UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ARMANDO RIBEIRO FILHO

A MIDIATIZAÇÃO DA TONALIDADE LOIRA EM CINCO FILMES BRASILEIROS DA PÓS-RETOMADA

SÃO PAULO

2011 ARMANDO RIBEIRO FILHO

A MIDIATIZAÇÃO DA TONALIDADE LOIRA EM CINCO FILMES BRASILEIROS DA PÓS-RETOMADA

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Gelson Santana.

SÃO PAULO

2011

R372m Ribeiro Filho, Armando A midiatização da tonalidade loira em cinco filmes brasileiros da pós-retomada / Armando Ribeiro Filho. – 2011. 120f.: Il.; 30 cm.

Orientador: Gelson Santana. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011. Bibliografia: f.96-99.

1. Comunicação. 2. Midiatização. 3. Tonalidade Loira. 4. Pós-Retomada. 5. Cinema Brasileiro. I. Título.

CDD 302.2 ARMANDO RIBEIRO FILHO

A MIDIATIZAÇÃO DA TONALIDADE LOIRA EM CINCO FILMES BRASILEIROS DA PÓS-RETOMADA

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Gelson Santana.

Aprovado em 21.OUT.2011

Orientador: Prof. Dr. Gelson Santana

Convidado: Prof. Dr. Rogério Ferraraz

Convidado: Prof. Dr. Mauricio Reinaldo

Ao meu pai, pelos caminhos apontados, meu amor e minha saudade Agradecimentos

Aos meus pais, Armando e Clizeida, por me possibilitarem e incentivarem a viver da Arte.

A Sérgio Duarte, por sempre me ajudar a construir.

Pelo carinho e apoio incondicional:

À Universidade Anhembi Morumbi.

Ao meu dedicado orientador neste trabalho, Gelson Santana.

Ao Coordenador do Curso de Teatro, Acácio Ribeiro Vallim Junior.

Aos Coordenadores do Mestrado em Comunicação, Bernardette Lyra e Rogério Ferraraz.

À banca examinadora, pela oportunidade de consolidar este trabalho e aprimorá-lo em investigações futuras.

Aos professores: André Gatti, Bernardette Lyra, Gelson Santana, Laura Cánepa, Maria Inês e Rogério Ferraraz.

Aos colegas: Adriana, Lúcia, Melão, Maurício e Sandro, tão próximos nestes últimos meses.

A João Batista de Andrade e Oeste Filmes.

A Cida Ferreira, pela entrevista concedida, e Janaina Freire, pela recepção afetuosa, ambas do Studio Glosss São Paulo.

Às minhas irmãs, pelo amor e amizade sinceros.

Aos diretores, atores e atrizes, roteiristas, produtores, maquiadores maravilhosos que fizeram e fazem a história do cinema.

Ao Teatro, que me acolheu desde cedo com possibilidades criativas, antes inimagináveis, e que agora me leva a outros espaços da representação.

A Deus, pela vida.

“cabelo vem lá de dentro cabelo é como pensamento”

Arnaldo Antunes, Cabelo RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo estudar os efeitos da coloração loira, como elemento narrativo, na composição de personagens ficcionais em cinco produções brasileiras da pós-retomada. O loirismo como representação é observado nesta pesquisa a partir dos efeitos de troca provocados entre a imagem da representação e as sociabilidades que emergem do aparato tecnológico de sua produção. Dessa forma, três escalas de valores se apresentam: a primeira considera os princípios da Maquiagem Cênica, sua importância como instrumento no trabalho de criação do ator; a segunda, faz uma rápida reconstituição do universo do loirismo para um possível levantamento da matriz loira no cinema europeu e norte-americano, mas também verifica os aspectos e funções do loiro no contexto da narrativa ficcional e procura refazer seu percurso no cinema brasileiro; a terceira leva em consideração as sociabilidades criadas através das midiatizações construídas pela indústria do loirismo. Dois conceitos alicerçam este trânsito entre o loiro no cinema brasileiro e as sociabilidades engendradas através da midiatização, o de habitus e o de performance . Os dois conceitos emergem quando se alia o loiro como artifício dramático aos contratos que os personagens dos filmes estudados estabelecem com as sociabilidades modeladas através da coloração. As películas escolhidas para este estudo contam histórias que se passam na periferia dos grandes centros urbanos, onde o loiro aparece como um elemento central da narrativa. Os filmes estudados são: “Amarelo Manga” (Cláudio Assis, 2003), “O Homem do Ano” (José Henrique Fonseca, 2003), “Rua 6, s/nº” (João Batista de Andrade, 2003), “Cidade Baixa” (Sérgio Machado, 2005) e “Falsa Loura” (Carlos Reichenbach, 2008).

Palavras-chave: Midiatização, Tonalidade Loira, Cinema Brasileiro, Pós- retomada, Habitus, Performance. ABSTRACT

This paper provides a study of blond hair color effects as a narrative element while building fictional characters in five Brazilian films produced during the so- called “pós-retomada” period. The approach to blond hair color usage as a representation tool is based on the interchange factors between the image of representation and the sociabilities that stem from the technological apparatus applied to producing it. Thus, three ranges of value are taken into consideration: (1) the first encompasses the principles of make-up art and its role as a tool for actors/actresses to develop their creative work; (2) the second provides a quick background on blond hair color usage in an attempt to search how it was probably conceived by both European and USA movie making, as well as the features and functions of blond hair color in fictional narrative and its pathway in Brazilian movie production; (3) the third focuses on the sociabilities conceived by the mediatization of blond hair color industry. The pillars of such an interchange between the blond in Brazilian cinema and the sociabilities conceived by mediatization are those referred to as habitus and performance . These concepts arise as blond hair color is used as a performing tool in contracts between the characters in these five selected movies and the sociabilities shaped by hair color usage. The selected films feature their action on the unprivileged metropolitan outskirts wherein the usage of blond plays a key role in the storyline. The selected films are Amarelo Manga , by Cláudio Assis (2003); O Homem do Ano , by José Henrique Fonseca (2003); Rua 6, s/nº , by João Batista de Andrade (2003); Cidade Baixa , by Sérgio Machado (2005); and Falsa Loura , by Carlos Reichenbach (2008).

Key words: Mediatization, blond hair color, Brazilian cinema, “pós-retomada”, habitus , performance. SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1 A MAQUIAGEM E A PRODUÇÃO DE IMAGEM 18

1.1 A tipificação como figuração 20

1.2 Máscara e tipificação 22

2 A PRODUÇÃO MIDIÁTICA DO LOIRISMO E A INDÚSTRIA COSMÉTICA CONTEMPORÂNEA 28

2.1 O loiro 28

2.2 É bom ser loira(o)? 29

2.3 A ficção prefere as loiras? 32

2.4 As vilãs loiras do cinema 38

2.5 As loiras de King Kong 41

3 OS ARTIFÍCIOS DO LOIRO NO CINEMA 44

4 O LOIRO EM CINCO FILMES DA PÓS-RETOMADA 71

4.1 Contexto histórico da pós-retomada 71

4.2 Traços definidores do loirismo aplicados aos filmes estudados 75

4.3 Percurso organizador da narrativa nos filmes 78

4.3.1 Filme 1 – “Amarelo Manga” 78

4.3.2 Filme 2 – “O Homem do Ano” 81

4.3.3 Filme 3 – “Rua 6, s/nº” 83

4.3.4 Filme 4 – “Cidade Baixa” 86

4.3.5 Filme 5 – “Falsa Loura” 87

CONCLUSÃO 93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 96

ANEXOS 100 12

Introdução

Esta pesquisa tem por objetivo o estudo do loirismo como um elemento de caracterização, fazendo-se uso do termo como referência à figuração da personagem enquanto imagem construída no cinema. O loiro 1, para nós, é uma entidade pertencente única e exclusivamente à imagem. Nesse sentido, o loiro

é pensado como elemento resultante da maquiagem e, portanto, um dos elementos compositores da imagem (ou seja, funciona como uma engrenagem para a tipificação no cinema). A coloração dos cabelos como opção estética de composição dos personagens aparece nos filmes selecionados nesta dissertação como uma possibilidade de “travestimento” do ator em outra persona , o que resulta para o espectador em um mascaramento das características pessoais do ator para o melhor estabelecimento do jogo entre o público e o filme. Dessa maneira, definimos a tipificação como o trabalho de construção do personagem e que, a partir da utilização de elementos externos tais como o uso da máscara para o ator no teatro, resulta ativamente numa performance do ator.

A escolha do tema se deve ao fato de, à luz de nossa experiência no mercado profissional de maquiagem, termos verificado que pouco se encontra a respeito da maquiagem na composição estética do personagem. Tendo

1 Neste trabalho, optamos pela variante lexical loiro , mais corrente em São Paulo, em vez da forma louro . Trata-se de termos sinônimos e de mesma etimologia, sendo ambas derivadas do latim laurus , cujos significados são loureiro , coroa de louros e, por extensão, coroa triunfal (no Império Romano, o loureiro era consagrado a Apolo), triunfo, a cor entre o dourado e o castanho-claro . Fontes: HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa . Rio de Janeiro: Objetiva, 2009; e TORRINHA, F. Dicionário Latino Português . Porto: Gráficos Reunidos Ltda. s/d.

13

executado diversos trabalhos de caracterização em espetáculos teatrais,

óperas e televisão e, ainda, como vencedor do Prêmio Avon Color de

Maquiagem em 1999, pudemos constatar a falta de material especificamente voltado a essa área: na maioria das vezes, profissionais se debruçam no estudo e aplicação de tal artifício com maior ênfase no aspecto aparente de tal composição, deixando uma lacuna para os profissionais da área do visagismo 2.

A escassez de uma bibliografia específica também sugere a elaboração do trabalho.

Após o recorte do período da cinematografia brasileira a ser pesquisada, procuramos assistir ao maior número possível de filmes, sendo “Amarelo

Manga” (Cláudio Assis, 2003) a obra determinante para a demarcação do nosso tema. O filme nos chamou atenção, primeiramente, pela cena final em que uma das personagens pede que seus cabelos sejam cortados e pintados de loiro sem, no entanto, apresentar o resultado pedido em tal transformação.

À medida que mergulhamos no universo do filme, percebemos que essa coloração estava presente também em outras personagens da narrativa, assim como na ambientação e objetos de cena. O amarelo, proposto no título, parecia contextualizar cada situação e nos ajudar a entender a trajetória de personagens solitários, comuns e críveis. O ponto de vista adotado foi o de uma reflexão sobre as estratégias construídas de tal uso para fazer emergir personagens, tornando-os imagens midiatizadas que retratam a relação entre a produção do social e a produção dos tons loiros no mercado, além da

2 O conceito de visagismo é baseado na personalização da imagem pessoal. Os princípios da linguagem visual, se aplicam a todas as imagens e todas contêm símbolos arquetípicos. E toda imagem provoca um estímulo emotivo antes que possa ser entendido conscientemente, com o poder de influenciar o comportamento e o pensamento das pessoas. (HALLAWELL, Philip. Visagismo – harmonia e estética , pp.15-16). 14

representação desses tons na produção fílmica recente do cinema brasileiro no período ao qual nos referimos como pós-retomada .

Lúcia Nagib (2002:13) localiza o período conhecido como a Retomada do cinema brasileiro entre os anos 1994 e 1998: “embora breve, esse período é historicamente significativo na produção nacional, saltando de zero no início da década, para quase vinte na segunda metade dos anos 1990”. Estabelecida a volta das plateias às salas de exibição e resgatada a credibilidade na produção do cinema nacional, novos nomes surgem no cenário cinematográfico e vários outros se firmam na área gozando de reconhecimento internacional para seus filmes. É de um período mais atual da produção nacional, mais especificamente os anos posteriores a 1998 (daí a escolha do termo “pós-retomada”), que este trabalho retira seus objetos de estudo.

Esta pesquisa se realiza a partir de quatro perspectivas:

a) A conceituação da máscara como origem da maquiagem.

Correspondente anterior e matriz geradora da maquiagem, a máscara

apresenta códigos para a compreensão do desdobramento representado

e provoca-o em quem os recebe, determinando uma realidade

indiscutível, estabelecendo contextos, criando e preservando relações.

Além de bloquear os tabus, a máscara constituía uma forma de

dissimular a realidade através do disfarce (o caçador podia apoderar-se

de sua presa sem ser notado, pelo uso de fantasia 3). No teatro grego e

romano, seu traço sagrado desapareceu para dar lugar à identificação

entre ator e personagem ou entre máscara e personagem (persona). Se

3 FO, Dario. “Os cavernícolas com a máscara”. In: Manual mínimo do ator. São Paulo: SENAC, 1999. 15

a máscara é uma extensão do corpo para o ator e se a aproximarmos,

em grau máximo, da cara do ator, chegaremos a uma fina membrana

colada ao rosto, ou seja, a maquiagem . Sendo a maquiagem a

tipificação da máscara e esta uma figuração da personagem, torna-se

possível estabelecer um raciocínio segundo o qual nada pode estar mais

perto da personagem do que a tipificação, numa espécie de concepção

de máscara elevada ao grau máximo de integração à essência do ator e

ao grau mínimo de exteriorização material. A tipificação é praticamente a

internalização orgânica da máscara ao ator; sua sobreposição até o

limite máximo. b) A aplicação dos conceitos de habitus e performance . Ao conceituar

o habitus, Bourdieu (2009) aponta-o como um processo de subjetividade

socializada num sistema de esquemas individuais, constituído de

disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes),

adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições sociais

específicas de existência) e constantemente orientado para funções e

ações do agir cotidiano. O habitus , assim, auxilia a pensar as

características de uma identidade social e de uma experiência

biográfica, operando como um sistema de orientação ora consciente, ora

inconsciente e que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas.

Isso nos possibilita investigar o uso da coloração loira em personagens

ficcionais do cinema, no mundo, como representação de um grupo

significativo de mulheres ora fatais ou ingênuas, ora estranhas ou

clássicas, dependendo do contexto em que se inserem. A performance

proposta por Zumthor (2007), que estabelece instantaneidade e 16

reconhecimento na acoplagem entre o artista e o espectador/público,

permite o recorte proposto nesta dissertação apoiado na forma como a

tipificação e o uso da coloração loira no cinema atingem e (re)criam as

formas de sociabilidade das representações do loirismo no espaço

social.4

c) A observação do uso da coloração loira em personagens de cinco

filmes da pós-retomada , a saber: “Amarelo Manga” (Cláudio Assis,

2003) ; “O Homem do Ano” (José Henrique Fonseca, 2003); “Rua 6,

s/nº” (João Batista de Andrade, 2003); “Cidade Baixa” (Sérgio Machado,

2005) e “Falsa Loura” (Carlos Reichenbach, 2008). As respectivas

sinopses e fichas técnicas encontram-se no Anexo 1 (pág. 98).

d) A midiatização da imagem do loirismo nos espaços de

sociabilidade. Tomando-se a midiatização como um dispositivo cultural

surgido em “um contexto no qual o processo de comunicação é técnica e

mercadologicamente redefinido pela informação, ou seja, um produto a

serviço do capital” (Muniz Sodré, 2002:21), destaca-se o papel dos

meios de comunicação com seus modos expressivos, capazes de

modelar territórios de consumo para seus produtos. Se pensarmos a

vida tecnossocial contemporânea gerada pela midiatização, como

propõe Antonio Fausto Neto (2005-2006, apud Ribeiro, 2009), instituem-

se diferentes realidades associadas a novos mecanismos de produção

de sentido. É assim que as formas contemporâneas de entretenimento –

4 Paul Zumthor (1915-95), vindo dos estudos literários, desenvolveu uma importante linha de pensamento sobre a performance a partir de suas investigações sobre a “literatura” medieval – ele utilizava a expressão entre aspas para diferenciar as manifestações poéticas da idade média (essencialmente orais e ligadas à música) da ideia contemporânea de literatura. 17

dentre as quais o cinema – acabam por fazer da cultura do espetáculo

negócio capaz de definir outras realidades a serem recondicionadas pela

sociedade. Esse recondicionamento atua como efeito, no caso da

coloração loira, da acoplagem entre imagem e sociabilidade em um

movimento de dupla direção. Neste caso, sociabilidade e acoplagem são

processos que se indiferenciam no espaço social. Na produção

tecnológica do loirismo, a distância entre imagem midiatizada e os usos

sociais que se faz destas imagens desaparece.

Com o objetivo de ressaltar as implicações causadas pela coloração loira na condição de elemento compositor do personagem e seus efeitos na comunicação direta com o espectador, esta dissertação pretende abordar a utilização dos conceitos propostos por Pierre Bourdieu e Paul Zumthor nos estudos dos filmes supracitados.

18

Capítulo 1 A maquiagem e a produção de imagem

Quando fazemos da arte de representar uma manifestação profissional e artística, surge uma série de perguntas que compõem o processo criativo de cada ator: como tornar natural o que é ensaiado? Como criar um corpo cênico?

Como ser o outro com o mesmo rosto de todos os dias? Quais os elementos visuais que ajudarão a compor essa nova persona 5 ? Em suma, como codificar e metodizar a transmissão de uma mensagem relacionada à emoção e sua consequente captação e (re)construção pelo público sem nos acomodarmos na aparente impossibilidade de explicar o que ocorre simplesmente porque se trata de algo expressivo (em oposição ao lógico), subjetivo (em oposição ao objetivo) e sugerido (em oposição ao óbvio)?

É sabido que, desde tempos remotos, o homem brinca de ser o outro e faz uso de elementos externos a ele; e a maquiagem surge embrionariamente como um elemento fisicamente sobreposto ao rosto do homem atuante. Dentre os diversos meios de transmissão da mensagem de que dispõe o ator, concentremo-nos inicialmente, para fins de delimitação, na maquiagem .

5 Originalmente, a máscara criada pelo ator. Para Jung (2003:153), “a persona é uma imago do sujeito, constituída em grande parte de materiais coletivos como a imago do objeto. Quanto à persona, é um produto de compromisso com a sociedade: o eu identifica-se mais com a persona do que com a individualidade. Quanto mais o eu identificar-se com a persona tanto mais o sujeito é aquele que aparenta. O eu é desinvidualizado.” A partir dessa constituição da persona por Jung, e tendo em vista a efemeridade da recriação do outro no trabalho do ator, podemos dizer que a persona , como arquétipo , é facilmente identificável e absorvido pelo coletivo como a aparência de ser.

