PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FERNANDO ANTUNES SALGADO

Visões do papel do Estado nos governos dos presidentes Fernando Henrique e Lula e o caso do BNDES: mudança ou continuidade?

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo

2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FERNANDO ANTUNES SALGADO

Visões do papel do Estado nos governos dos presidentes Fernando Henrique e Lula e o caso do BNDES: mudança ou continuidade?

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Ciências Sociais, área de concentração Política, sob a orientação do Prof. Dr. Miguel Chaia.

São Paulo

2013

BANCA EXAMINADORA

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Dedico este trabalho aos meus pais, pela generosidade e apoio constante.

“Viver é melhor que sonhar” – Belchior – Como Nossos pais

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pelo apoio desprendido, pela alegria, pelo chão.

Ao professor Miguel Chaia, a quem devo o estímulo para ter cursado o Mestrado e pela enorme dedicação e atenção a todo período de estudos e construção da tese, sem os quais dificilmente este trabalho teria se concretizado.

Ao professor Carlos Eduardo de Carvalho pela grande disponibilidade em tirar minhas dúvidas conceituais no campo da Economia, indicando autores chaves, assim como ao professor Fernando Abrucio pela indicação de obras e caminhos para a tese. Agradeço aos dois por participarem da minha banca de qualificação.

A todos os professores do programa de pós-graduação, em especial aos professores Edison Nunes, pelo estímulo intelectual e amizade, e Carmem Junqueira que, além da importância da Metodologia, ensinou que “Tese é paixão”. Procurei levar este postulado à risca por todo o trabalho.

Aos economistas Gustavo Franco, Ana Cláudia Além e João Furtado por terem, generosamente, aberto espaço em suas agendas para me concederem entrevista sobre o tema desta tese e indicarem obras.

Aos funcionários da PUC e, em especial, à Kátia, da Secretária de Pós- Graduação, que sempre tirou minhas dúvidas com enorme boa vontade.

À CAPES pelo apoio financeiro.

A Marcelo Depieri e Diego Conti pelo forte apoio com dados acadêmicos e dicas para a dissertação.

Ao amigo Paulo Eduardo pelo apoio moral e por viabilizar a entrevista com Ana Cláudia Além, que se mostrou imprescindível ao trabalho. A Maurício Gonçalves, Milton Abrucio, Emanuel Neri, Luiz Carlos Vita, Maria Izildinha Pilli e Silvia Angerami pelo apoio moral e profissional.

Aos amigos Esman Alves, Artur Andrade, Ylton Amaral, Shellah Avelar e Teresa Garcia pela força moral, apoio e amizade nas minhas digressões sobre rumos acadêmicos.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a visão do papel do Estado na economia nos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995/2000), do PSDB, e Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010), do PT, sob a ótica da utilização do BNDES por esses governos como ferramenta para execução de suas políticas econômicas. A partir daí, buscaremos fazer uma correlação em âmbito mais macroeconômico para verificar se houve uma continuidade ou mudança entre os mandatos dos dois partidos adversários e os possíveis impactos sobre o Brasil contemporâneo. Para isso, no primeiro capítulo estabeleceremos um debate entre os defensores da abertura econômica, de um lado, e do intervencionismo estatal, via Nacional- Desenvolvimentismo, de outro lado, a fim de compreender as duas correntes que polarizaram o debate econômico recente e influenciaram os dois partidos. Ainda no primeiro capítulo, analisaremos os programas econômicos das duas legendas, entre 1994 e 2002, e o cenário político-econômico dos governos tucano e petista. No segundo capítulo, o objetivo é fazer um recorte da corrente pró-abertura econômica e privatizações e analisar o processo de desestatização no Brasil na década de 1990, tendo o BNDES à frente, especialmente no governo Fernando Henrique. No terceiro capítulo, o foco se dará sobre a corrente desenvolvimentista e a retomada do papel pró-ativo do Estado no segundo mandato do presidente Lula, principalmente a partir da crise financeira de 2008, utilizando-se do BNDES para isso. Avaliamos que desta comparação é possível obter reflexões a respeito da manutenção ou inversão de políticas econômicas entre os dois governos.

Palavras-chave: papel do Estado na economia, nacional-desenvolvimentismo, intervencionismo, privatizações, abertura econômica, pró-mercado, liberais, desembolsos do BNDES, crise financeira.

Abstract

The purpose of this paper is to analyze how the federal government, under both the Fernando Henrique Cardoso and the Luiz Inácio Lula da Silva administrations, understood the role of the State in the economy, considering their respective policies concerning the BNDES (the Brazilian national development bank). Our aim is to research at a macroeconomic level the correlations between those policies during both administrations, to find out how different or similar they were and to assess the economic impacts thereof in ’s modern society. In the first chapter we shall approach the debated between those who defended a more liberal economy and those who appeared under the flag of the National Developmentalism (who favored deeper state intervention), in order to understand how those two currents influenced both parties, Fernando Henrique’s PSBD (social democracy) and Lula’s PT (labor). We shall analyze both parties’ platforms, respectively from the 1994 and the 2002 campaigns, as well as the general economic and political landscape during both administrations. In the second chapter, we shall break down the pro-market tenets held by the liberals and examine the privatization of state- owned enterprises during the Fernando Henrique’s administration. In the third chapter, we shall focus on the supporters of the National Developmentalism and their reformed policies toward a state-led economy during Lula’s second term (2007-2010), and especially during the financial crisis of 2008, considering how those policies were reflected in the role of BNDES. We consider that from such a correlation one may arrive at interesting conclusions as to the continuation or interruption of economic policies during both administrations.

Key-words: role of state in the economy, National Developmentalism, interventionism, privatizations, economic opening, pro-market, liberals, disbursements of the BNDES, financial crises.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 3.1 – Taxas de juros no Brasil: curto prazo (SELIC) e longo prazo (TJLP)% ...... 159.

Gráfico 3.2 – Operações de crédito de países selecionados %PIB ...... 161.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1.1 – Estoques de capital estrangeiro em diferentes países, 1980 e 1994 (US$ bilhões e como % do PIB) ...... 36.

Tabela 1.2 – Brasil e principais países latino-americanos: participações no fluxo de investimento direto total, 1976-1992 (%) ...... 37.

Tabela 1.3 – Índices de produtividade no trabalho na indústria manufatureira (1989=100) ...... 38.

Tabela 2.1 – Desembolsos para o setor de infraestrutura a preços médios de 1998 (em bilhões de R$) ...... 113.

Tabela 2.2 – Ingressos de IED (em US$ bi) ...... 130.

Tabela 2.3 – A globalização chega ao Brasil por completo ...... 133.

Tabela 3.1 – Indicadores selecionados do mercado de capital brasileiro, 1989- 2006 ...... 149.

Tabela 3.2 – Indicadores de desembolsos pelo BNDES 1989-2006 ...... 153.

Tabela 3.3 – Desembolsos e empréstimos aprovados pelo BNDES (bi R$) . 163.

Tabela 3.4 – IBD entre 2001 e 2008 ...... 168.

Tabela 3.5 – BNDES: Financiamento de internacionalizações, fusões e aquisições ...... 171.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Anatel Agência Nacional de Telecomunicações

Aneel Agência Nacional de Energia Elétrica

BB Banco do Brasil

BC Banco Central

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BNDESPar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Participações

BRICs Brasil, Rússia, Índia e China

CBE Capitais Brasileiros no Exterior

Cebrap Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CED Comissão Especial de Desestatização

CEF Caixa Econômica Federal

CFD Conselho Federal de Desestatização

CIP Conselho Interministerial de Privatização

CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira

CPs Certificados de Privatização

DRU Desvinculação das Receitas da União

ECEs Empresas com Controle Estrangeiro

EEs Empresas Estatais

Eletros Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos

EPEs Empresas com Participação Estrangeira

FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador

FBCF Formação Bruta de Capital Fixo

FEA-USP Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade do Estado de São Paulo

F&A Fusão e Aquisição

FEF Fundo de Estabilização Fiscal

FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FMI Fundo Monetário Internacional

FND Fundo Nacional de Desestatização

FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

FHC Fernando Henrique Cardoso

Fundef Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental

FUNCEX Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior

GFCF Gross Fixed Capital Formation

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBD Investimento Brasileiro Direto

IBMEC Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IED Investimento Estrangeiro Direto

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

IPC Índice de Preços ao Consumidor

IPEA Instituto de Política Econômica Aplicada

IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

JK Juscelino Kubitschek

LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

MDB Movimento Democrático Brasileiro

MDIC Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio

Minicom Ministério das Comunicações

OECD Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

Petros Fundo de Pensão dos Funcionários da Petrobras

PDP Política de Desenvolvimento Produtivo

PDS Partido Democrático Social

PIB Produto Interno Bruto

PIS Programa de Integração Social

PITCE Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior

PFD Programa Federal de Desestatização

PFL Partido da Frente Liberal

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

Previ Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil

Proer Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional

Proes Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Estadual

PSDB Partido da Social-Democracia Brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PPB Partido Progressista Brasileiro

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SECOVI Sindicato da Habitação de São Paulo

SENAI Serviço Nacional da Indústria

SOBEET Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica

TCU Tribunal de Contas da União

TJLP Taxa de Juros de Longo Prazo

PND Programa Nacional de Desestatização

II PND Plano Nacional de Desenvolvimento

SELIC Sistema Especial de Liquidação e de Custódia

Sest Secretaria Especial de Controle das Estatais

SI Substituição de Importações

UFRJ Universidade Federal do

Unicamp Universidade Estadual de Campinas

URV Unidade Referencial de Valor

USP Universidade de São Paulo

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 16. 1. O MODELO DE ESTADO NACIONAL: DESENVOLVIMENTISTA OU PRÓ- FORÇAS DO MERCADO ...... 32. 1.1. Programas do PT e PSDB (1988, 1989, 1994 e 2002) e os cenários durante os governos tucano e petista ...... 50. 1.1.2. PT: Brasil urgente, Lula presidente (1989) ...... 55. 1.1.3. PSDB: Introdução e diretrizes básicas (1988) ...... 60. 1.1.4. PT: Lula presidente – uma revolução democrática no Brasil (1994) ..... 65. 1.1.5. PSDB: Mãos à obra (1994) ...... 68. 1.1.6. PT: Carta ao povo brasileiro e Programa de governo – Coligação Lula presidente – um país para todos (2002) ...... 73. 1.1.7. O governo do presidente Fernando Henrique e o ...... 77. 1.1.8. O governo do presidente Lula e a melhoria dos índices econômicos ... 83. 2. AS PRIVATIZAÇÕES E O BNDES COMO BRAÇO EXECUTOR ...... 91. 2.1. As origens do PND e da atuação do BNDES no plano ...... 96. 2.2. O PND nos governos Collor de Mello e e o BNDES como gestor ...... 101. 2.3. O aprofundamento do PND no governo Fernando Henrique e o protagonismo do BNDES ...... 107. 2.4. Os empréstimos do BNDES para compra de estatais ...... 112. 2.5. A influência do BNDES nos leilões de privatização ...... 117. 2.6. Considerações sobre os efeitos da privatização e da abertura ...... 120. 2.7. As privatizações e o impacto no aumento do IED ...... 129. 3. A RETOMADA DO BNDES COMO FERRAMENTA DO DESENVOLVIMENTISMO ...... 137. 3.1. Medidas para contrapor efeitos da abertura econômica...... 140. 3.2. Os bancos públicos e o desenvolvimento da economia ...... 146. 3.2.1. O BNDES e as políticas anticíclicas na crise de 2008/2009 ...... 154. 3.2.2. Os bancos públicos e o financiamento de longo prazo ...... 158. 3.2.3. A expansão dos desembolsos do BNDES ...... 163. 3.3. O financiamento da internacionalização de empresas brasileiras ...... 165.

3.4. Críticas aos repasses do Tesouro e aos financiamentos do BNDES ..... 174. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 186. BIBLIOGRAFIA ...... 195.

Introdução

O debate entre os defensores do intervencionismo estatal, por um lado, e das forças do mercado, por outro, como responsáveis pelo desenvolvimento econômico esteve entre as principais controvérsias da história econômica moderna. Essas diferentes visões sobre o papel do Estado na Economia deram origem, no Século XX, a modelos como o New Deal, o Estado de Bem-Estar Social na Europa do Pós-Guerra e à onda liberalizante ao final da década de 1970 e início da de 1980, a qual recuperou a preponderância das diretrizes econômicas liberais, que haviam sido hegemônicas até as primeiras décadas do Século XX1. Nos países então subdesenvolvidos, com realidades bem diferentes das economias já avançadas, as discussões visavam à própria estruturação do sistema industrial capitalista nessas nações. Foi assim que o modelo Nacional- Desenvolvimentista, tendo o Estado à frente, teve o papel de criar o parque produtivo industrial em países como o Brasil. Mas, ao final da década de 1980 e ao longo de toda a década de 1990, a Substituição de Importações deu lugar a um modelo voltado para as privatizações e abertura econômica. Permanecem abertas, no entanto, as discussões entre intervencionistas e liberais sobre a relação do Estado e mercado em torno de uma política industrial nacional. “A história econômica sugere que um Estado indutor, com uma política industrial ativa, pode ser fator coadjuvante importante no desenvolvimento econômico do país”, afirmou o economista e ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, Delfim Netto (Valor Econômico, 27/05/2008), ao defender a então política industrial do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, batizada de PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo), em contraponto aos críticos do Estado indutor. O economista ressalva, entretanto, que para tal política ser bem- sucedida eram necessários: “a) respeito às identidades da contabilidade nacional; b) empresários dispostos a correr o risco, devido ao conforto derivado

1 Para mais detalhes sobre a contenda entre o intervencionismo estatal e o liberalismo econômico entre o final do Século XIX e ao longo do Século XX, ver Fonseca (2005). 16

‘dos preços relativos errados’ e c) rigor e agilidade na administração do programa” (Idem, Valor Econômico, 27/05/2008). Sob outro ponto de vista, o economista Armando Castelar Pinheiro critica, justamente, o papel indutor do Estado brasileiro a partir da PDP, defendido por Delfim Netto:

Poucos temas dividem tanto os economistas como política industrial. Em especial, a discussão sobre a sua conveniência acaba esbarrando nas diferentes visões que têm liberais e intervencionistas sobre o papel do Estado na promoção do desenvolvimento (...) Todos concordam que o mercado não é perfeito e que, em tese, a intervenção estatal pode elevar o bem-estar social. Mas também se reconhece que nem sempre isso ocorre na prática, seja porque a burocracia estatal não detém a informação ou os instrumentos necessários para isso, seja porque ela é politicamente capturada e, sob o disfarce da busca do interesse público, adota medidas voltadas a beneficiar grupos politicamente influentes (PINHEIRO, Valor Econômico, 23/05/2008).

Para Pinheiro, portanto, embora o mercado apresente falhas, a intervenção estatal pode ser ainda mais prejudicial, mesmo quando bem intencionada, pois termina capturada por interesses de determinados grupos influentes ou não representa “a melhor forma de gastar escassos recursos públicos” (Idem, Valor Econômico, 23/05/2008). Assim, o tema de nosso trabalho é analisar a relação que se estabelece entre Política e Economia, de maneira a compreender a forma como se estrutura a ligação entre esses dois campos na formulação de políticas econômicas governamentais e sua relação com o Mercado. A fim de compreender como a controvérsia entre intervencionistas e defensores do modelo pró-mercado impactou o desenvolvimento econômico brasileiro contemporâneo, decidimos verificar a visão que os dois partidos que governaram o país nas últimas duas décadas, PSDB e PT, têm do Estado na Economia. E, a partir daí, como essa percepção pode ter se traduzido nas políticas econômicas dos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010). Considerando essa premissa, procuramos investigar se houve continuidade ou mudanças na execução dessas políticas entre os dois governos. Para isso, analisaremos como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) foi utilizado como ferramenta para as

17 privatizações durante o mandato do presidente Fernando Henrique e como foi gerenciado como instrumento para investimentos públicos em infraestrutura, irrigação do crédito e formação de grandes grupos industriais nacionais durante a gestão do presidente Lula. Interessa-nos compreender de que maneira a utilização do banco pode revelar as principais diretrizes econômicas adotadas pelos governos tucano e petista sob o ponto de vista da relação Estado e mercado. Ou seja, como a gestão do banco pode estar associada à política econômica desses dois partidos e, possivelmente, ter correspondência com seus programas de governo. As diretrizes econômicas dos presidentes Fernando Henrique e Lula foram distintas ou apresentaram semelhanças? Será que a crítica do PT ao PSDB como partido que adotou políticas neoliberais levou a um governo oposto quando os petistas assumiram? Ou será que a política econômica do governo petista, tendo em vista a operacionalização do BNDES, só foi possível em virtude do legado deixado pela política econômica do governo tucano? Intervencionismo e liberalismo se inter-relacionam ou se contrapõem ao longo desses dois governos? Escolhemos esse tema pelo fato de que os governos do PSDB e do PT conduziram o país a partir da estabilidade econômica, possibilitada pelo Plano Real (1994), e por terem obtido conquistas econômicas e sociais que, segundo analistas e pela nossa avaliação, parecem ter melhorado a situação brasileira tanto no cenário interno quanto no mercado internacional2. Entre alguns dados que consideramos positivos estão o incremento do IED (Investimento Estrangeiro Direto) a partir da abertura comercial 3 ; a universalização de serviços, como o de telecomunicações; a emergência de uma nova classe média consumidora4; a obtenção de grau de investimento concedido pelas agências de classificação de risco 5 ; uma redução das

2 Ver como exemplos de análise positiva, Busch (2010) e Neri (2011). 3 O fluxo Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) chegou, em 2011, à cifra recorde de US$ 66,6 bilhões. Em 2010, último ano do governo Lula, o fluxo de IED já havia ultrapassado a casa dos US$ 50 bilhões, de acordo com análise da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica). Ver e levantamento da Sobeet, detalhado no capítulo 2. 4 Ver Neri (2011) e Busch (2010). 5 O primero grau de investimento foi concedido em maio de 2008 pela agência de classificação de Risco Standard and Poor´s. 18 desigualdades sociais6 e a consequente inclusão no acrônimo BRICs, criado pelo economista Jim O´Neill, do banco Goldman Sachs, para indicar o que seriam as novas potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China), o que potencializou a imagem do país. Evidentemente que, se possivelmente o país avançou em alguns campos, em outras frentes não conseguiu as melhorias necessárias e muito ainda há para ser feito, a exemplo das demandas por melhor infraestrutura, educação e mais crescimento7. Mesmo nos exemplos positivos citados acima é necessário ponderar que, apesar da universalização, os serviços precisam ganhar mais qualidade e ter menores preços, bem como a redução das desigualdades sociais ainda não foi capaz de colocar o país em uma posição de destaque no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)8. Mas o aprofundamento desses pontos iria muito além dos objetivos deste trabalho. Por hora, interessa-nos compreender este período histórico de 15 anos na vida político-econômica nacional e como a ação de dois partidos, em princípio antagônicos, à frente do governo central decantou nos rumos do país. É um período que, sobretudo, aguça nossa curiosidade intelectual. Embora o nosso período histórico seja de 1995 a 2010, o foco deste trabalho se dá sobre o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/1998) e o segundo mandato do presidente Lula (2007/2010), quando é possível observar, de fato, inflexões na política econômica desses dois governos e, consequentemente, na condução do BNDES. Embora necessariamente mencionemos dados e episódios relacionados ao período que vai de 1999 a 2006, o que inclui o segundo mandato tucano e o primeiro

6 De acordo com índice de Gini, em 1993 o resultado do Brasil fora de 0,602, após ter alcançado o pico de 0,634 em 1989. Na segunda metade da década de 1990, oscilou entre 0,592 e 0,600, até começar efetivamente a declinar a partir da primeira metade da década de 2000, chegando a 0,559 em 2007 e 0,530 em 2010 (GIAMBIAGI e BARROS, 2009, org., e FGV, 2011). O índice varia entre 0 e 1 e, quanto mais próximo de zero, menor o índice de desigualdade. Além disso, o país tirou 10 milhões de pessoas da pobreza extrema e, pela primeira vez, tem menos de 1% dos 49 milhões de domicílios existentes no país na classe E. Em 1998, a classe E reunia 13% dos domicílios, de acordo com estudo do IPC-Maps, feito pela IPC Marketing, consultoria especializada em avaliar o potencial de consumo do país (Estado de S. Paulo, 22/11/2012) 7 Para uma análise crítica sobre estágio atual do desenvolvimento econômico brasileiro, apesar do otimismo com o país, ver Pinheiro e Giambiagi (2012) 8 Em 2011, o Brasil passou do 85º para o 84º lugar no IDH, de acordo com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). De acordo com o levantamento, a alta desigualdade de renda brasileira é o que impede o país de alcançar melhores posições no índice (O Globo, 03/11/2011). 19 petista, não observamos, em nossa pesquisa, diferenças marcantes na administração da política econômica e do BNDES nesses oito anos. Avaliamos que a investigação das políticas econômicas dos governos do PSDB e do PT, tendo em vista o estudo de caso do BNDES, demanda, antes, um resumo da trajetória do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, do metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010) e da história dos dois partidos. Nascido em 18 de junho de 1931, no Rio de Janeiro, Fernando Henrique radicou-se em São Paulo, cidade em que fez carreira acadêmica como sociólogo na USP (Universidade de São Paulo). Estudioso de autores como Karl Marx e Max Weber, tem entre seus principais trabalhos o texto A Teoria da Dependência, escrito em parceria com Enzo Faletto, em 1969. O trabalho tem como base a hipótese de que o progresso dos países subdesenvolvidos mantém relação de dependência com os países industrializados. O objetivo do livro, segundo os autores, “é esclarecer alguns pontos controvertidos sobre as condições, possibilidades e formas do desenvolvimento econômico em países que mantêm relações de dependência com pólos hegemônicos do sistema capitalista”. (CARDOSO E FALETO, 1970, p.7). Fernando Henrique exilou-se durante a ditadura militar, participou da fundação do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e ministrou aulas em países como Chile e França. Deu início à sua carreira política em 1978, quando se candidatou ao Senado pelo MDB, partido de oposição ao regime militar. 9 Para essa campanha, Fernando Henrique teve o apoio de intelectuais e sindicatos, como o dos Metalúrgicos, cujo presidente era Lula. Tal apoio parecia demonstrar, em princípio, afinidades entre os dois líderes. Embora não tenha sido eleito, ganhou a suplência de Franco Montoro, de quem herdou o cargo em 1983, após a eleição de Montoro para o governo do Estado de São Paulo. Em 1984, foi um dos principais líderes do movimento das Diretas Já. Com a rejeição da emenda Dante de Oliveira, tornou-se um dos articuladores do Colégio Eleitoral que escolheria Tancredo Neves presidente da República. Em 1985, perdeu a eleição à prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros, período em que se envolveu em declarações polêmicas.

9 Ver a respeito Goertzel (2002) 20

Em 1986, foi reeleito senador, ao lado de Mário Covas. Dois anos mais tarde, em 25 de junho de 1988, durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, criou o PSDB junto com outros quadros do já então PMDB, a exemplo de Franco Montoro, José Serra e Mário Covas, numa postura crítica ao ex-partido. A maior parte dos fundadores tucanos integrava, até então, o chamado PMDB Histórico. De acordo com documentos oficiais do partido 10 , essas lideranças defendiam a adoção de um sistema partidário pluralista mais sólido, com agremiações organizadas em torno de projetos políticos. Para esses fundadores, o tempo da resistência à ditadura havia passado. O momento era de construir uma democracia moderna e estável. Para isso, era preciso fortalecer e atualizar a ação política em torno dos princípios que já se encontravam estabelecidos no programa peemedebista, rejeitar as adesões oportunistas e não mais tolerar que membros do partido agissem de forma contrária à ética e aos postulados partidários. O PSDB inspirou-se nos partidos da social-democracia europeia e postulava ser um partido de centro-esquerda, cuja ideologia defendia um Estado com papel regulatório, no limite do tamanho necessário, mas que também promovesse avanços sociais. Os negócios privados deveriam ser impulsionados visando ao avanço econômico do país, o qual, por sua vez, deveria buscar maior integração aos mercados internacionais. Durante a campanha presidencial de 1989, o então candidato Mário Covas resumiu essa visão ao afirmar, num discurso no Senado Federal, em 28/06/89, que o Brasil necessitava de um “choque de capitalismo”. Segundo escreveu o economista Gustavo Franco, presidente do Banco Central no primeiro mandato de Fernando Henrique (1997/1999):

Em 1989, o então candidato à Presidência, Mário Covas, fez um pronunciamento que poderia estar, seguramente, entre os melhores momentos do Parlamento. O conteúdo talvez não fosse tão consagrador, especialmente se analisado em vista o que se passou nos anos que se seguiram. Mas criou-se aí uma expressão perfeita, uma síntese bem mais ampla e poderosa do que era percebido até pelo autor: “O Brasil precisa de um choque de capitalismo”, ele disse, e nem foi preciso entender o resto do discurso (VEJA, 24/05/2000).

10 Disponível em . Último acesso em: 28/02/2013. 21

Para Gustavo Franco, portanto, a expressão de Mário Covas sintetizava o que era necessário para o país naquele momento. Por hipótese, podemos supor que o “choque de capitalismo” no Brasil foi efetivamente executado pelo PSDB a partir da eleição do presidente Fernando Henrique, em 1994, com as políticas de abertura comercial, privatizações de empresas estatais e quebras de monopólio, como da exploração do petróleo. A candidatura do tucano Fernando Henrique foi beneficiada, em boa medida, pela redução dos índices inflacionários por meio do Plano Real, conduzido por ele quando ministro da Fazendo no governo do presidente Itamar Franco (1993/1994). O plano derrubou a inflação entre o final de 1993 e ao longo de 1994, o que provocou um efeito imediato para a população. Os cidadãos de baixa renda obtiveram um ganho real expressivo com a estabilização, melhorando seu consumo alimentar (LAMOUNIER, 2005). Esse efeito foi primordial para a eleição de Fernando Henrique. Ao analisar as intenções de voto do eleitor brasileiro nas eleições ocorridas entre 1989 e 1994, Singer (2000) afirma:

A eleição de 1994 estaria, desse ponto de vista, confirmando no Brasil aquilo que já seria observado em outros países: o desempenho econômico do governo é decisivo para definição do voto. Se os resultados econômicos forem favoráveis, o governo tenderá a ganhar a eleição. Se forem negativos, a perdê-la. As altas taxas de aprovação ao real (cerca de 75% às vésperas da eleição) teriam, assim, determinado a vitória do candidato do governo, Fernando Henrique Cardoso (SINGER, 2000, p.101).11

Dessa forma, prevaleceram na escolha do eleitorado em 1994 os benefícios que vinham sendo propiciados pelo Real com a derrubada da inflação, os quais foram capitalizados por Fernando Henrique como ministro da Fazenda. Embora não seja nosso objetivo desenvolver as motivações do voto nas eleições presidenciais, avaliamos que o resultado do pleito de 1994 pode ser encaixado na definição de rational choice eleitoral, de acordo com a teoria de Downs (1957), segundo a qual o eleitor faz escolhas que o beneficiarão pessoalmente, baseadas em fatos do presente que já o impactam

11 É ampla a bibliografia que explica a influência do Plano Real nas eleições de 94. Na nossa pesquisa, consultamos também Almeida (1998), Jorge (1995), Mendes e Venturi (1994) e Meneguello (1995). 22 positivamente. “Therefore, we believe it is more rational for him to ground his voting decision on current events than purely in future ones” (DOWNS, 1957, p.40). Assim, o eleitor preferiu a realidade da estabilidade econômica proporcionada pelo candidato do PSDB a promessas do PT. Em linhas gerais, entre os principais pontos de seu primeiro mandato, além da estabilidade, estão as privatizações, a abertura econômica, reformas da Constituição e renegociação da dívida dos Estados. Reeleito em 1998, após aprovar a emenda da reeleição na Câmara, Fernando Henrique teve que enfrentar no segundo mandato a desvalorização do Real provocada pela crise econômica asiática. Os novos rumos da política econômica estabeleceram o câmbio flutuante, em substituição à âncora cambial do primeiro mandato, a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e o superávit primário para fortalecer as contas do governo. Em razão de sua política econômica, o governo do presidente Fernando Henrique foi taxado pelos críticos como neoliberal, pois teria levado ao desmonte do Estado brasileiro12. Já Luiz Inácio Lula da Silva nasceu em 27 de outubro de 1945, em Garanhuns, no sertão do Nordeste brasileiro. Mudou-se para São Paulo na década de 1950 e começou a trabalhar como torneiro mecânico na década de 1960, após um curso no Senai (Serviço Nacional da Indústria). No final da década, passou a ocupar um cargo na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, para onde se mudara13. O torneiro mecânico começou a ter sua inserção na vida política nacional ao assumir a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em 1975, e liderar greves entre 1978 e início da década de 1980. Em 1980, com a redemocratização, liderou a criação do Partido dos Trabalhadores ao lado de artistas, intelectuais, setores da Igreja Católica e com o novo sindicalismo que nascia no ABC paulista. “Grosso modo, tais grupos compreendiam parte do operariado ligado ao parque industrial mais moderno, uma ampla gama de categorias de trabalhadores urbanos e boa parte do

12 Além de Lamounier (2005), ver Instituto Fernando Henrique Cardoso, disponível em . Último acesso em 28/02/2013. 13 Ver a respeito Meneguello (1989) e Singer (2001).

23 conjunto dos novos movimentos sociais e setores da intelectualidade” (MENEGUELLO, 1989, p.42). De acordo com a autora, o partido aproveitou o vácuo na esquerda brasileira criado nos anos de repressão militar ao defender as causas sociais, o socialismo democrático e condições justas para os assalariados. O PT surgiu também da necessidade de intervir na vida social e política do país para favorecer os trabalhadores assalariados, promover a distribuição de renda e as reformas no sistema econômico brasileiro para a inclusão dos menos favorecidos. Afirmou seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente pelas massas. Nesse sentido, afirma que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas e suas lutas, visto que:

O PT (...) parece traduzir uma importante transformação no sistema político e social da nação: a mudança do papel político dos setores mais modernizados da classe trabalhadora que, articulados em torno da luta pela conquista plena dos seus direitos sociais e políticos, deslocaram seu âmbito de ação do restrito universo das relações corporativas de trabalho para o universo político-institucional pluripartidário (Idem, 1989, p.15).

Dessa maneira, a análise de Meneguello aponta que o Partido dos Trabalhadores parece refletir a mudança do papel político dos setores mais modernizados da classe trabalhadora, que deslocam seu âmbito de ação do universo das relações de trabalho para o universo político-pluripartidário. De acordo com documentos oficiais 14 , o PT se afirmava como anticapitalista e crítico da social-democracia, por entender que o capitalismo aprofundava as bases reais da desigualdade social no Brasil. Por isso mesmo, os documentos constitutivos do PT – Manifesto e Programa de Fundação – já advogavam a superação do capitalismo como indispensável à plena democratização da vida brasileira. Em 1981, Lula foi preso durante 20 dias no antigo Dops em decorrência de sua atividade sindical e política. O petista também teve participação intensa na Campanha das Diretas, em 1984, ao lado de Fernando Henrique e outras lideranças políticas. Dois anos mais tarde, em 1986, foi eleito deputado federal ao conquistar a maior votação para o cargo já registrada no país.

14 Disponível em: . Último acesso em: 28/02/2013. 24

Em seguida à Câmara Federal, ao mesmo tempo em que estruturava o PT, Lula concorreu à Presidência da República, em 1989, dividindo os votos da esquerda com Leonel Brizola (PDT) e Roberto Freire (PPS). No segundo turno, no embate contra (PRN), os estigmas de Lula que já vinham preocupando parte dos eleitores, como o de que seria comunista, de que criaria tumultos e de que faria um confisco do dinheiro das pessoas em nome do coletivo, foram amplamente utilizados pelo seu adversário Fernando Collor, cuja candidatura recebeu apoio de setores da Imprensa15. Derrotado nas eleições, Lula chegou a propor a organização de um governo paralelo a fim de fiscalizar as ações do adversário no Palácio do Planalto. Dois anos depois, participou do processo de impeachment do presidente Fernando Collor, juntamente com outros líderes políticos. Em 1994, o petista concorreu pela segunda vez à Presidência e iniciou a campanha como favorito. Mas assim que o Plano Real ganhou força, o candidato governista Fernando Henrique superou a oposição e venceu no primeiro turno. Durante a campanha, Lula também encampou a visão dos economistas do PT, Maria da Conceição Tavares e Aloizio Mercadante, que apostavam no fracasso do Plano Real16. Durante o governo do presidente Fernando Henrique, Lula e o PT fizeram oposição às reformas do Estado e da economia propostas pelo tucano, como nos episódios da quebra de monopólios estatais, das privatizações e na votação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 1998, o petista tentou novamente a Presidência, ressaltando a ameaça de que o Brasil seria atingido pela crise financeira que chegara aos mercados asiáticos, o que só aconteceria após a reeleição de Fernando Henrique. Para a campanha de 2002, Lula passou por uma mudança de imagem, a fim de enfrentar dois atributos associados a ele e que comprometiam seu desempenho eleitoral: a radicalidade e o despreparo para governar, sendo esse último estigma reforçado pela falta de diploma universitário do candidato (RUBIM, 2004).

15 Ver Fonseca (2005) 16 Ver Kotscho (2006) 25

Um destes enfrentamentos foi fartamente anotado no período eleitoral. A fórmula “Lulinha paz e amor” expressou com precisão e sintetizou este empreendimento. A moderação da política do Partido dos Trabalhadores e da imagem de Lula foi, em verdade, um processo longamente formulado e construído, em termos políticos e de mídia, nos últimos anos pelo grupo hegemônico no PT e não algo meramente eleitoral ou mesmo alguma invenção genial de marketing de Duda Mendonça. A política governou claramente esta conversão eleitoral midiática. Tal reformatação da política petista e da imagem pública de Lula (...) obscureceu um outro deslocamento fundamental também estrategicamente elaborado e efetivado na imagem pública de Lula: a construção da imagem pública do Lula negociador (RUBIM, 2004, p.24) .

Com efeito, para reverter as avaliações negativas referentes a Lula, sua campanha retratou a moderação política do candidato petista e de seu partido, simbolizada pela expressão Lulinha paz e amor. Ao mesmo tempo, construiu a imagem de candidato capaz de negociar os temas de importância para o país. Como parte desse esforço para transmitir uma postura moderada, escolheu para vice-presidente o empresário mineiro e senador José de Alencar, o que avaliamos representar a união do Trabalho e Capital em uma mesma chapa. Em junho de 2002, no auge da especulação financeira que atingia o país, lançou a Carta ao Povo Brasileiro, pela qual se comprometia a manter os contratos e fundamentos da economia se eleito. Lula ganhou a eleição daquele ano e realizou seu primeiro mandato entre 2003 e 2006. Quando tomou posse pela primeira vez, Lula implantou uma política econômica restritiva, com o objetivo de reverter problemas econômicos, como alta da inflação e desconfiança dos mercados. Para essa tarefa escolheu como ministro da Fazenda o ex-prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Palocci, e, como presidente do Banco Central, o banqueiro 17 . Em janeiro de 2003, criou o bordão herança maldita, como forma de criticar o quadro econômico que recebera do governo anterior. Apesar das críticas à política econômica anterior, o governo petista manteve inalterados os fundamentos econômicos, aprofundando essas diretrizes, como a elevação da meta de superávit primário a 4,25% e das taxas de juros. “Uma vez guindados ao poder em 2002, Lula e a cúpula do PT deixaram evidente que iriam manter e até aprofundar a política dita ‘ortodoxa’ do governo Fernando Henrique”, comenta Lamounier (2005, p.220), ao

17 Ver Carvalho (2004) 26 ressaltar que essa estratégia visava a acalmar mercado e os investidores quanto aos rumos do governo petista. Ao manter uma política econômica semelhante à do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, Lula sofreu críticas de que teria aderido ao chamado neoliberalismo, traindo seus princípios de esquerda18. Na campanha de 2006, um dos principais fatores que levou Lula a obter a reeleição foi ele ter capitalizado junto às classes sociais emergentes os avanços econômicos do país, de acordo com Singer (2009). Isso reverteu, nessa fatia do eleitorado, o impacto negativo do episódio que ficou conhecido como mensalão, em que o governo foi acusado de compra de votos no Congresso para matérias de seu interesse. A campanha do PT também atacou o candidato adversário do PSDB, o ex-governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, afirmando que ele iria privatizar bancos estatais e a Petrobras, o que causou prejuízos à sua campanha. A partir de 2006, a configuração do Ministério do presidente Lula foi modificada. O petista nomeou o economista e então presidente do BNDES, , como ministro da Fazenda em substituição a Antônio Palocci – que saiu do governo após envolvimento no episódio da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Silva - e a então ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, como titular na Casa Civil no lugar do deputado federal José Dirceu, cassado no Congresso em função do mensalão. A nomeação de Mantega e de Dilma, ambos identificados com a corrente de economistas desenvolvimentistas, de certa forma simbolizam uma guinada que o governo petista parece ter dado em seu segundo mandato (2007/2010), em favor de um Estado indutor da economia. O ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique, , sintetizou da seguinte forma o que seriam alterações nos rumos do governo do presidente Lula, em artigo publicado por ocasião da posse da presidente eleita Dilma Rousseff, em 2011:

18 Sobre uma visão crítica da manutenção das políticas econômicas do governo Fernando Henrique pelo governo Lula, ver Carcanholo (2010). 27

Desejo boa sorte à nossa presidente ao lidar com a voracidade de sua “base de sustentação política” (...) à luz das expectativas geradas desde o início de 2006, quando teria ocorrido uma inflexão “histórica” na direção do “novo desenvolvimentismo”. O que um importante ministro de Estado à época (hoje governador) chamou publicamente de o “fim da era Palocci na economia” (...) o fato é que essa é a visão de parte importante do seu partido, que acha que a atual presidente recebeu das urnas um mandato para dar continuidade à política econômica pós-2006 na área fiscal e no papel de um “Estado provedor redefinido” (Estado de São Paulo, 09/01/11).

Portanto, para o economista Pedro Malan, no segundo mandato do presidente Lula, após a saída de Antônio Palocci, observou-se um crescente papel do Estado na economia, como resultado da visão de setores do PT de que o Estado deve ter um papel provedor, com menor rigor fiscal. Nesse contraponto entre intervencionistas e liberais/ortodoxos, procuramos relacionar a operacionalidade do BNDES, nosso objeto de pesquisa, às percepções do papel do Estado na economia pelo PSDB e PT. A criação do BNDES, em 1952, possui correspondência com o advento dos bancos de desenvolvimento, em âmbito mundial, no início do Século XX. Essas instituições tiveram como objetivo acelerar a industrialização em países cujo processo estava em fase inicial ou intermediária, combater os efeitos da Grande Depressão de 1929, reconstruir economias nos pós-guerras mundiais e fornecer crédito para pequenas e médias empresas industriais. Do ano de sua criação até a década de 1980, o BNDES teve como função financiar a industrialização no Brasil, com base em investimentos estatais, apoiados por recursos estrangeiros. A partir do final dessa década e ao longo da década de 1990, o banco mudou seu perfil de atuação e passou a financiar as privatizações brasileiras, inserido em uma política macroeconômica que modificava o processo produtivo brasileiro, ao transferi-lo majoritariamente do Estado para a iniciativa privada, incumbida de guiar o desenvolvimento nacional (HERMANN, 2010, e DINIZ, 2004). Embora entre a década de 1950 e 1980 o banco tenha se dedicado a políticas desenvolvimentistas em favor da indústria nacional, Diniz (2004) subdivide esse período em quatro fases:

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a) Entre 1952 e 1964, quando a atuação do banco esteve voltada exclusivamente para o setor público, principalmente às áreas do aço e eletricidade; b) Entre 1964 e 1970, período em que apoia o setor público e financia estatais, mas já direciona uma parcela de seus desembolsos à iniciativa privada. c) De 1970 a 1979, fase em que o banco financiou os grandes projetos da indústria privada nacional, estimulada por planos estatais de desenvolvimento, como o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) d) Entre 1980 e 1989, período em que o banco, inicialmente, assume empresas privadas para evitar a falência dessas companhias e, ao final da década, opera um processo de reprivatização dessas empresas, que estavam endividadas com o BNDES e sem condições de cumprir seus débitos.

Ao longo desses quase 40 anos, portanto, o BNDES atuou para superar os gargalos da industrialização no Brasil, financiou o processo de aceleração da industrialização - principalmente durante a década de 1970 -, assumiu empresas endividadas e, depois, realizou as primeiras privatizações, aproximando-se do perfil dos bancos privados. Ao final da década de 1980, o “banco passou a agir com a lógica que caracteriza a eficiência do retorno dos investimentos (bank business); ou seja, o futuro empreendimento passou a ser avaliado pela capacidade de retorno do empréstimo e não pela sua importância na lógica do desenvolvimento nacional” (DINIZ, 2004, p.2). Essa modificação no perfil do BNDES, ao executar as primeiras privatizações ainda no governo do presidente José Sarney (1985/1989), daria à instituição o expertise para ser escolhido como gestor do PND (Programa Nacional de Desestatização), iniciado no governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990/1992) e aprofundado ao longo do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/1998). Dessa forma, no Capítulo 1 trataremos sobre o debate teórico entre defensores do modelo Nacional-Desenvolvimentista e os que preconizam o

29 padrão de abertura econômica e privatizações. Em seguida, abordaremos os programas partidários do PT e do PSDB para as eleições de 1989, 1994 e 2002, a fim de verificar as intenções dessas legendas na eventualidade de assumirem o governo central, principalmente sob a ótica do papel do Estado na Economia. Numa terceira etapa, procuraremos detalhar melhor as principais realizações no campo da economia dos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula. Procuraremos mostrar o cenário criado a partir do advento do Plano Real, que deu condições políticas ao governo tucano de efetivar as reformas que desejava para o Brasil. Em seguida, desenvolveremos a ideia de que o governo petista teve uma ação estatal mais pró-ativa, no seu segundo mandato, em virtude da melhoria das contas públicas. No Capítulo 2 faremos um recorte sobre o processo que levou às privatizações no Brasil e que teve o BNDES como gestor do PND. Assumimos o pressuposto de que as privatizações e a abertura comercial ganharam sustentação a partir do argumento de que o Estado não possuía mais condições de conduzir o desenvolvimento nacional, assim como o modelo de Substituição de Importações havia chegado ao seu limite. Trataremos como o BNDES foi utilizado como ferramenta essencial para executar a transferência do segmento industrial estatal para a iniciativa privada. No Capítulo 3 buscaremos mostrar o processo de retomada das diretrizes desenvolvimentistas no segundo mandato petista (2007/2010), tendo como argumento o fato de que essa ação estatal foi decorrência da consolidação da estabilidade econômica e da melhoria das contas públicas. Nesse sentido, mostraremos como o BNDES tem sido utilizado, desde então – visto que a presidente Dilma Rousseff deu continuidade a essas políticas -, como instrumento para o governo federal executar medidas de cunho desenvolvimentista. As principais referências teóricas deste trabalho são os economistas Gustavo Franco, Luiz Gonzaga Belluzzo, Armando Castelar Pinheiro, Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além, cujas relevâncias serão explicadas ao longo dos capítulos. As fontes de pesquisa deste estudo serão, primeiramente, a bibliografia referente ao tema proposto, por trazer tanto a conceituação teórica das vertentes ideológicas estudadas, como informações e análises detalhadas

30 sobre os períodos de governo investigados neste trabalho, e os sites oficiais de ministérios, bancos oficiais e Institutos Econômicos (BNDES, Banco Central, IPEA e IBGE), por divulgarem números consolidados e textos relacionados às análises desta pesquisa. A segunda fonte são os documentos partidários que demonstram, em princípio, as intenções dos partidos em relação à administração do governo central. Entre esses documentos, estão os programas econômicos do PSDB e do PT de 1988, 1989, 1994 e 2002. A terceira fonte de pesquisa são os meios de comunicação, especialmente os jornais Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Valor Econômico. Eventualmente, outros jornais, revistas e sites de notícias são mobilizados nesta investigação. Esses meios servem para a obtenção de informações factuais referentes às políticas públicas e períodos englobados por este trabalho. Entendemos que os meios de comunicação exercem importante papel como fonte de pesquisa por servirem como caixa de ressonância da sociedade e por ser a forma como a opinião pública toma contato mais imediato com os fatos diários que atingem seu cotidiano, registrando o próprio decorrer da História a cada dia. No prefácio à obra de Fonseca (2005), cuja tese de doutorado foi uma análise crítica da agenda liberal nos periódicos brasileiros em fins da década de 1980 e início da de 1990, é destacada a importância atual dos jornais como instrumento de análise da realidade os pesquisadores. Miguel Chaia e Vera Chaia (2000) também demonstram a importância da mídia sobre a formação da opinião pública em relação aos temas políticos e econômicos. Nossa quarta fonte de pesquisa são entrevistas realizadas com os economistas Gustavo Franco, Ana Cláudia Além e João Furtado, os três com participação em órgãos federais (o primeiro no Banco Central e o dois últimos como assessores da presidência do BNDES) e com reconhecida atividade acadêmica.

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Capítulo 1 O Modelo de Estado Nacional: Desenvolvimentista ou pró-forças do mercado?

O modelo de desenvolvimento a ser adotado no país, com maior intervenção econômica do Estado, ou baseado nas forças do mercado19, nos parece um dos principais pontos nos embates político-econômicos entre o PT e o PSDB, como veremos ao longo deste capítulo. Assim, neste capítulo interessa-nos encontrar bases teóricas ou, ao menos, orientações intelectuais sobre a visão desses partidos a respeito do papel do Estado na economia que sustentem a forma como os governos dos presidentes tucano Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) e petista Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010) utilizaram o BNDES como ferramenta para suas políticas econômicas. Para isso, optamos por analisar textos de economistas brasileiros que influenciaram diretamente a política econômica formulada nesses períodos, ou que tenham apoiado um dos projetos. Também abordaremos pronunciamentos dos presidentes Fernando Henrique e Lula. Em seguida, analisaremos os programas partidários com o objetivo de colhermos as visões do PT e do PSDB sobre a relação Estado-Mercado. Nosso objetivo aqui não é esgotar ou aprofundar ao limite os debates sobre desenvolvimentismo e liberalização econômica no Brasil, mas tão somente encontrar diretrizes intelectuais que possam iluminar a compreensão sobre como agiram os governos tucano e petista na condução do BNDES vis- à-vis suas políticas econômicas. Por fim faremos uma breve abordagem dos governos Fernando Henrique e Lula.

