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AS POSSIBILIDADES NARRATIVAS DAS

Ila Mascarenhas Muniz

Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil

RESUMO

Atualmente, a internet revolucionou o estilo de vida moderno e se transformou no meio de comunicação mais disseminado no mundo. As possibilidades e facilidades oferecidas pela rede de computadores abriram espaço para que usuários também pudessem produzir conteúdo e disponibilizá-lo para o mundo todo com muito mais facilidade e eficiência. Neste cenário atual, muitos artistas, tanto iniciantes quanto profissionais, passaram a expor seus trabalhos em plataformas digitais sem precisar se preocupar com as limitações impostas pelo mercado editorial. Entretanto, a internet oferece uma infinidade de recursos tecnológicos ainda não explorados plenamente. Com a herança das restrições impostas pelo mercado impresso, as histórias em quadrinhos precisariam se adequar aos novos formatos, exigindo a criação de uma nova linguagem proveniente da mídia digital. Esta pesquisa propõe apresentar uma análise crítica da linguagem utilizada por algumas webcomics produzidas no Brasil e no exterior. Para isso, o estudo se fundamenta na semiótica para analisar os sistemas de signos presentes nas histórias em quadrinhos e como ocorre a interação entre os leitores e as produções quadrinísticas disponíveis em meios digitais. A pesquisa chegou à conclusão de que, apesar da variedade de recursos oferecidos pelas mídias digitais, as webcomics ainda estão presas aos padrões ditados pela mídia impressa.

PALAVRAS-CHAVE: Webcomics; internet; mídias digitais; interação.

ABSTRACT

Today, the internet has revolutionized the modern way of life and it has become the most widespread medium of communication in the world. The possibilities and facilities offered by the computer network has made room for users could also produce content and made available to the world much more easily and efficiently. In this current scenario, many artists, both beginners and professionals, began to expose their work on digital platforms without having to worry about the limitations imposed by the publishing market. However, the internet offers a myriad of technological resources not yet fully exploited. With the inheritance of restrictions imposed by the print market, would need to adapt to the new formats, requiring the creation of a new language from digital media. This research proposes to present a critical analysis of the language used by some webcomics produced in Brazil and abroad. For this, the study is based on the semiotics to analyze the systems of signs present in the comic books and how the interaction between the readers and the productions available in digital media occurs. The research came to the conclusion that, despite the variety of features offered by digital media, webcomics are still stuck to the standards dictated by print media.

KEYWORDS: Webcomics; internet; digital medias; interaction.

INTRODUÇÃO

Contar histórias utilizando figuras é uma prática presente na história da humanidade desde a Antiguidade, mas acredita-se que as histórias em quadrinhos, como as conhecemos atualmente, surgiram em meados do século XIX quando o escritor suíço Rudolph Topffer (1799-1846) publicou suas Histoires en Estampes (BARBOSA JÚNIOR, 2002). Mas, as histórias com imagens seriadas se popularizaram mesmo com os suplementos dos jornais dominicais americanos (MOYA, 1993) ou com as tiras cômicas diárias. A partir daí, os comics viraram um dos principais produtos de proliferação da cultura de massa da nova sociedade industrializada e, pela primeira vez, um produto de massa voltado preferencialmente para o público mais jovem (VERGUEIRO; RAMOS, 2009). As primeiras histórias em quadrinhos americanas tinham como principal função fazer rir e isso resultou na sua rápida popularização, além de lhe garantir o nome de comics nos Estados Unidos (ANSELMO, 1975).

Acredita-se que a primeira história em quadrinhos a utilizar os balões como recurso de fala e com personagens recorrentes foram as tirinhas semanais do Yellow Kid , de Richard Fenton Outcault (MOYA, 1993) (ANSELMO, 1975), proporcionando o surgimento de alguns dos conceitos fundamentais da linguagem dos comics . Devido ao sucesso dos personagens de quadrinhos, os jornais incentivaram a produção de histórias e impulsionaram o desenvolvimento das HQs nos EUA. Na Europa, o mercado de quadrinhos se desenvolveu, principalmente, na França, Alemanha e Inglaterra.

