A Família Civita E a Imprensa Na América Latina

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A Família Civita E a Imprensa Na América Latina A família Civita e a imprensa na América Latina The Civita Family and the press in Latin America La familia Civita y la prensa en América Latina Aline de Jesus Nascimento 1* 1Universidade Estadual de São Paulo, Assis/SP – Brasil Scarzanella, Eugenia. Uma editora italia- império no campo editorial e tornar as ban- na na América Latina: o Grupo Abril (déca- cas de jornais locais de informação e entrete- das de 1940 a 1970). Campinas. Editora da nimento. Uma empresa com tal renome não Unicamp, 2016. passaria impune aos historiadores, há uma gama de trabalhos acadêmicos acerca das Escrever acerca da trajetória dos funda- principais revistas produzidas pela empresa, dores até a consolidação da Abril é tarefa que cada qual com sua metodologia. exige fôlego. Em meados do século XX, os O livro da professora de História da Uni- seus criadores remodelaram os nichos edito- versidade de Bolonha, Eugenia Scarzanella, riais na América Latina, principalmente no seguiu uma linha interessante ao se basear que tange ao caso brasileiro. Além do tradi- na trajetória dos italianos pertencentes à fa- cional almanaque e das mais diversas cole- mília Civita na segunda metade do século ções de fascículos, os produtos foram diver- XX. Especialista em América Latina, o li- sificados em vários suportes impressos não se vro representa sua primeira investida na limitando apenas às revistas, destinadas aos empresa Abril. Sem deixar de entrelaçar as mais diversos públicos. A Abril segmentou publicações da editora com o contexto po- o mercado de impressos e levou às bancas o lítico vigente, Scarzanella esmiuçou, com mais variado tipo de revistas, que iam do es- maestria, uma análise que levou em conta a porte à moda, do gerenciamento e decoração experiência da Abril na Argentina, no Brasil da casa à informação semanal, enfim, uma e no México. Portanto, apesar da editora diversidade de conteúdos que acabavam por Abril constituir-se objeto comumente pes- agradar diferentes leitores e interesses, o que quisado, a autora contribui para as relações permitiu à empresa construir um verdadeiro internacionais de um empreendimento que DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X02104313. Resenha recebida em 5 de novembro de 2018 e aceita para publicação em 24 de junho de 2019. * Mestranda da Universidade Estadual de São Paulo / Departamento de História, campus Assis, Assis/SP – Brasil. Bolsista Fapesp, processo nº 2017/15451-9. E-mail: [email protected]. ORCID: https:// orcid.org/0000-0002-0094-8550. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 21, n. 43, p. 271-275, jan./abr. 2020 | www.revistatopoi.org 271 A família Civita e a imprensa na América Latina Aline de Jesus Nascimento não afetou apenas o campo econômico, mas os italianos ocuparam espaço desse empre- também o cultural. Dessa maneira, o título endimento na Argentina foi delineado pela da obra por si já fornece indícios do que o autora e representa um novo olhar acerca leitor irá encontrar ao se debruçar no texto: a da empresa. O livro, desse modo, contribui experiência de uma editora italiana na Amé- para novas perspectivas acerca dessa grande rica Latina. empresa que não se limitou apenas a um es- Cabe destacar dois pontos: a data de paço geográfico. lançamento da tradução em português foi O Brasil aparece como pano de fundo, oportuna, visto que o atual cenário da edito- quando a Abril constituiu-se numa empre- ra não é mais promissor como o das décadas sa autônoma, mas que soube se apropriar de anteriores; a edição brasileira foi publicada determinadas publicações de sua vizinha. pela Editora Unicamp, renomada por disse- Ao México foram destinadas poucas páginas minar grandes títulos na área acadêmica. no final do livro. A partir da atuação da fa- Além do obstáculo da escassez de estu- mília Civita na América Latina, o livro está dos que contemplem a trajetória da editora dividido em seis capítulos com títulos claros nos três países, outro desafio da pesquisa acerca do que cada componente irá abordar. concerne às fontes. A fragmentação de docu- Acrescenta-se dois recursos interessantes: o mentos da editora Abril, que se encontram índice onomástico e o caderno de imagens, espalhados em diferentes bibliotecas e arqui- elementos pós-textuais de grande relevância vos históricos, elencados na apresentação do para quem quer realizar uma rápida consulta livro, exigiu o empenho da pesquisadora não de revistas citadas no decorrer dos capítulos. apenas na recolha, mas também no estabe- Scarzanella abordou os passos iniciais lecimento de uma linha de raciocínio diante dos fundadores das empresas, a família de tantas frações. Também, a ausência de in- Civita, desde o momento que fizeram parte dícios fez com que Scarzanella levantasse di- da estatística dos exilados que se espalharam versas fontes para cobrir possíveis brechas na nos territórios da América por causa dos re- história. As