UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

ANA CAROLINA ROBIN DE OLIVEIRA

EGON SCHIELE E O CONCEITO DE DEGENERAÇÃO NA ARTE MODERNA

CAMPINAS - SP 2016

ANA CAROLINA ROBIN DE OLIVEIRA

EGON SCHIELE E O CONCEITO DE DEGENERAÇÃO NA ARTE MODERNA

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais (Fundamentos teóricos).

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ANA CAROLINA ROBIN DE OLIVEIRA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. LUCIA HELENA REILY

CAMPINAS – SP 2016

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Dedico este trabalho ao meu noivo, pais e irmão.

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Agradeço à família pelo apoio incondicional em todos estes anos, À Profa. Dra. Lucia Reily, por sua dedicação e respeito por este trabalho, Aos amigos de dentro e de fora da Universidade, Aos Professores do Programa de Artes Visuais do Instituto de Artes e ao Prof. Mauro Cardoso Simões da FCA Unicamp, por seus ensinamentos e gentileza, Aos Professores Marco Antonio Alves do Valle e Christiane Wagner por suas contribuições no exame de qualificação, Aos alunos e equipe do SESI 340, pelo apoio e incentivo, Aos membros do Museu Lasar Segall, por suas informações e acolhida.

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Resumo

A dissertação trata sobre a obra do artista austríaco Egon Schiele (1890-1918) e o processo póstumo de avaliação de sua obra como degenerada pelo regime nazista no contexto da ascensão do Nacional-Socialismo, período no qual diversos artistas modernos foram perseguidos na Europa e tiveram obras confiscadas, entre outras razões, porque os trabalhos artísticos não se enquadravam no ideal estético do regime. Depois de situar historicamente o trabalho e formação de Schiele e seus pares, a pesquisa investiga duas importantes listas de documentação sobre a Entartete Kunst e discute as divergências de informações entre as listas e as biografias sobre o artista. Buscou-se dados sobre a aquarela Autorretrato, obra produzida entre 1910 e 1912 por Egon Schiele, e que chegou ao Brasil durante a fuga de famílias judaicas da Europa nazista, atualmente localizada por comodato no Museu Lasar Segall. Para melhor compreender os discursos e critérios de censura do período, foi realizada análise visual de três autorretratos de Emil Nolde, Oskar Kokoschka e Lasar Segall, artistas contemporâneos de Schiele também enquadrados pelos nazistas como artistas degenerados, em diálogo com a análise do Autorretrato de Schiele. Essa análise comparativa abre espaço para falar sobre o grotesco e o erótico como pontos estéticos para marcar a obra de Schiele como degenerada, ao mesmo tempo que acrescentou aos seus trabalhos valor comercial e de colecionismo.

Palavras-chave: Egon Schiele, 1890-1918; Expressionismo (Arte); Nazismo e arte.

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Abstract

The dissertation deals with the work of the Austrian artist Egon Schiele (1890-1918) and the posthumous process of rating of his work as degenerated by the Nazi regime in the context of the rise of National Socialism, a period in which several modern artists were persecuted in Europe and had works confiscated, among other reasons, because the artistic works did not fit the aesthetic ideal of the regime. After historically situating the work and studying by Schiele and his peers, the research investigates two important lists of documentation on Entartete Kunst and discusses the divergences of information between lists and biographies about the artist. Data on the watercolor Self-portrait, a work produced between 1910 and 1912 by Egon Schiele, was sought and arrived in Brazil during the flight of Jewish families from Nazi Europe, currently located by lending at the Lasar Segall Museum. To better understand the discourses and censorship criteria of the period, a visual analysis of three self-portraits of Emil Nolde, Oskar Kokoschka and Lasar Segall, contemporary artists of Schiele, who were also framed by the Nazis as degenerate artists, in dialogue with the analysis of the Schiele’s Self-portrait. This comparative analysis opens space to talk about the grotesque and the erotic as aesthetic points to mark Schiele's work as degenerate, while at the same time adding to their work commercial value and of collectivism.

Keywords: Egon Schiele, 190-1918; Expressionism (Art); National socialism and art.

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Lista de ilustrações

Figura 1. Fotografia da vista frontal do prédio da Secessão. Autor e data desconhecidos ______26 Fonte: BOSTON COLLEGE. Disponível em: < http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/arch/19thc/vienna_secess2.jpg> Acesso em: 05 ago. 2016. Figura 2. Egon Schiele em seu ateliê. Autor desconhecido, 1917 ______37 Fonte: BR KULTUR. Egon Schiele. Disponível em: Acesso em 16 out. 2016. Figura 3. Retrato de Bertha von Wiktorin. Egon Schiele, 1907 ______39 Fonte: PAINTING STAR. Portrait of Bertha von Wiktorin. Disponível em: Acesso em 05 out. 2016. Figura 4. De cima para baixo: Espíritos aquáticos I. Egon Schiele, 1907; Serpentes da água II. , 1904 ______43 Fonte (Schiele): FIRST ART GALLERY. Water sprites. Disponível em: Acesso em: 15 out. 2016. Fonte (Klimt): STEINER, 2006, p. 26. Figura 5. Autorretrato feito na prisão. Egon Schiele, 1912 ______45 Fonte: FISCHER, 2007, p. 31. Figura 6. De cima para baixo: Morte e donzela. Schiele, 1915; A tempestade. Oskar Kokoschka, 1914______49 Fonte (Schiele): STEINER, 2006, p. 71. Fonte: WIKIART. Bride of the wind. Disponível em: < http://www.wikiart.org/en/oskar- kokoschka/bride-of-the-wind-1914> Acesso em 05 out. 2016. Figura 7. Da esquerda para a direita: Retrato de Max Oppenheim, Egon Schiele, 1910. Retrato de Egon Schiele, Max Oppenheim, c. 1910 ______50

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Fonte (Schiele): WIKIART. Portrait of the painter Max Oppenheim. Disponível em: < https://www.wikiart.org/en/egon-schiele/portrait-of-the-painter-max-oppenheimer-1910> Acesso em 20 set. 2016. Fonte (Oppenheim): LESSING IMAGES. Oppenheim, Max (MOPP). Disponível em: < https://www.lessingimages.com/viewimage.asp?i=40170538+&cr=11&cl=1> Acesso: 03 set. 2016. Figura 8: Retrato de Pais von Gütersloh. Egon Schiele, 1918 ______55 Fonte: FISCHER, 2007, p. 143. Figura 9. Cenas gravadas de Pass the Blut Wurst, Bitte. John Kelly, 2010 ______58 Fonte: JOHN KELLY PERFORMANCE. Pass the Blut Wurst, Bitte. Disponível em: < http://johnkellyperformance.org/wp2/performances/pass-the-blutwurst-bitte-2010> Acesso em: 10 ago. 2016. Figura 10. Egon Schiele. Al Farrow, 1990 ______59 Fonte: AL FARROW. Egon Schiele. Disponível em: < http://www.alfarrow.com/egon- schiele.html> Acesso em 04 abr. 2016. Figura 11. Egon Schiele em 1914 e David Bowie em 1977. Anton Peschka, 1914; Masayoshi Sukita, 1977 ______59 Fonte (Schiele): THE IMPROPER. Egon Schiele paintings at Center of Lawsuit over plundered Nazi art. Disponível em: Acesso em: 10 set. 2016. Fonte (Bowie): WIKIPEDIA. Heroes. Disponível em: < https://en.wikipedia.org/wiki/File:David_Bowie_-_Heroes.png> Acesso em 28 ago. 2016. Figura 12. Obras finalizadas e uma das peças em processo criativo. Lucretia Schmidt, data desconhecida ______60 Fonte: LUCRETIA SCHMIDT. Egon Schiele. Disponível em: < https://lucretiaschmidt.carbonmade.com> Acesso em: 15 set. 2016. Figura 13. Mathieu Carrière como Egon Schiele em Excesso e punição. Reprodução do filme em dvd, 2016 ______61 Figura 14. John Malkovich e Nikolai Kinski em Klimt. Reprodução do filme em dvd, 2016 ______61

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Figura 15. Órbita de 11338 Schiele, exterior à órbita de Marte. Site Planety, 2016 ______63 Fonte: PLANETY. 11338 Schiele. Disponível em: < http://planety.astro.cz/planetka-11338> Acesso em 24 ago. 2016. Figura 16. Performance inspirada em Egon Schiele. Divulgação, 2005 ______63 Fonte: AZIZBEKKAOUI. Egon Schiele/Marina Abramovic/De Chatel. Disponível em: Acesso em: 07 set. 2016. Figura 17. Retrato de Wally Neuzil. Egon Schiele, 1912 ______64 Fonte: FISCHER, 2007, p. 26. Figura 18. Autorretrato. Egon Schiele, 1910/1912 ______66 Fonte: MUSEU LASAR SEGALL, 2011, p. 7. Figura 19. Paleta de cores decomposta em Autorretrato ______68 Figura 20. Da direita para esquerda: Assinatura e data. Símbolo e faixas de clareamento nas margens ______69 Figura 21. Detalhe de Autorretrato com destaque para os pontos de desgaste da obra ______69 Figura 22. Nu masculino sentado. Egon Schiele, 1910 ______72 Fonte: FISCHER, 2007, p. 165. Figura 23. Autorretrato com braço torcido sobre a cabeça. Egon Schiele, 1910 ______74 Fonte: KUHL, 2010, p. 80. Figura 24. Autorretrato com família à mesa. Daniel Chodowecki, 1771 ______77 Fonte: ALCHETRON. Daniel Chodowiecki. Disponível em: Acesso em 06 ago. 2016. Figura 25. Cópia de Doríforo. Autor e data desconhecidos ______86 Fonte: FARNESINA. Scultura del 'Doriforo' di Policleto. Disponível em: Acesso em: 04 set. 2016. Figura 26. Dança da Morte, Michael Wolgemut, 1493 ______87

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Fonte. WIKIPEDIA. Danse macabre. Disponível em: Acesso em: 20 set. 2016. Figura 27. Primavera e Verão, Giuseppe Arcimboldi, c. 1580 ______89 Fonte: NATIONAL MUSEUM. Giuseppe Arcimboldi. Disponível em: < http://collection.nationalmuseum.se/eMuseumPlus?service=direct/1/ResultDetailView/result.inlin e.list.t1.collection_list.$TspTitleImageLink.link&sp=13&sp=Sartist&sp=SelementList&sp=0&sp =0&sp=999&sp=SdetailView&sp=0&sp=Sdetail&sp=1&sp=T&sp=0&sp=SdetailList&sp=0&sp =T&sp=1> Acesso em 10 set. 2016. Figura 28. Fotografia de Isadora Duncan, Arnold Genthe, data desconhecida ______97 Fonte. WIPIKEDIA. Isadora Duncan. Disponível em: Acesso em 14 set. 2016. Figura 29. Fotografias de paciente em Iconographie photographique de La Salpêtrière. Albert Londe, 1878 ______102 Fonte: WIKIPEDIA. Jean-Martin Charcot Chronophotography. Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean-Martin_Charcot_chronophotography.jpg> Acesso em 10 mai. 2016. Figura 30. Retrato de Mime von Osen. Egon Schiele, 1910 ______104 Fonte: KUHL, 2010, p. 74. Figura 31. Egon Schiele e Anton Peschka. Anton Peschka, 1910 ______105 Fonte: SCHIELE ART CENTRUM. Egon Schiele. Disponível em: Acesso em 15 mai. 2016. Figura 32. Desenho da Catedral Oedensplatz. Adolf Hitler, data desconhecida ______107 Fonte: THE TELEGRAPH. Fine art and the Führer: paintings by struggling artist Adolf Hitler. Disponível em: < http://www.telegraph.co.uk/culture/culturepicturegalleries/6066904/Fine-art- and-the-Fuhrer-paintings-by-struggling-artist-Adolf-Hitler.html?image=8> Acesso em: 18 set. 2016. Figura 33. O grande portador da Tocha, Arno Brecker, 1939 ______113

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Fonte: WIKIPEDIA. Arno Brecker. Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:ArnoBrekerDiePartei.jpg> Acesso em: 01 out. 2016 Figura 34. Entartete Kunst em Munique, 1937 ______115 Fonte: BARRON, 1991, p. 55. Figura 35. Páginas do catálogo da Entartete Kunst. Frases: “Um perfil racial muito revelador” e “A prostituta foi elevada a um ideal moral” ______116 Fonte: MASSEY, Laura. Entartete Kunst. Degenerate art. Disponível em: Acesso em 25 mar. 2016. Figura 36. Esquema de dados em página da Lista Harry Fischer ______120 Figura 37. Fotografia de Oskar Kokoschka. Trude Fleischmann, 1939 ______127 Fonte: LEOPOLD MUSEUM. Kokoschka the self in focus. Disponível em: < http://www.leopoldmuseum.org/en/exhibitions/50/kokoschka-the-self-in-focus> Acesso em: 20 set. 2016. Figura 38. Retrato de Emil Nolde. Minya Diez-Dührkoop, 1929 ______128 Figura 39. Retrato de Lasar Segall. Autor desconhecido, 1925 ______129 Fonte: MUSEU LASAR SEGALL. Biografia. Disponível em: Acesso em 01 out. 2016. Figura 40. Fotografia de Eternos caminhantes em exposição no Museu Lasar Segall. Fotografia por Carolina Robin, 2016 ______131 Figura 41. Autorretrato, Oskar Kokoschka, 1913 ______134 Figura 42. Comparação da paleta de cores nos rostos de Kokoschka e Schiele (detalhes) ______135 Figura 43. Comparação das mãos nos autorretratos de Kokoschka e Schiele (detalhes) ______136 Figura 44. Cabeça com chapéu. Emil Nolde, 1907 ______137 Fonte: MOMA. Emil Nolde. Disponível em: Acesso em 04 out. 2016. Figura 45. Comparação de formas incompletas em Nolde e em Schiele (detalhes) ______138

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Figura 46. Autorretrato II. Lasar Segall, 1919 ______139 Figura 47. Comparação dos rostos em Segall e Schiele (detalhes) ______140 Figura 48. O sono da razão produz monstros. Francisco de Goya, 1797-1799 ______145 Fonte: WIKIPEDIA. Franscico de Goya. Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Goya_-_Caprichos_(43).jpg> Acesso em :14 out. 2016.

Lista de quadros

Quadro 1. Dados sobre Egon Schiele na lista Harry Fischer ______122 Quadro 2 Dados sobre artistas falecidos antes da Entartete Kunst de 1937 ______125 Fonte: WIKIPEDIA. Emil Nolde. Disponível em: Acesso em14 set. 2016. Quadro 3. Obras de Kokoschka, Nolde e Segall expostas na Entartete Kunst de 1937 e suas localizações ______131 FONTE: MOMA. Self-portrait. Disponível em: Acesso em: 02 out. 2016. Fonte: MUSEU LASAR SEGALL. Autorretrato II. Disponível em: Acesso em: 04 out. 2016.

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Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Manoel de Barros

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Sumário

Apresentação ______17 Introdução – a Viena de Egon Schiele______22 Capítulo 1 – Egon Schiele, arte e vida ______37 1.1. A “eterna criança” ______38 1.2. Legado pós-Guerras e recepção contemporânea ______50 1.3. Uma raridade no Museu Lasar Segall ______65 1.4. Concepções estéticas ao longo dos séculos ______82 1.1.4. O feio, o grotesco e Egon Schiele ______98 Capítulo 2 – Encontros entre a arte e a ciência: a visão dos artistas e a censura nazista ______100 2.1. Os almanaques psiquiátricos e as vanguardas: Schiele e Charcot ______201 2.2. Arte degenerada em domínios nazistas ______206 Capítulo 3 – Três degenerados e Egon Schiele ______123 Conclusão ______142 Referências ______148 Anexos ______160 Anexo I: notícias da mídia sobre Verdade – fraternidade - arte ______161 Anexo II: Parecer da especialista Jane Kallir sobre Autorretrato ______169 Anexo III: Termo de consentimento para entrevista ______170 Anexo IV: Páginas selecionadas da Lista Harry Fischer ______173

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Apresentação

Em 1906 um jovem de 16 anos ingressou na Wiener Akademie der Bildenden Künste1, sendo o aluno mais novo até então. No ano posterior, a mesma instituição rejeitou, entre tantos concorrentes de seu processo seletivo, um rapaz com muitas aspirações artísticas, porém sem os requisitos esperados. O novato de 1906 se chamava Egon Schiele; o recusado de 1907, Adolf Hitler2. A Academia de Belas Artes de Viena é apenas um dos pontos históricos intercruzados entre Schiele e Hitler, alguns dos quais serão apontados ao longo da dissertação. Apesar de não terem convivido e de trilharem caminhos opostos, ambos estavam na capital austríaca em torno do mesmo período – os primeiros anos do século XX. Os dois vivenciaram tanto o desmoronar de um império quanto a experiência da Grande Guerra, apenas um deles sobrevivendo a ela – Schiele morreu vítima de gripe espanhola em 31 de outubro de 1918 (a Guerra teve seu fim em 11 de novembro do mesmo ano). Posteriormente, as escolhas políticas de um afetariam o destino da obra do outro, além da trajetória de inúmeros artistas das gerações modernas. Minha curiosidade pelas Guerras Mundiais e as narrativas em torno das suas repercussões no mundo da Arte me acompanham desde a adolescência. Apesar de possuir ascendência alemã tive pouco contato com as histórias de meus antepassados, apenas sabendo desde a infância que os tataravôs maternos saíram da Alemanha “em tempos difíceis”; as respostas para as perguntas aos mais velhos da família eram o silêncio na maioria das ocasiões. Já adulta veio a percepção de que a procura pela história e cultura germânica, de certa forma, foi uma tentativa de preencher os hiatos sobre o próprio histórico familiar, saciando parte de minhas curiosidades juvenis. Aos 20 anos iniciei meus estudos superiores em Artes Visuais e justamente os assuntos por mim mais esperados nas aulas de História da Arte eram os movimentos do Entre Guerras. Em uma dessas aulas, o professor Dirceu Fidelis da Faculdade de Administração e Artes de Limeira nos mostrou livros e reproduções de Egon Schiele para ilustrar características formais e temáticas da vertente expressionista. O fascínio foi imediato e logo passei a colecionar tudo ao alcance referente ao artista, de publicações novas às edições esgotadas e encontradas apenas em sebos de

1 “Academia de Belas Artes de Viena”. 2 Sobre a não aprovação de Hitler, informações biográficas podem ser verificadas em KERSHAW, 2010, p. 48.

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outros estados. De toda a produção de Schiele o que me despertou maior interesse foram os seus quadros de maternidades e seus autorretratos, que produziu quase que obsessivamente. Egon Schiele foi o tema de meus dois trabalhos de conclusão de curso: sua Mãe Morta I em 2011, e dois de seus autorretratos em 2012 (Auto-observadores II e Profetas). A obra de Schiele é composta, segundo seus biógrafos, de cerca de 300 pinturas e mais de 2500 desenhos. Minha pesquisa focaliza os autorretratos, especificamente a aquarela Autorretrato, sob guarda de uma associação de cultura vinculada ao Museu Lasar Segall (São Paulo), exemplar que oficialmente consta como o único do artista em todo o país. Rodeada de incógnitas, tanto em relação ao ano de sua produção quanto aos meios pelos quais chegou a terras brasileiras, a obra apenas recentemente passou pela análise da especialista norte-americana Jane Kallir (da galeria St. Etienne, NY), sendo hoje reconhecida como parte dos trabalhos autenticados de Egon Schiele. A partir de entrevistas públicas cedidas pelo diretor do Museu Lasar Segall Jorge Schwartz e outras realizadas pela pesquisadora com membros da equipe do Museu, há indicativos de que Autorretrato saiu da Áustria e foi posteriormente adquirido no Brasil através de meios legais. Não é pretensão questionar tal versão ou tampouco averiguar a veracidade dos fatos; o que aponto como relevante é o contexto da provável chegada da obra ao Brasil, a década de 1940. Não é meu objetivo apontar uma única explicação para a chegada de Autorretrato ao Brasil, também não intenciono eleger um caminho como legítimo para o entendimento da suposta rotulação de Egon Schiele como degenerado. O que se propõe é uma discussão do contexto histórico e o mapeamento do léxico visual daquilo que um dia foi considerado arte degenerada, ou especificamente, dos autorretratos degenerados, tendo como referência central a pintura de Schiele sob tutela do Museu Lasar Segall. O período em questão abrange parte da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e do domínio político-militar do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (1920-1945) em diversos territórios europeus. A época encampa os anos nos quais os órgãos nazistas hediondamente empreenderam não apenas a perseguição de determinados grupos sociais, mas o confisco e a destruição de incontáveis bens materiais, inclusive obras de arte. Tendo em vista que o nosso país passou também por um regime totalitário e militar, com cerceamento da liberdade de expressão, torturas, assassinatos e ocultamento dos fatos, destaco que o conhecimento histórico

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acerca dos períodos de crise e de guerra, tenham sido no Brasil ou no exterior, se apresentam ainda como ponto de necessária investigação e reflexão contemporânea. Não bastassem as tragédias humanas e as atrocidades perpetradas em nome de falsos ideais na Era nazista, foi cometido ainda outro tipo de crime, aquele contra o patrimônio cultural. Apropriando-se de pesquisas sobre a produção gráfica de pacientes de hospitais psiquiátricos, além de outros discursos das ciências tal como a teoria evolutiva de Charles Darwin (1809-1882), a ideologia nazista difundiu um cânone para a arte de seu “povo”, padrão sustentado pela desvalorização da produção dos artistas modernos. Surgiram nessa conjuntura o conceito de Arte degenerada e a exposição itinerante Entartete Kunst, que procuravam levar o público a ver as obras modernas como deformações, selecionando exemplos entre os quais constavam Emil Nolde, Lasar Segall e o compatriota de Egon Schiele, Oskar Kokoschka. São justamente estes os três artistas os selecionados para empreender, em paralelo a Schiele, um estudo visual- comparativo sobre a poética moderna. Retomar os estudos sobre Egon Schiele auxilia-nos a compreender a relevância de sua obra após um momento histórico de grande repercussão, a Segunda Guerra Mundial, especificamente durante a perseguição nazista contra os artistas modernos. Além disso, a dissertação é guiada pelo desejo de ressignificar a posição de sua obra de Schiele no Brasil, já que agora há a ciência de uma obra conservada em uma instituição pública. Neste sentido, o objetivo primordial dessa dissertação é destacar a importância da obra de Egon Schiele em geral, contextualizada historicamente, com destaque para a existência da obra Autorretrato sob custódia do Museu Lasar Segall. Com base nessa elaboração, pretendi traçar conexões temáticas e poéticas com artistas contemporâneos ao artista que foram incluídos na lista de “arte degenerada” pelos nazistas. Essas discussões e o mapeamento propostos se relacionam com uma postura de pesquisa interdisciplinar, na qual os saberes da Arte e de suas teorias se encontram com os conteúdos de áreas como as Ciências Sociais e a Psiquiatria para que, em uma relação de diferentes, seja possível o florescer de um terceiro conhecimento, híbrido e multifacetado. A fim de obter os dados necessários para a execução da pesquisa, adotei como parte do método a realização de procedimentos complementares: a revisão da bibliografia, as visitas técnicas ao Museu Lasar Segall, a busca em arquivos (análise documental) e a leitura de imagens.

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O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp e foi aprovado sob a Resolução 466/2012 CNS/MS, em função da expectativa de entrevistar o diretor do Museu Lasar Segall, bem como a museóloga da instituição. Foi realizada a entrevista com a museóloga, mas, apesar de inúmeros contatos, não houve resposta da direção em tempo hábil para inclusão neste estudo. As visitas técnicas foram realizadas no 2º semestre de 2016, com o agendamento juntamente à equipe do Museu Lasar Segall. Objetivou-se nessas ocasiões a análise documental dos dados da instituição, sobretudo conhecer o acervo sobre Lasar Segall, observar pessoalmente Autorretrato de Egon Schiele, que estava na reserva técnica para compreender acerca da procedência da obra de Egon Schiele nomeada Autorretrato. Nessa ocasião foi realizada entrevista com Pierina Camargo, museóloga que há décadas trabalha na instituição e esteve presente na época da redescoberta da obra e da montagem da exposição Verdade – fraternidade – arte. No entanto, não foi concretizado o encontro com o filho de Lasar Segall, o Sr. Mauricio Segall, diretor emérito do museu que se encontra em estado de saúde debilitado. Como etapa posterior, as leituras de imagens foram baseadas na comparação de elementos visuais, compositivos e temáticos dos autorretratos selecionados de Egon Schiele, Emil Nolde, Oskar Kokoschka e Lasar Segall, datados de antes de 1933. Tais análises foram baseadas nos métodos e reflexões propostos nos livros Introdução à análise da imagem, de Martine Joly, e Lógica da sensação, de Gilles Deleuze. Assim sendo, a presente dissertação se divide em três núcleos temáticos. No capítulo 1, encontram-se as informações biográficas sobre o artista austríaco, assim como os dados históricos levantados para a compreensão da abrangência de sua obra e da recepção da mesma pelo público e crítica da época. Em seguida, exponho observações e comentários acerca da atual aceitação das obras em mercados não europeus, assim como a influência do artista em produções artísticas contemporâneas. Ofereço também um olhar sobre a sociedade e cultura vienense no início do século XX. A unidade se baseia nos alicerces conceituais dos dados apresentados pelo historiador Carl Emil Schorske, cujo livro Viena fin-de-siècle (1998) permanece como bibliografia essencial sobre o tema, mesmo após quase trinta anos de sua publicação no Brasil. Por fim, discorro acerca das informações sobre a obra Autorretrato, atualmente parte da coleção do museu paulistano Lasar Segall. Igualmente são relatados os supostos vestígios de sua trajetória Áustria-Brasil, sua

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permanência por duas décadas no arquivo da instituição brasileira, o processo de autenticação por Jane Kallir e a exposição Verdade, fraternidade, arte, que em 2011 apresentou o autorretrato de Schiele ao público nacional pela primeira e única vez. O capítulo 2 tem como ponto de partida as pesquisas da equipe do francês Jean-Martin Charcot, centralizando a relação entre os estudos psiquiátricos focados nas expressões corporais e algumas das experimentações da arte moderna. Posteriormente, relato indicadores pelos quais os artistas podem ter tido acesso aos materiais científicos, como os almanaques psiquiátricos publicados em diversos países europeus, e os modos como o Nacional Socialismo idealizado por Adolf Hitler se apropriou de tais aproximações entre arte e ciência para criar justificativas de censura contra os artistas modernos. Apresento ainda os mecanismos pelos quais os órgãos de censura cultural nazista se apropriaram de discursos científicos para elaborarem argumentos antiarte moderna, e legitimar o confisco de obras e trato sobre os documentos que sobreviveram ao fim da Guerra e hoje são fonte de pesquisa sobre o Nazismo e suas ações contra a arte e a cultura modernas. Por fim, no capítulo 3, concentro-me em paralelos e comparações entre os autorretratos de Egon Schiele e os realizados por Emil Nolde, Oskar Kokoschka e Lasar Segall. Como parte da metodologia aplicada para o estudo dos casos, defino que os outros autorretratos escolhidos de Egon Schiele são apenas os realizados entre 1910 e 1912, mesmo período de Autorretrato. Pensamento similar foi aplicado para a seleção dos autorretratos de Nolde, Kokoschka e Segall: são discutidos somente os datados de antes de 1933, ano da primeira Entartete Kunst, exposição de arte degenerada. Por fim, apesar das distâncias física, temporal e cultural entre o nosso país e a Áustria enquanto domínio nazista, aponto que através da obra de Egon Schiele a dissertação trata de um tema ainda hoje relevante para os pesquisadores brasileiros, a censura em tempos de totalitarismos. Como foi destacado por Morris et. al. (1990), em um pensamento comum aos historiadores, o de que o estudo e a compreensão do passado são necessários para que os erros não se repitam e tomem proporções maiores. Vivemos hoje no Brasil um período de instabilidade política, na qual os preceitos da democracia têm sido desrespeitados em prol da ascensão de grupos específicos. Da mesma forma, se pode observar um número significante de personagens políticos com discursos extremistas e intolerantes, ao mesmo tempo em que são divulgados casos

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nos quais a imprensa nacional alega perseguição a fim de não cobrir os fatos sociais. Assim, o risco do retorno do totalitarismo é uma possibilidade que ainda paira na atualidade. A pergunta que pretendo esclarecer através da dissertação é se hoje, transcorrido mais de meio século dos acontecimentos relatados, é possível olhar para os vestígios do passado e averiguar quais elementos constituíram os critérios para a caracterização de um artista degenerado e como isso foi aplicado na prática. Para começar esta jornada, cito o pensamento da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que ministrou em 2009 a palestra O perigo de uma história única3:

A história única cria estereótipos. E o problema com os estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a história única. [...] Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida.

É assim, evitando os perigos de (re)afirmar uma história única, que ofereço um outro olhar sobre a arte de Egon Schiele, sua época e seu único autorretrato no Brasil.

Introdução – a Viena de Egon Schiele

O novo século é tão rico dos mais profundos antagonismos, a unidade do seu conceito de vida está tão profundamente ameaçada, que a combinação dos extremos mais opostos, a unificação das maiores contradições torna-se o tema principal, muitas vezes, o tema único da sua arte. (HAUSER, 1982, p. 1124).

Baseei parte significativa das leituras da paisagem cultural de Viena na historiografia dos anos 1900 escrita pelo recém-falecido historiador Carl Emil Schorske (1915-2015) no premiado livro Viena fin-de-siècle. 4 Viena, com seus dois milhões de habitantes, era a capital do Império Austro-Húngaro. Sendo desde a Idade Média uma cidade cosmopolita, do século XIII até 1918 esteve predominantemente sob o poder da linhagem Habsburgo, autoridades do Sacro Império Romano5.

3 Audiovisual disponível em: http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story 4 Publicado em 1980, vencedor do Prêmio Pulitzer na categoria não-ficção.

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O Império Austro-Húngaro, também denominado Áustria-Hungria, foi o Estado sucessor do extinto Império Austríaco (1804-1867). Sendo umas das maiores monarquias do mundo, estima-se que tenha chegado ao número de 46 milhões de habitantes (ARTINGER, 2001). Sua origem remonta à união das nobrezas austríaca e húngara: com o Compromisso austro-húngaro de 1867 foi estabelecido que cada uma das capitais, Viena e Budapeste, comandaria uma das metades do Império. A derrota na Primeira Guerra (1914-1918) levou ao desmembramento do Império, conforme as exigências dos tratados estabelecidos entre 1919 e 1920 (Versalhes, Saint-Germain e Trianon, sucessivamente). O que resta do antigo território austro-húngaro atualmente se encontra dividido entre Áustria, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Itália, Montenegro, Polônia, República Tcheca, Romênia, Sérvia e Ucrânia. Em termos culturais, a Áustria-Hungria esteve intimamente ligada à Alemanha. Ainda no início do século XX coexistiam realidades opostas na capital da Áustria- Hungria: se por um lado a metrópole era um dos epicentros intelectuais da Europa, também não era possível se fechar os olhos às tensões sociais que se intensificavam na cidade. O momento em questão situava-se especificamente o final da chamada Belle Époque: entre 1880 e 1914 ocorreram transformações culturais que modificaram o modo de vida da sociedade de então. De um lado a população pobre se amontoavam nas periferias da cidade em reformas. De outro, as camadas mais favorecidas propagavam um clima de otimismo e se deslumbravam com os frutos do desenvolvimento científico-tecnológico, na convicção de que esse era o estilo de vida e modo de pensar que levariam ao progresso. No entanto, as camadas de racionalidade apresentavam fissuras, aspectos observados e estudados pela primeira geração de psicanalistas guiados por Sigmund Freud. A ideia do homem centrado na racionalidade, portanto, começou aos poucos a se desgastar e a abrir espaço para outras existências conflitantes:

A cultura liberal tradicional tinha se concentrado sobre o homem racional, cujo domínio científico sobre a natureza e o controle moral sobe si deveriam criar a boa sociedade. No nosso século, o homem racional teve de dar lugar àquela criatura mais rica, mas mais perigosa e inconstante, que é o homem psicológico.

5 O Sacro Império Romano-Germânico (926-1806) foi uma união política de territórios da Europa central.

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Esse novo homem não é simplesmente um animal racional, mas uma criatura de sentimentos e instintos. Tendemos a fazer dele a medida de todas as coisas em nossa cultura. (SCHORSKE, 1998, p. 26).

Enquanto os ares da Guerra se manifestavam pelas periferias, as altas camadas viviam os últimos raios luminosos da Belle Époque. A manifestação desse fenômeno em Viena é denominada por Le Rider (1993) como Wiener Moderne – a modernidade vienense. Enquadrando o auge desse momento entre 1890 e 1910, porém indicando suas origens em 1848, o autor caracteriza-o como uma grande oportunidade de renovação para a cidade. Possivelmente movidos pela necessidade de se desvincular da imagem imperial dita como decadente e ultrapassada, vários setores da sociedade se empenharam na busca de um renascimento cultural. Cabe correlacionar que após a Independência e a Proclamação da República no Brasil, os hábitos e os fatos culturais vinculados à Corte e ao Império foram similarmente rechaçados pela população republicana. Inseridos nesse florescer da cultura local, Schorske (1988) identificou novos movimentos nos campos da filosofia (positivismo e epistemologia em Ernst Mach, fenomenologia e filosofia da linguagem em Franz Brentano), em ciências humanas (a psicanálise de Sigmund Freud, a história da arte em Alois Riegel e Franz Wiekhoff), em ciências sociais (a renovação da economia política em Carl Menger e do direito em Hans Kelsen), em literatura (com a Jovem Viena de Hugo von Hofmannsthal e de Hermann Bahr), nas artes plásticas (Gustav Klimt e a Secessão, artes decorativas e Wiener Werkstätte, erupção do expressionismo em Oskar Kokoschka e Egon Schiele), em arquitetura (entre Otto Wagner e Adolf Loos), em música (de Gustav e Arnold Schöenberg), como também em política (nascimento do antissemitismo moderno e do sionismo, formação do austro-marxismo), aspectos também salientados por LE RIDER (1993) e Artinger:

Era em Viena que ficavam a Academia das Ciências e a Academia de Belas- Artes. Numerosas sociedades científicas e institutos de investigação, bem como importantes colecções de arte pertencentes a museus, justificavam a fama da cidade como centro cultural e intelectual. Pintores, arquitectos, escritores e músicos de renome sentiam-se atraídos por este clima inspirador, dando por sua vez impulso à vida intelectual da cidade. (ARTINGER, 2001, p. 12).