Surgindo quase paralelamente ao cinema, os quadrinhos modernos acabaram influenciando a nova técnica artística de reprodução de imagens em uma tela, simulando movimento, e igualmente foi influenciado pela linguagem cinematográfica, ao mesmo tempo em que ambos se baseavam na longa tradição técnica das artes visuais (BARBOSA JÚNIOR, 2002). Entre o final do século XIX e início do XX, os primeiros cineastas usaram os enredos e piadas dos quadrinhos para produzir filmes de curta duração e, assim, mostrar as maravilhas da nova tecnologia que produzia a ilusão do movimento. Stuart Blackton (1875–

1941) misturou imagens animadas com live action em seus curta-metragens Enchanted Drawing (1900) e Humorous Phases of Funny Faces (1906) (PETERSEN, 2011).

Mas, apesar da similaridade narrativa e visual, poucos personagens de quadrinhos foram transpostos para as telas do cinema, assim como poucas caricaturas animadas viraram quadrinhos. Winsor McCay foi um dos primeiros quadrinistas a usar seus personagens em um curta animado chamado Little Nemo (1911), mas não tentou reproduzir uma de suas páginas dos quadrinhos. Mesmo com as semelhanças, a linguagem do cinema tomou um rumo diferente da adotada pelos quadrinhos.

Ao longo do século XX, o mercado de quadrinhos sofreu altos e baixos, devido ao período de turbulências na vida social, econômica e política, principalmente nos países da América, Europa e Ásia. Nas décadas de 1930 e 1940, os heróis dos quadrinhos “entraram” na Segunda Guerra como armas de propaganda, implícita ou explicitamente, lançando apelos para o governo e os cidadãos a apoiar o esforço de guerra ou, até mesmo, demonizando os inimigos a serem combatidos. Nas décadas seguintes, o grande obstáculo para o desenvolvimento do mercado das HQs seriam as acusações de influência nociva para a juventude, proferidas por psiquiatras, psicólogos, educadores e outras profissões de destaque no meio intelectual. Atualmente, as HQs voltaram a despertar a atenção do público e, em particular, cresceu o debate em torno dos benefícios de se aliar quadrinhos e Educação. Além disso, com a criação das graphic novels (novelas gráficas), as HQs conquistaram reconhecimento por seu valor artístico (CARDOSO e DOMINGOS, 2015).

Diferentemente dos quadrinhos ocidentais, principalmente americanos, o mercado de quadrinhos dos países do Leste não se direcionou preferencialmente ao público infanto- juvenil. Os quadrinhos produzidos no Oriente desenvolveram toda uma linguagem independente e se destacam três tipos de quadrinhos dentre eles: mangá (quadrinhos japoneses), manhua (quadrinhos chineses) e (quadrinhos coreanos). Apesar de esses termos significarem histórias em quadrinhos de forma genérica dentro de seus países de origem, cada tipo possui características singulares.

Partindo destes três, o mais popular é o mangá que se tornou em um dos principais veículos de difusão da cultura japonesa pelo mundo. O termo remonta do início do século XIX, mas o estilo só se tornou realmente conhecido após a década de 1940 quando o mangaká (desenhista de mangás) Osamu Tezuka definiu as características do mangá moderno, se inspirando nos cartuns ocidentais, especialmente nas produções clássicas da Disney.

No Japão, pessoas de todas as faixas etárias costumam ler mangás e, segundo dados da Associação Japonesa de Papel, os mangás representam por volta de 40% do material impresso no Japão, movimentando US$ 3,6 bilhões (mais de R$ 14 bilhões) em vendas por ano1. Mas a popularidade dos mangás ultrapassou as fronteiras nipônicas e chegou ao restante do mundo, principalmente, através da internet.

