UNIOGBIS Gabinete Integrado das Nações Unidas Para a Consolidação da Paz na Guiné- A Participação na Política dase na Tomada Mulheres de Decisão

na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau

DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA

GABINETE INTEGRADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A CONSOLIDAÇÃO DA PAZ NA GUINÉ-BISSAU (UNIOGBIS) Dedicatória

Esta obra presta honra a todas as mulheres e homens da Guiné-Bissau que em diferentes épocas contribuí- ram e alimentaram ensejos para que hoje possamos ter consciência de que é preciso resistir e lutar, mas FICHA TÉCNICA com sentido de justiça, de busca da igualdade e do bem-estar para a Título: "A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Deci- são na Guiné-Bissau - Da consciência, perceção à geração presente e futura. prática política" Autores: Miguel de Barros e Odete Costa Semedo Comité de Revisão: Sara Negrão (Coord.), Linda de Souza, Elisabete Vilar e Vanilde Furtado Colaboração: Bubacar Turé e Caterina Viegas Photo da capa: Filipa Oliveira (ACEP) Edições: UNIOGBIS Concepção Gráfica / Impressão: ByReg’ Tiragem: 1 000 exemplares Copyright © 2013 United Nations /Todos os direitos reservados. Depósito Legal: 1ª Edição (Outubro de 2013) Homenagem

À Fernanda Pinto Cardoso “Nandinha” (1964-2011), ativista e uma das as- sociadas mais ativas da Plataforma Política das Mulheres (PPM), da qual assumiu a liderança e lutou pela igualdade de género e empodera- mento das mulheres, juntando e mo- tivando mulheres de todos os parti- dos políticos e organizações de mulheres. Enquanto jornalista, foi uma excelente profissional, exemplo de mulher que conseguiu brilhar na sua profissão e lembrar-se sempre da importância das suas funções profissionais na luta pela promoção das mulheres guineenses, na defesa dos seus direitos e na procura de uma melhor visibilidade.

6 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 7 Agradecimentos

Agradece-se:

À Unidade do Género da UNIOGBIS por acreditar na importância e necessidade de um estudo exaustivo como este, dando assim um grande contributo no resgate e preservação da história e memória das lutas das mulheres guineenses.

Uma palavra de especial apreço à coordenadora da Unidade do Género da UNIOGBIS, Sara Negrão, pela sua perseverança e paciência que, mesmo num contexto de golpe de Estado, permitiu dar continuidade aos trabalhos que subsidiaram a elaboração deste diagnóstico. Aos seus auxiliares, Caterina Viegas e Bubacar Turé, por terem sido incansáveis no apoio à recolha de informações e organização da logística nos diferentes momentos do trabalho de campo. Os resultados aqui apresentados não teriam sido os mesmos sem o apoio e contributo de algumas instituições e pessoas, às quais estendemos os nossos agradecimentos: à Assembleia Nacional Popular (ANP), à Primatura, à Comissão Nacional de Eleições (CNE), à Imprensa Nacional (INACEP), ao Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação (INDE) e ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP). Às deputadas Aurora Sanó, Martina Moniz, Nhima Cissé; às ex-combatentes de liberdade da pátria Carmen Pereira, Francisca Lucas Pereira e Teodora Inácia Gomes; às senhoras Diana Lima- Handem, Filomena Tipote, Antonieta Rosa Gomes, Isabel Almeida, Fátima Vaz Lopes, Samarise Barbosa, Djamila Barreto Lopes, Ísis Djanira Semedo e Elci Pereira Dias; aos senhores jornalistas Fernando Jorge Pereira e Tony Tcheka; aos senhores Somaila Sani, Leónico Pereira Tavares, Dionísio Gomes, Nélson Constantino Lopes, Carlos Lineu Tolentino, Huco Monteiro e Carlos Vaz.

A todas e todos quantos nos apoiaram, direta ou indiretamente, com informações, imagens, dados estatísticos e/ou se disponibilizaram para nos alertar sobre factos e acontecimentos que poderiam passar despercebidos, as nossas mantenhas di gardisimenti.

8 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 9 Prefacio 12 Siglas e Abreviaturas 14 1. Introdução 16 1.1. Objetivos do Estudo 20 1.2. Resultados 20 1.3. Metodologia 21 2. Consciência, Perceções e Práticas sobre a Participação Política das Mulheres na Guiné-Bissau 24 3. As mulheres e as Estruturas de Poder Tradicionais na Guiné-Bissau 30 4. Participação Política das Mulheres Guineenses e o Acesso ao Poder de Decisão Formal Sumário na Guiné-Bissau 42 4.1. A Vigência Democrática: dinâmicas de participação e protagonismo das mulheres guineenses num contexto de instabilidade política e governativa 49 4.2. Influência das mulheres na política e nas tomadas de decisão: o papel das Organizações da Sociedade Civil e das redes femininas 55 4.2.1. As Organizações da Sociedade Civil (OSC) 56 4.2.2. Redes e Plataformas Políticas das Mulheres 61 5. Em Jeito de Conclusão: Lições e Ilações 68 6. Recomendações 70 7. Referências Bibliográficas 74 8. Anexos 78

DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 11 Prefácio

longo da História da Guiné Bissau, as mulheres têm demonstrado uma forte Na Guiné Bissau, de acordo com os dados apurados para este estudo, tem havido uma tendência capacidade de intervenção na liderança política, nos esforços de consolida- inversa, ou seja, a maior percentagem de mulheres na Assembleia Nacional Popular foi alcançada ção da paz, na luta pelos direitos humanos, bem como no desenvolvimento em 1988-94 (20 porcento), quando ainda vigorava o regime monopartidário. Desde então tem ha- economico e social. No entanto, o contexto de instabilidade política e gover- vido um declínio, havendo hoje apenas 10 porcento. O aumento na participação feminina no periodo nativa tem constituído um entrave à continuídade na adopção e implemen- pós independência parece estar ligado a um forte apelo à participação das mulheres em todos os taçãoAo de políticas e processos públicos que permitam fazer face aos constrangimentos que as níveis da luta de libertação nacional. Este tipo de incentivos e motivações não voltaram a ser enfa- impedem de gozar em pleno os seus direitos humanos, particularmente os direitos civis e políticos. tizados. Apesar de se terem criado, em vários momentos da História pós independência, estruturas e mecanismos nacionais com a finalidade de elevar o estatuto das mulheres, estes tiveram pouco A realização deste estudo parte da necessidade de dar uma maior visibilidade e valorizar o papel impacto devido a fatores relacionados à instabilidade sucessiva. assumido pelas mulheres enquanto protagonistas na política formal e ativa, bem como no poder tradicional. Pretende assim contribuir para o fortalecimento de conhecimentos especificos ao Ora é exatamente neste prisma que o presente estudo procura analisar estas questões, dando- contexto da Guiné Bissau, através de informação sobre os constrangimentos e as oportunidades à lhes um cunho mais abrangente, enquadrando os níveis de participação nos vários contextos poli- participação política das mulheres, lançando pistas de reflexão e programação, para que organi- ticos, sociais e económicos vividos na História da Guiné Bissau, desde o periodo pré-colonial até à zações nacionais e internacionais possam melhor promover a participação das mulheres em todas atualidade, analisando as medidas, opções políticas e instituições que têm ou não promovido uma as esferas da vida pública com base no conceito de democracia, quer na sua dimensão represen- participação igualitária de homens e mulheres na tomada de decisão nacional. Por outro lado, uma tativa, quer na participativa e inclusiva. das contribuições fundamentais do estudo baseia-se na perspectiva de enquadrar e correlacionar os diferentes níveis de participação e o papel das mulheres na sociedade guineense, seja no poder O estudo insere-se no quadro do mandato do UNIOGBIS de proceder à abordagem integrada de tradicional, na sociedade civil, no setor privado, ou ainda na arena das organizações de mulheres género de acordo com as Resoluções do Conselho de Segurança 1325 (2000) e 1820 (2008) sobre vocacionadas para promover os seus direitos humanos e em particular a sua participação política as Mulheres, Paz e Segurança. A ênfase nos esforços para garantir o direito das mulheres a uma e partidária. maior participação nas esferas de tomada de decisão prende-se com um compromisso firme assu- mido pelo Secretário Geral das Nações Unidas de apoiar os Estados Membros em assegurar pro- Sendo este estudo abrangente, mas não exaustivo, espero que constitua uma ferramenta para re- cessos politicos nacionais inclusivos, com a plena participação de mulheres. Este direito tem origem flexões mais aprofundadas sobre a paridade na política ativa e formal de todos os cidadãos e ci- no princípio da não discriminação e do gozo igualitário do direito à participação política, tal como dadãs guineenses. Espero também que promova discussões e inspire medidas para que possamos referido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como em outros instrumentos princi- avançar com firmeza para uma melhor participação das mulheres em todas as estruturas de tomada pais de direitos humanos, nomeadamente na Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de decisão e contribuir desse modo para uma sociedade mais justa e igualitária, em que os inte- de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW). resses e as necessidades de todos estejam representados nas decisões e nos processos políticos nacionais num verdadeiro sentido de promoção da cidadania. A nível mundial verifica-se um crescimento considerável da participação das mulheres em Parla- mentos Nacionais, de 11.3 porcento em 19951 para 20.5 porcento em 20122. No entanto, conside- rando que as mulheres constituem mais de metade da população mundial, este número continua a ser preocupantemente baixo, pois apenas 17 porcento de Estados (33 países) têm atualmente 30 porcento ou mais mulheres nos seus parlamentos3 em todo o mundo. José Ramos-Horta Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas na Guiné Bissau

12 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 13 Siglas e Abreviaturas

AD Ação para o Desenvolvimento (Organização Não Governamental) MSCCPD Movimento da Sociedade Civil para Consolidação da Paz e AMAE Associação das Mulheres de Atividades Económicas Democracia AMIC Associação dos Amigos da Criança NADEL Associação Nacional para o Desenvolvimento Local Urbano ANP Assembleia Nacional Popular OSC Organizações da Sociedade Civil AQUALEICA Associação de Quadros Leigos Católicos PAIGC Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde BCEAO Banco Central dos Estados da África Ocidental PCD Partido da Convergência Democrática BRINFOR Brigada Nacional de Formação PND Partido da Nova Democracia BRS Banco Regional de Solidariedade PNIEG Política Nacional para a Igualdade e Equidade de Género CBV Comissão de Boa Vontade PPM Plataforma Política das Mulheres CDC Convenção sobre os Direitos da Criança PRS Partido da Renovação Social CEAMC Comissão Especializada da ANP para Assuntos da Mulher e da PUSD Partido Unido Social Democrata Criança RA Rede Ajuda (Organização Não Governamental) CEDAW Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina- REMAMP Rede das Mulheres Africanas, Ministras e Parlamentares ção Contra as Mulheres REMPSECAO-GB Rede de Mulheres para a Paz e Segurança da Comunidade Eco- CFPPM Ciclo de Formação em Participação das Mulheres na Política e nómica para o Desenvolvimento da África Ocidental - Antena da nas Esferas de Decisão na Guiné-Bissau Guiné-Bissau CICER Central de Cervejas e Refrigerantes da Guiné-Bissau RENLUV Rede Nacional de Luta contra a Violência no Género e na Criança CNE Comissão Nacional de Eleições RGB-MB Resistência da Guiné-Bissau - Movimento Bâ-Fata CNMT Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras da UNTG RMCP Rede de Mulheres Construtoras de Paz CNPAPN Comité Nacional para o Abandono de Práticas Nefastas SINAPROF Sindicato Nacional de Professores OMGB Organização das Mulheres da Guiné-Bissau SINIM MIRA ONG de luta contra as práticas tradicionais nefastas contra a CRE Comissão Regional de Eleições saúde da mulher e crianças, CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas particularmente a Mutilação Genital Feminina. DICOL Empresa de Distribuição de Combustíveis Ldª SOLIDAMI Instituto Nacional de Coordenação da Ajuda Não Governamental EAGB Empresa de Energia e Água da Guiné-Bissau (Solidariedade e Amizade) ENAVI Empresa Pública de Produção de Galinhas e Ovos SUINAVE Empresa de Carnes Suínas e Aves Domésticas EUA Estados Unidos da América TINIGUENA Organização Não Governamental Ambientalista FCG-SD Fórum Cívico Guineense-Social Democracia UDEMU União Democrática das Mulheres FEMUGUI Federação das Mulheres Guineenses UEMOA União Económica Oeste Africana FLING Frente de Libertação Nacional da Guiné UM União para a Mudança (partido político) ILAP Inquérito Ligeiro Para a Avaliação da Pobreza UNIOGBIS Gabinete Integrado das Nações Unidas Para a Consolidação da IMC Instituto da Mulher e Criança Paz na Guiné-Bissau INACEP Imprensa Nacional, Empresa Pública UNTG União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (Central Sin- INDE Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação dical) INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa UPG União Patriótica Guineense (partido político) JAAC Juventude Africana Amílcar Cabral URTG União Revolucionária dos Trabalhadores Guineenses MASPF Ministério dos Assuntos Sociais e da Promoção Feminina VdP Voz de Paz (organização Não Governamental) MERCOSUL Mercado Comum do Sul- União Aduaneira de Cinco Países da América do Sul

14 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 15 uma transformação das agendas políticas e dos princípios de governação, com a finalidade de os tornar mais sensíveis às questões de género; em contrapartida, embora haja um esforço redobrado 1. Introdução no sentido de se integrar um maior número de mulheres nos países em vias de desenvolvimento, tem-se verificado um retrocesso da participação das mulheres na esfera de decisão.

É o caso da Guiné-Bissau, onde as mulheres representam a maioria da população, mas fazem parte dos grupos vulneráveis (BANCO MUNDIAL, 2009; ILAP, 2010): apresentam níveis notoriamente mais baixos de educação do que os homens; uma baixa representação na administração pública; As grandes conquistas relativamente ao avanço dos direitos humanos das mulheres foram alcan- desempenham os trabalhos mais precários com rendimentos mais baixos e acumulando trabalho çadas através de movimentos da sociedade civil de mulheres, que conseguiram mobilizá-las em doméstico e trabalho produtivo; os casamentos e gravidezes precoces são outros torno de causas comuns. São exemplos disso o movimento do sufrágio das mulheres (direito ao fatores que lhes diminuem o acesso às oportunidades de educação e desenvolvimento voto e de se candidatar para cargos políticos) que teve origem em França no fim do século XVIII, profissional4; contribuem para a subsistência do agregado familiar através de trabalho alastrando depois a todo o mundo. Formaram-se inúmeras organizações nacionais e internacionais informal com baixo rendimento; uma baixa prevalência de casamentos formais; a falta de mulheres, que, em conjunto, conseguiram influenciar a arena política nacional e internacional de regulamentação do pagamento de pensões alimentícias para pais separados e para conquistarem o direito de as mulheres participarem em todos os domínios da política (AN- ficando, na maior parte dos casos, as mulheres com os filhos para educar; existe um DERLINI, 2007; GOETZ, 2009; 2009a). cada vez maior número de mulheres chefes de família; e, ainda, o sistema de segurança social que só cobre uma pequena parte da força de trabalho formal, maioritariamente Pode dizer-se que, apesar de estarem presentes em todas as esferas da vida, as mulheres são quase masculina. sempre relegadas para segundo plano. Segundo Barros e Semedo (2012), as responsabilidades de que são incumbidas não são tidas como significativas ou de grande importância para a comunidade, sendo levadas a cabo, tanto no país quanto a nível da sub-região e mundiais. E são disso exemplos, apesar de as atividades subjacentes às suas responsabilidades serem vitais para a comunidade. apenas para citar alguns, as Conferências Mundiais sobre Mulheres das Nações Unidas de Nairobi, Na tomada das grandes decisões elas são dispensadas, assim como na tomada de decisões que em 1985, a Conferência das Nações Unidas, de Viena, sobre Direitos Humanos em 1993 e a de Pe- têm a ver com a comunidade e com a sua própria vida. Estamos a falar dos séculos passados, de quim sobre as Mulheres em 1995, que tem como principal objetivo o favorecimento de uma política um passado recente da História de algumas comunidades, mas esse cenário, infelizmente, ainda integrada de género nos processos de desenvolvimento e criar as condições necessárias para a hoje, no século XXI, é vivido por milhares de mulheres em vários países do mundo. participação das mulheres nas instituições estatais como sujeitos de pleno direito.

No entanto, apesar de alguma evolução positiva em termos de direitos cívicos, económicos e sociais, A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, de 1979 a política continuou a ser o espaço da sociedade dominado por valores e atitudes masculinos, man- e a Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 31 de Outubro de 2000, tendo-se um reduzido acesso pelas mulheres a esse “território”. Em países desenvolvidos, os mo- vêm alertar as nações para a existência de atropelos aos direitos humanos, sobretudo aos das mul- vimentos feministas alargaram as suas ações para se concentrarem em outros aspetos que permitem heres que vivem nos países em situação de conflito. O Protocolo adicional à Carta Africana sobre os Direitos do Homem e dos Povos respeitante aos Direitos da Mulher, tambem conhecido pelo Protocolo de Maputo, foi ratificado pela Guine Bissau em 2003. Contém uma visão ampla dos di- reitos humanos das mulheres, tendo em conta os problemas especificos encontrados em Africa, como por exemplo o direito das viúvas à herança, a proibição de casamentos forçados e precoces e o direito à integridade física e à proibição de todas as práticas tradicionais nefastas, tais como a mutilação genital feminina.

Estas conferências, assim como as resoluções que dali saíram, mostraram a pertinência e a urgência de realçar que todos são sujeitos sociais com os mesmos direitos humanos (à vida, à educação, à saúde, ao trabalho, à participação política), sejam mulheres ou homens, e que podem e devem cada uma e cada um representar-se e não ser, forçosamente, representado pelo outro.

Nos países pós-conflito e/ou em situações de instabilidade política e governativa, como é o caso guineense, o impacto destes mecanismos parece reduzido e as atividades são, na maior parte das vezes, pontuais, dispersas e nem sempre constituem prioridade. As razões apontadas para esta Mulheres guineenses na conferência internacional da defesa dos direitos das mulheres debilidade são maioritariamente os reduzidos fundos externos de apoio a estes mecanismos. No (Moscovo, 1979: Arquivo Francisca Lucas Pereira). entanto, há que ponderar sobre outras causas e constrangimentos que possam estar na origem

16 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 17 destas fraquezas. Realce-se que durante o processo de recolha de informações para a realização chefes de família, mulher baloberu 6, das rainhas e rei femia 7 das mandjuandadi 8, das filhas mais do presente estudo, foram identificadas outras causas, como, por exemplo, a falta de vontade po- velhas – que arcam com a responsabilidade da gestão do lar e com o cuidado dos irmãos mais lítica por parte dos líderes nacionais (vontade essa que deveria traduzir-se em ações concretas novos –, vulgarmente apelidadas “matchumindjer” [Maria-rapaz], nas comunidades guineenses, por como apoios institucionais); a ausência de mecanismos de implementação de medidas concretas essas mulheres assumirem protagonismos não baseados no sexo biológico ou classe social, mas de apoio às mulheres; a falta de um movimento nacional de mulheres coeso que possa conferir uma assente muito mais nas relações intergeracionais de estatuto e de relacionamento com o chão, maior legitimidade e apropriação das suas causas comuns (facto subjacente à consequente falta conforme assevera Amadiume (1995). de um grupo de pressão forte e metódico); a falta de políticas nacionais orientadas para as causas e ações comuns das mulheres; as reduzidas capacidades institucionais, entre outras. No entanto, há que notar que não se pode falar de feminismo, mas sim de uma multiplicidade de feminismos, existindo várias correntes de pensamento, que têm evoluído ao longo do tempo, bem É na base deste quadro que o Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz como através das contribuições de feministas de todas as regiões do mundo. Especificamente no na Guiné-Bissau (UNIOGBIS), decidiu realizar o presente estudo/ levantamento de necessidades que se refere à integração das mulheres em processos de desenvolvimento, surgiu nos anos 70 a em colaboração com a ONU Mulheres, com vista a uma análise aprofundada da situação das mul- abordagem de Mulheres e Desenvolvimento. Esta estava baseada na suposição de que as mulheres heres na política, tendo em conta os seus constrangimentos no acesso ao processo político, bem se encontravam excluídas dos processos de desenvolvimento económico e social e reclamavam a como a identificação dos sucessos e suas origens. O estudo teve em conta as motivações e os es- sua participação enquanto agentes activas desses mesmos processos. O resultado desta aborda- forços realizados pelas próprias mulheres, por um lado, e, por outro, a forma como os contextos gem foi uma maior visibilidade e incremento do papel produtivo das mulheres, no entanto os seus sociais, económicos, políticos, históricos, culturais e tradicionais serviram de alicerce ou de obstá- papéis reprodutivos foram desvalorizados, o que veio a gerar um acréscimo de trabalho e respon- culo para uma participação efetiva da camada feminina. sabilidades para as mulheres.

