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DUAS ESCOLAS EM CONFRONTO A visão de Luiz Gonzaga Belluzzo e Gustavo Franco em relação à inserção externa do Brasil nos anos 90

Banca Examinadora Prof. Orientador José Márcio Rebolho Rego Prof. Dr. Haroldo Clemente Giacometti Prof". Dra. Maria Angélica Borges FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

FLÁVIO ESTÉVEZ CALIFE

DUAS ESCOLAS EM CONFRONTO A visão de Luiz Gonzaga Belluzzo e Gustavo Franco em relação à inserção externa do Brasil nos anos 90

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Fundação Getulio Vargas Graduação da FGV IEAESP Escola de Administração . de Empresas de SilIo Paulo Biblioteca Área de Concentração: Políticas de Governo como requisito para obtenção do título de mestre em Administração 1200100022

SÃO PAULO 2000

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SP-00020B26-B

CALIFE, Flávio Estévez. Duas Escolas em Confronto: a visão de Luiz Gonzaga Belluzzo e Gustavo Franco em relação à inserção externa do Brasil nos anos 90. São Paulo: EAESPIFGV, 2000. 112p. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da EAESPIFGV, Área de Concentração: Políticas de Governo).

Resumo: O trabalho apresenta as principais discordâncias, conceituais e metodológicas das Escolas econômicas da PUC do e da Universidade de Campinas (Unicamp) em relação às políticas de inserção externa brasileira acontecidas na década de 1990. Aponta seus principais interlocutores e discute suas principais idéias.

Palavras-Chaves: Pensamento Econômico Brasileiro - Escolas Econômicas - Metodologia Econômica - Inserção Externa Aos meus pais, com carinho e agradecimento AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os que, direta ou indiretamente, estiveram envolvidos na elaboração deste trabalho. Um agradecimento especial ao meu orientador, Prof José Márcio Rego, pelo incentivo e apoio desde os tempos da graduação até a fase conclusiva dessa dissertação. Agradeço aos meus amigos e familiares, que foram responsáveis pela existência de um ambiente sempre aberto a discussões, proporcionando a experiência mais forte e construtiva de minha formação. Serei sempre grato a minha esposa Andréa, pela paciência, compreensão e apoio que tomaram a realização deste trabalho uma tarefa menos árdua. S lJ 1\IIÁRJ o

Introdução " 01

Justificativa .•...... u •••••••••••• ~ ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 09

Objetivo ...... •.....•...... •...•.•...... •...... ••...•.•...... •.•...•...... •...... •..•...... •.....•...... 10

Estrutura do Trabalho 12

Capítulo 1- Uma Brevíssima História do Pensamento Econômico no Brasil. 14 1. As primeiras controvérsias no Brasil independente 14 2. ope:íodo. 19~0~1~~64 18 3. Orgaos e tnstttuições 26 3.1. Cepal. " 28 3.2. IB/?E 29 3.3./!-Jyl~B 31 4. O período 1964-1986 33

Capítulo 11- Uma Metodologia na Resolução das Controvérsias ..•....•....•...... •...... 40 1. Friedman e a economia positiva .42 2. A abordagem ética: Amartya Sen e Giannetti da Fonseca 14 3. A metodologia econômica de Blaug .48 -I. A interpretação da retórica: Pérsio Arida e Donald McCloskey 53

Capítulo 111 - Confronm de Escolas: IJnicamp x Puc-Rio 63 I. As diferentes cOllslillliç:tJes 63 2. Modelos distintos de ciência econômica '" 68 2.1. Arida e os modelos hard science e soft science 68 2.2. Franco e os modelos mainstream e cepalino 70 2.3. Mantega e os modelos histórico/institucional e analítico clássico 72 3. () Debate: Gustavo Franco x Luiz Gonzaga Belluzzo 73 3. J. A década de 1990 78 3.2. Produtividade e Competitividade 81 3.3. Vulnerabilidade Externa 89 3.-I.Melodologia 95

Considerações Finais...... 103

Bibliografia 108 INTRODUÇÃO

A década de 90 explicitá mudanças significativas que ocorreram na política e na economia mundiais. o que obviamente influenciou todo o pensamento econômico e político brasileiro. No Brasil, a consolidação da democracia e a abertura comercial iniciada no Governo Collor, bem como a crise dos regimes socialistas do leste europeu e a crise do Estado do Bem-estar social, colocaram em questão a intervenção do Estado na atividade econômica e provocaram uma reordenação de idéias, forçando partidos políticos e instituições a se readaptarem frente aos novos fatos, e muitas vezes abrindo mão de dogmas

fundamentais de suas doutrinas. Desde a abertura política, em 1985, o Brasil experimentou uma série de planos econômicos que tiveram como principal objetivo acabar com a inflação que vinha crescendo nos anos anteriores. Nesse momento existiriam duas formas distintas de se atacar o processo inflacionário: gerar choques desaceleracionistas capazes de quebrar a inércia inflacionária ou, altemativamente, atacar diretamente a tendência, rompendo a inércia do sistema e promovendo, assim, uma desvinculação entre a inflação futura e a inflação passada. A primeira opção associa-se ao receituário ortodoxo, visto que a quebra da inércia seria obtida por choques desaceleracionistas de demanda fortes o suficiente para reverter as expectativas, responsáveis. segundo esta visão, pelo elemento tendencial da inflação. A segunda opção associa-se às posturas heterodoxas, que acreditam ser muito elevados e, mais que isso, desnecessários, os custos de um ajustamento desse tipo. A segunda opção foi a adotada, no entanto, a seqüência de planos, iniciada com o Plano Cruzado, não obteve o sucesso pretendido e culminou em 1994 com a adoção do , com características heterodoxas e ortodoxas, que do ponto de vista da estabilização, vem atingindo seus objetivos ( desde julho de 1994 até a data presente, foram mais de seis anos de baixíssimos índices inflacionários). Durante este período (1986-2000) diferentes correntes de pensamento econômico, representadas por diferentes instituições de ensino e pesquisa em economia, passaram pelos governos, atuando como ministros, assessores ou consultores. o fracasso dessas políticas econômicas heterodoxas, aliada a uma crise fiscal do Estado brasileiro, e a falta de propostas adequadas, ou mesmo viáveis para a estabilização do país, aumentaram a aceitação da necessidade de reformas voltadas para o mercado e diminuição da participação do Estado, abrindo espaço para políticas com elementos liberais e ortodoxos. Os choques, o congelamento de preços, a pré-fixação e o protecionismo do mercado começam a dar lugar à disciplina fiscal, com privatizações e contenções de gastos e à liberalização comercial como forma de maior integração com a economia internacional, pondo um definitivo fim ao antigo modelo desenvolvimentista de substituição de importações, com forte presença do Estado. Nesse contexto, o pensamento econômico ortodoxo toma-se hegemônico, e segundo Gustavo Franco (1995, p.338), um dos principais mentores da política econômica do Plano Real, "a ortodoxia tomou-se tão avassaladoramente dominante, que nada do que é 'alternativo' parece relevante. Até, pelo contrário, o heterodoxo parece tomar-se místico, esotérico, pouco sério".

2 Essa hegemonia, que se estabelece com o sucesso do Plano Real, no entanto, possui adversários" não tão organizados, nem com tanta força política, nem com grande espaço nos meios de comunicação, mas que por sua importância intelectual ou política ou por terem participado de políticas govemamentais criam uma forte e crítica oposição, principalmente quando algum sinal de crise se aproxima. São os casos dos economistas ligados à atividades políticas como Aloízio Mercadante e Guido Mantega do PT, ou mesmo Ciro Gomes e Robe110 Mangabeira Unger (não economistas); economistas ligados a instituições acadêmicas, talvez a principal delas a Unicamp, e um de seus principais representantes, Luiz Gonzaga Belluzzo; ou pensadores independentes de grupos de pensamento, mas com fácil acesso e respeitabilidade na mídia, como Paulo Nogueira Batista Jr, da FGV-SP; ou ainda personagens respeitados pelo conjunto e importância de

sua obra, como Celso Furtado. Como o processo de estabilização vêm obtendo sucesso, pelo menos do ponto de vista monetário, as críticas, de um modo geral, costumam atingir a maneira como vendo sendo feita a inserção brasileira no âmbito intemacional. Para estes opositores a abertura comercial, da forma que se desenvolveu, colocou ou colocará o Brasil numa situação delicada em relação à dependência externa, à destruição de sua indústria, à diminuição do emprego, à política cambial ou ao privilégio da eficiência, do capital e de sua concentração, piorando a distribuição da renda e a justiça social. A abertura comercial, produto do fator endógeno de esgotamento do modelo de substituição de importações e o aprofundamento da globalização (como um fator exógeno) colaborariam ainda mais para piorar essa situação. Para Luiz Gonzaga Belluzzo (1995), por exemplo, "A globalização - ao tomar mais livre o espaço da circulação da riqueza e da renda dos grupos integrados - desarticulou a velha base tributária das políticas keynesianas e vem submetendo a gestão da dívida pública aos humores freqüentemente imprevisíveis dos mercados financeiros. A ética da solidariedade foi francamente denotada pela ética da eficiência. Por isso, os programas de redistribuição de renda, reparação de desequilíbrios regionais e assistência a grupos marginalizados têm sofrido intensa rejeição dos grupos vitoriosos e cosmopolitas" Apesar disso, para Franco (1995, p.338) "Não há vozes contrárias à abertura, apenas um alerta, aqui e acolá, para a possibilidade de sucateamento da indústria, geralmente motivado por interesses setoriais ou regionais ameaçados. Essa falta de resistência, essa timidez dos protecionistas, ou talvez a falta de ressonância de seus argumentos, é uma das características mais interessantes do nosso processo de liberalização

comercial" . Todas essas questões que envolvem a conduta da política econômica de um país, como utilização de medidas ortodoxas ou heterodoxas, a abertura comercial ou o protecionismo, a intervenção ou não do Estado na atividade econômica, o liberalismo ou o desenvolvimentismo sempre estiveram na agenda de discussões econômicas e a adoção de uma ou outra dessas medidas costuma se intercalar de acordo com o momento pelo qual passa o país e a própria comunidade internacional. Essas discussões passam necessariamente pela elaboração e formulação de teorias dos profissionais dessa área: os economistas. No Brasil, em particular, esses economistas têm algumas características peculiares. Diferentemente de países como os Estados Unidos, por exemplo, onde os economistas tomam-se especialistas em algumas áreas de estudo, no Brasil os economistas se caracterizam por possuírem posições generalistas, como bem observa Eduardo Giannetti da Fonseca, "No Brasil o economista é chamado a atirar para todo lado, tem que falar sobre o mercado de trabalho, sobre desenvolvimento, sobre qualquer assunto: política monetária, política fiscal, política mundial, todo mundo é franco atirador. Não há reconhecimento de especialidades e áreas de competências específicas. No fundo o que nós temos são homens públicos com interesse em Economia".

(In: Biderman et alli, 1996, p.374) Para Bidennan, Cozac e Rego , que publicaram um livro de entrevistas com economistas brasileiros (Biderman et alli, 1996, p.IO) "As condições históricas e políticas brasileiras geraram uma classe de economistas profissionalmente diferenciados. Seja ocupando um lugar na esfera pública ou privada, seja concentrando-se no ambiente acadêmico, são impelidos a estudar e opinar sobre vários assuntos. Muitos participaram ativamente na política, tanto no Executivo como no Legislativo" Nesse sentido, excluindo um número muito pequeno de economistas de renome, todos aqueles que atingiram alguma projeção ou êxito, participaram de alguma forma da formulação de políticas do governo ou trabalharam em suas instituições, nunca se limitando apenas à produção

acadêmica'. Sendo aSS1l11,sempre: foram colocados à prova, tendo que resolver empiricamente suas proposições e soluções sobre os problemas econômicos e não simplesmente divulgar artigos e trabalhos na imprensa ou na comunidade acadêmica. Por isso, para legitimar e justificar sua posição como elaboradores de políticas econômicas, os economistas sempre buscam obter respeito por parte da comunidade acadêmica e dos próprios membros do governo,

_ -_._._------1 Um exemplo de economista de projeção que não se enquadra nesta linha é o já referido Eduardo Giannctti

5 passando a estes a confiança de conhecer o caminho a ser seguido. E para que isso seja possível, precisam que suas idéias sejam aceitas pela academia nacional, e se possível (e talvez mais importante ) pela internacional. Isto acaba sendo facilitado quando estes economistas possuem uma circulação por esse meio, situação esta facilitada quando eles possuem especializações em importantes universidades estrangeiras. Para Maria Rita Loureiro (1997a, p.69), "A internacionalização da ciência econômica produziu impactos sobre os meios profissionais, além de influenciar também a atuação dos economistas como policy makers, dando mais legitimidade política àqueles com maior inserção no circuito científico internacional" . Essa internacionalização do estudo da economia, que se micia nos anos 60, claramente influenciou e continua influenciando todo o pensamento econômico brasileiro, mas pelo fato dos economistas estarem vinculados à sua atuação política, esse pensamento mistura-se com outros interesses, que não só os científicos. "Em seu conjunto, o balanço histórico das idéias e das instituições permite afirrnar que a modernização e a internacionalização dos estudos econômicos no Brasil não implicaram a configuração de uma Ciência Econômica no sentido positivista da ciência neutra e descomprometida com valores e interesses. Ao contrário, o pensamento econômico no Brasil sempre esteve estreitamente ligado aos temas políticos, aos debates ideológicos e às demandas práticas emanadas das políticas governamentais. Em outras palavras, o economista no Brasil, para bem ou para o mal, nunca

foi um cientista fechado nas chamadas "torres de marfim" dos meios acadêmicos. Ao contrário, sempre correu o risco de "sujar as mãos". Nesse sentido, a Economia brasileira foi sempre uma Economia Política".

(Loureiro, I997b, p.12) Se o pensamento econômico brasileiro não esteve sempre ligado à busca do conhecimento puro pois sofre influências de todo tipo, não obtendo o grau de descomprometimento e independência necessários, como se resolvem então as discussões entre as diferentes escolas de pensamento

econômico no Brasil? Boa parte delas são resolvidas utilizando-se instrumentos de retórica. Para Bidennan et alli, "As controvérsias acadêmicas misturam-se com discussões políticas e vaidades pessoais. Como não existe maneira inequívoca ou teste empírico definitivo que aponte quem esteja com a razão, a resolução das controvérsias entre os economistas está relacionada com seu

poder de persuasão". (1996, p.lO) Para isso precisamos entender como os economistas e suas escolas estruturam suas opiniões e constróem a sua imagem para ter sua competência e importância técnica reconhecidas e sua participação legitimada. No caso brasileiro, são poucos os centros que seguem uma orientação teórica particular, A pluralidade de orientações, no entanto não é negativa, e costuma acompanhar o crescimento dos programas de ensino, que se tomam heterogêneos à medida que seu corpo docente se amplia. (Bianchi, 1997, p.322) Como expoente do ideário econômico que compõe a cúpula de integrantes do pensamento econômico mais hegemônico atualmente, temos como base fundamental economistas, ligados de uma ou outra fonna à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). ,

Edmar Bacha. , André Lara Rezende, ". Pérsio Arida, Winston Fritsch ,

7 Francisco Lopes e Gustavo Franco participaram diretamente da formulação das diretrizes do Plano Real. Outros importantes economistas de outras escolas como a USP, EPGE-RIO e FGV-SP aliaram-se posteriormente a

essa corrente. Essa escola aparentemente apresenta uma coesão e uma unidade muito maiores do que, por exemplo a Unicamp ou a USP, se tomarmos como base a própria formação mais homogênea dos seus professores. No caso da PUC-RJ, 820/0 dos professores possuem formação internacional, mais precisamente num conjunto específico de universidades americanas, enquanto na EPGE-RIO 80°/c)se enquadram nesse contexto. A Unicamp por exemplo, possui somente 7,2~/0dos professores nessas condições'. Este fato nos mostra tanto a homogeneidade dos integrantes desta escola, como a sua maior possibilidade de integração intemacional, o que pode ser um fator decisivo na aceitação de suas idéias se observarmos as circunstâncias mundiais, com o enorme aumento na velocidade das informações e nas relações comerciais. André Araújo (1998, p.48), num estudo recente e crítico ( principalmente em relação a PUC-RJ) sobre o pensamento econômico no Brasil, concluiu que "centrada na PUC-RJ e tendo como retaguarda a EPGE, a escola do Rio desbancou as teses cepalinas da Unicamp e o ecletismo pragmático da outrora poderosa Faculdade de Economia da USP'·. referindo-se ao período de Delfim Neto. A hoje hegemônica PUC-RJ baseia seus estudos na noção de fronteira do conhecimento, num modelo denominado por Arida (in.Rego, 1996, p. 13-14) de hard science , onde os estudantes ignoram a escola do pensamento, não analisando textos que foram publicados há mais de 5 ou 6

2 Fonte: Anais da ANPEC ( 1991) anos, familiarizando o estudante com o estágio atual da teoria. Já a sua mais clara oposição, em termos ideológicos, a Unicamp, utiliza principalmente o modelo sof! science. Nesse caso, os estudos concentram-se nos clássicos do passado, retrilhando por conta própria as matrizes fundamentais da teoria. Não podemos afirmar. no entanto. que essas escolas de pensamento. ou mesmo as idéias geradas por uma geração terão uma vida longa, e que seus opositores estejam condenados ao esquecimento. A história econômica recente do Brasil nos mostra isso. Como diz Bianchi (1997, p.330) " ...uma corrente que é hoje minoritária pode vir a prevalecer amanhã, como a história da ciência tem seguidamente testemunhado",

2.JUSTIFICATIVA

Num momento de transformações que se inicia nos anos 80 com a transição do Brasil para um regime democrático e com a intensificação das relações internacionais, as discussões sobre os rumos da economia e a

disputa pela participação em políticas do governo se intensificam.

A f01111 a como essas questões se desenvolvem, as opções que são colocadas e as experiências anteriores são fundamentais para a aceitação de novas posições econômicas. Os consensos que se formam, temporários ou não, e as críticas que se estabelecem, mesmo que de uma minoria, são importantes na análise do papel dos formadores da opinião econômica, visto que as correntes de pensamento no Brasil tendem a alternar sua legitimidade no poder. E nesse sentido que este estudo se justifica. analisando as características peculiares das idéias econômicas no Brasil num contexto de transformações na estrutura política e econômica nacional e internacional.

3.0BJETIVO

Este trabalho tem como objetivo analisar o pensamento econômico brasileiro na década de 90, dando ênfase à discussão entre duas escolas de pensamentos diferenciadas tanto nas questões políticas quanto econômicas. Serão enfocadas a atual escola hegemônica e influente, PUC-RJ, e sua opositora mais claramente definida, a Unicamp. Tomaremos como referência específica o pensador mais polêmico da escola carioca, Gustavo Franco, e um de seus mais árduos críticos, Luiz Gonzaga Belluzzo, como representante da escola de Campinas. A seleção dessas escolas não segue necessariamente critérios de preferências. mas sim características como a homogeneidade na divulgação e exposição de idéias, a participação que já tiveram ou têm na elaboração de políticas públicas e as divergências ideológicas mais visíveis. Devido à amplitude de assuntos que podem ser abordados, concentraremos nossa discussão em um ponto fundamental: a visão dos autores no que diz respeito às características da inserção externa do Brasil na nova ordem econômica iniciada a partir da abertura comercial. A pergunta principal a ser respondida é a seguinte: Como esses pensadores se utilizam dos fatos econômicos, da produção científica e intelectual, e da retórica para estruturarem suas posições em relação a inserção externa do Brasil?

10 E de forma subsidiária outras questões devem ser colocadas. De que modo a formação desses economistas influencia na sua atuação na formulação de políticas públicas e na sua produção intelectual? Há algum tipo de novidade no posicionamento dos autores analisados, ou eles se utilizam simplesmente da reprodução de velhas teorias? Para isso devem ser analisados o embasamento teórico utilizado pelas duas correntes, a formação de seus professores, sua produção intelectual e o alcance de suas publicações. Além disso, será importante observarmos o acesso do público e dos estudantes às suas idéias, através de artigos e entrevistas na mídia e das indicações de leituras adotadas pelo circuito

acadêmico. Não temos a pretensão de sermos totalmente isentos na avaliação dos autores, já que nossa própria formação, ideologias e opiniões sobre os temas abordados podem, de uma forma inconsciente, não intencional, influenciar na seleção dos textos a serem analisados, beneficiando ou prejudicando o posicionamento dos autores. Nesse sentido, tem toda a razão Hunt, na Introdução de seu clássico sobre a História do Pensamento Econômico (1997, p.22) quando diz que " ...todos os teóricos, todos os historiadores e todos os seres humanos têm valores que penneiam de modo significativo todos os esforços cognitivos. Assim, quando discuto os valores e os aspectos ideológicos dos escritos dos vários teóricos, não há qualquer intenção de induzir à noção de que o fato de ter valores, per se, sirva de base para criticar um pensador. Acredito que a tese de que alguns teóricos são 'isentos de valor' seja uma tentativa de iludir os outros ou uma auto-ilusão. Os julgamentos não se deveriam basear no fato de um pensador ter ou não

II valores - já que todos eles têm - mas, sim, na fundamentação concreta da natureza destes valores". Não pretendemos também utilizar como referência todos os intelectuais envolvidos na discussão econômica dos anos 90. mas será indispensável a opinião de alguns dos pensadores ligados diretamente ao tema analisado, apesar de sempre estarmos correndo o risco de não incluir algum pensador importante. Não nos cabe fazer também uma análise do modelo econômico adotado pelo Brasil a partir dos anos 90, já que devido à sua complexidade, este estudo demandaria uma nova e longa pesquisa. E, por fim, não é objetivo deste trabalho concluir quais são as soluções e idéias corretas em relação aos temas que forem abordados, mas simplesmente analisar a forma como os pensadores analisados se colocaram frente aos assuntos selecionados.