19

A maquiagem constrói algo, como bem sugere a etimologia do termo equivalente em inglês make-up , oriundo do verbo make up , cujo significado é construir . Trata-se, pois, de um recurso cênico que consiste na criação de uma máscara através de pintura no rosto do ator. A maquiagem veste tanto o corpo como o espírito daquele que a usa, daí a sua importância estratégica para o ato da sedução, na vida, e também para a caracterização do ator, na cena. A maquiagem não visa apenas a embelezar, corrigir ou disfarçar imperfeições, mas, principalmente, reforçar um estilo, a personalidade ou uma atitude que se deseja ter em cena. Assim, tendo em vista que no cinema ficcional tudo é maquiado, mascarado ou mesmo montado para aparentar ser o que não é

(expressivo, subjetivo e sugerido), de fato podemos dizer que, para o ator, no seu trabalho de criação, o rosto cênico é um compromisso de sugestão de fidelidade e entrega ao outro a ser representado e, ainda, um instrumento complementar para que o espectador possa mergulhar em épocas, mundos, situações, muitas vezes inimagináveis cotidianamente. Mesmo numa produção realista – na qual o que nos é apresentado pode parecer o próprio real – o que se vê não corresponde senão a uma representação da realidade, isto é, uma realidade então estabelecida pelo apresentado e que deverá ser aceita como um universo viável. Como aponta Ismail Xavier (1989: 370),

o encontro câmera/objeto (a produção do acontecimento que me é dado ver) e o encontro espectador/aparato de projeção fazem dois momentos distintos, separados por todo um processo. Na filmagem estão implicados uma copresença, um compromisso, um risco, um prazer e um poder de quem tem a possibilidade e escolhe filmar. Como espectador, tenho acesso à aparência registrada pela câmera sem o mesmo risco ou poder, enfim, sem a circunstância. (...) Mas simultaneamente algo me é roubado: o privilégio da escolha. 20

A imagem cinematográfica é marcada pela relação espaço-tempo, assim como por sua credibilidade documentária. Tal representação flui desligada de cada aspecto da vida e torna-se comum, de modo que a realidade da vida não pode mais ser estabelecida. A imagem está ligada a uma ideia relacionada à aparência e à essência – não como oposição, mas como confirmação dessa ambivalência que afirma, ao mesmo tempo, uma autonomia e uma inscrição das imagens no mundo; que interrompe o jogo previsível da leitura fluente não no sentido de mimese naturalista cujo limite é a transparência, mas da opacidade própria de cada obra. O cinema leva o espectador, portanto, a experimentar as coisas de uma nova maneira: o olhar como mediador do mundo do sujeito para o mundo real.

Com a maquiagem, o ator terá meios de ordenar as emoções transmitidas e determinar uma organização de emoções e signos para que o público, com o seu olhar mediador, as decifre e decodifique, ou seja, para que lhes reconstitua o sentido mediante as indicações de seu conhecimento de mundo ou de seu aparentemente inexplicável canal emotivo.

1.1 A tipificação como figuração

A fim de melhor compreendermos a função da maquiagem, detenhamo-nos, por ora, na sua correspondente anterior e matriz geradora, a máscara. Repleta de significados, a máscara apresenta códigos para a compreensão do desdobramento representado e provoca o desdobramento em quem os recebe, por fim determinando uma realidade indiscutível, estabelecendo contextos, criando e preservando relações. 21

Avançando para além da máscara – uma extensão do corpo para o ator –, chegamos a uma fina membrana colada ao rosto do ator, ou seja, a maquiagem. Entendendo a maquiagem, aqui, como a tipificação da máscara e essa uma figuração da personagem, torna-se possível estabelecer um raciocínio segundo o qual concluímos que nada pode estar mais perto da personagem do que a tipificação, numa espécie de concepção de máscara elevada ao grau máximo de integração à essência do ator e ao grau mínimo de exteriorização material. A tipificação é praticamente a internalização orgânica da máscara ao ator; sua sobreposição até o limite máximo.

Mediante tal figuração, a tipificação deve ser entendida não só como mero complemento visual do figurino (cujo grau de integração ao ator pode ser quase igualado ao da máscara, consideravelmente inferior ao da maquiagem), mas como um verdadeiro elemento estético do ator, no que se refere às suas qualidades artísticas ou formais, ou seja, o ator tem de ver nele o personagem, e a maquiagem possibilita a visualidade do personagem em si mesmo, assim como a constituição de todos os códigos a serem transmitidos e (re)construídos pelo público.

A esse respeito, Luiz Paulo Vasconcellos (1987) aponta a projeção da expressão fisionômica do ator e a caracterização do personagem como as duas funções básicas da maquiagem. Explica, ainda, que a maquiagem é um recurso não só para o ator valorizar seus traços ou, ainda, partes descobertas de seu corpo, mas também codificar ao público o personagem representado e a compreensão do signo.

22

1.2 Máscara e tipificação

“Man is least himself when he talks in his own person. Give him a mask and he will tell you the truth.” Oscar Wilde 6

Estudemos, pois, tal elemento inicialmente explorando seu campo etimológico: o vocábulo máscara , segundo o dicionário Houaiss, tem sua origem no italiano maschera (1348-1353), posteriormente com o registro de “máscara” em 1529 no sentido de “pessoa com máscara, disfarçada”, de origem controversa. Há quem defenda que a base do vocábulo italiano está relacionada ao baixo latim masca , de origem mediterrânea, cujo sentido primeiro foi “demônio” ou

“máscara que representa o demônio”, atestado no século VII com a acepção de

“feiticeira, bruxa” e fim do século VII com o de “máscara”. Já segundo

Corominas (2005), o italiano maschera deriva-se provavelmente do árabe mashara com o significado de “bufão (personagem) ridículo”, do verbo sahir

“ridicularizar”, que, na Europa, sofreu influência do italiano dialetal ou occitano masca (“bruxa”), de origem germânica ou céltica.

Seja como for, embora a etimologia do termo nos remeta a eras não mais distantes do que o século VII da era cristã, as máscaras têm sua origem na própria gênese da história humana. No período terciário temos um dos mais antigos testemunhos do uso da máscara, assim como da fantasia. O homem das cavernas, a partir de pinturas gravadas nas paredes das grutas, utilizava- se do disfarce de animais para poder caçar entre as presas. Rituais com peles e máscaras de animais estão ligados à cultura da maioria dos povos, o

6 “O homem é menos ele mesmo quando fala na própria pessoa. Deem-lhe uma máscara e ele lhes dirá a verdade”. (tradução nossa) 23

Zoomorfismo 7. Em sua natureza, a máscara é uma mistura de verdade/ mentira, de sinceridade/ilusão e de origem pouco conhecida; tem em seu uso o caráter exclusivamente ritualístico e mantém o conceito transgressor do que hoje conhecemos por mascaramento.

Para os antropólogos, a máscara servia para bloquear os tabus, pois acreditava-se que todo animal contava com uma divindade particular capaz de oferecer proteção. Constituía, ainda, uma forma de dissimular a realidade através do disfarce: o caçador podia apoderar-se de sua presa sem ser notado, pelo uso de fantasia. 8 Quando a máscara passou para o teatro grego e romano, seu traço sagrado desapareceu, e a identificação se fazia entre ator e personagem ou entre máscara e personagem que, aliás, são o mesmo vocábulo em latim: persona.

Por fim, a máscara surgiu a partir de ações básicas de subsistência do homem, atravessando civilizações e chegando ao homem moderno para preencher necessidades de expressão e convivência social. Uma manifestação coletiva de cultos e rituais vem, ainda hoje e desde o século XV em Veneza 9, mantendo a tradição do disfarce para realização do homem. Nesse sentido, o

Carnaval de Veneza oferece a todos, mesmo que por poucos dias, a sublimação dos recalques e o fortalecimento do próprio ego, na interação com outros mascarados.

Segundo Bakhtin (1970), conceber o carnaval como um arquigênero popular revela virtudes onde antes – e posteriormente – críticos viam graves

7 Emprego de formas, imagens, figurações de animais na arte, na literatura, na simbologia etc. 8 FO, Dario. “Os cavernícolas com a máscara”. In: Manual mínimo do ator. São Paulo: SENAC, 1999. 9 O primeiro Carnaval veneziano ocorreu em 1420, em comemoração à vitória de Veneza sobre Aquileia. 24

defeitos. O carnaval advém da mesma tradição que gerou o circo, o simpósio e a sátira menipeia 10 , resumindo uma forma dialógica aberta. O autor nos diz, ainda, que para Dostoievski a categoria essencial não é o devir, mas a coexistência e a interação e que via e pensava seu mundo principalmente no espaço e não no tempo. Para ele, pensar o mundo era pensar seus diferentes conteúdos simultaneamente, adivinhando-lhes as relações sob o ângulo de um momento único.

Com base na observação de Bakhtin (1970), o carnaval contradiz as formas mais conservadoras de controle e propõe formas mais amplas de diálogo com o popular e tradicionalmente inato ao homem; do grotesco 11 às funções mais naturais, como a digestão e a reprodução:

Segundo o crítico e ensaísta, o carnaval é um espetáculo sem palco e sem separação entre atores e espectadores.12 Podemos observar que o distanciamento do convencional e das regras faz com que cada um seja também o outro, significado e significante de uma realidade paralela num contato livre e familiar. 13 Com base nos estudos de Bakhtin a respeito do carnaval, percebemos que a máscara reflete mais um comportamento social, o da desordem, caracterizando a pilhéria e o jogo que a recriação de uma realidade. O sentido da máscara é libertar o espectador (participante) para vivenciar comportamentos reprimidos: atrás dá mascara não há rosto. E ainda, segundo Zumthor (2007), o mundo performa (revela suas formas) para nós, seres performadores (criamos novas formas e as revelamos de volta ao

10 Relativa a Menipo de Gadara (séc. III a.C), poeta e filósofo grego da escola cínica. 11 “O traço marcante do realismo grotesco é o rebaixamento, ou seja, a transferência de tudo o que é elevado, espiritual, ideal e abstrato para o plano material e corporal, o da terra e do corpo em sua unidade indissolúvel.” (Bakhtin, 1970, p.169) 12 Op. cit ., pp. 169-170 13 Idem , p. 170 25

mundo). Zumthor (2007) nos fala de “graus de performaticidade”, correspondendo à performance presencial (artistas e público presentes no mesmo espaço) ao mais alto grau de performaticidade.

Ao entendermos a relevância do estudo proposto por Zumthor (2007) a partir desta noção de performance; que tem como núcleo a interação obra x público e levarmos em consideração as diferentes gradações desta interação e a presença de um corpo, como elemento irredutível ao conjunto de elementos visuais, sonoros e técnicos que compõem a percepção da forma, teremos subsídios para o estudo do tema desenvolvido neste trabalho.

Quando assistimos a um filme, a primeira sensação aos olhos é de estarmos num outro espaço, tempo e realidade. Recebemos todos os signos visuais de determinada produção como um passaporte para ingressarmos, em tão pouco tempo, naquele universo que nos é apresentado. Em outras palavras, uma vez no papel de público/espectador, encontramo-nos frente à proposta de interpretar signos diversos que, como explica Guiraud (1973), têm como função comunicar ideias por meio de mensagens, implicando, assim, um objeto (uma coisa de que se fala), um código, um meio de transmissão, um emissor (o ator assim classificado na instância da atuação/interpretação) e um receptor (o público).

A tipificação como elemento de caracterização na construção da personagem ficcional é de suma importância para a codificação proposta por

Guiraud. Como emissor da mensagem, pela própria natureza do mecanismo da representação, múltiplas são as linguagens e meios de transmissão além da reprodução do signo linguístico (o texto), quais sejam: o gestual, o desenho de 26

cena, a impostação da voz, a expressão corporal e a expressão facial, dentre outros.

Guiraud (1973:35) estabelece uma dicotomia entre o signo lógico e o expressivo, explicando que os pares compreender-sentir e espírito-alma seriam dois polos de nossa experiência e correspondem a modos de apreensão além de opostos inversamente proporcionais, a ponto de definir a emoção como uma incapacidade de compreensão dos sentimentos que inibem a inteligência e esta, por sua vez, não compreende o que se passa. O artista, portanto, é incapaz de explicar a sua arte.

Não obstante, parece-nos mais interessante relativizar os dois extremos dessa dicotomia e não só falar de tendências (como, aliás, o próprio autor acaba por reconhecer viável), mas também da possibilidade de uma exploração dos meios de transmissão do ator para que se possam entender os mecanismos formais de intelecção e emoção do público frente aos signos utilizados na criação estética e aos meios de transmissão utilizados para tal fim.

Este trabalho faz um recorte do tema com o intuito de propor um estudo da presença significativa de personagens ficcionais cuja coloração dos cabelos é loira na construção da imagem, além de levantar questões pertinentes ao estudo da maquiagem como elemento estético e como caracterização dos atores para a construção de suas personagens na produção cinematográfica brasileira recente. Apontaremos, nos capítulos a seguir, alguns caminhos expressivos percorridos por tal artifício através da imagem criada para imprimir 27

representatividade à imagem social, atestando sua importância principalmente no universo criado pela indústria cinematográfica. 28

Capítulo 2 A produção midiática do loirismo e a indústria cosmética contemporânea "Quand je vois de beaux cheveux, je ne peux pas m'empêcher de les toucher. Surtout les brunes. Parce que les blondes il y en a trop ." 14

2.1 O loiro

Como afirmam Chevalier e Gheerbrant (1989), o loiro é uma cor solar, da fartura (pão cozido), de frumento maduro (trigo candial, ou seja, o melhor trigo).

Trata-se de uma manifestação de calor e da maturidade. O amarelo é a mais quente, a mais expansiva e a mais ardente das cores, difícil de atenuar e sempre extravasando os limites pretendidos pelo artista. É a cor da terra fértil, o que fazia, na China, que se recomendasse assegurar a fertilidade do casal por meio de vestes, cobertas e travesseiros de seda amarela, visando à completa harmonia entre o yin e o yang .

Por outro lado, o amarelo também está ligado ao adultério (quando se desfazem os laços sagrados do casamento) e à imagem do rompimento deflagrado pela ação de Lúcifer, com a nuança de que a linguagem comum acabou por inverter o símbolo e atribuir a cor ao enganado. Em outro contexto, a cor das espigas maduras do verão anuncia a chegada do outono, quando a terra se desnuda, perdendo seu manto de verdura e, por isso, o amarelo surge como arauto prenunciador do declínio, da velhice e da aproximação da morte

(quando nossa pele fica amarelada). A valorização negativa do amarelo é

14 “Quando vejo cabelos bonitos, não consigo deixar de tocá-los. Principalmente os castanhos. Porque loiros já há demais.” Madame Jouve a Mathilde em La Femme d'à Côté , de François Truffaut (França, 1981). (tradução nossa) 29

igualmente atestada na tradição do teatro de Pequim, em que os atores se maquiam de amarelo para indicar a crueldade, a dissimulação e o cinismo.

Na mitologia grega, a ambivalência do amarelo associa a cor amarela a suas maçãs de ouro, ao mesmo tempo símbolo de amor e discórdia. As maçãs de ouro oferecidas por Gaia (a terra) a Zeus e a Hera como presente de casamento consagraram, assim, a hierogamia fundamental da qual tudo advém. O ponto de discórdia está na origem da guerra de Troia, como símbolo de orgulho e inveja.

2.2 É bom ser loira(o)?

Quando questionadas a respeito do efeito causado pela cor dos cabelos em suas vidas, as celebridades que fazem uso do loiro como marca de sua imagem pública expressam opiniões bastante parecidas, não obstante a enorme gama de variações do tom loiro ora disponíveis no mercado da cosmetologia (ver Anexo 2).

A apresentadora Angélica 15 , loira natural, afirma acreditar que a mulher que não é loira se torna mais poderosa quando fica loira: “A liberdade de mudar radicalmente a cor de seus cabelos já dá à mulher essa sensação de poder, porque o loiro dá uma luz maior à fisionomia”. A atriz Vera Holtz 16 , por ocasião de viver a personagem Ornella na novela Belíssima 17 , mudou a cor de seus cabelos para o loiro, afirmando que as pessoas veem as loiras de uma outra forma, “com uma certa leveza, que muitas vezes elas não têm: o louro exerce uma sedução. A mulher precisa ter um suporte para a mudança”.

15 Em depoimento ao programa Super Bonita da GNT – “Super Loiras” 2007. 16 Em depoimento ao programa Super Bonita da GNT – “Super Loiras” 2007. 17 Belíssima , novela de Silvio de Abreu exibida em 2005 pela Rede Globo. 30

Ambas afirmam que ser loira “não é fácil”, pois, além dos cuidados específicos com os cabelos – o que já exige atenção e dedicação no dia a dia – a mulher passa pelo mito do blonde , da sedução e da atração presente no imaginário masculino. Exemplo bastante recente na mídia desse poder de sedução e atuação no imaginário masculino é a propaganda de uma cerveja 18 , anteriormente estrelada pela socialite Paris Hilton, loira blonde protagonista de vários escândalos e passagens comprometedoras na sua vida pessoal, substituída na campanha de 2011 pela cantora Sandy. Até então, Sandy era a representação de menina moça, séria e recém-casada. Posteriormente, alterou a cor dos seus cabelos para loiro e lançar o jargão “todo mundo tem um lado

Devassa” para protagonizar e promover a marca (figuras abaixo).

Transformação de Sandy para campanha de cerveja

Já na década de 1970, uma campanha publicitária planejada para uma marca de lâmina para barbear 19 teve grande repercussão , fazendo uso do loiro

18 Cerveja Devassa. Em 2001, dois jovens empresários da noite carioca perceberam que havia uma lacuna a ser preenchida: criar uma cerveja especial com alma brasileira e qualidade europeia. Foi então que desenvolveram a Devassa, uma cerveja com nome ousado e sabor refinado. Em 2007, firmou-se a parceria entre a Devassa e o Grupo Schincariol – segunda maior cervejaria do Brasil – e o resultado disso foi o aperfeiçoamento dos processos de distribuição e logística, mantendo a qualidade artesanal e a comunicação diferenciada da marca. 19 Gillete Platinum Plus . Fundada em 1901, a Gillette Company é líder mundial no setor de higiene pessoal, fabricando lâminas, sistemas e cremes para barbear. Sua história se confunde com os avanços da lâmina de barbear, inventada por King Camp Gillette. O produto provocou uma revolução nos processos de retirada de pelos indesejáveis em todo o mundo e 31

como referencial da mulher dos sonhos de todo homem, presentificada em meio às pessoas numa reunião social, para o homem que fazia uso do produto, sussurrando o que passou a ser uma frase digna de um Top of Mind 20 :

“Experimente minha suavidade e depois deixe-me se for capaz...” 21

Assim como na publicidade, a música também desfila seus ícones platinados de grande influência popular. Nesse âmbito, podemos destacar Lady

Gaga, estrela pop da atualidade, cujos cabelos eram de coloração castanha em fase anterior à fama e cuja imagem pós-estrelato passou a se apoiar no loiro com clara inspiração em outros ícones da música como David Bowie, Cyndi

Lauper, Madonna e Elton John (todos loiros), além de Grace Jones e Michael

Jackson. A moda é outra fonte de inspiração para a sua composição visual e apresentações. Apesar do pouco tempo de carreira, a cantora já é referência para modismos e influências.

Lady Gaga antes e depois da fama

transformou a marca Gillette em sinônimo de lâmina de barbear. No Brasil, desde 1926 a Gillette também é sinônimo de liderança e de produtos de qualidade e tecnologia de ponta nos setores em que atua. 20 Top of Mind é um termo em inglês utilizado na área de marketing empresarial como uma maneira de qualificar as marcas que são mais populares entre os consumidores e por eles imediatamente lembradas mediante pesquisa espontânea de mercado. 21 Comercial Gilette, veiculado na década de 1970. Disponível em: www.youtube.com/watch?v= Mga4kDLJ5pQ. Acesso em 04.mar.2011. 32

Madonna, a grande diva pop , povoa o imaginário dos jovens com sua imagem que, nestes mais de 20 anos de carreira e com grandes transformações, sempre esteve na paleta clara e iluminada da gama de loiros existente no mercado. Em suas inserções pelo cinema, a artista protagonizou personagens de grande projeção como a vilã de “Corpo em Evidência” (“Body of Evidence”, Uli Edel, 1993), o ícone da história política argentina em “Evita”

(“Evita”, Alan Parker, 1996), cuja imagem foi consolidada pela coloração loira dos cabelos e a namorada de Dick Tracy (“Dick Tracy”, Warren Beatty, 1990), no estilo Marylin Monroe, para dar vida ao personagem dos quadrinhos.