Assim, o utilizar género enquanto conceito que dá conta do caráter socialmente construído de iden- A abordagem Género e Desenvolvimento surge em reação a esta primeira abordagem (anos setenta) tidades com base no sexo ou perspetiva analítica para aumentar a capacidade de formular novos e introduz o entendimento da situação das mulheres na sociedade enquanto produto dos processos sentidos não pode subsumir, segundo Mcfadden (sd) e Chow & Lyter (2002), a ideia de que o de socialização, colocando ênfase na interacção de uma série de variáveis, como por exemplo idade, conceito e a categoria de género podem esconder a diversidade de posições, ideias, estatutos e sexo, cultura, etnia, meio geográfico, entre outras. Estas determinam questões como relações de necessidades de mulheres e homens maid do que aquilo que revela. Assim, é importante na pers- poder, acesso e controlo sobre recursos, divisão social de tarefas, etc. petiva de Karim (1995), dar conta de todas as formas concretas através das quais as mulheres as- Esta abordagem utiliza instrumentos de análise que permitem identifi- sumem os seus problemas, as suas resistências e alternativas nos diversos contextos sociais e car e analisar as relações de género no âmbito de um determinado temporais. contexto sem recorrer a suposições generalizadas sobre o papel e es- tatuto das mulheres e homens na sociedade, desta forma constituindo Por isso, o estudo toma em consideração o estatuto das mulheres em alguns dos vários grupos ét- um instrumento de análise que, à partida, está fundado sobre o recon- nicos e os direitos e não-direitos que o Direito Consuetudinário lhes reserva; foi dada, ainda, uma hecimento de que as questões de género são mutáveis e diferem em atenção especial às formas como as mulheres vêm o seu papel na política, o modo como os políticos cada contexto particular, não se podendo simplesmente importar mo- e outros formadores de opinião o vêm e promovem ou não. Esta dimensão foi considerada impor- delos.9 tante, na medida em que o papel dos partidos políticos é considerado fundamental na determinação das perspetivas para as mulheres que aspiram a um cargo público. Segundo Barros e Semedo (2012), É com base nesses pressupostos que, finalmente, se procurou identifi- os partidos podem também determinar até que ponto as questões que concernem e preocupam car e analisar a forma como mecanismos institucionais governamentais especialmente as mulheres se tornam parte do debate político nacional e são tidas em conta, de e não-governamentais, bem como políticas e ações afirmativas, podem uma forma séria e comprometida, no sentido de se legislar sobre o aumento da participação política ter favorecido ou condicionado o acesso das mulheres à política e ainda das mulheres. Esta posição é reforçada por Monteiro (2008: 115) quando refere que a persistente contribuir para a sua melhoria. sub-representação feminina interpela o próprio sistema de representação democrática, com res- ponsabilidades para os partidos políticos pela tendência para a sua masculinização.

Num outro diapasão, Cunha (2011) chama a atenção para os vieses universalistas dos feminismos5 ocidentais que codificam e reduzem a heterogeneidade das mulheres a categorias fechadas. O po- tencial do caráter etno e logo-cêntrico da categorização feminista do- minante esconde a complexidade e a diversidade das experiências sociais, materiais, simbólicas, políticas e de poder das mulheres, mos- trando o quanto podem ser desadequados os conceitos de patriarcado e género (CUNHA, 2011: 24). São os casos dos papeis de mulheres

18 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 19 1.1. Objetivos do Estudo 1.3. Metodologia

Se, em termos globais, o estudo visa identificar o nível de participação das mulheres no processo Inicialmente prevista para um período de sessenta dias, a realização do presente estudo acabou político, constrangimentos e sucessos no acesso e exercício do poder político e elaborar recomen- por ser mais alargada devido a fatores ligados a sucessivas mudanças e instabilidades políticas e dações de medidas para apoiar um maior acesso das mulheres ao poder formal, em termos espe- governativas que abalaram o país. Primeiramente, o falecimento do Presidente da República (Ja- cíficos foram definidos os seguintes pontos: neiro 2012) e a consequente substituição e marcação das eleições presidências antecipadas (Abril de 2012), colidiu com o trabalho de campo, condicionou a mobilização e a disponibilidade das nos- • Realizar um breve historial da participação e mobilização popular e política das mulheres sas entrevistadas devido à campanha eleitoral, chegando algumas entrevistas a serem canceladas na Guiné-Bissau; no próprio dia. Depois de uma análise realizada pela equipa de trabalho e tomando em considera- • Identificar, descrever e analisar os mecanismos e níveis de participação das mulheres ao ção que a maior parte das entrevistadas se manifestaram disponíveis só depois das eleições e, to- nível dos partidos políticos; mando em consideração a possibilidade da realização de uma segunda volta, foi quaseimprodutivo • Analisar a participação das mulheres nas eleições (presidenciais e legislativas); realizar o trabalho de campo com a profundidade necessária e desejável. • Avaliar a presença das mulheres a nível dos poderes legislativo, judicial e local; Nesta base, continuou-se com os trabalhos no que concerne a redação da parte introdutória e de Finalmente, foram elaboradas recomendações para o desenvolvimento de ações e programas que contextualização do estudo (metodológica e teórica) e foram reprogramadas as entrevistas para podem apoiar e fortalecer um movimento nacional de mulheres, tendo em conta a diversidade de depois da divulgação dos resultados da 2ª volta (caso viesse a acontecer). Contudo, o ambiente mulheres em contextos sociais, económicos, geográficos, culturais, religiosos e étnicos a nível na- político ficou radicalmente insustentável e polarizado tendo subjacente as disputas político-parti- cional. dárias, devido à não-aceitação dos resultados verificados na primeira volta por parte dos candidatos derrotados, por alegada fraude, e consequentemente, pelo golpe de Estado militar no meio do pro- cesso eleitoral, concretamente nas vésperas do início da segunda volta.

1.2. Resultados esperados Com mais um condicionalismo, a metodologia até aqui adotada tornou-se quase obsoleta, pois a maior parte das protagonistas não estavam (e ainda não estão no momento de redação deste texto) De acordo com os Termos de Referência, esperou-se com o estudo atingir quatro (4) resultados, a em condições de responder individualmente a algumas perguntas relacionadas às questões políti- saber: cas; alem disso, atendendo aos níveis de desconfiança que a realização das entrevistas podiam • Disponibilizadas informações capazes de ajudar na compreensão das motivações, suscitar, a equipa achou por bem apresentar uma nova proposta de recolha e de produção do es- possibilidades e constrangimentos relacionados à participação política das mulheres na tudo. Guiné-Bissau desde a independência à atualidade; • Analisadas as formas como as mulheres desempenham seus papéis, especialmente se têm Foi deste modo que as recolhas de informação passaram por momentos de capacitação, através em conta questões de género e direitos das mulheres na sua agenda e ação governativa; da realização de um ciclo de formação destinado às mulheres10 inseridas nas organizações políticas • Identificadas, descritas e analisadas as formas de funcionamento das instituições que (partidos) e da sociedade civil (Sindicatos, Media, ONGs, Redes de organizações feministas) como devem promover as mulheres na política; meio de diagnóstico dos problemas e de auscultação de opiniões das mulheres sobre os constran- • Produzidas e disponibilizadas recomendações para um programa para elevar a gimentos à sua participação; de identificação de pistas de trabalho com vista à projeção de um pro- participação das mulheres na política e um maior acesso das mulheres ao poder político grama que visa a elevação da sua participação política; de dotar as participantes de ferramentas formal. de intervenção pública e política, favorecendo maiores possibilidades de influência e de participa- ção na tomada de decisões ao nível nacional.

20 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 21 O ciclo de formação decorreu em Bissau e foi subdivido em 4 módulos, num horário diário das 9.00h O recurso à metodologia de investigação-ação, enquanto prática educativa de transformação social às 17.00h, com o seguinte calendário: (SILVA, 2011), não só permitiu o desenvolvimento de competências das mulheres para a sua participação política (discursos, comportamentos, atitudes e práticas), mas também desafiar formas de pensar e organizar, usando técnicas de “pedagogia ativa11” através de jogos, dramatizações, Módulos Temáticas Datas Objetivos imagens, estudos de casos, testemunhos e discussões para evidenciar os problemas (constrangimentos) e aprender com esses mesmos problemas, no sentido de providenciar uma 1 Noções de Política 25-26/07/12 - Apresentar a situação das mulheres guineenses nos vários orientação para um processo que ajude as mulheres a superar essas limitações, envolvendo-as de e Participação das setores da vida pública e na família, por meio de dados estatísti-estatísti- Mulheres cos; forma objetiva em prol da transformação das suas realidades. - debater a situação das mulheres na família; a posição ocupada pelas mulheres nas esferas de decisão em comparação com os Assim, a investigação participativa é um processo de ação social que se inclina a favor dos(as) homens; dominados(as), oprimidos(as), pobres, discriminados(as). Porque é central a sua preocupação com - como é feita a educação para a cidadania com ênfase na as relações de poder, democracia e as suas interações, a investigação participativa não vê qualquer educação política e participação das mulheres; - de que forma a escola e a comunidade contribuem, ou não, para contradição entre os objetivos do empowerment coletivo e o aprofundamento do conhecimento a participação feminina na política. social (SILVA, 2011: 106), sendo que as suas atividades integram, segundo Hall (1981): a) envolvimento das pessoas na definição e análise 2 Participação das 01-02/08/12 - Entender como o processo eleitoral afeta as mulheres; das problemáticas sociais que as afetam; b) a educação enquanto mulheres no - identificar os constrangimentos à participação das mulheres processo que resulta na formulação de novos entendimentos e formas processo leitoral no processo eleitoral; de ver o mundo; e c) a ação onde as descobertas alicerçam uma ação - potenciar as medidas que favoreçam o aumento e a plena participação das mulheres no processo eleitoral. orientada e informada (SILVA, 2011: 106).

3 Competências 08-09/08/12 - Ganhar competências para a organização de eventos; ganhar De acordo com Barros e Semedo (2012), a metodologia deste tipo de para a ação competências para participar de forma eficaz em reuniões e ação de formação remete as participantes (formadoras e formandas) política das eventos; para uma perspetiva de cidadania ativa12, enquanto prática social e mulheres - ganhar competências para falar em público; política que se desenvolve através de processos democráticos - ganhar competências para confrontar ideias, argumentar e defender as suas opiniões em debates públicos. partilhados de empoderamento individual e coletivo, dando espaços a surgimento de novos conhecimentos e produção de tecnologias de 4 Mobilização das 15-16/08/12 - Entender a importância das ações comuns entre as mulheres e emancipação social e política. mulheres em torno organizações de mulheres; de causas comuns - analisar as organizações de mulheres a nível local tendo em conta as suas limitações e oportunidades; - identificar recomendações para fortalecer a ação das mulheres em torno de ações comuns; - entender a necessidade e componentes para o desenvolvimento de uma estratégia para a ação comum.

Aspeto da sessão de capacitação das mulheres em matéria de participação política (Bissau, 2012, Foto: Miguel de Barros).

22 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 23 da vida pública. Porém, se por um lado hoje é reconhecida a necessidade de as mulheres terem uma participação mais ativa na política, e se elas estão presentes em quase todos os setores, 2. Consciência, Perceções e Práticas considera-se, por outro lado, que é ainda cedo para grandes regozijos, dado que é pequeno o número de mulheres no setor público, sobretudo na política e nas esferas de decisão, onde o sobre a Participação Política das verdadeiro poder está instalado. Mulheres na Guiné-Bissau Diante da consciência que se tem da fraca participação das mulheres na política e no poder, as organizações da sociedade civil, nacionais e internacionais, as organizações das mulheres e os sucessivos governos da Guiné-Bissau têm procurado conhecer quais as razões subjacentes a essa questão. Os dados estatísticos apontam para números e taxas; os diagnósticos mostram que por detrás desses números estão os fatores educativos, culturais, históricos, económicos; a experiência As mulheres foram, durante muito tempo, deixadas na sombra da história. O desenvolvimento da e as histórias de vida contadas por mulheres mostram-nos que muitas respostas a esta situação antropologia e a ênfase dada à família, a afirmação da história das «mentalidades», mais atenta anómala estão na educação familiar e na escola, espaços das primeiras interações das crianças e ao quotidiano, ao privado e ao individual, contribuíram para as fazer sair dessa sombra. E mais dos/as jovens com o meio, e desses com pessoas estranhas à família. São lugares de excelência da ainda o movimento das próprias mulheres e as interrogações que suscitou. «Donde vimos? Para construção de mentalidades e estruturação de atitudes, quer através da imitação dos colegas ou onde vamos?», pensavam; e dentro e fora das universidades levaram a cabo investigações para dos adultos que se consideram modelos a serem copiados, quer por meio daquilo que é transmitido encontrarem os vestígios das suas antepassadas e sobretudo para compreenderem as raízes da dominação que suportavam (e suportam) e as relações entre os sexos através do espaço e do pelos professores e pelas professoras e dos manuais esclolares: estereótipos, adjetivações, tempo (DUBY e PERROT, 1991: 7). desqualificações que por vezes provocam a baixa autoestima e funcionam como fator de desencorajamento na tomada de decisão de participar na política e de lutar para atingir os mais altos patamares da política. Consciência, perceções, participação são conceitos que, ligados à prática política das mulheres na Guiné-Bissau, nos conduzem ao quotidiano dos sujeitos de direitos mulheres e homens, pois é no Podemos questionar sobre qual a perceção que as mulheres guineenses têm da própria participação convívio diário que os conflitos, as tensões, as liberdades e o impedimento de viver as liberdades política e se existe uma consciência política que as motive a lutar por uma melhor participação. individuais são expressas nas suas mais diversas formas; é também no quotidiano que surgem as tentativas de resolução de conflitos reinventados sob várias roupagens. Em resposta a estas questões e valendo-nos de entrevistas a antigas combatentes da liberdade da pátria e de testemunhos das participantes do Ciclo de Formação em Participação das Mulheres Se tomarmos o conceito de consciência como o lado humano que abrange a experiência, o na Política e nas Esferas de Decisão na Guiné-Bissau (CFPPM), as mulheres corroboraram o processamento de tudo aquilo que é vivenciado pelo indivíduo durante a experiência, o subjetivo, encorajamento que a camada feminina recebeu do líder Amílcar Cabral durante o processo da luta ela aparece-nos como algo que é mais do que a perceção do mundo; a consciência é, nessa linha, de libertação. Aquele líder exortou as mulheres a participarem, chamando a atenção para a ser do mundo e ser no mundo, isto é, agir e interagir socialmente, o que faz dela o depositário da necessidade do empenho pessoal de cada uma, com vista à sua emancipação. Isso faria e fez com memória e também das expetativas individuais. Na mesma senda, a perceção é definida como a que houvesse um reconhecimento das mulheres como parceiras dos homens durante essa epopeia. nossa atenção sobre as coisas e situações que, desencadeada por um processo de observação, reconhecimento e discriminação, permite aos indivíduos terem o sentido de destrinçar objetos e situações.

A participação política está intrinsecamente interligada e articulada à consciência política. Betânia Gonçalves (2007) considera que a qualidade e o tipo de consciência política mantêm uma relação de interdependência, tendo em conta todo o caminho percorrido na socialização política do sujeito; e deve-se ter em consideração o contexto histórico, político, cultural e social, enquanto fatores que influenciam na construção da consciência e da participação políticas de cada pessoa.

Analisando a participação política das mulheres guineenses, através dos dados estatísticos e de relatos na primeira pessoa, podemos referir que, se no passado, o espaço das mulheres no mundo – e na Guiné-Bissau em particular – era exíguo, restrito à vida doméstica, hoje a evolução das sociedades permite alguma participação das mulheres na vida pública, deixando estas, paulatinamente, de estarem circunscritas às atividades do privado, a ocuparem-se apenas do marido, dos filhos e da casa para terem uma participação mais efetiva e mais presente nos setores

Sessão da proclamação unilateral da indepndência nacional (Madina de Boé, 1974: Arquivo Francisca Lucas Pereira).

24 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 25 Amílcar Cabral conseguiu a proeza de uma participação equilibrada de homens e mulheres, que se cumprimento escrupuloso da disciplina partidária e rigor no cumprimento das tarefas e todos reconhecia em ações concretas como a distribuição de tarefas e responsabilidades aos militantes sabiam que não tinham só direitos, mas também deveres a cumprir. Afirmaram, ainda, que a atual de ambos os sexos: Comissários e Comissárias políticas, Comités de tabanca compostos por homens reduzida participação das mulheres na esfera política não se deve à falta de uma consciência e mulheres, Conselho Superior de Luta, Comité Executivo de Luta, Bureau Político que contavam política, mas sim a uma consciência política modelada por uma educação familiar e uma sociedade com homens e mulheres, e em queas mulheres participavam na tomada de decisões. Pode-se afirmar que limita as mulheres, por culturas com aspetos prejudiciais à participação das mulheres na vida que Cabral despertou a consciência política das mulheres, ação que foi sendo consolidada através pública. E deram vários exemplos, tais como: da formação de mulheres e homens – na escola do Partido e no exterior –, tanto no âmbito político- ideológico quanto nas vertentes profissionais. • O seguimento escrupuloso de certas práticas negativas, supostamente culturais, e tradicionais como, por exemplo, a divisão de trabalhos domésticos, privilegiando os rapazes que ficam Conhecendo as culturas guineenses, os nossos dogmas e idiossincrasias, Cabral apostou fortemente sem fazer nada ou vão brincar enquanto as meninas apoiam as mães nas lides caseiras e são, na formação/informação, tentando desmistificar algumas práticas que podiam ser nefastas aos desde tenra idade, sobrecarregadas com vários trabalhos, muitos deles inapropriados para propósitos da participação das mulheres na luta, lembrando às e aos combatentes que A luta de as suas idades; libertação é um ato de cultura. • Na condição de estarem, o menino e a menina, a frequentar a escola, quando se encontram Pode-se afirmar que a luta de libertação nacional foi um período de mudança na vida das mulheres em casa, a menina é chamada a ajudar a mãe nas tarefas do lar, enquanto o rapaz é deixado guineenses, pois foi um momento em que a perspetiva de vida da camada feminina se alterou: o sem tarefas o que lhes permite ir jogar e interagir com outras pessoas da sua idade ou passar espaço de ação alarga-se do mais tempo a fazer trabalhos de casa; privado, doméstico para o público; a militância política e a participação • Os rapazes têm mais liberdade de falar e são treinados a discutir e a serem persistentes, pois como guerrilheira e profissional das serão no futuro, conforme reza a tradição, chefes de família. Omi ka ta moli [o homem não mais diversas áreas, abrindo-se, deve ser mole/ o homem deve ser firme]; matchu ka ta tchora [o verdadeiro homem/macho assim, o caminho para a grande não chora], são adágios guineenses que vêm reforçar a ideia do macho que deve ser forte; aventura da construção da cidadania das mulheres • O casamento forçado e precoce no núcleo familiar, negociado pelo pai e os tios sem guineenses. conhecimento e aceitação da adolescente: a menina é preparada para se casar, a partir dos 13 e 14 anos (mais nas zonas rurais e dependendo muitas vezes do seu desenvolvimento físico). Em relação às opiniões das Em contrapartida, nenhum rapaz é obrigado a casar- se na idade de 14 anos; mulheres que participaram no Ciclo de Formação, elas falaram da • As meninas são educadas para serem obedientes e submissas aos mais velhos e ao marido. reduzida participação das mulheres Elas devem guardar segredo quando são violentadas pelos seus parceiros, porque devem na política e nas esferas de decisão, preservar o casamento e o respeito da comunidade: sufridur ta padi fidalgo [as que sofrem sobretudo se comparada com a era são recompensadas], mindjer ku seta kasamenti ta padi fidjus ku bali [a mulher que aceita do partido único, reconhecendo sacrificar-se no casamento, tem filhos empreendedores e felizes] são provérbios guineenses que muitos ganhos conseguidos que encorajam o silenciamento das mulheres. durante a luta de libertação e nos primeiros tempos após a • A violência psicológica sobre as meninas – que pode acontecer na família e na escola – independência foram perdidos; através de adjetivos que as desqualificam e minimizam a sua imagem e/ou menosprezam as asseveraram que esses suas capacidades e que podem ter como consequência o medo de enfrentar desafios, ganhos/perdas estão ligados ao confrontar ideias e de defender a sua opinião publicamente. cumprimento de objetivos bem traçados, com vista ao alcance da independência, pois isso exigia de Assim, entende-se que as conquistas devem começar pela busca de ganhos mais elementares como, cada um e de cada uma o por exemplo, decidir a própria vida (a escolarização/formação, a escolha do marido/parceiro, a decisão sobre o número de filhos, a gestão do próprio rendimento, uma educação de filhas e filhos Aspeto do jornal do PAIGC demonstrando níveis de sucessos conse- como pessoas de direitos e deveres iguais, etc.). Estas ideias são lançadas pelas próprias mulheres guidos até 1972 nos domínios da educação e formação de quadros, que falam daquilo que consideram uma espécie de mea culpa, já que são elas que permanecem com ênfase para a questão das mulheres (Boké, 1972: Arquivo PAIGC). mais tempo com as crianças e sentem-se também responsáveis pelos comportamentos destas.