19 Optamos por não caracterizar o modelo tucano como liberal ou neoliberal porque, em nossa pesquisa, os próprios dirigentes do PSDB nunca se caracterizaram como liberais strictu sensu, enquanto o segundo termo foi utilizado de maneira pejorativa pelos críticos à política de abertura e privatizações do governo tucano (1995/2002). No dia 04/11/2012, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique parafraseia artigo do cientista político Carlos Mello, publicado dias antes no mesmo jornal, para afirmar que o PSDB era “liberal na economia, social-democrata nas políticas públicas, progressista nos costumes (...) (com) Estado atuante nas agências reguladoras e capaz de preservar instituições-chave para o desenvolvimento, como a Petrobrás e os bancos públicos, sem chafurdar no clientelismo e na confusão entre público e privado”. Face a essa afirmação, e pelo que veremos neste capítulo, tivemos dificuldade em conceituar o modelo de Estado Nacional tucano como liberal ipsis literis. 32

Para analisar essas controvérsias, escolhemos textos dos economistas Gustavo Franco, Luiz Gonzaga Belluzzo e Andreas Novy. A opção pelo artigo de Gustavo Franco, intitulado “A inserção externa e o desenvolvimento” (1998)20, se deu pelo fato de o autor ter sido presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique (1997/1999) e um dos principais formuladores da política econômica do primeiro mandato tucano (1995/1998). Franco defendeu que o modelo econômico brasileiro passasse do Nacional- Desenvolvimentismo para abertura comercial e as privatizações. A importância do texto cresce por ele ter servido como documento interno da equipe econômica do presidente Fernando Henrique21. No trabalho, poderemos encontrar indicações sobre a opção pró- mercado do primeiro governo tucano e por que o BNDES será utilizado como ferramenta para transferir à iniciativa privada parcelas da produção industrial que se encontravam em poder do Estado. Já o artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo foi escolhido em virtude de o autor, que é professor da Unicamp (Universidade de Campinas), ser um dos principais representantes da ala desenvolvimentista no Brasil e por ter sido conselheiro econômico informal do presidente Lula 22 , especialmente no segundo mandato (2007/2010). Ao contrário de Gustavo Franco, Belluzzo defende as políticas de Estado como chave para o desenvolvimento nacional e critica a liberalização econômica realizada pelos presidentes Fernando Collor de Mello (1990/1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995/2002). O economista também atuou na equipe econômica do então presidente José Sarney (1985/1989), como secretário de Política Econômica, entre 1985/198723. Em “Um novo Estado desenvolvimentista” (Le Monde Diplomatique, out. 2009), o autor defende as ações estatais visando ao crescimento do país,

20 Este trabalho foi escrito em junho de 1996, pelo então diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, Gustavo Franco. Circulou, em parte, pelos jornais, tendo sido objeto de ampla discussão. Em agosto de 1997, Franco tornou-se presidente do Banco Central. Em 1998, A Revista de Economia Política publicou a íntegra do artigo como Documento. 21 Essa informação consta da introdução do livro Desafio brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda (FRANCO, 2000). 22 Informação presente em artigo do jornalista Kennedy Alencar, na Folha de SP On Line (05 set. 2007) . Último acesso em 28/02/2013. 23 Para mais detalhes sobre essa participação de Luiz Gonzaga Belluzzo no governo do presidente José Sarney (1985/1989) ver Leitão (2011). 33 como o retorno da atuação desenvolvimentista de agências públicas, a exemplo do BNDES, que fortaleçam o papel do Estado. Tal contraponto entre Gustavo Franco e Luiz Gonzaga Belluzzo nos possibilitou um embate entre as ideias de dois economistas situados em campos opostos do debate econômico e que foram representantes qualificados da visão econômica do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique e do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, períodos chaves deste trabalho. O terceiro artigo, “Política e economia, outra vez articuladas”, de Andreas Novy (Le Monde Diplomatique, out. 2009), defende o que seria, para o autor, a retomada do projeto desenvolvimentista na América Latina na década de 2000. No Brasil, o retorno desse processo teria ocorrido a partir do segundo mandato do presidente Lula. Andreas Novy é professor do Instituto de Economia Regional e Economia do Meio Ambiente, na Universidade de Administração e Economia de Viena, Áustria. Desenvolveu trabalhos acadêmicos para a América Latina junto ao Mercosul e, assim como Luiz Gonzaga Belluzzo, defende a intervenção do Estado na economia. Os artigos de Belluzzo e de Novy foram selecionados, também, por terem sido publicados na reportagem especial Pós-neoliberalismo, no jornal Le Monde Diplomatique (out. 2009), veículo assumidamente de esquerda. Os dois textos, com efeito, são contrapontos diretos ao ideário liberalizante da década de 1990. O artigo de Gustavo Franco procura realizar uma ruptura teórica com o modelo do Nacional-Desenvolvimentismo, que vigorara entre 1950 e a década de 1980, de acordo com período recortado pelo programa do PSDB de 1994, como veremos abaixo. O texto do economista afirma que esse modelo está na origem da desigualdade socioeconômica brasileira, pois o fechamento do mercado provocou ausência de concorrência, estagnação da produtividade industrial brasileira, redução dos salários e concentração de renda nas mãos de grandes empresários. Essa concentração foi resultado da concessão de grandes subsídios federais ao empresariado nacional, tendo como fonte de capital os impostos do cidadão comum.

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Com efeito, o protecionismo e os subsídios estatais disseminaram um espírito de acomodação dos empresários brasileiros, que não sofriam pressão de concorrência estrangeira e tinham acesso aos recursos estatais nos períodos de dificuldade, como do BNDES. Simultaneamente, compara o autor, enquanto o protecionismo e a instabilidade econômica no Brasil afugentavam o investimento estrangeiro, países como México e Argentina aproveitavam o fluxo de recursos externos ao abrir suas economias.

A perda de importância do Brasil no cenário global do investimento internacional ao longo da década de 80 é muito significativa (...) O desempenho excepcional de alguns países como a Espanha, em parte explicado pelo avanço na integração européia (...), e a China, em parte explicado pelo crescimento do investimento direto em diversas economias emergentes da Ásia pode servir como explicação para a perda de posição do Brasil. Não obstante, a mensagem é clara: o Brasil perdeu valiosas oportunidades nos anos 80, mercê de fatores internos, num período em que o investimento direto internacional experimentava um boom sem precedente (FRANCO, 1998, p.125).

Dessa forma, seguindo o raciocínio do autor, vemos que a Tabela 1.1 aponta o Brasil em sexto lugar, em 1980, no ranking dos principais países receptores de Investimento Estrangeiro Direto (IED), e em décimo quarto no ano de 1994. A Espanha aparece em décimo sexto lugar em 1980 e em quarto lugar em 1994. Na avaliação de Franco, o país ibérico foi favorecido pela União Europeia, que gerou um “extraordinário crescimento do investimento direto intra-europeu” (FRANCO, 1998, p.125). A tabela mostra também que a China não aparecia na lista dos 25 principais países receptores de IED em 1980, enquanto no ano de 1994 esse país asiático aparece na sétima posição, aproveitando, em parte, o crescimento do IED para diversas economias emergentes da Ásia, de acordo com o autor.

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Tabela 1.1

Estoques de capital estrangeiro em diferentes países, 1980 e 1994 (US$ bilhões e como % do PIB) 1980 1994 Ranking País Valor País Valor 1 EUA 83.0 EUA 504.4 2 Canadá 54.2 França 142.1 3 Alemanha 36.6 Alemanha 132.4 4 França 22.6 Espanha 113.3 5 Holanda 19.2 Canadá 105.6 6 Brasil 17.5 Austrália 91.1 7 Austrália 13.2 China 91.0 8 Indonésia 10.3 Holanda 89.7 9 México 9.0 Bélgica 74.0 10 Itália 8.9 Itália 60.3 11 Suíça 8.5 Cingapura 58.7 12 Bélgica 7.3 Indonésia 47.1 13 Cingapura 6.2 México 46.3 14 Malásia 6.1 Brasil 41.9 15 Argentina 5.3 Suíça 38.8 16 Espanha 5.1 Argentina 22.9 17 Japão 3.2 Hong Kong 19.7 18 Formosa 2.4 Japão 17.8 19 Nova Zelândia 2.3 Nova Zelândia 17.6 20 Hong Kong 1.7 Formosa 14.1 21 Filipinas 1.2 Coreia do Sul 12.0 22 Irã 1.2 Rep. Tcheca 6.8 23 Coreia do Sul 1.1 Hungria 4.4 24 Índia 1.1 Rússia 3.6 25 Polônia 2.3 Fonte: UNCTAD (1995) in FRANCO (1998, p.126)

A tabela 1.2, por sua vez, detalha a posição relativa dos principais países latino-americanos, observando a participação do Brasil nos fluxos de investimento direto. O Brasil tem sua participação nesses fluxos reduzida de aproximadamente 5,2% em média, no período 1976/1980, para menos de 1% em 1991/1992. “México e Argentina atraem para si esses investimentos, de modo a manter a participação da América Latina nos fluxos totais mais ou menos estável”, comenta Franco (1998, p.125). Assim, na avaliação do economista, a abertura da economia por esses países assegurou um fluxo de IED relativamente estável ao continente, apesar das perdas registradas pelo Brasil.

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Tabela 1.2

Brasil e principais países latino-americanos: participações no fluxo de investimento direto total, 1976-1992 (%) 1977-80 1981-85 1986-90 1991-92 Argentina 0.72 0.98 0.58 2.11 Brasil 5.18 3.31 1.51 0.91 Chile 0.40 0.60 0.51 0.62 México 1.86 2.49 2.06 4.07 Total 8.26 7.38 4.65 7.72 Fonte: Bielschowski e Stumpo, in Franco (1998, p.126)

Para Franco, ao manter seu mercado fechado, o Brasil perdeu a oportunidade de receber investimentos diretos estrangeiros, ao contrário do que ocorreu em outros países latino-americanos, que abriram suas economias. E por que isso ocorreu?

A perda de posição do Brasil no contexto do investimento direto internacional tem que ver com instabilidade macroeconômica interna e também a continuidade de políticas industrial e comercial inconsistentes com as tendências internacionais. Sem dúvida, o atraso para pegar o bonde da globalização se deve ao viés pró- mercado interno (pró-substituição de importações) das políticas locais, cuja ênfase esteve sempre associada à noção de auto- suficiência e à constituição de superávits comerciais. Deve ser evidente que, em tempos de globalização, o investimento direto não pode ser constrangido a níveis elevados de integração, vale dizer, a níveis baixos de importação, como foi a norma dos anos 50 e 60 no Brasil (Idem, 1998, p.125).

Pelo raciocínio do economista, a perda de posições do Brasil no ranking de Investimentos Estrangeiros Diretos deveu-se à instabilidade macroeconômica, às políticas voltadas ao mercado interno, à noção de autossuficiência e à busca de superávits comerciais. Com efeito, o texto defende a abertura do mercado brasileiro e as privatizações como expedientes para aumentar a produtividade, melhorar salários, reduzir preços e elevar o faturamento das empresas. Relacionando essas diretrizes ao nosso objeto de pesquisa, veremos que o BNDES será utilizado como gestor das privatizações, que terá como um dos principais objetivos a atração de capital externo para compra das estatais24. Assim, ao analisar os efeitos gerados pela abertura comercial no Brasil, a partir de 1989, Gustavo Franco afirma que esse processo levou ao aumento

24 Ver Capítulo 2 37 da produtividade e dos salários nas empresas, revertendo os efeitos da SI, que foram a redução da produtividade e a concentração de renda.

Para demonstrar que a SI leva à concentração de renda é preciso demonstrar que ela leva necessariamente à estagnação da taxa de crescimento da produtividade. Nessas condições, um projeto conseqüente (portanto, livre de charlatanismo populista) de crescimento com redução da pobreza e da concentração de renda, haverá de ter como elemento central a aceleração da taxa de crescimento da produtividade, o que, necessariamente, haverá de ter lugar com a superação da SI e aprofundamento do processo de abertura. Na verdade, o comportamento da produtividade depois de 1990, como será visto adiante, apóia amplamente essa hipótese (Idem, 1998, p.127).

Na tabela 1.3, são comparados os níveis de produtividade antes e após 1989, tendo como base números fornecidos pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Os dados mostram um “contraste extraordinário entre as taxas de crescimento da produtividade nos períodos anterior e posterior ao início do processo de abertura” (Idem, 1998, p.129), com expansão da produção de 6,6% anuais entre 1989 e 1994.

Tabela 1.3 Índices de produtividade do trabalho na indústria manufatureira (1989=100) Setores/anos 1980 1989 1994 Produtos metálicos 92 100 172 Equipamentos e bens duráveis* 89 100 144 Material de Transporte 109 100 160 Subtotal 93 100 151 Setores de insumos básicos 92 100 158 Setores tradicionais # 99 100 130 Alimentos e bebidas 93 100 136 Total 96 100 138 Fonte: Fiesp. *Exceto material de transporte. #Exceto alimentos e bebidas. Fonte: Bielschowski & Stumpo (1996) in Franco (1998, p.130).

De acordo com os dados acima, o impacto da abertura comercial no parque industrial brasileiro mostra que:

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A manutenção de altas taxas de crescimento da produtividade representa uma extraordinária novidade no tocante às características básicas do crescimento econômico brasileiro. O contraste com a nossa experiência anterior se estabelece em pelo menos três níveis: (i) a indução ao crescimento é pelo lado da oferta, ao passo que anteriormente o crescimento era essencialmente “keynesiano”, ou seja, movido predominantemente pelo investimento público e pela crença da escassez de capital como limitação básica ao crescimento”; (ii) a indução tem conseqüências redistributivas, pois parte do crescimento de produtividade é apropriado pelos salários, ao contrário da experiência anterior cuja base era a noção de “poupança forçada”, seja produzida pela inflação seja pelos grandes fundos compulsórios como o FGTS, PIS-PASEP etc.; e (iii) a indução tem viés deflacionista, pois o repasse pode beneficiar o consumidor se a maior eficiência é repassada aos preços e se a manutenção da competição estrangeira impede o uso das margens de lucro para a geração de lucros extraordinários, retidos para fins de investimento (Idem, 1998, p.130).

Para Franco, portanto, a abertura comercial levou à melhoria da produtividade industrial e demarcou três diferenças fundamentais em relação ao período anterior: 1) indução da oferta pelo lado do crescimento; 2) indução essa que produz redistribuição de renda via salários e que 3) possui viés deflacionista, gerando novos investimentos com os lucros obtidos pelas empresas, ao invés de mais geração de lucro sobre lucro. Dessa maneira, o economista defende que a “abertura é a base para a construção de um modelo de crescimento, para os próximos anos, que permita que o Brasil dê um salto qualitativo e consequente em termos de padrões de vida para sua população” (Idem,1998, p.131). Ou seja, a concorrência, o aumento de produtividade e a distribuição salarial resultante desse incremento, o acesso a bens importados, a redução da inflação e os investimentos decorrentes da abertura comercial vão gerar melhores padrões de vida para a população brasileira. Com efeito, no governo tucano o Estado buscará ampliar as condições para as forças do mercado atuarem, a fim de produzir o cenário favorável proposto pelo economista. Devido aos altos investimentos necessários para a aquisição do parque produtivo estatal, o governo do PSDB defenderá que o BNDES funcione como fonte financiadora das empresas que comprarem as estatais, durante as privatizações, como veremos no Capítulo 2. Em contraponto à tese da liberalização econômica, o texto de Luiz Gonzaga Belluzzo (2009) ressalta o que seria a retomada, pelo governo do presidente Lula, do modelo Nacional-Desenvolvimentista iniciado com Getúlio

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Vargas (1930 a 1945/1951 a 1954), aprofundado pelo presidente Juscelino Kubistchek (1956/1961), mantido no regime militar (1964/1985) e substituído nos governos dos presidentes Fernando Collor (1990/1992) e Fernando Henrique (1995/2002) pelo modelo de abertura do mercado e privatizações, na cronologia proposta pelo autor. Em 2009, ano de publicação do artigo de Belluzzo, o presidente Lula estava em seu segundo mandato e o governo havia intensificado sua atuação sobre a economia, até para tentar reverter os efeitos da crise financeira internacional, que eclodiu em setembro de 2008. Como veremos no Capítulo 3, o BNDES será utilizado pelo governo petista em políticas desenvolvimentistas e na formação de grandes grupos nacionais, as denominadas empresas campeãs. A utilização da agência de fomento, principalmente a partir de 2007, terá uma embocadura, portanto, diferente da que teve no governo tucano. Para tentar reverter os efeitos da crise, o governo adotou medidas como aumento do crédito fornecido pelos bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES), como veremos no capítulo 3; redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na venda de automóveis e eletrodomésticos; incremento dos gastos públicos para as obras públicas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do programa imobiliário Minha Casa, Minha Vida, direcionado às classes de baixo poder aquisitivo; liberação de quase R$ 200 bilhões pelo Banco Central, entre compulsórios (dinheiro que os bancos têm de recolher ao BC), compra de carteiras de bancos pequenos em dificuldades e vendas de até R$ 50 bilhões das reservas do Tesouro no mercado (LEITÃO, 2011). Tais medidas eram acompanhadas pela crescente participação do BNDES na economia. Entre 2009 e 2010, como veremos no capítulo 3, o Tesouro repassou R$ 180 bilhões ao banco para possibilitar desembolsos aos atores econômicos, especialmente os atuantes nas áreas da Infraestrutura e Indústria. Belluzzo relaciona o início do projeto Nacional-Desenvolvimentista às políticas protecionistas de Getúlio Vargas, adotadas como reação à queda dos preços do café na crise de 1929. Essas medidas foram a compra dos estoques excedentes dos cafeicultores e a moratória para as dívidas dos produtores.

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“Estas medidas e a desorganização do mercado mundial – provocada pela depressão e depois pela guerra – ensejaram um forte impulso à industrialização do país. É a abertura do período desenvolvimentista” (BELLUZZO, Le Monde Diplomatique, out. 2009). Dessa maneira, a industrialização do país foi estimulada como resposta aos problemas provocados pela crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial (1939/1945). A industrialização no Brasil no pós-Guerra teve como marco a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ), em 1946. Em 1952, será criado o BNDES, seguindo exemplo de bancos de desenvolvimento implantados em outros países, como veremos no capítulo 3. O autor ressalva que, após a Grande Depressão de 1930 e a Segunda Guerra Mundial, houve um consenso entre americanos e europeus de que o capitalismo e a democracia só poderiam conviver se:

o Estado e a sociedade controlassem as forças destrutivas que levaram ao colapso da economia (...) e os riscos e as desigualdades produzidos pela operação dos mercados fossem contrabalançados por ações destinadas a criar e defender os direitos econômicos e sociais das classes não-proprietárias” (BELLUZZO, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.4).

O autor defende, assim, o maior controle dos mercados adotado naquele período, a fim de evitar o risco de um novo colapso econômico e proteger os direitos das classes não-proprietárias. Nesse sentido, o Brasil estava alinhado às políticas econômicas de viés estatal daquele período. Ao mesmo tempo, o país buscava industrializar-se, como forma de ficar menos dependente das nações desenvolvidas:

Nos países periféricos, predominantemente exportadores de produtos primários, acentuaram-se os movimentos em prol do desenvolvimento da indústria. A industrialização era vista como a única resposta adequada aos inconvenientes da dependência da demanda externa (Idem, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.4).

Portanto, os países periféricos viam na industrialização o caminho para sua autonomia frente à dependência da venda de produtos primários aos países centrais. Esse raciocínio nos parece ter como chave interpretativa a Teoria da Dependência de Cardoso e Faletto (1970), aliada a políticas preconizadas pela Cepal (Comissão Econômica para América Latina e o

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Caribe) para o desenvolvimento dos países periféricos. No Brasil, o BNDES aumentará, gradativamente, seu papel como uma das agências públicas de fomento dessa industrialização. Ao analisarem a intervenção estatal para o desenvolvimento econômico nacional, os autores em tela apresentam dois posicionamentos distintos. Gustavo Franco aponta os riscos envolvidos na noção de projeto nacional, articulado por planejamento estatal e planos de metas, cuja retórica identifica desenvolvimento com gasto público. Com efeito:

chavões de grande apelo estão longamente estabelecidos: desenvolver é construir estradas (...) Desenvolver é gastar. Apenas e tão-somente gastar, de modo que o bom governo é evidentemente, o que mais gasta, o mais descaradamente gastador, o mais irresponsável e o menos preocupado com disciplina fiscal (FRANCO, 1998, p.142).

O economista critica, dessa forma, o aumento dos gastos estatais tendo como álibi a noção de que governo bom é o governo gastador, que realiza uma série de obras públicas, independentemente se terá condições de pagar suas contas ou se essas obras possuem utilidade de fato. Já Belluzzo enaltece o projeto desenvolvimentista de Getúlio Vargas e o Plano de Metas de JK. Sobre esse último presidente, disse que cumpriu a promessa de avançar 50 anos em cinco, sob orientação do Plano de Metas:

O Plano de Metas contemplava cinco prioridades: energia, transportes, alimentação, indústrias de base e educação. O governo concentrou os gastos na infra-estrutura. A construção de Brasília e a abertura de estradas, como a Belém Brasília, integravam o projeto de interiorização do desenvolvimento. Ao mesmo tempo, foram constituídos os grupos executivos, coordenados pelo conselho nacional de desenvolvimento, composto por empresários do setor privado e de técnicos do BNDE, com o propósito de coordenar os programas de investimento e a divisão do trabalho entre o capital estrangeiro e o nacional nas diversas áreas (Idem, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.4).

Assim, de acordo com Belluzzo, o Plano de Metas permitiu o desenvolvimento da infraestrutura no Brasil, ao mesmo tempo em que o governo induziu a criação de grupos executivos, coordenados pelo conselho nacional de desenvolvimento e composto por empresários do setor privado e técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE). O objetivo do grupo era fazer convergir as ações do governo com as dos setores produtivos.

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“O Plano de Metas articulou, portanto, as ações do governo, do setor privado nacional e do capital produtivo internacional, que já experimentava uma forte expansão. O Brasil, entre 1956 e 1960, cresceu em média 7% ao ano” (BELLUZZO, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.4). Tendo como base os avanços do período desenvolvimentista e o saudosismo da era JK, refletido na minissérie JK, da TV Globo (exibida em 1986 e baseada na biografia do ex-presidente), Belluzzo ataca diretamente os que minimizam o culto recente àquela época, que ficaram popularmente conhecidos como Anos Dourados:

A busca de um passado idealizado e mitificado, em sua maciça e massificante perplexidade, é a crítica ingênua de um presente atolado na mediocridade e na estagnação. Juscelino e suas circunstâncias foram tudo aquilo e mais alguma coisa. Mais alguma coisa é o resíduo que a história não revela aos gênios da baixaria, ventríloquos do establishment nativo, sempre empenhados na cruzada contra o que chamam de populismo. São reencarnações sucessivas e inesgotáveis dos escribas do coronelato (Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.4).

Nessa passagem, o economista critica a corrente dos economistas que defendeu os ajustes de cunho liberal na década de 1990, a qual, na sua visão, alinha-se ao tradicional status quo da política brasileira, simbolizado pelos chamados coronéis. A título de curiosidade e possível contradição, o próprio Belluzzo trabalhou como secretário de Política Econômica do então presidente José Sarney, entre 1985/1987, quadro político que pertenceu à Arena, ao PDS e ao PFL. Na visão de Belluzzo, JK concretiza o projeto desenvolvimentista iniciado por Getúlio de estruturar o capitalismo brasileiro e fazer o país superar sua etapa agrária, com melhorias na infraestrutura e implantação de empresas. Em resposta às críticas de que esse período foi de fechamento da economia brasileira aos demais países, o economista responde que:

O “desenvolvimentismo” como projeto de um capitalismo nacional cumpriu seu destino através do Plano de Metas. Ao contrário do que pregam os caipiras-cosmopolitas – aquela malta que circula pelo mundo, sem entender nada do que acontece – o projeto juscelinista integrou a economia brasileira ao vigoroso movimento de internacionalização do capitalismo do pós-guerra (Idem, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.4).

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O economista vislumbra, nessa análise, a integração da economia brasileira ao fluxo de capital internacional do Pós-Guerra, o que comprova o êxito do Plano de Metas no desenvolvimento do Brasil. Essas políticas de desenvolvimento foram bem diferentes daquelas adotadas na década de 1990, na visão de Belluzzo, quando os países periféricos/emergentes (o autor cita as duas conceituações) aderiram de forma simplista à mercantilização mundial.

Nos anos 1990, os “renovados” da periferia, por exemplo, tiveram os seus dias de glória. Hoje o que vemos são cadáveres boiando na enxurrada da globalização. Quanto mais crédula foi a adesão às torrentes da mercantilização universal, mais rasa a poça d´água em que terminam por se afogar os clones de estadistas. Para os Fujimori, Menem e outros menos votados, as políticas nacionais de desenvolvimento pareciam sucumbir diante da maré montante da globalização e da integração dos mercados, sobretudo os financeiros (Idem, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.4).

Na passagem acima, em mais um contraponto às ideias de Gustavo Franco (1998), Belluzzo afirma que a abertura indiscriminada ao capital estrangeiro provocou a derrocada econômica de países como Peru e Argentina, cujas políticas nacionais sucumbiram frente à globalização financeira. E por que os países emergentes optaram por esse tipo de política econômica? Qual o projeto de desenvolvimento e que padrões financeiros eram determinantes naquele período? Na análise de Belluzzo, o fator determinante para a adoção desse modelo econômico foram as políticas econômicas preconizadas pelo Consenso de Washington25. No entanto, ressalva o economista:

25 Em novembro de 1989, economistas de instituições financeiras situadas em Washington D.C, como o FMI, Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, tendo como base um texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, formularam um conjunto de medidas com dez regras básicas que se tornaram política oficial do FMI (Fundo Monetário Internacional), em 1990. Essas medidas serviram como receituário para o ajustamento econômico em países subdesenvolvidos que passavam por dificuldades. As dez regras básicas eram Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Juros de mercado; Câmbio de mercado; Abertura comercial; Investimento estrangeiro direto com eliminação de restrições; Privatização das estatais; Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas) e Direito à propriedade intelectual (Washington Consensus, Center for International Development at Havard University HTTP://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/wahington.html; FRANCO, 2006; BELLUZZO, Le Monde Diplomatique, out. 2009). 44

a crise do capitalismo financeirizado mostrou que as ilusões dos mercados eficientes não conseguiram suplantar o fetichismo do dinheiro e, portanto, não lograram escapar das armadilhas que se espalham ao longo do caminho dos que perseguem a acumulação de riqueza abstrata. Tudo indica que ainda está muito distante a prometida substituição das políticas nacionais por uma nova ordem global fundada exclusivamente nas forças do mercado (Idem, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.4).

Dessa forma, na análise do economista, o projeto econômico dominante na década de 1990, que receitava o desenvolvimento econômico tendo como base a ação das forças do mercado, não foi bem-sucedido e mostrou-se incapaz de substituir as políticas nacionais de Estado. Belluzzo relembra que a sinergia entre investimento público, comandado pelas estatais, e o privado era a marca das políticas econômicas nas décadas de 1950, 1960 e 1970, fosse no Brasil ou em qualquer outro país. No entanto, as privatizações no Brasil ao longo da década de 1990 teriam rompido com a lógica de que os gastos públicos são necessários ao desenvolvimento nacional. Segundo o economista, desde o Pós-Guerra os gastos públicos são fundamentais para as economias.

Essa história de mais Estado, menos Estado é mal contada. Tanto nos países desenvolvidos quanto nos emergentes, apesar das reformas liberalizantes, o gasto do Estado não diminuiu. O volume elevado de investimento público em infra-estrutura é crucial para formação da taxa de crescimento (Idem, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.5).

Portanto, afirma o economista, ao contrário das críticas dirigidas às políticas de gastos estatais, esses investimentos públicos são essenciais para o crescimento econômico, principalmente quando realizados em infraestrutura. Nesse sentido, o pior efeito colateral das políticas econômicas de viés liberal adotadas no Brasil na década de 1990, ao abrir mão da sinergia entre capital público e privado, foi ter deixado “escapar a oportunidade oferecida pelas privatizações para criar grupos nacionais - privados e públicos – dotados de poder financeiro, com capacidade de competição nos mercados mundiais, comprometidos com as metas de desenvolvimento do país e com a geração de moeda forte” (Idem, Le Monde Diplomatique, out. 2009, p.5). Nesse sentido, embora tenha terminado a sinergia entre o gasto público e o investimento

45 privado, essa sinergia deve ser uma das metas da política econômica atual, de acordo com o economista. Assim, esse raciocínio encontra pontos de contato nas políticas públicas do segundo mandato do presidente Lula que visaram a fortalecer grandes grupos nacionais e aumentaram gastos em obras públicas, por meio do BNDES, como veremos no Capítulo 3. Belluzzo critica, ainda, o que considera uma convicção dos formuladores de políticas econômicas da década de 1990, segundo os quais o empresariado brasileiro seria ineficiente e dependente de um Estado hipertrofiado. Como solução para essa situação, o país deveria abrir a economia e deixar o capital estrangeiro encarregar-se do crescimento. No entanto, ressalva o economista, essa convicção enfraqueceu a economia e provocou uma vulnerabilidade no balanço de pagamentos do país. Observamos, assim, que o texto de Luiz Gonzaga Belluzzo exerce uma crítica contundente e literal aos pontos defendidos por Gustavo Franco em seu artigo que analisamos anteriormente. Abordaremos, em seguida, o artigo Política e economia, outra vez articuladas, de Andreas Novy, publicado pelo Le Monde Diplomatique (Out. 2009). No texto, o autor destaca o que considera como renascimento da agenda estatal em toda a América Latina na primeira década de 2000. Para o economista, esse processo foi retomado no Brasil pelo governo do presidente Lula, por meio de investimentos estatais em projetos de infraestrutura, a exemplo do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e no planejamento central das políticas socioeconômicas. O artigo de Andreas Novy ressalta o incremento dos investimentos na indústria nacional e na infraestrutura pelos bancos oficiais BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil após uma década que considera como de esvaziamento do Estado.

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Na presidência de Collor e FHC esse Estado “varguista” foi desmantelado, até que Lula reiniciou um novo ciclo de fortalecimento das estruturas estatais (...) Ao mesmo tempo, os bancos públicos BNDES, CEF e BB, maior banco brasileiro, possibilitam o apoio sistemático às empresas nacionais, ampliam a infraestrutura além das fronteiras nacionais, para viabilizar o Mercosul como mercado comum, e permitem a integração ao sistema bancário das camadas sociais mais pobres (Le Monde Diplomatique, 9 de out. 2009).

De fato, como noticiou o jornal Estado de São Paulo (10 mar. 2011), ao final de 2010 o BNDES havia emprestado 391% a mais em cinco anos, superando em três vezes os aportes do Banco Mundial. Veremos mais detalhes sobre o crescimento dos desembolsos do BNDES durante o segundo governo petista no Capítulo 3. O economista Andreas Novy constrói seu raciocínio tendo como base o pronunciamento em rede de TV do então presidente Lula, no dia 7 de setembro de 2009. Em seu discurso, o petista afirma que a descoberta do pré-sal representa a nova independência do país, pois daria condições de investimento em melhorias econômicas e sociais no país. E como foi a transmissão desse discurso na televisão26? Pronunciado em tom marcadamente nacionalista, o presidente frisa que esse recurso natural e a maior parte da renda dele resultante “pertenciam ao povo brasileiro”, pois a descoberta dessa riqueza era uma “dádiva de Deus”. Assim, “um povo soberano deve garantir que esta riqueza não escape de suas mãos”. Lula se apropria explicitamente do discurso getulista “O Petróleo é nosso”, o que corrobora a tese da retomada do projeto varguista. Revela ainda a intenção do presidente em capitalizar sentimentos nacionalistas em torno do Brasil Grande. Lula infla o discurso patriótico quando enaltece a eficiência da Petrobras como principal exploradora do pré-sal e por ser uma das maiores petroleiras do mundo. Enquanto o presidente fala, são exibidas imagens aéreas de plataformas, navios e funcionários da estatal em ação, numa sequência grandiosa. “A Petrobrás é a cara do novo Brasil”, exalta o presidente, ao informar que os avanços tecnológicos da empresa só foram possíveis por causa de investimentos do governo.

26 Vídeo do pronunciamento do presidente Lula disponível em: . Último acesso: 28 fev. 2013. 47

Ao final, Lula pronuncia uma frase que parece ser o corolário das novas diretrizes do seu governo: “o Brasil acredita no livre mercado, mas também no Estado como indutor do desenvolvimento”. Dessa maneira, pelas análises de Belluzzo e Novy, o presidente Lula retomou os princípios da Era Vargas. Período esse que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) tentou, literalmente, encerrar a fim de promover o desenvolvimento nacional em outros moldes, que não fosse pelo Estado intervencionista. Em 1994, o então senador tucano e recém-eleito presidente da República decretou o fim do período varguista em seu discurso de despedida no Parlamento:

Acredito firmemente que o autoritarismo é uma página virada na história do Brasil. Resta, contudo, um pedaço do nosso passado político que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas – ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista. Esse modelo, que à sua época assegurou progresso e permitiu a nossa industrialização, começou a perder fôlego no fim dos anos 70. Atravessamos a década de 80 às cegas, sem perceber que os problemas conjunturais que nos atormentavam - a ressaca dos choques do petróleo e dos juros externos, a decadência do regime autoritário, a superinflação - mascaravam os sintomas de esgotamento estrutural do modelo varguista de desenvolvimento (CARDOSO, 2010, p.102).

Dessa maneira, o presidente eleito critica o modelo de desenvolvimento por meio do Estado intervencionista ainda estava presente no país. Embora reconhecesse a importância que o período de Substituição de Importações teve na industrialização brasileira, o tucano ressalta que o esgotamento estrutural desse modelo, ao final da década de 1970, resultou numa série de problemas na década de 1980.

No fim da ‘década perdida’ (1980/1989), os analistas políticos e econômicos mais lúcidos, das mais diversas tendências, já convergiam na percepção de que o Brasil vivia não apenas um somatório de crises conjunturais, mas o fim de um ciclo de desenvolvimento de longo prazo (CARDOSO, 2010, p.103).

Fernando Henrique, portanto, dá por encerrado o ciclo de crescimento baseado no Nacional-Desenvolvimentismo, visto que “o protecionismo e intervencionismo estatal sufocava a concorrência necessária à eficiência

48 econômica” (CARDOSO, 2010, p.103), e anuncia um novo modelo de desenvolvimento, que priorize a reforma do Estado e a inserção do país na economia internacional:

A agenda da modernização nada tem em comum com um desenvolvimentismo à moda antiga, baseado na pesada interferência estatal, seja por meio da despesa, seja por meio dos regulamentos cartoriais (...) No ciclo de desenvolvimento que se inaugura, o eixo dinâmico da atividade produtiva passa decididamente do setor estatal para o setor privado. Isso não significa que a ação do Estado deixe de ser relevante para o desenvolvimento econômico. Ela continuará sendo fundamental. Mas mudando de natureza. O Estado produtor direto passa para segundo plano. Entra o Estado regulador (idem, 2010, pgs. 103/104).

Dessa maneira, o presidente eleito já antecipava os rumos de seu governo em direção à abertura do país e à transferência da força produtiva industrial do Estado para a iniciativa privada, com incremento da competição. Na mudança de eixo dinâmico da atividade econômica pesada do setor estatal para o privado, o Estado não deixará de ser relevante, mas assumirá a função de Estado regulador, visando a criar marcos institucionais que assegurem a eficácia do sistema de preços relativos, o que incentivará os investimentos privados na atividade produtiva. “Em vez de substituir o mercado, trata-se, portanto, de garantir a eficiência do mercado como princípio geral de regulação” (Idem, 2010, 104). Podemos acrescentar que, além da regulação, durante o governo tucano o Estado atuou diretamente para reduzir sua própria participação na produção industrial brasileira. Para isso, utilizou o BNDES, uma agência pública, como uma das principais ferramentas para transferir, por meio das privatizações, boa parte da produção econômica estatal à iniciativa privada. A função de Estado regulador seria exercida, por sua vez, por meio das agências criadas no governo Fernando Henrique, a exemplo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), entre outras. Do ponto de vista das diretrizes políticas, o discurso do então senador eleito presidente estava alinhado com o Programa Mãos à Obra (ver abaixo), assim como com artigos escritos por formuladores da política econômica do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, a exemplo de Franco

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(1998) e Mendonça de Barros e Goldenstein (1997), esse último texto analisado no Capítulo 2. Avaliamos, portanto, que talvez não caiba a surpresa em determinados setores, como na oposição ao governo tucano, de que Fernando Henrique estaria traindo seu passado intelectual e político ao aprofundar a abertura econômica, privatizar empresas e adotar medidas econômicas ortodoxas. O presidente já havia deixado claro que iria seguir por esse rumo e foi eleito trazendo essa plataforma político-econômica. Ao responder, durante uma entrevista, à indagação do repórter sobre por que negava ter dito “esqueçam o que escrevi”, Fernando Henrique afirma: “É maldade pura. Não fico incomodado. Não adianta ser contra essas coisas. Elas existem. Mas foi uma frase num certo contexto político. O que queriam dizer é que eu tinha mudado de posição. Em geral são pessoas que nunca me leram. Se tivessem, veriam que há 30 ou 40 anos tenho mudado de posição” (CARDOSO, 2010, pgs. 84/85)27.

1.1 Programas do PT e PSDB (1988, 1989, 1994 e 2002) e os cenários dos governos tucano e petista

A seguir, vamos analisar propostas econômicas do PT e do PSDB, tendo como objetivo encontrar indicações sobre como essas legendas enxergam a relação ideal entre Estado e Mercado e, consequentemente, como essa percepção partidária pode ter influenciado no uso do BNDES como ferramenta de política econômica nos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) e Lula (2003/2010).

27 Sobre essa mudança de posição, Fernando Henrique afirma: “Não cheguei à crítica do nacional –estatismo pela via do liberalismo econômico. Cheguei antes pela via da convicção democrática, pela convicção de que o nacional-estatismo é concentrador de poder econômico e político e pode sufocar a democracia. Regulação, competição, inovação eram palavras fora do horizonte intelectual de muita gente” (CARDOSO, 2010, p.87). De fato, nesse livro de 2010, que é uma coletânea de artigos, entrevistas e discursos de Fernando Henrique entre 1972 e 2006, é possível perceber que, já na década de 1970, o sociólogo estava longe do discurso da esquerda classista, estatizante, revolucionária. Ao mesmo tempo, criticava a restrição da democracia durante o regime militar e a confusão entre nação e Estado, promovido pela ditadura, a fim de condenar as críticas da oposição ao Estado como se fossem dirigidas ao país. Da mesma forma, não se encontra nesses textos uma defesa pura e simples do liberalismo. Mas o diagnóstico de que o país precisava, sim, de mais mercado e, ao mesmo tempo, de mais controle social, que poderia ser exercido, por exemplo, por intermédio dos meios de comunicação. 50

Nossa análise teve como uma das inspirações o trabalho de Machado (2007)28, que verificou a evolução dos programas partidários e os documentos internos do Partido dos Trabalhadores, entre 1989 e 2002, a fim de compreender a dinâmica das diretrizes econômicas do partido e como elas contribuíram para as ações do governo do presidente Lula. Também tivemos como base para esta seção o trabalho de Amaral (2003)29, que analisa os programas de PT de 1989, 1994 e 1998 e verifica uma crescente moderação nas propostas do partido como estratégia para ampliar a base eleitoral e, também, como resultado da incorporação das experiências administrativas de um partido que governava Estados e municípios. Para reforçarmos a validade prática dos programas partidários, lembramos episódio em que o recém-nomeado ministro da Fazenda, Antônio Palocci, convence o economista Marcos Lisboa a aceitar o cargo de secretário- executivo de Política Econômica do governo do presidente Lula. Para conseguir a aceitação do economista, Palocci reitera, diante da descrença de Lisboa, que os termos da Carta ao Povo Brasileiro (2002) norteariam as ações econômicas do governo petista30, de manter os fundamentos anteriores. Dessa forma, a análise dos programas partidários como compreensão das ações de governo do PSDB e do PT também pode se justificar pelo fato de a Carta ao Povo Brasileiro antecipar diretrizes econômicas que foram seguidas pelo governo do presidente Lula, como mostra Leitão (2011). Da mesma forma, o programa tucano Mãos à Obra, de 1994, adiantava que o partido realizaria

28 O jornalista e economista Ralph Machado foi assessor na Casa Civil (2003 a 2005) e do ex- deputado federal José Dirceu (2005). Defendeu a dissertação Lula a.c.-d.c: Política econômica antes e depois da “carta ao Povo brasileiro”, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC-SP, em 2005, tendo como orientador o doutor em Economia Carlos Kawall Leal Ferreira, que chancela a qualidade do trabalho na introdução do livro (2007) no qual se transformou a tese. Em razão da forma como analisa a evolução dos programas do PT, até a posse do presidente Lula, o livro nos forneceu subsídios para esta seção do nosso trabalho, em que comparamos os programas do PT e do PSDB. 29 Oswaldo E. do Amaral, atualmente professor doutor no Departamento de Ciência Política da Unicamp, é mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, onde defendeu sua dissertação, que foi posteriormente publicada com o título A estrela não é mais vermelha – as mudanças no programa petista nos anos 90 (2003) . 30 Um dos motivos que levaram Palocci a convidar Lisboa foi pelo fato de o economista ter sido um dos 17 autores e redator final do documento Agenda perdida, uma contribuição ao debate nacional. O texto e o nome do economista haviam chegado ao futuro ministro da Fazenda do governo do presidente Lula por meio do presidente do Banco Central do governo do presidente Fernando Henrique, Armínio Fraga (1999/2002), durante o período de transição dos dois governantes. Para mais detalhes, ver Palocci (2007) e Leitão (2011). A íntegra do documento está disponível em . Último acesso em: 28/02/2013. 51 uma transformação no sistema produtivo industrial brasileiro, priorizando as forças do mercado, realizando privatizações e dando ao Estado um papel regulador, como veremos abaixo. No entanto, estamos cientes das variáveis políticas e das condicionantes impostas entre a idealização de um programa de governo e sua real execução, momentos que muitas vezes se diferem. De acordo com Manin31 (1995), a representação política passa por uma série de modificações. Se antes o eleitorado votava de acordo com sua identificação partidária, atualmente as pesquisas de opinião apontam que é grande o número de eleitores que não se identifica com legenda alguma. O voto ganhou um viés personalista, em que os cidadãos votam em líderes de acordo com suas características pessoais, e não mais em programas partidários que as legendas e líderes estejam comprometidos em executar quando eleitos.

No passado, os partidos propunham aos eleitores um programa político que se comprometiam a cumprir, caso chegassem ao poder. Hoje, a estratégia eleitoral dos candidatos e dos partidos repousa, em vez disso, na construção de imagens vagas que projetam a personalidade dos líderes. As preferências dos cidadãos acerca de questões políticas expressam-se cada vez mais freqüentemente por intermédio das pesquisas de opinião (...) A eleição de representantes já não parece um meio pelo qual os cidadãos indicam as políticas que desejam ver executadas (MANIN, 1995)32.

Os partidos perderam, portanto, a condição de protagonistas na tarefa de coadunar e efetivar os interesses dos eleitores que depositavam suas aspirações nessas legendas, as quais, por sua vez, representavam determinadas clivagens sociais. No moderno xadrez político, a disputa tornou- se personalista e o discurso para atender aos desejos e expectativas dos cidadãos passou a ser feito com base em pesquisas de opinião. Líderes com talento em utilizar os meios de comunicação levam ainda mais vantagem nas disputas eleitorais, ressalta Manin.

31 Professor de política na Universidade de Nova York, pesquisador nas áreas de Representação, Deliberação, Instituições Políticas e História do Pensamento Político. Autor do ensaio As metamorfoses do Governo Representativo, que adiantou suas ideias que seriam publicadas no livro The principles of representative government (1995) e que nos serviu para análise de programas partidários. 32 O artigo não é demarcado por páginas. Disponível em: . Último acesso em 28/02/2013. 52

O foco das estratégias eleitorais foi direcionado à construção da imagem do candidato confiável, em que sua história política ganha relevância para conquista dos votos. Os programas partidários como plataforma para as ações governamentais, prossegue o autor, aproximaram-se de peças de ficção eleitoral em virtude, muitas vezes, da impossibilidade de sua execução vis-à-vis o exercício real do cargo. Embora Manin considere que a diminuição de importância dos partidos frente à crescente exaltação personalista dos candidatos, tendo como suporte as técnicas de comunicação, aumente o abismo entre governo e sociedade, entre representantes e representados, ele não vê de forma negativa a inexequibilidade dos programas de governo apresentados em campanha. O autor leva em conta, para esse raciocínio, as novas condições em que os eleitos exercem o poder.

Como o âmbito das atividades do governo aumentou consideravelmente nas últimas décadas, tornou-se mais difícil para os políticos fazer promessas muito detalhadas; os programas ficariam muito extensos e seriam praticamente ilegíveis. Um outro fator ainda mais importante é o aumento da complexidade das circunstâncias políticas com que os governos têm se defrontado desde a Segunda Guerra Mundial. A crescente interdependência econômica das nações impõe a cada governo a necessidade de enfrentar decisões tomadas por um número cada vez maior de atores. Isso significa, por sua vez, que também os problemas a ser enfrentados pelos políticos no poder são cada vez menos previsíveis (MANIN, 1995).

Assim, o aumento da complexidade política das últimas décadas, a partir da Segunda Guerra Mundial, tornaria os programas de governo não só incompreensíveis, em decorrência do grau de detalhamento que exigiriam, como também incapazes de antecipar os imprevistos enfrentados pelos governantes por causa dessa crescente complexidade política e econômica mundial. Com efeito, ressalta Manin (1995), a ações de governo na atual configuração política demandam um poder discricionário, conforme noção formulada por Locke, no sentido de prerrogativa da autoridade para tomar decisões na ausência de legislação prévia, a fim de enfrentar situações imprevistas.

53

De modo análogo, é possível pensar que os governos contemporâneos necessitam de um poder discricionário relativamente aos programas políticos, já que é cada vez mais difícil prever os acontecimentos que terão de ser enfrentados (...) Por conseguinte, os eleitores contemporâneos devem conceder aos seus representantes uma certa margem de liberdade relativamente às plataformas eleitorais (...) Mas o poder discricionário não é o mesmo que um poder irresponsável. Os eleitores mantêm o poder fundamental, que sempre tiveram no governo representativo, de destituir os representantes quando seus mandatos terminam (MANIN, 1995).

Dessa forma, os governantes necessitam de autonomia em relação aos seus programas políticos com o objetivo de enfrentar as imprevisibilidades de governo. No entanto, essa liberdade em relação às plataformas políticas não significa um poder irresponsável, mas o que Locke definiu como capacidade de agir “conforme exijam o interesse e o bem público” (LOCKE, 1988, in MANIN, 1995). Ao mesmo tempo, os eleitores podem avaliar os políticos verificando sua folha de serviços no cargo, o que lhes assegura o poder de destituí-los, no sistema representativo, a cada eleição. Assim, tendo em vista os autores citados acima, nosso objetivo não é encontrar uma relação congelada entre o que PT e o PSDB propuseram em seus programas e de que forma agiram quando assumiram o poder. Mas tão somente buscar informações sobre suas visões do papel do Estado na economia e, a partir daí, detectar alguma correspondência com suas ações de governo. Essa correlação tem como foco nosso objeto de pesquisa, que é a utilização do BNDES como ferramenta das políticas governamentais no período da privatização (primeiro mandato Fernando Henrique Cardoso, 1995/1998) e na retomada das políticas desenvolvimentistas (segundo mandato Lula, 2007/2010). Importante frisar que, como esses períodos não são estanques no tempo, seja influenciando os anos subsequentes (caso do primeiro mandato tucano) ou sendo influenciados por anos antecedentes (caso do segundo mandato petista), somos levados a mencionar também o segundo mandato tucano (1999/2002) e o primeiro mandato petista (2003/2006), ainda que em menor escala. Dessa forma, nossa análise abrangerá os programas de governo de 1989 (PT e PSDB), 1994 (PT e PSDB) e 2002 (PT). Embora tenhamos

54 pesquisado o programa do PSDB de 2002, avaliamos que não seria necessário detalhá-lo, já que a campanha do então candidato José Serra não teve correlação com nosso trabalho, que se debruça sobre os períodos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula. Além disso, certos programas tiveram mais destaque do que outros, em virtude de sua maior relevância histórica ou por representarem fonte de pesquisa que melhor se adequava aos objetivos da nossa pesquisa. Em linhas gerais, os programas de 1988/1989 do PT e do PSDB são ricos em análise sobre o papel do Estado e sobre a conjuntura brasileira. O de 1994, do PSDB, destaca a importância de modificar o sistema produtivo nacional, dando-lhe uma configuração pró-mercado. A Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, estabelece os fundamentos da gestão econômica do governo Lula, comprometendo-se com regras estabelecidas no governo do presidente Fernando Henrique, ao mesmo tempo que defende mudanças no modelo que possibilitem a retomada do crescimento e da produção. Frisamos que há dois planos sobrepostos de análise das propostas econômicas, que se entrelaçam ao longo dos programas. Um plano refere-se à diferença entre o modelo de Estado (grande, reduzido, protecionista, aberto). O outro plano diz respeito às políticas macroeconômicas, que abrangem variáveis como controle da inflação, regime cambial e política fiscal.

1.1.2 PT – Brasil urgente, Lula presidente (1989)

O programa Brasil urgente, Lula presidente foi lançado quando o Brasil e demais países da América Latina atravessavam a crise da dívida externa. Dessa forma, o documento abordava o impacto desse evento sobre a economia brasileira. O texto ressaltava que o pagamento da dívida e dos juros correspondentes a esse débito externo alcançou 139 bilhões de dólares entre 1980 e 1989. O desembolso desses recursos era apontado como raiz da inflação, da recessão e dos baixos investimentos, além de ser considerado o problema central do país33 pelo programa petista:

33 Ver o Programa de Governo do PT, que não possui marcadores de páginas. Disponível em: < http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/documentos- historicos/programas-de-governo-pt>. Último acesso em: 28 fev. 2013.

55

A política econômica de sucessivos governos brasileiros tem dado prioridade ao pagamento dos juros da dívida externa, e isso traz imenso impacto no funcionamento de toda a economia nacional. Não é exagero dizer-se que, nos anos recentes, a história da estrutura produtiva brasileira é a história de sua adaptação à maciça transferência de recursos que o sistema financeiro internacional nos impôs. De um momento para outro, o Brasil se tornou exportador de capitais.