Madonna em “Corpo em Evidência”

2.3 A ficção prefere as loiras?

Principalmente pela projeção do imaginário infantil remetido ao universo das princesas medievais europeias dos contos infantis e desde que Walt Disney

“personificou” o sonho da criança (em especial das meninas) na figura angelical da moça de cabelos loiros tipificada como a sofredora à espera de um príncipe encantado, por muito tempo a imagem da loira permaneceu associada não somente a mocinhas e princesas, mas também à necessidade de mudança da 33

coloração dos cabelos, utilizada como efeito de caracterização e diferenciação de personagens principalmente quando interpretados pelo mesmo ator/atriz, como é o caso de algumas séries americanas da década de 1960.

Na série “Jeannie é um Gênio” (“I Dream of Jeannie”, EUA, 1965-1970), por exemplo, a atriz Barbara Eden vivia a protagonista de caráter mais doce e divertido, caracterizada com cabelos loiros em um grande rabo-de-cavalo e franja e um traje típico das Mil e Uma Noites, de cor rosa, remetendo à coloração típica do universo feminino. A mesma atriz vivia, em determinados episódios, a irmã de Jeannie, que, apesar de possuir o mesmo nome, apresentava características psicológicas mais adultas e maliciosas típicas de uma vilã. Nesse contexto, aparecia com os cabelos negros e com o mesmo visual, porém de cor verde (considerada uma cor fria).

A atriz Barbara Eden atuando como Jeannie e sua irmã antagônica

O mesmo se observa em “A Feiticeira” (“Bewitched”, EUA, 1964-1972). Na série de oito temporadas, a personagem título Samantha, vivida por Elizabeth

Montgomery, era uma bruxa que, ao se casar com um “mortal”, passa a levar uma vida comum da dona de casa americana no melhor estilo American way of life , sem, no entanto, deixar de ter seus poderes de magia. Seu aspecto delicado e meigo era reforçado pela aparência jovial da atriz com seus cabelos loiros. Por vezes, recebia a visita de, entre outros, sua prima Serena, vivida 34

pela própria atriz, porém com uma atitude mais agressiva e vingativa personificando a latinidade por intermédio de sua “morenice”, diametralmente oposta ao imaginário norte-americano de mulher reservada e contida, inclusive em sua sensualidade. A caracterização da atriz para esse personagem englobava o uso de cabelos escuros e curtos, além de roupas mais estilizadas entre o mundo mágico e o comum.

Elizabeth Montgomery atuando como Samantha e sua prima antagônica

Ao investigarmos a tipologia loira na televisão e, mais particularmente, no cinema, podemos verificar – e por que não afirmar? – que a coloração nos revela e nos apresenta a variedade de comportamentos femininos através de personalidades ficcionais marcantes na cinematografia mundial e na evolução da mulher no mundo.

Ao classificarmos tal tipologia, propomos as representações do loiro no cinema e a respectiva construção de significações de diversas formas, conforme o exposto abaixo:

a) o loirismo evidentemente artificial , quando faz uso principalmente da

paródia como elemento de caracterização. Exemplo desse tipo de uso

aparece no filme “O Homem do Sputnik” (, 1959), no qual 35

se observa Norma Benguel em menção explícita a um ícone das telas, a

atriz Brigite Bardot (e, inclusive, utilizando-se do sotaque francês). b) o loirismo romântico e apaziguador para ilustrar a imagem da mulher-

moça que geralmente não oferece qualquer perigo em seus atos ou

intenções, como, por exemplo, Cacilda Becker na trágica história de

Lucília em “Floradas na Serra” (Luciano Salce, 1954), que conhece

Bruno (Jardel Filho, também de cabelos loiros) no momento em que se

descobre portadora de tuberculose e decide tratar-se em outra cidade,

no estilo “Dama das Camélias” de Alexandre Dumas. No cinema norte-

americano, observe-se a personagem de Winona Ryder em “Edward -

Mãos de Tesoura” (“Edward Scissorhands”, Tim Burton, 1990), como a

mocinha que se apaixona por Edward (Johnny Depp), criatura inacabada

criada por um cientista, e que enfrenta toda a comunidade local para

defendê-lo. c) o loirismo ativo e afirmativo : reforça a imagem de um novo feminino,

ocorrendo em personagens do cinema que apontam para o surgimento

de um novo comportamento da mulher no mundo. Para ilustrar tal

caracterização, podemos atentar para os papéis da mulher sensual e

sedutora vividos por Brigite Bardot nos anos 1950 em filmes que a

converteram em símbolo sexual muito além das fronteiras do seu país.

Suas interpretações liberais romperam tabus e despertaram um enorme

interesse por sua vida privada. E, na década seguinte, a presença

marcante de Jane Fonda em “Barbarella” (Roger Vadim , 1968) numa

época de reivindicações feministas por igualdade de direitos, vivendo

uma personagem com extrema sensualidade e que usa a beleza, entre 36

outras armas, para derrotar os inimigos. Nas produções do século XXI,

destaque-se Sarah Jessica Parker, que, loira na série “Sex and the City”

posteriormente adaptada para filme (“Sex and the City”, Michael Patrick

King, 2008), reforça o papel da mulher cosmopolita, independente e

ousada.

d) o loirismo ingênuo : uso da coloração em que observamos um

comportamento de bondade aliado à esperteza da personagem.

Exemplo dessa caracterização em personagens ficcionais da atualidade

é a maioria dos papéis vividos pela atriz Meg Ryan 22 – loira natural –

contemporânea e moderna nas atitudes e desenlaces das mais diversas

situações sociais e afetivas vividas na ficção.

e) loirismo como singularidade , diferenciado do aspecto humano :

utilizado em personagens humanoides e autômatos, tomando-se estes

como indivíduos de comportamento maquinal que executam tarefas ou

seguem ordens como se destituídos de consciência, raciocínio, vontade

ou espontaneidade. Aqui se denota a importância da utilização do loiro

em “Blade Runner – o Caçador de Androides” (“Blade Runner”, Ridley

Scott, 1982), grande produção cinematográfica desse período e

considerada um marco do cinema pós-moderno. No filme, os

personagens replicantes – não reais ou hiper-reais (Pris/Daryl Hannah e

Roy/Rutger Hauer) – fazem uso, em sua composição visual, da

coloração loira para imprimir-lhes um aspecto autômato.

22 Alguns filmes estrelados por Meg Ryan: Top Gun - Ases Indomáveis (1986); Viagem Insólita (1987) Harry e Sally - Feitos um para o Outro (1989); Sintonia de Amor (1993) Cidade dos Anjos (1998); Mens@gem para Você (1998); Linhas Cruzadas (2000); Kate & Leopold (2001); Em Carne Viva (2003); Mais do que Você Imagina (2008) entre outros. 37

f) o loirismo como estranhamento : de maneira geral, os filmes de

terror fazem uso dessa tipologia. Personagens mais delicados e

aparentemente frágeis são mais suscetíveis a situações inesperadas em

tais narrativas. Em “Poltergeist – o Fenômeno” (“Poltergeist”, Tobe

Hooper, 1982), a presença da atriz–mirim loira Heather O'Rourke no

papel de Carol Anne contribuiu muito para que o público se envolvesse

nos acontecimentos paranormais que ocorrem na casa da família da

menina. Outro caso marcante do loiro como estranhamento é o clássico

de Roman Polanski “O Bebê de Rosemary” (“Rosemary’s Baby”, Roman

Polanski, 1968) , obra que apresenta a atriz Mia Farrow com um porte

excessivamente magro, aparência andrógina, cabelos curtos, lisos e

loiros, numa referência à fragilidade da personagem frente ao drama

psicológico durante toda sua primeira gravidez, em contrapartida à

ascensão profissional de seu marido. Vita (2008) aponta que o visual da

atriz Mia Farrow foi inspirado em outro ícone da década – a modelo

Twiggy – pelo então considerado “o cabeleireiro da década” em 1960,

Vidal Sasson.

Colocadas tais possibilidades de classificação do loiro como elemento de caracterização na narrativa ficcional, constatamos que tal uso amplia, mais do que limita, a personalidade atribuída a determinada personagem e pode apontar para diferentes direções, sem que isso seja regra fixa de identificação de comportamento.

A coloração loira dos cabelos, entretanto, teve amplo espaço na caracterização das personagens no universo da vilania, conforme veremos adiante. 38

2.4 As vilãs loiras do cinema

Com destaque dentre a tipologia do loirismo aplicado na construção das personagens, o cinema nos apresenta várias vilãs cuja coloração dos cabelos é loira. Entre as que deixaram sua imagem viva no imaginário do grande público podemos citar:

a) Baby Jane , por Bette Davis em "O que Teria Acontecido com Baby

Jane?" (“Whatever Happened to Baby Jane?”, Robert Aldrich, 1962). Cruel,

leviana e insana, causa terror psicológico angustiante e desesperador. O

desempenho estupendo da já então renomada atriz.

b) Alex Forrest , por Glenn Close em "Atração Fatal" (“Fatal Attraction”,

Adrian Lyne, 1987). Psicopata paranoica e vingativa, que se apaixona de

maneira obsessiva e fatal. Uma das mais marcantes atuações de Glenn

Close.

39

c) Catherine Tramell, por Sharon Stone em "Instinto Selvagem" (“Basic

Instinct”, Paul Verhoeven, 1992). Personagem perigosa, fria, calculista e manipuladora. Uma personagem construída com charme e sensualidade exacerbada.

d) Peyton Flanders , por Rebecca De Mornay em "A Mão que Balança o

Berço” (“The Hand that Rocks the Cradle”, Curtis Hanson, 1992). A frieza amoral e ameaçadora causa arrepios em total contraste com sua beleza delicada adversa à da femme fatale .

e) Miranda Priestly , por Meryl Streep em “O Diabo Veste Prada” (“The

Devil Wears Prada”, David Frankel, 2006). A personagem é a editora chefe de uma prestigiada revista de moda, com caprichos, exigências e destemperos no estilo típico de uma ditadora. 40

f) T-X, por Kristanna Loken em "Exterminador do Futuro III – A Salvação"

(“Terminator Salvation”, McG, 2003). Poderosa, assustadora e aparentemente invencível, tem como única meta a completa aniquilação.

g) Marquesa de Merteuil , por Glenn Close, em “Ligações Perigosas”

(“Dangerous Liaisons”, Stephen Frears, 1988), personagem vaidosa e rancorosa a ponto de propor ao sedutor Valmont um cruel plano de vingança contra aquela por quem foi trocada.

41

2.5 As loiras de King Kong

A indústria cinematográfica comumente apresenta produções voltadas para um romantismo que forçosamente leva o público a uma identificação ou a um estranhamento com a imagem projetada. Exemplo disso é a escolha dos atores que viverão o casal de protagonistas do filme, pautada pela necessidade de perfeito entrosamento entre eles, capaz de ultrapassar o écran e empatizar com o público. Não raro, porém, uma produção mistura ficção e realidade desenhando romances que, em princípio, são impossíveis: o humano se relaciona com uma máquina; o monstro se apaixona pela heroína; a fera se encanta pela bela.

Embora a impossibilidade dos romances venha sendo explorada desde os primórdios do cinema, pode-se dizer que poucos amores impossíveis foram tão visitados e mereceram tantas refilmagens quanto o da jovem atriz que, após ser raptada por nativos de uma ilha, é oferecida em sacrifício ao gorila gigante

Kong (“King Kong”, Merian C. Cooper, 1933). Para recuperá-la, os tripulantes da expedição através da qual a jovem chegou à ilha têm de enfrentar perigos diversos tais como dinossauros, intempéries da selva e o próprio gorila, que numa releitura da fábula “A Bela e a Fera” 23 , se apaixonou pela atriz. Depois de resgatada, a atriz tenta libertar Kong do cinegrafista da mesma expedição, que teve a ideia de exibi-lo em Nova York (em show na Broadway) e lucrar com isso. Kong escapa e destrói parte da cidade em busca de sua amada. A cena final, no topo de um arranha-céu, é uma das cenas mais reproduzidas da história, aparecendo até em desenhos infantis e comédias.

23 Conto medieval, sem autor conhecido, foi reescrito pelos alemães conhecidos como os irmãos Grimm. Em 1889, Andrew Lang (1884 - 1912), com auxílio de sua esposa Leonora Alleyne criou a versão em ingles. 42

Não por acaso aplica-se à figura protagonista da obra a coloração loira nas três versões mais conhecidas do tema 24 , fruto da fidelidade das produções cinematográficas ao perfil de mulher atraente dos anos 1930 (década da primeira filmagem) cujo ingresso na categoria de diva exigia cabelos loiros platinados e semblante sedutor anglo-saxônico, o que justifica o interesse extasiado do gorila pela jovem.

Fay Wray (1933), Jessica Lange (1976) e Naomi Watts (2005), com o gorila Kong, nas três versões mais representativas de “King Kong”

Em um nível mais profundo de análise, na obra o interesse da besta pela loira se dá em decorrência de um processo de estranhamento, cujo núcleo reside no encantamento do selvagem pelo civilizado. Aqui, a composição física do mote da sedução baseia-se na arquetípica mulher clara, loira, frágil, diva anglo-saxônica, capaz até mesmo de inspirar (com)paixão no símbolo mais brutal do aculturado (o macaco, o homem primevo, com seu primitivismo potencializado pelo tamanho exagerado do gorila gigante). A loirice vem constituir um elemento de salvação da bestialidade: o animal até então sempre aceitara as mulheres que lhe eram oferecidas em sacrifício e que, por serem nativas da mesma tribo e elementos coexistenciais na bestialidade, nunca

24 King Kong - 1933, dirigido por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack. Elenco: Fay Wray; King Kong – 1976 , dirigido por John Guillermin. Elenco: Jessica Lange, Jeff Bridges; King Kong - 2005 , dirigido por Peter Jackson. Elenco: Naomi Watts, Jack Black, Arien Brody. 43

sobreviviam. Alimentava-se, assim, um ciclo de não-evolução do macaco, finalmente interrompido e convenientemente conduzido rumo à “civilidade” a partir da inserção de um elemento estranho ao status quo : uma loira. Tal como os europeus civilizadores, à moda de um capitão Smith para sua Pocahontas, o estranho é incorporado àquilo que já se mostrava estabelecido como um elemento redentor, mas que, todavia, acaba por revelar-se destruidor. Afinal de contas, assim como desapareceram as civilizações que receberam os colonizadores, desapareceu o gorila ao ser morto na cidade ícone da civilização moderna.

Assim, com base nas diversas funções do loirismo apontadas neste capítulo, tem-se que a coloração loira na mídia já não está mais limitada apenas à imagem da fêmea fatal ou à ingenuidade e fragilidade da mulher, mas cada vez mais traduz possibilidades da personalidade e do estado de espírito do ser humano, vistos com lente de aumento pelo olhar eletrônico dos equipamentos e da linguagem e estética cinematográficas como mais um elemento de caracterização física do personagem ficcional, objeto de estudo deste trabalho. 44

Capítulo 3

Os artifícios do loiro no cinema

Her hair is Harlow gold, Her lips sweet surprise Her hands are never cold, She's got Bette Davis eyes ... 25

Ao nos debruçarmos sobre o aspecto do uso da coloração loira nos cabelos, podemos notar uma tipologia narrativa na caracterização da personagem em produções nacionais da pós-retomada. O mito construído com base nos cabelos loiros, ao que parece, não será tão cedo substituído por outro.

Passeando pela história do cinema, verificamos grande incidência de tal uso, com as mulheres utilizando-se da sensualidade e da feminilidade e apresentando-se em diversas categorias, desde as “boazinhas” (em geral,

“loirinhas” ingênuas) até as mais pérfidas “destruidoras de lares” (mais velhas ou loiras platinadas).

O mito com loiras é um habitus 26 criado pelo cinema de Hollywood a partir de atrizes determinantes para o imaginário do cinema como mulheres sensuais. Um exemplo é Jean Harlow 27 , conhecida como “The Original Blond

Bombshell” antes mesmo de Marylin Monroe e que marcou sua imagem com

25 “Seu cabelo tem o dourado de Harlow / Seus lábios, uma doce surpresa / Suas mãos jamais estão frias / Ela tem os olhos de Bette Davis” (tradução nossa). Trecho de Bette Davis Eyes, canção de Donna Weiss e Jackie DeShannon lançada originalmente em 1975 por Jackie DeShannon em seu álbum "New Arrangement". Porém, foi somente em 1981 que "Bette Davis Eyes" se tornou um hit mundial, com a regravação da cantora norte-americana Kim Carnes. A letra descreve uma femme fatale sexualmente voraz e cruel, composta por elementos marcadamente sedutores das divas do cinema, iniciando pelos cabelos claros de Jean Harlow. 26 Conceito amplamente estudado por Pierre Bourdieu, http:www.meiaduzia.com.br/ cultura emprocesso. Acesso em 19.dez.2010. 27 Jean Harlow, nome artístico de Harlean Carpentier (1911-1937). Antecedeu Marilyn Monroe como a primeira atriz loira a explorar artisticamente seu sex appeal . 45

camisolas de cetim branco em sintonia visual com uma pele alva e cabelos platinados.

Jean Harlow

Segundo Pierre Bourdieu (2009), o habitus fornece um princípio de socialização – categorias de juízo e de ação vindas da sociedade, que são partilhadas por todos os que foram submetidos a condições e condicionamentos sociais similares – e individuação – cada pessoa tem uma trajetória e uma localização únicas no mundo, o indivíduo é estruturado (por meios sociais passados) e estruturante (por ações e representações presentes). Concebe-se o habitus, então, como um sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições sociais específicas de existência)e constantemente orientado para funções e ações do agir cotidiano.

Para Bourdieu (2009), habitus é uma subjetividade socializada, devendo ser visto como um conjunto de esquemas de percepção, apropriação e ação, e que é posto em prática tendo em vista que a conjuntura de um campo o estimula (entendendo-se por campo, na concepção social do autor, um espaço de disputa e jogo de poder). A sociedade é, assim, composta de vários espaços dotados de relativa autonomia, mas regidos por regras próprias.

Habitus auxilia a pensar as características de uma identidade social, de uma 46

experiência biográfica, um sistema de orientação ora consciente, ora inconsciente que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas.

O habitus da loira sensual consolidou-se com a atriz Marilyn Monroe, que, na realidade, sequer era loira, mas morena: Marylin alterou a cor de seus cabelos de castanho para loiro platinado ( blonder ) por sugestão de uma empresária que se propôs a realizar seu sonho de ser atriz. Posteriormente, como fruto de sua fulgurante vida artística, criou-se um modelo a ser desejado pelos homens e imitado pelas mulheres. Marilyn Monroe, ícone exemplar da coloração loira nos cabelos, desencadeou uma verdadeira onda de loiras platinadas que sonhavam ser como ela (ainda hoje, a atriz figura como a maior representação desse ideal de beleza).