fontes orais foram contribuições gimes totalitários entre 1920 e da Segunda relevantes para o trabalho da historiadora. Guerra Mundial que eclodiram na Europa. Além de compartilharem lembranças dos Cabe lembrar que uma parcela desses exi- membros da família Civita, os testemunhos lados era pertencente à classe social média dos funcionários da empresa forneceram in- alta, com elevados recursos econômicos e formações que não puderam ser acessadas culturais. A atividade editorial da família nos escassos documentos oficiais. Civita dentro do território latino-americano A obra privilegia os primeiros anos da iniciou-se na Argentina com Cesare, empe- editora na Argentina, ao evidenciar como nhado em publicações de revistas em qua- ocorreu a investida da empresa e quais fo- drinhos. Uma rede de relações e parcerias, ram as obras de mais destaque naquele país. firmadas por Cesare, na qual estavam en- A questão das relações étnicas e de como volvidos contatos com a comunidade judai- Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 21, n. 43, p. 271-275, jan./abr. 2020 | www.revistatopoi.org 272 A família Civita e a imprensa na América Latina Aline de Jesus Nascimento ca e italiana na Argentina, possibilitou um cópias e uma versão em espanhol passou a leque de novos financiadores e leitores. Em ser distribuída na Argentina. 1944, a Abril argentina publicou uma revis- O segredo da Abril consistia em colocar ta em pequeno formato da Disney: El Pato no mercado novos produtos com publicações Donald. Trabalhar nesse local não significou diferenciadas e destinadas a determinadas apenas um privilégio econômico compara- faixas de consumidores, em uma velocidade do a outros empregos no setor, simbolizava a imposta pelas nuances do mercado editorial. possibilidade de compartilhar um ambiente Assim, em 1959, foi lançada em São Paulo dinâmico, jovem, culto e divertido. a primeira revista de moda, Manequim, que Vittorio seguiu o caminho do irmão e, utilizava material fotográfico proveniente de com os direitos autorais da Disney, publicou Buenos Aires. no Brasil, em junho de 1950, o Pato Donald, Ainda na década de 1960, Parabrisas na marcando o momento inicial da empresa Argentina foi grande sucesso relacionada ao que dominaria as bancas em poucos anos. desenvolvimento da indústria automobilísti- A sede da editora sempre foi São Paulo, es- ca no país. O êxito acarretou no aumento de tado que se destacava do ponto de vista eco- sua periodicidade – de mensal para semanal nômico e que então contava pouco mais de – a fim de estar mais presente nas bancas. dois milhões de habitantes. O mundo do Foi rebatizada como Corrida (1966) e Raúl jornalismo, assim como o da cultura e dos Horacio Burzaco foi convidado para dirigi- intelectuais, era largamente dominado pelo -la. Em agosto de 1960, a Abril de São Paulo eixo Rio de Janeiro/São Paulo e a cidade foi lançou a revista Quatro Rodas, sob direção uma aposta do fundador que acabou por se do jornalista Mino Carta, nos moldes da pu- revelar bastante acertada. blicação argentina, igualmente especializada Scarzanella estabeleceu os traços co- em turismo e automóveis. muns entre os dois países, que não se limi- Em 1961 surgiu nas bancas Claudia, pu- taram apenas pela escolha do mesmo nome blicação homônima à argentina lançada em para a editora. O desenvolvimento paralelo 1957. Seguindo os moldes de Marie Claire, da Abril no Brasil e na Argentina prosseguiu Grazia e Ladies’ Home Journal, esse sema- por todos os anos de 1950. O caso da revis- nal feminino foi de imediato grande suces- ta de fotonovelas Capricho merece destaque so. Destinado a donas de casa, explorou o nessa relação devido ao seu grande sucesso. uso de fotografia e publicidade nas suas pá- Lançada em 1952, a revista foi dirigida por ginas. No caso brasileiro, foi a primeira re- uma colaboradora da Abril argentina, a fim vista feminina que trouxe no título o nome de contribuir para o lançamento de novas de uma mulher. Os periódicos renovaram o publicações nesse gênero. Após uma mu- gênero e sempre estiveram em sintonia com dança de formato e o início da publicação o crescimento da urbanização e das camadas de histórias completas em cada número, o médias. Porém, progressivamente ambas as periódico chegou a uma tiragem de 500 mil revistas, brasileira e argentina, se distancia- Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 21, n. 43, p. 271-275, jan./abr. 2020 | www.revistatopoi.org 273 A família Civita e a imprensa na América Latina Aline de Jesus Nascimento ram, ao adequar-se aos poucos cada qual a derados ofensivos (sexo, aborto, divórcio). O sua realidade nacional. Com grande sucesso momento de lançamento da última não foi até os dias atuais, no Brasil, Cláudia, desti- feliz porque, em dezembro do mesmo ano, nada à mulher casada, deu origem a subpro- foi decretado o Ato Institucional nº 5, com dutos como Casa Cláudia. o qual o regime militar suspendia as garan- A Abril firmou-se no mercado brasileiro tias constitucionais.
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