RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 89 [17/5/2012 a 23/5/2012] Sumário

CINEMA E TV...... 4 Valor Econômico - Filme lembra maior vitória do cinema brasileiro...... 4 Folha de S. Paulo – Brasil terá coproduções e três curtas no festival...... 5 Folha de S. Paulo – 'O Som do Vinil' estreia temporada com bastidores de disco censurado...... 6 Estado de Minas – Documentário: Festival francês premia o Brasil ...... 6 Valor Econômico - A Palma, 50 anos depois...... 7 Folha de S. Paulo – Nas margens do mangue...... 8 Correio Braziliense - Curta brasileiro em Cannes ...... 9 Estado de Minas – Cinema: Uma grande aventura...... 10 Folha de S. Paulo – Lágrimas e aplausos embalam estreia de coprodução brasileira...... 11 The New York Times - For India and Brazil, a Rare Tie-up in Cinema...... 12 Estado de Minas - Extra oficial ...... 14 Agência Brasil - Cineasta brasileiro é aplaudido de pé em Cannes, na França ...... 15 TEATRO E DANÇA...... 15 Folha de S. Paulo – Leituras e debates lembram Nelson plural...... 15 O Globo - Da margem para o centro do palco...... 16 Valor Econômico - Um dramaturgo inserido em seu tempo...... 18 Zero Hora – Exército de um homem só...... 19 ARTES PLÁSTICAS...... 20 Folha de S. Paulo – Maiolino é vencedora do 1º Prêmio Masp...... 20 O Globo - As ‘moradas’ arquitetônicas e volumosas de Elizabeth Jobim...... 21 Folha de S. Paulo – Desenhos de guerra de Lasar Segall são expostos em SP...... 21 O Globo - Eduardo Climachauska traz ao Rio esculturas em tensão...... 22 Correio Braziliense – O milagre dos vitrais ...... 23 O Estado de S. Paulo - Interesse pelos Brics faz obras do Brasil serem destaques de leilões em NY...... 26 FOTOGRAFIA...... 27 O Estado de S. Paulo - Livro 'Crisálidas' será lançado hoje em São Paulo...... 27 Correio Braziliense – Imagens da insensatez ...... 28 Estado de Minas - Vida em foco ...... 30 MÚSICA...... 31 O Globo - Na pisada do coco, vem aí a mais nova revelação da MPB...... 31 Estado de Minas – O prazer de tocar ...... 32 Zero Hora – Bombachas nunca mais...... 33 Estado de Minas - Choro livre...... 33 Zero Hora – A tradição do samba...... 34 O Estado de S. Paulo – Paquito verde e amarelo ...... 35 LIVROS E LITERATURA...... 36 Folha de S. Paulo – Quantas faces tem Getúlio?...... 36 Valor Econômico - Um triângulo amoroso na corte brasileira...... 38 O Globo - Flip comemora dez anos com olhar múltiplo sobre Drummond...... 39 Veja - A esfinge decifrada...... 40 O Estado de S. Paulo - Dialética da originalidade/ Artigo / José de Souza Martins ...... 41 Zero Hora – Redescobrindo Simões Lopes / Entrevista / Luís Augusto Fischer...... 43 O Estado de S. Paulo - Dalton Trevisan é o vencedor do Prêmio Camões...... 44 Correio Braziliense - Poesia encorpada e com gosto latino...... 44 Istoé - Zumbi em três versões...... 45 ARQUITETURA...... 46 Istoé Dinheiro - A geografia de Philippe Starck...... 46 Zero Hora - A serviço do MoMA / Coluna / Estilo próprio...... 47 MODA...... 49 Correio Braziliense - Paulistas invadem a moda carioca...... 49

2 GASTRONOMIA...... 50 Folha de S. Paulo – Brasil deve ser tema do festival culinário 'Madrid Fusión'...... 50 POLÍTICA CULTURAL...... 50 O Globo - Fundo do Audiovisual: 145% a mais para cinema e TV...... 51 Folha de S. Paulo – Novo presidente do conselho da TV Cultura expõe plano de gestão...... 51 OUTROS...... 53 Agência de Notícias Brasil-Árabe - Programa leva Brasil a escolas libanesas...... 53 O Globo – Museu do Açude reabre após dois anos...... 54

3 CINEMA E TV

Valor Econômico - Filme lembra maior vitória do cinema brasileiro

Por Gonçalo Junior

O diretor , em 2001, com a Palma de Ouro que ganhou no Festival de Cannes por “O Pagador de Promessas”; premiação completa 50 anos

(17/5/2012) Ao se tornar celebridade mundial em 1962, após vencer a Palma de Ouro, em Cannes, com o filme "O Pagador de Promessas", o ator e diretor Anselmo Duarte (1920-2009) prometeu para si mesmo: separaria US$ 2 milhões dos direitos de distribuição para viver confortavelmente nos 40 anos seguintes. Quando venceu o prazo, em 2002, garantiu que a sobra até aquele momento daria para mais anos. Ao morrer, em novembro de 2009, continuava a ter reservas no banco. Recebia ainda aposentadoria como diretor de cinema, pelo INSS. Na verdade, não economizou tanto, apesar de ter sobrevivido a mais de uma década de hiperinflação, desvalorizações de moedas e mirabolantes planos econômicos.

"Era um fortuna invejável, equivalentes hoje a uns US$ 20 milhões", observa o filho Ricardo Duarte, que preside a fundação com o nome do seu pai, na cidade de Salto, onde Anselmo nasceu.

Ricardo conta outra história saborosa sobre o filme brasileiro com mais prêmios internacionais importantes de todos os tempos, o primeiro a ser indicado ao Oscar de filme estrangeiro e cuja Palma de Ouro completa 50 anos no próximo dia 23. Em 1961, quando rodava o longa em Salvador, Anselmo se desdobrou para filmar ao mesmo tempo uma versão exclusiva para Portugal. Todas as cenas interpretadas por Geraldo Del Rey eram refeitas em seguida com o galã português Américo Coimbra, um dos artistas mais populares de seu país.

Os dois se tornaram amigos em 1958, quando Anselmo contracenou com ele no longa "As Pupilas do Senhor Reitor" (1959). Coimbra, por acreditar que "O Pagador de Promessas" faria sucesso, propôs bancar os elevados custos dos negativos em troca de participação no longa-metragem. "Meu pai achava Américo um mau ator, muito duro e sem expressão, mas eram amigos", afirma.

O que para muitos é uma honra nacional, para outros o filme de Anselmo Duarte ainda é motivo de polêmica. Ou de maldição, segundo o próprio diretor, que ganhou fama de ressentido e amargurado. Queixava-se de jamais ter sido considerado pioneiro do Cinema Novo e dizia ter sido boicotado pelos protagonistas do movimento liderado por Glauber Rocha (1939-1981).

Tinha razão, em especial, de se queixar do boicote a "Veredas da Salvação" (1964), cuja inscrição por direito - pois havia levado o prêmio - não aconteceu porque o governo militar vetou o trânsito do longa e ele perdeu a data. "Era um filme que além de ser esperado em Cannes e ser esteticamente muito mais arrojado do que 'O Pagador', era forte candidato à segunda Palma de Ouro", acredita Paulo Duarte, que prepara um documentário exclusivamente sobre o prêmio de Anselmo. "Isso era tido quase como uma certeza pelos críticos que viram o filme no Festival de Berlim".

E ele só participou do evento porque a embaixada alemã ajudou o filme a sair do país "escondido" na mala diplomática. Anselmo não levou o Urso de Prata porque, no desempate, o jornalista brasileiro e futuro diretor David Neves (1938-1994), amigo da turma do Cinema Novo, votou em "Alphaville", de Jean-Luc Godard.

Fã de "O Pagador de Promessas", Paulo observa que é consenso entre os aficionados por Cannes de que o ano de 1962 foi o mais concorrido de todos, o que tornaria improvável a escolha de um filme de um diretor brasileiro, quase estreante. Anselmo só havia dirigido uma comédia antes de "Pagador", "Absolutamente Certo". "Basta ver a lista de diretores", diz: Otto Preminger, John Frankenheimer, Luis

4 Buñuel, Agnès Varda, Michelangelo Antonioni, Michael Cacoyannis, Sidney Lumet e Robert Bresson. A sorte, acrescenta Ricardo, deu um empurrão.

Como o pai era desconhecido, colocaram a exibição no horário da tarde, na matinê, tradicionalmente pouco prestigiado. Mas um jornalista francês viu e ficou tão impressionado que no dia seguinte escreveu: "Brasil joga bomba em Cannes". Seu entusiasmo foi tamanho que, a pedidos, uma nova sessão foi programada, dessa vez à noite.

Para Ricardo, a Palma de Ouro não aconteceu por acaso. Depois do sucesso de "Absolutamente Certo", Anselmo passou dois anos na Europa. Assistiu a todos os festivais possíveis e viu centenas de filmes. Chegou a protagonizar dois, um espanhol ("Un Rayo de Luz") e um português ("As Pupilas do Senhor Reitor"). "Ele voltou obcecado com a ideia de ganhar a Palma de Ouro e disse que era mais fácil agradar Cannes que os intelectuais do restaurante carioca Fiorentina", afirma Ricardo.

O produtor e diretor de cinema e TV Álvaro de Moya garante que o amigo realmente dominava a arte de fazer filmes. Ele trabalhou com Anselmo entre 1956 e 1957, na TV Paulista, onde o galã apresentava um programa sobre filmes, o "Cine Estúdio Anselmo Duarte". "Eu dizia para ele, com humor, pois éramos muito próximos: 'Você é um canastrão como ator e vai dar certo como diretor porque é um mentiroso, mas todo mundo acredita no que você diz", recorda Moya.

Uma das últimas aparições públicas de Anselmo aconteceu em maio de 2009, durante uma palestra de Moya no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Debilitado por causa dos lapsos de memória, chegou acompanhado do filho Ricardo para prestigiar o velho amigo. O palestrante interrompeu sua fala e, emocionado, disse: "Um momento, acaba de chegar a única Palma de Ouro do cinema brasileiro, Anselmo Duarte". A plateia, lotada, levantou-se e começou a aplaudi-lo de pé. A cada reverência de agradecimento do diretor, as palmas aumentavam. E foi assim, por mais de cinco minutos, enchendo de lágrimas e emoção todos que ali estavam.

Folha de S. Paulo – Brasil terá coproduções e três curtas no festival "Na Estrada", de Walter Salles, é o único que está na competição oficial

Mostras paralelas terão o clássico "Cabra Marcado para Morrer" e o recente "A Música Segundo Tom Jobim" (17/5/12) Rodrigo Salem - Apesar da indicação de "Na Estrada", de Walter Salles, o cinema brasileiro não terá uma participação de destaque em Cannes neste ano. O país não emplacou nenhum longa de produção exclusiva na competição oficial, se contentando com duas obras realizadas com coinvestidores estrangeiros.

É o caso de "La Playa", do colombiano Juan Andrés Arango. A coprodução entre França, Colômbia e Brasil, sobre migrantes negros que vão para Bogotá, disputará a mostra oficial Um Certo Olhar.

Na mostra paralela Quinzena dos Realizadores, o Brasil entra como coprodutor ao lado de Argentina e Espanha em "Infância Clandestina", de Benjamín Ávila, um filme autobiográfico sobre uma criança escondida na época do regime militar argentino.

Já na categoria de curta-metragem, o cinema nacional não pode reclamar.

Dois filmes aparecem na Quinzena. "Os Mortos-Vivos", da carioca Anita Rocha da Silveira, e "Porcos Raivosos", codirigido pelo pernambucano Leonardo Sette e pela carioca Isabel Penoni.

Enquanto isso, "O Duplo", da paulista Juliana Rojas, está na Semana da Crítica.

Para não dizer que Cannes se esqueceu dos filmes brasileiros, ainda mais num momento em que o mercado tem olhado para cá, a direção do festival resolveu compensar o país ao colocar "A Música Segundo Tom Jobim", de Nelson Pereira dos Santos, fora de competição.

Além disso, chamou o cineasta Cacá Diegues para presidir o Prêmio Caméra D'Or, concedido para o melhor filme de diretor estreante.

5 O evento também exibirá os clássicos "Xica da Silva" (1976), de Diegues, "Ópera do Malandro" (1986), de Ruy Guerra, e "Cabra Marcado para Morrer" (1984), de Eduardo Coutinho.

Folha de S. Paulo – 'O Som do Vinil' estreia temporada com bastidores de disco censurado Registro de show com Chico e Mautner não pôde circular por anos MARCOS GRINSPUM FERRAZ, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA (17/5/2012) Em 1973, em plena ditadura militar, o músico Jards Macalé organizou no Museu de Arte Moderna do Rio um show em comemoração aos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU.

Naquele momento de poucas liberdades, como conta Macalé no primeiro episódio da sexta temporada de "O Som do Vinil", "a própria carta dos direitos parecia ser um documento subversivo".

Reuniram-se no mesmo palco nada menos do que Chico Buarque, Edu Lobo, Gal Costa, Paulinho da Viola, Raul Seixas, , Milton Nascimento, Dominguinhos e Luiz Melodia, entre outros, em um verdadeiro caldeirão político-cultural.

Os resultados: uma noite com o Exército cercando o MAM e com policiais em torno da mesa de som. Mais tarde, o disco "O Banquete dos Mendigos", gravado às escondidas no show, seria censurado até o ano de 1979 -segue raro ainda hoje.

Os bastidores de histórias como essa são o tema do programa "O Som do Vinil", cuja nova safra começa a ir ao ar amanhã, às 21h30, no Canal Brasil. A cada capítulo, o ex-titã Charles Gavin investiga a história por detrás de um álbum da música brasileira.

Estado de Minas – Documentário: Festival francês premia o Brasil

(17/5/2012) O longa-metragem Histórias que só existem quando lembradas, dirigido por Júlia Murat, levou o prêmio de melhor filme eleito por voto popular no Festival de Cinema Brasileiro de Paris. Vincent Paul-Boncourt, da Bodega Films, distribuidor do filme na França, recebeu o troféu Jangada, em Paris, enquanto Júlia Murat participou da cerimônia via internet, do Brasil. O filme entra em cartaz nas salas francesas a partir de 18 de julho. O filme acompanha Madalena (Sônia Guedes), uma senhora padeira que vive na cidade de Jotuomba, no Vale do Paraíba. Ela é muito ligada à memória de seu marido morto, que está enterrado no único cemitério local, hoje trancado. Sua vida começa a mudar quando Rita (Lisa E. Fávaro), uma jovem fotógrafa, chega à cidade.

Júlia Murat, de 33 anos, é formada em design gráfico pela Universidade Federal do (UFRJ). Dedica-se ao cinema desde 1996, tendo trabalhado como assistente de direção e assistente de câmera. Depois, passou para montagem, atividade que continua exercendo até hoje.

O Festival de Cinema Brasileiro de Paris prossegue até 22 de junho, com a exibição de documentários (12 produções nacionais) e títulos das mostras especiais – a retrospectiva RioFilme 20 Anos – e uma homenagem ao cineasta francês Claude Santiago. Entre os destaques, a première do documentário Rio anos 70, de Maurício Branco e Patricia Faloppa, que estarão presentes na sessão amanhã.

Hoje, o documentário Marcelo Yuka, no caminho das setas será exibido com a presença da diretora Daniela Broitman. O filme narra a transformação na vida do baterista e compositor da banda , que, em novembro de 2000, levou nove tiros numa tentativa de assalto no Rio.

6 Valor Econômico - A Palma, 50 anos depois

Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.

Sam Riley e Garrett Hedlund em "Na Estrada", de Walter Salles: disputa em Cannes

(18/5/2012) Cinquenta anos depois da conquista pelo país de sua primeira e única Palma de Ouro, atribuída a "O Pagador de Promessas" de Anselmo Duarte, o cinema brasileiro é o homenageado do ano pelo Festival de Cannes e tem um de seus representantes concorrendo mais uma vez ao prêmio, ainda que com uma produção internacional: Walter Salles, com "Na Estrada", adaptado do clássico beat de Jack Kerouac, programado para a próxima quarta-feira.

O próprio festival celebra outra efeméride, seu 65º aniversário, exibindo neste domingo "Le Film Anniversaire - Une Journée Particulière" ("O Filme Aniversário - Uma Jornada Particular"), dirigido por seu presidente, Gilles Jacob. O dia em questão é o da apresentação, na efeméride do 60º festival, do filme antologia "Cada Um Com Seu Cinema", produzido pelo próprio Jacob, com a participação de pouco mais de 30 cineastas veteranos da Croisette, de Theo Angelopoulos a Zhang Yimou.

A passagem do tempo permite hoje olhar sob outra perspectiva a vitória de "O Pagador de Promessas". Primeiro, salta aos olhos que num festival ainda jovem, então em braço de ferro pela liderança com a Mostra Internacional da Arte Cinematográfica de Veneza (surgida em 1932), tenha saído vencedora uma cinematografia ainda sem maior reconhecimento mundial como a brasileira. Anselmo Duarte foi o primeiro realizador fora dos grandes centros internacionais a receber o prêmio máximo do festival.

Segundo: a Palma para "O Pagador de Promessas" foi o primeiro triunfo em Cannes de uma produção ligada aos "Cinemas Novos" em eclosão em várias cinematografias do mundo (da Grã- Bretanha à então Tchecoslováquia, do Brasil à Alemanha). Há aqui um paradoxo: o filme extraído por Anselmo Duarte da peça de Dias Gomes é simultâneo, mas externo ao movimento do Cinema Novo brasileiro.

A escola pousaria com força na Croisette apenas dois anos depois, com a presença, na mostra competitiva, de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, e "Vidas Secas", de Nelson Pereira dos Santos (o vencedor foi o musical francês "Os Guarda-Chuvas do Amor", de Jacques Demy), e de "Ganga Zumba", de , na Semana da Crítica. Num texto memorialístico escrito para o verbete sobre o cinema brasileiro no site oficial do festival, Carlos Diegues lembra o impacto daquela estreia: "A partir dali, graças a Cannes e aos jornalistas franceses, o Cinema Novo brasileiro seria reconhecido em todo o mundo, como referência indispensável à transformação radical que o cinema sofria naquela década".

Compreende-se, assim, o vínculo histórico entre Cannes e a geração de cinemanovistas, que regularmente marcaram presença no festival, dentro e fora de competição, mesmo depois do fim do ciclo principal do movimento. A grande consagração do Cinema Novo em Cannes veio em 1969 com o prêmio de direção concedido a Glauber por "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", em empate com outro prócer de um "Cinema Novo", o tcheco Vojtech Jasny (o mesmo de "Um Dia, Um Gato"), por "Todos os Bons Companheiros". (Glauber recebeu ainda em 1978 um prêmio especial do júri de curtas-metragens por "Di-Glauber").

Desde então, na premiação oficial de longas-metragens, o cinema brasileiro distinguiu-se sobretudo no campo das interpretações (William Hurt, em "O Beijo da Mulher-Aranha", de Hector Babenco; , em "Eu Sei Que Vou Te Amar", de Arnaldo Jabor; Sandra Corveloni, em "Linha de Passe", de Walter Salles e Daniela Thomas).

Na era pós-Glauber e pós-Embrafilme, algo se perdeu da sintonia entre Cannes e a produção nacional. Fiquemos apenas em três exemplos.

7 Walter Salles demorou a ser incorporado à festa, já depois da consagração em Berlim com "Central do Brasil". "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, lá esteve, mas fora de concurso. José Padilha ainda nem debutou na Croisette.

À parte "Na Estrada", a presença brasileira no programa oficial de Cannes 2012 conta com a projeção especial de "A Música Segundo Tom Jobim", de Nélson Pereira dos Santos e Dora Jobim, e as exibições de "Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho, e de "Xica da Silva", de Carlos Diegues, na mostra paralela Cannes Classics. Três obras com DNA cinemanovista.

Diegues ainda preside o júri da Câmera de Ouro, dedicada a cineastas estreantes, e Karim Ainouz ("O Céu de Suely") participa do júri de curtas e da Cinéfondation (filmes de escolas audiovisuais). Para ciclos paralelos foram selecionados os curtas-metragens "Porcos Raivosos", de Leonardo Sette e Isabel Penoni, e "Os Mortos-Vivos", de Anita Rocha da Silveira, ambos na Quinzena dos Realizadores, e "O Duplo", de Juliana Rojas, na Semana da Crítica. Sim, a celebração tem marcado sabor de nostalgia.

Folha de S. Paulo – Nas margens do mangue Clássico da contracultura, filme de Neville d'Almeida perdido por 40 anos terá 1ª exibição no país

Cenas de "Mangue-Bangue" SILAS MARTÍ, DE SÃO PAULO (18/05/12) Um homem entra em convulsão no meio da Bolsa de Valores. Consegue se arrastar até a porta. Vomita as tripas e desaba numa poça de lama. Em paralelo, galos se engalfinham numa briga sem fim.

Em "Mangue-Bangue", o diretor Neville d'Almeida traça um paralelo entre homem e bicho para construir o que chamou de um "painel de 1971", tempo de milagre econômico, drogas, liberdade sexual, censura e preconceito.

Foi essa a época que o cineasta tentou dissecar nas sequências do filme que rodou no Mangue, zona de prostituição carioca a algumas quadras da Central do Brasil, que visitou com o amigo Hélio Oiticica no começo dos anos 70.

Com medo da ditadura, ele pôs os dois rolos do filme na mala e fugiu para Londres, onde revelou os negativos.

Só dois anos mais tarde, em Nova York, D'Almeida encontrou Oiticica, que morava lá, e decidiu mostrar o filme numa sessão no MoMA, o museu de arte moderna, onde os rolos ficaram esquecidos por décadas até serem reencontrados e restaurados.

Agora, mais de 40 anos depois de feito, "Mangue-Bangue", um clássico perdido da contracultura, será mostrado pela primeira vez no Brasil numa retrospectiva do cineasta no Sesc Santo Amaro.

"Quis fazer um filme de ruptura", disse o diretor ao rever o filme em sessão exclusiva para a Folha, em São Paulo. "Estava revoltado com a censura. Então, queria mostrar as drogas, gente tomando um pico na veia, esse vômito que carrega toda a ditadura, sequências brutais."

Em cena, prostitutas e travestis aparecem se drogando e os atores Maria Gladys e Paulo Villaça encarnam homem e mulher em busca de liberdade -algo entre ode e crítica à condição humana em tempos de exceção.

Trata-se também de uma forma excepcional. O filme foi o ponto de partida da colaboração de D'Almeida e Oiticica que resultou nas "Cosmococas", instalações que mergulham o espectador em imagens, música e cenografia.

8 Escrevendo sobre o filme, Oiticica identificou na obra uma "edição em blocos geométricos, uma estrutura em moto perpétuo", já que o roteiro, sem texto, embaralha as sequências num vaivém arrebatador de imagens que alternam beleza e repulsa.

Nas palavras de Luis Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA, "Mangue-Bangue" oscila entre "o excrementício e o puro, a alvura e o mundano, o agônico e o extático".

Depois de restaurado pelo museu americano a um custo de R$ 200 mil, o filme veio à luz numa sessão em Nova York há quatro anos, no auge da crise financeira que abalou os mercados e instaurou um novo ciclo de miséria.

"'Mangue-Bangue' ganhou então uma dimensão urgente e atual para mim", escreveu Pérez-Oramas. "É a imagem de um mundo de poder reduzido ao vômito, uma crítica radical do nosso tempo e também uma das mais acerbas imagens da decomposição formal na arte ocidental.