O diagnóstico do PT, portanto, era de que a produção econômica brasileira estava submetida à transferência de recursos ao exterior para pagamento da dívida, o que prejudicava a economia nacional. Tomando como exemplo a decisão unilateral da Alemanha de suspender, na década de 1930, o pagamento de reparações pela derrota na Primeira Grande Guerra (1914- 1918), o PT defendia a interrupção do pagamento da dívida também pelo Brasil:

Sejamos, novamente, claros. Somos favoráveis à adoção de um padrão de desenvolvimento relacionado, mas não subordinado, ao sistema capitalista internacional. A prioridade ao pagamento dos serviços da dívida não pode continuar orientando a atuação do governo brasileiro. Promover a distribuição de renda e, com base nela, criar um novo modelo de crescimento são os objetivos centrais, aos quais a política econômica deve subordinar-se.

O programa sustentava que, como processos inter-relacionados, a suspensão do pagamento da dívida teria como consequências domésticas a distribuição de renda nacional e o crescimento do país, objetivos que deveriam ser centrais na política econômica, ao invés da subordinação ao sistema capitalista internacional. Outro ponto abordado referia-se à inflação. Assim como postulava medida heterodoxas na questão da dívida externa, o programa petista receitava a heterodoxia para combater a carestia, cujo IPCA fechou o ano de 1989 em 1.972,91%, de acordo com o Banco Central34. O programa do PT repudiava políticas econômicas ortodoxas que preconizassem o controle monetário e medidas recessivas para redução da

34 Disponível em: .Acesso em 28 fev. 2013. 56 quantidade de moeda em circulação, a fim de frear a economia e reduzir a inflação35.

Os conservadores e o Fundo Monetário Internacional (FMI) tratam a inflação como um fenômeno estritamente monetário. Para eles, o dinheiro se desvaloriza porque há um excesso de moeda em circulação. As principais causas desse fato seriam o peso exagerado dos salários e o crescimento das emissões de moeda necessárias para fazer frente ao déficit nas contas do governo. O remédio que propõem é coerente com o diagnóstico: arrocho salarial e fim do déficit público, com cortes nos investimentos e nas outras despesas do governo e das empresas estatais. Além disso, sempre preocupados em conter o consumo, sugerem manter elevadas as taxas de juros.

Assim, as medidas ortodoxas econômicas para combate à inflação eram criticadas pelo PT por resultarem em arrocho salarial, redução dos investimentos estatais e aumento dos juros. Como alternativa, o partido apresentava a seguinte plataforma:

a) Rejeição de toda receita econômica recessiva e de qualquer condicionalidade imposta por organismos internacionais, que fira a nossa soberania. b) Combate aos abusos dos grupos que controlam setores inteiros da economia nacional. Reestruturação dos organismos de controle e fiscalização, com abertura de negociações transparentes (setoriais e gerais), envolvendo produtores, distribuidores, trabalhadores e consumidores, para a fixação dos principais preços e de sua margem de variação. Proposição de leis mais rigorosas e efetivas para combater os crimes contra a economia popular.(...) d) Intervenção estatal para regularizar certos mercados e desestimular movimentos especulativos, especialmente no que diz respeito aos produtos de primeira necessidade.

O PT, portanto, rejeitava o receituário ortodoxo, propunha o combate a monopólios, a abertura de negociações entre os diversos atores econômicos e defendia, explicitamente, a intervenção estatal para regularizar mercados e desestimular movimentos especulativos. Naquele período, o programa do partido condenava os subsídios do Estado a empresas privadas de grande porte por meio de organismos como o BNDES. A crítica pressupunha que o repasse de recursos a grupos empresariais articulados e privilegiados junto ao Governo Central recrudescia a concentração de renda nacional.

35 Para conceitos introdutórios sobre ortodoxia econômica e monetarismo ver Mankiw (2001). 57

é preciso modificar completamente a atual parafernália de subsídios, incentivos, isenções tarifárias e fiscais, financiamentos com juros negativos, repasses de empréstimos externos e outras formas de vantagens. O Estado brasileiro foi usado nos últimos anos para defender e consolidar uma estrutura industrial fortemente concentrada. O resultado foi o enriquecimento de poucos, não raro de forma vergonhosa (...) Os benefícios foram cumulativos, ou seja, cada segmento sempre conseguiu preservar as vantagens obtidas em momentos anteriores.

Pela análise do partido, o sistema de incentivos tributários governamentais terminou por concentrar as verbas em poucos e fortes grupos econômicos, acirrando a má distribuição de renda no país. Como alternativa, o PT defendia investimentos em pequenas e médias empresas, cujos setores eram geradores de emprego, como o alimentar, têxtil e de vestuário. No entanto, a visão crítica em relação aos financiamentos do BNDES para grandes grupos nacionais parece ter mudado quando o partido chegou ao poder. Como veremos no Capítulo 3, as políticas desenvolvimentistas empreendidas pelo BNDES, especialmente a partir de 2007, segundo governo do presidente Lula, incluiriam repasses vultosos a grandes grupos nacionais para fins de fusão e aquisição. O objetivo era enfrentar a concorrência internacional e criar grandes players privados nacionais para disputar os mercados mundiais, as chamadas empresas campeãs. A crítica a essas operações é semelhante à realizada pelo programa petista em 1989. Ou seja, de que priorizam grandes grupos empresariais com poder de articulação e maior acesso ao Governo Central, concentrando a renda nacional em favor da elite empresarial brasileira, além de prejudicar produtores de menor porte. A crítica atual também questiona se esses repasses do BNDES são realmente aproveitados em investimentos privados, ou servem apenas para abastecer o caixa das empresas, já que as inversões em ampliações da capacidade produtiva já estariam previstas nos orçamentos das empresas, independentemente das verbas do banco (ALMEIDA, 2009, e entrevista do economista Gustavo Franco ao nosso trabalho, em outubro de 2011). São questionados, ainda, os custos fiscais envolvidos em repasses do Tesouro Nacional ao BNDES, que somaram R$ 180 bilhões no biênio 2009/2010. Entre as operações que receberam verbas federais no segundo governo do presidente Lula estão a Fusão da Brasil Telecom com a Oi (BrT+Oi); Fusão

58 da Sadia e Perdigão para formar a Brasil Foods; incorporação da petroquímica Quattor pela Braskem; fusão de Aracruz Celulose e Votorantim Celulose para criar a Fibria; fusão da empresa JBS Friboi com a Bertin36 e aquisições da Marfrig no exterior. Essas operações serão abordadas com mais detalhes no capítulo 3. Ainda no programa de 1989, no tópico Empresas estatais - precisamos delas, o PT já exercia uma crítica ao projeto de abertura comercial que ganhou força na América Latina na década de 1980 e seria expandido no Brasil a partir de 1990, nos governos do presidente Fernando Collor de Melo (1990/1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) 37, como veremos no capítulo 2.

Apoiados em ampla campanha de imprensa, os liberais (...) pregam, simplesmente, a sobrevivência dos mais fortes (...) Esse projeto se complementa com a proposta de privatização das estatais, cortes nos gastos sociais, demissões de funcionários públicos e enfraquecimento geral do Estado. Pretende-se dessa forma acelerar a transferência de rendas e de patrimônio público para o setor privado, mesmo que isso implique desnacionalização de setores importantes da economia nacional. Há uma defesa política dessa proposta: democracia e participação do Estado na economia seriam lados opostos de uma gangorra. Em nome da liberdade e da eficiência, privatizar tornou-se palavra da moda.

O trecho acima ilustra o pensamento do PT a respeito das privatizações e da venda dos ativos públicos a estrangeiros, o qual embasará a campanha antiprivatizações que o partido fará na década de 1990. Para a legenda, privatizar significava transferir rendas e patrimônio estatal à iniciativa privada, desnacionalizar empresas, fortalecer grupos econômicos poderosos e enfraquecer o Estado. Com efeito, o programa destacava o papel do Estado no desenvolvimento da economia nacional durante o período do Nacional- Desenvolvimentismo.

36 Ver: . Último acesso: 28/02/ 2013 37 Para mais detalhes ver Bielshowsky (2009), Giambiagi e Além (2011), Pinheiro e Giambiagi (2000) e Leitão (2011). 59

Quanto à 'ineficiência' estrutural da intervenção econômica do Estado, basta lembrar que Volta Redonda não existiria sem essa intervenção, pois excedia em muito o mercado brasileiro dos anos 40; que a indústria automobilística não teria sido criada sem forte impulso do poder público; que a base energética e a estrutura de insumos do país foi toda ela modificada a partir de planejamento estatal. Em todos esses casos, houve a produção de verdadeiras mutações na economia, não pela ação do mercado - incapaz de antevê-las, realizá-las ou mesmo enxergá-las em tempo real - mas por decisões políticas de diferentes governos. Graças, em grande parte, a tais decisões, tivemos durante várias décadas uma economia dinâmica, capaz de duplicar seu produto em cada período de dez anos.

Os benefícios da intervenção estatal citados pelo programa petista representam diretrizes clássicas da corrente desenvolvimentista, as quais encontramos também no texto de Belluzzo (2009), conforme analisamos acima. Entre os resultados do planejamento estatal estão a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, da indústria automobilística no país, da estrutura energética e de insumos. De acordo com o programa do PT, o desafio da modernidade que se apresentava na virada da década de 1980 para a década de 1990 seria buscar um equilíbrio entre livre mercado e planejamento estatal.

1.1.3 PSDB: Introdução e diretrizes básicas (1988)

Em junho de 1988, o PSDB lançou o documento Programa: Introdução e diretrizes básicas38, no qual anunciava a criação da nova legenda e propunha as plataformas partidárias. No que tange ao cenário nacional, embora reconhecesse o esforço do governo do presidente José Sarney (1985/1989), do PMDB, para o fortalecimento da democracia, o programa criticava o que considerava a estagnação das estruturas estatais e da economia.

38 Disponível em: . Último acesso em 28 fev. 2013 60

Hoje o Brasil vive entre parênteses. A economia permanece estagnada, os salários achatados, a questão da dívida externa sem solução, a inflação no limiar do descontrole. O desgoverno exacerba pressões corporativistas, comprometendo ainda mais a eficiência e as finanças do setor público e fazendo o peso maior da crise recair precisamente sobre as camadas mais indefesas da população. A troca de favores virou moeda corrente na política e a corrupção, sem os tapumes do autoritarismo, se exibe aos olhos e ouvidos da Nação enojada, desmoralizando os poderes públicos e lançando descrédito sobre a atividade política em geral (PSDB, 1988, p.2).

Para o PSDB, a economia estagnada, os salários achatados, a inflação e o desgoverno comprometiam as finanças públicas e prejudicavam as camadas mais pobres da população. Cenário esse agravado pelo clientelismo e a corrupção. Eram análises que possuíam pontos em comum com as observadas no programa petista da época. O texto ressaltava as motivações que levaram à criação do partido e o papel das diferentes correntes ideológicas na formação da nova legenda:

Nasce assim, na adversidade, o Partido da Social Democracia Brasileira: contra um governo que traiu a transição democrática, contra um Estado no qual a argamassa do passado teima em resistir à renovação (...) Amplo bastante para possibilitar a confluência de diferentes vertentes do pensamento político contemporâneo - por exemplo, liberais progressistas, democratas cristãos, socialdemocratas, socialistas democráticos -, o PSDB nasce coeso em torno da democracia enquanto valor fundamental e leito das mudanças reclamadas pelo povo brasileiro.(Idem, 1988, p.2).

Ao criticarem o governo, os dirigentes tucanos ressaltavam que romperam com o governo e o PMDB, ao qual pertenciam, pelo partido ter resistido a renovar o Estado brasileiro. Ao mesmo tempo, o texto caracterizava o PSDB como amplo o bastante para acomodar diferentes correntes ideológicas e que tinha a democracia com valor principal a fim de realizar as mudanças necessárias ao Brasil. E qual o modelo de Estado resultante dessa diversidade ideológica?

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Diferentemente dos autoritários, afirmamos que as reformas desejadas não virão como doação providencial de um Estado forte ou de uma chefia autocrática, mas sim como resultado do livre exercício das pressões e da negociação dos conflitos no âmbito da sociedade civil. Recolhendo a herança democrática do liberalismo, não partilhamos com os liberais conservadores a crença cega no automatismo das forças de mercado. Nem pretendemos, como eles, tolher a ação reguladora do Estado onde ela for necessária para estimular a produção e contribuir para o bem-estar, e desde que a ação estatal seja controlada pela sociedade e não guiada pelo interesse corporativo da burocracia ou pela vocação cartorial de grupos privados. (idem, 1988, p.2).

Dessa forma, o modelo de Estado idealizado pelo PSDB não coadunava nem com o liberalismo strictu sensu, regido pela crença única nas forças do mercado e no Estado mínimo, menos ainda com o modelo de Estado forte, onisciente, em que as melhorias socioeconômicas viriam de um Poder Central autocrático. A proposta do programa tucano de 1988 apontava a necessidade de participação da sociedade civil nas políticas públicas e no controle da ação estatal, pontos esses que se assemelhavam a propostas do programa petista de 1989. Mas se os programas tucano e petista se pareciam ao estimular a participação dos cidadãos nas políticas públicas, eles se diferiam quando tratavam sobre propriedade privada, acumulação de capital e abertura comercial do país ao exterior. A posição do PSDB era a seguinte:

A propriedade privada dos meios de produção constitui a base do sistema econômico brasileiro, devendo ser garantida na medida em que atenda ao princípio da sua função social e se harmonize com a valorização do trabalho e do trabalhador (...) Para o PSDB, soberania nacional não pode ser sinônimo de autarquia, de isolamento econômico, de criação de cartórios que exploram o povo, cultivam a ineficiência e freiam a acumulação de capital. Soberania deve significar capacidade de decidir sobre o modo como se dará a integração à economia mundial (Idem, 1988, p.6).

O partido, portanto, destacava que a iniciativa privada era a base da economia brasileira e criticava as políticas protecionistas características do Nacional-Desenvolvimentismo, as quais o PT defendia. O trecho acima já indicava a opção do PSDB pela integração do Brasil ao sistema econômico internacional, com a abertura comercial do país, o que seria executado no governo Fernando Henrique.

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Mas, apesar de defender a internacionalização do país, o texto buscava uma moderação entre a reserva de mercado e a abertura comercial a fim de preservar a soberania nacional.

A soberania exige a definição das prioridades nacionais em matéria de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico. Só com prioridades claras saberemos evitar tanto o protecionismo fútil como o aberturismo irresponsável. Com escassas possibilidades de captação de recursos externos no futuro imediato e com sua capacidade de poupança interna deprimida, o Brasil precisa ser altamente seletivo nos investimentos em pesquisa e recursos humanos e na absorção de tecnologias do exterior. Reservas de mercado formais ou informais são um recurso válido, nesse contexto, como medidas temporárias, nunca como privilégio permanente para determinados setores ou grupos empresariais em detrimento do conjunto da sociedade. (Idem, 1988, p.6).

Assim, para o partido, era necessário abrir a economia brasileira, mas com critérios. Tal postura justificaria reserva de mercado por tempo limitado, não como privilégio a determinados setores. O programa do PSDB tratava também sobre a inflação e a dívida externa e defendia as reformas de Estado como solução.

Simultaneamente ao enfrentamento dos desafios imediatos da inflação e da dívida externa, é preciso atacar com firmeza a reforma das estruturas do Estado, cuja necessidade todos reconhecem mas em relação à qual se tem falado muito e agido pouco (...) Mais do que reforma administrativa em sentido estrito, se impõe hoje no Brasil uma reestruturação profunda da máquina do Estado, abrangendo tanto a administração direta como a indireta (idem, 1988, pgs. 7-8).

Dessa forma, o partido propunha uma reforma do Estado em todos os âmbitos da administração pública, estendendo seu alcance à gestão das empresas estatais:

As empresas que devam permanecer estatais - por sua importância estratégica, ou em função do tipo de demanda que atendem ou da ação inovadora em setores que necessitem ser impulsionados - hão de obedecer a padrões rigorosos de eficiência na sua gestão corrente, livres do empreguismo e do desperdício, e a critérios de estrito interesse público, democraticamente definidos nos seus planos de expansão (idem, 1988, p.8).

Assim, ao tratar sobre as estatais, o partido informava os critérios que levaria em conta para manutenção das empresas públicas, como de importância estratégica, inovação, gestão eficiente e ausência de

63 empreguismo. Embora o texto não mencionasse o termo privatização, podemos supor que, se as estatais não atendessem aos pré-requisitos de eficiência, seriam vendidas num eventual governo tucano. No que se referia à concessão de subsídios financeiros do Estado a grupos econômicos privilegiados, o PSDB apresentava posição idêntica ao do PT, ao rejeitar esse tipo de mecanismo financeiro.

As prioridades do gasto público, incluindo toda sorte de benefícios fiscais e creditícios, devem ser estabelecidas de maneira democrática, e sua execução rigorosamente fiscalizada. (...) O PSDB se empenhará para que os mecanismos constitucionais sejam efetivamente aplicados, a começar por uma revisão dos benefícios citados, que hoje são um importante componente do déficit público (...) é indispensável uma profunda revisão de todos os incentivos fiscais, a extinção de privilégios injustificáveis desfrutados por alguns setores (idem, 1988, p.8).

O programa do PSDB pregava, dessa forma, uma revisão criteriosa das concessões de subsídios fiscais, pois considerava injustificável a concentração desses incentivos nas mãos de determinados grupos. Embora não mencionasse diretamente o BNDES no texto, podemos supor que o partido também incluía nessa crítica o fornecimento de créditos pelo banco a determinados grupos favorecidos pelo governo – o que se acentuou sob a presidência do presidente Ernesto Geisel (1974/1978) 39 – ou que foram auxiliados em momentos de dificuldade, período em que a agência ficou pejorativamente conhecida como hospital de empresas (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000)40. No entanto, assim como ocorreu no governo do presidente Lula, o governo do presidente Fernando Henrique também utilizará o BNDES para financiar, em condições favoráveis, grandes grupos empresariais. Mas, se no mandato petista os desembolsos favoreceram a fusão e aquisição de grandes grupos nacionais, no período tucano os financiamentos serviram para compra das empresas públicas e investimentos na modernização dessas companhias pelos seus compradores.

39 Para mais detalhes ver Gremaud e Pires (2010). 40 Ver capítulo 2 64

1.1.4 PT: Lula presidente - Uma revolução democrática no Brasil (1994)

Embora a campanha do PT de 1989 tenha assustado setores das classes médias e altas, fato explorado pelo candidato Fernando Collor de Melo e por jornais que demonstravam preferência por sua candidatura41, foi em 1994 que o partido mais radicalizou suas propostas, segundo Ribeiro (2003) e de acordo com nossa avaliação também. Para o autor, esse processo deveu-se à vitórias das alas à esquerda do partido nas eleições internas de 1993, que, assim, ganharam força para influenciar a redação do programa de 1994. O programa econômico de 94, diferentemente do de 1989, no qual podíamos enxergar argumentos alinhados à social-democracia clássica (em que pesem propostas antissistema), é pontuado por expressões mais exaltadas, como a necessidade de “enfrentamentos” para “vencer a resistência dos agentes contrários às transformações que propomos”. É um programa que se assemelha mais a um amontoado de palavras de ordem, do que a uma proposta de governo. Prevê, assim, o “combate à privatização do Estado e à corrupção” e sustenta que somente o apoio popular possibilitará ao novo governo superar os “possíveis bloqueios à implementação das propostas da administração democrática e popular”42.

O Estado será reformulado: desprivatizado e submetido ao controle da sociedade. O chamado Programa Nacional de Desestatização será interrompido e revisto. O Estado coordenará o desenvolvimento econômico, bem como o processo de distribuição de renda.

O programa afirmava, portanto, que num eventual governo do presidente Lula o Estado assumiria todo o processo produtivo, interrompendo o Programa Nacional de Desestatização que começou no governo do presidente Fernando Collor (1990/1992) e tinha o BNDES como gestor. Adiantava, ainda, que o partido iria rever as privatizações já realizadas. Ao assumir a direção da Nação, detalhava o texto, as maiorias lutarão contra monopólios, oligopólios e latifúndios para eliminar o poder político de setores econômicos influentes, mas ineficientes. Somada a essa ação haverá

41 Ver Fonseca 2005 42 O programa, que não possui marcadores de páginas, está disponível em: Disponível em: < http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/documentos- historicos/programas-de-governo-pt>. Último acesso em: 28 fev. 2013. 65 uma democratização da economia, o que ocorrerá com intervenção direta dos cidadãos nas empresas privadas:

O autoritarismo nas empresas e o autoritarismo na política econômica condicionam-se mutuamente e estão na raiz do fracasso em estabilizar os valores nominais no Brasil e fazer a economia retomar o desenvolvimento. Trataremos de criar instituições que permitam a participação da sociedade civil na política econômica, através das entidades de classe e dos consumidores, e que permitam que trabalhadores e consumidores possam tomar parte em decisões empresarias estratégicas, em nível geral e setorial, além de tomarem conhecimento do desempenho das empresas e de suas margens de lucro. A democratização da vida econômica, além de ser um valor em si, criará condições para superar a crise.

Com efeito, para superar o que considerava um autoritarismo nas empresas e nas políticas econômicas governamentais, que impossibilitavam o desenvolvimento nacional, o governo petista criaria instituições civis que tomariam parte na decisão das empresas. Os ataques do programa ao status quo político-econômico prosseguiam com uma análise crítica dos efeitos da abertura do país ao capital estrangeiro:

A política neo-liberal implementou uma abertura unilateral desordenada, sem contrapartidas, na contramão dos modernos mecanismos de proteção efetiva adotados nos países desenvolvidos. Num contexto recessivo, ela acarretou, no parque produtivo brasileiro, um ajuste extremamente negativo para o emprego, a retomada do crescimento e a implantação de um novo modelo econômico. A resposta empresarial ao imperativo da competitividade a curto prazo, imposta por essa abertura, resultou em políticas de racionalização perversas, com movimentos de terceirização espúrios, desestruturação das redes de fornecedores, criação de focos de desemprego industrial, desmobilização de equipes de pesquisa e desenvolvimento e a retração generalizada dos investimentos (públicos e privados) orientados para estas atividades.

Na visão do partido, portanto, a abertura comercial e retirada das barreiras protecionistas provocara um ajuste no parque produtivo brasileiro, com efeitos negativos sobre o emprego e o crescimento. Além disso, deu início a um processo de racionalização de gastos que levou as empresas a terceirizarem serviços, provocando desemprego industrial, interrupção de projetos de pesquisa e retração dos investimentos. Apesar da virulência dos termos, o texto encontra convergência com os argumentos contrários ao modelo de privatização da Telebrás, levantados, em

66

1998, por lideranças do PT e por economistas identificados com a corrente desenvolvimentista, como o atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho43. Em razão dos efeitos colaterais provocados pela abertura e privatizações, continua o programa petista de 1994, o crescimento do país deve partir de uma planificação estatal, num sistema democrático que, diferentemente do passado, impeça a corrupção da máquina pública.

O atual Estado brasileiro é simultaneamente grande e fraco. É grande em função da hiperconcentração de poderes, da superposição de estruturas e ações, da burocratização desmedida, da prática do empreguismo ou da multiplicação dos cargos de confiança (...) O Estado é fraco por sua ineficiência, por sua ausência na prestação de serviços públicos ou por sua privatização pelo poder do grande capital. Necessita-se de um Estado forte, capaz de assumir seu papel em um projeto nacional de desenvolvimento e, por esta razão, de um Estado que seja democrático e socialmente controlado.

O diagnóstico do PT era de que o Estado brasileiro, ao invés de hipertrofiado, como criticava o PSDB, era grande mas impotente para resolver os problemas do país e implementar um projeto nacional. Portanto, a solução para o Brasil seria um Estado forte, socialmente controlado, capaz de impulsionar o desenvolvimento do país. No programa, o PT também se posicionava em relação às Telecomunicações, o que reforçava o caráter estatizante do programa:

43 Em artigo de 05/07/1998, no jornal Folha de S. Paulo, Luciano Coutinho afirma, entre outras críticas, que: “Corre-se o risco de desnacionalizar todo o Sistema Telebrás, de gerar um polpudo fluxo de remessa de lucros e dividendos por anos a fio, de desmantelar a preciosa base instalada de desenvolvimento tecnológico no país (CPqD) e de dificultar seriamente a produção local de equipamentos. Tudo isso para arrecadar já recursos que desaparecerão no sorvedouro da conta dos juros internos e externos”. Encontramos esses argumentos contrários à privatização da Telebrás, assim como os argumentos favoráveis à venda, na análise da cobertura feita pelo jornal Folha de São Paulo, no período que vai de julho de 1997 a julho de 1998, mês em que a estatal foi vendida. Esse material seria utilizado em um estudo de caso da privatização da Telebrás, o qual foi posteriormente substituído pela análise do papel do BNDES nos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, que apresentamos neste trabalho. 67

A política proposta para os serviços de telecomunicações baseia-se no modelo de exploração dos serviços públicos estabelecido na Constituição, conforme o artigo 21, incisos XI e XII. Pretendemos manter o monopólio da União de modo a garantir que as atividades desse setor sejam realizadas dentro do conceito estratégico que lhe é conferido. Este modelo, no entanto, não encerra todos os aspectos relevantes da questão dos serviços públicos de telecomunicações, implicando definições de política cujos eixos são (...) um Programa Nacional de Pesquisas e Desenvolvimento para o Sistema Nacional de Telecomunicações, Informação e Comunicação; elaboração de um plano de investimentos públicos que objetiva incorporar novas localidades ao Sistema Nacional de Telecomunicações e universalizar a prestação de serviços básicos.

O PT antecipava, neste trecho, o discurso contrário à privatização da Telebrás, em 1998, que seria conduzida pelo BNDES e pelo Ministério das Comunicações. O programa defendia a manutenção do monopólio estatal nas telecomunicações, conforme estabelecia o artigo 21 da Constituição. Esse artigo foi alterado em 1995, primeiro ano do presidente Fernando Henrique, por meio da Emenda Constitucional nº 8, aprovada pelo Congresso, que incluiu a permissão de a União fazer a concessão à iniciativa privada dos serviços de Telecomunicações.

1.1.5 PSDB: Mãos à Obra (1994)

No livro Mãos à obra: propostas de governo, assinado pelo candidato Fernando Henrique Cardoso e publicado na campanha eleitoral de 1994, o PSDB detalhava seu programa de governo para as diferentes áreas da administração pública. No campo econômico, o texto apresentava semelhanças com o discurso de despedida do então senador tucano - após eleito presidente da República - o qual abordamos acima. O programa reconhecia a importância do modelo de Substituição de Importações (SI) na industrialização do país, mas ressalvava que a SI embutia um desequilíbrio estrutural, manifestado ao final da década de 1970, quando teria chegado ao seu limite após três décadas de vigência.

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Em apenas trinta anos, entre 1950 e 1980, a economia brasileira cresceu de forma extraordinária e as próprias estruturas da sociedade mudaram substancialmente. Montou-se ou ampliou-se a infra- estrutura econômica. Edificou-se uma indústria razoavelmente integrada e moderna para a época. Aumentou a capacidade competitiva e diversificou-se muito a pauta de exportações do país. Houve criação de empregos, o país urbanizou-se velozmente, abriram-se oportunidades de ascensão social para muitos e ampliou- se o consumo de bens de todo tipo. Mas também se acumularam distorções graves e pagou-se um elevado preço social por esse salto qualitativo, o que hoje se expressa na pobreza e na marginalização de enormes contingentes populacionais. (CARDOSO, 2008, p.2).

Assim, o PSDB reconhecia que a SI foi fundamental, ao longo de 30 anos, para a industrialização, o crescimento, a infraestrutura, a urbanização e o consumo de bens no país. Mas, simultaneamente, produziu distorções econômicas que resultaram em pobreza e marginalização. Apesar de reconhecer que o modelo fora afetado por crises econômicas externas, a exemplo dos choques de petróleo e a recessão nos países ricos, na década de 1970, o partido também responsabilizava o regime militar brasileiro pelo agravamento do quadro nacional.

O nacional-desenvolvimentismo teve amplo sentido no seu tempo. Mas deixou de ter quando a conjugação favorável de fatores se inverteu, ou se perverteu, a partir de meados da década de 70 e, mais acentuadamente, de seu final. É que o mundo começava a mudar mais rapidamente que o Brasil. E a resposta para isso, sob o regime autoritário (...) foi a de empreender uma “fuga para frente”. Contraiu-se irresponsavelmente uma enorme dívida externa geradora de uma crise, que só agora se conseguiu equacionar. As relações entre o setor privado nacional e o Estado tornaram-se clientelistas; na verdade, mais: a ciranda financeira que se instaurou levou o Estado à falência. A inflação descontrolada, que só agora também conseguimos conter, distorceu qualquer previsibilidade indispensável ao cálculo empresarial de médio e longo prazos, levando-o a tornar- se meramente especulativo (idem, 2008, p.2).

Portanto, na análise do PSDB, ao invés de perceber a mudança no cenário internacional, com a interrupção das fontes de financiamento, o regime militar optou por aprofundar um conjunto de grandes obras e investimentos públicos que, consequentemente, aumentou a dívida externa. Foi o caso do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) 44 , lançado ao final de 1974, primeiro ano de governo do presidente Ernesto Geisel.

44 De acordo com Fausto (2006, p.495), “o II PND buscava completar o processo de substituição de importações instalado há décadas no país, mudando seu conteúdo (...) Já não se tratava agora de substituir a importação de bens de consumo, mas de avançar no caminho 69

Esse crescimento dos investimentos públicos, tendo como efeito colateral o aumento da dívida externa, provocou deterioração fiscal do Estado, inflação e gerou uma ciranda financeira que agiu contra as próprias finanças públicas, ressalta o programa. Ao mesmo tempo, instaurou-se uma relação clientelista entre o Estado e o setor privado. Podemos, por hipótese, pensar que a crítica dos tucanos embutia os financiamentos do BNDES a grandes grupos empresariais, já que a agência de fomento foi uma das principais ferramentas do governo do presidente Ernesto Geisel para fomentar a produção industrial com a instauração do II PND. Tendo em vista nossa pesquisa, podemos supor que essa crítica parece também se referir aos empresários que não foram bem-sucedidos na expansão dos seus negócios durante o II PND e precisaram recorrer ao BNDES para evitar a falência. Ao mesmo tempo, os tributos tradicionais cobrados da sociedade, sobrecarregados pelo chamado imposto inflacionário, eram o custo pago para a manutenção de um modelo que não mais se sustentava e ampliava os desequilíbrios internos45. Como resposta, o PSDB propunha a reformulação do projeto de desenvolvimento brasileiro, em que elencava a inserção internacional do país, com ampliação da abertura comercial, como medida essencial para reestimular o crescimento nacional.

da autonomia no terreno dos insumos básicos (petróleo, aço, alumínio, fertilizantes, etc.) e da indústria de bens de capital”. Para o autor, era evidente a preocupação do II PND com o problema energético, visto que tinha como objetivos avançar na pesquisa de petróleo, no programa nuclear, na substituição parcial da gasolina pelo álcool e na construção de hidrelétricas, que teve em Itaipu o seu exemplo mais expressivo. Essa opção do governo pelo crescimento nacional em 1974, ao invés de reduzir o ritmo da economia quando o cenário internacional já mudava e o Brasil já tinha problemas com a dívida externa, foi uma decisão calcada em avaliações econômicas e políticas. “A insistência no crescimento mostrou como era forte a crença nos círculos dirigentes de que o Brasil era um país predestinado a crescer. Essa crença não vinha apenas dos anos do ‘milagre’, mas de tempos mais distantes (...) O PND tratou de incentivar os investimentos da grande empresa privada na produção de bens de capital. Todo o sistema de incentivos e créditos do BNDE foram lançados nesse esforço. Entretanto, a nova política colocava no centro do palco da industrialização brasileira a grande empresa estatal. Os gigantescos investimentos a cargo do sistema Eletrobrás, da Petrobrás, da Embratel e de outras empresas públicas eram, a rigor, o sustentáculo do programa” (FAUSTO, 2006, p.496). 45 Para mais detalhes, ver Franco (2006). Este argumento também foi reiterado pelo ex- presidente do BC (1997/1999), em entrevista concedida a este trabalho. 70

O grande desafio histórico que temos que enfrentar e resolver é justamente esse: redefinir um projeto de desenvolvimento que possa abrir para o Brasil a perspectiva de um futuro melhor (...) O projeto de um novo modelo de desenvolvimento deve ter, necessariamente, uma dimensão internacional. Isto porque a economia mundial é hoje, fundamentalmente, caracterizada pela internacionalização dos processos de produção e comercialização: da matéria-prima à concepção do produto, da manufatura e decisões sobre o emprego de novas tecnologias e materiais às estratégias de marketing. (...) Por isso, a proposição de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil exige, inevitavelmente, a definição dos modos de sua inserção na economia internacional (Idem, 2008, pgs 2-3).

Dessa forma, frente à internacionalização dos fluxos de capitais, mercadorias e tecnologia, o programa tucano defendia que o desenvolvimento do país fosse ancorado na globalização econômica. Visto que era um processo irreversível, o Brasil necessitava de um projeto de inserção internacional a fim de aproveitar os aspectos positivos da globalização.

Num contexto marcado pelo avanço da globalização, essa inserção terá impacto decisivo sobre o desenvolvimento interno do país. Ela tanto poderá auxiliar a alavancagem do desenvolvimento como, inversamente, gerar custos e ônus que venham a dificultar ou distorcer a retomada do crescimento (Idem, 2008, pgs 2-3).

Para o PSDB, tal raciocínio era baseado no fato de que a globalização “não conduz, automaticamente, à difusão uniforme dos benefícios do progresso para todos os países, nem permite mais que as nações busquem alternativas de caráter autárquico” (idem, 2008, p.3). Assim, a melhor política seria atrair investimentos externos produtivos e ter maior acesso à ciência e tecnologia. No entanto, era necessário “ter em mente que o aporte internacional será sempre complementar ao esforço interno de desenvolvimento” (idem, 2008, p.3). Para modernizar o parque industrial brasileiro, realizar investimentos no setor de infraestrutura e universalizar os serviços à população, o PSDB propunha que as privatizações iniciadas no governo do presidente Fernando Collor (1990/1992) fossem impulsionadas.

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O processo de privatização será acelerado, segundo as diretrizes definidas nesta proposta. Mesmo com estimativas conservadoras, a venda dos ativos públicos deverá gerar recursos da ordem de R$ 15 bilhões nos próximos quatro anos para investimentos em projetos de infraestrutura. Existe hoje, no mundo, um importante volume de recursos em busca de oportunidades seguras e rentáveis de investimento. Os fundos de pensão dos países industrializados, por exemplo, tornaram-se grandes investidores nos projetos de infra- estrutura, realizados mediante concessão ou através de associações do setor privado com empresas estatais (...) Dentro do programa de investimentos do Governo Fernando Henrique, vários projetos serão capazes de atrair tanto investidores nacionais quanto estrangeiros (...) Estima-se que os recursos das fontes privadas poderão atingir cerca de R$ 20 bilhões nos próximos quatro anos. (idem, 2008, pgs.7-8).

O PSDB defendia, assim, o avanço as privatizações visando a aproveitar o volume de capital que circulava pelos mercados mundiais naquele período. O partido projetava vender as estatais para grandes investidores estrangeiros, como fundos de pensão dos países industrializados, ou a investidores nacionais. O programa listava as áreas de infraestrutura que poderiam atrair esses recursos. Eram eles: Transportes, com a construção de estradas, de ferrovias e a operação da malha já existente; Energia, com a instalação de gasodutos, de centrais termelétricas, hidrelétricas e na expansão dos sistemas de distribuição e Telecomunicações, com ampliação e modernização dos sistemas. As projeções de arrecadação no valor R$ 20 bilhões com as privatizações, no entanto, mostraram-se conservadoras no programa tucano, visto que só a venda da Telebrás, em 1998, alcançou R$ 22 bilhões. O partido identificava nesses investimentos a possibilidade de modernizar a infraestrutura do país a qual, segundo o texto, já não atendia às demandas da população e da cadeia produtiva. “Em setores como energia e comunicações, estamos próximos do estrangulamento e o colapso só não ocorreu devido ao menor ritmo de crescimento econômico da última década” (idem, 2008, p.11). Para impedir monopólios privados, o programa ressaltava que o Estado exerceria papel de agente regulador do mercado por meio de agências reguladoras. De fato, durante o governo do presidente Fernando Henrique (1995/2002), o partido criou agências reguladoras, como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicação) e Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

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Observamos assim, no que tange às privatizações, um viés diferente no programa tucano em relação ao programa petista, que apontava as ações estatais como agente capaz de readequar as estruturas do país às novas exigências mundiais, ao invés das forças do mercado.

1.1.6 PT: Carta ao povo brasileiro e Programa de Governo – coligação Lula presidente – um Brasil para todos (2002)

Lançada em junho de 2002, quando a especulação financeira atingia o mercado financeiro às vésperas das eleições, a Carta ao Povo Brasileiro46, assinada pelo presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva, visava a tranquilizar os agentes econômicos quanto à manutenção dos fundamentos da economia num eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com Leitão (2011). O texto começava projetando um retrato do cenário econômico nacional após o governo do presidente Fernando Henrique:

O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o de que o atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir nesse caminho, sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou mais tarde, um colapso econômico, social e moral. O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto destrutivo. Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo (LULA DA SILVA, 2002).

O texto afirmava, dessa forma, que o modelo econômico do governo tucano havia se esgotado, levando à estagnação do país. A população, ciente disso, apostava num novo projeto nacional representado pela candidatura do presidenciável petista Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de fazer o país crescer, gerar empregos, reduzir a violência e recuperar a presença mundial do Brasil. Pela nossa análise, é perceptível que o documento empregava um inteligente recurso retórico, pois, ao mesmo tempo em que enaltecia as bandeiras históricas petistas, também enfatizava que conservaria três aspectos

46 Disponível em: < http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/documentos- historicos/programas-de-governo-pt>. Último acesso em: 28 fev. 2013. Não possui marcadores de páginas. 73 da política econômica então vigentes: respeito aos contratos, controle da inflação e das contas públicas e manutenção dos superávits primários (economia do governo para pagamento dos juros da dívida). O primeiro compromisso assumido pelo documento referia-se aos contratos firmados nos governos anteriores:

Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação (Idem, 2002).

Assim, o texto reconhecia a necessidade de mudanças, como resposta ao que considerava a falência do modelo anterior, mas adiantava que as modificações não poderiam ser repentinas, resultado de decisões voluntaristas do governo. Pelo contrário, estariam vinculadas a uma ampla negociação nacional, o que levaria ao ciclo de crescimento econômico necessário ao país. Como premissa dessa transição, ressaltava o documento, estava o respeito aos contratos firmados anteriormente. O texto também isentava a candidatura petista como responsável pelas turbulências no mercado, ao relacionar a fragilidade do modelo então vigente aos problemas financeiros. Em seguida, o texto destacava o compromisso do candidato petista em manter o controle da inflação:

Ninguém precisa me ensinar a importância do controle da inflação. Iniciei minha vida sindical indignado com o processo de corrosão do poder de compra dos salários dos trabalhadores. Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de todos. A volta do crescimento é o único remédio para impedir que se perpetue um círculo vicioso entre metas de inflação baixas, juro alto, oscilação cambial brusca e aumento da dívida pública (Idem, 2002).

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O candidato Lula lembrava, assim, sua experiência anterior como metalúrgico para se mostrar conhecedor dos prejuízos causados pela inflação à renda do trabalhador. O petista acrescentava que o controle da inflação deveria atrelar-se ao crescimento econômico, à geração de empregos e distribuição de renda. Já próximo ao final, o documento assume o compromisso integral com o equilíbrio fiscal. Estava ali o corolário de todo aquele texto:

A questão de fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio. Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores. Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos (...) A estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros. Não são um bem exclusivo do atual governo, pois foram obtidos com uma grande carga de sacrifícios, especialmente dos mais necessitados (idem, 2002).

Portanto, a Carta destacava que a manutenção do superávit primário, o controle da inflação e das contas públicas eram um patrimônio de todos os brasileiros e não somente uma conquista do governo anterior. A consecução desses pontos é atrelada à necessidade do crescimento econômico, ao incremento das exportações e do mercado interno para projetar o país em um novo patamar de desenvolvimento.

As mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais. Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle. Mas, acima de tudo, vamos fazer um Compromisso pela Produção, pelo emprego e por justiça social (...) O Brasil precisa navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social. É com essa convicção que chamo todos os que querem o bem do Brasil a se unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e responsáveis (idem, 2002).

Dessa forma, obedecendo aos preceitos democráticos e sob o compromisso de manter as contas públicas ordenadas, o governo petista trabalharia, sobretudo, pela produção a fim de recuperar o desenvolvimento econômico do país. Embora a Carta ao Povo Brasileiro assumisse o compromisso de manter os fundamentos macroeconômicos, o documento Programa de Governo 2002 – coligação Lula presidente – um Brasil para todos – criticava o modelo das

75 privatizações e da abertura promovido pelo governo do presidente Fernando Henrique. No capítulo intitulado A Herança Econômica, o programa afirma:

Uma década de políticas neoliberais produziu no Brasil taxas de crescimento médio ao redor de apenas 2,5% ao ano. Isto se deveu ao abandono do mercado interno e à ausência de políticas ousadas de exportação, que desarticularam e desorientaram o setor produtivo (...) A abertura comercial, por sua forma e velocidade, produziu em muitos casos uma regressão do setor produtivo, enfraqueceu as cadeias produtivas e comprometeu nossa competitividade e capacidade exportadora (...) O Brasil é hoje, com poucas exceções, um importador de bens de elevado conteúdo tecnológico e um exportador de commodities largamente intensivas em recursos naturais; em alguns casos, intensivas em escala ou capital

O programa de governo do PT 47 critica, portanto, as políticas que considera de caráter neoliberais, como abandono do mercado interno e a abertura comercial, que teriam enfraquecido as cadeias produtivas e transformado o país num importador de bens de alto conteúdo tecnológico e um exportador de commodities. Esse quadro, prossegue o programa, debilitou a capacidade do país de se tornar um produtor de bens de alta tecnologia. Dessa forma:

O tão apregoado aumento da produtividade decorrente desse processo resultou, sobretudo, de um crescimento econômico medíocre e de uma redução significativa do emprego (...) As privatizações e a fragilização financeira do Estado debilitaram a infra- estrutura econômica e social, comprometendo a competitividade e o potencial de crescimento da economia.

Assim, afirma o programa petista, ao invés de o país obter crescimento da produtividade apregoado pelo modelo do governo do PSDB, colheu, na verdade, baixo crescimento e redução do emprego. Além disso, as privatizações debilitaram as estruturas do Brasil, comprometendo sua produtividade e potencial de crescimento. Torna-se importante ressaltar, entretanto, que o programa petista reconhecia a importância da iniciativa privada no país, ao afirmar que as empresas seriam incentivadas a aumentar a produção e o emprego nos

47 Disponível em: < http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/documentos- historicos/programas-de-governo-pt>. Último acesso em: 28 fev. 2013. Sem marcadores de páginas. 76 setores que produzem bens de consumo. Além disso, “uma nova política industrial deverá ser construída distanciando-se do velho estilo cartorial e clientelista que viciou as experiências passadas, pródigas na distribuição de subsídios”. Tanto a Carta ao Povo Brasileiro como o Programa de Governo 2002 frisam que o governo petista fará uma “criteriosa e responsável transição entre o que temos hoje e o que a sociedade brasileira reivindica”.

1.1.7 – O governo Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real

O primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/1998) teve como principais agendas a estabilidade monetária e as reformas constitucionais, de acordo com Couto e Abrucio (2003). As demais ações federais, como as privatizações, reforma do sistema financeiro e renegociação da dívida dos Estados estavam entrelaçadas a esses dois eixos chaves. A estabilidade monetária fora inaugurada com o Plano Real, implementado durante o governo do presidente Itamar Franco (1992/1994), tendo à frente o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, nomeado por Itamar. Em razão do seu prestígio político e acadêmico, o ministro montou uma equipe de conceituados economistas - alguns com experiência anterior de concepção do Plano Cruzado (1986) - para elaboração de um plano anti-inflacionário48. O êxito do Plano Real, que debelou os altos índices de inflação no Brasil, contribuiu para alçar o candidato do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, à Presidência da República após vencer seu principal concorrente, Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições de 199449. O sucesso do Plano Real foi de tal dimensão que diversos candidatos a governos estaduais, incluindo os postulantes de partidos adversários do PSDB, se colocavam como defensores do Plano, como detalham Couto e Abrucio

48 Para mais detalhes sobre como o ministro Fernando Henrique arregimentou os membros dessa equipe ver Leitão (2011). 49 Entre trabalhos pesquisados por nós que analisam a influência do Plano Real na eleição do presidente Fernando Henrique encontram-se Almeida (1994), Jorge (1995), Mendes e Venturi (1994), Meneguello (1995) e Singer (2000). 77

(2003). O PT, no entanto, insistia na tese de que o Plano era eleitoreiro e não se sustentaria50. O discurso do candidato Fernando Henrique era de que o Plano Real representava o início de uma série de mudanças que visavam à modernização da política e da economia no Brasil. Ou seja, sem a estabilidade econômica não haveria como promover as reformas em relação ao modelo Nacional- Desenvolvimentista, que dava sérios sinais de fadiga, como afirmam os autores51. O Plano Real também levou a uma adesão política à candidatura governista:

A “era do Real” teve o significado de uma “conjuntura crítica”, isto é, de uma grande mudança na posição relativa dos atores políticos e sociais em relação aos instrumentos de poder e às preferências (...) A essa mudança na situação dos agentes somou-se a capacidade do presidente Fernando Henrique de montar e manter por um bom tempo uma coalizão capaz de fazer alterações na antiga estrutura, segundo os objetivos determinados por FHC (...) Uma bem-sucedida política antiinflacionária tornava-se um importante recurso de poder para seus patrocinadores, facilitando a vitória eleitoral num primeiro momento e a construção de coalizões num segundo (COUTO e ABRUCIO, 2003, 276).

Assim, afirmam os autores, o Real favoreceu uma aglutinação das forças políticas em torno da candidatura de Fernando Henrique Cardoso, o que, posteriormente, também possibilitou ao presidente eleito manter uma coalizão que sustentasse as alterações que desejava fazer na estrutura estatal brasileira. Dessa forma, após a posse do novo presidente, a manutenção do êxito inicial do Plano Real e sua continuidade passaram a ser defendidas como prioridade não do governo, mas do país.

50 Kotscho (2006) mostra a influência dos economistas Maria da Conceição Tavares e Aloisio Mercadante sobre o discurso do PT de que o Plano Real era fadado ao fracasso. O livro também revela como a direção do partido percebeu o erro de avaliação sobre o impacto do Plano Real às vésperas da vitória de Fernando Henrique. 51 A avaliação de que o modelo econômico vigente apresentava esgotamento também havia sido feita pelo programa Mãos à obra e por discursos do candidato Fernando Henrique, como vimos acima.

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Sendo assim, passou-se a defender como sinal de responsabilidade política a adesão e o apoio à agenda do Plano Real, que implicava sustentar também reformas estruturais apontadas como vinculadas à estabilidade de longo prazo. Isso, por um lado, reduzia o campo de manobra da oposição, por outro, amortizava substancialmente os custos da adesão ao governo e, conseqüentemente, da entrada na coalizão governamental (Idem, 2003, pgs. 276).

A aliança era inicialmente composta pelo PSDB e PFL, que formaram a chapa presidencial, e mais o PTB. Em seguida, juntaram-se o PMDB e o PPB. Essa coalizão, de acordo com os autores, permitiu ao governo obter uma maioria na Câmara e no Senado que atingia cerca de 75% das cadeiras nas duas Casas, “percentual mais que suficiente para aprovar a série de emendas constitucionais, cujo fito era desbloquear o caminho para que as reformas fossem feitas” (Idem, 2003, pgs. 276-277). Com efeito, durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique (1995/1998) o Congresso aprovou 16 emendas constitucionais enviadas pelo Executivo. As cinco primeiras, aprovadas ainda em 1995, eram todas referentes à desregulamentação dos mercados, à desestatização e à abertura econômica, o que já demonstrava as linhas do projeto econômico do governo tucano. A mais controversa dessas emendas acabava com o monopólio estatal na exploração do petróleo, aprovada graças à popularidade do presidente em início de mandato e à força de sua aliança no Congresso, frisam Couto e Abrucio (2003). No segundo ano de mandato, em 1996, o Congresso aprovou seis emendas, das quais quatro merecem destaque: as duas que criaram o FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) e a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira) - o que dava alívio fiscal ao governo - e outras duas que promoviam a desestatização do setor de seguros e criavam o Fundef (Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental). Em 1997, o ritmo de aprovação das emendas foi menor, como relembram os autores, embora tenham sido aprovadas a emenda da reeleição - uma das que gerou mais controvérsias - e a de renovação do FEF. No último ano do primeiro mandato foram aprovadas outras duas grandes emendas,

79 relativas às reformas Administrativa e Previdenciária, e mais uma que alterava o regime constitucional dos militares. Sobre as alterações constitucionais que possibilitaram a privatização das empresas estatais - tema que aprofundaremos no segundo capítulo mostrando como o governo utilizou o BNDES como ferramenta para as desestatizações - os autores afirmam:

Um dos aspectos centrais da agenda governamental nesse primeiro governo foi a privatização de empresas estatais, para a qual se revelou imprescindível a aprovação de mudanças constitucionais, pois a Carta de 1988 impedia que o setor privado atuasse em setores em que o Estado detinha monopólio; era o caso dos setores de gás canalizado, telecomunicações e petróleo. Fernando Henrique Cardoso, em seu primeiro mandato, lançou as bases do que seria um novo modelo da relação Estado-mercado, passando ao setor privado boa parte de um imenso patrimônio acumulado ao longo de algumas décadas (Idem, 2003, p.278).