4. ESTRUTURA no TRABALHO

o trabalho está assim estruturado: No Capítulo 1 apresentamos uma brevíssima história do pensamento econômico do Brasil. a fim de termos um referencial mais amplo para o

enquadramento dos autores escolhidos para a análise.

No Capítulo 11 recuperamos a abordagem de Pérsio Arida em seu já clássico História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica, bem como tecemos considerações metodológicas para a resolução das controvérsias em economia.

12 o Capítulo III estabelece o confronto propriamente dito das duas escolas de pensamento, a Unicamp e a PUC-RJ, e apresenta o debate Gustavo Franco-Luiz Gonzaga Belluzzo, personificando o confronto. O Capítulo IV, comportando as considerações finais, encena o trabalho. I. Uma Brevíssima Histéria do Pensamento Econômico no Brasil: Controvérsias e Instituições

Apesar da maioria dos principais economistas no Brasil divergirem sobre a existência (ou não) de um pensamento econômico genuinamente

brasileiro", podemos descrever algumas das principais controvérsias e correntes de pensadores que de certa forma influenciaram a condução das políticas econômicas e a discussão sobre os rumos a serem tomados pela sociedade e pela economia brasileiras desde sua formação. Desta maneira, pretendemos aqui apresentar uma brevíssima história da evolução das idéias econômicas no Brasil desde a independência até os dias atuais.

I.As primeiras controvérsias no Brasil Independente

Iniciamos a análise a partir do momento em que o Brasil começa a discutir os seus próprios problemas econômicos, sem a intervenção direta de Portugal. Não podemos afirmar que não existissem debates a respeito dos assuntos referentes às políticas econômicas que seriam impostas ao país até o advento da independência, mas tomaremos como ponto de partida as problemáticas do Brasil já como um país independente.

3 Ver Biderman et alli (1997) e Mantega e Rego (1999) Este período da história econômica brasileira é caracterizado pelo governo como o principal motivador das discussões, trazendo para o Parlamento os debates sobre as políticas a serem adotadas. A falta de um corpo estruturado de especialistas, instituições ou mesmo escolas de economia limitava o debate econômico a um conjunto de análises de cunho político. Essa característica inicial, aliás, acompanhará toda a trajetória das idéias econômicas no Brasil, profundamente influenciadas (ou adulteradas)

pelas circunstâncias políticas. As primeiras faculdadles de economia só serão estabelecidas nos anos

40 do século XX, mas I[) estudo da economia no Brasil iniciou-se anteriormente, seja através de cursos em outras faculdades, como a de Direito ou Engenharia, seja através do aparecimento de autodidatas que transformaram a Economia num objeto aprofundado de estudo. Logo após a independência, em 1827 foram criados os pnmeiros cursos efetivos de economia política, dentro dos cursos jurídicos. Segundo Gremaud (1997, p.28) "Estes cursos foram criados [...] refletindo tanto o problema da autonomização cultural da sociedade brasileira, como a necessidade de formação da. elite e dos quadros necessários para o aparelho estatal". Estes cursos não sofreram muitas transformações até a República Velha e tinham como bibliografia básica de referência autores como Adam Smith. Thomas Malthus, David Ricardo, Jean Baptiste Say, Sirnonde de Sismondi e William Goldwin. A inclusão das obras de Sismondi e Goldwin. segundo Gremaud (1997, p.29) demonstram que o ensino de economia política no Brasil não abraçou exclusivamente a escola clássica inglesa, nem adotou o liberalismo na sua forma mais pura como padrão. Estes dois autores dão margem a interpretações que levam a concepções de cunho mais intervencionista e que colocam em dúvida a justiça decorrente do sistema

15 liberal. Esses cursos contavam com advogados em seu quadro de docentes

de economia política. Os cursos de economia nas faculdades de engenharia iniciaram-se mais tarde, na década de 1860, e possuíam em seus quadros docentes formados principalmente em engenharia e matemática. A introdução da Economia Política no Brasil assumiu um duplo caráter. De um lado a preocupação com a divulgação das idéias liberais clássicas que se desenvolviam no mesmo momento na Europa. Por outro lado, o pensamento que aqui se desenvolvia a partir da matriz teórica européia ganhava texturas originais. Esta originalidade pode ser percebida tanto na central idade do comércio nas análises quanto na maior importância atribuída à intervenção do govemo. (Gremaud, 1997, p.27) Os primeiros cursos universitários de Economia, como já assinalado, só foram criados na década de 1940. Antes disso, ensinava-se economia em cursos tradicionais como direito ou engenharia, ou em cursos profissionalizantes. Daí a razão pela qual os primeiros intelectuais a participarem do debate econômico tinham sua formação básica em outros cursos, sendo principalmente engenheiros ou advogados. Discussões sobre a condução das políticas econômicas referentes aos principais interesses brasileiros, como a agricultura, principalmente o café, ou mesmo a incipiente indústria, eram corriqueiras, mas os principais debates tiveram como ponto principal os problemas monetários da economia brasileira. Mesmo o maior industrial do império, o Barão de Mauá, mostrava que tinha suas preocupações voltadas para o meio circulante no Brasil e suas conseqüências', a incorversibilidade da moeda e as pressões sobre o câmbio. ..,

4 Mauá, Visconde de. O meio circulante no Brasil. Rio de Janeiro, 1878.

16 Para Gremaud (1997, p.79), "No Brasil (pós independência). a maior parte das controvérsias econômicas também tem seu locus no Parlamento e suas motivações nos problemas práticos relacionados à política econômica. Nelas se revelam as principais concepções teóricas vigentes e acabam por explicitar as interfaces que tais têm com o jogo de interesse que se exprime nas disputas parlamentares. Os debates monetários marcaram todo o período analisado (J 840-1930), desdle a própria instalação do primeiro Banco do Brasil. ainda na fase colonial. No primeiro reinado já se iniciaram os debates legislativos acerca do meio circulante nacional, envolvendo dois elementos básicos: as próprias emissões de notas do Banco do Brasil e a cunhagem de moedas de cobre" e "Em tenTIOS monetários a principal situação a ser enfrentada era debilidade do meio circulante nacional. A moeda no Brasil era basicamente constituída por bilhetes do Banco do Brasil emitidos tendo em vista atender os problemas do governo que, desde a época colonial, tinha um déficit orçamentário de difícil financiamento. Deste modo, o Banco do Brasil foi utilizado para fazer empréstimos necessários ao governo emitindo notas bancárias que se constituíam em meio circulante. Estas notas eram. em princípio, conversíveis, tendo sido decretada sua incorversibilidade pouco antes da Independência" (1997, p.79) As controvérsias do Brasil nesse período pós independência, até a Revolução de 1930, que transformará a política e a economia brasileiras, não têm como foco principal a criação de um projeto de alcance nacional através do planejamento econômico e da forte intervenção estatal, como ocorrerá no período posterior, mas sim a busca de ajustes estruturais clássicos. como o controle monetário e cambial.

17 2. () Período /930-/964 As mais importantes discussões sobre a econonua brasileira. no entanto. terão origem com a intensificação da industrialização, a partir da

década de 1930. Esse momento de transformações na economia, que traz embutido um projeto de desenvolvimento para o país, é o responsável pelo surgimento de diferentes correntes, linhas ou modelos mais definidos de pensamento econômico que vão dominar a discussão econômica brasileira durante todo o século. Somente na década de 50, entretanto, esses assuntos transformaram- se em debate teórico, com a participação de vários intelectuais e instituições especializadas, apesar de na década de 40 já existirem as discussões entre Roberto Simonsen, líder industrial paulista e principal representante do intervencionismo desenvolvimentista e o Prof. Eugênio Gudin, o plincipal representante do monetarismo neoc1ássico no Brasil. Esse debate se estenderá pela década de 1950, onde entrará em cena a 'controvérsia sobre o planejamento econômico', que vai contrapor os interesses exportadores, em decadência e perdendo a sua posição

hegemônica na economia brasileira, e os novos segmentos sociars vinculados à acumulação industrial. Essa controvérsia travava-se entre uma corrente que defendia o liberalismo econômico, preocupada em garantir a 'vocação agrária' do Brasil e uma corrente desenvolvimentista, que pregava a intervenção do Estado na economia para implementar a industrialização no país. A corrente liberal não apresentava novas idéias ou teorias específicas para o Brasil, defendendo os princípios clássicos da regulação automática do mercado, da alocação ótima dos recursos e da teoria das vantagens

IX comparativas, enquanto que a corrente desenvolvimentista buscava apresentar soluções originais e específicas para a realidade brasileira e latino-americana, baseando-se nas teses estruturalistas da CEP AL.

Os fatos históricos que ocorrem nos anos 50, no entanto, consolidarão a industrialização brasileira, mudando o enfoque do debate, que passa a ter como ponto principal o modelo de industrialização a ser seguido. Para Guido Mantega, durante as décadas de 50 e 60, há três correntes de pensamento de econômico que permitiram a construção de três modelos analíticos diferentes sobre a industrialização brasileira: o Modelo de

Substituição de Importações, oriundo das teses de Celso Furtado, Ignácio

Rangel e Maria da Conceição Tavares, e herdeiro direto das idéias da

CEPAL e dos desenvolvimentistas históricos como Raul Prebisch, Ragnar

Nurske, H. Singer e Gunnar Myrdal; o Modelo Democrático-Burguês,

elaborado pelos teóricos do Partido Comunista Brasileiro e sistematizado

por Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães, inspirado na

análise da Rússia czarista feita por Lenin em 1905 e na sua proposta de

revolução democrático-burguesa, retomada nas teses da IH Internacional para os países atrasados; e o Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista,

originário dos trabalhos de André Gunder Frank, Caio Prado Jr. E Rui

Marini, baseados nas idéias das vertentes marxistas norte-americanas, cujos expoentes são Paul Baran e Paul Swcezy. e sofrendo influência da Teoria da

Revolução Permanente de Trotski e das teses da IV Internacional (1985,

p.12)

Esses três modelos, não incluem a teoria da dependência, que

segundo o autor só se consolidaria na década de 70, e o modelo

conservador de Roberto Campos, que só seria teorizado e sistematizado

11) após o milagre econômico. Ou seja, de 1964 quando é implantado até o final

dos anos 60 as idéias aparecem em artigos de jomais e revista

especializadas, ficando para a década de 70 a sua consolidação teórica.

Para Mantega, antes da teorização dos modelos conservadores de

Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen, o pensamento conservador

resumia-se às idéias ueoclássicas de Eugênio Gudin, idéias estas que não

construíram um modelo analítico original. As novidades virão

principalmente dos desenvolvimentistas, que encontrarão na CEPAL, a

instituição onde se reunirão os principais pensadores em tomo da

industrialização e de seu planejamento, Assim, Mantega concentra-se de preferência na análise do

pensamento heterodoxo e marxista dos anos 60 em seu conjunto.

Estudando o mesmo período, mas dando ênfase à dimensão histórica

do pensamento econômico brasileiro no período por ele denominado de

ciclo ideológico do desenvolvimentismo (1930-1964), Ricardo

Bielschowsky identifica 5 correntes distintas de pensamento, sendo três

delas desenvolvimentistas. A primeira denominada de desenvolvimentismo

do setor privado, uma segunda desenvolvimentista "não "nacionalista" e do

setor público, e uma outra desenvolvimentista "nacionalista" do setor

público. Além dessas podemos também citar a corrente neoliberal ( a direita

do desenvolvimentismo) e a corrente socialista ( a sua esquerda). O autor

ainda classifica o pensamento de Ignácio Rangel, que por ser um pensador

independente dessas correntes não se encaixa em nenhuma das correntes

mencionadas. Assim, essas cinco correntes de pensamento que foram

identificadas perrnitirjarn-nos classificar a grande maioria dos economistas e

intelectuais que participaram do debate econômico brasileiro dos anos 1930

a 1964. com a exceção de Ignácio Rangel. ( 1997, p. 73)

20 o conteúdo teórico dessas correntes desenvolvimentistas estaria fundamentado na obra da CEPAL, que teve forte influência nas bases conceituais da industrialização brasileira, sendo que a mais importante contribuição teórica ao debate brasileiro foi a introdução de um sistema analítico: a teoria do desenvolvimento periférico. Os elementos desse sistema que mais influíram no pensamento econômico dos economistas desenvolvimentistas brasileiros (principalmente a corrente nacionalista) foram: I) a caracterização do subdesenvolvimento como uma condição da periferia ( o conceito de centro-periferia); 2) a identificação do processo de industrialização espontâneo que vinha ocorrendo desde os anos 1930, e o reconhecimento de seu significado histórico para as economras subdesenvolvidas do continente; 3) a industrialização nas estruturas subdesenvolvidas típicas da periferia, vista como um padrão de desenvolvimento sem precedentes e problemático ( o baixo grau de diversidade e heterogeneidade estrutural determinariam tendências perversas ao desemprego, à deterioração da relação dos preços de troca, ao desequilíbrio extemo e à inflação; e 4) a inflação interpretada como um fenômeno com causas estruturais. No Brasil, essas teses cepalinas adquiriram uma versão mais nacionalista do desenvolvimentismo, fazendo surgir assim o nacional- desenvolvimentismo, ou o desenvolvimentismo nacionalista, interpretações a que se vinculam pensadores como Celso Furtado e Ignácio Rangel. De uma forma geral, o desenvolvimentismo seria a ideologia de transformação da sociedade brasileira definida por um projeto econômico baseado em 4 postulados fundamentais: I) A industrialização integral é o caminho para superar a pobreza e o subdesenvolvimento do país: 2) não há possibilidade de conquistar uma

21 industrialização suficiente e racional do país mediante o jogo espontâneo das forças do mercado, e por isso é necessário que o Estado planifique o processo; 3) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos para promover essa expansão; 4) o Estado deve orientar a expansão, captando e fornecendo recursos financeiros, e realizando investimentos diretos naqueles setores nos quais a iniciativa

privada é ineficiente. Para Bielschowsky, diferentemente do proposto por Mantega, conjuntamente com as correntes desenvolvimentistas nacionalistas, a corrente neoliberal foi a mais importante expressão do pensamento econômico do período. A ideologia econômica brasileira desde o século XIX foi liberal por tradição. Esta ideologia, no entanto, passou por transformações, por causa da crise internacional e das mudanças políticas, econômicas e sociais, para que pudesse resistir à nova realidade. O neoliberalismo continuou defendendo o sistema de mercado como fórmula da eficiência econômica, mas admitiam na realidade posterior a 1930 a necessidade de alguma intervenção do Estado para sanear as imperfeições do mercado que em crises cíclicas afetavam as economias subdesenvolvidas. Eram partidários da redução da intervenção do Estado na economia brasileira, manifestavam-se continuamente em favor de políticas de equilíbrio monetário e financeiro e não propunham medidas de apoio ao processo de industrialização, e muitos eram contra à própria idéia de industrialização, acreditando na vocação agrária do país. Eram representantes dessa corrente: Eugênio Gudin. com uma linguagem associada ao princípio da divisão do trabalho clássica, opondo-se

5 Para um estudo mais complexo e abrangente sobre Eugênio Gudin ver Borges (1996)

22 ao protecionismo e à estratégia de industrialização e Octavio Gouveia de

Bulhões. Estes percebiam (I curso da industrialização, mas preocupavam-se essencialmente com a estabilidade monetária. Os economistas neoliberais não propunham políticas de apoio à industrialização, limitando-se a criticá-las, pOIS estas causavam desequilíbrios macroeconômicos (principalmente a inflação e a balança de pagamentos). Os neoliberais opunham-se à crescente intervenção estatal na economia brasileira, mas faziam concessões quanto à influência no comércio exterior para ajustar problemas de oferta e demanda de produtos primários, admitiam também o apoio do governo a atividades ligadas à saúde, educação e assistência técnica à agricultura, assim como apoio creditício à infra-estrutura. A construção dessa infra-estrutura deveria ser feita por empresas estrangeiras capitalizadas e não através do investimento do governo na criação de empresas estatais. As correntes desenvolvimentistas, por outro lado, tinham como traços comuns o projeto de estabelecer um capitalismo industrial moderno no país, e a convicção de que para isso era necessário planificar a economia e praticar distintas formas de:intervenção govemamental. Mas as suas várias manifestações traziam alguns traços distintivos,

assun como preocupações e linguagens diferentes. Os economistas que atuavam no setor privado defendiam os interesses empresariais de uma forma que era alheia aos que trabalhavam no setor público. No setor público havia duas posições desenvolvimentistas básicas quanto à intervenção estatal. Os economistas não nacionalistas propunham soluções privadas para projetos industriais e de infra-estrutura, com uso de capital estrangeiro ou nacional, com intervenção estatal somente em último caso. Os nacionalistas, por sua vez, propunham a estatização dos setores de mineração, transporte, energia, serviços públicos em geral e alguns setores da indústria básica. Essas três correntes possuíam posições distintas diante da inflação: a corrente não nacionalista preferia programas de estabilização monetária; no setor privado a preocupação era a não diminuição do crédito, o que ia contra a interpretação estruturalista; enquanto que os nacionalistas preocupavam-se tanto com a redução do crédito quanto com a descapitalização do Estado, adotando nos anos de 1950 uma visão estruturalista da inflação. Os pilares do desenvolvimentismo estavam fundados em entidades empresariais como a CNI e a FIESP, no setor privado. No setor público, a partir de 1930, criam-se diversos organismos dedicados aos problemas de alcance nacional. Em 1948 com a morte de Roberto Simonsen, Rômulo de Almeida (chefe do Depto econômico da CNI) seria o principal economista desenvolvimentista do Brasil até meados dos anos 1950, quando a liderança passa para Celso Furtado ( entre os nacionalistas) e para Roberto Campos ( não nacionalistas). A criação da CEPAL , em 1948, ajudaria a continuar o trabalho de legitimação do projeto desenvolvimentista oferecendo um avanço importante: um poderoso instrumental analítico antiliberal, que foi parcialmente incorporado pelos desenvolvimentistas do setor privado e integralmente adotado pela maioria dos desenvolvirnentistas nacionalistas. Para Bresser Pereira, durante esse período, "os novos intérpretes propõem-se a buscar uma identidade cultural nacional e a formular um projeto nacional para o Brasil: um projeto de industrialização e independência política", em oposição a interpretação da vocação agrária, que defendia a manutenção do status quo semi colonial e primário exportador representado por uma oligarquia agrário-mercantil aliada ao imperialismo. (1997, p.2I)

2.+ Contra essa oligarquia teríamos um grupo modernizante representado por uma burguesia industrial nacional. classes médias técnicas

(tccnoburocratas) c os trabalhadores urbanos. A liderança desse grupo caberia à burguesia industrial nascente no Brasil, sob a figura principal de Roberto Simonsen, e seria a burguesia nacional envolvida num projeto para o país. Daí Bresser define este pensamento do período como uma interpretação nacional-burguesa. Nesse contexto surgiriam dois importantes pensadores econômicos: Caio Prado Jr com a análise do Brasil colonial e Celso Furtado (o mais influente da época) que trará para o Brasil a crítica da CEPAL à teoria neoclássica sobre o desenvolvimento e à lei das vantagens comparativas do comércio internacional, propondo a industrialização via substituições de importações e o planejamento econômico. Apesar de todo este arcabouço de influências teóricas, para Bielschowsky "no Brasil da era desenvolvimentista, as idéias econômicas eram expostas e discutidas em estreita associação com o projeto econômico que cada autor tinha para o país, quase sempre com uma remota ligação com a teoria econômica. A chave da sistematização da literatura economica brasileira teria então de ser encontrada num procedimento de associação

sistemática entre a produção intelectual e o processo real, devendo-se descer, se possível, ao nível de relação entre as idéias e a conjuntura econômica e política." (1995, p.431) Mesmo com as diferenças mencionadas entre os modelos, no entanto, havia uma tendência comum entre essas correntes, modelos ou interpretações, com exceção da teoria da dependência, no sentido de assinalar. em meados dos anos 60, a impossibilidade da economia brasileira

25 sair da estagnação econômica no qual se encontrava desde o princípio da década. caso não viesse a sofrer profundas transformações estruturais. É importante constatar que nesse período são construídas as bases para a ascensão dos economistas aos órgãos decisórios do país, participando da elaboração e do desenvolvimento de projetos que sustentariam os alicerces do estado desenvolvimentista no Brasil. O economista passa de conhecedor técnico a agente político e tomador de decisões, ocupando espaços na esfera pública que até então eram reservados a figuras políticas. Essa importância dos economistas como dirigentes políticos vai ser ainda maior a partir do regime político autoritário que se instala no Brasil em 1964, e que consolidará a figura do economista ator político e possuidor de

competência técnica.

