Natalia Christofoletti Barrenha* Ano 17 Elefante Branco: Espaço Urbano, Ruínas E Violência
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191 ARS Natalia Christofoletti Barrenha* ano 17 Elefante branco: espaço urbano, ruínas e violência. n. 36 White Elephant: urban space, ruins and violence. Artigo inédito Natalia Christofoletti Barrenha 0000-0001-9169-0489 palavras-chave: Pensaremos o filme Elefante branco (Elefante blanco, 2012), de Pablo Trapero, a Pablo Trapero; cinema partir do espaço urbano que ele representa/cria. A ruína enquanto espectro, tanto argentino; espaço urbano; ruínas; violência do fracasso quanto da resistência, modulará a análise dessa produção, que aposta na mobilização de ideias que cercam um universo complexo como a favela – entre elas, além da imagem da ruína, a violência como elemento constitutivo da cotidianidade. Essa mobilização ocorre por meio da vivência de personagens alheios a tal mundo e que escolhem ser parte dele, mergulhando em uma trajetória de aprendizagem que, como tudo no filme, tem a dupla cara de destruição e de construção. Também faremos uma rápida exploração do espaço nos outros filmes de Trapero e das favelas no cinema argentino. keywords: We will consider White Elephant (Elefante blanco, 2012), by Pablo Trapero, by Pablo Trapero; Argentine analyzing the urban space that it represents/creates. This investigation will be cinema; urban space; ruins; violence modulates by the idea of the ruin, a specter of both failure and resistance, which integrates a realm of ideas related to a complex universe such as the slum – among them, violence as a constituent of everyday life. This movement occurs through the experience of characters foreigner to that world, who enter it, plunging into a learning path that, like everything in the movie, has the double face of destruction and construction. We will also develop a quick exploration of space in Trapero’s other films and of the slums in Argentine cinema. *Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil. DOI: 10.11606/issn.2178-0447. ars.2019.145306 192 Preâmbulo: breves considerações sobre o espaço e o Natalia Christofoletti deslocamento nos filmes de Pablo Trapero Barrenha Elefante branco: espaço urbano, Para realizar uma análise sobre o espaço em um filme de Pablo ruínas e violência Trapero (Argentina, 1971), é importante ter em conta a relevância, em toda sua obra, da localização e identificação do mundo diegético, assim 1. Os filmes nos quais incluímos o título em como da função primordial efetuada pelo deslocamento: em Mundo português é porque estrearam grúa (1999), o desempregado suburbano Rulo, na sofrida Argentina comercialmente no Brasil. de fins dos anos 1990, percorre territórios, como a cidade de Buenos Sobre os textos citados, aqueles que não possuem Aires e a patagônica Comodoro Rivadavia, mobilizado pela necessidade edição em português foram de trabalhar e aprender um novo ofício. Em El bonaerense (Do outro traduzidos pela autora. lado da lei1, 2002), Zapa – com o objetivo de evitar ser preso por ter 2. É denominado bonaerense participado um pouco desavisadamente de um delito – deve abando- quem é natural da província de Buenos Aires. Falando sobre 2 nar seu povoado e entrar para a polícia da província de Buenos Aires . o filme, o cineasta destaca Familia rodante (Família rodante, 2004) acompanha a decomposição seu interesse por entender as e recomposição dos laços afetivos no percurso de um trailer do conur- relações que se estabelecem com esse espaço: “Se tratava 3. ANDERMANN, Jens. Nuevo bano bonaerense até o norte missioneiro; aqui, a viagem não é apenas de contar a história de um cine argentino. Buenos Aires: o movimento de um lugar a outro mas também um trajeto em direção cara que vive na província Paidós, 2015. p. 124. de Buenos Aires e, por meio 4. Cf. o estudo de Andermann à interioridade dos personagens e da trama, que se assenta na estru- dessa história, conhecer as (Ibidem, p. 117-132) sobre a tura familiar. Em Nacido y criado (2006), Santiago se desloca de sua diferenças que existem entre paisagem nesses três filmes viver na capital e viver na vida bem-sucedida na capital federal até a Patagônia para, após uma do diretor. província. O título sempre foi tragédia, se fechar também em uma viagem interior. Como analisa Jens esse, porque para mim era Andermann, “(…) a paisagem está em ressonância com um estado de muito representativo do clima ânimo; o rigor extremo e inóspito de seu caráter agreste proporciona que queria para o filme, essa ideia de pertencer a um lugar paradoxalmente um refúgio espiritual, um ponto de ancoragem para que tem regras diferentes. um personagem imobilizado por uma perda traumática”3. Ao contrá- Com o tempo, comecei a pensar em como dar forma a rio das bucólicas cenas que estimulam a reconstrução da identidade e esta ideia de El bonaerense: da comunidade em Familia rodante, a desoladora paisagem do deserto me parecia que o mais claro, nevado, tanto