Figura 1 – Da esquerda para a direita: manhua (chinês) de Feng Shen Ji, mangá (japonês) de FullMetal Alchemist e manhwa (coreano) de Witch Hunter. Fonte:

O avanço tecnológico permitiu o aperfeiçoamento e o barateamento de equipamentos de digitalização de imagens, popularizando as scans (HQs digitalizadas a partir da obra original, em geral, sem licenciamento para a disponibilização da obra) no ambiente digital. Sem poder impedir a leitura e distribuição ilegal de seus produtos, as editoras de quadrinhos

1 Mais detalhes na página da BBC Brasil: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151220_manga_brasileiro_et_lk

optaram por facilitar a leitura digital por meio de seus próprios aplicativos. Porém, mesmo com o sucesso desses aplicativos, a produção digital ainda depende da estrutura das HQs impressas (CARDOSO e DOMINGOS, 2015).

A facilidade de divulgar trabalhos para um grande público sem precisar atender as exigências das editoras de quadrinhos abriu a possibilidade de artistas amadores e profissionais usarem a web para publicar suas histórias. Mas, além dessa vantagem, os recursos oferecidos pelas mídias digitais viabilizam realizações impossíveis de serem executadas no material impresso. A utilização desses recursos contribuiu para o surgimento de uma nova maneira de se fazer quadrinhos.

O termo (ou ) surgiu na Coréia do Sul para designar os feitos para serem lidos online , mas não se restringe apenas aos quadrinhos coreanos. E dentre suas características se incluem, não obrigatoriamente, o infinite scroll (onde as páginas são ligadas umas às outras para serem trocadas com o scroll do mouse , ao invés do clique) e alguns sons e efeitos animados.

LINGUAGEM DOS QUADRINHOS

A popularização dos computadores pessoais nas últimas décadas provocou uma grande mudança na criação e distribuição de conteúdos para informação e entretenimento. Não é possível medir com precisão os efeitos da mídia digital nas publicações em geral e, mais especificamente, nas histórias em quadrinhos, mas é evidente o aumento considerável na criação, distribuição e venda de produções disponibilizadas ou, até mesmo, criadas exclusivamente para o mercado digital (PETERSEN, 2011).

E as Webcomics não ganharam popularidade apenas por causa da qualidade das novas produções, mas também por causa da perspectiva de inovação da linguagem dos quadrinhos, misturando arte sequencial com animação, áudio e vídeo (CARDOSO e DOMINGOS, 2015).

O termo arte sequencial foi cunhado por Will Eisner em seu livro Comics and Sequential Art , ressaltando a importância de se examinar a disposição dos elementos específicos de uma história em quadrinhos como um todo. “As histórias em quadrinhos comunicam numa 'linguagem’ que se vale da experiência visual comum ao criador e ao público” (EISNER, 1999). O processo de interpretação da configuração geral da revista de quadrinhos depende de uma combinação das habilidades interpretativas visuais e verbais do leitor com os símbolos e imagens reconhecíveis utilizados pelo quadrinista. A linguagem dos quadrinhos surge a partir da conjunção do elemento linguístico textual com a imagem para formar o código narrativo quadrinizado. Mas a união entre imagem e palavras ocorre com a alternância de funções de interdependência e dominância entre os dois. Apesar de ser possível contar toda uma história apenas utilizando imagens.

No livro A Linguagem dos Quadrinhos: Estudos de Estética, Linguística e Semiótica, Waldomiro Vergueiro (2015) apresenta uma definição de história em quadrinhos extraída de Antonio Luiz Cagnin (1975, p. 25):

A história em quadrinhos é um sistema narrativo formado de dois códigos de signos gráficos:

- a imagem, obtida pelos desenhos;

- a linguagem escrita.

Além de abranger os dois códigos que atuam na composição da história em quadrinhos, essa definição também aponta o caráter narrativo como elemento essencial. Mas, a definição também pode incluir as histórias que se utilizam da linguagem não-verbal, ou seja, a história contada apenas pelos gestos e expressões das personagens ou com o mínimo de palavras possíveis.