3. Órgãos e Instituições As instituições desempenharam papel fundamental na estruturação da sociedade e do Estado desenvolvimentista que se criava . Nesse sentido. é importante entendermos o papel das instituições de pesquisa econômica que foram criadas a partir da segunda metade do século 20. Para Loureiro ( 1997b, p.206 ), "Como o Estado brasileiro assumiu. a partir dos anos 1930/40, a tarefa de desenvolver a economia e modernizar a sociedade, houve a necessidade de criar - paralelamente à administração organizada pela lógica c1ientelista - uma outra estrutura burocrática. Encarregada de condução das políticas desenvolvimentistas e devendo atender às demandas geradas pela expansão das funções reguladoras e intervencionistas do Estado na vida econômica e social, essa "administração paralela" orientou-se ao contrário da outra máquina burocrática, pelo critério da competência técnica e eficiência administrativa. Agências como o

26 BN DE, Banco Central, lPEA e vanas outras, são exemplos expressivos dessas "ilhas de excelência". Entre essas instituições temos o IBRE ( Instituto Brasileiro de Economia), que foi criado dentro da FGV/RJ através de um Núcleo de Economia e que se transformou em 1951 no IBRE. Esse instituto tinha como funções mais relevantes o trabalho de preparação do balanço de pagamentos, a construção do sistema de contas nacionais e a criação de índices econômico. O IPEA ( Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) do Ministério do Planejamento e a FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) surgirão em 1964. Para Loureiro, esses institutos contribuíram para o desenvolvimento da competência prática dos economistas, para a sua transformação em interlocutores e tornaram-se espaços sociais nos quais estes profissionais se prepararam para assumir postos de destaque no governo, como importante segmento da burocracia estatal. (1997b, p.206) Durante os anos 1940 e 1950, a formação de quadros de gestão econômica ocorria predominantemente em organismos do governo. Eram as chamadas "escolas práticas de saber econômico", como a SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito), que teria importante papel na preparação do BACEN, o BNDE e o CFCE (Conselho Federal de Comércio Exterior). Ocorria também em centros de pesquisas econômicas aplicadas, como o IBRE ou em agências internacionais, como a CEPAL. Até então, as escolas de economia pautavam-se em geral, por um ensino de má qualidade e pouco adequado às demandas do mercado de trabalho. (Loureiro, 1997a, p.61-62)

27 3.1. CHJ>AI, A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) surge no final da década de 40, em 1948, quando o pensamento latino-americano ensaiava os primeiros passos para sua emancipação da subserviência cultural aos centros hegemônicos. Nessa ocasião, algumas nações latino- americanas procuravam superar suas imagens de meras colônias ou apêndices dos países adiantados, para afirmar-se como nações relativamente independentes e donas de seus próprios destinos. A preocupação básica da CEPAL era a de explicar o atraso da América Latina em relação aos centros desenvolvidos e encontrar as formas de superá-lo. O principal membro desta comissão foi o argentino Raul Prebisch, que foi o responsável pela divulgação das relações econômicas centro-periferia e da deterioração dos termos de troca entre os países' centrais' e o países 'periféricos'. A CEPAL buscava assim, questionar não apenas a divisão internacional do trabalho vigente, mas criticar o destino atribuído aos países subdesenvolvidos (periféricos). Com isso, Prebisch e: a CEP AL inauguraram uma nova interpretação do comércio internacional e:do subdesenvolvimento, arquitetando um plano de transformações econômicas para a América Latina na base da intervenção estatal em prol da industrialização e da valorização das atividades voltadas para o mercado interno. Dessa forma, "os conselhos técnicos e as comissões econômicas internacionais - como processos embrionários - e posteriormente a SUMOC, o BNDE, a CEIPAL, o grupo misto BNDE-Cepal, a chamada Assessoria Econômica de Vargas, o Plano de Metas e os grupos executivos no governo Juscelino Kubitschek - como situações mais amadurecidas-, constituíram-se ao longo dos anos-30-50, os lugares-chave do espaço

2X governamental de atuação dos técnicos economistas e da formação de sua competência prática." (Loureiro, 1997a:28) Tanto ponto de vista da transmissão como da criação do conhecimento econômico, esses órgãos foram muito mais importantes que a Faculdade de Economia existentes no período. Segundo Maria da Conceição Tavares, (in: Biderman et alli, 1996: 128) naquela altura (década de 1950), a escola (de economia) era para o serviço público e quase todos os professores eram do serviço público: ou eram do ltamaraty, para a área internacional, ou eram de direito. Ou eram do BNDE (desenvolvimentistas) ou eram da SUMOC ( monetaristas ). E da Fundação Getulio Vargas, onde eram pesquisadores (lBRE). As disputas entre monetaristas e estruturalistas constituíram um campo específico de lutas entre os economistas. Essas lutas devem ser vistas no contexto mais amplo do debate intelectual e político desses países nos anos 1950 e início dos anos 1960, envolvendo temas como nacionalismo, desenvolvimentismo industrial, planejamento econômico, reforma agrária, etc. Este debate delimitou posições da esquerda e da direita, tendo grupos divididos em órgãos como BNDE, SUMOC e a FGV com uma orientação monetarista de um lado, e de outro a Assessoria Econômica de Vargas, a CEPAL e o ISEB, estruturalistas.

3.2. fERE O IBRE constituiu durante as primeiras décadas de sua história institucional, o pólo mais importante de produção e divulgação de conhecimento econômico no Brasil e o espaço onde a ciência econômica assumiu sua dimensão prática, afirmando-se com requisito básico de competência para a condução de políticas econômicas no país. O lBRE

29 conheceu seu apogeu nos anos 60 e 70, assessorando os governos militares, a partir dos anos 80, no entanto, ele entra em declínio devido principalmente a crise do Estado brasileiro, e o conseqüente corte nas verbas governamentais, e a perda de sua posição como produtor de estatísticas oficiais para o governo. Estas passaram a ser feitas pelo Banco Central ou pelo IBGE. O Instituto Brasileiro de Economia (lBRE) da FGV constituiu durante várias décadas o pólo mais importante de produção do conhecimento e o espaço onde a economia assumiu sua dimensão prática, afirmando-se como requisito básico de competência para a conduta de políticas econômicas no país. Cabe destaque para o trabalho de elaboração das contas nacionais ( na época, inovadoras mesmo nos países desenvolvidos e resultantes da implementação de políticas econômicas inspiradas nas propostas ke:ynesianas ) e para a criação dos índices de preços, trabalho inédito que permitiu mais tarde o estabelecimento da correção monetária, por exemplo. (Loureiro, I997a, p.4I) Em síntese , pode-se afirmar que o grupo que constituiu o lBRE formou-se ao longo de vários anos, em extensa rede de relações em órgãos governamentais, nas instituições de ensino e nos meios empresariais. (Loureiro, 1997a, p.42) Quando a Cepal começa a divulgar seus estudos, defronta-se no Brasil com o grupo da FGV já constituído ( com orientações neoclássicas) e que se havia consolidado ao longo de um trabalho de vários anos, efetuado nas escolas de economia e no IBRE (Loureiro, 1997a, p.44). Celso Furtado, que trabalhava na Revista Conjuntura Econômica (publicada pela FGV/RJ e ligada ao IBRE), e decidiu ir para a Cepal, vislumbrando um possível futuro promissor neste órgão, ouviu de um dos

30 principais integrantes do IBRE "Quando falei ao Dr. Bulhões ( sobre ir para a Cepal ) ele mostrou-se surpreendido. A Fundação Getúlio Vargas oferecia enormes possibilidades, observou-me. Éramos poucos os economistas brasileiros, e tudo estava por ser feito no país." (1985, p.50)

3.3. 1,c..,'EH

Outro órgão importante, que se desenvolveu nesse período foi o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB. A ideologia desenvolvimentista ganhará impulso com a adesão de boa parte da esquerda, inclusive do Partido Comunista Brasileiro, cujas teses e proposições também colocavam a industrialização como meta prioritária para a situação brasileira. As posições desse Instituto eram opostas aos ideais dos técnicos do IBRE A liderança do movimento ficou na mão de um grupo intelectuais de centro-esquerda denominado "Grupo de Itatiaia", cuja publicação Cadernos de Nosso Tempo difundiu, de 1953 a 1956, as idéias desenvolvimentistas. Em 1955 esse grupo se transformaria no ISEB, órgão do govemo Kubitschek encarregado de discutir os grandes problemas nacionais e de auxiliar na elaboração dos programas de govemo. No ISEB reuniram-se os principais pensadores progressistas da intelectual idade brasileira que amadureceram o nacional-desenvolvimentismo, uma versão mars nacionalista do desenvolvimentismo na sua formulação cepalina. Desta tradição nacional-desenvolvimentista surgiram os grandes pensadores desta época no campo da economia política, Celso Furtado e Ignácio Rangel, que traziam uma interpretação mais elaborada da emergência do capitalismo industrial em curso no país. A Celso Furtado coube traçar os fundamentos do processo de substituição de importações,

~I analisando a transição da economia cafeeira para a acumulação industrial, enquanto Ignácio Rangel ocupava-se principalmente com o caráter prematuramente oligopolista da economia brasileira, tanto na esfera da comercialização dos produtos agrícolas quanto no recente parque industrial. Ambos convergiam para um diagnóstico semelhante e propunham estratégias de desenvolvimento parecidas, adotando pressupostos teóricos neoclássicos e keynesianos. A partir dessa proximidade e complementaridade podemos construir o Modelo de Substituição de

Importações. (Mantega, 1985) O lseb foi um órgão criado em 1955, junto ao Ministério da Educação, com o objetivo de formar altos funcionários, membros de partidos políticos e sindicatos, que catalisou as posições nacionalistas do período. A partir de divergências internas que geraram o afastamento de vários de seus membros, como Roberto Campos, o lseb radicalizou suas posições em 1958, aliando-se ao partido comunista e outros grupos de esquerda, sendo extinto pelos militares após 1964. (Loureiro, 1997a, p.46) A primeira Faculdade: de Economia foi criada em 1945, tendo como principais mentores Eugênio Gudin e Octavio Gouvêa de Bulhões. Estes intencionavam a formação de quadros dirigentes para a modernização do Estado Brasileiro. Estava criada a Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil.Il.oureiro, 1997a, p.34). Em SP, cria-se em 1946, a Faculdade de Economia dentro da Universidade de São Paulo, utilizando na maior parte professores advindos das áreas jurídicas ou de faculdades privadas de ciências econômicas e escolas técnicas de comércio ..(Loureiro, 1997 a, p.37) Como dito anteriormente, as faculdades de economia terão um papel secundário na formação dos profissionais da área econômica no Brasil até

32 pelo menos os anos 1960, quando serão criados os primeiros cursos de pós- graduação em economia nas faculdades brasileiras.

4. O Período 1964 -}986 A revolução de 64 representa o rompimento definitivo da aliança da burguesia com o proletariado, e a unificação da burguesia industrial e mercantil sob o comando político da tecnoburocracia estatal e sob a proteção do imperialismo multinacional Essa é a interpretação autoritário-modemizante de Bresser Pereira. Para ele, essa interpretação possui além de possuir um caráter essencialmente capitalista, na medida em que defende enfaticamente a livre- empresa, é uma interpretação tecnoburocrática, que privilegia o planejamento econômico e a intervenção direta do estado na economia não apenas como regulador mas também como produtor de bens e serviços. (1997, p.25) Mantega batizou o modelo adotado pelo Brasil nesta época como o Modelo Brasileiro de Desenvolvimento. Este modelo teria sido posto em prática a partir do golpe de 64 e vigente até meados da década de 80. Os pensadores deste modelo adaptaram os princípios da teoria neoclássica liberal à necessidade de uma grande intervenção do Estado numa economia de acumulação incipiente, seja por meio do suporte direto e indireto á acumulação privada, seja por meio da implantação de empresas estatais, e sobretudo, a partir da regulação da força de trabalho, restringindo salários e potenciando os lucros. Dessa forma, Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen inovaram em relação aos ensinamentos de seu mestre Gudin, que via com maus olhos a estatização da economia brasileira.

33 Essa corrente internacionalista e autoritária que surge com o golpe de 64. manter-se-á como pensamento hegemônico até a década de 80. Esse desenvolvimentismo autoritário baseou-se na teoria do desenvolvimento equilibrado de Rosenstein-Rodan, Ragnar Nurske, Arthur Lewis e outros autores dessa vertente da teoria do subdesenvolvimento. Essas idéias foram combinadas com os modelos macroeconômicos keynesianos, adaptados pelo economistas brasileiros como Roberto Campos, Antônio Delfim Netto, Mario Henrique Simonsen e Afonso Celso Pastore, resultando no Modelo

Brasileiro de Desenvolvimento. (1985, p.108) Dessa forma, "Foi num conjunto de autores que não divergiam do pensamento liberal, mas achavam-no insuficiente para dar conta das especificidades das economias periféricas atrasadas, que os pensadores brasileiros encontrariam inspiração. Segundo esses teóricos estrangeiros, o liberalismo e os mecanismos de mercado serviam para regular e estimular o crescimento de economias capitalistas já avançadas ( onde o mercado já estivesse constituído ), mas eram ineficientes para tirar a periferia do subdesenvolvimento. Os expoentes dessa corrente eram Hans Singer, Paul Rosenstein-Rodan, Ragnar Kurske, Gunnar Myrdal, entre outros" (Mantega, 1985,p.113) O cunho político autoritário do período que vai de 1964 a 1985 teve, obviamente, reflexo nas idéias econômicas, que não deixaram de existir, mas tinham uma função basicamente acadêmica e denunciadora, sendo constantemente reprimida. A interpretação funcional-capitalista, que segundo Bresser Pereira dominará grande parte do pensamento brasileiro de esquerda na segunda metade dos anos 1960, tendo como principal representante Caio Prado Jr. Esta interpretação tenta negar toda a interpretação nacional-burguesa, que fora a grande culpada pela Revolução de 1964 e da denota das esquerdas. Uma interpretação mais radical para este período vem de autores que se enquadravam numa interpretação de superexploração imperialista (Bresser Pereira, 1997) ou neornarxista (Mantega, 1997). Esses pensadores pretendiam não só criticar a interpretação nacional- burguesa ou o modelo de substituição de importações, mas demonstrar que o subdesenvolvimento é uma permanente criação e recriação do imperialismo, que o desenvolvimento não tem como se realizar nos satélites subdesenvolvidos, sendo que a única alternativa para esses países desenvolvidos seria permanecerem subdesenvolvidos ou partirem para uma ruptura na superexploração dos trabalhadores através da revolução socialista. Os principais representantes dessa vertente foram André Gunder

Frank, Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos Talvez a mais importante classe de críticos do regime econômico adotado pelo Brasil durante o regime militar tenha vindo dos pensadores da escola que se convencionou chamar de Nova Dependência ou Nova Esquerda. Na fase de substituição de importações, o incremento do PIB era impulsionado com base no mercado que se criava pela conjugação da substituição de importações e do rápido incremento do produto. Esgotadas as oportunidades de substituir importações, o crescimento passaria a depender exclusivamente deste último. Era o chamado crescimento auto- sustentado Para os pensadores dessa escola, seria impossível o desenvolvimento de um capitalismo autóctone, como queriam palie dos nacionais

35 desenvolvimentistas, mas também discordavam do socialismo, conforme sustentavam os neomarxistas. Admitiam, isto sim, que estava em curso no Brasil, um desenvolvimento capitalista, que se diferenciava do padrão clássico, pois era um desenvolvimento dependente e associado ao grande capital internacional. (Mantega, 1997, p.124). A política de substituição de importações não teria reduzido, mas sim aumentado a dependência da América Latina. Antes os bens importados eram fundamentalmente de consumo conspícuo, que poderiam ser dispensados sem maiores conseqüências. Como resultado do Modelo de Substituição de Importações, a totalidade das compras externas vai ser composta de maquinaria, matérias-primas, combustíveis, etc, tomando a dependência externa maior. Partindo desse princípio, uma série de autores analisará as novas características do desenvolvimento brasileiro e latino-americano, baseado nas empresas multinacionais e na indústria com capital intensivo e tecnologias sofisticadas. Estão incluídos nesse rol de pensadores figuras como Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, que serão responsáveis pela divulgação da "Teoria da Dependência" a partir do trabalho Dependência e Desenvolvimento da América Latina. Outros autores como Maria da Conceição Tavares, José Serra, Antônio Barros de Castro, Francisco de Oliveira, Paul Singer, Celso Furtado. João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo, entre outros, terão importância fundamental na divulgação de trabalhos de análise econômica que buscavam compreender a realidade brasileira a partir dos fatos novos que vinham transformando a economia brasileira a partir dos anos 1950. (Bresser, 1985, p.4I)

36 Um aspecto negativo que se pode debitar dessa corrente foi sua contribuição para o sucateamento das formulações de Prebisch, patrocinadas pela Cepal. Tanto a análise teórica quanto a política econômica, aceitas por esta última corrente, foram duramente atacadas pelos dependencistas. Assim, eles colaboraram com os críticos da ala conservadora para o abandono de linha de defesa das políticas de desenvolvimento que, em termos científicos, para alguns, continua perfeitamente válida. Para Magalhães, "Os ataques dos dependencistas às análises e políticas econômicas propostas pela Cepal contribuíram para o abandono da única justificação de nível científico para o protecionismo latino-americano, facilitando a aceitação das teses do Consenso de Washington, que marcam hoje a política econômica do país".(1999, p.267-269) As controvérsias e discussões fundamentais desse período de 1964 a 1986 basearam-se em questões mais específicas dos novos problemas surgidos após a industrialização brasileira. As conseqüências dessa industrialização para a concentração da renda, para a problemática do crescimento da dívida externa e para o início dos ciclos inflacionários serão o grande centro dos debates econômicos e dos trabalhos acadêmicos. A partir de 1986, com a abertura política, as preocupações vão se concentrar exclusivamente na estabilização monetária do país, sendo todos os esforços e planos econômicos destinados a encontrar soluções para conter a galopada da inflação brasileira. Esses planos culminarão com o Plano Real em julho de 1994, que com seu sucesso na estabilização da moeda, trará para o centro das discussões velhas questões, como a inserção extema e o desenvolvimento brasi Ieiros. o período que se estende: a partir 1964 trouxe consigo uma expansão nos postos ocupados por economistas, que passam a ter um papel estratégico nas agencias de planejamento. Órgãos como o IPEA ( Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento, abrem espaço para a atuação dos economistas no planejamento governamental. Este órgão teria importância fundamental no desenvolvimento de subsídios para planos econômicos dos govemos militares, como o PAEG ou o PND. Na área acadêmica, em 1964, instala-se o primeiro curso de pós- graduação em economia, na USP, juntamente com a criação da FIPE ( Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, que no início chamava-se simplesmente IPE). Com a criação da pós-graduação em 1966, na Fundação Getulio Vargas, a EPGE ( Escola de Pós-Graduação em Economia), esses cursos tomam-se a melhor maneira de formar economistas que atuariam como planejadores na esfera pública. Os cursos de pós-graduação começam a surgir, sendo visíveis as diferenças metodológicas de cada um deles. As controvérsias existentes nos anos 1950 e 1960, que opunham os monetaristas aos estruturalistas, influenciaram plenamente a formação dos cursos de graduação e pós- graduação que vieram a se estruturar nos 1970. A EPGE e a PUC/RJ, ambas no Rio de Janeiro, destacam-se como importantes centros de divulgação das idéias provenientes dos monetaristas, enquanto que a UNICAMP, em Campinas e a UFRJ, também no Rio de Janeiro, estão mais fortemente conectados aos princípios estruturalistas da CEPAL. Outras escolas importantes como a USP ou a FGV/SP não se posicionam tão claramente quanto às suas influências, preferindo manter um quadro mais eclético, situado entre os dois extremos. Essa polarização, que continua atual, e fundamental para entendermos os rumos que a economia e o pensamento econômico seguirão com a abertura democrática e: os planos heterodoxos de estabilização nos anos 80 e 90, bem como a hegemonia que o pensamento liberal manterá durante os anos de sucesso do Plano Real. As principais discussões sobre as políticas econômicas a serem adotadas começam a ter como palco fundamental as universidades e seus diferentes enfoques vão se enfrentar não só nos bancos da academia, como também nas cadeiras dos ministérios do governo.

39 II. Uma Metodologia na Resolução das Controvérsias

A diferentes escolas ele pensamento econômico muitas vezes seguem

metodologias de análise distintas, o que pode resultar em visões diferentes

para problemas semelhantes. Para isso é importante entendermos alguns dos principais conflitos existentes na resolução de controvérsias em economia.

A questão da metodologia utilizada para a resolução das controvérsias em economia possui alguns principais personagens que se dedicaram a discutir os melhores métodos que os postulados econômicos deveriam considerar como fundamentais na análise e na proposição de modelos.

Sempre esteve presente nestes debates a distinção entre abordagens positivas e normativas da economia, a importância dos valores, da racionalidade, da ética ou dos resultados empíricos.

As questões positivas relacionam-se com explicações e previsões, e as normativas com aquilo que deveria ser.

As teorias são desenvolvidas para explicar fenômenos, são testadas por meio de observações e utilizadas na construção de modelos a partir dos quars possam ser feitas previsões.