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No campo das artes, com o novo século a cidade passou a receber diversas exposições estrangeiras promovidas pelo governo, e houve uma supervalorização de seus de intelectuais, críticos e artistas. Acompanhando uma tendência de aproximação entre as artes nobres (pintura, arquitetura e escultura) e as aplicadas (decoração, design e construção civil, etc.), a capital passou também por reformas urbanísticas – arquitetos e artistas, compartilhando ideais de uma arte total, trabalharam para erguer construções que unificassem tudo de melhor que essa nova situação oferecesse: beleza, funcionalidade e ícones da modernidade. Em 1860 o partido dos liberais assumiu o poder em Viena e passou a remodelar a cidade até meados de 1890, sendo o grande exemplo dessa proposta de reconstrução urbana a Ringstrasse, complexo de edifícios públicos e residências particulares que circunda o distrito de Innere Stadt, separando a parte antiga da cidade dos subúrbios. Com cerca de cinco quilômetros de extensão e 55 metros de largura, suas duas extremidades eram unidas pelo cais Francisco José, no canal do Danúbio. O estilo arquitetônico aplicado na Ringstrasse foi definido como um “historicismo eclético” (HOFMANN, 1996), manifestando referências de 500 a.C. a 1700: o Parlamento à maneira grega, a Prefeitura em estilo gótico, a Universidade de Viena e os Museus de Arte e de História Natural ao estilo da Renascença, a Igreja do Divino Salvador em neogótico e o Burgtheater em estilo barroco, apenas para citar alguns dos prédios e suas referências, muitas das quais não pertenciam à cultura austríaca. Nos novos quarteirões ao longo dos bulevares foram construídas grandes residências privadas – morar na Ringstrasse tornou-se símbolo de status. Apesar da miscelânea, o chamado “estilo Ringstrasse” foi copiado em muitas cidades da Áustria- Hungria. Um dos arquitetos mais ligados a esse estilo foi Otto Wagner (1841-1918), responsável também pelo projeto de expansão urbana e de transporte da cidade a partir de 1893, no qual incorporou elementos Jugenstil, ou seja, ricamente ornamentalista. Em fase posterior de sua carreira Wagner dispensou a ornamentação, enfatizando o funcionalismo e a eficiência. Assim como Otto Wagner, a grande maioria dos arquitetos, pintores e escultores que atuaram na edificação da Ringstrasse pertenciam à Associação dos Artistas Visuais de Viena, de cunho conservador. Alguns afiliados, no entanto, defendiam as experimentações modernistas e demonstravam interesse por correntes artísticas como o Impressionismo, Simbolismo e Art

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Nouveau, além de serem incentivados por um grupo literário conhecido como Jung Wien6 (“Jovem Viena”). Em abril de 1897 dezenove membros da Associação abandonaram a instituição sendo liderados pelo pintor Gustav Klimt (1862-1918) e pelo arquiteto Otto Wagner, dois nomes ligados à Ringstrasse – fundou-se então outro grupo, a Secessão. Desafiadoramente os secessionistas construíram sua sede próxima à Academia de Arte, sendo o projeto assinado por Josef Maria Olbrich (1867-1908), discípulo de Otto Wagner. O prédio, em estilo assírio-egípcio, foi iluminado por claraboias, não por janelas, estrutura que se manteve até os dias atuais.

Figura 1. Fotografia da vista frontal do prédio da Secessão. Autor e data desconhecidos

Em seu interior estavam dispostas divisórias móveis, ajustáveis conforme as necessidades de cada exposição. Posteriormente, o grupo secessionista também se dividiu em novas facções modernistas, que passaram a promover suas próprias propostas e exposições. Na visão de Le Rider (1993), a modernidade vienense, consequência de uma modernização tardia e parcial, se apresentou antimoderna em muitos de seus aspectos. No entanto, segundo o autor, o caso de Viena apresentou o reconhecimento dos modelos antigos. Demonstração desse reconhecimento é o caso do grupo secessionista liderado por Klimt, que enquanto instituição revelou-se tão oficial quanto os Salões e a Academia, recebendo similar

6 Grupo de autores e poetas vienenses que se reuniam no Café Griensteidl, liderado pelo escritor e diretor Hermann Bahr (1863-1934).

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apoio dos poderes públicos. Como exemplo, em 1894 Klimt foi encarregado pelo ministro da Educaçãode executar alegorias das faculdades para o salão nobre da universidade residida na Ringstrasse: Medicina, A Filosofia e A Jurisprudência. Klimt, por certos períodos, também foi membro honorário do corpo docente da Universidade de Viena. Em 1908, a administração postal imperial-real encomendou uma série de selos comemorativos do 60º aniversário do governo de Francisco José ao desenhista gráfico Koloman Moser (1868-1918), também secessionista. Posteriormente, as cédulas em circulação também adotaram modelos da estética da Secessão. (HOFMANN, 1996, p. 120). Apesar das renovações e novas propostas, cabe também apontar uma crítica contemporânea à Viena do período analisado. Devido ao peso da tradição em suas estruturas sociais, econômicas e políticas, a cidade apresentou um relativo atraso cultural em comparação com outras capitais como Paris, Berlim e Londres. Por conta disso a Wiener Moderne começou importando modelos alemães, franceses, italianos, escandinavos e americanos (LE RIDER, 1993), um dos fatos que levaram muitos a duvidarem da autonomia da cultura vienense (LE RIDER, 1984). Em contraposição ao otimismo e aos investimentos em prol de uma sociedade mais moderna, enquanto a nobreza e alta burguesia vienenses usufruíam da atmosfera renovadora da Belle Époque, vivenciando um mundo marcado pelo glamour da metrópole e pelo conforto proporcionado pelas tecnologias, em meio às parcelas menos favorecidas circulavam os ares da revolta. Os benefícios e o esplendor da era moderna definitivamente não estavam destinados a todos e essa desigualdade resultava em cobranças cada vez mais intensas ao governo imperial. A insatisfação com a administração dos Habsburgos se misturava à propagação de ideais de cunho nacional-imperialista, socialista e anarquista. Imigrantes eslovenos, croatas, tchecos, sérvios, entre outras etnias, incluindo os judeus, representavam uma quantia significativa da população vienense do período, no entanto não possuíam plenos direitos de cidadania. Esses grupos deixavam seus países de origem e instalavam-se nas grandes cidades do Império, sobretudo em Viena, com a esperança de obterem melhores condições de vida. No entanto, a realidade que encontravam, na grande maioria dos casos, resumia-se a trabalho em longas jornadas nas indústrias de maquinaria, submetendo-se a condições perigosas de trabalho e a habitar os bairros mais pobres e marginalizados. Praticamente metade da população de Viena

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trabalhava no setor industrial e metade desse montante de trabalhadores, por sua vez, era de imigrantes. (KUHL, 2010). O governo, politicamente dividido entre Áustria e Hungria, era impopular pelas inúmeras minorias étnicas, pois não as representava. Os conflitos político-sociais chegaram ao seu ápice em 1914, quando foram somados ao assassinato do herdeiro do trono, Franz Ferdinand, por um nacionalista bósnio-sérvio. O crime serviu de estopim para a deflagração de combates armados, que, partindo de sistemas de alianças, culminaram na formação dos grupos que se enfrentaram na Primeira Guerra Mundial. Áustria- Hungria, Alemanha, Império Otomano e Bulgária aliaram-se no grupo denominado “Potências Centrais”, respeitando tratados de mútuo apoio em caso de conflitos armados. Iniciada a guerra, Viena primeiramente foi tomada por uma onda de patriotismo, inflamando a camada intelectual, sobretudo os de esquerda7, que se posicionou a favor da guerra e incitou a população através de manifestos e publicações nos jornais. Porém, com o desenrolar do conflito os aliados do Império sofreram inúmeras baixas e o clima social, já conturbado, foi intensificado pela violência. O início da Grande Guerra, portanto, marcou o fim da Belle Époque europeia. Tanto o avanço das ciências quanto o deslumbre das artes de nada adiantaram perante o horror pleno do conflito. O clima próspero da era moderna cedeu lugar às tensões, ao medo e às incertezas entre todos os níveis sociais. Foram quatro anos de guerra na Europa e de progressiva ruína no Império, situação que se evidenciava ainda mais na capital. Ao longo do combate, a Áustria- Hungria e seus aliados sofreram sucessivas derrotas. Em 1916 Francisco José, imperador e símbolo de toda uma tradição política, morreu. A derrocada definitiva veio em 1918, causando o colapso econômico e a dissolução do Estado. No último ano dos combates, com as restrições de envio de alimentos, a população vienense viu restringido o acesso a itens essenciais, situação agravada pela intensa emigração de refugiados. Entre outubro e novembro de 1918, somou-se ao frio e à fome a epidemia de influenza, que durou meses em Viena. A Gripe espanhola, entre 1918 e 1920 matou cerca de 20 milhões de pessoas no mundo. Em Viena, entre personalidades célebres vítimas da doença

7 O Partido Social-democrata, oposicionista ao Império, era a favor da guerra e prontamente muitos de seus líderes mais ativos se alistaram. (HOFMANN, 1996, p. 163).

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estavam Gustav Klimt, o arquiteto Otto Wagner e o próprio Egon Schiele (HOFMANN, 1996). O fim da guerra coincidiu, portanto, com a ruína do governo Habsburgo na Áustria. O conflito na Europa expôs ao mundo as características mais negativas e obscuras da sociedade pré-guerra: a passividade, o hedonismo e a indiferença dos privilegiados, além de toda uma carga de sofrimento, violência e degradação do mundo dos miseráveis. E foi justamente o contraste entre essas duas realidades da metrópole, tão opostas e ao mesmo tempo tão próximas, que se tornou um dos principais temas para a geração de artistas vienenses mesmo nos anos antes da eclosão da Grande Guerra: uma arte que, oscilando entre o belo e o grotesco, expôs ao mundo a dualidade tão marcante na Viena no final de seu império. Dentro desse contexto turbulento, é compreensível o aparecimento de uma classe artística e intelectual disposta a denunciar aquilo que considerava ser as mazelas do mundo. De fato, na cidade coração do Império as tensões eram encontradas em níveis intensificados e o que não faltavam eram transgressores – pensadores, políticos e artistas – que questionavam os valores da tradição, da moral e da razão da própria modernidade. No caso de Viena, as questões humanas essenciais como vida, morte e sexualidade eram amplamente discutidas:

O clima social e a actualidade política constituíam o pano de fundo para a problematização de temas relacionados com a existência humana. Em nenhum outro lugar da Europa ocorria uma discussão tão intensa sobre a sexualidade, tanto na literatura como na medicina ou na psicologia. (ARTINGER, 2001, p. 13).

O processo de modernização na Europa ao final do século XIX caracterizou-se por mudanças sociais e culturais resultantes do fortalecimento dos Estados e do avanço científico- tecnológico. Uma das decorrências culturais da era moderna foi o questionamento e a perda de determinadas tradições. Enquanto o termo “moderno”, em séculos anteriores, designava uma ideia de oposição ao antigo, ou seja, o passado ainda como uma fonte de comparação, no princípio do XX era empregado para definir um ideal de total independência do passado. Havia uma indiferença latente pelo passado por parte do homem moderno porque a história era entendida como “tradição nutriz contínua” (SCHORSKE, 1988, p. 13), portanto inútil para aquilo que era atual. A modernidade em questão designou um estilo de vida e uma visão doutrinária do

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mundo, difundida principalmente entre o meio intelectual e artístico, no qual houve um endurecimento das ideias modernas, no entanto sem o impedimento de uma distância crítica: a exaltação ao progresso era inseparável de um sentimento paradoxal de revolta contra a sociedade industrializada. Durante os primeiros anos do século XX, o foco dos pintores europeus esteve nas tentativas de renovação por meio de experimentações dentro das linguagens, manipulando as cores e formas. Os primeiros passos para essas propostas foram dados pelos impressionistas franceses, cuja arte aspirava à representação das impressões momentâneas através do uso sistemático das cores. A arte impressionista foi uma das respostas à revolução introduzida com o advento da fotografia nas primeiras décadas do século XIX (KOSSOY, 2003). Se a nova tecnologia aos poucos era empregada para fins anteriormente de exclusivo domínio artístico (os retratos, por exemplo), os artistas estavam, a partir de então, definitivamente desassociados dos compromissos de representação da realidade: mudava a função social do artista. As modernas incursões artísticas se manifestaram de diversas maneiras na Europa, o que resultou no aparecimento, muitas vezes simultâneo, de inúmeros movimentos – as ditas vanguardas: Por volta de 1910, quando ao entusiasmo pelo progresso industrial sucedeu-se a consciência da transformação em curso nas próprias estruturas da vida e da atividade social, formar-se-ão no interior do Modernismo as vanguardas artísticas preocupadas não apenas em modernizar ou atualizar, e sim em revolucionar radicalmente as modalidades e finalidade da arte. (ARGAN, 2004, p. 185).

Tais correntes propunham-se a produzir uma nova arte, mais compatível à época em que viviam. A virada do século, a crença na modernidade e os sentimentos de otimismo em relação ao futuro resultaram em uma tendência de rejeição a tudo que fosse ultrapassado. Nos territórios hoje pertencentes à Áustria e à Alemanha havia duas vertentes em destaque na década de 1900: Art Nouveau e Expressionismo. O Art Nouveau (Arte Nova) – ou Jugendstil (Estilo da Juventude) na Alemanha, e Secessionstil (Estilo da Secessão) ou Stilkunst8 (Estilo da Arte) na Áustria – foi um importante precursor do Expressionismo.

8 YAMASAKI, 2007, p.22.

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Apesar de muitas de suas significativas contribuições terem sido na área de design e da decoração, os artistas dessa vertente compartilhavam com os pintores simbolistas um desejo de reintegração entre arte e vida, ou seja, princípios da arte total. O intuito era aproximar o grande público à arte; seu espaço não mais deveria ser apenas os museus, as galerias ou espaços similares, locais onde o observador invariavelmente era submetido a uma distância do objeto apreciado. A arte, segundo essa proposta, deveria ser acessível a todos, fazer parte do dia-a-dia das pessoas em suas casas, roupas, móveis, etc. Como demonstra Argan (2004, p. 202) “a difusão dos traços estilísticos essenciais do Art Nouveau se dá por meio de revistas de arte e moda, do comércio e seu aparato publicitário, das exposições mundiais e espetáculos”. Esses conceitos de uma arte total e presente em todos os aspectos da vida mais tarde foram base para a fundação de escolas como a Bauhaus alemã, uma famosa escola de artes aplicadas e de arquitetura, fundada em 1919 a partir da fusão da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar. De fato, os produtos desse estilo foram amplamente difundidos, mas não da forma igualitária, conforme seus criadores almejavam: a alta burguesia tinha acesso à produção em materiais nobres, assinada pelos mais qualificados artistas e artesãos; a média e a baixa burguesia consumiam o mesmo gênero, todavia os produtos eram de qualidade inferior e passavam por um processo de banalização ao serem submetidos aos procedimentos industriais de confecção. O fator psicológico da moda, do “fazer parte do moderno”, é importante para a compreensão do fetichismo9 da arte nesse período, vista como mercadoria e símbolo de status pelos burgueses. O Art Nouveau ia ao encontro do gosto da burguesia industrial – com uma grande crença no modo como vivia, hedonista e adepta a tudo que era atual e avançado. Essa camada da sociedade considerava o repúdio ao antiquado e o apoio à renovação artística e cultural como um privilégio e espécie de responsabilidade social. Além disso, o acesso e a posse de obras de arte ou de artigos com aplicação artística eram formas de afirmação da posição ocupada pela elite. Em contrapartida, do mesmo modo que o ritmo industrial diminuiu o tempo

9 Fetichismo aqui entendido como um culto aos objetos, de modo que lhes são atribuídos características originalmente não concedidas a seres inanimados. O conceito de fetichismo, proposto por Massimo Canevacci (2001, p. 21) em Antropologia da Comunicação Visual, admite que as mercadorias, dentro do processo de aquisição e consumo, são vistas como sujeitos, portadoras de uma biologia e vida social.

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de produção, o “prazo de validade” dos produtos também foi reduzido. Tudo era rapidamente consumido e substituído, enquanto o interesse e busca por novidades permanecia acelerado. Em termos estéticos, o Art Nouveau apresentava como características a presença de elementos decorativos que remetiam à arte japonesa e às formas orgânicas, uma temática naturalista (flores e animais dispostos entre arabescos e espirais), a distribuição formal seguindo ritmos criados pelas curvas, além da predileção por cores em tons pálidos e neutros. Todas as particularidades dessa vertente reforçavam as ideias de leveza, otimismo e juventude, tão apreciados pelo seu público.

[...] na imagem do mundo traçada pelo Art Nouveau não há nada que revele uma clara consciência da problemática social inerente ao desenvolvimento industrial. Parece, pelo contrário, que se pretende dissimular a dramática condição de sujeição ao capital, de aviltamento econômico e moral, de desesperadora “alienação” da nova classe trabalhadora, protagonista do progresso tecnológico. [...] (ARGAN, 2004, p. 202).

O Art Nouveau, com seu ornamentalismo, não pode ser considerado como uma revolta, mas uma “manifestação narcisista” (LE RIDER, 1993, p. 125), uma visão proveniente da mesma estética de correntes neorromânticas e simbolistas que reagiram ao relaxamento formal do Naturalismo. Em Viena o estilo se manifestou com predominância na mencionada Secessão de 1897, movimento cultural que se definia como “uma nova secessio plebis romana, onde os plebeus, repudiando desafiadoramente o mau governo dos patrícios, retiravam-se da república” (SCHORSKE, 1988, p. 207). Como um ato de proclamação de seus princípios, que aspiravam à renovação, a Secessão também publicava uma revista intitulada Ver Sacrum (Primavera Sagrada). O título se referia a um antigo ritual romano de consagração dos jovens para salvar a sociedade de um perigo nacional. A apropriação de termos da antiguidade é outro elemento que acrescenta caráter paradoxal à modernidade defendida pelos secessionistas: se apoiavam no passado para legitimar os seus ideais. Contrapondo-se às propostas do Art Nouveau entre os grupos artísticos europeus a vanguarda expressionista ganhava força. O Expressionismo na Alemanha e na Áustria estava relacionado a movimentos franceses como o Pós-Impressionismo e o Fauvismo. A diferença mais

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marcante entre essas tendências modernistas e a expressionista foi a preocupação desta última com os conteúdos humanísticos. Tanto pela proximidade física dos territórios como pelas heranças culturais compartilhadas, os expressionismos alemão e austríaco possuíam muitos pontos de similaridade. De fato, grupos como Die Brücke e Der Blaue Reiter contribuíram para a propagação do estilo através de exposições de seus associados e pela promoção de mostras de artistas que os influenciaram, como Van Gogh, Toulouse-Lautrec, Gauguin, Munch, entre outros. Die Brücke (A ponte) e Der Blaue Reiter (O cavaleiro azul) foram associações fundadas na Alemanha nos anos de 1905 e 1911, respectivamente. Ambas compartilhavam uma tendência de oposição à sensorialidade da arte impressionista. A Die Brücke, fundada em Dresden, foi de fato uma comunidade de artistas, com um programa escrito. Entre seus membros constavam Ernst Kirchner, Emile Nolde, Erich Heckel e Karl Schmidt-Rottluff. Já a Blaue Reiter, sediada em Munique, possuía uma tendência à universalidade e contava com artistas como Wassily Kandinsky, Franz Marc e Paul Klee. (GAY, 2009). Do mesmo modo foi comum a troca de correspondência e impressões artísticas entre os grupos das vertentes austríaca e alemã. Assim, o Expressionismo deve sua existência justamente à combinação de diversas manifestações artísticas difundidas pela Europa. Até mesmo o leve e gracioso Art Nouveau serviu para lhe abrir caminho, por ter sido um dos primeiros movimentos a manifestar o desejo de rompimento com as tradições, mesmo que parcial – uma das evidências dessa ligação é o fato de, como herança do Art Nouveau, o Die Brücke ter assimilado o nu feminino como um de seus temas mais frequentes. Conforme Guinsburg (2002) introduziu acerca do “expressionismo”, o termo foi usado com diferentes conotações ao longo da história da arte, denotando frequentemente uma qualidade de distorção e exagero formal. No entanto, enquanto Expressionismo alemão (e austríaco), reapareceu com significados histórico-culturais específicos. A vinculação do vocábulo a um grupo se deu primeiramente com o Die Brücke: os artistas afirmavam que, com suas pinturas, comunicavam emoções e sentimentos mais diretos; os críticos da época descreviam também as obras do grupo como “expressionistas” devido à aparência delas – as simplificações e distorções aparentemente pouco elaboradas tinham suas referências nas coleções de arte etnográficas de Dresden. Como na França, o interesse artístico em objetos “primitivos” e tribais, ou seja, de um

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passado não europeu, coincidiu com a criação e a expansão das coleções etnográficas alemãs no século XIX, sobretudo em Berlim, Hamburgo, Leipzig e Dresden. (GAY, 2009, p. 73). Nessa vanguarda pré-guerra havia a difusão de um pensamento no qual o “primitivo”, oriundo da arte tribal africana e oceânica, de xilogravuras medievais alemãs e de desenhos de crianças, era espontaneamente associado ao conceito do “expressivo”, por supostamente transmitir de forma mais direta e autêntica uma expressão do universo subjetivo do artista. Havia também a crença de que, por meio da arte, o artista fosse capaz de transmitir diretamente seu sentimento interior, não em representações desse sentimento, mas em sua apresentação direta (CARDINAL, 1988). Para muitos artistas e intelectuais do período os escritos de Friedrich Nietzsche (1844- 1900), filósofo alemão, eram um forte referencial por enfatizar o papel do indivíduo – e do artista – na busca de uma nova liberdade. Para Nietzsche, a modernidade representava um estado em que eram necessários processos de revalorização e de superação perante a decadência cultural. Um dos livros mais citados pelo Die Brücke foi precisamente Assim falava Zaratustra (1883), no qual o filósofo declarou a morte da religião e o fim de um significado convencional de vida. Nessa obra, Nietzsche usou constantemente a ideia do homem como “ponte” para uma existência superior e completa, no qual o homem teria controle de si mesmo, conceito adotado pelo grupo Die Brücke na concepção da ponte como elo entre o passado e o futuro:

O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem, uma corda sobre um abismo. Perigosa para percorrê-la, é perigoso ir por esse caminho, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar. O que é grande no homem é ele ser uma ponte e não uma meta. O que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um declínio. (NIETZSCHE, 2012, p. 22)

O autor ainda apontou que a sociedade necessitava de uma urgente mudança, baseada na superação dos costumes, inclusive da religião, e a superação das usuais concepções de bem e mal. Para isso, o homem deveria admitir o mal e o declínio de sua condição para que a superação acontecesse. (NIETZSCHE, 2012, p. 23). Assim, a visão da juventude como elo para o progresso e uma nova cultura, para além do mal da modernidade, atraiu os membros do Die Brücke, todos jovens estudantes de arquitetura.

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Ficou evidente essa ideia também no manifesto do grupo, publicado no catálogo de sua primeira exposição, em 1906:

Com fé no progresso e numa nova geração de criadores e espectadores, reunimos toda a juventude. Como jovens, somos portadores do futuro e queremos criar para nós liberdade de vida e de movimento contra as forças mais antigas há muito estabelecidas. Reivindicamos como nossos todos aqueles que reproduzam o que os leva à criação com imediatez e autenticidade. (GAY, 2009, p.63-64).

Sobre o “nascimento” do Expressionismo moderno, concordo com as teorias que afirmam que não houve uma simples renúncia de tradições:

O Expressionismo nasce não em oposição às correntes modernistas, mas no interior delas, como superação de seu ecletismo, como discriminação entre os impulsos autenticamente progressistas, por vezes subversivos, e a retórica progressista, como concentração da pesquisa sobre o problema específico da razão de ser e da função da arte. Pretende-se passar do cosmopolitismo modernista para um internacionalismo mais concreto, não mais fundado na utopia do progresso universal (já renegada pelo socialismo “científico”), e sim na superação dialética das contradições históricas, começando naturalmente pelas tradições nacionais. [...] (ARGAN, 2004, p. 227-228).

Independentemente da localidade, a arte expressionista tinha um caráter de denúncia humana e transmitia impressões pessimistas sobre o mundo moderno, através da manipulação deformativa das formas e cores. Angústias humanas, problemas sociais e tensões psicológicas eram traduzidos por contrastes intensos entre cores e por formas que se distanciavam da realidade de tal maneira que, pelo exagero e transfiguração, caminhavam para os limites do grotesco.

[...] Os artistas das avant-gardes, ou vanguardas, abandonaram o otimismo positivista do final do século XIX e deslocaram o sentido de sua produção para a negatividade, criticando a razão, a sociedade e o conceito iluminista de humanidade. O princípio da crítica foi levado ao extremo no início do século XX. Para o artista vanguardista produzir foi necessário destruir, abolir, deformar, desordenar, misturar, tornar os incompatíveis híbridos, não ser compreendido, ser ilógico, abrir mão da beleza, chocar, desintegrar, inverter, desequilibrar, superar. É inegável a presença desses imperativos antitéticos no direcionamento do processo criativo da arte de vanguarda nos anos de 1905 a 1937. (HAGIHARA, 2007, p. 8).

O foco na transmissão de valores psicológicos e subjetivos, ou seja, a expressão, é o que deu nome ao estilo. A ideia de “expressão” se opõe à de “impressão”, conceito que norteou a

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anterior geração dos impressionistas: captavam e registravam as impressões da luz, de forma que o mundo “de fora” era traduzido para “dentro”; já o artista do Expressionismo conceitualmente se manifestava “de dentro para fora”. Aquilo por ele exteriorizado e transmitido seria a sua própria visão de mundo. Esse fato coloca o Expressionismo como uma antítese do Impressionismo:

A impressão é um movimento do exterior para o interior: é a realidade (objeto) que se exprime na consciência (sujeito). A expressão é um movimento inverso, do interior para o exterior: é o sujeito que por si imprime o objeto. É a posição oposta à de Cézanne, assumida por Van Gogh. Diante da realidade, o Impressionismo manifesta uma atitude sensitiva, o Expressionismo uma atitude volitiva, por vezes até agressiva. Quer o sujeito assuma em si a realidade, subjetivando-a, quer projete-a sobre a realidade, objetivando-a, o encontro do sujeito com o objeto, e, portanto, a abordagem direta do real, continua a ser fundamental. (HAUSER, 1982, 227).

A poética de deformação, tão característica ao movimento, estava ligada à ambiguidade do cotidiano, sendo a própria existência considerada dual. Vida e morte, saúde e doença, riqueza e pobreza sempre coexistirão na história humana. Partindo da referência da arte primitiva e africana, a deformação foi uma fuga da beleza idealizada, uma escolha intencional dos artistas. Ao contrário dos estilos anteriores ou mesmo do contemporâneo Art Nouveau, que buscavam a beleza, a não idealização defendida pelos expressionistas seria uma forma ideal de arte verdadeiramente espontânea. Negar a ambiguidade da vida seria como mentir, assumir o feio como parte complementar ao belo seria uma maneira de alcançar a verdade:

[...] A deformação expressionista não é a caricatura da realidade: é a beleza que, passando da dimensão do ideal para a dimensão do real, inverte seu próprio significado, torna-se fealdade, mas sempre conservando seu cunho de eleição. Devido a essa beleza quase demoníaca da cor, que freqüentemente vem acompanhada por figuras ostensivamente feias (pelo menos segundo os cânones correntes), a imagem adquire uma força de peremptoriedade categórica, como se realmente já não pudesse existir pensamento para além dela. (ARGAN, 2004, p. 240).

Partindo do pensamento de Argan, pode-se alegar que o Expressionismo permaneceu como um estilo idealista, sendo, no entanto, seu idealismo pertencente a outra esfera: ao invés do belo, elegeu-se o feio, que nada mais seria que a manifestação de uma “beleza corrompida”. A fuga da realidade e o exagero apareceriam, assim, como formas de denúncia voltadas contra uma sociedade que vivia de forma inautêntica.

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Por fim, para Cardinal (1988) a principal falha do Expressionismo enquanto movimento foi a ausência de uma definição coletiva a partir de um núcleo ideológico, que levou à transgressão de seus limites enquanto grupo, transformando o gesto, por vezes, em “mero exagero” (CARDINAL, 1988). Acabado o período da Bélle époque vienense e a Primeira Guerra Mundial, o antigo Império Austro-húngaro se viu derrotado e destruído pelos conflitos. Nesse interim, positivamente se manifestaram os artistas pertencentes ao pensamento das vanguardas, tal como Egon Schiele. No entanto, nesse mesmo ambiente o revanchismo se aliou a outras ideologias na Áustria e em outras partes da Europa, sobretudo na Alemanha, dando espaço para a ascensão de vertentes totalitárias como o Partido Nacional-Socialista liderado por Adolf Hitler.

Capítulo 1 – Egon Schiele, arte e vida

Figura 2. Egon Schiele em seu ateliê. Autor desconhecido, 1917

Egon Schiele (1890-1918) foi um artista da Áustria dos tempos de império, um nome que deixou uma marca indelével na arte vienense apesar da brevidade de sua existência. Faleceu aos

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28 anos, seguindo em poucos dias a sua esposa Edith Schiele, grávida de seis meses do primeiro filho do casal. Com a proximidade dos 100 anos de sua morte vislumbro, como fã e pesquisadora há anos de seus trabalhos, a necessidade de homenageá-lo por suas contribuições às artes visuais. Procuro tratar neste primeiro capítulo sobre a figura histórica que foi Egon Schiele, entrelaçando fatos biográficos com situações características da época, as duas primeiras décadas do século XX. O denominado “Novo século” trouxe consigo a esperança de um futuro próspero, baseado no progresso técnico-científico e na racionalidade. Entretanto, as antigas diferenças históricas e culturais não foram superadas apesar do ideal racionalista defendido pelas sociedades europeias: foi no século XX que se desenrolaram duas Guerras Mundiais e que o mundo testemunhou crimes hediondos como o Holocausto. Assim como outros artistas de sua geração, Egon Schiele recorreu à arte para expressar que nem tudo estava bem como as elites supunham. O binômio vida-morte, tão presente em sua obra, remete à Viena imperial, por um lado tão rica e deslumbrante, e por outro, pálida e miserável. Abordadas as dualidades do século passado e apresentadas as conjunturas em torno da vida do artista, trato sobre o seu legado póstumo, sobretudo a criação de espaços em sua memória e o paradeiro de obras, a exemplo de Autorretrato, hoje em posse de um museu paulistano.

1.1. A “eterna criança”

O que é obsceno? Obsceno? Ninguém sabe até hoje o que é obsceno. Obsceno para mim é a miséria, a fome, a crueldade, A nossa época é obscena.

Hilda Hilst

Na pintura a óleo nomeada Retrato de Bertha von Wiktorin, realizada em 1907, a técnica de representação escolhida transita entre o acadêmico e o impressionista. Pode-se dizer que o perfil da jovem Bertha von Wiktorim seria usual se não fossem alguns detalhes irônicos.

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Figura 3. Retrato de Bertha von Wiktorin. Egon Schiele, 1907

O inusitado cigarro acesso, a sinuosa linha de fumaça e o semblante de prazer da mulher ilustram traços marcantes da personalidade do autor: ousadia, provocação e um apreço pelos aspectos marginais da sociedade, posturas que vão ao encontro do retrato poético que o artista fez de si mesmo através do poema Eu, a eterna criança:

Eu, Eterna criança - Eu me sacrifiquei para os outros ... que olharam e não me viram ... Tudo era caro para mim - Eu queria olhar para as pessoas com raiva com olhos amorosos , para fazer seus olhos fazerem o mesmo; E, para os invejosos, dar-lhes presentes , dizendo-lhes que eu não valho nada. 10

Egon Schiele (1890-1918) foi um artista da Áustria dos tempos de império, e um dos jovens talentos protegidos pelo pintor Gustav Klimt (1862-1918) na Viena dos anos 1900. O

10 Tradução de: I, Eternal Child (WHITFORD, 1981, p. 95) I, eternal child — I sacrificed myself for others … who looked and did not see me … Everything was dear to me — I wanted to look at the angry people with loving eyes, to make their eyes do likewise; And to the jealous, give them gifts, telling them I am worthless.

