a antes da Copa das Confederações, em Brasília. Na situa como parte de ofensiva de grupo do PT que p. 74, pessoas tentam apagar o fogo provocado quer minar o governo de Dilma e fomentar a nesse dia em Brasília e a outra foto identifica candidatura de Lula em 2014. Também mostra assessores do Ministro Gilberto. Já na p. 76 como Lula posicionou-se frente às manifestações manifestante queima bandeira do PT. para estancar o desgaste do PT.

Em Uma vitória parcial (p. 78 e 79), Veja fala da Nas páginas 78 e 79 aparece imagem de evolução das manifestações para outras causas, manifestante vestido de travesti pedindo o fim da como a rejeição à PEC 37. Aborda os objetivos da PEC 37. proposta, levanta o que seria o real motivo da iniciativa, explica que depois dos protestos, o tema foi retirado da pauta de votação e sugere que deve-se aproveitar o momento para multiplicar as investigações e torná-las mais eficientes.

Na reportagem um chute na Copa (p. 80 e 81), Na página 80 aparece uma foto de torcedores em Veja aborda manifestações de torcedores no jogo jogo do Brasil protestando com cartaz “Queremos entre Brasil e México, em Fortaleza, criticando os hospitais padrão Fifa”. gastos na Copa, fala de descontrole de prioridades do governo.

Na reportagem A conta é de todos (p. 82 e 84), Na página 82 aparece foto de Alckmin e Haddad Veja aborda os protestos da população contra os e na página 84, aparece foto de manifestante com preços dos impostos que não são revertidos em uma placa na mão ilustrada por uma granada na serviços equivalentes aos valores pagos. Fala dos qual sai uma flor. prejuízos aos governos causados pela redução das tarifas de ônibus. Também critica o governo que reduz a eficiência do transporte popular e eleva o 11 seu preço e que faz marketing eleitoral e manda a conta para os brasileiros.

Em Cartel da roda presa (p. 86 e 87), Veja acusa As páginas 86 e 87 são ilustradas com motorista empresas de ônibus de financiarem políticos que, dentro de ônibus durante protestos em São Paulo em troca, fazem vistas grossas a planilhas segurando a placa: 3,20 não. suspeitas. Levanta a questão da contratação em processos de licitação com cartas marcadas e fala de uma das investigações sobre o caso em Brasília.

Na reportagem Os organizadores do caos (p. 88 e A foto que ilustra as páginas 88 e 89 é a de um 89), a revista fala da participação de vândalos ataque de vândalos ao carro blindado da Polícia (militantes de esquerda, pitboys e anarquistas) nas Militar, no Rio de Janeiro. manifestações em diversos Estados.

Em Depois da catraca, os casarões (p. 90 e 91), Os líderes do MPL, Mayara e Matheus aparecem Veja fala da ascensão do MPL e da próxima causa na foto nas páginas 90 e 91. do grupo, a de brigar contra o “latifúndio urbano”, buscando desapropriar grandes imóveis desocupados. Tabela 2.1