26 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 27 Todavia, entendem que o desequilíbrio na distribuição de tarefas entre filhos e filhas, assim como Deste modo, e revelando-se premente a tomada de medidas conducentes à melhoria da as atitudes que penalizam as filhas em relação aos filhos, é algo automático, que vem de dentro, participação das mulheres na política, os sucessivos governos guineenses assumiram compromissos, porque foram educadas assim, aceitando os clichés e assumindo o discurso estereotipado sobre assinando acordos, ratificando convenções internacionais como, por exemplo, a Convenção sobre si. É disso exemplo quando uma das nossas entrevistadas afirma que: a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW), a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC). A par disso, e ao longo de décadas, várias Conferências regionais e mundiais sobre Mulheres foram e vêm sendo realizadas: em Nairobi, sobre as Mulheres (1985), em Para que possa haver mudanças visíveis, as mulheres devem ter coragem de participar, pois elas Viena, sobre Direitos Humanos (1993), em Pequim, sobre as Mulheres (1995). Os Objetivos de têm medo de estar na política; por outro lado, as mulheres não são unidas nos momentos em que Milénio para o Desenvolvimento que surgem a partir da Declaração do Milénio adotada em 2000; devem estar e em defesa dos seus interesses. As mulheres são capazes de apoiar os homens, mas a Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), de (2000). Realce-se que vacilam muito quando estão diante de uma candidata, de uma mulher (FLP: 2012). a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres chama a atenção dos Estados membros, de forma enérgica, para a existência de violações aos direitos humanos das mulheres sobretudo das que vivem nos países em situação de conflito; apela ainda a Escutamos, ainda, afirmações como esta: que sejam considerados crimes de guerra, e punidos como tal, todas as atrocidades cometidas contra as mulheres durante os conflitos, como, por exemplo, a violação sexual.

Quando fui eleita deputada e já na Assembleia, quis concorrer a membro de mesa da Assembleia, Estes eventos revelam-se instrumentos de persuasão a uma atenção à luta das mulheres para o pude contar com o apoio dos homens do meu partido, pois as mulheres não votaram em mim. Tive um grande medo de não conseguir vencer e faltava-me confiança em mim (AS:2012). seu empoderamento e uma melhor participação política e incitam os Estados a procederem à elaboração de planos nacionais, com vista à integração da perspetiva género nos planos setoriais de desenvolvimento. No caso da Guiné-Bissau, a Política Nacional para a Igualdade e Equidade de 13 Apesar de todas as dificuldades encontradas no processo da sua integração no mundo da política, Género (PNIEG) , as ações de formação, informação e capacitação, as campanhas de sensibilização as mulheres vão ganhando experiência, militando nos partidos políticos e reeducando-se, conforme têm sido um dos caminhos para alertar as mulheres e homens guineenses para a necessidade de as idiossincrasias, reforçando a sua consciência política. Nesta linha, uma das formandas do Ciclo conhecer os fatores que impedem a participação das mulheres na política, reforçar a consciência de Formação testemunhou: política das mulheres e melhorar a sua participação nas esferas de decisão.

Todavia, para além das situações mais visíveis de discriminação e violência contra as mulheres, A política parecia-me algo muito estranho, que não me interessava. A minha primeira tentativa de vividas no quotidiano, existem outras mais subtis: embora existam leis que expressam a igualdade entrar para um partido político não resultou. Senti-me discriminada, e não levei avante esse intento. entre as pessoas (Artigos 24, 25, 26 da Constituição da República da Guiné-Bissau), leis que Quando inscrevi-me no partido XXX em 1997, não entendia nada e não percebia o que se fazia na apontam para igual responsabilidade de pais e mães na educação de filhos e filhas e outras que política. Quando percebi o que era a política, que na política há ganhos e oportunidades, comecei apelam à não discriminação em função do género, a realidade é que estas e outras do mesmo âmbito a participar ativamente, tendo tomado parte nas conferências dos quadros do partido, engajando- se revelam ineficazes por falta de instrumentos e instituições empenhados na sua implementação me seriamente. Não tive problemas com os homens, mas com as mulheres tive muitos. Não me e acompanhamento. aceitavam, mas resisti, fiz campanha porta a porta… Fui ativa e astuta durante essa campanha para o congresso, e as que me desdenharam, quando viram o meu empenho, passaram a ser minhas amigas. Mobilizei as minhas filhas e sobrinhas que me apoiaram. Eramos cinco a concorrer, e eu Tendo as mulheres consciência desses fatores negativos à sua participação política, um espaço fiquei na 3ª posição. Construí o meu próprio espaço e hoje faço parte da direção do meu partido masculinizado e muitas vezes hostil, elas enveredam pelos trilhos da Sociedade Civil, das (MIM: 2012). Organizações Não Governamentais, valendo-se, também, daquilo que vem sendo o percurso das mulheres ao longo dos tempos.

Assim, cada testemunho dado revela experiências de amadurecimento, de crescimento pessoal das mulheres, as suas inseguranças e desafios no espaço político, mas sobretudo a preocupação com os modos de mudar a atual situação, fazendo com que as mulheres possam unir-se em torno de objetivos comuns. A fraca participação feminina afeta as mulheres a nível mundial, por isso a busca de soluções é também mundial, expressas em Agendas globais em que cabem as preocupações de cada país membro das Nações Unidas.

28 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 29 praça de Cacheu, em 1686, iniciada com a prisão do Capitão-mor, quando a nova administração15 proíbe o comércio com estrangeiros - num momento em que os naturais queriam manter a liberdade 3. As mulheres e as Estruturas do de comerciar e de escolher os seus parceiros comerciais (SEMEDO, 2010).

Poder Tradicionais na Guiné-Bissau As mulheres, muitas delas pertencentes às famílias nobres locais (filhas de régulos), contraíram matrimónio com estrangeiros, sobretudo comerciantes, tendo dado origem aos chamados ‘filhos da terra’. Esses casamentos “contribuíram para a miscigenação, e foram veículos valiosíssimos, Apresentar o percurso das mulheres guineenses no acesso ao poder, e em particular nas estruturas embora clandestinos, de aculturação nos dois sentidos”, na conceção de Pinto Bull (1989), que tradicionais, impõe que se debruce sobre os seguintes aspetos: Que percurso as mulheres herdaram afirma, também, serem os Lançados um fator positivo na formação do crioulo guineense; e nós das suas antepassadas? Qual a situação atual das mulheres no que respeita ao acesso ao poder? acrescentamos, pelo relacionamento, nem sempre pacífico e consentido, com as mulheres nativas. Qual a situação do país em termos de regime político: democrático, excludente, permissivo? O poder é acessível às mulheres? E o poder tradicional, que herança/respostas oferece? Quais os Conforme Correia e Lança, 1890; Barcellos, 1899-1913, v.3, citados por Havik (2006): pontos fortes /aspetos positivos, os problemas/riscos atuais ou previsíveis do ponto de vista do percurso das mulheres no acesso ao poder e em termos da igualdade de oportunidades? De que Se na época colonial fora possível simplesmente ignorar ou silenciar a presença de mulheres, as instrumentosdispomos para determinar/responder a estas questões? ñaras, sobretudo as mais poderosas, eram figuras incontornáveis. O facto de um governador incluir em um dos seus relatórios um esboço “biográfico” sobre uma delas, Ña Aurélia Correia, baseado Os vários fragmentos da história da Guiné-Bissau a que se pode ter acesso mostram-nos um poder em testemunhos orais, indica o prestígio de que esta mulher gozou na Guiné, mesmo depois da tradicional organizado piramidalmente com Régulos ou Reis no topo, seguidos de chefes religiosos sua morte (HAVIK, 2006: 13). (Baloberu, Djambakus, Tcholonadur, Imames), na sua grande maioria homens, que gozam de grande prestígio na comunidade, seguidos dos súbditos na base da pirâmide. Entre os Régulos e o povo encontram-se, nessas sociedades chamadas verticais, as várias castas divididas por ofícios; nas No século XIX, com a administração colonial já instalada e o núcleo dos denominados kristons em ditas sociedades horizontais, em que não existe a figura de régulo bem definida, há conselhos de processo de formação e consolidação, as grandes casas de família, gans16, podiam ser, na época, anciãos e o povo, sem uma divisão/ estratificação clara de castas ou linhagens superiores e ou empregados da administração pública, empregados comerciais, de fábricas ou proprietários de inferiores. Em ambas, as mulheres aparecem sempre nos grupos de filhas, esposas, mães, irmãs, pontas [quintas]. Estas senhoras faziam das suas casas autênticas sobrinhas, etc., apesar de terem funções importantes e bem definidas no mundo doméstico e de escolas de formação no domínio de lavores (corte e costura, participarem em atividades sociais relevantes para a bordados), culinária e demais artes caseiras consideradas dons comunidade. Há grupos que são exceções à regra, necessários para uma boa dona da casa, numa sociedade em que são aqueles em que a linha das sucessões é às mulheres era reservado o espaço doméstico com todas as matrilinear, outros há em que mulheres e meninas atividades dali inerentes, excluindo-as, na maioria das vezes, do dirigem cultos religiosos como sacerdotisas e são acesso à escola – reservado aos rapazes. responsáveis pelos cuidados do templo tradicional ou Baloba. Recorde-se que as escolas públicas eram escassas e que as primeiras escolas femininas foram criadas apenas em 1881, Os referidos fragmentos da história tipificam as conforme consta do Boletim Official do Governo da Província da mulheres da costa ocidental africana como Guiné Portugueza, nº 2, de 1881. Assim, nesses espaços familiares dinâmicas, envolvidas nos mais variados negócios. A (gans), a mulher tinha um papel importante, pois para além de imagem das mulheres registada entre o século XVIe confecionar e vender produtos caseiros que geravam rendimentos princípio do século XX apresenta o seu dinamismo para a família, “era ela quem se encarregava de administrar e ligado ao intenso movimento comercial dos controlar, in loco, as atividades agrícolas e comerciais. Era a Lançados14 ou Tongomaus na Costa ocidental mulher quem estava em contacto mais direto com os africana. As nharas, esposas desses comerciantes trabalhadores” (MIRANDA, in CARDOSO, 1996: 301). que agiam à margem da Coroa portuguesa, tinham um papel importante, pois vão surgir auxiliando os As mulheres desdobravam-se, ainda, em atividades (fora de casa) maridos nos atos comerciais e como intermediárias. geradoras de rendimento como contributo para a economia Quando sentiam os seus negócios ameaçados, eram doméstica, participando no comércio informal enquanto capazes de iniciativas extremas. Brito (1993) faz comerciantes, retalhistas ou revendedoras. Muitas eram referência à revolta dirigida por Bibiana Vaz contra a proprietárias de bens domésticos, de rebanhos de gados, de

Mulher Baloberu da etnia Bijagó (Ilha de Formosa, 2008. Foto: Emanuel de Ramos)

30 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 31 propriedades herdadas dos pais ou adquiridas com os próprios meios. A tradição permitia a Tanto as baloberu, djambakus, quanto as katandera algumas, dependendo do seu grupo étnico, serem proprietárias da casa de família por viverem sós gozam de grande respeito e prestígio na comunidade, e terem pessoas a criar e educar sob suas expensas. Outras realizavam os seus próprios negócios, pois esta reconhece nelas o dom de comunicar com podendo guardar os seus lucros, e portanto fazer a sua gestão. os ancestrais como intérpretes, videntes e auxiliares religiosas, respetivamente, e entende, também, que Sublinhamos que o próprio governo colonial também se valeu das potencialidades das mulheres do desempenho dessas mulheres pode depender a que tinham espírito de liderança. Essas eram levadas a juntar outras mulheres dos bairros sua sorte ou má fortuna. periféricos de Bissau, sobretudo as que participavam nas mandjuandadi, sempre que havia visitas oficiais, inaugurações e festividades locais. Destacamos, entre várias No caso concreto dos Bijagós, este grupo étnico tem anónimas, a figura de Maria Obiara Sambu17 que jogava o papel de coordenadora de uma estrutura matrilinear, sendo o nome do clã ações recreativas, não só junto das mulheres, mas também junto dos jovens que transmitido pela mãe; o responsável do filho é o apoiava. Fez do anexo da sua casa, no bairro de Chão de Papel, o estúdio de ensaio irmão da mãe, mesmo estando o pai vivo. As de grupos musicais do seu bairro. Apoiou a criação do conjunto musical “Chave cerimónias religiosas são orientadas pelas mulheres, d’Ouro”, tendo-os beneficiado com instrumentos musicais para a banda, que mais as Okinkas, rainhas ou sacerdotisas. tarde viria a chamar-se “Nkassa Kobra”. Sempre que havia visitas oficiais de governadores à então capital da província, Obiara Sambu era chamada a juntar as Os bijagós têm uma relação especial com os seus mulheres de várias mandjuandadi para a festa de receção dos hóspedes. antepassados, considerados entidades espirituais, e Grupo de Mandjuandade Flur d’Armonia acreditam na sobrevivência das almas dos mortos. (Bissau, 2008: Arquivo Odete C. Semedo). No que se refere ao poder tradicional, se observarmos a ação das mulheres, desde São as mulheres bijagós que, nas cerimónias os tempos mais remotos aos nossos dias, daremos conta de que elas (nas comunidades ditas concernentes, entram em comunhão-possessão com as almas – orebok-oshó – de indivíduos que animistas) têm uma participação mais ativa ao nível dos cultos aos ancestrais, deuses ou Irans18, morreram antes de celebrar as cerimónias de iniciação. E são elas a darem a maturidade cultural a através das cerimónias religiosas realizadas nas Balobas, como baloberu [sacerdotisas], djambakus esses indivíduos ao mesmo tempo que completam as próprias cerimónias de iniciação e adquirem [vidente e curandeiro] (caso da etnia Papel, Manjaca) e casos há em que uma mulher pode ser ao a própria identidade cultural como mulheres e como força autónoma na sociedade bijagó mesmo tempo djambakus e baloberu. As mais jovens, algumas de tenra idade, são levadas para (SCANTAMBURLO, 2003). esses locais de culto como katandera, ou seja, meninas que ajudam a cuidar da limpeza das Balobas e abastecimento de água para os potes ali colocados, recipientes que também funcionam como Revisitando o Direito Consuetudinário guineense, num breve olhar a alguns grupos étnicos bebedouro, usados por pessoas que frequentam o local de culto ou as que por ali passam. (islamizados e animistas), apenas em termos ilustrativo, sobre os direitos das mulheres, constata- se que entre os balantas, as mulheres não exercem o poder de decisão relevante nas tabancas, sejam elas casadas ou viúvas, salvo nas situações em que não exista um homem que esteja em condições de exercer esse cargo. No campo religioso, os titulares do poder espiritual, podem ser escolhidos entre as mulheres que tenham celebrado a cerimónia do casamento e entre os homens que já foram ao fanadu, cerimónia tradicional da circuncisão, porém, as mulheres só podem assumir funções nesse campo depois de consultados as/os djambakus, ou seja, os/as videntes.

As mulheres balantas podem celebrar negócios, poupar e guardar os seus ganhos, mas não podem vender terrenos de cultivo, podendo somente ceder gratuitamente o direito de cultivo. Num casamento celebrado segundo os seus usos e costumes, a casa de morada da família pertence ao marido. Em caso Mulheres bijagos durante a cerminónia de toka tchur de separação e divórcio do casal, a mulher não pode (Ilha de Formosa, 2009, Foto: Emanuel Ramos) pedir a tutela dos filhos; e em caso da morte do Aspeto de uma feira semanal (Bula, 2008, Foto: Miguel de Barros).

32 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 33 marido, a mulher não fica com os bens que pertenciam àquele, com exceção dos bens de uso Entre o grupo étnico Mandinga, as mulheres podem doméstico e de uso de pequena importância19. celebrar negócios e conservar o dinheiro ganho, porém devem informar os respetivos maridos acerca Já entre os Manjacos, as mulheres podem exercer o poder de decisão na tabanca, na condição de dos ganhos. Elas podem gastar o seu próprio serem responsáveis de uma família autónoma. Elas podem celebrar negócios e conservar o dinheiro dinheiro e o do casal, desde que o marido seja ganho com essa atividade. Num casal, a mulher pode gastar o seu próprio dinheiro e pode também informado do destino das quantias gastas. Elas gastar o dinheiro do casal, se tiver o consentimento do marido. As mulheres manjacas podem ser podem ser proprietárias de animais domésticos e proprietárias de bens domésticos, mas o dono da casa de habitação não pode ser uma mulher. Elas também de bens domésticos, quando os levam para não podem ser proprietária dos celeiros onde se guardam os cereais, porém, hoje, já é possível o casamento ou os conseguem adquirir por meios encontrar mulheres proprietárias de celeiros, nas tabancas, e elas podem ser proprietárias de próprios. rebanhos de gado. As mulheres não podem ser proprietárias da casa da O casamento para as mulheres manjacas é uma obrigação moral e elas têm liberdade de escolher morada de família, dos terrenos de cultivo, dos bens com quem vão casar, embora a família possa pressionar no sentido da escolha de alguém que julgue domésticos do casal, dos rebanhos e dos animais mais interessante para a linhagem. Num casamento realizado de acordo com os rituais manjacos, domésticos, pois pertencem ao marido. Porém, caso a casa de morada da família, os terrenos de cultivo, os bens domésticos do casal, os rebanhos e os tenham herdado do pai, elas podem ser proprietárias animais domésticos pertencem ao marido. de casas de habitação, terrenos de cultivo e de Aspeto das mulheres manjacas em traje tradicional rebanhos de gado. Podem celebrar negócios (Ilha de Jeta, 2004, Foto: Romy Matos) Segundo a tradição manjaca, é crime não dar qualquer liberdade à mulher, assim relativos aos terrenos de cultivo de que sejam como escravizar uma mulher; e a “pena” prevista para este tipo de crime começa com proprietárias, devendo o marido estar a par de tais transações. advertências ao marido feitas pela família da mulher. Em caso de não respeito aos avisos dados, a família pode retirar a mulher ao marido. No caso de a mulher querer As mulheres mandingas têm a obrigação de casar a partir dos 14 ou 15 anos, dependendo do seu a separação, ela pode solicitar, mesmo que o marido não esteja de acordo. Porém, crescimento físico e, na maioria dos casos, os pais decidem com quem as filhas se casam. É possível em caso de separação, ela não pode pedir a tutela dos filhos, salvo se estes forem o divórcio entre mulher e homem casados segundo os rituais mandingas e a separação pode ocorrer menores (sete anos é a idade indicativa). Em caso da morte do marido, a mulher não por iniciativa da mulher. Os maus-tratos, o incumprimento da obrigação alimentar, a impotência do fica com os bens que a este pertenciam. Porém, se a mulher se sentir prejudicada marido estão entre os motivos que a mulher pode invocar para obter a separação e o divórcio. numa questão relacionada com heranças, ela pode recorrer à autoridade tradicional competente. Realce-se que não existe a prática da excisão nas mulheres desta É crime o marido bater frequentemente e “sem motivos” na mulher e este crime tem como pena a etnia20. mulher ser retirada ao marido. É crime o marido dizer mal e ofender a mulher sem razão; este crime tem também como pena a mulher ser retirada ao marido. E em caso de separação os filhos ficam com o pai, com a exceção dos menores. No caso de morte do marido, a mulher viúva deve voltar a casar-se e nesses casos ela casa com um dos irmãos do seu falecido marido. Em termos de sucessão, as mulheres podem herdar em caso de morte do pai, mas na do marido a mulher não fica com os bens que pertenciam àquele.

A mulher não pode recusar a prática da excisão, senão poderá ficar isolada na sociedade, ter muita dificuldade em encontrar um marido e ser proibida de participar em algumas cerimónias. Hoje, com a aprovação da lei que proíbe a mutilação genital Aspeto das mulheres mandingas preparando a comida para as festividades feminina, esta prática está sendo desencorajada, pois da Tabanca (Tabato, 2008, Foto: Miguel de Barros) é punida pela lei21. Mulheres balantas durante a plantação de arroz (Mansoa, 2008, Foto: Augusta Henriques)

34 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 35 No grupo étnico Mandinga, a mulher é sempre ouvida na resolução dos conflitos que lhe dizem respeito em matéria de negócios e de propriedade22.

Entre os Fulas, as mulheres podem exercer o poder de decisão, se não existirem homens designados para o efeito. E elas só podem celebrar negócios (relativos a casas de habitação e a terrenos de cultivo) com a autorização do marido. Mas, mesmo quando casadas, as mulheres podem gastar o seu próprio dinheiro e conservar o dinheiro que ganham com a realização de negócios. Elas podem ser proprietárias de casa de habitação, bens domésticos, casa da morada de família, casas ou celeiros onde se guardam os cereais, animais domésticos.

As mulheres casam, normalmente, entre os 14 e os 18 anos, dependendo da comunidade e da sua maturidade. Num casamento celebrado de acordo com os rituais fula, a casa de morada da família, os terrenos de cultivo, os bens domésticos do casal, os rebanhos e os animais domésticos ficam normalmente à responsabilidade do marido como cabeça de casal.