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artista, cujo nome completo era Egon Leo Adolf Schiele, nasceu na cidade de Tulln (Áustria, ao noroeste de Viena), sendo o terceiro filho de um casal de classe média, católico por parte de mãe e protestante por parte de pai. Apesar das expectativas da família – e, sobretudo da mãe – de que o jovem assumisse as responsabilidades familiares após a morte do pai (que se degenerou perante a família por causa das sequelas da sífilis), aos 16 anos Schiele deixou o lar e foi a Viena para estudar na Wiener Akademie der Bildenden Künste (Academia de Belas Artes de Viena). Após a morte de seu amigo e mentor Klimt, Schiele tornou-se por um breve período um dos nomes mais importante da pintura vienense, obtendo um inédito reconhecimento da crítica, do qual, no entanto, não foi capaz de desfrutar por muito tempo. Em 1918, menos de nove meses após o falecimento de Klimt, Schiele padeceu na epidemia de gripe espanhola que assolava Viena há meses, assim como a sua esposa grávida e o seu filho não nascido. Cabe salientar um dado apontado por Kai Artinger (2001) sobre o sucesso profissional e o reconhecimento de Schiele, que segundo o autor foram exagerados em algumas biografias. Após a morte de Klimt, de fato Egon Schiele recebeu maior destaque, sobretudo durante a 49ª Mostra da Secessão. No entanto, nunca teria ocupado efetivamente a posição de Gustav Klimt enquanto grande retratista da sociedade vienense, já que a maior parte de suas encomendas partiu de um círculo restrito de amigos e admiradores. Em seu texto, chega a concluir que, com apenas 27 anos, “Schiele era demasiado jovem para exercer influência sobre outros pintores”. (ARTINGER, 2001, p. 88). Durante os anos posteriores a sua precoce morte e durante a anexação da Áustria pelos nazistas, ficou a cargo de sua família, de antigos clientes e dos amigos o reagrupamento de sua obra e a criação de coleções a partir de seus trabalhos em artes visuais e poesia. Ao longo da Segunda Guerra, alguns de seus desenhos e telas foram enviados para os Estados Unidos, onde o artista permaneceu por décadas conhecido apenas por uma pequena gama de artistas e pesquisadores. Entre alguns nomes importantes para a compreensão da retomada de Egon Schiele, Kallir (2005) aponta os amigos e patronos Arthur Roessler e Heinrich Benesch. Roessler impulsionou a realização de mostras de trabalhos do falecido artista, além de ser apontado por biógrafos como o autor do diário de Egon Schiele na prisão. Benesch, por sua vez, foi de quem a Sammlung Albertina comprou a coleção em 1951. Dois anos antes, em 1948, seu filho Otto

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Benesch, como diretor da Albertina, organizou uma exposição com cerca de 350 trabalhos de Schiele. A redescoberta de Egon Schiele ocorreu de fato entre as décadas de 1960 e 1980, quando houve um despertar de interesse acerca da “arte fim-de-século” austríaca. A primeira exposição solo com trabalhos de Egon Schiele nos EUA aconteceu em 1945, na Galerie St. Etienne, em Nova Iorque, porém foi pouco visitada (ARTINGER, 2001). Já a primeira exposição itinerante de grande repercussão foi promovida pelo Egon Schiele Museum em seu país natal entre 1960-61. Por fim, na década de 1980 realizaram-se diversas mostras de arte austríaca do início do século XX em Hamburgo, Edimburgo, Veneza, Paris e Nova Iorque, sendo Schiele um dos maiores destaques (KUHL, 2010). Graças a essa retomada póstuma, hoje contamos com uma significativa bibliografia sobre o artista, que aborda não somente a sua produção, mas também conta com dados biográficos de rico detalhamento, incluindo dualidades históricas e pequenos mitos sobre a sua figura artística. No entanto, ao longo dos estudos constatei que esse material foi predominantemente escrito por pesquisadores norte-americanos e europeus, e a maioria ainda não traduzida para a Língua portuguesa. Até o presente momento foi verificada a existência de apenas cinco títulos em português de Portugal e um livro de fato publicado no Brasil, respectivamente: Diário da Prisão (SCHIELE, 1987), Egon Schiele: vida e obra (ARTINGER, 2001), Egon Schiele: a alma nocturna do artista (STEINER, 2006), Egon Schiele: pantominas do prazer, visões da mortalidade (FISCHER, 2007), e Egon Schiele na prisão (SCHIELE, 2009), este último em edição bilíngue e esgotada da extinta Editora Luzes do Asfalto. Em termos acadêmicos, em nosso país há apenas um artigo sobre o artista resultante de consulta pública, Egon Schiele como trickster: possíveis aproximações, publicado na revista Visualidades (UFG) em 2012 e abordando um tratamento literário. Da mesma forma, não foram encontradas pesquisas acadêmicas, em nível de dissertação ou tese, realizadas no país sobre o artista austríaco. Embora outras figuras significativas do Expressionismo repercutiram entre os artistas modernistas brasileiros, esse não foi o caso de Schiele. Uma hipótese para a falta de contato com a obra de Schiele no país pode ser a morte prematura, a rejeição aos nomes de origem alemã no período da guerra e o momento conturbado

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que o país viveu na época. Assim, vanguardas europeias, Expressionismo e seus representantes não são temas irrelevantes para a compreensão da nossa própria arte. Conforme o disposto sobre o artista na página oficial da Galerie St. Etienne, uma importante instituição com acervo sobre o artista, atualmente “Egon Schiele desfruta de um culto de seguidores, e sua breve vida tem sido habitualmente mitificada. Sua morte precoce, o seu fascínio com temas tabus, e sua consequente acusação levaram biógrafos a retratá-lo como um mártir para moral burguesa, uma espécie de rebelde fin-de-siècle com uma causa.” 11 (GALERIE ST. ETIENNE, 2015). Essa imagem de rebelde é fortalecida por sua morte ainda jovem, uma promessa de maturidade artística que ainda se encontrava em desenvolvimento. Durante os anos escolares, o jovem Schiele demonstrou ser um aluno mediano, porém com claras aptidões à arte. Incentivado por alguns professores, prestou o exame de ingresso para a concorrida Wiener Akademie der Bildenden Künste. Aceito na seleção de 1906 mudou-se para a efervescente capital austríaca, atingindo assim a ambição de muito jovens que como ele, não haviam nascido ou crescido na cidade grande. Em uma coincidência de relevância histórica, Schiele teria sido veterano de Adolf Hitler caso o futuro ditador tivesse sido admitido no processo seletivo da Academia. No ano seguinte, 1907, conheceu o renomado pintor Gustav Klimt, e apesar dos 28 anos de diferença entre os dois, uma forte amizade se desenvolveu. Schiele foi também aceito no círculo de artistas e intelectuais ligados à Secessão vienense. As Secessões foram associações artísticas espalhadas pela Europa que propuseram uma renovação cultural e artística, opondo-se às tradições impostas pelas grandes academias, museus e demais espaços oficiais de arte. As mais importantes foram a Secessão de Munique (1892), de Berlim (1893) e de Viena (1897). De 1907 a 1910, Egon Schiele esteve sob a proteção de Klimt, sendo por ele influenciado, financiado, apresentado a possíveis compradores e tendo espaço para participar de importantes exposições da época: graças à indicação de Klimt, participou da Kunstschau de 1908, exposição em homenagem ao sexagésimo aniversário de reinado do imperador Francisco José I (STEINER,

11 Tradução minha de: Egon Schiele has long enjoyed a cultish following, and his brief life has all too frequently been mythologized. His early death, his fascination with taboo subjects, and his consequent prosecution have prompted biographers to portray him as a martyr to bourgeois morality, a sort of fin-de-siècle rebel with a cause.

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2006), e entre 1909 e 1910 trabalhou como designer para a Wiener Werkstätte, sendo responsável pela criação de postais (KALLIR, 2005). A influência de Gustav Klimt foi tamanha que em trabalhos até 1910 observo que Schiele manteve uma estrita conexão visual e temática com as obras desenvolvidas no mesmo período pelo artista mais velho, a exemplo da relação entre Espíritos aquáticos I e Serpentes aquáticas II.

Figura 4. De cima para baixo: Espíritos aquáticos I. Egon Schiele, 1907; Serpentes da água II. Gustav Klimt, 1904

Em ambos os trabalhos se pode ver pontos de similaridade, começando pelos títulos. Em termos de imagem, em cada obra há um grupo de três mulheres nuas em destaque, apesar de se perceber fragmentos de outras figuras humanas. Estão representadas em posição horizontal, dispostas como que seguindo um fluxo da esquerda para a direita. Todas as figuras humanas estão em perfil, com exceção de uma mulher em cada pintura, que vira o seu rosto para o hipotético observador. No caso de Klimt pode-se observar um rico detalhamento, com formas circulares e estrelares multicoloridas que adornam os espaços em torno das mulheres e seus longos cabelos ruivos. A obra de Schiele, por sua vez, é menos exuberante em termos de coloração, apresentando também menos ornamento. As formas orgânicas predominam em Klimt,

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enquanto que em Schiele se verifica uma relativa geometrização das formas humanas, que parecem contidas em seus movimentos. Sendo Egon Schiele um desenhista exímio, ao longo de toda a carreira as suas principais vendas foram encomendas de retratos e nus femininos de alto teor erótico, trabalhos que atendiam à demanda de homens que, perante a sociedade, eram ditos como conservadores. Entretanto, parte significativa de sua produção consistiu de autorretratos. Em muitos deles se representou completamente nu. Em menos de doze anos de carreira Egon Schiele produziu em larga escala. A sua obra total é estimada entre 2000 e 3000 desenhos, aquarelas e guaches, 300 quadros a óleo, 17 gravuras e litografias, duas xilogravuras e algumas esculturas (ARTINGER, 2001). Já Jane Kallir (2005) nos traz informações quantitativas mais precisas: 334 óleos sobre tela e 2503 desenhos. Schiele conheceu estilos desenvolvidos em outros países, participou de inúmeras exposições e chegou a ter uma tela adquirida pelo governo: em 1917, Retrato da mulher do artista sentada foi adquirido pela Österreichische Galerie Belvedere (Galeria Estatal Austríaca Belvedere). No entanto, seu grande reconhecimento veio apenas em seu último ano. Entre as principais polêmicas de sua obra destaco: a linha tênue entre erotismo e pornografia, a aplicação de indícios sexuais inclusive em retratos encomendados, as referências à iconografia católica, aliando-a ao erotismo, e os inúmeros nus infantis, um tabu no período apesar dos altos índices de prostituição infantil gerados pela pobreza. Em 1912 ocorreu um dos maiores escândalos de sua vida e carreira, quando passou 24 dias presos por acusações de sedução e rapto de menor. Após a prisão, ficou cerca de meio ano sem produzir. Durante a sua detenção teria escrito em seus diários:

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Não nego: fiz desenhos e aquarelas que são eróticos. Mas são sempre obras de arte - posso dizer isso, e as pessoas que entendem um pouco do assunto confirmarão com prazer. Outros artistas não produziram quadros eróticos? [...] Nenhuma obra de arte erótica é uma imundície se é artisticamente significativa; ela só se torna imundície por meio do observador, quando esse é um imundo. Eu poderia citar nomes de muitos, muitos artistas famosos, entre eles o de Klimt; mas não quero me desculpar assim, não seria digno da minha parte. E também não nego. Mas digo que não é verdade que mostrei tais desenhos intencionalmente a crianças, que depravei crianças. Isso não é verdade! Apesar de eu saber que existem muitas crianças depravadas. Mas o que significa exatamente depravadas? Será que os adultos se esqueceram como eles eram depravados, quer dizer, como estimulavam-se e se excitavam, sexual e instintivamente, quando eram crianças? Eles esqueceram como uma paixão terrível ardia dentro deles e os atormentava, quando ainda eram crianças? Eu não me esqueci, pois sofri de maneira atroz por causa disso. (SCHIELE, 2009, p. 73).

Esta colocação de Schiele pode ser correlacionada com o pensamento do precursor da psicanálise, Sigmund Freud (1856.-1939), que em suas teorias se baseava na existência da sexualidade infantil, condição que segundo o trecho, não passou despercebida e tampouco foi negada na própria vivência de Schiele. Em relação à vida na Viena do início do século XX e ao seu contexto de capital com conflitos político-sociais contrapostos à ebulição cultural, é improvável imaginar que não tenha ocorrido alguma influência do meio sobre a arte de Schiele – fatos que elucidam alguns pontos de sua poética, mas que não são fatores determinantes e únicos para a sua compreensão. Desde a última década do século XIX a

Figura 5. Autorretrato feito na prisão. metrópole austríaca passava por drásticas Egon Schiele, 1912 mudanças em sua política, economia e cultura: foi o locus das primeiras pesquisas psicanalíticas do neurologista e psicanalista Freud; no campo

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das artes, a consolidação das vanguardas ocorreu em curto espaço de tempo; em termos urbanísticos Viena passava por uma reforma de caráter modernista. Por outro lado, Viena tinha uma face menos brilhante e promissora, sendo o coração de uma política que sofria o risco de desmoronar. Como eixo do Império austro-húngaro, exemplificava de forma intensa a decadência do sistema político e cultural austríaco. O estilo de vida de ostentação da nobreza e da alta burguesia confrontava-se diretamente com a dos imigrantes, que deixavam suas terras natais e encontravam uma situação de pobreza, sujeitando- se a habitar as periferias da metrópole e a trabalhar em condições insalubres. Muitos intelectuais, entre eles cientistas e artistas, manifestaram-se sobre os aspectos negativos que afligiam a sociedade vienense, cada um em seu campo de conhecimento. Entre eles ressalta-se o nome de Freud, que entre seus escritos dedicou um título inteiro12 à tensão que muitos vienenses sentiam às vésperas da Primeira Guerra. A crença na modernidade e em seus princípios vivenciada pelas altas elites e intelectuais, portanto, começou a ruir dentro da própria era moderna. Tendo em vista os indícios de uma dualidade em Viena, pode-se iniciar a visualização de um quadro no qual o trabalho artístico de Egon Schiele condizia com a realidade vienense da época: um indivíduo que, vivendo em uma sociedade pré-guerra, produziu uma arte agressiva, chocante, melancólica, mas não por isso menos bela. Sua obra foi o resultado peculiar da vida de um ser humano dotado de potencial artístico e inserido dentro de um contexto familiar conturbado e em uma conjuntura cultural que, apesar de conflitante, apresentou-se propícia à manifestação das artes da vanguarda:

12 O mal-estar na cultura, publicado em 1930. Apesar da distância temporal entre os fatos aqui pesquisados e o lançamento da obra em questão, O mal-estar na cultura é continuidade de um pensamento originado em Totem e Tabu, de 1913, conforme demonstra ENDO; SOUZA (2010, p. 14): “Freud afirmou que Totem e tabu era, ao lado de A interpretação dos sonhos, um dos textos mais importantes de sua obra e o considerou uma contribuição para o que ele chamou de psicologia dos povos. De fato, nos grandes textos sociais e políticos de Freud há indicações explícitas a Totem e tabu como sendo ponto de partida e fundamento de suas teses. É o caso de Psicologia das massas e análise do eu (1921), O futuro de uma ilusão (1927), O mal-estar na cultura (1930) e Moisés e o monoteísmo (1939)”.

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O interesse de Schiele em tais temas pesados – expressado mais diretamente em suas alegorias e suas paisagens – provém em parte da tradição simbolista exemplificada por seu mentor, Gustav Klimt, e em parte de seus próprios primeiros encontros com a morte. Como o filho do chefe de estação na cidade provincial austríaco de Tulln, Schiele tinha desfrutado de uma infância confortável, mas seu pai sofria secretamente de sífilis. Uma irmã mais velha morreu, provavelmente da doença, quando Egon tinha três anos, e seu pai finalmente sucumbiu em 1904, quando o artista tinha quatorze anos. (GALERIE ST. ETIENNE, 2015).13

Apesar de o início de sua carreira ter sido influenciado pelos secessionistas e por Gustav Klimt, fato evidenciado pela presença de uma rica ornamentação das roupas de figuras humanas e em alguns fundos, entre meados de 1910 e 1918 sua produção manteve relação mais direta à estética com o Expressionismo alemão, sendo o auge dessa tendência em Schiele representado pelos trabalhos feitos entre 1911 e 1915 (FISCHER, 2007). Segundo a classificação de estilos artísticos proposta por Roger Cardinal (1988), Schiele estaria no grupo dos “expressionistas pré-guerra”, os artistas ativos entre 1905-1916, juntamente com Ernst Kirchner, Emil Nolde, Franz Marc e o também austríaco Oskar Kokoschka14. Artinger (2001), por sua vez aponta que no caso austríaco o Expressionismo não desempenhou uma função enquanto grupo, mas foi representado por dois casos isolados: Schiele e Kokoschka, que romperam com a tradição de Klimt no plano formal, apesar de permanecerem com a temática do corpo como forma máxima da expressão. Tomando Cardinal como referência e adentrando na teoria artística do autor, pode-se afirmar que na vertente expressionista da Áustria-Hungria entre os artistas havia a preferência por temas humanos fundamentais como a sexualidade e a morte. Segundo o autor, o corpo em Schiele é a “expressão do lugar do sofrimento”. (CARDINAL, 1988, p. 41). Aliando a ideia do corpo como canal legítimo de expressão a alguns fatos biográficos sobre o artista, se pode vislumbrar uma parcela da intencionalidade nas escolhas de Egon Schiele, vislumbres que apontam o estudo

13 Tradução minha de: Schiele’s interest in such weighty themes – expressed most directly in his allegories and his landscapes – derived in part from the Symbolist tradition exemplified by his sometime mentor, Gustav Klimt, and in part from his own early encounters with death. As the son of the stationmaster in the provincial Austrian town of Tulln, Schiele had enjoyed a comfortable childhood, but his father suffered secretly from syphilis. An older sister died, probably of the disease, when Egon was three, and his father finally succumbed in 1904, when the artist was fourteen. 14 Maiores informações no Capítulo 3.

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do corpo através de inúmeros nus femininos e masculinos, mas ainda assim mantendo como objeto substancial de estudo a sua própria corporeidade, constituindo assim o autorretrato. Acerca de seus autorretratos, Marlow (1994) aponta que apesar do fator quantitativo surpreender em uma análise inicial, a questão primordial na poética de Schiele não gira em torno da grande quantidade das autorrepresentações, mas sim na intensidade do ato da autorretratação, fato que o autor denomina como auto-obsessão. A auto-obsessão mencionada por Tim Marlow é aqui entendida como o fator capaz de diferenciar Egon Schiele de outros autorretratistas frequentes, ativos ao longo da história da arte até o início do século XX, tais como o holandês Rembrandt: Schiele aparece representado de diversas formas, do formal ao quase abstrato, passando pelo alegórico e arquetípico, sendo nem sempre reconhecível em sua aparência, diversidade que potencializa os seus autorretratos. Considero que em Schiele o autorretrato torna-se um veículo para a exploração psicológica e expressão. A pintura é definida tanto catártica como narcisista”15 (MARLOW, 1994, p. 16). Nessa exploração árdua das possibilidades de representação de seu corpo, Schiele apareceu em muitos aspectos, tornando a sua própria imagem um veículo de experimentação expressiva e psicológica. Um dos exemplos mais emblemáticos de seus “disfarces” em autorretratos é o quadro Morte e donzela, sobre o qual autores como Fischer, Steiner e Marlow indicam se tratar de um autorretrato no qual Schiele surge metamorfoseado de Morte, para abraçar uma última vez a sua ex-companheira e modelo Wally Neuzil (Valerie Nuezil), de quem estava se separando em 1915 para se casar com outra mulher, Edith Harms. Marlow foi além em sua leitura biográfica e aproximou esta obra de Schiele à composição de uma tela realizada também em um contexto amoroso turbulento, A noiva do vento (A tempestade), do compatriota de Schiele, Oskar Kokoschka. Tanto em A tempestade quanto em Morte e donzela, os casais estão rodeados por massas pictóricas que podem ser interpretados tanto como lençóis quanto como abstração. Toda a atmosfera em torno das duas pessoas é turbulenta e disforme; no caso do quadro de Schiele, o

15 Tradução minha de: Even in large allegorical compositions and other formal portraits, Schiele appears in various guises... The self becomes a vehicle for psychological exploration and expression. […] Painting is both cathartic and narcissist. (MARLOW, 1994, p. 16)

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abraço é visto em perspectiva superior às figuras, tendo a sua tensão expressa pela figura da Morte encarnada pelo próprio artista. Assim, tanto em Schiele como em Kokoschka o encontro dos amantes não é pacífico e presume um final melancólico.

Figura 6. De cima para baixo: Morte e donzela. Schiele, 1915; A tempestade. Oskar Kokoschka, 1914

As observações propostas por Tim Marlow entre Kokoschka e Schiele não foram as primeiras a serem feitas entre ambos os artistas, tampouco serão as últimas comparações do

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gênero. No entanto, Jane Kallir (2005, p. 31) desmistifica as teorias de que Schiele copiou o estilo de retrato de Oskar Kokoschka, apontando que o pintor vienense Max Oppenheimer (1885- 1954), também conhecido como Mopp, teria sido uma grande influência para a marcante gestualidade nos retratos de Egon, sendo que Schiele teria inclusive convidado Oppenheimer para trabalharem juntos.

Figura 7. Da esquerda para a direita: Retrato de Max Oppenheim, Egon Schiele, 1910. Retrato de Egon Schiele, Max Oppenheim, c. 1910

A autora ainda aponta que não há relatos de que ambos, Schiele e Kokoschka, tenham se conhecido pessoalmente, e que nenhum dos retratos de Kokoschka produzidos entre 1909 e 1910 foram expostos em Viena antes de 1911.

1. 2. Legado pós-Guerras e recepção contemporânea

Para adentar no assunto da recepção da obra de Egon Schiele durante a sua vida e depois de sua morte, recorro à 2ª edição de 2009 de Utopia do gosto, obra do Prof. Dr. Waldenyr Caldas. O autor se propôs a “discutir o estatuto social do gosto” (CALDAS, 2009, p. 159) por meio do conceito de estratificação: existem níveis de gosto, assim como níveis culturais – burguesia,

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classe média e proletariado possuem culturas e valores estéticos próprios, que, no entanto, podem ser assimilados pelo outro estrato social. Apesar de tratar em seu livro de muitos exemplos sobre literatura e a recepção pelo público, a análise de Caldas também pode ser aplicada para a compreensão do contexto nas artes plásticas do século passado. Da obra de Caldas, o aspecto que mais interessou à pesquisa foi a sua explicação para o fenômeno da identificação das classes com os estratos a elas superiores na escala social: por tradição, a classe média nunca desejou qualquer espécie de identidade com o proletariado, sempre procurando aproximação e identidade de classe com a burguesia, a detentora do poder, e em todos os planos, historicamente falando, foi assim. A classe pode não ter o mesmo poder de acesso e de consumo dos que estão acima, mas com a apropriação de determinados objetos e práticas, procura se envolver de atributos de valorização do status social – os objetos artísticos estariam, assim, inseridos nas práticas de ascensão e legitimação. Para Caldas, apesar de claramente localizada no estrato entre burgueses e proletários, a classe média é uma faixa muito ampla e pouco definida, abrangendo desde uma parcela do clero até os artistas e os intelectuais (CALDAS, 2009). Embora haja a dificuldade de definição da mesma, o autor apontou que o consumo e o gosto estético-cultural de determinados segmentos da classe média são identificáveis com maior precisão. Apropriando-se de objetos com valor estético semelhante ou reproduções desses objetos, as classes baixas da burguesia buscam a respectability, a elevação do status social através do consumo (CALDAS, 2009). Isto ocorre porque os objetos, além de suas funções, formas e características estéticas, têm também como atributos as significações sociais. As classes mais altas têm acesso às novidades e aos melhores benefícios materiais. Assim, em uma condição de elitismo estético, tudo a ela relacionado é facilmente definido como de bom gosto, erudito e belo pela maioria das pessoas (CALDAS, 2009). Em um processo de interpenetração cultural, a sociedade mais baixa se apropria daquilo que lhe está ao alcance das camadas mais altas, e os reelabora enquanto valores culturais, atribuindo a si mesma parte dos valores positivos desejáveis da camada apreciada. Reelaborados os hábitos e objetos, eles se tornam produtos desse outro meio social (CALDAS, 2009). Tendo em vista as informações biográficas levantadas, assim como os conteúdos históricos sobre Egon Schiele em Viena e o perfil dos primeiros colecionadores de obras do

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artista, pode-se admitir que parte de sua produção artística foi destinada, como objeto de venda, para a burguesia imperial e para a classe média mais elevada: entre 1915 e 1918 o artista passou por um período de estabilidade maior em sua carreira, já tendo consolidado uma clientela fixa entre burgueses colecionadores de arte e industriais, que o procuravam por suas alegorias e retratos. No entanto, cabe apontar que suas obras antes de 1915 podem ser divididas em outros dois grupos: nus eróticos e produções mais aproximadas ao design da Wiener Werkstätte. Essas duas primeiras fases de criação dizem respeito ao consumo de um público de poder aquisitivo mais limitado do que aquele observado pelo perfil dos clientes do artista nos últimos três anos de sua vida. Dessa forma, pode-se apontar que os trabalhos de Egon Schiele estiveram inseridos no processo de interpenetração cultural explicado por Caldas. Na atualidade e com a aproximação dos 100 anos de morte de Egon Schiele, seu nome permanece no hall dos grandes da cultura austríaca. Uma de suas defensoras mais renomadas e enfáticas é Jane Kallir, especialista em sua obra e neta do colecionador e galerista austríaco Otto Kallir. Sobre a recepção do artista, J. Kallir escreveu o artigo “Otto Kallir and Egon Schiele”, originalmente realizado em 2005 para o Neue Galerie New York, porém também disponibilizado no site oficial da Galerie St. Etienne. Nele, trata de pocisionar o artista no contexto do mercado atual de arte e no setor de pesquisas, inicialmente enfatizando a grande quantidade de publicações sobre o mesmo e os altos valores que suas obras atingem na atualidade:

[...] Uma das manifestações mais concretas da próspera reputação de Schiele pode ser encontrada em sua volumosa bibliografia. Meu catálogo raisonné dos anos 1990 foi citado em 200 publicações significativas e em 225 grandes exposições, e o desfile de livros e mostras desde então marcadamente acelerou seu ritmo. Uma recente pesquisa de publicações sobre Schiele no Amazon.com rendeu mais de 800 itens. Além disso, numa época em que os valores estéticos e de mercado tornaram-se inextricavelmente interligados, os preços de Schiele já igualaram ou superaram os de muitos artistas franceses, que antes dominavam a visão de modernismo da América. (KALLIR, 2005, sem página, tradução minha). 16

16 Tradução minha de: [...] One of the most concrete manifestations of Schiele’s flourishing reputation can be found in his voluminous bibliography. My 1990 Schiele catalogue raisonné cited 200 significant publications and 225 major exhibitions, and the parade of books and shows has since markedly quickened its pace. A recent search for Schiele publications on Amazon.com yielded over 800 items. Moreover, at a time when aesthetic and market values have become inextricably intertwined, Schiele prices have now equaled or surpassed those of many French artists who once dominated America’s view of modernism.

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A pesquisadora e galerista prosseguiu no seu artigo mencionando que essa recepção positiva não lembra a forma como o artista foi visto durante sua vida ou nas primeiras décadas após seu falecimento. Dentro da revalorização do artista, a Galerie St. Etienne foi uma das principais responsáveis pela construção da fama e do reconhecimento da obra de Schiele em território norte-americano. Seu fundador, Otto Kallir (1894-1978)17, conheceu o trabalho de Egon Schiele durante a Primeira Guerra, por meio do crítico de arte Max Roden. Inclusive, a própria criação da St. Etienne se relaciona com a paixão de Kallir pelas obras do artista. Otto Kallir chegou a se comunicar com Schiele para encomendar um retrato, mas, na ocasião, não tinha dinheiro suficiente para concluir a negociação. A neta de Kallir deduziu, portando, que a oportunidade perdida foi compensada ao longo da vida do avô por meio das tentativas de perpetuar a obra de Egon Schiele. No ano de 1922, Otto Kallir era um proprietário de uma editora de livros de luxo e lançou uma carteira de gravuras e litografias de Egon Schiele. No ano seguinte, abriu sua primeira galeria em Viena com uma grande retrospectiva do artista. Em 1930, Otto também foi o autor do primeiro catálogo raisonné de pinturas a óleo de Schiele, atualizado em 1966 com a adição de gravuras. Esse catálogo tornou-se importante fonte de documentação após os saques, destruções e desvios de obras pelos nazistas, demonstrando como a família Kallir, desde os primeiros contatos com a obra se Schiele, apresentou-se como um importante elo entre o artista e a contemporaneidade. Localizada na 24 West 57th Street em Nova Iorque, a Galerie St. Etienne foi fundada em 1939 por Otto Kallir após a sua saída de Europa. Atualmente, em substituição a seu fundador, a direção é dividida entre o sócio Hildegard Bachert e a herdeira Jane Kallir. É a mais antiga das galerias norte-americanas especializadas em expressionismo e em arte autodidata, sendo a sucessora da extinta Neue Galerie de Viena, inaugurada em 1923 e fechada em 1938 devido à invasão nazista à Áustria. Além de ter sido a primeira a promover uma retrospectiva póstuma de Egon Schiele, a Neue Galerie era também a representante exclusiva de artistas como Alfred Kubin e Oskar Kokoschka.

17 Cujo verdadeiro nome era Otto Nirenstein. A troca de nomes se deu com a saída do galerista da Europa, fugindo da perseguição contra judeus.

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O primeiro passo para a aceitação de Egon Schiele nos EUA foi a inclusão do artista na exposição Saved from Europe (Salvos da Europa), aberta no verão americano de 1940 e idealizada por Otto Kallir, judeu recém imigrado da Áustria sob ocupação nazista. Como a mídia norte-americana fazia forte propaganda contra os nazistas, a opinião dos críticos sobre a exposição se dividiu entre boa recepção e desconfiança contra a arte dos então domínios do Nacional Socialismo:

[...] Boa parte destas telas dos respeitáveis europeus definitivamente valem a pena salvar da ameaça de desastre na Europa, de onde elas vieram recentemente a este país", observou um crítico do New York Herald Tribune. "Nós não estamos tão certos, porém, que aqui a recepção para as pinturas de Schiele e Klimt será tudo o que pode ser esperado para elas. É difícil despertar entusiasmo neste momento para artistas tão pouco conhecidos e apreciados aqui, e muitos anos se passaram desde a cena contemporânea na Europa. (KALLIR, 2005, sem página, tradução minha). 18

Assim, a nota do New York Herald Tribune em ocasião da Saved From Europe denotava o pensamento da crítica e mercado artístico nos anos 40: tudo que ainda estivesse de algum modo vinculado ao Nazismo não seria visto com bons olhos pelos norte-americanos. Por esse motivo, Otto Kallir promoveu as primeiras vendas de obras de Egon Schiele por preços bem abaixo do mercado:

[...] Por isso, ele pediu em torno de US$ 20 para cada desenho, e US$ 60 para as aquarelas (cerca de US $ 225 e $ 700, respectivamente, em dólares atuais). Ainda assim, apenas um trabalho foi vendido: uma pequena pintura a óleo por US$ 250 (hoje cerca de $ 2.800) a um colecionador refugiado, que liquidou o saldo ao longo de um ano e meio, em parcelas mensais de $13. A grande venda foi a compra em lote, em 1944, de doze trabalhos em papel de Schiele, por um total de US$ 270 (hoje cerca de US$ 3.000), por um comerciante alemão refugiado. [...] (KALLIR, 2005, sem página, tradução minha). 19

18 Tradução minha de […] “A good many of these canvases by reputable Europeans are definitely worth saving from the threat of disaster in Europe, whence they recently have come to this country,” noted a reviewer in the New York Herald Tribune. “We are not so sure, however, that the reception here to the paintings of Schiele and Klimt will be all that may be expected for them. It is difficult to awaken enthusiasm at this time for artists so little known and appreciated here and for many years passed from the contemporary scene in Europe.” (KALLIR, 2005). 19 Tradução minha de: [...] Consequently, he asked around $20 each for drawings, and $60 for watercolors (roughly $225 and $700 respectively in present-day dollars). Still, only one work sold: a small oil painting for $250 (today about $2,800) to a refugee collector who paid off the balance over a year and a half in monthly installments of $13. A big sale was the bulk purchase, in 1944, of twelve Schiele works on paper for a total of $270 (now approximately $3,000) by a German refugee dealer. [...] (KALLIR, 2005).

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Salienta-se que as cotações foram realizadas por Jane Kallir em 2005. A autora ainda indicou que as baixas vendas de Schiele refletiam de um lado a atitude antigermânica, e também resultavam da condição econômica provocada pela Depressão de 1929. O fracasso da mostra de 1941 foi relativamente superado por outra exposição dedicada a Egon Schiele, dessa vez realizada em 1948. Acabada a Segunda Guerra, o comércio e relações com a Europa se reestabeleceram, o que propiciou a Kallir a localização de antigos colecionadores de Schiele e de obras que estavam detidas em Figura 8. Retrato de Paris von Gütersloh. Paris desde 1939. A nova exposição, portanto, Egon Schiele, 1918 foi uma retrospectiva mais abrangente, pois contou com material de paradeiro até então desconhecido, tornado público graças ao conhecimento e ao catalogue raisonné realizado por Kallir nos anos 1930. Um dos destaques foi justamente uma das telas encontradas na França, o Retrato de Paris von Gütersloh. A tela, pintada no último ano de vida de Egon Schiele, foi importante para se compreender parte da aceitação de Schiele nos EUA, pois se tornou a primeira obra do artista a ingressar no acervo de um museu norte-americano. A compra foi concluída em 1951 pela McMillan Land Company; posteriormente doada ao Minneapolis Institute of Arts, em 1954. A aquisição e cobertura da mídia sobre essa obra finalmente abriram espaço para uma melhor aceitação de Schiele. Uma nova mostra, dessa vez em 1957, não foi apenas sucesso de crítica, como também trouxe o tão esperado retorno financeiro ao qual Otto Kallir aspirava há 16 anos:

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Os preços de Schiele tinham subido quase dez vezes desde o início da década de 1940, e mais do que duplicaram desde o início dos anos 50. Os valores de 1957 variavam de US $280 a US$600 para aquarelas, e US$ 100 a US$ 400 para os desenhos não coloridos. Pela primeira vez, um número significativo de colecionadores americanos natos constava entre os clientes de Schiele da galeria. No entanto, uma boa porcentagem dos compradores tinha antecedentes austríacos ou alemães: eram refugiados que finalmente tinham prosperado em sua terra adotada, ou que tinham laços familiares ou profissionais com a Europa Central. [...] (KALLIR, 2005, sem página, tradução minha). 20

Jane Kallir continuou o seu artigo apontando como a exposição de 1957 foi apenas o marco inicial de uma tendência que perdura até a contemporaneidade, a compra cada vez mais valorizada de obras de Egon Schiele:

Provavelmente há várias razões para esta tendência de colecionar Schiele em massa, que remonta aos primeiros patronos do artista e continua até os dias atuais. Embora o período produtivo maduro de Schiele tenha durado menos de nove anos, sua obra se divide em tantas fases de desenvolvimento distintas e inclui tal variedade de assuntos, que é preciso um corte transversal representativo para cobrir verdadeiramente a obra do artista. E enquanto Schiele não é para todos os gostos, aqueles que o apreciam tendem a se engajar com paixão. A natureza viciante de colecionar Schiele pode ser uma das razões porque o seu mercado, uma vez estabelecido, expandiu de forma relativamente rápida. (KALLIR, 2005, sem página, tradução minha). 21

Em, 1961 uma parceria entre Kallir e o Solomon R. Guggenheim Museum em Nova Iorque promoveu a primeira exposição dedicada simultaneamente a Egon Schiele e a Gustav Klimt: a visibilidade norte-americana havia aumentado não apenas para Schiele, mas para toda a produção austríaca da qual foi contemporâneo. Por fim, constatei que as contribuições de Otto Kallir e da sua Galerie St. Etienne não se limitaram somente à documentação e à incursão do artista no circuito não europeu. Alessandra

20 Tradução de: [...] Schiele prices had risen nearly tenfold since the early 1940s, and more than doubled since the early ‘50s. The 1957 values ranged from $280 to $600 for watercolors, and $100 to $400 for uncolored drawings. For the first time, a significant number of American-born collectors numbered among the gallery’s Schiele clients. However, a good percentage of the buyers had Austrian or German backgrounds: they were refugees who had finally made good in their adopted land, or they had family or professional ties to Central Europe. [...] (KALLIR, 2005). Valores estabelecidos pela autora em 2005. 21 Tradução minha de: There are probably several reasons for this tendency to collect Schiele in masse, which dates back to the artist’s earliest patrons and continues to the present day. Although Schiele’s mature productive period spanned less than nine years, it is divided into so many distinct developmental phases and includes such a variety of subjects that one needs a representative cross-section to truly cover the artist’s oeuvre. And while Schiele is not to everyone’s taste, those who appreciate him tend to become passionately engaged. The somewhat addictive nature of Schiele collecting may be one reason why his market, once established, expanded relatively rapidly (KALLIR, 2005).