Correio Braziliense - Curta brasileiro em Cannes

A paulista Juliana Rojas participa do prestigioso festival com o curta-metragem O duplo, a ser exibido amanhã Ricardo Daehn

(18/5/2012) Esse é um caso de progressiva aprendizagem, em uma escola nobre chamada Festival de Cannes. Aos poucos, graças a um projeto de residência no evento, a paulista Juliana Rojas, 30 anos, está realizando o longa-metragem As boas maneiras (codirigido por Marco Dutra). Ao mesmo tempo, sem muita ansiedade (ou, ao menos, disfarçada), Juliana enfrenta momento único, amanhã, com o tapete vermelho estendido, na participação de um curta-metragem dela (O duplo) integrado à seção do festival batizada de Semana da Crítica, campo para projeção, no passado, de diretores como Wong Kar-Wai e Bernardo Bertolucci. Essa será a quarta participação da moça na maior vitrine mundial de cinema. Em 2005, O lençol branco (ainda com o parceiro Dutra), com imagens de um nenê sufocado, já apontava as estranhezas do cinema da jovem que, ainda estudante da Escola de Comunicações e Artes (USP), competiu na mostra Cinéfoundation do festival.

Qual seria o segredo de tanto agradar Cannes? “É possível ver elementos em comum nos meus filmes. Além disso, cada um passou em uma mostra, filtrado por diferentes comissões de seleção. Acho impossível produzir (com sucesso) um filme para agradar. Sempre faço um filme pensando em contar uma história da melhor forma possível. E acredito que, se conseguir ser fiel a isso, o filme encontra seu lugar”, analisa a diretora. Duas recompensas podem estar à frente de eventual prêmio: o Nikon Discovery Award (3 mil euros com mais o equivalente a outros 4 mil em equipamento de câmera) e o Canal Plus Award (compra dos direitos de exibição do curta no Canal Plus e mais 6 mil euros em infraestrutura no próximo filme).

O duplo — que adapta a lenda nórdica do Doppelgänger — conta o suspense infiltrado na vida da professora Sílvia (Sabrina Greve). Em plena sala de aula, ela descobre, diante do testemunho de aterrorizados alunos, a existência de uma nova versão de si própria. O duplo coloca a protagonista em contato com a versão negativa, numa traquinagem do poderoso ser Doppelgänger. O tema da fita pode sugerir um gracejo com o regular parceiro da cineasta (Marco Dutra, com quem, em Cannes, faturou o prêmio Descoberta, por Um ramo, e competiu, no ano passado, na mostra Um certo olhar, pelo longa de estreia, Trabalhar cansa).

“Eu tenho muitas afinidades com o Marco, mas não diria que é meu duplo. Temos gostos e temperamentos diferentes. Temos características que se harmonizam e complementam, numa relação de interlocução. O fato de coescrevermos e codirigirmos os filmes desperta muita curiosidade nas pessoas que têm dificuldade de imaginar essa autoria compartilhada. O duplo é o quinto filme

9 (entre os quais Pra eu dormir tranquilo e Vestida) que faço o roteiro e a direção sozinha”, comenta a cineasta.

A atriz Gilda Nomacce (premiada no Festival de Brasília), novamente, é um dos talismãs em O duplo. O curta concorre com outros nove títulos, numa lista em que o argentino Yeguas y cotorras (de Natalia Garagiola), que examina hipocrisias da aristocracia de Buenos Aires, desperta o maior interesse de Rojas. Estado de Minas – Cinema: Uma grande aventura

Helvécio Ratton buscou inspiração em lendas mineiras para a trama de O segredo dos diamantes. Filmagem começa nos próximos dias em Belo Horizonte, Serro, Milho Verde, Guanhães e Sabará

No escritório da produtora Quimera, Ratton elabora o storyboard, roteiro em quadrinhos com os detalhes de cada cena que será rodada Sérgio Rodrigo Reis

(21/5/2012) Helvécio Ratton tem pela frente o desafio de realizar um filme de aventuras e sentimentos capaz de interessar a todos os públicos. Para a missão, o mais mineiro e bem- sucedido cineasta das Gerais foi em busca de uma história universal que em vários aspectos se alimenta das lendas, esperanças, causos e imaginação de quem vive entre as montanhas. “Cresci lendo livros de tesouros escondidos. Como por aqui havia muito ouro e diamantes e, para não pagar impostos, as pessoas escondiam as pedras preciosas e várias delas acabaram sumindo, pensei numa história semelhante de natureza universal recheada de conteúdo tipicamente mineiro”, adianta. Assim nasceu O segredo dos diamantes, cujas filmagens começam nos próximos dias.

O filme se passa numa cidadezinha que será retratada em locações no Serro, Milho Verde, Guanhães e Sabará. Haverá ainda cenas rodadas em Belo Horizonte. Depois de sobreviver a um acidente que deixou seu pai em estado grave, o garoto Ângelo passa a acreditar numa antiga lenda de diamantes escondidos. Com a ajuda dos amigos Júlia e Carlinhos, ele parte numa frenética busca pelo tesouro, a última esperança de conseguir o dinheiro necessário para transferir o pai para um hospital melhor e, assim, salvar sua vida.

O diretor do longa-metragem aposta no trio formado pelos estreantes Matheus Abreu, Rachel Pimentel e Alberto Gouvea, selecionados entre 400 candidatos. O filme buscou tambémpriorizar artistas mineiros com carreiras consolidadas, como Jackson Antunes, Manoelita Lustosa, Rodolfo Vaz, Nivaldo Pedrosa, Luciano Luppi, Marcelo Campos, Glicério Rosário, Mariana Coutinho, Chico Neto, Ivan Reis, Rose Brant, Nilmara Gomes. Haverá ainda participação especial de Rui Rezende e de Dira Paes, consagrada no cinema e na televisão, vivendo a mãe do protagonista.

Orçado em R$ 3 milhões, O segredo dos diamantes foi pensado para atingir um segmento pouco explorado no cinema nacional. “Praticamente abandonamos esse público para produções estrangeiras”, lamenta o cineasta, que tem no currículo quatro filmes para adultos e outros quatro para o público infantojuvenil. “Temos que criar essa plateia”, afirma. Para tanto, além da plataforma convencional do cinema, Ratton aposta em novidades, como um game inspirado na produção e em um protagonista conectado às novas tecnologias. Entre os desafios, o diretor sabe que terá que misturar efeitos especiais às cenas de aventura. “Estou indo para o Serro, onde nunca se filmou. Claro que dá um frio na barriga”, conclui.

CUIDADOS COM O ELENCO

Uma das principais características dos filmes de Helvécio Ratton é o cuidado na seleção de atores. No atual projeto não foi diferente. Para escolher o trio que feria os personagens Ângelo, Júlia e Carlinhos, foi necessário um longo período de testes. Depois de um mês, com várias etapas de

10 seleção, finalmente os escolhidos receberam por telefone a resposta positiva. Matheus Abreu, de 15 anos, natural de Ouro Branco, viverá o protagonista Ângelo. Nos outros papéis estarão Rachel Pimentel, de Nova Lima e, Alberto Gouvea, de Santa Luzia. Ambos têm 13 anos.

Em processo de preparação para as filmagens, os jovens estão tendo que se desdobrar entre a escola e os ensaios. Os três garantem que são bons alunos, e estão tendo atenção especial da equipe de produção. E se divertem com a oportunidade. “Tem sido fantástico. Tudo muito bom”, diz Matheus, já com experiência no teatro, em oficinas do Galpão Cine Horto, em BH, e, em Ouro Branco, com a Insólita Companhia. A colega de elenco Rachel Pimentel comenta que fará uma menina sensível, responsável e com papel determinante. Por outro lado, a Alberto caberá interpretar um coroinha. “Tem sido uma experiência nova”, resume o garoto.

Além dos adolescentes, O segredo dos diamantes terá entre os atores conhecidos os experientes Jackson Antunes e Manoelista Lustosa. Na última sexta-feira, os dois estiveram em Belo Horizonte, na produtora Quimera Filmes, para saber detalhes do projeto e iniciar os testes de figurinos. Saíram encantados. “Vou fazer o Silvério, um quase vilão, um homem cheio de mistérios que acha que é dono dos diamantes. Em certo momento, percebe que eles não lhe pertencem e começa a ficar alucinado”, revela Jackson. Já Manoelita está entusiasmada no papel de dona Dalva, avó de Ângelo: “Ela é o chão do filme. Mora numa casa que se encherá de memórias, e traz, em si, a doçura e o sofrimento”.

Os dois estão felizes por trabalhar com Helvécio Ratton. “Ele é verdadeiro cineasta na concepção da palavra. Fala diretamente ao público, e lindamente, não abandona sua terra natal. Continua falando ao mundo inteiro daqui”, elogia Jackson. Sentimento parecido tem Manoelita, que sempre que está diante do desafio de atuar em um longa-metragem repete a frase: “Todos os atores têm que fazer teatro, precisam fazer TV e merecem fazer cinema. É o mais agradável, pois é o que fica”.

SAIBA MAIS

Novas estratégias

O projeto de O segredo dos diamantes chega com novidades. Além do filme, previsto para estrear em setembro de 2013, a produtora Quimera aposta em estratégias inusitadas para atrair o público. A começar pela promoção “Quem quer ganhar um diamante?”. Próximo do lançamento do longa- metragem, um concurso dará um diamante de verdade ao vencedor de uma disputa cultural. O filme servirá também de inspiração para um game. A ideia, segundo Arthur Furtado, da DZR Studios, é recriar a história em outra plataforma e linguagem. “Por que não expandir o filme para outra experiência?”, questiona a produtora Simone Magalhães Matos. “A intenção é modernizar o lançamento e falar às gerações atuais. O cinema é uma porta importante para outras comunicações visuais.” Folha de S. Paulo – Lágrimas e aplausos embalam estreia de coprodução brasileira 'Infância Clandestina', de Benjamin Ávila, passou na Quinzena dos Realizadores, em Cannes

Sessão lotou para ver história sobre garoto que se esconde com os pais durante a ditadura militar na Argentina RODRIGO SALEM, ENVIADA ESPECIAL A CANNES (21/5/2012) "Infância Clandestina", coprodução brasileira com Argentina e Espanha, foi recebida com entusiasmo e lágrimas em sessão na Quinzena dos Realizadores, ontem.

O público lotou o cinema La Croisette para assistir à história semiautobiográfica do diretor Benjamin Ávila sobre sua infância escondido durante os anos de chumbo na Argentina. "É um filme muito pessoal e, mesmo que não seja exatamente sobre como foi minha vida na minha época, quis passar o sentimento sobre o assunto."

Uma espécie de "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", de Cao Hamburger, mas com o protagonista mirim (o bom Teo Gutiérrez Moreno) se mudando com os pais, "Infância Clandestina" arrancou lágrimas do público e foi ovacionado por vários minutos.

A maratona emocional do longa coescrito pelo brasileiro Marcelo Muller foi além.

11 Quando Ávila subiu ao palco para uma sessão aberta de perguntas e respostas, uma francesa perguntou sobre a "geração perdida que as crianças se tornaram" e começou a chorar copiosamente ao microfone. "Somos uma geração sacrificada, mas é importante para mostrar que as ideias sobrevivem até a revoluções não realizadas", respondeu ele, emocionado.

O filme fala sobre a ditadura argentina de uma maneira diferente, usando bom humor e certa inocência. "Acredito que está mais fácil fazer filmes assim na Argentina, com um tom menos correto, engraçado e emocionante", disse o cineasta à Folha.

A obra aposta num clima menos sombrio e é recheada de boas interpretações, com destaque para Ernesto Alterio como um tio revolucionário que não perde a ternura jamais. "Tive uma conexão especial com o personagem e Benjamin", falou o ator.

Outra produção que causou emoção foi "Amour", de Michael Haneke ("A Fita Branca"). O drama, sobre a relação entre dois idosos quando um deles está à beira da morte, foi aplaudido com moderação na sessão de imprensa, mas já saiu da sala com ares de que não deixará a Croisette sem um troféu.

Principalmente por causa das interpretações de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva. "Foi uma oportunidade maravilhosa, mas não farei novamente", disse o francês de 81 anos, vencedor da Palma por "Z" (1969), largando o cinema de novo.

The New York Times - For India and Brazil, a Rare Tie-up in Cinema By VINOD SREEHARSHA

(21/5/2012) RIO DE JANEIRO – After challenging the Bollywood establishment by making provocative independent cinema, the Indian director Anurag Kashyap is now breaking another barrier — geography. In his support of emerging filmmakers, he has agreed to co-produce a film with Beatriz Seigner of Brazil, his first collaboration with a South American.

Ms. Seigner, 27, who wrote the script and will also direct what will be her second feature film, said during a recent interview in Rio de Janeiro that the movie’s fictional story is based on the real-life struggles of a Colombian friend and her family forced to live with a secret about their father’s peculiar death.

The shooting of “Five Lives and a Secret,” the working title, is expected to start next year, with the dialogue in Spanish and the location somewhere on the Colombia-Brazil border. Ms. Seigner said she wants to pick an ambiguous location, “a place where you don’t know where you are,” which would give it more universal appeal.

The two filmmakers first met last year after Ms. Seigner invited Mr. Kashyap to São Paulo for an Indian film festival showcasing his work, which she had organized. They will meet at the Cannes International Film Festival, now under way, to plan the next steps for the new project. After the script is set, they will start fund-raising later this year.

“It will be quite a process, but the film is worth it,” Mr. Kashyap said in an interview.

It is a rare example of a cultural exchange between India and Brazil at a time when both countries still know little about each other, even though both are part of the BRICS emerging economies group, which also includes Russia, China and South Africa.

Within the BRICS group, India and Brazil have long tried to convey a unique kinship. For a decade now, their political leaders have stressed their common democratic values, interests and ambitions. The former Brazilian president, Luiz Inácio Lula da Silva, visited India twice. His successor, Dilma Rousseff, traveled there in March.

However, business and cultural exchanges between the two countries remain negligible. Overall trade is still under $10 billion, with oil accounting for approximately half of that.

12 The two countries simply do not know each other, Brazilian business and political leaders say. Distance remains a key barrier: there are no direct flights between the countries, and neither has a sizable immigrant community from the other country.

And Brazil’s mainstream media gives little importance to the relationship, for example, providing little coverage on the recent meeting between Ms. Rousseff and Prime Minister Manmohan Singh in New Delhi.

Mr. Kashyap and Ms. Seigner are hoping to strengthen the ties between Brazil and India, aware that filmmakers can often have a greater impact than diplomats and politicians do.

The two countries “have very little information about each other and very little awareness of each other,” he said. But, he added, “the day we discover we have many commonalities, from food to belief system, there will be much improvement in our relationship.”

Mr. Kashyap has some familiarity with Brazil through cinema. He said he has been influenced by the Brazilian filmmakers Glauber Rocha, Walter Salles, Fernando Meirelles and José Padilha. And Ms. Seigner as a teenager lived in Tamil Nadu for one year, learning Odissi dance.

That experience stayed with her, influencing her first feature film, “O Sonho Bollywoodiano” (“Bollywood Dream”), in 2008. In the film, three young Brazilian actresses arrive in India with hopes of landing roles in Bollywood to jump-start their fledgling careers. “O Sonho Bollywoodiano” was a cult hit in Brazil and finished second in the audience favorite category at the 2009 São Paulo International Film Festival.

Making the movie taught Ms. Seigner about the obstacles to film distribution among traditional outlets in both countries. In Brazil, her film was not released until 2011, but it played in major theaters in São Paulo and Rio de Janeiro for two months, a significant amount of time for an independent film.

In India, “O Sonho Bollywoodiano” was never released in cinemas. Ram Devineni, head of New York City-based Rattapallax Films, who co-produced the movie with Ms. Seigner, said that he had approached some small and mid-tier distributors in India but that the distributors thought the film would need major changes to appeal to Indian audiences. For example, he said, they wanted to dub the movie in Hindi and add dance and musical sequences.

“They were trying to make it a Bollywood film,” rather than thinking of it as either a Hollywood or a foreign film, he said.

Mr. Devineni said that he never even told Ms. Seigner about some of the requested changes because he knew it would be “a non-starter with her.”

“It would completely ruin the whole point of the movie,” he said.

“O Sonho Bollywoodiano” has run on the international film festival circuit over the past two years. Although few Indians ever saw Ms. Seigner’s movie, one person who did turned out to be an important one: Mr. Kashyap.

When they finally met last year, Mr. Kashyap asked Ms. Seigner to see her new projects. She says that she demurred, because the script for her second film was only 75 percent complete at that time, but he insisted. He read it in one sitting and decided immediately that he wanted to be involved. “I have never seen anything like that before,” he said.

“It’s a very human story. It is my window into South America and their way of life,” he said, adding that “the humanity of the story could be Indian.”

Whether Ms. Seigner’s second film will be distributed in India is unknown. “People don’t like to see in cinema what they don’t know,” Mr. Kashyap said. “I am not doing this thinking about how it’ll be received in India. I am doing this thinking of a global audience.”

Yet much is changing in how films are distributed and viewed, thanks to digital media growth.

13 This year, “O Sonho Bollywoodiano” was shown as part of Circuito Fora do Eixo, a movement of independent Brazilian artists that organizes events nationwide, incorporating social media.

As part of that, Ms. Seigner said that her film was shown in 68 cities in Brazil, representing all 27 states, in a three-week period. Often, she joined via Skype after screenings for question-and-answer sessions, with an average of 70 people attending, she said. She found many more Brazilians curious about India than she had expected.

Mr. Kashyap said he was intrigued by this model and hoped that they can tap into it once their co- production is finished. “Brazilian independent filmmakers are doing something that India could follow,” he said.

Estado de Minas - Extra oficial

No, que encerra trilogia do diretor chileno Pablo Larraín sobre a ditadura no Chile, foi produzido pelo mineiro Daniel Dreifuss, filho do cientista político René Dreifuss

Carolina Braga

Daniel Dreifuss produziu No, exibido em mostra paralela de Cannes. Filme estreia no Brasil em breve

(22/5/2012) Arrebatadora. É assim que o produtor Daniel Dreifuss descreve a estreia de No, primeiro longa-metragem produzido por ele, na Quinzena dos Realizadores 2012, uma das mostras paralelas do Festival de Cannes. “Alguns críticos estão perguntando por que o No não está na mostra oficial. Essa reação em Cannes, que não é necessariamente um mercado gentil, mostra que o filme tem capacidade de transcender o movimento político do Chile”, analisa Dreifuss.

Embora tenha nascido em Glasgow, na Escócia, Daniel se considera brasileiro. Ele se mudou com a família para Minas aos 2 anos e viveu aqui até os 20. “Toda a minha formação foi aí. Minha mãe me levava às sessões do Pathé”, lembra. Dirigido pelo chileno Pablo Larraín, o filme com Gael García Bernal na pele de um publicitário é o primeiro grande projeto gerenciado pelo “mineiro” nos Estados Unidos.

Aos 33 anos, Daniel vive desde 2002 em Los Angeles, onde iniciou oficialmente a carreira de produtor cinematográfico. Ele cursou administração na UFMG e cinema na PUC Rio antes de se transferir para Hollywood – lá trabalhou em estúdios importantes, como Paramount, além de representar o escritório da Film Comission do Rio na cidade americana.

“Não tem ninguém na minha família que tenha relação com cinema. Nunca quis ser ator ou diretor. Meu negócio é produzir mesmo. Gosto da parte business do show business”, afirma. Foi justamente promovendo um evento para viabilizar coproduções internacionais que ele se deparou com o projeto de No, apresentado pelo também produtor – e irmão do diretor – Juan Larraín. “Imediatamente falei para ele: ‘você não precisa vender esse projeto para ninguém. Eu quero fazer’”, recorda.

Terceiro filme da trilogia sobre a ditadura no Chile dirigido por Pablo Larraín, No foca especificamente o período do referendo, realizado nos anos 1980, que decidiria se o então presidente Augusto Pinochet continuaria no poder até 1997. Na pele do publicitário René, Gael García Bernal é responsável pela campanha política a favor do não. “As pessoas levantaram e aplaudiram durante quase 10 minutos”, conta Daniel sobre a estreia do longa, na sexta-feira.

Filho do cientista político René Dreifuss, autor do livro 1964 a conquista do Estado, Daniel sempre se interessou por temas ligados a liberdades civis. “É uma questão que sempre esteve muito presente na minha vida particular. Além disso, a primeira pessoa com quem vivi em Los Angeles era viúva de

14 um exilado chileno. Quando conheci essa história sobre liberdade pensei: tenho que ser a pessoa que vai ajudar esse filme a acontecer”,

Para Daniel, a resposta do público e da crítica, de certa maneira, coroa não apenas o interesse pessoal que o aproximou do filme, mas também o trabalho que desenvolve desde 2010. Quando ele se oficializou como produtor do projeto, embora o diretor e o protagonista já estivessem garantidos, o roteiro, assinado por Pedro Peirano, ainda não existia.

“Minha mãe até hoje não entende o que faço. O produtor não é aquele que assina o cheque do filme. É um gerente geral do projeto”, explica. Foi Daniel quem colocou a mão na massa para viabilizar as parcerias em solo americano e garantir a realização de No. Como o filme é falado em castelhano, Dreifuss providenciou o material em inglês para fechar parcerias nos estúdios. Até então, tudo tem dado certo.

No já tem distribuição no Brasil garantida pela Imovision. “Estreia em agosto no Chile e logo depois no Brasil. Mesmo que as datas não estejam confirmadas, o filme chega aí antes da estreia americana”, informa o produtor.

Agência Brasil - Cineasta brasileiro é aplaudido de pé em Cannes, na França

(23/5/2012) Renata Giraldi / Brasília – O cineasta brasileiros Nelson Pereira dos Santos, de 84 anos, foi aplaudido ontem (22) de pé pela plateia após a exibição do filme, dirigido por ele, A Música segundo Tom Jobim, no Festival de Cannes, na França. A homenagem a Santos ocorreu no momento em que o Brasil foi escolhido pela direção do festival como convidado de honra desta edição. O filme foi feito em parceria com Dora Jobim, neta de Tom.

O documentário foi apresentado por Thierry Fremaux, um dos diretores do festival, que teceu uma série de elogios ao cineasta brasileiro. Fremaux lembrou que Santos foi um dos precursores do Cinema Novo. A homenagem a Santos foi acompanhada por vários cineastas, como Cacá Diegues, que preside o júri do Camera d’Or em Cannes, e Karim Ainouz, diretor do filme Madame Satã.

Dora, neta de Tom, disse que a maior dificuldade foi reunir as imagens. "Muita coisa nós só tínhamos no arquivo da família. Foi difícil selecionar. A ideia era que a música conduzisse a história", acrescentou.

A Música segundo Tom Jobim, documentário de Santos, conta em uma hora a trajetória do artista por meio de suas composições. Não há palavras, diálogos e depoimentos. O fio condutor do filme é a melodia dos clássicos de Tom Jobim. Ao longo do filme, as composições de Tom são tocadas por ele, Chico Buarque, Gal Costa, Ella Fitzgerald e Diana Krall, entre outros.

Nas cenas do filme, há imagens com fotos, partituras, cartões postais, capas de discos e outros objetos que reconstituem a trajetória de Tom. O filme foi escolhido pela direção do festival para a sessão especial de ontem, mas a homenagem ao Brasil acaba apenas hoje (23) com uma grande festa no espaço Agora, na Croisette, uma das avenidas mais famosas de Cannes.

Dois filmes brasileiros também serão exibidos no Festival Cannes Classics, nesta edição. São eles Xica da Silva, de Cacá Diegues, e Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. O filme Na Estrada, de Walter Salles, será exibido hoje e disputa a Palma de Ouro. O filme de Salles é considerado, segundo especialistas, um dos favoritos. A última vez que o Brasil ganhou o prêmio foi em 1962, com o filme O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte.

