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Relatório Científico Final

Bolsista : Pedro Maciel Guimarães Junior Supervisor : Ismail Norberto Xavier Número do processo 2010-50963-1 Sumário

1. Resumo do plano inicial ...... 3

2. Detalhamentos dos progressos realizados, dos resultados obtidos no período ...... 4

A. Mapeamento das dimensões gerais do campo estudado; primeiros escritos generalistas ...... 4

B. Estudos específicos sobre atores brasileiros ...... 12 B.1. ...... 14 B.2. Helena Ignez ...... 16 B.3. Paulo César Pereio ...... 23 B.4. Tarcísio Meira ...... 29 B.5. Wilson Grey ...... 34 B.6. O ator moderno do cinema brasileiro ...... 45

3. Atividades paralelas ...... 59

4. Conclusão ...... 60

5. Resumo das publicações e eventos ...... 60 5.1. Artigos publicados ...... 60 5.2. Artigos aceitos para publicação ...... 61 5.3. Participação em eventos ...... 61 5.4. Aulas, cursos e palestras ministrados ...... 62

6. Bibliografia citada ...... 62

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1. Resumo do plano inicial

O meu projeto de pesquisa “O ator-autor no cinema brasileiro” foi elaborado para ser realizado em duas etapas. Na primeira, eu iria me dedicar a aprofundar o conceito, forjado pelo pesquisador e crítico americano Patrick McGilligan, em 1975, e suas atualizações feitas por pesquisadores americanos e franceses, sobretudo, sobre atores e atrizes do cinema hollywoodiano e europeu. As análises de McGilligan concentravam-se em torno da figura do ator e de suas possibilidades legítimas de se tornar autor de um filme, influenciando não só na criação do personagem, mas também na elaboração formal de um plano, de uma sequência ou de um filme. Nesse primeiro momento da minha pesquisa de pós-doutorado, eu tentaria fazer um mapeamento de uma teoria ainda pouco aplicada, inovadora e que, portanto, necessita cuidados metodológicos para ser objeto de transposição para atores oriundos de outras cinematografias. Para isso, eu tentaria verificar pontos comuns dessas análises e observar a metodologia de pesquisadores importantes como Luc Moullet, James Naremore, Christian Viviani, Christophe Damour, Nicole Brenez e Alain Bergala. Essa primeira etapa serviria também para testar a possibilidade de aplicação desse conceito para outros tipos de atores, fora dos padrões do cinema clássico, seja ele europeu ou americano. Quando se pretende aplicar uma teoria para objetos de estudos distintos dos propostos nos textos que nos precedem, estamos sempre sujeitos a ter que, primeiramente, testar a adequação desses objetos a tal teoria. Em segundo lugar, é necessário operar também algumas adaptações para que esses objetos de estudos, no caso os atores brasileiros, possam ser compreendidos nas suas especificidades econômicas, sociais e estéticas. Em seguida, eu passaria a aplicar o conceito de ator-autor para os intérpretes brasileiros, o que constituiria a segunda etapa da minha pesquisa. Nesse momento, eu escolhi quatro atores (, Antônio Pitanga, Helena Ignez, Matheus Nachtergaele), sem ainda ter muita certeza de que seriam os melhores objetos de pesquisa

3 ou mesmo se a teoria do ator-autor poderia ser aplicada aos nossos intérpretes. A proposta inicial desses intérpretes obedecia minha vontade de trabalhar com intérpretes provenientes de períodos históricos, tipologias e sistemas de interpretação diferentes: um ator ligado aos gêneros cômicos dos anos 50 (Grande Otelo), um outro de perfil independente e ligado ao cinema novo (Antônio Pitanga), uma atriz oriunda do universo do cinema marginal (Helena Ignez) e um ator da nova geração do cinema brasileiro (Matheus Nachtergaele).

2. Detalhamentos dos progressos realizados, dos resultados obtidos no período

A. Mapeamento das dimensões gerais do campo estudado; primeiros escritos generalistas

Ao iniciar minhas pesquisas sobre os atores de cinema no Brasil, me deparei com uma enorme lacuna bibliográfica sobre o tema. Percebi que poucos textos acadêmicos de peso haviam sido escrito sobre o tema. O ator de cinema é debatido na sua acepção sociológica, o star system, o ator como mercadoria. Quando o trabalho do ator é debatido, qualificado e avaliado, isso se dá, principalmente através dos textos críticos. No Brasil, no que diz respeito aos textos sociológicos, temos estudos consistentes, voltados para épocas bem definidas do cinema brasileiro (os estúdios dos anos 40 e 50). Os resultados das apreciações críticas beiram, no entanto, a superficialidade, pois a grande maioria desses discursos é feita em cima de julgamentos de valor sobre uma suposta veracidade (nada mais subjetivo) de uma interpretação. Nesse panorama, dois textos representam uma exceção. Primeiramente, o de Nikita Paula, Voo Cego do Ator no Cinema Brasileiro, que aborda algumas preocupações do meu trabalho : a especificidade do ator de cinema com relação aos atores de teatro e, principalmente, a transdisciplinaridade dos atores brasileiros, que são, ao mesmo tempo, atores de teatro, cinema e televisão. Essa maneira de alternar trabalho nos três meios de representação foi essencial para entender a

4 manifestação de autoria de um ator como Matheus Nachetergaele e também o novo perfil dos atores brasileiros do cinema chamado “pós-retomada”. Uma segunda tentativa de se compreender o fenômeno “atoral” no Brasil foi a comunicação oral de Afrânio Catani no encontro da Socine 2010 sobre o ator Zé Trindade, uma das poucas reflexões específicas do programa gestual e do regime de aparição de um ator em filmes brasileiros. Outros textos como o de João Luiz Vieira, “A chanchada e o cinema carioca”, publicado na compilação História do Cinema Brasileiro, organizada por Fernão Ramos, nos dá pistas do que seria o estrelato à brasileira no período das chanchadas e define uma tipologia de personagens que pode ser material para se estudar as performances de atores oriundos desse sistema industrial (nomeadamente Grande Otelo). Mais recentemente, Vanderlei Bernardino, em sua dissertação de mestrado, tenta mostrar como os atores do Teatro de Arena foram reempregados no cinema novo e modificaram a maneira de se interpretar no cinema. Com esse primeiro mapeamento das reflexões brasileiras em torno do ator, parti para a pesquisa das generalidades do conceito de ator-autor. O texto norteador da minha pesquisa foi o de Patrick McGilligan, Cagney, the actor as auteur. Para falar das contribuições de James Cagney nos filmes em que ele aparecia unicamente como ator, McGilligan se pôs a investigar de que maneira a simples presença do ator “define a essência dos filmes” (McGILLIGAN, 1975, p. 33), impondo decisões estéticas às escolhas de mise en scène – escolha de certos tipos de planos, de um tipo determinado de personagem – e determinando, de maneira geral, a plástica de um plano, de uma sequência ou até de um filme inteiro. McGilligan analisa também de que maneira Cagney repetia uma série de elementos corporais de encarnação em todos os seus papéis, pouco importando o tipo de personagem, o tom do filme ou as preferências pessoais de um diretor. Segundo McGilligan, os trejeitos de Cagney contaminariam até mesmo seus parceiros de cena, pois, nos seus filmes, apesar de centrados em personagens durões e cruéis, “os gângster parecem dançar” (MCGILLIGAN, 1975, p. 35), seguindo a maneira leve e saltitante que Cagney, outrora ator de musicais, tinha de emprestar movimento aos seus mafiosos.

5 McGilligan criou o conceito de ator-autor, mas não se preocupou em desenvolvê- lo nem em ampliá-lo a outros objetos de estudo. O único retorno que ele fez à sua reflexão inovadora foi em 2007, quando compara a experiência do ator Cagney a outros dois atores-autores, Ronald Reagan e Clint Eastwood, numa obra coletiva editada justamente por seus leitores mais assíduos, os membros do GRAC (Groupe de recherches sur les acteurs de cinéma), ligado à Universidade de Paris 1 e à revista Positif. Nos últimos anos, McGilligan tem se dedicado a escrever sobretudo biografias de astros e diretores de Hollywood (Jack Nicholson, Clint Eastwood, Nicholas Ray, Alfred Hitchcock), deixando para pesquisadores, em sua maioria franceses, a tarefa de atualizar e ampliar seu conceito. Na França, os conceitos de McGilligan tiveram sua mais ampla aplicação. Primeiramente, através da obra analítica de Luc Moullet, Política dos atores, lançada em 1993, sobre Cary Grant, Gary Cooper, John Wayne e James Stewart. Mais tarde, as análises “atorais” foram retomadas pelos pesquisadores do GRAC, que tiveram o mérito de atualizar a discussão e ampliar as análises às atrizes (Catherine Deneuve, Audrey Hepburn) e aos intérpretes de outras gerações (Johnny Depp). Essas análises circunscrevem-se, no entanto, a um tipo de cinema bastante codificado (cinema de gênero, atores de comédia, atores de western, atores de filmes policiais) e sobretudo se propagam entre os atores que, de uma maneira ou de outra, são oriundos do star system norte-americano. Essas primeiras pesquisas sobre a generalidade do conceito de ator-autor aplicado nos Estados Unidos e na França me levaram a produzir dois textos generalistas sobre atores brasileiros. Como eu estava me propondo realizar análises sobre o sistema de interpretação de alguns atores brasileiros, me dei conta de que estava querendo tratar do específico sem ter devidamente claro algumas generalidades sobre o tema. Como eu poderia tentar entender o fenômeno de aparição e relação de um ator com um diretor sem ter definido as especificidades dos atores brasileiros, no que tange o star system e as relações entre os meios de representação?

6 Assim, em “Proposta de tipologia dos atores brasileiros”, publicado no catálogo da 15ª Mostra de cinema de Tiradentes, defendi que para se entender o cinema brasileiro nos últimos 15 anos, é preciso colocar o ator no centro da discussão e se dobrar à evidência da mudança do perfil de alguns intérpretes brasileiros, o que permite que os qualifiquemos como típicos “atores de cinema”, que se dedicam quase que integralmente a esse meio de representação. Propus então uma tipologia dos atores do cinema brasileiro a partir da experiência da última década e meia, baseada nas relações entre cinema e televisão, que serve como uma maneira de se entender o perfil dos intérpretes aproveitando uma característica particular desses “novos” atores. Historicamente, os atores brasileiros tiveram que recorrer à televisão como maneira de manter sua frequência de trabalho. No entanto, na experiência recente dos atores, verifica-se o inverso : a televisão passou a se alimentar de intérpretes que se destacaram antes na tela grande. Esses atores têm em comum o fato de terem sido levados para a televisão – meio essencial para se entender um star system à moda brasileira – num exercício de apropriação que não significa necessariamente anulação das características individuais de cada intérprete, o que foi a regra para muitos atores do passado como Grande Otelo, Maria Gladys ou Marcélia Cartaxo. Pela possibilidade recente de se dedicarem quase que exclusivamente ao cinema, em trabalhos de reconhecido valor estético e de garantido retorno econômico, esses atores passaram a ter maior possibilidade de negociar suas aparições na televisão e não serem obrigados a aceitar qualquer papel que lhes fosse oferecido. Fazem parte desse grupo Selton Mello, Matheus Nachtergaele, Lázaro Ramos, , Chico Dias, , Gero Camilo, Luis Carlos Vasconcelos, , , Milhem Cortaz, Karine Teles, João Miguel, Leona Cavalli, Leonardo Medeiros, Hermila Guedes, Simone Spoladore, Juliano Cazarré, Fabíula Nascimento, Aílton Graça, Marat Descartes, , Maeve Jenkins, Jesuita Barbosa e Gilda Nomacce, entre outros. É desse grupo de atores que saiu um dos melhores objetos de estudo do meu trabalho, Matheus Nachtergaele, sobre quem voltarei quando abordar os resultados específicos da minha pesquisa.

7 Ainda na perspectiva de se entender a dimensão macro dos atores brasileiros, publiquei o texto “Por uma política dos atores”, publicado no livro comemorativo dos 15 anos da Mostra de Tiradentes. O título é uma referência clara às reflexões do pesquisador Luc Moullet, um dos herdeiros de McGilligan, em torno das manifestações de autoria de quatro atores americanos (Cary Grant, Gary Cooper, James Stewart e John Wayne). O nome da obra de Moullet, por sua vez, é uma referência à “política dos autores”, bandeira crítico-teórica levantada pelos membros do Cahiers du Cinéma nos anos 50 e que visava justamente elevar ao estatuto de “autor” alguns diretores, pinçados majoritariamente de dentro do cinema industrial americano. Bradar por uma política dos atores significa reivindicar que, partindo das bases do pensamento teatral e das reflexões práticas dos diretores, é preciso tratar os atores de cinema como os atores de teatro e usar da prática da arte de interpretar para se construir uma teoria. O que se pretende é dedicar análises estéticas às performances dos atores de cinema, descrever e analisar seus gestos, sua postura vocal, seu programa gestual, a sistemática formal e temática de suas aparições na tela. Visa-se também pensar o conjunto dos seus filmes como uma “obra” e investigar sobre as questões práticas e simbólicas do momento da encarnação de um personagem ficcional no que diz respeito as relações ator-personagem e ator-diretor. No corpo do ator, o instrumento se confunde com a obra, o processo de criação (a poética, de Aristóteles) mescla-se à apreciação estética e duas entidades (o ator, com suas particularidades e persona extrafílmicas, dimensão concreta; e o personagem ficcional, dimensão, a princípio, abstrata) convivem às vezes harmônica ou, nos casos mais interessantes, conflituosamente. Nesse corpo, podem-se ler traços não somente de momentos de criação do filme mas também das escolhas de mise en scène do diretor. Foi nesse texto também que expressei minha defesa da transdisciplinaridade da persona dos atores brasileiros, construída ao mesmo tempo pelos meios cinematográfico, televisivo e teatral, pois é na passagem entre esses três meios (sobretudo cinema e Tv), que se fundam os paradigmas de star system brasileiro, a manifestação da autoria dos atores nacionais e a originalidade do cinema brasileiro no que diz respeito aos seus intérpretes. A persona, termo de inspiração jungiana, é a parte emergente para a coletividade das

8 características psicológicas de uma pessoa, seja ela pública ou não (JUNG, 1967, p. 480). No caso do ator, a persona alimenta-se majoritariamente dos personagens que ele vive na tela, do discurso midiático em torno dele, dos seus engajamentos pessoais e da sua relação com outros diretores. Persona era também o nome das máscaras usadas por atores no teatro Antigo, onde um buraco na altura da boca magnificava a potência da voz do ator, sendo o local por onde soa (per sona) a voz. Ainda como decorrência dessas reflexões, na 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, mediei a mesa redonda “O ator em expansão”, com três intérpretes desse chamado “novíssimo cinema brasileiro” (Karine Teles, Irandhir Santos e Marat Descartes), onde discutimos o papel dos preparadores de elenco, a independência do meio televisivo e as novas perspectivas para a interpretação no cinema. Ainda no que diz respeito às reflexões generalistas sobre os atores brasileiros, apresentei uma comunicação em um congresso internacional na França sobre atores de cinema, organizado pela associação da qual faço parte, GRAC. Essa associação tem como objetivo discutir sobre as particularidades dos atores de cinema, em encontro bisemestrais e um colóquio internacional bianual. O encontro de 2011 foi o primeiro colóquio internacional da associação e foi realizado na cinemateca de Nice, no sul da França. Apresentei a comunicação “Atores-Actores, Brasil-Portugal, o que se pode dizer de uma cinematografia através da análise dos seus atores”, onde pretendia fazer uma comparação entre as concepções de direção de atores predominantes no Brasil e em Portugal. Essa comunicação foi mais uma maneira de mapear o terreno do estudo “atoral” no Brasil, dessa vez comparando-o com os estudos portugueses no mesmo campo, e também para fazer de vez a passagem entre o ambiente do doutorado (cinema português) e o ambiente do pós-doutorado (cinema brasileiro). Defendi que a maioria dos atores brasileiros, por causa da predominância econômica e estética da televisão, acabam levando para o cinema uma estética de interpretação naturalista que transforma muitos filmes brasileiros em meras cópias de seriados e telenovelas, tamanha a semelhança de forma de atuação nesses dois meios. Para ilustrar essa proposição, mostrei trechos da novela Passione, (Silvio de Abreu, 2011, direção Denise Saraceni) e do filme Se eu fosse você

