Análise Das Estratégias Argumentativas De Veja E Cartacapital Sobre O Processo De Impeachment De Dilma Rousseff
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Foi golpe ou não foi golpe? Análise das estratégias argumentativas de Veja e CartaCapital sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff Rejane de Oliveira Pozobon Jornalista. Doutora em Ciências da Comunicação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Carolina Siqueira de David Jornalista. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Resumo Este artigo analisa, a partir de estratégias argumentativas (BRETON, 1999, 2012), as construções dos discursos de Veja e Carta Capital sobre a nomenclatura do acontecimento impeachment de Dilma Rousseff. São quatro as estratégias elencadas com o propósito de identificar como as revistas reforçam o ponto de vista que defendem: autoridade, comunidade, reenquadramento e analogia. Outros conceitos angariados são o de acontecimento (FRANÇA, 2012; REBELO, 2006) e as especificidades do jornalismo de revista (SCHWAAB; TAVARES, 2013). Como conclusão, observam-se que as duas revistas se diferenciam quando argumentam sobre a nomenclatura do acontecimento impeachment: enquanto Carta Capital utiliza a denominação golpe, Veja rechaça essa nomenclatura. Palavras-chave Argumentação; acontecimento; Veja; CartaCapital; impeachment Dilma Rousseff. Abstract This article analyzes, based on the argumentative strategies (BRETON, 1999, 2012), the constructions of the discourses of Veja and CartaCapital on the nomenclature of Dilma Rousseff’s impeachment. There are four strategies listed with the purpose of identifying how magazines reinforce their point of view: authority, community, reframing and analogy. Other concepts raised are about the event (FRANÇA, 2012; REBELO, 2006) and the specificities of magazine journalism (SCHWAAB; TAVARES, 2013). As a conclusion, it can be observed that the two magazines differ when they argue about the nomenclature of impeachment process: while CartaCapital uses the denomination coup, Veja rejects this nomenclature. Keywords Argumentation; event; Veja, CartaCapital; Dilma Rousseff’s impeachment. Introdução O processo de impeachment de Dilma Rousseff teve início em dezembro de 2015 quando Eduardo Cunha, na época presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, aceitou o pedido manifestado por advogados do partido de oposição. O desfecho deu-se exatamente em 31 de agosto de 2016, momento em que, pela razão formal de ter cometido pedaladas fiscais, Dilma Rousseff deixou a presidência da República para dar lugar a Michel Temer, então vice- presidente. 1 Todos os momentos desse segundo processo de impeachment levado a cabo no Brasil 1 O primeiro processo de impeachment ocorrido no Brasil foi o de Fernando Collor de Mello em 1992. 35 ECCOM, v. 10, n. 19, jan./jun. 2019 foram acompanhados pelos veículos midiáticos que reportavam os fatos de acordo com suas perspectivas editoriais, econômicas e sociais. Veja e CartaCapital, duas importantes revistas brasileiras, não pouparam páginas, capas e comentários a respeito do processo e, assim como outros veículos, apresentaram versões e explicações para o que aconteceu. O acontecimento impeachment, portanto, desenvolve-se em paralelo a disputas de construções discursivas para o que ocorre. Partindo desta hipótese, nos interessa analisar, neste artigo, como Veja e CartaCapital construíram sua argumentação no que tange à nomenclatura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Sabem-se que as duas revistas possuem inúmeras diferenças nas suas trajetórias e consequentemente no relato dos fatos, dessa forma cabe aqui a investigação para confirmar ou não a hipótese apresentada. Para alcançar tal objetivo, toma-se como norte a teoria da argumentação (PERELMAN; OLBRECTS-TYTECA, 2005; BRETON, 1999, 2012), mais especificamente a análise das estratégias argumentativas. Outro conceito que também nos ajuda a perceber a diferença no trato com a realidade é o de acontecimento (FAUSTO NETO, 2016; FRANÇA, 2012; REBELO, 2006), bem como o de jornalismo de revista (SCHWAAB; TAVARES, 2013), que relata as especificidades do discurso aqui analisado. Nessa perspectiva, o artigo primeiro discute as proposições teóricas, depois apresenta a metodologia empregada, logo após expõe a análise e, por fim, as considerações. A transitividade do acontecimento Acontecer implica mudar. Algumas mudanças podem ser significativas; outras não, mas acontecer é modificar estados. Não necessariamente ao nível físico – de estado A para estado B, por exemplo – mas sim interrupções numa certa linearidade. Mais além nesta linha de pensamento, França (2012) propõe que o acontecimento é a “renovação do pensamento”, isto é, que o acontecimento provoca novidade. Os acontecimentos sempre afetaram pessoas; contudo, anteriormente, eram pessoas próximas ao que ocorreu. Atualmente, com as tecnologias, qualquer pessoa pode ser afetada – ao nível do emocional, por certo – pelo acontecimento. Nas palavras de França (2012, p. 49), os acontecimentos perturbam “os níveis cognitivos [...]