As privatizações foram, portanto, um dos principais pontos da agenda governamental do primeiro mandato do governo tucano. Para tanto, eram imprescindíveis as mudanças constitucionais na Carta de 1988, visto que o texto impedia a atuação do setor privado nos setores em que o Estado detinha o monopólio. Com as privatizações, o presidente Fernando Henrique Cardoso lançava as bases de um novo modelo na relação entre Estado e mercado que passaria a vigorar no país, com transferência à iniciativa privada de boa parte da produção industrial que pertencia ao Estado. Como abordaremos no segundo capítulo, a venda das estatais também estava atrelada à consolidação da estabilidade econômica inaugurada pelo Plano Real, como analisam Pinheiro e Giambiagi (2000). Couto e Abrucio (2003) ressaltam que outro setor no qual as privatizações tiveram importância foi o bancário. Neste caso, estavam vinculadas à renegociação das dívidas estaduais, “um dos elementos centrais do relacionamento entre estados e União durante o primeiro mandato” (Idem, 2003, p.278). Embora o detalhamento desse tema esteja além do escopo do nosso trabalho, torna-se importante ressaltar que, com a renegociação das dívidas

80 estaduais, houve uma recentralização política na União e a imposição de um ajuste fiscal aos Estados pelo governo federal. Importante mencionar, também, a criação do Fundo Social de Emergência, instituído antes mesmo da eleição do presidente Fernando Henrique e que desvinculava as receitas arrecadadas pela União que fossem atreladas a gastos ou a transferências compulsórias aos governos subnacionais. Criado no governo do presidente Itamar Franco (1992/1994), o fundo foi posteriormente renovado por três vezes durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique (1995/2002), renomeado como FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) e como DRU (Desvinculação das Receitas da União). A reestruturação financeira empreendida pelo primeiro governo tucano também levou à criação do Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) e do Proes (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Estadual).

Este segundo, voltado aos bancos estaduais, foi integrado à política geral de renegociação das dívidas dos entes subnacionais ao mesmo tempo que se inseria num processo mais amplo, de saneamento geral do sistema bancário. O Proer, embora tenha ganhado notoriedade pelo socorro financeiro que propiciava, articulava-se à criação de parâmetros mais sólidos para o funcionamento dos bancos privados (Idem, 2003, p.280).

Como mostram os autores, o Proes estava integrado à renegociação das dívidas estaduais, ao mesmo tempo em que integrava o processo de saneamento geral do sistema bancário. O Proer, por sua vez, visava a criar parâmetros mais sólidos para o funcionamento dos bancos privados, embora tenha ganhado mais notoriedade pelo socorro financeiro aos bancos. O Proer originou-se como resposta à quebra de importantes instituições financeiras, o que levou o Banco Central a intervir, promover fusões e aquisições no setor bancário e a socorrer bancos falidos a fim de salvaguardar os correntistas e o próprio sistema. Embora os recursos destinados ao Proer tivessem como fonte os depósitos compulsórios recolhidos ao BC pelas próprias instituições financeiras, a oposição atacou o programa como uma evidência de que o governo favorecia banqueiros com dinheiro público. “A despeito disso, seguiu

81 em frente e foi de fato realizada uma grande reforma, adequando o sistema bancário aos padrões internacionais, definidos pelo Acordo de Basiléia” (Idem, 2003, p.290). Dessa forma, apesar das críticas, o governo federal executou a reestruturação do sistema financeiro e evitou uma crise sistêmica que, na opinião de Couto e Abrucio (2003), teria sido fatal para a estabilidade econômica. Além disso, o Brasil passava a ter um sistema financeiro forte, capaz de resistir às turbulências internacionais, como assim observou o então presidente demissionário do BC, Gustavo Loyola, em entrevista ao jornal O Estado de SP no ano de 1997, citado pelos autores. Dessa forma, as medidas adotadas para reestrutura o sistema financeiro “afastam definitivamente o perigo de uma crise sistêmica, que teria sido mortal para o plano de estabilização [...] diferentemente de outras economias, o Brasil tem hoje um sistema financeiro forte, capaz de resistir a turbulências de mercado” (O Estado de São Paulo, 1997, “entrevista com Gustavo Loyola”, in COUTO e ABRUCIO, 2003). Como resposta às diversas crises do mercado de capitais (crises do México, do Sudeste Asiático e da Rússia), o governo manteve as taxas de juros elevadas, a fim de evitar a saída de capitais. As altas taxas de juros também tinham a função de sustentar a âncora cambial, atraindo divisas, na qual estava alicerçada a estabilidade econômica, como ressaltam os autores. Como efeito colateral dos juros altos, os autores informam - tendo como fonte o Banco Central - que a dívida interna passou de R$ 108,6 bilhões em janeiro de 1995 para R$ 328,7 bilhões em dezembro de 1998, um aumento de 202,63%. O crescimento maior da dívida, nesse período, ocorreu sobre a União, cujo valor passou de R$ 32,2 bilhões para R$ 192,45 bilhões, um aumento de 497,59%. A dívida estadual passou de R$ 50,3 bilhões para R$ 124,75 bilhões, uma expansão de 148,09%. A diferença entre esses percentuais se deu em razão da renegociação das dívidas dos Estados, em juros menores do que os aplicados nas dívidas da União, e pelo governo federal ter assumido uma série de dívidas não reconhecidas, denominadas de “esqueletos”. A dívida líquida do setor público consolidado passou de 20,77% do PIB, em 1995, para 35,53%, em 1998, o que comprometeu a solvência do Estado

82 brasileiro e aumentou os receios dos detentores dos títulos públicos, na análise dos autores. O déficit em transações correntes subiu de US$ 1,38 bilhão para US$ 3,66 bilhões, ao mesmo tempo em que as reservas internacionais diminuíam, reforçando as incertezas dos investidores. As reservas internacionais alcançaram US$ 74,66 bilhões em abril de 1998, mas terminaram o ano em redução contínua, no valor de US$ 44,56 bilhões, em decorrência das turbulências financeiras internacionais. Tal situação levou o governo brasileiro a renegociar um novo acordo com o FMI com o objetivo de sanar suas dificuldades com o balanço de pagamentos. No que tange ao cenário político-eleitoral, a crise financeira poderia ter provocado a rejeição à candidatura do presidente Fernando Henrique à reeleição naquele ano, ressalvam Couto e Abrucio (2003). No entanto, o eleitorado aderiu à argumentação da campanha governista de que, naqueles momentos difíceis, não se poderia trocar o certo pelo duvidoso e deveria eleger um candidato habilitado a lidar com crises econômicas, no caso, o presidente tucano. Assim, Fernando Henrique venceu o concorrente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez mais, no primeiro turno.

1.1.8 – O governo do presidente Lula e a melhoria dos índices econômicos

Para entendermos a maior inflexão desenvolvimentista do BNDES a partir de 2007, como veremos no capítulo 3, consideramos importante contextualizar os resultados econômicos e as finanças públicas dos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2006 e 2007/2010) para embasar o ativismo estatal do segundo mandato. Essa análise tem em vista que os empréstimos do Tesouro Nacional aos bancos públicos (como o BNDES), feitos com o objetivo de elevar a oferta de crédito no país, impactam a dívida pública federal, pois são obtidos a partir de emissão de papéis da dívida. Como esses repasses do Tesouro cresceram a partir da crise financeira de 2008, como veremos no capítulo 3, avaliamos que era necessário ao governo federal ter uma boa situação em relação às contas públicas a fim de

83 sustentar os custos fiscais dessas transferências, com efeito sobre a dívida pública federal. Esse impacto sobre a dívida foi analisado pelo jornal O Estado de S. Paulo (23 out. 2012), após divulgação dos números da dívida pública de setembro de 2012 pelas autoridades do Tesouro Nacional. Embora o ano de 2012 não esteja dentro de nosso período de análise, a matéria do jornal serve para ilustrar como as transferências do Tesouro ao BNDES e outros bancos públicos influenciam o resultado da dívida pública. De acordo com dados do Tesouro Nacional informados pelo jornal, a dívida pública, que inclui o endividamento interno e externo, chegou a R$ 1,9 trilhão em setembro de 2012, uma alta de 2,02% em relação a agosto. O aumento foi de R$ 37,65 bilhões, pressionado pelo aporte de R$ 21,1 bilhões do governo federal à Caixa Econômica Federal e ao Banco do Brasil e pela correção dos juros no estoque de títulos públicos. Ao longo de 2012, o Tesouro já havia liberado R$ 61,1 bilhões ao BNDES, Caixa e BB em empréstimos de longo prazo feitos por meio de títulos públicos, “que na prática funcionam como aumento de capital” (O Estado de S. Paulo, 23/10/2012). Se não fossem os empréstimos concedidos ao longo do ano, explica o jornal, a dívida teria caído R$ 22,5 bilhões até setembro por causa do resgate de títulos feitos pelo Tesouro sem a contrapartida de emissões de novos papéis. A previsão era de que, em outubro de 2012, a dívida sofreria o impacto de mais um empréstimo ao BNDES, no valor de R$ 20 bilhões. Dessa forma, retornando à análise do cenário econômico de 2003, é necessário contextualizar que o desempenho da economia brasileira seria muito favorecido ao longo dos anos seguintes pelo contexto positivo da economia internacional, o qual se estenderia até a crise financeira de 2008, de acordo com Giambiagi e Além (2011). Tendo como fonte levantamentos do FMI, os autores destacam que entre 2003 e 2007 a taxa média anual de crescimento da economia mundial foi de 4,6%, percentual só comparável à taxa média anual da expansão econômica mundial verificada no período entre 1961 e 1970, que foi de 4,7%. Os números do FMI mostram que, entre 1971 e 1980, o crescimento médio anual da economia mundial foi de 3,9%; entre 1981 e 1990, de 3,1%; de

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1991 a 2000, 3,3%; entre 2001 e 2010, de 3,3%, e nos anos de 2008 a 2010, 1,6%, este último percentual em função da crise financeira mundial. “Nesse contexto, o Brasil experimentou, sem dúvida, uma recuperação em relação ao padrão de crescimento de anos anteriores, embora seu desempenho tenha ficado aquém no cotejo com outros países considerados emergentes” (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.193). Assim, embora com desempenho abaixo de outras economias em desenvolvimento52, o país registrou um crescimento médio do PIB de 4,0% ao ano entre 2003/2010, período que cobre os dois mandatos do presidente Lula, percentual superior às médias de 2,5% a.a. de 1991/2000 e de 2,3% a.a entre 1995/2002. Esse último período cobre os dois mandatos do presidente Fernando Henrique, com a economia estabilizada após o Plano Real. Entre os motivos para a melhoria da economia mundial a partir de 2003, ressaltam Giambiagi e Além (2011), estão a expansão da demanda, uma significativa abundância de liquidez – resultado da combinação entre a expansão mundial e uma taxa de juros muito baixa, como a dos juros longos dos títulos do Tesouro dos EUA, com rendimento real abaixo de 2% - e o forte crescimento da economia chinesa, cuja média anual foi de 10,2% entre 2003/2010, de acordo com dados do FMI. A expansão da economia no país asiático gerou uma elevação das commodities no mercado mundial, seguida do aumento dos índices de preços externos em geral. Ao analisarem os índices em dólares das exportações brasileiras, no período entre 2002 e setembro de 2010, de acordo com dados da FUNCEX (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior), os autores afirmam:

Quando se compara o índice de preços médio das exportações brasileiras, em face da maior elevação das cotações dos produtos básicos e semimanufaturados, esse aumento foi de notáveis 125%. Para ter uma ideia do contraste com anos anteriores, o mesmo índice anual do total das exportações brasileiras sofrera uma queda acumulada de 17% nos 4 anos 1999/2002 (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.193).

52 No período 2003/2010 a economia chinesa teve expansão média de 10,2% ao; a indiana, de 7,8%; a russa, de 4,4%; a angolana, de 11,9%; a argentina e a peruana, de 6,2%, cada uma delas, entre outros. Mas vale ressalvar, também, que outros países emergentes tiveram crescimento médio anual abaixo do Brasil, como a Coreia do Sul, 3,3%, África do Sul, 3,2%, e Chile, 3,8%. Fonte: FMI in Giambiagi e Além (2011). 85

O trabalho mostra, portanto, que a forte elevação dos preços dos produtos básicos e semimanufaturados impulsionou o índice de preços médios das exportações brasileiras durante o governo do presidente Lula, em contraste com os quatro anos do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, quando o índice sofreu uma queda. Em consequência do bom momento da economia internacional, os autores avaliam que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou esse cenário para reduzir a exposição do país aos riscos externos.

Depois de 10 anos de pesados déficits consecutivos nas transações correntes, o desempenho da Balança Comercial possibilitou ao Brasil passar por vários anos sucessivos de superávit em conta-corrente, que na média de 2003/2007 foi de US$ 9 bilhões de dólares/ano (...) A partir de 2008, o maior crescimento do PIB vis-à-vis a economia mundial, combinado com a apreciação cambial, trouxe de volta os déficits em conta-corrente elevados (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, pgs.194-195).

Assim, os autores citam dados do Banco Central para mostrar que, após uma década de déficits nas transações correntes, o Brasil apresentou superávits consecutivos em conta-corrente, entre 2003/2007, com média de US$ 9 bilhões de dólares ao ano, graças ao desempenho da balança comercial. No entanto, a partir de 2008 os déficits em conta-corrente retornaram, apresentando valores negativos de US$ 28,2 bilhões em 2008, US$ 24,3 bilhões em 2009 e US$ 50 bilhões em 2010, também de acordo com o BC. Giambiagi e Além (2011) frisam que os sucessivos superávits em conta- corrente no período 2003/2007, aliados à contínua entrada de IED (Investimento Estrangeiro Direto)53, permitiu ao país reduzir os coeficientes de endividamento externo. De acordo com dados do Banco Central, citados pelos autores, entre dezembro de 2002 e dezembro de 2009 a dívida externa foi reduzida em US$ 13 bilhões, ao mesmo tempo, as reservas internacionais do país aumentavam US$ 201 bilhões. Esse processo diminuía a dívida externa líquida em US$ 201 bilhões em relação aos US$ 173 bilhões de dívida externa líquida observados em 2002.

53 No capítulo 2, faremos uma abordagem mais detalhada sobre IED no Brasil. 86

Como, ao mesmo tempo, as exportações deram um salto em termos absolutos, o coeficiente de endividamento dívida externa líquida/exportações tornou-se negativo. Nesse processo, o setor público brasileiro tornou-se credor líquido, ou seja, as reservas do Banco Central tornaram-se maiores que a soma da dívida externa bruta do governo central, estados e municípios e das empresas estatais (Idem, 2011, p.196).

Assim, de acordo com os autores, o crescimento das reservas internacionais e das exportações levou à redução do coeficiente de endividamento dívida externa líquida/exportações, que se tornou negativo. Além disso, o setor público brasileiro tornou-se credor líquido. Ou seja, as reservas do BC ficaram acima da soma da dívida externa bruta dos entes da federação e das empresas estatais. As contas públicas foram beneficiadas também pela queda das taxas de juros ao longo dos dois mandatos do presidente Lula. Para efeito de comparação, entre 1999/2002 (segundo mandato do presidente Fernando Henrique), a taxa Selic nominal havia sido de 20% em média, de acordo com números do Banco Central. Já entre 2007/2010, quatro anos do segundo mandato do presidente Lula, a taxa Selic média cedeu para 11%, com algumas oscilações ao longo do período. Antes do processo de queda, a taxa Selic anual chegou a 23% em 2003, em razão da política monetária rigorosa para combater a inflação no primeiro ano do mandato petista, cedeu para 16% em 2004 e voltou a aumentar até 19% em 2005, “para combater a combinação de inflação de custos – pela alta das commodities – e de demanda a partir da segunda metade de 2004 e cedendo novamente para 15% em 2006, oscilando entre os níveis anuais de 10% e 13% nos 4 anos seguintes” (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, pgs. 196/197). Pela análise dos autores, em termos fiscais “a combinação de juros moderadamente declinantes com uma relação dívida pública/PIB também cadente levou a uma ligeira diminuição da despesa nominal com juros do setor público consolidado” (Idem, 2011, p.197). De fato, como informa o Banco Central, essa despesa nominal com juros foi de 7,6% do PIB em 2002, cresceu para 8,5% do PIB em 2003, mas, em seguida, situou-se em torno de 7% do PIB, até cair para valores entre 5% e 6% do PIB entre 2006 e 2010.

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De acordo com os autores, o governo petista colocou como uma de suas prioridades a redução da dívida pública, que chegou a 60% do PIB ao final do governo do presidente Fernando Henrique, em 2002, apesar do ajuste fiscal iniciado em 1999. Quando o dirigente tucano assumiu, em 1995, esse percentual era de 30%, de acordo com números do BC, mencionados por Giambiagi e Além (2011). Esses números já levam em conta o novo PIB recalculado pelo IBGE em 2007. No entanto, embora o governo do presidente Lula visasse à redução da dívida pública, esse processo ficou condicionado, em 2003, ao fato de que a política monetária rigorosa atuava contra tal objetivo devido ao tamanho das despesas com juros e ao efeito do baixo crescimento do PIB sobre relação Dívida/PIB. No entanto, nos anos seguintes, esse quadro começou a mudar:

Primeiro, a taxa de juros real cedeu. Segundo, o efeito dos superávits primários elevados se fez notar (...) Terceiro, a apreciação real da taxa de câmbio fez “derreter” o valor real da dívida externa do setor público afetada pela citada variável. E quarto, o maior crescimento do PIB colaborou decisivamente para uma redução da relação Dívida Pública/PIB (Idem, 2011, p.202).

Dessa forma, as taxas de juros descendentes, os superávits primários elevados, a apreciação da taxa de câmbio e o maior crescimento do PIB contribuíram para a redução da dívida pública, que fora de 60,6% do PIB em 2002 e cedeu a 39,1% do PIB em 201054, de acordo com o Banco Central. Por hipótese, podemos supor que essa diminuição deu certa folga ao governo para lançar novos papéis da dívida pública visando à captação de recursos para repassar ao BNDES e aos demais bancos públicos, a partir da crise financeira de 2008, com o objetivo de ampliar a oferta de crédito de longo prazo. Do ponto de vista político e de reformas do Estado, o presidente Lula assumiu, em janeiro de 2003, cercado de dúvidas sobre os rumos da economia em seu governo. Havia incerteza quanto à continuidade das reformas do governo tucano, temia-se que o governo não conseguisse maioria no Congresso, em razão da

54 Em 2003, a relação Dívida Pública/PIB (meses de dezembro) fora de 54,9%, em 2004, de 50,6%; em 2005, de 48,2%; em 2006, 47%; 2007, 45,1%; 2008, 38,4%; 2009, 42,8% (Fonte: Banco Central in GIAMBIAGI e ALÉM, 2011) e 2010, 39,1% (Fonte: BCB) . 88 trajetória refratária a alianças do PT, e havia desconfiança sobre a disposição do governo petista de adotar medidas econômicas ortodoxas para reverter um cenário de inflação ascendente, déficit público de mais de 4% do PIB e risco- país elevado (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011). Para acalmar os mercados, o presidente Lula nomeou como ministro da Fazenda o coordenador do programa de governo, o então prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci, que havia estabelecido pontes com o status quo financeiro e industrial ao longo da campanha eleitoral. Para presidir o Banco Central, Lula escolheu o banqueiro Henrique Meirelles, que havia sido eleito deputado federal pelo PSDB. Essas duas nomeações demonstraram habilidade do governo em afastar os temores iniciais em relação à política econômica. Ao mesmo tempo, o risco país cedeu de 1.500 pontos no final de 2002, para 500 pontos ao fim de 2003, movimento auxiliado pela melhoria no contexto internacional. Além disso, o governo anunciou a Reforma Tributária e a Previdenciária dos servidores públicos, o que reforçou o “comprometimento do país com a sequência de mudanças constitucionais que tinha caracterizado o Governo FHC” (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.199). Assim, embora posteriormente a abrangência das reformas do governo petista se mostrasse bem menos ambiciosa, o anúncio dessas medidas contribuiu para restabelecer a confiança no mercado em relação à manutenção da política econômica estabelecida no país. Simultaneamente, o governo agiu para fortalecer sua base política:

Lula acabou formando uma ampla coalizão governamental, apesar do caráter minoritário no Congresso do conjunto dos partidos que formalmente tinham tomado parte da coligação com a qual venceu as eleições. Com isso, o receio de uma eventual ameaça de ingovernabilidade, tão comum na América Latina em casos em que o partido do presidente está em minoria no Congresso, dissipou-se muito depressa (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, pgs. 199- 200).

Dessa forma, ressaltam os autores, o presidente petista conseguiu formar uma ampla coalizão no Congresso, o que assegurou a governabilidade do novo dirigente. Ao mesmo tempo, as medidas econômicas ortodoxas adotadas nos campos monetário e fiscal o tornaram ainda mais confiável aos olhos do mercado e demais agentes econômicos.

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Entre as políticas ortodoxas adotadas estiveram o aumento da taxa Selic e a ampliação da meta de superávit primário a 4,25% do PIB, para o período de 2003/2006, acima da meta de 3,75% estabelecida pelo governo do presidente Fernando Henrique no planejamento orçamentário para 2003. No caso das reformas, a Tributária limitou-se à renovação da DRU (Desvinculação de Receitas da União), como mecanismo para diminuir o grau de rigidez do Orçamento, e da CPMF, com alíquota de 0,38% por um novo período de quatro anos. A Reforma da Previdência teve como principal efeito o aumento do teto do INSS, em torno de 30% em relação ao vigente na época, e a taxação de 11% sobre o salário dos funcionários públicos inativos apenas sobre a parcela que excedesse o teto do INSS, o que limitava o alcance da proposta.

Entretanto, uma vez restabelecida a confiança no país, as insuficiências das reformas aprovadas foram deixadas de lado pelo mesmo mercado que meses antes clamava por demonstrações de comprometimento reformista. A inequívoca ortodoxia monetária, somada ao aperto fiscal, no contexto do que com o tempo configurou- se com uma situação internacional excepcional e que perdurou durante anos, encarregou-se de dissipar as demandas por maiores reformas (IDEM, 2011, p.191).

Assim, a ortodoxia econômica, aliada a um contexto internacional favorável, substituiu a insuficiência das reformas e acalmou o mercado que, antes, demandava essas mesmas reformas. No entanto, ressalvam os autores, Lula procurou agradar aos dois lados do espectro político-ideológico. Com efeito, ao mesmo que adotava o rigor monetário, também determinava à sua equipe aumentar o poder aquisitivo do salário mínimo, apesar do impacto sobre as contas da Previdência Social, e ampliar as dotações orçamentárias para o programa que viria a ser o Bolsa- Família – uma ampliação dos programas sociais Bolsa-Escola (que garantia benefícios às famílias com crianças na escola), Auxílio-Gás (que subsidiava o custo do botijão) e o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), criados na gestão do presidente Fernando Henrique.

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Capítulo 2 As privatizações e o BNDES como braço executor

No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), o projeto principal era o da estabilidade econômica, para o qual as privatizações foram suporte fundamental e o BNDES entrou como braço do Estado que financiou essas operações. O discurso em favor da privatização ganhara força ao final da década de 1980, sob o argumento de que o Estado estava exaurido para realizar investimentos em infraestrutura, assim como as estatais estavam descapitalizadas para realizar essas inversões 55 . Daí a necessidade de transferência do processo produtivo e da infraestrutura do Estado para o mercado. Tal argumento teve forte adesão da opinião pública, via meios de comunicação de massa, como demonstra o trabalho de Fonseca (2005). Como abordamos no primeiro capítulo, Franco (1998) aponta o modelo nacional-desenvolvimentista como responsável pela perda da competitividade nacional, afastamento de investimentos estrangeiros, inflação e má distribuição de renda no país. O autor defende, enfaticamente, a abertura comercial do Brasil e aumento da concorrência, com objetivo de encerrar o modelo de SI (Substituição de Importações) no país, o que incluía a venda de patrimônio público à iniciativa privada. Em entrevista a este trabalho, em outubro de 2011, o ex-presidente do Banco Central (1997/1999) reiterou o conteúdo daquele trabalho:

55 Essa teoria é defendida pela assessora da presidência do BNDES, Ana Cláudia Além, em trabalho de 2012 e em entrevista a este trabalho. Optamos pela entrevista com a economista e por utilizar seus textos pela relevância de seu cargo e por ter escrito trabalhos sobre o BNDES abordando tanto o período da privatização no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) como a atuação do banco durante o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010), o qual detalharemos no Capítulo 3. 91

O modelo Nacional-Desenvolvimentista degringolou num modelo que tinha como pilares autossuficiência, de um lado, que é um objetivo tolo num mundo globalizado, que você só tem na Coreia do Norte e em Cuba, e o inflacionismo, uma vez que a sociedade não se dispunha a pagar todos os impostos necessários para custear todas as intervenções do Estado na economia que os desenvolvimentistas achavam que era importante fazer. Portanto, mais e mais esse era um modelo que estressava a capacidade da sociedade de tolerar a tributação através da inflação e a capacidade de tributar o consumidor comum, sendo obrigado a comprar carroças e produtos artificialmente caros porque nós não podíamos importar nem os produtos nem os insumos para ter uma produção minimamente competitiva. A hiperinflação foi o ápice desse negócio, foi o clímax do colapso deste modelo Nacional-Desenvolvimentista. Esse modelo morreu. O consumidor, essa entidade abstrata, não merecia nenhum respeito num mundo aonde era essencial industrializar o Brasil, a qualquer custo.

A crítica de Franco ao Nacional-Desenvolvimentismo brasileiro está inserida nos questionamentos sobre a eficiência do modelo Nacional- Desenvolvimentista, o que difere da rejeição ao chamado Consenso Keynesiano, manifestada na Europa ao final da década de 1970. No caso das críticas ao Nacional-Desenvolvimentismo, visava-se à transformação de um modelo que, por meio do Estado, estruturou o sistema capitalista industrial em países que, até então, possuíam uma economia predominantemente rural, como no caso do Brasil56. Já na Europa, o objetivo era reimpulsionar a economia e reverter problemas como a inflação, recessão, e o déficit público, atribuídos ao Consenso Keynesiano, que nas décadas anteriores levou à formação do Estado de Bem-Estar Social em economias desenvolvidas57. Para Giambiagi e Além (2011), a deterioração das contas públicas nos países desenvolvidos, resultado dos gastos com o Estado previdenciário e da impossibilidade de novos aumentos da carga tributária, foi a responsável por colocar em xeque o modelo Keynesiano. O historiador Inglês Tony Judt (2008)58 faz a seguinte análise da contestação a esse modelo, que teve como resposta as privatizações na Europa, começando pela Grã-Bretanha:

56 Sobre a estruturação do capitalismo brasileiro pelo Estado, ver Belluzzo (2009). 57 Para mais detalhes sobre essa transformação no sistema econômico dos países europeus, ver Judt (2008 e 2010). 58 Escolhemos Tony Judt (1948/2010) como referência por ser um historiador inglês especialista em Estudos Europeus, que lecionava na Universidade de Nova York, defensor da social-democracia clássica, e cujo livro Pós-Guerra: Uma história da Europa desde 1945, cobre de forma detalhada a História da Europa a partir de 1945. Escolhido como um dos melhores livros do 2007 por veículos da Imprensa europeia e americana. 92

Desde a década de 1930, as políticas públicas fundamentavam-se num inquestionável consenso “keynesiano”. A suposição era de que planejamento econômico, déficit financeiro e pleno emprego eram desejáveis e mutuamente sustentáveis. Os críticos desse consenso propunham duas linhas de argumentação. A primeira, simplesmente, era de que o conjunto de serviços sociais e provisões aos quais os europeus ocidentais se habituaram não tinha como ser sustentado. O segundo argumento, apresentado com maior veemência na Grã- Bretanha – onde a economia nacional cambaleara, de crise em crise, durante quase todas as décadas do pós-guerra -, era que, sustentável ou não, o Estado intervencionista representava um empecilho ao crescimento econômico (JUDT, 2008, p.537).

Uma parcela dos críticos, portanto, passava a questionar a eficácia do consenso Keynesiano, a partir da constatação de que os governos não tinham mais condições econômicas de sustentar o chamado Estado de Bem-Estar Social. Outra parcela, majoritariamente Inglesa, afirmava que o Estado intervencionista dificultava o crescimento do país nas décadas seguintes à Segunda Grande Guerra. Com efeito, a partir do governo da primeira-ministra Margareth Thatcher (1979/1990), a Grã-Bretanha dá início ao processo de privatização de suas empresas estatais, fazendo renascer as ideias liberais que vigoraram até a Grande Depressão de 1930. Thatcher buscava uma redefinição do papel do Estado na Economia para impulsionar os negócios privados e o crescimento econômico por meio do mercado, sob o argumento de modernização do país. Ao lado do aspecto econômico, as reformas e privatizações na Grã- Bretanha foram também sustentadas por valores morais do Partido Conservador, tão bem simbolizados pelo estilo de Margareth Thatcher 59 . “‘Thatcherismo’ significava diversas coisas: redução de impostos, livre- mercado, livre-iniciativa, privatização de indústrias e serviços, valores vitorianos, patriotismo, ‘o indivíduo’”, sintetiza Judt (2007, p.541)60.

59 O filme A Dama de Ferro (2011) detalha a formação do pensamento conservador de Margareth Thatcher e como ela aplicou essas crenças pessoais à frente do governo. O filme também revela a admiração que a primeira-ministra tinha pelo american way of life e como procura injetar na sociedade inglesa e europeia a ambição pela riqueza e sucesso por meio do trabalho árduo, em substituição ao que considerava um apego desmedido e pouco produtivo à História do continente. Nesse período, explode no país o fenômeno dos novos ricos, jovens que, do dia para noite, ficam milionários graças a bem sucedidas operações financeiras na Bolsa de Valores. 60 No livro Il Fares de Land, publicado em 2010, pouco antes de sua morte, o historiador analisa o legado deixado pelas políticas econômicas de caráter liberal adotadas na Inglaterra e demais países europeus, acusando-as de serem responsáveis pelo aumento das 93

Embora os eventos econômicos na Europa tenham influenciado a América Latina, a reforma do Estado e as privatizações neste continente apresentam uma natureza diferente, de crítica ao Nacional- Desenvolvimentismo, como mencionamos acima. Giambiagi e Além (2011) analisam da seguinte maneira as origens dos problemas econômicos latino- americanos que foram resultar na liberalização econômica:

Na América Latina, por sua vez, a deterioração fiscal esteve estreitamente ligada à crise da dívida externa do início da década de 1980 e à consequente interrupção dos fluxos de financiamento externo. A crise também se refletiu em uma deterioração da situação econômico-financeira das empresas estatais, o que decorreu, principalmente, de sua utilização como instrumento de política econômica: seja na manutenção do reajuste de tarifas abaixo da inflação – com objetivos anti-inflacionários -, seja pelo alto endividamento dessas empresas em razão da necessidade de captação de recursos externos. Como consequência, houve, em muitos casos, a necessidade crescente de transferência de recursos fiscais federais para arcar com as necessidades operacionais das empresas estatais, o que aumentava os custos políticos de sua sustentação (Idem, 2011, p.380).

A América Latina apresentava, dessa forma, problemas fiscais relacionados à crise da dívida externa da década de 1980 e à interrupção de empréstimos externos que financiavam o Nacional-Desenvolvimentismo. As empresas estatais foram atingidas por terem sido utilizadas como instrumento de política econômica, ao praticarem tarifas defasadas e servirem para captação de recursos externos, o que aumentou seu endividamento, segundo os autores. Como resultado, os governos centrais foram obrigados a repassar recursos às estatais para sustentar suas operações, o que comprometeu investimentos em setores chaves da infraestrutura. A partir desse cenário de esgotamento do Estado, agravado por quadros de hiperinflação, baixo crescimento e baixa produtividade, começou a ganhar força, na opinião pública, a corrente de pensamento que defendia as privatizações e a abertura comercial como forma de melhorar as contas públicas e proporcionar um desenvolvimento econômico baseado nas forças do mercado, e não mais no intervencionismo estatal.

desigualdades e da criminalidade. Social-democrata convicto, Tony Judt defende as bases do modelo clássico da social-democracia do Pós-Guerra. 94

Como consequência da crise fiscal, a venda de ativos produtivos do Estado passou a ser vista como forma de viabilizar uma melhora da situação das finanças públicas: por um lado, os recursos gerados colaborariam para uma redução do estoque da dívida pública; por outro, a transferência de propriedade das empresas estatais representaria a redução da demanda por recursos fiscais, à medida que a operação das empresas e mesmo a ampliação de sua capacidade produtiva deixariam de ser responsabilidade do Estado (IDEM, 2011, p.380).

As ideias liberais ganharam força no continente em decorrência, também, de eventos externos como a liberalização econômica em países asiáticos – que ficaram conhecidos como tigres asiáticos e tiveram seus desempenhos elogiados pelo Banco Mundial61 -, o Consenso de Washington, além das privatizações europeias. Países como Chile, Argentina e México foram os pioneiros na adoção de políticas liberalizantes. No Brasil, o processo de privatização de empresas e abertura comercial se dará posteriormente ao desses Estados, com apoio de boa parte da opinião pública62:

No Brasil, apesar de se iniciar, efetivamente, na década de 1980, é apenas a partir dos anos 1990 que o programa de privatização vai se tornar uma das prioridades da política econômica. De fato, esse processo deve ser visto em um contexto mais amplo de reformulação do papel do Estado na economia, onde o Estado produtor cede cada vez mais espaço para o Estado regulador (...) a venda das empresas estatais não significaria apenas a geração de recursos que contribuiriam diretamente para uma melhora da situação das finanças públicas, mas, sobretudo, a transferência delas para o setor privado, com condições financeiras mais sólidas e, consequentemente, mais apto a investir não apenas na ampliação da capacidade dos setores de infraestrutura, como também em sua modernização (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, pgs.381-382).

Portanto, embora tenha começado de maneira tímida na década de 1980, somente na década de 1990 a privatização tornou-se uma prioridade da

61 Para mais detalhes ver The East Asian Miracle: Economic growth and public policy ( World Bank, 1993) 62 Fonseca (2005) analisa a mudança da opinião pública no Brasil a respeito do modelo econômico nacional e a visão sobre o papel do Estado, ao detalhar, criticamente, o papel dos principais jornais do país na disseminação e adoção das ideias privatizantes no Brasil ao final da década de 1980. O autor procura desmistificar que o modelo Nacional-Desenvolvimentista estivesse esgotado no país. Para ele o status quo econômico e político, vocalizado pela Imprensa, aderiu a um projeto internacional já pronto e acabado, elaborado por órgãos de influência internacionais, como o G7 (grupo dos sete países mais ricos), pelas agências financeiras sujeitas à influência norte-americana e por think-tanks influentes. “Estes polos de poder tinham enorme capacidade de pressão ideológica e de imposição de obstáculos os mais diversos, sobretudo no que tange à renegociação das dívidas dos países devedores” (FONSECA, 2005, p.447), como no caso do Brasil. 95 política econômica brasileira. A venda das estatais visava a combinar entrada de recursos para financiamento do setor público, com melhoria dos investimentos e ampliação da capacidade produtiva. A privatização também visava a melhorar a imagem do país no exterior, comprometida pela crise da dívida externa e pela inflação, e possibilitar a inserção internacional da economia brasileira.

2.1 – As origens do PND e da atuação do BNDES no plano

E como se deu o processo histórico da privatização no Brasil até a instituição do PND (Programa Nacional de Desestatização), em 1991, no governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990/1992)? Como foi a participação do BNDES, nosso objeto de pesquisa, nas privatizações, seguindo a orientação pró-mercado dos governos de então? Giambiagi e Pinheiro (2000) remontam o processo de diminuição do Estado na economia ao ano de 1974, quando o ex-ministro da Fazenda no governo do presidente Café Filho, Eugênio Gudin (1954/1955), foi escolhido “Homem do Ano” pela revista Visão, uma influente publicação da época. Gudin, um reconhecido economista liberal, observou o seguinte na ocasião: “Vivemos, em princípio, em um regime capitalista. Mas o capitalismo brasileiro é mais controlado pelo Estado do que o de qualquer outro país, com exceção dos regimes comunistas” (LAMOUNIER e MOURA, 1983, in PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000, p.16). A crítica do economista à intervenção estatal na economia foi acompanhada por uma série artigos sobre o tema no jornal O Estado de São Paulo e por manifestações da comunidade empresarial contra a intervenção do Estado, denominadas de Campanha contra a estatização. Entre as razões para a campanha dos empresários, apontam Pinheiro e Giambiagi (2000), estaria uma reação às medidas de ajuste econômico anunciadas pelo recém-empossado presidente Ernesto Geisel (1974/1978) para enfrentar a crise do petróleo e o quadro recessivo internacional. As medidas iriam beneficiar as empresas estatais de insumos e produtos e, consequentemente, prejudicar o capital privado.

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A pressão deu resultado e o governo não só abandonou as medidas recessivas, como adotou barreiras comerciais e forneceu linhas de crédito subsidiado às empresas privadas nacionais. No entanto, a adoção de políticas privatistas era dificultada pela burocracia estatal e pela sociedade, que consideravam as estatais como patrimônio nacional63, embora o acirramento da crise econômica fortalecesse os questionamentos sobre as empresas estatais.

No fim da administração Geisel, contudo, a inflação em alta e a deterioração das contas externas começaram a tornar evidentes que o crescimento das EEs (empresas estatais) precisava ser controlado. Os militares já admitiam até mesmo a venda de algumas EEs, fato que havia sido vigorosamente rejeitado pelos ministros de Geisel em meados da década de 70 (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000, p.17).

Assim, o quadro macroeconômico ao fim do governo do presidente Ernesto Geisel (1974/1978), com inflação em alta e deterioração das contas externas, tornava necessário o controle do crescimento das empresas estatais para contribuir com a estabilidade econômica. Após tomar posse, em 1979, o presidente João Figueiredo (1979/1984) recomendou a seus ministros a privatização de serviços e de empresas estatais que não fossem estritamente necessários para corrigir distorções de mercado ou para atender aos requisitos de segurança nacional (DINIZ, 2004) Ainda naquele ano, o presidente Figueiredo promulgou o decreto nº 83.470, que instituiu o Programa de Desestatização. O objetivo era fortalecer a iniciativa privada, ao permitir a transferência de empresas estatais para o setor privado. A seguir, em 29 de outubro de 1979, o governo promulga o decreto nº 84.128 que cria a Sest (Secretaria Especial de Controle das Estatais) e inicia o controle da expansão das estatais. A Sest catalogou 505 instituições públicas no país, das quais 268 empresas estatais. Desse total de EEs, 50 foram consideradas passíveis de desestatização. Os pesquisadores do órgão listaram outras 76 empresas

63 Esse argumento será o mesmo utilizado pelos opositores à privatização durante o processo de venda das estatais na década de 1990. Para mais detalhes ver Biondi (2001) e Carvalho (2009). Biondi chega a afirmar que a venda das estatais, mais do que o prejuízo econômico, significava a perda da alma brasileira, numa demonstração de como as estatais estavam ligadas à ideia de Nação. Já para Carvalho, defensor da desestatização, o discurso ideológico era uma estratégia de defesa de grupos autointeressados que seriam preteridos com a venda das empresas estatais. 97 privadas, muitas sob controle do BNDES64, que se tornara acionista dessas companhias pelo não pagamento de empréstimos concedidos pelo banco. Em 1º de julho de 1979, o governo publicou a portaria 06/79, criando a Comissão de Privatização do BNDES. O órgão tinha por objetivo estabelecer as condições para alienação das ações dos capitais das empresas sob controle do banco e coordenar propostas dos grupos privados interessados na compra dessas companhias. Como resultado, foram alienadas as empresas Cia. Editora Nacional, Fibras Sintéticas da Bahia e Salgema. Em 1981, o decreto 86.215 estabeleceu as regras para a transferência, transformação e desativação de empresas controladas pelo Estado. A transferência restringia-se a cidadãos brasileiros residentes no país ou a empresas de capital nacional. Além disso, os compradores assumiam o compromisso de manter sob controle nacional o capital e a administração das empresas negociadas (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011). A condução do processo cabia à CED (Comissão Especial de Desestatização), que deveria realizar a transferência das empresas por oferta única, oferta pública ou negociação direta. Isso significava que a “venda das empresas era feita a partir da transferência dos ativos ou do controle acionário via concorrência pública – abertura de envelopes – ou venda direta, dispensando o leilão em bolsa” (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.388). Em 28 de novembro de 1985, primeiro ano do governo do presidente José Sarney (1985/1989), o governo editou o Decreto nº 91.991, que deu as bases institucionais para as privatizações realizadas na segunda metade da década de 1980. O decreto também criou o CIP (Conselho Interministerial de Privatização), formado pelos ministros do Planejamento (dirigente), da Fazenda, da Desburocratização, da Indústria e Comércio e por ministros que possuíssem estatais vinculadas à sua pasta. O conselho substituiu a Comissão Especial de Desestatização. Nessa época, o BNDES apoiava o processo de privatização ao selecionar e cadastrar a firma de consultoria responsável pelas avaliações

64 O BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) ganhou o S (Social) em 1982. No entanto, para efeito de padronização do trabalho, optamos pela sigla BNDES, mesmo quando abordamos o período em que o banco era somente BNDE. 98 econômico-financeiras da estatal a ser vendida e encaminhava as negociações para a venda, visando a assegurar a lisura do processo. “Começa assim a ação do BNDES como agente da privatização” (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.388). O decreto de 1985 permitiu que as estatais compradas por grupos brasileiros fossem posteriormente transferidas a estrangeiros, embora a venda direta aos não brasileiros continuasse proibida. Com efeito, o documento deu início ao processo de venda das estatais em leilões na Bolsa de Valores e introduziu a obrigatoriedade de que a empresa comprada oferecesse, em condições especiais, um percentual do capital aos funcionários a fim de democratizar o capital. Na sequência das normas de privatização, o presidente José Sarney editou o Decreto nº 95.886, de 29/03/1988, criando o PFD (Programa Federal de Desestatização), que incluiu a concessão dos serviços públicos ao setor privado. O decreto instituiu ainda o CFD (Conselho Federal de Desestatização), composto por uma Secretaria Executiva, para supervisionar e coordenar as atividades, um grupo de trabalho, para executar e acompanhar os anteprojetos de desestatização, e por um agente operacional, o BNDES.

A partir de então, o BNDES assumiu um papel mais ativo no processo, sendo responsável pelo financiamento e controle administrativo necessários à execução dos projetos de privatização, bem como pelo encaminhamento dos procedimentos legais de operação (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.89).

Dessa forma, a partir do PFD, de 1988, o BNDES assume papel ativo nas privatizações com financiamento e administração dos projetos de desestatização. Os procedimentos adotados pelo banco nesse período - com venda de empresas em leilão público na Bolsa de Valores e contratação de consultorias para estipular um preço mínimo e supervisionar cada processo - foram seguidos pela lei de privatização, já da década de 1990. As privatizações da década de 1980 abrangeram apenas pequenas e médias empresas. Parte delas tinha o BNDES como acionista majoritário. Das 38 empresas privatizadas nesse período, 13 eram controladas direta ou indiretamente pelo banco. Suas vendas geraram 70% do total dos US$ 700 milhões arrecadados. “Isso refletiu, de fato, o objetivo de ‘limpeza’ da carteira da instituição” (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.389).

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Esse processo de ‘limpeza’ da carteira do BNDES foi implantado pelo então presidente do BNDES, Márcio Fortes. Para o executivo, o BNDES precisava privatizar seus ativos imobilizados a fim de gerar recursos próprios e obter liquidez para as atividades normais, visto que a administração interna do banco “estava sendo fortemente prejudicada pelo acúmulo de tarefas gerenciais necessárias nas atividades diárias, pois era proprietário ou acionista majoritário de mais de 25 empresas de grande complexidade” (FORTES, 1994, apud PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000, p.20). De fato, as empresas absorvidas pelo BNDES no período 1982/198565 chegaram a demandar mais de 50% dos desembolsos da BNDESPAR – subsidiária do BNDES – para custear gastos correntes, além de precisar de acompanhamento operacional do banco, o que gerou prejuízos ao BNDES. Essas companhias haviam realizado empréstimos junto ao banco e a suas subsidiárias para alavancar projetos de investimentos ou para enfrentar a crise do final de 1970 e da década de 1980. Por terem continuado em dificuldades financeiras e sem pagarem seus empréstimos ao banco, o BNDES assumiu o controle dessas companhias. Posteriormente, o banco decidiu vendê-las para se livrar dos encargos financeiros e administrativos, executando um processo de reprivatização 66. Assim, “as privatizações ocorridas na década de 1980 tiveram mais a ver com uma orientação pragmática do BNDES, no sentido de sanear financeiramente a sua carteira, do que com a necessidade de uma ampla reforma da inserção do Estado na economia brasileira” (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.391). Por esse ângulo, as privatizações da segunda metade da década de 1980 não representaram uma política central do governo federal, mas, sim, uma estratégia financeira e administrativa do BNDES.

65 Foram elas: Caraíba Metais S.A., Celpag (Cia. Guatapará de Papel e Celulose); CCB (Cia. de Celulose da Bahia); CBC (Cia. Brasileira do Cobre); Cia. Nacional de Tecidos Nova América; Cosino (Cia. Siderúrgica do Nordeste); Mafersa S.A.; Máquinas Piratininga S.A; Máquinas Piratiningas do Nordeste S.A. e Sibra (Eletrossiderúrgica Brasileira S.A.). Fonte: BNDESPAR in Diniz (2004). 66 Giambiagi e Além (2011) explicam que o pagamento das empresas reprivatizadas podia ser feito apenas por moeda corrente à vista ou a prazo. No entanto, o banco permitiu o financiamento de até 70% do valor da venda da seguinte forma: a) Amortização do principal em até 10 anos, com um ano de carência. b) Taxas de juros de 12% ao ano, acima da correção monetária. c) Exigência de fiança bancária fornecida por um banco privado de primeira linha no valor da quantia financiada. Essas condições foram escolhidas por quase 80% dos compradores, no período entre 1987/89. 100

Para Diniz (2004), no entanto, as privatizações desse período já embutiam a visão privatizante que chegava ao Brasil após a experiência europeia e alterava o papel do BNDES como agente do desenvolvimento nacional.

As privatizações surgiram na BNDESPar quando a instituição passou a buscar seus próprios rumos através da elaboração de cenários prospectivos da economia brasileira. Modelo este que teria no setor privado o alavancador dos investimentos e, no mercado externo, o grande propulsor da dinâmica de desenvolvimento (...) é importante destacar que já havia claramente no banco a influência do discurso privatizante (...) Esse redirecionamento das políticas do Sistema BNDES no período entre 1983/90 significou o rompimento de alguns dos pilares das premissas que fundamentava a atuação do Banco desde sua criação (DINIZ, 2004, p.59).

Para a autora, portanto, o BNDES passou a buscar na iniciativa privada as melhores formas de impulsionar seus investimentos, dentro de um modelo econômico que via no mercado externo o propulsor da economia. Ao atuar para melhor rentabilizar seus financiamentos junto à iniciativa privada, o banco rompia com premissas históricas de cunho desenvolvimentista, na avaliação de Diniz (2004).

2.2 – O PND nos governos Collor de Mello e Itamar Franco e o BNDES como gestor

Em 1990, o presidente Fernando Collor de Mello (1990/1992) tomou posse defendendo a abertura comercial do país, as privatizações e com promessas de estabilizar a economia frente às altas taxas de inflação do final do governo do presidente José Sarney. Em 12 de abril de 1990, o presidente Collor de Mello editou a Medida Provisória nº 155, que foi aprovada pelo Congresso e transformada na Lei nº 8.031, que criou o PND (Programa Nacional de Desestatização).