9 (Daniel Filho, 2006), que apresentavam os dois mesmos atores (Glória Pires e ) para ilustrar que filme e telenovela eram um prolongamento formal um do outro, visando, segundo Esther Hamburger, “reforçar o sentido de pertencimento do público a uma comunidade imaginária que se torna menos abstrata e mais familiar na variação das paisagens audiovisuais” (HAMBURGER, 2005, p. 119). O cinema português, por outro lado, investe em propostas de direção de atores muito mais radical, da parte de diretores como , João César Monteiro, João Pedro Rodrigues, Pedro Costa, entre outros, abordagens brechtianas do corpo do ator, onde ator e personagem aparecem num filme em pé de igualdade, um não sufocando o outro e muito menos mimetizando formas já estabelecidas no meio televisivo. Essa ideia de ser ter num mesmo filme ator e personagem aparecendo de maneira igualitária foi desenvolvida no texto “O ator ao lado do personagem : os intépretes de Manoel de Oliveira”, onde eu pregava que os processos de encarnação nos filmes de Oliveira visam a convivência, num mesmo corpo, dessas duas instâncias narrativas. O ator não se esconde por detrás da máscara ficcional do personagem e suas particularidades de intérprete, sua experiência com outros diretores e seus engajamentos pessoais são levados em conta no momento da escrita dos roteiros e da filmagem. Pretendi também mostrar que a postura do cinema português teve reflexos no cinema marginal brasileiro de Rogério Sganzerla e Júlio Bressane. Apesar de distante formal e tematicamente do cinema brasileiro contemporâneo, o cinema de Oliveira pode ser um bom objeto para se testar a validade da teoria do ator-autor, por ser um cinema pautado pela ausência do star system nos moldes americanos, requisito principal da totalidade das análises em torno dos atores americanos e franceses estudados. Essa aplicação me fez rever uma verdade impregnada nas reflexões dos autores franceses a partir das reflexões de McGilligan e Moullet (Cieutat, Viviani, Damour e LeGras) : a de que somente os atores considerados estrelas é que podem ser atores-autores. Os requisitos para ser considerado uma estrela foram colocados por Edgar Morin em seu ensaio Les Stars (1957). Na passagem dos requisitos da estrela para o “ator-autor”, dois nos parecem problemáticos : o que diz respeito à prerrogativa mercadológica dos astros (a

10 “estrela-mercadoria”, segundo terminologia dele), capaz de influenciar comportamentos e modelos de conduta e o de que somente personagens considerados heróis geram estrelas (MORIN, 1990, 24, 25). Ora, atores como Luis Miguel Cintra, Diogo Dória e Teresa Madruga não obedecem a esses requisitos e ainda assim são capazes, através de sua persona de atores brechtianos de teatro e de atores “distanciados”, de influenciar a criação de um personagem, de um plano e de um filme no geral. Manoel de Oliveira chegou a dizer que não criava personagens complexos demais para Cintra pois o no corpo do ator não cabia uma representação excessivamente psicológica (Cahiers du Cinéma n° 328, octobre 1981, p. 12). A experiência da análise dos atores oliveirianos, sobretudo Cintra, me permitiu partir para as análises dos atores brasileiros com a certeza de que atores não-astros podem sim serem considerados autores, somente seu campo de influência é que será ligeiramente distinto da influência das estrelas na concepção formal de uma obra audiovisual. Ao final da comunicação, mostrei uma exceção à predominância do panorama naturalista do cinema brasileiro: as performances da atriz Helena Ignez nos filmes de Rogério Sganzerla, sobretudo em Sem essa Aranha (1970). Defendi que Ignez era um corpo-prolongamento das inquietações e das preferências intelectuais de Sganzerla enquanto cineasta e que alguns atores do cinema brasileiro contemporâneo são herdeiros da postura radical de Ignez de tentar construir uma carreira estritamente cinematográfica, independente da fascinação e das facilidades propiciadas pelo meio televisivo. O colóquio francês foi também uma excelente maneira de ficar sabendo do que está sendo feito no mundo com relação aos estudos dos atores de cinema, visto que estavam presentes pesquisadores da Europa, América do Norte, China e Japão. Um segundo texto particular, dessa vez sobre um ator estrangeiro, Charles Chaplin, me possibilitou levar a análise para o campo dos atores de burlesco. Em “Chaplin-ator : subversões de modelos de encarnação”, publicado no catálogo da retrospectiva integral do diretor realizada em Belo Horizonte, analisei o programa gestual de um personagem, Carlitos, e não mais de um ator, Chaplin. Assim, me dei conta de como o regime de aparecimento desse personagem burlesco foi inovador.

11 Carlitos seria o primeiro (talvez o único), “personagem-autor” da história do cinema, pelo menos o que tem um sistema de interpretação facilmente analisável. Isso porque faz parte da dinâmica da teoria do “ator-autor” a análise atenta do programa gestual de um ator como momentos de manifestação da sua capacidade autoral. Os gestos encarnam sentimentos e pulsões, são vias de transmissão de afetos imediatamente inteligíveis, como bem demostrou François Delsarte e sua “semiótica do gesto”. Chaplin, como um ator de pantomima, fez deles o principal veículo de sua comunicação. Melhor dizendo, Carlitos o fez. A partir do momento em que Chaplin teve a palavra (e sabemos como ele hesitou em usá-la), o programa gestual do ator desapareceu. Carlitos tinha um programa gestual – que compreendia não usar da fala –, Chaplin não. Nesse sentido, a limitação da instância criativa do ator, defendida por Alain Masson e pouco aplicável na maioria dos casos de atores-autores, ganha certa legitimidade : “o gesto não vem do corpo do ator, pois esse ator não tem um corpo preexistente ao gesto ... o gesto emana de um outro corpo, o do personagem” (MASSON, 2007, p. 84). Publiquei mais um artigo sobre atores estrangeiros como uma maneira de abordar a teoria do ator-autor no âmbito brasileiro. Em “Cary Grant : o primeiro hitchcocko-hawksiano”, publicado no livro-catálogo da mostra integral Howard Hawks, defendo que o ator foi o primeiro a reivindicar o epíteto ligado a dois dos maiores diretores do cinema clássico (Hitchcock e Hawks), assim como o fizeram os críticos- cineastas do Cahiers du Cinéma nos anos 1950. Esse artigo me abriu possibilidade para pensar como as relações de proximidade com um diretor são determinantes para a carreira de um ator, dimensão que analisei mais tarde nos textos sobre Paulo César Pereio e Helena Ignez.

B. Estudos específicos sobre atores brasileiros

Uma vez realizado esse mapeamento generalista sobre os atores brasileiros e específico sobre alguns atores estrangeiros, parti para a reflexão específica em torno de alguns atores brasileiros. Antes de passar aos resultados, faz-se necessária uma redefinição

12 de objetos, motivada pela observação mais atenta de alguns atores escolhidos no corpus inicial. Se escolhi manter Nachtergaele e Ignez no centro das reflexões, afastamos, Antônio Pitanga e Grande Otelo. Sabemos que a escolha de objetos de estudos, em início de pesquisa, nos é dado pela observação, por vezes errônea da interação desses objetos com as teorias que pretendemos aplicar. No caso de Pitanga, um certo desconhecimento da carreira do ator, até iniciar minhas pesquisas, me levavam a crer que se tratava de um ator que tivesse potencialidades autorais nos filmes em que aparecia, o que não se sustentou depois que pude me debruçar sobre seus filmes : principalmente A Grande Feira, Roberto Pires, 1961; Barravento, , 1962; e Ganga Zumba, , 1963. O talento dramático de Pitanga é evidente e sua bagagem cinematográfica e teatral, consistente. No entanto, ser reconhecido como intérprete de talento não basta para qualificar atores como bons objetos de estudo da teoria do ator-autor – Orson Welles, Laurence Olivier e Bette Davis ainda não tiveram seus métodos de encarnação estudados no cinema. É preciso que haja estabelecimento de relações de proximidade entre ator e diretor, pois é a partir daí que as manifestações da persona do ator vão surgir de maneira natural. Pitanga colaborou com autores reconhecidos, mas com nenhum deles desenvolveu essa intimidade no processo criativo do filme, motivo pelo qual, ele foi afastado das análises. No caso de Otelo, o excesso de textos escritos sobre o ator (não necessariamente análise gestual da suas interpretações) foi uma das razões que me levou a me desinteressar, num primeiro momento, de analisar sua obra no cinema. Entendi ser mais importante abrir a discussão para atores pouco analisados e deixar em suspenso, pelo menos nesse primeiro momento, um ator sobre o qual muito se escreveu. Da mesma maneira, acrescentei outros atores ao meu corpus inicial (Paulo César Pereio, Tarcísio Meira, Wilson Grey), cujos resultados apresento logo em seguida.

13 B.1. Matheus Nachtergaele

O primeiro artigo específico que escrevi foi “O caipira e o travesti. O programa gestual de um ator-autor : Matheus Nachtergaele”, publicado pela revista Significação, da ECA-USP, no segundo semestre de 2012. Nachtergaele foi um objeto de pesquisa excelente para iniciar minhas análises específicas, pois, além de ser um ator de talento dramático evidente, ele utiliza-se também de tipos de interpretação próximos dos atores americanos analisados por Luc Moullet. Apesar de também não poder se considerado uma “estrela”, segundo os critérios de Morin, nos permitimos tecer considerações sobre Matheus Nachtergaele ator-autor, por diversas razões. Nachtergaele, que começou a carreira no grupo de teatro Vertigem, em São Paulo, teve carreira consolidada no cinema antes de aparecer na televisão. Seu perfil de ator estaria próximo do que Luc Moullet chama de atores convergentes, citando o exemplo de John Wayne, ator que se especializou em personagens de caubóis e cujas composições rodavam sempre em torno da “velhice, da decrepitude e do tempo que passa” (MOULLET, 1993, p. 61). Nachtergaele não tem um tipo único de personagem, mas suas aparições no cinema e na televisão privilegiam tipos bem definidos : o caipira e sua variante do tipo nordestino (os filmes Tapete Vermelho e Central do Brasil, a série O Auto da Compadecida); o homossexual e sua variante do travesti (a série de TV Hilda Furacão, o filme Amarelo Manga) e o líder espiritual (as novelas Cobras e Lagartos e e a série A Muralha). Desses tipos, analisei mais em profundidade os dois primeiros. Matheus Nachtergaele se enquadra nas análises feitas por Moullet por outro motivo determinante. Ele obedece às chamadas “orientações essenciais ou figuras de encarnação” (MOULLET, 1993, p. 88), que o teórico francês usa para falar da repetição sistemática dos mesmos motivos físicos, corpóreos ou gestuais que o ator Cary Grant repetia em suas aparições no cinema, passando por cima da “direção de atores” de um determinado cineasta. Essa orientação essencial de Nachtergaele, parte integrante do seu programa gestual, está ligada à constante oscilação entre calma e frenesi que marca suas performances. O ator tem a capacidade de, dentro de uma mesma sequência, passar de

14 um olhar angelical ao diabólico, da representação da inocência à crueldade e à explosão nervosa. No cômputo final, são a histeria e a confusão gestual que acabam reinando como traço comum aos seus personagens, mas ela é constantemente ameaçada por silêncios, olhares doces e voz terna. O personagem Cintura Fina, da adaptação televisiva do romance de Roberto Drummond Hilda Furacão (2003, direção de Wolf Maya), por exemplo, guarda durante toda a minissérie um movimento pendular entre a doçura do amigo e confidente da heroína Hilda (Ana Paula Arósio; é ele que a nomeia com o epíteto que passa a ser conhecida na zona boêmia de Belo Horizonte) e o “endiabramento” dos momentos de brigas à navalhadas contra sua rival de prostituição, Maria Tomba-Homem (Rosi Campos). De maneira ordinária, as representações do travesti oscilam entre o pueril e o proibido, entre a inocência (perdida) e a perversidade (encontrada à força pelo exercício da profissão), entre o companheirismo e a ameaça. O personagem Cintura Fina obedece então à essa representação usual do personagem, como lhe impõe as amarras do meio televisivo. A histeria e a oscilação de sentimentos atinge também personagens mais sutilmente representados, no caso, dois tipos populares que fogem da lógica dos travestis: o caipira Quinzinho, do filme Tapete Vermelho (Luis Alberto Pereira, 2005) e o nordestino João Grilo, da série de TV e do filme O Auto da Compadecida (Guel Arraes, 1999; versão para o cinema em 2000). O primeiro, um inocente agricultor que vai para a cidade grande para ver um filme do Mazzaropi, tem verdadeiras crises de nervos quando se encontra com o demônio, quando vai preso e, sobretudo, quando se acorrenta à pilastra do cinema exigindo que lhe mostrem um filme do ator brasileiro. O segundo vive a histeria em tempo constante, que é, aliás, a marca da direção de atores da minissérie de TV, que mescla teatro de rua com vocabulário e situações de cordel. Nenhum dos dois personagens tem conotação sexual dúbia, mas a histeria deles está estranhamente próxima de Cintura Fina e de um segundo homossexual encarnado por Nachtergaele, o empregado doméstico Dunga, no filme Amarelo Manga (Claudio Assis, 2002). A dupla face comum a tantos tipos diferentes vividos por Nachtergaele se aloja simultaneamente sobre um

15 mesmo corpo justamente em Amarelo Manga. A confluência de atitude ofensiva, eticamente questionável, e trejeitos quase infantis aparece quando Dunga escreve uma carta a Kika (Dira Paes), mulher de Welllinton Kanibal (Chico Dias), pelo qual ele é apaixonado denunciando a sua traição. Fazendo olhinhos de donzela e posando de “amiga”, Dunga está sentenciando o açougueiro que o obceca a sofrer com a ira da esposa e, ao mesmo tempo, a sua rival a cometer um crime violento. Se o misto de histeria/calmaria é a orientação essencial das encarnações de Nachtergaele, pode-se notar também, em alguns momentos, uma atitude de abandono do personagem, o que deixa livre curso à possibilidade de aparecimento de uma feição própria ao ator. É o caso do sorriso divertido e maroto dado por Nachtergaele nos últimos instantes de alguns planos, quando a narração parece já ter se extinguido e o corte não tardará, mas no qual o corpo do ator ainda ocupa o centro de um plano. Esse sorriso funciona como uma espécie de preparação do terreno a uma atitude de distanciamento tipicamente brechtiana como a do personagem Everardo, de (Claudio Assis, 2006), que interpela o espectador ao verbalizar uma reflexão do próprio diretor Claudio Assis de que “o cinema é bom pois nele se pode fazer o que quiser”. Num cinema tão carente de interpretações brechtianas e menos stanislavskianas, Nachtergaele funciona como depositário de prerrogativas que abrem espaço a reflexões críticas do espectador quanto a natureza do meio de representação e ao conteúdo de alguns filmes.