Contudo, o elemento que mais se destaca nas HQs é, sem dúvida, o quadrinho, também conhecido como requadro. Eisner (1999) indica o quadrinho como um recurso para capturar ou encapsular os eventos que ocorrem ao decorrer da narrativa, criando segmentos sequenciados onde a ação é decomposta. E, além da função de servir como enquadramento

da cena para conter a visão do leitor, o requadro pode servir como meio de controle no fluxo da narrativa e como elemento da linguagem não-verbal da arte sequencial.

Ao contrário do que ocorre no cinema, nos quadrinhos, não há uma forma de impedir a leitura do final da história antes da leitura da apresentação. O artista sequencial conta apenas com um acordo implícito com o leitor de acompanhar a convenção de leitura e os quadrinhos são o dispositivo de controle na leitura. A estruturação dos quadrinhos na página de uma HQ ocidental segue a suposição de que o leitor acompanhará cada página separadamente, da esquerda para a direita e de cima para baixo, mesmo que isso de fato não aconteça. Mas essa regra não é absoluta. As publicações chinesas e japonesas ( manhuas e mangás ) seguem o sentido de leitura da direita para esquerda.

O formato ou, até mesmo, a ausência do requadro pode se tornar um recurso narrativo. Ele comumentemente é usado como suporte estrutural e “pode expressar algo sobre a dimensão do som e do clima emocional em que ocorre a ação, assim como contribuir para a atmosfera da página como um todo” (EISNER, 1999). A distorção do requadro reflete como uma tentativa de imergir o leitor na ação ou que a ação saia da página ao encontro do leitor, evocando estados de tensão. Ademais, a quantidade de quadrinhos interfere no tempo de leitura (uma ação pode ser prolongada com a adição de quadros intermediários entre o quadro inicial e o quadro final). A ausência dele também pode expressar um sentimento específico, no caso, a sensação de espaço ilimitado ou serenidade. É inevitável concluir que o quadrinho é um elemento tão importante que, mesmo sua inexistência, interfere no entendimento da narrativa.

No entanto, é válido ressaltar que o layout básico dos quadrinhos, com formato e proporção rígidos, surgiu a partir da necessidade de se adequar ao modelo dos jornais e às limitações das impressões. As restrições tecnológicas na época em que os quadrinhos começaram a se firmar como meio de transmissão da cultura de massa serviram simultaneamente como obstáculo e como vantagem. A importância de se adaptar a história a estrutura do papel permitiu a criação de uma linguagem própria porém, com a inclusão das modernas ferramentas computacionais, abre a possibilidade de se estender a capacidade narrativa das histórias em quadrinhos para níveis inimagináveis anteriormente.

QUADRINHOS E INTERNET

Desde o surgimento dos personal computers em meados dos anos 1970, os computadores se tornaram ferramentas úteis nas mais variadas atividades. Para facilitar o uso pelo usuário comum, as empresas de tecnologia investem em pesquisas sobre interação entre pessoas e máquinas. Os esforços nessa área possibilitaram a criação de dispositivos e softwares cada vez mais simples de usar, ao mesmo tempo em que a capacidade de processamento dos computadores cresceu consideravelmente e seus custos de produção se reduziram. Em poucas décadas, os computadores deixarem de serem apenas instrumentos de trabalho de grandes corporações para estarem presentes nas casas dos usuários comuns (CYBIS et al , 2010).

Além de serem utilizados na comunicação entre pessoas e nos serviços sociais básicos, como transportes e transações financeiras, os computadores também exercem influência na indústria do entretenimento, em especial na indústria editorial. As novas exigências editoriais e de leitura da atualidade contribuíram para uma adaptação das HQs à linguagem hipermídia da internet (CARDOSO e DOMINGOS, 2015). Inclusive, muitas famosas produções que se consolidaram no material impresso, como o brasileiro Turma da Mônica ou os heróis americanos da Marvel, aderiram ao formato digital.