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Comini e James Demetrion foram exemplos de pesquisadores que se formaram graça a bolsas de estudos oferecidos por Otto Kallir. Ambos contribuíram com ensaios para o catálogo do Guggenheim Museum, e prosseguiram com suas respectivas pesquisas sobre Egon Schiele: Comini viajou a Viena e entrevistou pessoas que haviam convivido com o artista; sua tese de doutorado de 1974, intitulada Egon Schiele’s portraits, foi a primeira grande biografia escrita sobre Schiele. Já Demetrion em 1971, sob o cargo de diretor do Des Moines Art Center, nos Estados Unidos, organizou a exposição Egon Schiele and human form. Após a morte de Egon Schiele, seu círculo pessoal gradativamente reuniu aquilo de mais acessível de sua obra, aquelas que estavam com a família, os amigos e os colecionadores que optaram por doá-las ou vendê-las. No entanto, parte significativa de suas criações estava – e ainda permanece – em coleções privadas ou em destino desconhecido. Por esses motivos, em 1981, foi fundada na Tulln, cidade natal de Schiele a Sociedade Internacional Egon Schiele (Internationale Egon Schiele-Gesellschaft)22, que assumiu a tarefa de catalogar a obra e tudo relacionado sobre a vida do artista, tendo suas atividades focadas principalmente na investigação e documentação. Tulln passou por mudanças consideráveis desde 1990, quando houve a inauguração do Egon Schiele Museum por ocasião do centenário de nascimento do artista. A instituição fica na Bahnhofstraße 69, 3430, Tulln. Promovendo o turismo por meio não somente da arte de seu filho mais famoso, mas também por meio da ênfase em acontecimentos de seu passado particular, em 2013, a iniciativa local engendrou a institucionalização e a abertura do local de nascimento do artista. Em 2014, as ações turísticas foram complementadas com o “Caminho Egon Schiele”, proposta que oferece aos visitantes uma “aproximação” à infância do artista por meio de uma caminhada em torno da cidade. 23 Apesar de iniciativas privadas para criação de museus que levam o nome do artista, é o Leopold Museum, em Viena, que reune o maior e mais diversificado acervo de Schiele. A instituição conta com nada menos que 41 pinturas e 188 trabalhos em papel do artista, tendo sido o responsável pela publicação bilingue (alemão/inglês) do diário ilustrado de Schiele na prisão.

22 Apesar da existência de espaços culturais com o seu nome, a maioria dos trabalhos em papel do artista estão na Sammlung Albertina, em Viena. 23 Descrições presentes no site do Egon Schiele Museum.

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Em paralelo à construção de instituições de arte para preservação da memória, Egon Schiele está presente na contemporaneidade por meio de sua influência em artistas das mais diversas linguagens. Um exemplo é a performance Pass the Blutwurst, Bitte, idealizada e executada por John Kelly em 1984, 1986, 1995 e 2010 em Nova Iorque.

Figura 9. Cenas de Pass the Blutwurst, Bitte. John Kelly, 2010

Em Pass the Blutwurst, Bitte, John Kelly interpretou as passagens da vida de Schiele, artista cujas obras conheceu nos anos 1970 durante seus estudos na Parson’s School of Design:

As cenas que Kelly adicionou ao original elaboram as relações de Schiele com mulheres. Primeiro veio Wally, uma jovem mulher que ele conheceu na escola de arte e que se tornou sua modelo e amante. Em seguida, após a sua libertação da prisão e uma posterior mudança para um novo local, Schiele perseguiu uma jovem mulher mais respeitável, Edith, que mais tarde se tornou sua esposa e mãe de seus filhos. Aqueles familiarizados com pinturas e a vida de Schiele poderiam ter reconhecido em Morte e Donzela, a expressão do desejo do artista de manter Wally, apesar de seu novo estado civil. [...] (FELLER, 2015). 24

Das artes plásticas, podem ser citados quatro trabalhos contemporâneos em referência a Egon Schiele. O primeiro deles, a escultura representativa de Egon Schiele executada em aço por Al Farrow em 1990. A obra mede 1,85 de altura e apresenta um rosto caricato, porém visualmente similar ao do artista vienense, equilibrado por uma haste de aço. O destaque da obra fica para a face pintada ao estilo dos retratos de Egon Schiele por volta de 1915.

24 Tradução minha de: The scenes Kelly added to the original elaborate on Schiele’s relationships with women. First came Wally, a young woman he met in art school who became his model and lover. Then, after his release from jail and an eventual move to a new place, Schiele pursued a more reputable young woman, Edith, who later became his wife and the mother of his children. Those familiar with Schiele’s paintings and life might have recognized Death and , expressive of the artist’s desire to hold onto Wally despite his new marital status. […] (FELLER, 2015).

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Figura 10. Egon Schiele. Al Farrow, 1990

O segundo trabalho em referência a Schiele é a capa do LP Heroes, de David Bowie. Na fotografia de 1977, Bowie estava em pose mímica estática, assim como algumas fotografias de Egon Schiele tiradas pelo seu cunhado e amigos.

Figura 11. Egon Schiele em 1914 e David Bowie em 1977. Fotógrafo: Anton Peschka, 1914; Fotógrafo: Masayoshi Sukita, 1977

Vale recordar a amizade que Schiele tinha por artistas cênicos por volta de 1912, com os quais aprendeu e se apropriou de algumas posturas da mímica. Em uma entrevista para

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divulgação de Heroes, David Bowie relatou a sua estadia em Berlin para um “retiro criativo”, ocasião na qual entrou em contato com artistas de diversas linguagens para reformulação de sua própria carreira. Uma terceira obra de destaque é a série de esculturas de Lucretia Schmidt, diretamente baseadas de autorretratos de Egon Schiele. Fato interessante sobre a artista foi a experiência de ter trabalhado por cerca de um ano no Madame Tussauds Museum em Londres, conhecido por suas réplicas de personalidades em figuras de cera.

Figura 12. Obras finalizadas e uma das peças em processo criativo. Lucretia Schmidt, data desconhecida

O artista foi tema também de obras literárias, musicais e audiovisuais. O primeiro filme sobre Egon Schiele foi Egon Schiele – Exzess und Bestrafung, traduzido no Brasil como Excesso e Punição. A obra de 1 hora e 29 minutos foi lançada em 1981, sendo uma coprodução realizada por profissionais alemães, franceses, ingleses e austríacos. Foi dirigida pelo vienense Herbert Vesely (1931-2002) e protagonizado pelo ator alemão Mathieu Carrière. A cinebiografia começa a contar a história do artista a partir de 1912, ano em que foi preso, sendo essa detenção um dos grandes eixos narrativos do filme.

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Figura 13. Mathieu Carrière como Egon Schiele em Excesso e punição. Reprodução do filme em dvd, 2016

Uma nova cinebiografia em produção é “Egon Schiele: Tod und Mädchen” (Egon Schiele: Morte e Donzela, ainda sem tradução para o Português). O título faz referência à tela homônima de Schiele datada de 1915. Em fase final de produção, o filme tem sua data de estreia na Áustria a partir de novembro de 2016, sendo a obra dirigida pelo também vienense Dieter Berner e com participação do ator Noah Saavedra como Egon Schiele. Cabe ainda apontar a “participação” de Schiele na cinebiografia de seu mentor Gustav Klimt: Klimt, de 2006 foi escrito e dirigido pelo chileno Raoul Ruiz (1941-2011) e trouxe Nikolai Kinski como Schiele e o astro John Malkovich como Klimt.

Figura 14. John Malkovich e Nikolai Kinski em Klimt. Reprodução do filme em dvd, 2016

No universo musical Egon Schiele também foi relembrado. Em 1996 o grupo instrumental norte-americano Rachel’s (1991-2012) lançou o seu segundo album, intitulado Music for Egon

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Schiele. A obra foi composta para a peça Egon Schiele dirigida por Stephan Mazurek, executada e gravada em maio de 1995 no Itinerant Theater Guild da University of Illinois Chicago. O LP de 47 minutos contava com 12 canções relativas a passagens marcantes da vida de Schiele, dispostas na seguinte ordem e tempo:

1. Family Portrait – 5:41 2. Egon & Gertie – 3:02 3. First Self-Portrait Series – 3:47 4. Mime Van Osen – 3:05 5. Second Self-Portrait Series – 2:30 6. Wally, Egon & Models in the Studio – 4:41 7. Promenade – 8:24 8. Third Self-Portrait Series – 2:23 9. Trio Goes to a Movie – 2:41 10. Egon & Wally Embrace and Say Farewell – 3:09 11. Egon & Edith – 2:55 12. Second Family Portrait – 4:45

O vienense foi também uma inusitada inspiração para um romance brasileiro. O Espelho de Egon (Uma História Reflexiva) foi o livro de estreia de Horácio Soares, lançado em 2000 pela editora Rocco no Brasil. O núcleo principal da história, um romance policial com aspirações ao estilo de Nelson Rodrigues, passava-se no Rio de Janeiro e envolvia o roubo de obras de Egon Schiele. Uma das homenagens contemporâneas a Schiele aqui citada pertence a uma área bastante diversa da arte, a astronomia. Egon Schiele, em 13 de outubro 1996, foi homenageado pelos astrônomos Jana Tichá e Miloš Tichý, que recém tinham descoberto um novo asteroide, o intitulado 11338 Schiele.

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Figura 15. Órbita de 11338 Schiele, exterior à órbita de Marte. Site Planety, 2016

Por sua vez, da primeira década dos anos 2000 consta uma retomada de Egon Schiele que contou com a participação da célebre artista Marina Abramovic.

Figura 16. Performance inspirada em Egon Schiele. Divulgação, 2005

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Entre março e junho de 2005 ocorreu a primeira retrospectiva de Egon Schiele nos Países Baixos, realizada nas dependências do Van Gogh Museum de Amsterdã, em colaboração com a Albertina Sammlung de Viena. Além de obras do artista, a mostra ainda contou com performances e apresentações de dança coordenadas pela artista performática Marina Abramovic e pelo Dansgroep Krisztina de Chatel. Apesar das muitas e diversificadas referências ao artista nas obras da nossa contemporaneidade, a imagem de Egon Schiele ingressou à era atual não apenas por meio da revalorização de sua arte, mas também das descobertas do passado nazista. Como caso emblemático destaco a briga judicial transcorrida entre 1998-2010 pela posse do quadro Retrato de Wally Neuzil, atualmente sob guarda do Leopold Museum de Viena. Inicialmente, a tela de 1912 pertenceu à comerciante judia Lea Bondi Jaray, que fugiu de Viena para Londres em 1939. A disputa começou em 1997, quando o Leopold Museum emprestou a obra em questão ao Museum of Modern Art (MoMa) em Nova Iorque. Em 1999 o governo dos Estados Unidos confiscou a tela, alegando que ela fora roubada de Lea Bondi Jaray pelo nazista Friedrich Welz, e importada pelo Leopold Museum em violação às leis dos EUA.

Figura 17. Retrato de Wally Neuzil. Egon Schiele, 1912

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Com base nas provas apresentadas durante o processo, o Tribunal Distrital dos Estados Unidos concluiu em 2009 que a pintura era de fato um patrimônio particular de Lea Bondi Jaray e seus descendendes e que fora dela roubada nos anos 1930 por Friedrich Welz. O Tribunal constatou também que a pintura tinha sido apreendida de Welz pelas Forças norte-americanas na Áustria depois da Guerra e entregue em 1947 ao Escritório Federal Austríaco de Preservação de Monumentos Históricos (Bundesdenkmalamt), juntamente com outras pinturas que Welz tinha adquirido do Dr. Heinrich Rieger, um colecionador de arte judeu que havia perecido durante o Holocausto. Todas as obras foram incluídas em um mesmo lote de patrimônios e devolvidos aos herdeiros de Rieger na década de 1950, inclusive o “Retrato de Wally”. Erroneamente atribuída ao patrimônio de outra família, a tela de Egon Schiele foi vendida para o Austrian National Gallery Belvedere, que em 1954 iniciou negociações para revendê-lo ao Dr. Rudolf Leopold: finalmente em 1994 a obra foi transferida para o Leopold Museum. Apesar de reconhecida a posse oficial aos herdeiros de Lea Bondi, o “Retrato de Wally Neuzil” está sob condição de empréstimo ao Leopold Musuem, que entrou em acordo com os proprietários e com o governo americano. Depois de elaborar uma visão geral da recepção de Egon Schiele nas décadas posteriores a sua morte, a sua aceitação nos EUA e a recente tendência de revisão histórica e judicial acerca da posse de obras do artista, alguns delas com paradeiros nebulosos, cabe agora abordar o contexto da presença de sua obra em nosso país, representada pela existência de um trabalho aqui chegado após o nazismo.

1.3. Uma raridade no Museu Lasar Segall

Conforme mencionado na apresentação, Egon Schiele foi um criador de ritmo intenso durante a sua curta vida e carreira. Da extensão de sua obra, meus anos de pesquisa acerca do artista me levam a identificar cinco grandes eixos temáticos: maternidades alegóricas, retratos da sociedade, paisagens outonais, nus eróticos e autorretratos. Dentre eles, um eixo que fortemente despertou minha atenção como pesquisadora e instaurou o desejo de aprofundar nos seus mistérios foi o de autorretratos.

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Figura 18. Autorretrato. Egon Schiele, 1910/1912

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Conforme mencionado na apresentação, Egon Schiele foi um criador de ritmo intenso durante a sua curta vida e carreira. Da extensão de sua obra, meus anos de pesquisa acerca do artista me levam a identificar cinco grandes eixos temáticos: maternidades alegóricas, retratos da sociedade, paisagens outonais, nus eróticos e autorretratos. Dentre eles, um eixo que fortemente despertou minha atenção como pesquisadora e instaurou o desejo de aprofundar nos seus mistérios foi o de autorretratos. Assinado pelo artista e datado de 1912, o autorretrato de técnica mista25 de Egon Schiele é até os dias de hoje a única obra do artista26 catalogada em um museu brasileiro – e possivelmente, a única no Brasil. Exibida no final de 2010 pelo Museu Lasar Segall, em seus 45,5 por 25,55 cm de dimensão, a peça intitulada Autorretrato mostra um magro – ou quase esquelético – Egon Schiele em pé, representado nu da cabeça até metade das coxas, posando sob um fundo pardo da cor do próprio suporte. Como o usual em seus trabalhos desde que abandonou os estudos acadêmicos, o corpo humano sob os pinceis, carvões e lápis é ilustrado em uma posição que pode ser entendida no sentido restrito de pose ou postura intencional, estudada e previamente ensaiada. A torção do braço direito, que termina em uma longa mão agarrada à cabeça, realça a sensação de expressividade da obra: tensiona os músculos de aparência frágil e desestabiliza a composição visual, equilíbrio que é parcialmente compensado pelo acréscimo do outro braço, estendido e inacabado na altura do cotovelo. O centro do suporte não coincide com o centro ótico da imagem, então mais uma vez o observador é convidado a passear os olhos pela aquarela. Ao longo de todo o corpo as cores não coincidem com a realidade. Sobre a pele há camadas de verde, amarelo e laranja, que se condensam no rosto do artista, nos mamilos e no sexo – as zonas eróticas recebem destaque cromático tanto quanto a face. Saliento que em Autorretrato, assim como outros trabalhos em papel realizados entre 1910 e 1912, Schiele não apresentou preocupação com focos arquitetônicos, sendo o centro total do grafismo o corpo humano em um elogio ao orgânico.

25 Aquarela e crayon sobre papel de embrulho marrom (kraft). 26 Segundo entrevista cedida por Jorge Schwartz, diretor do museu: "... trata-se do único quadro de Egon Schiele pertencente a um acervo de museu brasileiro e, ao que se saiba, o único Egon Schiele do Brasil". (O GLOBO, 2011, s/n).

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Nestes autorretratos, o artista não negou a fragilidade da condição humana, com a sua degradação e a perspectiva da morte física, tal como um memento mori personificado, a nos lembrar que todas as coisas vivas têm um destino marcado, o fim gradativo. Em termos de paleta há a predominância daquilo que denomino como “cores de outono”, tons terrosos e orgânicos tais como marrons, ocres, amarelos e verdes, característica marcante dos trabalhos de Schiele, sendo esse tratamento pictórico presente dos seus retratos até as suas paisagens: uma paleta que remete à decadência, à decomposição e ao clima outonal. Para melhor visualização das partes que constituem a paleta do trabalho em questão recorri à plataforma online disponibilizada pelo site Colour lovers:

Figura 19. Paleta de cores decomposta em Autorretrato

Na parte inferior direta se vê a assinatura do artista e a data 1912, escrita a lápis. Há também, na borda inferior direita, uma segunda marcação a lápis semelhante a um arabesco, possivelmente outro indício de autoria deixado pelo artista.

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Figura 20. Da direita para esquerda: Assinatura e data. Símbolo e faixas de clareamento nas margens

Através de visualizações feitas pessoalmente ou por meio da reprodução fotográfica em alta resolução cedida pela equipe do Museu Lasar Segall foi possível observar que “Autorretrato”, hoje com mais de 100 anos, apresenta pontos de degradação do suporte, principalmente nas áreas ocupadas pelo corpo representado, com maior predominância no braço estendido à direita: há a possibilidade de que a degradação nas áreas pintadas tenha sido causada pela reação dos pigmentos. Há também em todas as margens finas faixas de tom mais claro do que o restante do papel, marcas que podem indicar que a obra anteriormente foi emoldurada.

Figura 21. Detalhe de Autorretrato com destaque para os pontos de desgaste da obra

O fragmento fotográfico da aquarela é também a imagem de capa e o destaque do catálogo de 160 páginas lançado pelo Museu Lasar Segall em ocasião da mostra na qual Autorretrato foi mostrado ao público e à crítica brasileira pela primeira vez. Intitulada Verdade, fraternidade, arte: Secessão de Dresden: grupo 1919 e contemporâneos, a exposição ocorreu de 20 de novembro de 2010 a 20 de fevereiro de 2011 no museu.

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Apesar de parte significativa da ênfase da mídia sobre a mostra ter se voltado para a obra de Egon Schiele, devido à unicidade da ocasião, o foco proposto englobava cerca de outras 50 obras de artistas como Otto Dix (1891-1969), participantes da comunidade artística Secessão de Dresden – Grupo 1919, cujo lema era “Verdade, fraternidade, arte”. Desse grupo, definido por Vera D’horta (2015) como a segunda geração de expressionistas europeus, Oskar Kokoschka ingressou como artista convidado. As artes gráficas eram valorizadas dentro do movimento, sobretudo a gravura, o que resultou na edição de um livro impresso com as temáticas habituais do grupo, que buscava sempre na natureza e no primitivo do homem, aquilo de mais essencial que existe em cada homem não afetado pela cultura. Egon Schiele foi incluído na mostra do Museu Lasar Segall não apenas por ter sido contemporâneo dos artistas da Secessão de Dresden, mas por ter sido inspiração para alguns deles: “Uma sensibilidade aberta à arte internacional permitiu que se espelhassem em personalidades como o austríaco Egon Schiele e o russo Marc Chagall” (D’HORTA, 2015). Em reportagem intitulada O único Egon Schiele no Brasil, publicada na época da exposição, em 7 de fevereiro de 2011, e hoje disponível para consulta pública no portal online do jornal O Globo, se relatou que a aquarela Autorretrato teria ficado cerca de 20 anos armazenada no depósito do acervo do Museu Lasar Segall, em condição de desconhecimento por parte dos funcionários. Isso até ser reencontrado pelo diretor Jorge Schwartz:

Quando eu entrei no museu, há três anos, havia rumores de que no acervo, composto basicamente de trabalhos de Segall, tinha um quadro de Egon Schiele, mas aquilo era tratado como uma espécie de lenda urbana. Consultei uma de nossas museólogas, Pierina Camargo, e ela me trouxe a tela, mas a autoria ainda não havia sido confirmada por nenhum especialista internacional em Egon Schiele (...) (O GLOBO, 2011, s/n).

Sobre as origens da obra, a informação publicamente cedida pelo Museu Lasar Segall foi a de que Autorretrato era patrimônio do casal de judeus Käthe e Johann Schwarz, que migrou para o Brasil em 1938 após o avanço nazista na Áustria; teriam adquirido o trabalho de Schiele já em São Paulo em meados da década de 40, por meio do ex-proprietário que também era um judeu imigrante.

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A aquarela permaneceu com a família Schwarz até o momento em que o descendente Roberto Schwarz27 decidiu cedê-la aos cuidados de seu amigo Maurício Segall, filho do artista Lasar Segall e então presidente do museu em homenagem ao pai. Isso teria acontecido nos anos 1990, com alegações de motivos de segurança; posteriormente, Autorretrato foi cedido à instituição em regime de comodato, com a promessa de doação. Em 2008 Jorge Schwartz ingressou na direção do Museu Lasar Segall e prestou atenção aos comentários de que na instituição havia um Egon Schiele. Encontrou a obra, mas não havia documentação sobre a mesma, fato confirmado pela coordenadora de museologia Pierina Camargo, em entrevista cedida à pesquisadora em julho de 2016. Localizado o autorretrato de Schiele, em abril de 2010 Schwartz procurou a mencionada especialista Jane Kallir, na Galerie St. Etienne, a fim de uma autenticação. Em entrevista para O Globo Schwarz comentou:

(...) coloquei a tela embaixo do braço e embarquei para Nova York. Na Receita Federal no aeroporto, sequer olharam para a tela e me disseram que eu não precisava registrá-la. Imagina se eu fosse um ladrão de arte fugindo com uma obra brasileira preciosa. (O GLOBO, 2011, s/n).

No final da análise e de muitas expectativas de ambas as partes, a própria Kallir garantiu a autenticidade da obra:

É uma tela extraordinária que, apesar de ser datada de 1912, foi pintada em 1910, no início da carreira de Schiele, quando ele decide abandonar a influência art nouveau de Klimt e explode com trabalhos expressionistas. Naquela época, ele costumava datar seus trabalhos no ano em que decidia assiná-los e não no ano em que os pintava - conta Jane. - A nudez facilitava a linguagem corporal expressiva de Schiele, que nesta época usava as cores amarelo, vermelho e laranja em partes do corpo que ele percebia serem expressivos da sexualidade humana, como a genitália, seios, mamilos, orelhas, cotovelos e nuca (O GLOBO, 2011, s/n).

Sobre o Autorretrato há muitas incertezas e alguns rumores. Relato uma ressalva de Pierina Camargo, expressa em entrevista à pesquisadora autorizada pela museóloga, em relação às informações comunicadas pela mídia: Autorretrato estaria em posse da Associação Cultural de

27 Roberto Scharwz é crítico literário e professor aposentado de Teoria Literária Brasileira. Desde a exposição de 2010, optou por não falar sobre o autorretrato de Schiele que pertenceu a sua família: “Este quadro já não me pertence. Pertence ao museu, então não desejo comentar”. (O GLOBO, 2011, s/n). Também é, conforme consta nas informações pública do Museu Lasar Segall, membro do Conselho da instituição cultural.

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Amigos do Museu Lasar Segall, não sendo propriamente uma posse do Museu. Segundo as palavras de Luiz Camillo Osorio, curador e crítico de arte, “um museu brasileiro ter um Schiele em seu acervo é espetacular, especialmente o Museu Lasar Segall, cuja obra dialoga muito com a de Schiele”. (O GLOBO, 2011, s/n). Apesar de ter sido exposta pelo Museu, a obra, portanto não pertence de fato à instituição, estando em comodato de longa duração em nome da Associação. Paralelamente, um dos principais nomes nas pesquisas sobre Egon Schiele, a norte-americana Jane Kallir, afirmou que a data inscrita na aquarela, 1912, não é a correta, mas sim 1910. Essa suposição se baseou nas comparações de indícios temáticos e técnicos realizadas pela especialista entre trabalhos similares do artista do mesmo período, tais como Nu masculino sentado:

Figura 22. Nu masculino sentado. Egon Schiele, 1910

A presente aquarela Autorretrato tem vaga relação com a tela sobrevivente, Nu Masculino Sentado. Embora, no geral, as poses nas duas obras sejam diversas, ambas apresentam o mesmo gesto curioso do braço torcido sobre a cabeça. A necessidade de Schiele de retratar-se nu (aqui e em inúmeros outros trabalhos do período 1910-1911) era bastante incomum. Enquanto o decoroso nu feminino

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tem uma longa e conhecida história na arte ocidental, nus masculinos e autorretratos nus são relativamente raros. Schiele interessou-se pela nudez, pois essa facilitou sua linguagem corporal expressiva, permitindo que a figura inteira comunicasse uma mensagem emocional. A nudez também destacava a sexualidade do sujeito, um tema que Schiele achava particularmente irresistível. Complementando os múltiplos eus que percorrem seus autorretratos contemporâneos com roupa, a exploração da sexualidade pelo artista fez parte de uma busca pós-adolescente pela sua identidade pessoal. (KALLIR in MUSEU LASAR SEGALL, 2011, p. 9).

O ano de 1910 marcou os primeiros passos de Egon Schiele para a constituição de seu estilo próprio: havia abandonado os estudos na Academia de Belas Artes de Viena e também estava se isentando da força de influência do simbolismo ornamental de seu mentor, o artista Gustav Klimt. Assim, Schiele naquela fase se encontrava mais aberto à linguagem dos expressionistas europeus, sobretudo os alemães. Além da similaridade compositiva entre Autorretrato e Nu masculino sentado há outros elementos de análise que possivelmente levaram Jane Kallir a deduzir um erro de datação. Foi em 1910 que Schiele começou experimentos para inserir cores que antes usava com pouco destaque, como vermelhos, marrons e amarelos mais vibrantes, em imagens deixadas parcialmente finalizadas ou com membros “amputados” – em 1912 essa tendência estava consolidada e as cores eram usadas com mais propriedade, com o artista realçando o tratamento pictórico e optando por outros suportes que oferecessem mais possibilidades aos materiais e seus pigmentos. Surgiu também nesse período de 1910 a particularidade do contorcionismo dos corpos, aliado ao uso de cores associáveis à decomposição outonal para pigmentar os corpos retratados. Segundo a autora de seu catalogue raisonné mais atualizado até o momento, Kallir, no mesmo ano de 1910 Schiele realizou cinco telas que podem ser conectadas ao autorretrato no Museu Lasar Segall, sendo três de si próprio e dois de sua irmã mais nova, Gertrude Schiele. Das cinco, apenas uma delas tem seu paradeiro amplamente conhecido, o citado Nu masculino sentado. O desaparecimento das outras obras tornaria uma comparação inviável se não fosse a existência de relatos das mesmas e de uma série de estudos em aquarela, que demonstra como nas cinco telas o artista se empenhou no estudo das possibilidades de sua nova paleta de cores – tratamento pictórico descrito de forma similar ao encontrado em Autorretrato. Outra obra semelhante ao autorretrato exibido pelo Museu Lasar Segall e também produzida em 1910 é Autorretrato com braço torcido sobre a cabeça. O trabalho em questão

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também é uma aquarela; propõe-se como estudo da anatomia em pose simulada e evidencia uma estética de magreza extrema.

Figura 23. Autorretrato com braço torcido sobre a cabeça. Egon Schiele, 1910

Nesse caso o artista igualmente rompeu com cânones acadêmicos ao não se preocupar em estruturar a composição ao longo do suporte de modo a centralizar plenamente o corpo: assim, um novo corte de braço é realizado, dessa vez provocado pelos limites do próprio suporte. Esta observações e as anteriores levam a concordar com o parecer da especialista Jane Kallir a respeito da data de Autorretrato, sendo o mais plausível 1910 e não 1912.

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Os autorretratos foram frequentes durante os menos de 12 anos em que Schiele se dedicou às artes. Retratou-se em diversos suportes, tamanhos, técnicas e “disfarces”. Segundo Patrick Werkner no texto Body language, form and idea in Austrian Expressionist painting, o corpo na poética do artista seria a forma máxima de expressão dos conflitos humanos:

A representação do corpo englobava, para ele, toda a gama das possibilidades formais sugeridas pela experiência de si mesmo e de seus semelhantes. [...] O contorno de um nu delineia o drama da vida humana; a superfície de um corpo nu em aquarela torna-se uma paisagem psíquica. (WERKNER, 1989, s/ n, tradução minha). 28

O tema do autorretrato é clássico no universo da pintura e dialoga com a ascensão histórica do artista como profissional socialmente necessário, assim como com a questão da própria reivindicação da autoria da obra de arte e da liberdade de criação. Tratando especificamente deste tema e de sua trajetória ao longo da história da arte, Ernst Rebel (2009), em seu livro Auto-retratos, iniciou um panorama do gênero na arte europeia com uma análise na qual propôs a visão de que o ato de se autorretratar tem como essência um espelho idealístico, essência que o torna um testemunho de como o autor da obra desejava ser visto pelos outros. Assim, os autorretratos se propunham, desde cedo, a algo para além da representação da realidade. O reconhecimento dos artistas enquanto nova categoria profissional e distinta do artesanato consolidou-se somente no século XV. Desse modo o autorretrato também se tornou testemunha de uma mudança de perspectiva social. Até o final do século XIV, o ato de assinar a obra por pequenos artesões era extremamente inusitado (REBEL, 2009). A partir do momento em que a prática se popularizou, nasceram os primeiros indícios da autonomia artística. Se antes os artesãos se reuniam em guildas e produziam conforme a demanda, agora passava a surgir a

28 Tradução minha de: The depiction of the body encompassed, for him, the whole range of the formal possibilities that were suggested by his experience of himself and his fellow creatures. “I always think that the greatest painters have painted figures,” Schiele wrote in 1911.The figure, for him, is the vehicle of expression. The outline of a nude delineates the drama of human life; the surface of a naked body in a water color becomes a psychic landscape. (WERKNER, 1989, s/n).

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condição para um profissional com maiores possibilidades de exploração criativa e técnica, sem depender da parceria direta de outros da mesma categoria.

De qualquer maneira que o trabalho fosse feito, embora exigisse uma criatividade especial, raramente era sujeito a decisões e objetivos pessoais, e não era de forma alguma sujeito ao conjunto de regras que surgiram com a aprendizagem especializada. O trabalho era encomendado por colectividades ou feito a serviço de ricos e poderosos, mas o seu criador nunca trabalhava sob a sua própria direção. Nunca? No campo especial do auto-retrato essa autonomia começou muito cedo. (REBEL, 2009, p. 6-7, tradução minha).

Conforme REBEL (2009, p. 9-12) elucidou, durante os séculos XIII e XIV, determinados eventos anteciparam e indicaram a autonomia e a autoafirmação do artista que se oportunizariam de forma ampla mais tarde. Dentre os acontecimentos descritos pelo autor, aponto a primeira prova documental de um artista a serviço da Corte de Nápoles (1282) e o suposto autorretrato de Giotto di Bondone (1276-1337) em um afresco sacro datado de 1304. Eventos como estes abriram campo para o fortalecimento da classe artística, assim como para o reconhecimento do talento como um trabalho intelectual. Abriram caminhos para além da relação dicotômica entre atividades do cotidiano (artes mechaniae) e artes liberais (artes liberales). Nessa nova condição um pintor, desde que realizasse seu trabalho em nível de excelência intelectual, seria considerado um propagador de cultura e possuidor de um raro virtuosismo técnico – o gênio, imagem que se popularizou na Renascença e no Romantismo do século XIX. Outras possibilidades surgiram com a autonomia do trabalho intelectual. Assim, o autorretrato ascendeu de categoria, passando a “manifesto do auto-conhecimento humano geral, e até a autorreflexão cultural” (REBEL, 2009, p. 13). Como símbolo desse período, o autor elegeu a produção artística de Albrecht Dürer (1471-1528), de quem um de seus autorretratos se tornou justamente o primeiro trabalho reconhecido no conjunto de sua obra. Saliento que o auge da temática do autorretrato pelos renascentistas coincidiu com uma democratização do espelho na Europa, objeto que se tornou um poderoso instrumento da descoberta da identidade, permitindo ao artista “fazer a experiência do eu enquanto imagem do eu e [fazendo-nos] remontar a um artista renascentista que começa a tomar consciência do seu papel” (STEINER, 2006, p. 7).

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Conforme Rebel, mesmo após o Renascimento, os pintores dos séculos XVII e XVIII não se afastaram do autorretrato ou abriram mão de sua capacidade de ultrapassar níveis e limites. Durante esse momento, o pintor geralmente apresentava seus serviços como especialista de temas particulares – retratos, paisagens, naturezas-mortas. No entanto, o autorretrato nunca foi deixado de lado como alternativa de experimentação e liberdade. Acredito que tal fato se deve à capacidade de múltiplas abordagens que o gênero propicia. Em um único autorretrato, o artista pode posteriozar a sua aparência, explicitar seus ideais de beleza, autoafirmar-se como profissional e explicitar a sua posição social. Como exemplo das múltiplas abordagens simbólicas do autorretrato, destaco Autorretrato com família à mesa (ou O cabinete do pintor), no qual Daniel Chodowecki (1726-1801) se representou simultaneamente como artista, intelectual, pai de família e homem burguês.

Figura 24. Autorretrato com família à mesa. Daniel Chodowecki, 1771

Já no século XIX surgiu a fotografia na França, por meio de dos experimentos do pesquisador Joseph Necephore Niépce (1765-1833). A fotografia promoveu um nivelamento do acesso à própria imagem materializada pela arte: todos, do aristocrata ao criminoso comum, eram retratados através da técnica fotográfica, que se tornou um meio de identificação. Considerada a princípio como o método de criação de imagens mais fidedigno em relação à própria realidade, a fotografia se apresentou como grande rival da pintura, sobretudo no caso

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dos retratos. Em termos práticos, um retrato fotografado possivelmente seria mais barato do que um pintado, sendo também certamente feito em menos horas do que em comparação ao antigo método. O advento da fotografia deslocou a função social do retratista. No entanto, o que foi colapso para alguns se tornou oportunidade para os aspirantes à liberdade criativa. Ao invés do ideal de retratar a realidade, passou a se assumir a missão de retratar o que a realidade pode vir a ser, como fantasia do ideal e como denúncia do mundo, de acordo com cada proposta artística:

A fotografia em si tornou-se o novo espelho da arte e dos artistas, um espelho que assume uma existência mecânica independente. A documentação acompanha agora a ficção em termos iguais. Por outro lado o “olhar” do artista desliza para regiões ainda desconhecidas do mundo e da imagem. (REBEL, 2009, p. 22).