B.2. Helena Ignez

O segundo ator analisado foi Helena Ignez. Escrevi um primeiro texto, “Cinema, a arte da pose e do aparecer, os filmes da Belair”, sobre a concepção de atores de Julio Bressane e Rogério Sganzerla e sobre a importância da atriz Helena Ignez dentro da obra dos dois diretores para a revista Beta. Helena Ignez é um objeto de estudo privilegiado no que diz respeito às manifestações de autoria de um ator e uma análise mais aprofundada do seu regime de aparição fazia-se necessário. Para tanto, inscrevi no congresso da Abrace (Associação Brasileira de Artes Cênicas), realizado na

16 Universidade Federal do Rio Grande do Sul em outubro de 2012, a comunicação : “Helena Ignez, entre a histeria e a pose : o programa gestual de um ator- autor”, Esse congresso foi uma oportunidade única para confrontar o meu pensamento, que evolui majoritariamente dentro dos estudos cinematográficos, ao de colegas que trabalham principalmente com atores teatrais. As “orientações essenciais” de Helena Ignez atriz-autora encontram-se polarizadas em extremos corporais no que diz respeito à postura do ator em cena. Se de um lado, temos a imobilidade total ou parcial quando aparecem as figuras da pose e da sedução; do outro, temos a mobilidade excessiva e frenética do satélite e da histeria. Ambas as figuras se espelham, pois elas são físicas e essencialmente objetivas de um lado (a pose e o satélite), e comportamentais e subjetivas do outro (a sedução e a histeria). Mesmo que pareçam incompatíveis (usar o escracho histérico para seduzir, mover-se e ficar imóvel ao mesmo tempo), ambas fazem parte do repertório visual usado por Sganzerla e Bressane com o objetivo de individualizar suas docu-ficções cinematográficas e distingui-las de uma representação meramente transparente da realidade. Na primeira colaboração entre Helena Ignez e Rogério Sganzerla, O bandido da luz vermelha (1968), o tom das relações fílmicas e extrafílmicas entre os dois estava apenas se esboçando. Helena surge no universo de Sganzerla quase que como uma aparição, seu corpo irrompendo subitamente aos ¾ da narrativa, quando as vozes em off anunciam, bruscamente, o nome da personagem (Janete Jane, a escandalosa) que até então nao havia sido nem mencionada no filme. Sua imagem ganha a tela e ela passa a concentrar, por um breve momento, a narrativa em torno do seu corpo, maquiado ao extremo e, como vai ser a regra futuramente, apoiado numa interpretação aberta e totalmente antinaturalista. Mas Helena é só a “mulher do bandito”, epíteto comumente usado para descrever a atriz. O corpo que é o centro do filme é seguramente o de Paulo Vilaça, que utiliza aqui alguns artifícios de encarnação como o olhar para a câmera e o diálogo com a plateia que marcarão, mais tarde, as aparições de Helena Ignez na obra de Sganzerla. Antes de estabelecer parceria criativa com Sganzerla, Helena Ingez colaborou ativamente com Julio Bressane. Juntos, os três criaram a produtora Belair, coletivo de

17 criação alternativo que produziu incessante e calorosamente durante o ano de 1970. Filmes baratos, sem roteiro prévio, usando a liberdade de criação dos atores como material plástico e temático dos filmes. Os filmes da Belair representaram a maior liberdade criativa que o cinema brasileiro já viu e muito do interesse desses filmes passa pela ação libertária que vai dos “corpos filmantes” aos “corpos filmados”, segundo uma terminologia de Jean-Louis Comolli, utilizada ao longo dos artigos reunidos em Ver e Poder : a inocência perdida, cinema, televisão, ficção, documentário (2004). Helena Ignez era a energia sensual dos filmes da Belair, legitimamente uma cocriadora ao lado de Bressane e Sganzerla. Bressane foi o primeiro a utilizar a alternância entre as duas figuras essenciais da obra de Helena Ignez. Em A família do barulho (1970), durante momentos de aberta improvisação da atriz, Helena passa da histeria de uma mulher-fera, andando à deriva pela casa simples improvisada em set fazendo movimentos e sons de felinos, à completa imobilidade dos retratos fílmicos que lembram os screen tests de Andy Warhol, onde os atores são fotografados em primeiro plano e fixo durante vários segundos. O escracho, outra figura essencial, aparece também em A família do barulho, já que Helena vive uma personagem sem nome que comanda um ménage à trois completado por dois homens que ela domina e maltrata. Numa de suas poses, Helena subverte a regra da imobilidade total ao vomitar um líquido vermelho (sangue? vísceras?) na imagem que fecha o filme e que se tornou um dos emblemas da atriz. Já em Barão Olavo, o horrível (1970), filme perdido, Helena vive uma personagem com “diarreia mental”, segundo suas próprias palavras, uma mulher a meio caminho entre escracho, bestialidade e referências pictóricas. A diarreia mental à qual Helena se refere diz respeito à verborragia das personagens que interpreta. Oriunda de O bandido da luz vermelha, esse excesso de texto que é a marca geral dos atores nos filmes da Belair se apoia em diálogos e situações que escapam à busca de sentido e da comunicação através das palavras. Helena e os outros atores repetem assim, exaustivamente ao longo de todos os filmes, frases previamente escritas pelos diretores mas que variam de entonação, ritmo e intensidade segundo a escolha do ator. São frases que escapam ao entendimento imediato do espectador e

18 parecem jogadas dentro da imagem sem nenhum sentido previamente estabelecido e dificultando a ligação delas com um discurso oral : “ o mundo vai acabar e quem estiver de sapato não sobra” de O bandido da luz vermelha ; “Eu tenho pavor da velhice”, de Copacabana mon amour, “Planetinha vagabundo, o sistema solar é ridículo” de Sem essa aranha e “O meu amor por você aumenta de 5 em 5 minutos”, de A mulher de todos. Mais do que formar diálogos, essas frases são material de solilóquios, já que elas servem mais para extravasar a tensão de um personagem do que estabelecer a comunicação entre ele e seu parceiro de cena. Essas frases de monólogos são, no entanto, a maneira de existir dos personagens, de criar entre eles um mínimo de vínculo narrativo, uma tentativa de fazer uma definição psicológica deles sem recorrer a descrições de tipologia física ou de caráter. Essas frases servem também para veicular a ideologia do diretor com relação à situação de colonialismo cultural da sociedade brasileira ou para prestar homenagem a compositores e letristas da MPB. A diarreia mental de Helena Ignez se acompanha de uma diarreia física, uma inexplicável histeria que toma conta do corpo da atriz misturando gritos, muxoxos, sacolejos, espasmos sexuais e elementos de escatologia e repugnância que são, definitivamente, um traço comum as suas aparições nos filmes de Sganzerla e Bressane. Em Sem essa aranha, de Sganzerla, por exemplo, Helena protagoniza, ao lado de Maria Gladys, uma cena de vômito provocado onde a câmera de Sganzerla segue as duas mulheres por longos minutos dentro de uma boate. Helena vai até o fundo do mal estar físico, numa cena onde não é possível falsear a representação. Noutro momento de Copacabana mon amour, Helena passeia pela praia de Copacabana com Lilian Lemmertz bebendo cerveja no bico da garrafa, cuspindo e esguichando a bebida em longos jorros. As referências lésbicas se multiplicam nesses filmes, onde sempre há uma cena de cama entre Helena e outra mulher, o que não chega a representar uma relação sexual e sim apenas nudez e algumas carícias. As cenas de amor entre mulheres não são assim representadas através de um olhar admirador e nem de excitação – o escracho e a gozação são sempre as palavras de ordem.

19 Apesar de ser uma mulher bonita e sensual, Helena tem raramente seus atributos físicos valorizados nos filmes de Bressane e Sganzerla. Ao contrário, ela aparece sempre rosto desgrenhado, cabelos revoltos, maquiagem exagerada e corpo instável, ziguezagueante. Por vezes, ela é esnobada pelos homens em favor de outros homens. Os filmes da Belair subvertem assim uma das regras mais estabelecidas do cinema, desde o primeiro cinema mudo até as produções contemporâneas, sejam elas americanas ou europeias : a busca pela fotogenia (ou “foto-higienia”), sobretudo das atrizes. A fotogenia, conceito utilizado pelos primeiros teóricos do cinema nos anos 20 para saudar o então inovador close, foi utilizada de maneira exaustiva na época de ouro de Hollywood e foi um dos alicerces do star sytem. No entanto, Helena Ignez é uma atriz que foge das obrigações do estrelato, evita aparecer na televisão e parece pouco preocupada com sua imagem de mulher atraente e sensual. Ainda que a histeria e o escracho sejam componentes essenciais da obra de Helena Ignez, suas aparições não ignoram totalmente o seu poder de sedução, sobretudo nos filmes de Sganzerla. Isso porque Helena e Rogério foram companheiros de vida por mais de 30 anos, até a morte dele em 2004. A química que unia os dois é facilmente perceptível nos filmes que fizeram juntos, sobretudo Sem essa aranha. Assim como a câmera de Monica e o Desejo (Ingmar Bergman, 1953), pode, por analogia simbólica, ser identificada ao corpo do diretor, segundo a análise de Alain Bergala (BERGALA, 2005, p. 66), a de Sganzerla também pode ser entendida nessa perspectiva. O filme de Bergman é o melhor exemplo de como a interação entre atriz e diretor, a gama de afetos que entram em jogo no momento da filmagem, pode condicionar plasticamente a imagem. Bergala defende que o filme retira grande parte do seu interesse de análise justamente por apresentar, em sua forma final, alguns instantes da liberdade sexual e íntima que liga Bergman a Harriet Andersson, atriz principal e objeto de desejo do diretor. No filme, que se tornou referência para os diretores da nouvelle vague, Bergman não se furta a construir a narrativa em cima dos jogos de sedução dos dois, de roubar sua amada ao seu rival diegético e de imprimir um dos olhares para a câmera mais contundentes do cinema, que tomam o espectador como testemunha, nas palavras de Jean-Luc Godard.

20 No cinema brasileiro, Sem essa aranha é o grande exemplo de como a transferência de desejos entre “corpo filmante” e “corpo filmado” condiciona a criação e a recepção de algumas obras cinematográficas. Em Sem essa aranha, temos cenas onde Helena Ignez interrompe toda a ação para simplesmente posar diante da câmera de Sganzerla e encará- la (assim como em Monica e o Desejo). Seu corpo, agora praticamente inerte, troca olhares sensuais e poses afetivas com o diretor. Se o olhar para a câmera de Monica e o Desejo evocava a consciência do espectador, como bem ressaltou Godard numa crítica do filme (cf. BERGALA, 2005, p. 37), o de Helena não recai diretamente sobre nós – apesar de ela estar nos olhando ‘nos olhos’ – e sim sobre seu marido e diretor Sganzerla. “Cinema, a arte da pose”, parece ser o lema dos filmes Belair. A questão da pose, da supremacia do “aparecer” sobre o “parecer”, do “mostrar” sobre o “narrar”, traz consigo a discussão da verossimilhança da imagem cinematográfica ligada sobretudo ao corpo do ator e à busca de uma “verdade” embutida na sua interpretação. Os filmes da Belair atualizam assim a velha contenda entre o cinema que busca imitar uma realidade material através do corpo do ator (a verossimilhança, o “parecer”, o “imitar”, a toda poderosa “mímesis”) e o cinema em que os atores simplesmente aparecem diante das câmeras (o “aparecer”, o “mostrar-se”, o “estar lá”). Historicamente, a perspectiva do trabalho do ator pautado pela histeria insere-se na dimensão de criação de personagens descritas por Erwin Piscator – subsidiária dos ensinamentos do Actors Studio de Lee Strasberg mas ultrapassando os conceitos do diretor americano –, que compreende a dimensão exterior como determinante na construção do personagem. Para Piscator, “o ator não é mais submisso aos efeitos psicológicos de um papel. O gesto serve para manifestar e não mais para expressar” (cf. AMIEL, 2008, p. 37). Seja no excesso de movimento, seja na sua castração, o resultado acaba sendo o mesmo : a interpretação do ator como a ponta mais visível de uma ideologia contra o ilusionismo e a abordagem exclusivamente mimética do gesto de filmar. Do outro lado da pose, está a figura da mobilidade excessiva do satélite. Como os filmes da Belair eram livres das amarras impostas pelo roteiro e de uma organização rígida

21 de enquadramento e montagem, ambos os diretores eram livres para criar sequências sem corte e sem grande planejamento quanto à escala de planos, a tão estimada decupagem das cenas. É no cerne dessa liberdade de filmagem que surge a figura do satélite encarnada por Helena Ignez. Se nos filmes de Bressane, mesmo nos mais livres, é sobretudo a câmera que segue o corpo da atriz, nos de Sganzerla, uma inversão acontece. Helena passa de pólo-atrativo da câmera, como é a regra num certo cinema direto e em documentários, a pólo-atraído até ela, em torno do qual ela orbita tal qual um corpo celeste. Muito já foi dito e escrito sobre o poder do ator em imantar a câmera, fasciná-la, seduzir seu olhar, condicionar seus movimentos, como no cinema de mestres em filmar atores (John Cassavetes, Jean-Luc Godard, Maurice Pialat ou Gus van Sant). No fundo, ter o poder de orbitar em torno da câmera acaba sendo uma manifestação de poder sobre a forma fílmica maior do que o ator que atrai a câmera – e o olhar do diretor e, por consequência, dos espectadores – seja pelos seus dotes de interprete, seja por seu carisma ou beleza física. É na manifestação do corpo-satélite que Helena Ignez se revela dona da forma fílmica e coautora ao lado de Sganzerla. Essa dimensão fica evidente na sequência do baião em Sem essa aranha. No momento em que toca para um grupo de pessoas-personagens, Helena orbita em torno do sanfoneiro e da câmera, passando discretamente pela imagem como se estivesse ignorando a câmera. Essa, por sua vez, rodopia em torno do seu próprio eixo para enquadrar e desenquadrar Helena e o músico. Nesse momento, é o corpo de Helena que guia a forma do filme, enquanto que sua função narrativa está completamente anestesiada. A expressão de Helena, falsamente alheia à movimentação, reforça o poder que a atriz incorpora nesse momento. Querendo parecer externa ao movimento que ela gera, Helena apenas reforça sua presença e seu magnetismo. O regime de aparecimento de Helena Ignez nessa sequência lembra em muito o dos atores burlescos do primeiro cinema, sobretudo no primeiro filme de Carlitos, “Corrida de Automóveis para Meninos” (Henry Lehrman, 1914), em que o Vagabundo desfila despretensiosamente diante da câmera e da câmera intradiegética que tenta filmar uma disputa automobilística. Mais uma

22 vez, o cinema marginal brasileiro prega essa volta às origens do cinema, retirando do corpo do ator a necessidade de significar e imitar uma realidade corporal preestabelecida. Nessa sequência, o corpo de Helena é também vetor da ideologia do diretor Sganzerla, pois, além de explodir a organização ordinária dos diálogos ao disparar incessantemente frases esdrúxulas (“Planetinha vagabundo, o sistema solar é um lixo!”), Helena serve de reverência ao talento do grande homenageado da sequência, Luiz Gonzaga. É sabida a admiração de Sganzerla pelos compositores populares da música brasileira, como testemunha seu filme-homenagem a . Na sequência final do mesmo filme, é um plano das pernas de Helena, onde os pés sarcasticamente “acariciam” a imagem de um crucifixo, que serve de vetor à veia antirreligiosa de Sganzerla. Helena Ignez é sem dúvida o principal vetor de transmissão da ideologia Belair, seja na perspectiva material – que usa seu corpo como objeto de uma interpretação de ator longe dos moldes convencionais –, seja na manifestação oral do discurso dos diretores que encontram eco na sua postura de atriz engajada com as causas autorais do cinema brasileiro. É ela também que melhor encarna o poder dos atores da Belair de transcender as sequências em diálogos e de transformá-los em solilóquios. Se os filmes da Belair são a resposta brasileira a momentos de inquietação e revolta do cinema mundial, o corpo de Helena Ignez é a encarnação perfeita do conceito de ator-autor tão em voga nesses cinemas ditos “modernos” e “autorais”.

B.3. Paulo César Pereio

A comunicação “O sexo e a palavra : Paulo César Pereio, um ator-autor” foi apresentada no encontro anual da Socine 2012, realizado em São Paulo, no Senac, no mês de outubro. Paulo Cesar Pereio aparece em evidencia como um dos principais atores-autores do cinema brasileiro. Evoluindo dentro do cinema independente e do cinema marginal, Pereio firma-se como um dos intérpretes que mais tiveram liberdade de expressão dentro dos filmes, cuja persona era de tal maneira já estabelecida que os

23 diretores ficavam condicionados a criar para ele papeis que se adequavam à sua individualidade de ator. Nesse sentido, o sexo e a palavra aparecem como duas “orientações essenciais” de suas performances. Essas orientações essenciais, a principio vagas, devem ser definidas e circunscritas de acordo com o sistema de aparecimento de Pereio em filmes e em produtos audiovisuais. Primeiro, o sexo, seria uma preocupação constante dos personagens de Pereio. Na representação sexual, o corpo do ator aparece sempre retalhado por uma energia sexual destrutiva, um corpo prostrado pelo desejo, como que anestesiado por ele. É assim que o encontramos em diversos momentos de Eu te amo, de Arnaldo Jabor (1981), primeiramente submetido à tortura amorosa de , e logo depois aos desmandos sexuais de Sonia Braga, que o transformam quase num escravo sexual. Nesses momentos, o corpo de Pereio é um corpo alongado, quase inerte, horizontal, voz pastosa, embriagada, implorando carícias. Nesse filme, aparece também uma figura secundária do corpo pereiano que é o corpo vitima de sevícias ou de uma ligeiras torturas sexuais. O corpo do macho vai ser assim privado de sua prerrogativa de caçador para se tornar caça, atitude condizente com corpo fragilizado que energia sexual recolhida havia anteriormente abatido. O corpo-caça do macho de Pereio, ironicamente caçado pela mesma atriz, em A dama do lotação (Neville de Almeida, 1978) no qual Pereio é mais um dos objetos sexuais da pulsão sem limites da dona de casa frígida com o marido vivida por Sonia Braga. O corpo do macho assujeitado e subjugado pela representação excessiva do desejo feminino aparece também em Bar Esperança (, 1983), em que a vingança de Sylvia Bandeira, mulher do personagem de Pereio, por anos de casamento infeliz e rejeição, manifesta-se através de um strip-tease diante da plateia formada por amigos do marido. Acuado, o macho retorce-se sobre si mesmo, num movimento denotando vergonha e esconde-se num banheiro, de onde espia, de longe, a ação e sua derrocada de chefe de família. O corpo manipulado aparece também em Gamal, o delírio de sexo, de João Batista de Andrade (1969). Primeiramente, o corpo de Pereio é tomado pela energia sexual