O divórcio e a separação não exigem mútuo acordo. A separação pode ocorrer por iniciativa da Aspeto das mulheres fulas preparando uma refeição (Arredores de Pirada, 2007, Foto: Miguel de Barros) mulher mesmo que o marido não esteja de acordo, e os fundamentos para obter o divórcio e a separação evocados pela mulher podem ser vários, de maus-tratos e agressões que provoquem lesões graves até infidelidade - o facto de a mulher estar a ser enganada pelo marido com outra abandonar essa prática -, o isolamento da pessoa que praticou o ato à separação do casal. A mulher mulher pode ter relevância na apreciação do pedido de divórcio ou separação do casal. Em caso pode recusar a prática de sexo com o seu marido, desde que tenha justificação válida para isso de separação, a mulher pode exigir a propriedade dos bens a que entenda ter direito, não (como menstruação, doença, ou gravidez na última fase). prevalecendo a vontade do marido em caso de desentendimento. Num divórcio, as mulheres recebem apoio económico para as despesas É crime ganhar dinheiro por meio da promoção da prática de prostituição das mulheres. Este crime relativas aos filhos até estes atingirem sete anos ou a maioridade, caso é penalizado com advertência para que o comportamento cesse, sob pena de o contraventor ser fiquem à guarda da mãe. Em caso de discordância quanto ao destino expulso da tabanca. A prática da excisão é obrigatória, porém, hoje (desde Julho de 2011) é proibida dos filhos, quem decide é a família do casal ou, não sendo encontrada e punida por lei. uma solução no âmbito familiar, a estrutura de poder tradicional da tabanca. A mulher fula é sempre ouvida na resolução dos conflitos que lhe dizem respeito em matéria de negócios ou de propriedade23. Em caso de falecimento do marido, as mulheres podem receber bens deixados pelo morto, mas elas não herdam em igualdade com os Dentre os mais de vinte e dois grupos étnicos guineenses, os casos acima apresentados são homens. Assim, na repartição dos bens, os filhos ficam com três quartos exemplos adaptados a partir do resultado do Projeto de Recolha e Codificação do Direito dos bens e as filhas com o quarto restante. A mulher pode Consuetudinário Vigente na Guiné-Bissau, um quadro traçado apenas para ilustrar o panorama do normalmente recorrer à autoridade tradicional competente se entender direito que a tradição e os costumes reservam às mulheres. São imagens de ambientes em que elas que ficou prejudicada numa questão relacionada com heranças. Ainda vivem e como estão representadas no poder tradicional e como as leis tradicionais as protegem ou em caso de falecimento do marido, a mulher pode decidir casar com não. alguém da família deste, irmão ou primo. O panorama mostra um poder espiritual ou campo religioso onde as mulheres desempenham É crime, entre os Fulas, fazer uma mulher escrava, podendo a pena funções de relevo por serem autoridades, sobretudo entre os Bijagós, Papeis e Manjacos. Em outros variar de admoestação oral, separação do casal ou o infrator ser banido grupos, como os Balantas, as mulheres podem exercer a função nesse campo, mas apenas quando do convívio da tabanca; e é igualmente crime o marido prender a não há homens para o fazer e mesmo nesses casos há que consultar os ancestrais e mulher em casa e não a deixar sair, a pena para este crime vai da Irans através dos djambakus. Nos grupos islamizados, os titulares (imames, almames) admoestação, o isolamento da pessoa que praticou o ato à separação do poder espiritual ou guias religiosos são sempre homens. do casal. Se o marido bater frequentemente na mulher e se disser mal e ofender a mulher sem razão para isso são crimes punidos com penas Na maioria dos grupos étnicos, as mulheres não podem ser proprietárias de certos que vão da advertência/admoestação - o marido é aconselhado a bens, só em caso de não haver homens; elas, ao gerirem os seus bens, devem prestar

36 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 37 contas ao marido, informando sobre o destino dos valores gastos. Porém, constata-se que na baseada na ideia de que a mulher deve obediência ao marido. Assim, se por um lado existem realidade algumas mulheres – um número não significativo – chegaram/chegam a construir riquezas interdições à violação dos direitos das mulheres, por outro lado muitas dessas violações são que, todavia, não controlavam/controlam plenamente, pois a supervisão da terra, das propriedades, consideradas como justo castigo à uma suposta falta cometida pelas mulheres. Por exemplo, se dos gados eram/são da responsabilidade dos homens. uma mulher sentiu a necessidade de sair de casa para resolver um assunto pessoal, se o fez sem o consentimento do marido e se, em consequência dessa saída, o marido lhe bater, qual será a Em relação à participação das mulheres nas reuniões da tabanca onde muitas decisões são posição da comunidade? Naturalmente, a mulher será considerada culpada porque desobedeceu ponderadas e tomadas, dependendo do assunto e daquilo que os mais velhos entenderem que é ao seu marido. Como este, há muitos casos em que os direitos das mulheres são atropelados, mas interessante elas assistirem, as mulheres chegam a participar de alguns desses eventos, mas nem justificados. Na mesma linha, também encontramos exemplos que mostram que o verdadeiro poder sempre podem tomar palavra. Todavia, como as mulheres têm liberdade de cantar, sem restrição, está nas mãos dos homens. São os maridos os que detêm a posse da terra, do celeiro, do gado. sobretudo quando pertencem a linhagem dos djidius [trovadores ou griot] ou são djamudur São os filhos a herdarem três quarto da herança dos pais, ficando as filhas com o pouco que resta. [carpideiras], ou, ainda, quando são simplesmente cantadeiras ou repentistas nas suas coletividades Deve-se realçar que estes fatores, embora constituam, à primeira vista, pontos fracos, eles (mandjuandadi), as mulheres aproveitam as ocasiões de festa ou outras manifestações culturais apresentam-se, também, como uma chamada de atenção no que respeita aos esforços a serem para enaltecerem os Régulos, as grandes famílias e expressarem os seus sentimentos. Esses textos feitos no sentido de definir em que setor prestar maior atenção e que estratégias e ações cantados, construídos no ambiente doméstico ou durante as festas, mostram-se lugares de desenvolver. São pontos a serem revistos na luta das mulheres para o seu empoderamento, expressão de tensões latentes na porquanto será necessário um trabalho de sensibilização, formação com vista à mudança de comunidade: tensões familiares, mentalidades e de atitudes tanto de mulheres quanto de homens. Isso poderá conduzir à aceitação sociais, políticas; e pode-se ler e viver, das mulheres bem-sucedidas nos negócios da terra e outros, enquanto ponteiras ou empresárias em cada uma das cantigas, uma bem-sucedidas, sem o epíteto de feiticeira ou daquela que tem pacto com os Irans, tal como o história de vida, porque as mulheres homem é aceite e aplaudido quando demonstra grande capacidade de gestão. cantam a desobediência aos pais e as consequentes punições, o amor, a Hoje em dia, com os ventos da mudança e mesmo diante de uma sociedade confrontada com os amizade, as injustiças, as violências avanços das novas tecnologias de informação e comunicação; e perante processos de doméstica e da guerra (SEMEDO, desenvolvimento que requerem o envolvimento da mulher, exigindo dela maior engajamento, ainda 2010). estamos diante de uma sociedade em que também se assiste às mais abomináveis violações dos direitos humanos das mulheres. Uma situação que parece controversa, já que, ao mesmo tempo O facto de as mulheres poderem, por que se reconhece a indispensabilidade da participação das mulheres, ainda lhe é vedado o acesso exemplo, em algumas comunidades, à escola, às esferas de decisão e ao poder. Estamos a falar do poder formal: de dirigir, de estar na celebrar negócios; poupar e guardar cúpula da organização/empresa ou do partido a que pertence; ou poder informal: estar na direção os seus ganhos; gastar o seu próprio da organização da sociedade civil, das associações de base comunitárias, no comércio informal, na dinheiro e o do casal; o facto de, na gestão de pontas e outras atividades empreendedoras e geradoras de negócios e de rendimentos maioria das comunidades, a mulher ser sustentados. Parece, pois, que as portas do poder formal estão ‘enferrujadas’ e por isso de difícil sempre ouvida em matéria de negócios acesso para as mulheres. Que fazer? Como lubrificar as dobradiças e fazer mover as portas para Aspeto de uma reunião das mulheres associadas da Zona Verde e de propriedades que lhe dizem melhorar o acesso? Com que aspetos positivos se pode contar, para além dos sinais acima (Bercolom, 2008, Foto: Miguel de Barros) respeito; e, ainda, o de que a mulher apontados? pode separar-se ou divorciar do marido sem que isso exija mútuo acordo, é um legado que traduz a dinâmica das mulheres nas É necessário conhecer o grau de ‘ferrugem’, isto é, o diagnóstico da situação e elaborar estratégias respetivas comunidades, no passado, mostrando-se como um ponto de apoio para vencer os para desconstruir a linguagem estereotipada que desqualifica as mulheres. E aqui o ponto forte é obstáculos que hoje ainda se opõem à participação das mulheres. que esse trabalho de criar os fundamentos vem sendo feito: existem leis aprovadas, acordos assinados, convenções ratificadas sobre os direitos humanos das mulheres, políticas nacionais O Direito tradicional reconhece alguns direitos das mulheres e quando eles são violados o elaboradas, tais como a PNIEG; algumas mulheres têm consciência da situação em que se encontram contraventor é punido. Estes preceitos, aliados às dinâmicas em favor do empoderamento das em relação à participação equitativa de homens e mulheres nas esferas do poder, tanto nas zonas mulheres são precedentes que servem de pilares para as mulheres intimarem os decisores políticos rurais onde mais prevalece a tradição, quanto nas áreas urbanas. Porém, falta o essencial para a a procederem a ações afirmativas em favor da sua melhor participação no poder político. consolidação daquilo que é, ainda em alguns casos, uma perceção não aprofundada das mulheres

Tudo isso mostra que existe uma História do trabalho realizado pelas mulheres, que há vestígios de bases de proteção das mulheres no poder tradicional, ainda que muito frágeis e marcados por uma mentalidade tendente a justificar alguns maus-tratos como justos ou merecidos, porquanto

38 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 39 sobre a sua situação, assim como o clima de paz e de tranquilidade que permitirá também consolidar as parcerias existentes, atrair novos parceiros, construir sinergias e realizar as ações previstas no quadro da PNIEG, assim como outros programas de ação que visam a melhoria da participação das mulheres nas esferas de decisão.

A par dessas tarefas, há que fazer com que as promessas feitas às mulheres pelos políticos e decisores sejam cumpridas, numa conjugação com os inúmeros esforços que vêm sendo feitos pelas mulheres em torno de objetivos comuns, através das suas organizações e as da sociedade civil que representam as mulheres em fora nacionais, regionais e mundiais. Isso, também, porque, se por um lado, se revela difícil o acesso das mulheres ao poder formal, por motivos que já foram acima apontados, por outro lado o mercado informal revela-se um terreno de mais fácil acesso para as mulheres e é uma outra porta para a participação política das mulheres.

40 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 41 instituições políticas e postos de decisão ficou aquém das conquistas da luta, e progressivamente foi acentuando desigualdade entre os sexos, sobretudo no nível da representatividade nos órgãos 4. Participação Política das Mulheres Guineenses de soberania e noutras estruturas governamentais, assim como no setor privado. e Acesso ao Poder de Decisão Formal O mais intrigante é que, quando se compara o período de vigência do regime de partido único e o Quadro 1: Representação das mulheres guineenses nas estruturas de poder: Assembleia Nacional na Guiné-Bissau Popular (ANP)

Percentagem Regime Datas/Legislaturas Mulheres Homens Percentagem Obs Regime Datas/Legislaturas Mulheres Homens Mulheres (%) Obs

O conceito de participação política é extremamente complexo na medida em que inclui um conjunto Monopartidarismo 1973-1976 (I) 10 110 8,3 PAIGC 1976-1984 (II) 19 131 12,6 de estruturas, práticas, atividades e atores orientados para a influência dos seus interesses, mediante 1984-1989 (III) 22 128 14,6 processos políticos nos quais se implicam. Nesta base, a participação política, dentro dos limites e 1988-1994 (IV) 30 120 20 padrões estipulados pelo sistema político democrático representativo, é orientado para espaços das decisões políticas nem sempre inclusivas e satisfatórias, cujo protagonismo dos partidos políticos Multipartidarismo 1994-1999 (V) 9 91 9 Redução de círculos eleitorais para 102 (2 enviesa o sentido do conceito de poder, no sentido de reciprocidade das relações humanas. lugares atribuídos à diáspora – África e No contexto africano, esses processos ganham ainda maior intensidade de complexificação na me- Europa) dida em que obedecem as lógicas subjetivas de diferentes sociedades e culturas com formas e es- 1999-2004 (VI) 7 95 7,8 PRS detém maioria truturas de poder e papéis específicos aos atores em jogo. Tomando em consideração o carácter relativa violento da dominação colonial e a consequente desestruturação de lógicas e instâncias de gestão do poder e da administração de ações públicas, este contribuiu para a reprodução de lógicas de 2004-2008 (VII) 13 87 11 PAIGC detém maioria relativa poder de força na pós-independência em vários países. 2008-2012 (VIII) 10 90 10 PAIGC detém maioria Na Guiné-Bissau, a participação equilibrada de homens e mulheres nas estruturas de tomada de qualificada decisões esteve no cerne da mobilização e organização do movimento libertador e da luta de liber- tação nacional, elementos hoje que se encontram no cerne do funcionamento da democracia plu- ralista. Porém, a dinâmica dos processos políticos e das estruturas de decisão política na formulação da democracia, tomada em consideração a representação das mulheres nos principais órgãos de de ações públicas, têm sido marcadas por uma perspetiva paradoxal, deixando a ideia de retrocesso decisão, denota-se de facto uma sub-representação das mulheres, quando se esperava o contrário, significativo. Para Gomes (2009: 71) no período pós-independência, a posição das mulheres nas como é o caso do poder legislativo, ou seja, o parlamento (ver o quadro 1), no qual se verifica uma grande disparidade entre a representação de homens face a mulheres e sendo ainda que na legis- latura que antecede a abertura política a representação das mulheres deputadas che- gou a atingir vinte (20) por cento, mas caindo logo a seguir para nove (9) por cento e não voltando mais a esse número volvidos quase vinte anos após as primeiras eleições democráticas24.

Em termos interpretativos, denota-se igualmente que a VIª legislatura (1999-2004) foi a que teve a menor representação das mulheres guineenses no parlamento, fato que em nosso entender, foi influenciado pelo conflito político-militar de 1998-99, im- pactando de uma forma vigorosa no aumento do protagonismo masculino através da cultura de “matchundadi 25”, enfraquecendo a presença das mulheres na lista dos partidos políticos, ora enfraquecidas quer na sua capacidade mobilizadora, quer fi- nanceiramente, acabando por aceitar candidatos com mais capacidades económicas.

Por outro lado, os principais partidos políticos no concurso ao pleito eleitoral, nas primeiras eleições multipartidárias em 1994, apresentaram listas nas quais ficou pa- tente a sub-representação das mulheres, fruto de uma prática musculada na luta pelo Antigas combatentes continuando a luta pelos direitos das mulheres no período da liberalização política (Canchungo, sem data, Arquivo: Carmen Pereira)

42 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 43 Quadro 2: Candidaturas apresentadas pelos partidos políticos nas primeiras eleições multiparti- Do nosso ponto de vista, o fracasso das ações do ministério deveu-se a uma má interpretação do dárias (1994) regime que, ao invés de definir uma estratégia nacional e uma ação programática visando maior equidade na transição política, acabou por estender e transferir o mandato da organização de Representação % da representação Nº de massa das mulheres (União Democrática das Mulheres – UDEMU) para o ministério, pois os man- Partidos Nº de Nº de Percentagem das mulheres Nº de Nº de candidatas Percentagem das mulheres das mulheres deputados políticos candidatos candidatas das mulheres em posição deputados datos das duas entidades eram coincidentes, deixando transparecer uma clara atitude de conser- (mulheres) em posição em posição eleitos elegível elegível vação do poder, usando essa organização sem que realmente as mulheres fossem as mais beneficiadas. FCG-SD 14 3 21 1 60 0 Nesta base, não constitui surpresa que o grosso das pastas que as mulheres são chamadas a liderar FLING 76 4 4 3 3,7 1 sejam na maioria dos assuntos sociais (educação, saúde, solidariedade, família), demonstrando a PAIGC 180 29 16 10 12,3 62 reprodução de uma visão estereotipada da extensão das ocupações domésticas das mulheres para PCD 222 17 4 6 7,4 0 o espaço público. PUSD 50 3 6 1 5,5 0 Volvidos quase vinte anos após a realização das primeiras eleições multipartidárias na Guiné-Bissau, PRS 130 12 9 3 3,7 12 não chega a quinze (15) por cento o número de mulheres que participaram no governo, em catorze RGB-MB 207 8 4 3 3,7 19 (14) executivos, como demonstra o quadro 3: UM 223 16 7 6 7,2 6 TOTAL 902 92 10,2% 33 6,2% 100 Quadro 3: representação da mulher guineense nas estruturas de poder: Governo

Ano Mulheres Homens Total Percentagem Observação poder em benefício dos homens. O quadro 2, demonstra que, a priori, a constituição das listas dos das Mulheres (%) candidatos a deputado atrofiou as possibilidades de aumento de representação das mulheres no 198927 1 30 31 3,33 Último governo do regime de partido único parlamento, tendo em conta que a base de constituição das listas já fora desigual. (Carlos Correia, 1º Ministro) 199428 2 22 24 9,09 Governo de PAIGC (Manuel Saturnino da Costa, Não obstante a esses resultados, foram eleitas duas mulheres para a mesa da As- 1ºMinistro) sembleia, a 1ª Vice-Presidente e a 2ª Secretária, respetivamente. As comissões espe- 199629 2 23 25 8,70 Governo de Iniciativa Presidencial (Carlos cializadas e a comissão permanente passaram a contar com a presença das mulheres, Correia, 1º Ministro) que segundo Gomes (2009: 74), deve-se a pressão de diversas organizações femini- 199830 1 15 16 6,67 Governo de PRS em coligação com RGB-MB nas, com destaque para o Instituto da Mulher e Criança - IMC26, através de um projeto (Caetano Ntchama, 1º Ministro) sobre a integração da abordagem do género na po- 200031 2 21 23 9,52 Governo de PRS (Faustino Imbali, 1º Ministro) lítica de boa governação, aumentando assim a parti- 200132 2 20 22 10 Governo de PRS (Alamara Nhassé, 1º Ministro) cipação das mulheres nas estruturas parlamentares. 200133 3 22 25 13,64 Governo de PRS (Mário Pires, 1º Ministro) 34 Relativamente ao poder executivo, a democratização 2002 3 16 19 18,75 Governo de Transição (Artur Sanha, 1º Ministro) do sistema político favoreceu uma evolução positiva 200335 4 12 16 33,33 Governo de PAIGC (Carlos Gomes Jr, 1º Ministro) no que concerne a criação de estruturas políticas, 200436 4 21 23 19,05 Governo de Iniciativa Presidencial (Aristides como foi o caso da criação em 1991 do Ministério dos Gomes, 1º Ministro) Assuntos Sociais e da Promoção Feminina (MASPF), 200537 2 26 28 7,69 Governo de Iniciativa Presidencial (Martinho com o mandato de coordenação e implementação de Ndafá Cabi, 1º Ministro) políticas de valorização do papel das mulheres no 200738 5 24 29 20,83 Governo de Iniciativa Presidencial (Carlos processo de desenvolvimento nacional. Embora este Correia, 1º Ministro) pelouro tivesse como meta garantir a participação 200839 3 18 21 16,67 Governo de PAIGC (Carlos Gomes Jr, 1º Ministro) plena das mulheres guineenses no processo de de- 200940 6 25 31 24 Governo de Transição (Rui Barros, 1º Ministro) cisão, alguns autores (GOMES, 2009) consideram 201241 2 28 30 7,4 Governo de Foram catorze (14) Governos após a que só conseguiu atingir parcialmente a sua meta, implantação do regime democrático e todos eles principalmente ao nível das zonas urbanas, mas tam- foram chefiados por homens. bém condicionado pela falta de capacidade finan- TOTAL 42 323 363 13 Foram catorze (14) Governos após a implantação Retrato do logo da UNDEMU desenhado na parede ceira devido à crise económica na altura, agravada (Arquivo: UDEMU) do regime democrático e todos eles foram pelo conflito político-militar de 1998/99. chefiados por homens.