O artista, até então especialista, se tornou múltiplo: artista, investigador, businessman, poeta. Boêmio, profeta, anticidadão, outsider. Foi em meio à aparição dessas pluralidades de papéis imaginados, cultuados e assumidos pelos artistas que surgiram as primeiras atitudes avant- garde antes de 1900. O termo avant-garde derivou-se do vocabulário militar, sendo traduzido como vanguarda. Representava a primeira leva de soldados que enfrentam diretamente o inimigo. Essa analogia de combate a um grande rival foi apropriada por jovens artistas em formação ou em início de carreira no virar do século. Nesse período encaixava-se a produção inicial de Egon Schiele. Sobre os autorretratos de Egon Schiele, destaco o fato de que parte significativa deles serem nus, algo que não é comum, analisando a obra de outros autorretratistas frequentes como Schiele foi. As pinturas e desenhos de nus, geralmente os femininos do início de sua carreira eram realizados sobre papel, sendo apenas desenhos sem cor ou aquarelas, pois o formato tinha um público-alvo já estabelecido, sobretudo os colecionadores de imagens de teor erótico. Já em relação aos nus masculinos, predominantemente os feitos por Schiele retratavam o próprio artista, principalmente aqueles feitos com tinta a óleo. Esse fato coloca obras como Autorretrato em uma posição de interesse para a pesquisa, pois constitui uma conexão entre dois núcleos temáticos, o autorretrato e o nu erótico. A nudez foi considerada de diferentes formas ao longo do tempo, passando de signo do puro à degradação da matéria. Nas histórias bíblicas, ela apareceu em seu caráter dual,

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primeiramente relacionada à pureza dos inocentes criados à semelhança de Deus, e posteriormente, como queda de nível relacionada à expulsão de Adão e Eva do Paraíso. Posteriormente à fase medieval, a estética da nudez retornou no Renascimento em uma perspectiva “meramente naturalista e desprovida de valor simbólico”. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p. 645). Discordo parcialmente da definição dos autores, pois julgo que as sociedades sempre atribuem simbologias às imagens que produzem. No entanto, acredito que a mencionada desvinculação de valor simbólico possa ser entendida como uma separação da ideia de que a nudez seja uma corrupção, ou seja, necessariamente um teor negativo. Desse prisma, o corpo renascentista seria representado em similaridade às práticas da Antiguidade greco-romana, em um retorno ao primordial em prol do belo e da imitação da natureza em um nível de perfeição a ser atingido e superado pelo gênio. Conforme consta no Dicionário de símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2012), após o Renascimento o nu retomou a sua carga simbólica no universo artístico, sendo o seu tratamento dividido em duas abordagens: a nudez como representação da pureza ou como símbolo da vaidade lasciva. Essa duplicidade de significados pôde ser verificada em estilos e produções artísticas com ênfase nas produções do Romantismo, estilo no qual a figura do gênio, simultaneamente visionário e decadente, foi novamente valorizada. No caso de Schiele compreendo que a nudez possa ser entendida simultaneamente como erotismo e como corrupção. Em toda a produção artística do artista, dos retratos às paisagens, o binômio vida-morte esteve sempre presente como poética e estética. Em termos formais essa dualidade foi traduzível por corpos frágeis e tensionados, nudez explícita e sem pudor, hiperfoco em órgãos genitais e na paleta que remete às cores da decomposição orgânica. Na maioria de seus autorretratos, Schiele representou a si mesmo de modo bastante magro, alongado e disforme, por vezes beirando à abstração. Essas deformações do corpo humano, associadas às cores de decomposição, apontam para dois conceitos complexos trabalhados pelos artistas ligados ao Expressionismo: a feiura e o grotesco. Giulio Carlo Argan (2004) discorreu que a deformação no caso expressionista seria uma transformação pela qual a beleza transita da esfera do ideal para o real, invertendo assim seu significado e tornando-se fealdade, porém não diluindo o seu caráter de algo que foi eleito. Conforme ECO (2014), a eleição da estética do feio seria parte de uma atitude artística moderna

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de escolha pela marginalização, como uma resposta aos ideais modernos decaídos, um resquício da anterior postura romântica:

Diante da opressividade do mundo industrial, das metrópoles percorridas por multidões imensas e anônimas, da insurgência de um movimento operário organizado e do florescimento de uma forma de jornalismo que, publicando novelas populares em capítulos, dá início àquilo que chamamos de cultura de massa, o artista vê ameaçados os seus ideais, percebe as ideias democráticas como inimigas, resolve ser “diferente”, marginalizado (...) (ECO, 2014, p. 350).

Nos autorretratos de Schiele, tais como o exposto em 2010 pelo Museu Lasar Segall, o distanciamento da beleza provinha principalmente da deformação dos corpos, por vezes cadavéricos e associáveis à negatividade da morte – no entanto, o ocultamento parcial de uma beleza ainda assim não seria capaz de anular as suas qualidades estéticas. Artinger (2001) aponta que, participando da primeira geração do século XX, Schiele rompeu com a tradição do autorretrato que testemunhava a vida do artista enquanto mero ser social, optando pela autoestilização do sujeito através de seu lado obscuro, da faceta desconhecida do eu, que se manifestava por meio de um corpo mímico, não belo e caricato – nesse gênero de autorretrato de Schiele, predominante entre 1911 e 1915, o artista adotou o papel de outro que não ele próprio:

Nos seus auto-retratos surge com poses excêntricas e gestos extremados que criam uma imagem distanciada, geradora de tensão. O espelho não reflecte nem a autoconfiança nem a consciência de si; é um outro que dele espreita, com traços distorcidos por caretas ou por uma estranha mímica. O corpo é apresentado torcido, extenuado. (ARTINGER, 2001, p. 36).

De 1910 a meados de 191329 as autorrepresentações de Schiele evidenciavam o corpo magro em contorções extremas e extravagantes mímicas, uma tensão inerente e uma sobrecarga de valores expressivos, elementos que inviabilizam a identificação precisa do trabalho como um simples autorretrato. Acredito que em seus autorretratos o artista se reconhecia como divisível, desmontado da unidade do eu: o suporte seria o espelho do artista, porém tornando-se “um espelho que deforma, a imagem apresentada torna-se em alter ego”. 30

29 STEINER, 2006, p. 9. 30 STEINER, 2006, p. 9-10.

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Voltando aos tempos atuais, apesar das poucas informações sobre a aquisição de Autorretrato, não há indícios para se duvidar da versão defendida pelos membros do Museu Lasar Segall: obras de arte são objetos que podem conter em si um alto valor financeiro sendo, portanto, objetos práticos e discretos para se levar quando ocorre a necessidade de recomeçar a vida em outro país, ainda mais em outro continente. Os relatos de Schwartz à mídia se tornaram a versão oficial sobre a obra no Brasil e no mundo. O detalhe da história mais proeminente para a pesquisa foi o fato de o Autorretrato ter sido patrimônio de um judeu fugitivo do regime nazista. Esta condição de exílio necessário da Europa condiz com os fatos ocorridos com inúmeros outros indivíduos ou mesmo com obras de arte durante a ascensão do Nazismo e do crescimento do antissemitismo na Europa. O contexto histórico ao qual me refiro é o da censura nazista contra as obras de arte produzidas ou expostas em territórios militar e politicamente ocupados pelo regime comandado por Hitler. Os atos contra a arte, sobretudo a arte moderna – cometidos pelos nazistas englobaram o saque de obras, a destruição de coleções inteiras e a rotulação de artistas, e subsequentemente suas produções, como degenerados – imorais, doentes e inadequados para serem apreciados, expostos ou comercializados dentro da Europa nazista. As divisões políticas e os ministérios do regime do Nacional Socialismo ficaram posteriormente conhecidos por sua rígida estrutura burocrática, onde tudo que passava por suas mãos era documentado e catalogado. Parte da documentação daqueles tempos sobreviveu à destruição intencional e hoje constitui importante base de estudo sobre os horrores da Guerra, o grau de premeditação dos atos cometidos e a perversidade do racionalismo instrumentalizado de sua ideologia. No entanto, quando se procura acerca do posicionamento da obra de Egon Schiele na conjuntura da arte degenerada surgem interrogações dos motivos pelos quais importantes biógrafos do artista não citam em seus principais estudos quaisquer indícios que levam a uma conclusão se Egon Schiele foi ou não rotulado como artista degenerado. Essas dúvidas abrem margem para um olhar sobre o método de classificação do regime nazista perante a arte moderna. Egon Schiele foi um artista polêmico, de difícil aceitação até nos dias atuais para uma parte significativa do público. Até que ponto realmente havia um método

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para a rotulação de um artista e de uma produção como degenerados? Quais seriam os seus princípios elementares e fixos dessa censura? Em se livro de análise sobre Francis Bacon, artista listado entre os influenciados por Egon Schiele, Gilles Deleuze iniciou um de seus capítulos com um pensamento bastante pertinente: “cada pintor resume à sua maneira a história da pintura” (DELEUZE, 2007, p. 123). Tendo em vista a reflexão de filósofo, pode-se refletir que ao elaborar sua obra o artista está ao mesmo tempo compondo uma nova teoria da arte a partir do passado, que é o legado histórico e o repertório a ser acessado. Sendo assim, para se compreender o grotesco, característica que julgo como essencial a toda a poética de Schiele e ao entendimento de sua possível rotulação como artista degenerado, tornou-se necessário um panorama histórico do conceito do grotesco e de outros que a ele se relacionam, em oposição ou similaridade: o belo, o feio e o sublime.

1.4. Concepções estéticas ao longo dos séculos

A arte das vanguardas não coloca o problema da beleza. Subentende-se como estabelecido que as novas imagens são artisticamente “belas”, e que devem proporcionar o mesmo prazer que um afresco de Giotto ou um quadro de Rafael proporcionavam a seus contemporâneos, mas isso justamente porque a provocação vanguardista viola todos os cânones estéticos respeitados até este momento. (ECO, 2013, p. 415).

Falar de uma produção que se norteia na decadência, assim como faz a obra de Schiele, passa pelo viés da percepção do feio pela história. Definir se algo é belo ou feio é relativo ao tempo, à cultura e ao local. O renomado professor de Semiótica e escritor Umberto Eco (1932- 2016) se apresentou como referência para os estudos acerca do belo e do feio na cultura Ocidental, dois conceitos importantes para abordar o grotesco, ponto que julgo primordial na obra de Egon Schiele. Em suas obras História da Beleza (2013) e História da Feiura (2014), ofereceu um rico olhar sobre a percepção dos dois conceitos no decorrer da história, recorrendo à compilação comentada de textos de autores de diversos tempos, nacionalidades e áreas de conhecimento. Umberto Eco indicou que feiura e beleza são conceitos que passaram não apenas pelo domínio da estética, mas também foram influenciados por critérios sociais e políticos. Exemplo

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disso foi o pensamento de Karl Marx (1818-1883), no qual o filósofo afirmou que o dinheiro é capaz de anular a própria feiura por meio da apropriação de belos e adequados bens materiais (ECO, 2014). Desde a Antiguidade, no entanto, convencionou-se que quando o feio é belamente representado, isto é, quando imitado de forma eficaz e fiel pelo artista, ainda permanece feio, porém recebe uma centelha de rendição do belo. Sobre o belo Eco iniciou sua obra indicando que o termo, assim como palavras tais como gracioso, maravilhoso e sublime, é usado para apontar algo que agrada ou que acreditamos que nos faria bem caso possuíssemos. Não é sem razão que a Beleza é associada a outras qualidades e valores como medida e conveniência (ECO, 2013). Essa acepção do termo correlaciona o belo ao bom, relação que de fato permaneceu em estreito laço durante muitos séculos da Humanidade. Da mesma forma, da Antiguidade à Idade Média assumiu-se tanto que o feio é o contraste direto do belo quanto a possibilidade de a arte ser capaz de representar belamente mesmo o mais feio dos temas físicos ou morais. No entanto, o autor logo esclareceu que, apesar de associação comum na contemporaneidade, a relação entre beleza e arte foi uma invenção moderna e não tão bem evidente em séculos anteriores. De fato, Eco apontou uma ambiguidade histórica entre a beleza natural e a beleza das Artes:

Se determinadas teorias modernas reconheceram apenas a Beleza da arte, subestimando a Beleza da natureza, em outros períodos históricos aconteceu o inverso: a Beleza era uma qualidade que podiam ter as coisas da natureza (...) enquanto a arte tinha apenas a incumbência de fazer bem as coisas que fazia, de modo que servissem ao escopo a que eram destinadas [...] Somente muito mais tarde, para distinguir pintura, escultura e arquitetura daquilo que hoje chamaríamos de artesanato, é que se elaborou a noção de Belas-artes. (ECO, 2013, p. 10).

A ambiguidade apontada residiu justamente na função social da arte em retratar bem, ou seja, em bom nível técnico, a natureza e a realidade. Nessa condição do domínio da técnica pelo artista surgiu a possibilidade das belas representações mesmo temas e cenas trágicos, aversivos e perigosos. Culturalmente e historicamente, o feio foi associado à ideia daquilo que pode ser odioso, deformado, digno de medo, e, no entanto, não automaticamente antiestético. As palavras nas línguas românicas referentes à feiura derivam da raiz teutônica laipo ou do latim brutus

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significando bronco, estúpido, insensível. Já a palavra nórdica para feiura, hässlich, tem derivação e conotação muito diferentes: o alemão tem a mesma raiz que hassen, ou to hate (odiar) em inglês. O inglês ugly vem do inglês médio uggen, ou do norueguês antigo ugga, significando medo. Por fim, o francês laid remete à deformidade, algo malformado. (READ, 1967, p. 36-37). Por sua vez, o grotesco, do italiano grottesco, derivação de grotta (gruta), no século XV se referia a formas ornamentais encontradas no subterrâneo de termas romanas, uma espécie até então desconhecida de pintura antiga, que combinava elemento os de flores, folhas e animais Esses vestígios decorativos apresentavam composições que anulavam a ordem natural valorizada no momento, misturando os domínios dos homens, dos animais e da flora e rompendo com a lógica racionalista e realista de representação. Complementando a trajetória da definição do termo, de acordo com a leitura de Wolfgang Kayser (2009), o grotesco pode ser compreendido como uma estrutura que nos apresenta um mundo alheado, tornado estranho à realidade por causa de uma conflitante mistura de domínios. Partindo sua cronologia do belo e do feio a partir da Antiga Grécia, o estudioso apontou que a era de Péricles (495/492 a. C – 429 a. C) e das vitórias gregas contra os persas corresponderam não somente à ascensão de Atenas como potência, mas à solidificação de uma percepção estética mais clara do belo. Essa percepção se relacionava à necessidade de reconstrução dos templos destruídos nas guerras pérsicas e no favorecimento dos artistas pelo governo de Péricles. Posteriormente, a beleza foi tema do pensamento de Sócrates (469 a.C. – 399 a. C.), Platão e Aristóteles. O primeiro distinguiu três categorias estéticas: a beleza ideal (a natureza através de uma montagem de suas partes), a beleza espiritual (os olhos que expressam a alma, em algumas esculturas) e a beleza funcional. Por sua vez, Platão (428-227 a. C. – 348-347 a.C.) elaborou duas concepções que foram retomadas ao longo dos séculos: a beleza como harmonia e proporção e a beleza como esplendor. Tais associações provinham da própria mitologia – Zeus teria designado uma medida e um limite para cada ser. (ECO, 2013, p. 53). Para o filósofo grego o belo existiria de forma desinteressada do físico, que por ele era expresso apenas acidentalmente; a beleza seria um fenômeno que resplandecia em toda a parte, não estando conectado a um objeto em específico e não correspondendo à visualidade. O modelo da própria realidade seriam as ideias, sendo necessária

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uma busca da realidade e da verdade para além das aparências de mundo transitório, em constante mutação. Do ponto de vista platônico, a obra de arte era duplamente imperfeita, pois era imitação imperfeita de uma natureza também falha. Por isso, a arte era uma manifestação perigosa por afastar do ideal de verdade sem enganos. Para todo o pensamento grego e as posteriores vertentes definidas como clássicas, a verdade era o elemento que ia a encontro do belo, pois seria uma fonte da Beleza. Ainda para Platão o feio só existiria no mundo do sensível, sendo este uma imitação inapta da perfeição do mundo das ideias – o feio não existiria no mundo das ideias porque sua imperfeição não seria admita nesse plano. No entanto, Eco indicou que o pensamento grego foi marcado por contradições, sendo assim, para o antigo filósofo também era possível que o feio tivesse um fundo de beleza, conforme ele se adequasse a sua ideia correspondente. Tudo poderia ser relativamente belo em si mesmo, mas feio em comparação a outro algo (ECO, 2014). Por fim, para Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) a arte foi muito importante, sobretudo a tragédia teatral, pois seria uma fonte do fenômeno da catarse, de poderosas experiências emocionais que nos proporcionam noções sobre a vida apesar de não estarmos verdadeiramente passando pela situação representada pelos artistas. Para Aristóteles a arte era uma forma de conhecimento e de acesso ao belo e à verdade. As diferentes concepções de Platão e Aristóteles influenciaram as relações do mundo com a obra de arte, sobretudo com as artes visuais. Sobre a problemática da imagem na filosofia dos dois gregos, Martine Joly apontou que a imagem foi vista de duas formas completamente divergentes:

Platão e Aristóteles, em especial, combateram-na ou defenderam-na pelas mesmas razoes. Imitadora, para um ela engana, para o outro ela educa. Desvia da verdade ou, pelo contrário, conduz ao conhecimento. Para o primeiro, seduz as partes mais fracas da nossa alma, para o segundo, é eficaz pelo próprio prazer que nos proporciona. (JOLY, 2007, p 19).

Com a consolidação da visão matemática de mundo de Platão (ECO, 2013, p.66) e os estudos de Pitágoras (c. 570 a. C. – 495 a.C.) a adequação aos limites como ideal de beleza se ampliou e passou a abranger primeiramente o ideal da simetria, relação de igualdade ou grande semelhança entre partes, e da harmonia, o equilíbrio entre partes contrastantes.

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No século IV a. C., Policleto (c. 460 a. C – 420 a. C) realizou a escultura Doríforo, em que “encanavam-se as regras de uma justa proporção” (ECO, 2013 p. 74), posteriormente nomeada como Cânone.

Figura 25. Cópia de Doríforo. Autor e data desconhecidos

Conforme Umberto Eco, neste cânone de Policleto não houve um equilíbrio entre partes iguais, mas relações orgânicas proporcionais entre diferentes partes, relações não fixas, mas que dependem do movimento, da perspectiva e da posição daquele que observa a obra. Relacionando feiura moral e feiura física, o mundo grego e seu imaginário eram repletos de visões de seres monstruosos e aterrorizantes que personificavam o mal. Cabe também citar o papel das tragédias gregas, cujas narrativas traziam profundos dilemas humanos tais como o respeito aos deuses ou o cumprimento do dever à família e à sociedade, tal como se passa em Antígona e com Laocoonte e seus filhos no episódio do Cavalo de Tróia. Vivenciar tais histórias, mesmo as mais dramáticas, era uma forma de ativar a catarse. Assim, o feio das narrativas também cumpria a sua função moralizante. Em um salto temporal da Antiguidade para a Idade Média, Umberto Eco afirmou que o segundo período apresentou uma prática de reprodução do corpo humano sem a aplicação de uma matemática de proporções. Essa ausência poderia ser justificada pelo favorecimento de uma visão de mundo em prol da beleza espiritual. Na Idade Média, o mundo natural foi considerado obra

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máxima da Criação, englobando inclusive os contrastes, já que as coisas feias “compõem a harmonia do mundo por meio de proporções e contrastes”. (ECO, 2013, p. 85). A ordem em seu conjunto era vista como bela, e mesmo a monstruosidade e o grotesco, como partes essenciais e redimíveis para a existência de um equilíbrio universal. No mundo medieval a visão de Platão sobre a beleza no mundo físico foi substituída pela denominada visão pancalista do mundo, na qual tudo seria belo pois é obra da Vontade divina, sendo inclusive o feio e o mal redimidos pela beleza e pelo bem da ordem universal. Assim, existia uma mensagem espiritual a ser vista inclusive nos monstros – mensagem interpretável graças aos bestiários publicados na época (ECO, 2014). Na Era Medieval faziam também parte da iconografia do feio os martírios dos Santos, o sofrimento na Paixão de Cristo, as tentações do pecado, as punições no inferno, o próprio Diabo e os ciclos de triunfos da Morte sob os mortais pecadores, tais como a Dança macabra, na qual todos os estratos sociais são nivelados pela Ceifadora.

Figura 26. Dança da Morte, Michael Wolgemut, 1493

A partir da Renascença, o olhar perante os monstros e os portentos (nascimentos disformes, porém de origens naturais) passou a sair do universo moral e se tornou curiosidade científica biológica, coincidindo temporalmente com os estudos anatômicos e posteriormente

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com pseudociência da fisiognomia, que associava traços fisionômicos a disposições morais e tendências de comportamento, o que culminaria no século XIX na antropologia criminal (ECO, 2014). Objetivando as belas representações, os renascentistas dedicaram-se aos estudos matemáticos que culminaram nas experimentações de perspectiva na Itália pelo arquiteto e escultor Filippo Brunelleschi (1377-1446), uma ferramenta para obtenção de obras consideradas não apenas realistas, mas justas e belas devido a sua proporção:

O uso da perspectiva em pintura implica de fato a coincidência entre invenção e imitação: a realidade é reproduzida com precisão, mas, ao mesmo tempo, obedecendo a um ponto e vista subjetivo do observador, que, em certo sentido, “acrescenta” a Beleza comtemplada pelo sujeito à exatidão do objeto. (ECO, 2013, p. 180).

Nesse período as obras de outras culturas, que não recorriam à perspectiva, eram julgadas como desagradáveis. Assim, também ocorreu pelos renascentistas a negação dos estilos anteriores, com exceção dos cânones de representação da Antiguidade. Retomando Platão, os artistas renascentistas levaram a alto grau a noção de que a beleza se baseava na proporção das partes. Eco atentou ainda para o caráter dual da beleza no Renascimento – foi simultaneamente a imitação da natureza, baseada em princípios científicos rigorosos, e a contemplação de um mundo de perfeição sobrenatural, que tornava o artista criador e imitador. Essa dualidade se alicerçava nos adventos científicos (estudos anatômicos) e técnicos (tinta a óleo pelos flamengos e perspectiva), contemporaneamente aliados ao clima de misticismo em prol de reformas na Igreja Católica (ECO, 2013, p. 176). Surgiu então a figura do gênio, aquele que se encontrava à frente da sociedade, em condição de equilíbrio entre a razão e a imaginação, entre o domínio das técnicas e a sensibilidade. Representando esse equilíbrio e a multiplicidade de talentos e visões do gênio, a Renascença não somente tratou do belo. Apesar de criticado por alguns, o estilo grotesco desenvolvido no século XVI, e caracterizado por arabescos inspirados nos vestígios antigos, se difundiu entre alguns artistas e arquitetos italianos. Uma das primeiras críticas contra o grotesco foi a criação da expressão italiana sogni dei pittori (sonhos dos pintores), que relacionava o

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grotesco ao excesso de imaginário, ao sobrenatural, ao horror e ao ilógico. Como o sentido de beleza e de verdade nas artes estava tradicionalmente vinculado a uma representação fiel e bem executada da natureza, o grotesco foi prontamente também associado à ideia do feio. Datando o surgimento de uma nova vertente, a maneirista, a partir da morte de Rafael Sanzio (1483-1520), o Eco indicou o início de escolhas artísticas em direção a caminhos menos óbvios. O Maneirismo então se caracterizou por uma visão de mundo menos ordenado e mais dinâmico, combatendo a severidade da cultura do Renascimento Os maneiristas optaram por figuras em movimento e um mergulho do fantástico. Como exemplo Eco destacou as composições inesperadas de Giuseppe Arcimboldi (1527-1593), que realizava composições nas quais as figuras humanas eram formadas por mosaicos de flores e frutas e outros objetos tradicionais das naturezas mortas em uma ilusão de ótica.

Figura 27. Primavera e Verão, Giuseppe Arcimboldi, c. 1580

No Maneirismo o objetivo não era a imitação do belo natural, mas sim o expressivo. A deformação seria uma recusa da imitação e das regras, assim resultando no bizarro, no extravagante, no disforme e no extraordinário (ECO, 2014).

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Posteriormente, o dinamismo dos maneiristas cedeu espaço às tensões do Barroco. O novo movimento consolidou a substituição da beleza rígida e imóvel dos clássicos e a renovou com uma beleza dramática, dinâmica e intensa. Conforme Umberto Eco, o século XVII exprimiu uma beleza para além do bem e do mal, recorrendo a um tema em particular para também ilustrar o seu oposto. A morte e o macabro foram motes recorrentes na mentalidade barroca, assim como o onírico. Em outro salto temporal o autor tratou do século XVIII e do Neoclassicismo. Apesar de superficialmente um período racionalista, apontou que a fase do Iluminismo também apresentou dualidades que lhe conferiram um relativo dinamismo e tensão: se por um lado foi o século do esclarecimento de Kant, também foi o tempo da literatura obscena do Marquês de Sade; de um lado houve o rigor individualista e do outro, a paixão coletiva pela arqueologia, pelo clássico da Antiguidade e pela beleza exótica não europeia. Da segunda metade do século Eco destacou um momento de ruptura com os estilos tradicionais em busca se um estilo original, baseado em um inovador debate estético em relação à Renascença e o século XVII: ocorreu a recusa por poses e temas tradicionais e um desejo de liberdade em relação aos cânones, estando o artista e o crítico menos submetidos à dependência do mecenato, graças à expansão da indústria editorial. Representando o pensamento da época foi destacado David Hume (1711-1776) e sua posição acerca da crítica do gosto, na qual a beleza existiria apenas naquele espírito que a contempla, sendo esta diversa e subjetiva:

(...) o crítico só pode determinar as regras do gosto quando é capaz de se libertar dos hábitos e preconceitos que, do exterior, sobredeterminam o seu juízo, o qual, ao contrário, deve basear-se em qualidades interiores como bom senso e liberdade em relação aos estereótipos, além de método, excelência, prática. (ECO, 2013, p. 245-246).

Do pensamento dessa era Eco também ressaltou a figura de Edmund Burke (1729-1797), autor que discordou da proporção como um critério válido para o julgamento do belo. Burke, contrariando seus antecessores, publicou a sua própria concepção sobre o belo e o sublime, negando a ideia de que, apesar de não haver medidas fixas que resultariam na beleza, no entanto haveria uma proporção essencial para cada espécie para se alcançar o belo. Para o autor não seriam as medidas, mas sim o porte do objeto o gerador da beleza. A proporção não seria a fonte

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do belo, sendo que a predileção humana por proporções seria um mero reflexo de nosso apreço por nossas obras construídas, nossas ideias e falsos raciocínios. Burke afirmou ainda que a deformação é o oposto da forma completa, e assim, é uma ausência (BURKE, 2013). O autor ainda indica que a deformidade é compatível com a ideia do Sublime, não sendo, porém, uma ideia sublime a menos que associada a um grande terror. Desmistificando outras supostas fontes da beleza, Edmund Burke voltou-se também para a adequação e a perfeição. A ideia de utilidade e adequação à função não necessariamente resultariam no belo. Da mesa forma, nem todas as formas ditas como perfeitas gerariam a emoção do belo. O efeito da adequação causaria aprovação, mas não uma impressão profunda de prazer ou paixão. A perfeição, por sua vez, também não seria o fator determinante da beleza, pois assim seria apenas em casos muito particulares, em formas pequenas, lisas, delicadas e de cores puras. Ainda como destaque do século XVIII, Immanuel Kant (1724-1804) e suas Críticas foram citados devido à ressonância que a obra do filósofo conferiu aos aspectos subjetivos e indetermináveis do gosto, sendo o prazer da contemplação do belo algo desinteressado: sobre a reflexão se algo é de fato belo, Kant propôs que não se deve haver interesse na existência do objeto, pois quando realmente julgamos, o fazemos como mera contemplação – intuição ou reflexão. (KANT, 2009, p.48). Para Kant, o belo se relacionava apenas com o natural, e nas artes somente as representações naturalistas e realistas poderiam ser ditas como belas. O belo seria apenas plenamente percebido em uma condição entre o entendimento (razão) e a imaginação, sendo o gênio o único capaz de reproduzir, sem interesses, a beleza natural e verdadeira. O belo kantiano era assim algo não muito recorrente e relacionado à semelhança da natureza. Considero que o filósofo tratou sobre o belo de modo antiplatônico, já que na visão de Kant o belo se manifestaria através da forma dos objetos sensíveis, e não em um outro plano, ideal. O filósofo definiu que o gosto referia-se à “faculdade de julgar o belo” (KANT, 2009, p. 47). Segundo a sua filosofia estética, para julgar algo como belo relacionamos a representação ao objeto e ao sentimento de agrado por ele experimentado, isso tudo por meio da imaginação; Kant cogitou também a possibilidade de um vínculo com o entendimento nesse ato imaginativo. O juízo do gosto se basearia então em fundamentos a priori (KANT, 2009, p. 66), sendo individual, estético (fundamentado na subjetividade) e essencialmente empírico.

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Na filosofia proposta por Kant os juízos estéticos foram divididos em empíricos e puros. Empíricos seriam os que predicam se um objeto ou sua representação são agradáveis; os puros, por sua vez, apontariam se algo é belo ou não. Enquanto formais, os juízos puros são os juízos de gosto genuínos (KANT, 2009, p. 68). Ainda para o filósofo, o belo se distinguiria do agradável, apesar de terem ambos relação com a faculdade de desejar. O agradável, por sua vez, foi definido como aquilo que agrada aos sentidos, gerando uma inclinação em direção a ele pela satisfação:

Que meu juízo de um objeto declarando-o agradável expressa um interesse por esse objeto fica claro pelo fato de que mediante a sensação se desperta um desejo por tal objeto e, portanto, o prazer pressupõe não só o meu juízo sobre ele, mas também a relação de sua existência ao meu estado na medida em que este é afetado por tal objeto. É por isso que do agradável se diz não apenas que agrada, mas que satisfaz. (KANT, 2009, p. 51).

A distinção entre belo e o simplesmente agradável se daria porque o prazer pelo belo dependeria da reflexão sobre um objeto conduzindo a um conceito, enquanto o agradável se basearia na sensação e no prazer, senso assim associado a um interesse. Immanuel Kant também diferenciou o bom e do belo, já que bom seria aquilo que, em sua filosofia, agradaria pelo conceito mediante a razão. No caso do bom, estariam contidos os conceitos de um fim e de uma classe de interesse: para saber se algo é bom, haveria a necessidade de conhecer um conceito sobre ele, fato que não se passaria com o belo. O belo puro e livre (existente pela mera forma), segundo o autor, deveria ser essencialmente contemplativo (KANT, 2009) representando-se como objeto de prazer universal, não dependente do conceito de perfeição. O belo, o agradável e o bom, para o filósofo, indicavam três relações de representação com o sentimento do agrado, sendo apenas o belo um prazer livre e desinteressado, existindo apenas entre a raça humana: “É agradável para alguém aquilo que o deleita; belo, aquilo que simplesmente o agrada, bom, aquilo que aprecia, aprova, isto é, aquilo a que atribui um valor objetivo”. (KANT, 2009, p. 54). Em Observações sobre o sentimento do belo e do sublime Kant introduziu que a noção do belo e de seus opostos depende da percepção do indivíduo pelos sentidos (equilibrando razão e emoção), não sendo eles contidos nos objetos:

As diferentes sensações de contentamento ou desgosto repousam menos sobre a qualidade das coisas externas, que as suscitam, do que sobre o sentimento,

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próprio a cada homem, de ser por elas sensibilizado com prazer ou desprazer. Provém daí as satisfações de alguns homens por aquilo de que outros têm asco, a paixão amorosa, que freqüentemente é um enigma para todos, ou mesmo a intensa repugnância que alguém sente por algo que é de todo indiferente a outra pessoa. (KANT, 2000, p. 19).

Por fim, o autor expôs ainda que, acerca da natureza humana, não existiriam boas qualidades cujas variações não indicassem uma grande imperfeição. Ao tratar das anomalias do sublime (que em si já é desequilíbrio desconcertante), Kant apontou para o fato que tudo aquilo que não fosse natural, embora presumisse uma parcela do sublime, tratar-se-ia de uma caricatura. Novamente sobre o século iluminista, Eco apontou que aquele foi o momento em que se impuseram os termos como gênio, gosto, imaginação e sentimento, indícios de uma nova concepção do belo a surgir. Esses termos remetiam às particularidades do sujeito, daquele que tem o dom de criar e a sensibilidade necessária para apreciar. O século XVIII ainda foi relevante para o estudo do belo por ter sido o momento da publicação de importantes obras que estabeleceram a Estética como disciplina autônoma: Reflexões críticas sobre a pintura e sobre a poesia , de Jean Baptiste Dubos (1709); As belas artes reduzidas a um mesmo princípio, de Charles Batteux (1746); Estética – A lógica da arte e do poema, de Alexander von Baumgarten (1750) e Investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo, do mencionado Edmund Burke (1757). Nesse contexto, a ideia do sublime ascendeu com força peculiar, motivado pelas viagens de exploração e conquista e pelo gosto pelo curioso e o exótico. Anteriormente o sublime foi visto como uma associação da experiência da natureza e não da arte, sendo nele privilegiados os fenômenos do doloroso, do tremendo e do informe, e reconhecida a capacidade da arte em representar de modo belo inclusive a feiura. Segundo Eco, a ideia do sublime já pode ser identificada na Poética de Aristóteles no sentido de que a tragédia, através da catarse (purificação) promovida pela libertação do espectador das paixões, que por si só não proporcionam nenhum prazer. (ECO, 2013). Já no século XVII o prazer estético foi dividido em belo e sublime, sendo, porém, que o sublime adquiriu algumas das características já atribuídas ao belo. Retomando Burke, para Eco as fontes do sublime atuariam de forma análoga ao terror, incitando ideias de dor e de perigo e sendo relacionável a objetos e fenômenos terríveis. O

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sublime seria produtor da mais “forte emoção que o espírito é capaz”. (BURKE, 2013, p. 59). Para ser deliciosa, no entanto, essa emoção deveria estar precisamente relacionada a um terror e perigo vindos da natureza, porém menos prováveis de realmente acontecerem, já que o perigo de morte e o sofrimento eminente não proporcionam prazer e são puramente aterradores. Por fim o autor comparou o belo e o sublime em contraste notável:

(...) os objetos sublimes possuem dimensões muito grandes, ao passo que os belos são comparativamente pequenos; a beleza deve ser lisa e polida; o grandioso, áspero e rústico; a beleza deve evitar a linha reta e, contudo, fazê-lo imperceptivelmente; o grandioso, em muitos casos, condiz com a linha reta, no entanto, quando dela se desvia, é de modo bem acentuado; a obscuridade é inimiga da beleza; as trevas e as sombras são essenciais ao grandioso; a beleza deve ser leve e delicada; o grandioso requer a solidez e até mesmo as grandes massas compactas. (BURKE, 2013, p. 155)

A ascensão do sublime como tema das artes coincidiu com passagens das tendências neoclassicistas para as românticas, constituindo o movimento que didaticamente se designa como Romantismo. O domínio da razão característico do estilo anterior foi substituído aos poucos pelo reinado da emoção e pela co-presença fortalecida das antíteses verificáveis desde o Maneirismo, sobretudo os binômios morte e vida, realidade e onírico, razão e emoção, exuberância e decadência. Nessa co-presença eram admitidos e valorizados os aspectos da Beleza do grotesco, do soturno e do melancólico. Para Eco, as explorações, viagens, arqueologias do século XVIII foram diretamente responsáveis pela visão acerca da beleza, assim como a crescente autonomia do artista e do crítico de arte. O mundo passou a ser visto como “reservatório de imagens variadas” e exóticas (ECO, 2013, p. 308). Assim, a nova concepção do belo se baseava na imprevisibilidade do caos, no mistério, na deformidade e na vagueza de definições. Nisso o feio não foi negado, sendo outra face do belo. A Beleza romântica expressa, em suma, um estado d’alma (...) elaborando formas que, por sua vez, serão retomadas pela Beleza onírica dos surrealistas e pelo gosto macabro do kitsch moderno e pós-moderno. (ECO, 2013, p. 299).