Marilyn Monroe

Hitchcock 28 apresentou lindas loiras em vários de seus filmes e, diferentemente da sensualidade do loirismo de Marylin Monroe, apostava sempre na elegância de tipos frios e contidos como Ingrid Bergman (“Quando

Fala o Coração”/”Spellbound”, Alfred Hitchcock, 1945), Grace Kelly (“Ladrão de

Casacas”/”To Catch a Thief” – 1955, “Disque M para Matar”/“Dial M For

28 Alfred Hitchcok (1899 – 1980) dirigiu dezenas de filmes de suspense, todos com grande projeção e características particulares. Como apontam Aumont & Marie (2003), seus filmes propõem um cinema que diminui a parte intelectual e aumenta a parte emocional da atividade espectatorial, provocando a identificação com o personagem em perigo. Outro elemento da teoria hitchcokiana da encenação, segundo os autores, é o fato de a montagem e a câmera passarem a ser o primeiro instrumento de seus filmes, com subjetivas que colocam o espectador na cena do crime 47

Murder” – 1954, “Janela Indiscreta”/”Rear Window ” – 1954, Alfred Hitchcock),

Kim Novak (“Um corpo que cai”/”Vertigo” – 1958, Alfred Hitchcock), Eva Marie

Saint (“Intriga Internacional”/”North by Northwest” – 1959, Alfred Hitchcock) e

Tippi Hendren (“Os Pássaros”/”The Birds” – 1963, Alfred Hitchcock). O italiano

Federico Fellini (1920-1993), nos apresenta uma vasta galeria de personagens cuja coloração dos cabelos era loiro, em tipos que passeiam entre prostitutas, mulheres do povo e sedutoras no estilo lúdico e irreal que tornaria conhecida sua trajetória no cinema. Merecem destaques os papéis vividos por Giulietta

Masina em “A Estrada” (“La Strada”, Federico Fellini, 1954) e em “Noites de

Cabíria” (“Le Notti di Cabiria”, Federico Fellini, 1957), além de “Ginger e Fred”

(“Ginger e Fred”, Federico Fellini, 1985) e a beleza de Anita Ekberg em “A

Doce Vida” (“La Dolce Vita”, Federico Fellini, 1960).

Giulietta Masina em “A Estrada”, “Noites de Cabíria” e “Ginger e Fred”

Anita Ekberg em “A Doce Vida” (1960), com Marcelo Mastroianni 48

No cinema francês, um importante nome que veio fazer uso da coloração loira foi o da atriz Brigitte Bardot 29 , marcando época como a ingênua que fica sem roupa por qualquer motivo.

A provocação de Brigitte Bardot e o estilo elegante de Grace Kelly

Os anos 60 do século XX sublinharam uma grande revolução tanto cultural como comportamental do mundo moderno. Na Europa, encontramos polos de modismos entre jovens e, da moda ao cinema, verificou-se um período bastante profícuo e permeado por várias tendências e linguagens contemporâneas amplamente adotadas e que acabaram por caracterizar toda uma época.

Na década de 1960, as francesas Catherine Deneuve e sua irmã Françoise

Dorléac (morta em acidente de automóvel aos 25 anos), fazem grande sucesso com suas personagens de aparência adolescente com os cabelos loiros compridos, lisos e, não raro, com franja; capazes de atitudes por vezes inimagináveis, em oposição à “loirice da vez” de Brigite Bardot, geralmente

29 Brigitte Bardot atuou em vários filmes, dando vida a personagens de perfil sexy, selvagem, provocante. Entre os seus filmes: “Garota Levada” (“Cette Sacrée Gamine”, Michel Boisrond, 1956), “ E Deus Criou a Mulher” (“Et Dieu... Créa la Femme”, Roger vadim, 1956); “Viva Maria!” (“Via Maria!”, Louis Malle, 1965). 49

desalinhada ou presa num coque alto, mais sedutora e provocante. Françoise, numa carreira bastante curta, depois do sucesso no Teatro Antoine com “Gigi” ingressou no cinema e em 1964 fez sua primeira protagonista em “O Homem do Rio” (“L’Homme de Rio”, Phillipe de Broca, 1964) com Jean Paul Belmondo como parceiro; com Truffaut em “Um Só Pecado” (“La Peau Douce”, François

Truffaut, 1964); “Armadilha do Destino” (“Cul de Sac”, de Roman Polanski,

1965); e em 1967 dividiu a cena com a irmã Catherine em “Duas Garotas

Românticas” (“Les Demoiselles de Rochefort”, Jacques Demy, 1967), filme em que, curiosamente, Françoise usava uma peruca ruiva, diferenciando-se de sua irmã, que mantivera os cabelos loiros. Paralelamente, trabalhava como modelo para Dior.

Françoise em “O Homem do Rio” (1964) e “Armadilha do Destino” (1965)

Françoise e Catherine em “Duas Garotas Românticas” (1967)

50

Catherine trabalhou com grandes diretores: atuou em 1964 em “Os

Guarda-Chuvas do Amor” (“Les Parapluies de Cherbourg” , Jacques Demy,

1964) e, no ano seguinte, no thriller de Polanski, “Repulsa ao Sexo”

(“Repulsion”, Roman Polanski, 1965). Com Luis Buñuel, protagonizou “A Bela da Tarde” (“Belle de Jour”, Luis Buñuel, 1967). Sua filmografia inclui “Fome de

Viver” (“The Hunter”, Tony Scott, 1983), interpretando, com David Bowie, uma vampira gótica e bissexual), “Indochina” (“Indochine”, Régis Wargnier, 1992),

“Dançando no Escuro” (“Dancer in the Dark”, Lars Von Trier, 2000) e “8

Mulheres” (“8 Femmes”, François Ozon, 2002), dividindo a cena com algumas das mais renomadas atrizes francesas como Fanny Ardant, Emmanuelle Béart e Isabelle Ruppert). Figurou, ainda, como o rosto dos perfumes da Maison

Chanel: Chanel Nº 5 exibiu sua imagem durante duas décadas.

Deneuve em “A Bela da Tarde” (1967) e “Fome de Viver” (1983)

Deneuve como modelo da Chanel No. 5 51

O filme “Barbarella” (“Barbarella”, Roger Vadim, 1968) institui um novo mito sexual nas telas: a atriz Jane Fonda, que vive a personagem inspirada nas histórias em quadrinhos e de visual futurista, com figurinos desenhados por

Paco Rabanne e cabelos loiros claros, compridos e levemente desalinhados, alcançou grande sucesso de crítica e de público. Outro ícone da década foi a modelo Twiggy, de porte excessivamente magro, aparência andrógina, cabelos curtos, lisos e loiros, que chegará a influenciar também as personagens do cinema produzido posteriormente, como a atriz Mia Farrow em “O Bebê de

Rosemary” (“Rosemary’s Baby”, Roman Polanski, 1968), por exemplo, que teve seu visual moldado nessa linha por Vidal Sasson, considerado o cabeleireiro da década de 1960).

Jane Fonda (“Barbarella”) Mia Farrow (“O Bebê de Rosemary”)

Já no Brasil, a atriz Norma Bengel destacou-se em “O Homem do Sputnik”

(Carlos Manga, 1959) como uma recriação do estilo Brigitte Bardot, com seus cabelos claros e composição no estilo francês de interpretação. Posteriormente em “Os Cafajestes ” (Ruy Guerra, 1962), de Ruy Guerra, a atriz também se apresenta com os cabelos claros e protagoniza o primeiro nu frontal do cinema brasileiro. Outro nome de expressão no cinema brasileiro desse período é o da atriz Odete Lara, que também atuou em papéis de loira sensual e sedutora nos 52

anos 1950 e em vários filmes do Cinema Novo. Sua presença reforçava o distanciamento/estranhamento da personagem loira em terreno agreste e árido em “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (Glauber Rocha, 1969).

Atuou ainda em Bonitinha, mas Ordinária (J.P. Carvalho, 1963) e posteriormente em “A Rainha Diaba” (Antonio Carlos Fontoura, 1974), entre outros.

A loirice de Norma Bengel e Odete Lara, nomes expressivos do cinema nacional

Várias são as atrizes brasileiras que atenderam à demanda de personagens loiras em filmes dessa década, dentre as quais podemos destacar

Helena Ignes, uma das musas do Cinema Novo. A atriz participou, ainda, de “O

Bandido da Luz Vermelha” (Rogério Sganzerla, 1968), marco do cinema brasileiro.

Os anos 1970 trazem também vários filmes nos quais personagens masculinos são naturalmente loiros ou tipificados através do uso da coloração em seus cabelos, a exemplo de Giuliano Gemma no western italiano “O Dólar

Furado” (“Um Dollaro Bucato”, Giorgio Ferroni, 1968) e Helmut Berger em “O

Retrato de Dorian Gray” (“Il Dio Chiamato Dorian”, Massimo Dallamano, 1970), filme no qual o protagonista obteve a partir da coloração loira e natural dos cabelos, aliada a uma imagem enigmática e provocadora, o resultado perfeito 53

para viver Dorian Gray na versão adaptada para os inquietantes anos 1970

(nessa versão, assume-se a ambiguidade sexual do personagem).

Giuliano Gemma (“O Dólar Furado”) e Helmut Berger (“O Retrato de Dorian Gray”)

Anthony Steffen (nascido Antonio de Teffé pela Embaixada do Brasil na

Itália), tornou-se conhecido por participar de um número superior a vinte filmes do gênero conhecido como spaghetti western , atuando em muitos deles como protagonista entre 1960 e 1970.

Com seus cabelos castanho-claros, olhos azuis e seu jeito rústico, encarnava personagens mal-encarados em oposição à figura do mocinho.

Atuou em filmes como “Poucos Dólares para Django” (“Pochi Dollari per

Django”, León Klimovsky, 1966), “Uma Longa Fila de Cruzes” (“Uma Lunga Fila di Croci”, Sérgio Garrone, 1969), “Um Homem Chamado Django” (“A Man

Called Django”, Edward Muller, 1971) e “Viva Sabata” (“Arriva Sabata”, Tulio

Demicheli, 1975). Steffen brilhou em uma fase em que Clint Eastwood e

Giuliano Gemma esculpiam, também, seu mito de cowboys .

Anthony Steffen, no tipo que o tornou conhecido

54

Visconti 30 em “Morte em Veneza” (“Morte a Venezia”, Luchino Visconti,

1971) nos apresenta a busca incessante de um artista, o músico Gustav von

Aschenbach, pela perfeição. É nessa busca que ele encontra a beleza personificada em Tadzio, um garoto loiro que desencadeia uma obsessiva paixão e sua gradativa decadência.

Björn Andrésen (Tadzio) em “Morte em Veneza”

Em “Cabaret” (“Cabaret”, Bob Fosse, 1972), de Bob Fosse, tem-se a utilização da coloração loira em personagem masculino para melhor localizar sua nacionalidade na trama. Na Berlim de 1930, o ator Helmut Griem vive o rico empresário alemão (Maximillian von Heune), que se envolve num triângulo amoroso com o par de protagonistas representados na cantora Sally Bowles

(Liza Minelli) e no bissexual Brian Roberts (Michael York).

Helmut Greim e Liza (“Cabaret”)

30 Luchino Visconti (1906, Milão - 1976, Roma, Itália), de posição política antifascista. Cofundador e um dos principais representantes do neorrealismo italiano, denunciou a realidade social por meio de uma elaboração acentuadamente estética dos seus filmes. Principais filmes: O Leopardo (1962); O Estrangeir o (1967); Rocco e seus Irmãos (1960); Violência e Paixão (1974) . 55

As décadas de 1970 e 1980, no Brasil, caracterizaram-se sobretudo pela presença da censura militar, pela difícil concorrência com o cinema norte- americano e pela ação da Embrafilme 31 , empresa estatal encarregada de fomentar a produção e distribuir filmes brasileiros. A Embrafilme estimulou inúmeras adaptações de grandes obras literárias brasileiras e épicos baseados na história oficial do País. São desse período “Navalha na Carne” (Braz

Chediak, 1969), “São Bernardo” (Leon Hirszman, 1971) e “Lição de Amor”

(Eduardo Scorel, 1975).

Os anos 1970 testemunham uma retomada, embora menos radical, do experimentalismo com “A Lira do Delírio” (Walter Lima Jr, 1978) e diversos filmes de Julio Bressane, entre os quais “Matou a Família e Foi ao Cinema”

(1969), um representante do cinema marginal que tem no elenco a atriz Renata

Sorrah com cabelos de coloração loira. Curiosamente, Bressane fez no exílio

“Memórias de um Estrangulador de Loiras” (“Memories of a Blonder Strangler”,

Julio Bressane, 1971), trama em que relata a ação de um serial killer que assassina, ininterruptamente, mulheres loiras. Segundo Rocha Melo, trata-se do único de seus filmes, feito no exterior, em condição de exibição 32 . Glauber

Rocha também produziu obras inflamadas no exílio e retornou ao Brasil com o conturbado “A Idade da Terra” (1980), em cujo elenco figuravam a loirice de

Norma Bengel e a morenice de Ana Maria Magalhães.

Um nome marcante nas produções nacionais dessa época é Adriana

Prieto. Nascida na Argentina, escolheu o Brasil para viver e o cinema como

31 A Empresa Brasileira de Filmes S.A. – Embrafilme – foi criada em 1969 pelo Regime Militar. 32 Fonte: www.contracampo.com.br. Acesso em 29.julho.2011. 56

arte. Construiu uma carreira curta de dezoito filmes 33 e faleceu em acidente de automóvel aos 24 anos. Trabalhou com nomes fundamentais do Cinema Novo, como Nelson Pereira dos santos, David Neves, Roberto Santos e Arnaldo

Jabor. Num curto espaço de espaço, tornou-se um mito para sua geração, que se encantou com sua persona de cabelos loiros e olhar quase sempre enigmático, revelando um misto de doçura, sensualidade e ironia.

Adriana Prieto

O filme “Toda Nudez Será Castigada” (Arnaldo Jabor,1973), baseado na peça de Nelson Rodrigues, tem na personagem principal a figura platinada da atriz Darlene Glória vivendo a prostituta Geni em contraponto ao personagem sisudo e fechado de Herculano (Paulo Porto), tradicional e puritano, que vive entre a lembrança da primeira esposa falecida, a promessa feita ao filho homossexual e as tias envelhecidas e morenas (não por acaso) no casarão da família.

33 Entre outros filmes, atuou em El Justiceiro (Nelson Pereira dos Santos, 1967), Os Paqueras (Reginaldo Farias, 1969), O Palácio dos Anjos (, 1970), Lucia McCartney - Uma Garota de Programa (David Neves, 1971), Um Anjo Mau (Roberto Santos, 1972), Ainda Agarro Essa Vizinha (Pedro Carlos Róvai, 1974), O Casamento (Arnaldo Jabor, 1975). 57

Geni (Darlene Glória) e Herculano (Paulo Porto) em Toda Nudez Será Castigada

Não obstante, foi somente na segunda metade da década que se deu um aquecimento na produção e no mercado, com o sucesso popular de, entre outros, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (Bruno Barreto, 1976), com Sonia

Braga (cuja “morenice” passou a representar a mulher brasileira desde que a atriz viveu na televisão a protagonista de Gabriela 34 ) e o ator José Wilker, que para viver Vadinho, o primeiro marido de Flor, submeteu seus cabelos a um clareamento com o intuito de revelar um comportamento mais descontraído e jovial em contraposição ao futuro marido da personagem (Teodoro, vivido pelo ator Mauro Mendonça), um homem sério, metódico e mais velho que a personagem título.

José Wilker como Vadinho em “Dona Flor e Seus Dois Maridos”

34 Gabriela – Rede Globo, 1975, de Walter George Durst. Telenovela baseada na obra homônima de Jorge Amado. Direção de Walter Avancini e Gonzaga Blota com 135 capítulos. Elenco: Sonia Braga, Armando Bógus, Paulo Gracindo, Nívea Mara, Fúlvio Stefanini, José Wilker e outros. 58

Filmes como “Xica da Silva” e “Bye-bye Brasil” (Carlos Diegues, 1976 e

1979), “A Dama do Lotação” (Neville D'Almeida, 1977); “Lúcio Flavio,

Passageiro da Agonia” e “Pixote – a Lei do Mais Fraco” (Hector Babenco, 1978 e 1980), são produções significativas desse período. No escopo deste trabalho, podemos observar que a caracterização das personagens diversifica-se esteticamente em cada um dos filmes. Se em “Xica da Silva” temos uma caracterização alegórica quanto à representação e personificação da escrava

Xica (Zezé Motta), com vestimentas carnavalescas, maquiagem e perucas brancas que apresentam a personagem com sua pele embranquecida numa crítica à Corte e ao preconceito ainda hoje vigente no País, no filme Pixote , de

Babenco, detectamos o retrato cru da marginalidade infantil e o caos nas grandes metrópoles com tipos inconfundíveis, reproduzidos iconicamente com a realidade representada pela prostituta Sueli (Marília Pera), o travesti Lilica

(vivido por Jorge Julião) e a cafetina loira, interpretada por Elke Maravilha.

Zezé Mota em “Xica da Silva”

Outra presença constante nas telas nacionais na década de 1980 é da atriz

Vera Fischer. Desde as pornochanchadas da década de 1970, que a lançaram para o estrelato após vencer o Concurso de Miss Brasil 1969, a atriz 59

protagonizou vários títulos como: “Anjo Loiro” (Alfredo Sternheim, 1972), “A

Super Fêmea” (Anibal Massaíni Neto, 1973) e “Eu te Amo” (Arnaldo Jabor,

1980), embora neste último, mesmo com a presença marcante de Vera, a trama se desenrole com a trajetória da personagem vivida por Sonia Braga.

Miss Brasil 1969 A Super Fêmea (1973) Eu te Amo (1980)

“Amor Estranho Amor” (Walter Hugo Khouri, 1982), traz, além da atriz Vera

Fischer como protagonista, a predominância de personagens femininas loiras que moram no bordel de Laura, interpretada por Íris Bruzzi (também loira) e conta, ainda, com a participação da apresentadora Xuxa Meneghel no papel de

Tamara.

.

“Amor Estranho Amor” (1982), um desfile de personagens loiras vividas por , Íris Bruzzi e Xuxa Meneghel

Um olhar mais atento à figura da atriz Vera Fischer em sua trajetória artística e até mesmo pessoal nos leva a enquadrar seu perfil nos típicos moldes das grandes divas do cinema internacional, sobretudo o star system 60

norte-americano com suas mulheres lindas, glamorosas, nem sempre de invejável talento e com uma vida pessoal conturbada pelos excessos nos amores, drogas e contendas, mas com notável capacidade de recomeçar ou retomar do ponto interrompido com o mesmo charme e poder de sedução para o grande público.

O cinema nacional viveu também na década de 1980, entre as já citadas poucas e significativas produções, uma avalanche de filmes infantis com a presença da apresentadora e aprendiz de atriz Xuxa Meneghel e um grande número de espectadores (mais de um milhão em vários títulos).

A “rainha dos baixinhos”, como se tornou conhecida pelo público da televisão, lançou pelo menos quatro longas-metragens durante essa década.