A partir de então, a privatização passou a ser uma das prioridades da política econômica, fazendo parte de um amplo conjunto de reformas estruturais orientadas para a modernização do papel do Estado e da economia como um todo, incluindo a liberalização comercial e a desregulamentação do mercado doméstico (...) foram incluídas na lista de empresas privatizáveis algumas das grandes empresas estatais estabelecidas nas décadas de 1950 a 1970 (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.391).

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Com o lançamento do PND, portanto, a privatização passa a integrar a política de estabilização econômica do governo do presidente Collor de Mello e a fazer parte de um extenso conjunto de reformas que visava à modernização da economia e do papel do Estado, como a liberalização comercial e a desregulamentação67. Os principais objetivos do PND eram:

a) O reordenamento estratégico do Estado na economia, com sua retirada dos setores em que a iniciativa privada estivesse apta a operar, para concentrá-lo nos serviços públicos básicos, como Saúde, Educação, Justiça, Segurança e Regulação; b) A redução da dívida pública, graças à utilização das receitas obtidas com as privatizações para abatimento de parte do estoque da dívida, contribuindo para redução da vulnerabilidade financeira do Estado; c) Retomada dos investimentos nas empresas privatizadas, partindo do princípio de que o Estado não tinha condições de realizar investimentos necessários ao crescimento sustentado do Brasil em razão da deterioração das finanças públicas. Nesse sentido, a iniciativa privada teria condições de executar as inversões necessárias para expansão da capacidade produtiva nacional; d) Modernização da Indústria, com ampliação de sua competitividade e da capacidade empresarial nos diversos setores da economia, a partir do aumento dos investimentos em modernização e eficiência; e) Fortalecimento do mercado de capitais, com expansão do número de ações para o público investidor e redução da concentração das atividades das bolsas de valores em poucos papeis68.

67 Para mais detalhes sobre o cenário econômico no início do governo Collor de Mello e sobre como as privatizações faziam parte da estratégia de estabilidade da economia, ver Pinheiro e Giambiagi (2000). 68 As ações da Telebrás, por exemplo, correspondiam a mais de 50% do total de ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Nos países desenvolvidos, nenhuma empresa 102

O modelo institucional do PND foi similar à legislação das privatizações vigente no governo do presidente José Sarney (1985/1989). Foram criados o FND (Fundo Nacional de Desestatização), responsável pelo recebimento das ações das empresas privatizáveis; a Comissão Diretora, composta por membros dos setores público e privado e responsável pelas decisões do PND, e o estabelecimento do BNDES como órgão gestor do PND e administrador do FND. O PND previa que o preço mínimo de uma empresa a ser vendida deveria ser determinado após a avaliação de duas empresas de consultoria, contratadas a partir de licitação pública. O BNDES tinha como funções apoiar a administração e operações da privatização, supervisionar o trabalho das consultorias, submeter as condições gerais para a venda das empresas à comissão diretora - incluindo o preço mínimo das ações - e efetivar o processo de desestatização. “A inserção da instituição no PND se deu como gestor do Fundo Nacional de Desestatização, mas o BNDES foi tornando-se mais ativo e acabou sendo o órgão responsável pelo suporte administrativo, financeiro e técnico do programa”, resume Diniz (2004, p.83). As consultorias trabalhavam da seguinte forma na avaliação das empresas privatizáveis: uma consultoria era responsável pelo Serviço A, o que incluía uma avaliação econômica da empresa a ser privatizada, análise de sua competitividade e a proposição do preço mínimo. Em seguida, um consórcio formado por outra empresa de consultoria e bancos realizava o Serviço B, executando as mesmas avaliações e indicação de preço realizadas pela primeira empresa, além de sugerir o modelo de venda da estatal. Uma auditoria externa, também contratada por licitação pública, acompanhava todo o processo. Um subcomitê formado por membros da Câmara dos Deputados, do Judiciário e do Tribunal de Contas da União também acompanhava o processo de venda. O TCU emitia pareceres sobre o preço mínimo estabelecido para as empresas.

representava mais do que 10% das ações negociadas em bolsa naquele período (Folha de S. Paulo, 28 jul.1998).

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Os procedimentos de venda seguiam um cronograma estabelecido no edital de cada companhia. Os leilões eram realizados nas Bolsas de Valores. Uma das características do PND foi o de aceitar, até 1996, o pagamento pela compra das estatais com títulos públicos. Esses títulos foram denominados pela Imprensa como “moedas podres”, pois eram aceitos com seu valor nominal, apesar de serem negociados no mercado com deságios significativos (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000). Foram criados os Certificados de Privatização (CPs), títulos lançados pelo governo e emitidos pelo Tesouro para serem utilizados como moeda de pagamento nos leilões de privatização, e que se tornaram a principal forma de pagamento pelas estatais. Além dos CPs, as outras moedas de privatização do Tesouro Nacional foram os Títulos da Dívida Agrária, Notas do Tesouro Nacional Série M, Títulos da Dívida Externa e Créditos Securitizados. Do Fundo Nacional de Desenvolvimento foram utilizadas as Obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento. Da Siderbrás, os Debêntures da Siderbrás com Garantia do Tesouro Nacional e, da Caixa Econômica Federal, as Letras Hipotecárias (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011). Como ressalta Diniz (2004), o governo do presidente Collor de Mello decidiu começar as privatizações por uma empresa de grande porte, economicamente atrativa e que apresentasse menos dificuldades jurídicas para a privatização. A primeira companhia escolhida foi a USIMINAS, siderúrgica mineira localizada no município de Ipatinga. Ainda assim foi preciso resolver uma pendência jurídica antiga, pois os sócios japoneses acusavam a Siderbrás (holding que controlava as siderúrgicas estatais brasileiras) de ter diminuído artificialmente a participação acionária deles na empresa.

“A modelagem de venda da USIMINAS foi um modelo seguido nas outras vendas do setor siderúrgico (...) Decorridos apenas três anos, ou seja, em 1993, estava encerrada a privatização de todas as oito grandes empresas siderúrgicas, com o leilão da CSN, da Cosipa, da Companhia Siderúrgica de Tubarão, da Piratini, da Acesita, da Cosinor e da Açominas e com o início da liquidação da Siderbrás” (DINIZ, 2004, p.88).

Assim, três anos após o início do PND, oito siderúrgicas estatais haviam sido privatizadas e a Siderbrás extinta. Essas empresas tinham capacidade de

104 produzir 19,5 milhões de toneladas, o que correspondia a 70% da produção nacional69. Até o final de 1993, as privatizações haviam gerado R$ 6,6 bilhões ao PND. Desse total, 22% foram pela venda da USIMINAS, 19% da Copesul70, 9% da Açominas, 7% da Acesita e 5% da CST. Como braço operacional do PND, o BNDES executou privatizações complexas e difíceis. Nessa época, todos os diretores do banco estavam envolvidos com as privatizações, cada um respondendo por dois ou três processos de venda (DINIZ, 2004). O entendimento no BNDES era de que as privatizações não deveriam estar vinculadas a uma política industrial do Estado para o país, mas sim à modernização e aumento da competitividade do Brasil via mercado, como previa a Lei que criou o PND. Em setembro de 1992, o presidente Fernando Collor sofreu impeachment e foi substituído pelo vice-presidente, Itamar Franco (1992/1994). Muitos temiam pela paralisação do PND, pois Itamar já havia se posicionado contra a venda da USIMINAS e se confrontara, por diversas vezes, com o presidente do BNDES, Eduardo Modiano, que também presidia a Comissão de Privatização (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000). No entanto, após uma interrupção de três meses para rigorosa análise do PND, na qual não houve alterações profundas no programa, o governo retomou as privatizações. Além disso, por meio do Decreto Lei 724/93, de 10 de janeiro, e a Medida Provisória 362, de 25 de outubro, o governo estabeleceu as seguintes condições para as vendas: um piso mínimo (que variava caso a caso) para pagamentos em moeda corrente na compra das empresas, o que não acontecia antes; uma maior distribuição da propriedade das ações; a inclusão das participações minoritárias detidas pelo Estado, direta ou indiretamente, em diversas empresas71 e o aumento de 40% para 100% da participação do capital estrangeiro na compra das empresas.

69 Para mais detalhes, ver Instituto do Aço, entidade que congrega e representa as empresas produtoras de aço no Brasil (www.acobrasil.org.br). 70 Indústria Petroquímica do Rio Grande do Sul 71 Cerca de 600 participações minoritárias foram incluídas no PND 105

No final, o PND privatizou mais empresas e arrecadou mais receita no governo Itamar Franco do que na administração anterior, apesar da falta de entusiasmo inicial do presidente pelo processo. A privatização deixou de ser uma política governamental para se tornar uma reforma com ampla sustentação política (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000, p.25).

Assim, em 1993 e 1994, o governo do presidente Itamar Franco, que inicialmente despertara temores sobre a continuidade do PND, privatizou mais empresas do que nos dois anos do governo do presidente Fernando Collor. Além disso, consolidou a privatização como política governamental de reforma econômica e do Estado72. O governo reduziu juros, o que permitiu expansão da economia, redução do desemprego e incentivou taxas maiores de investimentos, lembram os autores. No entanto a inflação continuava a crescer. Nesse sentido, o lançamento do Plano Real foi um marco no governo do presidente Itamar Franco. Conduzido pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o Plano derrubou a inflação de uma média de 7.333% ao ano, no primeiro semestre de 1994, para 91,7% no segundo. A redução da carestia provocou aumento da renda e do crédito, o que impulsionou a economia e levou a um crescimento do PIB de 11% entre 1993 e 1994.

Nesse ínterim, a privatização continuou a atuar como uma espécie de “selo de qualidade” da política econômica, sinal de compromisso com “as reformas voltadas para o mercado”. Isso deu ao Brasil condições de competir com outros países emergentes pela captação de substanciais fluxos de capital, num momento em que a oferta mundial de dinheiro era abundante (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000, p.25).

Dessa forma, em boa medida o país voltava a atrair investimentos estrangeiros em decorrência da credibilidade que as privatizações deram às reformas voltadas para o mercado e da política de estabilização. As

72 A partir daqui mencionaremos, mais frequentemente, aspectos da política macroeconômica do governo Fernando Henrique, já que todos os autores que pesquisamos (DINIZ, 2004; PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000; PINHEIRO, 2001;, ALÉM, 1997; ALÉM, 2012; FRANCO, 1998; FRANCO, 2006; www.BNDES.gov.br e entrevistas dos economistas Gustavo Franco, João Furtado e Ana Cláudia Além a este trabalho) vinculam a privatização à política de estabilidade econômica implementada a partir do Plano Real (fevereiro 1994). Nossa intenção, no entanto, não é aprofundar os aspectos da política macroeconômica, mas utilizá-los como pano de fundo para melhor compreensão do cenário em que se deram as privatizações, com foco no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique (1995/1998).

106 privatizações também eram um enorme atrativo para o capital internacional, em um momento de alta liquidez internacional.

2.3 – O aprofundamento do PND no governo Fernando Henrique e o protagonismo do BNDES

Em 1995, Fernando Henrique Cardoso assume a Presidência da República. Em termos de política macroeconômica, analisam Pinheiro e Giambiagi (2000), o desempenho da economia brasileira entre 1995/1998 contrastou marcadamente com os resultados do período anterior ao Plano Real. Até junho de 1994, a inflação estava em níveis muito altos, a taxa de câmbio depreciada, o país apresentava excessivos superávits comerciais, equilíbrio em conta corrente e baixo déficit operacional.

Ao contrário, no primeiro mandato de Fernando Henrique, houve, em média, uma inflação anual de 8,2%, uma expansão anual do PIB de 2,7%, uma taxa de investimentos de 17,1% do PIB (em preços constantes de 1980), um déficit comercial de US$ 5,9 bilhões, um déficit em conta corrente de 3,6% do PIB e um déficit público de 5,2% do PIB. Portanto, o sucesso mais visível desse governo foi a manutenção da estabilidade de preços, apesar da moderada retomada do crescimento. Em 1998, a inflação caiu pelo quinto ano seguido, para apenas 1,7%, fato inédito desde que se começou a medir a inflação no Brasil, em 1944. Além disso, ela ficou em um dígito pelo terceiro ano consecutivo, fato inédito na história do país (Idem, 2000, p.27).

Os autores enfatizam, portanto, a derrubada das taxas de inflação frente a percentuais modestos de crescimento do PIB e dos investimentos e significativos déficits comercial, em conta corrente e público na média dos anos 1995/1998. Um fator que contribuiu para a forte queda da inflação no início do Plano Real foi a adoção da âncora cambial, como sublinham os autores. Esse mecanismo, iniciado em julho de 1994, estabelecia o Real como moeda oficial, com paridade igual à do dólar. O Banco Central só poderia vender dólar se a paridade se elevasse. A taxa de conversão estabelecida fora de R$ 1,00 por CR$ 2.750,00, a moeda anterior ao Real73.

73 A adoção do Real foi precedida pela URV (Unidade Referencial de Valor), lançada em março de 1994. A URV era uma unidade de conta estável, com paridade próxima à do dólar. Houve a conversão de contratos, salários, mensalidades e outros compromissos que estavam negociados em cruzeiro para URV. “Como fim principal deste estágio estava o alinhamento dos 107

Após a paridade inicial com o dólar, o Real foi valorizado por cinco vezes, chegando à cotação máxima de US$ 0,84. Ao mesmo tempo, a economia mantinha-se aquecida, alcançando crescimento de 10,1% do PIB no primeiro trimestre de 1995, em comparação ao mesmo período do ano anterior. A taxa cambial valorizada, a expansão da economia e das importações provocaram um déficit na balança comercial, apesar do aumento das exportações. A taxa cambial com valorização acima do dólar teve fim com a crise mexicana.

Em março de 1995 houve elevação das taxas de juros e desvalorização de 5,2% do Real. Desde então e até o fim do primeiro mandato de Fernando Henrique, o governo adotou uma política de minidesvalorizações periódicas e altas taxas de juros. Até a crise russa, essa política serviu para limitar o crescimento da demanda interna e assegurar o superávit da conta de capitais. De fato, se houve um fio condutor da política econômica este foi o uso de altas taxas de juros praticamente como o único instrumento para administrar a demanda agregada (Idem, 2000, p.28).

Dessa forma, como reação à crise mexicana, o governo elevou os juros e desvalorizou do Real. Até o fim do primeiro mandato (1995/1998), o governo adotou uma política de minidesvalorizações periódicas da moeda e altas taxas de juros. A utilização das taxas de juros foi o principal instrumento para controle da demanda interna. Essa política de juros também serviu para aumentar a atratividade de capitais estrangeiros que buscavam lucratividade no curto prazo, diferentemente dos investimentos estrangeiros diretos, voltados à produção. Embora o PND destacasse a modernização econômica do país como principal objetivo das privatizações, Pinheiro e Giambiagi enfatizam as questões fiscais do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique (1995/1998) como determinantes para a venda das estatais. Os autores analisam que a estabilidade de preços e as altas taxas de juros provocaram uma deterioração das contas fiscais74, levando ao aumento da dívida pública e pressionando os juros.

preços relativos mais importantes da economia, a fim de evitar reajustes dispersos” (DINIZ, 2004, p.94). 74 Até a estabilidade econômica, o Estado utilizava a inflação como ferramenta para reduzir os déficits e apresentar resultados fiscais positivos. A manobra funcionava da seguinte forma: “com inflação alta, as autoridades – treinadas ao longo de anos de convivência com a alta dos 108

O déficit fiscal subiu para 5% do PIB em 1995 e alcançou 7,8% do PIB em 1998. A dívida do setor público passou de 26% do PIB em 1994 para cerca de 38% em 1998 (excluindo a base monetária). Com aumento do consumo e dos investimentos privados, com alta das importações, o déficit em conta corrente chegou ao máximo de 5,5% no quarto trimestre de 1994 e fechou o ano de 1998 em 4,5%.

Os grandes déficits fiscal e em conta corrente tiveram um papel importante no sentido de ampliar e acelerar o programa de privatização. Também contribuíram para disciplinar o uso das receitas, que passou a concentrar-se em abater a dívida pública, e não em aumentar os gastos (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000, p.29).

Assim, os déficits fiscal e em conta corrente provocaram a aceleração do programa de privatização a fim de suprir o governo com recursos financeiros necessários para abater dívidas, ao invés de serem utilizados em gastos adicionais. No entanto, a aceleração do PND não seria imediata. Houve dúvidas iniciais sobre a real disposição do presidente Fernando Henrique de aprofundar as privatizações. Dúvidas essas reforças pela crítica do presidente à proposta da então diretora do BNDES responsável pelas privatizações de vender a Companhia Vale do Rio Doce. Aos poucos, no entanto, o governo começou a construir o arcabouço institucional que o levaria a promover o maior processo de privatizações no Brasil, abrangendo indústrias, empresas das áreas de mineração, eletricidade, ferrovias, portos, rodovias, telecomunicações, água, esgotos, bancos, privatização nos Estados e municípios que resultariam em uma alteração sem precedentes no papel do Estado e da iniciativa privada na economia. As alterações institucionais no PND tiveram início em 1995, com a criação do Conselho Nacional de Desestatização, que substituiu a Comissão de Privatização. O conselho era composto pelos ministros do Planejamento e preços - podiam obter resultados operacionais ‘bons’, mediante o expediente de simplesmente adiar a liberação da despesa, até que esta, em termos reais, fosse corroída pela inflação. Depois do início do Plano Real, essa possibilidade deixou de existir, já que os recursos liberados em um mês tinham praticamente o mesmo valor real que no mês anterior. Isso representou uma verdadeira revolução para um setor público acostumado – e viciado – a operar em um regime quase hiperinflacionário (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.133). Assim, as autoridades se aproveitavam da inflação para que ela corroesse o valor da despesa pública antes de liberar o pagamento num valor inferior ao original, o que permitia a obtenção de resultados fiscais positivos.

109

Orçamento; Casa Civil; Fazenda; Administração Federal; Reforma do Estado; Indústria, Comércio e Turismo; pelo presidente do Banco Central (nos casos da desestatização de instituições financeiras) e pelo ministro do Estado cuja pasta fosse responsável pela empresa a ser privatizada. O presidente do BNDES também passava a integrar o conselho, o que elevava o status da agência, como gestora do PND, ao nível presidencial. O objetivo dessa composição era acelerar a adoção das decisões tomadas pelo Conselho (DINIZ, 2004). O governo promulgou a Lei Geral de Concessões (Lei nº 8.987/95) e a lei que definiu o novo regime de concessões de serviços públicos (Lei nº 9.074/95), incluindo os setores de infraestrutura e serviços de utilidade pública no PND. Ainda em 1995 promulgou emendas constitucionais que extinguiram os monopólios públicos nas telecomunicações – medida necessária para a privatização do setor -, na distribuição de gás por dutos e no setor petrolífero. Também foi abolida a distinção entre empresas de capital nacional e estrangeiro. A partir de 1996, as privatizações abrangeram Estados e municípios75, motivadas pelo efeito fiscal que teriam. A situação fiscal dessas empresas estatais encontrava-se mais deteriorada do que a das estatais federais, pois eram responsáveis pela maior parte do déficit fiscal das EEs. Em 1994/1998, enquanto as EEs federais apresentavam um superávit fiscal de 0,4% do PIB, as suas equivalentes estaduais e municipais registravam um déficit de 0,7% do PIB. Privatizadas, contribuíram para a redução do pagamento de juros dos Estados, com a utilização de parte dos recursos arrecadados para abatimento das dívidas dos Estados junto à União76. As privatizações estaduais visavam, também, a colaborar na melhoria do resultado fiscal primário, visto que o déficit dessas empresas era fonte de pressão sobre o endividamento público. Além disso, permitiram a venda das distribuidoras de energia elétrica, muitas delas com dívidas junto às geradoras federais, o que também possibilitaria a venda das empresas de energia elétrica federais (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000, e ALÉM, 1997).

75 Entre os municípios, estão o do Rio de Janeiro, que privatizou uma autoestrada, o de Ribeirão Preto, que privatizou uma companhia telefônica durante o mandato do prefeito petista Antônio Palocci, e de Limeira, que transferiu o sistema de esgotos à iniciativa privada. 76 O aprofundamento das negociações das dívidas dos Estados com a União no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso vai além do escopo deste trabalho. 110

O BNDES apoiou, financeiramente e tecnicamente, os processos estaduais de desestatização. Em 1996, foram desembolsados R$ 1,6 bilhão em operações de adiantamento para 12 Estados que iriam começar seus processos de privatização. Com efeito, as privatizações estaduais foram as que obtiveram melhores resultados em 1997, no total de US$ 15,1 bilhões, valor correspondente a 55% dos US$ 28 bilhões resultantes das privatizações e concessões nesse ano. Em nível federal, embora as privatizações fossem ampliadas, elas enfrentavam uma série de obstáculos políticos e jurídicos, como a da Light (empresa de eletricidade), em 1996, da mineradora Vale do Rio Doce, em 1997, e da Telebrás, em 1998. Somente no leilão da Vale, o governo precisou responder, e vencer, a 217 ações judiciais, mais do que um quarto de todas as ações movidas contra as privatizações até o final de 1998 (DINIZ, 2004). Ao mesmo tempo, o PND passou a dar mais ênfase a receitas em dinheiro, com a substituição do financiamento indireto mediante o uso de moedas de privatização, por créditos diretos do BNDES ou do Tesouro Nacional e a compromissos de investimentos nos setores privatizados. O percentual mínimo de pagamento em dinheiro, que variava entre 10% e 30% em relação ao valor total da empresa, aumentou quando empresas mais atraentes foram colocadas à venda. Isso levou ao abandono gradual das moedas de privatização para pagamento das aquisições.

No entanto, tratava-se de empresas de grande porte, e os compradores precisavam de financiamento para seus lances nos leilões de privatização. Como o Brasil, internacionalmente, continuava pertencendo à categoria de não-investimento e o risco de uma maxidesvalorização pairava no horizonte, a captação de empréstimos nos mercados externos resolvia apenas parte do problema. Portanto, o governo interveio, financiando os compradores diretamente, mediante o parcelamento da venda ou através do BNDES (PINHEIRO e GIAMBIAGI, 2000, p.33).

Assim, com o aumento da proporção em dinheiro que deveria ser pago na compra das grandes companhias, ao mesmo tempo em que o Brasil ainda não pertencia à categoria de país seguro para investimentos 77 - o que dificultava o acesso aos mercados externos -, o governo interveio. Essa

77 O Brasil alcançaria o grau de investimento seguro em maio de 2008, sexto ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com avaliação da agência de classificação de risco Standard & Poor´s. 111 intervenção ocorreu mediante o parcelamento da compra ou pelo financiamento do BNDES para aquisição das empresas.

2.4 - Os empréstimos do BNDES para compra de estatais

Os empréstimos para compra das estatais e investimentos nas empresas privatizadas foram o principal motivo para o crescimento dos desembolsos do BNDES nos primeiros anos do governo do presidente Fernando Hernique. Essa estratégia estava diretamente vinculada à política econômica do governo tucano (ALÉM, 1997, e Relatórios Anuais BNDES, 1998 e 1999). Em 1997, analisa autora, os desembolsos foram de aproximadamente R$ 18 bilhões, uma expansão de 71% em relação a 1996, de acordo com números do banco. Entre 1994 e 1997 os desembolsos tiveram crescimento real de aproximadamente 300%. Os investimentos em infraestrutura apresentaram um crescimento real de 152%, na comparação entre 1997 e 1996, e representaram 46% do total emprestado pelo BNDES. Já em 1998, de acordo com Relatório Anual do banco, os desembolsos totais foram de R$ 19 bilhões, enquanto as aprovações de empréstimos atingiram R$ 23 bilhões, um crescimento de 21% em comparação a 1997, número recorde de financiamento na história do banco. O Relatório Anual do BNDES esclarece os dois principais fatores que mantiveram em alta a demanda por recursos do banco ao longo de 1998:

Primeiro, a transferência de atividades de infra-estrutura para a iniciativa privada estimulou o aumento dos investimentos no setor, que tinha até então demanda fortemente reprimida. Segundo, a dificuldade encontrada pelas empresas do país no acesso a recursos do mercado financeiro internacional – ocorrida com maior intensidade no início e no fim de 1998 – levou as companhias que vinham procurando tais mercados a buscarem no BNDES recursos de longo prazo para financiar seus investimentos. (BNDES, Relatório Anual, 1998, p.1).

O relatório comprova, portanto, que a expansão dos desembolsos em infraestrutura ocorreu em virtude dos investimentos realizados nesse setor com a transferência de atividades para a iniciativa privada. O BNDES também foi a principal fonte de recursos de longo prazo para as companhias, visto que elas encontravam dificuldade em obter financiamentos nos mercados internacionais

112 em virtude da crise financeira. A tabela 2.1 mostra que, em 1997, o total desembolsado para infraestrutura aumentou de R$ 7 bilhões em 1997 para R$ 8 bilhões em 1998, uma variação de 16,1%.

Tabela 2.1 Desembolsos para o setor de infraestrutura a preços médios de 1998 (em bilhões de R$) 1998 1997 Var. (%) Investimentos em infraestrutura 4,6 3,2 44,6% Investimentos em infraestrutura social (1) 0,8 0,6 50% Privatização (2) 2,7 3,3 - 17,6% Total 8,1 7,0 16,1% Fonte: Relatório anual BNDES (1998) 1) Investimentos com forte componente social, como, por exemplo, os do Pró- Emprego Saneamento Ambiental e em transporte coletivo de massa. 2) Financiamentos à aquisição de empresas privatizadas e adiantamentos em apoio a privatizações estaduais

O financiamento do BNDES para compra de empresas estatais por grupos privados e sua participação acionária nas empresas privatizadas foi, por sinal, um dos pontos mais controversos da privatização. No dia 7 de abril de 1998, o jornal Folha de São Paulo publicou um suplemento especial fazendo um balanço sobre o Programa de Privatização no Brasil. Uma das matérias do caderno tinha o seguinte título: Estado financia o programa de desestatização. No texto, o jornal detalhava o financiamento estatal para o processo de vendas das estatais, principalmente por meio do BNDES. O texto afirma o seguinte:

O governo federal está custeando boa parte do programa de desestatização. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), gestor do programa de privatização federal, é a principal fonte de recursos para financiar compradores nacionais e estrangeiros de empresas privatizadas. Desde 1997 o banco já financiou R$ 3,24 bilhões nas operações de privatização de empresas estatais, seja com empréstimos diretos, seja via compra de debêntures conversíveis em ações por sua subsidiária BNDESPar (BNDES Participações).

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O BNDES transformara-se, portanto, na principal fonte de financiamento de compradores nacionais e estrangeiros das empresas estatais78. A agência já havia financiado R$ 3,24 bilhões entre 1997 e abril de 1998, seja por empréstimos diretos ou pela compra de debêntures conversíveis em ações por meio da BNDESPar. O jornal informa que o banco já havia anunciado R$ 1,5 bilhão em financiamento aos compradores das duas distribuidoras de energia elétrica que resultariam da divisão da estatal paulista Eletropaulo, com leilão previsto para o dia 15 de abril 79 . Do total de R$ 3,24 bilhões até então desembolsados pelo BNDES para as operações de privatização, R$ 1,87 bilhão (equivalentes a US$ 1,57 bilhão) haviam sido para financiamentos diretos e R$ 1,37 bilhão para compra de debêntures conversíveis em ações. O jornal ressalta que, além de financiar os compradores, “o BNDES assegurou para os Estados a antecipação das receitas de parte do que eles receberiam com as privatizações das suas empresas”. Assim, liberou R$ 2,38 bilhões para 15 Estados, dos quais R$ 813,2 milhões para São Paulo por conta das privatizações da CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) e da Cesp (Companhia Energética de São Paulo). O texto ressalta que a antecipação das receitas colaborou para um excesso de gastos dos Estados, o que foi uma das causas para o déficit público de 1997. Por causa disso, embora tivesse obtido lucro com essas operações, em razão dos prêmios recebidos sobre os ágios (sobrepreços)

78 O banco também será o principal financiador durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2006/2010), dessa vez para financiar a formação e internacionalização de grandes grupos nacionais por meio de fusões no país, como no caso da Perdigão e Sadia, e aquisições de empresas no exterior, como as realizadas pelo frigorífico JBS-Friboi, como iremos detalhar no capítulo 3. Ou seja, se no governo Fernando Henrique o BNDES financiou a compra das estatais para realizar a transferência da produção à iniciativa privada (seja de capital nacional ou estrangeiro), no segundo governo Lula ele financiou grandes grupos nacionais, até mesmo aumentando a participação estatal nesses grupos, a fim de fazer frente às multinacionais, que eram vistas como estratégicas no governo Fernando Henrique. 79 No leilão, o governo colocou à venda as duas empresas que surgiram da divisão: a Metropolitana, responsável pela distribuição na Grande São Paulo e maior empresa do setor na América Latina, e a Bandeirante, com jurisdição sobre parte das cidades do interior do Estado e quarta maior do país. Eram companhias enormes, tecnicamente superiores à maioria das outras estatais elétricas brasileiras, e vendiam energia no maior centro de consumo do país. Por tudo isso, esperava-se uma disputa acirrada pela posse dessas empresas. No entanto, o resultado foi decepcionante. Não houve comprador para a Bandeirante. A Metropolitana foi vendida à Light, do Rio de Janeiro, pelo preço mínimo, de 2 bilhões de reais porque não apareceu nenhum outro grupo interessado em disputar a compra. "Estamos surpresos, principalmente no caso da Bandeirante, que não teve um único lance", disse depois do leilão André Franco Montoro Filho, secretário de Planejamento e gerente do programa de privatização de São Paulo (VEJA, 22/04/1998). 114 obtidos nas privatizações estaduais, o BNDES anunciara que estavam suspensas as antecipações de receitas em 1998. A matéria resume da seguinte maneira o papel do Banco nas décadas de 1980 e 1990:

O BNDES, que serviu de “hospital” para empresas privadas falidas no começo dos anos 80, promovendo suas estatizações, passou a ser no final da mesma década, com um tímido programa desenvolvido pelo governo do ex-presidente José Sarney, o agente da saída do Estado do setor produtivo (Folha de S. Paulo, 07/04/1998).

Assim, após ter sido pejorativamente denominado como “hospital” de empresas com problemas no final da década de 1970, o BNDES transformou- se no agente da saída do Estado do setor produtivo ao final da década de 1980. O texto informa ainda que, além de custear as privatizações, o Estado influía no processo de desestatização por meio dos fundos de pensão, que já tinham investido US$ 2,26 bilhões no PND. Esse valor correspondia a 12,6% dos US$ 17,956 bilhões arrecadados pelo governo federal até então. O papel dos fundos de pensão nas privatizações, no entanto, vai além do escopo deste trabalho. Os recursos para os empréstimos do BNDES eram baratos, pois tinham como principal fonte de financiamento o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que remunera a juros de poupança (6% reais). As outras fontes do banco são os retornos de financiamento e captações externas. “Geralmente, o BNDES empresta pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), atualmente em 11,77%, mais uma taxa de risco média de 3%” (Folha de S.Paulo, 30/04/1998). Em 1998, ano em que foi privatizado o sistema Telebrás - a maior privatização do mundo naquele período e também a maior do PND, com arrecadação de US$ 19,2 bilhões (câmbio da época) -, o BNDES lançou uma linha institucional para financiamento da compra das empresas estatais (DINIZ, 2004). Nesse período, o presidente do BNDES, André Lara Resende, destacou a importância do BNDES como fonte de recursos para as privatizações, ao afirmar que em nenhum país os grupos econômicos possuíam dinheiro em caixa para custear o valor dos ativos vendidos pelo Brasil. "O BNDES, em seu papel de banco de investimento e como agente vendedor do governo, deve

115 participar das privatizações complementando os financiamentos", (Folha de S.Paulo, 30/04/1998). De acordo com o jornal, o banco era a principal e quase única fonte de empréstimo de longo prazo no Brasil, além de ser o principal agente e financiador das privatizações no país.

O banco acumula US$ 59 bilhões em empréstimos nos últimos dez anos, sendo US$ 16,9 bilhões só em 1997. Também gerenciou diretamente privatizações no valor total de US$ 17,96 bilhões desde 1991 e financiou aproximadamente US$ 4 bilhões de privatizações estaduais desde 1997 (Idem, 30/04/1998).

O Relatório Anual de 1998 do BNDES sublinha que o ano de 1998 representou um marco para o banco como gestor do PND, justamente em virtude da privatização do Sistema Telebrás80. Foi também nesse ano que o PND obteve a maior arrecadação com as operações de privatização, no valor de US$ 37,5 bilhões, somadas as transferências de empresas federais e estaduais à iniciativa privada. Entendemos, assim, que o governo reduziu sua presença na economia utilizando o BNDES como fonte de financiamento para dar condições ao mercado de absorver as estatais. Tal estratégia gerou críticas à participação do Estado na privatização de setores importantes da economia. “O pior defeito do processo de privatização foi ser estatizado demais. O BNDES que vendia, também financiava a compra, mesmo quando compradores eram bancos (...) O defeito não era ser um processo neoliberal, era ter tanto Estado” (LEITÃO, 2011, p.247).

80 No dia 29 de julho de 1998, o governo federal vendeu as 12 empresas que formavam o Sistema Telebrás (oito empresas de telefonia celular, três de telefonia local fixa – Telesp, Tele Norte Leste e Tele Centro Sul – e a Embratel, responsável por comunicação de longa distância no país). De acordo com matéria do jornal Folha de S. Paulo (30/07/98): “As 12 empresas do Sistema Telebrás foram privatizadas ontem pelo governo brasileiro por R$ 22,058 bilhões. O ágio médio alcançado em quatro horas e quatro minutos de leilão na Bolsa do Rio foi de 63,74%, muito superior aos 17% esperados pelo governo. O valor arrecadado é o maior da história do programa de privatizações do Brasil, iniciado em 1991. Os grupos estrangeiros, principalmente espanhóis e portugueses, dominaram a disputa. Das 12 empresas, 4 foram arrematadas por consórcios de capital externo. Em outras 6, houve associação entre capital nacional e estrangeiro. Somente 2 telefônicas foram arrematadas por grupos exclusivamente nacionais”.

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2.5 - A influência do BNDES nos leilões de privatização

Outro ponto controverso foi a parcialidade do BNDES ao atuar para influenciar diretamente os leilões sob o pretexto de preservar os interesses do Estado. Estavam em jogo investimentos vultosos e interesses de multinacionais em todo o mundo que inviabilizaram uma postura imparcial do banco de atuar apenas como “fiel da balança” (BUSCH, 2010, p.127). Diniz (2004) mostra que havia esquemas de diversos atores, com iniciativas e contrainiciativas que interagiam tanto na definição de propostas quanto na construção de coalizões de interesses em relação às privatizações. Nesse sentido, a influência do BNDES frente aos demais atores em jogo cresceu ao longo do PND. Além de gestores do programa, os dirigentes da agência articulavam alianças para viabilizar alguns leilões. Um desses exemplos foi o leilão da Escelsa, que somente ocorreu porque o BNDES atuou na formação de um grupo de empresários para comprar a companhia elétrica, ao mesmo tempo em que adquiriu ações da empresa para depois revendê-las, já que não havia interessados nessa privatização. Outro caso foi o leilão de venda da Light, em 1996, quando o BNDESPar desembolsou R$ 371 milhões para que a operação fosse concluída, tornando-se coparticipante do grupo de controle da companhia. Mas o principal exemplo para demonstrar as articulações do BNDES foi o leilão da Telebrás. Segundo Dalmazo (2000), o risco de fracasso do leilão exigiu mediações complexas do BNDES e do Ministério das Comunicações (Minicom), que comandavam a privatização. O primeiro sinal de risco aconteceu no dia 07/07/1998, 23 dias antes da privatização, quando apenas 25 interessados se inscreveram no data room, as salas com informações privilegiadas. Muitos desses agentes inscritos pertenciam ao mesmo consórcio. “A procura ficou aquém das expectativas do BNDES/Minicom, especialmente para as operadoras de telefonia fixa e Embratel” (DALMAZO, 2000, p.208). O segundo alerta ocorreu durante a fase de pré-qualificação das empresas interessadas, quando apenas 40 das 76 empresas inscritas foram classificadas. A pré-qualificação era uma medida que visava a obter

117 informações dos concorrentes e mediar interesses em última instância. Ao todo, formaram-se 34 consórcios concorrentes. “Algumas empresas lideraram a formação de diferentes consórcios, como estratégia dos investidores para se manterem incógnitos e para não elevar o ágio, a exemplo da Telefónica da España, que se associou a cinco” (IDEM, 2000, p.208). O número de empresas concorrentes, portanto, estava abaixo da expectativa do governo e algumas delas encontravam-se inscritas em diferentes consórcios. De acordo com levantamento do mercado, os grandes players eram inferiores a 20, sendo que alguns deles tinham apenas uma prioridade de compra. Eram os casos do Consórcio Telecom Itália/Globopar/Bradesco e da operadora Bell South, que tinham como prioridade somente a Telesp. Outros grupos fizeram alianças para não concorrer na mesma área de concessão, caso da Telefónica Internacional, da norte-americana MCI, da Portugal Telecom e da espanhola Iberdrola. Às vésperas do leilão, o BNDES/Minicom tinha completo conhecimento dos interesses dos players e do desinteresse dos concorrentes pela Tele Norte Leste (Telemar)81 e pela Embratel.

Por consequência, na reta de chegada, as mediações do Minicom/BNDES foram atropeladas e permeadas de incertezas frente ao comportamento anárquico dos investidores, pelas alianças tramadas nos bastidores e pelo total desinteresse dos grandes players por duas operadoras. Dessa forma, a decisão de privatizar a qualquer preço e a mínimo custo político também foi posta à prova (IDEM, 2000, p.208).

Próximo à data do leilão, as incertezas aumentaram em razão do comportamento dos investidores, pondo à prova a capacidade do BNDES/Minicom de efetivar a privatização do Sistema Telebrás. Para tentar reverter o desinteresse pela Embratel, em consequência de um débito de US$ 1,2 bilhão com a Receita Federal, o BNDES/Minicom passou a articular investidores para a empresa. Inicialmente, as norte-americanas MCI e Sprint haviam se pré-qualificado para participar do leilão. No entanto, até a

81 A Telemar era composta por empresas de telecom de 16 Estados: TELEBAHIA, TELEMIG, TELERJ, TELEST, TELERGIPE, TELASA, TELPE, TELPA, TELERN, TELECEARÁ, TELEPISA, TELMA, TELEPARÁ, TELAMAZON, TELEAMAPÁ e a TELAIMA. 118

última semana do leilão a desistência da MCI era dada como certa e a Sprint ainda não havia formado um consórcio. Por causa do impasse, o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, o presidente do BNDES, André Lara Resende, e os dirigentes do Banco Opportunity, Pérsio Arida e Daniel Dantas, articularam a formação de um consórcio chamado Longdis, integrado pela Sprint, pelo Banco Opportunity e pelos fundos e pensão. Conseguiram, assim, que a Longdis e o MCI disputassem a compra da Embratel. A MCI arrematou a compra da Embratel, pagando um ágio de 47,2%. Para a Tele Norte Leste Participações (Telemar), que não tinha compradores interessados, o ministro das Comunicações e o presidente do BNDES articularam grandes grupos nacionais para disputar o leilão da empresa ao lado de operadoras europeias. Como resultado, a construtora Andrade Gutierrez liderou o consórcio Telemar, do qual faziam parte os grupos nacionais Inepar, Fiago (La Fonte, da família Jereissati), Macal Investimentos e Participações Ltda. (de Antônio Dias Leite Neto) e o Banco do Brasil, por meio das filiadas Brasil Veículos e Companhia de Seguros Aliança do Banco do Brasil S/A. O consórcio, o único que terminou por disputar a empresa, levou a Embratel pagando o menor ágio do leilão, de apenas 1%.

A participação do consórcio Telemar, formado por grupos nacionais, foi emblemática na mediação dos interesses da privatização, por um lado, porque foi formado pelas articulações e pelas mediações do Minicom/BNDES, por outro, porque esse ator questionava o poder financeiro e a capacidade operacional dos grupos participantes. Para resolver o impasse e dar credibilidade à operação, o Executivo decidiu pela participação majoritária do Estado no consórcio: o BNDESPar controlaria 25%; o Banco do Brasil, 10%; e persuadiu os fundos de pensão a comprarem 19,9%. Além disso, o BNDESPar financiaria o pagamento da primeira parcela dos quatro grupos nacionais (DALMAZO, 2000, p. 212).

Assim, a articulação do BNDES e do Ministério das Comunicações para formação do consórcio Telemar, que venceu como único concorrente o leilão da Embratel, ilustrou a interferência do governo no processo de venda da Telebrás. Por duvidar do poder financeiro e da capacidade operacional desse grupo, formado pela própria ação do Minicom/BNDES, o Estado entrou com participação majoritária no consórcio por meio de participação acionária do BNDESPar, do Banco do Brasil e de fundos de pensão.

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De acordo com o autor, o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e o presidente do BNDES, André Lara Resende, exigiram, no acordo de acionista, o direito de o BNDESPar participar das decisões estratégicas e o direito de preferência na venda de suas ações a terceiros, visando à transferência de 15% da sua participação a um grupo estratégico. Dalmazo destaca, assim, a participação do Estado para viabilizar o leilão da Telebrás e conclui: “Dessa forma, a reintervenção do Estado visou mediar interesses do capital nacional, liquidar o negócio, desfrutar do sucesso do leilão e colher os dividendos políticos da operação, que teve grande destaque internacional” (IDEM, 2000, 213). Tomando-se o leilão da Telebrás como exemplo, portanto, percebe-se interferência direta do Estado brasileiro, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, por meio do BNDES/Minicom, no processo de transferência dos ativos estatais para a iniciativa privada.

2.6 - Considerações sobre os efeitos das privatizações e da abertura

Entre 1991/2000, as receitas com as privatizações foram de US$ 100 bilhões 311 milhões, dos quais US$ 82 bilhões gerados pelas vendas das empresas estatais (incluindo as federais, estaduais e concessões ao setor privado) e US$ 18 bilhões o total de dívidas transferidas (Fonte: BNDES in GIAMBIAGI e ALÉM, 2011). Do ponto de vista macroeconômico, analisam os autores, o principal mérito privatização foi de recuperação da imagem externa do país, afetada pela escalada inflacionária e pela crise da dívida externa. Isso porque, “a desestatização da economia era vista no exterior como uma demonstração de comprometimento do país com a realização de reformas estruturais que poderiam abrir espaço para uma nova fase de desenvolvimento do país” (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011, p.384). Pinheiro e Giambiagi (2000) enfatizam a importância das privatizações no aspecto fiscal, funcionando como braço auxiliar da estabilização econômica, principalmente a partir de 1997, quando eclodiu a crise asiática. Na opinião dos

120 autores, a questão fiscal não recebera a devida importância quando o PND foi criado e desenvolvido, visto que, no primeiro momento, a modernização do parque produtivo e o encerramento do regime de Substituição de Importações eram a prioridade. Embora as privatizações já tivessem sido ampliadas nos primeiros anos do governo tucano, foi somente a partir da crise asiática de 1997 que as vendas das estatais tornaram-se “uma questão crucial para o governo, assumindo um papel vital na própria sobrevivência do Plano Real” (Idem, 2000, p.33). Pela análise dos autores “os valores recebidos pelas vendas de privatização tornaram-se significativos em termos macroeconômicos e a privatização passou a ser encarada como uma espécie de ‘rede de segurança’ ou ‘ponte para estabilidade’, dando ao país uma certa folga para solucionar seus dois principais desequilíbrios: os déficits em conta corrente e fiscal” (IDEM, 2000, p.33). Essa folga se deu porque os recursos obtidos com a venda das empresas a grupos estrangeiros reduziram a necessidade de empréstimos para o governo financiar o déficit em conta corrente e auxiliaram no financiamento do déficit estatal. Os recursos arrecadados contiveram o crescimento da dívida pública, que teria atingido 32,9% do PIB em 1997 (contra 26% em 1994), não fosse a privatização. Assim, as privatizações tornaram-se “um meio de sinalizar estabilidade, ainda que precária, a um mercado muito preocupado com a situação fiscal e as possibilidades de sustentação da política cambial” (Idem, 2000, p. 34). Também permitiram ao governo atravessar os meses críticos de novembro e dezembro desse ano, quando os mercados internacionais se fecharam ao Brasil em razão de um drástico aperto de liquidez. Mendonça de Barros e Goldenstein (1997) 82 , em artigo publicado quando as privatizações ganhavam impulso no governo Fernando Henrique, sublinham que a abertura da economia, as privatizações, a estabilidade da

82 O artigo foi originalmente publicado pelo jornal Gazeta Mercantil, em agosto de 1996, e republicado pela Revista de Economia Política na edição de abril/junho de 1997. Nesse período, Mendonça de Barros era secretário de Política Econômica e, assim como Gustavo Franco, um dos formuladores da Política Econômica do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (LEITÃO, 2011). Goldenstein era assessora da presidência do BNDES. A importância das funções públicas dos autores, assim como a relação direta do trabalho com o período em que as transformações descritas ocorriam, justificam a relevância do texto para nosso trabalho. 121 economia e a globalização encerravam a zona de conforto criada pelo antigo modelo econômico nacional, formado por companhias estatais, estrangeiras e familiares e que for consolidado no II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento). A nova configuração econômica forçava as empresas a buscarem competitividade, desenvolvimento tecnológico e redução dos custos frente à concorrência, pois reduzia o papel do Estado na Economia, reduzindo subsídios e eliminando reservas de mercado. Além disso, era instrumento fundamental para a estabilidade econômica introduzida pelo Plano Real. “O fechamento da economia eliminava a concorrência, desobrigando as indústrias de novos investimentos e fortalecendo o processo inflacionário, uma vez que quaisquer custos podiam ser automaticamente repassados para preços” (IDEM, 1997, p.12). Nesse sentido, a abertura rompia comesse mecanismo e forçava novos investimentos visando à redução de custos e preços das empresas. Tal movimento levava ao aumento do mercado consumidor interno e a uma verdadeira redistribuição de renda nacional.

Dada a conhecida concentração de renda brasileira e a consequente demanda reprimida da população, uma transferência de renda do porte ocorrido com a abertura amplia significativamente o mercado consumidor, a ponto de afetar positivamente as decisões de investimento das empresas, não só as da já instaladas, como de importantes empresas internacionais que passam a olhar para o mercado brasileiro com outros olhos (IDEM, 1997, p.12).

Com efeito, a abertura provocava um significativo alargamento do mercado consumidor interno, o que despertava positivamente o interesse das empresas já instaladas e de multinacionais em realizar investimentos no país para atender à demanda reprimida da população que passava a integrar o mercado consumidor83.

83 Exemplo prático desse raciocínio se deu durante a privatização do Sistema Telebrás, em 30 de julho de 1998. Na véspera do leilão, o jornal Folha de S. Paulo publicara que o mercado brasileiro de Telecomunicações era o mais cobiçado da América Latina e explicava os motivos: “O maior atrativo da Telebrás não está nos seus 22 milhões de assinantes, nem no patrimônio líquido de R$ 31,3 bilhões que acumula. O que a torna atraente para os investidores estrangeiros é a escassez de telefones no Brasil e o gigantesco potencial de mercado. Existem 13,3 milhões de pessoas inscritas para a compra de telefone comum em todo o país. Ou seja, a fila de espera para a compra de telefone fixo é duas vezes maior do que o total de linhas 122

A combinação dos efeitos benéficos da abertura e da estabilização levava à formação de um novo mercado consumidor, que despertava o interesse de firmas internacionais e provoca a terceira onda de grandes investimentos estrangeiros diretos (IED) no país, após os fluxos das décadas de 1950 e 1970. Tais investimentos provocam uma revolução no setor industrial, tanto ao comprar tradicionais empresas familiares como na instalação de novas plantas de produção. Isso obrigava as empresas a se adaptarem à nova realidade, sob pena de encerrar as atividades.

Aquelas que perceberam o processo em tempo e mudaram sua mentalidade, procuraram parceiros internacionais e/ou fundiram-se com outras nacionais, ampliando seu porte e ganhando competitividade através da escala. Aqui também as decisões de investimento recomeçaram como única garantia de sobrevivência num mundo que passou a ser competitivo (IDEM, 1997, p.14)84.