A utilização da teoria econômica para realizar previsões é importante tanto para os administradores de empresas quanto para as políticas públicas.

Os responsáveis pelas políticas governamentais necessitam dispor de estimativas quantitativas sobre os efeitos de medidas, tal como a de um aumento de um imposto.

Quando queremos ir além da explicação e da previsão , fazendo perguntas do tipo 'o que será melhor" estamos nos envolvendo em questões normativas, que também são importantes para administradores e para planejadores de políticas públicas. Para os formuladores de políticas governamentais, o tema básico, provavelmente será saber se aquele aumento de imposto, por exemplo, será de interesse público. A análise normativa não se preocupa apenas com opções políticas alternativas; ela envolve, também, o planejamento das escolhas dentro de um plano de ação específico. Pesando custos e beneficios, deveremos perguntar qual seria a grandeza ideal do imposto. A análise normativa é freqüentemente influenciada por julgamentos de valor, que nas decisões de política econômica costumam estar ligados à ponderação entre a equidade e a eficiência econômica", Ao longo do pensamento econômico, alguns autores clássicos como John Stuart Mill, Nassau , Senior e John Neville Keynes no século XIX dedicaram-se a analisar a economia como uma ciência, que deve fundamentar sua análise no 'que é' e não no que 'deveria ser' da ciência normativa, apontando para a formulação de regras práticas fundadas no conhecimento isento da ciência positiva. Já no século XX, Milton Friedman retoma este positivismo, aprofundando ainda mais o caráter instrumental e pragmático da produção do conhecimento. Essa interpretação será bombardeada pela interpretação que busca a ética e os juízos normativos e os coloca como ponto fundamental para a resolução dos problemas econômicos. Mark Blaug, em 1980, trará também avaliações importantes sobre o problema metodológico da economia, colocando a figura de Karl Popper no

6 Esse conflito e suas implicações são tratados em profundidade em Okun (1975)

~l centro do debate sobre metodologia nas ciências econômicas e introduzindo o falsificacionisrno nos modelos econômicos. Outros autores, no entanto, colocar-se-ão contra a metodologia econômica em geral, trazendo para o debate a importância da questão da retórica como formadora de consensos. É o caso de Donald McCloskey e Pérsio Arida. Faz-se jus um breve levantamento do posicionamento metodológico desses autores.

1. Friedman e a economia positiva O processo de constituição da ciência moderna foi marcado por uma busca da distinção do conhecimento científico, do senso comum, da ideologia, enfim, de qualquer julgamento ético e moral que levasse a vontade humana a interferir na construção de um conhecimento que deveria ser isento, certo, verdadeiro, cientifico. Havia a necessidade de distinguir e afastar o saber normativo, produzido secularmente, do processo de raciocínio indutivo ( ou do processo de pesquisa sistemática em bases indutivas) Para Friedman, a ciência econômica deve seguir os passos da ciência positiva, sendo assim, a economia deve tratar sempre do que é, não do que deveria ser da ciência normativa. Friedman é seguidor da escola econômica positiva que se baseou no ideário e no método positivista de Auguste Comte e na utilização de informações estatísticas para enunciar as leis que regem as relações do processo econômico e fazer da economia uma ciência experimental Para ele "A economia positiva independe, em tese, de qualquer posição ética especial ou de juízos normativos ... A tarefa dessa economia positiva é a de provar um sistema de generalizações possível de ser utilizado para fazer previsões corretas acerca das conseqüências de qualquer alteração de circunstâncias" (Friedman, 1953, p.164) Ou seja, os problemas normativos, questões acerca do que deveria ser feito e relativas ao modo pelo qual se poderia atingir determinado objetivo, não teriam efeito no estudo da ciência econômica.

A economia positiva poderia ser, dessa f01111a uma ciência 'objetiva 'como qualquer uma das ciências físicas, e o seu desempenho, tal como nestas últimas, seria medido em termos da precisão e do alcance de suas previsões. Logo "um consenso acerca de diretrizes 'corretas' no campo econômico, depende muito menos do progresso da Economia normativa do que do progresso de uma Economia positiva capaz de conduzir a conclusões que são e merecem ser amplamente acolhidas". (Friedman, 1953, p.167)

A visão normativa da economia, que leva em consideração os padrões e valores da sociedade, sujeito a posições éticas e juízos de valor deveria ser suplantada pela análise isenta de valores e juízos pré- determinados. O objetivo da ciência positiva é "o desenvolvimento de uma 'teoria' ou 'hipótese' capaz de produzir previsões válidas e significativas acerca de fenômenos ainda não observados" (1953, p.167) Se o objetivo da economia positiva é elaborar teorias que sejam capazes de estabelecer previsões acerca de fenômenos, então só se pode julgar uma teoria de acordo com a eficácia dessas previsões. Logo a evidência empírica vai ser o elemento chave no julgamento das teorias. " Tão somente a evidência factual poderá mostrar se a teoria é 'celta' ou 'errada'. isto é, se ela será provisoriamente aceita como 'válida' ou 'rejeitada'. O único teste relevante para a validade de uma hipótese ...é a comparação das suas previsões com a experiência" (Friedman, 1953, p.168) A economia positiva, assim, não é um saber inconseqüente, ela vale pelo que pode fomecer de seguro para a formulação da política econômica. A principal peculiaridade das idéias de Milton Friedman referentes ao método é a sua crença no irrealismo dos pressupostos de uma teoria. Para ele. não vale a pena questionar as hipóteses a partir das inconsistências com as observações factuais; importa perguntar se a partir delas obtêm-se resultados com adequada capacidade de previsão. O interesse do cientista deve estar nas implicações das hipóteses e nunca se elas representam fielmente a realidade. Assim ele aponta para um instrumentalismo e pragmatismo extremo: a principal função das formulações científicas é gerar instrumentos para a ordenação da sociedade. Teorias orientam-se exclusivamente para servir a política econômica e o objetivo das ciência positiva é "desenvolver teorias e hipóteses capazes de produzir previsões válidas e significativas acerca de fenômenos ainda não observados (Friedman, 1953, p.167)

2. A abordagem ética;' Amartya Sen e Giannetti da Fonseca Amartya Sen (1999, p.20) critica o tipo de abordagem da economia e da metodologia de Friedman. Para ele, existem dois tipos de abordagem: a abordagem da 'engenharia' e a abordagem 'ética'. A abordagem engenheira preocupa-se com questões primordialmente logísticas em vez de fins supremos e de questões como o que pode promover o 'bem para o homem' ou 'como devemos viver'. Considera que os fins são dados muito diretamente, e o objetivo do exercício é encontrar os meios apropriados de atingi-los. O comportamento humano nessa abordagem, portanto baseia-se tipicamente em motivos simples e facilmente caracterizáveis. Essa abordagem "engenheira" da economia proveio de várias direções e inclusive - a propósito - foi desenvolvida por alguns engenheiros de fato, como Leon Walras que contribuiu para resolver numerosos problemas técnicos nas relações econômicas, especialmente aqueles ligados ao funcionamento dos mercados, com traços marcadamente positivistas. Sen não nega a importância da abordagem da engenharia no desenvolvimento da ciência econômica, mas acredita que "as questões profundas suscitadas pela concepção de motivação e realização social relacionada à ética precisam encontrar um lugar de importância na economia modem a." (1999, p.22) Para ele, nenhum dos gêneros é puro em sentido algum; mas seria apropriado a busca de um equilíbrio nessas duas abordagens da economia. A abordagem ética, no entanto, vem perdendo substancialmente sua importância com a evolução da economia moderna. "A metodologia da chamada economia positiva não apenas se esquivou da análise econômica normativa como também teve o efeito de deixar de lado uma variedade de considerações éticas complexas que afetam o comportamento humano real e que, do ponto de vista dos economistas que estudam esse comportamento, são primordialmente fatos e não juízos normativos. Examinando as proporções das ênfases nas publicações da economia moderna, é difícil não notar a aversão às análises normativas profundas e o descaso pela influência das considerações éticas sobre a caracterização do comportamento humano real". (Sen, 1999, p.23) Eduardo Giannetti da Fonseca (] 999, p.20) também sugere uma crítica a metodologia da economia positiva. Para ele, uma das conquistas mais importantes da filosofia moderna é a tese de que nenhuma quantidade de conhecimento sobre o mundo como ele é pode nos permitir, por si só, dar o passo seguinte e fazer afirmações sobre o mundo como ele deve ser. Quando analisamos um fato dado (como ele é) observando o que está errado, ou ao passarmos do que existe para o que é desejável (como ele deve ser), estamos também introduzindo um juízo de valor, uma consideração de natureza ética e não só positiva, em nosso raciocínio. Assim, "por mais que avance o conhecimento objetivo - por mais que se aprenda sobre os fenômenos, leis e regularidades do universo - a ciência positiva nunca poderá dar esse passo por nós. Qualquer ato de escolha, por mais simples que seja, ultrapassa a esfera de competência do pensamento científico.t'(Fonseca, 1999, p.20) Friedman seria um discípulo e adepto do chamado egoísmo ético. De acordo com esse pensamento, os jogadores do jogo econômico reagem às situações e oportunidades com que se deparam na vida prática "de modos previsíveis e provavelmente imutáveis". Enquanto economistas, afirma Stigler, "nós lidamos com agentes que maximizam a sua utilidade, e seria ao mesmo tempo inconsciente e ocioso para nós conclamá-Ios a não agir assim". (Fonseca, 1999, p.151-152) Fonseca critica Stigler", que acredita que no caso de conflito entre auto-interesse e valores éticos, "na maior palie do tempo a teoria do auto- interesse vencerá"( Stigler:323). Posição esta também contestada por Sen (1999, p. 17)

Tanto para Stigler como para Friedman na teoria ou na prática o egoísmo ético (restringido pelo mínimo legal do mercado) seria o caminho da prosperidade.

7 Ver Stigler Ethics ar Ecanamics?(1985) Para Fonseca (1999, p.151-2), o sistema de preços utiliza como força propulsora desejos e motivações egoístas que a ética desaprova. Este sistema transformaria assim o vício privado (auto-interesse-egoísmo ético) em benefício público (prosperidade-desenvolvimento econômico). Assim, "Qualquer influência de crenças e sentimentos morais que desviem o indivíduo daquilo que se espera dele, isto é, da maximização da utilidade a partir de um cálculo racional de retomo provável das altemativas, é vista como uma interferência perturbadora: uma concessão embaraçosa para a teoria ( o que é verdadeiro) e contraproducente na prática ( o que e provavelmente falso r Seria uma ilusão, então, supor que o auto-interesse dentro da lei é tudo o que o mercado precisa para mostrar do que ele é capaz na criação de riqueza. A qualidade dos jogadores - as variações de motivações e conduta na ação individual - afeta a natureza das regras do jogo e exerce, juntamente com elas, um papel decisivo no desempenho da economia. (Fonseca, 1999, p. t 85) Fonseca defende então que tanto o conteúdo das motivações humanas como as diferentes formas de persegui-Ias parecem ser variáveis de primeira ordem para explicar o sucesso e o fracasso econômico de empresas e nações.( 1999: I62) As regras desse jogo econômico - sejam elas quais forem e por mais brilhantes que sejam - não S;lOcapazes de produzir resultados satisfatórios caso os jogadores não possuam os atributos cognitivos e morais necessários para tirar delas bom proveito.( 1999, p.153) A perspectiva ética da economia, aSSIm, traz as variações na qualidade dos jogadores - a diversidade da conduta humana na vida prática - para o centro do palco. Da mesma forma que Amartya Sen, Fonseca acredita na importância dos valores éticos e morais na formação e na conduta de políticas e modelos que conduzam ao desenvolvimento e à prosperidade, mesmo com a dificuldade de mensuração e análise desses valores. Deste modo, "Tanto a constituição econômica vigente quanto o exercício da cidadania na vida prática dependem de um processo de formação de crenças e sentimentos morais sobre o qual muito pouco se sabe de um ponto de vista científico. Uma coisa, no entanto, parece celta: negligenciar esse processo e as variações a que ele está sujeito é perder de vista um dos fatores decisivos na explicação das causas da riqueza e da pobreza das nações." (1999, p.156)

3. A Metodologia Econômica de /Jlaug

Mark Blaug, em sua principal obra Metodologia da Economia ou como os economistas explicam, tem como objetivo levar para a economia os princípios da metodologia científica, e assim, analisar qual o método que os economistas utilizam para formular suas teorias e as divulgam como tentativa de consolidá-las. A metodologia econômica seria, dessa forma, o ramo da economia no qual examinamos as formas com as quais os economistas justificam suas teorias e quais as razões que os faz preferir uma teoria a outra. A metodologia, dentro da economia, tanto é uma disciplina descritiva, observando o que os economistas fazem, como prescritiva, o que os economistas deveriam fazer para produzir avanços na economia. (Blaug, 1980, p.20-21) Para fazer sua análise, Blaug examina o pensamento de vários autores ligados à filosofia da ciência e que trataram da questão da metodologia. entre eles Karl Popper, Thomas Kuhn, Imre Lakatos e Paul Feyerband. No entanto, as idéias de Blaug parecem estar mais de acordo com dois dos principais pensadores, e os métodos adotados por estes seriam os mais apropriados em se tratando da metodologia relacionada aos problemas econômicos, assrm "a metodologia que melhor apóia a luta dos economistas em sua busca por conhecimento substantivo das relações econômicas é a filosofia da ciência associada aos nomes de Karl Popper e hnre Lakatos. Alcançar de forma completa o ideal da falseabilidade é, ainda acredito, o principal objetivo da economia". (Blaug, 1980, p.34) Em resumo, Blaug concorda com a visão de Popper de que não se pode demonstrar que qualquer coisa é materialmente verdadeira, mas pode- se demonstrar que algumas coisas são materialmente falsas. Este enunciado pode ser considerado o primeiro mandamento da metodologia científica, no entender de Blaug (1980:50}. A ciência, nessa concepção seria aquele corpo de proposições sobre o mundo real que pode, pelo menos em princípio, ser falseada mediante observações empíricas. "Toda a questão, portanto, se resume em definir se podemos de fato falsificar teorias, e mesmo que possamos, se podemos fazê-lo de fonna decisiva". (Blaug, 1980, p.55) As teorias econômicas devem ser confrontadas com a evidência empírica, assim como as outras ciências, no entanto, podemos dizer que o teste empírico é tão difícil e ambíguo que não se pode encontrar muitos exemplos de teorias econômicas que foram derrubadas de forma decisiva por refutações repetidas . "Teorias econômicas não são simplesmente instrumentos para se fazer previsões perfeitas sobre eventos econômicos e sim tentativas de se descobrir forças causais que agem e interagem dentro do sistema econômico".(Blaug,1980, p.21) Existem razões que explicam por que o falsificacionismo é difícil de ser praticado na economia. As hipóteses estão sujeita a outros fatores que são mantidos constantes (coeteris paribus) e tais fatores são numerosas e nem sempre bem especificados. Não existem leis universais bem testadas na economia, como existem em ciências mais 'maduras' como a física ou a química, e as leis gerais que existem são leis estatísticas ou tendências às quais faltam constantes universais e constantemente novas teorias são formuladas colocando em questão assuntos que pareciam ser consensualmente aceitos. Blaug afirma que a econorma deveria seguir os preceitos falsificacionistas - dar "prioridade absoluta à tarefa de produzir e testar teorias econômicas falseáveis'{ 1980, p.193) - maximizando o papel dos fatos e minimizando o papel dos valores na prática de se produzir conhecimento científico. Para Blaug, o que distingue o conhecimento científico de outras formas de conhecimento é o seu caráter empírico (a possibilidade de realização de teste empíricos). Blaug julga válida a distinção entre economia positiva e normativa. Pela visão positivista, o princípio da verificabilidade demarca o positivo do normativo. A aceitação ou rejeição de enunciados positivos não difere do processo relacionado aos enunciados normativos, pois depende de convenções, de consenso e da interferência da vontade humana na construção deste tipo de conhecimento, ao contrário dos preceitos positivistas puros. Alguns autores simpatizam com a metodologia do falsificacionismo mas fazem vanas críticas, distinguindo o "confinnacionismo' do

50 "falsificacionismo". Dessa forma os cientistas não deveriam somente testar empiricamente suas hipóteses, mas deveriam fazer uma tentativa para fazer aceitar somente hipóteses confirmadas, rejeitando aquelas que foram descon firmadas. Blaug (1980, p.55-58) defende a teoria de Popper , já que este defendeu que a saída para esse dilema é estabelecer restrições denominadas de 'estratagemas de imunização', que são adotados unicamente para proteger teorias contra refutações empíricas. Estas restrições são características importantes da metodologia do falsificacionismo, as quars são, segundo Blaug, ignoradas por muitos comentaristas de assuntos metodológicos. E ainda, como Popper ainda é considerado em alguns círculos como um falsificador ingênuo, ou seja, alguém que acredita que uma simples refutação é suficiente para invalidar uma teoria científica, Blaug responde que Popper acredita que nenhuma contestação conclusiva de uma teoria pode ser produzida; pois sempre se pode dizer que os resultados experimentais não são confiáveis. Dessa forma é necessário a criação de limites metodológicos nos estratagemas que podem ser adotados pelos cientistas para proteger suas teorias da refutação. Esses limites não são acessórios superficiais da filosofia da ciência de Popper; são absolutamente essenciais. Assim "não é a capacidade de falseamento como tal que distingue a ciência da não-ciência no trabalho de Popper; o que delimita a ciência de não-ciência é o falseamento mais as regras metodológicas que proíbem aquilo que ele chamou de 'estratagemas de imunização:" (Blaug, 1980, p.56) Além de defender as posições de Popper em relação ao falseacionismo e aos estratagemas, Blaug, não deixa de fazer a defesa da

51 unidade metodológica da ciência, um item que sempre ocupou lugar importante na agenda das correntes positivistas. Como Popper concluíra que todas as ciências devem adotar o mesmo método, referindo-se elas ao mundo natural ou ao mundo social. Ainda que as fontes do conhecimento possível possam variar entre elas, em todas, porém, nessa perspectiva, este apenas vem a ser validado ou refutado de um modo objetivo, junto aos fatos. por meio de testes empíricos que podem ser efetuados em princípio por todos e por qualquer um. E esta posição é contraposta à da tradição que faz diferença entre ciência natural e ciência social, pretendendo encontrar justificação para esta segunda espécie de saber na própria subjetividade, com base num ato de compreensão (Verslehen) fundado num sentimento de empatia ou intuição (Prado, 1991, p.95) As ciências SOCIaIS freqüentemente empregam técnicas de investigação diferentes daquelas usadas nas ciências naturais. Vale a pena dizer, entretanto, que as técnicas de investigação talvez não divirjam mais entre as ciências sociais e naturais consideradas como um todo do que entre as ciências naturais individuais consideradas separadamente. Mas o monismo metodológico não está envolvido com técnicas de investigação e sim com o "contexto de justificação" de teorias. A metodologia de uma ciência é a sua argumentação para aceitar ou rejeitar suas teorias ou hipóteses. Assim, manter a idéia segundo a qual as ciências sociais devem empregar uma metodologia distinta das ciências naturais é advogar em prol da visão surpreendente de que teorias ou hipóteses acerca de questões sociais devem ser validadas de forma radicalmente diferente daquela utilizada para validar teorias ou hipóteses acerca de fenômenos naturais. A negação categórica de tal dualismo metodológico constitui o que chamamos de monismo metodológico. (Blaug, 1980, p.86)

52 Se entrarmos a fundo na concepção metodológica de Blaug, poderemos obviamente encontrar divergências entre ele e Karl Popper. Mas, de lima forma geral, se buscamos estabelecer uma linha de pensamento a qual Mark 8laug parece seguiir, sem dúvida essa linha é popperiana, pois ele acredita nos principais alicerces em que está estruturada a filosofia de Popper. A linha metodológica que Blaug sugere que os economistas utilizem para um maior progresso da ciência não poderia ser outra: "Se a economia deve progredir, os economistas devem dar prioridade absoluta à tarefa de produzir e testar teorias econômicas falseáveis. A Meca da economia é o próprio método da ciência". (Blaug, 1980, p.156)

4. A interpretação da Retórica: Pérsio Arida e Donald McCloskey

-/./. Pcrsio A ri da Dentro do campo de estudo da economia, discute-se se há ou não avanço no desenvolvimento de novas teorias que busquem responder às constantes questões que surgem no campo econômico. O progresso da ciência econômica para Pérsio Arida, não se dá na forma de um constante aperfeiçoamento e renovação das teorias existentes pelo método de submetê-las a testes empíricos, mas sim, por meio de um processo complexo de argumentação, que se dá tanto intemamente às

tradições teóricas existentes 1110 campo desta ciência, quanto entre elas. Daí que se tome crucial para ele entender a questão da resolução das controvérsias em Economia nos planos da teoria e da história do pensamento econômico simultaneamente. (Prado, 1996, p. 1)

53 Arida discute dois tipos de modelos que são utilizados para o ensino da economia atualmente: o modelo hard science e o modelo soft science. No modelo que denomina de hard science, o estudante ignora a história do pensamento, e as listas de leitura não contêm textos escritos há mais do que cinco ou seis anos atrás, com honrosas exceções. O estudante deve familiarizar-se de imediato com o estágio atual da teoria. Já no modelo soft science, o estudante deve basicamente dominar os clássicos do passado, mesmo que em prejuízo de sua familiaridade com os desdobramentos mais recentes da teoria. (Arida, 1996, p.13) Ambos os modelos, no entanto, senam inadequados para compreender o problema do desenvolvimento da teoria econômica, pois de alguma forma utilizam conceitos equivocados ou então omitem fatos importantes dentro da ciência econômica. "No modelo soft science, a alteridade do passado não se mantém porque as matrizes básicas da teoria são irreconciliáveis e intestáveis de

modo conclusivo. Contra o. modelo S(?!', os adeptos do modelo hard sustentam que o estudo presente da teoria já representa o resultado verdadeiro dos embates teóricos travados no passado. Percebemos assim que a existência ou não de uma fronteira do conhecimento, e como ela a própria plausibilidade do modelo hard science, depende do modo de resolução das controvérsias surgidas ao longo da história do pensamento econômico". (Árida, 1996, p.35)

Ou seja, se o modelo hard science é correto, pressupõe-se que as controvérsias aparecidas durante a história do pensamento econômico foram resolvidas, já que foram desprezadas as hipóteses incorretas. Nesse caminho, Arida apresenta então uma tese sobre como se resolvem as controvérsias nesta ciência: segundo ele, elas se resolvem

54 retoricamente, segundo certas regras de argumentação que se pode considerar estáveis e consensuais. Mas se assim é, como a retórica é entendida como a arte do convencimento, mas também da persuasão, como fica a questão da verdade possível das teorias econômicas? (Prado, 1996, p. I) A evolução da ciência econômica, assim como a evolução de qualquer ciência é caracterizada pela presença de controvérsias. Sendo assim o que importa é saber seu modo de resolução. Quando falamos em fronteira do conhecimento estamos presumindo que a superação positiva das controvérsias, isto é, as controvérsias terminam e são tidas como findas pelos seus participantes. Para Arida (1996, p.35), no entanto "Nenhuma controvérsia importante na teoria econômica foi resolvida através do teste ou da mensuração empírica. Não importa o rigor do teste: o recurso aos fatos nunca serviu para resolver controvérsias substantivas ... Dito de outra forma, não existem regras comuns ele validação aceitas por todos os participantes em controvérsias de relevo". Os testes empíricos são sofisticados e aceitos, mas não possuem um potencial efetivo da resolução de controvérsias A noção de falseabilidade, proposta por Popper nunca refletiu a prática efetiva da ciência econômica desde Adam Smith; e possivelmente Jamais o fará. Se o falsificacionismo das proposições é a marca de cientificidade, então tal atributo não pode ser acoplado à prática dos economistas. (Arida, 1996, p.36) As controvérsias, dessa forma, se resolvem retoricamente. Ganha quem tem maior poder de convencer, quem toma suas idéias mais plausíveis e quem é capaz de formar consenso em tomo de suas convicções.