Foi a supremacia da loira também nas salas de cinema de todo o País. São dessa época “Fuscão Preto” (Jeremias Moreira Filho, 1983), “Super Xuxa contra o Baixo Astral” (Anna Penido e David Sonneshein, 1988), “ A Princesa

Xuxa e os Trapalhões” (José Alvarenga Jr, 1989) e “Lua de Cristal” (Tysuka

Yamasaki, 1990), além de outros que surgiram na década seguinte.

Nota-se que a incidência e a aceitação de tais filmes no cenário brasileiro dessa década se reforçam não somente pelo considerável destaque que a apresentadora conquistou junto ao público infantil através da televisão, dos discos e da comercialização de seus produtos (mais de duzentos), mas principalmente pela projeção do imaginário infantil remetido ao universo das princesas dos contos infantis. Como já apontado, isso ocorre desde que Walt

Disney “personificou” na figura angelical da moça sofredora de cabelos loiros – e à espera do seu príncipe encantado – muitos dos sonhos da menina.

Anos mais tarde observamos que a mesma Xuxa, ao viver a má (Elizabeth) em 61

outro de seus filmes 35 , faz uso de perucas para imprimir vilania à personagem, ao passo que a loira (Mel) mantém os cabelos na coloração da apresentadora reforçando o aspecto reconhecido pelo grande público e associado à bondade e à ingenuidade da personagem.

Com “Blade Runner - O Caçador de Androides” (“Blade Runner”, Ridley

Scott, 1982), pode-se falar em cinema pós-moderno no qual se identifica uma nova fase também no cinema nacional. São dessa época filmes como “Cidade

Oculta” (Chico Botelho, 1986), com elementos híbridos incorporados ao caráter dos filmes pós-modernos de diálogos calcados na linguagem dos quadrinhos e cuja estética remete a gêneros cinematográficos como o noir e filmes musicais dos anos das décadas de1970 e 1980. “Cidade Oculta” (Chico Botelho, 1986) se alinha com a música pop – não é à toa a presença do músico Arrigo

Barnabé – e apresenta como protagonista a atriz Carla Camurati 36 como a misteriosa Shirley Sombra, uma femme fatale platinada e descolada dos filmes americanos.

O filme trabalha com tipos e não com seres; tem um tom voltado para uma artificialidade, sugerindo uma desconexão com o real. Como se tornou notório,

35 Xuxa gêmeas. Direção: Jorge Fernando. Roteiro: Patrícia Travassos e Flávio de Souza. Ano de lançamento:2006. Sinopse:duas gêmeas idênticas foram separadas quando ainda eram bebês, já que uma delas saiu engatinhando do carro de luxo dos pais e entrou acidentalmente no trailer de uma trupe de artistas. Trinta anos depois Elisabeth (Xuxa -morena) é a presidente do império gráfico do pai, enquanto que sua irmã gêmea, Mel (Xuxa-loira), dirige uma escola de artes cênicas voltada para uma comunidade carente. A vida delas se cruza quando Elisabeth corta o patrocínio da empresa à escola de Mel, o que faz com que ela vá à empresa para reclamar. 36 Carla Camurati (14/10/1960), atriz que paralelamente às novelas,estreou no cinema em 1982, no filme O Olho Mágico do Amor , pelo qual é escolhida melhor atriz coadjuvante no ; fez ainda A Estrela Nua (1986). Por sua interpretação em Pagu (1987), vence na mesma categoria nos festivais de Gramado e de Natal. Em 1987, estreia na direção com o curta Mulher Fatal Encontra o Homem Ideal , de Jules Pfeiffer. Em 1990, realiza o documentário Bastidores , sobre a peça O Mistério de Irma Vap . Seu primeiro longa-metragem, Carlota Joaquina-Princesa do Brasil (1995), feito em três idiomas (inglês, português e espanhol), ultrapassa um milhão de espectadores e dá início ao período chamado de Retomada do cinema nacional. 62

a atriz se manteve por quase uma década como uma das mais cogitadas para viver as grandes personagens do cinema nacional, além de vários trabalhos em televisão. Segundo Renato Luiz Pucci Jr. (2003), juntamente com “Anjos da

Noite” (Wilson Barros, 1987) e “A Dama do Cine Shangai” (Guilherme de

Almeida Prado, 1987), “Cidade Oculta” forma a trilogia da noite paulistana, com obras que retratam a grande metrópole e seus personagens com citações aos filmes noir , intertextualidade, mistura de linguagem e elementos estéticos característicos do cinema pós-moderno.

O cinema brasileiro da década de 1980 apresenta outro bom exemplo desse artifício criado pela caracterização estética de personagens de ficção em filme. Em “O Cangaceiro Trapalhão” (Daniel Filho, 1983), a personagem da atriz Bruna Lombardi também sofre alteração no visual, fazendo uso de uma peruca morena e lentes de contato escuras para melhor retratar a vilania da

Fada Bruxa e, assim, diferenciar o personagem da atriz que o interpreta, reforçando o habitus do loirismo associado à imagem da moça ingênua e bondosa.

Nessa década, apesar de o cinema ceder lugar à televisão como o vetor que mais influencia os modismos e comportamentos, podemos observar a importância da caracterização utilizando artifícios além da maquiagem em

“Blade Runner – O Caçador de Androides”. No filme, aplicam-se aos personagens não reais ou hiper-reais (os replicantes) tanto a coloração loira

(Pris/Daryl Hannah é uma replicante ativada no Valentine’s Day, o dia dos namorados, para o prazer dos militares e, por isso, bastante sensual) quanto a descoloração dos cabelos (Roy , interpretado pelo ator Rutger Hauer, como o 63

grande vilão da narrativa), imprimindo um perfil frio e dominador a seu comportamento.

A replicante Pris (Daryl Hannah) em Blade Runner

Michel Douglas, cuja coloração natural dos cabelos é loira, participou dessa década de vários sucessos como: “Tudo por uma Esmeralda” (“Romancing the

Stone”, Robert Zemeckis, 1984), “A Joia do Nilo” (“The Jewel of the Nile”, Lewis

Teague, 1985) e “A Guerra dos Roses” (“The War of the Roses”, Danny de

Vito, 1989), trilogia feita com a presença feminina de Kathleen Turner, loira nas três produções. No suspense “Atração Fatal” (“Fatal Attraction”, Adrian Lyne,

1987), o ator divide a cena com Glenn Close, de cabelos loiros e desalinhados que causam a estranheza de comportamento da personagem. Nos anos 1990,

Michel protagoniza “Instinto selvagem”(“Basic Instinct”, Paul Verhoeven, 1992), com a loira enigmática interpretada por Sharon Stone em um dos papéis mais marcantes de sua carreira.

Michel Douglas e as atrizes Kathleen Turner, Gleen Close e Sharon Stone

64

Kim Basinger tem sua carreira alavancada ao viver nas telas a personagem feminina de “9½ Semanas de Amor” (“9½ Weeks”, Adrian Lyne, 1986), com comportamento hedonista em ousadas cenas de jogos sexuais. Na década seguinte, participou em “Los Angeles Cidade Proibida” (“LA Confidential”, Curtis

Hanson, 1997), em que interpreta uma prostituta inspirada em Verônica Lake, outro ícone loiro do cinema da década de 1940.

Kim Basinger em “9½ Semanas de Amor” e em “Los Angeles Cidade Proibida”, ao

lado da referência inspiradora de sua caracterização Veronica Lake.

Embora o destaque pelo uso da coloração loira nos cabelos esteja em maior número nas personagens femininas, podemos observar a incidência de personagens masculinos que fazem uso desse artifício para melhor caracterizá-los. David Bowie se destacou nos anos 80 com diversos personagens loiros; dividiu a cena com Deneuve em “Fome de Viver”

(“Hunger”, Tony Scott, 1983); viveu o prisioneiro de guerra em “Furyo – Em

Nome da Honra” (“Merry Christmas, Mr. Lawrence”, Nagisa Oshima, 1983) e protagonizou “Labirinto – a Magia do Tempo” (“Labyrinth”, Jim Henson, 1986).

David Bowie em “Fome de Viver”, “Furyo” e “Labirinto” 65

Em “O Beijo da Mulher-Aranha” (“Kiss of the Spider-Woman”, Hector

Babenco, 1985), mais uma vez denota-se a coloração loira em personagem masculino: o oficial nazista Werner, vivido pelo ator Herson Capri e apresentado com cabelos em tom muito claro para melhor contextualização da estória criada pelo preso Molina (Willian Hurt) à guisa de entretenimento de seu companheiro de cela, Valentin (Raul Júlia). Nesse filme, a morenice de Sonia

Braga está presente em três diferentes personagens: a guerrilheira Solange, a heroína da fantasia de Molina e a mulher-aranha.

“O Beijo da Mulher-Aranha” (1985)

Nos anos 1980 podemos mais uma vez destacar, no Brasil, os papéis vividos pela atriz Carla Camurati, musa do cinema alternativo 37 no qual a

“loirice” afigurava-se como um elemento que caracterizava e apresentava as personagens como estereótipo da mulher fatal. Exemplo disso são os já citados

“Cidade Oculta” (Chico Botelho, 1986), com sua heroína inspirada nos filmes noir e no sucesso de “Blade Runner”, ou ainda o estereótipo da menina ingênua em “O Olho Mágico do Amor” (José Antonio Garcia e Ícaro Martins,

1981), no qual uma garota realizava suas fantasias através da vida sexual da

37 O termo “ cinema alternativo ” é usado, aqui, para caracterizar um tipo de cinema executado com baixo orçamento, muitas vezes em ambiente universitário, desde os que compõem a ficha técnica como também, por vezes, a temática abordada, como uma opção de escolha por parte público. 66

prostituta, morena, vivida por Tania Alves. Carla Camurati viria posteriormente, com seu longa-metragem de estréia “Carlota Joaquina – Princesa do Brasil”

(1994), a dar o mote para a Retomada do cinema nacional.

No início da década de 90, temos numa comédia romântica americana a releitura moderna da estória da moça pobre que ascende socialmente quando encontra seu “príncipe” encantado no filme “Uma linda mulher” (“Pretty

Woman”, Garry Marshall, 1990), nele a protagonista vivida por Julia Roberts é uma prostituta que é contratada por um executivo, interpretado por Richard

Gere, para acompanhá-lo em seus compromissos sociais e que por fim ambos se envolvem emocionalmente e ficam juntos.

A personagem, no início do filme faz uso de uma peruca de corte chanel, loiro muito claro evidenciando o comportamento duplo da personagem que ganha a vida nas ruas de Hollywood Boulevard, aos poucos vai se transformando numa elegante jovem que conquista o coração do magnata.

“Uma Linda Mulher” (1990), que lançou Julia Roberts ao estrelato

Ainda dessa década, “Entrevista com Vampiro” (“Interview with the

Vampire: The Vampire Chronicles”, Neil Jordan, 1994) apresenta uma profusão de personagens loiros, estando entre os de maior destaque os vampiros Lestat 67

(Tom Cruise) e a pequena Claudia (Kirsten Dunst), além do repórter Daniel

Malloy (Christian Slater). Este último começa, quase que sem intenção, uma conversa com um homem que se diz vampiro e através do qual conhecemos toda a sua trajetória de mais de duzentos anos. O loiro, nesta produção americana, é utilizado como uma contradição de comportamento através da qual figuras mais suaves se revelam com um caráter sinistro e apresentam-se leves, embora escondam o lado escuro de suas personalidades.

Os vampiros Lestat e Claudia

O repórter Daniel Malloy

Na produção cinematográfica brasileira da mesma década, em “Tieta do

Agreste” (Cacá Diegues, 1996) observa-se o uso da coloração loira na chegada da personagem título (vivida por Sonia Braga) a Sant’Ana do Agreste, cena em 68

que faz uso de uma peruca loiro claro para marcar a diferença com as pessoas do lugar onde nasceu e de onde a expulsaram na adolescência.

Chegada de Tieta (Sonia Braga) à vila de Sant’Ana do Agreste

Não se trata, aqui, de listar todas as atrizes do cinema nacional cuja coloração dos cabelos seria loira, mas sim de abordar como tal caracterização substitui a “morenice” nas telas e aposta na representação de tal imagem através do tempo nas produções cinematográficas.

A força que a coloração loira exerce no imaginário visual ultrapassa a magia das telas e seus filmes, visto que ainda hoje – até mesmo em culturas milenarmente tradicionais como no Japão, por exemplo – as jovens tingem seus cabelos como tendência estética. A força simbólica do loiro é, acima de tudo, o fruto de duzentos anos de supremacia do mundo ocidental, desde a colonização até a expansão da cultura estadunidense, com as suas “deusas platinadas”, passando pelo eurocentrismo hegemônico da falácia eugênica.

Verifica-se a expansão da cultura dos EUA, conforme já apontado, através da indústria cinematográfica e seu star system, com a transformação de atrizes em modelos a serem seguidos como padrão de beleza.

Assim, dentro da proposta deste trabalho de avançar para além da identificação da matriz da maquiagem e seu emprego eficaz e, ainda, do estudo de componentes que viabilizam caracterizar e valorizar o aspecto 69

fisionômico dos atores para a composição da personagem, exploraremos, para fins de delimitação de nosso estudo, um exemplo de tipologia narrativa (a utilização da coloração loira nos cabelos) na caracterização da personagem em produções nacionais no período da pós-retomada do cinema brasileiro, a partir de 1999, considerando o período da retomada (1994 a 1998) proposto por

Nagib (2002).

No que se refere ao tema desta dissertação, ressalte-se nossa crença de que o cinema brasileiro possui na sua matriz as referências e influências da estética do cinema americano e de sua tradição iconográfica. Foi a falta de recursos equiparáveis aos norte-americanos que acabou por gerar, na cinematografia nacional, uma tradição própria na organização do status visual.

Mesmo com os problemas na formação de profissionais da área, as lacunas técnicas para desenvolver uma identidade visual e a necessidade da criação de condições de trabalho na linha da visualização, logrou-se chegar a tal identidade pela via da concepção do diretor.

Se observarmos que o período da cinematografia nacional, objeto deste estudo, se apresenta com um nicho bastante extenso de trabalhos onde o diretor é o autor e cada projeto é único, verificamos que, com a diversidade de equipamentos e ferramentas disponíveis, encontramos na linguagem do tempo- presente um potencial a ser explorado com base em uma “colagem de mídias”, o que possibilita a experimentação em diversas frentes audiovisuais, cada vez mais tecnológicas em busca da qualidade técnica para a continuidade da produção nacional.

Embora o cinema tenha feito uso da coloração loira na caracterização dos personagens ficcionais já em época anterior aos anos 1960, é a partir dos anos 70

1990 que se intensifica a troca entre produção de imagem e a circulação de produtos no mercado. Além da variedade de produtos e das colorações como fruto da expansão das empresas de cosméticos, verificamos, a partir de então, a possibilidade de diálogo imediato entre a imagem criada e o público consumidor dessa mesma imagem. O grande público passa, assim, a ter maior acesso ao consumo de tais produtos, o que coincide com a significativa propagação das indústrias de cosméticos nacionais.

Por meio de idealizações e um olhar especial sobre a incidência da coloração loira na mídia (cinema, música, televisão), a midiatização da imagem possibilita a difusão do loirismo como elemento de interação entre o sujeito e o produto criado, o imaginário torna-se mais amplamente acessível como que um passaporte ao universo da padronização da beleza. A coloração dos cabelos é, grosso modo , a alteração mais perceptível na construção da imagem.

71

Capítulo 4 O loiro em cinco filmes da pós-retomada

4.1 Contexto histórico da pós-retomada

Com base em Nagib (2002), chamamos de pós-retomada do cinema brasileiro os anos subsequentes à retomada do cinema brasileiro, a qual compreende os anos de 1994 a 1998.

Na primeira metade da década de 1990, com a posse do presidente

Fernando Collor de Mello, houve um longo hiato na produção cinematográfica brasileira, a qual restou paralisada por falta de verba. Isso persistiu até que nosso cinema “retomasse” suas produções por intermédio de leis de incentivo para que o Estado e os patrocinadores voltassem a investir no cinema brasileiro. É assim que, a princípio, extinguem-se a Embrafilme e demais mecanismos de incentivo à produção cinematográfica. Seguiram-se quatro anos de paralisação quase total na produção de longas metragens, restando aos curtas-metragens e ao vídeo a responsabilidade de atingirem certa popularidade em festivais e exibições especiais e consagrarem nomes como

Jorge Furtado, Carlos Gerbase e José Roberto Torero.

Após a interrupção do governo Collor por impeachment presidencial, criaram-se novos instrumentos de estímulo à produção cinematográfica.

Sanciona-se a Lei do Audiovisual 38 (1994), a qual incentivava empresas privadas a investirem em cinema e que, somada ao envolvimento de governos estaduais na produção, levou a produção cinematográfica nacional a um

38 Lei No. 8.685, promulgada em 1993, aperfeiçoando leis anteriores de incentivo fiscal e que começou a gerar frutos a partir de 1995. 72

renascimento a partir de 1995, simbolizado pelo sucesso de “Carlota Joaquina,

Princesa do Brazil”, de Carla Camurati.

Segundo o então secretário do Audiovisual, José Álvaro Moisés, entre 1994 e 2000 “55 novos cineastas surgiram no País, número tão expressivo como aquele que deu origem à Nouvelle Vague, nos anos 50” (Nagib, 2002). Ao pesquisar o cinema da retomada, Nagib afirma que inúmeros diretores que, no início dos anos 90, encontravam-se na produção de curtas metragens, puderam lançar-se ao longa-metragem, dedicando-se a trabalhos que constam da nossa melhor produção cinematográfica, como Tata Amaral com “Um Céu de Estrelas” (1997), Beto Brant com “Os Matadores” (1997), Rosane Svartman com “Como Ser Solteiro” (1998), Eliane Caffé com “Kenoma” (1998), Toni

Ventura com “O Velho, a História de Luiz Carlos Prestes” (1997) e Monique

Gardemberg com “Jenipapo” (1996). Ainda segundo Nagib (2002), esses estreantes encontram-se em pé de igualdade com os conhecidos e respeitados

Cacá Diegues com “Veja Esta Canção” (1994) e “Tieta” (1996), Nelson Pereira dos Santos com “A Terceira Margem do Rio” (1994), Carlos Reichenbach com

“Alma Corsária” (1994), Walter Lima Jr. com “A Ostra e o Vento” (1997) e Paulo

César Saracenni com “O Viajante” (1998), pois cada projeto é único e carrega em si a responsabilidade da “retomada”, como observa Luís Alberto Rocha

Melo em seu artigo “Gêneros, produtores e autores – Linhas de produção no cinema brasileiro recente” 39 .