Representando os primeiros indícios do sentimento romântico, Umberto Eco elegeu o pensamento de Jean Jacques Rousseau (1712-1778): a razão não daria conta de explicar a realidade, pois a sociedade aristocrática estaria corrompida e a própria razão e cultura fariam

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parte do processo degenerativo. Novas armas, não baseadas na racionalidade, seriam necessárias para a batalha do século XIX, baseadas no sentimento, na própria natureza e em uma verdadeira espontaneidade do indivíduo. O movimento Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto) também lançou a sua crítica contra a civilização da época, responsabilizando a razão dos soberanos iluminados pela negação da liberdade da camada intelectual em ascensão, parcela alheia à moral e às ideias aristocráticas e desejosa dos ares da modernidade. Ao contrário dos estilos de caráter clássico, o Romantismo acreditava que uma verdade oculta era revelada pela beleza, segundo Eco. Por causa desse compromisso com a verdade a tendência não negou o grotesco, o horrendo e inclusive o sublime, aspecto bastante valorizado pelos artistas. O Romantismo e seu interesse pelo sublime, por sua vez, lançaram um novo olhar ao feio, vendo-o como elemento importante para a compreensão do belo. Surgiram assim na literatura e nas artes plásticas personagens feios (a Criatura em Frankenstein), loucos (Heathcliff em Morro dos ventos uivantes) ou condenados à infelicidade e à morte precoce (o suicídio de Werther em Os sofrimentos do jovem Werther). Do século XIX Eco destacou a publicação do primeiro estudo do Feio, Estética do feio (1853), de Karl Rosenkrantz, no qual complementou-se a antiga associação entre belo e bem por meio da analogia inversa entre o feio e o mal moral. A obra apontou que ao longo da história o feio associado a termos de caráter negativo como pesado, monstruoso, grotesco, horrível, obsceno e odioso, enquanto o belo foi relacionado a conotações positivas:

(...) enquanto para todos os sinônimos de belo será possível conceber uma reação de apreciação desinteressada, quase todos os sinônimos de feio implicam sempre uma reação e nojo, se não violenta repulsa, horror ou susto. (ECO, 2014, p. 19)

Assim, Rosenkranz analisou o feio na natureza, no espiritual, na arte (como incorreção artística), na deformação moral e no repugnante (citando perfis como o desajeitado, o morto, o criminoso, o demoníaco, etc.). Todos esses pontos de análise do feio encaminham para sua designação como algo que potencialmente pode se encontrar além dos limites da mera oposição à beleza ou da simples ausência de proporções. Segundo exemplifica Eco o conceito de horror (um dos antigos atributos do grotesco) pode aparecer em casos tradicionalmente associados ao belo,

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como o fantástico, o legendário e mesmo o sublime. Isso aponta para a ideia de que há uma modalidade envolvendo a feiura em tal potência que extrapola os limites das definições, podendo invadir territórios que são atribuídos ao belo. Aqui, entende-se que essa potência a qual o autor se refere é o grotesco. Apesar de interpretações posteriores as de Rosenkranz31, a compreensão do feio como oposto direto do belo e sua conexão com o conceito de grotesco foram as ideias mais predominantes. Com crescimento industrial e urbano promovido pelo capitalismo em expansão, o artista passou a se ver oprimido diante da anonimidade das metrópoles e pela substituição do homem pelas máquinas, vide o advento da fotografia no século XIX e a crise na pintura decorrente da invenção e do crescimento comercial. A nova sociedade industrial da segunda metade do século XIX, ao mesmo tempo, estava dividida em classes, das quais algumas não tinham a questão estética como interesse emergencial. Motivado pelos conflitos, o artista optou por se tornar “diverso” e por levantar a bandeira da “Arte pela Arte”, chegando a viver a sua própria existência como obra, mesmo que decadente - de fato, o Simbolismo do período foi definido por Eco como um estilo da beleza decadentista. Em resposta à velocidade do mundo tecnológico e sobretudo ao advento fotográfico, os impressionistas renovaram a estética mais uma vez no século XIX, sendo o belo não mais transcendente. Essa estética coincidiria com a verdade concreta, captada nas primeiras impressões do mundo. A realidade, assim, seria o panorama das diversas impressões e essências do mundo captadas pelo sujeito e a arte, o espaço para as novas experimentações técnicas e meio de conhecimento, não mais como mecanismo de provocação de êxtase estético. Em contrapartida ao universo artístico, o belo segundo o gosto burguês se baseava na função prática do objeto apreciado, assim, o belo se transfigurou no adequado aos fins. Conciliando os dois gostos, o do artista e o do burguês, instituições como o Centrum School of Arts and Crafts encabeçaram iniciativas para produções que unissem beleza e funcionalidade. Surgiu assim o Art Nouveau e suas variações, como o Jugendstil na Alemanha e o Secessionstil no Império austro-húngaro, movimento ao qual Gustav Klimt e Egon Schiele se envolveram. A estética do Art Nouveau influenciou diretamente os ramos da decoração e da

31 Karl Friedrich Flögel (1729-1788) no século XVIII relacionou o grotesco ao cômico, ao burlesco e ao ridículo. Christoph M. Wieland (1733-1813), no final do mesmo século, inseriu o aspecto caricatural ao grotesco.

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moda, além de dialogar com um novo padrão de beleza, simbolizado por Isadora Duncan (1877- 1927): “a mulher Jugendstil é uma mulher sensual, eroticamente emancipada, que recusa o busto realçado e ama a cosmética”. (ECO, 2013, p. 369).

Figura 28. Fotografia de Isadora Duncan, Arnold Genthe, data desconhecida

Apesar de inicialmente vinculado à produção em estilo secessionista, sobretudo no período em que trabalhou como criador de estampas e vestuário e postais, Egon Schiele paradoxalmente se distanciou do estilo ao negar uma das essências das vertentes do Art Nouveau: para Eco (2013) a beleza dessa fase era oposta ao decadentismo como tendência; já em Schiele, esta é uma das palavras-chave para a compreensão da provocação de sua obra. Em relação às vanguardas e suas conexões com o feio e com o grotesco, Eco indicou, parafraseando Carl Jung (1875-1961), que o gosto estará sempre em atraso em relação à novidade. Os artistas das novas gerações, remetendo ao desregramento dos sentidos e alcançar o desconhecido, propunham-se não a belas representações do feio, mas a denunciar feias facetas da realidade (ECO, 2014).

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Victor Hugo (1802-1885) admitiu os sentidos do horror e do cômico – inserido por Flögel – no grotesco, porém acrescentou as dimensões do disforme e do feio múltiplo, que poderia ser facilmente encontrado na natureza ou nas representações, em contrapartida à unicidade e raridade do belo. Segundo Wolfgang Kayser32 (2009, p. 59), um dos maiores estudiosos do grotesco no século XX, Victor Hugo “converteu o grotesco em característica essencial e diferenciadora de toda arte pós-antiga”. Assim, pode-se deduzir que Victor Hugo discordava, em parte, de autores como Immanuel Kant, que acreditavam que o belo se relacionava com as representações que em muito se assemelhavam à bela natureza: apesar de Hugo admitir o gosto por cânones clássicos, que aspiram ao realismo, sugeriu que o fenômeno do feio também possuía uma origem na natureza e em sua semelhança. Séculos mais tarde à descoberta dos vestígios do passado pelos italianos do século XV, em contraposição à subjetividade da recepção do grotesco, o ponto de vista científico e determinista de Charles Darwin (1809-1882) em A expressão dos sentimentos o homem e nos animais aparentou destacar que, apesar das diferenças culturais pelo mundo, ocorreria a manifestação de elementos que poderiam ser ditos como universalmente considerados feios, repulsivos e grotescos: “parece que os diversos movimentos descritos como expressivos do desprezo e do nojo são idênticos em grande parte do mundo” (DARWIN apud ECO, 2007 p. 19).

1.1.4. O feio, o grotesco e Egon Schiele

Por meio das múltiplas interpretações do grotesco ao longo dos séculos, é compreensível que após o século XIX o conceito tenha também se vinculado ao princípio do curioso e se tornado, para os jovens artistas das vanguardas europeias, um interessante aspecto para investigações artísticas. Artistas que, assim como Egon Schiele, procuravam referências no passado, mas também pontos que foram pouco discutidos ou abordados de modo conflitante no âmbito da arte: o grotesco foi um ponto polêmico para pensadores e artistas. No caso de Egon Schiele, sua teoria da arte evidencia que a tradição esteve presente como um elemento não para ser aceito e fielmente reproduzido, mas como algo a ser desafiado,

32 Kayser define que o grotesco é determinado e acontece na recepção da obra de arte, não pela intenção e produção do artista.

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modificado e atualizado. Assim como muitos de sua época, o artista optou por recorrer a aspectos sociais bastante pontuais como temáticas para suas propostas em arte: ruptura dos valores religiosos, dos tabus morais e dos cânones da arte. Em um contexto artístico no qual a palavra de ordem já era a revolução, Schiele escolheu justamente três dos assuntos mais complexos do ponto de vista de rígidos grupos sociais como foram os vienenses do início do século XX: religião, sexo e morte. Acredito que a ruptura da iconográfica apontada como manifestação por meio das obras foi possível pela inserção do grotesco, uma poética que unificou a estética da decadência ao erotismo e ao obsceno. Foi o grotesco em Schiele que alterou os símbolos da tradição e inverteu os valores de vida e morte, tornando as representações desconcertantes não apenas pela deformação dos corpos ou pelo tratamento pictórico que remete à decomposição, mas principalmente porque aquilo que é apresentado subverte a ordem natural de uma tradição relevante como base cultural. Quais motivos levaram a essas escolhas? A resposta é complexa e um olhar biográfico não trouxe afirmações plenas, mas foi capaz de apresentar indícios. Schiele, durante parte de sua carreira, foi um marginalizado; mesmo quando recebeu o apoio de Klimt, preferiu o isolamento dos grandes círculos, buscando o contato com pessoas simples ou também em posição marginal. Por meio de suas biografias, cartas e poemas é possível verificar que Schiele foi um indivíduo que encontrou dificuldades para se adequar às exigências de seu meio, situação que se alterou apenas após 1915, quando se casou com a filha de uma família burguesa. Dentre um dos aspectos do seu grotesco, destaco o interesse do artista por imagens que remetem ao mundo da loucura. Essa hipótese demonstra-se pertinente pois a fase em que Schiele viveu na capital foi também um momento em que houve publicações sobre o grafismo das crianças e sobre o universo dos pacientes psiquiátricos, almanaques consumidos pelo público não especializado por meio do interesse no curioso, e porque não, no grotesco das imagens apresentadas.

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Capítulo 2 – Encontros entre a arte e a ciência: a visão dos artistas e a censura nazista

O momento histórico que englobou o final do século XIX e o início do século XX foi marcado pelo pensamento de Sigmund Freud, mas também por acontecimentos na área da psiquiatria anteriores ao início do trabalho de Freud como psicanalista. O fim do século, o período no qual a arte era ainda influenciada por resquícios do Romantismo inseridas no Neoclassicismo, foi marcado por um intenso interesse de artistas pelo tema da loucura. Interessava especificamente a visualidade em torno dos pacientes psiquiátrico, tanto a sua produção gráfica quanto as fotografias utilizadas nos hospitais como registros e índices de sintomas. Como vanguardistas, os novos artistas se propunham a experimentações que rompiam com tabus, por isso a suas aproximações com o mundo da psiquiatria, estabelecendo uma inovadora relação entre arte e ciência. A aproximação, no entanto, não foi bem recebida por todos, tendo sido posteriormente utilizada como prova de falta de discernimento por censores nazistas ao longo da década de 1930. Recorro à contextualização histórica da imagem do paciente psiquiátrico elaborada por Tatiana Fecchio Gonçalves em sua tese de doutorado de 2010. Segundo a pesquisa da autora, ao longo da história a loucura foi vista por diferentes prismas e explicações, sendo citados: desiquilíbrio de fluídos (na Grécia, século V a. C), emoção breve, porém intensa (século XV- XVI), deficiência ou punição divina, sinal de extrema sabedoria, possessão (algo externo ao sujeito), inconsequência, estado brincalhão, inadequação aos padrões, falta de inteligência, doença do corpo físico ou psíquico, a partir do século XV e XVIII, respectivamente, e por fim, como indicio da genialidade, sobretudo no caso dos artistas (GONÇALVES, 2010). Da iconografia do louco, reflexo das percepções históricas acima citadas, Gonçalves destacou algumas para análise. Primeiramente, abordou a representação do louco em sua agressividade. Muitas das representações desse gênero traziam pessoas em ímpetos de bestialidade ou acorrentadas (GONÇALVES, 2010). A segunda grande esfera de representação foi a do louco em seu caráter melancólico: “a melancolia, como um dos estados de alteração dos humores, condensa referências à tristeza, inatividade, introspecção e abatimento”. (GONÇALVES, 2010, p. 49). A pesquisadora destacou

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como visualidades clássicas da melancolia o semblante escurecido, a cabeça sustentada pelas mãos, fechadas em punho. Em outro núcleo de imagens da loucura estava o caráter de exclusão social, sendo a loucura “não mais como patologia endógena dos sujeitos, mas como resultado de seu abandono e negação pelo meio” (GONÇALVES, 2010, p. 51). Por fim, foi destacada a representação da loucura em seu caráter de comprovação de uma teoria, na qual o indivíduo era paciente em um ambiente hospitalar/clínico, sendo objeto de análise pelas pessoas sãs. Como explicado anteriormente, o advento da fotografia foi um evento marcante para as artes, sobretudo a pintura: a nova técnica de captura da imagem foi considerada uma fonte de conhecimento mais fidedigna, o que explica a sua apropriação pelo ramo das ciências. Desse modo, dentro da área da psiquiatria, a imagem passou a ser usada como complemento ao diagnóstico promovido pelo médico especializado. No entanto tais fotografias psiquiátricas acolheram a tradição da representação do louco oriunda das artes anteriores (GONÇALVES, 2010), reproduzindo antigos padrões iconográficos para a nova linguagem. Assim o louco agressivo, o melancólico, o excluído foram estereótipos legitimados pela suposta conexão indelével entre fotografia e realidade, em um processo que não se restringiu apenas à medicina, mas alcançou um grande público leigo através de publicações populares (GILMAN, 1982).

2.1. Os almanaques psiquiátricos e as vanguardas: Schiele e Charcot

De acordo com Gemma Blacksaw (2007), o autor Klaus Albrecht Schröder foi o pioneiro a apontar uma possível correlação entre a estética de Egon Schiele e as publicações sobre doenças nervosas, de consumo popularizado no início do século XX. Exemplo de destaque desse perfil de almanaques foi a Iconographie photographique de la Salpêtrière (Iconografia fotográfica da Salpêtrière), desenvolvida entre 1876 e 1880 por por Désiré-Magloire Bourneville e Paul Régnard, ambos alunos sob supervisão de Jean- Martin Charcot. Em 1880 Régnard foi substituído por Alberto Londe: a partir de 1888 surgiu uma nova edição da Iconographie, a Nouvelle Iconographie de La Salpêtrière (Notícia iconográfica da Salpêtrière), que circulou até 1918.

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Figura 29. Fotografias de paciente em Iconographie photographique de La Salpêtrière. Albert Londe, 1878

A edição iniciada em 1876 se consolidou na forma de três volumes, cujos textos e fotografias sobre pacientes com histero-epilepsia33, representavam as observações clínicas feitas por Charcot no Hospital da Salpêtrière34, além de suas teorias sobre as origens e as manifestações da histeria. As imagens fixadas de “auras, contracturas da face, blefarospasmos, bocejos, paraplegias, catalepsias, cifoses histéricas, paralisias faciais e até episódios de sono histérico”35 eram simultaneamente parte de métodos de análise científica e curiosidades de uma espécie de freak show ofertado para as pessoas que não eram da área, fenômeno que indico como manifestação de interesse coletivo pelo grotesco em sua faceta de curiosidade. O parisiense Jean-Martin Charcot (1825-1893) foi um médico neurologista, cientista e professor de Medicina, considerado um dos pioneiros da neurologia moderna. Engajado também nos estudos da psiquiatria, durante certo período teve como orientando Sigmund Freud. Entre os

33 GRAMARY (2008, p. 61). 34 Localizado em Paris. Na época de Charcot a instituição de saúde funcionava como asilo e hospital psiquiátrico para mulheres. 35 GRAMARY (2008, p. 61).

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postulados que transmitiu para o seu aluno antes de sua fama estava o princípio da hipnose como um método eficaz de tratamento para as patologias psíquicas como a histeria. Durante o auge da influência de Charcot no hospital, que na ocasião contava com 4300 mulheres internadas, foi instaurado o Serviço de Fotografia de La Salpêtrière. Recorrendo à técnica fotográfica como instrumento de potencial científico e de diagnóstico, Charcot acreditava que “o médico é inseparável do artista. Um orienta o outro; eles se ajudam uns aos outros”.36 Além das possibilidades de diagnósticos associáveis às imagens fotográficas, Charcot confiava que as fotografias de seus pacientes na Salpêtrière contribuiam igualmente à arte. Por diversas ocasiões correlacionou peças de seu acervo diagnóstico-fotográfico com obras de arte, tal como fez ao indicar uma possivel representação da deformidade da sífilis em trabalhos do espanhol Franciso de Goya (1746-1828). As edições supervisionadas por Charcot e promovidas com o auxílio de seus alunos e residentes se tornaram sucesso na Europa, abrangendo um público que ia de curiosos a médicos, passando por artistas em formação: “as publicações enfatizaram não apenas o valor estético do corpo do paciente, mas também a maneira pela qual os médicos poderiam lançar uma nova luz sobre a representação da deformidade (les difformités) na arte (...)”.37 Portanto, pode-se considerar que o corpo patológico se tornou um corpo sob olhar público, passível de ser manipulado e minuciosamente observado em aulas lotadas de medicina ou apropriada enquanto imagens do imaginário popular. Egon Schiele, assim como outros artistas de sua época, se interessou pelos aspectos da iconografia patológica. Aponto como evidência desse interesse a produção gráfica de meados de 1910, período no qual o artista manteve uma amizade com o ginecologista Erwin von Graff, médico que, entre 1904 e 1908, havia aprofundado seus estudos em anatomia patológica. Em 1910 Schiele recebeu de Graff a autorização para pintar pacientes de seu consultório – são dessa época os retratos de gestantes e recém-nascidos. No mesmo ano em que frequentava um ambiente

36 Tradução minha de “le médecin est inseparable de l' artiste. L'un guide de l'autre; ils s'entraident mutuellement”. (BLACKSAW, 2007, p.386). 37 Tradução minha de: “Richer’s publications emphasized not only the aesthetic value of the patient’s body, but also the way in which doctors could shed new light on the representation of deformity (les difformités) in art (…)”. (BLACKSAW, 2007, p. 388).

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clínico que mantinha exemplares completos da Nouvelle Iconographie de La Salpêtrière38, Schiele inseriu em seus autorretratos a personificação do corpo patológico, extremamente esguio, em tons de verde e em poses expressivas, a exemplo do analisado Autorretrato no Museu Lasar Segall. Outra peça-chave para compreender a inserção do visual patológico nos autorretratos do artista austríaco foi a ligação do artista com Erwin “Mime” van Osen (1891 — 1970), ator, artista performático e pintor que recorria à estética das mímicas em suas obras, e coincidentemente, também mantinha ligações com o Dr. Graff. Em diversas ocasiões, Mime posou para Egon Schiele, porém suas influências mútuas extrapolaram a simples relação artista-modelo. As pantomimas de Mime também se inspiravam nas torções corporais perceptíveis em pacientes portadores de histeria e epilepsia.

Em carta de Mime van Osen para Schiele, Figura 30. Retrato de Mime van Osen. datada de 1913, o mímico informava ao Egon Schiele, 1910 amigo: “Eu ainda tenho que terminar um retrato em Viena, e alguns desenhos na Steinhof para o 'Dia da Ciência’, onde Dr. Kronfeld estará falando sobre a expressão patológica no retrato ... Eu já estou simulando todas as doenças para que eu possa sair mais cedo". (BLACKSAW, 2007, p. 395). Com base nessas duas pessoas conectadas a Egon Schiele por volta de 1910, pode- se admitir a possibilidade de que a gestualidade de seus autorretratos do período tenha sido influenciada pelas iconografias e estereótipos propagados tanto por meio das publicações em moda quando pelas caricatas performances cênicas experimentadas por seu amigo ator. Essa

38 Tradução minha de BLACKSAW, 2007, p. 392.

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aproximação de Schiele, no entanto, não ficou marcada apenas em suas obras visuais, mas também em fotografias nas quais o artista estava presente. Uma série de imagens de Schiele em posições distorcidas levou à sugestão de uma hipótese, que se tornou rumores e parte do imaginário contemporâneo sobre o artista, de que o mesmo não apenas tenha se interessado pela temática dos pacientes psiquiátricos, como também era portador de uma doença neurológica.

Figura 31. Egon Schiele e Anton Peschka. Anton Peschka, 1910

Em seu artigo de 2010 nomeado Egon Schiele and dystonia, Frank J. Erbguth explorou esses rumores e possibilidades nas supostas relações entre Egon Schiele e a síndrome neurológica distonia39. Inicialmente, o autor aponta que a autorrepresentação do corpo de Schiele em poses distorcidas e similares às posturas de portadores de distonia levantaram questões sobre a possibilidade de o artista ter sido também acometido pela doença, mais especificamente a distonia cervical. Tal observação, acredito, teria surgido principalmente por causa dos tipos de posturas e gestos com as mãos com os quais o artista foi fotograficamente registrado ao longo da vida.

39 Distonia é uma síndrome que se caracteriza por posturas anormais e movimentos repetitivos geralmente torcionais. Os movimentos podem afetar qualquer parte do corpo, assim como a musculatura axial, cranial e dos membros, levando a contrações musculares muitas vezes dolorosas. SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA ALBERT EINSTEIN (2015).

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No entanto, Erbguth em seguida indicou que tal hipótese era remota, e possivelmente infundada, já que os dados biográficos e os relatos de contemporâneos ao artista não atestaram a existência de uma doença de tal nível. Portanto, descartando a doença de Schiele, para o autor havia duas possibilidades para elucidar a súbita aparição de torções similares à gestualidade distônica e histérica nos autorretratos de Schiele a partir de 1910. A primeira se fundamentava na probabilidade de que a incorporação da aparência e das posturas distônicas fosse aliada à construção de elementos estilísticos: seria a distorção corporal e gestual um reflexo dos preceitos de um formalismo de essência expressionista. A segunda – e para mim a mais significativa, por ir ao encontro do alegado por Blacksaw (2007) – afirmava que houve indícios sólidos para se acreditar que Schiele conhecesse as compilações de imagens científicas de portadores de distonia e de histeria presentes nas publicações Iconographie photographique de la Salpêtrière e Nouvelle Iconographie de La Salpêtrière. Assim como Gemma Blacksaw, Frank J. Erbguth (2010, p.52) relembra a amizade entre Schiele e o doutor Graff, além da circulação do artista dentro do hospital onde o amigo trabalhava e onde estavam guardadas as edições completas de Iconographie photographique de la Salpêtrière. De acordo com esta segunda hipótese, a apropriação das gestualidades patológicas, anteriormente fotografadas, seria parte de uma estratégia de Schiele para uma melhor aceitação no mercado de arte local, já que os almanaques franceses de Salpêtrière tinham sido bem recebidos ao circularem na sociedade local. De fato essa decisão do artista e de outros que partiram para poéticas similares consolidou a formação de um público, porém também atraiu uma posterior intolerância, marcada pela rejeição da arte moderna pelos nazistas.

2.2. Arte degenerada em domínios nazistas

Um ano depois de Egon Schiele ter ingressado na Academia de Belas Artes de Viena, em setembro de 1907, Adolf Hitler (1889-1945) saiu da casa dos seus pais rumo à capital austríaca, a fim de prestar o processo seletivo da instituição. Ele esteve entre os 113 alunos aceitos para os testes, mas não fez parte da lista final de 28 candidatos aprovados. A rejeição foi um choque tão violento contra a autoconfiança em seu talento artístico que o levou a questionar os motivos de

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sua reprovação ao reitor: a explicação foi que o jovem não tinha talentos para a pintura, mas sim para a arquitetura, devendo, portanto, procurar outra academia.

Figura 32. Desenho da Catedral Oedensplatz. Adolf Hitler, data desconhecida

A mãe, Klara Hitler, estava na fase terminal de um câncer da mama, por isso o filho não contou sobre o insucesso para a família. Em sua autobiografia idealizada em 1924, Mein kampf (Minha luta), Hitler deu a entender que rapidamente aceitou a sua vocação como arquiteto (HITLER, 2012), mas o biógrafo Ian Kershaw (2010) apontou que os fatos não indicaram o mesmo, já que Hitler, apesar de abalado com a recente morte da mãe, prestou novamente as provas em 1908, dessa vez não sendo aceito nem para a primeira fase:

O fracasso na admissão à Academia e a morte da mãe, ambos ocorridos nos últimos quatro meses de 1907, significaram um golpe duplo e esmagador para o jovem Hitler. Fora acordado de forma abrupta do sonho de um caminho sem esforço para a fama de grande artista e, ao mesmo tempo, perdera a única pessoa de quem dependia emocionalmente. Mas a sua fantasia artística permanecia viva. (KERSHAW, 2010, p.50).

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As ambições de Hitler o levavam a sonhar com o reconhecimento que artistas como Hans Makart40, Peter Paul Rubens41 e Richard Wagner42 atingiram nas artes plásticas e na música; em contrapartida, não estava disposto a ter uma rotina de estudos e práticas para se aperfeiçoar, passando os dias perambulando pelas ruas e planejando o seu brilhante futuro, porém sem nada executar. Sem uma real dedicação, a Escola de arquitetura de Viena também rejeitou a sua admissão. (FELICIANO, 2013). Desempregado, sobreviveu com dificuldades, vendendo cartões-postais que pintava com as paisagens vienenses e cartazes de propaganda que lhes eram encomendados. De 1908 a 1912 Hitler morou em Viena, vivenciando as experiências de desigualdades sociais que moldaram a formação de seus preconceitos e fobias, principalmente contra judeus. (KERSHAW, 2010). Em Minha luta, Hitler explanou sobre os perigos do marxismo e do judaísmo, sendo o judeu o mais intenso contraste do ariano:

A doutrina judaica do marxismo repele o princípio aristocrático na natureza. Contra o privilégio eterno do poder e da força do indivíduo levanta o poder das massas e o peso morto do número. Nega o valor do indivíduo, combate a importância das nacionalidades e das raças, anulando assim na humanidade a razão de sua existência e cultura. Por essa maneira de encarar o universo, conduziria a humanidade a abandonar qualquer noção de ordem. [...] (HITLER, 2016, p. 55).

Conforme o descrito na biografia do ditador e no documentário de Peter Cohen, Arquitetura da destruição (1989), nos anos 20 as ideias político-sociais de Hitler eram baseadas na questão judaica, destruição do marxismo, conquista dos trabalhadores para uma fusão entre nacionalismo e socialismo e na luta entre nações, visões permeadas pelo espectro do darwinismo social, uma nociva corrupção da teoria evolucionista para o âmbito das Ciências Sociais: as consideradas raças inferiores seriam as verdadeiras culpadas por todos os níveis de declínio do povo germânico ariano, principalmente através do cruzamento racial. A única solução definitiva, do ponto de vista de Hitler e seus seguidores, seria antes de tudo uma medida de exclusão racial: “o papel do mais forte é dominar” (HITLER, 2016, p.212). E como elemento chave dos perigos sociais supostamente enfrentados pelos arianos estava afiliada ao conceito de inferioridade de

40 Áustria, 1840-1884. 41 Pintor flamengo, 1577-1640. 42 Alemanha, 1813-1883.

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raça a ideia de degeneração, definida em Mein kamft como um conjunto de “doenças do físico e do espírito” (HITLER, 2016, 307). Artista frustrado e conservador, as suas posições no que dizia respeito à arte moderna eram tão negativamente radicais que se pode afirmar que o Führer nunca compreendeu a cultura e a vida modernas; uma modernidade que se precipitava sobre a sociedade e que substituiria aquelas heroicas quimeras do passado que os nazistas admiravam e tentavam impor (FELICIANO, 2013). Após passagens pelo exército e uma incursão da política, Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha em janeiro de 1933, no mesmo ano já pondo em prática seus planos contra seus “inimigos raciais” e contra os artistas modernos. Os crimes cometidos em nome dos ideais do Partido Social Nacionalista Alemão se relacionaram com as sequelas da Primeira Guerra Mundial na Áustria e na própria Alemanha: o Império austro-húngaro ruiu em 1918, seu final coincidindo com o término da Grande Guerra. Ambos os países enfrentaram graves crises social-econômicas ao longo da década posterior ao final da Guerra. Em sua obra Origens do totalitarismo, terminada em 1949 e lançada apenas em 1951, Hannah Arendt (2012) tratou sobre os aspectos sociais que levaram à ascensão na Europa da onda de governos totalitários, imperialistas e antissemitas. Aliado às consequências catastróficas da Guerra, que potencializaram tensões sociais já pré-existentes, Arendt acrescentou outro fator a ser considerado no caldeirão de totalitarismo um pensamento que a autora definiu como onda de irracionalidade, sobretudo na Alemanha:

Grande parte da atração dos movimentos totalitários foi ainda devida à vaga e amargurada atitude antiocidental que esteve em moda especialmente na Alemanha antes de Hitler e na Áustria, mas que nos anos 20 havia tomado conta também da inteligentsia europeia em geral. Até o momento em que tomaram o poder, os movimentos totalitários puderam tirar proveito dessa paixão pelo “irracional”. (ARENDT, 2012, p. 345)

A ideia de construção de uma alma coletiva, mais forte do que as individualidades supostamente destruídas pela guerra, também foi outro argumento recorrente nos discursos totalitaristas voltados às camadas populares:

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Assim, ninguém mais precisaria ser leal ou generoso ou corajoso – pois automaticamente seria a própria encarnação da Lealdade, Generosidade e Coragem. O pangermanismo demonstrou ser superior em teoria organizacional, pois espertamente privava o indivíduo alemão de todas essas extraordinárias qualidades se não aderisse ao movimento. (ARENDT, 2012, p. 347).

O pertencer ao movimento, ao universal, significaria um caminho seguro para a ascensão e o retorno ao sublime estado da sociedade. Fazer parte do coletivo expressava força, porém também significava abdicar do livre arbítrio e da capacidade crítica contra os acontecimentos ao redor. Posteriormente, com a queda do Terceiro Reich, os julgamentos de nazistas presos incluíram como questionamento onde estava esse livre arbítrio dos envolvidos. Compactuando ou atuando diretamente, centenas de alemães e austríacos se envolveram nos crimes encabeçados pelo alto escalão nazista, dentre eles o terrível Holocausto judeu. Apesar de tendências revisionistas que proliferam na historiografia desde o fim da Segunda Guerra, houve significativa quantidade de registros por parte de colecionadores e de instituições de arte que apontaram para a ocorrência um “holocausto artístico”, a apreensão e venda ilegal e a destruição de incontáveis obras pelos nazistas: [A] Destruição de 5 mil obras foi decretada pelo regime nazista, mas até hoje não está esclarecido se de fato ocorreu. Enquanto pesquisas prosseguem, peças marcadas como incineradas voltam a aparecer. (SPÄTH, 2015). Na introdução do livro organizado por Stephanie Barron (1991), The fate of avant-garde in Nazi Germany (O destino da vanguarda na Alemanha nazista), obra de suma importância para a pesquisa como ampla fonte sobre a ação contra a arte moderna, apontou-se que nas duas primeiras décadas do século XX houve o fenômeno cultural de um crescente número de entusiastas da arte moderna na Alemanha, situação que se apresentou em contraposição à censura e perseguição encabeçadas pelos nazistas nos anos seguintes. Contextualizando o cenário sociocultural que antecipou os anos 30, alguns eventos foram apontados como necessários para compreensão do panorama pesquisado. O ano 1871, por exemplo, foi simultaneamente marcado pela ascensão do Império Germânico, por um subsequente fortalecimento do nacionalismo alemão e pela publicação do livro The descent of man (A descendência do homem), de Charles Darwin, posteriormente reinterpretado e usado como parte da fundamentação de teorias e políticas racistas.

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O nacionalismo alemão surgido no final do século XIX se baseava na crença pseudocientífica, o denominado darwinismo social, da existência de diferentes raças humanas, socialmente e biologicamente divididas em um sistema no qual havia níveis de superioridade e inferioridade, sendo a raça ariana a mais alta na escala. Julgo que tal pensamento, ao contrário do definido por Hanna Arendt, não se constituiu em uma mera irracionalidade, e sim em uma perversão da própria razão técnico-científica, racionalidade esta já anteriormente posta em xeque por pensadores como Nietzsche. 43 Essa nociva teoria racial já estava muito propagada na sociedade alemã dos anos 1920, e alguns autores e intelectuais passaram a defender a ideia de que as características raciais poderiam ser inclusive conectadas às manifestações como as artísticas – assim, um problema de estilo seria provado pela raça do artista ou pela sua vinculação com ideais dito como inferiores. Exemplo disto foi o proposto no ano de 1892 com a publicação de Entartung (Degeneração), de Max Nordau, obra na qual o autor desqualificou os pré-rafaelita e os simbolistas para demonstrar a superioridade da cultura alemã (BARRON, 1991). Para Nordau todos os artistas modernos, fossem eles impressionistas, expressionistas ou de qualquer outra vertente, perderam a capacidade de observar e de representar a natureza devido à deformidade de suas mentes. (BARRON, 1991, p. 26). Nesse ponto de vista, a degeneração do indivíduo seria a resposta e o motivo para a degeneração de sua arte: não era somente um trabalho específico degenerado, mas sim o seu autor e tudo o que ele produziu ou criaria no futuro. No ano de 1928 Paul Schultze-Naumburg, arquiteto e teórico racial, publicou Kunst und Rasse (Arte e raça), também atacando e taxando toda a produção de arte moderna como degenerada. Para demonstrar a correlação entre degeneração e universo artístico moderno o autor justapôs exemplos de arte e fotografias de pessoas com deformidades. Seu maior alvo, segundo Barron (1991, p. 12) foram os expressionistas, por representarem o aspecto inferior da moderna cultura germânica, algo que deveria ser ocultado e superado. O professor de Psicologia da Harvard Steven Pinker (2004) traçou em Tábula rasa: a negação contemporânea da condição humana um panorama de como as teorias sobre o

43 Conforme pude estudar durante as aulas frequentadas na disciplina Pensamento humanístico e condição humana na modernidade, ministradas pelo Prof. Dr. Mauro Cardoso Simões na Faculdade de Ciências Aplicadas, Unicamp de Limeira.