em Mundo grúa como em Nacido y criado, favorece suas representativo e iconográfico era um policial. De fato, se 4 dissoluções . associa o termo bonaerense Em Leonera (2008) assistimos à incursão de Julia na cadeia, na mais à polícia que aos habitantes da Grande Buenos maternidade e, posteriormente, sua fuga a mais uma nova transforma- Aires. (…) Ademais, o lugar – ção e a um novo lugar. A história de Carancho (Abutres, 2010) gira ao por causa do trabalho que faz redor de Sosa, um advogado que perdeu sua licença e agora trabalha o policial – se convertia muito mais em um protagonista para uma obscura fundação que supostamente ajuda vítimas de aci- que em mero cenário onde dentes de trânsito. Em uma de suas buscas por clientes, começa um acontecem outras coisas. O relacionamento com Luján, jovem médica recém-chegada à cidade que, lance do policial é trabalhar na rua, enfrentar os problemas de embora tente manter-se afastada das atividades ilegais do namorado, tal bairro. Teve gente que me termina ingressando com ele nesse universo turvo tomado pela violên- disse que, então, poderia ser um taxista, mas o taxista os cia. Em El clan (O clã, 2015), baseado em um famoso caso real ocor- enfrenta de outras maneiras, rido na década de 1980 na Argentina, uma família é arrastada – seja porque seu trabalho é dirigir 193 Preâmbulo: breves considerações sobre o espaço e o ARS por meio da ação, seja por meio do silêncio – pela loucura homicida do deslocamento nos filmes de Pablo Trapero ano 17 patriarca, sequestrando e matando pessoas ricas em sua casa na tran- n. 36 quila e abastada San Isidro, ao norte da capital. Para realizar uma análise sobre o espaço em um filme de Pablo Assim, os traslados, as viagens, os deslocamentos e os trânsitos Trapero (Argentina, 1971), é importante ter em conta a relevância, em entre uma situação e outra constituem uma presença recorrente no toda sua obra, da localização e identificação do mundo diegético, assim 1. Os filmes nos quais na rua, não lidar com os cinema de Trapero, e estão sempre ligados ao tema da aprendizagem, incluímos o título em problemas da rua. É diferente. como da função primordial efetuada pelo deslocamento: em Mundo português é porque estrearam Fundamentalmente, [o policial] da adequação de um indivíduo a um mundo alheio. A iniciação – no grúa (1999), o desempregado suburbano Rulo, na sofrida Argentina comercialmente no Brasil. dava ao filme uma carga muito sentido de iniciar uma jornada, uma experiência em um ambiente des- de fins dos anos 1990, percorre territórios, como a cidade de Buenos Sobre os textos citados, mais dramática que se tivesse conhecido – é um recurso narrativo que permite ao espectador acom- aqueles que não possuem sido uma pessoa que apenas Aires e a patagônica Comodoro Rivadavia, mobilizado pela necessidade edição em português foram se desloca”. Trapero em panhar o personagem em sua própria “construção” e efetuar com ele a de trabalhar e aprender um novo ofício. Em El bonaerense (Do outro traduzidos pela autora. entrevista a PEÑA, Fernando descoberta de um universo. Martín; LUKA, Ezequiel. Pablo 1 2. É denominado bonaerense lado da lei , 2002), Zapa – com o objetivo de evitar ser preso por ter Trapero. In: PEÑA, Fernando Para Sergio Wolf, os percursos de iniciação dos longas do cine- quem é natural da província de participado um pouco desavisadamente de um delito – deve abando- Martín (ed.). Generaciones asta são, na verdade, paradoxais, já que nunca resultam em aprendiza- Buenos Aires. Falando sobre nar seu povoado e entrar para a polícia da província de Buenos Aires2. 60/90: cine argentino dos triunfais, visto que são meras opções de sobrevivência: “périplos que o filme, o cineasta destaca independiente. Buenos Aires: Familia rodante (Família rodante, 2004) acompanha a decomposição seu interesse por entender as Malba, 2003. p. 201. ou marcam uma transformação impossível (Mundo grúa), ou abortada e recomposição dos laços afetivos no percurso de um trailer do conur- relações que se estabelecem (Do outro lado da lei), ou impensada (Família rodante), ou autoimposta com esse espaço: “Se tratava 3. ANDERMANN, Jens. Nuevo 5 bano bonaerense até o norte missioneiro; aqui, a viagem não é apenas de contar a história de um cine argentino. Buenos Aires: (Nacido y criado) ou obrigada (Leonera)” . Nahuel Montes reflete na o movimento de um lugar a outro mas também um trajeto em direção cara que vive na província Paidós, 2015. p. 124. mesma direção que Wolf: de Buenos Aires e, por meio 4. Cf. o estudo de Andermann à interioridade dos personagens e da trama, que se assenta na estru- dessa história, conhecer as (Ibidem, p. 117-132) sobre a tura familiar. Em Nacido y criado (2006), Santiago se desloca de sua diferenças que existem entre Pensamos que os filmes do diretor têm a complexidade de ser, ao mesmo paisagem nesses três filmes viver na capital e viver na vida bem-sucedida na capital federal até a Patagônia para, após uma do diretor.