Assim, a associação com parceiros internacionais ou a fusão com outras empresas foram as estratégias que algumas companhias adotaram para ganhar competitividade frente à concorrência, tendo nos investimentos sua garantia de sobrevivência. A partir de um trabalho de campo com empresas dos setores automobilístico (montadoras, autopeças); eletrônica de consumo (imagem e som e linha branca); têxtil (fiação, tecelagem, confecção, calçados); alimentos; farmacêuticos; papel e celulose; siderúrgico; máquinas e implementos agrícolas; informática (automação) e construção civil, os autores traçam um cenário positivo e modernizador para a economia brasileira, apesar de reconhecerem que o processo de ajustes era doloroso. Citam como exemplo que, no setor automobilístico, a abertura já fazia com que novas empresas anunciassem sua intenção de se instalar no país, a exemplo das montadoras Honda, Toyota, Mercedes e Renault. Além disso, as empresas já existentes no Brasil desativavam a produção de modelos

existentes na Suécia, país que possui a maior concentração de telefones (70% dos habitantes têm linhas telefônicas)” (Folha de S.Paulo, 29/07/1998). 84 Avaliamos que abrir a economia e tirar as proteções das empresas, ao invés de o Estado agir para fortalecê-las frente à concorrência internacional, é diferente do que ocorreu no segundo governo do presidente Lula (2007/2010), que estimulou a formação de grandes grupos nacionais. O movimento da gestão petista parece assemelhar-se à política do II PND, com fortalecimento de grupos nacionais por meio de subsídios estatais, embora já numa configuração de país mais aberto e não fechado como na década de 70. 123 obsoletos e investiam em modelos de padrão mundial, caso da Volkswagen e da Ford. Também ampliavam suas exportações, graças à melhoria do quadro macroeconômico, da modernização dos modelos e do regime automotivo 85. Exemplo disso era a Fiat, que previa exportações de US$ 750 milhões em 1997, enquanto a média dos dois anos anteriores havia sido de US$ 500 milhões. Inserido no setor automotivo, o segmento de autopeças explicitava os efeitos da reestruturação econômica, pois era um dos que mais despertava interesse do capital internacional e precisava se adaptar às transformações da indústria automotiva internacional. O setor era um dos que mais registrava compras, associações e joint-ventures. Caso emblemático dessa nova realidade brasileira no setor foi a venda da Metal Leve. Exemplo de empresa brasileira familiar durante o período de reserva de mercado e da Substituição de Importações, a Metal Leve percebeu que não teria como enfrentar sozinha o novo cenário de economia aberta e competitiva e foi vendida para a Cofap. Esta, por sua vez, já havia sido comprada quase integralmente pelo Bradesco e por uma multinacional, a empresa alemã Mahle. A fusão da Metal Leve com a Cofap e Mahle levou à formação de um grande grupo empresarial, capaz de se manter competitivo internacionalmente, de acordo com os autores. Outro exemplo de avanço com a abertura foi o da eletrônica de consumo, “o setor que talvez ilustre mais cabalmente o papel da abertura e da estabilização na ampliação do mercado e modernização das empresas” (Idem, 1997, p.17). Isso porque as importações levaram à substancial redução nos custos de produção e, consequentemente, dos preços dos produtos. Esse fator, aliado à elevação da renda e ao retorno do crédito como efeitos da estabilização, provocaram uma explosão do consumo nesse segmento.

85 No regime automotivo, instituído em 1996, as empresas tinham que obedecer a um conteúdo local mínimo para terem o direito de importar. Esse programa visava atrair investimentos e determinou o ciclo de chegada de montadoras que ainda não atuavam no Brasil, como as francesas Renault, PSA Peugeot Citroën e as japonesas Honda e Toyota, além de expansão industrial de outras marcas veteranas. As empresas que se inscreveram no regime automotivo do governo de Fernando Henrique Cardoso se comprometiam também a exportar. Investimentos e promessa de vender no exterior lhes garantiam menos impostos (Valor Econômico,14/08/2012).

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Os autores citam que, no primeiro semestre de 1996, esse setor industrial (formado por linha branca, imagem e som portáteis) havia crescido 33,62%, em comparação ao mesmo período de 1995, e 109,83% sobre os seis primeiros meses de 1994, de acordo com dados da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos). Com efeito, o Brasil se tornara o terceiro maior produtor de TVs no mundo e passara a atrair novos investimentos industriais. “A ampliação do mercado brasileiro pós-Plano Real eliminou o risco que estávamos correndo de desindustrialização deste setor. Nossa escala de produção passou a ser muito grande, viabilizando e tornando atrativo o investimento no setor” (IDEM, 1997, p.18). No caso da siderurgia, primeiro setor privatizado pelo PND, a partir da venda da Usiminas, em 1991, as privatizações permitiram a reestruturação e modernização das empresas, demonstradas pelos resultados.

Os indicadores de produtividade vêm melhorando significativamente, passando de uma média de 158 toneladas/homem/ano em 1990, quando 70% da produção era estatal, para 283 toneladas/homem/ano em 1995. Algumas usinas já atingem 450 toneladas/homem/ano, nível das mais produtivas do mundo (...) Segundo o IBS (Instituto Brasileiro de Siderurgia), os investimentos entre 1994 e 2000 deverão atingir US$ 7,1 bilhões, dos quais 70% em melhoria de qualidade e 30% em ampliação da capacidade produtiva (IDEM, 1997, p.23).

Os indicadores de produção do setor de siderurgia, portanto, haviam melhorado, assim como cresciam os investimentos em melhoria da qualidade e ampliação da capacidade produtiva. De acordo com Giambiagi e Além (2011), um trabalho interno do BNDES para avaliar os resultados da privatização nos setores de siderurgia, petroquímica e fertilizantes mostrou que houve aumento da produção, do faturamento, do investimento, do lucro e da produtividade das empresas, com redução do número de empregados. Nesse sentido, um caderno especial da Folha de S.Paulo (07/04/1998) sobre privatização mostrou que executivos das empresas privatizadas avaliavam que desestatização melhorou os índices de produtividade, com a redução dos postos de trabalho, e aumentou o nível socioescolar dos empregados que permaneceram nas empresas. Citam que, na Companhia Siderúrgica de Tubarão, a produtividade anual por funcionário subiu de 480

125 toneladas, em 1992, para 904 toneladas, em 1997. Em termos educacionais, 47% do quadro de funcionários da CST antes da privatização eram formados por trabalhadores com o 1º grau escolar incompleto (e só 38,6% possuíam o 2º grau completo). Em 1997, o 2º grau foi concluído por 47,8% dos funcionários e 33,9% contavam com o 1º grau completo. Os investimentos do BNDES no período da privatização visavam a atender ao crescimento do setor automotivo e da demanda de diferentes segmentos de infraestrutura que, após serem privatizados e modernizados, passaram a exigir produtos mais sofisticados do setor siderúrgico, que também possuía linha de financiamentos no banco. Para Mendonça de Barros e Goldenstein (1997), com o novo cenário econômico nacional e mundial, o Brasil recebia um novo fluxo de Investimentos Estrangeiro Direto. Mas dessa vez possuía um perfil diferente dos primeiros fluxos de capital estrangeiro, quando eram focados em bens de consumo e na indústria automotiva. Na década de 1990, esse capital foi destinado aos mais diferentes segmentos industriais. As transformações mundiais contemporâneas, como a revolução tecnológica, as novas formas de produção, a globalização e a saturação de mercados consumidores nos países desenvolvidos, aliadas “à espantosa ampliação do mercado consumidor brasileiro e, obviamente, ao retorno da segurança para os investidores dada pela estabilização, tornou o Brasil uma das economias mais atrativas em nível internacional” (IDEM, 1997, p.28). Já Diniz (2004), embora reconheça a importância das privatizações como estratégia do governo para ganhar credibilidade do mercado quanto às reformas econômicas e atrair capital internacional para fechar as contas externas, critica a velocidade com que o país teria aderido aos preceitos do Consenso de Washington. Citando Maria da Conceição Tavares (1999), a autora enfatiza que, em menos de quatro anos, o governo tucano promoveu “a abertura econômica, políticas de estabilização, o pacote das reformas liberais e as privatizações e desacelerações em um ritmo, extensão e profundidade, que levaram no

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México, o país livre associado aos EUA, mais de 14 anos para serem completadas” (TAVARES, 1999, in DINIZ, 2004, p.95)86. Para a autora, embora defensores da abertura e das privatizações, como Mendonça de Barros e Goldenstein (1997), afirmassem que a modernização da economia resultaria em mais produtividade, crescimento e empregos após um duro processo de ajustes, não foi o que de fato aconteceu. Com efeito, Diniz (2004) critica a mudança de papel do BNDES, que passou de agente público do desenvolvimento brasileiro para se transformar, tão somente, em um banco de negócios, com objetivo de potencializar o retorno financeiro de seus investimentos, a exemplo dos bancos privados. “Nos anos 90, o BNDES foi, essencialmente, o banco da privatização (privatization- business corporate)” (DINIZ, 2004, p.111). O economista João Furtado87 também critica a forma como o PND foi implantado e afirma que o BNDES financiou a desindustrialização brasileira. Isso porque, segundo o economista, o governo do presidente Fernando Henrique (1995/2002) acreditava que modernização do parque produtivo implicava em importação de equipamento importado. O economista, em

86 De fato. O economista Gustavo Franco, que participou diretamente da idealização e execução dessas políticas durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/1998), analisou da seguinte forma – em entrevista a este trabalho - as reformas que Tavares (1999 in DINIZ, 2004) critica: “a inflação estava em 7.500% ao ano e nós reduzimos para 5% em menos de três anos. Em 1998 ela foi inferior a 2%. É um sucesso extrordinário, em matéria de política de estabilização, que foi o tema do primeiro mandato. Agora, junto com isso, teve a reinvenção da Federação. Nós tínhamos uma crise parecida com a da Europa de hoje, com todos os Estados quebrados. Fizemos quatro, cinco rodadas de reestruturação de dívidas estaduais e municipais. Era uma crise que podia ser igual à da Europa, e não foi. O saneamento dos bancos privados, que foi um negócio que poderia ter sido do tamanho da crise americana, e não foi. Privatização, abertura, a desregulamentação, mais as coisas de natureza fiscal, muitas complicadas, mas que não fizeram todo o caminho, como a Reforma da Previdência, e outras tantas coisas na área fiscal, como a Lei de Responsabilidade. Tudo isso nos primeiros quatro anos, entendeu? E gerando muito desgaste, e tal, mas é o desgaste bom. O gás lacrimogênio da privatização dava a temperatura do quanto nós estávamos atacando igrejinhas, esquemas de corrupção, corporativismo do Estado e foi ótimo, não há o que se discutir hoje em dia sobre o sucesso da privatização, exceto em palanque de político vigarista. Mas, enfim, esse foi o primeiro mandato, foi um approach semelhante ao dos países do leste europeu deixando pra trás um modelo falido de Estado, baseado no inflacionismo, na heterodoxia vigarista das políticas públicas, tentando legimitar isso aí e mais uma ideia tola de autossuficiência num mundo globalizado. Tudo errado. E uma hiperinflação é uma coisa extrema o suficiente pra destruir qualquer crença que a inflação brasileira fosse um pequeno acidente, um pequeno subproduto”. 87 O economista João Furtado é um conceituado representante da corrente heterodoxa, com experiência no BNDES, o que possibilitou um contraponto qualificado às privatizações. Doutor em Sciences Économiques, em Paris, Furtado é conselheiro da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), professor na Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e foi assessor da presidência do BNDES entre 2005 e 2007. A entrevista foi concedida em março de 2012. 127 entrevista a este trabalho, cita como exemplo a privatização do Sistema Telebrás:

Na privatização, os financiamentos do BNDES, ao invés de terem servido para o fortalecimento do parque industrial brasileiro, serviram para sua fragilização. Olhe as importações de bens de capital para as telecomunicações nos três anos seguintes à privatização. As empresas brasileiras de equipamento para telecomunicações desapareceram imediatamente após a privatização do setor de Telecom. Como isso pode ser bom para o Brasil? A balança comercial brasileira entre os anos de 1995 e 2002 foi destruída por um governo que acreditava que, para ter telefone, precisava importar equipamento da Espanha. Da Espanha? Não estou falando de marcas japonesas. Esse governo acreditava que modernização se faz com máquina importada. É nisso que eles acreditavam.

Assim, a política de privatizações, abertura e estabilidade econômica, tendo como base o Real valorizado, mutilou a cadeia produtiva nacional ao apostar nas importações para modernização da indústria nacional. Com isso, a balança comercial brasileira foi prejudicada, com as importações superando as exportações, como também observam Diniz (2004) e Pinheiro e Giambiagi (2000). Além disso, a importação, como no caso de telecomunicações, foi de equipamentos com qualidade duvidosa, como pontuou o economista João Furtado. Para o economista, o modelo de privatização da Telebrás adotado pelo governo do PSDB, de fatiar a empresa em teles regionais para vendê-las a grupos internacionais, com intermediação do BNDES, criou uma competição artificial entre empresas de telefonia cujos serviços não funcionam.

E por quê? Porque eles (tucanos) têm a fé mágica no mercado. O mercado funciona. E o mercado não funciona.. A concorrência imperfeita cria mercados imperfeitos88. É o caso das comunicações brasileiras. Uma competição artificial que não leva a lugar nenhum. Eles acreditavam que era possível criar competição e que a competição era suficiente para chegar num mercado bem organizado, com consumidor bem atendido, etc..

88 Uma situação de Concorrência Imperfeita corresponde a uma estrutura de mercado em que não se verifica a concorrência perfeita, ou seja, em que existe pelo menos uma empresa ou consumidor com poder suficiente para influenciar o preço de mercado. São exemplos de situações de concorrência imperfeita os monopólios, oligopólios e concorrência monopolística. mercado imperfeito é todo aquele em que um dos "players" (ou conjunto de "players") consegue de alguma forma manipular os preços a seu favor, maximizando assim seus lucros em detrimento da livre concorrência.

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Dessa forma, João Furtado critica a estratégia do governo do presidente Fernando Henrique (1995/2002) de apostar prioritariamente nas forças do mercado para resolver os problemas de competitividade e eficiência do Brasil, a ponto de criar uma competição artificial no setor de Telecom. Ex-assessor da presidência do BNDES (2005/2007), o economista critica a atuação da agência como ferramenta do governo tucano para criação dessa competição artificial.

Uma coisa é a privatização. Outra coisa é: você não tem dinheiro, mas eu quero que você compre aquela empresa. Eu te dou dinheiro pra você comprar aquela empresa que, por acaso, é do Estado. Eu te empresto, mas em condições que vão no limite na irresponsabilidade bancária. Ninguém emprestaria aquela magnitude de dinheiro para grupos se não tivesse a decisão política. A relação entre o dinheiro que o cara tem e o dinheiro que o cara recebe é desproporcional. Só que eles queriam privatizar.

Assim, pelos cálculos de João Furtado, o BNDES emprestou quantias muito além das condições financeiras do tomador de empréstimos, com o objetivo de viabilizar a venda das empresas estatais, mesmo em operações arriscadas para a agência. E tais empréstimos ocorreram porque havia uma decisão política governamental nesse sentido. “O BNDES é uma máquina criada em 1952 que faz o que o governo federal pede para fazer”, conclui o economista.

2.7 – As privatizações e o impacto no aumento do IED

Como destaca Diniz (2004), o fluxo de IED (Investimentos Estrangeiros Diretos) era apontado pelos defensores da abertura comercial e das privatizações como um dos indicadores do êxito dessas políticas econômicas. Como vimos em Franco (1998), o Brasil precisava abrir sua economia, privatizar empresas estatais e encerrar o regime de Substituição de Importações para recuperar a capacidade de receber investimento estrangeiro direto e modernizar sua economia. Por causa disso, e por curiosidade intelectual nossa, decidimos recortar esse índice e fazer uma breve análise de sua evolução nos últimos anos no país, a fim de entendermos – sob esse ângulo – o impacto da abertura comercial e das privatizações no Brasil. Também escolhemos o IED para

129 verificar o efeito dessas políticas porque, teoricamente, não é um fluxo de dinheiro influenciado pelas taxas de juros, a exemplo das aplicações de curto prazo, que visam a retornos imediatos. Para isso, utilizaremos dois índices: o IED e o Censo de Empresas com Participação Estrangeira (EPEs) no país, realizado pelo Banco Central. Um levantamento da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica), encaminhado a nós para esta pesquisa, demonstra a entrada de capital no país entre 1999 e 2010.

Tabela 2.2 Ingressos de IED (em US$ bi) Período Privatizações Setor Elétrico Telecomunicações Gás Outros Total Demais Total 1999 1.020 6.659 1.106 8.786 22.587 31.372 2000 693 2.289 295 3.774 7.051 26.352 33.403 2001 622 457 1.079 20.014 21.093 2002 280 280 18.680 18.960 2003 13.087 13.087 2004 20.542 20.542 2005 20.043 22.043 2006 230 230 22.538 22.769 2007 34.335 34.335 2008 44.457 44.457 2009 31.679 31.679 2010 52.607 52.607 Fonte: Sobeet

O presidente da Sobeet, o economista Luís Afonso Lima, fez a seguinte análise dos números, de acordo com mensagem enviada a este trabalho por e- mail:

As privatizações foram mais relevantes no final da década de 90 e início dos anos 2000. Isso resultou de uma combinação de dois fatores. Primeiro, oferta de ativos brasileiros por conta do processo de privatização. Segundo, demanda de investidores estrangeiros, em especial espanhóis, por conta do processo de internacionalização de suas economias.

Portanto, o ingresso de capital estrangeiro entre 1999 e os primeiros anos de 2000 refletem os investimentos dirigidos para privatização no Brasil. Os principais interessados nos ativos brasileiros foram os espanhóis, também

130 em processo de internacionalização de sua economia. As inversões estrangeiras durante o processo de abertura da economia brasileira, que alcançaram US$ 31,3 bilhões em 1999, mostram-se ainda mais expressivas se comparadas ao ano de 1996, segundo ano do governo do presidente Fernando Henrique, quando o IED foi de US$ 9,6 bilhões, segundo o Banco Central89. Em relação ao ano de 2003, não encontramos razões objetivas que justificassem a queda do valor do IED para US$ 13 milhões. Podemos supor que estejam relacionadas às incertezas dos investidores quanto à condução da economia pelo governo do presidente Lula, que assumira naquele ano. Da mesma forma que, após o governo petista confirmar seu compromisso com a estabilidade econômica, o IED volta a subir a partir de 2004. A ampliação do mercado interno, o crescimento em torno de 4% do PIB no governo petista (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011) e o cenário externo positivo também colaboraram para atração dos investimentos estrangeiros.

Com o boom econômico dos últimos anos, surgiu no Brasil uma demanda totalmente nova por serviços como saúde, seguro social e educação – além de toda a gama de bens de consumo. Em pouco tempo, o mercado interno brasileiro se tornou um alvo importante para as grandes empresas mundiais. Não só pelo fato de que o Brasil já é, para empresas como Nestlé, Unilever, Volkswagen, Santander ou Telefonica, um dos mercados mais importantes e com maior lucratividade em todo o mundo. Mas surgiu também uma necessidade de reavaliar constantemente o mercado para conseguir manter o faturamento. As empresas já não podem oferecer, como faziam antes, os produtos de seus países de origem apenas com leves modificações (...) Um dos grandes desafios das corporações globais é responder à pergunta: quais bens de consumo as pessoas dos países em desenvolvimento desejam adquirir? (BUSCH, 2009, p.20).

Assim, o boom econômico no Brasil impulsionou setores como saúde, seguro social e educação, que se tornaram atraentes para grandes empresas privadas. Simultaneamente, as multinacionais já instaladas passaram a rever constantemente sua atuação no país a fim de satisfazer um público com características cada vez mais particulares. Em decorrência disso, os investimentos em pesquisa para descobrir e atender o gosto do consumidor brasileiro tornaram-se obrigatórios.

89 Disponível em: . Último acesso em: 28/02/2013 131

Para as multinacionais, esse tipo de pesquisa possui interesse estratégico, pois os novos consumidores brasileiros têm mais poder de compra do que os consumidores de nível de renda semelhante em outros mercados emergentes, como a Índia e a China. Futuramente, as empresas podem aproveitar as experiências feitas no Brasil em países nos quais o nível de renda da população vem crescendo junto com a prosperidade geral – ou nos quais o nível de renda está caindo até o patamar brasileiro. Assim, a Nestlé também testa na China e na Índia, onde a classe média ainda está crescendo e só agora atinge a renda per capita brasileira, suas estratégias desenvolvidas no Brasil. Da mesma forma, a empresa suíça pretende exportar à Europa do Leste – atualmente em situação de crise, com aumento do desemprego e queda da renda per capita – suas técnicas de venda para o segmento mais pobre da sociedade brasileira (BUSCH, 2009, pgs. 20-21).

Dessa maneira, o Brasil pós-abertura comercial, pós-privatizações e com aumento da renda per capita transformou-se não só num rentável mercado consumidor para as multinacionais, como também em um campo de pesquisa para produtos que podem ser adaptados a outros países emergentes ou para nações europeias com renda descendente. A tabela 2.3 abaixo, apresentada pelo economista e ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco (1997/1999), no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em 25/08/2011, em sua palestra sobre a inserção internacional da economia brasileira, mostra o crescimento do número das Empresas com Participação Estrangeira no Brasil (EPE´s)90. O censo é realizado a cada cinco anos pelo Banco Central.

90 Disponível em: . Último acesso em: 28 fev. 2013 132

Tabela 2.3 A globalização chega ao Brasil por completo

Censos do Capital Estrangeiro no Brasil: principais indicadores 1995, 2000 e 2005 Empresas com participação estrangeira (EPEs)91. 1995 2000 2005 2000/95* 2005/00*

# de 6.322 11.404 17.605 13% 9% empresas Faturamento 223.061.910 509.914.715 1.294.457.484 18% 20% (R$) Alavancagem 5,5 2,5 3,4 (1) Ativos (R$) 272.646.996 914.050.325 1.528.983.730 27% 11% Alavancagem 6,7 4,5 4,0 (2) Patrimônio 105.075.343 254.050356 437.868.400 19% 12% Part. 40.548.994 201.434.571 381.082.987 38% 14% Estrangeira (R$) % % 39% 79% 87% Exportações 21.744.976 33.249.792 64.965.982 9% 14% (US$) % total do 47% 60% 55% país % intrafirma 42% 63% 61% Importações 19.371.332 31.553.193 45.451.134 10% 8% (US$) % total do 39% 56% 62% país % intrafirma 44% 58% 56% Empregos 1.352.571 1.709.555 2.091.737 5% 4% % total do 2,0% 2,5% 2,3% país Impostos 42.497.045 85.689.834 268.896.521 15% 26% (R$) % total do 21% 23% 37% país * taxas de crescimento anuais médias. (1) razão entre faturamento e participação estrangeira (2) razão entre ativos e participação estrangeira Fonte: Rio Bravo, com base em dados do Banco Central e IBGE

91 Números preliminares do Censo 2010 do BC indicam redução de 22,4% no número de empresas com participação estrangeira, passando de 17.605 para 13.662 em razão de mudança na metodologia do BC. Segundo o Banco Central, este recuo é “decorrente da racionalização da metodologia do Censo 2011, que passou a exigir declaração apenas da empresa. Nos Censos anteriores exigia-se a declaração não apenas da empresa beneficiaria direta de recursos externos, mas também de suas coligadas no primeiro nível da cadeia de controle acionário. Com o aprimoramento do Censo 2011, a carga declaratória foi reduzida e foram racionalizados os procedimentos para eliminar a dupla contagem que detenha participação direta de não residente em seu capital social”. , último acesso em 28/02/2013) 133

O quadro mostra incremento em todos os números relacionados às Empresas com Participação Estrangeira (EPEs) no país a partir de 1995. O número de empresas com participação estrangeira subiu de 6.322, em 1995, para 17.605, em 2005. Isso representou um crescimento anual médio de 13%, entre 95 e 2000, e de 9% entre 2000 e 2005. As exportações das EPEs cresceram de US$ 21.744.976,00 em 1995, para US$ 64.965.982,00 em 2005, respondendo por 60% das exportações do país no ano de 2000 e por 55% em 2005. O número de empregos nas EPEs subiu de 1.352.571, em 1995, para 2.091.737 em 2005, embora percentualmente seja pouco mais de 2% em relação ao total de empregos no país. O pagamento de impostos por essas empresas cresceu de R$ 42.497.045,00, em 1995, para R$ 268.896.521,00, em 2005, um avanço de 21% para 37% no total de tributos pagos no país. Em sua palestra, o economista Gustavo Franco relacionou o crescimento do Investimento Estrangeiro Direto no Brasil à política de abertura da economia durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/2002).

A história sobre inserção externa, que foi desde o início do Real um tema muito relevante, pois nós fizemos política de estabilização junto com liberalização, é que nós fizemos meio que a primeira metade do processo quando fizemos uma espécie de redução generalizada da estrutura de proteção tarifária e não tarifária e, também, remoção de obstáculos para entrada de investimento direto. Fizemos abertura inward (pra dentro), mas não fizemos pra fora, não fizemos nada, ou pouca coisa, que liberalizasse a capacidade (...) de empresas esticarem suas operações para operar nos mercados que elas atendem como exportadores (...) Portanto, o que está diante de nós é, se formos usar uma expressão de impacto, uma projeção internacional das empresas brasileiras que, diante dos desafios competitivos e de globalização, naturalmente vão se tornando ou vendo incentivos para se tornarem empresas multinacionais (FRANCO, 2011, ).

Franco ressalta, portanto, que uma das principais medidas do primeiro governo Fernando Henrique foi de combinar estabilização com liberalização da economia. A primeira política, nesse sentido, foi redução generalizada das proteções tarifárias e não tarifárias para entrada de investimento estrangeiro direto ou “a destruição da estrutura de proteção e remoção de limitações ao

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IDE e investimento estrangeiro em carteira (abertura inward)” (FRANCO, 2011, ). O ex-presidente do Banco Central ressalva, no entanto, que, embora o governo tenha estimulado a entrada de Investimento Estrangeiro Direto, pouco fez em relação à internacionalização das empresas nacionais. E esta é uma aspiração crescente do empresariado nacional que mantém relações comerciais com o exterior. Ainda que o processo de abertura tenha sido parcial, os resultados foram muito positivos, na avaliação de Gustavo Franco:

A primeira metade do processo de abertura já transformou a economia brasileira de uma forma espetacular, e muita gente não se dá conta. E não é no comércio exterior que a gente vê a parte mais importante dos efeitos da abertura. É no investimento direto estrangeiro (...) Como impacto da estabilização no setor real, tem isso aí que é uma transformação extraordinária na organização industrial brasileira, aonde esse atributo propriedade estrangeira muda tudo com relação à produtividade , transferência de tecnologia e destrói muitos dos dogmas que nós estávamos acostumados a pensar quando se trata de multinacionais explorando as riquezas brasileiras e esse tipo de coisa. É uma outra situação, onde nós já somos parte da economia globalizada de um jeito muito mais profundo do que muita gente imagina (FRANCO, 2011, ).

Dessa forma, o crescimento do investimento estrangeiro no país e a instalação crescente de firmas internacionais – como detalhamos acima – refletem os efeitos da abertura no Brasil. Tal movimento tem provocado uma transformação industrial com relação à produtividade e transferência de tecnologia, o que destrói dogmas nacionalistas em torno de multinacionais explorando as riquezas brasileiras. Gustavo Franco também detalha outra tabela do Censo do Banco Central, da qual extraímos alguns dados que avaliamos como importantes para este trabalho. É preciso diferenciar que, enquanto a sigla EPE significa Empresas com Participação Estrangeira, a sigla ECE quer dizer Empresas com Controle Estrangeiro, que são as multinacionais de capital integralmente estrangeiro. De acordo com esses dados, o valor adicionado gerado pelas EPE´s e ECE´s sobre o PIB nacional alcança 59,4%, enquanto o valor adicionado das empresas nacionais responde pelos demais 40%. Somadas as exportações

135 das EPE´s e das ECE´s, como proporção do PIB total do Brasil, o percentual é de 13,1%, semelhante aos 13,4% das empresas nacionais. No entanto, a propensão a exportar é bem maior entre as companhias com participação ou controle total estrangeiro, chegando a 44%, contra 13,4% das nacionais. A taxa de importações também é bem superior entre as estrangeiras, totalizando 34%, enquanto a das brasileiras é de 8,8%.

Elas que são os drivers da abertura, entendida como a expansão do tamanho do comércio exterior com relação ao conjunto da economia brasileira. As exportações como total delas, como proporção do total do Brasil, explicam a maior parte da propensão a exportar do Brasil. Essas empresas vendem um quinto das suas vendas no exterior, diferentemente das outras empresas brasileiras, que vendem um décimo (...) elas são o veículo da internação da globalização (FRANCO, 2011, ).

Portanto, além de serem as principais responsáveis pela entrada de investimento direto no Brasil, as empresas com participação ou controle de capital estrangeiro também respondem pela maior propensão à exportação verificada no país. Dessa maneira, internalizam a globalização no Brasil. Entendemos, assim, que as privatizações, a abertura e a estabilidade econômica tiveram contribuição decisiva para a inserção internacional da economia brasileira.

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Capítulo 3 A retomada do BNDES como ferramenta do desenvolvimentismo

Durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010), verificou-se a consolidação da estabilidade econômica, a melhoria das contas públicas e a retomada do crescimento. Tal cenário permitiu que o BNDES retomasse seu perfil desenvolvimentista. Essa linha de atuação pode ser percebida por meio de três variáveis interpretativas, as quais foram escolhidas por serem significativas: desembolsos para infraestrutura; internacionalização das empresas e aumento do crédito no mercado, especialmente como resposta à crise financeira de 2008/2009. Esse movimento é perceptível sobretudo a partir do segundo governo do presidente Lula (2007/2010), quando o banco pareceu estar alinhado a políticas de um governo que enxergava o Estado como indutor da economia e desenvolvia ações nesse sentido (PAC, Programas Minha Casa, Minha Vida, Brasil Maior, incremento do mercado interno, etc). Mas essa atuação do BNDES no governo do presidente Lula pode ser entendida mais como um desdobramento da consolidação da estabilidade econômica e do posterior crescimento econômico, do que representando uma ruptura em relação ao período Fernando Henrique Cardoso. Essa linha de raciocínio pode ser embasada pelo texto de Ana Cláudia Além92 (2012) e por entrevista que a economista concedeu a este trabalho. Para tentar compreender as origens do pensamento econômico que guiou as políticas do BNDES a partir de 2007, com a posse do presidente Luciano Coutinho, analisaremos o trabalho de Coutinho et.al. (1993) 93 . No

92 A autora é assessora da presidência do BNDES e professora do Instituto de Economia da UFRJ, instituição em que trabalha há 18 anos. Avaliamos que, dada a importância do cargo, seus estudos estão diretamente relacionados às atuais políticas do banco e vêm ao encontro do nosso trabalho. 93 Escolhemos este trabalho por orientação do economista João Furtado (professor na Escola Politécnica da USP), que foi um dos autores do texto e trabalhou como assessor do economista Guido Mantega, quando este foi presidente do BNDES (2007). O trabalho nos fornece subsídios para entender o pensamento de Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES, e fazer analogias com as políticas atuais do banco. Este trabalho foi uma encomenda do Ministério da Ciência e Tecnologia durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990/1992), que buscava subsídios para a melhoria da competitividade brasileira frente às mudanças econômicas nacionais e mundiais. O consórcio responsável por este projeto foi selecionado, entre outros candidatos, por meio de licitação pública. 137 texto, os autores investigam a necessidade de uma política industrial para impulsionar a competitividade e traçam um histórico da indústria brasileira, a fim de lembrar que o setor nasceu e evoluiu sob um sistema de proteção e regulação governamental. Em 1980, cerca de três décadas após seu advento, o parque industrial brasileiro havia alcançado alto grau de integração entre os diferentes setores, bem como uma grande diversificação da produção. Os setores químico e metalmecânico respondiam por 58,8% da produção, o que configurava uma estrutura produtiva semelhante à dos Estados Unidos (64,4%), do Japão (64,5%) e da Alemanha Ocidental (69,8%), as três maiores economias mundiais na época. No entanto, contextualizam os autores, ao contrário do que ocorreu nesses países e nas nações em desenvolvimento, como a Coréia do Sul, uma parcela considerável das empresas brasileiras não desenvolveu a capacidade de inovação e especialização, em decorrência da crise econômica da década de 1980.

A crise macroeconômica (dívida externa e consequente desorganização das finanças públicas) imobilizou o Estado, inviabilizando a formulação de uma política industrial e tecnológica que se seguisse à política de substituição de importações. Num quadro de crescente instabilidade macroeconômica e aceleração inflacionária, processa-se um ajuste industrial defensivo, com contração de investimentos, estagnação da produção e queda da renda per capita (COUTINHO et.al., 1993, p.15).

Assim, a crise da dívida externa, ao lado da desorganização das finanças públicas e da aceleração inflacionária, segundo os autores, imobilizou o Estado e impediu a criação de uma política industrial que se seguisse ao modelo de substituição de importações. Como efeito adverso da crise, a indústria adotou um ajuste industrial defensivo, com retração de investimentos, estagnação da produção e queda da renda per capita. O estudo mostra que esse cenário macroeconômico levou à desaceleração da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). A FBCF caiu de 25,4%, entre 1971/1975, para 18,2%, entre 1991/1992. Além disso, a abertura econômica no governo do presidente Fernando Collor de Melo (1990/1992) expôs a indústria à competição

138 internacional, o que provocou redução do nível de emprego. Tal processo, analisam os autores, tenderia a se prolongar nos próximos seguintes. O trabalho aponta, em seguida, uma série de deficiências da indústria brasileira para enfrentar a nova realidade econômica, tais como:

a defasagem da estrutura empresarial brasileira; a existência de um tecido industrial incapaz de transmitir qualidade, produtividade e progresso técnico ao longo das cadeias produtivas; a precariedade da base educacional brasileira, especialmente em face dos requisitos exigidos pelos novos processos produtivos; o distanciamento entre sistema produtivo e sistema bancário-financeiro, marcado pela ausência de crédito e financiamento de longo prazo e pelo reduzido grau de endividamento como proporção dos ativos empresariais; e a profunda deterioração da capacidade regulatória do Estado, enfraquecido pela crise fiscal e financeira, impotente para articular a retomada do crescimento econômico e para fomentar o avanço da competitividade nacional, sem a implementação prévia de reformas (Idem, 1993, pgs. 18-19).

Na década de 1980, portanto, o país apresentava um tecido industrial defasado, com baixa qualificação de mão de obra, distanciamento entre os sistemas produtivo e bancário, o que se refletia na ausência de crédito e de financiamento de longo prazo. Tal cenário, completam os autores, contrastava com a evolução tecnológica dos países desenvolvidos. Com efeito, era preciso “enfrentar e resolver a crise econômica, com a formulação simultânea de um projeto de desenvolvimento competitivo que restabeleça na sociedade brasileira a esperança e a confiança em si própria” (Idem, 1993, p.19). Os autores defendem a adoção de medidas que solucionassem a crise econômica interna e a implantação de uma política industrial para o desenvolvimento do país. Os autores criticam o fato de o Brasil concentrar suas exportações em commodities. A competitividade do país nesse setor, ressaltam, poderia ser ameaçada pela crescente sofisticação e especialização do mercado internacional. Havia ainda o risco de declínio nos preços das commodities, motivado pela possível saturação mundial desse comércio94.

94 A PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo), lançada em 2009 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevê estímulos às exportações de commodities para aproveitar as vantagens competitivas do Brasil, tendo o BNDES como operador do plano. Como veremos mais abaixo, a decisão de estimular esse setor reflete a emergência da China no cenário internacional como consumidora de matérias-primas, o que ainda não ocorria em 1993. Assim, ao invés de retrair esse comércio, como previam Coutinho et. al. (1993), o consumo chinês na década de 2000 favoreceu as exportações brasileiras de commodities. 139

Ao mesmo tempo, outros países subdesenvolvidos 95 ganhavam produtividade graças ao pagamento de baixos salários, a uma melhor qualificação técnica e a práticas de comercialização mais eficazes. Essa combinação de fatores provocava intensa concorrência internacional e derrubava a participação do Brasil no comércio exterior. Entre 1985 e 1993, o país caiu da 17ª para a 23ª posição no ranking de exportadores mundiais. No entanto, apesar da defasagem de muitas indústrias, havia empresas exportadoras nacionais que se tornaram competitivas por ter desenvolvido tecnologia própria. Os autores caracterizam essas indústrias como exceções notáveis.

Mas a competitividade internacional da indústria de um país como o Brasil não pode repousar em duas centenas de empresas líderes, ilhas de excelência. É urgente a articulação de uma política de competitividade, dentro de um projeto nacional de desenvolvimento competitivo, capaz de acelerar a difusão das inovações técnicas e organizacionais no sistema industrial brasileiro (Idem, 1993, p.22, grifos dos autores).

O país não deveria, dessa forma, apoiar sua competitividade em empresas líderes que funcionassem como ilhas de excelência. Ao contrário, deveria propor um projeto nacional mais amplo de desenvolvimento competitivo.

3.1 – Medidas estatais para contrapor os efeitos da abertura econômica

Nesse sentido, os autores se contrapõem ao projeto puro e simples de diminuição do papel do Estado na economia, então em curso no Brasil, sem medidas de compensação. Baseiam suas ideias nas políticas industriais dos países desenvolvidos membros da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), durante o período de abertura desses países.

95 Termo utilizado pelos autores, ao invés de países emergentes, expressão consagrada atualmente. 140

Segundo documento oficial da OECD, em praticamente todos os países membros os governos têm considerado imperativo contrabalançar o grau elevado de abertura ao exterior (redução de barreiras tarifárias) mobilizando uma gama de instrumentos, visando melhorar a competitividade de suas empresas, tanto no que se refere às exportações quanto em relação aos mercados internos, cada vez mais abertos à concorrência externa (IDEM, 1993, p.22).

Dessa forma, os países pertencentes à OECD utilizavam instrumentos estatais para melhorar a competitividade de suas indústrias e contrabalançar os efeitos da abertura de suas economias ao exterior. Entre os exemplos de Estados que atuaram para reforçar a competitividade de suas indústrias estão o Japão, a Alemanha, França e os EUA. Interpretamos esta parte do estudo não como uma negação dos autores à integração econômica internacional, a qual o Brasil também atravessava. Mas como defesa da intervenção do Estado na economia para fortalecer as empresas nacionais frente à concorrência exterior. Da mesma forma que, apesar da instabilidade por que passava a economia brasileira, “não se deve confundir estas restrições advindas da crise fiscal - reais e sérias - com uma desistência de intervenção do Estado no campo da competitividade” (Idem, 1993, p.22). Os autores recomendam quatro tipos de políticas públicas para a competitividade da indústria: i) o poder de compra do setor público; ii) a intervenção direta para reestruturação de setores sob leis ou regulamentos temporários; iii) os requisitos de desempenho para o investimento de risco estrangeiro e iv) os incentivos e subvenções fiscais-financeiros, diretos e indiretos. Esse último ponto interessa em especial ao nosso trabalho, pois parece ter relação direta com os argumentos que hoje embasam os financiamentos do BNDES. Segundo os autores, esse era o instrumento mais utilizado pelos países da OECD.

Tais subvenções e auxílios incluem instrumentos de financiamento direto, que transferem recursos a determinadas categorias especiais de empresas e setores, e incentivos fiscais, que conferem privilégios temporários às empresas que se qualifiquem para atividades de P&D ou cumpram outros requisitos (IDEM, 1993, p.25).

141

As subvenções governamentais dos membros da OECD incluíam financiamento a categorias especiais de empresas e incentivos fiscais às que se qualificassem para as atividades de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). Segundo os autores, os incentivos eram focalizados, ao invés de genéricos e indiscriminalizados como ocorrera no período do Pós-Guerra a fim de financiar a reconstrução das indústrias. Pela estratégia atual, os governos buscavam promover a competitividade das empresas, as quais, em contrapartida, deveriam atender a critérios de eficiência e avaliação dos resultados (custos versus benefícios). “Em numerosos casos os Estados intervêm quando certas empresas com particular importância econômica e social passam por dificuldades financeiras devido à concorrência internacional” (Idem, 1993, p.27). Nesse sentido, além de investir em setores estratégicos, os Estados apoiavam financeiramente empresas em risco de fechamento ou que implantavam processos de reestruturação. No caso da América Latina, os autores afirmam que os Estados perderam a capacidade de implantar uma política industrializante durante a década de 1980. Nesses países, as políticas industriais ficaram condicionadas à gestão macroeconômica, que estava focada no gerenciamento da crise da dívida externa, por meio da geração de superávits comerciais, redução dos investimentos públicos e controle da inflação. Na década de 1990, os países latino-americanos implantaram políticas de estabilização que aproveitaram o intenso fluxo financeiro internacional para lastrear suas moedas. Tal processo ocorreu com o Plano Real (1994), posterior a este estudo de Coutinho et. al. (1993), cuja âncora cambial no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique (1994/1998) foi sustentada pelo fluxo de recursos externos, atraídos principalmente pelas privatizações (GIAMBIAGI e ALÉM, 2011). “Simultaneamente, vêm sendo realizadas reformas estruturais que redefinem a participação do Estado na economia e aumentam os graus de abertura comercial e financeira” (COUTINHO et. al., 1993, p.29). As medidas para estabilização macroeconômica, dessa forma, incluíam a abertura da economia latino-americana ao mercado externo.

142

Os autores reconheciam que a estabilização econômica era pré-requisito para a construção de um projeto de desenvolvimento competitivo. “O processo latente de hiperinflação inviabiliza o cálculo econômico de médio e longo prazo, tolda os horizontes, torna intolerável o custo de capital” (Idem, 1993, p.35). No entanto, a estabilização seria efêmera e vulnerável se não resultasse numa retomada sustentável do desenvolvimento. Apesar de terem vieses desenvolvimentistas, os autores reconhecem a obsolescência do Estado brasileiro para reativar a economia nacional e indicam políticas econômicas que estariam mais próximas do receituário ortodoxo:

Há um conjunto de reformas indispensáveis. É essencial caminhar para um ajuste fiscal duradouro através de uma profunda reestruturação do gasto público. Sem a supressão dos desvios, desperdícios e redundâncias e sem o aumento da eficiência do aparelho público, especialmente na área social, ficará difícil concretizar uma indispensável elevação do nível macroeconômico de arrecadação. O aperfeiçoamento do sistema tributário e o início de uma reforma do financiamento público e privado são, também, pilares fundamentais. O ajuste fiscal, o equacionamento das dívidas intra- setor público, o saneamento das instituições financeiras públicas, as engenharias financeiras e as privatizações são condições fundamentais para neutralizar e minorar as pressões monetárias expansionistas, infundir confiança quanto à solidez das contas públicas e ancorar a liquidez do sistema financeiro. São, todas, condições para eficácia da política monetária (Idem, 1993, p. 36).

Assim, embora recomendem medidas como ajuste fiscal, equacionamento de dívidas do setor público e privatizações, os autores rejeitam políticas econômicas que se tornariam regra no país nos anos seguintes. Pois, para eles, a política macroeconômica deve

1º) evitar a sobrevalorização da taxa de câmbio, que fragiliza o balanço de pagamentos, promove a desindustrialização e desincentiva as estratégias de exportação; 2º) evitar a recessão continuada com taxas de juros elevadas, que obriga as empresas à retração dos investimentos e à prática do defensivismo financeiro e de pricing (Idem, 1993, p.37).

Assim, o texto rejeita políticas econômicas que seriam adotadas nos anos seguintes, como estratégia para estabilização da moeda a partir do Plano Real, a exemplo do câmbio valorizado (âncora cambial) e altas taxas de juros. No tópico sobre política de desenvolvimento competitivo, o trabalho mostra o resultado da análise com empresas e setores que, em 1993,

143 representavam 50% da produção brasileira, visando a propor políticas de competitividade para a indústria nacional. Entre as propostas, os autores defendem um equilíbrio entre abertura e proteção estatal, entre expansão das exportações e o desenvolvimento do mercado interno, entre a intervenção do Estado e a vigência das forças de mercado e uma conciliação entre estabilização e crescimento sustentável. Os autores ressalvam que a competitividade não é uma missão unilateral do Estado e cabe ao setor privado liderar este processo em cooperação com o Poder Público e por meio de negociações com os trabalhadores. E quais deveriam ser as ações do Estado na nova conjuntura de abertura econômica e transformações tecnológicas?

Num plano geral, cabe ao Estado manter condições estimulantes de concorrência (no mercado interno, via política de promoção da concorrência, e com as importações, via política tarifária) que obriguem as empresas a buscarem melhores padrões de qualidade, excelência dos serviços e atualização dos seus produtos. Cabe também ao Estado fixar estratégias por meio da identificação de áreas críticas, reduzir riscos e promover/consolidar as trajetórias das inovações através da indução de decisões de investimento, financiamentos e do uso do poder de compra das empresas. Reconhece-se que a adaptação estrutural da economia tenderá a se transformar num processo lento e doloroso se deixado por si só, principalmente em períodos de mudanças tecnológica e industrial tão fundamentais como o atual (Idem, 1993, pgs.108-109).

Os autores ressaltam, assim, que a exposição à competição trará ganhos de competitividade à indústria. Ponderam, no entanto, que o Estado deve ter atuar durante o processo de reestruturação e abertura por meio de estímulos à concorrência, estimulo a investimentos em inovações por meio de financiamentos. Exemplo dessa intervenção estatal ocorreu durante o processo de reestruturação das economias dos países da OECD, a partir da década de 1980, quando boa parte dos Estados aumentou seus orçamentos destinados a subsídios em P&D e produção de conhecimento. Em seguida, o texto investiga o setor de infraestrutura no Brasil, considerado como essencial à competitividade industrial. Em decorrência da instabilidade econômica, da falta de financiamento e de investimentos públicos, as condições físicas da infraestrutura se deterioraram e impactaram negativamente a competitividade da indústria.

144

Entre as medidas sugeridas para recuperação da infraestrutura estão o financiamento de longo prazo e a adoção de tarifas realistas, visto que a crise fiscal, o endividamento externo e a recessão levaram os governos a adotar tarifas subsidiadas irreais, o que impediu novos investimentos96. A crise do Estado provocou ainda uma descoordenação entre as agências públicas de financiamento e as empresas na execução de novos projetos de infraestrutura. Por isso, o texto aponta a função que o BNDES pode ter no financiamento dos investimentos em infraestrutura, como no setor de telecomunicações:

No âmbito interno, é importante explorar o potencial de financiamento do sistema BNDES que, entretanto, está atualmente impossibilitado de financiar as empresas estatais do sistema (de telecomunicações) - assim como dos demais - em função da Resolução 1718/89 do Banco Central, que o impede de financiar empresas públicas (Idem, 1993, p.124)

O estudo defende, portanto, a reutilização do BNDES como agência financiadora de projetos de infraestrutura. No ano de publicação do estudo (1993), o banco estava legalmente impedido de financiar as empresas estatais brasileiras em virtude da deterioração fiscal dessas empresas97. Os autores ressaltam que a crise econômica provocou retração da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixa), pois as taxas ficaram abaixo do necessário para a manutenção e reposição da rede de infraestrutura. Para sustentar um crescimento sustentável de 5% ao ano, estimam os autores, o país precisaria de uma FBCF de 25% em relação ao PIB. Quando o estudo foi preparado, a FBCF alternava entre 17% e 19% do PIB. O aumento dos investimentos viria da recuperação das finanças públicas e da criação de finanças industrializantes. Este segundo ponto interessa em particular ao nosso trabalho:

96 Biondi (2001) defende que, ao invés de privatizar o sistema Telebrás, o governo Fernando Henrique Cardoso deveria ter adotado tarifas realistas, as quais possibilitariam novos investimentos no setor e o manteriam lucrativo dentro da esfera estatal. 97 Para mais detalhes, ver Pinheiro (2000). Como vimos no Capítulo 2, a incapacidade de investimentos de boa parte das estatais foi um dos motivos que levou à privatização das empresas. 145

é também fundamental superar o divórcio entre banco e indústria. O desenvolvimento competitivo do capitalismo brasileiro requer a aproximação - com sinergia e alavancagem mútua - entre os sistemas financeiro e industrial. É indispensável criar uma solidariedade saudável entre as duas esferas, através de parcerias estáveis ou de participações acionárias orgânicas, que induzam o capital bancário- financeiro a dar suporte a investimentos competitivos e à reestruturação dos grupos empresariais brasileiros, para que estes ganhem escala e vitalidade para enfrentar os desafios do comércio e dos investimentos em escala global (Idem, 2013, p.134).

Os autores propõem, portanto, uma sinergia entre os sistemas financeiro e industrial para impulsionar o desenvolvimento competitivo do capitalismo brasileiro. O objetivo é induzir o capital bancário-financeiro a sustentar investimentos competitivos e a reestruturação de grupos empresariais para que ganhem escala e competitividade no comércio global. “Esta proposta de tornar interdependentes os segmentos financeiro e industrial assenta-se na análise dos modelos bem-sucedidos do capitalismo desenvolvido” (Idem, 1993, p.134).