É desse período que, geograficamente, a produção brasileira se expande além do eixo Rio-São Paulo: vários estados brasileiros passam a ser representados com Djalma Limongi Batista (Amazonas) com “Bocage” (1997),

39 In Cinema Brasileiro 1995/2005 Ensaios sobre uma década , p. 68. 73

Silvio Back (Paraná) com “Yndio do Brasil” (1995), Jorge Furtado (Rio Grande do Sul) com “Felicidade é...” (1995) e Paulo Caldas e Lírio Ferreira

(Pernambuco) com “Baile Perfumado” (1997), para citar alguns. A figura feminina se nos apresenta na direção, com nomes tais como Susana Moraes com “Mil e Uma” (1995), Carla Camurati com “Carlota Joaquina, Princesa do

Brasil” (1995), Helena Solberg com “Carmen Miranda: Bananas Is My

Business” (1995), Sandra Werneck com “Pequeno Dicionário Amoroso” (1997),

Bia Lessa com “Crede-mi” 40 (1997) e Daniella Thomas com “Terra Estrangeira”

(1995), entre outras.

No período de 1995 a 1999, como apontou Daniel Caetano (2005), definiu- se uma meta midiática suprema para o novo cinema brasileiro – a estatueta do

Oscar 41 – e alguns filmes brasileiros concorreram ao prêmio de melhor filme estrangeiro: “O Quatrilho” (Fabio Barreto, 1995, indicado em 1996), “O Que É

Isso, Companheiro?” (Bruno Barreto, 1997, indicado em 1998) e “Central do

Brasil” (Walter Salles, 1998, indicado em 1999).

A premiação de “Central do Brasil”42 em 1998 com o Urso de Ouro em

Berlim selou uma espécie de validação estrangeira ao produto artístico nacional, o que se confirma com as indicações, premiações e o reconhecimento do filme “Cidade de Deus”43 (Fernando Meirelles, 2002) no

40 Crede-mi , longa metragem em parceria com Dany Roland. 41 Prêmio criado em 1927 pelo então presidente da Metro-Goldwin Mayer , Louis B. Mayer,que se uniu a um grupo de 36 diretores e atores para criar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas no intuito de incentivar a produção de obras de qualidade técnica e artística e contemplar os profissionais da indústria cinematográfica. A primeira cerimônia de entrega de prêmios foi em maio de 1929 em Los Angeles. 42 Central do Brasil , de Walter Salles, 1998. Globo de Ouro - Melhor Filme Estrangeiro - EUA – 1999 e prêmio "Cinema 100 - Festival Sundance - EUA – 1998, entre outros. 43 Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, 2002. Indicado a quatro Oscar em 2004. Indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro em 2003. Prêmio de Melhor Edição no BAFTA, o 74

mercado internacional, além da abertura de trabalho no cinema internacional para diversos diretores brasileiros do cinema da retomada.

A partir de 2000, há uma tendência na produção cinematográfica brasileira de apresentar estórias centradas em narrativas do social contemporâneo, ao contrário de filmes de época dos anos anteriores como, por exemplo, Carlota

Joaquina – Princesa do Brasil (Carla Camurati, 1994) e O Quatrilho (Fábio

Barreto, 1994). A agilidade narrativa torna-se norma e os excessos de cenografia e direção de arte ficam em baixa. A produção de filmes de menor orçamento expandiu-se consideravelmente com o desenvolvimento de recursos técnicos como o vídeo digital, que ocasiona o barateamento dos custos e possibilita a produção de filmes documentários, como característica do cinema brasileiro recente. “Rua 6, s/nº”, de João Batista de Andrade (2003), do qual falaremos adiante, é um exemplo de filme produzido com equipamento digital.

Trata-se de um cinema diversificado, tecnicamente bem executado e apto a reconquistar a simpatia do público. Compreendemos o cinema brasileiro contemporâneo como uma filmografia que nasce da mistura de tecnologias, repertórios e meios de difusão dentro de uma perspectiva delineada pelas novas mídias, da película às câmeras digitais, para circular em máquinas como o computador e a TV e em suportes como o DVD/VHS sem, no entanto, abandonar as salas de exibição.

"Oscar britânico", em 2003. Ganhou nove prêmios no Festival de Havana. Ganhou uma menção especial no Festival Internacional de Toronto. 75

4.2 Traços definidores do loirismo aplicados aos filmes estudados

Se considerarmos o imaginário do loirismo na trajetória cinematográfica como habitus que modela e cria representações, colocando as personagens ficcionais para o espectador num espaço imaginário que ele conheça, podemos considerar que essa repetição acaba por identificar um gênero. Antes de levantarmos os pontos de vista observados nos filmes selecionados para a realização deste trabalho, apresentamos a trajetória desenvolvida com base em tal estudo e procuramos levantar os pontos relevantes na conceituação para aplicá-los à presente pesquisa. Trata-se de pontos como:

• a coloração loira e o mercado contemporâneo;

• a instantaneidade e estigmatização do loiro na contemporaneidade;

• o conceito de marginalidade que a coloração apresenta;

• o caráter de estranhamento dessa coloração; e

• o loiro como valor de uso.

Antes de passarmos ao estudo específico dos filmes selecionados com base nas observações acima, cabe apontar a opinião e as colocações de uma profissional do mercado de coloração de cabelos, Cida Ferreira 44 , do Studio

Glosss, por nós entrevistada (Anexo 3, pág. 116). Isso nos fornecerá um olhar mais atual e técnico sobre o efeito da coloração loira nos cabelos e, consequentemente, sobre como obter um melhor resultado estético na construção da imagem.

A profissional lembra que o mercado da cosmetologia, nas duas últimas décadas, disponibiliza uma grande variedade de produtos que permitem a

44 Cida Ferreira, colorista profissional desde 1974 e proprietária do Studio Glosss , no bairro da Aclimação, São Paulo, SP, em entrevista concedida no dia 19/07/2011. 76

alteração da cor dos cabelos para o público comum (Anexo 2). Hoje em dia, o mercado oferece grandes marcas de coloração para cabelos, sendo que todas contêm uma gama de tons bastante variados e que possibilitam transformar a imagem de uma pessoa conforme seu desejo. Cida alerta que, embora sejam necessários alguns cuidados para proceder à coloração no que tange à matiz do cabelo e ao tom de pele em equilíbrio com a cor aplicada, deve-se levar em conta, também, o resultado pretendido pelas clientes que, quando decidem tal mudança geralmente por influência da mídia, exigem a cor utilizada por uma atriz ou modelo, ignorando a existência ou não de harmonia dessa cor com seu rosto e imagem: “Eu costumo dizer que elas desejam uma cor que está na sua boca e não na sua cabeça, isto é, elas pedem o que veem ou ouvem a respeito, mas sua coloração natural é que vai definir o tom mais adequado para seus fios”, explica Cida.

Essa ausência de individualidades e a variação de elementos midiáticos definindo as escolhas estéticas corroboram a efemeridade e a consequente instantaneidade no caráter performático, que Zumthor (2007) estabelece como reconhecimento. A performance realiza, concretiza, faz passar da virtualidade à atualidade: algo que se reconhece, que se cria e ultrapassa o curso comum dos acontecimentos. A performance não apenas se liga ao corpo, mas também ao espaço através dele.

O mercado contemporâneo da cosmetologia possibilita a mudança visual em curto espaço de tempo por intermédio de produtos que permitem alterar a coloração dos cabelos em questão de horas. Como já apontado, permite acrescentar à imagem criada características específicas e sugerir rótulos 77

sociais de comportamento sem a construção de conteúdo. O imaginário cultural tem uma tradição própria, que gera possibilidades interpretativas diferentes ou, muitas vezes, como senso comum de um habitus : ao tingir o cabelo de loiro, a pessoa pode não necessariamente incorporar características da personalidade que a inspirou, mas essas características serão percebidas ou inferidas por aqueles que a observarem.

O loiro na produção cinematográfica estigmatiza um comportamento

(principalmente feminino) que remete a algo fatal, determinante para o desfecho de tais personagens ficcionais; algo de marginal que mantém a personagem como um “pária social” não no sentido de alguém que exerce ações marginais, mas sim um indivíduo dotado de atitudes, ressaltando-se tais atitudes como comportamento ditado por uma disposição interior e uma maneira de agir em relação a uma determinada situação.

A coloração loira, ainda hoje, apresenta-se como um diferencial dentro da tipologia da grande maioria do povo brasileiro e, por isso mesmo, causa um distanciamento da população predominante em nosso país. Quando a produção artística revela personagens masculinas ou femininas com coloração loira, associa a elas uma característica específica e funcional dentro da narrativa, exercendo um controle rápido, ilimitado e de curto prazo sobre o indivíduo através de dicotomias, quais sejam: ingênua ou fatal, aristocrática ou estrangeira, mocinha ou vilã, puritana ou dissimulada. Não raro destina-se a causar um estranhamento visual com as demais personagens e com o lugar onde se passa a trama.

78

4.3 Percurso organizador da narrativa nos filmes

Como elemento organizador da narrativa, o artifício do loiro nos cinco filmes escolhidos acaba por colocar as personagens vivendo à margem de um social estabelecido – como um pária – e impossibilitando-as de se agregarem. Isso as leva a um desfecho solitário que reforça a desagregação social.

Percurso Organizador

4.3.1. Filme 1 – “Amarelo Manga”

Sinopse : Lígia (Leona Cavalli) é totalmente desencantada, ela trabalha em um bar no subúrbio de Recife. Quando seu expediente acaba, só lhe resta voltar ao seu quarto, nos fundos do bar. Paralelamente Kika (Dira Paes), que é muito religiosa, está no culto enquanto seu marido Wellington (Chico Diaz), que é açougueiro, elogia as virtudes de sua mulher enquanto usa uma machadinha para cortar os animais. Apesar de encher de elogios a mulher, Wellington tem um amante que está o pressionando a tomar uma decisão. Em outro canto da periferia, no Hotel Texas, trabalha Dunga (Mathews Nachtergaele), um homossexual que é apaixonado por Wellington. Issac (Jonas Bloch), um dos hóspedes do hotel sente grande prazer em atirar em cadáveres, eu lhes são fornecidos por Rabecão, um funcionário o IML. Quando Issac conhece Lígia fica apaixonado por ela. 79

Neste filme, temos a discussão quanto à coloração loira dos cabelos a partir de duas mulheres distintas, Lígia (Leona Cavalli) e Kika (Dira Paes).

Ambas caminham para o mesmo ponto narrativo, em relação à independência da figura masculina – enquanto Lígia não tem vínculo amoroso com nenhum homem, a personagem Kika é casada, religiosa, sem filhos e acaba por conquistar a independência de Lígia, após saber ser traída. As personagens reforçam a falta de perspectiva em suas vidas com suas solidões e a impossibilidade de se agregarem, ou seja, constituir uma família, ter filhos, nenhum dos personagens do filme tem filhos levando-os a impossibilidade da fertilidade. Curiosamente podemos observar, como citado anteriormente, que o amarelo em outras culturas é considerado a cor da fertilidade. Ambas as personagens caminham rumo à decadência de maneiras inesperadas. A coloração loira remete Lígia e Kika a um movimento cíclico: enquanto Lígia fecha o ciclo da rotina diária lamentando a mesmice da vida e a ausência de um amor (insucesso), Kika aparentemente se solta de todas as amarras da vida com atitudes inesperadas daquelas tidas até então (independência).

O loiro da personagem Kika, não se concretiza, mas é sugerido

na cena final em que uma mudança LOURO ESCURO ACOBREADO VERMELHO (6.46) = AMARELO MANGA se faz imprescindível pelas novas L’Oréal de Paris – Linha Preference atitudes da personagem. 80

Cena final em que Kika (Dira Paes) entra num salão e pede para mudar a cor de seus cabelos para amarelo-manga.

A coloração dos cabelos em idade fértil da mulher, sem filhos,

Lígia apresenta-nos uma sucessão que enfrenta o homem em condição de imagens a partir do loiro como de igualdade e é liberta de padrões fruto maduro, como um fósforo normalmente exigidos de uma aceso a queimar, consumindo-se e mulher. que está pronto, porém, AVELÃ LOURO NATURAL DOURADO (73) Garnier Nutrisse impossibilitado ao contato com o outro. Essa imagem nos remete à

Lígia (Leona Cavalli) em “Amarelo Manga” – 2003

No âmbito mais técnico do colorismo, conforme apontado por Cida Ferreira

(Anexo 3), cabe ressaltar a conveniência dos tons de coloração loira utilizados 81

para os objetivos das personagens e sua composição visual. Assim, para a transformação radical de corte e tintura almejada por Kika, o tom amarelo manga tem a característica de um “tom fantasia, de tão quente”. Esse mesmo tom não caberia à personagem vivida por Dira Paes, de tez morena e traços indígenas: “Ficaria mais equilibrado um loiro claro ou um mel tendendo para um dourado”, afirma a colorista. Já a coloração da personagem de Leona Cavalli está em conformidade com seu tom de pele, embora se denote mais forte.

Sobre a personagem, cujo artifício de tintura estende-se aos pelos pubianos para evidenciar seu apelo altamente erotizado, a colorista aponta um aspecto técnico: o processo de descoloração dos pelos da região pubiana não é o mesmo aplicado aos cabelos, exigindo diluição da água oxigenada e o cuidado de não se aplicar o produto diretamente na pele da região sexual.

4.3.2. Filme 2 – “O Homem do Ano”

Sinopse : uma ingênua aposta entre amigos transforma Máiquel (Murilo

Benício), um homem comum, em um assassino e herói de toda uma cidade.

Deixando-se levar pelos acontecimentos, Máiquel torna-se respeitado por bandidos e pela polícia, sendo também amado por duas mulheres. Até que comete seu primeiro erro e é obrigado a tomar de volta o controle do seu destino.

No filme, a coloração loira aparece como o centro da narrativa. Todos os personagens circundam o personagem Maiquel (Murilo Benício), mantendo-o como elemento organizador que, impossibilitado de agregar-se, coloca-se à margem do socialmente aceito, como um pária.

82

A periferia se apresenta como um elemento narrador sem qualidades, leva o personagem

central a um novo comportamento LOURO SOLAR (83) Linha Garnier Nutrisse Coloríssimos social e a coloração loira reforça o valor de uso de tal tipificação.

Observamos, ainda, que a mudança no comportamento de Maiquel faz surgir um novo personagem central da narrativa em alusão à ascensão social dentro daquela determinada comunidade. Isso desencadeia uma sucessão de acontecimentos que o leva a um desfecho solitário e cíclico, mesmo depois de ele ser aceito e enaltecido pelo seu meio, momento em que se dá conta de seu isolamento e retoma a cor natural dos cabelos como se, ao fazê-lo, tornasse possível apagar os feitos que o levaram a ser o “homem do ano”.

Sequência da transformação de Maiquel (Murilo Benício) depois de perder a aposta

O novo visual de Maiquel, mudança que o torna herói da narrativa 83

Sobre o aspecto técnico da coloração, Cida Ferreira aponta que o processo de descoloração do personagem de Murílio Benício com aplicação de um loiro

“tendendo ao quase rosa” implica uma série de procedimentos, iniciando-se com a descoloração (“processo de retirar a pigmentação dos fios, ou seja, tirar a cor antiga dos cabelos, sejam eles naturais ou tingidos”) e com a posterior aplicação da nova tonalidade, mesmo as mais claras. O último passo seria a fixação da cor (“o tempo durante o qual o produto vai agir nos cabelos antes da lavagem”), podendo-se, ainda, aplicar uma hidratação pós-coloração.

4.3.3. Filme 3 – “ Rua 6, s/nº”

Sinopse : Solano (Marco Ricca), brasiliense, ex-funcionário público, desempregado e homem sonhador que não se adapta ao computador e tem na antiga máquina de escrever o seu instrumento de criação artística. Casado com

Lenira (Luciana Braga), uma mulher morena que o atormenta quanto ao desemprego e a falta de dinheiro em casa. Pai de dois filhos e à espera do terceiro, Solano lê jornal procurando emprego quando assiste a um assassinato: um garoto de rua mata um vendedor ambulante (Humberto

Magnanni), enfiando-lhe um estilete. Parece conhecer o menino e corre até o vendedor. Este, antes de morrer, entrega a Solano um maço de dinheiro e pede que o entregue à mulher, Maíra (Cristinne Fernandes), na rua Seis. E morre sem dizer o número e o bairro ou cidade.

Neste filme, tem-se o uso da tipologia loira de três formas distintas, cujo efeito dominante é o da decadência: o loiro se faz presente não apenas na personagem central Maíra (Christine Fernandes, loira natural), mas nas projeções e desdobramentos dessa personagem em relação aos demais, ora 84

como a idealização da figura feminina em Helena (Christine Fernandes) buscada por Solano (Marco Ricca), ora como elemento comparativo de referencial de beleza na conversa entre Solano e sua mulher, morena, Lenira

(Luciana Braga).

Todo o processo narrativo está voltado para a localização da personagem

Maíra, que vive à margem da sociedade, nas ruas satélites de Brasília tingidas por uma poeira cor de ferrugem e árida, o que reforça a situação de precariedade vivida pela personagem drogada em estado de deterioração moral e física sublinhada pelo uso de uma peruca loira. Isso cria uma artificialidade, a personagem se apresenta como hiper-realidade em contraposição ao que Solano busca encontrar.

Para a composição visual de uma drogada, parece aplicar-se à atriz

Christine Fernandes uma peruca e “se consegue um resultado interessante no visual da personagem”, como observa Cida Ferreira. Os diferentes tons utilizados nos cabelos mais curtos e mais claros ajudam a explicar, segundo a colorista, os vários momentos da personagem.

Solano encontra Maíra drogada e decadente LOURO CLARÍSSIMO ANGELICAL (10.13)

85

O encontro com Maíra possibilita o reencontro de Solano com seu passado LOURO ULTRA CLARO (120)

O desfecho acentua a solidão das personagens, as mortes violentas de

Maíra, de Solano e do garoto reforçam a impossibilidade de agregação sugerida nas fotos vistas em um antigo álbum de Maíra. É a impossibilidade de continuidade da família na morte dos três personagens.

Observe-se, ainda, a chave narrativa de "Rua 6, s/n°" logo no início: no escritório, as máquinas de escrever são substituídas por computadores. Solano continua batucando em uma pequena máquina portátil de escrever, numa espécie de alegoria sobre o fim delas, para representar o que está escrevendo.

Em determinado momento, a máquina de escrever é levada a um ferro velho ou sucata, colocada em uma prensa e esmagada. Quando a máquina já está quase completamente destruída, a imagem de Helena aparece como uma espécie de projeção e desaparece quando Solano chama por ela. A máquina continua sendo esmagada. Ao exibir Helena com o loiro natural da atriz e cabelos curtos, a obra sugere uma relação entre o falso

(computador/artificialidade do loiro em Maíra) e o verdadeiro (máquina de escrever/loiro natural).

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4.3.4. Filme 4 – “Cidade Baixa”

Sinopse : Deco (Lázaro Ramos) e Naldinho (Wagner Moura) se conhecem desde garotos. Ganham a vida fazendo fretes e aplicando pequenos golpes a bordo de um barco que têm em parceria. Quando os dois amigos oferecem carona para Karinna (), uma stripper que quer ganhar dinheiro e arranjar um gringo no carnaval de Salvador, a aventura começa. Eles descarregam mercadorias em Cachoeira e à noite vão parar numa rinha de galos. Naldinho aposta o dinheiro ganho no frete, mete-se numa confusão e acaba levando uma facada. Deco parte em defesa do amigo, atingindo o seu agressor. Eles são obrigados a seguir viagem, fugindo para Salvador.