24 transbordante de , logo no inicio do filme. Os dois se debatem numa luta sexual na qual o corpo da mulher é obviamente quem comanda. Mais tarde, no mesmo filme, tanto Pereio quanto Joana Fomm e outros personagens tornam-se joguetes nas mãos de três figuras misteriosas que pontuam o filme com seus comentários corporais, uma espécie de coro grego sadomasoquista, que leva os personagens a agirem da maneira com que eles bem entendem. Pereio é o que mais sofre nas mãos do trio, sendo despido, jogado no chão e transformado em cavalinho sem oferecer a menor resistência. A figura de Pereio, corpo manipulado fisicamente, completa-se da de Pereio, corpo manipulador, quando as relações dominante-dominado envolvem o discurso oral e a persuasão, e não necessariamente o físico. Essa é a primeira manifestação da palavra como figura essencial da obra de Pereio-ator. Em Toda nudez será castigada (Arnaldo Jabor, 1973), é através da palavra, do convencimento oral que Pereio leva o personagem de Paulo Porto a conhecer a prostituta Geni, vivida por Darlene Glória. “A salvação do herculano é o sexo”, brada ele, rodriguianamente, que usa do contínuo transe fornecido pelo poder sexual da prostituta sobre seu irmão para continuar se beneficiando do dinheiro dele. O poder de convencimento da voz de Pereio é um dos elementos mais utilizados por diretores de universos diferentes e não somente para aqueles oriundos do cinema independente ou marginal. Pereio é um dos poucos atores brasileiros que tem a voz associada diretamente à sua persona e ao seu corpo de ator. Esse “grão da voz” de Pereio, segundo expressão de Roland Barthes, que traz consigo uma clara conotação sexual e marginal, foi usado como voz narrativa ou como dublagem em diferentes produtos audiovisuais : a série de TV Anos Dourados (1986), escrita por , que falava justamente de amadurecimento sexual e dos tabus em torno do sexo para a sociedade brasileira dos anos 50; o longa República dos Assassinos (Miguel Faria Jr., 1979), cuja trama gira em torno de policiais corruptos; e o curta metragem Dossiê Rebordosa (Cesar Cabral, 2008), em que Pereio dubla um dos amantes da sempre marginal e excessiva personagem de Angeli. Em outros, a aparição sonora do personagem precede à aparição corporal. Em A coleção invisível (Bernard Attal, 2012), Pereio é o radialista de uma cidade pequena cuja

25 voz ecoa por autofalantes para comunicar as mortes e o todo serviço dito de utilidade pública. Em tom de deboche, típico de Pereio, a personagem anuncia que todos os comércios locais estão virando igrejas evangélicas ou, na melhor das hipóteses, botecos. Da mesma maneira, em Um filme 100% brasileiro, sua voz, num francês quase imperceptível, é primeiramente ouvida antes que a voz se materialize no corpo do personagem – Cendrars narra sua viagem da França ao Brasil antes de Pereio “encarnar” o escritor no restante do filme. Pelo seu timbre e fácil reconhecimento, a voz de Pereio denota, primeiramente, a presença do ator, antes de denotar a presença do personagem ficcional, recurso cognitivo raro que condiciona a escolha do ator pelos cineastas, seja como narrador, seja como ator. A utilização da voz de Paulo Cesar Pereio obedece a um principio de encarnação ligado à essa particularidade da voz narrativa. O discurso oral de Pereio, em diversos filmes, acaba sendo o fio condutor da narrativa, sua mola mestra. Em Iracema, uma transa amazônica (Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 1975), Pereio é uma espécie de entrevistador interdiegético que conduz a exploração dos diretores Bodanzky e Senna e que comanda o confronto entre a equipe de filmagem e os personagens encontrados. Lembremos que o filme é uma tentativa de retratar a rodovia “transamazônica de maneira realista” (segundo a cartela que abre o filme) e portanto a dimensão do encontro entre atores e não atores era fundamental na composição formal da obra. Pereio é a ponta de lança dessa expedição contemporânea, no papel do caminhoneiro Tião Grande, que materializa o ideário da empreitada em seu próprio nome (investigar o sonho do Brasil grande, era o principio norteador de Bodansky e Senna). No confronto com a população local, Pereio extrai deles, por meio de uma entrevista intradiegética, visões de mundo e impressões sobre cidadania, política, meio ambiente e sexualidade. É isso que se verifica no encontro entre o ator e o grupo de madeireiros, os funcionários e clientes de um bar-restaurante na beira da estrada e as prostitutas, em especial com Iracema. Outro confronto-entrevista entre Pereio e prostitutas aparece também em A lira do delírio. Já em Tudo Bem (Jabor, 1980), Pereio chega quase no final do filme para aparecer como um líder messiânico do progresso, que

26 lidera, através da palavra, uma massa de visionários convencendo-os dos benefícios da modernização industrial e comercial do pais. Nesses momentos, a palavra de Pereio, misto de improvisação e roteirização de situações previamente acertadas com os diretores, ou sua “voz condutora”, oscila entre uma voz didática e uma voz dissonante. Ao mesmo tempo que a fala do ator serve como a verbalização da visão politicamente correta dos diretores (aconselhando os proprietários locais a só comprarem terras com registro no Incra, a resistirem ao desmatamento e a acreditarem no futuro do pais), ela torna-se dissonante no momento em que o filme deixa transparecer a visão sarcástica e pessoal do ator que contesta o discurso dos madeireiros com frases como “a natureza é mãe coisa nenhuma” ou “ no Brasil, tem que ser esperto para sobreviver”. Junto a Iracema, a voz sexual de Pereio surge quando ele pede à prostituta pra lhe mostrar o estado do seu peito, ao que ela atende sem pestanejar, denotando uma intimidade estabelecida entre os dois atores instituída nos momentos das filmagens. A figura do entrevistador diegético materializada por Pereio é uma atualização de um procedimento do cinema moderno em que os atores eram chamados a aparecer nos filmes com suas individualidades e opiniões próprias. Ela é herdeira da postura, por exemplo, de Godard, que fazia da entrevista dos seus atores-personagens a base para filmes como Masculino, Feminino (1966), A Chinesa (1967) e Duas ou três coisas que eu sei dela (1967). No Brasil, faz as vezes desse entrevistador diegético, relegando raramente para outros atores o papel de entrevistar seus colegas de elenco. O uso do corpo e da voz de Pereio nesses filmes é assim um prolongamento visual da figura dos diretores, que delegam a ele a tarefa de fazer aparecer, sob a camada ficcional do personagem, a individualidade dos seus intérpretes. Em outros momentos, como no filme Bang Bang (Andrea Tonacci, 1971) não é mais através da voz que ele se torna um prolongamento das preocupações éticas e estéticas dos diretores, mas através do uso do seu corpo de ator que servirá para “revelar o dispositivo de filmagem” (nas palavras de Christian Metz) e barrar todo e qualquer ilusionismo da imagem cinematográfica. É isso que acontece no momento em que o

27 personagem sem nome, travestido com uma máscara de macaco, coloca o espelho estrategicamente posicionado para que ele deixe o espectador ver a câmera ou quando ele se vira para essa mesma câmera, mostrando o seu reflexo através das lentes de seus óculos. A quebra da transparência da narrativa é uma preocupação constante na obra de Tonacci e, em Bang Bang, ela toma o corpo de Pereio como repositório dessa prerrogativa de revelar os detalhes da fabricação do filme como inerente à composição formal da obra. Bang Bang é um filme seminal da filmografia de Pereio, obra na qual, segundo Ismail Xavier, o ator encontrou o tom de ironia que seria seu durante toda sua carreira cinematográfica (XAVIER, 2012, p. 396). Para Xavier, o ator encarna no cinema brasileiro da época a figura da farsa, da sátira e do “deboche inteligente” suavizando o “sério-dramático” dos filmes. Agindo assim, Pereio evitaria entrar totalmente “dentro do papel” e mantém uma uniformidade de registros nos diferentes personagens que encarna (Id, p. 398). Pereio é ator de um estilo de interpretação identificado aos atores do cinema moderno, que traz ao mesmo tempo o resultado do seu processo (a criação de um personagem, o conteúdo psicológico da interpretação) e sua crítica (o interpretar como objetivo final, a forma, o comentário), o ator dentro do personagem mas, ao mesmo tempo, distante dele, crítico a ele, tornando opaco o processo de encarnação. Se Xavier usa a fórmula “o processo, não o produto” (Id. p. 407) para descrever o filme, o trabalho do ator vai no mesmo sentido e o poderia ser descrito como “o comentário da encarnação e não o seu resultado”. Assim como a performance da dançarina no filme basta por si só para fazer imagem, “o gesto que se basta” (id, 414), a de Pereio polariza a atenção do espectador na sua ação e não no sentido que ela cria. O filme que melhor resume a importância da palavra, da verborragia do discurso e da excessiva oralidade de Pereio é O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl, 1969). Pereio aparece nesse filme, a princípio, num contra-emprego de sua persona escrachada e exagerada, ao encarnar um deputado de oposição massacrado por crises de consciência. Miguel Horta é um tipo introspectivo, de poucas palavras, diferente dos demais tipos encarnados por Pereio. É no momento de explosão do personagem, no final do filme, em que ele toma a palavra num discurso longo e inflamado, que fica claro a figura da “pulsão vocal”, que

28 emerge com a forca de um vulcão para liberar o ator da interpretação nouvellevaguiana que lhe era infligida ate então. Similar à pulsão escópica descrita por Freud, a pulsão vocal de Pereio liberta o ator, deixando transparecer o intérprete sob a máscara ficcional inviolável do personagem de cinema.

Depois de um pedido de renovação aceito, tive mais um ano para realizar pesquisas em torno do meu projeto. Foi assim que desenvolvi mais três textos, participei de congressos e ministrei palestras em universidades. O relato das atividades do último ano como bolsista está a seguir

B.4. Tarcísio Meira

Um dos atores que inclui no corpus da pesquisa durante a execução do projeto foi Tarcísio Meira. Sobre ele, apresentei a comunicação “Pervertendo o galã : Tarcísio Meira na TV e no cinema”, no encontro anual da Socine 2013, realizado na Unisul, em Florianópolis. A comunicação e o texto enviado para os anais do congresso tiveram como objetivo analisar de que maneira a TV construiu uma persona de galã romântico e homem sedutor e o cinema, seguido por alguns produtos televisivos, descontruíram essa imagem. Trata-se de um estudo de criação de imagem através dos discursos fílmicos e parafilmicos e de sua subsequente desconstrução ou perversão. Meira inicia a carreira na televisão em 1959, na TV Tupi, numa serie de teleteatros e folhetins de inspiração latino-americana. Em 1963, aparece como o protagonista da primeira telenovela diária, 2-5499 Ocupado, de Dulce Santucci, direção de Titto di Miglio, transmitida pela TV Excelsior. Ambientada no meio carcerário, pelos temas brasileiros que aborda, essa novela acaba sendo exceção, pois a maioria dos folhetins em que Tarcísio aparece são de inspiração latina, onde o ator interpreta galãs ao estilo latin- lover, toureiros e nobres de ascendência europeia. A imagem de correção e sedução estabelecida pelas novelas dos anos 60 e 70 teve seu ápice com Irmãos Coragem (1970), quando Meira viveu João Coragem na novela de

29 Janete Clair. O personagem trazia a imagem do ator para uma realidade brasileira, algo que seus papéis anteriores ignoravam, e foi decisivo também no estabelecimento da parceria entre Tarcísio e Glória Menezes como casal modelo da televisão brasileira (parceria essa já iniciada em 1963 com a novela diária). Tarcísio tornou-se assim um herói com cara brasileira, no momento em que as ficções televisivas do país começavam a se alimentar de ares neorrealistas e cinemanovistas. A novela, que durou mais de um ano, entronizou a imagem do ator, calcada no “bom-mocismo”, na correção ética, no humanismo e na fidelidade à parceira (sintomaticamente, João Coragem era dividido entre três personagens, todas interpretadas por Glória). A partir de Irmãos Coragem, as telenovelas abusaram do estereotipo e seus discursos serviram basicamente para reforçar a persona do galã e do herói. A briga entre personalidades opostas interpretadas por um mesmo ator (com a supremacia da boa face) está em O Semideus (1973), de Janete Clair, direção de Walter Avancini; a força e a determinação de um personagem em superar adversidades e subir na vida é o mote de Escalada (1975), de Lauro César Muniz, direção de Régis Cardoso, e também de Coração Alado (1980), de Janete Clair, direção Roberto Talma. Duas historias de self made man apresentadas na televisão brasileira bem à moda dos filmes hollywoodianos clássicos. Os heróis também fazem parte da galeria de tipos vividos por Meira, em que se destacam o capitão Rodrigo Cambará, da minissérie O Tempo e o Vento (1985), de Doc Comparato, direção de Paulo José, culminando com o protótipo de herói inventado pelos manuais de História do Brasil, dom Pedro I, em Independência ou Morte (1972), de Carlos Coimbra. Embora dom Pedro I seja um personagem fílmico, vale ressaltar que o cinema trabalha mais na perspectiva da perversão do galã do que no seu reforço; o filme se destaca como um exemplo de obra “chapa branca”, feito sob a ditadura militar e que tinha o claro proposito de exaltar os vultos da História Brasileira com poucas nuances de representação e de criação de personagens. Meira serve então aos propósitos do discurso oficial e seu corpo e sua imagem, já imbuídos de prerrogativas de correção e caráter, servindo como superfície mais visível da doutrina tradicionalista que perpassa o filme de Coimbra.

30 A imagem de galã de Tarcísio Meira é de tal modo entronizada na cultura de massas audiovisual do Brasil que o ator é chamado a interpretar seu próprio papel em diferentes ocasiões dentro de obras audiovisuais. Assim, em 1988, a série Tarcísio e Glória, de Euclydes Marinho, Antônio Calmon e Roberto Talma, direção de Roberto Talma e José Carlos Péri, junta mais uma vez os dois interpretes para viverem par romântico nos modelos das tradicionais comédias de casal da TV Americana – Alô Doçura (1953-1964), da TV Tupi, escrita e dirigida por Cassiano Gabus Mendes, segue sendo, no entanto, o exemplo mais bem acabado de importação desse tipo de programa para a realidade brasileira. Do mesmo modo, o ator aparece na novela Tieta (1890), de Agnaldo Silva, direção de Paulo Ubiratan, para concretizar o sonhos da dócil Elisa (Tássia Camargo) que passa o dia a sonhar com estrelas de televisão para fugir de um casamento enfadonha com o marido hipocondríaco. O momento é a cristalização do estereótipo encarnado por Tarcísio durante décadas na TV, que se mantém forte apesar da meia idade do ator – ele tinha 55 anos. Bastou o final dos anos 70 e a aparição mais sistemática de Tarcísio no cinema para que essa fama de galã começasse a ser contestada ou abertamente destruída. O cinema procede então a um contra-emprego da persona do ator. Tarcísio é assim chamado a aparecer na pele personagens pautados pela excesso sexual, pela inconstância do desejo e a multiplicidade de parceiras : As Confissões do Frei Abóbora (Braz Chediak, 1971); Eu Te Amo (Arnaldo Jabor, 1981); Amor, Estranho Amor (, 1982); Eu (Khouri, 1987). Nesse último, o realizador cria para Tarcísio um personagem que abala com o moralismo pois, para além das inúmeras parceiras, o Eu de Khouri termina por assumir uma relação incestuosa com a própria filha (Bia Seidl), algo que as admiradores do ator na televisão dificilmente engoliriam como natural. Personagens sexualmente ambíguos, que resvalam ainda que rapidamente em relações homossexuais estão presentes também em As Confissões do Frei Abóbora, O Marginal (, 1974) e O Beijo no Asfalto (Bruno Barreto, 1981). Antiheróis, personagens marginais, vilões e assassinos frios concedem a Tarcísio Meira a perversão final esboçada pelos tipos anteriormente citados

31 em O Marginal (Carlos Manga, 1974), República dos Assassinos (Miguel Faria Jr, 1979) e Boca de Ouro (Walter Avancini, 1990). De alguma maneira influenciada pelo discurso veiculado pelos filmes, a televisão passou a contestar a persona de Tarcísio Meira construída por ela própria. É nesse sentido que surge, mais um ineditismo para a carreira de Meira, o personagem Renato Villar, primeiro vilão protagonista de uma novela das oito, Roda de Fogo (1986), de Lauro Cesar Muniz e Marcílio Moraes, direção de Dênis Carvalho e Ricardo Waddington. Tarcísio inaugurou o que mais tarde se tornaria um cliché da televisão brasileira, a de brincar com a persona de atores empregados normalmente como heróis e mocinhas e usá- los para interpretar vilões carismáticos em tramas televisivas. De Odete Roitman (Beatriz Segall em Vale Tudo, 1988) a Carminha ( em Avenida Brasil, 2012), os atores que passaram a brigar para viver vilões entraram pelas portas abertas por Tarcísio Meira e seu personagem do empresário corrupto que se regenera ao descobrir um doença incurável e o amor de uma bela juíza, que ele tentara corromper. Mas a grande perversão à persona de Tarcísio Meira não é apenas temática e envolve as características formais do seu jogo de ator. Ela foi operada por Glauber Rocha em A Idade da Terra (1980), que introduz dimensões ate então inexistentes no trabalho do ator como a desconstrução do jogo clássico, a reflexividade, o olhar para a câmera e a dimensão de consciência de ser um personagem fílmico. Glauber transforma o galã da TV brasileira em ator do cinema marginal, ao fazê-lo repetir frases curtas obsessivamente, como na sequência com Ana Maria Magalhães em que ele repete “esta é a cloaca o universo” diante da baia de Guanabara, aforismo que lembra outro do cinema marginal, o “planetinha vagabundo, o sistema solar é ridículo”, disparado por Helena Ignez em Sem essa aranha. Tarcísio também foge do regime da construção clássica de personagem ao simplesmente posar frente à câmera na sequencia inicial da escola de samba, num regime parecido ao de Helena Ignez analisado anteriormente. O “aparecimento”, contra o “parecimento”, é uma das marcas dos atores do cinema marginal (Sganzerla, Bressane e outros) que tiram o jogo do ator marginal dos