15 TEATRO E DANÇA

Folha de S. Paulo – Leituras e debates lembram Nelson plural

Evento promovido pelo Sesi prevê estreia de duas montagens e realização de exposição no ano do centenário do escritor

Mesas-redondas vão esmiuçar vertentes pouco consideradas de sua produção, como a obra para televisão LUCAS NEVES, EDITOR-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA” (17/5/2012) O maldito do horário nobre da TV, o observador palpiteiro das montagens de suas peças, o investidor que teve prejuízo com as parcas bilheterias das primeiras adaptações de seus textos para o cinema, o escavador da alma humana, o tricolor apaixonado, o romancista esnobado pela "intelligentsia".

É batata. No centenário de nascimento de Nelson Rodrigues (1912-1980), todas essas encarnações do jornalista, escritor e dramaturgo comparecem aos debates, leituras dramáticas (de 15 de suas 17 peças) e montagens que o Sesi paulista promove para marcar a efeméride (veja programação nesta página).

O ciclo, curado pelo jornalista Ruy Castro, autor da biografia "O Anjo Pornográfico" (1992), e com direção artística do encenador Marco Antônio Braz, segue até novembro.

A programação, que deve contemplar a capital e o interior do Estado, inclui uma exposição com edições raras de romances do escritor -como "Meu Destino É Pecar" (1944)- emprestadas pelo próprio Castro e áudios de trechos das histórias de "A Vida como Ela É" interpretadas pelo elenco da Rádio Nacional.

A mostra será aberta em agosto, mês de nascimento do homenageado.

Uma das vertentes rodriguianas menos conhecidas que Castro pretende iluminar é a sua produção televisiva. Na extinta TV Rio, em 1963, ele estreava a novela "A Morta sem Espelho", com e Paulo Gracindo. No ano seguinte, viriam "Sonho de Amor" e "O Desconhecido".

"A censura implicava pra burro com o Nelson e com a TV Rio. Obrigava o canal a colocar as novelas no ar cada vez mais tarde", lembra o curador.

"Ele era o maldito do horário nobre, mesmo. Daí a importância do Daniel Filho, que, para espanto até meu, botou o Nelson no 'Fantástico' [no quadro de dramaturgia 'A Vida como Ela É', em 1996]", conta Castro.

"Tem tudo ali, toda a nudez possível. Daniel não maquiou nada. Isso foi possível porque ali talvez já se tivesse uma visão mais completa sobre ele, não apenas de um tarado ou coisa parecida", diz.

Outro estereótipo ligado ao escritor que o ciclo vai tentar desmontar é o do moralista incorrigível.

"Essa é uma palavra complicada para se aplicar a ele. O Nelson diz que a mulher precisa trair para não apodrecer. Não está, portanto, condenando o adultério. Ele quer que as pessoas ponham para fora pulsões, de modo a se purificarem. Por isso é que os psicanalistas o adoram."

O refinado faro do escritor para a autopromoção também estará em pauta.

"No fundo, era um ator", define Castro. "Assimilava os insultos dirigidos a ele. Tratava-se de um publicitário 'avant la lettre'. Na época de 'Anjo Negro' [1947], fez circular, no 'Diário da Noite', um anúncio com a seguinte provocação: 'Imoral ou obra de arte? Decida você vendo'."

16 O Globo - Da margem para o centro do palco

Chacal estreia monólogo que mescla sua história à da cena alternativa carioca

Mauro Ventura

CHACAL: adaptação da autobiografia do poeta está no Espaço SESC

(18/5/2012) Como Ricardo de Carvalho Duarte ele passou despercebido pelos últimos 41 anos da vida carioca. Mas, como Chacal, tem uma história que se confunde com parte da cena cultural do Rio. É o que os espectadores poderão confirmar a partir de hoje, quando Chacal — apelido que veio de uma gíria dos anos 1960, para se referir a algo legal — estreia o monólogo “Uma história à margem”, às 20h, no Espaço Sesc, em Copacabana.

O espetáculo, dirigido por Alex Cassal, é baseado no livro de mesmo nome lançado pelo poeta, performer e produtor cultural em 2010. Mas como condensar 250 páginas em uma hora e meia?

— O critério de escolha foram passagens que tinham relevância cultural e histórica maior. Não é minha história pessoal só, é ela confundida com os movimentos. Não fica uma coisa tão subjetiva da minha vida — diz ele, que completa 61 anos dia 24, sempre em movimento.

E aí surgem no palco a poesia mimeografada, o grupo Nuvem Cigana, o Asdrúbal Trouxe o , a Blitz, o Circo Voador, o CEP 20.000. E figuras como Oswald de Andrade, Torquato Neto, Waly Salomão, Hélio Oiticica, Allen Ginsberg, Perfeito Fortuna, Fausto Fawcett. — Falo poemas de Torquato e Waly, e conto meus encontros com eles — exemplifica. Chacal fala um trecho do poema “Uivo”, de Ginsberg, no original, em inglês.

— Tê-lo visto em Londres foi capital para mim. Ginsberg é o meu guia dentro da palavra falada, assim como Oswald dentro da palavra escrita. A decisão de levar o livro ao palco veio naturalmente.

— Gosto de fazer performances de meus livros, trabalhar as sonoridades, os ritmos. Ele não se esquiva de abordar suas duas quase mortes. A primeira quando foi atropelado em São Paulo, em 1978, bêbado. Mas a referência aparece quando ele fala o texto final de “Trate-me leão”, do Asdrúbal, que aborda o tempo.

— Não dou a dimensão toda que o episódio tem no livro, se não ia ficar muito dramático. O outro incidente aparece de forma mais evidente. Foi em 1987, após deixar Cazuza em casa. Estava trôpego, num “delírio ambulatório”, e, ao ver o muro do Jockey, decidiu pular. Os seguranças tentaram pegálo e ele foi parar no hospital, após uma queda.

— Esse episódio, menos conhecido, está bem detalhado, estou me expondo legal. Mas não é uma reconstituição literal.

— Fico em cima de um banquinho e faço aquela coisa de fingir que estou pendurado no parapeito, e caio. É mímica. As drogas não aparecem de forma explícita.

— Falo do Píer de Ipanema e da hora em que sou preso, tinha tomado ácido para ver um show de Hermeto Pascoal. Encenação estilizada Não se trata de uma peça tradicional, nem de um recital.

— Não sou só eu contando histórias. Senão ia ficar muito relato. Tem encenação. Mas é tudo muito estilizado — diz ele, que “se arrisca” a cantar músicas da Blitz, de Waly Salomão e do bloco Charme da Simpatia, do qual foi um dos fundadores. Além das canções da época, há composições originais, de Rafael Rocha, da banda TONOS.

17 A cenografia de André Weller usa módulos que remetem a locais como um deque de madeira/ píer, evocando as dunas de Ipanema e uma barraca de camelô, que vira o Circo Voador.

É uma trajetória vivida intensamente, no limite, mas Chacal prefere sintetizar o espetáculo de outra forma. — É a história de um cara que resolveu viver de poesia — diz ele, que em agosto lança o infanto-juvenil “Murundum”. — Minha poesia fala muito com essa geração.

Valor Econômico - Um dramaturgo inserido em seu tempo

Por Valmir Santos | Para o Valor, de São Paulo

(21/5/2012) Em meio ao turbilhão do centenário de nascimento de Nelson Rodrigues (1912-1980), o Teatro da Universidade de São Paulo (Tusp) demarca a efeméride de outro importante nome da dramaturgia brasileira moderna. Jorge Andrade nasceu em Barretos (SP) em 21 de maio de 1922, ou seja, se vivo, completaria hoje 90 anos.

Leitura de "As Confrarias", com Cia. Mungunza; evento no Tusp celebra 90 anos de nascimento de Jorge Andrade, dramaturgo para quem o teatro deve apresentar o homem através das história

"Jorge Andrade - 90 Anos - (re)leituras" oferece uma série de encontros gratuitos que combinam apresentações de núcleos artísticos e reflexão teórica do legado do autor. Para o dramaturgo, o teatro deve apresentar o homem através da história, registrá-lo no seu tempo e no seu espaço, sem maniqueísmo. Suas peças investigam o passado para compreender e explicar o presente, como mostram "A Moratória", "Vereda da Salvação", "Os Ossos do Barão" e "Rasto Atrás", entre outras escritas durante as décadas de 1950 e 1970.

A decadência das elites rurais e urbanas e a formação de uma nova sociedade, protagonizada pelo imigrante e pelo ciclo industrial, estão nessa dramaturgia. O professor de literatura e historiador João Roberto Faria afirma que Andrade aborda a constituição da estrutura social do que ele chama de "civilização paulista", nascida da ligação do campo e da cidade, alicerçada sobre o dinheiro do café, "numa mesma expressão econômica e política".

"No passado remoto, essa 'civilização paulista' originou-se com os bandeirantes que procuraram as minas de ouro e pedras preciosas. O tema está em 'O Sumidouro', que gira em torno de Fernão Dias e seu filho mameluco, peça que mostra 'o começo da formação das elites paulistas'. Depois, com 'Pedreira das Almas', chega-se ao esgotamento do ciclo do ouro, início do ciclo do café com a ida do personagem Gabriel para São Paulo, onde serão formadas as grandes fazendas. O fim desse ciclo está em 'A Moratória', que anuncia, por outro lado, o início do ciclo da máquina", diz Faria.

Quanto às peças rurais, "Escada" expõe a decadência da elite paulista, ao passo que "Os Ossos do Barão" diverte com seu efeito cômico e ensina com o seu registro histórico da ascensão do imigrante, da formação de uma nova elite econômica industrial.

O fluxo consciente dessa abrangência é elaborado pelo próprio Andrade no volume "Marta, a Árvore e o Relógio" (1970), no qual reúne dez dos seus textos mais expressivos e faz pequenas modificações a fim de compor um conjunto épico - a saga vivida por famílias que se relacionam desde

18 o século XVII, época dos bandeirantes, até o final do séc. XX. Trata-se de "uma epopeia dramática monumental", nas palavras do ensaísta e crítico alemão Anatol Rosenfeld (1912 - 1973), para quem o autor "acrescenta à visão épica da saga nordestina a voz mais dramática do mundo bandeirante". Uma construção feita com "o desenho dos monumentos pacientemente elaborados", diz o crítico Sábato Magaldi. Ou ainda o "mais orgânico e talvez único ciclo dramático, na acepção do termo, que o teatro brasileiro produziu até agora", diz o professor e editor Jacó Guinsburg.

Para Rosenfeld, a simbologia do título do catatau está na imagem do relógio parado em alusão ao tempo estagnado da decadência, à indolência e incapacidade de ação, a uma relação distorcida da realidade. A árvore sugere as raízes, a visão orgânico-histórica que associa o crescimento e o futuro às origens enquanto evoca o movimento cíclico das estações, além de representar o peso do passado e das gerações de ancestrais das quais tantos personagens procuram se libertar. Marta, por sua vez, é a protagonista de "As Confrarias", no passado colonial, convertida em empregada em "O Sumidouro", no passado remoto.

Andrade chegou a dizer que tinha escrito não dez, mas uma só grande peça em dez partes. E que elas deveriam ser encenadas em dez dias seguidos. Isso nunca aconteceu. O evento no Tusp lê o ciclo completo, debate peças fora dele e mira outras dimensões da obra. "Tanto as palestras como as leituras dramatizadas retomam sempre a ideia de uma organicidade inalienável da obra como um todo. Os ecos mútuos entre dramaturgia, jornalismo e teledramaturgia são importantes", afirma a professora e pesquisadora de artes cênicas Elizabeth Azevedo, uma das organizadoras do evento.

"Jorge sempre foi reconhecido pela crítica como um dos mais importantes autores do teatro brasileiro, mesmo que seus textos não frequentem os palcos com maior assiduidade, como merecem. Por outro lado, sua obra tem sido objeto constante de análises acadêmicas, gerando inúmeras dissertações e teses."

Uma passagem biográfica do início dos anos 1950 dá notícias de como o teatro atravessou a vida de Andrade, morto em 1984 aos 61 anos. Aos 28 anos, saiu da fazendo do pai, na região de Barretos, desgostoso com o trabalho de fiscal de plantação de café. Rumou para Santos disposto a sumir no mundo em algum navio, uma vez que desistira do curso de direito e descartara a carreira militar. No caminho, parou em São Paulo, assistiu a um espetáculo com Cacilda Becker, conseguiu conversar com a atriz e disse que queria ser ator. Percebendo seu potencial para dramaturgo, aconselhou Andrade a entrar na Escola de Arte Dramática. Eis o ponto de mutação. Descendente dos fazendeiros estabelecidos em São Paulo com o fim do ciclo do ouro em Minas, tendo presenciado a derrocada de sua classe social, casado mais tarde com uma legítima paulista quatrocentona, coube ao dramaturgo articular a memória pessoal e a memória familiar para semear o seu diálogo forte e incisivo.

Zero Hora – Exército de um homem só

Diones Camargo firma-se como voz singular na dramaturgia do Estado

FÁBIO PRIKLADNICKI

(22/5/2012) Diones Camargo é uma figura rara na cena cultural do Estado. Com 32 anos, trilhou o incerto caminho dos que resolvem escrever peças de teatro e fazer disso seu ofício. Em meio a uma pujante geração de jovens romancistas e contistas, ele decidiu fazer parte da descontínua tradição dos dramaturgos gaúchos.

Diferentemente de um escritor literário, o dramaturgo não tem como primeiro desafio publicar seus textos. Ele precisa, antes, convencer grupos e diretores a encenar suas peças para comprovar sua relevância. Diones pode se considerar bem-sucedido na tarefa. Escreveu para algumas das principais companhias do Estado. Atualmente, participa de um projeto do Porto Alegre Em Cena sobre a obra de Nelson Rodrigues.

Depois de experiências como ator na adolescência, Diones começou a escrever em 2003, época em que seus pais se separaram. A primeira peça a que assistiu foi A Gaivota, de Tchekhov, em 1994, no Porto Alegre Em Cena. Nascido em Alegrete, teve uma infância sem luxo e se mudou para a Capital com a família.

19 No currículo, estão dois prêmios de dramaturgia da Funarte. O primeiro deles resultou na encenação de sua primeira peça, Andy/Edie, em 2006, com direção de João de Ricardo, da Cia Espaço em BRANCO. A peça pela qual recebeu o segundo prêmio, em 2007, deverá ser publicada em Cuba, em uma coletânea de novos autores brasileiros.

O dramaturgo foi indicado cinco vezes ao Prêmio Açorianos de Teatro da prefeitura de Porto Alegre. Jamais levou. Na cerimônia das peças estreadas em 2011, concorreu com duas, entre elas Hotel Fuck, espetáculo em três episódios da Santa Estação, sobre um menino que se torna serial killer, que Diones considera seu melhor texto até o momento:

– Não tenho mais interesse em participar daquele circo todo, exceto, talvez, quando seus organizadores passarem a destinar algum valor em dinheiro ao vencedor na categoria de dramaturgia, que é um alicerce tão importante quanto a direção e a atuação num espetáculo.

O próximo projeto é a mostra O Império da Felicidade Eterna, com textos, vídeos e fotos, em parceria com o artista Martin Heuser, a ser inaugurada em 12 de junho na Galeria La Photo, na Capital. Outra meta é concluir a graduação em Teatro na UFRGS, na qual ingressou em 2005. Diones não esconde a frustração pela ausência de um “núcleo de formação” em dramaturgia em Porto Alegre.

– Os melhores professores que eu tive foram os profissionais com quem já trabalhei ao longo destes seis anos de atividade como dramaturgo. Eles, sim, me ensinaram boa parte daquilo que sei hoje, não a universidade. Após 11 peças, essa é a verdade que se impõe.

ARTES PLÁSTICAS

Folha de S. Paulo – Maiolino é vencedora do 1º Prêmio Masp Nascida na Itália e radicada no Brasil, artista recebe R$ 200 mil, uma das maiores premiações da arte contemporânea

Apontado como talento emergente, mineiro Paulo Nazareth ganhará R$ 60 mil; "Vou investir em banana", brinca FABIO CYPRIANO, CRÍTICO DA FOLHA (17/5/2012) A artista Anna Maria Maiolino é a vencedora da primeira edição do Prêmio Masp/Mercedes-Benz de Artes Visuais 2012, e irá receber R$ 200 mil, um dos maiores valores para prêmios voltados à arte contemporânea.

"Esse prêmio é como a confirmação da afiliação pela qual optei, do meu desejo de ser adotada pelo Brasil. Afinal, estou aqui desde os anos 1960", disse Maiolino à Folha, anteontem, pouco antes de embarcar para a Alemanha. Lá, participa da 13ª Documenta, em Kassel.

Nascida na Itália e tendo vivido na Venezuela, Maiolino foi desenvolver no Brasil a maior parte de sua carreira. "Minha obra é totalmente devedora da arte brasileira, foi aqui que ela germinou. Com esse prêmio, me reconcilio com a minha vida peregrina", definiu ela, que completa 70 anos no domingo.

Também foi oferecido um prêmio de R$ 60 mil ao mineiro Paulo Nazareth, como "talento emergente". Ele está em cartaz em São Paulo na mostra "Noticias de America", na galeria Mendes Wood.

O que vai fazer com o dinheiro? "Investir em banana. Comprar uns três porcos e um lote para plantar banana", brincou Nazareth.

O anúncio dos premiados representa uma alteração no projeto inicial do Museu de Arte de São Paulo (Masp), que seria relacionar três finalistas e dar a todos uma mostra na instituição. Somente então o júri escolheria um vencedor.

"Achamos que não teria sentido ter duas etapas. Seria mais correto indicar já o vencedor", disse Chris Dercon, diretor da Tate Modern, em Londres, que compôs o comitê com o colombiano José Roca e os curadores brasileiros Moacir dos Anjos, Paulo Herkenhoff e Teixeira Coelho, do Masp.

20 Para dos Anjos, uma das razões que levaram à escolha de Maiolino foi o fato de haver, em sua obra, "uma afirmação da potência da 'coisa' e do 'gesto' comuns, da possibilidade de encontrar, no cotidiano, elementos que nos reposicionem diante da vida partilhada com os outros".

O Globo - As ‘moradas’ arquitetônicas e volumosas de Elizabeth Jobim

Artista leva à Lurixs obras que extrapolam a bidimensionalidade

Catharina Wrede

UMAS das dez obras da mostra “Mineral”, que será aberta hoje: telas agrupadas e inúmeras camadas de tinta

(17/5/2012) No texto da exposição “Mineral”, que a carioca Elizabeth Jobim inaugura hoje, às 18h, na galeria Lurixs, o crítico Felipe Scovino diz estar diante de “quartos, ambientes, salas, portas, e toda a sorte de espaços arquitetônicos”. As obras são como “moradas”, ele diz, que ressaltam o melhor do diálogo entre o neoconcretismo e as produções artísticas posteriores no Brasil.

Com dez trabalhos reunidos — ocupando tanto a galeria principal quanto o anexo —, a mostra se caracteriza por apresentar telas que extrapolam os limites da bidimensionalidade, saltando aos olhos. Feitas sob medida, em tamanhos diferentes e dispostas lado a lado, elas criam composições distintas, de alturas e volumes variados. Apesar de já ter exposto, em 2008, na mesma galeria, uma instalação que seguia a mesma proposta, Elizabeth considera que esta é a primeira vez que exibe no Rio os volumes em forma de quadros. Antes, a artista os apresentou na Pinacoteca de São Paulo, em 2010, com uma obra que ela pretende expor no MAM do Rio em 2013.

Os trabalhos, em pequenos e grandes formatos, apresentam a cartela de cores característica de Elizabeth, só que muito mais fechada. Os vermelhos, azuis e verdes surgem escuros, por vezes quase pretos, enganando quem os vê. Apesar disso, se observadas atentamente, as cores demonstram nuances de tons e um brilho translúcido que permite enxergar as camadas de tinta a óleo.

— Aplico a tinta com rolos, e não com pincéis — conta a artista. — Mas o trabalho não é chapado, como se poderia imaginar. Tenho buscado essas variações e sobreposições de cores, em que o que se vê é uma camada transparente de tinta.

Como base de referência para começar a criar os trabalhos, Elizabeth utiliza pedras de diferentes tamanhos como modelos de desenho. Segundo ela, o exercício é feito numerosas vezes, até a figura literal das pedras ir desaparecendo e se transformando em formas mais geométricas — cortes, linhas e quinas. Surgem, assim, superfícies grandes de tinta e de vazios. As tais “moradas” de Scovino. — São trabalhos muito ligados à arquitetura — ela diz

Folha de S. Paulo – Desenhos de guerra de Lasar Segall são expostos em SP Caderno com 75 desenhos do artista é reeditado em livro e exibido em mostra no Centro da Cultura Judaica

Imagens mostram cenas de terror, como mães mortas e vítimas dos fornos nos campos de concentração (18/05/12) DE SÃO PAULO - Olhos vazios se enchem de cadáveres e multidões se afunilam na porta dos fornos dos campos de concentração. Entre 1940 e 1943, durante a Segunda Guerra, Lasar Segall despejou todo o horror que acompanhou pelos jornais e pelo rádio numa série de 75 desenhos do conflito.

21 São imagens de terror, tristeza e desespero que desfilam pelas páginas de um pequeno caderno que passou anos quase desconhecido.

Agora, todos esses desenhos foram reproduzidos num livro e estão sendo exibidos na íntegra numa mostra aberta ontem no Centro da Cultura Judaica.

"Ele sentia uma impotência em relação a esse conflito que estava destruindo suas raízes", diz Benjamin Seroussi, um dos curadores da mostra. "Então ele se sentiu levado a criar um caderno que o deixasse engajado."

Nascido na Lituânia em 1891 e radicado em São Paulo, onde morreu em 1957, Segall nunca esqueceu suas origens e trocou cartas com artistas que ficaram na Europa durante os anos de guerra.

Seu caderno de desenhos acabou sendo um ponto de partida para obras célebres de sua trajetória, algumas delas na mostra do Centro da Cultura Judaica, como "Arame Farpado", "Campo de Concentração" e "Pogrom".

Nesta última, Segall pediu à mulher que ficasse na posição dos vários corpos amontoados, vítimas de um massacre de judeus, para que pudesse pintar a tela de 1937.

Enquanto suas telas expressionistas parecem transbordar com o horror do conflito, em traços carregados e volumes mergulhados numa paleta de cinzas e ocres, os desenhos do caderno parecem feitos no calor da hora, de linhas rápidas e febris.

É como se ele esboçasse ali um repertório para abastecer suas telas mais lapidadas. Formas como os corpos amontoados nos fornos, mães mortas e figuras em fuga se repetem nas pinturas.

"Esse tema da guerra perpassa toda a obra do Segall", diz Jorge Schwartz, diretor do Museu Lasar Segall. "Mas o caderno ainda mantém certo ineditismo." (silas martí)

O Globo - Eduardo Climachauska traz ao Rio esculturas em tensão

Artista paulistano abre hoje sua primeira individual na cidade

Audrey Furlaneto “HO-BA-LA-LA” (em primeiro plano) e “Felicidade de arranha céu”, na galeria Laura Marsiaj: 500 quilos em estado de suspensão

(18/05/2012) Eduardo Climachauska está parado à porta da sala onde estão duas esculturas. Mão no queixo, observa as obras de sua primeira exposição individual no Rio, aberta ao público hoje, na galeria Laura Marsiaj, em Ipanema. O que dizem “Ho-ba-la-la” e “Felicidade de arranha céu”, as grandes esculturas que beiram a queda naquela pequena sala da exposição da galeria?