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pensamento e os atos humanos foram explicadas ora por condições inatas ora por influência do meio, começando pelas explicações religiosas. Assim, dividiu a questão em três teorias defendidas ao longo da história: a tábula rasa, uma visão empirista na qual a mente humana não possuiria uma estrutura inerente, o fantasma na máquina, que dizia que a mente e a vida seriam explicadas em bases mecânicas, e a teoria do romantismo do bom selvagem, no qual a influência social seria a responsável pelas atitudes dos indivíduos, boas ou negativas. Hoje, passadas as revoluções, o Holocausto e outros genocídios, qualquer afirmação de que a mente possui uma organização previamente nociva e incorrigível é interpretada não como uma hipótese que pode ser incorreta, mas diretamente como um pensamento imoral até para ser cogitado (PINKER, 2004). Mas como se pôde observar no caso do Nazismo, nem sempre isso foi assim julgado pela sociedade e pela ciência. Antes de aprofundar nas consequências da classificação de um artista cabe discorrer sobre o significado e a origem do termo. O alemão Entartet (degenerado) é em sua essência um termo biológico usado para se referir a uma planta ou a animal que, de tão alterado, não pertenceria mais às suas espécies-base. Ou ainda mais, um termo da medicina para definir a condição daqueles indivíduos de nervos abalados, portadores de anormalidades genéticas ou que apresentavam excesso de impulso sexual (BARRON, 1991, p. 26). A partir de minhas pesquisas sobre o tema, acredito que a associação entre degeneração biológica e degeneração artística possa ser melhor compreendida a partir do conhecimento entre dois fatos do passado, o interesse dos artistas por povos não europeus e as conexões entre arte e ciência. Muitos artistas de vanguarda estavam conectados à arte tradicional africana, objeto de colecionismo na época por seu exotismo; estavam também interessados na produção gráfica de pacientes psiquiátricos e nas fotografias de registro de hospitais psiquiátricos. Exemplo de produção científica que despertou o interesse do ramo artístico foi a pesquisa do psiquiatra Hanz Prinzhorn (1886-1933). Em 1922 ele publicou Bilderei der Geisteskranken (Imagens feitas pelos doentes mentais), estudo que compilou e examinou mais de 5000 trabalhos de 450 pacientes, demonstrando que inclusive a arte dos insanos possuía qualidades visuais particulares (BARRON, 1991). A aparente espontaneidade e despretensão dos grafismos coletados por Prinzhorn fascinou os artistas modernos, que pesquisavam e experimentavam novas formas e processos criativos que os aproximassem do ideal uma arte atual, intensa e verdadeira.

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Os crimes contra o patrimônio artístico, motivados pela teoria da degeneração e da periculosidade dos modernos, remontam a 1933, quando os diretores de museus que tinham elementos de arte moderna nos acervos foram demitidos em massa e substituídos por outros profissionais vinculados ao Partido nazista, encarregados de reformular as coleções e readequá- las ao padrão estético do Nacional Socialismo, ou seja, o gosto romântico e neoclassicista apreciado por Hitler, a exemplo das esculturas de Arno Brecker (1900-1991).

Figura 33. O grande portador da Tocha. Arno Brecker, 1939

Elegendo como ideal de beleza artística as obras derivadas de vertentes tradicionais, sobretudo do estilo neoclássico ensinado nas academias de belas artes, ou seja, obras que se inspiravam ou que remetiam ao ideal de beleza da arte grega e romana da Antiguidade, os idealizadores do Nacional Socialismo definiram que a bela obra de arte seria aquela cuja representação superasse a perfeição da própria realidade, em imagens isentas de sensualidade. Em 18 de Julho de 1937, em Munique, Adolf Hitler pessoalmente inaugurou a Haus der Deutschen Kunst (Casa da Arte Alemã), com a exposição Grosse Deutsche Kunstausstellung (Grande Exposição de Arte Alemã), primeira de oito exibições anuais promovidas entre 1937 a 1944 para demonstrar “o triunfo da arte do Terceiro Reich” (BARRON, 1991, p. 17). Em contraposição, a estratégia nazista de valorização do seu ideal de bela arte exigia ainda a exposição pública do exemplo inverso – as obras ditas como degeneradas. Começou assim, nos anos 30, uma série de medidas que contra a liberdade de expressão e ofenderam os direitos de artistas, instituições culturais e colecionadores.

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Em 1933, em Erlangen, foi inaugurado um dos precursores da Entartete Kunst (grande mostra de arte degenerada). Na ocasião foram incluídas 32 pinturas, expostas ao lado de trabalhos de crianças e de pacientes com doenças mentais, em sistema expositivo semelhante ao mencionado método comparativo de Schultze-Naumburg em Kunst und Rasse. Quatro anos mais tarde, em 1937, os artistas fora do eixo das vanguardas publicaram um manifesto intitulado O que os artistas alemães esperam do novo governo44. Em cinco tópicos, eles exigiam que:

1. Todos os trabalhos de natureza cosmopolita ou bolchevique deveriam ser removidos das coleções e museus alemães, mostrados ao público para informar os detalhes de suas “aquisições” e posteriormente queimados; 2. Todos os diretores de museus que compraram arte “não alemã” deveriam ser demitidos; 3. Nenhum artista com conexões marxistas ou bolchevistas deveria ser mencionado daquele momento em diante; 4. Nenhuma arquitetura de “aparência de caixa”, como o prédio da Bauhaus, deveria ser construída dali em diante; 5. Todas as esculturas não aprovadas pelo público deveriam ser imediatamente removidas.

Em partes atendendo aos pedidos dos artistas alemães não modernos, em 30 de junho de 1937, o Ministro de propaganda Joseph Goebbels concedeu a autoridade a comissionados para selecionar obras degeneradas dos museus públicos, a fim de compor uma grande mostra de caráter oposto, porém realizada ao mesmo tempo de Grosse Deutsche Kunstausstellung. Os critérios45 para a classificação dos trabalhos como degenerados seriam:

1. Aqueles que insultavam o sentimento alemão: pode-se entender como englobadas neste critério principalmente as obras que tratassem de temática de crítica social, revelando facetas marginais e pouco dignificantes da sociedade;

44 BARRON, 1991, p. 13. 45 Critérios em BARRON, 1991, p. 19.

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2. Aqueles que destruíam ou confundiam a forma natural: obras que fugissem à proposta tradicional da imitação da natureza e do reconhecível (figurativo); 3. Aqueles que revelavam a ausência de habilidades artísticas ou manuais ditas como adequadas: entraram todos os trabalhos que se distanciassem dos cânones acadêmicos.

Seguindo informações de artigo disponibilizado pela Freie Universität Berlin (2015), alguns museus sob nova direção se encarregaram, além de confiscar e retirar trabalhos não aprovados, também de vender essas peças de arte moderna a fim de contribuir na “higienização” de seus acervos. Como dito, a partir das primeiras obras retiradas de museus e galerias foi montada Dresden, em 1933, versão pioneira de uma mostra intitulada Entartete Kunst (Arte degenerada), reunindo para exposição pública os exemplares da suposta nocividade moral da arte moderna. Ampliada em 1937, a Entartete Kunst iniciou um percurso itinerante. Todas as obras expostas eram mostradas como indícios da corrupção cultural da República de Weimar. A Entartete Kunst foi uma grande exposição de caráter moralizante, que expunha “indícios” não a serem considerados como arte, mas como provas de uma corrupção social que teria sido detectada e barrada a tempo pelo Partido nazista.

Figura 34. Entartete Kunst em Munique, 1937, autor desconhecido

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Tudo o que estava exibido deveria ser visto como objetos horrendos, que insultavam o povo alemão, a religião cristã e, sobretudo, o Estado. O que estava sendo depreciado englobava elementos nos quais, do ponto de vista do regime, podia ser reconhecida a loucura das influências do modernismo estrangeiro, dos elementos judaicos e comunistas e da cultura africana. Os artistas taxados como degenerados eram também proibidos de realizar novas obras, e consequentemente, muitos tiveram que fugir dos domínios nazistas. Na Entartete Kunst os quadros e esculturas apreendidas foram dispostos sem preocupação em causar bem-estar estético; o espaço de exibição era caótico e amontoado. As obras foram associadas a imagens de degeneração e a dizeres pejorativos tais como “A prostituta foi elevada a um ideal moral”, como mostra a associação realizada no catálogo da mostra.

Figura 35. Páginas do catálogo da Entartete Kunst. Frases: “Um perfil racial muito revelador” e “A prostituta foi elevada a um ideal moral”

A versão da Entartete Kunst inaugurada em 1937 contava com mais de 650 obras confiscadas de 32 coleções públicas, exposição que durou quatro meses em Munique e atraiu mais de 2 milhões de visitantes. Cabe relembrar que simultaneamente estava ocorrendo a Grosse Deutsche Kunstausstellung, mostra de trabalhos exemplo da arte “digna” do povo alemão. Apesar

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de o maior inimigo do arianismo nazista ser a figura do judeu, apenas sete dos 112 artistas “degenerados” expostos eram judeus. A Entartete Kunst estava montada de forma a ocupar nove salas, sendo sete no andar superior e duas no térreo (T1 e T2). Conforme apontado por Barron, na sala 1 estavam expostos trabalhos com temática religiosa. Na sala 2, obras de artistas judeus: Katz, Chagall, Wollheim, Meidner, Adler, Segall e Feibusch. Na sala número 3 ficavam os nus e “outras obras que insultavam às mulheres alemãs” (BARRON, 1991, p. 5). Curiosamente, a sala 4 não estava organizada por temas ou artistas. A sala 5 contava com trabalhos abstratos ou com tendência à desconstrução figurativa. Na sala 6 havia uma parede exclusiva para as obras de Lovis Corinth, artista já falecido na ocasião. Esta sala contava com poucas informações textuais nas paredes, inclusive com a ausência da maioria dos títulos das obras expostos. A sala número 7 era dedicada a professores-artistas censurados. Por fim, as salas T1 e T2 foram abertas somente em 22 de junho de 1937, sendo a primeira permeada por figuras humanas e a última contando com a predominância de obra de Klee e Rohlfs. Conforme dados compilados por Barron (1991), atendendo aos pedidos do público, a Entartete Kunst foi estendida, finalizando somente em novembro de 1937. Posteriormente, tornou-se exposição itinerante: entre o final de 1938 e 1941 a Entartete Kunst viajou pela Alemanha (Berlin, Chemnitz, Frankufurt am Main, Dusseldorf, Halle, Hamburg, Leipzig, Waldenburg, Weimar), pela Polônia (Stettin) e pela Áustria (Salzburg, Viena). Alguns fatos que anteciparam a Entartete Kunst mais famosa e mais ampla merecem destaque para compreensão das dimensões da ação nazistas. No começo de 1937 foi publicado o livro de Wolfgang Willcrich intitulado Eine kunstpolitische Kampfschrift zur Gesundung deutscher Kunst im Geiste nordischer Art (Limpeza dos templos da Arte. Uma polêmica artístico- social para a recuperação da Arte germânica no espírito do estilo nórdico). A sua leitura inspirou Joseph Goebbels (1897-1945), Ministro da Propaganda, a uma Entartete Kunst de proporções maiores, atribuindo ao Presidente da Academia de Belas Artes, Adolf Ziegler, a criação desta exposição a ser sediada em Munique. O resultado da ordem de Goebbels foi a apreensão de cerca de 1000 obras de arte de 30 diferentes museus apenas na cidade de Berlim, e a categorização e denúncia de aproximadamente 600 dos trabalhos confiscados como arte degenerada. Os fatos em torno das apreensões

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inicialmente não foram mencionados ao público (FREIE UNIVERSITÄT BERLIN, 2015), porém um anúncio oficial comunicou aos diretores dos museus sobre a decadência encontrada em suas coleções. Após o anúncio, os diretores foram ainda orientados a elaborar listas dos trabalhos degenerados apreendidos, e os dados foram divulgados no Deustche Allgemeinem Zeitung. No entanto, a lista era parcial, enumerando apenas 66 dos 125 artistas expostos. Um novo decreto de Hitler, datado de julho de 1937, consentiu a Adolf Ziegler a confiscar “trabalhos decadentes” em museus, galerias e coleções de todo o Terceiro Reich, englobando da esfera municipal à federal. Essa permissão de censura ampliada a Ziegler permitiu a sua comissão o confisco de 20.000 obras de 1400 artistas, apreendidos em cerca de 100 museus. No entanto, ressalto que esses dados já incluíam as apreensões anteriores (FREIE UNIVERSITÄT BERLIN, 2015). Os trabalhos foram prontamente enviados para Berlim, depois removidos para Munique e alguns deles então inventariados na lista da Entartete Kunst. A máquina de censura, no entanto, era formada por diversas equipes, cada uma delas interpretando os critérios de apreensão de forma particular. Havia muita pressão e competição entre as comissões de censores para apresentar bons resultados a seus superiores, o que explica o grande número de obras censuradas em cidades como Berlim. O auge da censura nazista se deu em 31 de maio de 1938, com o decreto da Lei de confisco de produtos de Arte degenerada, que entre outras ações legalizava a venda de obras apreendidas:

Os produtos da arte degenerada que foram apreendidos em museus e coleções publicamente acessíveis antes da passagem desta lei e que foram identificadas pelas autoridades nomeadas pelo Führer e pelo Chanceler do Reich podem ser aproveitados sem compensação em nome do Reich, desde que garantido que sejam de propriedade de nacional ou de entidades jurídicas nacionais. (FREIE UNIVERSITÄT BERLIN, 2015, s/n). 46

Assim, mesmo todas fora do padrão estabelecido, havia o grupo das degeneradas descartáveis e das degeneradas com potencial de venda. Exemplos das transações envolvem as vendas que envolveram negociantes como Wolfgang Gurlitt e Karl Haberstock de Berlim, além

46 Tradução minha de: The products of degenerate art, which have been seized in museums and publically accessible collections before the passing of this law and have been identified by authorities appointed by the Führer and Reich Chancellor can be seized without compensation on behalf of the Reich provided that they were guaranteed to be owned by nationals or domestic legal entities. (FREIE UNIVERSITÄT BERLIN, 2015, s/n).

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de Fritz Curl Valentien de Stuttgart e a Galerie Zak de Paris. Alguns diretores como Ferdinand Möller em Berlim e Hildebrand Gurlitt em Hamburgo foram ainda obrigados pelo regime a vender obras para o exterior a fim de angariar verbas para os nazistas, porém, conseguiram promover vendas para negociantes de dentro da Alemanha, além de terem mantido alguns trabalhos consigo mesmos. Karl Buchholz vendeu cerca de 450 obras a Curt Valentin, seu sócio judeu que havia emigrado para os EUA:

Desse modo, os emigrantes judeus puderam estabelecer o modernismo alemão na América do Norte (...). Uma virada irônica da história: entre as intenções de Hitler seguramente não estava que essa arte fosse conquistar o outro lado do Oceano Atlântico (SPÄTH, 2015, s/n).

O caso de 244 trabalhos que pertenciam a estrangeiros foi diverso. As obras que eram de coleções particulares ou definidas como incertas dentro da rotulação de arte degenerada foram devolvidas para os seus donos ou autores. Já muitas outras, que não foram negociadas, acabaram supostamente destruídas em 1939 a mando de Goebbels:

“Nenhum quadro será poupado”, anotava em 13 de janeiro de 1938, em seu diário, o Ministro de Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels. Uma frase terminal, com consequências avassaladoras: pouco mais de um ano mais tarde, em 20 de março de 1939, mais de 5 mil obras de “arte degenerada” (Entartete Kunst) seriam queimadas na Alte Feuerwache – então sede do Corpo de Bombeiros de Berlim. (SPÄTH, 2015, s/n).

Observo que Späth (2015) salientou o fato de que os registros sobre a apreensão para a destruição pelo fogo não foram encontrados após a Guerra, tampouco houve menções sobre a queima nos diários de Joseph Goebbels, mas isso não foi capaz de anular toda a possibilidade de ter acontecido, da mesma forma como abriu margem para as teorias de que as obras foram desviadas para outros fins. Algumas redescobertas só foram possíveis porque marchands se rebelaram contra o Nazismo e esconderam obras cujo destino seria o fogo. Por fim, um último grupo de obras, composto por peças confiscadas que não foram vendidas, porém também não definidas como destrutíveis, foram armazenadas em 1941 no porão do Ministério de Propaganda.

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Dos dados das apreensões gerais, a lista mais completa que veio a público até os dias atuais é o inventário conhecido como Lista Harry Fischer, cujo nome é homenagem ao seu antigo proprietário. Em 1997 ela foi avaliada pelo historiógrafo Andreas Hüneke, sendo disponibilizada online no início de 2014. Apesar da complexidade e da dimensão das informações contidas na Lista Harry Fischer, ainda hoje ocorrem surpresas com a aparição de obras que antes foram consideradas destruídas, que na lista estavam marcadas com um X. Assim, o Victoria & Albert Museum de Londres hoje afirma possuir em sua coleção a única cópia do inventário completo da Entartete Kunst (páginas selecionadas no anexo V), a lista de obras confiscadas entre 1937 e 1938. Ao total, são 482 páginas com entradas organizadas em ordem alfabética de cidade, instituição, nome do artista, nome da obra, técnica, valor e antigo proprietário.

Figura 36. Esquema de dados em página da Lista Harry Fischer

Com 15.896 obras enumeradas, 19 categorias artísticas abrangidas e 101 cidades percorridas, a lista foi dividida em dois volumes datilografados e produzida pelo Ministério da

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Propaganda. O documento aparentemente foi finalizado em 1942, pois também nele constava o processo de vendas de obras datadas de 1941. O volume 1 abrangia as cidades de Aachen a Görlitz; já o volume 2, de Göttinger até Zwickau. Os dados da apreensão por cidade e instituição atingiram altas proporções, como nos casos do Folkwang Museum de Essen, com um total de 1273 obras retiradas de instituições. A procedência dos volumes data de 1996, quando a viúva do comerciante Robert Heïnrich “Harry” Fischer doou os documentos para a Biblioteca do Victoria & Albert Museum. Segundo informações do site do museu, Fischer obteve as cópias na década de 1960, porém os dados em torno de como conseguiu o inventário não foram esclarecidos (VICTORIA & ALBERT MUSEUM, 2015). Até 1996, tinha-se ciência de que outras duas cópias da lista estavam conservadas, porém ambas só contavam com o primeiro volume. Cada página fornecia o nome da cidade e do museu fiscalizado no topo, seguindo-se de nove grupos de colunas com informações individuais sobre obras confiscadas. As primeiras colunas incluem números de execução, o sobrenome do artista, o número do inventário e o título. O portal online da Freie Universität Berlin possui informações públicas sobre os acontecimentos em torno da Entartete Kunst e se baseia nos dados disponíveis na Lista Harry Fischer, tornando-se outra importante ferramenta de pesquisa para a dissertação. Dentre os documentos constava a informação de que a repercussão acadêmica a respeito da arte degenerada e dos confiscos surgiu apenas a partir de 1948. Nesse ano, Gerhard Strauss publicou um ensaio baseado em registros encontrados nos arquivos do Ministério da Cultura e no Arquivo central do Estado em Potsdam. No ano seguinte, 1949, foi lançado o livro Ditadura da arte no Terceiro Reich (Kunstdiktater im Dritten Reich), escrito por Paulo Ortwin Rave, que foi diretor da Galeria Nacional. Supostamente, a obra de Rave teria sido baseada em uma versão completa do inventário das obras degeneradas. Em 1962, a Haus der Kunst de Munique promoveu uma exposição de 25 anos da Entartete Kunst, e em seu catálogo compilou alguns dos documentos sobre os confiscos e a organização da Entartete Kunst. No mesmo ano Franz Roh publicou o livro Arte degenerada. Barbárie no Terceiro Reich.

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A partir da década de 80, museus passaram a organizar exposições sobre a Entartete Kunst, a exemplo de Em batalha pela arte: o destino de uma coleção na primeira metade do século XX, na Galeria Nacional Moritzburg Halle, em 1985. A lista Harry Fischer, completamente digitalizada e disponibilizada pelo site da Victoria & Albert Museum, foi por mim comparada à versão apresentada por Stephanie Barron (1991): o nome de Egon Schiele e suas obras foram citados 23 vezes na lista Harry Fischer, no entanto não aparece na da Entartete kunst: dos trabalhos, segundo os títulos, sete tematizam o nu feminino, um dos temas mais frequentes na carreira do artista.

Quadro 1. Dados sobre Egon Schiele na lista Harry Fischer CIDADE INSTITUIÇÃO TRABALHOS Dresden Kupferstichkabinett 1 obra de arte gráfica Düsseldorf Kunstsammlung der Stadt 1 aquarela Essen Folkswang Musem 15 aquarelas e 1 obra de arte gráfica Hagen Städtisches Museum 1 óleo sobre tela Mannheim Kunsthalle 1 aquarela Stettin Städtisches Musem 1 aquarela e 1 obra de arte gráfica Wuppertal-Elberfeld Städtische Bildergalerie 1 gravura

Mais especificamente, em Dresden foi confiscada Frauenakt (Nu feminino), em Düsseldorf Frauenbildnis (Retrato feminino), em Essen Torso I, Frauenakt II, III, IV, VI, VII e VIII, Genrefigur (Figura de gênero) I, II, III e IV, Jüngling (Juventude), Mädchen mit rotum kleid (Menina com vestido vermelho), Liegender Knabe (Menino deitado), Weib in pelz (Mulher com pele), Mknnl. Akt e Rwei Figuren, em Hagen Tote Stadt (Cidade morta), em Mannheim Betteljunge (Jovem indigente), em Stettin Weibl. Akt (Nu feminino) e Herrenbildnis (Bustos de homens) e em Wuppertal-Elberfeld Akt (Nu). Nenhuma obra de Schiele que constavam da Harry Fischer esteve presente na Entartete kunst. Da mesma forma, outros artistas e obras que constam na lista digitalizada não estavam presentes na mostra de 1937, o que levou a deduzir três possibilidades: essas obras foram armazenadas, destruídas ou vendidas.

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Recorrendo novamente às biografias e informações sobre Egon Schiele, observei que Otto Kallir, um dos primeiros biógrafos, mencionou a ocorrência de censura nazista contra o artista (GALERIE ST. ETIENNE, 2015), informação confirmada em biografia no site do Leopold Museum de Viena. Não foi possível verificar os motivos pelos quais a afirmação foi dada pelos dois lados, e porque a mesma não foi reproduzida em publicações das duas instituições sobre Schiele. Após análise dos vários documentos, cheguei à conclusão que mesmo sem a confirmação do biógrafo Kallir e do Leopold Museum que Schiele foi sim taxado de artista degenerado. No entanto, por que os biógrafos não trataram sobre esse episódio póstumo? A divergência na literatura me levou a buscar informações mais abrangentes. Coube, portanto, aliar a descoberta na Lista Harry Fischer à análise de obras de Egon Schiele juntamente com trabalhos reconhecidamente censurados, de forma a estabelecer um caminho que ilustrasse os fatores visuais determinantes para a categorização enquanto degenerado.

Capítulo 3 – Três degenerados e Egon Schiele

Na contemporaneidade muito ainda se discute sobre como os crimes dos nazistas foram cometidos perante o olhar de toda a sociedade alemã. Sobre isso o livro coordenado por Stephanie Barron informa que houve um trabalho gradativo dos nacional-socialistas para atrair a opinião pública a favor de suas atitudes:

Os movimentos como o Expressionismo, Cubismo e Dada frequentemente eram vistos como intelectuais, elitistas e estrangeiros pela nação desmoralizada, e conectados ao colapso econômico, do qual eram culpados em uma suposta conspiração mundial de comunistas e judeus (BARRON, 1991, p. 11). 47

Os autores de The fate of the avant-garde in Nazi Germany afirmam também que caso os nazistas tivessem executado seus planos sem o apoio da sociedade, tornariam a arte moderna um mártir não somente aos olhos do público local, mas também potencialmente atraindo uma maior

47 Movements such as Expressionism, Cubism, and Dada were often viewed as intellectual, elitist, and foreign by the demoralized nation and linked to the economic collapse, which was blamed on a supposed international conspiracy of Communist and Jews. (BARRON, 1991, p. 11).

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comoção e retaliação mundial. A saída foi um percurso no qual a arte moderna fosse vista como distante demais da realidade e da cultura do povo alemão (BARRON, 1991, p. 22). Apesar da existência de critérios, os três mencionados por Barron (1991) manifestaram-se de forma subjetiva e imprecisa, sobretudo tendo em vista que uma parte do confisco era considerada como degenerada e sem valor e outra, degenerada e com valor comercial para venda, troca ou leilão, segundo Feliciano, autor da obra O museu desaparecido (2013). Um dado apontando para a dificuldade de objetiva aplicação dos critérios foi descrito ao longo deste livro foi que mais de um grupo de oficiais era designado para selecionar e confiscar as obras pelos domínios alemães, havendo competição de “metas” entre eles e a inserção de interesses pessoais na tarefa, como no caso de obras apreendidas que foram parar na casa dos censores. Assim, pode- se deduzir que o método avaliativo das obras na censura nazista não foi aplicado com sistemático rigor e objetividade, já que diversas pessoas estavam executando a função, com repertórios, subjetividade e interesses particulares. Em um primeiro momento, a única pista de que Egon Schiele foi considerado um artista degenerado era a breve descrição de tal fato no site oficial da Galerie St. Etienne e do Leopold Museum, indício pouco confiável, já que a sua designação entre os artistas degenerados não era mencionada pelos biógrafos estudados e tampouco na obra de Jane Kallir, membro da equipe da St. Etienne. Tendo em vista a dificuldade de comprovação, dei início à pesquisa com a hipótese de que Egon Schiele não teria sido taxado como degenerado. Assim, as hipóteses levantadas foram:

1. Artistas falecidos antes de 1937 teriam sido poupados do rótulo degenerado. 2. Artistas modernos não nascidos na Alemanha foram poupados da rotulação. 3. Somente artistas com ligação judaica, marxista e bolchevique foram censurados.

A partir da verificação das listas de artistas selecionados para a Entartete Kunst, pude verificar que a primeira hipótese não se aplicava, já que sete artistas falecidos antes de 1937 foram censurados, com destaque para o caso de Otto Mueler, artista com mais de 20 trabalhos apreendidos:

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Quadro 2. Dados sobre artistas falecidos antes da Entartete Kunst de 1937 ARTISTA NACIONALIDADE VIDA TRABALHOS Philipp Bauknecht Espanhola 1884-1933 1 Lovis Corinth Prussiana 1858-1925 7 Jacoba van Heemskerk Holandesa 1876-1923 1 Henrich Hoerle Alemã 1895-1936 2 Wilhelm Lehmbruck Alemã 1881-1919 2 Franz Marc Alemã 1880-1916 5 Otto Mueler Alemã 1874-1930 26

A mesma verificação dos artistas mortos antes de 1937 revelou dados sobre a segunda hipótese: se artistas não alemães também sofreram censura. Como se pode ver na tabela, Bauknecht era espanhol, Corinth prussiano e Heemskerk, holandesa. Sendo assim, a segunda hipótese também se revelou errônea. Por sua vez, para análise da terceira hipótese, Schiele era de uma família cristã, e os dados das obras escritas por seus principais biógrafos indicam uma atitude relativamente apolítica do artista, sem manifestação de interesse por qualquer vertente, nem marxista ou bolchevique. Portanto, também não se enquadra na terceira hipótese. Ao longo da análise documental da Lista Harry Fischer, deparei-me com a extensão e a complexidade dos registros nazistas que abrangeram, em minha soma, 15.896 trabalhos confiscados em 101 cidades. Dos artistas mencionados, pude verificar a incidência de nomes que se repetiram por inúmeras vezes. Dentre os casos citados com frequência na Lista Harry Fischer, optei por destacar três para uma análise em paralelo ao caso de Egon Schiele como artista degenerado. Desse modo, os artistas Oskar Kokoschka, Emil Nolde e Lasar Segall foram relevantes para a pesquisa, pois os seus autorretratos anteriores a 1933 foram comparados aos realizados por Schiele, de forma a ser desenvolvido um mapa de léxicos visuais que pudesse apontar indícios daquilo que foi considerado fator determinante e justificável para a censura, o confisco e a inserção ou não de suas obras na Entartete Kunst. A seleção dos três possibilitou uma nova hipótese, a de que a censura nazista era determinada predominantemente pelas opções estéticas dos artistas, fator que sobrepunha inclusive questões raciais e ideológicas. Nolde fez parte do Partido Nacional Socialista e era alemão – mesmo assim foi rotulado como degenerado. Kokoschka, considerado um dos “rivais artísticos” de Egon Schiele,

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apresentava semelhanças compositivas com os trabalhos do outro, porém não foi poupado. Lasar Segall foi perseguido por seu judaísmo, mesmo residindo no Brasil desde 1923. Egon Schiele, por sua vez, abordava explicitamente a sexualidade e foi uma personalidade polêmica, sendo inclusive preso por acusações de indecência e rapto de menor48. Dentre os quatro artistas modernos, as conexões estéticas preliminares estabelecem uma maior familiaridade entre Kokoschka e Schiele. Antes de aprofundar nas conexões entre os quatro, julgo importante antecipar a etapa de análise das obras com os dados biográficos dos artistas escolhidos, a fim de contextualizar a produção e a inclusão dos mesmos na lista de arte degenerada. O primeiro dos selecionados para análise foi Oskar Kokoschka (1886-1980), escolhido dentre tantos por ser não apenas contemporâneo a Egon Schiele, mas também austríaco. Esses dois fatores são relevantes em termos de pesquisa por seus contatos com Gustav Klimt (Kokoschka foi aluno de Klimt que por sua vez foi mentor de Schiele), além do fato de a crítica da época ter comparado os estilos dos dois jovens, alimentando uma espécie de rixa artística entre ambos: As perspectivas profissionais de Schiele prosperaram em ritmo acelerado em 1910. A mostra na [galeria] Pisko de 1909 havia trazido o apoio do crítico Arthur Roessler, e através Roessler ele logo atraiu uma impressionante variedade de patronos. [...] Nos retratos executados para a segunda metade do ano, vê-se pela primeira vez a influência de seu compatriota Oskar Kokoschka. As superfícies raspadas, primitivas e matizes relativamente moderados dessas obras constituem uma ruptura decisiva da exuberância do período imediatamente anterior. (GALERIE ST. ETIENNE, 2015).49

Sobre a carreira contemporânea de Egon Schiele e Oskar Kokoschka, houve diversos relatos, reais ou fictícios, que constituíram o imaginário de uma relação pouco amistosa entre os dois artistas austríacos, na qual Schiele teria plagiado elementos estéticos de Kokoschka, a

48 Um suposto diário escrito por Egon Schiele durante sua detenção em 1912 foi traduzido em muitas línguas. No Brasil, foi lançada em 2009 pela editora Luzes no Asfalto a versão bilíngue Na prisão/Im gefängnis: diários, desenhos e aquarelas. Atualmente não se descarta a hipótese de que o diário teria sido escrito pelo amigo de Egon Schiele, o colecionador e crítico de arte Arthur Roessler. De qualquer modo, as aquarelas e desenhos sobre a prisão possivelmente foram feitos durante a ocasião. 49 Tradução minha de: Schiele’s professional prospects prospered apace in 1910. The 1909 Pisko show had brought him the support of the critic Arthur Roessler, and through Roessler he soon attracted an impressive array of patrons. […]. In the portraits executed toward the second half of the year, one sees for the first time the influence of his compatriot Oskar Kokoschka. The scraped, primitive surfaces and relatively subdued hues of these works constitute a decisive break from the exuberance of the period immediately preceding. (GALERIE ST. ETIENNE, 2015).

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exemplo das anteriormente descritas similaridades entre A noiva do vento e Morte e donzela, que possuem diferença de apenas um ano de produção.

Figura 37. Fotografia de Oskar Kokoschka. Trude Fleischmann, 1939

Oskar Kokoschka foi um artista de grande versatilidade, atuando como pintor, poeta e dramaturgo da vertente expressionista. Nascido na cidade de Pöchlarn foi o primogênito de um ourives tcheco que não apoiou a escolha do filho pela carreira de artista. Durante a sua juventude e estudos básicos, pouco se interessou pelos assuntos das ciências, dedicando-se com afinco à literatura clássica e se destacando nas atividades artísticas. Apesar da ausência do apoio familiar, foi incentivado por professores a seguir a sua carreia nas artes, ingressando na Kunstgewerbeschule (Escola de Artes e Ofícios), uma instituição de Viena de caráter progressista e com corpo docente formado por artistas da Secessão, tais como Klimt. Dentre a poética de Kokoschka destaco o seu envolvimento com o desenho infantil, uma relação de estudos anteriormente mencionada ao lado da ligação dos artistas modernos com a arte não europeia, do grafismo e das fotografias de pacientes psiquiátricos. Um dos fatos marcantes de sua vida foi a sua internação em 1915: Oskar Kokoschka havia se alistado no exército austríaco para a Primeira Guerra e acabou ferido em combate. No hospital, os médicos atestaram que estava mentalmente instável, situação que se estendeu até

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meados de 1918, quando o artista confeccionou uma boneca de proporções humanas para simular a presença de , sua ex-amante. Aponto que os problemas emocionais do artista decorridos entre o período de 1915 e 1918 podem ser outra justificativa para a inclusão do mesmo na lista dos degenerados, já que tais eventos ocorreram publicamente e tiveram repercussões na vida social e profissional de Kokoschka. De Kokoschka, os nazistas confiscaram mais de 417 trabalhos, sendo o primeiro um volume de desenhos editado por Ernst Rathenau (BARRON, 1991, p. 285). Considerado um degenerado, fugiu da Áustria para Praga em 1934. Finalizada a Guerra, em 1946 obteve cidadania britânica, porém foi na Suíça que o artista se estabeleceu, permanecendo no país até a sua morte. O segundo artista selecionado para análise foi o pintor e gravurista alemão Emil Nolde (1867-1956), cujo verdadeiro nome era Emil Hansen, sendo Nolde a sua cidade natal. Entre os anos de 1884 e 1891 estudou em Flensburg para se tornar ilustrador e escultor, tendo, portanto uma base de formação tradicional em artes. Apesar dos anos de dedicação em 1898 foi reprovado no exame de admissão da Akademie der bildenden Künste München (Academia de Belas Artes de Munique), fato que o levou a viajar para Paris, o centro cultural e das novidades das artes. Suas novas incursões artísticas, assim, foram experimentações nos recentes estilos, sobretudo no Expressionismo. O auge dessa nova fase se deu entre 1906 e 1910, quando foi convidado a se tornar membro dos grupos expressionistas Die Brücke (A ponte) e Secessão de Berlim.