32 cânones da interpretação clássica oriunda da linguagem teatral. Trata-se de uma atualização do “ser” contra o “parecer” teorizada por Robert Bresson no seu Notas sobre o cinematografo e posta em prática em seus filmes. O ser seria uma característica dos modelos, e o parecer, um atributo dos atores. Essa ideia do “aparecer” contra o “parecer”, central no sistema de interpretação de Helena Ignez e Paulo César Pereio, foi uma das grandes descobertas teóricas do meu projeto e voltarei a ela quando abordar o ator Wilson Grey. Para Ismail Xavier, existe ironia nessa retomada por Glauber de Tarcísio Meira, que encarna temores da elite brasileira e sua histeria” (XAVIER, 2012, p. 20). Tarcísio é chamado assim a concentrar em seu jogo e sua aparição todos os procedimentos de dominação cultural e social aos quais o povo brasileiro está sujeito. Prova disso, é o “banho de multidão e de povo” que Glauber dá no gala ao fazê-lo se misturar com a população pelas ruas do Rio de Janeiro. Foi assim que Alain Bergala descreveu o procedimento de jogar a estrela no meio da rua, de macular sua aura intocável (BERGALA, 2005, p. 12), assim como Rossellini fizera, nos anos 1950 em Ingrid Bergman em filmes como Viagem à Itália (1952) e Stromboli (1950).Trazendo a então estrela hollywoodiana para o universo do cinema europeu neorrealista, Rosssellini recria a atriz Ingrid Bergman, apropria-se da sua persona, desmontando-a e construindo outra. Bergman é transplantada para uma realidade que ela não conhece, num mundo onde não domina os códigos, tendo que atuar face a não atores em ambos os filmes. A realidade dura da Itália do pós-guerra respinga na atriz de modo indelével (como demonstra a cena da pesca do atum em Stromboli). Voltarei à importância desses filmes quando abordarei os momentos de virada do cinema moderno (ver B.6). Da sua experiência no cinema marginal, o galã Tarcísio sairá menos marcado que Ingrid Bergman, mas ainda assim ambos os movimentos visavam a mesma ideia : a de se apropriar da persona de um ator e retrabalhá-la de acordo com o estilo de filmar de um cineasta e moldá-lo às suas convicções de mundo.

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B.5. Wilson Grey

A análise sobre Tarcísio Meira fugiu um pouco do escopo das realizadas anteriormente, por se tratar de um ator que não concentra no seu sistema de interpretação e no programa gestual o centro de interesse do seu trabalho. O texto sobre Wilson Grey, que será publicado ano que vem pela Revista da Cinemateca Brasileira sob o título de “Wilson Grey, o ator-camafeu” entra mais nos contornos da proposta inicial do projeto. Grey é um dos atores de cinema que, definitivamente, possuem uma obra. Consistente pelas suas escolhas estéticas e pela dimensão temporal que ela abarca dentro do cinema brasileiro, a obra de Wilson Grey apresenta duas dificuldades importantes a serem suplantadas para se tornar objeto de estudo “atoral”. Primeiro, é a regra quase tácita dos estudos “atorais” ligada aos cultural studies, que faz com que apenas protagonistas e estrelas sejam objetos legítimos de análises. Se o termo protagonista é vago e carece sempre de uma precisão de ordem hierárquica dentro do filme (quem é o ator que “leva” o filme?, o que significa ser personagem principal?), o de estrela já foi mais amplamente definido por Edgar Morin, Francesco Alberoni, Barry King e Richard Dyer. Eles chegam a elencar uma série de critérios, alguns um tanto questionáveis, que fazem com que um ator possa ser considerado uma estrela. Dentre esses critérios, Morin defende a obrigatoriedade de o ator-estrela, objeto privilegiado em suas analises sócio- estéticas, desempenhar papéis principais . Ora, nos mais de 150 filmes de Grey, pouquíssimas vezes o ator representou papel principal. Na grande maioria das vezes, viveu de personagens coadjuvantes a figurantes, alguns quase sem falas ou com poucos diálogos. Grey seria assim um objeto inusitado no ról dos estudos sócio-estéticos em torno do ator. A defesa da inclusão de Wilson Grey como objeto de análise “atoral” está ligada à segunda dificuldade, que é a de se ter acesso à integralidade dos filmes e produtos televisivos em que o ator apareceu nos seus 70 anos (1923-1993). A Enciclopédia do Cinema Brasileiro contabiliza 165 aparições em filmes . Já o Internet Movie Database

34 (imdb), ferramenta sempre questionável quando se fala em cinema outro que não o americano, elenca 195 aparições em filmes e novelas. A despeito da diferença de títulos, fato é que se torna difícil precisar o número exato de filmes em que Grey atuou, tamanho a variedade de fontes e o alcance de sua filmografia. Eleito em 1955 o coadjuvante mais popular do cinema brasileiro, pelo jornal Última Hora e pela revista Jornal do Cinema, sua silhueta tornou-se facilmente reconhecível até por um público pouco cinéfilo. Aparecer no cinema por mais de 50 anos ininterruptos (1949-1996, se computarmos a aparição póstuma em O lado certo da vida errada) e desenvolver uma carreira junto a autores respeitados chancela definitivamente o ator a entrar no âmbito dos objetos “atorais”. Na obra de Grey, o termo aparecer ganha ares de figura de estilo pois, em muitos dos seus filmes, seus papéis são meras desculpas para o ator estar num filme. O “aparecer” (estar lá, mostrar-se) é o oposto do “parecer” (imitar, reproduzir). Como ensina a etimologia da palavra, o ator que aparece busca a negação do parecer, da reprodução; a- parecer, não parecer. Estabelece-se, logo de entrada, uma dicotomia entre o ator que “parece” e o ator que “aparece”. O ator que busca o parecer o faz através da criação de personagem baseada numa mímesis sem buracos, indefectível; o ator imita uma realidade corporal preexistente, um referente gestual determinado, retrabalhando-os de acordo com as exigências do papel e do contexto de produção do filme. Seu gesto, embora ancorado na realidade, deve parecer inovador e se aproximar ao máximo do referencial (no caso da encarnação de personagens reais, os biopics). Esse ator busca se amalgamar com o personagem de maneira a conceder-lhe substrato físico e psicológico – muitas vezes em detrimento de suas próprias características individuais. Trata-se do ápice dos processos de encarnação dos atores do cinema clássico, tornados cânones com os filmes industriais hollywoodianos dos anos 1920 e 1930 e levado ao extremo da coabitação corporal nos atores do Método strasberguiano dos anos 1950. Para o ator que parece, a busca pela identificação “personagem-ator” chega ao seu paroxismo, através de recursos e técnicas vindas do teatro e aliadas a procedimentos essencialmente cinematográficos, maneiras de se eclipsar por detrás do personagem. O paradoxo trazido no seu seio pelo sistema de estrelato, segundo o qual os atores eram o grande chamariz de um filme (o

35 ator como moeda de troca e de veiculação da ideologia americana pelo mundo, suplantando a ideia de personagem), é apenas aparente pois, na cabeça dos espectadores tanto do período clássico quanto dos de hoje, o grande ator é aquele capaz de se “transformar” num personagem. A regra para o ator, então, é clara : “deixar de ser você mesmo para ser um outro”. Mas Grey é ator que aparece, que busca o não-parecer, nega a ideia de mímesis clássica, desconstrói a imitação sem falhas, mostra suas características individuais de ator sob a camada ficcional do personagem, coloca o comentário da sua encarnação no centro do processo de construção. As relações entre ator e personagem são aqui conflituosas, como se uma e outra instância enunciativa brigassem dentro de um mesmo corpo, ora com predominância do ator, ora do personagem; raramente existe amálgama entre personagem e ator. O gesto do ator que aparece é citacional e não inovador; ele vai buscar seu referencial não no mundo concreto mas no mundo das imagens, retroalimenta seu papel de outros papéis que lhe precederam . A regra, nesse caso, é : “seja sempre você mesmo”. Na filmografia de Wilson Grey, existem ocorrências de “parecimento” (na primeira fase, nas chanchadas) e de “aparecimento” (depois da virada dos anos 1970). Isso não quer dizer que Grey não faça composição de personagens, pesquisa e crie um novo tipo físico nas telas, mas esse criar leva consigo, sempre, elementos facilmente identificáveis com o ator, além de repetir constantes formais de postura e gestual. A individualidade do ator e seu sistema de jogo manifestam-se através do que Luc Moullet chama de “orientações essenciais”, que vão condicionar não apenas o jogo de ator de Wilson Grey, mas também a maneira pela qual diretores e roteiristas se apropriam da sua persona e a reempregam em seus filmes, para reforçá-la ou subvertê-la. As orientações essenciais de Wilson Grey envolvem sua maneira de aparecer no filme (efeitos de caracterização, de jogo e de postura frente à câmera); as relações entre corpo, mise en scène e roteiro (escolhas de enquadramento e iluminação, teor dos textos, determinados perfis de personagem); e a história do cinema brasileiro e as relações entre diferentes escolas e gêneros. As orientações essenciais de Wilson Grey são : o integrante

36 do bando; o corpo-citação da chanchada; a reflexividade e a desconstrução do jogo clássico; e o ator-camafeu. Ser integrante de um bando, trupe ou grupo configura-se a primeira maneira através da qual realizadores abordam o ator. Em seus primeiros filmes, Grey aparece diluído dentro de grupos, fazendo parte de um coletivo ou agrupamento corporativo. A época era dos filmes das chanchadas, quando sua silhueta e rosto ainda eram desconhecidos do público. O filme definidor dessa imagem foi Amei um bicheiro (1952), em que aparecia como um dos capangas do chefe do jogo do bicho vivido por José Lewgoy, ao lado de, entre outros, Jece Valadão e Grande Otelo. Logo de cara, a ideia de integrante de um grupo ligado a marginalidade e ao banditismo se estabeleceu, orientação que foi reempregada por diversos filmes da mesma época (Matar ou correr, 1954, em que repete a dupla com Lewgoy; Pistoleiro bossa nova, 1959; Os cosmonautas, 1962) e até em filmes de outros estilos e pertencentes a outras épocas (A rainha diaba, 1974; República dos assassinos). Essa configuração lembra a do coro grego, com atores secundários que aparecem em grupo comentando a ação ou pontuando os atos de outros personagens principais. Os atores do coro da antiguidade, quanto os do elenco dos filmes, só valem em grupo, não se demarcam individualmente. Para alguns atores coadjuvantes, o coro ou o grupo funciona como trampolim para papéis de protagonistas. Para Grey, essa passagem não se verificou. Seu estatuto de coadjuvante, estabelecido nesses primeiros filmes, duraria por toda sua carreira, com algumas exceções. O banditismo cômico dos personagens de Grey das chanchadas desencadeou, posteriormente, uma série de construção de tipos que revisitavam, de algum maneira, o personagem do malandro carioca clássico. Desse personagem-tipo, Grey importou o estilo de vestimenta e caracterização (chapéu panamá, ternos claros, geralmente um pouco acima da medida, bigode fino, etc), mas o modificou com elementos inerentes ao seu tipo físico (a fragilidade, o desajeito, o humor patético). É assim que o ator aparece em A rainha diaba, República dos assassinos e Águia na cabeça (1984). A figura do malandro, recorrente no cinema brasileiro de diferentes épocas, ganha com Grey novas tintas pois

37 ao mesmo tempo que o ator reforça nos clichês visuais que compõem o personagem, ele o perverte tirando dele a prerrogativa de sedução e fascínio – Grey aposta mais no escárnio do que no lado malandro conquistador. A caracterização física dos personagens de Grey vai sempre rodar em torno das variações do malandro. A pouca variedade dos figurinos e efeitos de maquiagem inscreve Grey na tradição de atores cuja imagem pouco varia de acordo com os filmes, na mesma linhagem de John Wayne ou Clint Eastwood. Nesse sentido, as caracterizações do personagens greyianos de filmes que flertam com o cinema de gênero, terror ou fantástico (O lobisomem, 1974; O segredo da múmia, 1982; ou As sete vampiras, 1986) ou que são filmes de época (Os inconfidentes, 1974) aparecem como figuras de exceção. No filme de Joaquim Pedro de Andrade, aliás, vemos seu corpo nu, fato ainda mais raro. Para além do integrante de um bando de malfeitores, Grey passa a ter entrada garantida em filmes corais. O rei do baralho (1973), O homem do Pau Brasil (1982), Bar Esperança e O beijo da Mulher Aranha (1985) são filmes-compêndio de atores de diferentes estilos e épocas, que concentram grande parte do seu interesse estético na colcha de retalhos narrativa e formal que se apoia, em grande parte, na junção de atores com diferentes estilos de interpretação. Tal procedimento de reemprego revela a legitimidade de Grey em personificar uma fase dentro da história do cinema brasileiro e coloca a questão do corpo do ator como elemento de passagem entre estilos e escolas cinematográficas. Ele abre portas para a segunda orientação essencial do ator : a relação entre seu estilo de jogo, sua carreira e o cinema da chanchada. O cinema musical brasileiros dos anos 1950 deixou uma marca indelével na persona de Wilson Grey. Não só porque ele começou a carreira nesses filmes, mas por que se popularizou fazendo tipos cômicos e desajeitados, que tinham empatia direta com as audiências da época. Além disso, o reemprego dos atores oriundos das chanchadas foi o terreno escolhido por alguns diretores para homenagear esse tipo de cinema. É o caso evidente da empreitada reverencial do cinema marginal de Júlio Bressane e Rogério Sganzerla e sua mescla de referências populares e cultura erudita. Grey está, obviamente,

38 do lado da cultura popular, invocado a trazer os tipos cômicos, abertamente canastrões, vividos por ele anteriormente, para filmes como A família do barulho (1970), O rei do baralho, Abismu (1977) e O gigante da América (1978). O uso de Grey nesses filmes equivale ao reemprego de atores e personagens populares do teatro, do cinema e da televisão (Wilza Carla, Zezé Macedo, Jorge Loredo, o Zé Bonitinho) e de ícones da cultura de massas (Luiz Gonzaga), num clara tentativa de equilibrar criação artística popular e cinema com intenções intelectuais. Além disso, é uma das maneira de recuperar um tipo de cinema que fora criticado por ter envolvimento comercial e boas relações com o público, mas que os integrantes do cinema marginal – e também do cinema novo – identificaram como foco de alguma legitimidade da representação do povo brasileiro . Grey funciona assim como “um corpo condutor de fraternidade” (BERGALA, 2006, p. 236) ”, como material de reemprego de atores de um tipo de cinema em outro universo formal e temático distinto, mas com o qual ele guarda similaridades e divide preferências estéticas. “Nada mais contagiante que o desejo de ator”, escreve Bergala, contágio que Grey parece ter disseminado entre diversos tipos de cineastas. O ator é assim chamado a aparecer não só no cinema marginal, mas também na pornochanchada, que tinha óbvias pretensões comerciais, e no qual Grey aparece recuperando arquétipos vividos por ele no passado. A primeira e mais marcante parceria de Grey nas chanchadas é citada diretamente por Carlos Diegues em Quando o carnaval chegar (1972), um dos papéis que transformou o registro de Grey, passando de um jogo mais transparente, em que ele buscava criar um personagem nos moldes clássicos (nos filmes da chanchada), para um atuação carregada de clichês corporais e autocitação. Nesse filme, Grey aparece ao lado de José Lewgoy, que vive um vilão caricato e cômico. Ao reviver a dupla do passado, Diegues insere seu filme num misto de reverência e derrisão, em que a escolha e a utilização dos atores funciona como elemento principal de um processo citacional maior – o filme apresenta também ações entremeadas por números já que os personagens são artistas, o que não configura um musical tradicional nos moldes hollywoodianos, assim como as chanchadas também não o eram .