— Eu não sei. Realmente, não sei. Só faço coisas que não sei. Se soubesse, não precisava fazer — afirma o artista. — Este é o momento em que menos conheço o trabalho. É um pouco, pensando alto, a hora tensa para mim. A compreensão de uma obra nunca é completa.

Zona do desconforto

Aos 54 anos, o artista paulistano criou “Ho-ba-la-la” para uma mostra em São Paulo, na galeria Eduardo Fernandes, no ano passado. Na obra, dois cilindros de mármore estão presos à parede por um fino fio metálico (o de menor espessura possível para evitar a queda, segundo o artista). As duas partes, que, somadas, pesam cerca de 500 quilos, estão em equilíbrio perfeito e, ao menor toque, podem desabar. — O trabalho está em tensão absoluta. É o limite que tenho para que não desabe, e só tenho garantias de que não vai cair porque testei — explica o artista, que instalou uma barra de ferro na parte externa da parede a fim de segurar a escultura.

A exposição, como o próprio Climachauska define, “não é confortável e, no entanto, é sedutora”.

22 Para o espectador, o espaço, de fato, causa alguma angústia. A sensação é de que tudo está na iminência de desabar.

“HO-BA-LA-LA” (em primeiro plano) e “Felicidade de arranha céu”, na galeria Laura Marsiaj: 500 quilos em estado de suspensão

— O que almejo é que a tensão não se dissipe — afirma ele. — Há uma frase do Borges que diz algo como: “A arte é a iminência de uma revelação que não se dá”. Eu me lembro que uma vez, no Metropolitan, estava vendo um Velázquez e tinha a sensação de que algo seria revelado a mim e que eu não podia ir embora, tinha de estar ali, diante da obra para a revelação que, enfim, não aconteceria.

Vizinha a “Ho-ba-la-la” está “Felicidade de arranha céu”, trabalho que dá título à exposição. Nela, um grande vidro fumê tem apenas um dos quatro cantos encostados numa placa de zinco na parede. O equilíbrio se dá apenas por esse ponto e, mais uma vez, surge a angústia pela possibilidade de queda.

Com formação em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Climachauska parece esculpir um fotograma, um fragmento de uma situação em que algo está prestes a se revelar.

— Aqui dentro, é como se fosse um momento congelado. Estamos aqui em estado de suspensão. Não é uma pausa, porque a palavra pausa indica algum conforto, e meu trabalho não tem conforto, não é fofinho, não convida a estar e permanecer.

Para ampliar o desconforto, o artista acrescentou cal à base do vidro fumê que, portanto, poderia deslizar mais facilmente rumo à queda. Em “Felicidade de arranha céu”, explica o artista, “nada vem para apaziguar”.

— Encostar metal numa ponta de vidro já não é algo confortável, tem um som rascante, desagradável. O mesmo se dá no cabo de metal amarrando o mármore. A suspensão amplia essa aflição, essa ansiedade.

Há clara referência a Sérgio Camargo, no mármore de “Hoba- la-la”, e, segundo Climachauska, uma “atitude” de Amilcar de Castro. As duas obras formam uma exposição pequena e simples que, no entanto, diz o artista, já surge cheia de questões.

Correio Braziliense – O milagre dos vitrais

Marianne Peretti, criadora das peças que adornam monumentos de Niemeyer, volta para ver a recuperação da Catedral

Nahima Maciel

(18/5/2012) Quando Marianne Peretti senta em um dos bancos corridos da Catedral e olha para cima, ela tem certeza de ter vivido um milagre. “Tudo em Brasília é um milagre”, repara. Mas a Catedral, para artista franco-brasileira, é o maior deles. Aos 85 anos, ela não se cansa de observar os detalhes e sempre fica preocupada quanto à maneira que a obra será recebida pelos visitantes. Inquietude natural, já que os 2 mil m² de vitrais instalados no teto da Catedral são a maior obra realizada por Marianne em mais de cinco décadas de trajetória artística. Ela conta que até virou religiosa quando terminou o trabalho. “Mas Niemeyer não é. Só que quando ele tem problemas muito grandes, fica um pouco”, revela.

23 Em casa: Marianne Peretti não escondeu a alegria ao visitar a Catedral e ao se deparar com os vitrais limpos e recuperados das trincas

Oscar Niemeyer só confiou os vitrais a Marianne Peretti depois de vários testes de grande porte. Em 1979, ela fez painéis para o Senado e para o Palácio do Jaburu. No ano seguinte, compôs o teto da cripta de Juscelino Kubitschek no Memorial JK e a escultura do pássaro dourado do Foyer da Sala Villa-Lobos no Teatro Nacional. No fim da década de 1980, vieram as formas orgânicas avermelhadas que aquecem o ambiente escuro do Panteão. Nesse momento, Niemeyer começou a cobrar a Catedral. “Ele falou durante anos que era preciso fazer, mas eu não me entusiasmava muito porque achava muito grande. Dizia que podíamos limpar bem o vidro, que ficava bonito com as nuvens. Quando inaugurou o Panteão, não pude mais negar.”

Com liberdade total e um ateliê montado no Ginásio Nilson Nelson — único espaço suficientemente grande para receber os gigantescos desenhos dos vitrais —, Marianne encarou o trabalho. Escolheu as cores azul e verde simplesmente porque gosta e as formas abstratas, ela garante, não representam nada. O padre responsável pela igreja não gostou. Queria anjinhos desenhados em cada vitral. Marianne não teve dúvida: pediu a remoção do sacerdote. “Não podemos conceber essa Catedral, única no mundo, com santos nos vitrais. Não é possível. O padre tinha uma visão antiga, ele detestava a arquitetura e os vitrais. Pedi que fosse transferido para uma igreja pequena, sem problemas, sem histórias. Ele deve estar contente.”

Marianne também é categórica ao observar alguns elementos hoje dispostos no salão da Catedral. A Pietà vagamente inspirada em Michelangelo, por exemplo, ela não aceita. “Não se pode colocar uma Pietà de renascença em uma arquitetura atual. Não funciona. Não combina. Isso é para colocar em uma igreja tradicional, na qual não tem invenção.” A artista visitou o local pela última vez em 2010. Foi uma passagem rápida para conferir os detalhes de um restauro que repôs cerca de 200 peças trincadas e quebradas.

Variações

A obra ainda não estava concluída e ficou combinado de Marianne retornar quando as peças chegassem. Ela queria checar a montagem e as cores. Nesta semana, acompanhada de uma turma de alunos do Liceu Francês, ela viu o resultado final. E não ficou totalmente satisfeita. O branco do ovo posicionado acima do altar, segundo a artista, não é o branco certo. “Não me chamaram no momento em que a firma nova fez os vidros. Vejo que esse branco não era o branco. Tenho a impressão de que há uma modificação na colocação, mas não dá para dizer onde, é coisa de louco.”

24 Os primeiros vitrais foram inaugurados em 1990, mas as variações de calor e frio desestabilizaram algumas peças e a reforma foi necessária para evitar o estilhaçamento da estrutura. Marianne gostou de ver os vidros limpos e translúcidos, embora acredite que a limpeza ainda não esteja perfeita. Os vitrais mais altos poderiam estar mais transparentes na concepção perfeccionista da artista. “Ela está linda porque está limpa. Isso é muito importante. Essa parte que é transparente deixa ver as nuvens, sempre muito bonitas no céu de Brasília. Em cima fica muito sujo e só quem pode limpar são os bombeiros. Se você olha lá em cima, vai ver que estão menos limpos.”

Pequenina dentro de seu 1,63m, encantada com os 30 m de altura do ponto mais alto da cúpula da Catedral, ela admira a obra com um sorriso no rosto. Entre as 17 criações realizadas ao longo da vida para prédios de Niemeyer, esta é a de que mais gosta. “Foi tão difícil. É como uma criança.” Mas ainda é o futuro que mais deslumbra a artista. Incansável e tão produtiva quanto o arquiteto responsável por projetar seu nome como vitralista, ela agora trabalha em dois projetos no ateliê em Olinda, onde mora. Um deles é para um apartamento brasiliense. O outro, para um museu de ciências.

Dúvidas do arquiteto Quando os vitrais foram inaugurados, o arquiteto teria ficado apreensivo. “Oscar ficou um pouco nervoso porque ele achou que os vitrais distrairiam a atenção sobre o que deveria ser uma obra dele. Mas acho que funcionou, ele ficou muito contente.”

Três perguntas / Entrevista / Marianne Peretti

Como a senhora concebeu os vitrais?

A Catedral era triste e sombria. Havia um vidro exterior marrom translúcido e não dava para fazer vitrais no interior com um fundo marrom. Pedi ao Niemeyer para tirar os vidros. Foi um choque para algumas pessoas. Depois, pedi para pintar de branco as colunas para que o sol não batesse muito nos padres que rezavam a missa de manhã. A solução veio com esse vidro fosco: quando o sol bate, atenua uma grande parte. Ela parecia muito menor. A sensação fazia que parecesse menor. Agora, ela parece muito grande e alegre.

Há muitas interpretações da sua obra na internet. Diz-se que os vitrais têm algo de gótico, que a Catedral, de renascentista, que o azul e o verde significam a Bandeira do Brasil, que os vidros seriam cristais. A senhora concorda com alguma delas?

São besteiras. Isso é vidro alemão. Precisava de uma coisa muito mais calma, pensei no verde e no azul. As pessoas inventam que é a bandeira, mas não é nada disso — eu acho bonito o azul, o verde e o branco leitoso. (Quanto ao gótico), impossível. As pessoas encontram coisas onde não tem nada. O que pode ter a ver com o gótico? Nada. Somente que há chumbo e vidro. As pessoas ficam discutindo coisinhas, detalhes, elas precisam dessas coisas, mas não há nada para discutir. Ou você gosta, ou não gosta. É assim. É como as pessoas. Há pessoas que você gosta e outras que você não gosta.

Acha que suas obras em Brasília estão bem preservadas?

Isso eu não sei. Não visito todas porque tem muitas. No Jaburu, não dá para entrar, porque é o vice- presidente. As coisas do STJ estão mais ou menos bem cuidadas. É uma cidade em formação ainda, estamos em um país em formação. Os franceses tomam muito cuidado quando algo acontece com uma obra pública. Eles limpam muito rápido, arrumam muito rápido porque sabem como fica difícil depois, se a coisa piorar. Mas o brasileiro não tem essa noção. Ele vai adquirir um dia, provavelmente. É como um buraco na rua. Quando é um buraquinho, não é nada para consertar. Mas se você tem um buraco grande, fica complicado, caro e demorado.

25 O Estado de S. Paulo - Interesse pelos Brics faz obras do Brasil serem destaques de leilões em NY

Dos 114 lotes oferecidos nas sessões do leilão da Phillips de Pury, 42 são criações de brasileiros

TONICA CHAGAS - ESPECIAL PARA O ESTADO

'Navio Negreiro', do artista Di Cavalcante

(21/5/2012) NOVA YORK - Nos leilões de arte latino-americana que começam hoje e vão até quinta-feira, em Nova York, a maior estimativa de preço é para Niña en Azul y Blanco (Retrato de Juanita Rosas a Los Diez Años de Edad), um Diego Rivera de 1939 para o qual a Sotheby’s presume alcançar entre US$ 4 milhões e US$ 6 milhões. Mas uma obra de Adriana Varejão ilustra a capa do catálogo da Phillips de Pury; a capa do da Christie’s exibe um óleo sobre tela raro de Portinari; e a Sotheby’s ainda tem um trabalho de Sérgio Camargo entre os dez lotes com estimativa mais alta de preço.

Tamanho destaque para a arte brasileira não é coincidência. Segundo os consignatários, trata-se de uma tendência que reflete na área artística o fortalecimento econômico dos países agrupados no acrônimo Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “O mercado internacional começa a ficar atento ao que pode ser um grande boom”, observa o inglês Henry Allsopp, especialista em arte contemporânea, chefe internacional da Phillips para a América Latina e responsável por leilões temáticos com obras de arte originária dos quatro primeiros países do grupo, realizados em Londres em 2010 e no ano passado.

Dos 114 lotes oferecidos nas sessões de hoje e amanhã do leilão da Phillips de Pury, 42 são obras de artistas brasileiros. “Nosso objetivo é destacar a enorme profundidade e sofisticação da arte produzida no país mais importante da América Latina”, diz Allsopp. Na opinião dele, “desde os neoconcretos, a arte contemporânea brasileira está ombro a ombro com a europeia e americana, algo que está chamando atenção agora”, como consequência do processo que levou o Brasil a passar o Reino Unido e tomar a posição de sexta maior economia do mundo.

“É um fenômeno feliz porque a arte ganha peso nessa equação”, considera Kátia Mindlin Leite Barbosa, presidente da Sotheby’s Brasil. A filial da corporação criada em Londres há mais de dois séculos foi aberta em São Paulo no fim do ano passado, depois das de Hong Kong e Moscou. Tanto quanto mercado para vendas, Kátia vê o País como “um celeiro de talentos que está sendo descoberto tardiamente”. Mas, pelo acompanhamento de leilões internacionais, ela percebe que “os preços para obras brasileiras aumentaram de três anos para cá e, quem tem, já considera a venda porque terá lucro”.

Allsopp conta ser “apaixonado pela arte brasileira” desde que viu uma exposição de Hélio Oiticica em Londres, em 1994. Por isso acrescenta como fatores para aumento desse interesse exposições recentes como a de Mira Schendel no MoMA, em Nova York, e a de Lygia Pape no Reina Sofía, de Madri, além da visão que artistas como Adriana Varejão e Beatriz Milhazes, líderes em termos de cotação, ganharam passando a ser representadas por galerias internacionais. A dificuldade para ampliar a captação e circulação da arte brasileira pelo mundo estaria na força do próprio mercado interno, segundo o mexicano Virgilio Garza, chefe do Departamento de Arte Latino-americana da Christie’s. Isso explicaria a razão de grande parte das obras oferecidas nos leilões de Nova York ter procedência de outros países.

Açougue Song, mídia mista sobre tela de Adriana que está na capa do catálogo da Phillips, é consignação de um colecionador americano. Criado em 2000, o quadro tem valor estimado entre US$ 500 mil e US$ 700 mil - o segundo mais alto na seleção da casa depois da escultura Reclining Woman with Drapery, de 2004, do colombiano Fernando Botero, avaliado entre US$ 600 mil e US$

26 800 mil. Navio Negreiro, quadro que Portinari pintou em Paris, em 1950, e foi adquirido naquele mesmo ano pelo embaixador brasileiro Jaime de Barros, pertence a familiares do diplomata que residem nos Estados Unidos, segundo informa Garza. Avaliada entre US$ 700 mil e US$ 900 mil, a pintura de Portinari está entre os dez lotes com estimativa mais alta de preço no leilão da Christie’s.

Com o mesmo destaque, Hommage à Fontana, que Sérgio Camargo construiu em Paris, em 1967, vem de uma coleção particular escandinava e tem preço estimado pela Sotheby’s entre US$ 600 mil e US$ 800 mil.

É mais provável que essas obras continuem fora do Brasil. Se forem adquiridas por colecionadores brasileiros, “terão o valor do frete agregado e, com os impostos de importação cobrados no País, o preço delas sobe em torno de 45%”, explica a presidente da Sotheby's brasileira.

O grito foi marco em ano de recordes

Os leilões de arte nesta temporada de primavera em Nova York ficaram marcados pelo valor estonteante pago por um pastel de O Grito, do norueguês Edvard Munch. Levado por US$119,9 milhões na venda de obras impressionistas e modernas da Sotheby’s, uma das quatro versões do quadro (Munch criou dois desenhos e dois óleos com a mesma imagem) abocanhou o recorde atual de preço pago por obra de arte em venda pública. Com perto de US$ 1,5 bilhão na soma das vendas na Sotheby’s, na Christie’s e na Phillips de Pury, outros recordes marcaram a temporada, principalmente para artistas contemporâneos.

Em parte graças ao preço alcançado pela obra de Munch, o total obtido pela Sotheby’s no leilão de arte impressionista e moderna chegou a US$ 330,5 milhões - quase o dobro dos US$ 170,5 milhões de maio de 2011. Foi o maior que a casa já registrou para esse segmento e o segundo mais alto de todos os tempos, depois dos US$ 362 milhões de maio de 2008.

O preço pago pelo quadro de Mark Rothko Orange, Red, Yellow, de 1961, com estimativa entre US$ 35 milhões e US$ 45 milhões, só ficou atrás do de O Grito. Saiu por US$ 86,8 milhões no leilão de arte do pós-guerra e contemporânea da Christie’s e estabeleceu novo recorde neste segmento.

A Christie’s considera este leilão histórico para a categoria. Além do quadro de Rothko, 5 dos 10 lotes que obtiveram preço mais alto na sessão noturna, em que são oferecidas as obras mais valiosas, marcaram recorde de preço em leilão para seus autores: Yves Klein, Jackson Pollock, Barnett Newman, Gerhard Richter e Alexander Calder. O total de vendas naquela sessão foi de US$ 388,5 milhões - o mais alto até agora no segmento.

Na Sotheby’s, o leilão de arte contemporânea totalizou US$ 330,6 milhões, com recordes de preço para obras de Roy Lichtenstein, Cy Twombly, Mark Grotjahn, Glenn Ligon, Mark Bradford, Ai Weiwei e Isa Genzken. Na Phillips de Pury, com venda total de US$ 86,8 milhões, registraram-se recordes para Jean-Michel Basquiat, Seth Price e Dana Schutz.

FOTOGRAFIA

O Estado de S. Paulo - Livro 'Crisálidas' será lançado hoje em São Paulo

Fotógrafa Madalena Schwarz dá visibilidade a personagens concentrados no centro da cidade

Simonetta Persichetti

Quem via aquela senhora estrangeira elegante e discreta, miúda atrás de uma balcão de uma lavanderia no centro de São Paulo nos anos 1960, não poderia imaginar que na década seguinte ela se tornaria uma fotógrafa conhecida e reconhecida, especializada em retratos que dariam visibilidade a uma coleção de personagens que se concentravam no centro da cidade, mais precisamente perto de sua casa, no Edifício Copan: aristas, boêmios, transformistas, travestis, pessoas conhecidas,

27 anônimos passantes. Madalena Schwarz (1921-1993) foi criadora de uma obra forte e incisiva, que não perdeu sua força e hoje se insere muito bem na imagem contemporânea. Parte desta retratos estão reunidos agora no livro Crisálidas, que o Instituto Moreira Salles lança hoje em São Paulo, com personagens da área artística, como as dos grupos Dzi Croquettes ou dos Secos e Molhados.

Nascida na Hungria em 1921, Madalena seguiu para a Argentina em 1934, para encontrar o pai que por lá vivia. Trinta anos depois, casada e mãe de dois filhos, se mudaria para São Paulo. Como acontece com todo imigrante, é preciso aprender a conhecer os hábitos do país onde se vive. “Minha mãe não resistia a um rosto interessante e quase toda sua paixão voltou-se para o retrato, um gênero que dizia muito sobre as suas inquietações e curiosidades mais pessoais”, escreve seu filho Jorge Schwartz, organizador do livro Crisálidas.

Composição. Foi para satisfazer esta curiosidade, que surgiu a partir do vai e vem das pessoas que frequentavam a lavanderia, que Madalena resolveu aprender a fotografar. Passou a frequentar o conhecido Foto Cine Clube Bandeirante, lugar de discussão e experimentação fotográfica, pelo qual circulavam personagens como Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e German Lorca. Foi lá que aprendeu as primeiras regras de composição e iluminação. Para treinar, fotografava - sempre de graça - os profissionais do teatro. O estúdio era a sala de seu apartamento, onde realizava ela própria suas composições de cenografias.

Sua técnica, em especial seu trabalho em laboratório, chamava a atenção pela estética apurada: fotógrafa e fotografados se entregavam um ao outro. Suas imagens resultavam em força e explosão imagéticas. Anos duros, de ditadura, de movimentos de contestação cultural e sexual. A maneira como estes grupos lidavam com estas situações fascinava Madalena Schwarz, que passou a frequentar os bares onde este pessoal se reunia, tornou-se amiga deles e construiu um belo documento desta época com imagens que cobrem quase duas décadas de produção.

Escola. O teatro, os artistas, foram sua grande escola, foi com eles que ela se profissionalizou. “Talvez minha mãe nem se considerasse uma artista, entendendo seu trabalho como mais uma etapa da luta de todo imigrante por se reconhecer - e ser reconhecido - no país em que aportou”, relata Jorge Schwarz.

Talvez justamente daí venha a escolha deste modelos que de alguma forma se tornavam presentes e visíveis por meio da ousadia e, talvez por isso o nome Crisálidas. É como lembra o escritor argentino Edgardo Cozarinsky, que escreve o texto do livro, comparando os retratados a criaturas mitológicas: “As crisálidas são as formas mais vistosas que a larva pode adotar em sua metamorfose rumo ao estado de imago”.

Neste caso, o termo escolhido para título do livro pode valer tanto para os personagens como para a própria Madalena Schwartz, fotógrafa e fotografados se descobrindo e se reconhecendo ao mesmo tempo.

Correio Braziliense – Imagens da insensatez

Ganhador do prestigiado prêmio Robert Capa Gold Medal, o brasileiro André Liohn descreve o ofício de registrar a brutalidade humana em zonas de guerra

Nahima Maciel

(20/05/2012) A motivação de André Liohn vem do fato de poder existir. Parece simples ou existencial, mas ela está ancorada em questões complexas. Nascido em Botucatu (SP) há 38 anos e radicado na Itália, o fotógrafo se descreve como um fracasso que deu certo. Filho de um padeiro, estudou até a quinta série e viu muitos amigos de infância caírem da delinquência e serem presos ou assassinados.

28 “Cresci numa sociedade bastante desencorajadora, bastante ruim”, conta. “Fui discriminado terrivelmente. A sociedade fez tudo para eu não existir. Então o que me motiva hoje é eu poder existir.” Liohn deixou o Brasil para ser lenhador na Suíça, mudou para a Noruega e teve vida dura de imigrante latino antes de chegar à fotografia de guerra, que fez com que ganhasse o Robert Capa Gold Medal no início do mês.

O prêmio — criado pelo próprio Capa e um dos mais prestigiados no meio fotográfico — foi conferido pelo trabalho realizado durante a guerra da Líbia em 2011, quando forças rebeldes derrubaram o ditador Muammar Kadafi. Liohn, no entanto, não gosta da expressão “brasileiro vence Robert Capa”. “Se o Brasil tivesse alguma coisa a ver com isso, tivesse qualquer contribuição com isso, teríamos 200 milhões de Robert Capa, 200 milhões de Nobel, de Oscar e de bons professores. O Brasil investe em muita bobagem e ainda não temos bons professores, bons médicos. Essa cegueira me incomoda muito, porque o cego que tem essa cegueira só consegue ver quando algo grande acontece, como ganhar o Robert Capa.”

Liohn encara a fotografia de guerra como uma maneira de congelar um momento capaz de sensibilizar o mundo e, para isso, precisa se submeter a situações de risco extremo. A foto, ele acredita, vale menos do que o comprometimento ideológico em mostrar ao mundo como ele não deve ser. Somália, Etiópia, Síria, Haiti, Quênia, Egito, Barein, Uganda e Sudão figuram na lista de locais visitados nos últimos seis anos para registrar o que chama de “situações de trauma”. A Líbia foi a experiência mais recente. Insatisfeito com a rotina de fotografar e ir embora, Liohn criou o projeto Adil, uma série de quatro exposições das imagens realizadas por sete fotógrafos durante o conflito líbio. As mostras serão realizadas em Benghazi, Trípoli, Misrata e Tarhuna.