Os primeiros quadrinhos a serem disponibilizados na web partiram da iniciativa de fãs e nada mais eram do que digitalizações dos materiais originais impressos, as famosas scans (ibid , 2015). Em geral, os sites e blogs que disponibilizavam as HQs digitalizadas para download não possuíam licenciamento para isso mas, mesmo assim, a procura foi tão grande que usuários se dispunham para fazer as traduções do material original das versões estrangeiras, caso não tivessem versões disponíveis no idioma dos leitores. O sucesso das scans serviu para popularizar, principalmente, os comics americanos e os mangás japoneses para o mundo inteiro.

Mesmo estando em um suporte muito diferente do papel, os quadrinhos continuaram a ser construídos baseados no modelo clássico, independente do formato da tela dos computadores. Muitos quadrinhos tentaram reproduzir a experiência da leitura do material impresso usando animações para simular o movimento das páginas de uma revista. Entretanto, alguns quadrinistas resolveram adaptar o formato da história à tela do computador e, para isso, seria necessária uma reavaliação da linguagem dos quadrinhos.

Para uma compreensão real da linguagem de quadrinhos, cada unidade elementar constituinte deve ser analisada em conjunto, ou seja, uma separação entre imagem e texto, por exemplo, não fornecerá o nível de profundidade adequada para uma análise. Entretanto, para fins didáticos, uma análise dos seus elementos básicos exigiria uma análise separada de cada um.

Tomemos por base o quadro, a unidade básica da linguagem dos quadrinhos (GRONSTEEN, 2015). Quando há uma mudança de suporte (das tiras de jornal para os álbuns e edições encadernadas ou, no caso, sites de leitura), a história precisa ser “remontada” e a primeira coisa a ser modificada é a ordenação dos quadros. Assim como existem webcomics que ainda preservam as determinações do layout impresso, também existem aquelas que utilizam o infinite scroll , animações, efeitos sonoros e, em algumas situações, oferecem opções de interatividade com o leitor.

Entretanto, quando uma história precisa ser reenquadrada, a sua composição interna (equilíbrio, tensão, dinamismo) pode ser comprometida e seu significado inicial alterado. Ao interferir na comunicação com o receptor da mensagem (no caso, o leitor), entra-se no vasto campo do estudo dos signos, chamada Semiótica , já que toda comunicação é feita através deles (FIDALGO e GRADIM, 2005). A Semiótica deriva da raiz grega ‘ semeion ’, que denota signo. O exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido é o objetivo da Semiótica (SANTAELLA, 2017). O signo é uma representação criada na mente do receptor da mensagem e significa algo para alguém. Os signos podem ser separados em tipos, sendo os mais comuns:

• Ìcones são signos que guardam uma relação de semelhança com o que representam. Nos quadrinhos, as imagens dos personagens e objetos do mundo real são ícones. • Índices são signos que indicam algo e que devem ser interpretados através experiência subjetiva ou herança cultural do intérprete da mensagem. Como, por exemplo, os balões que indicam a fala de um personagem ou as onomatopeias que indicam os sons do ambiente.

• Símbolos são signos sem uma relação de semelhança com o objeto representado, mas há uma relação convencional entre representante e representado. Fora do contexto de uma história, o balão de fala e os requadros podem funcionar como representações para histórias em quadrinhos em geral.

E, além disso, o requadro pode adquirir significado dentro da história, além da função de enquadramento ou de indicar o tempo de duração da ação. Ele pode ser utilizado como recurso para sugerir uma ideia ou emoção. Eisner (1999) indica que uma alteração no requadro, deixando-o sinuoso ou ondulado, pode indicar um flashback , provocando um deslocamento cronológico na narrativa, por exemplo. Outra maneira de demonstrar uma alteração no tempo seria o esticamento no tamanho do quadrinho para assinalar um tempo mais longo para determinada ação. Nesse quesito, as produções digitais têm uma vantagem sobre o material impresso porque não estão presas às limitações do tamanho do papel. O quadrinista pode esticar o quadro indefinidamente ou arranjá-los na distância que desejar, mas sempre deve considerar se a utilização desses artifícios contribuirá significativamente para a história e não irão atrapalhar a experiência de leitura.