Enquanto Naldinho se recupera e Deco corre atrás de dinheiro para ajudar o amigo, Karinna passa a trabalhar na boate Xanadu. Na cidade grande, os três personagens à deriva acabam unindo-se novamente. Aos poucos, os dois amigos vão sendo tragados por uma espiral de ciúmes e pequenos rancores. A relação entre os três vai se desintegrando, transformando-se em uma situação sem saída.

Aqui novamente apresenta-se o loiro como valor de uso e coloca a personagem Karinna (Alice Braga) como um elemento catalisador e potencializador dos sentimentos masculinos (presença potencial).

O elemento organizador da narrativa reside no espírito libertário de

Karinna, que já surge loira na primeira cena e na busca de uma realização pessoal afetiva/amorosa e que, por fim, coloca-a na marginalidade social, como um pária que caminha para a desagregação desde o momento em que ela deixa a família em busca de aventura até quando se descobre grávida (fato agregador por estar relacionado à formação de família). Em tal descoberta,

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gera-se o ódio entre os amigos e é então que Karinna decide abandoná-los ao perceber que não tem saída. O loiro, aqui, tende a uma fatalidade, como se o personagem trouxesse algo de inesperado, porém intrínseco, levando-a muitas vezes a uma solidão inerente à sua vontade.

Sobre os aspectos técnicos da coloração, Cida Ferreira observa que a loira revela, em “Cidade Baixa”, a precariedade da transformação: “Imagino que, embora tenha sido feito por um profissional competente, a intenção foi de passar que ela comprou a tintura e aplicou em casa antes de sair pelo mundo”.

A personagem Karinna (Alice Braga), Como elo de afetividade entre os personagens masculinos Deco (Lázaro Ramos) e Naldinho (Wagner Moura)

MEL DOURADO (83) GAMA LOURO - Imédia ExcellencE

4.3.5. Filme 5 – “Falsa Loura”

Sinopse: Silmara (Rosanne Mulholland) é uma bela operária que sustenta seu pai, Antero (João Bourbonnais), um ex-presidiário que foi deformado pelo fogo.

Ela tenta a todo custo manter um relacionamento amigável com ele e com seu irmão caçula, Tê (Léo Aquilla), ao mesmo tempo em que mantém um relacionamento ambíguo com a professora de dança Regina (Luciana Brites).

Na fábrica em que trabalha Silmara é incentivada a ajudar Briducha (Djin

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Sganzerla), uma mulher tímida e solitária. As duas e Regina vão ao show do grupo Bruno e os Andrés, onde Silmara conhece e se envolve com Bruno de

André (Cauã Reymond), ídolo da banda. Logo Silmara se torna o sonho de suas amigas, por representar a chance de uma rápida ascensão social.

O filme de Carlos Reichenbach não faz apenas um retrato das operárias das cidades industriais de uma grande metrópole, mas nos coloca tão íntimos da personagem Silmara (Rosanne Mulholland), que nos vemos no quarto da protagonista e a conhecemos de tal forma que percebemos sua presença física como elemento narrador de toda a trama.

A utilização da coloração loira reforça nossa proposta de ter nessa tipologia o elemento organizador da narrativa: com a aplicação do loiro à imagem de

Silmara, passamos a acompanhar a protagonista nos diversos polos pelos quais transita – trabalho, família, lazer.

A marginalidade está presente em seu núcleo mais particular de convívio: o pai com quem vive (um criminoso incendiário) e o irmão gay, Tê (que se constrói como uma cópia da irmã. Na noite se veste de mulher,cabelos loiros e acaba se envolvendo com o ex namorado da irmã) .O filme nos põe diante do caráter paradoxal do percurso construído por Silmara – transgressor e ingênuo, prazeroso e doloroso, idealizador (dos seus ídolos e de si mesma) e

“desidealizador” no limite do trágico: a sequência final nos apresenta como um triunfo ao vermos Silmara voltar para a fábrica como uma estrela, a conquista de um glamour invertido reconhecendo, assim, após os riscos que a vida oferece e das perdas no lugar de vitórias o lugar em que, de fato, se destaca das demais colegas operárias.

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“Falsa Loura” faz da coloração loira mais que um elemento de caracterização física de personagens ficcionais nos dias atuais, em que nos tornamos descartáveis e capturados pelas imagens que reforçam comportamentos arrogantes e que não somente falseiam, mas também despotencializam corpos e mentes. Na obra, o processo da ascensão é explorado como sinônimo de decadência: a personagem loira tem a ilusão de estar progredindo na sua própria escala de valores sociais quando, na verdade, seu percurso a levará de volta ao mundo do qual tentara se desvencilhar.

Silmara e seus ídolos da música

LOURO CLARO DOURADO (8.3) L’Oréal de Paris – Gama Louro Preference

Aplicando os conceitos propostos por Zumthor (2007), observamos que a performance do loirismo, se apresenta de diferentes modos, nos cinco filmes: em “Amarelo Manga” (2003) o vir-a-ser loira é o resultado da personagem Kika

(Dira Paes), que associa suas atitudes a uma estética física – como pode a personagem tomar determinadas atitudes sendo morena? Daí a necessidade/decisão de mudança.

90

Em “O Homem do Ano” (2003), o loiro parte do comprometimento moral, ao pagar uma aposta o personagem Máiquel (Murilo Benício) tinge seus cabelos e assume atos que o impele a um novo comportamento social, como uma epifania. Após toda trajetória narrativa ele volta a fechar o ciclo devolvendo a cor natural dos cabelos.

Em “Cidade Baixa” (2005), o loiro é usado como convergência do sentimento masculino, a personagem Karinna (Alice Braga) ao seguir viagem com os rapazes realiza o amor/a afetividade dos dois amigos, sendo o vértice desse triângulo. Performaticamente temos o loiro provocando situações, os dois amigos realizam com ela, o sentimento que os une e os afasta.

Podemos afirmar que nos três casos acima o loiro aparece de forma ativa nas personagens, como que impulsionando o vir-a-ser.

Já em “Rua 6, s/nº” (2003) temos o uso da tipologia loira de três formas distintas, ou seja, o loirismo sublinhado que é reforçado pelo uso de uma peruca loira evidentemente artificial na representação de Maíra (Christine

Fernandes), o loirismo idealizado na imagem construída por Solano (Marco

Ricca), para a figura feminina e ainda o loirismo natural (cena final), onde vemos a atriz loira natural caminhando pela rua sugerindo ser uma transeunte que atenta para o assassinato do menor delinquente, que mata o vendedor ambulante, no início do filme.

Temos o loiro como uma idealização do objeto, isto é, encontra-se fora dela, Nesse caso percebemos o loiro de forma passiva, sob o olhar masculino conhecemos o passado da personagem e é na busca dele que nos é revelado a mulher que ela foi, mesmo assim, por fotos. O loiro como ideal da beleza feminina, a perseguição desse ideal e ao encontro, a constatação de que o

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ideal não existe, apresentado no desfecho do filme com a morte da personagem.

Em “Falsa Loura” (2008), o loiro da personagem Silmara tem uma função explícita de uso e retrata a classe média baixa que tenta ser diferente, mudando sua imagem de mulher que quer melhorar de vida e passa a idealizar situações que poderiam levá-la ao sucesso. Ao idealizar uma vida de facilidades, encontra o mundo real, se envolve com homens que tem atitudes por conveniência e que se aproveitam dela sem qualquer envolvimento além do sexual, ao se envolver com um de seus ídolos da música jovem, ela acredita que esteja conquistando o sucesso alcançado pela própria repercussão de tais fatos junto ao seu meio social (a fábrica em que trabalha). Depois numa situação alheia a sua escolha ela se vê enredada numa teia criada por terceiros, o advogado amigo do pai, seu irmão e uma contratante de garotas para o serviço de acompanhante e acaba num sítio onde encontra outro ídolo, um cantor romântico, objeto de seus sonhos mais poéticos que é justamente o mais mercantilista e Silmara acaba por iniciar sexualmente seu filho, um garoto pré-adolescente que desvenda o título do filme ao vê-la nua.

Diferentemente dos demais filmes analisados, aqui o loiro aparece como o glamour invertido, sua função estética encontra eco apenas na periferia, junto a suas colegas ou ainda na idealização de seu irmão homossexual Tê (Léo

Áquila). Na cena final, a consciência da derrota, a cena sugere uma volta em grande estilo para sua realidade e acaba colocando o personagem Silmara numa posição de reconhecimento, ao voltar para sua vida que não muda.

Os cinco filmes selecionados utilizam de caminhos diferentes para mostrar situações análogas de vida. O artifício da coloração possibilita um contrato

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entre a imagem e o espectador e funciona como o fiel da balança nesse contrato de aceitação entre o espectador e aquilo que se vê nas telas.

.

93

Conclusão

O propósito desta pesquisa é observar o uso da coloração loira em cinco filmes brasileiros da pós-retomada. Ao verificar que as representações inerentes ao loirismo artificial modelam efeitos que dão forma a uma série de artifícios presentes nas sociabilidades, observa-se que estes artifícios presentes nas narrativas aqui estudadas mascaram efeitos que, de alguma forma, permitem que se observe uma relação intrínseca entre a máscara como elemento primordial da construção de um personagem e individualidades contemporâneas presentes no espaço social. Por isso, recorremos ao conceito de midiatização para ancorar este fenômeno que se apresenta como uma espécie de espelho entre elementos que constituem uma certa teatralidade e elementos que configuram as realidade sociais. No entanto, não devemos deixar de levar em consideração que a relação entre as tecnologias químicas e a ideia de tendência determinam alguns dos fatores que promovem a acoplagem entre efeitos de imagem e a construção de individualidades no espaço social. Observe-se que os filmes escolhidos, apesar de apresentarem a aparência de uma estética realista, não se mostram em sua totalidade narrativa dentro dessa estética. Dessa forma, a performance que organiza essas narrativas apresenta um caráter ambíguo. Pode-se dizer, assim, que este caráter ambíguo é capaz de neutralizar o efeito crítico e reflexivo que a estética realista propõe em sua construção narrativa. Portanto, é na brecha entre a estética realista e o efeito ambíguo que o conceito de performance pode ser usado para caracterizar uma conversação entre a imagem do loiro e as sociabilidades do loiro. A dimensão que contém esta distinção pertence ao espaço do espetacular, no qual o caráter crítico da estética realista se

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neutraliza. Isso possibilita que outros elementos deem forma às representações que o loirismo adquire na imagem.

Levamos em conta a presença de uma série de variáveis dando forma à acoplagem entre as representações e as sociabilidades do loiro na sociedade contemporânea. Isso porque se levarmos em consideração que alguns dos fatores que modelam a imagem e a presença social do loiro estão na carga simbólica que conforma o consumo, a ideia de consumo estará assentada justamente em cima do conceito de novidade que, antes de tudo, mascara continuamente os efeitos das representações. Por isso, entre a imagem do loiro artificial e o social artificial do loiro encontra-se uma série de elementos com significações ambíguas. Neste sentido, o que se faz presente de forma constante neste transitar entre a imagem e a presença social pode ser definido a partir do conceito de habitus, aqui utilizado como “sedimentador” do efêmero construído como efeito da ideia de novidade no sentido amplo de um presente em constante atualização.

Os filmes escolhidos traçam um percurso no qual o loiro aparece dentro de um padrão que tem muito em comum, pois todo ele se faz a partir de três categorizações básicas: “ascensão”, “presença potencial” e “decadência”. Em

“O Homem do Ano” o loiro é marcado pela ascensão que vai ao fim se transformar em decadência; em “Falsa Loura” ascensão e decadência funcionam como se fossem sinônimos; “Rua 6, s/nº” o efeito predominante é o de decadência; em “Amarelo Manga” o efeito funciona de modo ambíguo na medida em que a personagem Lígia, apesar da autossuficiência, apresenta elementos marcados pela decadência, Kika, que virá a se tornar loira, marca

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essa transformação como um sinal de independência e, portanto, de ascensão; e em “Cidade Baixa”, o loiro é uma presença potencial capaz de fazer brotar um sentimento profundo entre dois amigos, que vai do amor ao ódio.

Ao pensarmos no efeito dramático que a imagem do loiro apresenta, podemos observar que ao contrário do que costuma acontecer no espaço comum da mídia, quando se fala em lançamento de tendência ou moda, os cinco filmes com os quais trabalhamos não aparentam fazer isso. Na verdade eles dialogam com uma imagem comum no espaço social que já domina os tons de loiro que eles encenam. O que vemos então é uma espécie de transfiguração de espaços. Essa transfiguração faz com que o loiro encenado seja decorrência direta da experiência social comum do loirismo.

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Programas

Super Bonita – GNT, “Tratamento de cabelo”, produção 2006 Super Bonita – GNT, “Coloração e nunca mais”, produção 2006 Super Bonita – GNT, “Super loiras”, produção 2007

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Anexos

Anexo 1

Sinopse e ficha técnica dos filmes

Filme 1 – “Amarelo Manga”

Sinopse

Lígia (Leona Cavalli) é totalmente desencantada, ela trabalha em um bar no subúrbio de Recife. Quando seu expediente acaba, só lhe resta voltar ao seu quarto, nos fundos do bar. Paralelamente Kika (Dira Paes), que é muito religiosa, está no culto enquanto seu marido Wellington (Chico Diaz) , que é açougueiro, elogia as virtudes de sua mulher enquanto usa uma machadinha para cortar os animais. Apesar de encher de elogios a mulher, Wellington tem um amante que está o pressionando a tomar uma decisão. Em outro canto da periferia, no Hotel Texas, trabalha Dunga (Mathews Nachtergaele), um homossexual que é apaixonado por Wellington. Issac (Jonas Bloch), um dos hóspedes do hotel sente grande prazer em atirar em cadáveres, eu lhes são fornecidos por Rabecão, um funcionário o IML. Quando Issac conhece Lígia fica apaixonado por ela.

Ficha técnica

Gênero: Drama Lançamento (Brasil): 2003 Distribuição: Riofilme Direção: Cláudio Assis Roteiro: Hilton Lacerda Fotografia: Walter Carvalho Câmera: Walter Carvalho Montagem: Paulo Sacramento Figurinos: Andréa Monteiro Maquiagem: Lúcio Galvão Produção: Paulo Sacramento e Cláudio Assis (Pernambuco)

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Filme 2 – “O Homem do Ano”

Sinopse

Uma ingênua aposta entre amigos transforma Máiquel (Murilo Benício), um homem comum, em um assassino e herói de toda uma cidade. Deixando-se levar pelos acontecimentos, Máiquel torna-se respeitado por bandidos e pela polícia, sendo também amado por duas mulheres. Até que comete seu primeiro erro e é obrigado a tomar de volta o controle do seu destino.

Ficha técnica

Gênero: Ação Ano de lançamento: 2003 Estúdio: Conspiração Filmes / Warner Bros. Distribuidora: Warner Bros. Direção: José Henrique Fonseca Roteiro: Rubem Fonseca, Patrícia Melo e José Henrique Fonseca, baseado em livro de Patrícia Melo Fotografia: Breno Silveira Figurinos: Cláudia Kopke Efeitos especiais e Juliana Mendes maquiagem: Música: Dado Villa Lobos Produção: Flávio R. Tambellini e Leonardo Monteiro de Barros (Rio de Janeiro)

Filme 3 – “Rua 6, s/nº”

Sinopse

Solano (Marco Ricca), brasiliense, ex-funcionário público, desempregado e homem sonhador que não se adapta ao computador e tem na antiga máquina de escrever o seu instrumento de criação artística. Casado com Lenira (Luciana Braga), uma mulher morena que o atormenta quanto ao desemprego e a falta de dinheiro em casa. Pai de dois filhos e à espera do terceiro, Solano lê jornal procurando emprego quando assiste a um assassinato: um garoto de rua mata um vendedor ambulante (Humberto Magnanni), enfiando-lhe um estilete. Parece conhecer o menino e corre até o vendedor. Este, antes de

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morrer, entrega a Solano um maço de dinheiro e pede que o entregue à mulher, Maíra (Cristinne Fernandes), na rua Seis. E morre sem dizer o número e o bairro ou cidade.

Ficha técnica

Gênero: Drama Lançamento (Brasil): 2003 Distribuição: Rio Filme e Grupo Novo de Cinema e TV Direção: João Batista de Andrade Roteiro: João Batista de Andrade Fotografia: Carlos Ebert Câmera: Rinaldo Martinucci Desenho de produção: Luis Augusto Jungmann Andrade Edição: Reinaldo Volpato Figurino: Malu Moraes Maquiagem: Lucieni de Moraes Produção: Raiz Produções, Quanta, Filmocentro Sonido, TeleImage, Rio Filme (Brasília, DF)

Filme 4 – “Cidade Baixa”

Sinopse

Deco (Lázaro Ramos) e Naldinho (Wagner Moura) se conhecem desde garotos. Ganham a vida fazendo fretes e aplicando pequenos golpes a bordo de um barco que têm em parceria. Quando os dois amigos oferecem carona para Karinna (Alice Braga), uma stripper que quer ganhar dinheiro e arranjar um gringo no carnaval de Salvador, a aventura começa. Eles descarregam mercadorias em Cachoeira e à noite vão parar numa rinha de galos. Naldinho aposta o dinheiro ganho no frete, mete-se numa confusão e acaba levando uma facada. Deco parte em defesa do amigo, atingindo o seu agressor. Eles são obrigados a seguir viagem, fugindo para Salvador. Enquanto Naldinho se recupera e Deco corre atrás de dinheiro para ajudar o amigo, Karinna passa a trabalhar na boate Xanadu. Na cidade grande, os três personagens à deriva acabam unindo-se novamente. Aos poucos, os dois amigos vão sendo

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tragados por uma espiral de ciúmes e pequenos rancores. A relação entre os três vai se desintegrando, transformando-se em uma situação sem saída.

Ficha técnica

Gênero: Drama Ano: 2005 Diretor: Sérgio Machado. Roteiro: Sérgio Machado, Karim Ainouz Fotografia: Toca Seabra Trilha Sonora: Carlinhos Brown, Beto Villares Duração: 110 min Estúdio: VideoFilmes Produção: Walter Salles (Bahia)

Filme 5 – “Falsa Loura”

Sinopse

Silmara (Rosanne Mulholland) é uma bela operária que sustenta seu pai, Antero (João Bourbonnais), um ex-presidiário que foi deformado pelo fogo. Ela tenta a todo custo manter um relacionamento amigável com ele e com seu irmão caçula, Tê (Léo Aquilla), ao mesmo tempo em que mantém um relacionamento ambíguo com a professora de dança Regina (Luciana Brites). Na fábrica em que trabalha Silmara é incentivada a ajudar Briducha (Djin Sganzerla), uma mulher tímida e solitária. As duas e Regina vão ao show do grupo Bruno e os Andrés, onde Silmara conhece e se envolve com Bruno de André (Cauã Reymond), ídolo da banda. Logo Silmara se torna o sonho de suas amigas, por representar a chance de uma rápida ascensão social.

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Ficha técnica

Gênero: Drama Lançamento (Brasil): 2007 Distribuição: IMOVision Direção: Carlos Reichenbach Roteiro: Carlos Reichenbach Fotografia: Jacob Solitrenick Edição: Cristina Amaral Música: Nelosn Ayres e Marcos Levy: Produção: Sara Silveira (São Paulo)

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Anexo 2

As tinturas e variações de tons loiros no mercado

Os cabelos funcionam como uma espécie de ornamentação, uma moldura do rosto, devendo sempre fazer com que a face se destaque em vez de servir para escondê-la.