Morteiro

Na Líbia, o fotógrafo testemunhou a morte dos jornalistas Tim Hetherington (Inglaterra) e Chris Hondros (Estados Unidos). Estava em Misrata quando um morteiro atingiu os colegas. O brasileiro ajudou a retirar os corpos do local e foi criticado por anunciar a morte dos jornalistas pelo Facebook antes que as famílias fossem oficialmente informadas. Ele conta que, como não conhecia pessoas ligadas a Hetherington e Hondros, utilizou a rede social para estabelecer um primeiro contato. Teria sido a maneira mais rápida, considerando uma conexão de internet muito precária.

Liohn também é criticado por não gostar de trabalhar em grupo, coisa comum em situações de risco. “Com outras pessoas tenho que ceder a uma série de coisas. Por exemplo: não dormir num lugar porque aquela pessoa não quer ou não consegue dormir ali. Ou porque tal pessoa não consegue comer, ou fazer as necessidades ali. Prefiro estar sozinho porque sei o quanto quero oferecer para que aquilo aconteça.” Radicado na Itália, pai de dois filhos e autor de imagens publicadas em jornais e revistas como Der Spiegel, Newsweek e The Guardian, o fotógrafo trabalha sempre como free lancer, se movimenta pelo mundo ao sabor da insensatez humana. Por telefone, ele conversou com o Correio sobre a cobertura de guerra e o papel da fotografia nas situações de conflitos. Você publicou pouco no Brasil. O que acha da cobertura de guerra no fotojornalismo brasileiro? No Brasil, não existe essa tradição e nunca existiu. Não existe a tradição de produzir reportagens fotográficas. O Brasil tem fotógrafos de pauta, que vão ali fazer a foto da pauta. Não estou dizendo que isso seja melhor ou pior, mas o jornalismo fotográfico no Brasil é muito fraco.

Algumas das suas fotos lembram pinturas do maneirismo, com jogos de claro e escuro. Como fica a preocupação estética em uma cobertura de guerra? Fotografo em meio à guerra, então estou exposto a tudo que está acontecendo ao meu redor. Pelo menos uma ou várias pessoas perderam a vida no nomento em que as fotos foram feitas. As coisas que interromperam a vida daquelas pessoas podem a qualquer momento interromper a minha também. Minhas fotografias são uma manipulação da realidade no sentido de que essa manipulação

29 não é predatória nem fantasiosa, é uma interpretação pessoal do que vi ali. Como vou colocar essas emoções dentro de uma fotografia? Aí entra a estética, mas não penso na estética quando estou ali. A minha linguagem fotográfica foi algo que desenvolvi durante o tempo e que nem sei se ainda tenho. Toda vez que vou para um lugar desses, morro de medo de não saber mais fotografar porque é uma coisa que para mim vem muito intuitivamente.

Muitos fotógrafos trabalham em grupo quando se trata de cobrir guerra. É difícil conseguir uma imagem única nessas situações? Posso trabalhar com o máximo de uma ou duas pessoas, e isso muito raramente e não por todo um período, porque é muito difícil trabalhar em guerra. É muito difícil manter a consciência emocional, mental, espiritual. Manter o desejo de ficar ali. Aceitar as condições de higiene, conforto e alimentação. E por ser tão difícil acaba se tornando muito fácil você querer ir para o lado onde tudo é mais seguro, confortável, mais fácil, não necessariamente perfeito, mas um pouquinho mais fácil.

Qual o limite entre uma boa imagem e a interferência, a ajuda que você eventualmente possa prestar? Toda imagem é uma interferência. Mas quando se trata de ajudar é uma questão para a qual não existe resposta universal. A sociedade não entende o quanto a guerra é horrível, o quanto ela desfigura o ser humano em tudo, desde a parte física até os valores, os desejos. Se uma pessoa se compromete a ir até um lugar como esse e documentar, essa decisão já tem alguma característica de coragem, é um pouco nobre. Mas a sociedade quer que aquela pessoa seja pura e tem medo de se confrontar com toda a face horrenda da guerra. E ela critica, judica, sentencia. O limite é a consciência da pessoa.

Estado de Minas - Vida em foco

Mostra com 450 trabalhos, que ocupa todas as galerias do Palácio das Artes e o Centro de Arte Contemporânea, apresenta um expressivo painel da fotografia feita em Minas Gerais

Walter Sebastião

Trabalho de Wilson Baptista, um pioneiro ainda na ativa

(23/5/2012) “Não é exposição de arte, mas de fotografia. E fotografia tem vários usos, múltiplas aplicações. E é isso que me interessa”, avisa o suíço Joerg Bader, curador da exposição Segue-se ver o que quisesse – Fragmentos da vida cotidiana em Minas Gerais refletido em sua produção, que ocupa todos os espaços expositivos do Palácio das Artes e o Centro de Arte Contemporânea e Fotografia. É exposição monumental, com 450 obras, a maioria de autores que vivem e trabalham em Belo Horizonte. Apresenta o que título diz, mas, explica o curador, trazendo o outro lado do que mostra os postais mineiros. “Na exposição estão imagens com tudo que constrói a vida, com sua riqueza e multiplicidade”, explica. São sobretudo visões do contexto urbano, com trabalhos que interpelam questões sociais, estéticas, urbanísticas e antropológicas.

“Descobri, organizando a exposição, que ao contrário do muito que tem sido apresentado, a fotografia brasileira não é feita só de temas barrocos e cores carregadas. E, no caso da representação de Minas Gerais, não só de lindas paisagens, arquitetura barroca e, no melhor dos casos, construções de Niemeyer. Se você pesquisar, vai descobrir que, ao revés desse olhar, existe grande diversidade de visões e muita atenção ao que se passa no cotidiano”, conta Bader. Está na exposição, observa, foto de bela paisagem: um panorama de Paulo Batista da região do Gandarela (Região Metropolitana de BH). “Mas que está ameaçada de destruição. E caso seja destruída, vai prejudicar o fornecimento de água em Belo Horizonte”, acrescenta. Situação que deixa claro, como conta o curador, o desinteresse dele por proposições estritamente formais. A foto será mostrada ao lado de jornal de ONG que luta pela preservação da área.

30 A mostra traz desde artistas jovens até veteranos, com carreira profissional ou não. “O que me interessa é construir uma informação que não é transmitida pelos meios de comunicação de massa, em TV ou jornal. Esses veículos se voltam para o que está muito próximo, para a emoção, e não deixam pensar”, critica. Joerg Bader é diretor do Centre de la Photographie Genève. É professor na Haute École d’Art , na França; de teoria e história da fotografia na Haute École d’Art et de Design, em Genebra; e de história das mídias na Escola de Design em Basel. Crítico de arte, escreve para a revista francesa Art Press e para a alemã Kunstforum International. Iniciou-se na fotografia como assistente de estúdio em Zurique, tornando-se fotógrafo independente em Paris. Já expôs na Antuérpia, em Zurique, Genebra, Paris e Turim. MÚSICA

O Globo - Na pisada do coco, vem aí a mais nova revelação da MPB

Herbert Lucena lídera indicações ao Prêmio da Música Brasileira

Silvio Essinger

HERBERT LUCENA: criado em Caruaru, o desconhecido cantor e compositor concorre em quatro categorias do prêmio, que será entregue em 13 de junho

(17/5/2012) Quem é esse tal de Herbert Lucena? É a pergunta que muita gente se fez diante da lista de indicados da 23aedição do Prêmio da Música Brasileira, que será entregue no dia 13 de junho, em cerimônia no Teatro Municipal. Lançado em dezembro, o mais recente disco de Herbert, “Não me peçam jamais que eu dê de graça aquilo que eu tenho pra vender”, é o que conquistou mais indicações no ano, em nada menos que quatro categorias: Revelação, Melhor Disco, Melhor Cantor Regional e Melhor Projeto Gráfico. O que surpreendeu, mais que todos, esse cantor e compositor pernambucano, de 46 anos.

— Nem achava que pudesse entrar como revelação, talvez só como cantor regional — diz o músico, nascido em Recife e criado em Caruaru, na Zona do Agreste, onde sofreu a influência das bandas de pífano e de cantadores de coco.

— Fui baterista de várias bandas de rock até que, há 12 anos, saí em carreira solo, usando as pesquisas que fiz sobre o coco — conta. — Hoje, não uso bateria e nem a zabumba convencional, só a percussão da banda de pífanos.

Pérolas do Agreste

“Não me peçam...” é o segundo álbum de Herbert. Em 2004, ele lançou “Na pisada desse coco”, e, no ano seguinte, fundou o selo Coreto Records, pelo qual lançou discos de artistas populares do Agreste, como o poeta e repentista Zé Vicente da Paraíba e o cantores Azulão e Walmir Silva, além de um CD da Mazuca de Agrestina (que foi indicado há alguns anos para o mesmo Prêmio da Música Brasileira).

No novo disco (lançado pela Coreto em CD e em LP duplo prensado da República Tcheca), Herbert segue a tradição de mestres do coco como Jackson do Pandeiro e Jacinto Silva (chegou a ver ambos, ao vivo, em Caruaru), em canções como “Aprenda minha loa” (com participação do sanfoneiro Dominguinhos), “Casinha festeira” e “Isso é samba de coco”. As gravações foram feitas às próprias custas (“Só tive o apoio de três amigos, que bancaram 50% da parte gráfica”, diz) ao longo de três anos, em estúdios no Recife, em Caruaru e em São Paulo.

31 — O Herbert é um cara que sempre transitou, sem nenhuma caricatura, entre as músicas do Agreste e da cidade — elogia o cantor Silvério Pessoa, parceiro de Lucena no “Coco de chegada”.

Apesar do título do seu álbum, Herbert Lucena (que se apresenta dia 9, no Rio, ao lado de vários artistas, no Arraiá do Bem da Casa de Francisco de Assis) diz que não é contra a liberação gratuita de discos para download.

— Não sou ligado em vender disco; para mim, ele é mais um cartão de visitas. Não tem mais como ganhar dinheiro com o disco, o artista se vira mesmo é com os shows.

Estado de Minas – O prazer de tocar

Arismar do Espírito Santo lança o disco Alegria nos dedos e confirma constatação da revista Guitar player, que o coloca entre os melhores brasileiros das seis cordas

Ailton Magioli

(18/5/2012) Tocar com felicidade e sentimento, para atingir as pessoas. Esse seria o significado da expressão Alegria nos dedos, com a qual Arismar do Espírito Santo batiza o quarto disco solo de carreira. Segundo o multi-instrumentista, essa expressão ele ouvia muito na infância, em Santos (SP), e resolveu resgatá-la agora no surpreendente disco em que reúne 15 temas autorais, que vão do samba à valsa, passando pelo choro, canção, baião, afoxé, xote etc. – a maioria nascida em shows.

“Como não temos como manter o grupo, tocávamos de acordo com a disponibilidade de cada um”, recorda do nascedouro das composições, salientando que na gravação não foi preciso sequer o uso de partitura. “O primeiro nome do disco era Standard caseiro”, diverte-se Arismar, confessando o sonho que tinha de criar uma “zona de conforto” para tocar os temas ao lado de amigos como Vinícius Dorin (sax alto), Léa Freire (flauta) e Dominguinhos (acordeom), além do filho Thiago Espírito Santo (guitarra e baixo). Com este – ele na guitarra e Thiago no baixo – trava, em oportuna hora, uma verdadeira batalha de titãs na faixa Santos x Corinthians, com a qual fecha o disco. As ilustrações singelas da filha Maria Júlia, de 10 anos, são destaque à parte na capa e encarte.

Segundo Arismar (baixo, guitarra, violão, e bateria), tudo começou com o violão: “Depois pus a guitarra, vieram o improviso, o baixo acústico, o piano e, por último, a bateria”, diz. “Tudo funciona com arranjo sem papel, na cabeça mesmo”, explica o processo de gravação, admitindo que ele tem praticado um “tempo-música” diferente do cronológico. Daí a ausência de clicks, metrônomos ou marcações. “O tempo de cada música está no pulsar, no tempero da levada, sob o céu das melodias e harmonias”, explica.

A prática de vários instrumentos, de acordo com Arismar, é sintoma de que ele tem mais ídolos do que os outros músicos. A última incursão, segundo revela, foi em uma craviola, “violão de 12 cordas mais juntas, em que a técnica muda”. “Parece uma harpa”, compara o multi-instrumentista, que no fim de semana participa, de convidado, do show do Trio Macaíba, em Iguatama, no Triângulo Mineiro.

Em turnê de lançamento do novo disco, Arismar anuncia que, em Belo Horizonte, o show poderá ocorrer no projeto Aqui oh , que Toninho Horta realiza, semanalmente, no Bar No Fundo do Baú. Além dos shows país afora, ele tem master class e concertos agendados nos Estados Unidos, entre agosto e setembro.

32 Zero Hora – Bombachas nunca mais

Com música na novela, Tchê Garotos é sucesso no país

(18/5/2012) Exceção entre as bandas que foram associadas ao rótulo da tchê music, o Tchê Garotos não poderia estar mais faceiro longe dos galpões dos CTGs. – Nossa pretensão de voltar a tocar de bombachas algum dia é zero – garante o vocalista Sandro Coelho, o Sandrinho.

Eles retornaram a Porto Alegre depois de dois anos na capital paulista, mas, na prática, vivem na estrada. A agenda está praticamente lotada com mais de 20 shows por mês, do Rio Grande do Sul ao Acre, média que aumentou com o sucesso da música Cachorro Perigoso na trilha sonora da novela Avenida Brasil. Há anos, o grupo almejava o reconhecimento nacional, mas nada se compara ao atual momento. Com o estouro do novo hit na televisão, o cachê dobrou de R$ 20 mil para R$ 40 mil por show, revela Coelho:

– No centro do país, somos uma banda sertaneja do sul. Lá, ninguém conhece tchê music.

Nesse caminho, o Tchê Garotos deixou o selo Acit, que os ajudou a se projetar, no final da década de 1990, e lançou discos pela gravadora nacional Som Livre. Eles se apresentam em um circuito acostumado a pagar cachês que podem variar de R$ 100 mil a R$ 250 mil para artistas sertanejos de ponta. Já faz alguns anos que o guarda-roupa dos músicos tem calça jeans, camiseta e até chapéu de caubói.

Marcelo Machado, radialista que acompanha a cena da música tradicional gaúcha, analisa:

– O Tchê Garotos definiu o tipo de som que queria tocar. Deixaram de fazer uma música essencialmente gaúcha para se voltar ao mercado nacional, ainda que tenha um sotaque regional. Eles continuam utilizando a gaita, por exemplo.

Que ninguém se engane: o quinteto continua tomando chimarrão e fazendo churrasco. Mas o tempo em que eles eram um grupo de música gaúcha ficou definitivamente no passado. Coelho declara:

– Hoje, os CTGs não precisam do Tchê Garotos, e o Tchê Garotos não precisa dos CTGs.

Estado de Minas - Choro livre

Kiko Ferreira

O saxofonista e clarinetista Nailor Proveta é um dos convidados do projeto da Choro Music

(22/5/2012) Chorões pouco conhecidos, compositores que fizeram choros antológicos, mas não especialistas, e autores com poucos temas imortalizados nas rodas de bambas compõem o livro de partituras Roda de choro 1, edição bilíngue com 12 temas de diversas épocas. Além das partituras, o songbook traz CD com os temas em duas versões, uma completa e outra só com a base de acompanhamento, para que o músico possa tocar junto. Além de uma faixa de afinação, para que clarinetistas, flautistas, saxofonistas ou bandolinistas possam assumir os solos. Um recurso extra, acionado pelo controle de balanço do amplificador, permite que o violonista tire o instrumento das caixas acústicas e assuma as seis ou sete cordas.

Esse é o 17º lançamento da editora ligada ao site www.ChoroMusic.com.br, que vem lançando livros de chorinho nos Estados Unidos e no Brasil com sucesso. Nessa roda, que vai do inicial Só pra moer, do pioneiro Viriato Figueira da Silva, ao moderno Choro pra ele, de Hermeto Pascoal, os solistas incluem o flautista Toninho Carrasqueira, o clarinetista Nailor Proveta e Izaias do Bandolim, acompanhados por um regional comandado pelo respeitado Paulão 7 Cordas.

33 No repertório dos compositores que nem sempre são ligados ao universo do choro estão, além de Hermeto, Chico Buarque e Francis Hime (Meu caro amigo), Noel Rosa (Choro) e Vinicius de Moraes e Toquinho (Chorando pra Pinxinguinha). Dos clássicos que nem sempre são ligados a seus compositores, estão no repertório Flor do abacate (de Álvaro Sandim, muitas vezes grafado como Flor de abacate), Evocação (de Rubens Leal Brito, o Britinho) e o emocionado Despertar da montanha (de Eduardo Souto, avô do criador das vinhetas da Globo e do Rock in Rio, Eduardo Souto Neto).

Completam a escalação temas praticamente restritos aos chorões de maior bagagem, como O nó, de Candinho; a Serpentina, de Nelson Alves; e Cuidado violão, de José Toledo, além do curioso Língua de preto, de Honorino Lopes, que, segundo o célebre Almirante, seria uma tentativa de imitar o jeito de falar dos pretos velhos.

Zero Hora – A tradição do samba

Projeto reúne time de sambistas para reinterpretar a obra de João Nogueira

FRANCISCO DALCOL

(22/05/12) Quem se embala na atual retomada do samba sabe muito bem quem é Diogo Nogueira. O que talvez a nova geração não saiba é que ele é filho de um dos grandes nomes do gênero. Para reavivar a memória, chega ao público um projeto que acerta as contas com a importância de João Nogueira (1941 – 2000).

A atual reverência ao samba, encabeçada por nomes como Zeca Pagodinho, está ligada ao diálogo com a tradição. Por isso, não surpreende o fato de Diogo ser um dos responsáveis pelo projeto Samba Book, que estreia justamente com seu pai. Se depender da iniciativa, na qual artistas revisitam as obras dos homenageados, o atual resgate do samba continuará aproximando passado e presente. Na sequência, serão contemplados nomes como Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Jorge Aragão.

Diogo resolveu reapresentar os temas de seu pai convocando um time de primeira, com nomes como Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Djavan, Lenine, Martinho da Vila, Mart’nália, Alcione, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e Marcelo D2. Ao lado de Diogo, eles foram convidados a reinterpretar composições de João, procurando manter fidelidade aos arranjos.

– Muitos deles foram grandes amigos do meu pai, o que rendeu momentos marcantes e emocionantes. A banda reuniu músicos que tocaram com o João em diferentes momentos de sua carreira. Cada música nos trazia lembranças e mostrava como a sua obra é atual e eterna – conta Diogo, em entrevista a ZH.

Além de 24 músicas divididas em dois CDs e agrupadas em um DVD, o Samba Book reúne livro de partituras, biografia e Blu-ray. No material em vídeo, há minidocumentários, entrevistas e bastidores. Para o espectador, poderia seria melhor ver as performances gravadas no calor de um show ou de uma roda de samba e não de forma estática e um tanto fria, como nos registros de estúdio. Um sambista de calçada / Entrevista / Luiz Fernando Vianna, jornalista Como cantor e compositor, João Nogueira ficou no caminho do meio. Não vinha do morro, mas também não pertencia à classe média que formatou a MPB nos anos 1960, mesma época em que virou artista. Por isso, preferia ser chamado de sambista de calçada, especialmente pela sua origem suburbana no Rio. Para completar, não era músico, mas tinha a musicalidade inata dos sambistas. Boa parte do personagem é saborosamente apresentada no livro que faz parte do Samba Book João Nogueira. Não é exatamente uma biografia: o texto, escrito pelo jornalista Luiz Fernando Vianna, é uma discobiografia, que acompanha o sambista do primeiro disco, João Nogueira (1972), ao último, Esquina Carioca (1999). Vianna, comenta, em entrevista à ZH, as particularidades e o legado de João Nogueira

Zero Hora – O que mais lhe atraiu na vida de João?

34 Luiz Fernando Vianna – A história de ele ter perdido o pai muito cedo, com 11 anos. O pai tinha sido um grande violonista, tocou com Pixinguinha e Noel Rosa. O João tinha um grande fascínio pelo pai e a musicalidade dele inata acho que vem um pouco desse lado genético.

ZH – O que o diferencia como “sambista de calçada”?

Vianna – Na carreira artística, ele tinha uma coerência muito grande e até pagou por isso. Ele se dizia um sambista de calçada porque era do subúrbio, do bairro do Méier. Ele não era do morro, a tradição do samba, nem era da classe média de onde vinha, por exemplo, Chico Buarque. O João era muito boêmio, sempre nas ruas e fazia músicas de observação do cotidiano.

ZH – O João pode ser lembrado como defensor do samba, especialmente com a criação do Clube do Samba?

Vianna – Ele pagou por isso porque, na medida em que tentou firmar posição de defesa do samba, da música brasileira tradicional em um momento em que ainda havia polaridade com a música internacional, ele foi, de certa forma, afastado das gravadoras. Até porque ele não tinha postura de temperança. Mesmo fazendo relativo sucesso, foi saindo das gravadoras. Não era uma pessoa de trato fácil. E o Clube do Samba surgiu em 1979, na época das discotecas, da novela Dancin’ Days. Era uma época em que o samba estava fora da TV, das rádios, com muitos músicos sem conseguir trabalho. A ideia era um lugar para cantar, compor e também um QG para discutir as ideias e ir à imprensa. Até o Fantástico fez matéria na época. Hoje, parece um pouco de xenofobia e visão estreita com a música internacional, mas era outro tempo, de ditadura, de gravadoras internacionais. Depois, o João faliu com o Clube do Samba e passou o resto da vida pagando dívidas.

ZH – Como ele trabalhava em suas composições?

Vianna – O João era o melhor intérprete dele mesmo, mas não era músico. Fazia uns três acordes no violão. Mas isso é muito comum no samba, com caras que têm um ouvido muito especial, uma musicalidade muito forte. O João fazia de ouvido, cantarolando, com uma caixa de fósforos para marcar o ritmo. Só quem é bom mesmo sabe fazer isso.

ZH – Como situar o João na tradição do samba?

Vianna – Tanto como cantor quanto compositor, ele tem uma ligação forte com o samba sincopado, de Wilson Batista e Geraldo Pereira, e com a temática da malandragem, das ruas, que também tem a ver com Noel Rosa. É um samba muito ligado ao Rio e a seus personagens, mas ele também tinha um lirismo muito grande, de músicas românticas muito bonitas, que vai se casar com outra paixão dele, que é a Portela. Como cantor, o João também é sincopado, como Ciro Monteiro, Jorge Veiga e Moreira da Silva. Esse tipo de cantor que atrasa o compasso, depois volta. Um tipo de divisão muito peculiar. Não é a interpretação limpa do Orlando Silva, do Mário Reis. É uma interpretação suja no sentido de que ele fazia a divisão que ele achava melhor. Nisso, o Zeca Pagodinho diz que a grande influência dele é o João. Marcelo D2 e Seu Jorge também se influenciam nele.

O Estado de S. Paulo – Paquito verde e amarelo O músico fala das suas recentes parcerias com o Brasil

(23/5/2012) ROBERTO NASCIMENTO - Há tempos que Paquito D'Rivera vive um affair com a música brasileira. Só na última década, o clarinetista, saxofonista e compositor cubano já participou do disco Obrigado Brasil, de Yo Yo Ma, e gravou outro, com foco no cancioneiro bossa nova, em parceria com o grupo vocal New York Voices. Falou maravilhas de Villa-Lobos quando esteve por aqui, em 2003, para tocar a Fantasia para Saxofone e Orquestra, do compositor brasileiro. Tem feito turnês com os irmãos Assad, em que tocam Ernesto Nazareth, Canhoto, João Pernambuco, Radamés e Garoto, entre outros. E tocado choro com o Brazilian Guitar Duo.