44 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 45 Ao contrário de Cabo-Verde, que partilhou com a Guiné-Bissau o mesmo processo de luta pela in- Quadro 4: aspeto comparativo da representação das mulheres guineenses nas estruturas de poder: dependência, a instalação do regime do partido único no pós-independência e a adesão ao multi- governadoras e administradoras de região do pós-conflito 1998/99 à atualidade partidarismo nos inícios dos anos noventa, país em que nas vésperas da liberalização política não se contava com nenhuma mulher no governo (GOMES, 2011:150), a Guiné-Bissau fez o processo in- Governadores Administradores verso, sendo que na abertura política havia 2 mulheres no governo, num total de vinte e seis (26) Período Mulheres Homens Percentagem Mulheres Homens Percentagem ministros. Tome-se em consideração que a instabilidade política permanente que o país tem vivido Mulheres (%) Mulheres (%) concorre para que nenhuma legislatura tenha conseguido chegar ao fim, dificultando assim a conso- lidação democrática e a não efetividade de políticas a médio e longo prazos: catorze (14) primei- 2000/02 0 8 0 2 33 6,1 ros-ministros em dezoito (18) anos. 2002/03 2 6 20 5 30 16,7 2004/05 2 6 20 3 32 9,4 2005/08 2 6 20 3 33 9,1 2009/Abril12 2 6 20 6 31 19,4 Pós Abril 12 1 7 10 4 32 12,5 TOTAL 9 39 23,1 23 191 12,0

Da análise do quadro acima constata-se que tem havido mais progressos no que diz respeito à pre- sença das mulheres a nível da estrutura governativa desconcentrada do que da centralizada, neste caso o governo, chegando as governadoras a atingirem vinte por cento durante uma década e as administradoras a posicionarem-se no global com doze por cento. A participação das mulheres a nível de governos regionais consegue suplantar quer a presença das mulheres no governo quer no parlamento.

No que concerne ao poder judicial, o estado situacional da sub-representação das mulheres gui- neenses não difere muito dos outros poderes acima analisados. Embora o país conte com uma mul- AElementos variável doinstabilidade governo da VIIª constituium Legislatura no elemento qual se destacam crucial quatro de desequilíbrio, mulheres integrantes na medida (da esquerda em que para a direita): desen- her na presidência (já no seu segundo e último mandato) da sua instância máxima, Supremo Tribunal freadaLurdes lutaVaz, Secretáriapelo acesso de Estado e conservação do Turismo, Odetedo poder, Costa numa Semedo, perspetiva Ministra da da Saúde “visão Pública patrimonial , Eugénia Saldanha do Estado”, da Justiça, a presença das mulheres é fraca, na medida em que, dentre 79 juízes, as mulheres re- Araújo, Ministra da Solidariedade Social, Família e Luta Contra a Pobreza Saúde Pública e Isabel Buscardini, Ministra presentam apenas 16,46%. Já a nível da Procuradoria-Geral da república, constata-se que, dos 80 dos Combatentes da Liberdade de Pátria (Bissau, 2004, Arquivo: Lurdes Vaz). magistrados, as mulheres representam apenas 15% (ver o quadro 5).

vem minando a tranquilidade governativa. E a combinação de recursos limitados e a disputa pela sua posse têm sido, desde sempre, potenciais fatores da instabilidade e da luta política na Guiné- Quadro 5: Representação das mulheres guineenses nas estruturas de poder: Poder Judicial Bissau, porquanto as posições administrativas não são encaradas como um serviço a prestar à co- munidade, mas como uma antecipação dos privilégios que o exercício da função garante (NÓBREGA, Instituição Categoria Sexo Total 2003). Baseado nesses pressupostos, compreende-se a ausência, na lei eleitoral, de qualquer tipo Homens Mulher Percentagem de mecanismo regulamentador da participação equitativa de homens e mulheres no processo elei- da Mulher (%) toral. Magistratura Juiz(a) Conselheiro(a) 8 1 11,11 9 Judicial Juiz(a) Desembargador(a) 8 0 0 8 Por outro lado, sustenta-se que é deste modo que até agora o país não conseguiu avançar para as Juíz(a) de Direito 23 10 30,3 33 autarquias locais, algo que, do nosso ponto de vista, poderia favorecer uma via alternativa de so- Juiz(a) do Setor 27 2 6,9 29 cialização no poder por parte das mulheres guineenses, sobretudo se tomarmos em consideração Total 66 13 16,46 79 as possibilidades de candidaturas independentes. Dos dados obtidos sobre a situação desde as Procuradoria- Procurador(a) Geral 10 1 9,09 11 primeiras eleições pós-conflito político militar de 1998/99 (quadro 4), verifica-se o seguinte: Geral da Procurador(a) geral-adjunto 5 2 28,57 7 República Delegados(as) 53 9 14,52 62 Total 68 12 15 80

46 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 47 Importa dizer que, embora os vários momentos de instabilidade e tensão política vividos ao longo 4.1. A Vigência Democrática: dinâmicas de participação de 2012 não permitiram a recolha e atualização dos dados do setor judicial, constatou-se que nos últimos dois anos (2010-2012) houve uma evolução positiva da presença de mulheres ao nível do e protagonismo das mulheres guineenses num Tribunal Regional de Bissau e do Tribunal de Comércio. Dos vinte e cinco (25) juízes de direito, ca- torze (14) são mulheres. contexto de instabilidade política e governativa

De acordo com as entrevistas feitas no local, constata-se que: A Guiné-Bissau afirma ser um país democrático. Uma bandeira hasteada, sobretudo, depois da abertura política em 1991 e assinalada pela revisão da Constituição da República e que culminou com a queda do artigo IV. Este expressava que o PAIGC era a força política dirigente da sociedade Essa evolução tem sido lenta e quase inexpressiva. Digo isto porque, apesar de ter aumentado o e do Estado. Outros eventos importantes que então se destacaram foram a aprovação, a 9 de Maio número de magistradas judiciais, as mulheres continuam sem assumir cargos de maior relevo. Até de 1991, da Lei Quadro dos Partidos Políticos e o processo de liberalização económica e adesão da à data apenas uma mulher atingiu o topo da hierarquia na carreira, a atual presidente, não Guiné-Bissau à UEMOA iniciada em 1987, com raízes desde 1983. Estes factos fizeram com que aos existindo nenhuma outra mulher a desempenhar as funções de juíza conselheira, nem de juíza desembargadora (…) por outro lado, ao nível dos juízes de direito, o número de magistradas olhos do mundo a Guiné-Bissau fosse classificada como um dos países em vias de democratização. continua a ser inferior ao de magistrados, porque não se deve esquecer que, para além do Tribunal Eram os ventos da mudança trazidos, também, pelas transformações que na época se vivia, sobre- Regional de Bissau, existem outros Tribunais Regionais no interior do país. (Samarise Barbosa, tudo, no leste europeu. Era necessário, pelo menos, flexibilizar o PAIGC, enquanto partido no poder Juíza de Direito e em funções na Vara Cível do Tribunal Regional de Bissau, 2012) pressionado a abrir-se, mas de que forma este partido se propunha a fazer isso?

De partido único no poder, o PAIGC passa a partilhar o espaço político com as demais formações No cômputo geral, as análises da presença das mulheres guineenses nas estruturas de decisão ao partidárias então criadas e com outras que já existiam, mas que, por razões óbvias, não podiam longo dos anos, demonstraram que o processo tem sido lento, cheio de vulnerabilidades e com re- manifestar-se se não no exterior. Porém, para muitos analistas a abertura política tinha a ver com trocessos preocupantes, porém as mulheres conseguirem romper com alguns preconceitos sobre os fracassos das políticas de liberalização que levaram os regimes autocráticos a iniciarem a aber- os “lugares dos homens e das mulheres” num contexto onde as desigualdades de direitos e de tura política, como uma forma de recuperar o controle do sistema. Para outros, “são os pressupostos oportunidades entre os sexos continuam a penalizar aquelas que constituem a maioria da popula- ideológicos e os efeitos sociais do liberalismo que contribuem para minar as bases do sistema mo- ção nacional, contundindo as bases em que assenta um país democrático: os direitos humanos, e nolítico e agudizam a crise deste sistema político inadaptado ao novo ambiente em movimento” neste caso, os das mulheres. (KOUDAWO, 2001: 134-135).

Apesar das tensões e controvérsias próprias de momentos de transição política e económica, o processo de abertura política foi se fazendo com decomposições e recomposições do xadrez político até às primeiras eleições pluralistas. Nesse processo, as mulheres tiveram pouca visibilidade en- quanto protagonistas, aparecendo apenas como a claque de candidatos e partidos. Vejamos, em termos abreviados, o quadro das eleições que viriam a ser marcadas, todas elas, por dúvidas sobre as vitórias de partidos e candidatos, conturbações e conflitos:

Na sequência do processo de abertura política foi criada a Comissão Nacional de Eleições (CNE), facto que demonstrava que as bases estavam sendo preparadas para as eleições. Contudo, não houve nenhuma figura feminina nesse órgão. E das eleições de 1994 às de 2012, nenhuma estrutura diretiva da CNE teve mulheres, com a exceção da presidência que teve a sua vigência de 2000 a 2004 em que foi indigitada/nomeada uma senhora para o cargo de presidente da CRE de Bissau, na pessoa de Maria Segunda Teixeira. As mulheres vão aparecer a ocupar sempre as funções ad- Maria do Céu Silva Monteiro (no centro de branco), convidada de honra do VI encontro dos presidentes do Supremo ministrativas, como as de secretária e as de Agentes Eleitorais. Lembre-se que o/a presidente da Tribunal da Justiça do Mercosul (Brasil, 2008, Arquivo: http://www.stf.jus.br/encontro6/cms/vertexto.asp?pagina=galeriafoto). CNE tem o voto de qualidade em casos de empates de candidatos.

Em relação às eleições, em 1994 tiveram lugar as primeiras eleições multipartidárias (presidenciais e legislativas) da Guiné-Bissau. Registou-se uma candidatura feminina, a de Antonieta Rosa Gomes. Essas eleições foram ganhas pelo candidato do PAIGC e por este partido. Antes do fecho desse ciclo eleitoral o país assistiu a um conflito político-militar que durou onze meses, de 7 de junho de 1998 a maio de 1999.

48 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 49 Após esse conflito que derrubou o Presidente João Ber- elas não se vêm como candidatas e não há nenhuma chamada de atenção visível no sentido de nardo Vieira, foram realizadas novas eleições em que alertá-las a que lutem para constarem como cabeças de lista e a que aspirem a lugares de decisão aparece Antonieta Rosa Gomes, mais uma vez, como nos seus partidos. E mesmo perante a existência de um partido político liderado por uma mulher, única mulher a candidatar-se. Kumba Yalá e o seu par- considera-se que não houve um trabalho forte da líder desse partido direcionado às mulheres, e a tido PRS ganharam, tendo este assumido o cargo de pre- reação da camada feminina foi de indiferença e/ou de pouca adesão a essa formação política. sidente da República em 2000. Relativamente a esta questão, quando as participantes do Ciclo de Formação em Participação das Em 2003, antes do fecho do ciclo eleitoral e m que foi Mulheres na Política e nas Esferas de Decisão foram confrontadas com esse facto e questionadas eleito, um golpe de Estado derrubou Kumba Yalá e leva sobre a fraca adesão das mulheres ao partido liderado por uma mulher, as respostas quase unâ- à presidência interina o senhor Henrique Pereira Rosa. nimes das participantes foram:

Em abril de 2004, tiveram lugar as eleições legislativas e em 2005 as presidenciais que reconduziram João Ber- (i) A líder desse partido não é simpática; (ii) Ela julga-se importante; (iii) Passa pelas pessoas e não nardo Vieira (Nino) ao mais alto cargo da nação gui- cumprimenta; (iv) Não relaciona bem com ninguém; (v) Ela não tem jeito para a política, porque neense, depois de um exílio de quase sete anos. não sabe cativar as pessoas; (vi) Ela só começou a falar um pouco com as pessoas quando quis votos, ali a maioria das mulheres não aderiu e muitas já tinham os seus partidos. Cartaz de campanha da primeira candi- A 3 de março de 2009 o Presidente João Bernardo Vieira data às eleições presidenciais na Guiné- foi assassinado – tendo o então presidente da ANP, Rai- Bissau (1994, Arquivo: Antonieta Rosa Gomes) mundo Pereira, passado a exercer o cargo de Presidente Perante essas inferências, as formandas foram questionadas sobre o que se mostrava mais impor- Interino – facto que motivou a realização das eleições tante, se o juízo de valores – a maneira de estar dessa líder na sua vida particular, o seu compor- presidenciais antecipadas, marcadas para 28 de junho de 2009. Estas viriam a ser vencidas por tamento – ou a iniciativa, que ela teve, de criar uma formação política. Chamou-se a atenção das Malam Bacai Sanhá que morre de doença a 9 de Janeiro de 2012, tendo sido substituído por Rai- participantes para aquilo que deveria/deve ser privilegiado, a causa comum das mulheres (a sua mundo Pereira, ainda Presidente da ANP. exclusão) e o que a existência desse partido poderia ter representado para as mulheres: uma opor- tunidade para muitas mulheres participarem na política e de as mulheres se envolverem em torno Na sequência desses acontecimentos, é marcada a eleição presidencial antecipada, para Junho de do que poderia ser transformado nessa causa comum. 2012, para a qual catorze pré-candidatos apresentaram candidatura, sem nenhuma presença femi- nina. O Supremo Tribunal de Justiça, então presidida por uma mulher – Maria do Céu Silva Monteiro Outra chamada de atenção foi no sentido de questionar se as participantes (ou pessoas da sua –, viria a aprovar nove candidaturas, e foram as de Afonso Té, Baciro Djá, Carlos Gomes Júnior, convivência) fizeram/fazem as mesmas exigências aos líderes masculinos: ser simpático, cumpri- Henrique Pereira Rosa, Kumba Ialá, Luís Nancassa, , Serifo Baldé e Vicente mentar as pessoas, relacionar bem e cativar militantes. Parece que às mulheres, para além da sua Fernandes. competência e capacidade é-lhes exigido que, por um lado, prolonguem o afeto e a simpatia do es- paço privado, estendendo-o à vida política/pública e por outro lado que assumam também uma Carlos Gomes Júnior foi o candidato mais votado, secundado por Kumba Ialá e, como consequência, postura de homem, imitando a dureza e a frieza masculinas, uma espécie de mulheres adoptadas, ficaram apurados para a segunda volta. O escrutínio não viria a ter lugar, na sequência de pertur- conforme Conceição Osório rotula algumas parlamentares moçambicanas “que absorvem o modelo bações políticas que vai culminar com um golpe de Estado perpetrado pelos militares a 12 de Abril de intervenção masculino, utilizando a agressividade, a confrontação, o espírito de superioridade de 2012. Realce-se que em todas essas convulsões as mulheres não aparecem no primeiro plano, para se imporem”; reafirmando, ainda, que “raramente estas mulheres intervêm em defesa dos di- mas, sim, nos bastidores do conflito como apoiantes de candidatos em conflito. reitos humanos das mulheres, considerando-se acima da realidade concreta que mantém a mulher (…) em submissão” (OSÓRIO, 200443). Voltando aos partidos políticos, eram muitos e constituíam uma aparente maioria, todavia não conseguiram vitória nas primeiras eleições multipartidárias, ganhas pelo antigo partido único, que Não é raro escutar-se, também no nosso meio, afirmações como: “i ta bisti nan son saia, ma es i omi (volta ao) continua no poder. É neste contexto de vários partidos, dentre os quais se limpu” [Ela usa saia, mas o que temos ali é um homem de verdade] ao se dirigir às mulheres que as- contava com o Fórum Cívico Guineense/ Social Democracia (FCG-SD) liderado por uma sumem chefias, lideranças ou direções de empresas, de partidos ou associações com rigor, disci- plina, profissionalismo e que não são condescendentes com os/as que não cumprem as regras mulher – Antonieta Rosa Gomes42 – que vamos assistir a uma queda drástica do nú- mero de deputadas na Assembleia Nacional Popular guineense (ANP), numa conjun- básicas da organização. Mas, será que ao assumirem essa postura essas mulheres não estarão a tura em que era suposto o número de mulheres ascender. E esta realidade vai entrar no “jogo político” de criar o próprio espaço num ambiente construído e gerido por homens? contrastar com a participação ativa de mulheres nas campanhas eleitorais. Elas são Se sim, faltará, no caso, que essas mulheres construam igualmente a atitude de defender os inte- chamadas, em massa, para apoiarem as máquinas dos candidatos ou dos partidos: resses e os direitos humanos das mulheres. cozinham, dançam, apelam a outras mulheres a participarem, porém e curiosamente

50 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 51 As constatações acima conduzem a um necessário revisitar da participação das mulheres durante Da parte dos então membros da Assembleia Nacional Popular, duas mulheres destacaram-se pela a Luta de Libertação Nacional, os primeiros momentos da independência, e o papel das mulheres sua participação na Comissão da Boa Vontade44, Teodora Inácia Gomes45 e Francisca Vaz Turpin46, durante os conflitos que vêm assolando o país. Conforme já se afirmou, o período da luta de liber- na ocasião ambas deputadas. Essa Comissão, segundo Cardoso (2008), era o primeiro envolvimento tação nacional mostrou ser uma ocasião de viragem na vida das mulheres. Apesar de ser uma altura direto da sociedade civil nos atos de negociação pela paz. Constituída por cidadãos comuns, a Co- em que se viveu lado a lado com a violência, numa escala inimaginável – a desumanidade da missão tinha como finalidade “evitar que o conflito perdurasse e se alas- guerra –, tratava-se de uma violência de fora para dentro. Havia um inimigo comum (o colonizador) trasse a outras regiões do país”, tendo-se envolvido nas negociações a combater e os que aderiram à luta uniram-se em torno desse objetivo comum orientado por pro- com o então Presidente da República, João Bernardo Vieira, e o Briga- gramas ideológicos bem delineados. deiro Ansumane Mané, chefe da autoproclamada Junta Militar, os dois protagonistas daquele conflito. Hoje, contrariamente ao que se viveu nesse período, a violência é de dentro para dentro, as guerras são fratricidas, as violências são geradas também no próprio país e é masculinizada, numa afirmação A ação dessa Comissão, aliada à intervenção de organizações sub-re- de matchundadi sempre suportada pelo uso da força de armas de fogo. Segundo os analistas po- gionais e das Nações Unidas, teria resultado em assinaturas de acor- líticos, esses conflitos cíclicos têm a sua origem nas crises políticas e militares aliadas às ”dificul- dos, algumas sessões de cessar-fogo, mas que acabavam sempre não dades nascidas da passagem da teoria de Estado revolucionário à prática administrativa num sendo respeitadas pelas partes em conflito. contexto mal preparado para esta experiência” (KOUDAWO, 2001: 131). O país viu-se mergulhado em conflitos, os cidadãos foram obrigados a criar uma estratégia de sobrevivência e de convivência Da parte da Junta Militar, destacou-se, já não pela positiva, Djatu Ca- com a violência interna. Neste contexto, é pouco ou quase nulo o número de mulheres que tomam mará, pela adesão às ações de propaganda belicista difundidas nas parte ativa nos conflitos, preocupando-se a maioria da população feminina com a segurança dos emissões da Rádio Bombolom, então batizada com o nome de Voz da filhos e dos seus bens. Parece, contudo, que tudo isso pode estar ligado, também, ao facto de, no Junta Militar, após ter sido tomada de assalto pela rebelião. Conhecida efetivo militar guineense, constar um número muito reduzido de mulheres com uma ainda menor por “Pomba Branca” nas zonas controladas pelos revoltosos, Djatu Ca- representação nos lugares de chefia das Forças Armadas. mará tinha um tempo de antena que usava, igualmente, para trocar gal- hardetes com os locutores da Rádio Nacional (RDN), controlada pelo Tomando como exemplo o conflito político-militar de Junho de 1998 a Maio de 1999, constatou-se governo. A linguagem usada por esses locutores, na maioria das vezes, que não houve uma participação significativa de mulheres, enquanto militares e nas frentes de com- era instigadora e de apelo à violência. Este exemplo, embora registado bate, tanto da parte dos revoltosos quanto do Governo. As mulheres colaboraram mais nos basti- como um caso isolado, pode desconstruir, em certa medida, a ideia, dores, na preparação da alimentação, na comunicação social, na ajuda humanitária, etc. algo generalizada, de que as mulheres devem entrar na política porque são mais pacificas do que os homens. Outrossim, e apesar de se recon- hecer nas mulheres sensibilidade para as causas sociais, pretende-se mostrar que também existe o risco de as mulheres caírem na intolerân-

Mulheres soldados desfilando no dia dos heróis nacionais (Bissau, 2005: Arquivo: Lurdes Vaz). Aspeto das mulheres fulas preparando uma refeição (Arredores de Pirada, 2007, Foto: Miguel de Barros)

52 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 53 cia; dali a necessidade de sensibilizar e formar mulheres e homens para o exercício político. Sendo 4.2. Influências das mulheres na política e nas tomadas este exercício uma das práticas da cidadania, portanto um direito que assiste tanto aos homens quanto às mulheres, excluir a camada feminina da política significa afastar as mulheres dos centros de decisão: o papel das Organizações da Sociedade de decisão, o que evidencia o afastamento da camada que representa os interesses de mais de me- tade da população dos lugares onde as decisões são tomadas. Civil e das redes femininas