A seguir, o estudo preocupa-se em desenvolver a análise qualitativa. Nesta fase da Análise de Conteúdo, passa-se ao caráter inferencial, interpretativo do material. Essa fase corresponde à interpretação e tratamento dos resultados obtidos. Conforme Bardin (1977), os resultados são tratados de maneira a serem significativos e válidos. A aplicação de uma Análise de Conteúdo faz parte da proposta de Porto (2002), como terceiro passo da análise de enquadramento. O autor argumenta que o ideal é adotar um enfoque que inclua tanto uma análise de conteúdo quantitativa, como uma análise textual de cunho qualitativo. Também são identificados os enquadramentos noticiosos empregados e as controvérsias e enquadramentos a elas relacionados. Porto (2002, p. 15) explica que uma característica importante dos enquadramentos noticiosos é o fato de que eles são resultado de escolhas feitas por jornalistas quanto ao formato das matérias, escolhas estas que têm como conseqüência a ênfase seletiva em determinados aspectos de uma realidade percebida. O levantamento realizado na tabela 2 sobre a revista CartaCapital nos permite inferir que a reportagem A massa incontrolável (título empregado em caixa alta) deu ênfase ao Movimento Passe Livre, que liderou as manifestações que mobilizaram o País. O texto também apontou como o PT (Partido dos Trabalhadores) reagiu às manifestações, apresentou fontes que criticaram o partido e ainda dedicou uma 12 entrevista pingue-pongue com o presidente do PT, Rui Falcão intitulada Sem medo das ruas, representando a aderência do partido ao movimento. A reportagem também apresentou ações positivas do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e limitações da presidente . Na reportagem A política oxigenada (título também em caixa alta), a revista admira a ação dos manifestantes e condena a brutalidade policial. Os enquadramentos noticiosos identificados foram: enquadramento episódico; enquadramento de interesse humano e o enquadramento político. As controvérsias e enquadramentos a elas relacionados identificados são: os enquadramentos dominantes nessas reportagens privilegiaram as manifestações e a mobilização iniciada pelo MPL. Os enquadramentos episódico e de interesse humano foram predominantes inclusive sobre o enquadramento político, que apresenta de forma branda as críticas das manifestações ao governo da Presidente Dilma Rousseff (em relação à Veja) e que compara o governo dela com o do ex-Presidente, Lula, apresentando ações positivas de Lula e limitações de Dilma. O enquadramento político especialmente demonstra o perfil da linha editorial da revista. O levantamento realizado na tabela 2.1, nos permite inferir que na reportagem Os sete dias que mudaram o Brasil, a revista enfatizou a fragilidade do governo diante das manifestações. Já na reportagem A história em movimento, Veja relembra antecedentes históricos de protestos e seus resultados. Na reportagem O poder acuado, a revista sustenta que o governo, perdido, tenta ganhar tempo e levantar um plano para serenar a fúria do povo. Na reportagem O Ministro chefe da oposição, Veja acusa os assessores do Secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho de organizar a primeira manifestação e a situa como parte de ofensiva de grupo do PT que quer minar o governo de Dilma e fomentar a candidatura de Lula em 2014. Também apresenta como Lula tentou estancar o desgaste do PT. Em Uma vitória parcial, a revista aborda a evolução das manifestações para outras causas, como a rejeição à PEC 37 e sugere que se deve aproveitar o momento para multiplicar as investigações e torná-las mais eficientes. Na reportagem Um chute na Copa, Veja aborda manifestações de torcedores no jogo entre Brasil e México, em Fortaleza, criticando os gastos na Copa. Na reportagem A conta é de todos, o magazine aborda os protestos da população contra os preços dos impostos que não são revertidos em serviços equivalentes aos valores pagos. Em Cartel da roda presa, Veja acusa empresas de ônibus de financiarem políticos que, em troca, fazem vistas grossas a planilhas suspeitas. Na reportagem Os organizadores do caos, a 13 revista fala da participação de vândalos (militantes de esquerda, pitboys e anarquistas) nas manifestações em diversos Estados. Em Depois da catraca, os casarões, Veja fala da ascensão do MPL e da próxima causa do grupo, a de brigar contra o “latifúndio urbano”, buscando desapropriar grandes imóveis desocupados. Todos os títulos da revista foram empregados em caixa alta. Os enquadramentos noticiosos são: enquadramento episódico; enquadramento de interesse humano e enquadramento político. As controvérsias e enquadramentos relacionados a elas são: nas reportagens de Veja, o enquadramento dominante foi o político. Nessas reportagens, a revista enfatizou a crítica ao governo da Presidente Dilma. Acentuou a dimensão das críticas realizadas nas manifestações para mostrar como o governo, acuado, reagiu. Entre as 10 reportagens, Veja deu voz ao MPL em uma delas, apresentando os planos dos integrantes do movimento.

4. Considerações finais Essa análise nos permite tecer algumas considerações. A primeira delas é a identificação dos critérios de noticiabilidade empregados pela CartaCapital: oportunidade, importância, interesse, conflito, proeminência das pessoas envolvidas, continuidade, impacto. Já a Veja empregou os critérios: oportunidade, importância, interesse, impacto, conflito, conseqüência, intensidade ou magnitude, proeminência das pessoas e das nações envolvidas, negatividade, continuidade. As revistas CartaCapital e Veja contribuíram para o debate sobre as manifestações que mobilizaram o país. Cada uma deu ênfase ou abrandou a dimensão dessas manifestações que apontaram severas críticas ao governo federal. Assim, a hipótese sugerida no início desse estudo foi confirmada: o conteúdo noticioso desses magazines reflete suas posições ideológicas e, desta maneira, na produção das reportagens emprega-se critérios de noticiabilidade que refletem essa visão. Assim, CartaCapital e Veja propuseram as discussões que lhe eram mais convenientes e compatíveis com a linha editorial delas. O objetivo deste estudo foi alcançado, levantando uma discussão sobre os critérios de noticiabilidade empregados pelas revistas Veja e CartaCapital nas edições de 26 de junho na cobertura realizada sobre o início das manifestações que mobilizaram o Brasil. Ao interpretar a abordagem de duas das principais revistas do país, o estudo pretendeu apenas discutir o assunto e apresentar um viés diferente sobre o tema estabelecido. 14

Referências

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

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