Longe de ser um amor de praia, o caso tem ficado cada vez mais sério. Recentemente, Paquito descobriu o trabalho de Rodrigo Pederneiras, do Grupo Corpo, com quem colaborou em um balé comissionado pela José Limón Dance Company, de Nova York. "Trata-se do meu primeiro balé. Estou muito empolgado", conta Paquito, de sua casa em New Jersey, às margens do Hudson, próxima e distante, ao mesmo tempo, do caos nova-iorquino. "Chama-se Lady in White. É um dueto

35 que o Rodrigo havia coreografado, e me pediram para musicar. São quatro movimentos tocados com um grupo de câmara. Dez músicos. Nossa colaboração fluiu muito bem. Ele pediu apenas para que eu trocasse a ordem dos movimentos. Nada mais", explica.

Paquito sobe hoje ao palco da Sala São Paulo para mais um encontro com sua musa tupiniquim, em evento beneficente da ONG Tucca, em prol de crianças com câncer.

O músico toca com o New York Voices, acompanhado pelo excelente grupo de samba e jazz, Trio Corrente. "O Trio 'Corriente' é um vulcão", diz, em seu vertiginoso sotaque anglo-cubano "Tenho tocado com eles nos últimos anos e nos entendemos perfeitamente bem", completa. Como os conheceu? "Meu pianista tinha ouvido falar. Pedi uma referência em jazz brasileiro, e ele me indicou o Corrente. Faremos algumas do Pixinguinha, provavelmente Um a Zero", adianta.

Na set list, Corcovado, Manhã de Carnaval, Retrato em Branco e Preto, A Rã - canções de seu álbum Brazilian Dreams, de 2002, gravado em parceria com o próprio New York Voices e o trompetista brasileiro Claudio Roditi. Mas quem conhece o Corrente sabe que bastam alguns minutos da afinadíssima conversa entre o baixo de Paulo Paulelli, o piano de Fábio Torres e a suingadíssima bateria de Edu Ribeiro, para este repertório conservador ganhar uma dinâmica sambística turbinada, digna herdeira daquelas que se ouve nos primeiros discos de Elis com Cesar Camargo Mariano, Luizão e Paulinho Braga, ou qualquer disco em que tocavam Edison Machado, Pascoal Meireles, ou Milton Banana.

Mas não só de Brasil vive Paquito D'Rivera, que está próximo de completar 64 anos. Suas viagens latinas também o levaram a gravar obras do paraguaio Augustin Barrios, recentemente, em parceria com a violonista Berta Rojas. E, há cerca de três anos, montou pela primeira vez desde que viajou de Cuba para Nova York, em 1981, apadrinhado por Dizzy Gillespie, um grupo somente de músicos cubanos. Mesmo assim, Paquito não se aguenta. Joga sempre um Pixinguinha aqui, um Jobim ali.

De onde vem tanto amor? "Há algo na sua música que a torna especial. A harmonia, as melodias, as letras, tudo aparece muito bem combinado, com alma, sentimento, de modo arrojado, o que é muito atraente", disse, ao Estado, em 2003.

O renomado virtuosismo, a complexidade rítmica de seus arranjos e o profundo conhecimento do repertório cubano - de rumbas, boleros, contradanzas a son - indicam que a outra metade de seu coração ainda está no Caribe. Mesmo assim, ainda agradece a Dizzy por tê-lo tirado de lá.

"Lembro que o Arturo Sandoval pegou o Dizzy no píer. Disse 'sou trompetista, vou levar você para dar uma volta'", lembra Paquito. "Eles vieram até a minha casa, mas eu não estava. Aí o Dizzy deixou uma mensagem em inglês e espanhol. Eu achei que era um trote. Mas depois encontrei aquele cara vestido de Sherlock Holmes e não acreditei. Foi o início de uma longa amizade."

LIVROS E LITERATURA

Folha de S. Paulo – Quantas faces tem Getúlio? Chega às lojas o primeiro volume, de um total de três, de nova biografia do político mais pesquisado da história do país

Em comboio na Revolução de 30, Getúlio (centro) é ladeado por Flores da Cunha (esq.) e João Neves (Sioma Breitman/Divulgação) FABIO VICTOR e MARCO RODRIGO ALMEIDA, DE SÃO PAULO (17/5/2012) Pilhas de Getúlios Vargas atulham o escritório do jornalista Lira Neto em seu apartamento no bairro paulistano de Perdizes -os que se veem nesta página mal dão para contar a história.

36 Misturados a livros e revistas sobre o líder trabalhista gaúcho, há um Getulinho joão-bobo em madrepérola com a inscrição "Sempre em Pé", a reprodução emoldurada de uma capa da revista

"Time" com a foto do político, broches, bonequinhos em metal, cerâmica e madeira. Há até um naco de tijolo da casa de Getúlio em São Borja (RS).

"Eu me cerco muito, que é para o santo baixar. O personagem tem que permear minha vida", afirma Lira, autor de uma biografia de Getúlio cujo primeiro volume acaba de chegar às livrarias.

Anunciada hiperbolicamente pela Companhia das Letras como "a biografia mais completa já escrita sobre um político brasileiro", a obra terá três volumes.

Com tiragem de 30 mil exemplares, dez vezes a de um lançamento comum no Brasil, o primeiro volume aborda do nascimento do político, em 1882, até a conquista do poder nacional, com a Revolução de 1930.

O segundo, programado para o início de 2013, irá de 1930 a 1945 (Era Vargas e Estado Novo). E o último, que sai em 2014, abrangerá de 1945 a 1954, ano em que Getúlio se suicidou no Rio.

Cearense de Fortaleza, 48 anos, autor de biografias de Castello Branco, José de Alencar, Maysa e Padre Cícero, Lira gastou dois anos e meio para concluir o primeiro tomo.

Como possivelmente se trata da figura pública sobre a qual mais se escreveu no país, desde que veio a público a tese, sustentada pelo autor, de que será a primeira biografia "moderna", ou "jornalística", de Getúlio, surgiram as primeiras contestações quanto ao ineditismo de certos aspectos do trabalho.

Ambivalência de Getúlio atraiu biógrafo Para Lira Neto, cuja mãe é 'getulista de carteirinha', político ainda divide opiniões porque 'fez bem e mal ao país'

Afirmação do jornalista sobre pioneirismo de pesquisa para o livro faz professor gaúcho chamá-lo de "picareta" Coincidentemente batizada com o mesmo nome da mulher de Getúlio Vargas, Darcy, a mãe de Lira Neto, ainda é, aos 84 anos, "uma getulista muito ferrenha". Quando o jornalista anunciou que escreveria uma biografia do político, dona Darcy lhe disse: "Não vá falar mal do meu velhinho".

O episódio é revelador do campo minado que enfrenta quem se arrisca a esquadrinhar a vida e o legado do político mais controverso da história brasileira, protagonista ao mesmo tempo de governos ditatoriais e de conquistas trabalhistas e sociais.

"Getúlio Vargas é fascinante justo pela impossibilidade de classificá-lo de forma única, por seu potencial de ambivalência. Fez muito bem e muito mal ao país, e sua herança continua a dividir opiniões", diz o biógrafo.

Antes mesmo de ser lançado, o próprio trabalho de Lira já provocou controvérsia.

Getúlio foi acusado por adversários, notadamente Carlos Lacerda, de participação em ao menos dois assassinatos, um aos 15 anos (de um estudante, numa briga em Ouro Preto), outro quando já era político (de um índio no RS).

Nos dois casos, Getúlio era inocente -no segundo o condenado era um homônimo.

CONTROVÉRSIA

Ao afirmar, no ano passado, que esclarecera as duas acusações tendo acesso a arquivos de forma pioneira, Lira Neto foi contestado.

O historiador, sociólogo e professor gaúcho Juremir Machado da Silva, autor de um romance biográfico sobre Getúlio, escreveu um artigo no jornal porto-alegrense "Correio do Povo" dizendo que

37 ambas as histórias já estavam esclarecidas em outras obras e que Lira "tem tudo para ser picareta histórico".

À Folha, completou: "Lira anunciou ter descobertos coisas que todo historiador conhece. Não sei se ele fez um bom livro, porque não o li, mas começou mal, soa como operação de marketing".

O biógrafo admite que há menções aos dois casos em outros livros, mas sustenta ter sido o primeiro a pesquisar nos arquivos os inquéritos sobre os dois crimes.

"Não sou o primeiro a dizer isso, mas o primeiro a fazê-lo com base em provas documentais. Desafio qualquer pessoa a mostrar onde estão as citações ao inquérito original. Os documentos estavam intactos nos arquivos, fui o primeiro a manuseá-los."

"Não tenho a mínima intenção de polemizar com Juremir, não o valorizarei a esse ponto. O polemismo é a doença infantil do jornalismo", completou Lira.

Para o historiador Boris Fausto, autor de livros elogiados sobre Getúlio e a Revolução de 30 e que escreveu a contracapa da biografia de Lira, embora o lançamento não revele "nenhuma grande novidade", "traz uma quantidade imensa de informações e é escrito no bom estilo do jornalismo, numa narrativa muito detalhista".

VACINA

Lira Neto nasceu em 1963, nove anos após a morte de Getúlio. De sua infância cearense, lembra do político como alguém "endeusado, um mito, o pai dos pobres".

Questionado sobre qual a vacina para não se contaminar pelo Fla-Flu político-ideológico que cerca o personagem, o biógrafo respondeu: "Ser jornalista, buscar acima de tudo ser isento e contemplar o maior número de ângulos, não fechar os olhos para nenhuma interpretação. Sou um repórter".

Ainda que Lira não tenha atendido integralmente ao pedido da mãe -sua biografia expõe também defeitos e contradições do biografado-, sem dúvida a figura de Vargas que predomina neste primeiro volume é mais positiva que negativa.

"É que ele ainda não se tornou ditador", relativiza o biógrafo. A mãe dele não perde por esperar. (FABIO VICTOR E MARCO RODRIGO ALMEIDA)

Valor Econômico - Um triângulo amoroso na corte brasileira

Por Cristina R. Durán | De São Paulo

(18/5/2012) Uma mulher estrangeira, casta, dedicada, sofredora e submissa, casada e apaixonada até a morte por um homem poderoso, mulherengo, instável e amante de uma figura fogosa, forte e ambiciosa. Eis o triângulo perfeito para criar um apetitoso romance. Ainda mais quando se trata de personagens reais. Muito mais, quando eles viveram e protagonizaram o início da história do Brasil, quando D. Pedro I, o homem em questão, tornou o país independente de Portugal.

Em "Carne e Sangue", a historiadora Mary del Priore narra a história da imperatriz Lepoldina, D. Pedro I, e Domitila - a Titília, marquesa de Santos. Sob a sua talentosa pena, o longo e traumatizante caso que escandalizou a sociedade brasileira então em formação, ganha novos detalhes, apresenta um intrigante perfil psicológico de cada um dos personagens e reconta o nascimento do país.

A autora sabe do que fala. Ela já assinou mais outros 30 livros sobre a história do Brasil. Pesquisadora, historiadora e atual professora do curso de pós-graduação em história da Universidade Salgado de Oliveira, é vencedora de prêmios como Jabuti, Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), Sérgio Buarque de Holanda, Ars Latina e Casa Grande & Senzala.

Para escrever e romancear essa história, Mary fez vasta pesquisa bibliográfica, vasculhou baús, encontrou cartas trocadas entre os três, algumas inéditas. Ela costurou tudo e conduz o leitor pelo turbulento período que antecedeu a independência do Brasil, quando Dom João VI e sua corte ainda viviam aqui. Acompanha a partida do velho monarca e não desgruda mais de Dom Pedro I, dos

38 momentos que antecedem o grito de independência - não tão glamouroso como o conhecemos -- à abdicação.

É nesse período que aparece a ambiciosa Domitila, nascida em São Paulo. Ela domina D. Pedro, chega ao apogeu e despenca. A austríaca Leopoldina, filha de Francisco I, moça cheia de virtudes, digna, dedicada à religião, ao marido e aos filhos, sofre. Sofre muito até sucumbir.

No meio das duas, Pedro I se revela um homem instável. Forte a ponto de enfrentar o domínio de Portugal e de seu pai. Carismático a ponto de atrair para si o apoio dos políticos e do povo. Fraco a ponto de se deixar manipular por Titília.

Enquanto a sociedade brasileira se constrói, a exuberante beleza natural do país é invadida pela urbe. O Rio de Janeiro - capital e berço da corte -, tem ruas sem esgoto, onde as fezes correm a céu aberto. O imperador só pensa em brincar os jogos do amor com a marquesa. Sabedora disso e consciente do seu poder, ela lhe arranca presentes exuberantes, terras, favores políticos, garantias financeiras para os seus familiares. É uma mulher lutadora, bonita, roliça, de lábios finos, dentes bons, e vasta cabeleira negra.

Leopoldina é o extremo oposto. E essa oposição da psique feminina dá sabor à obra. Também é saboroso entrar na história do Brasil e nos costumes da época. As intrigas palacianas, a instabilidade dos humores da população que acompanha a transformação de seu líder, se escandaliza com o que considera amoral e fraqueza de caráter, se sente abandonada, e se subleva.

A "Carne e o Sangue", o antagonismo entre o prazer carnal e a necessidade de perpetuar o sangue real, é escrito de forma elegante. Transporta o leitor aos primórdios da formação do Brasil e faz conhecer a fundo os seus personagens principais. Prepare-se para o encanto e o desencanto.

O Globo - Flip comemora dez anos com olhar múltiplo sobre Drummond

Luis Fernando Verissimo falará sobre o aniversário da festa

Márcia Abos

O curador da décima Flip, Miguel Conde, após a entrevista coletiva sobre a programação, ontem: “A festa tem um grande impacto na valorização da literatura e da cultura no Brasil”

(18/5/2012) SÃO PAULO Em seu décimo aniversário, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que será realizada de 4 a 8 de julho, homenageia o escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902- 1987), com a conferência de abertura — de Antonio Cicero e Silviano Santiago —, duas mesas na programação principal, a exposição “Faces de Drummond — O poeta e seu avesso” e a apresentação, na Casa da Cultura, da peça “Cartas de Maria Julieta e Carlos Drummond de Andrade”, de Sura Berditchevsky. Antes da conferência sobre Drummond, o escritor Luis Fernando Verissimo falará dos dez anos da Flip. Em seguida, haverá shows de Ciranda de Tarituba e Lenine.

— Drummond continua a nos lançar questões, demandando novas leituras — afirmou ontem em entrevista coletiva o jornalista Miguel Conde, curador desta edição da Flip, destacando a exibição de um emocionado depoimento do poeta Armando Freitas Filho, filmado por Walter Carvalho, na mesa “Drummond — O poeta presente”, no domingo, dia 8, às 14h30min. — Freitas Filho apresenta Drummond como um poeta do lado B, um escritor perturbador, capaz de contrariar nossa expectativa como leitores. A estranheza de sua obra faz parte de sua força. Ingressos a partir de 4 de junho.

Entre os novos nomes anunciados ontem estão o libanês Amin Maalouf, o colombiano Juan Gabriel Vásquez e o inglês Hanif Kureishi, um dos autores que já participaram da Flip e voltam a Paraty para

39 celebrar os dez anos. Vencedora do Prêmio Pulitzer de ficção em 2011 por “A visita cruel do tempo”, Jennifer Egan vem ao Brasil pela primeira vez. A americana divide a mesa “Pelos olhos do outro”, às 12h do dia 7 de julho, com o inglês Ian McEwan, que também volta à Flip, onde lançará seu novo romance, “Serena”.

Outros destaques estrangeiros são o americano Jonathan Franzen, autor de “Liberdade”, o francês J. M. Le Clézio, ganhador do Nobel de Literatura em 2008, e o poeta sírio Adonis. Também há muitos brasileiros que nunca participaram da Flip, como Rubens Figueiredo, Altair Martins, André de Leones, Carpinejar e João Anzanello Carrascoza.

— A festa tem um grande impacto na valorização da literatura e da cultura no Brasil. O modo como é planejada e a atenção que recebe têm um importante efeito simbólico — avalia Conde, ao fazer um balanço dos dez anos da Flip. A expectativa de público é de 25 mil pessoas, como em 2011. Inflação, mais investimento em equipe e mudanças para melhorar o fluxo de pessoas fizeram com que o orçamento aumentasse 23%, passando a R$ 7 milhões.

Veja - A esfinge decifrada

Quase seis décadas depois do suicídio, Getúlio ressurge na primeira biografia genuína, que substitui interpretação por fatos e informações reveladoras

(20/5/2012) “Gosto mais de ser interpretado do que de me explicar", informa uma anotação no diário que reúne milhares de frases manuscritas por Gentúlio Vargas entre 1930 e 1942. E os autores dos livros sobre Getúlio preferem a interpretação à cansativa busca de informações que ajudem a decifrar a esfinge, berra a imensidão de obras inspiradas no maior personagem do Brasil do século XX. A fusão do silêncio e da sabujice confinou Getúlio, por quase sessenta anos, em palavrórios deformados pela veneração, pelo afeto, por rancores, pela miopia ou pela vassalagem. Só agora o homem que transformou o tempo em cúmplice foi resgatado do universo imaginário por uma biografia genuína. Getúlio — Dos Anos de Formação à Conquista ao Poder (Companhia das Letras; 629 paginas; 52,50 reais) conta o caso como o caso foi. Até que enfim.

O primeiro volume da trilogia concebida pelo cearense Lira Neto (autor também de biografias da cantora Maysa e do Padre Cícero) descreve a trajetória do biografado entre o outono de 1882, quando chegou ao mundo, e a primavera de 1930, quando chegou ao poder. (O segundo volume tratará do período entre 1930 e 1945, e o dirimo, daí até sua morte, em 1954.) Em dois anos e meio de pesquisas, que incluíram consultas a fontes primárias e incursões por estantes ainda indevassadas, Lira Neto juntou tantas informações relevantes que não sobrou espaço para análises acadêmicas e especulações sem serventia. Melhor para os leitores.

Escritor talentoso, Lira Neto enfileira episódios eletrizantes que atormentaram uma república ainda na infância e enfraquecida pelo parto prematuro. A narrativa lembra o roteiro de um filme de ação que saiu da tela para provar que a realidade pode ser mais turbulenta e surpreendente que qualquer história inventada. Getúlio precisou remover, contornar ou implodir formidáveis pedras no caminho para chegar ao Palácio do Catete, onde permaneceria até 1945 e voltaria a morar como presidente eleito de 1950 a 1954. Entre uma eleição decidida nas urnas e outra resolvida a bala. o conciliador vocacional teve de sobreviver a mais uma guerra civil gaúcha, a duelos com parceiros ciumentos ou adversários brutais, além dos sucessivos levantes promovidos por tenentes rebelados desde a primeira noite no quartel, que começaram com o hino ao absurdo composto pelos 18 do Fone e desembocaram na Coluna Prestes.

Pois ainda melhor que a história é o elenco, que soma os melhores e mais brilhantes atores de duas gerações admiráveis. Uma composta de veteranos como os gaúchos Borges de Medeiros e António Carlos de Andrada ou o paulista Washington Luís, começava a sair de cena depois de fundar a República. Outra, formada por jovens que aposentariam a República precocemente envelhecida, juntava o paulista Siqueira Campos e o cearense Juarez Távora aos gaúchos Oswaldo Aranha, João Neves da Fontoura, Batista Lusardo, Luís Carlos Prestes e Flores da Cunha.

Até que a vitória em 1930 o transformasse em estrela incontrastável. Getúlio teve de caçar espaços num palco atulhado de protagonistas e coadjuvantes que encarnavam personagens secundários com a aplicação de candidatos ao papel principal. Getúlio, por exemplo, garantiu a vaga no grupo de elite

40 ao encarnar o mais leal dos ministros de Washington Luís e, em seguida, o mais obediente discípulo de Borges de Medeiros. O presidente só acreditou na deserção do aliado quando Getúlio vestiu a farda de comandante da Revolução de 1930. E o caudilho que governou o Rio Grande do Sul por 25 anos resolveu que seu sucessor seria o filho do amigo Manuel Vargas, general dos chimangos de São Borja.

O maior político do século nasceu quando o subordinado que sabia obedecer começou a mandar. Alojado no Palácio Piratini em 1928, mostrou em poucos meses que, além de provido das qualidades exibidas pelos parceiros, tinha virtudes que faltavam aos eventuais concorrentes. Culto como Washington Luís, sedutor como Oswaldo Aranha, corajoso como Neves da Fontoura, matreiro como António Carlos, Getúlio aprendeu a adivinhar a mudança dos ventos e esperar a hora cena. Proibiu- se de cultivar ódios, ressentimentos ou mesmo antipatias ao decidir que, se ninguém é tão amigo que não possa virar inimigo, também não existem inimigos que não possam ser convertidos em amigos.

Lira Neto demonstra que o líder nascido e criado num mundo dividido em metades incompatíveis superou o mais paciente e habilidoso dos negociadores mineiros na arte da conciliação. Quatro anos depois de trocar tiros com os maragatos de Assis Brasil, apareceu no Piratini trocando amabilidades com o chefe do exército inimigo. A reconciliação inverossímil permitiu que em 1930, pela primeira vez em 100 anos, os disparos dos combatentes gaúchos não reduzissem a população do Rio Grande do Sul. A revolução comandada por um devoto do convívio dos contrários, coerentemente, foi encerrada pela batalha que não houve em Itararé.

Ainda incompleto, o retraio da lenda já permite a contemplação de um estadista diplomado com louvor. Num país que confunde teimosia com coerência, Getúlio foi sempre contemporâneo do mundo ao redor. Positivista de berço, transformou os cristãos no alvo preferencial do discurso do orador da turma da faculdade de direito. Militante do Partido Republicano, endossou os princípios autoritários de Júlio de Castilhos, Durante a ascensão do fascismo na Itália, flertou com as ideias recitadas por Benito Mussolini. Forjado no Brasil rural, apressaria a gestação do Brasil industrializado. Metamorfose nem sempre é outro nome do oportunismo.

Passados 100 anos, o confronto entre os tempos de Getúlio e a era Lula informa que no palco sensivelmente modernizado se movem atores de quinta categoria. A plateia não sofreu mudanças notáveis. Antes como agora, eleitores desinformados não conseguem interessar-se por tramas que vão desenhando o futuro da nação. Os netos dos que viam em Getúlio o "pai dos pobres" agora enxergam em Lula o "exterminador da fome" e aplaudem as proezas imaginarias da superexecutiva Dilma Rousseff. O que mudou dramaticamente — para pior — foi o elenco. Os grandes parceiros do presidente suicida, tanto os aliados quanto os adversários, foram substituídos por canastrões sem cura. O povo continua validando decisões aprovadas nas coxias. Pena que Oswaldo Aranha não tenha sobrevivido à virada do século. Ele achava que o Brasil em que viveu era "um deserto de homens e de ideias". Ao ouvir Lula berrando num palanque que é melhor que Getúlio Vargas, descobriria que foi traído pela impaciência. Deveria ter esperado cinquenta anos para emitir o diagnóstico.