. A desorganização em um quadro não é resolvida apenas internamente, ela repercute em outros. [...] Vemos, por aí, um movimento de mudança”. É esse caráter multiplicador que concede a potencialidade do acontecimento, pois o que acontece conecta pessoas e influencia suas escolhas em sociedade, em outras palavras, desorganiza e reorganiza os quadros de sentidos. Quando se fala em acontecimento os sentidos temporais não podem ficar renegados a um segundo plano. O passado, o presente e o futuro caminham junto com as potencialidades que o conceito apresenta: “Ao desorganizar o presente, o acontecimento instala uma temporalidade estendida, convoca um passado com o qual ele possa estabelecer ligações, anuncia futuros possíveis” (FRANÇA, 2012, p. 47). A temporalidade é inerente à compreensão de um acontecimento porque a explicação sobre algo faz parte da consciência humana. Compreender o que ocorre é quase instintivo para quem vive em sociedade e procura sentidos sobre o que vivencia. Aliada a essa procura de explicações e significações está a produção de discursos. Estes últimos, que por certo são um instrumento de poder, têm certos padrões predeterminados: o apelo a certos arquétipos e estereótipos que acompanham a história das civilizações. Estereótipos e arquétipos, como o apelo à narrativa melodramática em que estão presentes o triângulo amoroso, a luta, o bem, o mal, o herói, o vilão, o monstro, entre outros, são parte dos discursos sobre acontecimentos presentes nos veículos midiáticos. Para 36 ECCOM, v. 10, n. 19, jan./jun. 2019 Arquembourg (2013, p. 56): “As narrativas dos acontecimentos operam escolhas nas maneiras de apreender, compreender e explicar o que acontece. [...] remetem implicitamente para representações da Natureza, de Deus e do Mal”. A título de exemplo, a revista Veja (Edição 2529, ano 50, nº 19, 10 de maio de 2017), ao antecipar um acontecimento referente à Operação Lava Jato2, coloca o ex-presidente Lula e o juiz Sérgio Moro num ringue: “O primeiro encontro cara a cara: Moro X Lula”. Conforme Rebelo (2006, p. 20), as narrativas sempre orientaram os seres humanos funcionando como um meio de legitimação: “Nas sociedades tradicionais, as narrativas míticas, instaurando uma ordem discursiva do mundo, produziam efeitos de sentido através dos quais as coisas eram legitimadas e vividas”. E a importância das mesmas se dá até hoje pelo mesmo motivo: são as narrativas que auxiliam a reconstrução dos quadros de sentido depois que esses foram rompidos pelos acontecimentos, elas seriam a “materialização da procura de sentido” (REBELO, 2006, p. 17). Mais uma vez a centralidade da mídia é evidenciada quando se constata o poder que ela tem em contar as histórias desses acontecimentos que, na enorme maioria das vezes, não estão ao alcance presencial das pessoas: “A maior parte dos acontecimentos que chegam a nosso conhecimento serve-se dessa forma de história; afinal de contas, é reduzido o número daqueles que conhecemos enquanto objetos de uma investigação empreendida por nós mesmos ou da qual participamos” (QUERÉ, 2012, p. 34). Uma história que não só informa, mas que é filtrada e que condiciona o pensamento de quem lê. Fausto Neto (2016), ao analisar as estratégias discursivas das capas de revistas semanais relacionadas ao processo de impeachment, propõe uma “fabricação” do acontecimento por parte das mesmas. Para o autor, as revistas abandonaram a ideia de “elo” entre instituições e leitores e agiram como “atores de uma enunciação interessada” ao anteciparem julgamentos e sentenças. O autor referido não acredita na total centralidade do jornalismo enquanto “produtor” do acontecimento, Fausto Neto (2016) profere que outras narrativas, advindas da instância política, econômica e judiciária, por exemplo, também dinamizaram o acontecimento; no entanto, ao jornalismo é reservada a eleição de um “corpo significante” que enuncia inteligibilidades sobre o acontecimento. Esse “corpo significante” é, precisamente, as fotos corporais editadas de Dilma Rousseff nas capas das revistas Veja, IstoÉ, Época e CartaCapital. Para o autor, as revistas, ao optarem por determinadas fotos editadas nas capas, e não por aquelas de atividade testemunhal, na qual a foto era reproduzida no contexto original, emolduraram o acontecimento de acordo com seus pontos de vistas. Para Fausto Neto (2016), portanto, o processo de impeachment foi uma fabricação das revistas pelos antecipamentos que as mesmas anunciavam antes da temporalidade da instância política. Exemplo disso é o fato de que mesmo antes de o pedido de impeachment ser aceito