55 Dentro do exercício da retórica convence quem se conforma às regras da retórica, que são fixadas e consensualmente aceitas previamente ao discurso individual do interessado em persuadir os outros em favor de uma tese por ele determinada. O conceito relevante de evidência é muito mais amplo do que o de evidência empírica. A evidência da verdade seria, assim, a conformidade do discurso às regras de boa retórica. Estas sim são aceitas consensualmente, e essa aderência às regras da retórica que confere caráter científico à economia. (Arida, 1996: p.36··37) Prado, critica essa posição em relação ao consenso dos cientistas econômicos em tomo das regras de retórica apresentadas por Arida, além de colocar em questão as próprias regras, que não seriam em todos os casos figuras de retórica. " Notando que regra é sempre aquilo que regula, dirige, rege ou governa, no caso, o discurso econômico, que regras afinal, segundo Arida, constituem o núcleo retórico da Economia? São elas estritamente retóricas? São elas realmente consensuais?" (Prado, 1996: p.l O) Arida expõe um conjunto de oito regras ligadas à retórica. Seriam elas: a simplicidade, a coerência, a abrangência, a generalidade, o uso de metáforas, a formalização, a reinvcnção de tradição e o respeito pelos adversári os. A regra da simplicidade diz que respeitada a complexidade dos argumentos, as explicações simples têm sempre maior plausibilidade do que as explicações complicadas. Para Prado esta regra não é consensual, pois autores que acreditam que as teorias sejam epistemologicamente realistas tendem a desprezar a simplicidlade.

56 Em relação a coerência, ou seja, capacidade dos programas de pesquisa de gerar problemas e resolvê-los de forma consistente, Prado concorda com o argumento, apesar do próprio Arida desconfiar da contribuição desta regra para a resolução das principais controvérsias. No entanto, como essa regra utiliza a lógica para se impor, ela não pode ser considerada simplesmente uma regra de retórica. A regra da abrangência, segundo a qual o argumento que não for capaz de explicar toda a evidência empírica disponível perde a plausibilidade, para Prado, não é retórica, mas sim epistêmica, pors VIsa determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo das ciências já constituídas. No caso da generalidade, o argumento que incluir seu rival como um caso particular ganha plausibilidade. Em outras palavras, um corpo teórico só pode aspirar ao triunfo no debate das idéias se for capaz de rescrever as tese adversárias em sua própria linguagem. Prado critica esta regra, dizendo que ela não pode ser vista meramente como retórica se há plausibilidade do recurso teórico, ou seja, utilização do potencial empírico. Na redução de metáforas, ou seja, todo argumento retórico é metafórico, Prado sugere que as metáforas são empregadas para fazer uma analogia e não uma evocação poética e tendem a ser suprimidas nas elaborações mais rigorosas das teorias que ajudaram a criar. A regra da formalização que sustenta que a teoria que puder ser formalizado tem maior poder de convencimento do que aquele apresentado literalmente, para Prado não passa de um exercício de semântica e não de retórica.

Para reinventar a tradição, apesar de existir força retórica, a correção e a plausibilidade são mais importantes.

57 Na última regra, que se refere a ignorar interesses práticos específicos, ou seja, não menosprezar o argumento do adversário por motivos práticos ou ideológicos, Prado argumenta que esta regra é ética e não retórica. Dessa forma, apesar de acreditar que algumas regras de retórica elaboradas por Arida são importantes na resolução de problemas referentes às controvérsias, Prado não se convence nem de que essas regras sejam estritamente retóricas, nem que elas sejam consensuais. Para Prado (1996, p.I 4) "outro aspecto negativo da solução de Arida aparece quando se percebe que ele idealiza a comunidade acadêmica dos economistas" . Essa colocação refere-se principalmente ao fato de Arida acreditar no consenso entre as regras de retórica, mas devemos observar, que o início da discussão de Arida baseia-se: na resolução de controvérsias ao longo da história do pensamento econômico. Dessa forma, Arida parece estar convicto de que as diferentes correntes que dominaram o pensamento e a ciência econômica tinham suas divergências, e, portanto não havia, como não há, um consenso universal em relação aos fatos e às soluções de teorias referentes ao funcionamento do sistema e das relações econômicas. O que existe. no entanto. são fon11as comuns de se tentar aprovar conceitos e teorias através do convencimento . .f..2. Donald Mct Toskey

McCloskey saliente que, embora os economistas discordem sobre muitas coisas. estão de acordo em muitas questões, sobretudo em falar como economistas. Para ele, as passagens mais convincentes da conversação econômica têm sido matemáticas, especialmente a partir da década de 1930.

58 quando os economistas de todas as tendências encantaram-se com a nova maneira científica de falar. Entretanto, McCloskey salienta que o êxito no uso do instrumental matemático teve como conseqüência uma maror dificuldade de entendimento, por parte dos leigos, dos livros técnicos de economia. Além disso, "os economistas jovens superestimam uma pequena, a e às vezes absurda, engenhosidade da técnica". Logo, "os economistas adotaram uma fé própria das cruzadas, um conjunto de doutrinas filosóficas que lhes torna agora propensos ao fanatismo, à intolerância" (1996, p.52). Por outro lado, os economistas têm duas atitudes a respeito de seu discurso, a oficial e a não-oficial, a explícita e a implícita. Suas regras oficiais de falar bem, os declaram científicos à sua maneira moderna. O credo da metodologia científica é, basicamente, o positivismo, o qual McCloskey denomina de "modernismo". Assim, seguindo o modernismo, o único conhecimento e o conhecimento científico, ou seja, o conhecimento contrastado diante de certos tipos de ceticismos rigorosos. Segundo McCloskey "o modernismo contempla a ciência como axiomática e matemática e considera que o seu campo está separado da forma, do valor. da beleza, da bondade e de todas as quantidades não mensuráveis" ( 1996, p.53) McCloskey destaca que o ensaio de Friedman A Metodologia da Economia Positiva é um documento fundamental do modernismo na economia. Mas, para o autor, Friedman, assim como Popper, parecia estar lutando para escapar do positivismo e de suas tradições intelectuais, embora o seu êxito tenha sido apenas esporádico. "O modernismo é uma fé revelada com rituais próprios" (1996, p.57)

59 McCloskey faz uma crítica à aplicação literal da metodologia modernista C o modernismo promete um conhecimento sem dúvidas. sem metafísica. sem moral e sem convicções pessoais"), afirmando que a mesma não pode produzir um economia útil. "O modernismo adapta-se mal à economia. A Revolução Keynesiana na economia não haveria ocorrido sob a legislação modemista da ciência.

As idéias keynesianas não se f01111 uIaram como proposições estatísticas até começo da década de 19.50, quinze anos depois de a maioria dos economistas mais jovens estarem convencidos de que eram verdades. No começo dos anos 60, as noções keynesianas de liquidez e modelos de inversão baseadas no acelerador, apesar das numerosas falhas em sua estatística posta em prática, eram ensinadas aos estudantes de economia como uma questão de rotina científica. A metodologia modemista faria com que elas cessassem em 1936: onde estava a evidência do tipo objetivo, controlado e estatístico. De fato, a contra-revollução monetarista tampouco foi um êxito para a metodologia modernista ...não foram as certezas modernistas as que fizeram triunfar a opinião de que o dinheiro importava; foram os experimentos pouco complexos e os grandes livros, que por sua fácil compreensão e por sua amplitude de visões, e não os rituais aparentemente modemistas levados a cabo pelas revistas profissionais." (1996, p.61). Logo, para McCloskey, "uma metodologia modemista utilizada de forma consistente frearia provavelmente os progressos da economia" (1996, p.6 1) McCloskey destaca que a maior objeção que se pode fazer ao modernismo na economia é que este sustenta uma metodologia limitada por regras. "Na economia, uma metodologia limitada por regras afirma que aquele que estabelece as regras é perito em todo o conhecimento econômico

()() atual e também em toda a econonua futura. limitando o crescimento da

conversação econômica para ajustá-Ia à idéia filosófica do bem último".( 1996, p.63) O subtítulo da obra de Mark Blaug, A Metodologia da Economia, como os economistas explicam, deveria chamar "como o jovem Karl Popper explicava", porque ataca repetidamente pensamentos existentes em

economia por não cumprirem as regras que Popper estabeleceu no livro A l.ogica da Investigação Cientifica, (1996, p.63) "Se os mandamentos modemistas fossem formulados como objetivos simplesmente pessoais, seguramente ninguém se queixaria. Se reconheceria que o desejo de objetividade não é totalmente alcançável, ainda que, talvez, valesse a pena como guia para o peregrino, uma pessoa modesta, que admite livremente que outras crenças também podem levar à salvação." (1996, p.65) "Aos economistas parecerá óbvio que fazer restrições metodológicas à ciência não pode ser, em geral, sensato. No final das contas, as restrições restringem't.t l 996, p.65)

Para McCloskey, a maneira de sair do labirinto do modemismo seria recorrer a algo separado há muito tempo da ciência: a retórica, pois esta não trata diretamente da Verdade; trata da conversação. "Aqui, a palavra 'retórica' não significa um engano verbal, como na 'retórica vazia', ou em 'mera retórica'. A retórica é a arte de falar ou, em

sentido mais amplo, é o estudo de como convencer as pessoas" (1966, p.70). Assim. "Restabelecer a retórica propriamente entendida é restabelecer um conhecimento mais amplo e mais sensato."( 1996, p.72) Por outro lado. embora os economistas modernistas se agarrem a uma sombria fé modernista, McCloskey acredita que nas suas práticas

61 intelectuais reais acabam por não segui-la, havendo uma tensão entre uma prática retórica e a fé metodológica. (idem, p.72) Para McCloskey, a retórica é uma maneira de examinar o discurso econômico e um modo de melhorá-lo. "Melhorá-lo, não fazê-lo menos rigoroso, difícil, sério e importante. Se os economistas renunciarem a seu singular modernismo e abrirem-se oficialmente a uma gama mais ampla de discursos, não necessitarão abandonar os dados, nem as matemáticas, nem precisão; simplesmente terão que estar de acordo em examinar sua linguagem em ação, e conversar mais educadamente com os demais nas conversações da humanidade." (1996, p.76) Por fim, citando Ma.rk Perelman, "os economistas se consideram 'especialistas', mas não o são. São basicamente pessoas que têm que convencer". (citado por McCloskey, p.76) 111.Confronto de Escolas: Unicarnp x PUC-RJ

o pensamento econômico no Brasil, como visto, propiciou o aparecimento de correntes e crenças diferenciadas na busca de um modelo econômico que respondesse pelas soluções dos dilemas econômicos do país. Os mesmos dilemas que opuseram monetaristas e estruturalistas nos anos 50 e 60 continuam, de certa foram, ainda válidos, e algumas das principais escolas econômicas brasileiras baseiam seus conceitos e dogmas nessas antigas escolas, que parecem não ter perdido a sua atualidade. 1. As diferentes constituições Podemos afirmar que: alguns centros como a EPGE e a PUC-RJ, de algum modo continuam a seguir os preceitos monetaristas das orientações ortodoxas da FGV, enquanto a Unicamp e a UFRJ substanciam suas teorias nas determinações estruturais e heterodoxas da CEPAL. Esses dois grupos de escolas possuem linguagens e metodologias diferentes no trato da ciência econômica. O grupo formado pela EPGE e pela PUC-RJ, onde os primeiros professores são dissidentes da própria EPGE, valoriza fundamentalmente a modelização matemática e a instrumentalização econornérrica, sendo que esses dois centros constituem o pólo mais internacionalizado da ciência econômica no Brasil, e dessa forma mais integrado ao mainstream atual. Loureiro (1997, p.70-73) acredita que essa internacionalização ocorrida na ciência econômica no Brasil na década de 1960, teve como impacto profissional mais significativo o reforço da polarização já existente nos meIOS acadêmicos de formação dos economistas brasileiros. Consequentemente, gerou diferenças importantes nas práticas e estratégias

63 profissionais. Para isso, bastaria observar, que 80% dos professores da EPGE e 82% dos da pue se formaram nos Estados Unidos A chegada de professores norte-americanos que vieram lecionar nos cursos de pós-graduação em economia em meados dos anos 60 e o envio de estudantes e professores para o doutoramento no exterior, especialmente nos Estados Unidos, colaboraram para que centros como a EPGE e a USP sofressem forte influência das últimas tendências em economia das universidades norte-americanas e importassem seus métodos para a análise econômica. De outro lado, os cursos da Unicamp e da UFRJ, criados por ex- discípulos da Cepal, permanecem ligados às questões definidas como estruturais. Seus estudos são desenvolvidos em linguagem pouco formalizada matematicamente e valorizam a abordagem história e SOCIO- política dos processos econômicos. Segundo um dos principais fundadores do curso de pós-graduação em economia da Unicamp, Luiz Gonzaga Beluzzo, "A organização do curso estava subordinada a essa idéia geral: dar aos alunos uma visão clara, na medida do possível, da história do capitalismo e das grandes visões do capitalismo. O curso de Micro tinha ênfase nas teorias da Organização Industrial. Não por uma questão de diferenciação, mas porque isso era compatível, coerente com a concepção que a gente tinha. Da mesma maneira, o curso de Macro estava apoiado na leitura da Teoria Geral do Emprego. Tínhamos uma orientação e nós não pretendíamos, nem pretendemos, que o curso se transforme numa coisa eclética."

(in.Biderman et alli, p.253-254). Belluzzo, dessa 1'01111 a, mostra as orientações do curso. A formação dos professores e suas metodologias de trabalho se refletirão diretamente nos programas adotados. Segundo levantamento de Loureiro (1997, p.72-75), a maioria dos livros indicados pela PUC-RJ é recente, sendo que os poucos mais antigos são do final dos anos 70 e início dos 80. Do outro lado, os textos adotados pelo Instituto de Economia da Unicamp são de autores clássicos, na maioria publicados já há varias décadas. Enquanto 78% a bibliografia usada nos cursos de pós-graduação da PUe-RJ é constituída de textos em inglês, na Unicamp as leituras nessa língua significam menos de 10% do total. Quase 700/0 das referências bibliográficas da Unicamp estão em português, 22% em espanhol, sendo estas principalmente de autores cepalinos, e algumas poucas em francês. Na PUC-RJ, 95% da bibliografia está na área de teoria econômica e métodos quantitativos, enquanto que a Unicamp possui 55% da bibliografia nessa área, sendo 45% distribuídas em história econômica, história do pensamento econômico e economia política. A EPGE possui mais de 72% de seus professores diplomados em cursos de graduação de engenharia e matemática, e a sua pós-graduação da caracteriza-se por um núcleo básico de teoria econômica e métodos quantitativos. Sendo assim, os cursos de micro e macro são ministrados com grau elevado de formalização matemática. No tE da Unicamp, onde um número considerável de professores tem formação inicial em direito e ciências sociais, os programas dos cursos de mestrado e doutorado caracterizam-se pela presença majoritária de disciplinas que privilegiam a abordagem histórica e institucional. A disciplina de microeconomia dá prioridade ao exame de seus fundamentos teóricos e de noções como concorrência, estratégia e dinâmica da firma, mudança técnica e internacionalização da firma. Usam-se autores clássicos - Alfred Marshall, Joan Robinson, Schumpeter - e autores recentes. "alternativos" às diversas versões do paradigma neoclássico. O curso de macroeconomia contempla os fundamentos da teoria macroeconômica, utilizando também autores "alternativos". Dedicando reduzida atenção às diversas visões operacionalistas ( síntese neoclássica, o novo keynesianismo, a nova ccononua clássica ou a teoria das expectativas racionais), o foco adotado na Unicamp privilegia análises relativas aos fundamentos das noções de equilíbrio, expectativas e incertezas, ao conteúdo da economia do emprego de Keynes e Kalecki. Privilegia ainda as origens, características e implicações da instabilidade das economias capitalistas contemporâneas. (Loureiro, 1997, p.76-77) Para Rego (1999, p.43), o departamento de Economia da Unicamp possui uma série de disciplinas intimamente ligadas às questões históricas, políticas e sociológicas, enquanto que as disciplinas relacionadas à aspectos matemáticos e instrumentais não são tão numerosas em comparação com a de outras universidades e institutos. Em relação à Macroeconomia, "a preferência é clara no sentido da leitura dos originais (Keynes, Kalecki, Hicks e Modigliani) em detrimento dos modernos manuais. Mesmo os textos mais recomendados, alguns de jovens autores brasileiros, expressam uma visão mais clara do modelo ,w?li8.(Rego, 1999, p.80) Devido à maior internacionalização da ciência econômica nos centros canecas, os professores da EPGE e da PUe-RJ participam mais intensamente que os demais do circuito científico internacional, estando mais presentes em congressos, seminários internacionais, publicação em

8 Esse modelo será apresentado no decorrer do capítulo. revistas estrangeiras, participação em sociedades científicas e em agências econômicas internacionais como o FMI e Banco Mundial. Para Bresser Pereira, essa tendência está presente em membros da equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. Esses 'internacionalistas' tratariam de ganhar a confiança dos mercados internacionais simplesmente submetendo-se a todas as suas regras, abdicando de políticas nacionais próprias. (Folha de S. Paulo, 01/06/2000) . Eles valorizam o papel do mercado no sistema econômico, estabelecem laços estreitos com empresas privadas, particularmente bancos. Os professores da Unicamp, por outro lado, estão mais ligados a atividades em agências governamentais e empresas públicas, e enfatizam os aspectos políticos da economia, o que acaba por resultar em criticas mais profundas e direcionadas às orientações classificadas por eles como de neoliberais. Essas características também se refletem na seleção de candidatos para os cursos de pós-graduação. Podemos tomar como parâmetro os pesos das provas da ANPEC (Associação Nacional de Pesquisa em Economia) para entendermos melhor a importância que cada centro de pesquisa atribui para cada disciplina. Apesar das provas serão iguais para todos os estudantes que se habilitem a buscar uma vaga 110S centros de pós-graduação em economia, cada um dos centros tem autonomia para determinar o peso de cada disciplina e a correção das provas de Economia Brasileira, a única prova dissertativa do concurso da ANPEC As disciplinas são Microeconomia, Macroeconomia, Matemática, Estatística e Economia Brasileira. A PUC-RJ mantém os mesmos pesos para todas as disciplinas (20~~). Se compararmos como os outros centros, excetuando-se a EPGE (22,5%), os pesos para as provas de Matemática e

(,7 Estatísticas, que podemos englobar dentro dos métodos quantitativos, são as

maiores do concurso. Do outro lado, a Unicamp possui os menores pesos para as provas de

Macro e Microeconomia (17,50;ó) e Matemática e Estatística (12,5%)

privilegiando as provas de Economia Brasileira (40%).9 2. Modelos Distintos de Ciência Econômica 2.1. Arida e modelos hard science e soft science A diferença entre as essas escolas acontece, segundo Arida, porque estas seguem dois modelos distintos de ciência econômica, que repercutem diretamente no ensino da economia. Um desses modelos seria o modelo hard science (hegemônico nos EUA e estruturado nos moldes das ciências exatas), no qual é admissível que os estudantes ignorem a história do pensamento, e no qual as leituras, com raras exceções, excluem textos com mais de 5 ou 6 anos; o outro modelo seria o modelo soft science, segundo o qual os estudantes devem basicamente dominar os clássicos ou as grandes obras do passado porque a história do pensamento se confunde com a teoria e, portanto, o estudo deste último é considerado indissociável da primeira. A metodologia deste modelo foi discutida em capítulo anterior. O modelo denominado de hora science, seria diretamente relacionado a escolas como a PUC-RJ onde o estudante dedica-se menos a história do pensamento. As 1istas de leitura não contêm textos escritos há mais do que cinco ou seis anos atrás, com algumas exceções. O estudante deve

familiarizar-se de imediato com o estágio atual da teoria. Já no modelo soft science , mais próximo a visão da Unicamp. o estudante deve basicamente dominar os clássicos do passado, mesmo que em prejuízo de sua familiaridade com os desdobramentos mais recentes da teoria.