O Estado de S. Paulo - Dialética da originalidade/ Artigo / José de Souza Martins

JOSÉ DE SOUZA MARTINS, SOCIÓLOGO, PROFESSOR EMÉRITO DA USP, É AUTOR DE UMA ARQUEOLOGIA DA MEMÓRIA SOCIAL: AUTOBIOGRAFIA DE UM MOLEQUE DE FÁBRICA (ATELIÊ EDITORIAL)

Fernando Henrique, ganhador do Prêmio Kluge, abordou criativamente nossa diversidade histórica

(20/5/2012) O Prêmio John W. Kluge, de 2012, concedido pela Biblioteca do Congresso, de Washington, ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso, é-lhe outorgado "por uma vida de realizações no campo dos estudos humanísticos e das ciências sociais que não são abrangidos pelo Prêmio Nobel". Foi intenção do falecido magnata da comunicação, que dá nome ao prêmio e o criou, equiparar essa premiação à concedida pela Academia Sueca, fixando-o no montante equivalente, que é de US$ 1 milhão. Fernando Henrique Cardoso é o primeiro sociólogo e o primeiro brasileiro a recebê-lo. Anteriormente, foram premiados quatro historiadores, dois filósofos e um teólogo, sendo dois americanos, um francês, um irlandês, um polonês, um chinês e uma indiana.

41 O comitê do Prêmio Kluge ressaltou na obra de Cardoso o equilíbrio da profundidade da análise em relação com a evidência empírica. Ele é o primeiro ganhador do prêmio cuja obra científica é marcada pela interdisciplinaridade, abrangendo a sociologia, a ciência política e a economia, de que resulta uma análise sociológica original e profunda. No anúncio da premiação, o diretor da Biblioteca do Congresso ressaltou: "Sua aspiração fundamental é a busca da verdade sobre a sociedade do melhor modo que possa ser determinada, ao mesmo tempo que permanece aberto à revisão de conclusões na medida em que novas evidências se acumulam em decorrência de novas pesquisas ou de mudanças na realidade política e econômica".

Como ocorre com o Prêmio Nobel, a premiação de Cardoso é reconhecimento da qualidade da produção científica no Brasil na área das ciências sociais. Sua obra é o coroamento da linha de trabalho científico da chamada "escola sociológica paulista", que resultou da contribuição de cientistas como Claude Lévi-Strauss, Roger Bastide, Florestan Fernandes, Antônio Candido, Gioconda Mussolini, entre outros, da maioria dos quais Cardoso foi aluno e com os quais trabalhou.

Na obra de Fernando Henrique Cardoso, a interdisciplinaridade permitiu-lhe tratar de maneira criativa a diversidade histórica da sociedade brasileira e seu desenvolvimento desigual. Sua tese de doutorado sobre Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional é um marco na adoção do método dialético em estudos sociológicos. Ele conseguiu estabelecer, com originalidade, a relação entre capitalismo e escravidão, apesar do desencontro histórico que os opõe, e articular um caminho para a compreensão sociológica das determinações profundas de nosso crônico atraso social, político e econômico.

Por essa época, um dos temas dos cientistas sociais brasileiros era o do nosso atraso, o que chamavam de resistências à mudança. O grupo de Florestan Fernandes, na USP, do qual Cardoso fazia parte, dedicou-se aos diferentes agentes dessa resistência - operariado, jovens, Estado, empresariado. Coube a Cardoso realizar a pesquisa sobre os empresários e conhecer como eles próprios compreendiam mal seu papel histórico no desenvolvimento brasileiro. Ele termina seu livro sobre Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico com uma indagação que expõe o problemático impasse do Brasil de então e é o elo com seus estudos posteriores sobre a dependência: subcapitalismo ou socialismo?

Obrigado ao exílio no Chile pelo golpe de Estado de 1964, compreendeu que a nova realidade política e econômica, que se tornava a de toda a América Latina, pedia reinterpretação sobre as leis e tendências na cambiante situação histórica. Com Enzo Faletto, desenvolve uma das interpretações teóricas da chamada dependência. No seu entender, a dependência não fechava o caminho ao desenvolvimento econômico num cenário de consolidação do mercado interno e de globalização da economia. Ainda havia na situação de dependência lugar para uma práxis desenvolvimentista e transformadora, para crescimento econômico e desenvolvimento social. Sua versão da teoria, que se tornou referência de pesquisadores em muitos países, é um dos pontos destacados em sua biografia intelectual pelo comitê do Prêmio Kluge.

Uma característica da obra de Cardoso é a do conhecimento sociológico sobre a competência social de cada categoria para no conjunto da sociedade traduzir suas possibilidades históricas em realidade política, na construção da nação moderna e democrática. Ressalta a nota da premiação que o acerto de suas análises se confirmou na política modernizadora que imprimiu ao Estado quando ocupou a Presidência da República e na continuidade política que suas ações tiveram nos governos que o sucederam. Florestan Fernandes, seu professor, dizia que, não sendo a sociologia uma ciência experimental, a verificação do acerto de suas análises se dá na política.

No anúncio da premiação de FHC e na enumeração das razões em que se baseia, o diretor da Biblioteca do Congresso expõe uma biografia intelectual que em boa parte lembra o título de um livro de Max Weber, decisivo na formação de Fernando Henrique Cardoso: Ciência e Política - Duas Vocações, a vocação como chamamento e missão.

Zero Hora – Redescobrindo Simões Lopes / Entrevista / Luís Augusto Fischer

(21/5/2012) Autor de uma nova edição que reúne Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto, o escritor Luís Augusto Fischer conta como foi o trabalho de aproximar a obra centenária

42 dos leitores de hoje. E destaca ainda como a imagem do gaúcho apresentada por Simões Lopes está “a léguas de distância” do gaúcho do tradicionalismo e como há muito a descobrir sobre o escritor pelotense.

Zero Hora – Como surgiu a ideia de fazer uma edição anotada, com notas de rodapé?

Luís Augusto Fischer – Desde 1980, todos os anos leio Simões Lopes Neto com os alunos. Desde o começo, especialmente como professor, sentia falta de uma edição anotada que conversasse com o leitor urbano de hoje. Então, esta minha edição é fruto do meu trabalho como professor, que me fez ver onde os alunos e eu empacávamos na leitura. Tem a famosa edição da Globo dos anos 1940, organizada pelo Augusto Meyer, com notas supercompetentes do Aurélio Buarque de Holanda, posfácio do Carlos Reverbel, uma edição superimportante. Mas ela não me satisfazia porque as notas já estavam muito distantes do meu mundo de leitor e eram no fim do livro, fazendo com que, a cada momento, tivesse que ir para o fim e voltar. Para facilitar, pensei em notas no pé da página e não no fim do livro.

ZH – No texto de apresentação do livro, o senhor fala na distância existente entre o autor (e seu texto) com o leitor de hoje. Qual o esforço na busca dessa aproximação?

Fischer – A necessidade de aproximação foi pensada pela linguagem e pelas referências históricas e culturais que o Simões Lopes Neto mobiliza. Ele escreveu cem anos atrás. Mais do que isso, ele escreveu, nos contos, passando a palavra para o Blau Nunes, que é um sujeito, pelo que se deduz das leituras, do campo, um homem a cavalo, um gaúcho. É um sujeito que fala com o jargão do mundo daquela época. Isso já não existe mais. O que existe de cultura ligada ao mundo gauchesco é mediada pela existência do tradicionalismo, que é algo que aconteceu 50 anos depois de Simões publicar o livro. Portanto, ele escreveu há cem anos, num dialeto muito particular que já não tinha vigência no mundo urbano de então.

ZH – Como foi trabalhar com uma linguagem tão característica como a de Simões Lopes Neto?

Fischer – Precisei fazer opções de texto e tomar decisões sobre pontuação. Às vezes, achei que tinha que colocar uma vírgula, mas de maneira criteriosa. Como Simões buscou aproximar a escrita da fala, valeu-se de recursos de pontuação, que são a parte mais musical da língua. Quando tu colocas exclamação, interrogação, reticências, travessão, estás fazendo um recurso que se aproxima da fala. Nisso, tentei ser muito rigoroso.

ZH – Quais foram as dificuldades e desafios desse trabalho?

Fischer – É um trabalho solitário que envolve responsabilidade filológica, no sentido de saber que se está lidando com um texto importante, e também opções que têm a ver com pedagogia, não só em relação ao aluno, mas no sentido mais amplo do leitor. Em um nível inicial, as dificuldades têm a ver com vocabulário. Quando lia como aluno de Letras, não entendia muitas palavras, como o leitor de hoje não entende. Há também dificuldades mais sutis. Como se faz para registrar por escrito a fala de um sujeito alfabetizado, mas não de cultura letrada? Na época do Simões, essa pergunta foi feita por vários escritores. E quem deu a melhor solução foi ele. Outros faziam a opção mais simplificada. Quando se tratava de um cara do povo, o escritor escrevia errado para representar a fala popular. Isso é um tipo de rebaixamento que o Simões evitou de maneira sábia.

ZH – Em sua opinião, qual é a imagem do gaúcho que Simões Lopes Neto constrói?

Fischer – Ele tem uma perspectiva que, em relação ao gaúcho do tradicionalismo, está a léguas de distância. Embora Simões tivesse um conteúdo de exaltação e certo ufanismo como pessoa do seu tempo e como ativista cultural e fosse muito impregnado do civismo daquela época, na literatura fez opções numa direção oposta. Ele coloca como protagonista um homem simples. Blau Nunes é um sujeito que narra fracassos e não fica se exaltando como um galo que ganhou todas. Simões ainda coloca em cena personagens femininas fortíssimas, ao contrário do traço machista reconhecido no tradicionalismo.

ZH – Ainda temos o que descobrir a respeito de Simões Lopes?

Fischer – Nos últimos anos, foram revelados documentos da vida dele. Estou trabalhando na edição de um livro dele, a partir de dois manuscritos, que hoje dão o tamanho de um livro de 180 páginas. É

43 o Simões ainda sem ter escrito os Contos Gauchescos, tendo como autor um menino que conta sua experiência de férias na estância e de aluno na escola onde estuda. Simões escreve isso se preparando para os Contos Gauchescos e em um momento em que ele está perdendo sua condição de herdeiro de uma grande fortuna e virando um sujeito comum que não sabe o que fazer. E uma das coisas foi fazer livros didáticos.

O Estado de S. Paulo - Dalton Trevisan é o vencedor do Prêmio Camões

Maria Fernanda Rodrigues

(22/5/2012) Dalton Trevisan nunca foi dado a aparições públicas. Para falar com ele, é preciso deixar recado na Livraria do Chaim, que ele frequenta em Curitiba, e, querendo, ele responde por fax. Assim, ninguém será surpreendido se ele não for receber o Prêmio Camões. O fato não chega a preocupar a organização, que em 2006 já escolheu outro escritor que não iria à cerimônia. Naquele ano, houve um agravante. Luandino Vieira, português de nascimento e angolano por opção, recusou o prêmio de 100 mil euros pago pelos governos de Portugal e do Brasil.

O curitibano é o 10.º brasileiro a ganhar o Camões - o primeiro foi João Cabral de Melo Neto, em 1990, e o último, Ferreira Gullar, em 2010. Falta apenas mais um para o Brasil se igualar a Portugal nesta que é a principal premiação a um autor de língua portuguesa pelo conjunto da obra. O anúncio do vencedor desta 24.ª edição foi feito nesta segunda-feira, em Lisboa, pelo secretário de Estado da Cultura de lá, Francisco José Viegas. Segundo o crítico literário Silviano Santiago, presidente do júri e colunista do "Sabático", a escolha foi unânime. "Em primeiro lugar, pela contribuição dele à arte do conto. Não há dúvida de que temos uma belíssima tradição do conto no Brasil. E ele conseguiu uma voz muito pessoal." Os outros membros do júri foram o brasileiro Alcir Pécora, os portugueses Rosa Martelo e Abel Barros Batista, a angolana Ana Paula Tavares e o moçambicano João Paulo Borges.

Para Santiago, o mérito de Trevisan vem da forma como ele trabalha a língua. "É um trabalho em prosa muito difícil, semelhante ao que se tem quando se faz um soneto, um poema curto. Mas no caso de Dalton, ele faz da dificuldade sua própria poética. A ponto de seus últimos contos serem praticamente poemas, haicais, tal a concisão, a secura, a necessidade de buscar o essencial."

Trevisan acumula bons e frescos prêmios. Esteve duas vezes entre os vencedores do Portugal Telecom. Em 2003, "Pico na Veia" dividiu o primeiro lugar com "Nove Noites", de Bernardo Carvalho. Em 2007, ficou em segundo com "Macho não Ganha Flor". Seu penúltimo título, "Desgracida", ficou em primeiro lugar na categoria contos do Jabuti de 2011, premiação que já havia recebido em 1960 por "Novelas Nada Exemplares". Dalton é editado pela Record, que publicou, em 2011, "O Anão e a Ninfeta". Não há previsão de lançamento para 2012.

Correio Braziliense - Poesia encorpada e com gosto latino

Gabriela de Almeida

O premiado poeta Ronaldo Costa Fernandes lança hoje Memória dos porcos

(22/5/2012) Quando o escritor maranhense Ronaldo Costa Fernandes foi para Caracas, na Venezuela, pode-se dizer que sua vida mudou. Pelo menos o olhar é outro. A convivência intensa com uma atmosfera diferente da cultura latino-americana abriu os horizontes do poeta durante os 9 anos em que esteve por lá dirigindo o Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil.

44 O olhar sensível do autor está presente em Memória dos porcos (editora 7Letras), sexto livro de poemas que Ronaldo lança hoje, às 19h, no Carpe Diem. Radicado em Brasília, o vencedor do prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras com A máquina das mãos, em 2010, reuniu no novo título 88 poemas escritos entre 2009 e 2011 durante o tempo em que escrevia também outras obras paralelas. “A poesia é diferente da prosa porque você precisa esperar que ela o procure, é mais passiva, por isso demanda um tempo maior. O poema é receptado de uma sensibilização, de um estado poético, e exige um trabalho muito grande de reflexão”, analisa o romancista.

O título Memória dos porcos não se remete a nenhum poema em especial, partiu da busca do autor por um conceito mais amplo da obra. “Tem um pouco a ver com a literatura brasileira, já que a palavra memória foi utilizada nos títulos de grande livros, mas também é um recolhimento de experiências vividas. O porco tem uma ideia suja que pode vir a ser uma sujeira existencial”, explica Ronaldo.

O currículo do autor de 59 anos expõe a qualidade de sua obra. Doutor em literatura pela Universidade de Brasília (UnB), coordenou a Funarte de Brasília de 1995 a 2003. Entre as premiações, outras que se destacam, além Academia Brasileira de Letras, é a Revelação de autor, da Associação Paulista de Críticos de Arte, o Casas de las Américas e o Guimarães Rosa.

Istoé - Zumbi em três versões

Historiadores questionam a biografia do líder negro e mostram como o seu perfil mudou em quatro séculos

Ivan Claudio (23/5/2012) Zumbi, o líder negro que no século XVII liderou a maior resistência ao regime escravocrata à frente do Quilombo dos Palmares, em Alagoas, é um dos mitos mais controversos da história brasileira. Da política às artes, sua atuação guerreira inspirou de grupos militantes como o VAR-Palmares a músicos jovens a exemplo de Chico Science, que batizou sua banda de Nação Zumbi. Como herói da cultura afro-brasileira cuja data de morte foi coroada como Dia da Consciência Negra, ele é saudado em músicas, sambas- enredo, peças e filmes. Objeto de uma caudalosa bibliografia iniciada ainda em vida com os relatos oficiais dos governos de Portugal e Holanda, o perfil dessa figura emblemática é agora esquadrinhado pelos historiadores Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira no livro “Três Vezes Zumbi” (Três Estrelas), para quem o “Spartacus negro” não tem uma face, mas várias.

Segundo os autores, podem ser identificados três perfis diferentes para o líder quilombola: o Zumbi dos Colonos (séculos XVII e XVIII), que colocava em xeque o projeto colonizador; o Zumbi do Brasil Independente (século XIX), pintado como grande guerreiro para enaltecer o agente civilizador que o combatia; e o Zumbi dos Oprimidos (século XX em diante), sobre o qual seriam associadas aspirações emancipadoras que desaguariam no movimento das minorias. “O livro é uma espécie de atlas, uma história da história de Zumbi, dos discursos que se fizeram em torno dele ao longo dos séculos”, afirma França. No desenvolvimento da ideia de Zumbi como uma construção ideológica, os autores se defrontaram com dados conflitantes. A multiplicidade de peças que não se encaixam no quebra-cabeça começa com o seu próprio nome. Existem registros de que ele teria também a alcunha de Zambi, Zombi, Zombé e Zumbé – a grafia Zumbi teria sido estabelecida em meados do século XIX. Mais: Zumbi, cujo significado é diabo e Deus das guerras, seria um título na hierarquia do quilombo, e não um nome, hipótese confirmada nos documentos da época.

Outra controvérsia diz respeito à sua morte. Até o século XVIII, a versão mais conhecida era a de que ele teria se matado, pulando de um penhasco. A partir daí, ficou aceito que Zumbi teria sido morto por um ajudante. “Cartas falam da traição de um mulato, mas é sabido que na época esse termo era malvisto, se preferia a palavra pardo”, diz França, sugerindo que o assassino talvez não pertencesse a Palmares. Os maiores absurdos começaram a pipocar no século passado, quando o chefe dos escravos foi apropriado pelos marxistas, que o tornaram um revolucionário e associaram a sua

45 atuação à luta de classes. O relato mais fantasioso vem do historiador gaúcho Décio de Freitas, que praticamente inventou uma infância romantizada para Zumbi: ele teria sido adotado por um padre, vivido como coroinha e retornado 15 anos mais tarde a Palmares movido por ideais libertários. Freitas teria sacado essas informações de correspondências do missionário. “São cartas que nunca foram vistas e, certamente não existem”, afirma França.

ARQUITETURA

Istoé Dinheiro - A geografia de Philippe Starck

Sede na América Latina da Yoo, empresa do renomado designer francês, deixa a Argentina e vem para o Brasil.

Por Bruna Borelli Seja na Inglaterra, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, a arquitetura assinada por Philippe Starck atrai cada vez mais os apaixonados por design de imóveis. Se você é um desses aficionados pelos traços de Starck, pode comemorar: ele decidiu estar mais próximo dos brasileiros. A Yoo, empresa de arquitetura e design do renomado francês, fechará suas portas em Buenos Aires nas próximas semanas para fincar bandeira em São Paulo, em endereço ainda não escolhido. A decisão sinaliza uma grande mudança nas estratégias comerciais da Yoo. Com sede em Londres e quatro escritórios regionais, o foco da companhia, aparentemente, agora é o Brasil. “O País tem muito apetite por novidades e é dono de um estilo de vida descontraído”, afirma Starck, famoso pela leveza de seus desenhos e por transformar materiais simples, como plástico, em obras de arte. “Tudo isso é a cara da Yoo.”

Starck olha para o Brasil: a empresa de arquitetura do designer francês aposta no mercado de luxo brasileiro para vender seus milionários projetos imobiliários.

Starck acredita que este é o momento ideal para apresentar a Yoo ao milionário mercado imobiliário brasileiro. A execução de seus projetos arquitetônicos, nada modestos, custam US$ 150 milhões, em média. Ele acredita que, embora o setor esteja ficando saturado, aposta no diferencial de sua empresa: a exclusividade. “A minha ideia é estimular o segmento de imóveis de luxo até chegar ao limite”, diz o designer, que se tornou conhecido no continente pelo projeto do Faena Hotel + Universe, construído em Puerto Madero, em Buenos Aires. Não foi por falta de trabalho lá fora, em função da crise internacional, que a Yoo resolveu investir no Brasil. Desde sua criação, em 1999, a empresa já projetou 47 empreendimentos, residenciais e comerciais, e desenhou a decoração de mais de dez mil apartamentos, no valor de US$ 7 bilhões pelo mundo.

Agora, a empresa enxerga uma oportunidade de ampliar esses números na esteira da expansão econômica do País, principalmente no segmento de luxo. “É isso que justifica a mudança da sede da América Latina, na Argentina, para o Brasil”, afirma a argentina Carina Bendeck, diretora da empresa para a América Latina. Para conquistar o público brasileiro, Starck e seu sócio, o empresário britânico John Hitchcox, contam com a experiência de mais de 20 anos no mercado internacional. A dupla se apoia também na força que os nomes de seus conhecidos designers imprimem aos projetos da Yoo. Além de Starck, a Yoo trabalha com o holandês Marcel Wanders, com Jade Jagger (filha do roqueiro Mick Jagger) e com a sul-africana Kelly Hoppen. “Esses diferenciais fazem com que a marca valorize, no mínimo, 20% o valor de venda do imóvel”, diz Carina.

Na América Latina, a Yoo é responsável por projetos residenciais ultraluxuosos na Argentina, no Uruguai, na Venezuela, no Panamá e México. A expectativa em relação ao Brasil é alta. “De todos os

46 países dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), este é o mais promissor para nós”, diz Carina. Starck e seu time consideram que o setor imobiliário brasileiro, com destaque para a capital paulista, é um dos poucos capazes de sustentar mais de um projeto Yoo em uma mesma cidade – afinal, o preço de um projeto de Starck não é para qualquer bolso. Os planos para o mercado local também se diferenciam dos outros 21 países em que a grife já se consolidou. “Além dos projetos residenciais e comerciais que temos experiência, aqui a gente aposta também na criação de shopping centers.”

A ideia cabe bem em um País como o Brasil, que registrou nos últimos cinco anos um aumento de 22,5% em inaugurações desse tipo de empreendimento, segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). Mas não é só a estratégia comercial que se adequa a cada País em que a Yoo aposta. Os projetos também variam bastante, de acordo com o estilo do lugar e do cliente. O nome da empresa, por sinal, é uma brincadeira que personaliza essa preocupação em adaptar a companhia conforme cada um de seus clientes. “É tudo para Yoo (com o mesmo som de “you”, “você”, em inglês), são os seus gostos e a sua vida, e não para we (“nós”, em inglês)”, diz o sócio Hitchcox.

Esse mote surgiu logo na fundação da empresa, no fim dos anos 1990, quando Starck e Hitchcox, vizinhos quando viviam em Paris, acharam que havia espaço no mercado residencial de alto padrão para projetos exclusivos – ideia que logo se espalhou para outros setores da construção civil. Hoje, além de três hotéis (dois em Hong Kong, na China, e um em Viena, na Áustria), a Yoo é proprietária também de um edifício comercial em Londres. Com média de quatro projetos por ano, a companhia de Starck costuma sacudir e aquecer o mercado de trabalho por onde passa. Isso porque, apesar do planejamento ser executado por profissionais estrangeiros, a realização do projeto é feita com parceiros locais. Segundo Carina, empresas nativas têm mais conhecimento das particularidades do mercado, o que facilita na hora de botar a mão na massa.

“Ainda mais quando se trata de um País tão burocrático quanto o Brasil”, diz Carina, que acredita que as parcerias locais aliam o melhor dos dois mundos. “Não adianta chegar um estrangeiro aqui que não entende de licitações brasileiras para fazer esse trabalho.” Outro ponto positivo das alianças com empresas nacionais é que, muitas vezes, o custo final sai mais barato. Na criação do mobiliário, por exemplo, é possível utilizar tanto material de fora quanto local, conforme a escolha do cliente. “Mas é claro que usar matéria-prima do País deixa o valor final mais em conta”, afirma Carina. Seja como for, a Yoo quer acabar com a mesmice dos edifícios de hoje em dia. “A gente olha em volta e vê todos esses imóveis parecidos uns com os outros”, diz Carina, ao apontar para os prédios do luxuoso bairro da Vila Nova Conceição, em São Paulo. “Cadê a graça?”

Zero Hora - A serviço do MoMA / Coluna / Estilo próprio

Fernanda Zaffari

Gaúcho será curador de exposição de arquitetura em museu nova-iorquino

(20/5/2012) O arquiteto e professor da UFRGS Carlos Eduardo Comas acaba de ser confirmado como curador de uma megaexposição de arquitetura latino-americana que será realizada em 2015 no MoMA, em Nova York.

Parece longe? O MoMA não lhe diz muita coisa? Vamos por partes.