Existem inúmeros exemplos de que as mulheres têm a mesma capacidade de cometer atos bélicos Num panorama minimalista, a questão da participação política das mulheres é muitas vezes apre- e/ou que podem provocar conflitos violentos ou situações de intolerância, da mesma forma que sentada como um problema do “mercado político”, ou seja, oferta dos partidos às mulheres e a os homens, por isso não se deve essencializar a “natureza” e a “sensibilidade” da mulher como (in)disponibilidade das mulheres para a vida política e partidária. Na Guiné-Bissau, este preceito condição para a sua participação política, mas partir do princípio de que as mulheres são sujeitos fica completamente obsoleto, se tivermos em conta a própria fraqueza das estruturas partidárias de direito, assistindo-lhes o direito ao exercício de cidadania. em apresentar propostas de inclusão de mulheres, dado que os partidos tendem a não ser nem democratas e nem do interesse dos cidadãos e cidadãs (considerando que as suas bases sociais Vale destacar, ainda na sequência desse conflito, o papel da então Governadora da região de Gabu, são quase inexistentes) diante da competição política que se mostra desvirtualizada e ancorada Satu Camará Pinto47, que ao despoletar do conflito de 7 de Junho se encontrava nos EUA em missão em duas formas principais: de serviço. Regressou ao país e à Região de Gabu (1997-1999) onde entrou em negociação tanto com os militares do governo ali colocados, quanto com o chefe da Junta Militar, tendo conseguido • Governar em forma de “único partido”, através de fechamento de canais a outras formações que não houvesse derramamento de sangue nessa região. Os revoltosos acabaram por tomar Gabu, políticas na oposição: isto passa pela distribuição dos cargos públicos e técnicos aos mili- sem que houvesse resistência dos militares que ali se encontravam. Tal atitude foi aplaudida, pois tantes do partido no governo, favorecimento de um regime de empresariado associado ao teria poupado vidas humanas. A nível da região os comentários que se ouviam era sobre como a partido no governo, financiamento à criação de organizações filantrópicas e de solidariedade governadora tinha sido matchu [macho/homem], ao solicitar o encontro com o Brigadeiro Ansumane do circuito do governo e do controle das ações mediáticas, asfixiando o campo da ação dos Mané, para discutir a questão do não prolongamento da guerra à região de Gabu. partidos na oposição;

Em relação à não participação ativa das mulheres nos conflitos, este facto pode ter a sua origem • Violência (verbal, física e moral) na competição democrática, baseado nos golpes de Estado: não apenas no número de efetivo feminino nas forças armadas, mas também numa quase exclusão funciona como forma eficaz de alterar a ordem democrática e acesso ao poder político e eco- das mulheres nos órgãos de decisão do partido, então partido/Estado no período pós independên- nómico, independentemente dos resultados eleitorais. Os sucessivos golpes de Estado têm cia e nos governos subsequentes, porquanto é nas esferas de decisão que os maiores conflitos têm levado o país a ser gerido «de transição a transição» por governos ditos de unidade nacional, lugar. É pois na cúpula que se geram as tensões políticas de difícil gestão pelos atores, e que na gerando um grupo de atores amplamente dependentes da profissão política, conseguindo maioria das vezes requer a intervenção de uma terceira parte que vai sair no seio da Sociedade deste modo angariar fundos para sustentar a sua base eleitoral, de aliança e/ou suporte (mi- Civil organizada. E esta tem-se mostrado como o lugar onde as mulheres tomam parte e assumem litar). uma liderança exemplar. Assim, se é verdade que a democracia eleitoral não criou, na Guiné-Bissau, práticas de participação com direito à representação política, torna-se clara a necessidade de reformulação das bases po- líticas para atores engajados na vida pública e política, para além dos partidos, do concurso ao poder político e às lógicas de atuação das organizações formalizadas (BARROS, 2012). Para Tripp (1988), esta perspetiva é deveras crucial para compreender a sociedade civil em África no que se refere à questão do género, advertindo que a vida organizacional das mulheres não é devidamente considerada, uma vez que as suas lutas políticas não são limitadas apenas ao espaço político, mas também doméstico.

54 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 55 4.2.1. As Organizações da Sociedade Civil (OSC) como também estiveram no pioneirismo da criação das ONGs mais im- portantes no país (quer pela dimensão dos grupos beneficiários, das Borges (2011) argumenta que, para as mulheres no contexto guineense, as associações providenciam zonas de intervenção, das temáticas, do número dos recursos humanos uma oportunidade para aprender e para se comprometer com a política e através da participação e volumes de financiamento e de projetos), de que são exemplos os nas atividades por elas organizadas (e o desempenho dos cargos associativos) contribui para o casos da Augusta Henriques49 (Tiniguena, 1991), Diana Lima-Handem50 treino de competências organizativas e burocráticas modernas, assim como de valores mais abs- e Isabel Garcia Almeida51 (Alternag, 1991), Isabel Nosolini52 e Isabel tratos que as informam. Segundo esta autora, ao participarem de uma praxis quotidiana nas asso- Levy53 (AD, 1991). ciações, as mulheres acabam inseridas num processo de educação informal de atividades organizativas e técnicas, que contribui para a elaboração-reelaboração das culturas populares e No pós-conflito de 1998/99, assistiu-se uma maior vitalidade das or- para a formação para a cidadania. E a vida associativa por vezes é o ponto de partida para outras ganizações das mulheres a par das dos jovens (HANDEM, 2008; BAR- responsabilidades a nível local ou nacional (BORGES, 2011: 2006-207). ROS, 2010; 2012) e a consagração da ação das OSC em mais dois polos de atividades: a) o trabalho e a economia local (defesa dos direitos das Exemplificando, Barros e Rivera (2010: 615), atestam que esta forma de “engenharia social” desen- mulheres e crianças trabalhadoras, microcrédito e atividades geradoras cadeada por agentes como as Mandjuandades, bideiras48 têm influenciado aspetos comportamen- de rendimento e investimento em sectores não de subsistência); b) a tais e relacionais de grande parte dos guineenses, permitindo a afirmação não só de sociabilidades participação política (ação em rede não espontânea e estruturada para como de construção de alternativas de emprego, geração de rendimento e até influências na go- influência de leis favoráveis às mulheres). Nesta fase, destacaram-se fi- vernação, alicerçados nas redes sociais, entre o localismo e o cosmopolitismo, como sujeitos sociais, guras femininas como a Olívia Ferrage54 (CNMT/UNTG), Adelaide Ta- contribuindo assim para desconstruir a dicotomia formal/informal mostrando a sua relação e inter- borda55 (AMIC) Fátima Camara de Barros56 (AMAE), Alice Mané57 (RA), secções. Fatumata Djau Baldé58 (Sinim Mira), Avelina Semedo Djaló59 (NADEL), Filomena Mascarenhas Tipote60 (Voz de Paz), entre outras. Para Cardoso (2008: 6), esta dinâmica da cidadania, embora lenta, transcende os limites do imediato, abrangendo valores e expectativas, gerando, ainda, uma visão alternativa da sociedade. Esta, por sua vez, A SOLIDAMI61 (1990:41), em termos gerais, já postulava a importância encontra-se ao mesmo tempo enraizada no passado e ancorada no das ONGs na introdução de variáveis novos na análise de diferentes mundo moderno, no espaço de exercício dos valores democráticos, categorias de beneficiários dos projetos, demonstrando uma certa preo- através de uma autorregulação ética e de uma autonomia que a cida- cupação no sentido de desenvolver ações em direção única ou princi- dania seccionada no seio do Estado moderno é incapaz de oferecer, palmente às mulheres, contribuindo para que estas sejam vistas e no caso particular da Guiné- encaradas como uma “enti- Bissau (Cardoso, 2008: 6). dade social”, como força de trabalho, da economia e da cidadania. Esta dimensão foi De acordo com Barros reforçada nos anos seguintes com maior incremento das (2012), pode-se considerar ações que visaram a redução das desigualdades sociais que o contributo mais signi- gritantes que se verificavam em termos de direito ao ficativo da Sociedade Civil acesso à saúde e educação e contribuiu para a revitali- guineense teve incidência zação anímica principalmente das zonas rurais, através em três polos: a) no assegu- do desenvolvimento de iniciativas de cariz comunitário rar dos serviços de base não só através das ONGs, mas também, pelas igrejas e (acesso à educação, saúde); associações camponesas, grupos de interesses e clubes, b) na promoção dos direitos contribuindo para a redução do impacto da ausência do humanos e da cidadania; c) Estado nas zonas rurais. Foi assim que surgiram iniciati- na informação, sensibiliza- vas que permitiram a construção de centros hospitalares ção e consciencialização e escolares geridos pela própria comunidade beneficiária (ambiente, conservação, di- (são os casos da rede das escolas de autogestão e das versificação da produção). Augusta Henriques em ação de sensibili- Filomena Tipote durante as auscultações escolas comunitárias; mutualidades de saúde; implemen- Entretanto, deste processo, zação ambiental na Área Marinha Prote- das Forças de Defesa e Segurança no âm- tação de rádios comunitárias; bancos de cerais comuni- gida Comunitária das Ilhas Urok (Ilha de bito do Programa Voz de Paz (Bissau, Ano destacam-se mulheres que tários, gestão de florestas comunitárias…). Formosa, 2007: Arquivo: Tiniguena). 2009, Arquivo do VdP). lideraram este decurso,

56 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 57 No entanto, as OSC, incluindo grupos de mulheres, organizações profissionais e meios de comuni- o definhamento da evolução positiva da participação desta categoria social na vida pública, como cação social, embora demonstrando alguma capacidade de ação, faltam-lhes condições estruturais também assumir o protagonismo da sua ação política e pública. Quando fomos mapear e analisar para a expressão política, ficando completamente dependentes da agenda dos doadores, devido a lista das mulheres guineenses que já desempenharam funções de chefia na administração de em- à ausência de mecanismos de financiamentos internos (KOUDAWO, 1996; SANGREMAN ET AL, presas (públicas e/ou privadas) de grandes dimensões, num primeiro olhar demos conta que: 2006; HANDEM, 2008; CARDOSO, 2008; BARROS, 2012). Elas não conseguem eficazmente des- empenhar o seu papel em "controlar" se as ações das lideranças que regem estão em coerência • o maior contingente das mulheres guineenses não se encontram nas atividades económicas com aquilo que é exigido pelas regras de governança e o Estado de Direito. formais, confirmando as tendências da inserção no setor informal desde a liberalização eco- nómica e os impactos do programa de ajustamento estrutural (HAVIK, 1995), vinculadas a No que se refere às organizações que trabalham no domínio da igualdade de género, Barros (2012: uma lógica de “economia afetiva”, a qual tentam suprir o horizonte de incerteza e a ausência 44) defende que a visão e abordagem da articulação entre as OSC e o Estado não é algo que ainda do welfare; esteja generalizado e apropriado ao nível do país, se tomarmos em consideração as ações, estra- tégias e durabilidade de intervenção no terreno. Essa abordagem é sustentada pela fraqueza das • das empresas com maior volume de capital financeiro, todas são dominadas por homens, capacidades institucionais, muito dependentes do ponto de vista financeiro, por um lado, e por contribuindo para que a sociedade empresarial guineense fun- outro, as entidades com maiores possibilidades de apoio e permanência no terreno, centram o seu cione igualmente como espaço fechado e de reprodução da do- apoio às organizações formais e estatais, particularmente o IMC. Sendo o IMC, desde a sua criação, minação masculina, sem compromisso com a transformação encarado pelos sucessivos governos como um espaço de projeção de lideranças partidárias femi- socioeconómica da sociedade guineense, contribuindo muito a ninas para gestoras de programas e fundos de apoio às mulheres ao nível nacional, acaba por pro- promiscuidade política para essa realidade, devido à lógica dos jetar um modelo de ação mais engajado na agenda do partido que sustenta o governo, com vista a “empresários do regime63”; sua nomeação, do que agir em favor da promoção da defesa dos direitos das mulheres guineenses62. • a liberalização económica e política não foram favoráveis à presença das mulheres na gover- nação das empresas públicas, na medida em que das cinco (5) empresas lideradas por elas, No nosso entendimento, a estratégia de cooptação do IMC coloca-nos perante uma apenas uma (1) teve lugar durante a vigência democrática, as restante quatro (4) aconteceram questão importante na potenciação da participação política das mulheres na esfera no período do partido único (ver o quadro 6); de decisão e do poder formal, que é a questão económica. A fraca capacidade eco- nómica (a par dos baixos níveis académicos) das mulheres guineenses tem provocado Quadro 6: Representação das mulheres guineenses na liderança de Empresas desde a independência à atualidade

N° Tipo Designação da Empresa Ramo de Atividade Ano Personalidade Funções Ações Políticas de Período /Públicas Empresa

1 Pública ENAVI Pecuária Isabel Levy Ribeiro Diretora e Fundadora Membro da ONG AD/ e Coordenadora da Rede SUINAVE Agropecuária Diretora-Geral das Escolas de Verificação Ambiental Adjunta 2 Pública CICER Industria Maria Rosa Diretora-Geral Plataforma Política das Mulheres Partido Único Robalo Rosa 3 Pública DICOL Industria Francisca Vaz Turpin Diretora Deputada/Presidente de Partido/ex-Candidata Administrativa Presidencial/ex-Presidente de Câmara Municipal/ Diplomata 4 Pública EAGB Energia Fátima Vaz Lopes Diretora-Geral Ex-presidente e membro do Rotary Club Bissau 5 Privada RUMU. Sarl Comércio Munira Jawad Administradora Secretária de Estado de Cooperação Internacional 6 Privada Grupo SOFIB/Western Union Financeiro Macária Barai Diretora Executiva Presidente CACI/WIPNET/FUNDEI/AQUALEICA 7 Privada BECAO/BRS Financeiro Zenaida Cassama Diretora. Geral Patrocina atividades de solidariedade social 8 Privada Fátima Camara de Barros, Lda Pesca/Transformação/ Liberalização F. Camará de Barros Administradora Presidente da AMAE /Dirigente da UDEMU Comércio Política 9 Privada Maimuna Capé, Lda Construção Civil/Hotelaria/ Maimuna Capê Administradora Patrocina atividades de solidariedade social Comércio 10 Privada Enicor/Filho, Lda Transformação/Comércio Emília Correia Administradora Governadora da Região de Biombo 11 Privada Aparthotel Terraços Ruby, Sarl. Hotelaria Osvaldina Adão Admin. e fundadora Teatro e música de intervenção Grupo de Ministras, Deputadas e Líderes na sede do IMC (Bissau, Ano ?, Arquivo: IMC). 12 Privada Mapete, Sarl Comércio M. Pereira Tecanhe Administradora Membro e tesoureira da AMAE

58 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 59 Denota-se que das doze (12) mulheres com experiência na governação das médias e grandes em- 4.2.2. Redes e Plataformas Políticas das Mulheres presas (públicas e privadas), todas elas desenvolvem ações de cariz política e/ou filantrópicas em diferentes domínios sociais (transformando-se em figuras públicas), chegando mesmo algumas delas A mobilização das mulheres e dos homens, com vista a uma contribuição a estarem associadas a estruturas do poder político formal ao nível nacional e local (presidente da equitativa na luta de libertação e nos destinos da Nação e do Estado Câmara, ministras, deputada, governadora de região) e ainda no concurso a postos políticos, in- emergentes, através da primeira organização de massas criada pelo cluindo a Presidência da República. PAIGC, a UDEMU, nos inícios da guerra para a independência (1961), vi- sando a escolarização massiva das raparigas nas zonas libertadas e a defesa dos direitos das mulheres nos tribunais populares, constituíram os principais fatores explicativos da então participação cidadã das mul- heres. Esta participação era considerada como sendo de um nível ele- vado, relativamente tanto à própria história do país e as diversas culturas étnicas, como à realidade então vigente na matéria nos outros países da sub-região (LIMA-HANDEM, 2012).

Na fase pós-independência, Forest (1992: 53) considera que as organi- zações de massa criadas pelo partido libertador com objetivo de mobi- lizar a população para o desenvolvimento nacional, aparentemente, serviam para aplicar uma estratégia governamental exclusivista e anti- democrática em relação à sociedade. Esta tese é reforçada por Mendy (1996), que demonstra a existência de esforços concertados do par- tido-estado em controlar os diferentes grupos sociais, nos quais se in- cluem as mulheres.64

Fátima Vaz Lopes, Diretora-geral da empresa de Eletricidade e Águas da Guiné-Bissau (2000 – 2001), no seu gabinete de Com a adesão do país ao multipartidarismo, fruto de pressões externas trabalho, ladeada dos seus colaboradores (Bissau, 2001, Aqruivo: Fátima Vaz Lopes) e internas num contexto da falência do Estado suportado pelas políti- cas de Ajustamento Estrutural, teve como consequências imediatas a afirmação e o reconhecimento de outros atores sociais coletivos (para A relação de empoderamento económico faz com que os sujeitos se conectem na sociedade pública além dos partidos políticos) enquanto agentes que participam nas decisões, lutam pela diminuição e política. O empoderamento económico eleva as mulheres à consciência de atriz em que aprendem das desigualdades sociais, políticas e económicas (BARROS, 2012: 38). É neste quadro que é criado e ganham confiança numa possível outra relação entres homens e mulheres, desde a igualdade e em 1992, a Associação de Mulheres das Atividades Económicas (AMAE), uma organização de di- equidade de género à capacidade de ação e maior protagonismo, parte fundamental na relação mensão nacional que congrega as mulheres produtoras e empresárias (formais e informais). Esta com as comunidades locais. Este é o ponto fundamental da relação de empoderamento feminino rede de mulheres e organizações, desempenhou nos anos noventa, um papel relevante na promoção para a plena participação na atividade política, pois parece algo não consciente, mas o facto das das mulheres no sector económico através de créditos para a produção e comercialização e conse- mulheres empresárias, mesmo que não estejam diretamente orientadas para a vida política, pro- guiu ainda colocar à volta da mesa de concertação e construção de alianças, mulheres de diferentes curarem a materialização de uma forma de fazer “política alternativa” demonstra uma consciência esferas e estatutos sociais. política forte e um comprometimento com causas, factos que as dotam de condições de potenciais candidatas aos concursos políticos e ao poder. No entanto, embora a dinâmica de mobilização das mulheres no setor económico e financeiro tenha sofrido com o conflito político-militar de 1998/1999 um efeito negativo nas suas atividades e na vida organizacional da AMAE, chegando ao ponto de gerar algum conflito interno (HANDEM, 2008: 23), não obstante a isso, pode-se considerar que este conflito de uma forma geral, foi um teste fa- vorável à responsabilização e compromisso da SC, que se organizou no denominado Movimento da Sociedade Civil para Consolidação da Paz e Democracia65 e na Rede de Solidariedade para com a Guiné-Bissau66.

Nesta fase, a mobilização das mulheres nas estruturas de natureza política interventiva e também norteadas pelas questões do género aumentaram e contribuiram sobretudo para a mudança de um paradigma interventivo, dantes numa lógica partidária e unilateral para a das redes e plataformas políticas. Segundo Butiam Có (no prelo: 26-28), foi nesse contexto que se criou a Comissão de Boa Vontade (CBV) e a Rede de Mulheres Construtoras de Paz (RMCP) presidida pela Macária Barai67.

60 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 61 A experiência dessas dinâmicas contribuíram para que algumas das figuras femininas, imbuídas do reitos das mulheres76 e a criação nos finais da primeira metade do ano 2000 do Ministério da Mul- espírito de maiores possibilidades de influência face às desigualdades e violação dos direitos de her. Ainda, com o poio do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na alguns grupos sociais, criassem ao nível da Assembleia Nacional Popular (parlamento), a Comissão Guiné-Bissau (UNIOGBIS), foi elaborado e publicado um Guia para Jornalistas sobre os Direitos Hu- Especializada para Assuntos da Mulher e Criança (CEAMC). Salienta-se que membros desta comis- manos e o Género nos Media como também foi difundido num jornal nacional, durante um ano, en- são parlamentar integram ainda organizações e redes regionais, com destaque para a Redes de trevistas com mulheres guineenses na promoção dos seus direitos. Mulheres para a Paz e Segurança da Comunidade Económica para o Desenvolvimento da África Ocidental (CEDEAO), cuja primeira Secretária Geral foi a Tenente-coronel Cadi Seidi68 e a Rede das A dinâmica destes exemplos demonstra que, se bem mobilizadas, as redes e o(s) movimento(s) das Mulheres Africanas, Ministras e Parlamentares (REMAMP), liderada, primeiro, por Henriqueta Go- mulheres têm uma enorme influência, conseguem concretizar objetivos e atingir metas que vão ao dinho Gomes69 e depois pelas deputadas Isabel Buscardini70 e Martina Moniz71. encontro dos seus interesses. Podem também influenciar processos nacionais e políticos de forma a incluir as suas perspetivas e necessidades, bem como aumentar a participação de mulheres oriun- Uma das mais importantes conquistas desta fase foi, das de organizações de mulheres e ativistas pelos seus direitos, em estruturas de tomada de deci- sem dúvida, a aprovação da lei que visa prevenir, com- são nacional. Pois ao integrar no poder político as mulheres que têm uma história de ativismo pelos bater e reprimir a excisão (mutilação) genital feminina direitos das mulheres, existem maiores garantias de que elas defendam os seus interesses e uma (Lei nº 14/2011) que teve um engajamento forte do Co- maior probabilidade de um laço forte entre as organizações de mulheres da sociedade civil e as mité Nacional Contra as Práticas Nefastas à Mulher e instituições governamentais (BARROS e SEMEDO, 2012). Criança em articulação com a Comissão especializada da Assembleia para a Mulher e Criança (CEAMC) sob a Todavia, a construção, animação e expansão das redes e plataformas nacionais existentes para liderança da deputada Nhima Cissé72 e a Plataforma Po- além das estruturas institucionalizadas, tem sido pouco uniforme, disperso e abaixo das possibili- lítica das Mulheres (PPM)73, através de realização de dades e capacidades de mobilização das mulheres, sendo no entanto, muita das vezes concorren- eventos de lobby e sensibilização junto do governo, co- ciais, motivado pela necessidade de disporem de novas perspetivas de legitimação, possibilidades munidades religiosas islâmicas, parlamentares e Presi- de influência na arena política e acesso aos fundos externos. Como resultado, na atualidade existem dente da República74. Um outro exemplo que uma multiplicidade de redes e plataformas (quadro nº 7) com as mesmas protagonistas (de sempre demonstra o estado do ativismo do movimento das mul- e em fase de envelhecimento), concentradas na capital Bissau e nem sempre se incorpora aquelas heres guineenses foi o trabalho desenvolvido para a (mulheres) que possuem maior conhecimento e competências necessá- existência de uma legislação que sanciona e desenco- rias para fazer a rutura com o statu quo vigente e ainda de forma a em- raja a violência doméstica no país, um processo lide- prestar mais energia e longevidade às redes. Presidente do Comité Nacional Contra as Práticas Nefastas in- rado pela CEAMC em articulação com a Rede Nacional tervindo na assinatura da Fatwa contra a MGF (ANP, 2013, Foto: de Luta Contra a Violência no Género e na Criança - Elisabete Vilar). RENLUV75, em fase de finalização para a submissão à mesa da ANP na próxima legislatura.