9 Fonte: ANPEC

6X Para Arida ambos os modelos utilizados pelas escolas são inadequados para compreender o problema do desenvolvimento da teoria econômica. pois de alguma forma utilizam conceitos equivocados ou então omitem fatos importantes dentro da ciência econômica. No modelo sofi science, a alteridade do passado não se mantém porque as matrizes básicas da teoria são irreconciliáveis e intestáveis de modo conclusivo, assim não é possível perpassar essas leituras. Contra o modelo sojt, no entanto, os adeptos do modelo hard sustentam que o estudo presente da teoria já representa o resultado verdadeiro dos embates teóricos travados no passado. Assim, a existência ou não de uma fronteira do conhecimento, e como ela a própria plausibiJidade do modelo hard science, dependeria do modo de resolução das controvérsias surgidas ao longo das história do pensamento econômico. (Arida, 1996, p.35) Se o modelo hard science for o modelo correto, pressupõe-se que as controvérsias aparecidas durante a história do pensamento econômico foram resolvidas, já que foram desprezadas as hipóteses incorretas do passado. Nesse caminho, Arida apresenta então uma tese sobre como se resolvem as controvérsias nesta ciência: segundo ele, elas se resolvem retoricamente, segundo certas regras de argumentação que se pode considerar estáveis e consensuais. Mas se assim é, como a retórica é entendida como a alie do convencimento mas também da persuasão, como fica a questão da verdade possível das teorias econômicas? (Prado, 1996, p. I) A evolução da ciência econômica, assim como a evolução de qualquer ciência é caracterizada pela presença de controvérsias. Sendo assim o que importa é saber seu modo de resolução. Quando falamos em fronteira do conhecimento estamos presumindo que a superação positiva

69 das controvérsias, isto é, as controvérsias terminam e são tidas como resolvidas pelos seus participantes. O ideal para Arida, no entanto, seria superposição dos dois modelos, abstraindo-se deles a trama da verdade econômica.

2.2. Franco e os modelos maisntream e cepalino Gustavo Franco também apresenta sua versão para as diferentes escolas de pensamento econômico no Brasil. Para ele, "É bastante clara a diferenciação que existe entre programas que emulam o maintream norte amencano e os que seguem uma tradição caracteristicamente Cepalina" (1992, p.7) Dessa forma, "É certamente verdadeiro que centros como Unicamp e UFRJ mais se aproximam do arquétipo cepalino, ao passo que centros como a EPGE-FGV, USP e PUC-RJ mats se ajustam ao modelo mains/ream".(Franco, 1992, p.8) O modelo tnainstream de Gustavo Franco pode claramente ser equiparado ao modelo Hard Science de Pérsio Arida, enquanto que o modelo Cepalino estaria diretamente ligado ao modelo Sof! Science.

Para Franco (1992, p.7-8) esta diferenciação (entre os centros) pode ser percebida, a nível do material que compõe a formação básica de cada programa, em várias áreas. No ensino de macro e microeconomia, enquanto que os centros mais ligados ao mainstream norte americano aplicam adaptações de cursos ministrados em universidades americanas de primeira linha, privilegiando a manipulação de modelos analíticos e inovações instrumentais e técnicas correlacionadas, os centros de orientação mais caracteristicamente cepalina enfatizam enfoques alternativos de várias ordens em detrimento do material mais convencional. No ensino de

70 CCOll0l1l1abrasileira existem diferenças de enfoque bastante marcadas. os primeiros privilegiando visões mais analíticas e centradas na condução da política econômica; os outros mantendo fidelidade às interpretações originadas da Cepal e às reinterpretações posteriores deste mesmo paradigma. As diferenças entre os centros também se refletem na escolha de disciplinas: enquanto que nos centros mainstream existe grande ênfase na 'tecnologia' embutida em métodos quantitativos, para os quais várias disciplinas são oferecidas, os centros 'cepalinos' alocam um mínimo de disciplinas para esses temas. Já as disciplinas genericamente denominadas como 'economia política', geralmente compreendendo em grande medida tópicos de economia marxista, não são oferecidos nos centros mainstream enquanto que recebem grande ênfase nos centros 'cepalinos'. As diferenças entres esses arquétipos - mainstream e cepalinos - no tocante às percepções sobre a natureza da formação básica do economista certamente não se esgotam nos exemplos aludidos no parágrafo acima. Como essas diferenças têm origem em percepções diversas sobre a própria natureza da disciplina, certamente perpassam cada aspecto do ensino da economia De celta maneira a existência desses paradigmas alternativos é natural no contexto da expansão e diferenciação do ensino e pesquisa em economia em um país 'periférico'. Influências internacionais e locais certamente haverão de interagir e competir numa espécie de cnse de identidade 'estrutural' que pode ser muito rica e produtiva no sentido de conferir identidade própria à prática da profissão no Brasil. O pluralismo parece, portanto, uma característica endógena da profissão nos trópicos e certamente devemos pensá-lo como desejável. No entanto, é preciso cuidado para, ao fomentá-lo, não patrocinar o sectarismo e o conflito. Os arquétipos acima aludidos podem conduzir a distorções que merecem atenção.

71 Enquanto que a ênfase no mainstream norte americano pode levar a uma emulação não qualificada de modelos estranhos à realidade e transmitir na formação básica do economista um 'complexo de inferioridade' intrínseco, o paradigma cepalino facilmente pode levar a uma 'síndrome do alternativo", onde a critica indiscriminada toma o lugar da formação instrumental e analítica indispensável à prática da profissão. Enquanto que, para os centros no mainstream, as leituras podem privilegiar excessivamente a literatura estrangeira, os centros cepalinos podem mostrar uma alarmante endogenia e auto-referência em suas leituras".(Franco,1992:8)

2.3. Mantega e os métodos Histórico/institucional e Analítico Clássico Guido Mantega (1999, p.l0-13) identifica dois grandes métodos de análise econômica nos quais podemos enquadrar os principais pensadores brasileiros. O método histórico/institucional e o método analítico clássico. O método analítico clássico teve grande influência dos grandes autores neoclássicos, como Jevons, Walras e Menger, que acreditavam que a partir de algumas noções simples e pretensamente intuitivas sobre a natureza humana, se poderia montar um edifício de leis de comportamento econômico coerente. Todo esse edifício está montado em CIma do pressuposto de que o homo economicus move-se segundo o objetivo da maximização da utilidade. É um objeto suficiente para dar coerência ao comportamento individual. Nesse sentido a sociedade humana ou o coletivo não passa de uma somatória de indivíduos. Esse método analítico influenciou também Milton Friedman e George Stigler, analisados no capítulo anterior.

72 Já o método histórico/institucional leva em conta que as leis econômicas mudam de acordo com o modo de produção. É importante também acompanhar a história das instituições que interferem nos interesses econômicos. Essa tradição teórica se encontra nos clássicos e foi desenvolvida particularmente pelo marxismo. Trata-se de desvendar a historicidade do objeto econômico, em constante transformação. Além disso, procura mostrar as contradições que ocorrem entre o comportamento racional e os resultados alcançados. Isso porque o sujeito da ação não é o indivíduo isolado, mas a classe social ou um grupo de interesses, numa radical oposição ao individualismo racionalizante. Passemos agora a analisar os representantes destas escolas.

3. O Debate: Gustavo Franco X Luiz Gonzaga Belluzzo

Tomando como parâmetro os economistas que mais se destacaram nas escolas analisadas durante a década de 1990, e traçando por meio deles um panorama geral do que foi o pensamento econômico nesta década, chegaremos aos nomes de: Luiz Gonzaga Belluzzo, como representante da Escola econômica de Campinas, a Unicamp, e Gustavo Franco, como principal nome da Escola econômica carioca, a PUC-RJ.

Gustavo Franco entrou para o palco das idéias econômicas a partir da própria década de 1990, configurando-se como o mais importante economista da nova geração da escola carioca. A presença de Luiz Gonzaga Belluzzo nos debates econômicos, no entanto, já é mais antiga, remontando às décadas de 1970 e 1980, mas estende-se pela década de 1990, onde protagonizou juntamente com Gustavo Franco as discussões mais polêmicas e calorosas da década. A importância desses economistas passa pela

73 produção acadêmica a que se dedicaram e às importantes passagens que tiveram por cargos técnicos. no governo federal.

Gustavo Franco Gustavo Franco nasceu no Rio de Janeiro, em 1956. É um dos principais representantes da PUC do Rio de Janeiro, formou-se em economia em 1979, na própria PUC/RJ, onde também concluiu seu mestrado, e obteve seu Ph. D. em economia em Harvard em 1986. Trabalhou como professor e pesquisador na PUC/RJ quando voltou ao Brasil, saindo em maio de 1993 para ocupar o cargo de Secretário-Adjunto de Política Econômica do então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso. Em 1994 assumiu a diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central e em setembro de 1997 toma posse na Presidência do Banco Central do Brasil, no lugar de Gustavo Loyola. Em seu discurso de posse defende veementemente a saúde monetária do país como forma de garantir a justiça social e a melhor distribuição da renda. Nesse momento para ele "deve ser evidente que não há nada de ideológico na afirmação de que devemos ter uma moeda sadia. A moeda sadia é uma questão ética: trata-se de evitar a expropriação do pobre através da inflação. Trata-se de evitar esta 'poupança forçada' extraída daqueles que menos têm a contribuir nesse domínio. Trata-se de evitar a hipocrisia de o Estado gastar mais do que tem, em nome do pobre, mas tributando este mesmo pobre em nome: do qual alega agir. Trata-se de denunciar mistificações muito comuns, como por exemplo, a de que o inflacionismo, a gastança, a irresponsabilidade fiscal seriam causas progressistas, ou populares, enquanto que a 'moeda sadia' seda uma causa reacionária. Nada

7~ mais enganoso: o Real veio a demonstrar que o populismo não é popular, e que a 'moeda sadia' ajuda a igualar os homens." (Franco, 1999, p. 253). Para manter a moeda saudável, Gustavo Franco defendia também a política de valorização cambial, que foi utilizada desde o início do Plano Real até janeiro de 1999, quando retirou-se do Banco Central. Gustavo Franco hoje leciona macroeconomia no Departamento de Economia da PUe/RJ, além de ministrar aulas como convidado na Universidade de Stanford. Além disso é colaborador do jomal O Estado de São Paulo e colunista da Revista Veja. Gustavo Franco foi, se não o mats importante, o mais polêmico integrante da equipe econômica do govemo Femando Henrique Cardoso, tendo participado amplamente da elaboração e condução do Plano Real. Sua preocupação principal sempre esteve relacionada com a obtenção da estabilização monetária por meio de uma maior inserção da economia brasileira na economia mundial. Seus textos estiveram preocupados inicialmente com a política monetária e as hiperinflações, respectivamente sua dissertação de mestrado e sua tese de doutorado, passando posteriormente para temas como as políticas públicas e a abertura comercial. Seus principais livros são coletâneas de artigos que foram publicados na impressa ou na academia, além de textos para circulação em órgãos do govemo. Podemos destacar como importantes contribuições O Plano Real e outros ensaios, de 1995, escrito quando o autor fazia palie da equipe econômica, que é uma coleção de textos referentes à análise das políticas de estabilização implementadas a partir do Plano Real, além de outras experiências de combates a hiperinflações em outras partes do mundo. ()

Desafio Brasileiro, de 1999, traz textos mais encorpados e políticos, que

75 discutem não só os rumos do desenvolvimento e da participação do Brasil no processo de globalização, mas também aproveitam para defender o autor frente aos seus mais ardorosos críticos. Esses textos foram escritos no período em que Gustavo Franco ainda encontrava-se na equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. Em relação ao texto Inserção externa e Desenvolvimento, a preocupação central de Franco diz respeito ao aumento de produtividade que a abertura comercial pode proporcionar. Além disso, Franco defende que esta abertura resulta em diminuição e não aumento da vulnerabilidade externa, como afirmam seus opositores. Luiz Gonzaga Belluzzo Diferentemente de Gustavo Franco e próximo de seus colegas da Unicamp, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo formou-se em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1965, tendo cursado o curso de Ciências Sociais também na USP, mas sem conclui-lo. Belluzzo nasceu em São Paulo, em 1942. Realizou cursos sobre desenvolvimento econômico na CEP AL e no Ilpes (Instituto Latino-americano de Planificação Econômica e Social) Foi professor de Economia na PUC de São Paulo de 1966 até 1968, quando começou a fazer parte do quadro de professores da Unicamp. Nesta Universidade será um dos responsáveis pela implementação e reformulação dos cursos de mestrado e doutorado em economia, juntamente com João Manuel Cardoso de Mello e Maria da Conceição Tavares Obtém o título de: Doutor em Economia pela Universidade de Campinas em 1975, com a tese Valor e Capitalismo. um Ensaio sohre a Economia Política Em 1981, organiza uma série de artigos críticos reunidos

76 em alguns volumes editados pela Unicamp com o título Desenvolvimento Capitalista no Brasil, Ensaios sobre a Crise. Em 1984 escreve o livro O Senhor e o Unicómio - a Economia dos Anos 80, em co-autoria com Maria da Conceição Tavares, e em 1992 publica com Paulo Nogueira Batista Jr. A luta pela Sobrevivência da Moeda Nacional: Ensaios em Homenagem a Dilson Funaro, com quem trabalhou na elaboração do Plano Cruzado No setor público assumiu funções como a de membro do Conselho de Administração do Banespa. Em 1985 assumiu a Secretaria de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda, no Govemo Samey, participando da elaboração e execução do Plano Cruzado. Em 1988 tomou-se Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, no governo Orestes Quércia, tendo assumido no governo Fleury a Secretaria Especial de Assuntos Internacionais do Estado de São Paulo no período de 1991 a 1994. Com a entrada da equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso, liderada por Gustavo Franco, Belluzzo toma-se um crítico ferrenho do processo de estabilização, preocupando-se principalmente com a questão da inserção internacional do Brasil. Para ele, o governo está produzindo uma inserção 'passiva' do Brasil na economia intemacional. Passa a colaborar com artigos em importantes jornais, como a Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo, mas seus textos mais analíticos e periódicos publicados na imprensa tomarão força com sua coluna na Revista Carta Capital, a partir de 1995. Ali Belluzzo dissecará toda a política econômica do Plano Real, em sua coluna entitulada Contracorrente, que por alguns períodos se chamará Contracorrente da Globalização.

77 Suas críticas e análises estarão fundamentadas nestes artigos e num importante documento escrito em co-autoria com Luciano Coutinho, 10 também professor da Unicamp, publicado em novembro de 1996 , onde os autores destrincham a política econômica de Gustavo Franco, utilizando como base seu famoso texto Inserção Externa e Desenvolvimento. As preocupações de Belluzzo estarão ligadas diretamente com a perda do poder do Estado como peça de colaboração e cooperação no incremento da competitividade e da participação brasileira na economia internacional, Suas criticas, claramente se dirigem à abordagem que faz Gustavo Franco, responsabilizando-o pela passividade da política econômica e pelas conseqüências que ela pode trazer para a produtividade e o aumento da vulnerabilidade extema do país. Cabe-nos agora discutir esses dois aspectos de discórdia, analisando os assuntos mais relevantes que permearam as discussões econômicas no Brasil dos anos 1990, dando atenção também à metodologia e à retórica que estão embutidas nessas discussões.

3.1. A Década de 194~O Enquanto a década de 1980 foi considerada a Década Perdida para a maior parte dos países da América Latina, a década de 1990 é considerada a Década das Reformas. Embora algumas medidas iniciais tenham ocorrido no final de década de 1980, como a liberalização comercial e as privatizações, as etapas mais importantes somente começaram a ser cumpridas a partir de 1990. As perdas da década de 1980 teriam sido causadas pelo esgotamento do modelo de substituição de importações, que teria vigorado por décadas e

10 O texto em questão é Desenvolvimento e Inserção Externa nos Anos 90: Uma Crítica à visão de

78 chegado ao final de seu ciclo, aSSIm, o Estado desenvolvimentista e o

protecionismo que tomaram-se os principais condutores do desenvolvimento econômico, passaram a ser os vilões da estagnação econômica e da instabilidade monetária. Nesse ambiente, aumentam as pressões por uma liberalização da economia, seja através do diminuição do papel do Estado enquanto formulador e executor da política econômica, seja através da abertura do país ao comércio exterior e ao capital internacional. A partir do final da década de 1980 inicia-se um processo que tem como objetivo dissolver o modelo econômico até então vigente, com a retirada do Estado de boa parte da produção de bens e da criação incentivos, por meio das privatizações e da diminuição dos subsídios. Eliminam-se as barreiras protecionistas, permitindo-se a maior entrada de mercadorias, além de uma flexibilidade da entrada de capitais, inclusive para o mercado

financeiro. Esta década representou uma mudança profunda na estrutura econômica do país, já que este passou as últimas quatro décadas com a economia extremamente fechada ao exterior , com uma forte presença do Estado como produtor de bens e serviços, além de ter passado por um longo período de altas inflações. No final da década de 1990, após essas mudanças estruturais, o Brasil surge como uma economia de elevado grau de abertura ao comércio de bens

Gustavo Franco

79 e de capital, com uma significativa redução da participação do Estado como produtor de bens e serviços, e com baixos índices de inflação. Podemos identificar duas etapas distintas dentro desta década de reformas. Um período até 1994, mais turbulento, caracterizado pela instabilidade política do Governo Collor, e posteriormente por uma política mais discreta de , quando a economia enfrentava graves desequilíbrios macroeconômicos, mas as reformas foram implementadas de maneira menos organizada e sujeitas a mudanças mais corriqueiras. A partir de meados de 1994, com a implementação do Plano Real, as reformas começam a se interligar a adoção de um intenso programa de estabilização de preços, incluindo uma maior disciplina fiscal, a liberalização comercial e financeira e o estabelecimento de taxas de câmbio mais competitivas". Além disso, é a partir da elaboração e implementação do Plano Real que as características e a homogeneidade da equipe econômica do governo tornam- se mais visíveis. E nesse período, a partir 1994 até 1998, quando da saída de Gustavo Franco, que os debates atingem o maior grau de empolgação, seja pelo número de textos publicados, ou seja pelas provocações resultantes destes textos. A política econômica brasileira aproxima-se dos preceitos e dogmas liberalizantes da comunidade internacional, especificamente do Fundo Monetário lntemacional (FM1), onde buscará suporte em eventuais crises estruturais, principalmente a de outubro de 1998, que abalou os mercados da Ásia e da Rússia, e colocaram em cheque a sustentabilidade da economia brasileira. Essa crise de 1998 culminou com o fim da política de

11 Essas medidas, entre outras, enquadram-se no que veio a tornar-se conhecido como Consenso de Washington

80 sobrevalorização cambial adotada desde o início do Plano Real, e consequentemente com o fim do reinado de Gustavo Franco como principal articulador da política econômica brasileira. É a partir de outubro de 1998 também, que as críticas ao modelo adotado pelo Brasil na década de 1990 encontram seu ápice, e a discussão sobre a proteção, o controle e a participação do Estado na economia voltam à tona. Ainda é cedo para avaliarmos os resultados dessas reformas, mas alguns de seus possíveis efeitos centralizaram as controvérsias desse período. Passemos agora às conseqüências das mudanças da década sobre a indústria nacional, segundo os autores envolvidos no debate.