Os cabelos loiros sempre chamam a atenção e, para algumas pessoas, são um charme a mais, um tipo de diferencial. Muitas mulheres que possuem o fio natural escuro aderem às tinturas para manter os fios mais claros. O detalhe básico na hora de escolher o tom de loiro é o tom da pele, sendo essencial saber combinar esse dois aspectos, como apontamos a seguir:

• Pele branca: combina com todos os tons de loiro, recomendando-se

o cuidado para não se ficar pálido demais ou ter apagadas as

expressões. O ideal é proporcionar um jogo de cores mais escuras

atrás e cores mais claras na frente.

• Pele amarelada: o loiro não pode ser muito claro, devendo

apresentar tons a partir do bege.

• Pele rosada: combina com tons que variam entre o dourado e o

acobreado, chegando até o acinzentado.

• Pele morena: dependerá do tom da pele morena, devendo-se sempre

considerar os tons de louro escuro ou mel. Tons mais claros poderão

contratar negativamente com o tom de pele.

Antes de descolorir os fios, os especialistas afirmam que é preciso saber se o cabelo está em bom estado, para que não fique ressecado ou se quebre

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após a tintura. No processo de descoloração, todo o pigmento natural do cabelo é retirado por um produto descolorante (água oxigenada), que abre as cutículas do cabelo para que seja possível fazer a remoção da cor. Em seguida, aplica-se a cor pretendida. Todo esse processo pode agredir a estrutura capilar, sendo por isso importante que o cabelo esteja sempre hidratado antes e depois da coloração. Devem-se observar os seguintes cuidados básicos:

• Os retoques são essências: quanto mais claro o tom, menor será o

tempo de retoque. Por exemplo, cores muito claras devem ser

retocadas quinzenalmente.

• Cores mais escuras podem passar um tempo maior sem retoque,

variando de um mês até um mês e meio.

• A hidratação se faz sempre necessária em qualquer caso.

• Deve-se evitar a exposição excessiva ao sol para não desbotar a cor.

• Deve-se fazer uso de cremes específicos a fim de tratar os danos

causados pela água do mar, piscina e outros.

Os números mostram um crescimento constante deste mercado; as empresas continuam com seus investimentos em tinturas para cabelos e ainda trazem celebridades para ilustrar as embalagens e inspirar o segmento feminino. Os fabricantes renomados desenvolvem diferentes tons para suas colorações e, com isso, são diversas as possibilidades de ser “loira” nos dias de hoje. Não raro é seguir modelos pré-definidos pela mídia, tentando se apropriar das atitudes e da vida dos ícones que nos são apresentados.

Entre os principais fabricantes figura, com diversas marcas de coloração em seu portfólio, a L´Oréal Paris, em constante investimento neste mercado. A

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coloração Casting Creme Gloss, por exemplo, possui uma nova tecnologia sem amônia, que promete “cor radiante, cuidado dos fios e cobertura de até 70% dos cabelos brancos”. A linha traz ao mercado a nova coleção Chocolate

Glossy, disponível nas tonalidades Chocolate, Chocolate Noite, Marrom Praliné e Cacau, que proporcionam reflexos dourados ao cabelos.

Também da L´Oréal, a coloração Garnier Nutrisse tem novidades para as loiras com os recém-lançados tons Louro Letícia, Cevada e Cristal.

Denominada Louros Fascinantes, a coleção traz a atriz Letícia Spiller na embalagem (figura abaixo). Segundo Andrea Alonso 45 , as fórmulas atuais tratam dos cabelos, ao contrário do que acontecia no passado em que usar tintura era sinônimo de estragar os fios.

Leticia Spiller em produto da L’Oréal

Catálogo de cores da L’ORÉAL DE PARIS e seus subprodutos

Gama Louro - Dédicace

• LOURO ESCURO ACINZENTADO (63)

• LOURO NATURAL (72)

• LOURO DOURADO (65)

45 Andrea é diretora de marketing da Empresa. Depoimento retirado do site oficial da L’Oréal. http://www.lorealparis.pt/Catalog/HairColor/haircolor.asp acesso em 17.março.2011

108

Gama Louro – Preference . Para fazer a campanha dirigida pelo francês

Pascal Lebegue, que já dirigiu Madonna e Jennifer Lopez, Angélica escureceu os cabelos com a cor 83 – Louro Claro Dourado (figura abaixo).

Angélica em foto da campanha da L’Oréal

• LOURO ESCURO (6)

• LOURO ESCURO IRISADO DOURADO (6.23)

• LOURO ESCURO DOURADO (6.3)

• LOURO ESCURO VERMELHO ACINZENTADO (6.61)

• LOURO MUITO CLARO ACINZENTADO (9.1)

• LOURO MUITO CLARO (9)

• LOURO ESCURO ACOBREADO VERMELHO (6.46) = AMARELO MANGA

• LOURO CLARO DOURADO (8.3)

• LOURO CLARO (8)

• LOURO NATURAL DOURADO (7. 3)

109

• LOURO CLARÍSSIMO (10)

• LOURO NATURAL ACINZENTADO (7.1)

• LOURO ESCURO VERMELHO INTENSO (6.66)

• LOURO CLARÍSSIMO ANGELICAL (10.13)

Casting Creme Gloss

• LOURO PÉROLA (8.10)

• LOURO AVELÃ (7.13)

• LOURO NATURAL (700)

• MEL TABACO (634)

• LOURO ESCURO (600)

• MEL DOURADO (734)

• MEL CLARO (8304)

GAMA LOURO - Imédia Excellence Para a campanha, Grazi Massafera estampou a caixa de Imédia

Excellence da L’Oreal (figura abaixo).

Grazi Massafera em foto e produto da campanha da L’Oréal

110

• LOURO MUITO MUITO CLARO NATURAL (01)

• LOURO MUITO CLARO (9)

• CARAMELO NATURAL (813)

• LOURO SUECO (81)

• LOURO CLARO (8)

• CARAMELO DOURADO (731)

• LOURO ACINZENTADO (71)

• LOURO ESCURO (6)

• LOURO ESCURO ACINZENTADO (61)

• LOURO ESCURO VERMELHO INTENSO (666)

• MEL TABACO (688)

• LOURO CENDRE NATURAL (711)

• MEL DOURADO (83)

• MEL NATURAL (888)

• LOURO CLARÍSSIMO (10)

• LOURO CLARÍSSIMO ACINZENTADO (101)

• LOURO MUITO MUITO CLARO ACINZENTADO (03)

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GAMA LOURO - Casting

• LOURO ESCURO DOURADO MEL (40)

• LOURO ESCURO CAMURÇA (42)

• LOURO DOURADO CARAMELO (44)

• LOURO NATURAL TRIGO (50)

• LOURO DOURADO NATURAL OURO (52)

• LOURO NATURAL ACINZENTADO AREIA (54)

GARNIER NUTRISSE COLORÍSSIMOS Loiros

• LOURO ULTRA CLARO (120)

• LOURO ULTRA CLARO BEGE (121)

• LOURO ULTRA CLARO DOURADO (122)

GARNIER NUTRISSE

Loiros

• MEL LOURO NATURAL (70)

• JASMIM LOURO NATURAL ACINZENTADO (71)

• LOURO NATUARAL ACINZENTADO PROFUNDO (711)

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• LOURO FASCINANTE (713)

• AVELÃ LOURO NATURAL DOURADO (73)

• BAUNILHA LOURO CLARO (80)

• TRIGO LOURO CLARO ACINZENTADO (81)

• LOURO SOLAR (83)

• CEVADA LOURO CLARO DOURADO ACINZENTADO (831)

• AREIA LOURO MUITO CLARO (90)

• CRISTAL LOURO MUITO CLARO ACINZENTADO DOURADO (913)

A P&G Beauty, outra companhia que investe em produtos com tecnologia de ponta, aposta na nova coleção da Koleston, a marca mais importante da

Wella, empresa adquirida pela P&G. Apresentada durante o São Paulo Fashion

Week numa parceria com a marca de roupas Iódice, a coleção New Blonde é composta pelos tons Louro Escuro, Louro Médio e Louro Claro, voltados para a temporada outono/inverno. As novas nuances neutralizam o loiro muito claro do verão, o chamado beach blond, e combinam mais com a pele da mulher brasileira. Segundo o consultor de Koleston, o cabeleireiro Wanderley Nunes, de acordo com estatísticas, 80% das brasileiras têm pele oliva e o ideal para diminuir o contraste entre pele e cabelo é investir em tons mais sóbrios.

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Catálogo de cores tons loiro Koleston

A alemã Schwarzkopf Professional trouxe ao Brasil uma linha de coloração desenvolvida especialmente para mulheres que gostam da “sedução dos cabelos loiros”. Com itens para coloração, tratamento e finalização, a linha

BlondMe possibilita que a mulher brasileira escolha a tonalidade de loiro que mais combina com ela, sendo possível conseguir mais de 40 tons de louros diferentes entre loiros neutro, frio e quente. Os produtos podem ser utilizados em salões especializados ou em casa.

Na linha profissional há o descolorante Premium, sistema clareador & tonalizante, aditivos de cor, loção ativadora oxidante especial; a linha de tratamento e finalização conta com produtos para manutenção como xampu refletor de luminosidade e condicionador nutritivo de luminosidade para as tonalidades Louro Frio e Louro Quente; xampu refletor de luminosidade e spray condicionador nutritivo de luminosidade para Louro Neutro. Além disso, há a máscara de brilho hidratante e spray de brilho, indicados para todos os tipos de louros.

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Catálogo Linha IGORA Royal – Schwarzkopf

A coloração creme da Niely Cosméticos, Cor&Ton, passou a incluir ativos de tratamento como a queratina (responsável pelo fortalecimento dos fios), o gérmen de trigo (para hidratar e nutrir) e o silicone (que promete cabelos mais brilhantes e sedosos). A tintura permite clarear, escurecer, realçar a cor natural dos fios, revelar reflexos ou cobrir os cabelos brancos, com uma maior fixação da cor. Tem como garota propaganda a cantora Claudia Leitte (figura abaixo).

Claudia Leitte na campanha da Cor & Ton

A linha de tintura encontra-se atualmente disponível em mais de 30 tonalidades divididas entre tons naturais, acinzentados, vermelhos, acobreados, marrons, dourados e super clareadores.

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A empresa nacional Embelleze tem em seu portfólio três marcas de coloração. Utilizando tecnologia iônica, pantenol, oligoelementos e sistema lumino-restaurador, Maxton é uma coloração permanente em creme.

Outra marca, a Natucor, disponibiliza um sachê que nutre, trata e dá vida aos fios 15 dias após a coloração e ainda proporciona um aroma de folhas verdes. A garota-propaganda é a atriz Regiane Alves (figura abaixo). A coloração Fleury é enriquecida com queratina e proteína de seda e promete força, brilho, maciez, cobertura dos fios brancos e cores vivas por tempo prolongado. Com cerca de 40 tonalidades, a linha Marie Louise conta com a presença da queratina em sua formulação, que nutre os fios ao mesmo tempo em que colore, além do silício, que promete ajudar na regeneração do fio, além de prevenir contra ardência e irritação.

Regiane Alves em produtos da Natucor

De olho neste mercado em crescimento, a Avon anunciou sua entrada no segmento de coloração. A linha Advance Techniques, no mercado desde o primeiro semestre de 2009 firmou uma parceria com a atriz Ana Paula Arósio, para a divulgação da marca.

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A atriz Ana Paula Arósio em embalagem da linha Advance Techniques Avon

“A entrada da Avon no segmento de coloração atrairá novas consumidoras e aumentará as oportunidades de lucro para as mais de um milhão de revendedoras autônomas Avon em todo o Brasil”, destacou Ricardo Patrocínio, diretor de Marketing Cosméticos da Avon no Brasil na época do lançamento.

Catálogo de Cores da Avon – tons loiros Embora o rosto símbolo no Brasil para os produtos Avon seja da morena

Ana Paula Arósio, a marca escolheu o rosto da atriz americana, loira, Reese

Witherspoon como representante da sua linha de maquiagem.

Reese Witherspoon representa a marca em catálogos e filmes publicitários

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A Beauty Color, empresa concorrente no mercado de tintura para cabelo, teve como garota propaganda a apresentadora Ana Hickman, com seu loiro claríssimo (figura abaixo). No produto da figura, a tintura LOIRO 12.0 causa um loiro mais claro do que as outras, sem resultar em tons alaranjados

Ana Hickman em produto da Beauty Color

O mercado de coloração apresentou crescimento significativo em todas as regiões e segmentos de consumidoras. Com todos os benefícios que as colorações oferecem, já é de se esperar que o consumo se expanda cada vez mais. E, segundo a Abihpec 46 , hoje o Brasil é o segundo maior consumidor de produtos de Higiene e Beleza do mundo, ficando atrás somente do Japão.

De acordo com a colorista Bianca DiLourenzo 47 , embora o mercado hoje apresente produtos com ótima qualidade, a coloração loira é a que mais “judia do cabelo, pois a química é muito forte e não existe loiro sem água oxigenada”.

A profissional sugere que se faça sempre uma hidratação para manter a qualidade dos fios.

46 ABIHEPC - Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. 47 Em depoimento ao programa Super Bonita da GNT – “Super Loiras”. s/d

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Anexo 3

Entrevista com Cida Ferreira

Colorista do Studio Glosss Rua Heitor Peixoto, 562, Aclimação, São Paulo, SP. Entrevista concedida em 19/07/2011

Armando Filho: Como você definiria a coloração loira? Cida Ferreira: O loiro abre a fisionomia da pessoa; ele independe da idade, principalmente para a mulher. Será usado dependendo do efeito que se deseja alcançar na aparência e geralmente rejuvenesce.

A.F.: Quando uma cliente vem ao seu salão, ela sabe a cor que deseja? Como você a orienta? C.F.: Geralmente, quando elas chegam, eu costumo dizer que elas desejam uma cor que está na sua boca e não na sua cabeça, isto é, elas pedem o que veem ou ouvem a respeito, mas sua coloração natural é que vai definir o tom mais adequado para seus fios. Pois nosso cabelo tem pigmentos (vermelhos, amarelos e dourados) e são esses pigmentos que vão determinar a coloração que devo aplicar para alterar a cor natural e atingir algo próximo ao pretendido.

A.F.: O que você acha da incidência de mulheres loiras no dia a dia, assim como nas produções artísticas? C.F.: Como já disse, o loiro causa um aspecto mais leve ao rosto, além de propor uma mudança que denota atitude de comportamento da mulher, e muitas vezes nos homens também: jogadores de futebol, ao atingirem um status, fazem uns cortes loucos e pintam de loiro ou simplesmente descolorem os cabelos... penso que para chamarem atenção. A televisão, o cinema, as propagandas se utilizam da imagem de liberdade e atitude que o loiro sugere e criam personagens que combinam com esse perfil feminino, que por sua vez são copiados pela sociedade. Além da variedade de tons que o mercado cosmético possibilita, para que a mulher se destaque no seu meio das demais.

A.F.: A propósito, eu gostaria de saber, dos produtos existentes no mercado, quais são aqueles que você mais recomenda? C.F.: Dos encontrados nos supermercados e de fácil aquisição pelo público consumidor, creio que a L’Oréal tem uma grande gama de cores e variedades de produtos para tintura de cabelos que está entre as melhores; a Wella também tem grandes resultados e aceitação pelo consumidor; a Avon também tem uma linha de coloração para cabelos de qualidade. Nós, profissionais, usamos produtos que não são facilmente encontrados nas gôndolas do mercado e muitos profissionais acabam por desenvolver sua própria marca, como é o caso do Celso Kamura mais recentemente.

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A.F.: Qual seria o processo para fazer a alteração de cor nos cabelos de uma cliente, por exemplo, do castanho para o loiro? C.F.: Uma modificação extrema eu não recomendo nunca às minhas clientes. Eu sempre sugiro fazer uns poucos reflexos mais claros, próximo do tom pretendido, lembrando que nas têmporas os fios são mais claros. Isso resultará numa coloração mais clara que os reflexos feitos, até porque muitas vezes, nessa região, já aparecem os cabelos brancos. Se, mesmo com minhas sugestões, a cliente quiser ficar loira, vamos primeiramente observar a tonalidade da pele e, verificando isso, escolhemos a melhor opção da cor a ser utilizada. Reforço que a pigmentação do tom natural do cabelo influencia – e muito – na decisão do tom a ser aplicado.

A.F.: Decidido isso, qual seria o passo a passo? C.F.: Primeiro, você precisa descolorir os cabelos – descoloração é o processo de retirar a pigmentação dos fios, ou seja, tirar a cor antiga dos cabelos – sejam eles naturais ou tingidos – e aplicar uma nova tonalidade, de acordo com o que a pessoa quer. O ideal é que seja feita por um especialista. Depois, resolvida a cor a ser usada, vamos à coloração – que é a aplicação da nova tonalidade; mesmo as mais claras, uma vez que o cabelo já foi descolorido. E, por último, a fixação da cor , que é o tempo durante o qual o produto vai agir nos cabelos antes da lavagem. Pode-se ainda aplicar uma hidratação pós-coloração.

A.F.: Gostaria de saber, agora, suas impressões quanto aos loiros obtidos/apresentados nos filmes da minha pesquisa? C.F.: Olha, no geral, percebi que, por se tratar de filmes em que o poder aquisitivo dos personagens é baixo e as condições da transformação visual é precária – nenhuma das personagens foi a um salão refinado – os cabelos não foram tratados, a cor não foi matizada.

Percebi no filme do Murilo Benício (O Homem do Ano) que o cabelo foi descolorido e nele se aplicou a cor, um loiro tendendo quase ao rosa. Em Amarelo Manga, a personagem entra num salãozinho e pede uma transformação radical de corte e tintura; o tom amarelo manga seria quase que como um tom fantasia, de tão quente... e que não poderia, eu acho, ser usado pela atriz Dira Paes que tem pele morena, quase uma índia. Ficaria mais equilibrado um loiro claro ou um mel tendendo para um dourado.

A coloração de Leona Cavalli no mesmo filme, embora forte, está mais adequada ao seu tom de pele. Quanto à coloração dos pelos pubianos da atriz, eu gostaria de dizer que o processo de descoloração não é o mesmo que para os cabelos: a água oxigenada deve ser mais diluída e não deve ser aplicada diretamente na pele da região sexual.

A atriz Christine Fernandez, faz uso de uma peruca para interpretar a drogada e se consegue um resultado interessante no visual da personagem. Acho que ela usa peruca também quando está de cabelos curtos e mais claros, como nas cenas de sexo. Os tons usados são diferentes para explicar os vários momentos da personagem no filme.

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E a loira do filme Cidade Baixa também me parece que nos mostra a precariedade da transformação. Imagino que, embora tenha sido feito por um profissional competente, a intenção foi de passar que ela comprou a tintura e aplicou em casa antes de sair pelo mundo.

Para finalizar sobre sua pergunta, eu acho que um personagem não pode ser criado, inspirado numa cor, mas na referência de uma pessoa. E a sensibilidade do profissional de cabelo deve estar presente em toda a criação artística.