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A reflexividade e a desconstrução do jogo clássico é a quarta orientação essencial de jogo de Grey, de trazer para o tecido fílmico a crítica e o comentário do seu processo de criação, é prerrogativa do cinema moderno. A apropriação do corpo e do jogo do ator como elemento transmissor da autoreflexividade do filme atingiu em Monika e o desejo (Ingmar Bergman, 1953) seu paroxismo. Fazer sua personagem romper com o hermetismo do universo ficcional e vir encarar o espectador no olho foi uma das grandes quebras narrativas e formais da história do cinema, da qual os cineastas da nouvelle vague se lembrariam anos mais tarde. Harriet Andersson, a Monika de Bergman, foi assim a primeira atriz do cinema moderno – junto talvez com Ingrid Bergman em Stromboli. Ambas estavam imbuídas de prerrogativas dos atores modernos, de fazer do seu jogo e da sua aparição na tela um veículo de citação reflexiva dos componentes físicos e abstratos do processo de encarnação de um personagem; transformar a interpretação na crítica do seu processo; passar da transparência e do ilusionismo do jogo naturalista à opacidade do auto-olhar constante; estar dentro do personagem e, ao mesmo tempo, nunca ser suplantado ou sufocado por ele . Tal postura refere-se a uma concepção de teatro onde a identificação não faz parte do processo de criação (a identificação ator/personagem), barrando assim a identificação do momento da recepção (espectador/ator-personagem). O ator parece como que externo ao personagem, ainda que coabitando com ele um mesmo corpo, engendrando assim momentos de reflexão particulares, sobre o processo de encarnação, e gerais, em torno da representação como um todo. Tal postura, oriunda do teatro brechtiano, foi reforçada pela máxima de Jean-Luc Godard, segundo a qual os atores devem “falar como citações de verdade ... é o mestre Brecht que dizia isso, que os atores devem citar ”. A reflexividade parece inerente ao processo de encarnação de personagens de Wilson Grey. Num primeiro momento, nas chanchadas principalmente, essa tendência parecia estar sufocada, só vindo se manifestar mesmo em outro universo, o do cinema marginal, mais condizente com as quebras das estruturas narrativas clássicas, que o

40 cinema comercial brasileiro dos anos 1950 seguia à risca. A entrada de Grey no cinema marginal foi assim redefinidora da sua postura de ator, atitude essa reaproveitada por outros realizadores fora do cinema marginal dos anos 1970. No que diz respeito ao trabalho do ator de cinema, a introdução de elementos reflexivos e de quebra do ilusionismo se dá por meio da figura formal do olhar para a câmera. Godard testemunhou ter sido desestabilizado pelo olhar de Monika filmado por Bergman, pois naquele momento o personagem ficcional tomava o espectador como testemunha do ato que ela estava prestes a cometer : uma traição. Não por acaso, os dois filmes-manifesto da nouvelle vague (Os incompreendidos, Truffaut, 1959; e Acossado, Godard, 1960), terminam com um olhar para a câmera abertamente influenciado pelo de Bergman. Wilson Grey também manifesta a individualidade do seu jogo de ator pelo olhar para a câmera, mas não somente. Roteiristas e diretores empregaram-no, com frequência, em papéis autocitatórios do ofício de ator, de cômico ou de entertainer ou que não escondem as marcas da construção do personagem – acima dos resultados que essa construção engendra. Na obra de Grey, a desconstrução do jogo de ator calcado na inovação gestual e na criação clássica de personagens (estudo da psicologia, invenção de um programa gestual) passa pelo reivindicação do uso de clichês corporais. Ao contrário de limitar a amplitude dele enquanto intérprete (a originalidade é apenas uma das características dos bons atores), o reemprego de gestos e posturas já balizados na história da interpretação ajuda a tirar seu jogo do escopo do naturalismo e a transparência dos seus objetivos. Seus papéis se inserem em outro processo de significação, no qual o gestual, no lugar de criar novas formas, insere o ator numa linhagem de interpretação que ele, ao mesmo tempo, cita e perverte. A história das formas no cinema é feita dessa relação de dicotomia entre identificação de algo a ser admirado e refundação de cânones que visam a estabelecer novos padrões estéticos de construção de imagens. No trabalho dos atores e nas suas relações com seus predecessores não é diferente.

41 As aparições de Grey em papéis principais, caso raro, cristalizam e reforçam essas prerrogativas. O ator foi protagonista ou um dos protagonistas em apenas três filmes : O lobisomem (Eliseu Visconti, 1974), O segredo da múmia (Ivan Cardoso, 1982) e A dança dos bonecos (Helvécio Ratton, 1986). No filme de Visconti, ele vive um personagem que se caracteriza por indícios de representação ou pela opinião dos outros sobre ele : a capa em sinal da personalidade misteriosa ou sombria e o comentários dos demais personagens sobre ele (“ainda falam que esse homem vira bicho”). Do mesmo modo, ele abusa dos clichês gestuais ou de intepretação para denotar as características mórbidas e doentias do seu personagem : a risada exagerada, os dedos curvados denotando vontade de estrangulamento, etc. O lobisomem é, em última instância, um filme sobre possibilidades de encarnação de um arquétipo do mal, do excesso e do desbunde e o corpo de Grey, o terreno de ação dessas possibilidades que se produzem frente ao espectador – e não mais num momento prévio à filmagem, no estudo dos personagens. Tal característica atinge também outros atores modernos do cinema brasileiro como Othon Bastos, que, segundo Vanderlei Bernardino, “representa o cangaceiro de forma arquetípica, buscando o essencial, a sua forma e seu significado, a dimensão da lenda a partir de elementos reais ”, referindo-se ao processo de encarnação do personagem Corisco em Deus e o diabo na terra do sol (1963). Algo análogo ao reemprego de formas de jogo aparece em O segredo da múmia. Para corporificar o professor Vitus, Grey repete o movimento dos dedos curvados nas pontas e as mãos tortas em signo de demência e obsessão. De Nosferatu a Norma Desmond, a história da intepretação para o cinema instituiu esses gestos como regra comportamental para personagens perturbados ou inquietos. Grey age na subtração da significação imediata da forma. Reforçando o seu uso, ele tira desse gesto seu aspecto de novidade e transforma-o em pura citação, alimenta seu personagem de outros personagens antes dele e não da observação de uma realidade corporal extraída do mundo real. O mesmo registro citatório aparece em Um filme 100 por centro brasileiro (José Sette, 1985) em que Grey encarna um personagem que se autointitula “príncipe das trevas”, maquiagem carregada nas olheiras e abusando do sorriso diabólico, numa

42 caracterização de Mefistófeles tropical que se demarca ainda pela inclusão de um estilo impressionista de atuação. A construção do corpo do ator e do seu jogo está diretamente ligado aos efeitos de enquadramento e escolha de lentes também em A dança dos bonecos, em que o frágil corpo de Grey aparece magnificado e distorcido, reforçando no aspecto ameaçador que o personagem do Mister Kapa tenta veicular. Nesse terceiro filme em que Grey é protagonista, o ator aparece como um narrador intradiegético, uma espécie de mestre de cerimônias de espetáculo mambembe que dialoga com o espectador, apresentando-lhe as intrigas e os personagens. Mr. Kapa é personagem greyiano construído dentro dos moldes que sua persona de ator de chanchadas estabeleceu (o vilão desajeitado, malandro de bom coração), com o adendo da situação de quebra de ilusionismo que estava ausente dos filmes dos anos 1950 (olhar para a câmera, diálogo com o espectador). Essa faceta da persona de Grey havia surgido, no entanto, antes desse filme, com o emprego do ator para encarnar vilões cômicos dos filmes do Trapalhões : O incrível monstro trapalhão (1980) e Os Trapalhões na Serra Pelada (1982). Ao final de A dança dos bonecos, para reforçar a ideia de autocitação, reflexividade e a interação entre ator, personagem e realizador, Grey dispara que “ainda vai fazer um filme sobre esses bonecos”, acrescentando um terceiro elemento (o diretor) na confusão de entidades que já domina o corpo do ator. Num registro análogo, Ivan Cardoso o escala para o papel do ator em As sete vampiras, onde se vê, antes de tudo, a construção de um personagem (o chinês Fumanchu) e não apenas o resultado dessa construção. Das orientações essenciais de Wilson Grey, a que melhor resume seu jogo e sua persona é a de ator-camafeu. Empregamos esse termo a partir da definição cunhada por Jacqueline Nacache para descrever o fenômeno de aparecimento dos atores dentro dos filmes . O efeito entalho, que designa uma imagem gravada em baixo relevo, seria ligado à ausência do corpo do ator da representação, provocado pelo retardamento da sua aparição dentro da narrativa ou, caso paradigmático, da sua mera sugestão dentro da história. Nacache cita os exemplos clássicos de Ava Gardner em A condessa descalça (Joseph Mankiewicz – 1954), Gene Tierney em Laura (Otto Preminger – 1944) e Robert

43 Montgomery em A dama do lago (1947), em que os atores, personagens principais e estrelas, tardam a aparecer – ou pouco aparecem – na imagem. Já o efeito camafeu, opostamente ao entalho, é uma forma de imagem em alto relevo e refere-se à valorização da aparição de um ator dentro do filme, que é necessariamente de curta duração, mas que concentra em torno de si alguns pontos chaves da narrativa. Podemos partir da definição de Nacache para propor diferenças substanciais sobre atores que aparecem sob a forma do entalho e outros do camafeu. O ator-entalho trabalha no sentido clássico da construção de personagem de dentro pra fora; a forma em baixo relevo traz essa ideia do cavar a superfície para se ter acesso à interioridade do personagem. Nesse sentido, o retardamento da sua aparição não faz mais que reforçar os efeitos de identificação e projeção típicas do processo clássico de encarnação de personagens ficcionais. Já o ator-camafeu salta de dentro da representação para aparecer enquanto superfície, antes de tudo. Ele chama atenção para sua forma externa, para a exterioridade do corpo, seu envelope . No ator-entalho, a exterioridade é a expressão da interioridade do personagem, construída antes e durante o processo de filmagem, postura do ator de cinema clássico ; o gesto serve para expressar um sentimento construído internamente. No ator-camafeu, o gesto serve como manifestação, citação e, por vezes, como desconstrução da psicologia (pelo excesso ou saturação dos signos) e reemprego das formas atorais preexistentes a ele, típico dos atores do cinema moderno . Em um, vale a expressão do sentimento do personagem (o que o gesto transmite); no outro, a forma dessa expressão (como ele transmite). Grey é, principalmente depois do advento do cinema marginal, um ator-camafeu, pelas prerrogativas analisadas nos itens anteriores (gesto-citação, corpo como desejo de fraternidade). Mas é outra característica do ator-camafeu que o define : a de seu corpo e rosto saltar aos olhos, de se demarcar no meio do elenco pelo simples fato do seu reemprego constante em filmes de diferentes épocas e estilos. Tem-se aqui uma variação de utilização da época dos filmes da chanchada, em que Grey não se destacava no meio da

44 coletividade. Sua figura, seu corpo e seu gestual foram se estabelecendo dentro dos filmes brasileiros de forma gradual, o que legitima a passagem do anonimato ao destaque. Algumas aparições cameo de Grey (não por acaso, cameo deriva da palavra camafeu) reforçam na ideia de que realizadores criavam papeis especialmente para que Grey pudesse estar em seus filmes. Grey se apropria então de uma prerrogativa até então atribuída apenas às estrelas de cinema : a de chamarem a atenção para si em pequenas aparições, de concentrarem o interesse de um plano ou uma cena no simples fato de um ator aparecer dentro de um filme – vide as aparições cameo de Alfred Hitchcock. Por ter tido uma persona construída dentro das chanchadas, reutilizada pelo cinema marginal, Grey pode assim posar de corpo emanador de prerrogativas formais inerentes às vedetes do cinema comercial. A lista dos realizadores que empregaram Grey em aparições cameo é longa, mas só se consolida, definitivamente, a partir dos anos 1980, quando a notoriedade de Grey já era compartilhada pelos integrantes do cinema brasileiro : Nelson Pereira dos Santos (Boca de Ouro), Antonio Calmon (O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, 1971), David Neves (Lúcia McCartney, garota de programa, 1971), Neville d’Almeida (Bonitinha mas ordinária, 1981), Joaquim Pedro de Andrade (O homem do Pau Brasil, 1982), Hugo Carvana (Bar Esperança), Júlio Bressane (Brás Cubas), Ivan Cardoso (Os bons tempos voltaram, vamos gozar outra vez, 1986), Luiz Rosemberg Filho (O vampiro, 1988) e Carlos Alberto Prates Corrêa (Minas Texas, 1989). Essas aparições têm em comum o fato de não caracterizarem personagens no sentido clássico (falta construção psicológica, continuidade narrativa) e dão conta da capacidade do ator de passear com legitimidade por universos e mise en scènes distintas – e por ideias de cinema às vezes antagônicas.

B.6. O ator moderno do cinema brasileiro

Para completar as minha reflexões específicas sobre atores de cinema brasileiro, fiz um artigo sobre o ator moderno do cinema brasileiro. A ser publicado pela revista

45 Famecos, da Puc-RS, o artigo discute a formação do perfil desse novo ator do cinema brasileiro na perspectiva dos estilos de intepretação adotados anteriormente. Parto do princípio que a eclosão dos “novos cinemas”, principalmente na Europa a partir dos anos 1950, marcou a chegada da modernidade ao cinema. Como em outras artes, o moderno cinematográfico não surgiu do dia para a noite. Muitos teóricos ressaltam os lampejos de modernidade que representaram, por exemplo, o apogeu do cinema mudo russo, o burlesco de Charles Chaplin e as vanguardas europeias dos anos 1920. Ou ainda se perguntam, como Jacques Aumont (2007, p. 38), “se é possível falar de classicismo em torno de uma prática essencialmente fundada na modernidade, acompanhante constante da vida moderna?”. Qualquer que seja a data de nascimento da modernidade dos filmes, a que corresponde à metade do século 20, por aflorar quando as estruturas clássicas já haviam sido consolidadas, foi marcada pela quebra de antigos valores de produção tradicional (Hollywood, star system, ideologia americana vinculada à propaganda, academismo nas posturas de adaptação de obras literárias) e pela construção de novos. Nesse sentido, a modernidade das formas cinematográficas trazidas por esses novos cinemas passa pela reinvenção das maneiras de se filmar, de como se enquadrar e iluminar corpos, objetos e paisagens – nos filmes modernos, o homem encontra-se recorrentemente desenquadrado, a câmera passa a filmá-lo de costas, sob poucas ou rarefeitas fontes de luz ou invertendo a sacrossanta hierarquia que prega a supremacia da imagem sobre o som. Modifica-se também a forma da montagem. A intervenção desse processo criativo da pós-filmagem torna-se muito mais visível no filme pronto e questiona a todo tempo a visão e os sentidos dos espectadores, quebrando a transparência da narrativa e o ilusionismo da imagem cinematográfica. Do mesmo modo, nas posturas criativas mais ligadas à construção temática e narrativa em torno da escrita do roteiro, os diretores passam a ousar mais frontalmente, adaptando obras literárias ou teatrais onde as imagens não se querem meras substitutas do texto escrito e sim um complemento dele, um momento de fricção em que texto e imagem criam uma obra intervalar entre cinema e literatura.