Importa dizer que todo este processo beneficiou de um quadro político-institucional propício concre- tizado com a assinatura e ratificação das principais convenções internacionais que protegem os di-

Consultas Regionais para Quadro Estratégico para a Consolidação da Paz (Quinhamel, 2008, Foto: Sara Negrão)

62 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 63 Quadro 7: Mapeamento das redes políticas das mulheres guineenses

7 Comité Nacional Política e Sensibilizar a população para o Excisão, casamento Organizações de 1995 N° Nome Tipo de Objetivos Temáticas Nº de Ano de Obs organização prioritárias Membros criação para o Abandono Cívica abandono de práticas nefastas precoce; VBG, Direitos mulheres que de Práticas humanos das mulheres; lutam param a 1 Plataforma Política Visibilidade da mulher na esfera de Politica 11 Organizações 2008 Funcionamento com Nefastas equilíbrio de género; promoção dos Política das e Cívica decisão Eleições de mulheres dificuldades (CNPAPN) escolarização de direitos humanos Mulheres (PPM) Alfabetização + Organizações Falta da sede raparigas; tráfico de de mulheres Sensibilização Educação de mulheres de própria seres humanos Capacitação todos os partidos Ė políticos 8 Rede Paz e Cívica Coordenar e otimizar as funções e Paz e Fazem parte dela 2009 uma rede regional Segurança para as iniciativas das mulheres na Segurança ( R-1325 et todas as que abrange os 15 2 Comissão Político- Loby e advocacia a favor dos Direitos, liberdades, É composta por 2007 as Mulheres de prevenção de conflitos, a 1820 CSNU, prevenção, organizações que países da CEDEAO. Especializada institucional direitos e liberdades das mulheres garantias e deveres deputadas em Espaço da manutenção da paz e segurança, a gestão, resolução de trabalham no para Assunto da e crianças, fundamentais. ativo (atualmente CEDEAO antena reconstrução pós-conflito e conflitos, género etc.) domínio de Mulher e da são 5). da Guiné-Bissau promoção dos direitos humanos, Desenvolvimento género, paz e Criança (CEAM) (REMPSECAO- particularmente das mulheres e Durável. segurança GB) outros grupos vulneráveis, a fim de 3 Rede das Político- Zelar pela aplicação de Políticas públicas, na 57 Membros garantir a paz duradoura e o Mulheres institucional recomendações saídas das perspetiva da igualdade Desenvolvimento sustentável na Ministras e conferências regionais, do género; Luta contra o 2003 Guiné-Bissau; Parlamentares internacionais, aprovadas e VIH/SIDA; Promover uma parceria estratégica (REMAMP) reconhecidas pelo Estado da para a equidade e igualdade de Guiné-Bissau; Encorajar ações Género, empoderamento e tendentes à eliminação de igualdade de oportunidades entre barreiras que impedem a os sexos em matéria de paz e participação ativa e efetiva das segurança no país. mulheres na vida pública e no exercício das responsabilidades políticas; Um elemento curioso ao longo deste processo é a fraca implicação das jovens raparigas. Uma das Reforçar a colaboração entre as mulheres membros do governo e questões possíveis para compreender esta situação é lançar um olhar ao processo da educação cí- parlamentares para uma melhor vica e da socialização política da nova geração de mulheres guineenses. Ou seja, faz sentido ques- compreensão das questões do tionar, em que medida a não projeção da ação cívica da nova geração de mulheres em organizações género e desenvolvimento. políticas e movimentos de mulheres como estas plataformas são condicionadas pelas formas orga- 4 Rede Nacional Cívica Contribuir para prevenção, Educação para 40 ONGs e 2003 nizativas dessas organizações ou pela situação política que o país enfrenta? de Luta contra a redução e combate à violência Cidadania; Associações de Violência no baseada no género e criança. Proteção e Reinserção base Género e na das Vitimas; Combate à Criança IST-VIH/SIDA Verifiquei que nessas redes há muita pouca gente na camada de 30-40 anos de idade. O facto de (RENLUV) estarem mulheres mais experientes e a ausência das jovens com formação académica (quer as que estudaram na diáspora ou nas universidades em Bissau), diminui a possibilidade de uma história 5 Federação das Política e Promoção de mulheres na esfera Empoderamento de Mulheres 2002 Mulheres Cívica de decisão mulheres; oriundas de mais rica de partilha intergeracional e construção coletiva de um referencial no país, ao invés de Guineenses Liderança feminina todos os partidos ser uma perspetiva utilitária ou individualista das “mindjeris garandis”. (Filomena Djassi/ Projeto (FEMUGUI) pelíticos + Musqueba, participante na sessão de apresentação da OMGB, Bissau, 12/10/2012) organizações de mulheres e + Organização de sociedade civil Esta afirmação, enquanto um dos obstáculos à maior expressividade e aumento do grau da adesão das mulheres às redes, transporta-nos para a dimensão da reprodução dos valores culturais que 6 Organização das Cívica Lutar para a participação de Participação de Mulheres 2012 Mulheres da mulheres na esfera de decisão; mulheres na esfera de oriundas dde já não constituem instrumentos de legitimação das lideranças nas sociedades em desenvolvimento Guiné-Bissau Lutar pela paz democracia e justiça decisão; diferentes e nem suficientemente capazes de responder aos desafios da complexificação dos problemas que (OMGB) social; Combater VBG; partidos políticos as sociedades enfrentam, em particular as mulheres, na medida que, em alguns casos, são funções Procurar a igualdade de género Paz democracia e e organização de direitos humanos de mulheres que exigem a dominação de certas competências técnicas, comunicacionais e de uso de tecnologias, mulheres que colocam a nova geração em condição de vantagem. Segundo Borges (2007), o habitus histórico do associativismo feminino na África Ocidental tem sido fundamentado na posição social das mul- heres nas sociedades linhageiras, em que as hierarquias baseadas na senioridade e género, dis-

64 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 65 pensam a participação das mulheres no poder e autoridades públicas, e instituiam assimetrias que marginalizavam socialmente as mulheres, o que teria propiciado os motivos, os meios e as oportu- nidades para a sua autonomia e individualização, concorrendo para o fenómeno do associativismo voluntário feminino.

Porém, na nossa perspetiva, um dos grandes desafios das redes das mulheres na Guiné-Bissau, passa exatamente por conseguir o efeito agregador e inclusivo de outras atrizes (jovens, mulheres nas zonas rurais, mulheres de sindicatos profissionais e associadas às atividades da economia in- formal, líderes das ONGs, mulheres ligadas ao setor da investigação) de modo a que se possa construir um caminho coletivo e direcionado para objetivos concretos e a liderança da sua agência social, económica e política.

Por fim, uma dimensão não menos importante, prende-se com uma permanente e excessiva asso- ciação das entidades que operam no domínio do género (instituições estatais, parlamentares, redes e ONGs) com as crianças. Sobre esta preocupação algumas especialistas defendem que:

É algo que retira o foco às mulheres e à igualdade de género, limitando e reafirmando o papel das mulheres enquanto mães, enfatizando que são elas que têm a primazia da responsabilidade sobre as crianças, não promovendo a ideia de uma responsabilização partilhada entre pais e mães e a sociedade em geral. (…) Devia haver o instituto da promoção da igualdade de género (ou algo semelhante) separado do instituto da criança. A igualdade de género iria incluir também a proteção e promoção da igualdade de género nas crianças, mas seria nessa perspetiva e não na de flagrantemente associar as mulheres às crianças ou coloca-las no mesmo nível de vulnerabilidade. (Sara Negrão, Conselheira Género do UNIOGBIS, Bissau, 26/10/2012)

66 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 67 O estudo indicou, também, que o interesse das mulheres são múltiplos e não podem ser tidos ou vistos como um pacote único, tendo em conta a diversidade das suas atividades, o espaço geográ- 5. Em Jeito de Conclusão: fico (zona rural ou cidade), as gerações e as necessidades de cada grupo de mulheres. Assim, as ações em prol do empoderamento das mulheres são também diversas, bem como a linguagem a Lições e Ilações utilizar nas abordagens devem ser adequadas a cada realidade, contudo com o foco/eixo comum, ou seja, o que lhes afeta: as questões de exclusão/inclusão; a busca de alternativas para o seu empoderamento, a diversificação da parceria com vista à melhoria da sua participação na tomada Que perceções, que consciência e que prática política se espera das mulheres guineenses? Tam- de decisões e na política. Inferimos, ainda, que ao se mostrar o campo político como mais fechado bém com a intenção de um olhar mais atento e que chame a atenção para as questões da inclu- e que restringe a partição das mulheres, estas vão fortalecer-se na sociedade civil. Nesta linha, as são das mulheres na política e nas esferas de decisão, debruçamo-nos sobre o processo de parti- organizações não governamentais vão tornar-se viveiros do empreendedorismo feminino, chegando cipação política das mulheres na Guiné-Bissau, o que requereu revisitar alguns dados estatísticos essas organizações a ser o braço do governo, preenchendo muitos vazios deixados por este nos que apontam as mulheres como a maioria da população, mas que fazendo parte dos grupos vul- domínio da educação, da saúde, da proteção do ambiente, do crédito às mulheres, entre outros. neráveis, apresentando níveis notoriamente mais baixos de educação do que os homens, a des- Aqui também conta muito a influência de opiniões e as práticas. Encontramos, assim, associações empenhar os trabalhos mais precários e com rendimentos mais baixos, para além de acumularem da sociedade civil disputando influências no domínio do meio ambiente, direitos humanos, igualdade o trabalho doméstico e produtivo. do género, exclusão, inclusão, etc.. Sem querer propriamente disputar o poder político; assistimos às organizações ou associações ambientalistas a criticarem a forma como as empresas exploram Inferimos que em pleno século XXI, os casamentos e gravidezes precoces continuam sendo fatores os recursos. Algumas organizações femininas questionam a posição das mulheres na esfera do que diminuem o acesso das mulheres guineenses às oportunidades de educação e participação poder, enquanto outras defendem simplesmente a preservação dos valores morais. mais ativa, tanto na vida profissional quanto na política. Esta última continua a ser a fação da so- ciedade dominada por valores, atitudes e linguagens masculinos aos quais subjazem estereótipos O revisitar dos vários momentos sociopolíticos da Guiné-Bissau mostrou-nos a forma como as pró- que desqualificam as mulheres. Apropriada também pelas mulheres, essa linguagem estereotipada prias mulheres se vêm e como elas cresceram ou desistiram de participar na política, com base em contribui para baixar a autoestima destas, desencorajando a sua participação nos debates públicos experiências próprias. Por outro lado, o estudo demonstrou quão importante são os partidos polí- e em defesa das suas ideias. ticos na promoção, ou não promoção, política das mulheres. Um olhar sobre os estatutos e regula- mentos internos dos partidos apontou como estes instrumentos condicionam a participação e a Ao analisarmos a evolução das motivações sobre a participação das mulheres guineenses nas es- ascensão das mulheres nos órgãos de decisão dos mesmos, revelando-se como meios muito mas- truturas de poder e influência de decisão, tomamos em consideração oito (8) dimensões analíticas culinizados e frequentemente incompatíveis com as necessidades de conciliação da vida pública, (base de recrutamento; ideologias dominantes; canais de socialização política; papeis atribuídos, profissional, familiar e pessoal. Nesta senda, as qualidades julgadas como necessárias à participa- intervenções exigidas; níveis hierárquicos atingidos; elementos de status adquiridos) cruzadas com ção pública e política são percecionadas como masculinas (mesmo que informal), legitimando e re- diferentes períodos da nossa história (pré-colonial, colonial, luta de libertação nacional e pós-in- forçando a participação das mulheres em setores decorrentes da denominada maternidade social. dependência – partido único, liberalização política, pós-conflito 1998/99), demos conta que o pro- tagonismo feminino conseguiu impor um paradigma na relação entre o Estado e a Sociedade Civil, Porém, as mulheres vêem nas ações afirmativas uma das vias para desencadear processos de in- que não se resume meramente à dimensão da luta pelo poder, mas sim inclui a influência de opi- clusão das mulheres, tanto ao nível da revisão e/ou criação de leis que protegem e incluem as mul- niões, decisões, atitudes, comportamentos e práticas, constituindo assim uma componente funda- heres – da formação, do acesso ao microcrédito e ao crédito –, quanto da participação nos órgãos mental das relações entre as pessoas, sociedades e instituições, sob forte influência dos meios de superiores das organizações em que participam (ONGs, associações, partidos políticos, sindicatos) comunicação de massas (ver em anexo, o quadro síntese, nº 8). através de leis internas e transitórias e do sistema de cotas.

Concluímos que o favorecimento de uma política integrada de género nos processos de desenvol- Baseado nesta constatação, torna-se necessários desencadear ações de lobby em prol das ações vimento, a criação de condições necessárias para a participação das mulheres nas instituições es- afirmativas nos setores sociais (saúde, educação, sistema de providência), no setor laboral e em- tatais como sujeitos de pleno direito passa, necessariamente, pela estruturação de instituições de presarial (ao nível nacional e comunitário), como também a adoção de política de quotas para re- seguimento da implementação dessas políticas e leis que protegem as mulheres. Tal estruturação presentação das mulheres nos partidos políticos e no parlamento, que possibilitem e favoreçam a encontra obstáculo nos países em conflito ou em situações de golpes de Estado, pois não é tida construção e projeção de lideranças femininas com capacidade de influência e de decisão no espaço como prioridade, acabando por ser relegada para o segundo plano. Nessas condições as atividades governativo e de poder. Estas deverão ser acompanhadas por meio de um observatório das mul- realizadas acabam por ser pontuais e/ ou dispersas. heres, com vista a monitorizar a evolução das políticas e os progressos das mulheres para alcançar a igualdade de género na Guiné-Bissau, como demonstra o quadro nº 9 (em anexo).

68 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 69 3. Criação de um observatório sobre as mulheres (medir e publicar dados sobre a evolução dos progressos das mulheres e as razões dos seus eventuais insucessos) 6. Principais Recomendações para assegurar um conhecimento fidedigno sobre o avanço da situação das mulheres e da igualdade de género a nivel nacional. Desta forma poder-se-á, mais facilmente, desenhar políticas, programas e medidas adequadas, bem como avaliar o impacto dessas medidas; Partindo do pressuposto que as recomendações aqui apresentadas servirão para que as entidades que operam no domínio do género (instituições estatais, parlamentares, redes e ONGs) possam in- 4. Fomento de aprendizagens dos papeis públicos e políticos por parte das raparigas tervir com base num modelo que permita agir da «antecipação à ação pela apropriação». Isso im- através do apoio aos programas de atribuição de bolsas de estudo especificas para plica promoção de processos de participação cívica e política verdadeiramente inclusivos que meninas e programas de identificação e formação de jovens raparigas com poetencial potenciem a cidadania. para liderança;

5. Fomentar a mudança de mentalidades e de atitudes por parte das raparigas, dos rapazes e da sociedade em geral, através da integração da Educação para a Cidadania e da História da participação das mulheres na luta de libertação nacional e na política ANTECIPAÇÃO AÇÃO nos curricula escolares e nos curricula universitários nas áreas das Ciências Sociais; Reflexão prospetiva Vontade estratégica 6. Promover o diálogo intergeracional, debates interativos e estudos sobre a História das Mulheres, incluindo a discussão sobre os papeis tradicionais de homens e mulheres e os desafios das sociedades e economias modernas.

APROPRIAÇÃO b) Organizações e Redes de Mulheres: Motivação e mobilização 1. Fomento de modelos femininos que possam servir às jovens como referência ou pontos de contacto, renovando as suas estruturas e dando maior dinamismo às Redes e Plataformas, por um lado, e por outro, combatendo a invisibilidade das mulheres, enquanto elementos ativos nos processos de tomada de decisão;

2. Organização anual e temática do Fórum das Mulheres Guineenses, com vista a dar Assim, recomenda-se aos atores a aplicação de pedagogias de emancipação, baseadas nas práticas visibilidade às suas ações, mobilizar sensibilidades de militâncias para as suas causas e feministas de conscientização que promovem diálogo e ação, assente na abordagem género e des- aproximar as organizações que operam nas diversas regiões do país; envolvimento, quer ao nível da capital, quer nas zonas rurais. Nesta base, essas recomendações são dirigidas a três entidades-tipo (governamentais, redes/plataformas de mulheres e comunidade 3. Identificação e capacitação de jovens mulheres com potencial para liderança, através de internacional). ações de formação, bolsas de estudo e o seu envolvimento nas redes e organizações de mulheres existentes; a) Instituições públicas e governamentais: 4. Criação duma plataforma de organizações de mulheres por meio de processos, princípios 1. Revisão do quadro legal nacional e adoção de medidas reguladoras, à luz da CEDAW e práticas democráticas e participativas, com a finalidade de favorecer uma maior coesão, e outras leis internacionais ou regionais, que tenham em conta a proteção e inclusão desenvolver ações conjuntas de lobby sobre questões de interesse comum, mobilizar das mulheres com base numa maior e melhor integração da perspectiva de igualdade recursos e capacitar as mulheres para uma melhor e mais abrangente intervenção. de género; 5. Estabelecer ligações sistemáticas e contínuas com o governo e especificamente com as 2. Adoção de ações afirmativas, tendo como uma das políticas a aplicação transitória mulheres que se encontram no poder formal para as sensibilizar para uma maior do sistema de quota para assegurar uma representação significativa de mulheres nos intervenção em favor dos direitos das mulheres, bem como assegurar a participação das partidos políticos e no parlamento; mulheres em todas as instâncias de tomada de decisão.

70 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 71 c) Organizações de cooperação multi/bilateral que intervêm no domínio de género na Guiné-Bissau:

1. Fomento de redes de apoio à cooperação entre as organizações das mulheres, as organizações juvenis femininas, com a finalidade de incentivar e/ ou reforçar a participação cívica e política dessas organizações, com vista a uma maior coordenação de esforços e concretização de projetos com impacto na sociedade.

2. Desenvolvimento de linhas de apoio e financiamento para possibilitar às mulheres o acesso à vida política e particularmente o concurso aos cargos públicos (ANP, Presidência da República, lideranças de partidos Políticos);

3. Obrigatoriedade da inclusão de uma linha género nos programas e projetos de desenvolvimento (setoriais ou nacionais);

4. Transferibilidade de processos como a auditoria de género nos programas e projetos financiados;

5. Apoio à criação e dinamização de um observatório das mulheres, com a finalidade de medir e publicar dados sobre a evolução dos progressos das mulheres para alcançar a igualdade de género, através de parcerias com instituições nacionais de pesquisa e entidades congéneres ao nível regional;

6. Apoio às ações de capacitação nos domínios técnicos relacionados com a abordagem de género e desenvolvimento e as várias dimensões de empoderamento das mulheres, bem como aspetos técnicos relacionados à gestão e administração das organizações e redes.