3.2 – Os bancos públicos e o desenvolvimento da economia

Nesse sentido, Jennifer Hermann98 (2010) investiga o papel do BNDES como principal fonte de financiamento do desenvolvimento brasileiro. A autora lembra que os bancos públicos de investimento foram criados para promover o desenvolvimento da economia de países nos quais o sistema financeiro era insuficiente para cumprir esse papel. Muitas dessas instituições nasceram no período inicial ou intermediário da industrialização para acelerar esse processo, como foi o caso do BNDES.

98 A autora é professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Escolhemos seu trabalho por defender que, apesar das políticas de liberalização financeira, o BNDES não só manteve o seu papel de fomentador do desenvolvimento nacional, como ampliou sua participação. Tal análise fornece importantes subsídios ao nosso trabalho. 146

Ever since it was founded in 1952, it has tailored its activities to suit differing political, macroeconomic and financial contexts. Until the 1980s, BNDES played a fundamental role in financing the Brazilian industrialization process, based largely on government investment and funding (supported by external financing). The 1990s brought a radical change when Brazil followed the example of various developed and developing countries by adopting the financial liberalization model as part of a new development policy. Under that model, economic development is supposed to be guided by private-sector (or market) initiatives and interests, rather than by actions directed or financed by the State (HERMANN, 2010, p.190).

Portanto, até a década de 1980 o BNDES tinha papel fundamental no financiamento público da industrialização brasileira, que tinha como fonte de recursos os empréstimos governamentais e externos. Na década de 1990, o governo adotou a liberalização financeira como parte de um novo modelo econômico que transferia ao mercado o papel de condutor do desenvolvimento nacional. No entanto, acrescenta a autora, embora a liberalização tenha impulsionado o setor financeiro privado, ele ainda é insuficiente para atender integralmente às demandas dos países em desenvolvimento, como o Brasil. Daí a importância atual do BNDES como agência financiadora. A autora diferencia da seguinte maneira os bancos de desenvolvimento estatais do sistema financeiro privado:

It is the commitment to funding the national economic development process that distinguishes a development bank from other institutions that may also play this financing role on an occasional or casual basis. This type of commitment is not in the nature of private financial institutions, whose activities are primarily profit-seeking. Thus, the predominance of the public sector in the capital structure and, consequently, the management of development banks created in the post-war period, is not a mere historical detail, but should be viewed as one of defining features of this type of institution (Idem, 1993, p.193).

Assim, é o compromisso em financiar o processo de desenvolvimento dos países o que distingue um banco de desenvolvimento do sistema financeiro. As instituições privadas, cujo principal objetivo é a busca de lucro, eventualmente desempenham a função de financiar o desenvolvimento. O estudo busca verificar o impacto da liberalização sobre o sistema financeiro e, principalmente, sobre o BNDES. A liberalização foi impulsionada no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique (1994/1998), como

147 estratégia de suporte à estabilização econômica, que teve como instrumento a âncora cambial. “The Cardoso government also implemented a wideranging programe of privatization of State banks and enterprises (basically infrastructure)” (Idem, 2010, p.198). A liberalização consolidou-se no segundo mandato do presidente tucano (1999/2002), mesmo com a substituição da âncora cambial pelo sistema de metas inflacionárias.

The exchange-rate crisis, however, did not produce qualitative changes or reversals in financial policy. In the second Cardoso government and the first administration led by Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), financial liberalization proceeded alongside a strengthening of prudential regulation and a number of measures that increased the openness of the Brazilian market by reducing bureaucratic obstacles and costs (basically taxation) that affected capital inflows and outflows. The model was thus implemented gradually in the country, and it has continued to be applied for nearly two decades — long enough to produce results. Nonetheless, the reaction of the credit and capital markets was quite modest during the period analyzed (Idem, 2010, p.198).

Assim, analisa a autora, a crise cambial não provocou mudanças significativas na política financeira do governo. A liberalização prosseguiu no segundo mandato do presidente Fernando Henrique (1999/2002) e no primeiro governo do presidente Lula (2003/2010), que deu continuidade e aprofundou esse processo ao retirar barreiras burocráticas para entrada e saída de capital estrangeiro. Simultaneamente à liberalização financeira, o governo adotava medidas para reforçar a regulação do setor. Hermann ressalva, no entanto, que apesar de a liberalização financeira ter sido aplicada gradualmente ao longo de duas décadas no país, a reação do crédito e do mercado de capitais foi modesta ao longo desse período, como a autora procura demonstrar na tabela 3.1.

148

Tabela 3.1 Indicadores selecionados do mercado de capital brasileiro, 1989-2006

Fonte: Prepared by the author on the basis of data from the , Boletim mensal (Monthly Bulletin), various issues, and the Security and Exchange Commission (CVM), Informativo mensal (Monthly Report), various issues; São Paulo Stock Exchange (Bovespa) for the last column. a Includes securities of all types (shares, bonds and others). b GFCF = Gross Fixed Capital Formation.

Segundo o texto, os dados da tabela foram obtidos nos mercados de crédito e de capitais, cobrindo os anos de 1990/2006, divididos em subperíodos nos quais ocorreram mudanças na economia brasileira que repercutiram no mercado financeiro. São eles: 1989/1990 - período inicial de mudanças; 1990/1994 - adoção da liberalização financeira, mas num período de alta inflação; 1995/1998 - estabilização; 1999/2003 - instabilidade nos mercados doméstico e internacional e frágil crescimento econômico; 2004/2006 - inflação baixa, estabilidade financeira e retomada do crescimento econômico em quase todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, incluindo o Brasil. A tabela mostra que, no mercado de crédito, a relação crédito/PIB (Credit/GDP) passou de 24,1%, em 1989, para 27,7% no período 2004/2006. A partir desses dados, a autora ressalta que a razão entre crédito e PIB manteve- se abaixo de 30% no Brasil, nesse período, enquanto nos países financeiramente desenvolvidos esse percentual oscilou entre 60% e 100% do PIB. Observamos, no entanto, uma inversão na correlação entre o fornecimento de crédito público e o privado no Brasil ao longo do período

149 retratado. Em 1989, o crédito público era de 69,3% do total concedido, enquanto o privado era de 30,7%. Já no período 2004/2006, do total de crédito concedido no país, o crédito público foi de 37,2%, enquanto o privado foi de 62,8%. Entre 1989 e 2004/2006, do total de crédito concedido no Brasil (público e privado), o percentual de crédito destinado às pessoas físicas passou de 2,5% para 30,2%. A partir desses dados, podemos supor que esses percentuais parecem indicar que houve uma desconcentração do crédito entre 1989 e 2004/2006, o que permitiu um crescimento do acesso ao crédito por parte do cidadão comum. Com efeito, poderíamos relacionar esse avanço do crédito à pessoa física ao crescimento do mercado interno brasileiro, o qual foi uma das razões para a taxa média de crescimento da economia em torno de 4% durante os dois governos do presidente Lula (2003/2010) 99. A tabela mostra que, do total de crédito concedido no Brasil (público e privado), no período entre 1989 e 2004/2006, o percentual destinado ao comércio passou de 4,3% para 10,8%. O concedido à indústria foi de 16,4% em 1989, de 28,6% entre 1999/2003 – que foi o maior percentual para o setor nos períodos estudados - e de 23,5% entre 2004/2006. Chamou-nos a atenção o fato de que, do total de crédito concedido no país, o percentual para moradias foi de 35,8%, em 1989, e de 4,9% em 2006, apesar da expansão do setor imobiliário no país100. Outro dado que nos pareceu relevante foi o de que, do total de crédito concedido no Brasil (público e privado), o percentual destinado ao setor público foi de 27,8%, em 1989, e de 3,3% entre 2004/2006. Possivelmente a redução percentual do crédito concedido ao setor público nesse período tenha relação com a venda das empresas estatais ao setor privado, o que ampliou a participação das indústrias privadas na produção econômica nacional e reduziu a das empresas estatais. No que tange ao mercado de capitais, comenta a autora, a tabela mostra que:

99 Para mais detalhes sobre crescimento do mercado interno e da economia ver Busch (2010) e Giambiagi e Além (2011). 100 Para mais detalhes sobre essa expansão do setor ver www.secovi.com.br (Sindicato da Habitação de São Paulo). 150

On the capital market, foreign investors have a very significant participation on the secondary market segment, which affects volumes traded, liquidity and asset prices —perhaps excessively— even on the primary market which is affected by these conditions. Lastly, despite the recent expansion, primary issues have fluctuated sharply since the early 1990s, a characteristic that is uncommon on well established markets, precisely because this type of behavior inhibits market development (Idem, 2010, p.199).

Houve, portanto, um aumento na participação do investimento estrangeiro no mercado secundário. A tabela informa que, do total de investimentos no mercado de capitais, a participação dos investimentos estrangeiros foi de 16,9% entre 1990/1994 e passou para 33,3% no período 2004/2006. Podemos supor que o crescimento desses investimentos estrangeiros tenha relação com a abertura econômica e a liberalização financeira ocorrida no Brasil entre 1989 e 2004/2006. A contribuição do mercado de capitais no total de desembolsos para a GFCF (Gross Fixed Capital Formation) – Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) – foi de 14,3%, entre 1990/1994; de 8,6%, entre 1999/2003 (o patamar mais baixo) e de 17,9%, entre 2004/2006. Na avaliação da autora, tanto os números do mercado de crédito como de mercado de capitais – a exemplo da relação crédito/PIB abaixo de 30% - demonstram a fragilidade da política de liberalização como instrumento para o desenvolvimento financeiro. No entanto, apesar de o crédito total no Brasil não ter crescido substancialmente e de o crédito público ter caído em relação ao total concedido, a autora ressalta que os empréstimos concedidos pelo BNDES aumentaram, como mostra a tabela 3.2:

Although the rise in the bank’s annual average disbursements as from 1999 is clear, 16 indicators tracking this process suggest that it began in 1995-1998. While BNDES disbursements accounted for an average of 3% of outstanding credit in the Brazilian financial system between 1989 and 1994, they rose to 5% between 1995 and 1998 and to nearly 8% in the two subsequent periods (between 1999 and 2006). The trend showed banking operations recovering slowly after their sharp contraction in the late 1980s — at the height of the external and fiscal crisis that buffeted the Brazilian economy in that decade (IDEM, 2010, p.199).

Dessa forma, a tabela informa que, do volume total de crédito concedido no Brasil, os desembolsos do BNDES responderam por 3%, em média, no ano

151 de 1989; por 5% entre 1995/1998 e por quase 8% entre 1999/2006. Observamos que o percentual em torno de 8% desembolsado pelo BNDES, em relação ao total de crédito concedido no Brasil, é o mesmo do segundo governo do presidente Fernando Henrique (1999/2002) e do primeiro governo do presidente Lula (2003/2010). Ao analisar o trabalho de Felipe Guth, O BNDES nos anos 1990: uma análise keynesiana (2006), Jennifer Hermann (2010) comenta que os desembolsos na década de 1990 tiveram um perfil diferente das décadas de 1960/1970, quando serviram para financiar a industrialização brasileira por meio do Estado, e da década de 1980, quando esses financiamentos se contraíram. O foco da década de 1990 foi o financiamento da privatização e dos investimentos pós-privatização.

In the long-term credit segment, the engine of the recovery of BNDES operations in the 1990s was the privatization programme, officially inaugurated in 1990. While privatizations began as early as 1991, they were mostly concentrated in the period 1996- 2000 (84% of sales between 1991 and 2001) and, in particular, in 1996 and 1997 (63% of sales up to 2001). The bank managed the programme and served as one of the financiers in the acquisition and pre- and post-sale phases, in other words in the preparation (financial cleanup) of firms for privatization, and then in financing investments by the new owners. (IDEM, 2010, p.199-200).

Assim, a concessão de crédito de longo prazo foi retomada pelo BNDES a partir do PND (Programa Nacional de Desestatização), implementado em 1991, durante o governo do presidente Collor de Melo (1990/1992), e cujo ápice ocorreu entre 1996/2000, quando foi vendido o maior número estatais101. Ao mesmo tempo em que gerenciou o PND, o BNDES foi um dos principais financiadores para a compra das estatais e para os programas de investimentos implantados nas empresas privatizadas pelos seus novos donos. A tabela também mostra uma expansão dos desembolsos para o programa de subsídios para exportação (Exim) e uma contribuição dos desembolsos do BNDES para o total da FBCF de 3,1%, em 1989 e de 13,3%, entre 2004/2006, o que mostra um crescimento da participação do banco no total de investimentos na economia brasileira.

101 De acordo com Jennifer Hermann, com base em números do BNDES, de 2001, o valor acumulado com as vendas de empresas estatais foi de US$ 103,3 bilhões entre 1991 e 2001. 152

Tabela 3.2 Indicadores de desembolsos pelo BNDES 1989 – 2006

Notas: GFCF = Gross fixed capital formation (Formação bruta de capital fixo) Exim é o programa de apoio do BNDES à exportação-importação Fonte: Jennifer Hermann (2010)

Hermann ressalta que, a partir de 2004, o governo do presidente Lula passou a conciliar liberalização financeira com maior ativismo estatal nas políticas industriais, o qual havia sido abandonado na década de 1990. Nesse sentido, o BNDES teve participação direta na formulação da PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), sob responsabilidade do MDIC (Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio). A PITCE integrou as políticas de estímulo à exportação (Programa BNDES Exim) às políticas de desenvolvimento industrial, priorizando setores com alta capacidade de inovação e competitividade. Segundo a autora, a participação do BNDES na PITCE explica o crescimento dos desembolsos do banco no total dos investimentos nacionais. No entanto, contraditoriamente, essa expansão dos empréstimos pelo BNDES parece não ter resultado em um aumento total dos investimentos na economia em relação ao PIB102:

102 Essa é uma das principais críticas da corrente contrária aos repasses do Tesouro Nacional ao BNDES para financiar investimentos. Ou seja, são repasses que geram custos fiscais ao Tesouro, sem a esperada correspondência em termos de aumento de FBCF. Ver Mansueto Almeida (2008) e Armando Castelar Pinheiro (Valor Econômico, 23/05/2008). 153

Paradoxically, the increase in the ratio between BNDES disbursements and GFCF in the period 1990-2006 was contrary to the trend of fixed investment in the economy, which fell continuously (from nearly 27% in 1989 to 16% between 1999-2006), and in a context of quite modest economic growth until 2003. In principle, this gap between the three indicators might suggest a reduction in the relevance of BNDES for economic development; ultimately, the proportionately larger volume of bank credit was not accompanied or followed by higher rates of investment or GDP growth (Idem, 2010, p.201)

Portanto, embora os desembolsos do BNDES em relação ao total da FBCF tenham crescido de 3% para 13% entre 1989 e 2006, os investimentos totais na economia em relação ao PIB caíram de quase 27%, no final da década de 1980, para 16% entre 1999/2006. Na avaliação da autora, isso poderia demonstrar uma diminuição da importância do BNDES no desenvolvimento da economia como um todo. Ou seja, apesar da expansão dos desembolsos, da contribuição para o crédito de longo prazo e da participação do banco na FBCF, sua importância pode não ser a mesma da do período desenvolvimentista.

3.2.1 – O BNDES e as políticas anticíclicas na crise de 2008/2009

Para Ana Cláudia Além (2012), no entanto, ao contrário de perder importância, os bancos públicos - a exemplo do BNDES - contribuem financeiramente para o desenvolvimento do Brasil. Tal contribuição foi explicitada na crise de 2008/2009, quando o BNDES atuou de maneira anticíclica para a retomada da economia nacional.

At the time of the private credit crunch as a result of the international financial crisis, counter-cyclical efforts made by public banks were key to maintaining growth: from September 2008 to the end of 2010, such efforts were responsible for close to 60% of the total credit expansion in the period. The BNDES alone contributed almost 30% to that growth. The total stock of credit in Brazil went from 35.2% of the GDP in 2007 to 45.2% of the GDP in 2010 (ALÉM, 2012, p.3)

Assim, para reverter a escassez de crédito privado resultante da crise financeira, os bancos públicos empregaram medidas anticíclicas que promoveram uma expansão do crédito que chegou a 60% do total concedido no Brasil, dos quais 30% pelo BNDES. Dessa forma, o estoque total de crédito

154 no país subiu de 35,2% em 2007 para 45,2% do PIB em 2010 e a 49,1% em 2011. Nesse sentido, de acordo com Carvalho et. al. (2010), os bancos públicos tiveram papel de grande importância para atenuar os impactos da crise financeira global no Brasil, especialmente nos últimos meses de 2008 e ao longo de 2009.

Para essa capacidade de reação, contribuiu decisivamente o caráter de banco comercial dos bancos públicos federais, o que lhes permitiu direcionar recursos volumosos para sustentar a liquidez do mercado interbancário e para ampliar o crédito ao público. A capacidade de atuação dessas instituições reduziu sobremaneira a necessidade de atuação do Banco Central (BC) como emprestador de última instância. (CARVALHO et. al., 2010, p.67).

Dessa forma, analisam os autores, a característica de bancos comerciais dos bancos públicos lhes permitiu injetar dinheiro no mercado interbancário - sustentando a liquidez - e aumentar o crédito ao público. Essa atuação dos bancos públicos diminuiu a necessidade do Banco Central atuar como emprestador. Os autores ressaltam que, em períodos de crise, crescem os depósitos nos bancos públicos comerciais, o que facilita a intervenção estatal para estabilizar os mercados por três motivos:

(i) o "porto seguro" dos bancos estatais contribui para manter a confiança do público no sistema bancário; (ii) o aumento de depósitos facilita o refinanciamento do sistema interbancário por esses bancos e reduz a exigência de intervenção do BC; e (iii) a capilaridade de suas redes facilita a oferta de crédito (Idem, 2010, p. 67)

Tal relevância dos bancos públicos para o sistema bancário foi manifestada na crise financeira de 2008, quando a oferta de crédito externo para o Brasil foi interrompida em decorrência da quebra do banco Lehman Brothers. Com essa interrupção, muitas empresas foram buscar empréstimos no mercado interno, embora a posição cautelosa dos bancos privados tenha provocado aumento dos spreads e redução da oferta em diferentes modalidades de crédito, ressaltam os autores. “A reversão do estado geral de expectativas conduziu ao ‘empoçamento’ de liquidez no interbancário, com a retração dos grandes bancos privados, e a

155 uma forte redução da oferta de crédito para o público” (Idem, 2010, p. 68). Com efeito, o cenário de redução da liquidez e do crédito num momento de crise revelou “o problema da atuação dos bancos comerciais privados como desestabilizadores endógenos (...) e também a presença de instituições financeiras públicas, como a experiência brasileira evidenciou” (Idem, 2010, p.2010). Isso porque, explicam os autores, a quase total interrupção de financiamento de veículos e de crédito consignado dos bancos privados foi contrabalançada pelo papel anticíclico do sistema financeiro público, o que evitou que os efeitos da crise sobre as operações de crédito no país fossem ainda maiores. A forma diferente como bancos públicos e privados atuaram frente à crise internacional provocou uma alteração em relação às suas participações nas operações de crédito a partir de setembro de 2008. Entre setembro/2008 e fevereiro/2009, a participação dos bancos públicos passou de pouco mais de 34% para 37%, enquanto o sistema financeiro privado apresentou uma redução de quase 66% para pouco menos de 63% no total de operações de crédito no país. Para verificar a evolução dos índices das operações de crédito e a relação empréstimos/ativo dos grandes bancos brasileiros diante da crise global, os autores analisaram dos dados de balanço de seis grandes bancos no Brasil: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, HSBC e Unibanco. A evolução do índice das operações de crédito dos bancos considerados mostrou que, à exceção do Bradesco, as instituições privadas reduziram ou expandiram apenas timidamente as operações de crédito. A CEF e o BB, por sua vez, aumentaram o volume dessas operações. Em relação ao BNDES, que é nosso objeto de estudo, a pesquisa apontou que o banco teve papel decisivo para “impor um ritmo de aceleração dos empréstimos direcionados superior às operações de crédito com recursos livres” (Idem, 2010, p.69). Segundo a análise, considerando-se os dados de estoque de crédito, os empréstimos com recursos livres do BNDES aumentaram 3,9% entre setembro e dezembro de 2008, enquanto as operações com recursos direcionados registraram uma elevação de 9,9%

156 nesse mesmo período. Os empréstimos totais do BNDES somaram R$ 209,26 bilhões, em dezembro/2008, 13,03% superior ao registrado em setembro/2008.

Pode-se concluir, assim, que o aumento da participação do sistema financeiro público no estoque total de crédito do sistema financeiro nacional no contexto da crise global constituiu condição indispensável para atenuar os efeitos macroeconômicos adversos causados pelo comportamento tipicamente pró-cíclico assumido pelos bancos privados nos contextos de retração dos negócios e/ou alta incerteza. (Idem, 2010, p.69).

Para os autores, portanto, o crescimento da participação do sistema financeiro público no mercado de crédito foi essencial para contrapor a escassez do crédito privado durante a crise de 2008. A existência de instituições financeiras públicas sólidas, que exerçam um papel anticíclico, mostra-se indispensável para o bom funcionamento da economia, completam os autores. Ao analisar o desempenho da economia brasileira nesse período, Ana Cláudia Além (2012) ressalta que, em 2009, o crescimento do PIB foi de 0%, mas em 2010 subiu a 7,5,% e deveria chegar a 3% em 2011103. Na análise da autora, o fortalecimento do mercado interno, com crescimento e distribuição da renda foi a chave para o país ter sido um dos últimos a entrar na crise e um dos primeiros a sair. O mais importante foi a expansão dos investimentos que, à exceção de alguns trimestres, superou a média de crescimento do PIB. A tendência é de que esse movimento continue nos próximos anos:

Projections made by the Economic Research Division of the BNDES expect total investments to reach US$ 1 trillion between 2012 and 2015: US$ 491 billion in residential construction, US$ 332 billion in industry and US$ 227 billion in infrastructure. Should this take place, investments from 2012 to 2015 will grow 32% compared to those in the 2007/2010 period (ALÉM, 2012, p.3).

O Departamento de Pesquisa Econômica do BNDES projeta, portanto, investimentos de US$ 1 trilhão entre 2012 e 2015 nas áreas de construção, indústria e infraestrutura, o que significa uma expansão de 32% nesse período, quando comparado ao triênio 2007/2010.

103 O PIB de 2011 foi de 2,7%, de acordo com o IBGE. 157

A autora cita o Relatório Focus de Mercado, publicado pelo Banco Central, para relatar que o aumento de gastos elevou a dívida líquida do setor público de 38,5% do PIB, em 2008, para 42,1%, em 2009. No entanto, ao final de 2010 a dívida líquida havia caído para 39,1% do PIB e, em dezembro de 2011, para 36,5%. Além disso, “It is important to point out that, despite the commitment to recovering the level of activity in the Brazilian economy, the monetary policy did not lose its focus on controlling inflation and upholding the inflationary targets” (Idem, 2012, p.4). Ou seja, apesar de ter aumentado os gastos para a retomada do nível de atividade no Brasil, o governo federal manteve-se comprometido com o sistema de metas de inflação104. A recuperação do Brasil no pós-crise de 2008/2009 provocou o debate sobre a importância da atuação anticíclica dos bancos públicos quando os créditos privados tornam-se restritos em função das incertezas futuras.

3.2.2 – Os bancos públicos e o financiamento de longo prazo

O artigo de Além (2012) visa a demonstrar a importância dos bancos públicos num cenário de crise, ao analisar o desempenho do BNDES sob dois aspectos: “i) its long-term efforts to provide financing for strategic investments for Brazilian development; and ii) its short-term efforts, of a countercyclical nature, in moments of crisis that lead to a private credit crunch” (Idem, 2012, p.4). A análise foca, portanto, os investimentos de longo prazo para financiar o desenvolvimento brasileiro e os esforços de curto prazo em momentos de crise com escassez de crédito. Além (2012) ressalta que os investimentos de longo prazo são baseados, em boa medida, nos mecanismos de poupança compulsória ou em outros fundos públicos.

104 No entanto, o superávit primário (economia que o governo faz para pagamento de dívidas) caiu no segundo governo do presidente Lula (2007/2010). Os resultados do superávit primário do primeiro governo petista (2003/2006) foram de 4,35% do PIB em 2003 (para uma meta de 4,25%); de 4,61% em 2004 (para uma meta ampliada de 4,50%); 4,84% em 2005 (meta de 4,25%) e 4,32% em 2006 (meta de 4,25%) Em 2007, o superávit foi de 3,98% do PIB (meta de 3,80%); em 2008 foi de 4,07% (meta de 3,80%); em 2009, o superávit caiu para 2,06% do PIB, (abaixo da meta de 2,5%); e, em 2010, a economia do setor público foi de 2,78% do PIB (meta de 3,1%).

158

It is important to point out that the importance of public bank operations in Brazilian development is not due to a lack of strong and solvent private institutions that could finance long-term projects. The issue is that because of the many specific characteristics of the Brazilian macroeconomic environment, private financial institutions have the option to invest in short-term assets with high profitability and high liquidity, which are much more attractive than long-term assets with less liquidity (IDEM, 2012, p.7).

A relevância dos bancos públicos, portanto, não é resultado da falta de instituições financeiras privadas fortes e solventes. Mas porque, em virtude das especificidades macroeconômicas brasileiras, os bancos privados preferem investir em ativos de curto prazo, por terem rentabilidade mais alta, o que os torna bem mais atrativos do que os ativos de longo prazo. O gráfico 3.1 mostra a diferença de juros nos empréstimos de longo e de curto prazo.

Gráfico 3.1: Taxas de juros no Brasil: curto prazo (SELIC) e longo prazo (TJLP)%

Selic: de 25,06% (maio/2003) a 10,70% (jan/2012) TJLP: 11% (maio 2003) a 6% (jan/2012) Fonte: BC in Além (2012)

159

De acordo com a autora:

In Brazil, the composition of private bank assets is strongly associated with financing the Brazilian public debt. The government finances and refinances its debt mainly by offering public bonds on the private market. (…) Credit to the private sector is concentrated in the short term, and the most significant gains for financial institutions come from operations linked to public bonds. The combination of high interest rates and the offering of low-risk public bonds, with high liquidity and high profitability means that opting to invest in short-term assets is highly advantageous, which has restricted the expansion of long-term credit made available by private financial institutions (IDEM, 2012, pgs. 8-9).

Dessa forma, a composição dos ativos dos bancos privados é associada ao financiamento da dívida pública brasileira. O governo financia e refinancia sua dívida oferecendo títulos públicos no mercado privado. Com efeito, o crédito para o setor privado é concentrado nos empréstimos de curto prazo, pois os ganhos mais significativos para as instituições financeiras vêm das operações com títulos públicos. A combinação de juros altos e oferta de títulos públicos de baixo risco significa que o financiamento de curto prazo é vantajoso para as instituições privadas, o que as leva a restringir a expansão dos empréstimos de longo prazo. Em resumo, segundo a autora, o crédito é concentrado nos financiamentos de curto prazo, apesar da sofisticação do sistema bancário nacional. E mesmo com a ampliação do nível de crédito de 26% para 49% do PIB, entre 2002 e 2009, o percentual ainda é baixo frente aos índices mundiais, conforme gráfico 3.2.

160

Gráfico 3.2: Operações de crédito de países selecionados % PIB

Dados do Brasil (2011), dados dos outros países (2007) Fonte: Thorsten, Asli e Ross (2009) in Ana Cláudia Além (2012)

O papel do BNDES, com efeito, é o de financiar os investimentos em infraestrutura do país com empréstimos de longo prazo, frisa Além (2012). Entre 1952, quando foi criado, e 1960 o banco financiou os setores de energia, transportes e produção de aço, todos estatais. A partir de meados da década de 60, expandiu os financiamentos para a iniciativa privada. De 1974 em diante, foi o principal instrumento para implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento, durante o governo do presidente Ernesto Geisel. O plano representou os maiores esforços em transformações estruturais no país desde o Plano de Metas, no governo Juscelino Kubistschek (1956/1961), e priorizou desembolsos em bens de capitais, na avaliação da autora. Atualmente, o BNDES financia a expansão da produção de todos os setores da economia, até mesmo a exportação de bens e serviços, com recursos de fontes internas e externas. No âmbito doméstico provêm, em boa parte, do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e, desde 2008, de repasses do Tesouro Nacional que visam a fortalecer o banco frente às crises internacionais. Os fundos externos são fornecidos por instituições multilaterais, como o Banco Mundial, e por emissão de títulos no mercado internacional.

161

Os empréstimos de longo prazo do banco são feitos com remuneração baseada na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que é de 6% ao ano, abaixo da taxa Selic105.

The BNDES predominantly operates with long-term credit aimed at financing investments, sale/acquisition of capital goods and exports, as well as financing investments in small and medium-sized companies. These activities often seem less attractive to private banks due to the long period for return on investments or the risk of the business (…) The average term for amortization of BNDES financing is 96 months, compared with the nine months of operations for the rest of the market. BNDES holds 2/3 of Brazilian credit stock over 5 years. The BNDES contributes to developing the Brazilian financial market: in 2011, 61% of the BNDES’ resources were disbursed through indirect operations, via financial agents, which are, mostly, private banks.

Assim, as operações de longo prazo do BNDES financiam investimentos, vendas e aquisição de bens de capital e exportação e investimentos de pequenas e médias empresas. Esse tipo de financiamento é visto como pouco atrativo pelos bancos privados. O período médio de amortização dos empréstimos do BNDES chega a 96 meses, enquanto no mercado privado é de nove meses. Dessa forma, o banco público foi responsável por 2/3 do estoque de crédito no Brasil por cinco anos. O BNDES também contribui para o desenvolvimento do mercado financeiro brasileiro, ao desembolsar 61% dos seus recursos de empréstimo por meio das agências privadas. Além disso, o banco contribui para implantação de políticas públicas no Brasil, como no caso das obras de infraestrutura do PAC-2 (Programa de Aceleração do Crescimento-2). O programa estima investimentos de US$ 550 bilhões entre 2011 e 2014, nos setores de energia, portos, aeroportos, ferrovias, rodovias e mobilidade urbana. A autora destaca ainda os investimentos em indústria, nas pequenas e médias empresas e na internacionalização de companhias (como veremos abaixo). Como consequência dessa participação do BNDES na economia, ocorreu o seguinte:

105 A Taxa Selic estava em de 9,75% ano, quando da apresentação deste artigo, em março de 2012. 162

in the 2000s, the BNDES’ disbursements grew expressively, reflecting the Brazilian economy’s return to a path of growth, especially as of 2004, after some 10 years during which the economy was undergoing a stabilization process, with inflationary control, launched by the Real Plan in mid 1994 (IDEM, 2012, p.15).

Portanto, a autora apresenta a hipótese de que o processo de estabilização da moeda durou dez anos, entre 1994 (ano de lançamento do Real) e 2004, segundo ano do governo Lula. Após a consolidação desse processo, o Brasil pode enfim retomar seus esforços de crescimento.

3.2.3 – A expansão dos desembolsos do BNDES

Nesse sentido, os desembolsos do BNDES expandiram significativamente (ver tabela 3.3) para investimentos em infraestrutura, indústrias, pequenas e médias empresas, internacionalização das empresas e demais setores da economia. Por esse ponto de vista, ao invés de representar um rompimento com o governo Fernando Henrique, a retomada dos investimentos do banco em projetos públicos e privados, nos mais diferentes setores, só foi possível porque, anteriormente, o país passou pelo processo de estabilização e entrou num novo ciclo de crescimento. Com o crescimento da economia, os setores produtivos e de infraestrutura da economia demandaram financiamentos de longo prazo para investir em seus projetos, demandas esta que o BNDES visou a atender.

Tabela 3.3

Desembolsos e empréstimos aprovados do BNDES (Bi R$)

Ano 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Desembolsos 29,9 37,1 52,7 78,5 82,1 79,4 Aprovados 42,5 56,4 69,4 97,2 100,5 94,0 Fonte: Ana Cláudia Além (2012) e BNDES

Como mostra a tabela, o BNDES ampliou o volume de empréstimos concedidos, principalmente a partir de 2007, como destaca Além (2012),

163 atingindo o auge em 2010. O relatório do banco de 2007106 mostra que os desembolsos para o setor de infraestrutura equipararam-se aos da indústria, no valor de R$ 26,4 bilhões. Cada um desses dois setores passou a responder por 40% dos desembolsos do banco, totalizando 80% dos valores liberados pela agência. O então novo presidente do BNDES, economista Luciano Coutinho, destacou no relatório daquele ano que os desembolsos do banco impulsionavam investimentos de R$ 102,7 bilhões na economia, o que significava uma contribuição de 12,9% para o total da FBCF no país. Como vimos, a preocupação com a FBCF era uma dos pontos principais do estudo de competitividade de Coutinho et. al (1993). “O desempenho do BNDES em 2007 indica que o país está nos estágios iniciais de um importante ciclo de investimentos, o que pode modificar, substancialmente, o padrão de crescimento baixo e volátil observado nos últimos 25 anos”, ressaltou Luciano Coutinho, ao acentuar o papel da agência como financiadora de investimentos para o desenvolvimento do Brasil. Em 2007, o BNDES reduziu a TJLP, de 6,5% para 6,25%, bem como o valor dos spreads (custo entre o dinheiro captado e o emprestado) nos financiamentos para infraestrutura. Para o setor de infraestrutura energética (elétrica, renováveis e gás) os spreads foram reduzidos entre 33% (projetos de distribuição de energia elétrica) e 80% (projetos hídricos-estruturantes, com geração de mais de 2 mil MW médios), entre os anos de 2005 e 2007. Para investimentos em infraestrutura logística (modais ferroviário, rodoviário, aeroviário, portuário e terminais), os spreads foram reduzidos entre 50% (concessões rodoviárias) e 100% (para redução de gargalos no modal ferroviário nas regiões Norte e Nordeste). E para infraestrutura social urbana houve diminuição de 50% nos spreads para investimentos em transporte urbano integrado e 66% em saneamento ambiental. Com isso, os desembolsos para infraestrutura cresceram 62%, passando de R$ 15,9 bilhões, em 2006, para R$ 25,6 bilhões em 2007. O PAC respondeu por aproximadamente R$ 11 bilhões das obras de infraestrutura nesse ano.

106 Ver Relatório Anual 2007. Disponível em . Último acesso em 28 fev. 2013 164

No que tange à FBCF, entre 2007 e 2011 os desembolsos do BNDES alavancaram investimentos que contribuíram com 12,5% para o total da FBCF em 2007; 12,5% em 2008; 13% em 2009; 19,7% em 2010 e 21,5% em 2011. Nesse período, a relação FBCF/PIB foi de 17,4% (2007), 19,1% (2008), 18,1% (2009), 19,5% (2010) e 18,8% (2011).

3.3 – O financiamento da internacionalização de empresas brasileiras

O BNDES também tem financiado a internacionalização de empresas brasileiras, o que inclui as fusões de grandes grupos nacionais que possam atuar como players no exterior. Abrantes (2002 APUD PETITE, 2010) define da seguinte maneira o conceito de internacionalização:

A internacionalização significa a atuação em diferentes mercados conduzindo movimentos de fatores de produção como transferências de capital, desenvolvendo projetos em cooperação com parceiros estrangeiros ou, simplesmente, comercializando os seus produtos noutros países. Do ponto de vista empresarial, a internacionalização compreende todo o tipo de intervenção qualitativamente avançada nos mercados externos abrangendo todas as fases, desde a exportação até o investimento direto no estrangeiro (PETITE, 2010, p.7).

Internacionalização significa, segundo o autor, atuação em diferentes mercados, envolvendo fatores de produção como transferências de capital, cooperação com parceiros ou comercialização no exterior. A internacionalização empresarial, por sua vez, significa intervir nos mercados externos em todas as fases do negócio, da exportação até o investimento direto no estrangeiro. Além e Madeira (2010) defendem o processo de internacionalização como ferramenta para fortalecer as empresas e aumentar a concorrência do Brasil num ambiente de acirrada competição externa. Dunning (1988 APUD ALÉM e MADEIRA, 2010) aponta que os fatores determinantes para a internacionalização das empresas são a busca de recursos, a facilitação do comércio, o acesso a novos mercados e os ganhos de eficiência. Com efeito, Além e Madeira (2010) ressaltam o impacto desse movimento sobre as variáveis macroeconômicas do país de origem, como a redução da vulnerabilidade em função do aumento das exportações e dos

165 fluxos de lucros e dividendos entre a matriz e o país em que a empresa se estabeleceu.

É preciso ainda destacar os efeitos dinâmicos relacionados à necessidade da empresa de se internacionalizar para obter ganhos de escala e aumento da competitividade global, possibilitando, assim, que ela sobreviva (ou mesmo não seja adquirida por uma empresa estrangeira) e cresça, gerando mais empregos e investimentos. Esses efeitos dinâmicos também compensariam outros impactos negativos citados na literatura, como a perda de empregos no país, dado que estes seriam gerados no país para o qual a empresa se expandiu, e a redução de níveis de investimentos domésticos (Idem, 2010, p.42).

Assim, ao contrário da interpretação crítica dos que apontam a transferência de empregos para o país em que a multinacional se instalou, os autores afirmam que a internacionalização fortalece as empresas brasileiras e gera mais empregos e renda107no próprio Brasil. Para os autores, a criação das multinacionais foi uma imposição gerada pela abertura na década de 1990, como estratégia para enfrentar a concorrência externa. Em um mundo economicamente interdependente, avaliam, as empresas são afetadas tanto pelas condições domésticas como pela competição internacional. Dessa forma, se não buscam o mercado externo, correm risco de falir e extinguir. Em um trabalho de 2005, Além e Cavalcanti afirmam que:

A estrutura econômica mundial tem sido crescentemente moldada pela expansão das empresas transnacionais, principalmente, a partir dos anos 1990. Alguns aspectos têm sido marcantes na liderança dessas empresas em nível global: 1. No início dos anos 1990, apenas as 420 principais empresas multinacionais eram responsáveis por mais da metade da produção mundial; 2. O forte crescimento da participação das exportações das empresas transnacionais no total mundial exportado (no início dos anos 1990, as multinacionais já eram responsáveis por cerca de 75% do comércio mundial total, dos quais mais de um terço correspondia ao comércio intrafirma); 3. As firmas transnacionais têm sido a principal fonte privada de financiamento à pesquisa e desenvolvimento e dominam as transações com tecnologia (ALÉM E CAVALCANTI, 2005, p.54).

107 A defesa de que as empresas brasileiras tornem-se multinacionais como forma de enfrentarem a concorrência também pode ser encontrada em representantes da escola ortodoxa, como Gustavo Franco (ver palestra do economista em www.ifhc.org.br). Em entrevista a nós, Franco criticou, no entanto, a escolha das chamadas empresas campeãs pelo BNDES, por favorecer grupos privilegiados com maior acesso às esferas de decisão (ver ao final deste capítulo). 166

As empresas transnacionais são responsáveis, portanto, por mais da metade da produção mundial, além de representarem a principal fonte privada de financiamento à P&D e tecnologia. Além disso, a internacionalização melhora a performance do país como um todo, ao contribuir para o seu desenvolvimento, sua reestruturação econômica e para o acesso a mercados externos.

Em particular, uma série de países em desenvolvimento conseguiu melhorar sua performance exportadora em função das atividades orientadas para a exportação de suas multinacionais e das firmas locais ligadas a elas. O contato com produtores e consumidores estrangeiros leva a uma troca de informações relacionadas à produção. O aprendizado induzido pelos exportadores, a fim de atingir os altos padrões de qualidade e os desafios da competição em mercados estrangeiros, pode, assim, “transbordar” para a economia doméstica (Idem, 2010, p.44).

Para os autores, portanto, os benefícios gerados pelo acesso das empresas aos mercados internacionais e o crescimento das exportações pode transbordar para a economia doméstica.

A partir do aumento do comércio intrafirma pode haver o incentivo ao desenvolvimento de fornecedores no país de origem: estes, por sua vez, podem subcontratar uma série de micro, pequenos e médios produtores naquele país. Além disso, o fortalecimento da empresa a partir da instalação de uma planta em um mercado específico, anteriormente atendido por exportações, pode gerar ganhos de competitividade importantes para a matriz, que levem ao crescimento da empresa no país de origem, bem como ao aumento das exportações para terceiros mercados (Idem, 2005, p.57).

Ao analisarem o fluxo de IBD (Investimento Brasileiro Direto) líquido no exterior, a partir de 1995, os Além e Madeira (2010) apontam que os montantes ainda eram relativamente pequenos, com exceção de períodos isolados. Mas, a partir da década de 2000, especialmente de 2005 em diante, esses valores sobem consistentemente, como mostra a tabela 3.4.

167

Tabela 3.4 IBD entre 2001 e 2008108 2001 US$ 68,6 bi 2002 US$ 72,3 bi 2003 US$ 82,7 bi 2004 US$ 93,2 bi 2005 US$ 111,7 bi 2006 US$ 152,2 bi 2007 US$ 155,2 bi 2008 US$ 170,4

O crescimento a partir da segunda metade da década de 2000 do IBD coincide com a disposição do governo federal, por meio do BNDES, de fomentar a criação e expansão de multinacionais brasileiras. Tal movimento aconteceu, principalmente, a partir da posse do economista Luciano Coutinho, em 2007, apesar de a criação de grandes grupos brasileiros ter sido uma ideia já defendida na década de 1970 pelo então ministro Antônio Delfim Netto, conforme lembrou o economista João Furtado em entrevista a este trabalho. De acordo com Além e Cavalcanti (2010):

No caso do Brasil, por exemplo, até recentemente os casos bem- sucedidos de internacionalização resultaram da iniciativa das próprias empresas e não de uma política deliberada do governo de apoio à criação de multinacionais brasileiras 109 . Embora a decisão de se internacionalizar esteja ligada à estratégia da firma, e não ao governo, existem políticas públicas que podem estimular a empresa a expandir suas atividades internacionais, seja mediante aquisições, seja mediante o estabelecimento de novas fábricas e escritórios no exterior (ALÉM, 2010, p.49).

Dessa forma, embora a internacionalização seja uma decisão das empresas, o governo possui políticas públicas que podem contribuir com esse processo, seja por meio de aquisições ou pelo estabelecimento de novas fábricas e escritórios no exterior. A justificativa para esse apoio encontra-se na geração de emprego e renda no Brasil, nos ganhos de competitividade

108 Fonte: Declarações do CBE (Capitais Brasileiros no Exterior), BC, in Além e Cavalcanti (2010). 109 Como alerta a autora, “desde 1995 são consideradas empresas brasileiras quaisquer firmas que tenham plantas produtivas instaladas no país, independentemente de o controle do capital ser exercido por nacionais ou estrangeiros. Entretanto, para efeitos deste artigo, considera-se o processo de internacionalização aquele referente às empresas nacionais com controle do capital exercido por nacionais”. 168 internacional e na redução da vulnerabilidade externa. Tal apoio pode ser observado nos outros países emergentes e nos desenvolvidos, como na Europa, Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos. No entanto, o apoio governamental é condicionado a contrapartidas em termos de desempenho das empresas, como aumento das exportações, transferências de tecnologia para o país de origem, importação de insumos e repatriação de divisas. O ativismo estatal na internacionalização das empresas foi um processo intensificado no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2006/2010). Segundo Além, “a questão tem assumido destaque na pauta do governo, e um sinal dessa mudança estratégica tem sido o apoio à formação de grandes grupos nacionais, por meio de fusões e aquisições” (IDEM, 2010, p.51). O financiamento governamental é realizado pelo BNDES por duas maneiras: no apoio indireto por meio de desembolsos para expansão produtiva das empresas ou no financiamento direto das operações de internacionalização. O segundo ponto inclui desembolsos para fusões e aquisições, visando à formação de grandes grupos brasileiros. A primeira operação de porte foi o financiamento do BNDES ao grupo JBS-Friboi para compra da Swift Argentina. “Esse foi o primeiro passo no processo de internacionalização da empresa, que em 2009 tornou-se líder mundial do setor de carnes, após a aquisição das norte-americanas Swift Foods and Company e Pilgrim’s Pride e do frigorífico brasileiro Bertin” (IDEM, 2010, p.52). Para financiar a compra da Swift Argentina pelo JBS-Friboi, o BNDES desembolsou US$ 80 milhões, numa operação de compra no valor total de US$ 200 milhões, de acordo com Além e Cavalcanti (2005)110. Já em 2009, o valor

110 De acordo com Além e Cavalcanti (2005): O Estatuto do BNDES, em seu artigo 9º, inciso II, prevê que o apoio a investimentos diretos no exterior deve beneficiar exclusivamente empresas de capital nacional Os recursos captados no exterior serão utilizados pelo BNDES para o financiamento a projetos de internacionalização. O custo do financiamento incluirá, além do custo de captação externa, um spread de 3% a 4,5% a.a., mais um prêmio de performance a ser definido de acordo com cada projeto. Para receber o apoio do Banco, o projeto terá de gerar retorno igual ou superior ao valor financiado, e esses recursos deverão ser remetidos ao Brasil em um prazo a ser definido também de acordo com o projeto.

169 dos desembolsos para o JBS-Friboi, sob a rubrica “Internacionalização de empresas nacionais”, foi bem maior e alcançou R$ 3.479.600.000,00111. Na avaliação da autora, os desembolsos para internacionalização das empresas ainda são pequenos frente ao total anual desembolsado pelo BNDES, que em 2009 chegou a R$ 137 bilhões. Possivelmente por ser um processo recente do BNDES, os desembolsos para internacionalização das empresas não são ainda explicitados nos relatórios anuais. Eles encontram-se numa seção do site denominada BNDES transparente, no subitem Consulta às operações diretas com empresas, que é subdividido nas operações às áreas de inclusão social, infraestrutura, insumos básicos, indústria, comércio exterior. e meio ambiente, abrangendo o período 2008/ 2011. As rubricas Internacionalização e Fusões e aquisições estão listadas no item indústria, em meio a diversas rubricas de diferentes investimentos do BNDES, como construção de novas unidades ou fornecimento de crédito, por exemplo. Assim, ao analisarmos o período 2008/2011, de acordo com a tabela 3.5, detectamos as operações explicitamente denominadas como internacionalização e fusões e aquisições, ou rubricas que indicassem grandes aportes para aquisições ou fusões.

111 Disponível em: . Último acesso em 28 fev. 2013 170

Tabela 3.5 BNDES: Financiamento de internacionalizações, fusões e aquisições Ano Empresa Projeto Valor em R$ 2008 Bertin/AS Consolidação do Plano de 2.499.929.732,00 Internacionalização da Bertin, com aquisição de novas empresas, bem como modernização e ampliação de plantas já existentes e implantação de novas unidades industriais 2008 JBS/AS Investimentos no âmbito da estratégia de 1.109.267.813,00 internacionalização da empresa 2008 TOTVS Investimentos em fusões e aquisições, 404.500.000,00 pesquisa e desenvolvimento, treinamento e qualidade, marketing e comercialização, infraestrutura e em estudos e projetos no âmbito do programa para o desenvolvimento da indústria nacional de software e serviços de tecnologia da informação 2008 Vulcabras Aquisição do controle acionário da 314.142.000,00 Nordeste Calçados Azaleia 2008 Laticínios Bom Investimentos na promoção da Gosto consolidação e fortalecimento da empresa, por meio da fusão com a Líder Alimentos 2009 JBS S/A Internacionalização de empresas 3.479.600.000,00 nacionais 2009 BRF Brasil Compra de ações ordinárias, de emissão 750.000.000,00 Foods S/A da Brasil Foods S.A, no montante de até R$ 1 bilhão, no âmbito da oferta pública primária de ações de emissão da companhia 2009 Lupatech Aquisição de empresas e patentes, 320.000.000,00 modernização e ampliação da capacidade produtiva 2010 Marfrig Apoio com subscrição de debêntures 2.700.000.000,00 Alimentos S/A conversíveis e financiamento de capital de giro 2010 Hypermarcas Implantação da estratégia de crescimento, 1.072.281.506,00 do plano de negócios e reforço da estrutura de capital do grupo e aquisição da Neoquímica Fonte: BNDES

A tabela mostra que, entre 2008 e 2010, os aportes são liderados pelos grupos JBS (R$ 1,1 bi em 2008 e R$ 3,4 bi em 2009), Marfrig (R$ 2,7 bi em 2010), Bertin (R$ 2,4 bi em 2008), Hypermarcas (R$ 1,07 bi em 2010) e BRF Brasil Foods (R$ 750 mi em 2009)

171

Segundo o Instituto Alvorada112, Ao financiar as atividades econômicas e a internacionalização das empresas, como as citadas acima, o BNDES serve como ferramenta de política pública do governo federal a fim de tornar o país competitivo no mercado internacional, ressalta o Instituto Alvorada. A entidade fez um levantamento do que considera como concentração empresarial promovida durante o governo do presidente Lula com recursos estatais e a consequente participação do governo nessas companhias. Os principais casos, segundo o estudo, são os seguintes:

1) Fusão da Brasil Telecom com a Oi (BrT+Oi) - participação na empresa por meio do BNDES e fundos de pensão de estatais, como a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás; 2) Fusão de Sadia e Perdigão para formar a Brasil Foods - possível participação do governo na empresa por meio da compra de ações pelo BNDES e por meio do Previ; 3) Incorporação da petroquímica Quattor pela Braskem - participação na empresa por meio da Petrobrás, com possível financiamento pelo BNDES; 4) Fusão de Aracruz Celulose e Votorantim Celulose para criar a Fibria - financiamento e participação na empresa por meio do BNDES; 5) Fusão da empresa JBS Friboi com a Bertin - financiamento pelo BNDES, além de participação do banco no capital da empresa; 6) Fusão da empresa de software TOTVS com a Datasul - financiamento pelo BNDES, além de participação do banco no capital da empresa

A operacionalização dessa política é observável na destinação de R$ 105 bilhões do Tesouro Nacional para o banco, em 2010. No balanço daquele ano, o BNDES destaca seu papel no desempenho da economia brasileira, que cresceu 7,5% em 2010 frente ao crescimento zero de 2009, em virtude da crise econômica mundial.