46 A direção de atores, como uma forma fílmica que é, também sofreu radicais distúrbios. Embora negligenciado pelas análises do campo de estudos em cinema, a percepção do corpo diante da câmera, suas técnicas de encarnação e representação e a relação entre intérprete e diretor estiveram na frente do processo de reinvenção do cinema. A dimensão do estudo do ator deve sempre levar em conta dois elementos : o corpo e a persona do intérprete. O primeiro é a face mais facilmente analisável do seu trabalho, superfície dual entre “corpo-instrumento” e “corpo-obra”, a partir dos quais podemos filiar o ator a determinada linha de interpretação, qualificar e avaliar suas performances, avaliar a qualidade do seu jogo. O segundo é mais abstrato e simbólico, e compreende a face pública da sua personalidade de ator formada pelos suas escolhas de papeis, as relações de afinidade e de parceria criativa com certos diretores, suas posturas políticas, etc. Assim, aliamo-nos à defesa do ator como forma fílmica, assim como o faz Brenez (1992-1993, p. 89), para quem “o ator compõe a forma cinematográfica na mesma dimensão que o enquadramento e a luz. E assim como o enquadramento não pode se reduzir às bordas de um retângulo e nem tampouco a luz à iluminação das coisas, o ator não é reduzível a um mero significante do qual o personagem seria o significado.” Dois manifestos da modernidade cinematográfica dos anos 1950 foram textos : o do cineasta e crítico François Truffaut, “Uma Certa Tendência do Cinema Francês”, contra o que ele chama de “cinema francês de qualidade” abusando da ironia e não poupando farpas aos diretores franceses do pós-guerra identificados por ele como burgueses e oportunistas; e o do crítico André Bazin “Como se pode ser Hitchcocko- Hawksiano”. Ambos foram publicados na revista Cahiers du Cinéma, celeiro da nouvelle vague e da qual saíram os principais integrantes da modernidade do cinema europeu na segunda metade do século 20, seja como críticos ou cineastas. A questão da autoria no cinema estava no centro das discussões e os críticos pregavam que os cineastas deveriam ser elevados ao estatuto de artistas criadores, assim como os escritores ou pintores, que criavam mundos consistentes e coerentes formal e tematicamente. A modernidade cinematográfica “atoral” está diretamente ligada à questão da autoria, justamente em dois dos autores defendidos pelos críticos da Cahiers du Cinéma,

47 Stromboli, de Roberto Rossellini, e Monika e o desejo, de Ingmar Bergman. São filmes que jogam por terra a intocabilidade das velhas estrelas de cinema e dão novas regras para a interação entre diretor e ator. São os momentos de virada importantes para os atores de cinema. Roberto Rossellini foi um dos precursores do Neorrealismo italiano, movimento que pregava, grosso modo, a saída do cinema dos estúdios, a filmagem em cenários reais, privilegiando os atores não profissionais. Para Stromboli, o diretor foi buscar em Hollywood uma das maiores atrizes da época, a oscarizada e intocável sueca Ingrid Bergman, emigrada para Estados Unidos no início dos anos 1940. No filme, ela é Karin, mulher fria que aceita se casar com um pescador simples da Sicília, ilha italiana, para escapar da prisão. Quando Karin chega a Stromboli, a inóspita ilha que será, a partir de então, sua casa, ela se depara com um mundo simples, quiça rude e hostil, uma sociedade da qual desconhece a língua e os códigos. A história de Karin pode ser lida numa segunda camada, que diz respeito não somente à personagem, mas também às particularidades da atriz que a interpreta. Ingrid Bergman era, na época, não só atriz de Rossellini, mas também sua mulher. Tendo abandonado carreira, prestígio e uma família em Hollywood, Bergman, acostumada a papéis históricos, em superproduções com alto orçamento, chega ao universo de um cinema estranho a ela, de filmes baratos, feito em locações áridas, com iluminação que não visava a valorizar a beleza e a juventude das atrizes, pouca maquiagem e figurinos simples. A ilha de Stromboli encarna, nesse contexto, o próprio cinema italiano da época. Karin e Ingrid terão que aprender a falar a língua daquele local, o italiano para a primeira, a linguagem cinematográfica do Neorrealismo para a segunda. Karin deverá aprender a interagir com os habitantes locais; Bergman, a interpretar face a atores não profissionais, os próprios habitantes da ilha. O corpo da atriz, transplantado para aquela realidade, uma nova tierra, move-se com dificuldade, estranha as paisagens e as pessoas, enfrenta os costumes, afronta com o olhar, mas acaba se dobrando a ele, num dos encerramentos mais comoventes e metafísicos da história do cinema. Stromboli é não só um filme sobre uma mulher aprendendo a viver numa nova sociedade, mas o filme

48 sobre uma estrela abrindo mão do conforto e do estrelato para se sujar de realidade e se tornar uma atriz de verdade. Alguns anos depois, o diretor sueco Ingmar Bergman constrói um filme em torno da relação de desejo e manipulação entre diretor e atriz em Monika e o desejo, cujo título brasileiro reforça na prerrogativa sexual, dimensão que ignora o título original, Um verão com Monika. Assim como Stromboli, Monika e o desejo pode mostrar mais do que seu roteiro informa : o despertar sexual de dois jovens, Monika e Harry, num idílio amoroso numa ilha deserta durante o verão, e a consequente degradação da relação depois que retornam à cidade. A insularidade dos dois filmes é, para Bergala, uma marca do cinema moderno, os condicionamentos que enfrentam os diretores para se filmar num espaço exíguo de recursos funcionando como pilar de uma mise en scène pessoal e exigente. A atriz que interpreta Monika, Harriet Andersson, era mulher do diretor à época das filmagens e tal fato, aparentemente anódino, condicionou o momento da filmagem a tal ponto de determinar a forma do filme. Para Bergala, Monika é um filme que merece ser lido como a representação do desejo do diretor por sua atriz. Para isso, ele cria uma série de subterfúgios na imagem e na montagem do filme para “raptar a atriz” ao seu rival diegético e estabelecer com ela um tête-à-tête de sedução, troca, revelações e escamoteações. O centro de interesse desloca-se então da simples ação dos personagens entre si, as “criaturas” na tela, da dimensão propriamente narrativa, para se alocar na interação entre “criador e criaturas”, (BERGALA, 2005, p. 42), com o diretor localizado no extracampo, atrás da câmera, e com o corpo do qual a câmera se identifica claramente. Esses filmes, modernos na sua forma por justamente quebrarem alguns preceitos clássicos em tornos das estrelas imaculadas e do isolamento do universo ficcional (no caso do olhar para a câmera da Monika), permitem que os processos simbólicos do momento de criação transpareçam na forma final da obra, ou seja, deixam impressos na película as marcas de sua fabricação. Trata-se de uma atualização da máxima de Maurice Blanchot (2007, p. 296-297), segundo a qual “a estátua glorifica o mármore”, para explicar como a obra de arte moderna é, essencialmente, uma manifestação dos elementos que se aliam

49 para que ela exista : a materialidade dos meios empregados pelo artista (a palavra, a tinta, a pedra bruta), o investimento do artista na maneira de lidar com esse material bruto (o estilo da escrita, a pincelada, a maleabilidade de uma superfície) e a relação entre artista e realidade que ele encontra diante dele (as dificuldades práticas de execução, seus modelos, etc). Blanchot se alia assim a diversos outros pensadores do processo criativo como Tzvetan Todorov, Erwin Panofsky, Paul Klee e Jean-Luc Godard, que defendem a opacidade como integrante das obra de arte modernas, em detrimento à transparência clássica. No caso do ator, o filme pode guardar os rastros da gama de desejos e afetos que entram em jogo quando se coloca diante da câmera (de um corpo desejante, o do diretor), um corpo desejado (o do ator). Bergala chega a defender que dificilmente outras artes podem ter o mesmo impacto do envolvimento entre modelo e artista como o cinema. “O pintor que se deita com seu modelo não se deita com a mulher da pintura que está na tela. O cineasta que se deita com sua atriz filma, no dia seguinte, as marcas que esse ato real deixou no corpo e na mente dela. E na dele também (...) Quando uma mulher real – uma atriz, um modelo de Bresson – encarna um personagem nascido do imaginário de um cineasta, ela incorpora algo de um objeto real de desejo ou de amor que esse homem havia imaginado, às vezes antes de encontrá-la, sob a forma de uma criatura inventada. Ela torna-se objeto de desejo ideal, ao mesmo tempo criatura real e corpo-suporte de sua fantasia apaixonada.” (BERGALA, 2006, p. 43-35)

O âmbito de reflexão de Bergala é obviamente limitado se pensarmos que nem todos os diretores que desejam e filmam atores terão envolvimentos pessoais com eles. A influência dos atores modernos no cinema ultrapassa obviamente as histórias mundanas de envolvimento entre diretores e atrizes. Ainda assim, os diretores da nouvelle vague fizeram de Monika e o desejo um filme-norte e se espelharam nele para abordar o corpo filmado com liberdade, sem necessidade de mascarar a vontade sexual, o ciúme e a sedução. Toda a história da nouvelle vague é feita de aproximações entre atores e diretores, numa eterna busca de rebeldia em que a criação do personagem era um processo bicéfalo. Ao mesmo tempo, Jean-Luc Godard, François Truffaut e outros comeram os velhos heróis dos antigos filmes policiais e comédias americanas e os regurgitaram sob a forma de

50 gângsteres desajeitados (Jean Paul Belmondo em Acossado, 1960, de Godard) e antiheróis carismáticos (Jean-Pierre Léaud em Os incompreendidos e na trilogia estrelada pelo personagem Antoine Doinel, de Truffaut). Fotos de Humphrey Bogart (o protótipo do gângster do cinema americano) e Harriet Andersson (a Monika) aparecem nos primeiros filmes deles como objetos de citação a uma realidade corporal precedente que eles admiram ou cultuam. Não por acaso, uma das figuras de estilo mais originais do filme de Bergman, o olhar para a câmera da personagem de Monika no momento que a personagem decide abandonar a vida de mãe e esposa, é repetido na derradeira imagem dos primeiros longas de Truffaut e Godard, Os incompreendidos e Acossado. No primeiro, Truffaut capta o olhar perdido do seu personagem, o menino Antoine Doinel, num congelamento da imagem e do olhar do ator Jean-Pierre Léaud, mirando o espectador cara a cara. No segundo, Jean Seberg afronta o espectador com a mesma audácia de Harriet Andersson, dando sua cara a tapa por ter causado a morte do seu amante Belmondo mas pouco se importando, definitivamente, com o julgamento do espectador (ela termina o plano virando as costas rapidamente para a câmera). Com os ensinamentos do neorrealismo italiano e da nouvelle vague sendo rapidamente incorporados por outras cinematografias, o cinema brasileiro foi diretamente afetado por essas novas concepções de filmagem de atores e de construção de personagens. De uma maneira muito próxima do fenômeno europeu, o cinema novo foi a encarnação do cinema moderno no Brasil. Os cineastas ligados ao movimento como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos ou aposentaram algumas estrelas do velho cinema (principalmente das chanchadas e da Vera Cruz), erigiram novos corpos e personas e reciclaram outros. Primeiramente, tivemos nosso surto neorrealista com os primeiros filmes de Alex Viany (Agulha no palheiro, 1953), de Nelson Pereira dos Santos (Rio 40 graus, 1955), Roberto Santos (O grande momento, 1958) e a empreitada coletiva de Cinco vezes favela (1962). Esses filmes colocavam na tela uma espécie de “memória dos corpos”, processo de escolha e direção de atores entre a “tipagem” eisenstaniana (um corpo para representar

51 uma classe social) e a postura neorrealista (não atores revivendo situações próximas da realidade que conhecem ou já viveram). Outra aproximação com os movimentos europeus estava na necessidade de coabitação entre atores profissionais e não profissionais e na desvalorização de um cinema e de diretores predecessores para que novas formas e nomes fossem valorizados. Assim como Truffaut (1954, p. 81) criticava a maneira empostada, pouco naturalista das interpretações e os “closes uniformes e obsessivamente fotogênicos” das atrizes do cinema realista burguês da França dos anos 50, Glauber Rocha (1963, p. 81), falava em tom jocoso do “drama de amor entre tuberculosos grã-finos” de Floradas na Serra (Luciano Salce, 1954). Para vilipendiar a ideologia da Vera Cruz, o alvo de Glauber foram as interpretações de e Cacilda Becker, que Glauber lembra ironicamente terem comparado a Vivien Leigh em A ponte de Waterloo. Becker e Filho eram atores tidos como “sofisticados”, intérpretes de grandes clássicos do teatro mundial e oriundos do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), que forneceu matéria-prima humana para os filmes do estúdio paulista. O movimento brasileiro se destacará, aliás, pelo rechaço a alguns modelos de interpretação teatral e pela eleição de novos grupos de teatro profissional e amador como celeiro de intérpretes para o cinema. Pouco importa que se trate de Godard, Truffaut ou Glauber Rocha, a postura dos novos diretores parece ser a mesma: uma atualização da secular atitude de “matar o pai” para se estabelecer definitivamente, ou seja, negar a influência de cineastas considerados conservadores, eleger outros modelos a serem seguidos (Hitchcock, Hawks, Rossellini, Bergman, Renoir, para os europeus; Humberto Mauro e Mário Peixoto para os brasileiros) e abrir espaço para que a mudança se estabeleça. Depois do surto neorrealista da década de 1950, o cinema novo se estabelece definitivamente entre 1963 e 1964 como o surgimento e a consolidação de novos atores que respondiam a um desejo de também novos autores de se filmar corpos virgens dos cânones teatrais das cenas clássicas. Esses anos viram surgir e se consolidar o trabalho de Othon Bastos, Antonio Pitanga, Geraldo del Rey, Átila Iório, , Jofre Soares,

52 Nelson Xavier, Milton Gonçalves e Joel Barcelos, atores que teriam importância crucial no cinema feito no Brasil dos anos 1960 e 1970. Bastos, Pitanga, Del Rey e Anecy, por exemplo, vinham da experiência do teatro universitário de Salvador, onde trabalharam com Martim Gonçalves e tinha uma aproximação brechtiana do texto que ajudou a quebrar as imposições do realismo psicológico que foi a tônica nos anos 50. Foi a partir da experiência teatral brechtiana de Bastos, por exemplo, que Glauber teve a ideia de integrar os monólogos diretamente endereçados ao espectador do personagem de Corisco em Deus e o diabo na terra do sol (1964), no lugar de mostrá-los como flashbacks. O ator se recorda nesses termos: “a parábase, procedimento brechtiano, entrou no filme depois da minha chegada. Se eu não estivesse lá e Corisco tivesse sido interpretado por outro ator, Glauber teria seguido outra direção, mais stanislavskiana, mais próxima da primeira parte. Se olharmos de perto, o filme é dividido em duas partes. A primeira, de Manuel, Rosa e o Santo, é inteiramente stanislavskiana; quando Corisco chega, ele muda o filme numa direção brechtiana.” (BAX, 2005, p. 97)

Já Átila Iório, Jofre Soares, Nelson Xavier, Milton Gonçalves e Joel Barcelos eram oriundos de grupos de teatro amadores ou do teatro nacionalista político paulista. Outro dos atores-chave do Cinema novo, Maurício do Valle, que institui bases de representação para cangaceiros e bandidos, nunca havia frequentado um curso de teatro – abordagem pasoliniana do ator, que Glauber achava particularmente interessante. A presença desses atores em alguns filmes do período definiram-nos como intérpretes de papéis alegóricos sem, no entanto, perder a conexão com a realidade social e política brasileira. A postura do cinema novo com relação aos atores foi parecida com os modelos europeus e, principalmente, com a atitude de Rossellini de quebrar com a sacrossanta intocabilidade das estrelas de cinema. A fascinação dos atores até poderia a acontecer, mas o que os cineastas do cinema novo buscavam era, antes de tudo, atores que não se comportassem como estrelas. De alguma maneira, houve a criação de um novo sistema de estrelato (poucos atores dessa fase alcançaram o estatuto de estrelas, talvez somente ou , entre as mulheres; entre os homens, eram mais raros ainda), mas isso ocorreria como um resultado, nunca como um objetivo como nos

53 Estados Unidos ou no caso brasileiro da televisão. Glauber Rocha faz um balanço desse postura : “O cinema novo lançou atores que se contrapunham aos atores hollywoodianos. Contrapôs a chamada pornografia corporal dos atores bonitos e das atrizes sexy. A partir do cinema novo, os pretos, os índios, os mulatos, o povo brasileiro desdentado começou a aparecer nas telas. Isso chocou tremendamente o público colonizado pelos Cary Cooper. Mas, ao mesmo tempo, interessou a outra parte do público brasileiro que queria ver seu povo refletido no cinema. Criou um novo tipo de impacto, um novo tipo de ator, aquela malandragem do Hugo Carvana, do Pitanga, Joel Barcellos. Jece Valadão, que saltou da chanchada para “o cafajeste”, atrizes como Maria Lúcia Dahl, Odete Lara, Maria Gladys, Ana Maria Magalhães” (DEL PICCHIA, MURANO, s/d, p. 26).