72 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 73 7. Referências Bibliográficas

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74 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 75 LIMA-HANDEM, D. (1991), “Desenvolvimento na SANGREMAN, C. et Al (2006), A Evolução Política TRAJANO FILHO, W. (2010), “Território e idade: an- Base e Participação Popular. Uma alternativa?” In Recente na Guiné-Bissau: as eleições, os conflitos, coradouros do pertenciamento nas mandjuandadis A Problemática da Emergência das ONGs Nacionais o desenvolvimento e a sociedade civil, Colecção Do- da Guiné-Bissau”, In TRAJANO FILHO, W. (Org), Lu- nos PALOPs, SOLIDAMI/FOVAD, Lisboa, p. 83-111; cumentos de Trabalho, Nº 70, CEsA-ISEG, Lisboa; gares, Pessoas e Grupos: as lógicas do pertencia- mento em perspectiva internacional ABA, Athalaia, MCFADDEN, P. (sd), “Issues of Gender and Deve- SCANTAMBURLO, L. (2003) O mundo religioso dos Brasília; lopment fron an African Pespective”, in Women’s Bijagó. Disponível em: http://www.faspebi.org/re- African Voices. Disponível em: www.world.org/pro- ligi%C3%A3o.php TRIPP, A. M. (1998) “Expanding ‘Civil Society’: grams/regions/África; Women and Political Space in Contemporary SCANTAMBURLO, L. (1991), Etnologia dos Bijagós Uganda”, in Civil Society and democracy in Africa. MCFADDEN, P. (sd), “Radically Speaking: the signi- da ilha de Bubaque. Instituto de Investigação Cien- Critical Perspectives, Portland, Ed. Nelson Kasfir, ficance of the women’s moviments for Southern tífica Tropical, Lisboa; Instituto Nacional de Estudos London, Frank Cass; Africa”, in Women’s African Voices. Disponível em: e Pesquisa, Bissau; www.world.org/programs/regions/África; UFOMATA, T. (2002), “Women in Africa: their sócio- SEMEDO, O. (2007), “Ecos da Terra”, in MATA, I. e political and economic rles, West Africa Review, 2, MENDY, P. (1996), “Emergência do Pluralismo Polí- PADILHA, L. (Org.), A Mulher em África: Vozes de 1. Disponível em: http://westafricareiew.com/vol2.1/ tico na Guiné-Bissau”, In KOUDAWO, F. & MENDY, uma margem sempre presente, Colibri/CEA-FLUL, ufomata.html; P. (Coord), Pluralismo Político na Guiné-Bissau, Lisboa, pp. 103-133; INEP, Bissau, p. 13-65; UIP (2006), “Women in parliament: 60 years in re- SEMEDO, O. (2011), Guiné-Bissau: história, culturas, trospect”, in An Overview of Women in Parliament: MIRANDA, F. (1996), “Grandes famílias luso-africa- sociedade e literatura. Nandyala (Coleção Repen- 1945-2006. Disponível em http://www.ipu.org/ nas guineenses ou gans no séc. XIX: o seu papel na sando África), (CDU 960). Belo Horizonte; PDF/publications/. integração urbana de autóctones - subsídios para o seu estudo”, in: CARDOSO, C. (Coord.), Bolama SEMEDO, O. (2010), As Mandjuandadi, Cantigas de Entre a Generosidade da Natureza e a Cobiça dos mulher na Guiné-Bissau: da tradição oral à litera- Homens (Actas do Colóquio Internacional “Bolama tura – Tese de Doutorado, Programa de Pós-gra- Caminho Longe”, INEP, Bissau, p.295-304; duação em Letras. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMINAS), Belo Horizonte; MONTEIRO, E. (2008), “Mulheres, Democracia e Representação Política”, In CUNHA, T. e SANTOS, SILVA, M. G. N. (1970), Subsídios para o estudo dos C. (Org.), Artigo Feminino: das Raízes da ParticipAc- Lançados da Guiné. Cap. II - As condições gerais do ção, AJP, Santa Maria da Feira; comércio da Guiné durante o período Filipino e a evolução da actividade dos Lançados. Boletim Cul- NÓBREGA, A. (2003), A luta pelo poder na Guiné- tural da Guiné Portuguesa (BCGP), Bissau, v. 26, n. Bissau, ISCSP, Lisboa; 98, p. 217-232, abr.;

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76 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 77 8. Anexos

Quadro 8: síntese de diagnóstico e da análise de estratégias emancipadoras

Tipo de Organizações Tipo de Organizações Monitorização

Atores não estatais Pressupostos Estatais Partidárias Sindicatos Comunic. Social ONGs Org. Religiosas

Obstáculos - Relação entre homensens e mulheres estabelecidose no espaespaço doméstico; - Precariedade da situação - Dados do senso; estruturais familiar (mães solteiras);ras); - Desigualdades noo acesso a educeducação; - Condições perante o trabalho. - Relatório do inquérito à avaliação da pobreza; Pontos fortes Existência de um mecanismo nacional Existência de mulheres e organizações de mulheres Existência de Criação da Existência de muitas Existência de - Resultados da avaliação do para as mulheres nos princiapis partidos; organização de Associação de ONGs com vocação organizações cívicas DENARP II; Processo realizado para a elaboração da Existência de uma Plataforma Política das Mulheres; defesa dos direitos mulheres jornalistas; para o trabalho no lideradas por - relatórios anuais das PNIEG contemplou formaçao e consulta Consciência das mulheres dos partidos políticos laborais das Existência de domínio de género e mulheres em todas instituições concernentes (IMC, com todos os Ministérios principais sobre a necessidade de pomover as mulheres. mulheres com mulheres jornalistas; lideradas por as congregações. LGDH, ONU Mulheres). Existência da PNIEG e estudos gabinete de apoio Existência de alguns mulheres. associados. jurídico programas de promoção das mulheres;

Pontos fracos Financiamento e recursos humanos do Poucas oportunidades para as mulheres na política e Pouca moblização Existem alguns Fraca capacidade As iniciativas IMC limitados; especialmente na liderança dos partidos; Fraca em torno de causas programas na TV e institucional das inserem-se mais no Estrutura institucional do IMC não coesão e ações das mulheres entre os diferentes comuns. rádio sobre ONGs; âmbito de cariz adequada à implementação dos seus partidos políticos; ausência de políticas de ação interesses Líderes das ONGs social e algumas estatutos; afirmativa nosos partidos políticos;;PeridodP qquadroerdroidod legal pos parparasra liberalizacaolibliberlas ralizacao politica (1991 - 1999) especificos das de mulheres muitas vezes reproduzem o Abolição do Ministério da Mulher; eleições nãoo contempla medidasse espeespecíficasecíficas paraaaa a mulheres, mas estes vezes têm outras discurso de Politização da liderança do IMC; participação das mulheres; nao sao istematicaistematica-- ocupações a tempo subalternidade das Não aprovação da PNIEG em Conselho mente concertados inteiro; Politização mulheres face aos de Ministros devido à instabilidade com as organizacões dos postos de homens política; de mulheres e nao liderança das ONGs; Insuficiência de leis especificas para a fazem parte de uma Ausência de proteção e promoção das mulheres; estratégia mais processos abrangente de democráticos de advocacia a nao ser gestão e liderança quando são das ONGs; Falta de encomendados por coordenação e algumas colaboração entre as organizacões ou ONGs e entre estas campanhas e o IMC; pouca especificas credibilidade para conseguir fundos externos

Potencia- Ratificação da CEDAW; Implementação Formalização e fortalecimento da Plataforma Politica - Mobilização para Doadores externos; Existência de Forte capacidade de lidades da lei contra a mutilação genital das Mulheres; Revisão do quadro legal para as criação de Fortalecimento e doadores interessa-interessa- gestão das suas feminina; eleições; Existência de potenciais mulheres líderes; sindicatos operacionalização dos em fortalecer organizações e Aprovação e implementação da PNIEG; Existência de mulheres líderes na sociedade civil; socioprofissionais da associação de capacidades e serviços (saúde e Doadores externos; Existência de mulheres qualificadas da nova geração de mulheres mulheres jornalistas ações; experiências educação); (professoras, anteriores com mobilização e enfermeiras, sucesso de capacidade de engenheiras) mobilização e influência a coordenação em mulheres e homens torno de causas comuns (ex: lei da MGF); Coordenação em torno da PNIEG

78 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 79 Tipo de Organizações Tipo de Organizações Monitorização

Atores não estatais Pressupostos Estatais Partidárias Sindicatos Comunic. Social ONGs Org. Religiosas

Riscos Instabilidade política; Instabilidade política pode agravar divisões Promiscuidade de campos (sociedade política vs sociedade Moralizacão das Fraca capacidade para a implementação partidárias entre mulheres potenciais líderes; civil) questões relacionarelaciona-- da PNIEG; Revisão do quadro eleitoral sem contemplar a das com a igualdade Fraca responsabilização dos setores que participação das mulheres; falta de motivação e de género; devem implementar a PNIEG; EnfraqueciEnfraqueci--segurança para criar maior coesão e agenda comum Propagação das mento das doações externas devido à entre as mulheres; ideias de submissão instabilidade; das mulheres Desatualização da PNIEG devido á morosidade

Estratégias 1-1- FavoFavorecerrecer a constconstruçãor e projeção de lideranças com capacidade de influência e negociação ao emancipa- nnívelível ddasas redes e pplataformasla existente; 2- desencadear ações de lóbi em prol das ações doras afirmativasafirmativas nos setosetoresr sociais (saúde, educação, sistema de providência), no setor laboral e eempresarialmpresarial (ao nívenível nacional e comunitário); 3- Adoção de política de quotas para representação dasdas mulheres nos papartidos políticos e no parlamento; 4- Criação de um observatório da mulher (medir(medir e ppublicarublicar dadadosd sobre a evolução dos progressos das mulheres para alcançar a igualdade entre géneros)ggéneros).

Cenários Rea:tiva Promover a inclusão das mulheres e dos seus problemas específicos nas Nº e qualidade de Políticas, para o futuro estruturas em diferentes escalas resolvendo os seus problemas mais imediatos. Programas e Legislações com abordagens que integram o género. Pré-ativa: Promover as mudanças e as ruturas necessárias para colocar em causa os sistemas discriminatórios, estejam eles onde estiverem.

Pró-ativa: Procura gerar os dois anteriores a partir das consciências e conhecimentos insurgentes das mulheres.

80 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 81 Síntese evolutiva das motivações sobre a participação das mulheres guineenses nas estruturas de poder e influência de decisão

Pos-independcia Dimensões Período pré-colonial Periodo colonial Luta de libertação nacional analíticas Partido Único Liberalização económica Liberalização política Pos conflito ppolitico-militar dede 19981998/99/99

1. Iniciativas comunicomuni-- Ter estatuto de civilizado, saber Ser maior de idade e estar na Comités do Bairro/Setor; UDEMU; grupos Partidos Políticos Associações comunicomuni-- Bases de tárias com base na ler e escrever, com formação zona ocupada pelo PAIGC. UDEMU; Administração associativos tárias; Organizações recrutamento/ idade e/ou básica (professora primária, pública (Mandjuandades); Não Governamentais mobilização experiência de vida, enfermeira) para exercício grupos de interesse em linhagens profissional, mas excluindo a (Bideiras) consideradas nobres. participação na política. Animadoras culturais utilizadas pelo poder colonial

2. Educação/orientação Fascismo. Socialismo revolucionário Centralismo do Estado Economia de Mercado Democracia liberal e Ideologias com base nos (Estadocracia) (liberalismo) multipartidária dominantes ensinamentos da tradição.

3. Conselho de anciãos; Ação Nacional Popular; Família Mobilização porta à porta, Estruturas de Massas Grupos de interesse Associações locais e Organizações da Canais de agrupamento de (casos de famílias engajadas na Comícios de sensibilização., ações (juventude – JAAC; económicos (bideiras) comunitárias sociedade civil socialização mulheres, a família e resistência), alguns grupos dos políticas junto às populações; mulheres – UDEMU; (associações e ONGs); política a comunidade. considerados destribalizados Zona controlada pela Resistência trabalhadores - UNTG); redes e plataformas cívicas (crioulos), que ganharam (ZCPR) e também nas ASCC. Comités de tabanca, de e políticas consciência da sua condição de setor e de bairro; colonizado. A participação das Grupos de mandjuandade mulheres é menos visível.

4. Experiência de vida. Nas áreas sob controle colonial Ter consciência política e a Ter espirito de militância Ter redes sociais ativas e Ter consciência política Ter Qualificação Competências (ASCC): Ser assimilada; nem perceção da presença colonial e e disciplina partidária capacidade da sua crítica; ter capacidade académica; aptidões e requeridas sempre o grau académico foi uma as suas consequências. mobilização e ainda de demonstração da competenciais sociais e condição, desde que as mulheres organização de eventos participação nas organizacionais; fossem líderes na sua comunidade atividades do partido experiência profissional, e pudessem mobilizar a populapopula-- cívica e política ção em favor do colonizador.

5. Vendedora Professora, parteira enfermeira, Como guerrilha, responsáveis Cargos de funcionárias no Gestoras de eventos de Membresia partidária, Liderança da agenda e das Papeis ambulante, socorrista, deputada da Ação políticas, comandantes e outras aparelho administrativo mobilização de membros participação estruturas de decisão; atribuídos Comerciante, Nacional Popular; revendedoras, responsabilidades a nível da público; para ação económica, protagonistas da intermediária em costureiras. cúpula/esfera de decisão, social e política promoção da paz comércios com educadoras estrangeiros, responsável por todos os trabalhos domésticos e cuidados da família.

6. Educação e cuidado Como profissionais da sua área de Como guerrilheira, responsáveis Como militantes, Como gestorias, Maior participação Maior esclarecimento e Intervenções dos filhos, sobretudo formação; deputadas, como políticas, comandantes e outras profissionais técnicas das mediadoras e política e pública participação política; exigidas as filhas, cuidar do animadoras culturais e responsabilidades a nível da áreas sociais e cultutais empreendedoras de maior capacidade de marido e da casa em responsáveis pela educação das cúpula- actividades de pequenas penetração nas estruturas geral. Cuidar das meninas nas grandes casas de e média iniciativas de decisão e ainda atividades geradoras família (gans). empresarias e comerciais visibilidade no espaço de rendimento, público e mediático pequeno comércio

7. Vendedora Elas ficam pelo nível intermédio, Comité de tabanca, comissárias Quadros profissionais Quadros técnicos e Quadros técnicos e de Dirigentes de topo Níveis ambulante, fornecendo informações e agindo políticas, membros do CC e do BP, empresárias enquadramento hierárquicos Comerciante, de acordo com as orientações dos guerrilheira, organizadoras de atingidos intermediária em administradores coloniais, mesmo ações culturais. comércios com quando são deputadas da ANP. estrangeiros, sacerdotisa

8. Atribuidos na base Baseados na negação da condição Status legal e políticos status legais e políticos Baseado em status Baseado em status Status posicionais Elementos das linhagens étnicas cidadã conquistados através da pessois adquiridos sociais atribuídos conquistados de status detentoras do poder formação do Estado conquistados

82 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 83 Lista de Mulheres que ocuparam cargos públicos de maior relevo no aparelho de Estado na Guiné-Bissau

Período/etapas Nome Estatuto/Função Partido Peridod pos liberalizacao 5. Mariama Bá Ministra da Saúde PRS/EU politica (1991-1999) Biaguê Luta de libertação 1. Carmen Pereira Membro de Comité Executivo da PAIGC 6. Maria Munira Directora Geral do Comércio/Secretária de PRS nacional (1961-1974) Luta/Presidente da Assembleia Nacional Jauad Ribeiro Estado da Cooperação Popular/Presidente da UNTG/Ministra da Internacional/Embaixadora na República da Saúde/ membro do Conselho de Estado Gâmbia/Embaixadora indicada para a Venezuela 2. Teodora Inácia Presidente do Instituto PAIGC Gomes Amizade/Deputada/membro do Conselho de Estado 7. Fatumatá Djau Presidente do Instituto da Mulher e PRS Baldé Criança/ Ministra dos Negócios EstrangeiEstrangei-- Período de partido 1. Francisca Lucas Governadora de Bolama/ Presidente da PAIGC ros e da Cooperação Internacional único (1975-1990) Pereira Câmara Municipal de Bissau/Ministra do Interior 8. Helena Nosolini Ministra das Pescas/Ministra da Economia, Independente Embaló Plano e Integração Regional 2. Henriqueta Ministra da Saúde PAIGC Godinho Gomes Conselheira do Presidente da República 9. Adiatu Djaló Deputada/Ministra da Cultura Juventude e PAIGC 3. Satu Camará Deputada/Governadora da região de PAIGC Nandigna dos Desportos/Ministra dos Negócios Pinto Gabú/Governadora da região de Estrangeiros e Cooperação Cacheu/Ministra do Interior Internacional/Ministra da Comunicação Social, dos Assuntos Parlamentares e Peridod pos liberalizacao 1. Antonieta Rosa Presidente de Partido/Candidata FCG-SD Porta-voz do Governo politica (1991-1999) Gomes presidencial/Ministra da Justiça/Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação 10. Carmelita Pires Ministra da Justiça PUSD Internacional 11. Fátima Fati Turé Deputada/Membro do Concelho de PAIGC 2. Francisca Vaz Deputada/ Presidente da Câmara Municipal RGB-MB / Estado/Ministra da Solidariedade Turpin de Bissau /Presidente UPG//Embaixadora UPG 12. Maria de Lurdes Ministra do Turismo/Ministra da Solidarie-Solidarie- PAIGC da Guiné-Bissau na República da Gâmbia Vaz dade Social, Mulher, Família e Luta Contra a 3. Maria Odete da Diretora da Escola Normal Superior/ PAIGC Pobreza Costa Semedo Diretora Geral de Ensino/ Ministra da Pós-conflito político 13. Martina Moreira Secretária de Estado da PAIGC Educação/Ministra da Saúde militar a atualidade Moniz Solidariedade/Deputada/Primeira 4. Eugénia Saldanha Deputada/Ministra da PAIGC (2000-2011) Secretaria da ANP Araújo Solidariedade/Ministra da Saúde 14. Evarista de Deputada/Ministra da PAIGC Sousa Agricultura/Governadora de região de Biombo

Lista de Mulheres que ocuparam cargos públicos de maior relevo na Guiné-Bissau 15. Iracema do Presidente do Instituto da Mulher e Criança PAIGC Rosário 16. Gabriela Secretaria de Estado do Orçamento PAIGC Período/etapas Nome Estatuto/Função Partido Fernandes Pós-conflito político 1. Maria do Céu Silva Presidente do Supremo Tribunal da Justiça Independente 17. Nhima Cissé Deputada e presidente de comissão PAIGC militar a atualidade Monteiro especializada parlamentar para mulher e (2000-2011) criança 2. Filomena Ministra da Solidariedade/Ministra da PRS Mascarenhas Defesa/ Ministra dos Negócios Estrangeiros 18. Maria da Deputada PUSD Tipote e Cooperação Internacional Conceição Vaz 19. Satu Djassi Governadora de Região Quínara PAIGC Período de partido 3. Isabel Buscardini Ministra dos Antigos Combatentes da PAIGC único (1975-1990) Liberdade da Pátria e 2ª Vice-Presidente da 20. Nheta Na Onsa Administradora de Setor Mansoa/ PAIGC ANP Governadora de Oio 4. Maria de Fátima Directora Geral do INDE/ Responsável do Independente 21. Salimato Zulmira Administradora de Setor Safim e de Bula PAIGC da Silva Barbosa de EVF/ Ministra da Educação Jaló Oliveira 22. Matilde Indequi Governadora de Oio/Deputada PAIGC 23. Zinha Sanca Administradora Setor de Nhacra PAIGC 24. Emília Correia Governadora de Região de Biombo PRS 25.Maria Mussuel Administradora do Safim Embalo

84 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 85 Os autores

Miguel Marcos José de Barros é pós-graduado em Sociologia e Planeamento (ISCTE/Portugal), investigador associado ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas da Guiné-Bissau – INEP, do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro – NETCCON/URFJ e ainda membro do Conselho para o Desenvolvimento de Pesquisa em Ciências Sociais em África – CODESRIA. Tem publicado e desenvolvido pesquisas nos domínios da juventude, sociedade civil, participação política, mídia, migrações e música rap. Atualmente desempenha funções de Diretor de Programa no âmbito da ONG guineense Tiniguena – “Esta Terra é Nossa”.

Maria Odete da Costa Soares Semedo é Doutora em Letras (PUCMINAS/Brasil), escritora, professora e investigadora permanente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas da Guiné-Bissau (INEP) e Responsável do Serviço de Publicações dessa instituição.. Membro efetivo da revista ContraPonto, periódico do Programa de Pós-graduação em Letras da PUCMINAS, foi Ministra da Educação Nacional, Ministra da Saúde Pública e ainda presidente da Comissão Nacional para UNESCO. Tem obras publicadas no país e no estrangeiro, assim como trabalhos divulgados em várias antologias literárias, revistas, jornais nacionais e internacionais e desenvolve estudos nos domínios da cultura, literatura e tradições; mulheres, identidades, transformações sociais e políticas. Recentemente foi nomeada Reitora da Universidade Amílcar Cabral.

86 A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA 87

UNIOGBIS

O Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau, UNIOGBIS, foi criado pelo Conselho de Segurança da ONU através da sua resolução 1876 (2009) por um período inicial de 12 meses, a contar de Janeiro de 2010, e foi prolongado até 31 de Dezembro de 2011, através da resolução 1949 (2010) do Conselho de Segurança. O mandato da missão foi novamente estendido pela resolução 2030 (2011) por um período adicional de 14 meses até 28 de Fevereiro de 2012.