Outro mecanismo disponível no meio que pode definitivamente mudar a forma como criar e ler quadrinhos são as animações. A inclusão de gifs animados, por exemplo, pode enriquecer o enredo das histórias e proporcionar mais liberdade de criação aos quadrinistas. Ademais, as webcomics podem realizar um feito que, até pouco tempo atrás, era considerado inconcebível para as histórias em quadrinhos: a possibilidade de interação direta com o público-leitor que pode, inclusive, alterar o rumo da narrativa.

Contudo, a inclusão de novas tecnologias pode redefinir as fronteiras que separam as histórias em quadrinhos de outras mídias visuais, como o cinema de animação e os videogames. Muitas das determinações atribuídas à linguagem dos quadrinhos eram baseadas em tentativas de contornar as limitações tecnológicas, por exemplo, o uso de onomatopeias para compensar a ausência de som. Com a possibilidade de produzir efeitos impossíveis há alguns anos atrás, as definições sobre o que é ou não linguagem de quadrinhos precisariam ser revistas.

CONCLUSÃO

Apesar da variedade de possibilidades narrativas providas pelas plataformas digitais, grande parte do material disponibilizado pela internet ainda não aproveita muito de seu potencial. Boa porcentagem dos quadrinhos na web advém das scans , derivadas do material impresso. Além disso, muitas tiras e outras histórias mais longas feitas para serem acessadas via internet ainda preservam a herança do formato impresso. A quantidade de webcomics que se aventuram em usar animações, efeitos sonoros e outras alternativas tecnológicas; como as narrativas que permitem a intervenção do leitor, por exemplo; para incorporar ao sentido das histórias é pequena em comparação àquelas que não dispõem de tais funcionalidades.

Para os quadrinistas pode ser mais cômodo desfrutar apenas dos recursos possíveis de serem empregados também no formato impresso por ser uma linguagem bem mais familiar do que a das mídias digitais. Afinal, as produções digitais não contam com um legado de mais de um século como as versões impressas. De certa forma, não se espera que os quadrinistas sempre apliquem esses recursos em suas histórias, mas que os autores tenham consciência da existência dessas ferramentas para, quando quiserem enfatizar uma sensação, o estado de ânimo de um personagem ou tentar retratar o clima do ambiente onde a história se desenvolve, poderem saber usar todos os meios à sua disposição da melhor forma possível.

REFERÊNCIAS

ANSELMO, Zilda Augusta. Histórias em quadrinhos . Petrópolis, RJ: Vozes, 1975.

Aprendendo as diferenças – Mangá, Manhua e Manhwa. Disponível em: Acesso em: 15 de jul. 2017.

BARBOSA JÚNIOR, Alberto Lucena. Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora SENAC, 2002.

CARDOSO, José Arlei; DOMINGOS, Ana Cláudia Munari. Webcomic e hiperleitura . In Anais do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: Acesso em: 15 de jul. 2017.

CYBIS, Walter; BETIOL, Adriana Holtz; FAUST, Richard. Ergonomia e usabilidade: conhecimentos, métodos e aplicações. São Paulo: Novatec Editora, 2010.

EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FIDALGO, António Carreto; GRADIM, Anabela. Manual de semiótica. 2005.

GRONSTEEN, Thierry. O Sistema dos Quadrinhos . Nova Iguaçu: Marsupial Editora, 2015.

MOYA, Alvaro de. Historia da historia em quadrinhos . 2. ed. São Paulo, SP: Brasiliense, 1993.

PETERSEN, Robert S. Comics, manga, and graphic novels: a history of graphic narratives. ABC- CLIO, 2011.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica . 5 ed. Brasiliense, 1987.

VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo. Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. São Paulo: Contexto, 2009.

VERGUEIRO, Waldomiro; SANTOS, Roberto Elísio dos (orgs). A linguagem dos quadrinhos: estudos de estética, linguística e semiótica. São Paulo: Criativo, 2015.