112 O instituto Alvorada apresenta-se como um think tank formado por servidores públicos que atuam na administração pública e que possuem formação em Administração, Direito, Relações Internacionais, Economia e Engenharia. O grupo tem como objetivo influenciar as esferas de poder a partir de estudos e propostas que contemplem distribuição igualitária de poderes político e econômico e fortaleçam a democracia. Avaliamos que suas pesquisas tem relação com este trabalho, daí sua escolha. Para mais detalhes, ver http://institutoalvorada.org/ 172

Os desembolsos do BNDES atingiram um montante recorde: R$ 168,4 bilhões, um aumento de 22,6% em relação a 2009 e de 85,3% em relação a 2008. Merecem destaque os desembolsos de R$ 52,4 bilhões para infraestrutura e de R$ 54 bilhões para a indústria, aos quais devem ser acrescidos os R$ 25 bilhões para a capitalização da Petrobras. Para possibilitar tal desempenho, contribuíram os empréstimos anunciados do Tesouro Nacional para reforçar as captações do BNDES, que em 2010 atingiram a cifra de R$ 105 bilhões (Relatório Anual BNDES, 2010, p.9).

O relatório, assinado pelo presidente do banco, Luciano Coutinho, destaca o papel do BNDES em 2010 ao efetivar desembolsos de R$ 168,4 bilhões e receber empréstimos do Tesouro Nacional. Em declarações públicas, Coutinho defendeu o apoio federal aos grandes grupos nacionais. “Não vamos permitir que, na atual crise econômica e financeira, as empresas brasileiras sejam destruídas (...) Nosso objetivo é fazer com que elas tenham um papel de destaque no mercado mundial” (BUSCH, 2010, p.128). Coutinho afirma que, além de proteger as empresas nacionais dos efeitos da crise de 2008/2009, o Estado vai agir para transformá-las em players importantes no mercado internacional. Ao analisar o impacto da crise de 2008/2009 sobre as empresas e a atuação do BNDES nesse período, Gomes de Almeida113 (2010) afirma que a desvalorização do Real gerou vultosos prejuízos em muitas empresas brasileiras, o que provocou falências em setores como celulose, alimentos processados e açúcar e álcool.

No contexto internacional adverso que afugentava potenciais compradores estrangeiros e dado um apoio financeiro redobrado concedido pela agência brasileira de financiamento, o BNDES, os grandes grupos nacionais foram os principais absorvedores das empresas em crise (GOMES DE ALMEIDA, 2010, p. 58).

Assim, analisa o autor, por meio do apoio financeiro concedido pelo BNDES, grandes empresas nacionais puderam comprar outras empresas brasileiras em crise. O financiamento do BNDES também foi relevante para possibilitar a compra de empresas no exterior por parte de empresas nacionais e para financiar absorções ou associações entre empresas nacionais.

113 Professor do IE/Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. 173

Com isso, em vários segmentos da atividade econômica emergiram da crise grupos nacionais com muito maior porte e poderio financeiro. Essa consequência da crise poderá vir a condicionar positivamente em um futuro próximo a inserção de empresas brasileiras no exterior e sua capacidade inovadora, dois traços que as empresas nacionais, sabidamente, deixam a desejar (Idem, 2010, p.58).

Esse movimento, portanto, de formação de grandes grupos nacionais, seja por compra de empresas brasileiras, fusões e aquisições no exterior, pode estar configurando, positivamente, um novo papel das empresas no exterior, com maior inserção e capacidade de inovação para competir globalmente, aspectos esses que deixavam a desejar, na avaliação do autor.

3.4 – Críticas aos repasses do Tesouro e aos financiamentos do BNDES

No entanto, os repasses do Tesouro Nacional ao BNDES e a estratégia de fortalecer grandes grupos nacionais e sua internacionalização têm sido criticados em razão do custo fiscal que representam ao Tesouro Nacional e por não estarem revertendo no aumento dos investimentos em relação ao PIB, situados em menos de 20%114. Em fevereiro de 2011, o economista Mansueto Almeida 115 criticou os repasses do Tesouro ao banco, ao comentar informação publicada pela Imprensa de que o governo federal faria um novo aporte ao BNDES, entre R$ 45 e R$ 55 bilhões. Para Mansueto:

114 Disponível em . Último acesso em 28 fev. 2013. 115 O autor é Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diset/Ipea, Exerceu os cargos de coordenador-geral de Política Monetária e Financeira na Secretaria de Política Econômica no Ministério da Fazenda (1995-1997) e de assessor da Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo do Senado Federal (2005-2006) . Participa ativamente das discussões sobre políticas industriais e financiamentos do BNDES, por meio de artigos acadêmicos, textos e entrevistas à Imprensa e pelo Blog do Mansueto Almeida – Desenvolvimento local, política econômica e crescimento. Ver http://mansueto.wordpress.com/ 174

Os empréstimos do Tesouro Nacional para o BNDES têm um custo fiscal. O Tesouro Nacional se endivida no mercado para conseguir dinheiro, pagando, no mínimo, 11,25% ao ano (taxa de juros SELIC) e empresta esses recursos para o BNDES cobrando 6% ao ano (TJLP). O diferencial de juros é o custo financeiro dessa operação. Tradicionalmente, o Tesouro Nacional sempre emprestou recursos para o BNDES, mas o total de empréstimos até 2006 não chegava a R$ 10 bilhões. No final de dezembro de 2010, os empréstimos do Tesouro Nacional para os bancos públicos estavam em R$ 255,8 bilhões, sendo R$ 235,9 bilhões empréstimos para o BNDES. Se for confirmado mais um novo empréstimo de R$ 45 bilhões ou de R$ 55 bilhões, os empréstimos totais (estoque) do Tesouro aos bancos públicos (BNDES e CEF) passará de R$ 300 bilhões. (ALMEIDA, Blog do Mansueto Almeida, 16/02/2011).

Portanto, de acordo com Almeida, os empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES acarretam um custo fiscal relativo à diferença entre os juros que o governo paga para se endividar no mercado – que são, no mínimo, o da taxa SELIC - e os juros de 6% que cobra do banco. Embora fossem tradicionais os repasses federais ao BNDES, a quantia nunca havia ultrapassado R$ 10 bilhões até o ano de 2006. A partir daquele ano, os empréstimos cresceram e alcançaram R$ 235,9 bilhões ao final de 2010, último ano do governo Lula. De acordo com matéria do jornal Folha de SP (08/06/2012), um relatório do Tribunal de Contas da União estimou que o custo fiscal dos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES foi de R$ 28,2 bilhões, somando-se os anos de 2009, 2010 e 2011. Nesse triênio, o governo emprestou R$ 282 bilhões ao BNDES. O valor de R$ 28,2 bilhões corresponde a 65% dos gastos com o Bolsa Família no mesmo período. Em dezembro de 2011, o Tesouro pagava, em média, juros de 12,83% aos compradores dos títulos emitidos para financiar o BNDES e repassava os recursos ao banco cobrando juros de 6%. Mansueto Almeida critica o fato de que, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer gasto adicional dos governos nas áreas de Saúde e Educação precisa ter, em contrapartida, uma fonte definida de recursos. O mesmo não acontece com os empréstimos ao BNDES. “Para aumentar em R$ 500 milhões o gasto com educação é preciso definir uma fonte permanente de recursos, mas para aumentar a divida em R$ 200 bilhões para fazer política setorial não é necessário definir fonte de recurso” (Idem, Blog do Mansueto Almeida, 16/02/2011). No texto Desafios da real política industrial brasileira do Século XXI, Mansueto Almeida (2009) relembra que os países da América Latina

175 abandonaram as políticas industriais na década de 1980 em função das restrições fiscais e da prevalência das políticas de cunho liberal adotadas no continente. No Brasil, como vimos no capítulo 2, o novo modelo econômico decantou na forma de abertura econômica ao exterior e privatizações durante os governos do presidente Collor Melo (90/92) e, principalmente, do presidente Fernando Henrique (1995/1992). No entanto:

apesar de o Brasil dos anos 1990 ter abraçado as medidas do Consenso de Washington (...), o governo nunca deixou por completo de adotar políticas de incentivos setoriais. O BNDES teve uma atuação importante naqueles anos no financiamento do processo de privatização, que contou também com a forte participação dos fundos de pensão estatais. Assim, no Brasil, mesmo a privatização teve forte participação ativa do governo no financiamento de grupos vencedores. Adicionalmente, o BNDES atuou, nos anos 1990, como financiador de processos de fusão e aquisição (F&A), o que levou à reestruturação e concentração em alguns setores tais como o setor de lacticínios e o de autopeças. O BNDES também operou como fonte de financiamento subsidiado para as montadoras (ALMEIDA, 2009, p.13).

Assim, apesar das políticas liberalizantes da década de 1990, o Estado brasileiro manteve políticas setoriais por meio do BNDES, a fim de financiar os grupos vencedores das privatizações e a fusão e aquisição de empresas em determinados setores. Isso levou à concentração em áreas como lacticínios e autopeças e à reestruturação do setor automotivo. Em 2003, primeiro ano do governo do presidente Lula, um grupo de trabalho iniciou discussões sobre formatação de uma política industrial que foram resultar na PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), lançada em 2004. “Esta política consistia em um plano de ação do governo federal que tinha como objetivo o aumento da eficiência da estrutura produtiva, da capacidade de inovação das empresas brasileiras e a expansão das exportações” (ALMEIDA, 2009, p.16). Por meio de um plano de política industrial o governo visava, portanto, a incentivar diretamente a estrutura produtiva e a exportações nacionais. O foco dessa política era aumentar a eficiência da estrutura produtiva, a capacidade de inovação das empresas, expandir exportações, apoiar pequenas empresas e a internacionalização de grandes companhias. No

176 entanto, a PITCE era mais uma carta de intenções com metas a serem atingidas do que medidas concretas para a economia, segundo Almeida (2009). A PITCE foi criticada pela falta de clareza e não teve o apoio de setores intensivos em mão de obra (calçados, têxtil, confecções, madeira e móveis), sendo substituída, em 2008, pela PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo). Almeida (2009) analisa da seguinte forma os objetivos da PDP:

A definição de política industrial enfrenta sempre um dilema implícito entre o que se quer ser – um país com uma estrutura produtiva especializada em produtos de alta tecnologia, com exportações de produtos e serviços de alto valor agregado – e o que já se é – um país com estrutura produtiva diversificada, com vantagens competitivas na produção de produtos agropecuários, minerais e siderurgia. Esse dilema pode ser conciliado com uma estratégia de política industrial mais ampla (...) que destaca várias estratégias de política industrial desde a promoção de empresas maquiladoras até a criação de setores intensivos em tecnologia. Esta ideia pragmática de política industrial talvez seja o que está por trás da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) adotada pelo governo Lula em 2008.

Portanto, embora o Brasil deseje ser um país tecnologicamente de ponta, com produtos de alto valor agregado, ele é, de fato, um país com estrutura produtiva diversificada e competitivo no setor de commodities e siderurgia. Feita esta constatação, a estratégia da PDP116, segundo o autor, foi abranger o maior número de setores possível da economia. Entre as principais metas do plano estavam as seguintes: 1) aumentar a taxa de investimento da economia brasileira de 17,6% do produto interno bruto – PIB (R$ 450 bilhões) em 2007 para 21% do PIB (R$ 620 bilhões) em 2010; 2) elevar o gasto privado em P&D de 0,51% do PIB (R$ 11,5 bilhões) em 2005 para 0,65% do PIB (R$ 18,2 bilhões) em 2010; 3) ampliar a participação das exportações brasileiras nas exportações mundiais de 1,18% (US$ 160 bilhões) em 2007 para 1,25% (US$ 208,8 bilhões) em 2010; 4) estimular o aumento do número de micro e pequenas empresas exportadoras em 10% frente a 2006 (11.792 empresas).

116 Mais detalhes sobre a PDP podem ser encontrados na página do MDIC no endereço: . Último acesso em: 28 fev. 2013 177

Mansueto Almeida (2009) elogia as metas concretas da PDP, mas considera o plano inconsistente para elevar o padrão produtivo e competitivo da indústria brasileira. Primeiro porque, para que a taxa de investimento de 21% fosse atingida em 2010, essa taxa teria que crescer 11,3% em média de 2008 a 2010. No entanto, o crescimento anual da taxa de investimento no Brasil já estava em 11,1% desde 2006. Portanto, ressalta Almeida (2009, p.19), “o aumento da taxa de investimento estabelecido na PDP apenas projetava para 2010 a tendência que já vinha sendo observada nos dois anos anteriores ao lançamento da nova política industrial”. Segundo, a meta de crescimento das exportações poderia significar apenas aumento das vendas dos setores onde país já possui vantagens comparativas, como as commodities, o que não levaria a uma alteração na composição da produção industrial e na pauta de exportações em favor de produtos de maior valor agregado; em terceiro lugar, é questionável apoiar o aumento no número das médias e pequenas empresas exportadoras, uma vez que possuem reduzida inserção internacional. Além disso,

a promoção deliberada de processos de fusões e aquisições (F&A) com vistas à criação de empresas brasileiras globais consolida o modelo de inserção internacional que o governo quer mudar, tornando mais difícil conciliar os objetivos de curto (aumento das exportações) com os de longo prazo (mudança na estrutura produtiva) (Idem, 2009, p.21).

Tal modelo de inserção internacional tem como base o fato de a China liderar o comércio internacional, com o consumo de alimentos e matérias- primas, o que favorece o padrão competitivo brasileiro, concentrado nas empresas de baixa e média-baixa intensidade tecnológica (à exceção da Weg e Embraer)117. E como o BNDES apoia esse modelo de internacionalização brasileira?

117 A WEG é uma empresa especializada na fabricação e comercialização de motores elétricos, transformadores, geradores e tintas, com 24.580 colaboradores e faturamento anual (2011) de R$ 6,1 bilhões (Fonte: www.weg.net/br). A Embraer é uma fabricante de aeronaves, criada em 1969 pelo regime militar, como empresa de capital misto e controle estatal, foi privatizada em 1994. Possui 17.970 empregados e faturamento e receita de 8,2 bilhões (set. 2012) (Fonte: www.embraer.com.br). 178

De acordo com o autor, com base em dados do banco, entre 2002 e 2007 os empréstimos do BNDES aos setores de baixa e média-baixa tecnologia passaram de 46,5% (R$ 11,2 bilhões) para 60% (R$ 15,2 bilhões) do total de empréstimos diretos à indústria. Para verificar o apoio do BNDES à consolidação da atual estrutura produtiva brasileira e à internacionalização das empresas, Almeida analisou os empréstimos aos grupos alimentícios Bertin, JBS/Friboi e Brasil Foods (união das empresas Perdigão e Sadia, ocorrida em 2009), embora ressalve que o apoio do banco à internacionalização de empresas não se restringe ao setor de alimentos. Abrange também os ramos de mineração e siderurgia (Gerdau e Vale), bebida (Ambev), papel e celulose (união da VCP com Aracruz). Em seu estudo de caso específico sobre as empresas alimentícias, Almeida (2009) encontrou as seguintes informações:

Grupo Bertin - O grupo Bertin é uma das 100 maiores empresas nacionais. possui controle 100% brasileiro e atua, no país e mundialmente, nos setores agroindustrial, de higiene e limpeza, infraestrutura, energia e, principalmente, de couro e carne. A empresa controla as duas maiores unidades industriais de carnes da América Latina, que estão em Campo Grande (MS) e Diamantino (RS), e exporta 50% da sua produção de carne. Também possui plantas produtivas no Uruguai, Paraguai e Itália, além de escritórios ou centros de distribuição no Chile, Canadá, EUA, Egito, Angola, na Holanda e Rússia. O BNDES apoiou a estratégia de internacionalização do grupo que, em 2007, adquiriu 50% da empresa italiana de alimentos Riggamonti. Em 2008, o banco injetou no grupo o maior empréstimo direto já feito a uma empresa, no valor de R$ 2,5 bilhões, e passou a ter elevada participação acionária no Bertin. “Assim, além do papel de financiador, o BNDES atua diretamente como investidor. Esta mesma estratégia foi seguida pelo BNDES para o fomento de outros produtores e exportadores de carne no Brasil como (...) JBS/Friboi, Independência e Marfrig” (ALMEIDA, 2009, p.29). O banco, portanto, financia e entra como acionista das empresas.

179

JBS-Friboi - O JBS-Friboi é uma das 200 maiores empresas nacionais. Passou da 61ª posição em 2006 para a 31ª em 2007118. Em 2002, não aparecia nem entre as maiores 400. O BNDES financiou o início da internacionalização do grupo que, em 2005, adquiriu a empresa argentina Swift. Em 2007, comprou a americana Swift Foods and Company e, em 2008, 50% da empresa italiana Inalca. Com essas aquisições, o JBS-Friboi tornou-se o maior exportador mundial de carnes processada. O grupo continuou seu agressivo processo de fusões e aquisições ao comprar, em 2008, mais três empresas americanas no ramo de carnes (National Beef, Smithfield e Tasman). Em 2009, adquiriu a Pilgrim´s Pride119, a maior empresa dos EUA na venda de aves, e o grupo Bertin. Com essas aquisições, tornou-se “a maior empresa de proteína animal do mundo, com um faturamento de US$ 28,7 bilhões, e o segundo maior grupo privado do Brasil, atrás apenas da Companhia Vale” (ALMEIDA, 2009, p.30). Matéria da Revista Exame (2009 APUD ALMEIDA, 2009) mostra que o BNDES sempre financiou as operações para aquisições de empresas pelo JBS e, por isso, gerou reações contrárias internacionais:

Nenhuma característica espanta tanto os americanos quanto o inesgotável fôlego da JBS para aquisições. Como, num negócio de margens tão pequenas e num momento em que todas as empresas do setor sofrem, os brasileiros conseguem tanto dinheiro para aquisições? A resposta, como se sabe, está no bolso do BNDES, o banco estatal (...). Em cada uma das grandes aquisições, lá estava o BNDES fazendo um aporte de capital para tornar o negócio viável sem sacrificar a saúde financeira da empresa (LETHBRIDGE e JULIBONI, 2009, p. 28, in ALMEIDA, 2009, p.30).

De acordo com a revista, portanto, os americanos questionaram de onde viriam os investimentos para aquisições da JBS, visto que a rentabilidade desse tipo de negócio é pequena. As operações foram questionadas formalmente por políticos e pelo órgão regulador americano. Em decorrência de sua crescente inserção internacional, o grupo JBS- Friboi posicionou-se entre as 14 multinacionais brasileiras que integram a lista dos 100 maiores grupos multinacionais dos países emergentes. O ranking, de acordo com Almeida (2009), é levantado pela consultoria Boston Consulting

118 O autor cita com fonte a publicação Valor Grandes Grupos: 200 maiores (2008), do jornal Valor Econômico. 119 O autor cita como fonte sobre a Pilgrim´s Pride o portal . 180

Group, que analisa multinacionais das nações emergentes que representem ameaça às multinacionais dos países desenvolvidos.

Brasil Foods (união da Sadia com a Perdigão) - A Brasil Foods nasceu da fusão da Sadia com a Perdigão, após a Sadia ter sofrido um prejuízo de R$ 2,5 bilhões, em 2008, resultante de operações com derivativos cambiais. Esse prejuízo levou a uma reestruturação da empresa e à fusão com sua principal concorrente. A partir da fusão, a Brasil Foods tornou-se líder de mercado, com participação acima dos 50% nos segmentos de carnes refrigeradas, carnes congeladas, massas e pizzas semiprontas, de acordo com a Corretora Santander, citada por Almeida (2009). Tanto Perdigão como a Sadia já eram grandes exportadoras, antes mesmo da fusão. A Perdigão exportava 50% de seu faturamento e possuía plantas no exterior; a Sadia exportava 40% de seu faturamento e operava centros de distribuição no exterior. A composição acionária das duas empresas tinha participação da Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) e da Petros (Fundo de Pensão dos Funcionários da Petrobras), que, juntas, detinham 25% da Perdigão. A Previ possuía 7,33% da Sadia. Além de o Estado participar dessas companhias por meio de ações controladas por fundos de pensão, o BNDES emprestou, em 2008, R$ 342,7 milhões para a Perdigão e R$ 329,8 milhões para a Sadia, somando R$ 672,5 milhões. Foi a quarta maior operação direta do BNDES, atrás apenas dos desembolsos para os grupos Bertin, JBS/Friboi e Marfrig, de acordo com dados do BNDES citados pelo autor. O BNDES também adquiriu 3% do capital da Brasil Foods, empresa com R$ 10 bilhões de exportações anuais, faturamento anual líquido de R$ 22 bilhões e valor de mercado próximo a US$ 10 bilhões. A Brasil Foods tornou- se, assim, uma das cinco maiores exportadoras do Brasil e uma das dez maiores empresas de alimentos das Américas. A partir desse estudo de caso, Almeida (2009, p.32) faz o seguinte resumo de sua pesquisa:

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a internacionalização de empresas do setor de alimentos e a concentração do setor é uma política de governo operacionalizada por meio do BNDES e/ou fundos de pensão. Longe de ser uma exceção, esta política revela a estratégia de formar empresas brasileiras globais para uma inserção mais soberana do Brasil nos setores nos quais o país já é competitivo .

Portanto, de acordo com o autor, o BNDES operacionaliza a política industrial do governo que visa a fortalecer, mundialmente, os grupos nacionais que atuam em setores nos quais o Brasil já é competitivo, como de alimentos, favorecendo as vantagens comparativas do país. No entanto, observa o autor, essa estratégia provoca efeitos adversos, como a concentração de mercado, elevando custos para os fornecedores, a exemplo dos pequenos produtores:

o pequeno produtor no início da cadeia fica em uma posição mais frágil e possui menor poder de barganha, passando a se apropriar de uma parcela cada vez menor do preço final dos produtos. Este é talvez o grande efeito colateral da política de concentração e criação de empresas líderes em voga atualmente no Brasil, um efeito que se torna mais grave dado que raramente discutem-se os efeitos desta política para os fornecedores, em especial para as micro e pequenas empresas (ALMEIDA, 2009, p.34)

A fragilidade dos pequenos produtores nacionais para barganhar preço é perceptível, por exemplo, no mercado de laranja. Quatro empresas no Brasil respondem por 80% da exportação de suco de laranja no Brasil e suas compras determinam o preço da laranja no mercado à vista. Na crise de 2009, por exemplo, a queda na demanda por suco de laranja levou as indústrias a pagarem R$ 3,70 pela caixa da fruta aos produtores independentes. Como o valor não compensava a venda, muitos pequenos produtores preferiram deixá- las apodrecerem no pé (ALMEIDA, 2009). Em resumo, segundo o autor, a política industrial brasileira estimula a criação de grandes grupos nacionais e a inserção mais soberana no mercado internacional. Mas gera dois efeitos adversos: 1) a consolidação da atual estrutura produtiva, baseada em produtos de baixa e média-baixa tecnologia, o que não contribui para investimentos em setores intensivos em tecnologia; e 2) a concentração nas cadeias de produção. Pinheiro (Valor Econômico, 23/05/2008) critica os subsídios do BNDES a grandes grupos. Para o economista, essa política leva à concentração de renda, visto que a concessão de subsídios se sustenta no recolhimento de

182 impostos do cidadão comum. O autor compara esse movimento do BNDES às políticas governamentais da década de 1970, que privilegiaram e enriqueceram setores específicos da economia. Tendemos a compartilhar dessa análise do autor:

Mesmo quando bem-intencionada e efetiva, uma intervenção pode não ser adequada, seja pelo custo que gera em outras áreas da economia – os subsídios transferidos a uns são os tributos cobrados de outros -, seja por não ser a melhor forma de gastar escassos recursos públicos (...) Some-se a isso que parte dos novos subsídios irão para projetos que ocorreriam de qualquer forma, constituindo apenas, portanto, uma transferência de renda sem contrapartida de mais investimento (...) Uma política semelhante foi adotada nos anos 1970, quando o BNDES operou com juros reais negativos, em muitos casos contribuindo mais para enriquecer empresários do que formar empresas competitivas (Valor Econômico, 23/05/2008).

Pinheiro destaca, assim, que as grandes empresas possuem amplo acesso a recursos de bancos privados e do mercado de capitais, tanto doméstico como internacional, e seus investimentos não são restritos pela falta de financiamento a custo internacionalmente competitivo. Ou seja, como não dependem dos financiamentos a juros reduzidos do BNDES para seus investimentos, poderiam se apropriar desses recursos para fazer caixa, visto que seus projetos estão previstos no orçamento da companhia antes mesmo dos subsídios governamentais. Além disso, na opinião de Franco120 e de Naércio Menezes121 (Valor Econômico, 16 a 18/05/2008), é salutar que as grandes empresas brasileiras sejam expostas à competição internacional sem o auxílio de políticas industriais verticais patrocinadas pelo governo federal. O crescimento dos repasses do BNDES aos grandes grupos repercutiu de forma negativa nos meios de comunicação, que questionaram o empenho do Estado nessas transações:

120 Em entrevista concedida a nós 121 O autor é professor de economia do IBMEC-SP, da FEA-USP e diretor de pesquisas do Instituto Futuro Brasil 183

Com dinheiro do BNDES e/ou com seu dedo político, o governo federal ajudou a concentrar o negócio de carnes nas mãos do JBS e da Perdigão-Sadia. Sadia falida na brincadeira cambial de 2008. Aglomerou parte do negócio da telefonia na Oi. O negócio da celulose na Votorantim-Aracruz, outras participantes da ciranda cambial. Colocou a petroquímica sob o chapéu da Odebrecht (Braskem) – Petrobras. Etc. (Torres Freire, Folha de SP, 25/06/10)

O analista econômico da Folha de SP, Vinícius Torres Freire, sintetiza, dessa forma, a concentração empresarial fomentada pelo governo do presidente Lula. Lembra que Sadia e Votorantim-Aracruz foram auxiliadas pelo BNDES após operações cambiais equivocadas que causaram prejuízos a essas e outras empresas na crise financeira de 2008. Nesse sentido, o colunista faz a seguinte interpretação sobre as diferentes formas de utilização do BNDES pelos governos Fernando Henrique e Lula nos aportes à iniciativa privada:

Em suma, FHC privatizou, Lula conglomerou. Os dois governos tiveram papel fundamental na reorganização da propriedade da grande empresa. Houve, em mais um aspecto, continuidade entre os dois governos, agora na refundação da “aliança Estado-empresa”. (Idem, Folha de SP, 25/06/10).

Assim, para Torres Freire, houve uma continuidade entre os governos Fernando Henrique e Lula na concessão de empréstimos do BNDES à iniciativa privada. No primeiro caso, destinados à venda das empresas estatais e, no segundo, para formação de conglomerados privados com participação estatal. Matérias da Folha de S.Paulo também criticam as medidas pró-Estado na economia privada, a exemplo do texto intitulado “Estado expande poder e cria novos riscos”:

Alheio a críticas e evocando o modelo do Estado forte, o governo Lula usou no segundo mandato fundos de pensão de estatais e o BNDES para aumentar sua influência em vários setores da economia, numa política que embute dois riscos. O primeiro é o de uma crise fiscal no médio prazo; o segundo, a consolidação de um empresariado dependente de juros subsidiados a partir de estratégias voltadas para os "amigos do rei"- o que pode afetar a competição em alguns setores (Folha de SP, 06/10/10).

De acordo com a matéria, portanto, o governo Lula evocou o Estado forte em seu segundo mandato e passou a utilizar fundos de pensão de estatais e o BNDES para aumentar sua influência na economia. Esse

184 movimento embutiu dois riscos: uma crise fiscal no médio prazo e a formação de um grupo empresarial dependente de juros subsidiados, seguindo uma estratégia para favorecer os “amigos do rei”. Em entrevista a este trabalho, o economista João Furtado contestou, no entanto, as críticas de que o BNDES favoreça tão somente os grandes grupos nacionais. “O BNDES está aberto a qualquer empresa. Basta apresentar um projeto viável”, afirmou. O economista reconheceu, no entanto, que a rentabilidade nos empréstimos de grande vulto é mais interessante do ponto de vista financeiro para qualquer banco, independentemente de sua natureza, do que nos de pequeno porte. Furtado ressaltou que os técnicos do banco têm plena capacidade técnica de avaliar os riscos do negócio e de controlar o recebimento dos empréstimos feitos pelo BNDES.

185

Considerações finais

Vimos que ao final da década de 1980 acirraram-se no Brasil os questionamentos contrários ao modelo do Nacional-Desenvolvimentismo, que vigorara até então. Tais críticas, que ganharam força junto à opinião pública, iram decantar no processo de liberalização da economia, na década de 1990, com a privatização de boa parte do parque industrial brasileiro, visando à modernização econômica e contribuindo para os esforços de estabilização da economia. Inseridos neste contexto estão o PSDB e o PT, partidos que iriam polarizar as eleições presidenciais entre 1994 e 2010. Vimos que, em seus programas partidários e nas manifestações públicas de seus quadros e simpatizantes, as duas legendas defendiam propostas divergentes sobre o papel do Estado na economia, embora reconhecessem a necessidade de mudanças na estrutura do Poder Público. Enquanto desde o primeiro momento, em 1988, os tucanos criticassem o tempo de duração do modelo Nacional-Desenvolvimentista, defendessem um modelo econômico pró-mercado - que aproveitasse as possibilidades de recursos externos com as privatizações -, embora o partido ressaltasse a importância da função do Estado como regulador, o PT apontava um caminho diferente. Apesar de reconhecer a importância da iniciativa privada no país, foi crítico severo das privatizações e defendeu um Estado protagonista no desenvolvimento da Economia, a fim de reduzir as desigualdades de renda no país. Em diversas manifestações e documentos internos, foi crítico à forma como o capital estrangeiro entrou no país. Dados esses posicionamentos, vimos que o êxito do Plano Real construiu o cenário favorável ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, para realizar as reformas econômicas que defendia para o Brasil e eram criticadas pelo PT. Assim, no que tange ao seu primeiro mandato (1995/1998), realizou as privatizações, abertura e Reformas do Estado, inter- relacionadas ao projeto de estabilização econômica. Tais medidas aprofundaram o processo de abertura iniciado pelo então presidente Fernando Collor de Mello (1990/1992).

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Uma das principais ferramentas para a privatização, e que nos serviu como objeto de pesquisa, foi o BNDES. Vimos que a atuação do banco como gestor do PND (Programa Nacional de Desestatização) estava diretamente vinculada ao projeto macroeconômico do governo federal. Dessa forma, a agência, ao lado de outros órgãos federais, liderou os processos de vendas de cada uma das estatais, seja contratando consultorias para avaliação de preços das empresas, formando consórcios para influenciar nos leilões, financiando a compra das companhias e o posterior investimento na modernização de suas estruturas pelos novos donos privados. Nos parece paradoxal, portanto, a atuação intensa do Estado visando, justamente, a diminuir sua participação na cadeia produtiva nacional. Fato é que, ao final da década de 2000, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso havia alterado a configuração do sistema produtivo brasileiro, transferindo os principais setores à iniciativa privada e retirando do Estado a condição de condutor da economia. Entre os resultados positivos apresentados pelos defensores da abertura e da internacionalização da economia nacional estão o crescimento dos fluxos de IED (Investimento Estrangeiro Direto), que chegou à casa dos US$ 60 bilhões 122 em 2012. Isso comprovaria um crescente interesse das multinacionais pelo Brasil, além da universalização dos serviços, como de telecomunicações, o que só seria possível em uma economia aberta e competitiva. No entanto, os críticos afirmam que as mudanças econômicas implantadas na Presidência do PSDB prejudicaram a cadeia industrial brasileira, ao favorecer a entrada de produtos e insumos importados, e desestimularam o sistema produtivo nacional, em razão de privatizações e abertura exageradas e pouco criteriosas. Em termos de política macroeconômica, o governo tucano deixou como principais marcas o que ficou consagrado nos meios especializados como o tripé macroeconômico, composto pelas Metas de inflação (em substituição à âncora cambial do primeiro mandato), o câmbio flutuante e a meta de superávit

122 Disponível em: . Último acesso em 28/02/2013. 187 primário, que tinha por objetivo assegurar a estabilidade da moeda e ajustar as contas púbicas. Se no primeiro governo do presidente Lula (2003/2006) observamos, em linhas gerais, uma continuidade e mesmo aprofundamento dos fundamentos econômicos do governo tucano, sem alterações significativas na condução do BNDES – apesar da postura combativa do presidente do BNDES, Carlos Lessa (2003), ao modelo tucano -, no segundo mandato (2007/2010) verificamos mudanças na condução desta política, principalmente a partir da crise econômica de 2008/2009. A partir dali o governo federal deu início a uma série de medidas anticíclicas para reverter o impacto negativo da crise sobre o Brasil, utilizando- se, para isso, dos grandes bancos públicos, a exemplo do BNDES. Parece-nos que a crise possibilitou, e justificou, na verdade, uma alteração de rumos em relação ao papel do Estado na Economia, pelo qual o Estado procura retomar seu ativismo/intervencionismo na atividade econômica. Rumos esses que estariam mais identificados historicamente com o petismo, diferentemente da ortodoxia econômica do ministro Antônio Palocci, no primeiro mandato. Para isso, no caso do BNDES, o governo utilizou o banco para aumentar créditos e financiamentos ao setor privado, financiar o PAC e fomentar o processo de Fusões e Aquisições das grandes empresas nacionais, o que incluiu a participação acionária do banco nessas empresas. Esse estímulo foi justificado por autoridades e pelos economistas do BNDES como sendo instrumento para dar competitividade aos grupos brasileiros nos mercado internacionais. A fim de capitalizar o BNDES, o governo iniciou transferências maciças de recursos ao banco com juros subsidiados, o que somou R$ 180 bilhões somente nos anos de 2009 e 2010. Assim, como apontamos neste trabalho, enquanto o governo do presidente Fernando Henrique utilizou o banco para privatizar empresas, no governo do presidente Lula o BNDES foi usado para conglomerá-las. Vimos que os repasses volumosos do Tesouro ao BNDES no governo petista, foram possíveis graças à melhoria das contas públicas ao longo do primeiro mandato do presidente Lula, visto que impactam negativamente a dívida pública do governo.

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E aqui nos aparece uma situação em princípio contraditória, mas que pode ser um dos principais achados do nosso trabalho: comparativamente, o segundo mandato do presidente Lula foi diferente do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, pois retoma o papel desenvolvimentista no Estado, enquanto o governo do PSDB creditava o desenvolvimento do Brasil à forças do mercado. No entanto, embora diferentes, o segundo mandato mais pró-Estado do governo petista só foi possível graças à continuidade, no primeiro mandato do presidente Lula, das principais políticas econômicas deixadas pelo PSDB. Ou seja, mudou no segundo mandato porque havia feito tudo bastante semelhante aos tucanos no primeiro mandato, tendo como prioridade a manutenção da estabilidade em sua primeira fase no governo (2003/2006). Procuramos, desta forma, desenvolver a tese de Além (2012), segundo a qual a consolidação da estabilidade econômica iniciada pelo Plano Real permitiu ao presidente Lula e à sua equipe retomarem as políticas estatais para crescimento da economia, o que incluiu a retomada dos subsídios, escolhas de empresas campeãs, aumento do crédito via bancos públicos, entre outras modalidades. Somos levados a supor, com efeito, que, caso os tucanos tivessem se mantido no poder, e as condições econômicas se mostrassem igualmente favoráveis, como no governo petista, poderiam ter adotado políticas mais expansionistas123. Pensamos isso a partir do raciocínio de Couto e Abrucio (2003, p. 282) de que, ao bancar os custos do seu segundo mandato, com a aprovação da emenda da reeleição, o presidente Fernando Henrique esperava ver o governo recompensado com os efeitos positivos do prosseguimento das reformas. Assim, implementaria uma “agenda que fosse além da política antiinflacionária e das privatizações, procurando retomar o desenvolvimento”. O que não quer dizer, a nosso ver, que o PSDB teria adotado as medidas desenvolvimentistas na dimensão que o governo petista adotou, como a inversão pró-Estado na economia e transferência de recursos vultosos do Tesouro para o BNDES, a fim de assegurar financiamentos a Fusões e Aquisições de Grandes Grupos Nacionais. Mesmo porque, os quadros tucanos

123 Citamos o PSDB aqui de maneira genérica, sem levar em conta os perfis de José Serra, candidato pelo partido em 2002 e 2010, e Geraldo Alckmin, postulante à Presidência em 2006. 189 defendem a competição internacional como forma de dar competitividade à economia e tentar impedir que os empresários nacionais entrem numa zona de conforto, protegidos pelo Estado. O BNDES, por sua vez, amplia sua participação nas políticas econômicas do governo petista, com vieses de Estado mais proativo. É o caso do Programa Brasil Maior, lançado em agosto de 2011, oito meses após a posse da presidente Dilma Rousseff. O Brasil Maior foi anunciado como “a política industrial, tecnológica e de comércio exterior do governo Dilma Rousseff”124, como resposta ao momento turbulento da economia mundial. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, gestor do Brasil Maior, o programa tem “desafios colossais”, tais como:

1) Sustentar o crescimento econômico inclusivo num contexto econômico adverso; 2) sair da crise internacional em melhor posição do que entrou, o que resultaria numa mudança estrutural da inserção do país na economia mundial. Para tanto, o Plano tem como foco a inovação e o adensamento produtivo do parque industrial brasileiro, objetivando ganhos sustentados da produtividade do trabalho.

Dessa forma, os objetivos do plano são de sustentar o crescimento econômico brasileiro e, ao mesmo tempo, aproveitar oportunidades geradas pela crise para que o país saia melhor do que entrou, o que lhe daria um novo status no xadrez econômico mundial. Os instrumentos para alcançar essas metas são a inovação e o adensamento produtivo da indústria brasileira, visando a ganhos de produtividade. O Brasil Maior oferece uma série de programas que visam a apoiar os setores afetados pelo câmbio, reforçar os financiamentos à inovação, o capital de giro e a qualificação profissional125. Entre os programas estão o Revitaliza, que possui orçamento de R$ 6,7 bilhões, taxa fixa de juros de 9% e tem por objetivo apoiar os setores mais afetados pela valorização cambial; o Progeren, com orçamento de R$ 10,4 bilhões, taxas de juros de 10% a 13% ao ano e financiamento de 36 meses, com 12 meses de carência, cujos recursos visam a dar melhores condições de crédito para capital de giro às micro, pequenas e

124 Disponível em: . Último acesso em: 28 fev. 2013 125 Disponível em: . Último acesso em 28/02/2013. 190 médias empresas de todos os setores e o maior deles, o PSI (Programa de Sustentação do Investimento). Instituído em 2009 e inserido no portfólio do Brasil Maior, o PSI tem como os financiamentos à aquisição de bens de capital; à inovação; exportação; aos equipamentos de TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) produzidos no país com tecnologia nacional; ônibus híbridos; à aquisição de caminhões, chassis e tratores (Procaminhoneiro), entre outros. Entre setembro de 2009 e dezembro de 2012 o PSI já havia desembolsado R$ 167 bilhões (Valor Econômico, 06/12/12). Outra iniciativa em que o BNDES terá participação ativa será no Programa de Investimentos em Logística (PIL), que prevê a concessão de estradas e ferrovias à iniciativa privada. Anunciado pela presidente Dilma Rousseff em 15 de agosto de 2012, o programa tem projetos estimados em R$ 133 bilhões, dos quais até 80% poderão ser financiados pelo banco (Estado de S. Paulo, 16/08/2012). O PIL prevê a concessão de 7,5 mil km de estradas e de 10 mil km de ferrovias à iniciativa privada. O banco também financiará dois terços de todos os investimentos previstos no plano de concessões de portos e aeroportos do governo, que integram a segunda etapa do PIL. “A decisão é participar pesadamente do financiamento das infraestruturas de logística (...) São infraestruturas que têm um prazo de maturação relativamente longo e demandam um crédito de longo prazo”, destacou o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, ao detalhar as diretrizes do Plano em solenidade no Palácio do Planalto (Estado de S. Paulo, 26/10/2012). Para sustentar os financiamentos do BNDES, o governo federal manteve os repasses ao banco, observados a partir de 2009, auge da crise financeira mundial. De acordo com o jornal Valor Econômico (30/11/2012), o Tesouro bancou 51,4% do total de R$ 538,2 bilhões de empréstimos realizados pelo BNDES entre janeiro de 2009 (primeiro empréstimo) e novembro de 2012. O levantamento tem como fonte o documento enviado trimestralmente pelo BNDES ao Congresso Nacional em que presta conta do uso dos recursos repassados pelo Tesouro. Segundo a matéria, dos R$ 285 bilhões que o Tesouro tinha autorização para emprestar nesse período, R$ 250,2 bilhões já haviam sido sacados. Entre

191 esses financiamentos está o maior já realizado pelo BNDES a um único empreendimento, no valor de R$ 22,5 bilhões, à construção da usina de Belo Monte. Essa também é a maior participação do banco no total dos financiamentos a um megainvestimentos, chegando a 78% do total de empréstimos à usina. O texto destaca ainda o empréstimo de R$ 25 bilhões contratado pela Petrobras junto ao Banco, em julho de 2010, que, embora ainda seja o maior da história do banco, foi destinado a vários projetos, como da refinaria Abreu e Lima (Pernambuco), que sozinha recebeu R$ 9,8 bilhões desse total. Encontram-se ainda, dentro dos grandes financiamentos do banco, o de R$ 9,5 bilhões à construção da usina de Jirau, no Rio Madeira, mesmo valor destinado à Usina de Angra 3; o de R$ 7,3 bilhões à Vale; de R$ 4,4 bilhões à operadora de Telecom Oi e de R$ 3 bilhões à operadora Vivo. Como vimos acima, os repasses do Tesouro ao BNDES elevam o endividamento público. De acordo com levantamento do economista Mansueto Almeida, baseado em números oficiais do BNDES, no ano de 2007, R$ 8,2 bilhões da dívida pública vinham de empréstimos feitos ao BNDES, representando 0,7% da dívida pública líquida, que era de R$ 1,1 trilhão, ou 0,48% da dívida pública bruta, de R$ 1,7 trilhão. Em setembro de 2012, no entanto, os repasses ao BNDES passaram a representar 21,7% da dívida líquida, no total de R$ 1,5 trilhão, e 13% da dívida bruta, de R$ 2,5 trilhões. (Valor Econômico, 30/11/2012). Tal ativismo estatal está levando a comparações das atuais diretrizes econômicas com o desenvolvimentismo adotado na década de 1970 pelo regime militar, como ressaltam os economistas Edward Amadeo, ministro do Trabalho e secretário de Política Econômica no governo do presidente Fernando Henrique, e Armínio Fraga, presidente do Banco Central no segundo mandato do presidente tucano. No artigo “O fim da herança bendita?” (Estado de S. Paulo, 16/12/2012), os autores criticam o que consideram um retorno às políticas do milagre econômico, a partir de 2008, e o consequente abandono das diretrizes econômicas implantadas pelo governo do presidente Fernando Henrique e mantidas no primeiro mandato do presidente Lula.

192

De fato, Gremaud e Pires 126 (2010), ao analisarem o plano Metas e Bases e o I Plano Nacional de Desenvolvimento (1970/1974), afirmam que:

No I PND existe a preocupação em situar as empresas nacionais de forma mais competitiva no mercado internacional (...) fica evidente dentro da estratégia do I PND a necessidade de apoiar decisivamente as grandes empresas nacionais, de constituí-las em bases sólidas e, ao mesmo tempo, contar com o apoio das empresas estatais (Idem, 2010, pgs. 54-55, org. KON).

Em que pese o fato de que neste período as empresas estatais eram preponderantes no parque produtivo nacional, ao contrário do cenário pós privatizações, concordamos que há semelhanças com o modelo desenvolvimentista implantado pelo PT a partir de 2007/2008, o qual Belluzzo (2009) caracterizou como “Novo Estado Desenvolvimentista”, e aprofundado no governo da presidente Dilma Rousseff. Senão, vejamos: Gremaud e Pires (2010, p.55) ressaltam que a “preeminência da grande empresa nacional na formulação do I PND expressa- se de forma acabada na preocupação em viabilizá-la como um dos suportes fundamentais no processo de desenvolvimento então em curso”. Para apoiar os grandes empreendimentos nacionais o governo federal concederia empréstimos pelo BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e incentivos fiscais do Imposto de Renda à fusão e incorporação de empresas. Portanto, assim como no governo petista, o regime militar via nas grandes empresas nacionais a forma de impulsionar o capitalismo brasileiro e de inserir o país no mundo como potência mundial:

O pilar de grande empresa e grandes projetos nacionais fez parte da ideologia que se tentava firmar de Brasil potência. O I PND percebeu que a produção ao nível mundial era dominada pelas empresas multinacionais. Portanto, se o Brasil objetivasse alcançar o estágio do desenvolvimento necessitaria de grandes empresas em condições de concorrer com as multinacionais (VERMULM, 1985, in GREMAUD e PIRES, 2010, pgs. 55-56, org. KON).

Essa análise nos remete à estratégia petista de utilizar o BNDES para fortalecer os grandes grupos nacionais a fim de enfrentar as multinacionais em

126 Amaury Patrick Gremaud e Júlio Manuel Pires são professores e pesquisadores do Departamento de Economia da FEA/USP, sendo o primeito do campus de Ribeirão Preto. Os artigos escritos pelos dois a respeito dos PNDs I e II possuem relação direta com nosso trabalho. 193 condições de igualdade, como vimos ao longo deste trabalho. Avaliamos, desta forma, que apesar de terem iniciado em 2007/2008, as estratégias estatais para desenvolvimento nacional não só foram mantidas, como adotadas como linha mestra pelo governo petista, para além da função de medidas anticíclicas frente às crises internacionais. Apesar do voluntarismo e das aparentes boas intenções, este modelo pode se revelar um equívoco, provocando efeitos colaterais inversos aos resultados pretendidos, pois, ao eleger vencedores, “também elege os perdedores, que são, evidentemente, os empresários e trabalhadores da grande maioria das empresas, que não foram eleitas para serem campeãs” (AMADEO e FRAGA, 2012). Tal modelo gera ainda perdas de eficiência e produtividade, repetindo o que o ocorreu ao fim do período do milagre econômico, e faz com o que o Brasil tenha taxa agregada de investimentos inferior ao de países pares. O ativismo estatal e os repasses do Tesouro ao BNDES são defendidos, por sua vez, pelos que veem como necessária a ação do governo para reverter os efeitos deletérios provocados pelas crises econômicas, a exemplo do presidente da Associação Keynesiana Brasileira, Luiz Fernando De Paula. Para o economista “qualquer limitação ao poder do governo de elevar o orçamento do banco por meio de recursos do Tesouro poderia inibir a agilidade da União de reaquecer a economia em momentos de turbulência” (Valor Econômico, 30/11/2012). O BNDES encontra-se, portanto, no centro das discussões entre ortodoxos/liberais e heterodoxos/desenvolvimentistas sobre a forma de atuação do Estado brasileiro em relação ao mercado. Nesse sentido, nos parece importante compreender as posições do PSDB e do PT frente a essas controvérsias, visto que desde 1994 são partidos protagonistas das eleições presidenciais. O fato é que, seja pelo viés desenvolvimentista ou liberal, o BNDES, pelo o que a História mostra, deverá sempre exercer um papel central nas políticas econômicas nacionais.

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Entrevistas: Gustavo Franco – Outubro 2011 (pessoalmente) João Furtado – Março 2012 (pessoalmente) Ana Cláudia Além – Abril 2012 (por telefone)

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