3.2. Produtividade 4! Competitividade A discussão sobre a produtividade e a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional neste novo cenário que se cria no Brasil e no mundo, é um dos pontos centrais das diferenças na fundamentação das idéias dos autores durante esse período de reformas econômicas. A abertura comercial (entendido aqui genericamente como a diminuição das tarifas alfandegárias) trouxe um novo panorama para as empresas brasileiras, com o aumento da concorrência dos produtos internacionais. Para Gustavo Franco, o modelo utilizado anteriormente à abertura comercial dos anos 90 - o modelo de substituição de importações - pregava o protecionismo do mercado, sendo assim não existiam muitos fatores que induzissem ao progresso tecnológico, a não ser a introdução de novas

81 maquinas em episódios de acréscimos significativos ao estoque de capital

(Lei de Verdoon). Assim, tanto a estrutura industrial concentrada como as barreiras ú entrada teriam pouca influência, ou até mesmo uma influência negativa sobre a produtividade, enquanto que as variáveis relativas ao setor externo, como a propensão a exportar ou a penetração de importações teriam influência positiva e significativa sobre a produtividade. Essas características analisadas por Franco "explicariam a progressiva estagnação da produtividade à medida em que, ao longo dos anos 80, os níveis de proteção vão atingindo o paroxismo e vamos nos aproximando da auto- suficiência. "( Franco, 1999,. p.40)

Esse quadro de estagnação, no entanto, já era esperado dentro do modelo desenvolvimentista, já que "a preocupação, tanto do governo quanto das empresas, com a eficiência e o crescimento da produtividade era, no máximo, secundária."(Franco, 1999, p.40)

Assim, para Gustavo Franco só poderia existir uma saída para o

aumento da produtividade brasileira: a abertura comercial.

Essa correlação positiva entre produtividade e abertura, estaria

solidamente ancorada na experiência internacional. A mudança nos

'fundamentos' do mercado seria responsável pelas 'condutas virtuosas' que

produzem maior eficiência. Ou seja, se a economia está protegida da

concorrência internacional, não há necessidade de se despender recursos

para investimentos em qualidade e produtividade, assim, os empresários

tomam-se privilegiados em um mercado praticamente incontestável e sem

com peti dores. Num contexto, em que houvesse competidores estrangeiros dispostos

a disputar maiores fatias de mercado, a situação se modificaria. Seriam

82 necessanos investimentos em tecnologia, qualidade e produtividade.

trazendo conseqüências para a competitividade das empresas brasileiras.

Para Franco. "Não é por outra razão que os esforços de aperfeiçoamento,

enxugamento e racionalização não têm qualquer precedente na cultura

empresarial brasileira"( 1999, p.42). São conseqüências claras da abertura

comercial.

Essas altas taxas de crescimento da produtividade representariam

uma extraordinária novidade no que se refere às características básicas do

crescimento econômico brasileiro. Isso porque esse crescimento de

produtividade se daria de forma diferente das experiências brasileiras

anteriores. Desta feita, a indução ao crescimento seria feito pelo lado da

oferta, e não com a predominância do investimento público, como no

modelo anterior, além disso, essa "indução tem consequencias distributivas,

pois parte do crescimento de produtividade é apropriado pelos salários, ao

contrário da experiência anterior, cuja base era a noção de 'poupança

forçada', seja produzida pela inflação, seja pelos grandes fundos

compulsórios como o FGTS, PIS-PASEP, etc.; e [... ] a indução tem viés

deflacionista, pois o repasse pode beneficiar o consumidor se a maior

eficiência é repassada aos preços e se a manutenção da competição

estrangeira impede o uso de margens de lucro para a geração de lucros

extraordinários retidos para fins de investimento". (Franco, 1999, p.43-44)

A abertura econômica seria o fator responsável por toda essa

mudança e as consequências seriam profundas para a natureza do

crescimento econômico brasileiro dos próximos anos. Essa abertura teria

como efeito. por vários anos e lentamente, uma convergência para níveis

internacionais de produtividade.

X.1 Para Guido Mantega, neste contexto a abertura extema jogou um

papel importante na estratégia de combate a inflação, na medida em que as

empresas brasileiras foram exposto ao intenso bombardeio de mercadorias

importadas, cujos preços também foram rebaixados pela sobrevalorização

cambial. Mas esse empresariado nacional não teve tempo nem instrumentos

para enfrentar a concorrência. Dessa forma, "submetida a ampla

competição. a indústria nacional sena obrigada a decifrar o enigma da produtividade e da eficiência, para não ser devorada pelos fortes

competidores extemos.". (1999, p.50)

As desvantagens desse câmbio sobrevalorizado, que castigavam os

produtos brasileiros, seriam compensadas pelos saltos de produtividade e

pela redução de custos, que se verificariam nos próximos anos. Esse

aumento de eficiência da produção brasileira seria suficiente para baratear as

exportações e reverter o déficit comercial, que apareceu no primeiro ano do

Plano Real. (Mantega: 1999, 50)

Franco utiliza a modema teoria do comercio internacional, que

segundo ele defende que a possibilidade de se competir no comércio

intemacional na base de altos níveis de produtividade e rendas elevadas é

algo que os países devem perseguir.i 1999, p.52)

Usando Paul Krugman, um dos economistas mais respeitáveis no que

se refere aos estudos recentes sobre a economia internacional. Franco

esclarece que "o crescimento econômico que está baseado na expansão dos

insumos, ao invés de a expansão do produto por unidade de insumo

(produtividade), está inevitavelmente sujeito a retomos decrescentes"I:.

(1999, p.52)

12 Krugman (1996:169) Nesse sentido, como a substituição de importações não conduzia ao dinamismo tecnológico. o modelo haveria de se exaurir naturalmente quando se esgotassem as importações a substituir. Nesse momento, "os retornos decrescentes de sua continuidade começariam a saltar aos olhos e a 'competitividade' pareceria cada vez mais 'artificial', ou 'espúria'. Mais e mais a 'competitividade dependeria, ao prosseguir a SI (substituição de importações), de reduções em salários já excessivamente deprimidos e em taxas de câmbio mais e mais subvalorizadas". (Franco, 1999, p.52) Patrícia Cunha, em recente tese de doutorado envolvendo o pensamento de Franco, acredita que Franco enfatiza muito o argumento do aumento da produtividade a partir do processo de abertura do início da década de 90, alertando que se o país insistisse no protecionismo do modelo de substituição de importações, poderia até ser bem sucedido em exportar, porém sua competitividade seria baseada em baixos salários e taxas de câmbio subvalorizados. Assim, com os salários deprimidos, todo o peso de compensar a irracionalidade da continuidade da substituição de importações passaria a repousar sobre o câmbio. Assim "esse processo que tende a elevar a produtividade inevitavelmente leva à apreciação cambial." (2000, p.81)

Franco se mune de relatórios do Banco Mundial" para justificar a apreciação cambial como forma equilibrar os diferenciais de crescimento da produtividade. A abertura e a nova política cambial responderiam diretamente a esse diagnóstico e resultariam em aprofundar as tendências acima descritas e tomar inevitável a apreciação cambial. Assim, Franco conclui, afirmando que por meios de todas essas considerações, "é de se esperar que, com a abertura e as transformações dela

l' Relatório de 199.J do Banco .Mundial notaria os diferenciais de crescimento da produtividade recomendaria a apreciação cambial como decorrência natural.) decorrentes, o país caminhe para níveis maiores de produtividade, ou seja. que o país mude progressivamente a natureza de sua competitividade".( 1999, p.53) Para Bclluzzo e Coutinho (1996, p.12) as afirmações de Gustavo Franco a respeito da produtividade e da competitividade e do próprio papel do Estado nesse processo têm origem, "como a maioria de suas digressões, em derivações impertinentes de modelos abstratos de concorrência perfeita e da surrada teoria das vantagens comparativas". Belluzzo também utiliza-se de literatura recente sobre a questão da competitividade industrial. Essa literatura na área de estratégias empresariais ou da economia industrial, baseadas em clássicos autores como Michael Porter e Peter Orucker reconheceria o caráter decisivo da coordenação do Estado para acelerar mudanças de paradigmas, particularmente nas economias que experimentaram um processo rápido de industrialização. A nova concepção de políticas industriais ou de competitividade coloca no centro das preocupações a indução daquelas sinergias, baseadas no conhecimento e na capacidade de resposta à informação. O novo papel do Estado deveria se concentrar na indução da cooperação, na coordenação dos atores e na redução da incerteza. "Sua tarefa não é a de 'escolher vencedores' mas a de criar condições para que os vencedores apareçam."(Belluzzo e Coutinho, 1996, p.12) Esse argumento aproxima das análises dos fundamentos éticos da economia desenvolvidos por Sen e Fonseca no capítulo 3, distanciando-se do que Fonseca chamou de egoísmo ético de Friedman e Stigler.

86 Consequentemente, toda a base de argumentação do 'professor Franco' está comprometidla, pois ele peca ao tomar o partido do Estado Mínimo, segundo eles, uma 'posição cara aos liberais'. Isto porque nessa versão radical do liberalismo, o Estado deve se restringir, no campo econômico, à garantia das condições de estabilidade, a desobstruir os entraves à livre-concorrência e a remover pontos de estrangulamento na infra-estrutura danosos à competitividade. (Belluzzo e Coutinho, p. 10) O debate relevante para Belluzzo busca definir a melhor forma de articular Estado e Mercadlo, reconhecendo a existência de falhas tanto do mercado quanto da ação governamental. Não se trata apenas de minimizar falhas, mas de reconhecer que certos processos econômicos ganham maior eficiência na presença de coordenação e cooperação entre os atores. O Estado deveria atuar como provedor de extemalidades positivas para o setor privado, por exemplo por meio da construção de infra-estruturas e outros bens públicos, como a geração de conhecimento científico e tecnológico. Deveria interferir também nas operações de mercado, onde a existência de assimetria ou falhas nas informações pode afetar particularmente os mercados de crédito e de capitais e o mercado de câmbio, podendo dar origem não só a alocação ineficiente de crédito, a marginalização de pequenas empresas, como também incentivar a especulação.(Be11uzzo e Coutinho, 1996, p.ll) Ou ainda, em artigo mais recente (2000:p.43), Belluzzo afirma que além da diminuição do setor produtivo estatal como um provedor de extemalidades positivas para o setor privado, "A perda do controle nacional sobre as empresas e bancos desarticulou os mecanismos de govemança e de coordenação estratégica da economia brasileira".

87 As conseqüências dlessa situação já senam vrsivers logo apos a consolidação do Plano Real, pois as empresas do governo antes ofereciam insumos generalizados em condições e preços adequados, e as grandes empresas privadas começavam a se constituir - ainda de forma incipiente - em centros de inovação tecnológica. Depois da privatização e da desnacionalização de grandes empresas, algumas coisas começam a ficar claras, como por exemplo o aumento expressivo e a indexação da tarifas e preços das empresas privatizadas, e a exportação dos departamentos de P&D por palie das grandes empresas. Para Franco, no entanto, essa presença do Estado é dispensável, pois neste novo modelo que se esboça, baseado no crescimento da produtividade, as ações do govemo não são, em si, as deflagradoras do processo de desenvolvimento. Nessa situação, "A dinâmica básica do desenvolvimento brasileiro começa a prescindir das ações de govemo, especialmente no que se refere aos grandes programas e projetos de investimento" (1999, p.66), passando o governo a preocupar-se basicamente com a configuração macroeconômica básica. Mas, o grande defeito da análise de Franco seria justamente nào admitir que as falhas sobrevivam nos modelos de equilíbrio geral, e que estes prevêem a existência de mercados para todos os bens e serviços em todas as datas futuras e contingências. A idéias de Franco estariam substanciadas por velhas e etemas teorias. Mesmo tentando se colocar como um novo pensador e apresentando um novo modelo de desenvolvimento para o país, ele não consegue se livrar de seus antigos dogmas. Assim, para Belluzzo, "Sob o manto da modemidade (de Gustavo Franco), alberga-se a velha tese da

"industrialização artificial" sustentada por Eugênio Gudin e, sua polêmica

88 com Roberto Simonsen'". Mas desta vez, a teoria regressiva empunha a arma poderosa da política cambial.' 3.3. Vulnerabilidade externa

Gustavo Franco tenta acabar com o mito de que a substituição de

importações mantinha o Brasil protegido de choques externos adversos".

Sendo a economia fechada e menos dependente das mudanças na

economia internacional, seria correto supor que a esta vulnerabilidade externa do país estaria reduzida.

O Brasil e toda a América Latina seguiram esse caminho durante

décadas, além disso, para Franco "com a ajuda de variados e duvidosos

malabarismos conceituais, nosso processo de desenvolvimento industrial

passou a se confundir com um projeto de auto-suficiência, ou com a idéia de

que o crescimento auto-sustentado não poderia ocorrer senão em autarquia" (1999, p.58).

Isto porque os pilares da retórica do modelo de substituição de

importações teriam como fundamentos a identificação de desenvolvimento

e gasto público e a identificação da autodeterminação (e soberania) com a auto-suficiência ,ou autarquia.

O grande problema para os governos latino-americanos, no entanto, é

que quando estes promovem política públicas para promover o desenvolvimento que vão no sentido oposto, isto é, quando elas enfatizam a

austeridade" o governo cai numa armadilha retórica: se desenvolver é

gastar, cOt1ar significa fomentar o contrário do desenvolvimento, a recessão.

14 Polêmica esta abordada no Capítulo 1 15 O argumento de que as economias voltadas para o exterior conseguem enfrentar melhor os choque externos adversos também foi enfatizado por altos funcionários do Banco Mundial. Para isso ver STERN (1991)

16 Para Franco, "objetivamente se sabe que é a austeridade que levará ao desenvolvimento"(1999, p.64), argumento contestado por Belluzzo, (1996,p. 5) o mesmo se observaria quanto à autodeterminação. Na medida em que se procura reduzir a vulnerabilidade externa, a auto-suficiência ( e portanto, a SI com vistas à autarquia) é o único caminho natural. Quando as políticas públicas caminham na direção da abertura, novamente o governo se envolve em uma armadilha retórica: a abertura haverá, nessa premissa, de levar ao aumento da vulnerabilidade externa e, portanto, à crise cambial, e não ao desenvolvimento.

Na opinião de Gustavo Franco, essas pressuposições do modelo estariam fragilizadas, já que nos anos 70 e 80 o Brasil e a América Latina teriam constituído as bases de uma definitiva industrialização e de uma virtual auto-suficiência, mas nem por isso deixaram de ficar vulneráveis a choques externos. Além disso, o desempenho medíocre em termos do crescimento, inflação e mazelas sociais poderia sugerir que a nossa vulnerabilidade externa tomou-se até maior. "Como se explica esse paradoxo, ou seja, que uma. economia quase auto-suficiente seja, afinal, tão sensível às mazelas que vêm do exterior?" (1999, p.59) Franco compartilha da literatura acadêmica que identifica que a 'orientação para fora' do desenvolvimento dos países do Sudeste Asiático foi crucial para lhes garantir um bom desempenho macroeconômico nos anos 80, sendo o oposto válido para os países latino-americanos. Assim, para Franco, "A moral da história é muito simples: quanto mais fechada a economia, mais difícil é fazer o 'ajustamento externo' e mais propensa à instabilidade macroeconômica a economia deverá ser. Assim sendo, a industrialização que busca a auto-suficiência aumenta a vulnerabilidade externa, e não diminui". (1999, p.60) Com essa conclusão, Franco nos leva a concordar que estávamos andando na direção errada do desenvolvimento. A 'industrialização' nào

90 teria necessariamente nada que ver com 'auto-suficiência', mesmo que envolvesse algum protecionismo e promoção industrial, para isso seria suficiente observarmos a experiência dos 'Tigres' Asiáticos, para não mencionar casos surpreendentemente pouco referidos de industrialização tardia, como Canadá e Austrália. Devemos ter em mente, que estes textos de Gustavo Franco foram desenvolvidos e escritos antes da crise asiática de outubro de 1998, crise esta que colocou em dúvida os modelos de desenvolvimento adotado por aqueles países. Seria interessante, no entanto, como efeito de comparação, um estudo sobre o comportamento dessas economias após os choques externos que sofreram. O novo modelo de crescimento a ser definido para o Brasil, para Gustavo Franco deve contemplar um grau de abertura substancialmente maior - talvez o dobro ou 00 triplo - do que temos, "se é que queremos evitar que nossa vulnerabilidade externa prejudique nosso crescimento daqui para adiante." (1999, p.60)

Para Bel1uzzo, Gustavo Franco ignora a superveniência da crise da dívida externa no início da década de 80, atribuindo a degeneração do processo de industrialização a uma tendência endógena à autarquia e à estatização.( 1996, p.5)

Os choques do petróleo e o aumento dos juros no final de 1979 mudaram as condições externas e decretaram a obsolescência de uma agenda de reformas já previstas para o processo de substituição de importação. O que teria dado uma sobrevi da ao modelo foi exatamente a grave crise cambial que se: abateu sobre o Brasil no início dos anos 80 até mesmo em segmentos produtivos em que a escala do mercado interno não recomendaria a produção doméstica. Mas, devido à grande pressão extema

91 sobre o câmbio, sena racional, ainda que não eficiente, substituir importações para poupar divisas, através do estímulo fiscal e cambial para as exportações. Dessa forma. Bclluzzo alerta que "Foi a ruptura do regune de financiamento externo da economia que determinou a desorganização das finanças públicas, o descontrole do processo inflacionário e as distorções alocativas decorrentes da penúria cambiai". E em oposição ao que insinuara Gustavo Franco, "Os controles draconianos que resultaram na redução significativa do coeficiente de importação foram ditados pelas

circunstâncias adversas t: não criados por uma doentia mentalidade autárquica."( 1996, p.6). Em outra discussão sobre o texto de Franco na Revista Carta Capital (1996, p.40), Belluzzo enfatiza que "Foi por uma circunstância derivada da dívida externa ...[que o país] foi obrigado a substituir importações em setores que não tinham escala e foi ineficiente na substituição. Porque havia fundamentalmente uma restrição de divisas. E continua: "No texto de Gustavo Franco não tem uma palavra sobre o fato de que o processo que levou ao fechamento e à queda de produtividade se deve a uma desrupção nos fluxos de financiamento externo. Por quê? Porque se ele admitir isso, vai admitir também que a gestão da política econômica, da maneira que está sendo feita, pode levar a um desequilíbrio parecido. Ele quer explicar o processo de estabilização com a apreciação cambial.' O que teria permitido a apreciação do câmbio teria sido a volta do financiamento externo e o crescimento das reservas. A lição a ser tirada desse período da história econômica brasileira seria bem clara para Belluzzo: a dependência excessiva do financiamento internacional traz conseqüências funestas para a economia. Franco acredita, porém, que ajustes mars fundamentais deveriam

ocorrer. isso porque a experiência histórica tende a confirmar que esse tipo

de estabilização geralmente envolve algum 'evento exógeno' que melhora

fundamentalmente o equilíbrio extemo dos países envolvidos. No caso, esse

fator foi, sem dúvida, a liquidez no mercado intemacional de capitais

voluntários aos países em dlesenvolvimento.

Em artigo recente na Revista Carta Capital, Belluzzo argumenta

ainda que essa volta do financiamento intemacional foi desapontadora, já

que ao contrário do processo de endividamento dos anos 60 e 70 que

financiou, direta e indiretamente, projetos destinados a substituir

importações e/ou a estimular as exportações, "a nova etapa de

financiamento extemo aumentou consideravelmente a vulnerabilidade da economia brasileira".(2000, p.43)

Isso porque a sobrevalorização cambial e os JUros elevados

desestimularam os projetos voltados para as exportações, desarticularam a

produção interna, que f01111 a afetadas por importações "predatórias" e

aumentaram a participação da propriedade estrangeira no estoque de capital doméstico. Esses são fatores levariam rapidamente a um agravamento estrutural do desequilíbrio extemo. (Belluzzo, 2000:p.43)

Além disso, a utilização de uma âncora cambial, com uma expressiva valorização cambial, "estaria produzindo um aumento do déficit em conta corrente e aumentando a dependência do país em relação ao ingresso de capitais. "(Belluzzo e Coutinho, 1996:2)

A forma de inserção internacional adotada pelo Brasil ficaria dependente, então, dos humores dos mercados financeiros. Nesse sentido,

"o temor de assustar os possuidores de riqueza líquida - nacionais e estrangeiros - vem bloqueando a adoção de uma política monetária capaz de prover crédito em volume e em condições decentes para a indústria e a agricultura, de induzir o investimento privado ou estimular as exportações".

(Belluzzo, 2000:p.43)

A autonomia das políticas naCIOnaIS estaria ameaçada, já que é decisivo para a implementa.ção de políticas, a forma e o grau de dependência em relação aos mercados financeiros. E estes estão continuamente sujeitos à instabilidade das expectativas e das especulações. (1996, p.15)

Bauman defende que durante programas de estabilização, a manutenção de urna taxa de câmbio sobrevalorizada pode ser um custo a ser

pago, caso seja palie da estratégia do govemo para demonstrar seu

compromisso filme com o processo de reformas, mas a questão levantada

por ele, no entanto, é que "essa política perdurou durante um período

bastante longo, bem além do que teria sido considerado necessário para

induzir a credibilidade" (2000, p. 48-49).