Figura 38. Retrato de Emil Nolde. Minya Diez-Dührkoop, 1929

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Um fato de grande interesse para a pesquisa foi a associação de Nolde ao partido Nacional-Socialista na década de 1920. Barron (1991, p. 315) o caracterizou como nacionalista e um crente na teoria da pureza racial, pensamentos que, no entanto, contradiziam as suas ações, como quando condenou o estupro cometido em comunidades tribais por colonizadores e com a sua ideia de que os museus alemães deveriam coletar os últimos traços do homem tribal enquanto houvesse tempo. Apesar de membro nazista, foi considerado degenerado e um total de 1.052 obras de sua autoria foram confiscadas (BARRON, 1991, p. 315). Além do claro envolvimento de Nolde com os expressionistas, a sua admiração pela arte não europeia era outro ponto negativo em sua avaliação pelos censores: em 1913 o artista e sua esposa ingressaram em uma expedição científica passando pela China e Japão. Visitaram também a Rússia e a Sibéria, fato que pode ter sido entendido como um interesse do casal pelos assuntos marxistas, outro ponto criticado pelo Nacional-Socialismo. Por fim, o lituano Lasar Segall (1891-1957) nascido na cidade de Vilnius, foi artista judeu, que atuou nas áreas da pintura, gravura e escultura. Com 15 anos mudou-se para Berlim para estudar na Berlin Akademie der Künste Köenigliche, onde permaneceu de 1906 a 1912, período similar ao tempo em que Egon Schiele permaneceu na Wiener Akademie der Bildenden Künste.

Figura 39. Retrato de Lasar Segall. Autor desconhecido, 1925

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A sua primeira série de pinturas como profissional foi executada em 1912, em um asilo de idosos com problemas psiquiátricos. Considero que este fato conectou Segall ao interesse de outros artistas modernos pelas pesquisas psiquiátricas, a exemplo do mencionado interesse de Schiele pelos almanaques da equipe de Charcot. Em 1913, deu-se início à relação entre o artista e o Brasil, ocasião em que visitou o país pela primeira vez para rever a sua irmã, casada com um membro da família Klabin. Foi nesse mesmo ano em que realizou duas exposições em terras brasileiras, sendo a segunda delas na cidade de Campinas. De volta à Alemanha, em 1919 Segall fundou o Dresdner Sezession Gruppe 1919, junto a artistas como Otto Dix e Conrad Felixmüller. Aqui recordo a coincidência de ter sido em uma mostra de homenagem ao grupo de Segall que o Autorretrato de Egon Schiele foi exposto pela primeira vez no Museu Lasar Segall. No ano de 1923, visitou novamente o Brasil a convite de sua irmã, iniciando um relacionamento com Jenny Klabin. Posteriormente casado, obteve a cidadania brasileira. Nove anos mais tarde, participou da criação da Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM), juntamente aos participantes da primeira geração modernista brasileira. Sua casa na vila Mariana, em São Paulo, tornou-se em 1967 a sede do Museu Lasar Segall, projeto idealizado por Jenny Klabin e executado pelos filhos do casal, Mauricio e Oscar Klabin Segall. Enquanto no Brasil as obras de Segall eram prestigiadas e ganhavam espaço no mercado de arte local, na Europa o artista foi taxado como degenerado, fato que evidenciou que a censura nazista não se limitava apenas a artistas atuantes na Europa e também abrangia produções mais antigas. Das obras confiscadas, Eternos caminhantes esteve presente na Entartete Kunst, hoje estando exibida no museu em homenagem ao artista.

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Figura 40. Fotografia de Eternos caminhantes em exposição no Museu Lasar Segall. Fotografia por Carolina Robin, 2016

Conforme a análise das listas da Entartete kunst apresentadas por Barron (1991), foi verificado que foram apresentadas ao público em 1937 seis obras de Lasar Segall, 17 de Oscar Kokoschka e 35 de Emil Nolde:

Quadro 3. Obras de Kokoschka, Nolde e Segall expostas na Entartete Kunst de 1937 e suas localizações. ARTISTA NOME ORIGINAL CONFISCADO EM SALA Nolde Christus u. die Sünderim Nationalgalerie Berlin Sala 1 Nolde Die hlg. 3 Könige Lndesmus, Hannover Sala 1 Nolde Kreuzigung Folwang Museum, Essen Sala 1 Nolde Abendmahl Halle Moritzburg Sala 1 Nolde Tod der Maria aus Ägyotem Folkwangus, Essen Sala 1 Nolde Christus u. die Kinder Kunsthalle, Hamburg Sala 1 Die Klygen und die Nolde Folkwag Musseum, Essen Sala 1 Törichten Jungfrauen Nolde Adam und Eva Desconhecido Sala 1 Segall Die ewigen Wanderer Städt gal., Dresden Sala 2 Segall Purimfest Folkwang Mus., Essen Sala 2 Segall Liebende Folkwang Mus., Essen Sala 2 Nolde Stilleben mit Holzfigur Folkwangmus, Essen Sala 3 Nolde Mann und Weibchen Folkwangmus, Essen Sala 3 Nolde Haremswächter Halle Moritzburg Sala 3 Nolde Masken Nationalgalerie, Berlin Sala 3 Nolde Russe Städt Museum Erfurt Sala 4 Nolde Madchenkoft Hannover Landesmuseum Sala 4

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Kokoschka Heiden Stadt. Muse. Dresden Sala 4 Kokoschka Die Windsbraut Hamburg Kunsthalle Sala 4 Kokoschka Auswanderer Halle Moritzburg Sala 4 Bildnis der Herzogin v. Kokoschka Desconhecido Sala 4 Montesquieu Kokoschka Alter Herr Halle Moritzbg Sala 4 Nolde Die Mulattin Halle Moriztburg Sala 4 Nolde Friesische Dorfstrasse Kunsthalle Hamburg Sala 5 Nolde Herbstmeer Staatl. Sammlung, München Sala 5 Nolde Kuhmelker Kaiser Wilhelm Museum Krefeld Sala 5 Nolde Junge Ochsen Magdeburg Sala 5 Nolde Gartenbild mit Figur Halle Moritzburg Sala 5 Frankfurt Stadelsches Kunst Kokoschka Monte Carlo Sala 5 Institut Nolde Junge Pferde Kronprinzenpalais, Berlin Sala 6 Nolde Reife Sonnenblumen Kronprinzenpalais, Berlin Sala 6 Kokoschka Dolomitenlandschaft croci Staatsgal. München Sala 6 Kokoschka Bildnis Karl Etlinger Koln Sala 6 Nolde Hültoft-Hof Kunsthalle Hamburg Sala 6 Nolde Frauenkopf Dresden T1 Nolde Blumengarten X Kiel T1 Kokoschka Bachkantate n. ? Halle T1 Kokoschka Bachkantate n.3 Halle T1 Kokoschka Bachkantate n. 4 Halle T1 Kokoschka Bachkantate n. 6 Halle T1 Kokoschka Bachkantate n. 7 Halle T1 Kokoschka Bachkantate n. 8 Halle T1 Kokoschka Selbstporträit Dresden T1 Nolde Prophet Berlin T2 Nolde Diskussion Desconhecido T2 Segall Zwei Figuren Dresden T2 Kokoschka Liegendes Mädchen Dresden T2 Nolde Gerte n. 584 Dresden T2 Nolde Zwei Fremdrassige Dresden T2 Nolde Stilleben mit Maske Lübeck T2 Nolde Die Heiligen Drei Könige Desconhecido T2 Nolde Frauenprofil Stuttgart T2 Kokoschka Die Freunde Berlin T2 Segall Mann und Weib Dresden T2 Nolde Unterhaltung Berlin T2 Nolde Mann und Weibchen Berlin T2 Junger Furst trema u und Nolde Berlin T2 Tänzerinnen Segall Mappe mit sechs Blättern Breslau T2

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No entanto, os números se apresentam uma parcela mínima em comparação aos dados da Lista Harry Fischer: 36 de Segall, 352 de Kokoschka e 475 de Nolde,, dado que contradiz a alegação de que no total foram confiscadas 1052 obras de Nolde, afirmação localizada em Barron (1991, p. 315). Os três artistas selecionados, Kokoschka, Nolde e Segall, apesar de contemporâneos a Schiele, viveram por décadas depois da morte do austríaco em 1918, tendo ainda tempo de produção e de reação perante a censura dos nazistas. No entanto, as obras que se encaixavam para uma análise válida com os trabalhos de Schiele eram apenas aquelas datadas antes de 1933, ano em que as primeiras medidas contra a arte moderna foram postas em prática pelo Nacional Socialismo. Desse modo, selecionei para análise Autorretrato, de Oskar Kokoskcha, Cabeça com chapéu, de Emil Nolde e Autorretrato II, de Lasar Segall.

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Figura 41. Autorretrato, Oskar Kokoschka, 1913

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No autorretrato de 1913 de Kokoschka, um óleo sobre tela de 81,6 x 49,5 cm, vê-se o artista representado pela metade superior, tendo ao lado de sua figura as iniciais do nome do artista, OK. Na pintura pode-se constatar a predominância de tons de verdes, que cobrem o fundo, o rosto e a mão levantada da figura humana. Em contraste a essa tonalidade, o artista foi representado com uma roupa de mangas longas em cor complementar, um laranja avermelhado, ao qual se sobrepõem pinceladas de branco, amarelo e verde. Todo o corpo e a vestimenta foram contornados pelo autor com linhas pretas não uniformes. O rosto do homem, fino e alongado, recebeu, além da pintura verde, manchas de cor amarelas, laranjas e ocres de diferentes tamanhos. Inclusive o interior dos olhos foi pintado da mesma cor que cobre o restante do corpo. O verde também se repetiu em camadas sobre o preto do cabelo repartido. Os olhos do artista não foram representados da forma anatômica da realidade do modelo, tendo em vista que o artista não possuía problemas oculares como o estrabismo. As pinceladas têm aparência espessa e bem demarcada em determinadas áreas, conforme a proposta estética que vinha sendo experimentada pelos expressionistas, fato que acrescenta uma textura dinâmica à pintura. A grande quantidade de verde, principalmente cobrindo o corpo representado, confere ao autorretrato uma atmosfera doentia.

Figura 42. Comparação da paleta de cores nos rostos de Kokoschka e Schiele (detalhes)

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O recurso da paleta que remetia à doença e à degradação física também foi uma especialidade da poética de Egon Schiele, tal qual fez no rosto no Autorretrato, em posse da Associação Cultural de Amigos do Museu Lasar Segall. No entanto, a magreza mais acentuada em Schiele confere maior dramaticidade ao trabalho analisado. Das diferenças entre os dois autorretratos, a paleta da obra de Kokoschka é mais ampla, enquanto o de Schiele se restringe principalmente à família dos marrons. Em termos de desenho, em Schiele verifica-se um movimento em direção à estilização, com linhas quase geometrizadas, o que pode ser explicado pela diferença das técnicas, sendo o trabalho de Schiele um desenho em grafite e o autorretrato de Kokoschka, uma pintura. As mãos nos dois casos estão dispostas para acrescentar gestualidade, mas no caso de Schiele houve a representação de maior tensão, enquanto em Kokoschka, a mão parece posicionada sobre o peito, em um gesto interrompido pela captura do momento.

Figura 43. Comparação das mãos nos autorretratos de Kokoschka e Schiele (detalhes)

Distanciando-se de uma representação realidade, ambos os artistas incluíram-se em uma atitude antiacademicista, porém as duas obras apresentam qualidade técnica e denotam indícios de um conhecimento clássico da anatomia pelos artistas.

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Figura 44. Cabeça com chapéu. Emil Nolde, 1907

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Já Cabeça com chapéu é uma das litogravuras de Emil Nolde que datam de 1907. A obra tem 40 x 28,2 cm de dimensão e algumas cópias hoje pertencem ao Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque. Em 1907 Emil Nolde já havia se aproximado dos artistas que comporiam o Die Brücke, assim, estava em período de experimentações para além do academicismo. Como imagem gerada pela técnica litográfica, Cabeça com chapéu se aproxima mais do desenho do que a pintura do caso visto de Oskar Kokoschka. Nela verifica-se somente o rosto do artista, de faces encovadas, barba e chapéu, que projeta sombras e oculta partes da fisionomia como o olho. Os grafismos, na maioria bem demarcados, apontam os diferentes momentos do processo do desenho, indícios verificáveis pelas áreas de maior e menor concentração de pigmento litográfico, ou seja, excesso de tinta no início do traço e escassez conforme a aproximação do final. Esse trabalho de Nolde se caracteriza pela incompletude da visualidade: há diversas áreas em que as linhas não se conectam, como na lateral direita do chapéu, e ombros não foram ao menos iniciados.

Figura 45. Comparação de formas incompletas em Nolde e em Schiele (detalhes)

Essa ausência da forma completa é a maior semelhança a ser apontada entre este trabalho de Emil Nolde e o autorretrato de Schiele. A ablação de partes do corpo representado, sobretudo em seus autorretratos, é outra característica típica da estética de Egon Schiele. No entanto, a ausência de partes em Schiele era executada em regiões mais pontuais, realçando o sentido de estranhamento e de desconforto do grotesco dos corpos.

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Figura 46. Autorretrato II. Lasar Segall, 1919

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Por fim, Autorretrato II, de Lasar Segall, data de 1919, sendo um óleo sobre tela de 68 x 58,5 cm de dimensão, exposto no Museu Lasar Segall. Na obra em questão, vemos uma representação caricatural do artista, na qual predomina o contraste entre claro e escuro, representado de um lado pelo amarelo e branco e do outro, por marrom e preto. O corpo foi concebido da parte superior do braço para cima, sendo a cabeça desproporcional à estrutura corporal proposta. O nariz é anguloso e bastante geométrico, assim como a linha externa da bochecha esquerda. Os olhos são rasgados e vazios, cada íris pintada de uma cor (amarelo claro e branco). Abaixo dos olhos há zonas de roxo e marrom. A geometrização de formas orgânicas e a caricatura, sobretudo das regiões oculares, são pontos de semelhança entre o autorretrato de Segall e outra obra de Schiele que também data de 1910, Nu masculino sentado, anteriormente analisado em relação ao Autorretrato do artista austríaco.

Figura 47. Comparação dos rostos em Segall e Schiele (detalhes)

No entanto, cabe destacar que considero a geometrização de Segall era mais intensificada devido às suas aproximações com o Cubismo, e o rosto apresenta semelhança a uma máscara, sobretudo as tribais de madeiras dos povos africanos e asiáticos. Como visto, o gosto pelo exotismo das culturas para além da Europa, e sobretudo de fora dos domínios da Alemanha nazista, foi um dos fatores determinantes para a censura dos artistas modernos.

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A análise comparativa entre os trabalhos selecionados levou à constatação de que todos se encaixavam nas propostas modernistas de arte, tendo em comum com os autorretratos de Schiele a presença de uma paleta de cor específica que remete à decomposição do orgânico, no caso de Kokoschka, uma opção de desenho que apresenta ausência de formas completas em Nolde e a estilização caricatural do corpo humano, com aproximações de diferentes níveis entre o orgânico anatômico e a geometria da estética cubista, no caso de Segall. A existência de obras desse caráter nas décadas que antecederam os anos 30 foi a responsável pela classificação de todos os artistas mencionados como degenerados pelo Nazismo, mesmo que anteriormente eles tenham elaborado trabalhos e estudos de acordo com os cânones das academias de arte. Tais similaridades confirmaram que todos os trabalhos em análise, produzidos entre 1907 e 1919, se enquadravam em um padrão estético similar, e, portanto, deveriam neles ter sido aplicada uma única lógica e terem todos sido classificados de igual modo. No entanto, o conhecimento prévio do processo de censura dos nazistas conferiu informações essenciais para compreender a distinção dos diferentes níveis de censura, sendo os processos de confisco executados simultaneamente por diversas comissões de diferentes unidades, cada uma das quais com noções subjetivas dos critérios, que, por sua vez, eram bastante vagos e abertos para múltiplas interpretações. A partir dessa perspectiva de que noções subjetivas e interesses particulares incidiram sobre a aplicação dos critérios de tortura, possibilitou-se o apontamento da hipótese de que as obras de Egon Schiele, um artista já falecido, apesar de também designadas como degeneradas possuíam maior potencial de troca e venda nos processos ilegais de retirada da arte moderna dos domínios nazistas, apesar da sua estética do grotesco, direcionada ao erotismo dos corpos representados, fossem eles homens ou mulheres, adultos ou crianças. Assim, poderia se explicar a ausência do artista na lista de participantes da Entartete Kunst de 1937. Uma segunda hipótese, de caráter complementar, por sua vez, baseou-se na ideia de que as obras de Schiele foram confiscadas tardiamente e assim, não inseridas na expografia já estabelecida da Entartete Kunst itinerante, constando apenas do inventário Harry Fischer, lista que apresenta indícios de ter sido finalizada apenas em 1942.

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Conclusão

No Capítulo 1 elaborei um panorama da carreira de Egon Schiele e das conjunturas sociopolíticas, culturais e artísticas que vivenciou nos anos em que atuou em Viena, tratando de enfatizar o momento de tensões e dualidades que marcou o final do Império Austro-húngaro até a sua ruína final em 1918. Nessa unidade também descrevi como foi a aceitação de sua obra em vida e posteriormente ao próprio artista, definindo que seu público era restrito, devido às temáticas que abordou, ao tratamento pictórico das imagens e ao pouco tempo de carreira que teve. Assim, os melhores anos de venda e de fama de Schiele foram precisamente os três últimos de vida, quando se casou com a filha de uma família burguesa, com relativa ascensão social devido a esta adequação, passando por uma transição de imagem de artista jovem e marginal para a de artista maduro, burguês e chefe de família. Seus primeiros colecionadores foram os mais fiéis ao longo dos anos, pessoas ligadas ao círculo de amizade de Gustav Klimt, seu mentor, empresários e críticos de arte tais como Arthur Roessler. A família Schiele e esse grupo de compradores, todos de classe média alta ou das linhagens da nobreza imperial, após a morte do artista efetivaram ações a fim de reunir as suas obras e fundar as primeiras instituições para manutenção da memória de Egon Schiele. Esses esforços resultaram na criação de espaços sobretudo em Tulln, cidade natal do artista, em Viena, onde viveu os seus últimos 12 anos e em New York, cidade para onde o galerista Otto Kallir se estabeleceu após a perseguição do Nazismo. Além dessas instituições que ultrapassaram os limites da Europa, as ações em prol de Schiele ainda garantiram a permanência de seu nome na história da arte, tendo o artista sido referenciado em inúmeras obras das mais diversas linguagens artísticas na contemporaneidade. Por fim, este capítulo apresentou também o processo de divulgação das obras de Schiele para além dos limites europeus, com a entrada legal e a ilegal nas Américas50. Em algumas situações, a exemplo do Retrato de Wally Neuzil, os casos resultaram em brigas judiciais, pois

50 É questão polêmica a procedência das obras que passaram pelo confisco nazista é atualmente motivo de disputas e reivindicadas por herdeiros da Europa contra museus, galerias e colecionadores.

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tratava-se de patrimônios roubados durante a Segunda Guerra. Já no Brasil, o caso de Autorretrato de Egon Schiele, trabalho que é o centro da dissertação e que não apresenta indícios de ter sido ilegalmente adquirida, também saiu da Europa devido à ação dos nazistas. Através da correlação de dados obtidos por meio de entrevistas públicas, correspondência eletrônica com a equipe do Museu Lasar Segall e entrevista cedida à pesquisadora pela museóloga Pierina Camargo, foi possível a verificação de parte da história acerca da chegada Autorretrato. Aqui defendo a versão de que a obra saiu da Europa por meio de um judeu fugitivo do regime nazista. No Brasil, foi comprada pela família Schwarz, permanecendo como seu patrimônio até os anos 1980. Nessa década o herdeiro Roberto Schwarz, por sua conexão com o Museu Lasar Segall e pela amizade com Maurício Segall, optou por deixar a peça sob a proteção da Associação Cultural de Amigos do Museu Lasar Segall. Assim, a aquarela permaneceu no museu, sem ser exposta, até que um novo diretor, o Sr. Jorge Schwartz, assumiu o seu posto em 2008. Schwartz localizou Autorretrato e contatou a especialista em Egon Schiele, Jane Kallir, que verificou a autenticidade do trabalho. Legitimado, Autorretrato em 2010 foi incluído na exposição Fraternidade – verdade – arte, em homenagem ao grupo de 1919 Secessão de Dresden, da qual Segall fez parte. Após 2011, ela não foi mais exposta ao público por motivos não esclarecidos pelos membros do museu. Ainda através da análise visual de Autorretrato e de dados da autenticação de Jane Kallir, concordei com a hipótese da especialista de que o trabalho não data de 1912, conforme a assinatura na obra, mas sim de dois anos antes. Autorretrato, por suas semelhanças de tema, desenho e tratamento pictórico, possivelmente faz parte de uma série de autorretratos nus que o artista executou em 1910, a exemplo de Nu masculino sentado e Autorretrato com braço torcido sobre a cabeça. No Capítulo 2, abordei como nos séculos XIX e XX as fronteiras dos saberes científicos e artísticos foram gradativamente superadas pelos agentes dos dois opostos. Impulsionados pelo advento da fotografia, os artistas visuais se viram beneficiados por uma maior autonomia, a possibilidade de representarem o mundo para além da própria realidade e do ideal, podendo inclusive utilizar a sua maestria como forma de denúncia das desigualdades. Por outro lado, a Ciência também vislumbrou os benefícios da técnica fotográfica, sobretudo a Psiquiatria da era de Jean-Martin Charcot, sendo então a fotografia um instrumento aliado ao diagnóstico do

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médico. No entanto, coube à pesquisadora também tecer uma crítica a respeito da apropriação da fotografia pela medicina psiquiátrica: ao invés de humanizar o tratamento e a relação dos pacientes com o mundo fora dos asilos, instituições médicas como a Salpetrière da França optaram por revelar os registros fotográficos dos pacientes sob a forma de publicações. Para alguns, de fato os almanaques podem ter atingido o objetivo do esclarecimento, mas para muitos, as publicações foram vistas como imagens do grotesco e do marginal. Os artistas, sensibilizados pelos novos níveis de liberdade, apropriaram-se desse imaginário da loucura e se lançaram para novas experimentações, aspirando a espontaneidade daqueles que nada deviam à sociedade, pois dela não faziam mais parte. Hoje, com os olhos do século XXI, entendemos e aceitamos tais opções artísticas, mas as intolerâncias do século XX levaram a caminhos conturbados. Assim, na transição para o Capítulo 3, concentrei-me em demonstrar o paradoxo da razão moderna: ainda baseada nos resquícios do ideal do esclarecimento iluminista e apoiada na crença do progresso técnico-científico, a sociedade da época não se ateve ao detalhe de que a razão, quando cega e amoral, é tão perigosa, dual e perversa quanto a irracionalidade pura. Desse modo, descrevi como a ascensão do totalitarismo nazista se fundamentou no pilar da Ciência, apropriando-se de estudos derivados da teoria de Charles Darwin para legitimar seus planos, atos de extrema exclusão social e outros crimes de dimensão inimagináveis. Para melhor explicar minha crítica contra a razão moderna, recorro a uma obra de um passado mais remoto. Em um de seus trabalhos mais emblemáticos, a gravura nº 43 da série Los caprichos (Os caprichos), o espanhol Francisco de Goya (1746-1828) elaborou uma criação bastante metafórica, cuja mensagem aqui relaciono à conclusão de minha pesquisa. Intitulada como Lo sueño de la razón produce monstros (O sono da razão produz monstros), a imagem fornece ao espectador a cena de um homem, de idade indeterminada, que é retratado em estado de profundo sono. O local onde ele adormeceu, uma mesa com papeis e caneta, confere um atributo a este personagem: é um estudioso, um homem dos pensamentos – da razão. Adormecido, ele é rodeado pelos monstros e quimeras, criaturas da noite, do caos e do medo, das quais não aparenta sequer ter consciência da presença e do tumulto que causam ao seu redor.

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Figura 48. O sono da razão produz monstros. Francisco de Goya, 1797-1799

Por que recorrer a um trabalho da Espanha do século XVIII para abordar questões a partir do século XX? A resposta se encontra nas entrelinhas, nas semelhanças da História e na mensagem que o artista legou ao mundo. Acredito que determinadas obras têm caráter atemporal, sendo O sono da razão um desses perfeitos exemplos. Apesar de, ao fazer Los caprichos, Goya ter se proposto a uma crítica específica contra a sociedade espanhola do século XVIII, as 80 composições da série trataram de temas fundamentalmente humanos e universais: o frágil equilíbrio da razão em tempos difíceis, os conflitos entre o esclarecimento e a ignorância, o eterno duelo do mal e o oculto contra o bem e a verdade. Não importa se as imagens falaram dos conflitos entre classes baixas, clero e nobreza na Espanha do passado, julgo que o seu significado é forte o bastante para ultrapassar o seu contexto original e atingir outros universos, podendo tanto ser relacionado às dualidades da Viena de dois séculos mais tarde, a época de Schiele, quanto aos atuais problemas de ódio, discriminação e intolerância que vivemos hoje no mundo globalizado.

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Em minha leitura da frase que é o foco desse trabalho de Goya, “o sono da razão produz monstros”, desvio-me das interpretações nas quais a decodificação da mensagem indica que a razão, quando ausente, gera as monstruosidades e o caos. Proponho uma interpretação diretamente oposta: a razão está presente, alerta, e é dual como os outros aspectos da nossa condição humana. Goya criou uma bela metáfora aos moldes da era Iluminista, mas desconsiderou o poder da perversão que a razão potencialmente traz dentro de si mesma. No século XX, a mesma razão, científica e tecnológica, que levou aos estudos sobre o grafismo das crianças e dos pacientes psiquiátricos também embasou a proliferação de imagens estereotipadas desses pacientes, expostos ao mundo como símbolo do curioso e do grotesco, não como seres humanos que mereciam as suas dignidades restauradas. A mesma razão que permitiu os incríveis avanços da nova sociedade do século XX tampouco foi capaz de impedir as Guerras, o Holocausto e os crimes contra a arte moderna. Mais que isso, pode-se observar que ao longo da história grandes discursos, teorias e estudos ditos como racionalistas foram usados em prol do bem, mas igualmente foram aplicados gerando sofrimento e prejuízos para incontáveis vítimas do passado. Assim, proponho que não existe o sono da razão. Nossos monstros, quimeras, negligências e erros são todos frutos do aspecto negativo da razão, não da sua ausência. A razão é capaz de produzir os seus próprios monstros, sendo o Nazismo uma de suas maiores e mais terríveis quimeras. Perseguidos pela racionalidade instrumentalizada dos nazistas, todos os artistas modernos em domínios alemães, fossem eles judeus, estrangeiros, associados ao marxismo ou ainda já falecidos, foram potenciais vítimas da censura de suas obras. Essa discriminação os rotulou como degenerados, ou seja, como pessoas que deveriam ser excluídas pelos riscos que supostamente ofereceriam à sociedade, sendo as suas obras as provas de seus crimes contra a moral, o bem e a verdade ariana. Para essa contextualização, foi de fundamental proveito a análise do inventário Harry Fischer, arquivo digitalizado e disponibilizado para pesquisa pública pela Victoria & Albert Museum de Londres. Através dessa lista e da obra de Stephanie Barron (1991), foi possível constatar que Egon Schiele foi postumamente censurado pelos nazistas, tendo o seu nome e obras citados 23 vezes no documento analisado. No entanto, o artista não constou entre os selecionados

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para a edição de 1937 da Entartete kunst, mostra de arte degenerada que se tornou itinerante. Julgo que tal ausência possa ser justificada pelo fato da obra de Schiele ter sido considerada como potencialmente valiosa em termos comerciais, tendo-se em vista que muitas obras modernas confiscadas foram ilegalmente vendidas para fora dos domínios nazistas. No Capítulo 3, última unidade da dissertação, novamente os documentos foram relevantes para determinar a extensão da censura nazista: em minha verificação, cheguei aos números de 15.896 trabalhos confiscados em 101 cidades, entre 1937 e 1942, conforme o inventário Harry Fischer. Dentre a extensa lista de artistas depreciados, selecionei três que foram citados com bastante frequência: Nolde, Kokoschka e Segall. A partir deles, outra análise visual foi realizada, dessa vez entrelaçando dados dos autorretratos de Schiele, de 1910, e de três obras de mesmo tema por Oskar Kokoschka, Emil Nolde e Lasar Segall, artistas rotulados como degenerados e que constaram tanto na lista Harry Fischer quanto na disponibilizada por Barron (1991), fatos inclusive amplamente debatidos em suas biografias, ao contrário do que se passou no caso de Schiele. A análise permitiu o apontamento de quatro aspectos de similaridade entre os autorretratos, todos produzidos antes dos anos 30: paleta de cores que remete à organicidade e à decomposição, desenho de formas incompletas, aspecto caricatural do corpo e formas orgânicas com tendência para a geometrização. Tais pontos correlacionados indicaram que os trabalhos analisados foram exemplos da exploração de técnicas vanguardistas pelos seus autores, sendo essa incursão no modernismo o fato mais intensamente depreciado pela estética do Nazismo. Assim, os autorretratos observados se encaixaram nos critérios de arte degenerada, no entanto os de Schiele não foram incluídos na mostra de 1937 e não há um estudo sobre a censura ao artista em importantes biografias. A partir da minha análise, acredito que a explicação para a sua não inclusão naquela mostra era que as obras de Egon Schiele, artista que já havia morrido, foram confiscadas e não expostas para serem comercializadas posteriormente. Como o inventário Harry Fischer foi compilado entre 1937 e 1942, não se sabe exatamente quando as obras de Schiele foram inseridas. Por fim, elaboro considerações sobre a importância da obra de Schiele na atualidade, refletida no demonstrado interesse de artistas atuais de diferentes linguagens e áreas, que se inspiraram em seus trabalhos, criando propostas que transitaram das artes visuais à música. No

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âmbito nacional, a presença de Autorretrato de Schiele manifesta-se no fato de ser a única obra do artista no Brasil e estar localizada em um museu em homenagem a Lasar Segall, artista que viveu em época similar ao artista, e cuja obra também foi depreciada pelos nazistas. Pelo passado conturbado pelo qual a produção de ambos passou, a presença de um trabalho do austríaco se revela como uma feliz coincidência, dialogando em sintonia com o acervo deixado por Lasar Segall. A trajetória dessa obra de Schiele, assim como a de outros trabalhos modernos, também se conecta com os acontecimentos da cultura de nosso próprio país. Não devemos nos esquecer do nebuloso passado, não muito distante dos nossos dias  época em que os governos, autoritários, por décadas cercearam direitos civis básicos como a liberdade de expressão. Os artistas nacionais de artes visuais, música e artes cênicas, ao lado de outros setores da sociedade civil, expuseram- se ao perigo e lutaram em prol da reconquista desses direitos. Muitos foram os que sofreram as consequências da Ditadura Civil Militar não apenas em suas carreiras, mas em suas próprias vidas: inúmeros foram os relatos de desrespeito e censura contra as suas obras, prisões sem justificativa, torturas, ameaças e exílio. Apesar de tudo, a arte permaneceu como um escudo contra as injustiças e o terror, e até os dias atuais é marcante a atuação da comunidade artística brasileira a cada novo escândalo de corrupção, intolerância e extremismo político. Desse modo, a presença de uma obra de um artista injustamente censurado, mesmo que única, e sob a proteção de uma associação cultural que zela pela memória de outro artista também perseguido, pede-nos para não nos esquecer. E mais que recorrer à memória coletiva, ela silenciosamente nos exorta a resistir toda vez que necessário.

Referências

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ANEXOS

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Anexo I: notícias na mídia sobre Verdade – fraternidade - arte

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Anexo II: Parecer da especialista Jane Kallir sobre Autorretrato

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Anexo III: Termo de consentimento para entrevista

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Egon Schiele e o conceito de degeneração na arte moderna Ana Carolina Robin de Oliveira Número do CAAE: 55943316.0.0000.5404

Você está sendo convidado a participar como entrevistado (informante) de um estudo. Este documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos e deveres como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com a pesquisadora. Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houverem perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com a pesquisadora. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo. Esta pesquisa justifica-se pela necessidade de aprofundar os conhecimentos acerca da obra do artista austríaco Egon Schiele (1890-1918), artista cujo trabalho intitulado Autorretrato (c.1910) encontra-se sob comodato de longa duração no Museu Lasar Segall. O objetivo da pesquisa é apontar os indícios pelos quais a obra geral de Egon Schiele supostamente teria feito parte da lista de arte censurada pelos nazistas. Para isso, se tem como ponto de partida a análise da obra Autorretrato, único trabalho do artista presente em um museu brasileiro, adquirido por família judaica no Brasil durante os anos 40. A sua participação consistirá em participar de uma entrevista de áudio gravado, de no máximo 1 hora de duração, com data previamente agendada por ambas as partes, respondendo a questões. No primeiro momento, as perguntas versarão sobre o conhecimento do entrevistado acerca de Egon Schiele; em seguida, entrarão as questões específicas sobre as características do acervo do Museu Lasar Segall e a relação do entrevistado com o museu, a entrada da obra Autorretrato no Brasil, sua aquisição pela família Schwarz e o comodato com o Museu Lasar Segall. Por fim, serão questionados sobre a importância de tal obra no Brasil, sobretudo no Museu Lasar Segall, o processo de autenticação da obra por Jane Kallir e a exposição Verdade, Fraternidade, Arte, que expôs Autorretrato pela primeira vez em 2010. É garantido o sigilo dos dados coletados, sendo que os mesmos serão utilizados exclusivamente para finalidades didáticas e/ou científicas. Entre os benefícios, salienta-se o esclarecimento acadêmico e público dos dados e fatos acerca da chegada e permanência da obra Autorretrato, do artista austríaco Egon Schiele (1890-1918), única obra do mesmo em instituição cultural do Brasil.

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Os riscos previstos pelas entrevistas se baseiam no fato da não alteração de nomes, fato que pode gerar situações de constrangimento. No entanto, salienta-se o participante possui o direito de se abster de participar caso a pesquisa e a entrevista lhe provoquem desconforto. Você será esclarecido sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar e é livre para recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou interromper a participação. Seu nome ou o material que indique a sua participação não será liberado sem a sua permissão, e você terá em mãos uma cópia deste mesmo termo, caso haja alguma dúvida. O pesquisador poderá ser contatado pelo telefone ______e pelo endereço eletrônico ______. Poderá também contatar o Comitê de Ética em Pesquisa da UNICAMP pelo telefone (19) 3521-8936.

Responsabilidade do Pesquisador Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______Data: ____/_____/______Ana Carolina Robin de Oliveira (pesquisadora)

Consentimento livre e esclarecido

Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:

. Sim Não

Eu,______RG:______, dou meu consentimento livre e esclarecido para participar como entrevistado(a)/informante da pesquisa de mestrado “Egon Schiele e o conceito de degeneração na arte moderna” desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Unicamp, sob responsabilidade da pesquisadora Ana Carolina Robin de Oliveira, orientada pela Profa. Dra. Lucia Helena Reily.

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______, ______de ______de 2016.

______Assinatura do Participante

______Ana Carolina Robin de Oliveira (pesquisadora)

DENÚNCIAS E/OU RECLAMAÇÕES REFERENTES AOS ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA

Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/ UNICAMP- Tel.: (19) 3521.8936 ou 3521.7189 Rua Tessália Vieira de Camargo, 126- CEP: 13083-887- Campinas/SP- Email: [email protected]

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Anexo IV: Páginas selecionadas da Lista Harry Fischer

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