Corpos em embate com a metrópole ou com as mais duras realidades do campo, com os signos formadores do panorama urbana ou com as tradições escravocratas das terras mais afastadas; o cinema que levava os atores brasileiros para as ruas ou para o meio do povo necessitava de rostos que se misturassem com os deles. A atitude em torno do ator moderno brasileiro é ancorada na ideia de fisiognomonia, ciência segundo a qual o corpo de um indivíduo, principalmente os traços do seu rosto, podem ser indícios de sua personalidade, do seu caráter e, acessoriamente, da sua inserção social no mundo – Antônio Pitanga chegou a se descrever como “emblema do povo” (BAX, 2005, p. 160). O que os diretores do cinema moderno brasileiro buscavam eram rostos e corpos menos heroicizados, menos sacralizados pelo aparato cinematográfico e pelo discurso parafílmico, como os dos antigos galãs da Vera Cruz, ou que ultrapassasse o registro meramente cômico dos atores das chanchadas. A postura do cinema ficcional tinha ecos no cinema documentário, visto que os “filmes-verdade” do período tinham igualmente uma necessidade de se colocar na tela problemas e rostos provenientes das camadas mais baixas da sociedade brasileira : Maioria absoluta (Hirszman, 1964), Viramundo (Geraldo Sarno, 1964) e Cabra marcado para morrer (Eduardo Coutinho, rodado originalmente me 1964). Pelo uso do corpo, por uma fragilidade e ambiguidade latentes desses atores, não estamos longe do modelo Actors Studio, popularizado por astros de Hollywood como Marlon Brando e James Dean. O Método de Stanislavski, via Actors Studio, teria chegado ao Brasil pelas mãos de , que disseminou entre os atores, principalmente do

54 teatro de Arena, os ensinamentos aprendidos nos Estados Unidos. O ator Nelson Xavier lembra assim da experiência de ter visto Marlon Brando como uma “coisa inteiramente nova, uma revolução na interpretação” (TEIXEIRA, org. 2005). A marca do ator físico de Brando parece ter sido mesmo uma referência para a totalidade dos atores modernos brasileiros, notada no constante frenesi da interpretação conseguida por Glauber Rocha dos seus intérpretes. No caso do diretor de Terra em transe, é preciso levar em conta os métodos de direção, já que Glauber usava de uma espécie de assédio vocal em cima do corpo do ator, o que o deixava num misto de transe, improvisação e verborragia, como na sequência da orgia entre Geraldo del Rey, Danuza Leão e Maurício do Valle em A idade da terra (1980), um dos ápices do “método Glauber”. A influência do Actors Studio de Lee Strasberg ultrapassava os atores identificados imediatamente com o cinema moderno como Jardel Filho, que afirma sua filiação ao Método de Stanislavski, mesmo que isso não fique muito visível nas suas colaborações na Vera Cruz. Jardel é um dos grandes exemplos de atores do “velho” sistema que teve a persona recuperada pelos “novos” diretores. O cinema novo brasileiro não foi apenas rejeição aos atores vindos antes dele. Havia ali algo da postura rosselliniana, de buscar as estrelas do passado para perverter e reinventar suas personas, como num processo de reafirmação de personalidade do diretor. Ocorre então o reemprego de alguns atores em filmes de cineastas que flertavam ideologicamente com o movimento : Antônio Pitanga em A mulher de todos (Rogério Sganzerla, 1969), Othon Bastos e Isabel Ribeiro em São Bernardo (Leon Hirszman, 1971), Anecy Rocha em A lira do delírio (Lima Jr., 1978); e até na televisão. Glauce Rocha aparece na mais glauberiana das tramas de Janete Clair, Irmãos Coragem, em que até a música-tema de Vila-Lobos, usada por Glauber, é retomada; sem falar na trama de cunho político e social em torno da exploração do trabalho dos mais fracos e da vontade de rebeldia dos oprimidos. Mais tarde, Othon Bastos, Maurício do Valle e Yoná Magalhães são chamados para dar o contraponto cinematográfico ao elenco essencialmente televisivo de Roque Santeiro (Dias Gomes, 1985), visto que, na trama, uma equipe de filmagens chega à pequena cidade de Asa Branca para encenar a vida do mito local. Esther

55 Hamburger (2005, p. 106) lembra que até a música-tema da abertura, Santa Fé, de Moraes Moreira, serve de citação a Glauber, com seus versos iniciais “deus e o diabo na terra, sem guarda-chuva, sem bandeira, bem ou mal...”. Para Hamburger, a novela é uma “alegoria da alegoria” e o reemprego dos atores ajuda nesse processo criativo citacional. O corpo do ator é justamente um dos mais eficazes elementos de construção de processos citacionais, que alia cineastas e modelos estéticos pelo reemprego da persona dos intérpretes. Um “corpo transmissor do desejo de fraternidade” (BERGALA, 2006, p. 236), capaz de carregar consigo as marcas de uma parceria estabelecida com um diretor para a obra de outro e assim contaminar uma mise en scène com os ensinamentos aprendidos anteriormente. O cinema moderno brasileiro foi um nicho para esses “corpos transmissores de fraternidade”. Jardel Filho, , também oriundos do TBC, e até o galã-mór da televisão Tarcísio Meira, como visto anteriormente, foram recuperados por Glauber numa tentativa de quebrar aprioris estéticos de interpretação e de moldá-los à imagem de sua mise en scène. Do mesmo modo, teve seu sistema de interpretação transformado, de gigante inabalável do teatro em personagem frágil em síntese da geração angustiada do período revolucionário em São Paulo Sociedade Anônima (Luis Carlos Person, 1965), assim como Oduvaldo Viana Filho em O Desafio (Saraceni, 1965). Mas talvez o ator que teve a maior amplitude de utilização no cinema tenha sido José Lewgoy, que passou de grande vilão das chanchadas da Atlântida a símbolo do poder corrompido do cinema novo (Terra em transe) até os papéis de velhinho bonachão nas pornochanchadas dos anos 1980 e nas novelas de televisão. Lewgoy é, aliás, um dos poucos atores de cinema da época a ter conseguido passar para a televisão com relativo êxito, vivendo papeis que faziam jus ao seu potencial dramático em tramas televisivas como Dancin’ Days (1978) e Água Viva (1980), ambas de Gilberto Braga. Já no grupo de filmes conhecidos como “cinema marginal”, a apropriação do corpo dos atores seguiu um fenômeno ao mesmo tempo próximo do cinema novo, mas com profundas modificações no que diz respeito a interpretação dos atores e a relação entre

56 atores e diretores. As coincidências se localizam no que diz respeito à reapropriação das persona de atores oriundos de outros cinemas. Grande Otelo, por exemplo, representou uma “reconciliação entre cinema novo e chanchada”, num movimento de reconhecimento de uma dívida por anos negada, segundo Paulo Paranaguá (1987, p. 206). Sganzerla e Júlio Bressane fizeram de Otelo um dos ícones da sua produtora Belair, numa óbvia homenagem aos tipos desabusados vividos por ele nas chanchadas. O cinema novo tem em comum com o cinema marginal a busca por atores em movimentos teatrais independentes ou identificados com a contracultura brasileira. Como o TBC, que fornecera atores para o cinema dos anos 1940 e 1950, outras vertentes teatrais foram identificadas pelos autores do cinema pós-1964 como nichos da procura de atores. O Teatro Paulista do Estudante (TPE), que se funde mais tarde com o Teatro de Arena, em 1953, são exemplos. Altamente político, o Arena teve em Augusto Boal e Oduvaldo Viana Filho, dois dos seus maiores dramaturgos e prezava pela escolha de temas nacionais, em contraponto aos grandes espetáculos e montagens de textos internacionais do TBC. São oriundos do Arena atores que povoaram o cinema com uma certa nostalgia política ( em O grande momento, Santos, 1958, e na versão cinematográfica do seu texto teatral Eles não usam black-tie, Hirszman, 1981), com o “antigalantismo” (Nelson Xavier em Os fuzis, Guerra, 1964 e A Falecida, Hirszman, 1965; Milton Gonçalves em Macunaíma, Andrade, 1969, e A Rainha Diaba, Fontoura, 1974), com uma fragilidade endêmica (Paulo José em O padre e a moça; Isabel Ribeiro em São Bernardo) ou com arrombos de visceral naturalismo ( em Sargento Getúlio, Penna, 1983) – Pitanga passaria pelo Arena nas montagens em torno do mito de Zumbi, cujas vertentes ele encarnará no cinema. Desses atores, o que se via nas telas era um misto de técnica irretocável e envolvimento emocional, permeados por posturas políticas fora das telas que alimentavam a persona desses atores. Assim como para os atores baianos, a referência brechtiana se mesclava, no Arena, à formação stanislavskiana que Boal trouxera dos Estados Unidos. Embora a convivência entre esses dois métodos nem sempre seja pacífica, no Brasil, segundo defende Bernardino (2013, p. 50), “o estudo do

57 processo de Stanislavski estava sendo usado como mecanismo de luta para o ator brasileiro encontrar a sua própria identidade e como consequência integrar o espectador no reconhecimento de uma identidade nacional”. Outra experiência teatral, mais festiva e excessiva em sua forma mas essencialmente revolucionária, foi a do , mais definidora para as fases posteriores do novo cinema, o grupo, em plena atividade controversa até hoje, forneceu ao cinema uma outra espécie de atores, mais orgânicos e desenfreados e menos técnicos como Renato Borghi, Ítala Nandi e Carlos Gregório em Prata Palomares (André Faria, 1972) e Pindorama (Arnaldo Jabor, 1970) ou o chefe do coro masoquista, Fernando Peixoto, Gamal, o delírio do sexo. O sistema de interpretação de Paulo José e Grande Otelo em Macunaíma, de Hugo Carvana em Vai trabalhar vagabundo (Carvana, 1973), ou dos atores de Orgia ou o homem que deu cria (João Silvério Trevisan, 1970), em seu constante frenesi, também é transplantado da forma dos atores do Oficina. Os movimentos de busca por novos atores e modelos de jogo e de reapropriações de personas continuariam para além das experiências dos anos 1970. Houve posturas parecidas com as aqui estudadas no cinema da pornochanchada, pela representação da sexualidade mais explicita e sem tabus, até chegar na consolidação do meio cinematográfico, a partir de 1998, como instrumento de lançamento de novos nomes e novas maneira de interpretar. Ambas criaram um star system essencialmente cinematográfico, tornado possível pela êxito econômico dos filmes, ainda que o star system da pornochanchada tenha permanecido marginal, enquanto que o do cinema contemporâneo brasileiro tem influenciado até nas escolhas da televisão.

Esse último artigo serviu como um apanhado geral das questões tratadas nas análises especificas da manifestação da autoria dos atores. Ele aponta para a necessidade de uma reflexão mais generalista sobre atores brasileiros, que viria a suprir lacunas de reflexão teórica em torno da relação entre atores e diretores de cinema. Meu trabalho de pesquisa no pós-doutorado se viu então obrigado a enfrentar essa necessidade de reflexões

58 amplas sobre o tema, uma vez que o pensamento específico só poderia surgir quando as bases teóricos do fenômeno já estivessem consolidadas, ou minimamente mapeadas.

3. Atividades Paralelas

Paralelamente às análises específicas dos dois atores brasileiros, tive a oportunidade de ministrar aulas e palestras sobre o meu tema de pesquisa. Nos primeiros semestres como bolsista, dediquei algumas horas da minha semana a ministrar disciplinas na graduação do departamento de Cinema, TV e Rádio da ECA sobre História do Cinema Brasileiro e História do Cinema. Acho que ministrar cursos na graduação durante os anos de pós-doutorado faz parte da contrapartida do bolsista junto à comunidade universitária que o acolhe, ao mesmo tempo que colabora para nossa formação como professores. Ministrei também, em 2012, junto com meu supervisor, um curso de pós-graduação chamado “O ator como forma fílmica”, em que abordei a questão dos atores brasileiros dentro do panorama do cinema mundial. Ainda dentro das atividades acadêmicas, ministrei no CINUSP Paulo Emílio, a palestra “Corpo e citação”, dentro de um evento realizado pela escola de Educação Física da USP. A palestra foi sobre o uso do corpo do ator como superfície de citação de referências cinematográficas e pictóricas, dentro do cinema brasileiro e europeu. Voltei à questão do olhar para a câmera de Monika e o Desejo, fundador em diversos aspectos, para mostrar seus reflexos em cinematografias como a de Jean-Luc Godard, François Truffaut, John Cassavetes e Rogério Sganzerla. Em setembro de 2013, foi chamado para levar meu projeto de pesquisa para a Semana do Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás, em Goiânia. O encontro, o terceiro desse tipo, reunia profissionais e pesquisadores para discutir os rumos da produção local e travar diálogos com outras perspectivas de pensamento e mercado. Apresentei a comunicação “O ator no cinema”, em que discorri sobre a importância de se estudar o ator como componente da mise en scène e dos processos de criação coletivos no cinema.

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4. Conclusão

Terminado o meu projeto de pesquisa como pós-doutorando do departamento de Cinema, TV e Rádio da ECA-USP, sinto-me consciente de ter realizado um trabalho serio e significativo para a comunidade acadêmica. Realizei o trabalho e as atividades acadêmicas e paralelas com serenidade e firmeza, ciente da importância que é ter sido agraciado com uma bolsa de tamanha responsabilidade. Tenho plena convicção de ter cumprido com meus objetivos iniciais, alargando o campo das minhas pesquisas e contribuído para introduzir um objeto ainda novo nas reflexões estéticas em torno do cinema e da televisão. Estou satisfeito por ter despertado em alunos e professores algumas inquietações que já vinham, de alguma maneira, fazendo parte dos seus projetos de pesquisas pessoais. As trocas com o pessoal acadêmico da USP e de outras universidade foi essencial para esse projeto de pesquisa ser bem sucedido e enriquecedor. Terminada essa fase, estou certo de que o trabalho ainda pode e deve continuar. Muitas foram as portas abertas por esse projeto, tanto teóricas quanto práticas, encontros que geraram grandes discussões e boas inquietações para mim. Tenho certeza de querer continuar minhas pesquisas ainda nesse mesmo campo de reflexão e pensamento (o ator de cinema), ampliando o foco e empregando as conclusões já alcançadas em novos cursos, escritos e palestras.

5. Resumo das publicações e eventos 5.1. Artigos publicados - “Atores-Actores, Brasil-Portugal, o que se pode dizer de uma cinematografia através da análise dos seus atores”, in Christophe Damour et al. (org.), Généalogies de l’acteur au cinéma – Echos, influences et migrations. Nice : Université de Nice-Sophia- Antipolis/L’Harmattan, 2001.

- “Proposta de tipologia dos atores brasileiros”, in Raquel Hallak (org.), Catálogo da 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Belo Horizonte, 2012.

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- “Por uma política dos atores”, in Raquel Hallak et al. (org.), Cinema sem fronteiras, 15 anos da Mostra de Cinema de Tiradentes, vol. 1, Belo Horizonte : Universo Produção : 2012.

- “Cinema, a arte da pose e do aparecer, os filmes da Belair”, Beta, n° especial, 2011.

- “O caipira e o travesti. O programa gestual de um ator-autor : Matheus Nachtergaele”, Significação, USP, 2012.

- “Chaplin-ator : subversões de modelos de encarnação”, in Rafael Ciccarini, Mateus Araújo Silva (org.), Retrospectiva Charles Chaplin. Belo Horizonte : FCS, 2012.

- “Cary Grant : o primeiro hitchcocko-hawksiano”, in Rafael Ciccarini (org.), Howard Hawks Integral, Belo Horizonte : FCS, 2013.

5.2. Artigos aceitos para publicação

- “O ator ao lado do personagem : os intépretes de Manoel de Oliveira”, in Caroline Overhoff Ferreira (org.), Manoel de Oliveira, São Paulo: Unifesp. Previsão de publicação : 2° semestre de 2014.

- “Wilson Grey, o ator-camafeu”, in Adilson Mendes (org.), Revista da Cinemateca Brasileira, São Paulo. Previsão de publicação : março de 2014.

5.3. Participação em eventos - “Brésil/Portugal, que peut-on dire d’un cinéma à travers l’analyse de ses acteurs?”.Généalogies de l’acteur au cinema : traditions, influences, filiations. Colóquio internacional. Cinemateca de Nice (França).Junho 2011.

- “A teoria do ator-autor”. Encontro Anual da Socine. Rio de Janeiro : UFRJ, outubro de 2011.

- “O ator em expansão”. Mediação de mesa redonda. 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes. 2012.

- “O sexo e a palavra : Paulo César Pereio, um ator-autor”. Encontro Anual da Socine, São Paulo : Centro Universitário Senac, outubro de 2012.

61 - “Helena Ignez, entre a histeria e a pose : o programa gestual de um ator-autor”. Colóquio da Associação Brasileira de Artes Cênicas (Abrace), Porto Alegre : UFRGS, outubro de 2012.

- “Pervertendo o galã : Tarcísio Meira na TV e no cinema”. Encontro Anual da Socine, Florianópolis : Unisul, outubro de 2013.

Nesses esses encontros, os respectivos textos foram publicados nos anais dos eventos

5.4. Aulas, cursos e palestras ministrados - Disciplina História do Audiovisual III. Titular da disciplina: Prof. Dr. Esther Hamburger. Graduação ECA-USP. 16 horas/aula. 1° semestre 2011. - Disciplina História do Audiovisual Brasileiro III. Titular da disciplina : Prof. Dr. Cristian Borges. Graduação ECA-USP. 8 horas/aula. 2° semestre 2011. - Palestra “Corpo-citação”. Projeto Cinema e Corpo. Escola de Educação Física e Esporte USP. 3 horas/aula. Outubro de 2011. - Disciplina História do Audiovisual IV. Titular da disciplina : Prof. Dr. Esther Hamburger. Graduação ECA-USP. 60 horas/aula. 1° semestre de 2012. - Palestra “O ator no cinema”. 3a Semana do Audiovisual da UEG, Universidade Estadual de Goiás. 4 horas/aula. Setembro de 2013.

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