Belluzzo acredita que no intuito de justificar esse regime cambial

sobrevalorizado, ou apreciado, Gustavo Franco atribui à abertura da

economia virtudes sobrena.turais e desconhecidas na literatura econômica relevante sobre o tema. (1996, p.7)

O mais recomendado, segundo ele, após uma década de proteção forçada pela crise cambial era necessário uma abertura comercial gradualista, preservando-se uma taxa de câmbio estimulante às exportações, e não sobrevalorizada. Esse processo teria sido iniciado corretamente pelo governo Collor, mas este errou ao desestruturar o sistema de crédito às exportações, quando deveria tê-lo aperfeiçoado. Além disso, a situação piorou quando da antecipação do último estágio do cronograma de redução de tarifas aduaneiras. Estas medidas, para Belluzzo e Coutinho, ainda complementadas pelos acordos de Ouro Preto e associadas à posterior apreciação nominal do câmbio no início do Plano real, "criaram o fenômeno prodigioso da abertura com viés anti-exportador.t 1996, p.7)

Belluzzo conclui, que essa política econômica comandada por Gustavo Franco vem, na prática, "aumentando a vulnerabilidade externa da economia brasileira, minando a competitividade do sistema empresarial e enfraquecendo a capacidade de fomento e coordenação do Estado". E ironicamente, Belluzzo afirma que apesar disso, "o Sr. Diretor do Banco Central tem suficiente ousadia para apresentá-la como inescapável e virtuosa.' (Belluzzo e Coutinho, 1996, p.I5)

3.4. Metodologia

Os argumentos usados pelos autores possuem forte fundamentação teórica, mas muitas vezes esbarram nas proposições metodológicas em que se baseiam. Os debates envolvendo os dois principais pensadores das escolas analisadas muitas vezes parecem não conseguir ultrapassar a barreira dessas proposições e ficam limitadas ao jogo retórico sobre as metodologias empregadas.

As críticas feitas por Belluzzo às idéias econômicas de Gustavo Franco têm seu eixo principal na utilização que Franco faz dos modelos de equilíbrio geral e da crença na existência de mercados competitivos. Todos os problemas metodológicos de Franco parecem se concentrariam nesses aspectos de sua abordagem. Deveriam ser evitadas as deduções de políticas públicas a partir de modelos abstratos da economia positiva. Para Belluzzo, nenhum dos teóricos do equilíbrio geral aceitaria deduções desse tipo, mas

"Apesar das reiteradas advertências, os liberais mais radicais insistem em extrair ensinamentos normativos destas construções teóricas." (Belluzzo e Coutinho, 1996, p. 11) Ou seja, Franco estaria transportando os modelos matemáticos de equilíbrio para a realidade da economia brasileira, e aplicando-os por meio da implementação de medidas orientadas para o mercado e seus beneficios. Para Franco, no entanto, a não utilização de modelos e da matemática para criar soluções econômicas é uma questão de falta de habilidade e competência, que são comuns aos economistas 'alternativos', ou 'críticos' no Brasil (caso de Belluzzo), e comprometem o economista profissional. Para ele "A crítica ao 'irrealismo' da teoria e da 'rnatematização' dos modelos econômicos se tomou, em particular no Brasil, um extraordinário álibi para os avessos (ou ignorantes) de matemática, ou para os rebeldes de espírito entregarem-se de corpo e alma ao 'pensamento crítico', como antigamente a trigonometria levava os estudantes em dificuldades no 'científico' para o 'clássico", ou para os métodos altemativos".(1999, p.126) As premissas dos críticos da utilização dos modelos não caberiam em métodos matemáticos, e resultariam falsificadas, assim, os utilizadores desses métodos teriam como fim ensejar a expressão mediante equações, e dessa forma, manipulariam as propriedades matemáticas de acordo com a sua conveniência. No caso de Gustavo Franco, a defesa na adoção de medidas liberalizantes para a economia brasileira seria incrementada pela derivação de modelos que demonstrassem as vantagens dessas medidas, mesmo que não correspondessem à realidade. Para Franco, esses críticos defendem, portanto, uma 'postura crítica' que significa, na prática, uma desqualificação generalizada da teoria e do economista profissional e, "ao fim das contas, um primado do amadorismo e do 'alternativo' em detrimento do mainstream e da autoridade das posturas técnicas." (1999, p.126) Para Cunha (2000, p.131), em seus textos, Franco parece estabelecer que em economia só terá status de teoria, o que for passível de formalização matemática. Essa formalização seria importante exatamente porque para Franco, 'A economia está assolada de pseudoteorias, tal como qualquer disciplina, e a matemática é uma boa maneira de separar hipóteses refutáveis, ou seja, a boa teoria econômica, das crendices populares e 'teorias' de segundo time" (Mantega e Rego, 1999:387). Franco critica também os métodos de análise que não permitem a generalização e o reducionismo dos modelos abstratos. Para ele, se não for possível criar modelos objetivos, a ciência econômica perde a sua função, e passa a ser um campo onde não se pode atingir a objetividade, já que é comum ciências humanas aparecem formulações onde a objetividade e impossível. pois o observador é parte do objeto, e sua perspectiva e determinada pela sua posição no processo produtivo, e por conseqüência. pela sua classe social e pelos seus interesses orgânicos. Dessa forma, "como a objetividade não existe, senão como ideologia burguesa, uma proposição científica apoiada pela evidência empírica vale tanto quanto uma resolução tomada num congresso pat1idário".(1999, p. 120). Essa posição é uma clara crítica ao método de abordagem histórico/institucional definido por Mantega.

Os culpados por isso, senam exatamente aqueles ligados a metodologia econômicas não seguidoras do mainstream e do modelo hard science . Dessa maneira sendo a economia uma subciência, não detentora de objetividade, ou um 'gênero literário', ou um instrumento de advocacia dos interesses econômicos, "a Economia tem estado permanentemente sob pressão, perseguida por metodologias alternativas, detratores sistemáticos. críticos amadores, 'praticantes' educados pela escola da vida, convenções partidárias, expatriados das 'escolas do saber econômico', como foram chamados alguns órgãos de:governo, todos a apontar suas limitações. Quando os economiistas aparecem para o confronto frente à opinião pública, esta situação tomaria contornos retóricos, já que a objetividade está longe de ser alcançada e todos podem reclamar seu espaço, mesmo que inaptos ou incapazes de formularem proposições teóricas. E como a economia não é uma ciência exata, ou 'dura', "Na imprensa e nos debates parlamentares, a retórica e a mistificação são recursos legítimos e de grande importância nos embates que governam as decisões políticas. Nessas disputas no campo da política econômica, o 'alternativo' se apresenta com o mesmo estatuto da sabedoria do mainstream da profissão, amadores e profissionais são colocados em pé de igualdade a serviço das correntes políticas em confronto" (Franco, t 999, p. t 24) Apesar de estar mais próximo de uma abordagem historicista, Luiz Gonzaga Belluzzo acredita que a corrida em direção ao individualismo metodológico nos últimos anos permitiu a construção de modelos interessantes, como os de política econômica baseados em teoria dos jogos. No entanto, por trás desses modelos há uma idéia de racionalidade que pode ser muito restritiva. Isso porque "o objeto da economia tem historicidade ...ele é capaz de se reproduzir e reafirmar a sua identidade, mas ao mesmo tempo se transformar: um objeto em permanente transformação" (In: Bidennan et alli, 1996:259) A utilização do método analítico tem a sua importância, mas suas limitações e suas restrições devem ser bem observadas. Não seria permitido, no entanto, afirmar por exemplo que "o método histórico é o correto. o

método analítico ou o uso do instrumental matemático é inadequado". Para

explicar de maneira clara, muitas vezes seria interessante a utilização de um

modelo matemático. Mas, o problema está no fato de que "os economistas

freqüentemente se esquecem de que a Economia é uma forma de

conhecimento que requer o confronto com a experiência. Freqüentemente,

as qucrelles d 'eco/e surgem porque o sujeito é reducionista: quer ser

rigoroso quando não pode ser". (In: Bidennan, 1996:260)

Na mesma linha de Belluzzo, seu colega João Manuel Cardoso de

Mello também acredita llIa importância da matemática para a análise

econômica, admitindo inclusive mudanças na estrutura curricular de sua

escola, a Unicamp. Em depoimento a Guido Mantega, ele afirma que "na

reforma que vamos ter em Campinas, eu introduzi lá mais matemática e

estatística do que na USl'. Isso faz parte, vamos dizer, da profissão do economista. Não há dúvida nenhuma é muito importante'{Mantega, 1999, p.29). No entanto, não abre mão da importância da análise histórica da economia. Assim, o economista deveria ser cuidadoso com o utilização, por exemplo, da econometria, isso porque "quem sabe história, sabe que a realidade social é de uma complexidade extraordinária. E que, portanto, simplificações, por ser fácil, estão sempre sujeitas à qualificações muito severas". (João Manuel Cardoso de Mello, depoimento ao autor, abril de 1998)

Para Cunha (2000, p.126-7), os textos de Gustavo Franco estão dominados por certezas óbvias, e as dúvidas e aspectos negativos são pouco mencionados, aparecendo dle fonna diluída. Para ela, Franco "Parece não se preocupar com o que é conhecido na literatura como 'vício ricardiano' , à medida que extrai proposições normativas de modelos abstratos desde que corro borem seu argumento ,.,17 .

Além disso, (Cunha, 2000, p.131-2) Franco estaria adotando, a partir de seu último livro uma postura de desqualificar seus críticos chamando-os de 'oportunistas', 'charlatões', 'místicos' ou movidos por 'interesses particulares ou ideologias', neste contexto, "Franco substitui as equações matemáticas pelos adjetivos e metáforas, e até mesmo ataques aos rotulados por ele de 'alternativos:". Franco defende, no entanto, em um dos seus mars irônicos e

debochados artigos publicado em 199618 que deve ser reconhecida como absolutamente natural a existência das "visões alternativas" sobre a economia, assim como em qualquer área do conhecimento humano. Os economistas "alternativos", poderiam também 'qualquer que sejam suas seitas', julgarem-se os únicos detentores das chaves mágicas para a compreensão da História e entenderem que a humanidade estará perdida caso persista em ignorá-los e às suas recomendações. (1999, p.204-205) O grande problema acontece, na verdade, quando o 'alternativo ataca o maisntream, procurando tomar-lhe o lugar. Isso seria impossível, pois para Franco, o 'alternativo' apenas existe nessa condição, de ataque e não de ações.

A prova disto estaria no fato de que à medida em que o Brasil vat deixando para trás a hiperinflação, as moratórias, os calotes e os congelamentos de preços, os 'alternativos' que, segundo Franco, conceberam essas criaturas, "vão sendo relegados ao submundo das idéias,

17 Hábito, batizado por Schumpeter. de extrair conclusões normativas da economia abstrata 16 Este artigo, publicado originalmente na Folha de SPaulo em 24.11.1996, tinha como objetivo responder a outro artigo, publicado Leda Paulani (nA Franqueza da Social Democracia" Folha de S.

100 num espaço tão inofensivo quanto o dos horóscopos de jomal."( 1999. p.205 ) Nesse sentido, Franco ironiza as críticas dos 'aItemativos', que encontrariam dentro do quadro das 'cosmologias esotérico-dialéticas' da globalização, o espectro de uma catástrofe financeira, decorrente do modelo econômico adotado pelo Brasil. Os 'altemativos' utilizariam termos como fetichismo, financeirização, capital em função, para ele totalmente desconhecidos na literatura econômica. Para Franco, seria "Impossível saber o que são essas coisas, mas nada pode soar mais assustador:, Cruz Credo". E termina sua ironia, dizendo que "A terminologia dos professores é verdadeiramente pamasiana ou, talvez, simbolista. Oh, Meu Deus, esses incríveis economistas da Unicamp recitando, arrebatadores, críticas ao Plano Real que soam como versos de Augusto dos Anjos".( 1999, 206) Para Cunha, à medida que Franco tenta reduzir os argumentos de seus críticos, juntando-os na categoria de profissionais avessos à utilização do instrumental matemático ou ainda no rol dos desatualizados em teoria econômica, ele transforma a crítica em argumento ideológico e amadorístico, muitas vezes, desqualificando o debate.(2000, p. 132) Mas Belluzo utiliza-se da mesma técnica, quando analisa o paper lnserçào Externa e Desenvolvimento de Gustavo Franco. Numa discussão aberta com outros economistas", ele conclui que "(Gustavo Franco) fez um documento ideológico, no mau sentido [...] um documento de convencimento [...] um documento ideológico, no sentido de que a circulação desse documento tinha importância para ele dentro do govemo e

Paulo, 1O.11.1996),mas aproveita para provocar e criticar outros autores, como Luiz Gonzaga Belluzzo. 19 Participaram da discussão, além de Luiz Gonzaga Belluzzo, Paulo Rebello de Castro e Eduardo Giannetti da Fonseca. Revista Carta Capital. 27.11.1996.

IOl fora do governo em alguns círculos, nos círculo que tiveram acesso ao documento. '" Isso explicaria muitas das deficiências teóricas das passagens que Franco faz. abruptas, de modelos abstratos para situações concretas. A dedução de políticas, a partir dos modelos competitivos, deveria ser evitada, como discutido anteriormente O propósito destas deduções de Gustavo Franco, seria, para Belluzzo o de "demonstrar que as transformações na economia e na sociedade são o produto de movimentos espontâneos e naturais que não podem ser encapsulados por políticas intencionais", ou seja, "a inevitabilidade de uma inserção passiva das economias nacionais no chamado processo de globalização." (1996, p.15)

102 IV. Considerações Finais

As mudanças na economia e na política brasileiras na década de 1990 trouxeram de volta velhos debates que pareciam estar adormecidos ou mesmo esquecidos dentro da história da idéias econômicas no Brasil. A desmontagem do modelo de substituição de importações apos décadas de sua implementação, a abertura política e comercial, e a transferência do poder econômico do Estado para o mercado, foram os principais causadores desse novo panorama. É claro que não podemos simplesmente comparar as controvérsias atuais entre 'desenvolvirnentistas' e 'neoliberais', com as controvérsias sobre o desenvolvimento econômico no início da industrialização, já que além das diferenças no contexto de cada época, as idéias econômicas no Brasil de hoje apresentam-se muito mais diversificadas e maduras. Não existem apenas duas correntes de pensamento econômico bem definidas, mas proliferam opiniões diferentes e pensadores independentes. Apesar disso, o debate entre os economistas, as teorias econômicas e suas principais conseqüências para as políticas públicas no Brasil, parece estar longe de caminhar para um final consensual. . E a história é pródiga em mostrar que, em geral, quando há uma polêmica inconciliável, é porque todas as partes estão erradas. Nos caso especifico dos anos 1990, temos de um lado os economistas da ala liberalizante do governo, os quais pressupõem que o mercado e a inserção externa do Brasil no processo de globalização darão conta de tudo - da estabilidade da moeda, do aumento da produtividade interna e da conseqüente competitividade externa, geração e distribuição da renda, do desemprego, etc. De outro, os economistas da oposição, dizendo que está tudo errado. embora encontrem dificuldades em formular alternativas convincentes e conciliadoras. Do ponto de vista metodológico continua existindo aquelas diferenças quanto à concepção da economia, ao método de análise e à utilização maior ou menor da matemática e, econometria e dos modelos abstratos de equilíbrio competitivo para a formulação de políticas. A partir do início dos anos 90, e principalmente após o Plano Real, a discussão estará centrada no novo modelo econômico a ser seguido pelo Brasil. Teremos, de um lado, os economistas da ala mais liberalizante, mais próximos ao modelo hard science, mainstream, utilizando o método analítico clássico. Esses economistas são representados majoritariamente por economistas ligados diretamente ou indiretamente à PUC-RJ, como Gustavo Franco, Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Rezende e Francisco Lopes Do outro lado, mais identificados com o modelo sof! science. cepalino, e utilizando o método histórico/institucional, podemos citar, além de Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho e João Manuel Cardoso de Mello, da Unicamp, Aloízio Mercadante, Maria da Conceição Tavares, além de Paulo Nogueira Batista Jr., que não se encaixa especificamente nessas classificações. De modo geral não há nenhum crítico do modelo de liberalização que pregue uma volta ao modelo desenvolvimentista do passado. Pode-se afirmar que reúne consenso entre os economistas a necessidade de uma reforma do Estado no Brasil, com o desmonte do Estado paternalista e patrimonialista do tempo dos militares. As divergências começam quando se define que tipo de refonna essas correntes defendem. Os críticos da liberaJização econômica apresentam várias objeções ao modelo econômico adlotado pelo Brasil no período. A crítica maior porém recaiu sobre a abertura extema indiscriminada e sobre a sobrevalorização cambial, com suas conseqüências que abalaram os fundamentos econômicos brasileiros, e desestruturam boa parte da indústria brasileira. Convém ressaltar, no entanto, que a maioria dos economistas brasileiros não apresentou maiores objeções a realização de uma celta abertura da economia brasileira, mas sempre alertaram pela manutenção de um certo gradualismo nesse processo. Não podemos afirrnar que as escolas de pensamento ou mesmo as idéias geradas por uma geração terão uma vida longa, e que seus opositores estejam condenados ao esquecimento. Como dito anteriormente, a história econômica recente do Brasil nos mostra isso. Como diz Bianchi, citada na introdução deste trabalho, uma corrente que é hoje minoritária pode vir a prevalecer amanhã, como a história da ciência tem seguidamente testemunhado. Dada a natureza da economia, e sua importância na formulação das políticas públicas, não nos surpreende que tanto a utilização da economia relacionada à concepção hard ou sof], ou à métodos de análise baseados em modelos analíticos clássicos ou histórico-institucionais, ou mesmo às concepções baseadas na ética quanto as baseadas na engenharia, tenham cada qual seu poder de persuasão. As questões profundas suscitadas por essas concepções, no entanto precisam encontrar um lugar de importância e equilíbrio dentro da economia modema. "Se o adepto do modelo hard science fia-se na noção de fronteira do conhecimento por mera ignorância da complexidade da história de sua disciplina. não é menos verdade que o adepto do modelo soft science fia-se

lOS na presunção de que o estado atual da teoria é um saber inútil e equivocado. Desta forma, Arida chega à conclusão de que" o bom desenvolvimento da teoria econômica deve ser feito simultaneamente nas duas frentes. familiarizando-se tanto com o estudo atual da ciência quanto com os clássicos do passado e tecendo, a partir destes dois saberes, a trama da verdade" (Arida, 1991 :21) Essa posição é válida para os outros modelos antagônicos de metodologia e concepção na utilização de teorias que tenham como objetivo a solução de problemas práticos. A análise econômica, principalmente a destinada a elaboração de políticas públicas que preguem a maior intervenção ou não do Estado, muitas vezes parece estar muito além da racionalidade, da metodologia ou da experiência prática dos pensadores envolvidos. As diferentes concepções que influenciam as verdades absolutas de cada participante no debate são regidas por critérios que aparentemente estão embutidos em suas personalidades e crenças. Seus posicionamentos ou opiniões estão sempre carregadas de dogmas que parecem ter sido determinados muito antes do início de suas análises. É neste prisma que se estabelecem as idéias econômicas no Brasil. desde o início até o final do século XX: Conceitos fundamentais antagônicos que impossibilitam o diálogo e polarizam grupos de pensadores lia elaboração de medidas que visem a adoção de políticas públicas. Tomando como exemplo nossa análise referente à década de 1990 no Brasil, e os principais interlocutores da discussão econômica no período, seria muito difícil não acreditarmos numa vitória retórica e conceitual esmagadora do nosso protagonista da PUe-Rio, Gustavo Franco, em todo o período que se estende do início de 1994 ao final de 1998. Em 1995 ele

106 propno (Gustavo Franco) afirmava que os heterodoxos envolvidos nos

debates sobre o Plano Real pareciam cada vez mais se aproximar de

místicos, esotéricos ou mesmo pouco sérios.

Essa situação calma, serena e hegemônica, no entanto, muda de

figura quando se inicia a crise cambial em outubro de 1998. Crise esta,

prevista pelos seus adversários, que resultou na mudança da política

econômica, com uma grande desvalorização cambial e a retirada de Gustavo

Franco da equipe econômica do Governo. Nesse momento voltam-se as

velhas discussões levantadas por Belluzzo.

Quem saiu vitorioso deste debate, enfim?

Franco parece, como um lutador de boxe, ter dominado todo o

combate que se estendeu durante sua permanência no Governo, mas abriu

sua guarda no final, e tomou o nocaute no último round.

Tanto Franco quanto Belluzzo não apresentaram inovações à teoria

econômica, e nem pretendiam tal contribuição. Ambos sempre foram muito

mais propagandistas de outras teorias do que propriamente inovadores.

A atualidade do debate, no entanto, não nos permite apontar vencedores. Em prefácio ao livro de Maria Angélica Borges (1996, p.IS) sobre a obra de Eugênio Gudin, Belluzzo considera que " Roberto Campos parece ter razão quando diz que, finalmente, Gudin venceu". Considerando Gustavo Franco, como um seguidor do liberalismo, assim como Gudin, e considerando o ambiente político e econômico de 1996, poderíamos dizer que Franco também venceu, se considerarmos o período de 1994 até o final de 1998. No entanto, Belluzzo, antevendo os resultados da política econômica conduzida por Franco, conclui que apesar de seu então aparente e momentàneo sucesso, "Ninguém sabe quanto tempo vai durar essa vitória"(Borges,1996: p.1S).

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