A exposição será em três anos, mas como englobará o Brasil e países da América Latina, ele já pesquisa e garimpa originais pelo mundo em conjunto com outros dois curadores, de Nova York e de Buenos Aires.

Esta será a terceira vez que o Museu de Arte Moderna de Nova York se debruça sobre a arquitetura latina e, assim como nas outras duas, promete ser um divisor de águas, com novo olhar sobre a riqueza do movimento modernista.

– Temos até dezembro para o conceito estar detalhado – diz ele em sua casa/escritório em Porto Alegre.

47 Arquitetura Latino-Americana 55-80, nome ainda provisório da mostra, vem sendo planejada desde 2008. Comas, um dos maiores conhecedores do movimento capitaneado por Lucio Costa, Oscar Niemeyer e turma, se interessou pelo assunto a partir de uma visão crítica, queria saber por que, afinal, não gostava de Brasília. Depois do estudo, passou a gostar tanto que hoje colabora com o MoMA, uma das instituições mais incensadas do circuito artístico mundial.

Natural de Livramento, casado há 35 anos com a cozinheira e empresária Aninha Comas, trabalhou como arquiteto em dois projetos dedicados à família: um prédio residencial e a nova loja/restaurante de Aninha. Para a coluna, ele detalhou o grandioso projeto no qual está envolvido.

Estilo Próprio – Por que o título Arquitetura Latino-Americana 55-80? Carlos Eduardo Comas – Porque são os anos de esquecimento. Não um “gap” nosso, mas o “gap” de eles nos enxergarem. Podemos pensar no que acontece no Brasil e, assim, já temos alguns pontos importantes da exposição. Naquele momento, acontece Brasília. E a construção ocupou polemicamente as manchetes, pois depois da construção não se falou mais, a não ser para falar mal. Na sequência, tens o Aterro do Flamengo, um projeto fantástico que abriga paisagismo em grande escala. Obra de um fôlego incrível e que mistura infraestrutura, ligando o centro do Rio à Zona Sul. Tens também o aeroporto Santo Dumont, que por muito tempo foi o mais bonito do mundo. Nos anos 60, há o MAM e, ao lado dele, outro marco pouco falado, que é o Monumento ao Expedicionário, onde a cripta é um dos espaços mais emocionantes. E na outra ponta, tem a igreja do aterro da Glória.

EP – Numa mostra latino-americana é difícil ter uma unidade. Vocês já sabem como será esta divisão? Que participação terá o Brasil? Comas – Os países são diferentes, as cidades são diferentes, mas no fim é uma espécie de abreviatura. Há coisas em comum, entre elas a marginalidade em relação aos grandes centros. É preciso pensar nesta marginalização de duas formas: à margem significa distância e afastamento dos centros de decisão, até retardamento. Por outro lado, à margem é interessante porque te dá liberdade. Este é um aspecto importante para o Brasil e outros países, o de um florescimento de uma arquitetura moderna dos anos 30 em diante.

EP – Será uma exposição em um dos maiores museus do mundo que também interessa aos brasileiros? Comas – Queremos mostrar que foi esquecido que a América Latina, em arquitetura e urbanismo modernos, no sentido formal e corriqueiro, é realmente um terceiro parceiro, junto com os Estados Unidos e Europa, na vanguarda cultural do Século 20.

EP – Há chance de Porto Alegre aparecer na mostra? Comas – No Estado, temos algo de classe mundial, o Jockey Club do Rio Grande do Sul. Ele é, como digo, o Hipódromo do Cristal e de Cristal. É impressionante pela técnica e também pela materialidade. É de pontíssima. Projeto de um uruguaio, o mesmo que fez o Esplanada, o Román Fresnedo Siri. O Brasil não se dá conta, mas temos a produção mais significativa do mundo de arquitetura moderna deste período, dos anos 40 a 70. Foi quando o Brasil se fez, foi então que as cidades cresceram. Outros países eram mais ricos e estavam prontos, como a Argentina.

EP – O Brasil é destaque hoje em arquitetura por projetos, por exemplo, de arquitetura orgânica, com boas soluções sustentáveis...

Comas – O Lucio Costa já dizia isso que o legal da arquitetura moderna é que ela é inclusiva. Dá a oportunidade de juntar dois tipos de beleza e de forma, que até então tinham se desenvolvido separadas. Ela pode perseguir a beleza de uma flor que desabrocha, que é orgânica. Ou pode optar pela beleza de um cristal, com uma plástica ideal. Trocando por curva e reta, o que ele diz é que ela pode ser só curva, só reta a mistura...

EP – Por que você foi o escolhido para curar a parte brasileira da exposição? Comas – Tenho um engajamento de anos. Para mim, esta arquitetura moderna não é um gosto natural, nasceu de um questionamento sobre Brasília no meu mestrado em 1978. A verdade é que quando tu começas a estudar um assunto, tu vês um problema aqui e ali, mas começas a ver as lógicas que até então não via. A partir daí me despertou o apetite e fui estudar, reli Lucio Costa.

48 Acabei fazendo uma tese de doutorado em Paris que trata especificamente desta década gloriosa, de 36 a 45, do surgimento do movimento com o Lucio o Oscar Niemeyer e companhia.

EP – E hoje, você gosta de Brasília? Comas – Toda obra de arte é multifacetada e a arquitetura é muito especial, porque tu vives nela. Na pauta crítica, também entrarão observações de como tal obra funciona. Em Brasília, há coisas que não funcionam. Os palácios são fantásticos, mas há gente que trabalha neles e eles são de vidro, sem uma jogada eficaz de proteção solar. Então pipocam nos vidros os aparelhos de ar condicionado. Mas Brasília não pode ser nunca vista como um fracasso, pois é uma metrópole com dois milhões de habitantes. MODA

Correio Braziliense - Paulistas invadem a moda carioca

Carolina Samorano

A marca Blue Man apresentou modelos inspirados nos anos 1980

(23/5/2012) Rio de Janeiro — Nesta semana, a indústria de moda está com os olhos voltados para o Rio de Janeiro. Desde ontem, a cidade recebe imprensa e convidados para a 21ª edição do Fashion Rio, o segundo maior evento do setor no país. Até sábado, 29 marcas vão apresentar suas coleções para o verão 2013 na passarela carioca, de onde saem as primeiras tendências do que deve aparecer nos próximos meses nas araras e vitrines de todo o país. Tradicionalmente realizado no Píer Mauá, o evento cedeu o espaço neste ano à Conferência de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, a Rio +20, que ocorre no próximo mês, e montou sua estrutura no Jockey Club, na Gávea.

O verão é o forte da temporada. O line up — programação de desfiles — é mais denso e nessa edição ganhou reforço extra. A Cia. Marítima e a Poko Pano, que antes integravam a São Paulo Fashion Week, passam a fazer parte da plataforma do Fashion Rio e juntam-se a outras marcas referências em moda praia, como a Blue Man, a Lenny, a Tryia e a Salinas. A Reserva, que também desfilava em São Paulo, volta a se apresentar no Rio, desta vez lançando sua linha feminina de roupas, a Eva. A temporada ainda é de estreia para a Sacada, nome forte na capital carioca, e para sua marca jovem, a Oh, Boy!. Por outro lado, Walter Rodrigues, Acquastudio e Giulia Borges ficaram fora do evento desta vez.

As mudanças fazem parte do ajuste dos line ups de Rio e São Paulo que vem sendo feito desde que Paulo Borges, que já comandava em São Paulo, assumiu também a direção criativa do evento carioca. Segundo ele, a ideia é reforçar no Rio a participação de marcas que tenham o DNA e imprimam em suas coleções o estilo de vida carioca. O tema desta temporada é botânica. Em sintonia com a proximidade do Rio+20, a organização da semana de moda carioca ressalta que a intenção é reforçar o amor pela natureza e o papel das plantas na humanização do mundo inspirada pela alma ambientalista da cidade sede.

Abertura A grife de moda praia Blue Man inaugurou a passarela do evento com tops na plateia e no casting — Ana Cláudia Michels abriu o desfile e Mariana Weickert assistiu à apresentação da fila A. A marca trouxe para os biquínis e maiôs recortes e decotes profundos com cores e estampas inspiradas nos multicoloridos anos 1980. Os desenhos traziam borboletas, bananas e corais do fundo do mar. Branco, pink e amarelo-neon se destacaram. Nas modelagens, além dos tradicionais cortininhas, os maiôs bem cavados, estilo asa-delta, também tiveram espaço. Além da Blue Man, desfilaram ontem

49 as estreantes Oh, Boy! e Sacada, New Order, Patachou e Alessa. Hoje, o destaque é para as marcas Salinas e Cia. Marítima e para a sempre disputada TNG, que traz no casting a atriz global Isis Valverde.

Cotas O primeiro dia de desfiles da semana carioca foi marcado por um protesto na porta do evento pedindo maior participação de negros nas passarelas. A ONG Educafro colocou na entrada do Jockey Club 15 modelos, homens e mulheres, vestidos e pintados em estilo afro, desfilando por conta própria. Eles dizem que apenas 5% do casting carioca é de modelos negros, enquanto o São Paulo Fashion Week tem uma cota mínima de 10%. A ONG reivindica que essa cota suba para 20% nos dois eventos. Na edição passada do Fashion Rio, a pouca presença de negros nos desfiles já havia sido questionada e o assunto foi parar, inclusive, na imprensa internacional.

GASTRONOMIA

Folha de S. Paulo – Brasil deve ser tema do festival culinário 'Madrid Fusión' Comitiva oficial do evento virá ao país para conhecer chefs e traçar estratégias de apoio ERICKSON ARANDA, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE MADRI (23/5/2012) O Brasil é o país mais cotado para apresentar sua cozinha de vanguarda na 11ª edição do Madrid Fusión, um dos principais festivais internacionais de gastronomia, realizado todos os anos na Espanha, em janeiro.

"O Brasil está buscando sua própria identidade gastronômica. A riqueza de seus ingredientes e a criatividade dos chefs prometem uma decolagem de sucesso", afirma Esmeralda Capel, uma das fundadoras do festival.

Uma comitiva formada por organizadores do evento chegará ao país nos próximos meses para conhecer chefs, suas cozinhas e tentar traçar ações de apoio com o governo e instituições brasileiras.

"Para que os chefs e a gastronomia do país convidado tirem o máximo proveito, é importante que as instituições apoiem ações pontuais de promoção dentro e fora do Madrid Fusión, pondera.

PROMOÇÃO

"As instituições brasileiras deveriam ajudar a promover sua cozinha fora do país. A presença de chefs em eventos gastronômicos internacionais e a abertura e divulgação de novos restaurantes de cozinha brasileira são armas muito eficazes", ressalta Esmeralda Capel.

Ela evita falar de países que estariam "concorrendo" com o Brasil no festival e detalhes da visita da comitiva.

Mas adianta o que espera encontrar por aqui: "Nós damos muito valor a quem emprega novas ideias, técnicas e matérias-primas".

POLÍTICA CULTURAL

O Globo - Fundo do Audiovisual: 145% a mais para cinema e TV

Recursos são provenientes da nova lei da televisão por assinatura

André Miranda

(17/5/2012) Num ano em que as bilheterias dos filmes brasileiros estão em queda e em que se cancelou o Festival de Paulínia, enfim uma boa notícia para o cinema nacional. O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), desde 2008 responsável pela maior parte de investimentos públicos na produção de filmes e obras para TV, terá um aumento de 145% em 2012. Na prática, para o espectador, significa uma maior oferta de conteúdo.

50 O anúncio foi feito ontem, no auditório da Agência Nacional de Cinema (Ancine), órgão que gerencia o FSA. Em 2011, o valor investido foi de R$ 84 milhões em quatro linhas de ação: produção para longas- metragens (Linha A), distribuição de longas (C), comercialização de longas (D) e produção de obras para TV (B). As linhas se mantêm, mas o valor vai saltar para R$ 205 milhões. Além disso, a Linha A, que terá disponíveis R$ 90 milhões, será desmembrada em duas categorias: aporte via edital para qualquer etapa da produção de um filme (R$ 50 milhões); e complementação de recursos, para projetos que já tenham pelo menos 40% das verbas garantidas, e cujo investimento será concedido via fluxo contínuo (R$ 40 milhões).

O fluxo contínuo significa que o produtor poderá solicitar recursos a qualquer momento do ano, a partir da data de convocação da linha. Era uma exigência antiga do setor, que reclamava que os investimentos ficavam concentrados numa mesma época, sem atender à dinâmica da produção audiovisual.

As linhas B (R$ 55 milhões), C (R$ 50 milhões) e D (R$ 10 milhões) também vão funcionar via fluxo contínuo. Outra novidade é a mudança do agente financeiro que cuida do repasse dos recursos. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) dará lugar ao BNDES e ao Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

— Vamos receber os projetos durante o ano e estamos estipulando um prazo de três meses para análise. Isso dará mais agilidade — disse Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine.

Os novos recursos foram possíveis pela aprovação, no ano passado, da Lei 12.485, que versa sobre o mercado de TV por assinatura. Cercada de polêmicas — por obrigar os canais a exibir uma cota mínima de programas brasileiros, por exemplo — ela trazia uma novidade que permite, agora, o aumento no investimento no FSA: foi criada uma nova modalidade de Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), aplicada a empresas que administram serviços e equipamentos de transmissão audiovisual. Os recursos do FSA vêm justamente da Condecine e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel).

Na apresentação de ontem, Manoel Rangel disse que outros investimentos devem ser anunciados no segundo semestre: há expectativa de que seja criada uma linha específica de desenvolvimento de projetos. Acredita- se que o total do fundo pode passar de R$ 300 milhões.

— Com o Fundo Setorial e o Cinema Perto de Você (lei de apoio à construção de salas de exibição), temos várias ações dando ao cinema um patamar mais seguro dentro do padrão brasileiro e do padrão internacional — disse a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, presente no anúncio.

Folha de S. Paulo – Novo presidente do conselho da TV Cultura expõe plano de gestão Belisário dos Santos Jr. defende contrato que determine repasses de recursos do Estado ao canal

Advogado diz que rede pública deve batalhar audiência: "Ninguém faz TV de qualidade para não ser visto"

LÚCIA VALENTIM RODRIGUES e MORRIS KACHANI, DE SÃO PAULO

(22/5/2012) Belisário dos Santos Jr., 63, recém-eleito presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, quer marcar sua gestão pelo debate do papel da televisão pública e pelo aperfeiçoamento do mecanismo de liberação da verba do governo para a TV Cultura.

51 Ex-secretário de Administração Penitenciária (1995) e militante dos direitos humanos, Belisário é advogado e faz parte do conselho há seis anos. Como deve continuar a defender clientes, renunciou ao salário de R$ 18 mil do cargo que assumiu na fundação.

Foi a primeira vez em mais de 40 anos que o conselho realizou uma disputa eleitoral.

Belisário, que representa o grupo ligado a João Sayad, presidente executivo da TV Cultura, teve como oponente Jorge da Cunha Lima, que exerceu três mandatos como presidente-executivo da emissora e dois à frente do Conselho Curador.

O conselho é composto por 47 membros e tem como atribuição supervisionar a qualidade da programação e a gestão administrativa do canal.

É o conselho que nomeia o presidente-executivo, cargo ocupado atualmente por João Sayad. Seu mandato vai até abril. Em junho, será escolhido o presidente da fundação. Na entrevista a seguir, Belisário expõe seus planos.

Folha - Qual será o foco da sua gestão?

Belisário dos Santos Jr. - A ideia é aperfeiçoar o mecanismo de liberação de verbas do governo para a TV Cultura, com a implementação de um contrato de gestão. Esse contrato garantiria um diálogo mais fluente com o Estado, que atualmente paga a metade do orçamento anual da emissora, cerca de R$ 70 milhões -o resto a TV Cultura busca com receita publicitária, royalties etc.

No que consiste o contrato de gestão?

Hoje, o Estado paga principalmente a manutenção da emissora. Mas a TV não vive só disso, não se sustenta com a massa de recursos atual. O que se quer é mais investimento. E o Estado não repassa porque não sabe como vai ser utilizado. Com o contrato, você garante o que está previsto em lei [9849/1967, que determina a obrigação do governo em manter a TV] e ainda pode contemplar metas.

Para Cunha Lima, o contrato pode representar a perda de autonomia administrativa da instituição. O que o sr. acha?

Não corremos risco de estatização. Esta é uma medida leve, para otimizar o tempo. Boa parte da energia da direção é gasta negociando a condição de vida da instituição com o Estado, mês a mês. E eu já estive do outro lado. No governo, a TV muitas vezes é vista mais como problema do que como investimento.

A média de audiência está em cerca de um ponto no ibope, ou 60 mil domicílios na Grande São Paulo. Qual é a meta?

Ninguém faz TV de qualidade para não ser visto. O importante é buscar o equilíbrio entre audiência, qualidade e diversidade. Precisamos debater que rádio e televisão queremos no cenário de hoje, com a concorrência da TV a cabo e da internet. Por isso realizaremos um seminário.

Desde 2010, houve 665 demissões. Em que medida a Cultura está terceirizando a produção?

A produção própria de conteúdo é um tema sensível para a TV pública e, mesmo após as recentes demissões, a informação que tenho é que o patamar anterior foi mantido, com uma leve queda.

Já assistiu ao "TV Folha"? O que achou?

Só vi uma vez, me pareceu um modelo inteligente, mas não muito definido. É algo que está sendo trabalhado, em elaboração -isso fica até óbvio. Um programa jornalístico, para ser exibido no horário nobre de domingo [na emissora], tem que ser inovador. Tudo pode melhorar ali.

O que gosta de ver na TV?

Assisto principalmente à Cultura. Mas só à noite, após chegar em casa. Prefiro jornalísticos, debates e futebol. Novelas, só acompanhei duas: "O Bem-Amado" (1973) e "Pecado Capital" (1975).

Raio-X - Belisário Dos Santos Jr.

52 VIDA - Nasceu em 1948, em SP

CARREIRA - Advogado desde 1970, se formou pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP). Foi membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de SP (1999/2000) e secretário da Administração Penitenciária do Estado (95) OUTROS Agência de Notícias Brasil-Árabe - Programa leva Brasil a escolas libanesas

Projeto do Centro Cultural Brasil Líbano apresenta a história e a cultura brasileiras a crianças e adolescentes de instituições de ensino libanesas. Mais de 300 estudantes já participaram.

Aurea Santos

(17/05/2012) São Paulo – Mostrar o Brasil, sua história, geografia, cultura e tradições a crianças e adolescentes do Líbano. Este é o foco do programa O Brasil nas Escolas, organizado pelo Centro Cultural Brasil Líbano, em Beirute. "A escola é um vetor muito grande pelo qual podemos informar melhor sobre a cultura brasileira", destaca Rose Marie Romariz Maasri, diretora do centro.

O programa teve início em outubro do ano passado e já atingiu mais de 300 estudantes, de dez escolas, entre crianças de 09 a 12 anos, do ensino primário, e adolescentes, do ensino médio. Algumas vezes, os alunos são recebidos no próprio centro cultural, em outras, representantes do setor cultural da embaixada do Brasil no Líbano vão até as escolas para levar informações sobre o Brasil.

Entre as atividades realizadas no centro estão a exibição de desenhos animados e filmes infantis brasileiros, como o Brasil Animado e Tainá 2. "Falamos sobre o meio ambiente, Amazonia, índios, a natureza brasileira. Também fazemos um questionário que as crianças respondem. Depois, servimos um lanche com pão de queijo e guaraná", conta Maasri.

Para as atividades nas escolas, está sendo adaptado um material produzido pela embaixada do Brasil em Londres, com conteúdo que inclui desde geografia, cultura, turismo e esportes até indústrias, economia e globalização. "É um material de grande amplitude. E vamos levá-lo ao máximo de escolas possíveis no Líbano", diz a diretora.

O material será apresentado, primeiramente, a 20 professores libaneses que atuarão como facilitadores para a difusão do conteúdo nas escolas das redes pública e privada. O objetivo, porém, é bem mais amplo: serão gravados 12 mil CDs, traduzidos para o árabe, que serão distribuídos nas escolas em Beirute.

Maasri comenta qual é o assunto de maior interesse entre os estudantes. "O futebol é, de longe, a coisa mais importante para eles. Então, o usamos como gancho para aumentar seu conhecimento (sobre o Brasil)", explica.

Além de levar informações sobre o Brasil aos estudantes libaneses, o centro também é procurado por escolas que buscam por subsídios para realizar projetos sobre o País. "Passamos os subsídios e eles fazem os projetos. Houve uma que fez até uma peça de teatro, com fantasias e carro alegórico", diz.

O Globo – Museu do Açude reabre após dois anos

Danificada pela chuva, instituição que abriga instalações de artistas como Hélio Oiticica e Nuno Ramos ganha nova obra de Iole de Freitas Audrey Furlaneto

(20/05/2012) Operíodo de chuva intensa em abril de 2010 fez desabar parte da entrada do Museu do Açude, no Alto da Boa Vista. Foi preciso trabalhar seis meses apenas para retirar a terra que cobriu a piscina e soterrou a primeira instalação permanente da instituição, um trabalho de 1999 feito por Iole de Freitas. Dois anos após a tragédia, a artista criou uma nova obra para o museu que, hoje, às 12h, será reaberto ao público, com show de Mônica Salmaso.

53 O pocket show é uma espécie de revival, segundo a diretora Vera Alencar, dos célebres brunchs que durante nove anos lotaram o museu e que, agora, carecem de patrocínio para voltar ao calendário cultural da cidade.

Por ora, a novidade é a instalação de Iole de Freitas. Soa um tanto irônico que a obra pareça justamente desafiar a queda: o trabalho da artista mineira foi fixado ao novo muro de contenção do museu, construído como parte da obra de recuperação e de redução das chances de novos deslizamentos de terra.

Obra de arte e obra de engenharia foram realizadas com o mesmo pacote orçamentário — o Museu do Açude conseguiu, com o BNDES, R$ 1,8 milhão para a reconstrução. O acervo da instituição, que abriga parte da coleção de Raymundo Castro Maya, não foi danificado pela chuva.

— Aqui, o espaço em si, a natureza em seu estado puro, exige que o trabalho busque novos materiais, para que continue com sua veemência, suavidade e delicadeza, mas tenha estrutura que resista aos temporais — diz Iole.

IOLE DE FREITAS à frente de sua instalação, sem título, que pode ser vista a partir de hoje: trabalho da artista feito para o local em 1999 foi soterrado

Do muro em que está fixada sua obra partem robustos cabos de aço com 14 metros de extensão rumo à pedra do morro na base da instituição. Desde 1999, o museu recebe instalações permanentes, assinadas por artistas como Hélio Oiticica (o Açude tem um penetrável do artista) e Lygia Pape.

O percurso de instalações pela mata tem surpresas como “Calado” (2002), de Nuno Ramos. Outra preciosidade — esta destruída na chuva — era o trabalho de José Rezende, em ferro e mármore, no meio da floresta. Deve ser refeito assim que houver novo aporte de verbas.

Diretora fala em ‘Inhotim carioca’

A beleza, porém, é pouco vista. Iole conta que grande parte de seus alunos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage desconhece o museu. A diretora do Açude concorda e diz que procura parceiros para criar nova (e ousada) forma de tratar o museu. Quer fazer dele um “Inhotim carioca”.

— Há uma cultura de que o Açude é longe, mas as pessoas vão até Inhotim, no interior de Minas Gerais, por exemplo, ou vão a museus distantes quando estão na Europa — avalia Vera. Iole lamenta que a “cultura e a natureza ímpar” do Museu do Açude não recebam “o devido valor, nem mesmo no universo das artes plásticas”.

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